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ESPÍRITO DA DOUTRINA MÉDICA HOMEOPÁTICA1

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Publicado no Reine Arzneimittellehre, n° 326, 1833

1 Esse ensaio apareceu em um jornal 20 anos atrás, naqueles dias significativos (março de 1813) quando os alemães não
tinham mais tempo livre para ler e ainda menos para refletir sobre assuntos científicos. A conseqüência disso foi que
essas palavras não foram ouvidas. Pode ser que agora tenham mais chances de serem estudadas minuciosamente,
particularmente em sua atual forma menos imperfeita (Reine Arzneimittellehre, 2 a edição, 1833).
É impossível adivinhar a natureza essencial interna das doenças e as mudanças
que elas produzem nas partes ocultas do corpo, e é absurdo organizar um sistema de
tratamento em cima de tais conjecturas e presunções hipotéticas; é impossível adivi-
nhar as propriedades medicinais de remédios a partir de qualquer hipótese química
ou a partir do seu odor, cor, ou sabor, e é absurdo tentar, a partir de tais conjecturas
e presunções hipotéticas, aplicar para o tratamento de doenças essas substâncias, as
quais são tão prejudiciais quando erradamente administradas. E mesmo se fosse tal
prática, já tão corriqueira e já de uso tão generalizado, a única em voga por milhares
de anos, ela continuaria, todavia, a ser uma prática sem sentido e perniciosa por estri-
bar, em concepções vazias, nossas idéias da condição mórbida do interior, e por tentar
combatê-la com propriedades de medicamentos igualmente imaginárias.
Perceptível, distintamente perceptível aos nossos sentidos, deve ser aquilo que
necessita ser removido em cada caso de doença, de maneira a transformá-la em saúde,
e cada medicamento deve expressar de forma bem clara o que positivamente pode
curar, caso a arte médica deixe de ser um temerário jogo de azar com a vida humana,
e comece a ser o libertador seguro de doenças.
Eu mostrarei o que é inegavelmente curável em doenças, e como as proprieda-
des curativas dos medicamentos serão distintamente percebidas e empregadas para
propósitos curativos.

OS

O que é a vida somente pode ser conhecido empiricamente a partir de seus fe-
nômenos e manifestações, mas nenhuma concepção sua pode ser formada, a priori,
por quaisquer especulações metafísicas; o que é a vida, em sua natureza essencial
verdadeira, nunca pode ser averiguado ou mesmo suposto pelos mortais.
Para o entendimento da vida humana, como também de suas duas condições,
saúde e doença, os princípios pelos quais nós explicamos outros fenômenos são
completamente inúteis. Com nada no mundo podemos, isoladamente, compará-la
com segurança; nem com o mecanismo de engrenagem de um relógio de bolso, nem
com uma máquina hidráulica, nem com processos químicos, nem com decomposição
e recomposição gasosa, nem ainda com uma bateria galvânica, em resumo, com nada
destituído de vida. A vida humana, em nenhum caso, é regulada por leis meramente
físicas, as quais só regem substâncias inorgânicas. As substâncias materiais das quais
o organismo humano é composto nem de longe seguem, nessa composição vital, as
leis para as quais as substâncias materiais, na condição inanimada, estão sujeitas; elas
são reguladas apenas pelas leis peculiares à vitalidade, são por si mesmas animadas e
vitalizadas exatamente como todo o sistema é animado e vitalizado. Aqui, um poder
fundamental desconhecido reina onipotente, o qual anula todas as tendências das par-
tes componentes do corpo, de obedecerem às leis da gravitação, do movimento, da
vis inertiae, da fermentação, da putrefação, etc., e submete-as apenas às maravilhosas
leis da vida, - em outras palavras, as mantêm na condição de sensibilidade e atividade
necessárias à preservação de todo o ser, uma condição quase dinâmico-espiritual.
Agora, como a condição do organismo e sua saúde dependem unicamente da hi-
gidez da vida que o anima, de modo semelhante segue-se que a saúde alterada, a qual
designamos de doença, consiste em uma situação originalmente modificada somente
em suas sensibilidades e funções vitais, independentemente de todas as considerações
químicas e mecânicas; em síntese, ela consiste em uma condição alterada dinami-
camente, em uma maneira modificada do ser, por meio da qual uma mudança nas
propriedades das partes constituintes materiais do corpo é posteriormente efetuada,
a qual é uma conseqüência necessária da condição morbidamente alterada de todo o
ser em cada caso individual.
Além do mais, a influência injuriante dos agentes mórbidos, que para a maior
parte desperta, a partir do exterior, as muitas enfermidades em nós, é geralmente
tão invisível e imaterial,2 que é impossível que possa, imediatamente, ou perturbar
mecanicamente ou desarranjar as partes constituintes de nosso corpo em sua forma
e substância, ou infundir qualquer fluido acre pernicioso dentro de nossos vasos
sanguíneos, por meio do qual a quantidade de nossos humores podem ser alterados
e pervertidos quimicamente - uma invenção grosseira, completamente improvável,
inadmissível, de mentes mecanicistas. As causas desencadeantes de doenças agem,
mais propriamente, por meio de suas características essenciais, no estado de nossas
vidas (em nossa saúde), somente de uma maneira dinâmica, muito similar à espiritual^
e visto que como elas primeiro desequilibram os órgãos de um nível mais alto e da
força vital, aí ocorrem, deste estado de desarranjo, desta modificação dinâmica de
todo o ser, uma sensação alterada (inquietude, dores) e uma atividade alterada (fun-
ções anormais) de cada órgão individualmente e de todos coletivamente, no que de-
vem também ocorrer, necessariamente, de modo secundário, alteração dos sucos em
nossos vasos sanguíneos e secreção de materiais anormais, a conseqüência inevitável
do caráter vital afetado, o qual difere, agora, do estado de saúde.
Esses materiais anormais que se mostram em doenças são, portanto, apenas pro-
dutos da própria enfermidade, que, enquanto a afecção mantém seu caráter atual, de-
vem ser necessariamente secretados e, assim, constituem uma porção dos sinais mór-
bidos (sintomas); eles são meramente efeitos, e, logo, manifestações do mal interno
existente, e eles certamente não reagem (muito embora freqüentemente contenham os
princípios infectantes para outros indivíduos saudáveis) sobre o corpo enfermo que os
produziu, como doenças desencadeantes ou substâncias mantenedoras, isto é, como
causas mórbidas materiais,3 exatamente como uma pessoa não pode infectar outras
partes de seu próprio corpo, ao mesmo tempo, com o vírus de seu próprio cancro, ou
com o material gonorréico de sua própria uretra, ou aumentar sua enfermidade com

2 Com exceção de umas poucas afecções cirúrgicas, e dos efeitos desagradáveis produzidos por substâncias estranhas
indigestas, as quais, algumas vezes, acabam dentro do canal digestivo.
3 Conseqüentemente, ao limpar e remover mecanicamente esses materiais anormais, acrimônias e conteúdos mórbi-
dos, a sua fonte (a própria doença) consegue ser tão pouco curada, exatamente como a coriza consegue ser encurtada
ou curada ao assoar o nariz freqüentemente, e tão completamente quanto possível; isso não dura um dia além do seu
próprio curso, mesmo que não se limpe o nariz assoando-o.
isso, ou como uma víbora não pode aplicar em si mesma uma mordida fatal com seu
próprio veneno.
Destarte, é certo que doenças estimuladas por uma influência dinâmica e virtual
de agentes agressores mórbidos só podem ser, de início, perturbações dinâmicas
(causadas quase exclusivamente por um processo espiritual) do caráter vital de nosso
organismo.
Percebemos prontamente que essas perturbações dinâmicas do caráter vital de
nosso organismo, as quais denominamos de doenças, desde que elas não são nada
mais que sensações e funções alteradas, podem também se expressar por nada mais
que um agregado de sintomas, e somente como tal são reconhecidas pelos nossos
poderes de observação.
Agora, em uma profissão de tal importância para a vida humana como é a Medici-
na, nada além do estado enfermo do corpo, claramente cognoscível por nossas facul-
dades perceptivas, pode ser reconhecido como o objeto a ser curado, e deve nortear
nossos passos (escolher aqui conjecturas e hipóteses não demonstráveis como nosso
guia seria insensatez perigosa, não somente um crime e traição contra a humanidade),
segue-se que, desde que as doenças, como desequilíbrios do caráter vital, expressam-
se somente por alterações das sensações e funções do nosso organismo, quer dizer, so-
mente por um conjunto de sintomas conhecidos, isso, por si só, consegue ser o objeto
de tratamento em cada caso de doença. Pois, ao remover todos os sintomas mórbidos,
nada mais resta senão a saúde.
Agora, porque as enfermidades são apenas desarranjos dinâmicos de nossa saúde
e caráter vital, elas não podem ser removidas pelo homem de outro modo que por
meio de agentes e poderes que também sejam capazes de produzir alterações dinâ-
micas da saúde humana, quer dizer, doenças são curadas virtual e dinamicamente por
medicamentos.4
Essas substâncias e forças ativas (medicamentos) que temos a nosso serviço rea-
lizam a cura das doenças pelo mesmo poder dinâmico de alterar o estado atual de
saúde, pelo mesmo poder de desarranjarem o caráter vital de nosso organismo no to-
cante às suas sensações e funções, pelo que são capazes também de afetar o indivíduo
sadio para produzir nele mudanças dinâmicas e determinados sintomas mórbidos, o
conhecimento dos quais, como veremos, proporciona-nos a mais confiável informa-

4 Nâo por meio dos pretensos solventes ou dispersões mecânicas, expurgos, e poderes expulsivos de substâncias me-
dicinais; não por meio de uma força (purificador sanguíneo, corretivo humoral) que eles têm de excretar eletivamente
princípios mórbidos fantasiosos; não por meios de poderes antissépticos que possuem (como é realizado em carne
putrefata, morta, em putrefação); não por qualquer ação química ou física de qualquer outro tipo imaginável, como
acontece em coisas materiais mortas, como tem sido até aqui falsamente imaginado e sonhado pelas várias escolas
médicas. As escolas mais modernas têm, de fato, começado, em certo grau, a considerar as doenças como desarranjos
dinâmicos, e a sua intenção é, também, de removê-las de algum modo dinâmico por intermédio dos medicamentos,
mas, visto que, como falham em perceber que a sensibilidade, a irritabilidade, e a atividade reprodutiva da vida in modo
etqualitate (no modo e qualidade) são susceptíveis de tão infinitas mudanças, e como não consideram as inumeráveis
variedades de sinais mórbidos (aquela infinidade de alterações internas somente são cognoscíveis por nós em seus
reflexos) para o que eles são de fato, a saber, o único objeto real de tratamento; mas como eles de modo hipotético só
reconhecem um aumento ou diminuição anormais de suas dimensões quoad quantitatem (até que ponto em relação
à quantidade), e em uma maneira igualmente arbitrária, conferem aos medicamentos que empregam a tarefa de nor-
malizar este aumento ou decréscimo unilateral, e a partir daí curá-las; eles, portanto, têm em suas mentes nada além
de falsas idéias, ambas do objeto a ser curado e das propriedades do medicamento.
ção concernente aos estados mórbidos que podem ser mais certamente curados por
cada medicamento em particular. Daí, nada no mundo pode desencadear uma cura,
nenhuma substância, nenhum poder consegue realizar uma alteração de uma tal ca-
racterística no organismo humano, como aquela que a doença permitirá que ele faça,
exceto um agente capaz de desarranjar (dinamicamente) prontamente a saúde huma-
na, e por conseguinte, também alterar morbidamente seu estado saudável.5
Por outro lado, contudo, também não há algum agente, algum poder na natureza
capaz de afetar morbidamente o indivíduo sadio, que não possua ao mesmo tempo a
faculdade de curar certos estados mórbidos.
Agora, como o poder de curar doenças, como também de afetar morbidamente a
saúde, é encontrado em combinação inseparável em todos os medicamentos, e como
essas duas propriedades brotam evidentemente de uma e mesma origem, isto é, do
poder de eles perturbarem dinamicamente a saúde humana, e como é conseqüen-
temente impossível que eles possam agir no doente de acordo com uma lei natural
própria, diferente daquela de acordo com a qual agem na saúde, segue-se que deve
ser a mesma força do medicamento que cura a doença no doente enquanto produz
os sintomas mórbidos na saúde.6
Destarte, também encontraremos que o poder curativo dos medicamentos, e aqui-
lo o que cada um deles é capaz de realizar em doenças, expressa-se de nenhum ou-
tro modo no mundo, de forma tão certa e palpável, e não consegue ser averiguado
por nós por qualquer meio mais puro e perfeito, do que pelos fenômenos mórbidos
e sintomas (os tipos de doenças artificiais) que os medicamentos desenvolvem em
indivíduos saudáveis, pois, se somente tivermos diante de nós registros de sintomas
mórbidos (artificiais) peculiares produzidos pelos vários medicamentos em pessoas
sadias, só precisaremos de uma série de experimentos puros para decidir quais sinto-
mas medicamentosos sempre curarão rápida e permanentemente, e removerão certos
sintomas de doença, a fim de conhecermos de antemão, em cada caso, qual de todos
os diferentes medicamentos conhecidos e perfeitamente testados, quanto aos seus
sintomas peculiares, deve ser o remédio mais indicado em cada caso de doença.7

5 Conseqüentemente, nenhuma substância, por exemplo, que seja puramente nutritiva.


6 O resultado diferente, nesses dois casos, é unicamente pela diferença de objeto que tem para ser alterado.
7 Simples, verdadeira, e natural quanto essa máxima, tanto que se alguém a tivesse imaginado teria sido, há muito tem-
po, adotada como a regra para determinar os poderes curativos das drogas, é ainda o fato de que nada parecido foi até
aqui pensado. Durante os muitos milhares de anos sobre os quais a história se estendeu, ninguém chegou à conclusão
sobre este método natural de primeiro considerar os efeitos curativos dos medicamentos antes de empregá-los em
doenças. Em todas as épocas passadas até o presente momento, imaginou-se que as forças curativas dos medicamen-
tos poderiam ser aprendidas de nenhum outro modo do que a partir do resultado do emprego deles nas próprias
doenças (06 usu in morbis [a partir do uso em doenças]); visou-se compreendê-las a partir daqueles casos em que um
certo medicamento (mais freqüentemente uma combinação de vários medicamentos) havia sido útil em um caso par-
ticular de enfermidade. Mas, mesmo a partir de um resultado eficaz de um único medicamento dado em um caso de
doença criteriosamente descrito (o que acontece senão raramente), nós nunca podemos saber o caso no qual aquele
medicamento provaria ser de novo útil, porque (com exceção das doenças causadas por miasmas de um caráter fixo,
como varíola, sarampo, sífilis, sarna, etc, e aquelas ocasionadas por vários agentes injuriantes que sempre permanecem
os mesmos, como gota reumática, etc.), todos os outros casos de enfermidade são meras individualidades, quer dizer,
tudo se mostra na natureza com diferentes combinações de sintomas, nunca ocorridos antes, e nunca podem cursar
exatamente do mesmo modo; conseqüentemente, porque um medicamento curou um caso, não podemos daí inferir
que irá curar outro caso (diferente). 0 arranjo forçado destes casos de doenças (que a natureza em sua sabedoria
produz em uma infinita variedade) sob certas cabeças nosológicas, como é feito arbitrariamente pela patologia, é um
desempenho humano irreal, que conduz às constantes falácias e à confusão de muitos estados diferentes.
Se então perguntarmos à experiência quais doenças artificiais (observadas sendo
produzidas por medicamentos) deveriam ser beneficamente empregadas contra deter-
minados estados mórbidos naturais; se lhe perguntarmos se a mudança para a saúde
(cura) pode ser esperada que venha de maneira mais certa e permanente:
1. Pelo uso de tais medicamentos que são capazes de produzir na saúde do corpo
uma afecção diferente íalopática) daquela exibida pela doença a ser curada.
2. Ou pelo emprego daqueles que são capazes de excitar no indivíduo saudável um
estado oposto (enantiopático, antipático) ao daquele do caso a ser curado.
3. Ou pela administração de certos medicamentos que podem causar um estado
similar (homeopático) ao da doença natural que temos diante de nós (pois estas
são as únicas três maneiras possíveis de empregá-los), a experiência responde
indubitavelmente pelo último método.
Mas, além disso, é por si mesmo evidente que os medicamentos que atuam de
modo heterogênico e alopático, os quais tendem a desenvolver no sujeito hígido dife-
rentes sintomas daqueles apresentados pela enfermidade a ser curada, pela natureza
em si das coisas, nunca conseguem ser úteis e eficazes nesse caso, mas eles devem
agir de forma errada, caso contrário todas as doenças deveriam ser necessariamente
curadas de um modo rápido, certo e permanente, por todos os medicamentos, ainda
que diferentes. Agora como todo medicamento possui uma ação diferente de qual-
quer outro, e como, de acordo com as eternas leis naturais, cada doença causa um
desequilíbrio da saúde humana distinto daquele causado por todas as outras doenças,
essa proposição encerra uma contradição inata (contradictionem in adjecto [uma con-
tradição na coisa ajuntada]), e demonstra em si mesma a impossibilidade de um bom
resultado, desde que cada mudança ocorrida só pode ser afetada por uma causa ade-
quada, mas não por quamlibet causam [por qualquer causa que seja]. E a experiência
diária prova também que a prática comum de prescrever receitas complexas contendo
uma variedade de medicamentos desconhecidos em doenças, realmente faz muitas
coisas, mas raramente cura.
O segundo modo de tratar doenças com remédios é o emprego de um agente ca-
paz de alterar o desarranjo existente da saúde (a enfermidade, ou o sintoma mórbido
mais proeminente) em um modo enantiopático, antipático, ou contrário (a utilização

Igualmente enganador e indigno de confiança, muito embora em todas as épocas universalmente praticada, é a
determinação das ações (curativas) gerais dos medicamentos a partir dos efeitos especiais em doenças, onde na Maté-
ria Médica, quando, por exemplo, em alguns casos de doenças durante a utilização de um medicamento (geralmente
misturado com outros), aí aconteceu, algumas vezes, uma excreção mais copiosa de urina ou transpiração, a menstrua-
ção surgiu, convulsões cessaram, aconteceu um tipo de sonolência, expectoração, etc. O medicamento (para o qual a
honra foi atribuída mais do que para os outros da mistura) foi instantaneamente elevado à categoria de um diurético,
um diaforético, um emenagogo, um antiespasmódico, um soporífico, um expectorante, e a partir daí, não só uma falla-
cium causae [as causas das falhas] foi cometida por confundir a palavra junto de com de, mas uma conclusão totalmente
falsa foi elaborada, a particulari ad universali [do particular para o universal], em oposição a todas as leis da razão; de
fato, o condicional foi feito incondicional, pois uma substância que não promove em todos os casos de doença, urina
e suor, que não provoca em todas as situações a menstruação e o sono, que não suaviza todas as convulsões, e leve
toda tosse à expectoração, não pode ser considerada por uma pessoa em perfeita razão, como sendo, incondicional e
absolutamente, diurética, diaforética, emenagoga, suporífica, antiespasmódica e expectorante! E, contudo, é isso o que
faz a Matéria Médica comum. De fato, é impossível que em um fenômeno complexo de nossa saúde, nas combinações
multifacetadas de diferentes sintomas apresentados pelas inúmeras variedades de doenças humanas, o uso de um
remédio possa exibir seu efeito medicinal original, puro, e exatamente o que podemos esperar que ele faça para os
distúrbios de nossa saúde. Estes somente podem ser mostrados pelos medicamentos dados para pessoas saudáveis.
paliativa de um medicamento). Tal emprego, como se verá prontamente, não conse-
gue alcançar uma cura permanente da doença, porque o mal deve logo em seguida
retornar, e em um nível agravado. O processo mencionado é o seguinte: de acordo
com uma provisão maravilhosa da natureza, os seres vivos organizados não são regu-
lados pelas leis da matéria física não-organizada (morta); eles não sofrem a influência
de agentes externos, como a última, de um modo passivo, mas esforçam-se por opor
uma ação contrária a eles.8 O corpo humano vivo permite que seja, de fato, no pri-
meiro momento, modificado pela ação de agentes físicos, mas esta mudança não é
nele permanente, como nas substâncias inorgânicas (como deve necessariamente ser,
caso o agente medicamentoso que age de uma maneira contrária à doença devesse
ter um efeito permanente, e devesse causar um benefício durável)-, ao contrário, o
organismo humano vivo empenha-se em desenvolver, por antagonismo,9 o oposto
exato da afecção de início produzida nele vinda de fora, como por exemplo, uma mão
mantida tempo suficiente em água gélida, após ser retirada não permanece fria, nem
assume simplesmente a temperatura do ar em volta, como uma bola de pedra (morta)
faria, ou mesmo retorna à temperatura do restante do corpo, não! Quanto mais fria
estivesse a água do banho, e quanto mais tempo agisse sobre a pele sadia da mão,
mais inflamada e quente esta tornar-se-ía posteriormente.
Portanto, não pode ocorrer senão que um medicamento, tendo uma ação oposta
aos sintomas da doença, inverterá os sintomas mórbidos porém por um tempo muito
curto,10 mas logo deve dar lugar ao antagonismo inerente no organismo vivo, que pro-
duz um estado contrário, quer dizer, um estado de direção inverso daquela situação
ilusória da saúde desencadeada pelo paliativo (e correspondendo ao mal original),
que constitui um incremento efetivo da afecção original, não erradicada, agora retor-
nando, e é, destarte, um grau aumentado da doença original. E assim, o mal é sempre,

8 0 suco verde, espremido das plantas, que naquele estado é de vida não muito longa, quando espalhado sobre um
pano de linho é prontamente alvejado e sua cor aniquilada pela exposição à luz do sol, ao passo que a planta viva
descolorida que foi mantida em um ambiente escuro, rápido recobra toda sua cor verde quando exposta à mesma
luz solar. Uma raiz escavada e secada (morta), se enterrada em um solo quente e úmido, rapidamente sofre uma
decomposição e destruição completa, enquanto que uma raiz viva no mesmo solo quente e úmido germina brotos
saudáveis. Cerveja de malte espumosa em total fermentação, celeremente transforma-se em vinagre quando exposta
dentro de um frasco à uma temperatura de de 35,5 °C, mas no estômago humano saudável à mesma temperatura,
a fermentação cessa, e ela, rápido, converte-se em um suave liquido nutritivo. Carne de caça meio decomposta e de
odor forte, como também de boi e outra carne fresca, ingerida por um indivíduo hígido, fornece excremento com
a mínima quantidade de cheiro; enquanto que a casca da cinchona, que é considerada como um poderoso freio à
decomposição de substâncias animais mortas, é atacada pelos intestinos de tal modo que os flatos mais fétidos são
produzidos. Carbonato de cal fraco remove todos os ácidos de substâncias inorgânicas, mas quando colocado dentro
do estômago saudável, um suor ácido geralmente acontece. Enquantoa fibra animal morta é preservada por nada de
modo mais poderoso e certo do que o tanino, a úlcera limpa em um ser humano, quando é freqüentemente envolvida
com tanino, torna-se suja, verde e pútrida. Uma mão mergulhada na água quente torna-se subseqüentemente mais
fria que a mão que não foi assim tratada, e torna-se mais fria na proporção em que a água estava mais quente.
9 Essa é a lei da natureza, em obediência à qual o emprego de todo medicamento produz, de início, certas mudanças
dinâmicas e sintomas mórbidos no corpo humano vivo (ação primária ou primeira dos medicamentos), mas, por outro
lado, por meio de um antagonismo peculiar (o qual pode, em muitas situações, ser chamado de esforço de autopre-
servação), produz um estado muito oposto ao primeiro (a ação secundária ou posterior), como por exemplo, no caso de
substâncias narcóticas, em que a insensibilidade é produzida na ação primária, e sensibilidade à dor na secundária.
10 Como uma mão queimada permanece fria e indolor, não muito mais do que enquanto permanece mergulhada na
água fria, mas em seguida sente a dor da queimadura de modo muito mais severo.
592 E s r Í R I T O DA DOUTRINA MÉDICA HOMEOPÁTICA

certamente, agravado após o paliativo - o medicamento que age de uma maneira


oposta e enantiopática - ter exaurido sua ação.11
Em doenças crônicas, - a verdadeira pedra de toque da genuína arte de curar - o
caráter injuriante do remédio que age de modo antagonista (paliativo) amiúde ma-
nifesta-se em um grau mais alto, desde que, por sua utilização repetida, de maneira
que deveria simplesmente produzir seu efeito ilusório (um aspecto muito transitório
de saúde), ele deve ser administrado em grandes e ainda maiores doses, as quais são
produtoras freqüentes de perigos sérios à vida, ou mesmo da morte de fato.12
Eis que resta, por conseguinte, somente um terceiro modo de utilização de medi-
camentos a fim de efetuar um resultado realmente benéfico; a saber, pelo emprego,
em cada caso, de um determinado medicamento que tende a excitar, de si mesmo,
uma afecção mórbida, artificial, no organismo, semelhante (homeopática), melhor se
muito semelhante, ao verdadeiro caso de doença.
Que essa maneira de usar medicamentos é, e deve necessariamente ser, o único
e melhor método, pode ser facilmente comprovado pelo raciocínio, como já tem sido
também confirmado pelas inumeráveis experiências de médicos que a praticam de
acordo com meus ensinamentos, e pela experiência cotidiana.13

11 Assim, a dor de uma mão queimada é aniquilada rapidamente pela água fria, é verdade, mas somente por uns poucos
minutos, após o que, entretanto, a dor da queimadura e da inflamação se tornam piores do que estavam anteriormente
(a inflamação como ação secundária da água fria acarreta um aumento à inflamação original da queimadura, a qual não
é erradicada pela água fria). A plenitude incômoda do abdômen em casos de constipação habitual parece ser removida,
como por mágica, pela ação de um purgativo, mas no dia seguinte a plenitude dolorosa retorna junto com a constipa-
ção, e torna-se depois pior que antes. 0 sono estuporado causado pelo ópio é sucedido por uma noite de insónia maior
que as anteriores. Mas, que o estado que ocorre, subseqüentemente é uma agravação verdadeira, é evidenciado por isto:
que se nós tencionamos empregar de novo o paliativo (e.g. [exempligratia, por exemplo}, o ópio para insónia habitual ou
relaxamento crônico dos intestinos), ele deve ser dado em uma dose mais forte, como se para uma doença mais severa,
de forma que deveria produzir sua melhora ilusória por pelo menos um período tão curto quanto antes.
12 Como, por exemplo, quando o ópio é repetido em doses sempre mais fortes para a supressão de sintomas urgentes de
uma doença crônica. Hahnemann.
13 Eu devo citar simplesmente uns poucos exemplos da experiência diária; desse modo, a dor queimante produzida pelo
contato da água fervente com a pele é sobrepujada e destruída, como os cozinheiros estão acostumados a fazer, pela
aproximação da mão moderadamente queimada do fogo, ou por lavá-la de modo ininterrupto com álcool aquecido
(ou terebintina), o que causa uma sensação de queimação ainda mais intensa. Esta maneira infalível de tratamento é
praticada, e tida como eficaz pelos envernizadores e por outros envolvidos com ocupações análogas. A dor queimante
produzida por esses princípios fortes e suas temperaturas elevadas permanece então sozinha, e isto senão por poucos
minutos, enquanto o organismo, por eles liberto de modo homeopático da inflamação ocasionada pela queimadura,
em breve restaura a injúria da pele e forma uma nova epiderme através da qual o princípio não mais consegue penetrar.
E assim, no curso de umas poucas horas, o dano causado pela queimadura é curado por um remédio que ocasiona uma
dor queimante similar (álcool aquecido ou terebintina), enquanto que se tratada pelos remédios refrescantes paliativos
comuns e pomadas, transforma-se em uma úlcera de aspecto ruim e usualmente continua a supurar por muitas semanas
ou meses com grande dor. Dançarinos experimentados sabem, pela velha experiência, que aqueles que estão extrema-
mente quentes por dançar são muito aliviados, no primeiro momento, ao despirem-se e beberem água bastante fria, mas,
em seguida, expõem-se infalivelmente a uma doença mortal, e eles não permitem pessoas excessivamente quentes se
esfriarem pela exposição ao ar livre ou pela retirada de suas roupas, mas sabiamente administram um liquor cuja natureza
é aquecer o corpo, como um ponche ou chá quente misturado com rum ou aguardente, e desse modo, ao mesmo
tempo caminhando suavemente para lá e para cá na sala, eles rapidamente perdem o estado febril violento induzido
pela dança. Da mesma forma, nenhum velho ceifeiro experiente, após exercício incomum sob o calor do sol, beberia algo
a fim de esfriar-se, a não ser um copo de conhaque; e antes que uma hora passe, sua sede e calor desaparecem e ele se
sente completamente restabelecido. Nenhuma pessoa experiente colocaria um membro queimado pelo frio dentro de
água quente, ou procuraria restaurá-lo aproximando-o do fogo ou do fogão aquecido; aplicar-lhe neve, ou esfregá-lo com
água gélida, é o remédio homeopático bem conhecido para a ocasião. O mal-estar provocado por divertimento exces-
sivo (alegria exagerada, agitação trêmula e desassossego, palpitação do coração, insónia) é rápida e permanentemente
removido pelo café, o qual causa uma afecção mórbida semelhante em pessoas não acostumadas ao seu uso. E de ma-
neira semelhante, há muitas confirmações que ocorrem diariamente da grande verdade, que a natureza planeja que os
homens deveriam ser curados de suas doenças prolongadas, por meio de afecções similares de pouca duração. Nações,
por séculos afundadas em apatia e servidão indiferentes, elevaram o seu espírito, sentiram suas dignidades como homens,
e novamente tornaram-se libertas, após terem sido ignominiosamente pisadas na poeira pelo déspota ocidental.
Não será, portanto, difícil de perceber quais são as leis da natureza de acordo com
as quais a única cura apropriada das doenças, a homeopática, estabelece-se, e deve,
necessariamente, estabelecer-se.
A primeira dessas inequívocas leis da natureza é: a susceptibilidade do orga-
nismo vivo para doenças naturais é incomparavelmente menor do o que é para os
medicamentos.
Uma multidão de causas excitantes de doenças age diariamente e a cada hora
sobre nós, mas elas são incapazes de alterar o equilíbrio da saúde, ou de torná-la
doentia; a atividade do poder mantenedor da vida dentro de nós comumente opõe-
se à maioria delas, e o indivíduo permanece sadio. É somente quando estes agentes
inimigos externos investem sobre nós em um grau muito agravado, e somos especial-
mente expostos às suas influências, que adoecemos, mas, mesmo assim, só tornamos
seriamente enfermos quando nosso organismo possui um ponto fraco particularmente
impressionável (predisposição), que o torna mais disposto a ser afetado pela causa
mórbida (simples ou complexa) em questão, e a ser alterado em sua saúde.
Se os agentes inimigos na natureza, que são em parte físicos e em parte psíquicos,
os quais são denominados nóxios mórbidos, possuíssem uma força incondicional de
desarranjar a saúde humana, eles não deixariam, como são universalmente distribu-
ídos, alguém em boa saúde. Mas como, em sua totalidade, as enfermidades são ex-
clusivamente estados excepcionais da saúde humana, e é necessário para tal que um
certo número de circunstâncias e condições, ambas em relação aos agentes morbíficos
e ao indivíduo a ser atingido pela doença, pudessem se unir antes que uma afecção
fosse produzida por sua causa desencadeante, segue-se que, o indivíduo é tão pouco
sujeito a ser afetado por tais nóxios, que eles nunca podem incondicionalmente torná-
lo doente, e que o organismo humano é capaz de ser desequilibrado por eles somente
por meio de uma predisposição particular.
Mas é completamente diferente com os agentes dinâmicos artificiais, os quais
designamos por medicamentos, pois todo medicamento verdadeiro atua em todas as
vezes, sob todas as circunstâncias, em todo corpo vivo, animado, e provoca neste os
sintomas peculiares a ele (mesmo em um modo perceptível aos sentidos, se a dose for
grande o suficiente), de maneira que, evidentemente, cada organismo humano vivo
deve, sempre e inevitavelmente, ser afetado pela doença medicamentosa e por assim
dizer, infectado, o que, como é bem sabido, não é o caso com respeito às doenças
naturais.14
Toda experiência prova incontestavelmente que o corpo humano é muito mais
apto e predisposto a ser afetado pelos agentes medicamentosos, e ter sua saúde al-
terada pelos mesmos, do que pelos nóxios morbíficos e miasmas contagiantes, ou,
o que é a mesma coisa, que os agentes medicamentosos têm um poder absoluto de

14 Mesmo as doenças pestilentas não afetam a todos incondicionalmente, e as demais enfermidades deixam muito mais
indivíduos sem serem atingidos, mesmo quando todos são expostos às mudanças de tempo, das estações do ano, e às
influências de muitos outros estímulos injuriantes.
desarranjar a saúde do homem, ao passo que os agentes mórbidos possuem somente
um poder muito condicional, imensamente inferior aos anteriores.15
É por essa circunstância que os medicamentos são capazes de curar doenças
completamente (quer dizer, vejamos, que a afecção mórbida pode ser erradicada do
organismo enfermo, se este for submetido a uma alteração adequada por meio de
medicamento); mas, a fim de que a cura devesse se estabelecer, a segunda lei natural
também deveria ser cumprida, isto é, uma afecção dinâmica mais forte extingue de
modo permanente a mais fraca no organismo humano, contanto que a primeira seja
semelhante em tipo à última-, pois a alteração dinâmica da saúde a ser antecipada a
partir do medicamento, nem deveria, como penso ter provado, diferir em tipo ou ser
alopática ao desarranjo mórbido, de maneira que, como sói acontecer na prática ordi-
nária, um desequilíbrio ainda maior não possa sobrevir; nem deveria ser oposta a ele,
a fim de que uma simples melhora ilusória, meramente paliativa, não possa suceder,
para ser seguida por uma inevitável agravação do mal original; mas o remédio deve
ter sido provado, por observações, que tem a tendência de desenvolver de si mesmo,
um estado de saúde semelhante à doença (ser capaz de estimular sintomas semelhan-
tes no corpo sadio), de modo a ser um remédio de eficácia permanente.
Agora, como as afecções dinâmicas do organismo (causadas por doença ou medi-
camento) são cognoscíveis somente pelo fenômeno da função alterada e da sensação
alterada, conseqüentemente, a similitude de suas afecções dinâmicas com alguma
outra, só pode expressar-se pela analogia de sintomas; mas como o organismo (como
sendo mais sujeito a ser desarranjado pelo remédio do que pela doença) deve sujeitar-
se mais à afecção medicamentosa, quer dizer, deve ser mais inclinado a permitir que
seja influenciado e alterado pelo medicamento do que pela afecção mórbida natural
similar, segue-se, inegavelmente, que será liberto de sua afecção mórbida natural se
permitirmos que um remédio atue sobre ele, o qual, enquanto diferindo16 em sua na-
tureza da doença, assemelha-se muito fortemente a ela pelos sintomas que ocasiona,
ou seja, é homeopático; pois o organismo, como uma unidade viva, individual, não
consegue receber duas afecções dinâmicas semelhantes ao mesmo tempo, sem que
a mais fraca ceda à similar mais forte; destarte, como é mais vulnerável a ser afetado
mais intensamente por uma (a afecção medicamentosa), a outra,, semelhante, mais

15 N.T. Bras.: cabe aqui lembrar o fenômeno de refratariedade, que é uma propriedade inerente ao genótipo, tornando
o fenótipo insensível a determinados agentes, sejam eles químicos, físicos, biológicos, bioquímicos, e, por isso, o ser
humano é incapaz de contrair determinadas moléstias, ou melhor, de desenvolver certos e peculiares sintomas, o
que, em última análise, caracterizaria a sua própria individualidade como organismo biológico e psíquico. Segundo
Hahnemann, não haveria refratariedade absoluta para a ação energética do medicamento homeopático (sobretudo
no estado de enfermidade), provavelmente por que este age primeiramente sobre a energia vital, e não de forma
direta sobre o tecido celular desse ou daquele órgão. Contudo, mesmo aqui, a individualidade (caracterizada pelo
maior ou menor grau de refratariedade ao estímulo energético do agente medicamentoso homeopático) também se
manifesta, uma vez que nem todos os indivíduos apresentam os mesmos sintomas patogenéticos desencadeados por
uma determinada substância medicamentosa dinamizada, como também podem se mostrar indiferentes a uma certa
potência empregada, por exemplo a 12a, e reagir violentamente com a 30a, e assim por diante, como a prática clínica
amiúde demonstra.
16 Sem essa diferença entre a natureza da afecção mórbida e aquela da afecção medicamentosa, uma cura seria impos-
sível; se as duas não fossem meramente de uma similar, mas de mesma natureza, conseqüentemente idênticas, então
nenhum resultado (ou apenas um agravação da moléstia) sobreviria; como, por exemplo, se fôssemos tocar um cancro
com outro veneno ulcerativo, uma cura jamais seria esperada dal.
fraca (a doença natural), deve necessariamente desaparecer; e o organismo é por
conseguinte curado de sua moléstia.
Não se deve presumir, de forma alguma, que o organismo vivo, quando adoecido,
se uma afecção similar nova lhe for comunicada por uma dose de um medicamento
homeopático, será, por meio disso, mais seriamente alterado, ou seja, sobrecarregado
com um aumento em seus sofrimentos, exatamente como uma lâmina de chumbo já
prensada por um peso de ferro é mais severamente comprimida ao se colocar uma pe-
dra a mais sobre ela; ou como um pedaço de cobre aquecido por fricção deve tornar-
se ainda mais quente ao derramar sobre ele água em uma temperatura mais elevada.
Não, nosso organismo não se comporta passivamente, ele não está sujeito às leis que
governam a matéria morta; ele reage por um antagonismo vital, de maneira que se
capitula, como um ser individual integral, ao seu desarranjo mórbido, e para permitir
que este seja extinto dentro dele, quando uma afecção mais forte, de uma espécie
semelhante, produzida nele por um medicamento homeopático, domine-o.
Nosso organismo humano, vivo, é como um ser espiritual reativo, o qual, com
poder automático, expele de si um distúrbio mais fraco (doença), sempre quer que
o poder mais forte do medicamento homeopático produza nele uma outra afecção,
porém muito similar; ou, em outras palavras, o qual, em razão da unidade de sua vida,
não pode sofrer, ao mesmo tempo, de dois desarranjos gerais análogos, mas deve re-
jeitar a afecção dinâmica primária (doença), toda vez que sobre esta agiu um segundo
poder dinâmico (medicamento), mais capaz de alterá-lo, que tem uma grande seme-
lhança ao anterior em seu poder de afetar a saúde (seus sintomas). Algo semelhante
acontece na mente humana.17
Mas, como o organismo humano mesmo hígido é mais capaz de ser alterado pelo
medicamento do que pela doença, como tenho mostrado acima, então quando ele
está doente, é, por comparação, mais impressionável pelo medicamento homeopático
do que por qualquer outro (se alopático ou enantiopático) e, de fato, é impressionável
no mais alto grau-, desde que, como já está disposto e excitado pela doença a certos
sintomas, ele deve agora estar mais susceptível à influência modificadora de sinto-
mas semelhantes (pelo medicamento homeopático) - exatamente como as afecções
mentais similares tornam a mente muito mais sensível às emoções semelhantes - por
essa razão somente a menor dose deles é necessária e útil para a sua cura, isto é, para

17 Por exemplo: uma garota imersa em tristeza pela morte de sua companheira, se levada a ver uma família em que as
crianças pobres, seminuas, tenham acabado de perder seu pai, seu único sustento, não se torna mais lastimosa por
testemunhar essa cena comovente, mas é, por meio disso, consolada do seu próprio infortúnio menor; ela é curada
do seu pesar por sua amiga, porque a unidade de sua mente não pode ser afetada por duas emoções semelhantes de
uma vez, e uma emoção deve extinguir-se quando uma similar, porém mais forte, toma conta de sua mente, e atua
como um remédio homeopático ao eliminar a primeira. Mas a garota não seria, contudo, tranqüilizada e curada de sua
tristeza pela perda de sua companhia, se sua mãe fosse colericamente censurá-la (influência heterogênea, atopática);
ao contrário, sua mente estaria ainda mais entristecida por esse ataque de desgosto de uma espécie diferente; e do
mesmo modo, a pesarosa garota, se nós fôssemos causar um aparente, mas somente um alívio paliativo de sua tristeza,
por meio de um entretenimento alegre, mergulharia, subseqüentemente, em sua solidão, em uma tristeza ainda mais
profunda, e choraria muito mais intensamente do que anteriormente pela morte de sua amiga (porque essa afecção
seria aqui de um caráter oposto, enantiopático). E igual ao que é aqui na vida psíquica, assim o é no caso anterior na
vida orgânica. A unidade de nossa vida não pode ocupar-se, e receber duas afecções dinâmicas gerais de mesmo tipo
simultaneamente, pois, se a segunda for similar, a primeira é deslocada por ela, se o organismo for afetado mais ener-
geticamente pela última.
transformar o organismo doente em enfermidade medicinal similar; e uma maior é
prescindível a esse respeito, também, porque a força espiritual do medicamento, neste
caso, não realiza seu objetivo por meio de quantidade, porém por potencialidade e
qualidade (afinidade dinâmica homeopática), - e uma dose maior não é proveitosa,
mas é, ao contrário, prejudicial, porque enquanto a dose grande, de um lado, não
domina dinamicamente a afecção mórbida com mais certeza do que a menor dose
do remédio mais adequado, por outro lado, impõe uma doença medicinal complexa
em seu lugar, a qual é sempre um mal, embora desapareça após um determinado
tempo.
Por conseguinte, o organismo será poderosamente afetado e submetido mesmo à
ação de uma dose muito pequena de uma substância medicinal, a qual, por sua ten-
dência em provocar sintomas semelhantes, pode sobrepujar e extinguir a totalidade
dos sintomas da doença; ele se torna, como tenho dito, livre da condição mórbida a
todo instante em que é subjugado pela afecção medicamentosa, pela qual é imensu-
ravelmente mais susceptível de ser alterado.
Agora, como os agentes medicamentosos por si só fazem, mesmo em grandes
doses, somente manter o organismo saudável por poucos dias sob sua influência,
será prontamente compreendido que uma pequena dose, e em doenças agudas uma
dose muito menor deles (como deve ser evidentemente no tratamento homeopático),
somente pode afetar o organismo por um curto espaço de tempo; as menores doses,
sem dúvida, em doenças agudas, apenas por umas poucas horas; e então a afecção
medicamentosa colocada no lugar da doença muda imperceptivelmente e muito rapi-
damente para saúde pura.
Na cura permanente de enfermidades por medicamentos em organismos vivos, a
natureza parece nunca agir senão em concordância com essas suas leis manifestas, e
então ela age de fato, se nós podemos usar a expressão, com certeza matemática. Não
há caso de doença dinâmica no mundo (exceto as terminais, a senectude, se pode
ser considerada uma doença, e a destruição de alguma víscera ou membro indispen-
sável), cujos sintomas podem ser agrupados com grande similitude dentre os efeitos
positivos de um medicamento, o qual não será rápido epermanentemente curado por
este último. O indivíduo enfermo pode ser liberto do seu mal, de nenhum modo mais
fácil, rápido, certo, seguro e permanente, por qualquer maneira concebível de trata-
mento,18 do que por meio da Medicina homeopática em pequenas doses.

18 Mesmo aquelas curas surpreendentes, que ocorrem em raros momentos na prática ordinária, acontecem apenas por
meio de um medicamento homeopaticamente adequado, o qual forma o agente principal na receita, dentro da qual
foi acidentalmente introduzido. Os médicos, até aqui, não poderiam ter escolhido os medicamentos de maneira homeo-
pática para as enfermidades, enquanto os efeitos positivos dos medicamentos (aqueles observados pela sua adminis-
tração em pessoas sadias) não haviam sido investigados por eles, e, em conseqüência, permaneciam desconhecidos
aos mesmos; e mesmo aqueles que foram conhecidos de maneira diferente dos meus escritos, não foram considera-
dos por eles capazes de serem utilizados para tratamento; e, além do mais, a relação dos efeitos dos medicamentos
com os sintomas das doenças aos quais eles se assemelhavam (a lei de cura homeopática), que é indispensável a fim
de efetuar curas radicais, era desconhecida.

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