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A resposta para este questionamento está longe de ser algo simples, ou mesmo
possível, mas talvez seja possível tecer alguns apontamentos e considerações que nos
ajude a nos aproximarmos dos motivos desta negação dos direitos humanos e os modos
de promover, controlar e monitorar ações em direção da justiça.
Este FASCISMO SOCIAL, do qual nos fala Boaventura Souza Santos (2010, p. 192), é
resultado de um processo que busca manter um enorme contingente de seres humanos
em condições de absoluta dominação, com o claro objetivo de explorar o trabalho
humano, gerando riquezas para uns poucos e ampliando a miséria para um enorme
contingente de seres humanos, o que se constitui em séria ameaça à vida.
Este “FASCISMO SOCIAL” difere do fascismo político clássico, pois convive (está
presente), com suas características, em sociedades democráticas, além de se articular
em rede que é ao mesmo tempo local e global, este fenômeno é claramente observado
em inúmeras sociedades contemporâneas em suas ações insensatas (que não são
somente discursivas) e que se repetem em diferentes escalas em todo o mundo, em
uma verdadeira globalização da insensatez humana (SANTOS, 2010).
Não se pode esquecer, ainda, que o mercado (os seus agentes) cria os sobrantes
e os elimina (gerando uma perversa exclusão) e devora incessantemente pessoas para
atender à lógica acumulativa do capital, tornando-se, deste modo, uma grande máquina
violadora dos direitos humanos, precarizando e explorando o trabalho, e lançando mão
do uso de inúmeros meios e estratégias que reduzem a humanidade do “outro”.
(HINKELAMMERT, 2003, p. 11).
O ser humano não é sempre igual, não é e não precisa ser sempre o mesmo,
seres humanos “afinam e desafinam”, vivem simultaneamente essa existência e com a
mesma potência e possibilidade, hora afinados e produzindo beleza, justiça e
fortalecendo o direito, e em outros momentos desafinam e rompem com a justiça,
negando em gestos e palavras o acolhimento do “outro”.
Neste contexto é que a Educação em Direitos Humanos (EDH) terá seu papel de
promover, por meio de suas metodologias e práticas a afinação desta orquestra caótica,
mas possível, chamada humanidade. A possibilidade de “afinação da humanidade” está
sempre no horizonte utópico das pessoas que se guiam pela sabedoria.
Os direitos humanos na perspectiva contra-hegemônica
Este ser humano, como observou Max Weber, “é um animal amarrado a teias de
significado que ele mesmo teceu” (Apud. GEERTZ, 1989. p.15). Daí a necessidade de
encontrar nestas teias as práticas que favoreçam a ampliação do direito. Essa tarefa será
possível ao adotar uma abordagem e perspectiva contra-hegemônica, que “escovar a
história a contrapelo”, revolvendo o que está escondido por séculos de intolerância,
racismo, preconceitos e violências e legitimados por narrativas parciais e não
comprometidas com a memória, verdade e justiça. (BENJAMIM, 2013).
Neste espaço será possível somente realizar um recorte muito introdutório sobre
esse processo histórico de construção dos direitos humanos. O tema é complexo, e
como todo recorte será uma simplificação deste complexo.
É possível observar em toda a filosofia oriental, essa ênfase e acento nos valores
do direito e da justiça. Valores que estarão presentes, por exemplo, no código de
Hamurabi, datado de 1700 anos a.C., considerado um dos códigos mais antigos da
humanidade, com aproximadamente 282 leis reunidas, sendo a lei mais conhecida a
chamada “Lei de Talião”, que apresenta uma série de preceitos baseados na
reciprocidade do delito cometido: “dente por dente, olho por olho”.
Já por volta do ano 540 a.C, vamos nos deparar com outro código legal muito
significativo nesta trajetória dos direitos humanos, trata-se do Cilindro de Ciro, um
conjunto de leis elaboradas no reinado de Ciro II, rei da Pérsia (atual Irã). Este
documento é considerado o mais antigo registro legal dos direitos humanos de que se
tem notícia (Cf.: DHnet). Parte da narrativa sobre este documento é encontrada no livro
de Esdras em 1,2-41 (que se encontra no Antigo Testamento na Bíblia). Neste texto
encontramos a seguinte narrativa:
"Assim diz Ciro, rei da Pérsia: "O Senhor, o Deus dos céus, deu-me todos
os reinos da terra e designou-me para construir um templo para ele em
Jerusalém de Judá.
Qualquer do seu povo que esteja entre vocês, que o seu Deus esteja com
ele, e que vá a Jerusalém de Judá reconstruir o templo do Senhor, o Deus
de Israel, o Deus que em Jerusalém tem a sua morada.
E que todo sobrevivente, seja qual for o lugar em que esteja vivendo,
receba dos que ali vivem prata, ouro, bens, animais e ofertas voluntárias
para o templo de Deus em Jerusalém".
1
“O exílio na Babilônia terminou em 538 a.C. com o edito de Ciro (vv. 2-4). Os persas seguiam uma política
de tolerância e respeito para com os costumes e a religião dos povos dominados, que continuavam
politicamente dependentes e deviam pagar tributo.” (Comentário: BÍBLIA EDIÇÃO PASTORAL. Edições
Paulinas)
Nesta direção é preciso refletir sobre o papel que dos chamados “Profetas sociais”
desempenharam e o seu legado para o direito (PINSKY, 2007, p. 15).
A Justiça e o direito são temas que perpassam todo o Antigo Testamento (ou a
Bíblia Hebraica). Desde o Pentateuco (cinco primeiros livros), passando por toda
tradição profética, fica evidente a preocupação com a justiça e a dignidade humana, nas
inúmeras denúncias contra a opressão e o abuso do poder ali registrada.
A luta em defesa dos direitos humanos se faz na história, por isso exige
articulação para sua defesa, promoção e monitoramento o que se dará também por
meio da educação em direitos humanos em todos os seus espaços possíveis (formal e
não formal).
Como observou o pastor e capelão anglicano John Donne, tão bem lembrado por
Ernest Hemmigway (2017, p.5), em Por quem os sinos dobram, o ser humano é uma
totalidade imensa, membro de uma grande família: a humanidade, assim...
BENJAMIN, Walter. O anjo da história. (Org. trad. João Barreto). Belo Horizonte:
Autêntica Editora, 2013
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 2004.
BOBBIO, Norberto. Dicionário de política. Brasília: UNB, 1998.
BOFF, L. Saber Cuidar: ética do humano – compaixão pela terra. Petrópolis: Vozes, 1999.
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em: http://www.dhnet.org.br/direitos/anthist/hamurabi.htm
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HINKELAMMERT, Franz J. Pensar em alternativas: capitalismo, socialismo e a
possibilidade de outro mundo. In: PIXLEY, J. (Coord.). In: Por um mundo diferente:
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PINSKY, Jaime e PINSKY, Carla B. (org.). Os profetas sociais e o Deus da cidadania. In:
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Rosa, João Guimarães. Grande sertão: veredas. 22a ed., São Paulo: Companhia das
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ZIZEK, Slavoj. Em defesa das causas perdidas. Trad. Maria B. Medina. São Paulo:
Boitempo, 2011.