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HENRIQUE GEAQUINTO HERKENHOFF

Professor Doutor da Universidade Vila Velha –


UVV/ES. Doutor em Direito Civil (USP). Bacharel em
Direito (UFES). Ex-professor da UFES (1993-2003), da
Escola da Magistratura do Trabalho do Espírito Santo –
EMATRA/ES e da Escola Superior do Ministério
Público do Espírito Santo – ESMP/ES. Ex-procurador
do Município de Vitória, da UFES e do INSS. Ex-
Procurador Regional da República. Ex-Desembargador
Federal do TRF/3ª Região. Membro do Instituto
Histórico e Geográfico do Espírito Santo. Advogado.

JOSÉ EDUARDO COELHO DIAS


Professor titular de Direito de Família e de Direito das
Sucessoes da Faculdade de Direito de Cachoeiro de
Itapemirim. Especialista em Direito de Família pela
Universidade Estácio de Sá. Graduado em Direito pela
Faculdade de Direito de Cachoeiro de Itapemirim. Ex-
Presidente da Comissão de Direito de Família da Ordem
dos Advogagados do Brasil, Seção Espírito Santo.
Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família
(IBDFAM)

FRANCISCO VIEIRA LIMA NETO


Professor Titular de Direito Civil da Universidade
Federal do Espírito Santo. Regente da disciplina Direito
de Família na Graduação e no Mestrado. Mestre em
Direito Civil (UFRJ). Doutor em Direito Civil (USP).
Procurador Federal
AGRADECIMENTO

Agradecemos a Miryã Bregonci da Cunha Braz pelo auxílio na


revisão da bibliografia em português e espanhol.
ISBN 978-65-00-06857-3

DIAGRAMAÇÃO E CO-EDIÇÃO

Maria Laura Prata Vieira Lima


SUMÁRIO
DIREITO DE FAMÍLIA E CONSTITUIÇÃO
CASAMENTO
IMPEDIMENTOS E INVALIDADE
HABILITAÇÃO
CELEBRAÇÃO
DIREITOS E DEVERES DOS CÔNJUGES
REGIME DE BENS
ALTERAÇÃO DE REGIME
REGIME LEGAL
PACTO ANTENUPCIAL
COMUNHÃO PARCIAL DE BENS
COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS
SEPARAÇÃO DE BENS
COMUNHÃO DE AQUESTOS
REGIME DOTAL
ALIMENTOS
UNIÃO ESTÁVEL
DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE CONJUGAL E DO CASAMENTO
SEPARAÇÃO JUDICIAL
DIVÓRCIO
PROTEÇÃO DOS FILHOS
RELAÇÕES DE PARENTESCO
FILIAÇÃO
ADOÇÃO
PODER FAMILIAR
TUTELA
CURATELA
GUARDA E FAMÍLIA SUBSTITUTA
BIBLIOGRAFIA
INTRODUÇÃO

O propósito desta obra é apresentar ao estudante de Graduação as primeiras


linhas de Direito de Família, introduzindo-o na matéria por meio da
apresentação, em linguagem simples e sem citações doutrinárias em
excesso, dos elementos fundamentais dessa área do universo jurídico.

Optou-se pela nomenclatura Direito de Família porque é a consagrada na


doutrina brasileira; demais disso, embora existam vários arranjos familiares
convivendo na sociedade contemporânea, é um só o regramento jurídico (o
Direito) que os organiza e impõe as regras para soluções de conflitos.
Aliás, a ausência do artigo definido na expressão Direito de Família já
denota que não está se privilegiando apenas uma espécie de entidade
familiar, o que ocorreria se utilizada a fórmula Direito da Família.

Trata-se de um livro escrito de forma mais clara possível, por professores


das três instituições de ensino jurídico mais antigas e tradicionais do Estado
do Espírito Santo, permitindo que o estudante inicie a jornada nesse
universo tão especial do Direito e se prepare para a aventura que somente
esse ramo do ordenamento jurídico proporciona; um campo no qual as
paixões humanas são o pano de fundo dos problemas judiciais e que o
jurista, sem as desprezar, deve tentar compreendê-las e empregar as técnicas
e o conhecimento dogmático com o objetivo de solucionar os conflitos
inerentes ao relacionamento familiar. Talvez seja o mais humano e o mais
dinâmico dos ramos do Direito Civil.
FAMÍLIA COMO FORMA DE AGRUPAMENTO PECULIAR OS
SERES HUMANOS

O ser humano é uma animal gregário[1]; isto é, o gregarismo é uma


característica do homem, de modo que, desde a Pré-História até o mundo
atual o ser humano se associa a outros de sua espécie, seja para proteção e
sobrevivência, seja para satisfação de desejos e prazeres.

O romano Marcus Túlio Cícero, famoso escritor, advogado, orador, político,


que viveu em Roma entre 106 e 43 A.C., possuía uma visão naturalista da
sociedade, apegando-se à relação do homem com seu semelhante.

“É também recorrendo à razão que a natureza aproxima o homem do


homem, fazendo-os dialogar e viver em comum. Inspirando-lhe
especial ternura pelos filhos, fazendo-os desejar reuniões e conservar
a sociedade em si: por esses motivos ela os entusiasma a procurar
todo o necessário para a conservação e comodidades da vida, não
somente para mesmos, como para sua mulher, seus filhos e todos
aqueles que eles amam e devem proteger. Estes cuidados trazem o
espírito acordado, tornando-os mais capazes de atuar.” (CÍCERO,
Marco Túlio. Dos Deveres. Tradução: Alex Marins. São Paulo:
Martin Claret: 2004; p. 34)

Tomás de Aquino, que viveu entre 1225 e 1274, embora acrescentasse o


aspecto da vontade divina por trás da razão humana, também via no
gregarismo a nota marcante do homem, ao dizer que “o homem é, por
natureza, animal social e político, vivendo em multidão, ainda mais que
todos os outros animais, o que se evidencia pela natural necessidade".[2]
(AQUINO, Santo Tomás. Súmula Contra os Gentios. Trad. Luiz João
Baraúna. In, Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 2000; p. 136).

Por sua vez, para a corrente filosófica chamada Existencialismo (anos 50 e


60 do século XX), essa necessidade do outro é tão grande que o ser humano
só se forma graças ao olhar e ao comportamento dos outros seres humanos;
apenas essa interação com o outro é que permite ao ser humano dar um
sentido legítimo à sua existência. Veja esse resumo simples, porém muito
bom, de autoria do Professor Vinícius, de São Carlos (SP) que possui um
blog muito interessante sobre Filosofia:

Nesse sentido, as relações humanas são, a princípio, conflituosas:


quando encontro o outro, há um confronto entre minha liberdade e a
dele. Porém, e isso é importante, esse conflito não é tudo. Eu preciso
do outro, por exemplo, para me conhecer plenamente, para escapar
ao que Sartre chama de má-fé, essa espécie de mentira que contamos
a nós mesmos para fugir da angústia, que se origina da
responsabilidade que temos por nossas escolhas (vou dar um exemplo
bem grosseiro, mas que pode ajudar: fui mal numa prova hoje.
Ontem, porém, ao invés de estudar, resolvi ficar vendo TV. Para
Sartre, é preciso que ajamos autenticamente diante dessa situação, é
preciso que eu assuma a responsabilidade de que fui mal porque
não quis estudar, porque preferi ficar vendo TV. No entanto,
frequentemente agimos de “má-fé”, e tentamos nos enganar, por
exemplo, dizendo que fomos mal na prova porque ela estava muito
difícil, ou porque o professor é ruim, etc., eliminando o peso da
responsabilidade por nossas escolhas). O olhar alheio é responsável
por nos ajudar a escapar da tentação da má-fé, ele é responsável por
nos dizer quem somos, e não quem pensamos ser – o que é
fundamental se quisermos melhorar, crescer, evoluir em todos os
aspectos. Isso para não falar do necessário processo de socialização,
sem o qual não conseguiríamos sobreviver.

Assim, na perspectiva sartriana, não há relação humana que não


carregue em si mesma um germe de tensão. “O inferno são os
outros”, para Sartre, significa justamente isso: porque o outro
também é livre, não podemos controlar completamente o que ele
pensa, o que ele nos diz, o limite que ele impõe à nossa liberdade (o
que frequentemente gera conflito); mas, ao mesmo tempo (daí vem a
tensão), preciso dele, de seu olhar (ainda que, muitas vezes, esse
olhar veja algo em nós que não gostamos), para me conhecer e
poder agir no mundo, pois apenas por nossas ações (sobretudo as
que interferem positivamente na vida dos outros), e no nosso
contato intersubjetivo autêntico (que ocorre quando encaro o outro
como um ser igualmente livre, e não como um simples objeto), que
podemos superar nossa situação e dar um sentido legítimo à nossa
existência[3].

Pois bem, estabelecido que o homem é um ser que se associa (portanto,


possui um instituto gregário), imagine agora que você seja um antropólogo
marciano (isso, de Marte mesmo) e esteja lá do alto observando o ser
humano e sua caminhada neste planeta. Você perceberá que o homem
realmente se associa aos outros, todavia essas associações se apresentam de
diferentes formas e possuem características próprias e tratamento
diferenciado por parte da sociedade, o que se reflete nas leis criadas pelos
Parlamentos, que procura refletir a importância que cada uma dessas
associações possui para a comunidade.

Assim, a partir da ótica do Direito brasileiro, você notará que quando os


seres humanos se associam com o objetivo de executar atividades no
mercado que tragam lucro a cada um deles existe uma sociedade
empresária; quando reúnem esforços sem finalidade lucrativa, apenas para
alcançar um objetivo comum temos uma associação (por exemplo, uma
Associação de Formandos); quando apenas gostam da companhia um dos
outros e se encontram de vez em quando, mas se ajudam mutuamente,
temos a amizade; se for para cometer crimes, temos uma gangue ou quem
sabe até mesmo uma organização criminosa.

Por sua vez, e é esse o tema deste livro, quando os seres humanos se
associam duas pessoas por amor e pretendem uma vida em comum marcada
por sexo, criação de filhos, comunhão completa de vida, respeito, fidelidade
e que isso dure para sempre, estamos diante de uma família, que inclui os
filhos desses dois seres humanos, se houver[4].

Mas, e quanto ao vocábulo família? Qual seria a sua origem?

De acordo com Samuel Tommy, eis a etimologia da palavra família[5]:

Os romanos, no decorrer das suas imparáveis conquistas, iam


capturando inúmeros escravos, que eram utilizados nos mais diversos
serviços. Sendo a escravatura um fenômeno tão difundido entre os
romanos, é natural que se servissem de uma terminologia abundante
a este respeito. Na verdade, há quem diga que existiam cerca de
trezentas espécies de escravos, segundo as funções que exerciam. Por
exemplo, o atriensis era o guarda-mor do atrium, o topiarius podava
as árvores, o ostiarius era o guarda da porta, o lactarius preparava o
creme, o placentarius fazia pastéis, o cellarius tinha a seu cargo a
adega ou o celeiro, o degustator provava todas as comidas antes de
as apresentar, isto para referir apenas alguns exemplos.
Além destes termos mais especializados, os romanos recorriam a
outros mais genéricos, que indicavam a condição do escravo sem
considerar propriamente a função exercida pelo mesmo. Entre estes
termos, os mais frequentes eram servus, que designava o escravo do
ponto de vista jurídico ou político, famulus (pronuncia-se
“fámulus”), que indicava o escravo do ponto de vista patriarcal,
emancipium, que denominava o escravo do ponto de vista económico,
ou seja, considerando-o como propriedade ou mercadoria.
O termo famulus, provavelmente oriundo do osco[6], designava o
escravo que servia em casa, sob a autoridade de um patriarca. Ao
conjunto de escravos que serviam sob o mesmo teto chamava‑se
familia[7].
Era preciso mais do que um famulus para se constituir
uma familia. Cícero dizia (Cæcin. 55) que unus homo familia non
est («um só homem não constitui uma familia»), e o jurisconsulto
Julius Paulus Prudentissimus (séc. III d. C.) completava (V, 6, 39)
que familiæ nomine etiam duo servi continentur («com dois escravos
já se constitui o que se chama uma familia»).
É claro que, quanto maior a opulência, maior era o número de
escravos ao serviço de uma casa e, portanto, maior era a familia...
Era este o significado primordial de familia.
No entanto, por extensão de sentido, os romanos serviam-se do termo
para designar também toda a casa sob cujo teto serviam esses
escravos, a qual compreendia o chefe – o chamado pater familias –, a
sua esposa, os filhos, os ditos escravos e até os animais e as terras,
ou seja, tudo o que era indispensável à economia familiar.
De acordo com a Digesta Justianiana (50, 16, 195, 2), familiam
dicimus plures personas quæ sunt sub unius potestate
(«chamamos familia a um conjunto de pessoas que se encontram
sujeitas ao poder de um só»).
Em termos jurídicos, e em sentido pessoal, o termo designava apenas
a chamada família agnatícia, ou seja, a linhagem masculina, como se
conclui do seguinte preceito do códice referido anteriormente (50, 16,
195, 1): mulier familiæ suæ et caput et finis est («a mulher é o início
e o fim da sua própria familia»).
Por extensão de sentido, familia acabou por incluir também
os cognati, ou seja, a linhagem feminina, tornando-se sinónimo
de gens, pelo menos na linguagem corrente, mas não na linguagem
jurídica.
Portanto, apesar de o nosso vocábulo família provir de familia, não
se pode afirmar que sejam exatamente equivalentes.
Por fim, no que tange à definição de Família no texto do ordenamento
jurídico brasileiro, constata-se que, embora encontremos elementos
comuns, existe uma variação em sua extensão, isto é, por vezes o legislador
estabelece que para aquele efeito específico considera-se família apenas a
reunião, com origem no casamento ou na união estável, de um homem e
de uma mulher e seus filhos biológicos ou adotados (família
mononuclear), em outras inclui os irmãos dos cônjuges e os cônjuges dos
irmãos; em outras situações, o legislador inclui todas as pessoas que vivam
na mesma residência e que possuam algum vínculo civil ou biológico; em
outras considera família um dos genitores e os seus filhos (família
monoparental).

Assim, quem integra ou não uma família depende da opção específica do


legislador para regular determinada relação de direito material.

Neste sentido, só tem direito a Bolsa-Família aquele que se enquadrar no


conceito de Família da lei que regulamenta o pagamento desse benefício[8].
Por seu turno, o pagador de imposto de renda só pode abater as despesas
realizadas em favor daqueles que, segundo a legislação fiscal, são sua
Família[9]. Para fins de obtenção de benefício de programas habitacionais, se
faz necessário somar a renda daqueles que a respectiva norma considera ser
uma Família. Da mesma forma, benefícios previdenciários (pensão por
morte; auxílio-funeral; auxílio-reclusão etc) somente são pagos àqueles que
integram a Família do segurado, de acordo com a lei previdenciária[10].

Está em debate na Câmara Dos Deputados o PL 6.583/2013, que traz uma


definição de Família:

Art. 2º Para os fins desta Lei, reconhece-se como família, base da


sociedade, credora de especial proteção, em conformidade com o art.
226 da Constituição Federal, a entidade familiar formada a partir
da união de um homem e de uma mulher, por meio de casamento ou
de união estável, e a comunidade formada por qualquer dos pais e
seus filhos.
Parágrafo único. As relações de parentesco na linha ascendente ou
colateral, bem como as relações derivadas de direito assistencial,
mediante guarda ou tutela, gozam da proteção específica prevista em
leis respectivas.

Argumenta-se que essa definição (homem e mulher) seria contrária à


Constituição, uma vez que o Supremo Tribunal Federal já decidiu que o
ordenamento constitucional abriga a união estável homoafetiva e o
Conselho Nacional de Justiça autorizou o casamento homoafetivo.

O próprio Código Civil às vezes estende (art. 1.412, §2º; art. 1.697; art.
1.843) , às vezes restringe (art. 1.630/1.631/1.634) o significado de Família,
mas, ao meu ver, prevalece o conceito de entidade formada por pais
(homem e mulher) e filhos (art. 1.565; art. 1.567; art. 1.664; art. 1.689).[11]

Ao final, aquele privilegiado antropólogo percebe que essa forma de


associação humana, a Família, é muito valiosa, tendo garantido a
sobrevivência da espécie humana. Por tal motivo, o legislador, refletindo
essa importância, a trata de maneira muito especial.
DIREITO DE FAMÍLIA E CONSTITUIÇÃO
Como documento essencialmente político voltado à instituição do Estado,
as Constituições tradicionalmente ignoraram ou apenas trataram
ligeiramente do núcleo social essencial que é a família, com os seus
diversos aspectos e reflexos, quase sempre com ênfase na solução do
conflito de interesses patrimoniais.
Não que se afastasse tanto assim dessa tradição, mas a nossa Constituição
da República de 1988 foi bem mais preocupada em regular as relações
familiares, reduzindo a ênfase patrimonialista para ressaltar a dignidade e a
solidariedade (art. 229 da CF) entre seus membros, assim como a
igualdade (art. 226, § 5º, da CF) entre marido e mulher na relação conjugal.
Os idosos (art. 230 da CF) crianças e adolescentes (art. 227 da CF)
ganharam identidade própria e proteção especial nesse núcleo familiar.
A Constituição Federal de 1988 trouxe, assim, uma mudança de foco em
relação à família, pois se antes o que se protegia era a instituição, agora o
que se protege são os integrantes do grupo[12]. A família, então, perde seu
caráter institucional e ganha caráter instrumental, passando a ser vista como
instrumento de materialização dos valores constitucionais (dignidade,
liberdade, igualdade, dentre outros)[13].
A Constituição da República admite expressamente três espécies de núcleos
familiares, em rol que não parece exclusivo: (i) a família matrimonial,
formada monogamicamente pelo casamento (art. 226, § 1º, da CF), (ii) a
família convivencial, formada monogamicamente pela união estável (art.
226, § 3º, da CF) e (iii) a família monoparental, constituída por apenas um
dos pais e seus descendentes (art. 226, § 4º, da CF). Deste modo, é
reconhecida família a comunidade entre o cônjuge viúvo e seus filhos;
entre cada um dos pais divorciados (ou com a união estável desfeita) e a
respectiva prole, inclusive a comum, que participa de dois núcleos distintos;
e a decorrente da paternidade ou maternidade solteira, civil ou natural.
Restam por responder algumas perguntas importantes, que podem ser
resumidas na possibilidade de se reconhecer o núcleo familiar formado por
outros meios e aquele constituído por pessoas do mesmo sexo, bem como
ao status da união estável em relação ao casamento[14].
Como se disse, não há nenhuma expressão no texto constitucional que
indique ser exaustivo o rol de núcleos familiares possíveis, tratando o
constituinte apenas dos mais comuns. Pode e deve ser reconhecido como
família o núcleo formado por irmãos órfãos; entre progenitores e netos ou
quaisquer outros em que haja afetividade, estabilidade, convivência pública
e ostensiva e escopo de constituir família. Também nada impede que se
considere como núcleo de entidade familiar a pessoa solteira e sem filhos
que resolva, por exemplo, instituir bem de família.[15]
A questão da família formada pela união afetiva entre pessoas do mesmo
sexo sempre rendeu acalorados debates por conta da redação do texto
constitucional e das normas infraconstitucionais sobre o tema. A
Constituição Federal não prevê quem são as pessoas que podem casar entre
si, mas ao admtir a formação de entidade familiar a partir da união estável
diz que esta é reconhecida “entre o homem e e a mulher”, não abrindo
qualquer exceção explícita[16]. Já o Código Civil, pela redação de seus
artigos 1.514 e 1.517, aponta na direção de que o casamento somente seria
possível entre um homem e uma mulher, levando a crer que também a união
estável, que nada mais é do que um casamento de fato, informal, seguiria o
mesmo rumo. Conveniente, ou não, talvez inspirada por intolerância social
e fundamentalismo religioso, o fato é que os sinais são claros.
Apesar da literalidade do Código Civil e do que consta da Constituição
Federal, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI 4277[17], manifestou
entendimento segundo o qual não há qualquer fundamento jurídico
relevante capaz de negar tratamento isonômico entre os casais
heteroafetivos e os pares homoafetivos no que diz respeito à formação de
família, devendo o artigo 1.723, do Código Civil, receber “interpretação
conforme a Constituição Federal”.
Na sequência o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou a Resolução
175/2013, que dispõe sobre a habilitação, celebração de casamento civil, ou
de conversão de união estável em casamento, entre pessoas de mesmo sexo.
Ainda que se possa questionar a própria legitimidade do CNJ para o ato
que, em nossa forma de pensar, deveria ser objeto de lei em sentido estrito,
o entendimento segundo o qual pessoas do mesmo sexo podem unir-se em
união estável ou casamento está consolidado na jurisprudência e na
doutrina, não comportanto mais discussões, que seriam vazias.
Toda afirmação de que a Constituição equiparou o casamento e a união
estável esbarra de início em uma contraditio in terminis: não se regulam
distintamente dois institutos equivalentes. Mas o texto constitucional (artigo
226, § 3º) expressamente diz apenas que a união estável será reconhecida
(não equiparada ao casamento) e receberá alguma (não necessariamente a
mesma) proteção do Estado, e apenas para efeito desta proteção (regime
previdenciário, reconhecimento e guarda da prole etc.), não para os efeitos
patrimoniais ou outros de natureza essencialmente privada. Como não
bastasse, o constituinte deixou explícita sua preferência dizendo que se deve
facilitar a conversão da união estável no casamento, não apenas por
conservadorismo social ou religioso, mas também pelas óbvias vantagens
do estabelecimento formal do núcleo familiar, enquanto a união estável é de
caracterização subjetiva, não tem data certa e é passível ora de fraudes, ora
de dificuldades comprobatórias. Forçoso é concluir que a Constituição
protege a união estável, mas claramente a distingue do casamento, que
prefere inequivocamente.
Apesar disso, o Supremo Tribunal Federal já reconheceu a “inexistência de
hierarquia ou diferença de qualidade jurídica entre as duas formas de
constituição de um novo e autonomizado núcleo doméstico”, ratificando
esse entendimento tanto no julgamento da já mencionada ADI 4277 quanto
no RE 646721/RS, que deliberou sobre a equiparação de cônjuges e
companheiros para fins sucessórios, o que, na prática, induz ao
entendimento de que as duas instituições (união estável e casamento) são
equivalentes[18].
Cuidou a Constituição, igualmente, de proibir quaisquer designações
pejorativas ou simplesmente discriminatórias entre os filhos (art. 227 § 6º
da CF), assegurando-lhes os mesmos direitos, inclusive hereditários.
Abriu mão o Constituinte originário, entretanto, de extirpar a malsinada
culpa para o fim da relação, preservando, com poucas alterações dignas de
nota, o divórcio nos moldes do ordenamento jurídico anterior. Felizmente o
Congresso Nacional deliberou pela Emenda Constitucional n. 66/2010, que,
deixando de exigir o requisito da separação prévia (judicial ou de fato por
determinado lapso), transformou o divórcio num ato meramente potestativo,
que não comporta discussão acerca de suas causas, o que foi extremamente
benéfico para as partes e todos os que sofrem com as consequências do fim
de uma relação afetiva.
CASAMENTO
O ato solene de união entre pessoas de sexos diferentes para a formação de
um núcleo socioeconômico estável, com fins reprodutivos e de mútua
assistência, existe desde os primórdios da civilização, quase sempre
envolvido por cerimônias religiosas ou civis. Mas são óbvias e radicais as
alterações ao longo do tempo e nas diversas sociedades, que não cabe aqui
discutir.

No Brasil o casamento ainda é descrito como o ato civil[19] de união entre


um homem e uma mulher, de celebração gratuita, criando um núcleo
social elementar protegido pelo Estado – a família – visando à comunhão
plena de vida, à produção econômica, à reprodução e à mútua assistência
entre seus membros, baseada na igualdade de direitos e deveres entre os
cônjuges (art. 226, § 5º, da CF). Apesar da literalidade do texto, com o
julgamento da ADI 4277 e a promulgação da Resolução 175/2013, do CNJ,
a questão da diferença de sexos restou ultrapassada na jurisprudência,
mesmo que parte da doutrina ainda insista em defender o oposto.
Igualmente sob a proteção estatal encontram-se os núcleos familiares
formados não pelo ato solene, mas pela união estável entre aquelas pessoas,
cuja conversão em casamento deve ser facilitada.
Trata-se de ato jurídico em sentido estrito (seguramente o ato mais formal
e solene de todo o ordenamento jurídico)[20], pois o vínculo se forma no
exato momento em que os nubentes manifestam, perante a autoridade
competente, seu desejo de contrair matrimônio, e ela os declara casados
(art. 1.514 do CC), surtindo os efeitos determinados por lei, ainda que não
alcançados pela vontade das partes ou pela sua declaração. É bem verdade
que o casamento pode ser precedido por um pacto antenupcial (arts. 1.653
a 1.657 do CC) estabelecendo quaisquer cláusulas sobre direitos disponíveis
do casal, especialmente o regime de bens; mas é o pacto antenupcial que se
caracteriza como um negócio jurídico, não o casamento, que se limita a dar
início ao regime de bens e outros efeitos, sejam os escolhidos, sejam os
impostos por lei.
É sempre gratuita a celebração do casamento, como também, para os que
declararem pobreza, a habilitação, o registro e a primeira certidão (art.
1.512 do CC). Para sua validade, deve proceder-se previamente à
habilitação perante o oficial do registro civil, com os documentos e
declarações que provem não haver impedimento aparente ao ato; publicam-
se, então, os editais de proclamas, anunciando a intenção dos nubentes,
para que terceiros possam, se for o caso, opor algum fato que conheçam.
São reconhecidos efeitos civis ao casamento religioso, desde que atenda aos
mesmos requisitos, inclusive habilitação prévia (ou posterior, mediante
nova habilitação), e seja registrado em 90 dias (arts. 1.515 e 1.516 do CC).

O casamento exige a Capacidade dos nubentes. Assim, homem e mulher


podem casar-se aos 16 anos completos (idade núbil), mas até os 18 anos
dependerão da anuência de ambos os pais, que a podem revogar a qualquer
momento antes da celebração (arts. 1.517 e 1.518 do CC), ou suprimento
judicial (art. 1.519 do CC).
Até a edição da Lei 13.811/2019, excepcionalmente poderia ser autorizado
o casamento antes da puberdade formal (idade núbil), especialmente em
caso de gravidez ou para permitir a extinção da punibilidade criminal pelo
casamento do ofensor com a vítima de crimes sexuais, podendo o juiz
decretar a separação de corpos, até completar-se a idade legal. A nova
redação do art. 1.520, do CC, entretanto, veda expressamente o casamento
de quem não atingiu a idade núbil, o que nos parece bastante salutar já que
a proibição vai ao encontro dos princípios protetivos das crianças e
adolescentes.
Ainda no tocante ao tema da Capacidade, é de se salientar que o Estatuto da
Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015) revogou o inciso I do art.
1.548, que dizia ser nulo o casamento do “enfermo mental sem o necessário
discernimento para os atos da vida civil” e ainda prevê que o deficiente
pode se casar (art. 6º, I, do Estatuto). Uma interpretação apressada levaria à
errônea conclusão de que, a partir dessa revogação, todo deficiente mental,
em qualquer condição clínica, não poderia ser impedido de se casar.

Ora, essa hermenêutica totalizante e genérica resultaria em dano ao próprio


deficiente, afrontando o Estatuto, uma vez que existem situações pessoais
concretas em que o casamento não deve ser autorizado; por exemplo, um
deficiente mental de 60 anos titular de grande patrimônio que pretende se
casar com jovem de 20 anos pelo regime da comunhão universal,
vislumbrando-se o chamado “golpe do baú”. Num caso desses e em
situações assemelhadas, o Oficial do Registro não deve expedir o
Certificado de Habilitação, estando obrigado a Suscitar Dúvida dirigida ao
Juiz de Registros, nos termos do art. 204 da Lei nº 6.015/73 c/c art. 5º do
Estatuto, uma vez que existe fundado risco de lesão aos interesses do
deficiente.
EXISTÊNCIA DO CASAMENTO
O casamento segue a lógica dos planos do negócio jurídico: existência,
validade e eficácia, sendo esta última a capacidade de produzir efeitos
jurídicos (CC, art. 1.565 e art. 1.566).

No que se refere à existência, tradicionalmente eram os seguintes os


elementos constitutivos do casamento: manifestação de vontade dos
nubentes, presença da autoridade e diversidade de sexo dos nubentes. Este
último requisito não mais prevalece no Brasil[21]. Permanecem os outros
dois, de sorte que sem autoridade (civil ou religiosa) não há casamento[22] e
sem manifestação de vontade tampouco.

Se a autoridade celebra do ato quando não era mais competente e o


consentimento de um dos dos dois nubentes é viciado, existe casamento,
mas é inválido.

A diferenciação entre os planos não é meramente teórica, pois a alegação de


inexistência de casamento pode ser arguída em sede de Contestação (em
uma Ação de Alimentos, por exemplo), ao passo em que a invalidade
somente pode ser suscitada em ação direta específica (declaratória de
nulidade, por exemplo)[23].
IMPEDIMENTOS E INVALIDADE
O Código Civil considera inválido o casamento em certas circunstâncias,
impondo ora a sanção de anulabilidade, ora a de nulidade. Entre estas
últimas estão os impedimentos (CC, art. 1.521),[24] que podem ser opostos
até o momento da celebração por qualquer pessoa capaz, ou conhecidos de
ofício pelo celebrante (art. 1.522 do CC). Passada a celebração, somente por
ação judicial pode ser invalidado o vínculo matrimonial.
Não se podem casar, sob pena de nulidade, os impedidos: as pessoas
casadas, os ascendentes com os descendentes (ainda que adotivos), os irmãos
(ainda que um deles seja adotivo), e os demais colaterais até o terceiro grau
inclusive,[25] os afins em linha reta (mesmo com a dissolução da sociedade
conjugal que criou a afinidade), o adotante com o ex-cônjuge do adotado, e
vice-versa, assim como o adotado com o filho do adotante[26], o cônjuge
sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio
contra o seu consorte (art. 1.521 do CC)[27] ; não há, todavia, impedimento se
o próprio cônjuge adúltero mata o seu consorte e pretende se casar com o seu
cúmplice no adultério[28]; outro impedimento se refere ao menor que não
tenha atingido a idade núbil., pois um novo obstáculo para o casamento foi
criado com a modificação do artigo 1.520, do Codigo Civil, pela Lei
13.811/2019, a qual visa proibir no Brasil o casamento infantil (aquele
contraído por menor de 16 anos), como veremos mais à frente[29].

As causas suspensivas para o casamento (CC, art. 1.523) são aquelas que
apenas impõem o adiamento da celebração e podem ser arguidas pelos
parentes consanguíneos ou afins de qualquer dos nubentes, em linha reta ou
até o segundo grau colateral (art. 1.524 do CC). Mesmo assim, se restar
comprovado não haver gravidez ou, se for o caso, prejuízo para o herdeiro,
para o ex-cônjuge, para o tutelado ou para o curatelado, o juiz pode afastar a
sanção prevista, que não é a invalidade do casamento, mas apenas a
imposição do regime da separação de bens, em proteção dos interesses de
filhos, nascituros, tutelados ou curatelados etc.
Se o casamento for realizado a despeito da causa suspensiva, haverá duas
sanções: a adoção obrigatória do regime da separação de bens (art. 1.641, I) e
a instituição de hipoteca legal em favor dos filhos do primeiro casamento
(art. 1.489, II).
O filho adotivo não pode contrair matrimônio com os filhos naturais do
adotante, mesmo nascidos antes da adoção[30] e, por outro lado, conserva os
impedimentos em relação aos seus parentes naturais, porque de ordem moral
e sanitária. Mas resta uma pergunta: dois irmãos, ambos adotados, que não
sejam consanguíneos, poderiam casar-se? Seguindo a linha aparentemente
adotada, a resposta deve ser negativa, pois o legislador equiparou a filiação
civil à natural e, por outro lado, claramente cerceou avanços libidinosos no
seio familiar, ainda que “inocentes” e “honestos”, “tendentes ao
matrimônio”.
Não persiste mais a nulidade do casamento entre o cônjuge adúltero e o co-
réu por tal condenado, até porque o legislador certamente previa a revogação
do crime de adultério (CP, art. 240, revogado pela Lei nº 11.106, de
28/03/2005), que já não vinha recebendo a mesma reprovação social, para
não dizer que está quase por tornar-se aceito ou pelo menos tolerado.
Além daqueles celebrados por autoridade incompetente, poderão ser
anulados ou ratificados os casamentos das pessoas coagidas (arts. 1.556 a
1.558 do CC), das que não tenham condição de formar ou exprimir de
maneira inequívoca a sua vontade; de quem, tendo completado a idade núbil
e sendo ainda incapaz por idade, não obteve a autorização dos pais ou
responsáveis, nem obteve suprimento judicial, desde que não tenha
sobrevindo prole (art. 1.550 do CC).
Também será anulável o casamento celebrado mediante procuração cuja
revogação anterior fosse ignorada, desde que não tenha sobrevindo
coabitação entre os cônjuges, que seria obviamente incompatível com a
rejeição do matrimônio (art. 1.550, V, do CC). Por fim, é igualmente anulável
o casamento praticado em erro essencial quanto à pessoa do outro cônjuge:
sua identidade, honra, boa fama, tornando insuportável a vida em comum; a
condenação definitiva por crime inafiançável; a existência de defeito físico
irremediável, que não caracterize deficiência ou de moléstia grave e
transmissível (art. 1.557 do CC).[31]
Como dito acima, a Lei 13.811/2019, que modificou o texto do art. 1.520 do
Código Civil, proibindo sob qualquer hipótese a relização de casamento
envolvendo menores dezesseis anos, provoca interessante dilema. É que ao
prescrever que "não será permitido, em qualquer caso, o casamento de quem
não atingiu a idade núbil, observado o disposto no art. 1.517 deste Código"
criou verdadeiro e textual impedimento. Nada obstante isso, a nova lei não
modifica ou revoga qualquer outro dispositivo do Código, sugerindo que
estaríamos, então, diante de relativa ou anulabilidade na hipótese de ser
celebrado o casamento. Vozes potentes como a de Flávio Tartuce (2019)
entendem “pela anulabilidade ou nulidade relativa do ato, permanecendo
hígidos os comandos que tratam do tema, caso do art. 1.550, inc. I, da própria
codificação privada”. Entretanto, como se trata de proibição, constituindo
evidente impedimento, tendemos a acreditar se tratar de nulidade absoluta,
que poderá ser declarada por provocação do Ministério Público ou de
qualquer interessado, nos moldes do artigo 1.549, do CC.

De fato, mesmo que não esteja listada no artigo que lista os Impedimentos
(art. 1.521), estando na verdade inserida na capítulo que trata da capacidade
para contrair matrimônio, o que se vê é que o casamento de quem não
atingiu a idade núbil não será permitido em nenhuma hipótese, ou seja, os
menores que não atingiram a 16 anos estão impedidos de casar, sendo a
sanção a de nulidade absoluta do casamento, nada obstante o artigo 1.550, I,
não tenha sido expressamente revogado pela nova regra leagal e essa
situação não esteja prevista no art. 1.548, que é o dispositivo que trata da
nulidade do casamento. A incompatibilidade lógica, entretanto, é notória e
decorre do trabalho afobado e pouco técnico do legislaro; porém,
entendemos que deve ser feita uma interpretação teleológica e sociológica
daquela norma legal, a qual tem por propósito acabar com a possibilidade
do casamento infantil no país, devendo-se, então, concluir que, ainda que
tecnicamente haja divergência sobre a natureza de Impedimento daquela
proibição, defendemos a aplicação da regra da Parte Geral do Código, isto
é, o art. 166, I[32], a qual resulta na nulidade do matrimônio.
O casamento nulo ou anulado produz todos os seus efeitos em relação aos
filhos e, se for o caso, ao(s) cônjuge(s) de boa-fé, até o dia da sentença
judicial (art. 1.561 do CC).
Exceto no caso da pessoa que contraiu novo matrimônio já sendo casada,
não se proclamará (CC, arts. 1.545 e 1.547), em prejuízo da prole comum, a
invalidade do casamento de pessoa que, vivendo até então em condições de
fato correspondentes ao casamento,[33] faleceu ou não estiver em condições
de se manifestar. Como não se admite distinção quanto à natureza da
filiação, o prejuízo a que se refere o legislador será antes de tudo
patrimonial, decorrente da redução ou exclusão do espólio, pois as regras
aplicáveis para a comunhão de bens e a herança podem depender da
existência daquele vínculo, especialmente se falarmos em sucessões
consecutivas. Da mesma forma, se os cônjuges viveram ou tiverem vivido
na “posse do estado de casados”, na dúvida não será proclamada a
invalidade do matrimônio (arts. 1.545 e 1.547 do CC).
A lei estabelece prazos para a ação de anulação do casamento, sendo de 180
(cento e oitenta) dias, contados a partir do momento em que o mandante
tenha ciência da celebração, para aquele realizado pelo mandatário que não
sabia da revogação do mandato; de dois anos, contados da celebração, para
o realizado por autoridade celebrante incompetente; de três anos, também
contados da celebração, nos casos de erro essencial em relação à pessoa do
outro cônjuge e de quatro anos em caso de coação.
Embora o Codigo estabeleça o prazo de de 180 (cento e oitenta dias) para o
menor de 16 anos anular seu casamento, contados da data em que atinge tal
idade[34], entendemos que não se trata de ato anulável, mas nulo de pleno
direito, pelos motivos já expostos. Para seus pais e representantes legais o
prazo é contado a partir da data da celebração.
HABILITAÇÃO
A fim de prevenir nulidades, o casamento deve ser precedido de um
processo de habilitação, apresentando as partes ao oficial de registro civil
os documentos e testemunhos que comprovam não haver impedimento e
declarando seu domicílio e o de seus pais (art. 1.525 do CC). Nesta fase é
dever do oficial esclarecer os nubentes quanto às possibilidades de
invalidade do casamento, assim como em relação aos diversos regimes de
bens que podem escolher (art. 1.528 do CC).
Estando em ordem a documentação e considerando o oficial que não há
qualquer vício aparente, os editais de proclamas são publicados, o que pode
ser dispensado em caso de urgência (arts. 1.526 e 1.527 do CC).
Se forem opostos impedimentos ou causas suspensivas nessa fase, ou
houver qualquer outro vício ou falha, os nubentes serão ouvidos e terão
oportunidade de saná-los ou defenderem-se (arts. 1.529 e 1.530 do CC) e a
habilitação é, então, submetida ao Juiz.
Cumpridas as formalidades legais, estando em dia a documentação e
verificada a inexistência de fato obstativo[35], expede-se o certificado de
habilitação, com eficácia de 90 dias. Se o casamento não for celebrado
nesse prazo, nova habilitação será necessária (arts. 1.531 e 1.532 do CC).
CELEBRAÇÃO
Não havendo impedimentos, o casamento celebrar-se-á a portas abertas em
dia, hora e lugar previamente designados (geralmente na sede do cartório),
na presença de pelo menos duas[36] testemunhas (que podem ser parentes
dos noivos) e da autoridade celebrante. Após certificar-se de que as partes
ali estão espontaneamente, e ouvindo de cada um dos nubentes a
manifestação explícita de que desejam o matrimônio, o celebrante os
declarará casados, mediante as palavras: “De acordo com a vontade que
ambos acabais de afirmar perante mim, de vos receberdes por marido e
mulher, eu, em nome da lei, vos declaro casados”. Em seguida, será lavrado
o assento no livro de registro, com a assinatura de todos aqueles cuja
presença é obrigatória, expedindo-se a certidão respectiva. A cerimônia
deve ser suspensa à menor suspeita de coação ou arrependimento ou mesmo
quando houver recusa na manifestação solene de vontade ou que esta não é
livre e espontânea. Nestes casos a cerimônia não poderá ser celebrada no
mesmo dia (arts. 1.533 a 1.538 do CC).
Algumas formalidades podem ser dispensadas em caso de urgência
decorrente de moléstia grave, deslocando-se o celebrante até onde estiver o
impedido (melhor dizer “imobilizado”, já que não há impedimento jurídico
ao matrimônio), mesmo que em horas mortas, lavrando termo avulso que
deverá ser registrado em cinco dias (art. 1.539 do CC). Mas se um dos
consortes estiver às portas da morte, não havendo a possibilidade de obter a
presença da autoridade, pode realizar-se o casamento nuncupativo,
celebrando-se o ato na presença de seis testemunhas que não sejam parentes
dos noivos até o segundo grau em linha reta ou colateral; mais tarde deve
ratificar-se esse casamento (arts. 1.540 e 1.541 do CC). Quando uma das
partes não se puder fazer presente, admite-se o casamento por procuração
pública com poderes específicos para esse fim, que deve indicar o futuro
consorte do mandante e não terá eficácia superior a 90 dias, e só pode ser
revogado por outro instrumento público, devendo notificar-se o mandatário
e o outro nubente (art. 1.542 do CC).
O casamento celebrado no Brasil prova-se pela certidão do registro, mas a
lei admite qualquer outra espécie de prova quando justificada a falta ou
perda do próprio registro, e o celebrado no estrangeiro, quando um dos
cônjuges é brasileiro, deve ser registrado no prazo de 180 dias a contar da
volta de um dos cônjuges ao território nacional (arts. 1.543 e 1.544 do CC e
art. 32 da Lei de Registros Públicos).
O Código de Direito Internacional Privado (Código Bustamante),
convenção assinada em Havana aos 20/12/1928 e promulgada no Brasil
pelo Decreto nº 18.871 de 13/08/1929, estabelece em seu art. 40[37] que as
partes são obrigadas a reconhecer o casamento realizado no exterior desde
que não conflite com as leis nacionais referente Impedimentos (art. 1.521
do nosso Código Civil[38]).

No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, consolidou-se o entendimento


de que o registro não é condição de validade, isto é, ainda que não seja
realizado em cartório brasileiro perante celebrante no Brasil, o casamento é
válido (REsp 280.197- RJ, REsp 440.443 – RS e Conflito de Competência
CC 13394 – DF).

Assim, o registro, no Brasil, é ato de natureza meramente declaratória e


não constitutiva, não sendo, dessa feita, indispensável para a validação do
matrimônio (STJ- Decisão Monocrática no REsp: 1382284 RN
2013/0135537-3, Relator: Ministro SÉRGIO KUKINA, Data de
Publicação: DJ 04/05/2017).
Ainda no tocante ao casamento celebrado no exterior, seja de dois
estrangeiros, seja quando um dos consortes for brasileiro, a respectiva
Certidão deve primeiramente ser legalizada, isto é, autenticada pela
autoridade competente. No caso dos países signatários da Convenção sobre
a Eliminação da Exigência de Legalização de Documentos Públicos
Estrangeiros (promulgada no Brasil pelo Decreto nº 8.660/2016), a
autenticação será realizada pela repartição indicada pelo respectivo país[39].
Se o matrimônio houver sido realizado em país não signatário, a
autenticação será de competência do Consulado brasileiro.
Autenticada a Certidão, as partes devem providenciar a sua tradução
juramentada e, se um ou ambos os cônjuges for brasileiro, assentá-la no
Registro Civil (art. 32 da Lei nº 6.015/73 c/c CC art. 9º, I). Se ambos foram
estrangeiros, o registro se fará no Cartório de Títulos e Documentos (art.
129 da Lei nº 6.015/73).
É importante salientar que o registro não é uma condição de validade do
casamento, pois este ato passa a produzir efeitos desde a celebração, regra
que se adota em quase todos os países. O registro serve apenas dar dar
publicidade ao ato, servido de prova perante terceiros[40].
A mesma sistemática se aplica ao documento escrito estrangeiro que
comprove a união estável iniciada no exterior (contrato particular ou por
escritura pública); primeiro deve ser autenticado e depois traduzido; o seu
registro será feito no Brasil no livro de Títulos e Documentos, nos termos
do art. 129 da Lei nº 6.015/73.
Quando a prova do casamento se der por meio de sentença em processo
judicial, o registro da decisão fará com que os efeitos retroajam desde a
celebração do matrimônio, tanto no que diz respeito aos cônjuges quanto
aos filhos.
Na dúvida entre provas favoráveis ou contrárias o vínculo deverá ser
prestigiado se os cônjuges, que tiveram o casamento impugnado, viverem
ou tiverem vivido “na posse do estado de casados”.
DIREITOS E DEVERES DOS CÔNJUGES: EFICÁCIA DO
CASAMENTO
A Constituição da República (art. 226, § 5º) tornou idênticos os direitos e
deveres dos cônjuges, gerando dúvidas sobre quais dispositivos do Código
Civil teriam sobrevivido, com ou sem modificações[41].
Certo é que agora ambos são igualmente representantes do casal, podendo,
em princípio, exercer isoladamente os atos do poder familiar, desde que não
haja divergência, que deverá ser resolvida judicialmente em hipóteses tais
como a emancipação[42] dos filhos ou a autorização para contrair
matrimônio (art. 1.567 do CC). Também se tornou conjunta a
administração do patrimônio comum e a obrigação de prover os encargos
econômicos da família, sempre na proporção dos bens e rendimentos do
trabalho de cada um, independentemente do regime escolhido. (art. 1.568
do CC). Mas o exercício da direção da família caberá com exclusividade a
um dos cônjuges se o outro estiver em lugar remoto e não sabido,
encarcerado por mais de 180 dias, interditado judicialmente ou privado
episodicamente da consciência (art. 1.570 do CC).[43]
Para alienar, onerar ou disputar judicialmente direitos reais sobre imóveis, é
necessária a anuência do outro cônjuge, exceto no regime da separação total
de bens;[44] se é comum a posse, ambos devem ser citados nas ações
possessórias. Também não vale contra o patrimônio (inclusive a sua metade
dos bens comuns) do cônjuge a fiança prestada pelo outro sem a sua
concordância.
Qualquer dos cônjuges pode, querendo, acrescentar ao seu o sobrenome do
outro, e são obrigações mútuas (art. 1.566 do CC) a fidelidade, respeito e
consideração recíprocos, a mútua assistência moral, afetiva e financeira, o
sustento, guarda e educação dos filhos e a vida em comum no domicílio
conjugal, que deverá ser escolhido em comum acordo, embora o cônjuge
possa ausentar-se para atender encargos públicos, exercer profissão ou
cuidar de interesses particulares relevantes (art. 1.569 do CC).

Mais importante que tudo é o dever-direito de coabitação[45], assistência


mútua, relacionamento sexual e fidelidade, além do sustento, guarda e
educação dos filhos, cuja violação dá ensejo ao divórcio[46] e outras medidas
judiciais – mas não ao uso da violência. Por fim, o casamento torna
obrigatório o pacto antenupcial eventualmente existente e faz vigorar o
regime de bens, até a separação de fato do casal[47], salvo alteração judicial.
Tanto o marido quanto a esposa (e ambos os companheiros) podem
incorporar ao seu o sobrenome do outro (art. 1.565, § 1º do CC).
REGIME DE BENS
Um dos mais importantes efeitos do casamento é o de estabelecer entre os
cônjuges o início de uma sociedade econômica de origem socioafetiva, que
pode ser mais ou menos ampla, até mesmo de caráter universal – embora o
direito pátrio não chegue realmente a este ponto, apesar de adotar o regime
de comunhão universal de bens, porquanto sempre há algumas exceções[48].
Por outro lado, por mais que desejem os nubentes, nunca deixará de haver
um mínimo de comprometimento econômico recíproco em virtude dos
princípios da solidariedade e da paternidade responsável (art. 1.568 do
CC e art. 226, § 7º, da CF), além de figurar o cônjuge como herdeiro
necessário (art. 1.845 do CC). Como regra, os efeitos patrimoniais do
casamento, dentro dos limites legais, são disponíveis pelas partes, que os
podem fixar antes do casamento, ou alterá-los judicialmente depois da
celebração, desde que em comum acordo e sem prejudicar terceiros,
apresentando motivos razoáveis (art. 1.639 do CC).[49]
Qualquer que seja o regime de bens vigente, ambos os cônjuges podem
livremente praticar todos os atos que não lhe sejam expressamente vedados
pela lei ou pelo pacto antenupcial, especialmente os atos de administração e
disposição inerentes ao exercício de sua profissão (salvo os que exigem
outorga conjugal[50] – CC/02, art. 1.647), os de simples administração (sem
disposição) dos bens que não participem da comunhão, assim como adotar
as providências para desobrigar ou reivindicar, anular ou rescindir os
contratos de alienação, gravame real, fiança, aval ou doação realizados sem
a sua necessária anuência (art. 1.642 do CC). Podem também comprar,
mesmo a crédito, as coisas necessárias à economia doméstica, ou obter
empréstimo necessário para custeá-las (art. 1.643 do CC), e com este ato
obrigam solidariamente o casal (art. 1.644 do CC).
Exceto no regime de separação absoluta, ou havendo dispensa expressa no
pacto antenupcial do regime de participação final nos aquestos,[51] nenhum
dos cônjuges, sem a autorização do outro, sob pena de anulabilidade, pode
alienar ou gravar imóvel com ônus real, ainda que não componha o
patrimônio comum, nem pleitear acerca desses bens e direitos; nem prestar
fiança ou aval, fazer doação dos bens comuns ou que devam integrar futura
meação (regime de participação final nos aquestos), salvo se remuneratória
ou feita aos filhos que se casarem ou se estabelecerem com economia
própria (art. 1.647 do CC).
A outorga conjugal pode ser suprida judicialmente se não tiver motivo justo
ou se o cônjuge estiver impedido de concedê-la, como no caso em que se
reconhecer malversação do patrimônio comum ou quando o cônjuge for
declarado incapaz (art. 1.648 do CC). Neste último caso, aliás, a
administração dos bens comuns e dos que pertencem ao cônjuge incapaz
será normalmente incumbida ao outro, que os poderá meramente gerir,
alienar os bens móveis comuns e, mediante autorização judicial, todos os
demais, móveis ou imóveis (art. 1.651 do CC). Entrementes, ressalte-se que
a necessidade de outorga conjugal não atinge a alienação de bens imóveis
pertencentes ao acervo da empresa de um dos cônjuges (CC, art. 978),
qualquer que seja o regime de bens.
Segundo o artigo 550 do Código Civil, qualquer que seja o regime de bens
“a doação do cônjuge adúltero ao seu cúmplice pode ser anulada pelo outro
cônjuge, ou por seus herdeiros necessários, até dois anos depois de
dissolvida a sociedade conjugal.” A razão dessa norma é óbvia: além da
reprovação moral ao adultério, o legislador quer impedir o desvio de bens
que devem servir à família, ainda que não componham o patrimônio
comum. Este dispositivo repete, em outros termos, o que constava no art.
178 § 7º, VI do Código Civil de 1916. Ocorre que o CC de 2002 não
manteve o impedimento para que os adúlteros se casem entre si, além de
haver incluído o divórcio, a separação de fato e a união estável, o que cria
para o aplicador da lei dificuldades antes inexistentes. A primeira delas é
que não se considera haver adultério se existia separação de fato entre os
cônjuges, e portanto a doação não é anulável.
Por outro lado, o artigo 1.641 do Código Civil estabelece, também
independentemente do regime de bens, a possibilidade de reivindicar os
bens comuns que o outro cônjuge haja doado ou transferido, mesmo
onerosamente, ao novo companheiro, salvo se já houver separação de fato
há mais de cinco anos e os bens houverem comprovadamente sido
adquiridos pelo esforço comum dos companheiros. A preocupação aqui é
com a confusão patrimonial: há muitos elementos subjetivos e muita
dificuldade probatória para reconhecer tanto a separação de fato quanto a
união estável, e mais ainda para precisar a data em que haveriam ocorrido.
Isso fica ainda mais complicado se esses relacionamentos passarem por idas
e vindas, o que não é incomum. Já o casamento e o divórcio, além de
facilmente comprováveis, têm data certa. Portanto, o legislador sempre
desconfia do desvio de bens da sociedade conjugal para a nova família, e
imputa àqueles que estabeleceram união estável na constância formal do
casamento o ônus probatório de que os bens não compõem o patrimônio
comum dos cônjuges separados de fato.
Aliás, embora menos severos – já que o divórcio é ato formal – o artigo
1.523, III, combinado com o artigo 1641, I, ambos do Código Civil,
impõem o regime da separação total de bens para o casamento da pessoa
divorciada que contrai novas núpcias antes de promover a partilha dos bens
casal anterior. O objetivo é sempre o mesmo: evitar ou, quando menos,
facilitar a solução de dúvidas quanto à titularidade patrimonial.
Note-se, por fim, que o prazo de 5 anos estabelecido pelo artigo 1641 do
Código Civil não implica que seja esse um requisito para o reconhecimento
da união estável, servindo apenas como referência ao se distinguir os bens
que devem ser partilhados entre o primeiro casal e o que pertence aos
companheiros.
Qualquer que seja o regime de bens, os pais, que estiverem no exercício do
poder familiar, têm ao mesmo tempo a administração e o usufruto dos
bens dos filhos menores, aos quais representam até os 16 anos, e assistem
até os 18, devendo decidir em comum o que melhor atende ao interesse da
prole, resolvendo-se judicialmente eventual divergência (arts. 1.689 e 1.690
do CC). Excluem-se do usufruto os bens que o filho já tinha antes de ser
reconhecido, os que ele auferir com o trabalho a partir dos 16 anos, os bens
doados ou deixados com cláusula de não serem usufruídos ou administrados
pelos pais, e os que os filhos herdarem porque os pais foram excluídos da
herança por indignidade (CC, arts. 1.693, 1.814 e 1.816). Os poderes são de
mera administração, dependendo de autorização judicial para lhes vender os
imóveis ou para contrair dívidas que excedam as necessidades de simples
gestão. Havendo colidência de interesses, o juiz deverá nomear para os
filhos um curador (arts. 1.691 e 1.692 do CC).
ALTERAÇÃO DO REGIME DE BENS
Inovando em relação ao seu antecessor, o Código Civil de 2002 trocou o
princípio da imutabilidade pelo da estabilidade ou mutabilidade
controlada, permitindo (art. 1.639, § 2º), na constância da sociedade
conjugal, a alteração do regime de bens que tenha sido livremente
estipulado, mediante autorização judicial a pedido fundamentado de ambos
os cônjuges, ressalvados os interesses de terceiros.[52]
Pelas próprias razões que levaram o legislador a impor o regime de
separação obrigatória, ele é indesfazível,[53] o que aliás também fica
explícito pelo fato de se prever a possibilidade da alteração no mesmo
dispositivo em que se prevê o pacto antenupcial, ao passo que a separação
obrigatória é imposta em apartado. Aliás, o Código Civil (art. 1.523,
parágrafo único) admite que a separação obrigatória seja afastada pelo juiz
somente se a ausência de gravidez ou de prejuízo for comprovada antes do
casamento, ao passo que a separação de bens é uma óbvia restrição ao
poder judicial de suprir o consentimento dos pais ou a idade para casar (CC,
arts. 1.519 e 1.641, III): doutra sorte, como o casamento faz cessar a
incapacidade, os cônjuges poderiam afastar imediatamente a restrição legal.
REGIME LEGAL
Nem todos podem escolher o regime de bens, sendo obrigatória a
separação total nos casamentos realizados apesar das causas suspensivas,
assim como aquele contraído por pessoa maior de 70 anos[54], bem como o
de todos os que, para casar, dependerem de suprimento judicial, inclusive
o daqueles que se casaram sem o suprimento e depois de maiores
ratificaram o ato (art. 1.641 do CC).
A separação imposta não impede que os cônjuges adquiram bens em
conjunto, desde que se demonstre o efetivo esforço comum, que não se
presume pela constância da sociedade conjugal e nem mesmo pelo
cumprimento dos seus deveres, inclusive o da mútua assistência. É que não
poderia haver restrição legal à participação daqueles que a lei visa proteger
(o tutelado ou curatelado, o maior de 70 anos e o que necessitou de
suprimento judicial) nos aquestos registrados em nome daquele de cuja
parte se temia um aproveitamento escuso (o tutor ou curador, o cônjuge
muito mais jovem, o cônjuge capaz); estaríamos invertendo a intenção da
lei, prejudicando quem ela queria proteger.[55]
O pródigo não depende de anuência de seu curador para casar, mas sem ela
não pode adotar nenhum regime de bens exceto o da separação total, pois
qualquer outro implicaria disposição patrimonial, especialmente o da
comunhão universal (art. 1.782 do CC).
Gerando confusão, costuma-se chamar legal ao regime de comunhão
parcial, que vigora na ausência de disposição antenupcial, ou por simples
termo no assento de casamento (art. 1.640 do CC).
PACTO ANTENUPCIAL
Antes de se casarem, é lícito aos esponsais, mediante escritura pública,
dispor sobre seus bens presentes e futuros, bem como sobre a participação
de cada um no sustento da família e outras questões pertinentes à vida
conjugal, desde que não contrariem direta ou indiretamente nenhuma
disposição legal de ordem pública (art. 1.655 do CC).[56] No silêncio ou na
ausência deste contrato ou pacto antenupcial, vigora o regime da
comunhão parcial de bens (até a adoção do divórcio no país, vigorava a
comunhão universal).[57]

As convenções antenupciais somente serão eficazes perante terceiros depois


de registradas no registro imobiliário do domicílio dos cônjuges, mas não
gera qualquer efeito enquanto não se lhe seguir a qualquer tempo o
casamento (arts. 1.653 e 1.657 do CC). E caducam se um dos nubentes
falecer ou vier a casar-se com outro; ainda que posteriormente se divorcie e
queira casar-se com o noivo anterior, será necessário novo pacto, pois
houve rescisão tácita daquelas cláusulas.

Em geral, o pacto nupcial tem sido utilizado apenas para a adoção do


regime de bens que não o da comunhão parcial, mas esse contrato especial
de Direito de Família pode ser empregado para estabelecer obrigações entre
os cônjuges, evitando muitos problemas em caso de divórcio, com
fundamento na autonomia da votade – é um negócio jurídico, afinal, -
como, por exemplo, cláusula penal em caso de adultério, listagem de bens
que cada um possui antes do casamento, previsão de a quem será destinados
os animais de estimação em caso de dissolução da sociedade conjugal,
proibição de divulgação de intimidades se huver separação do casal e multa
em caso de descumprimento (cláusula antibaixaria).
COMUNHÃO PARCIAL DE BENS
A comunhão parcial (que se poderia chamar “separação parcial”) é o
regime presumido pelo legislador no silêncio das partes (art. 1.640 do CC),
que o podem adotar expressamente, implicando comunicação dos bens
adquiridos pelos cônjuges depois do casamento exceto (arts. 1.661 e 1.659,
I, do CC) os recebidos por doação ou herança ou por qualquer causa
anterior ao casamento, ainda que registrados em nome de só um deles,
permanecendo exclusivo (art. 1.659, II, do CC) o patrimônio anteriormente
existente, inclusive os bens adquiridos com o produto de sua alienação
(sub-rogados). Também não se comunicam (art. 1.659, III a VII, do CC) as
obrigações anteriores ao casamento e as posteriores decorrentes de ato
ilícito que não se reverteram em proveito do casal, nem os bens de uso
pessoal, livros e instrumentos de profissão; os proventos do trabalho
(enquanto conservarem seu caráter alimentar, isto é, não forem acumulados)
e o direito ao recebimento de benefícios previdenciários (as prestações
recebidas e acumuladas incorporam-se ao patrimônio do casal).
Os bens particulares são administrados pelo respectivo proprietário (art.
1.665 do CC), mas os atos de disposição sujeitam-se eventualmente à
outorga conjugal. Os bens comuns são administrados por qualquer dos
cônjuges (art. 1.663 do CC), mas as dívidas que um deles contrair só
obrigam o outro na medida em que revertam em favor do patrimônio
comum ou da economia doméstica (art. 1.666 do CC). Havendo
malversação, o cônjuge culpado pode ser privado da administração, que
será atribuída ao outro.
COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS
Escolhido o regime da comunhão universal, o casamento efetuará
automaticamente a comunicação de todos os bens atuais e futuros e dívidas
passivas contraídas em proveito do patrimônio comum, com algumas
exceções (arts. 1.667 e 1.668 do CC): as doações e heranças recebidas com
cláusula de incomunicabilidade; os bens gravados de fideicomisso e o
direito do fideicomissário antes de realizada a condição suspensiva;
obrigações contraídas antes do casamento sem proveito para o patrimônio
comum; bens de uso pessoal, livros e instrumentos de profissão; os
proventos do trabalho (enquanto conservarem seu caráter alimentar, isto é,
não forem acumulados) e o direito ao recebimento de benefícios
previdenciários (as prestações recebidas e acumuladas incorporam-se ao
patrimônio do casal). Os bens comuns são administrados como no regime
da comunhão parcial.
SEPARAÇÃO DE BENS
O regime da separação total pode ser eleito pelas partes (separação
convencional de bens) ou imposto por lei (separação legal de bens – art.
1.688 do CC).
Por ele, cada cônjuge conserva com exclusividade os bens que já trazia e os
que adquirir na constância do matrimônio[58], cada qual devendo contribuir
para o sustento da família na proporção de seus rendimentos, se não houver
disposição diversa no pacto antenupcial (arts. 1.687 e 1.688 do CC). Os
bens particulares são administrados pelo respectivo proprietário,
independentemente de outorga conjugal.
Se a separação é convencional, nada impede que haja sociedade de fato ou
de direito entre os cônjuges, mas ela deve ser comprovada especificamente
na aquisição de determinado bem, não pode ser presumida pela simples
sociedade conjugal e pelo cumprimento dos deveres correspondentes. Se a
separação é obrigatória, a possibilidade é discutível, mas parece razoável
não ver restrição legal à participação daqueles que a lei visa proteger (o
tutelado ou curatelado, o maior de 70 anos e o que necessitou de suprimento
judicial) no patrimônio do outro.
COMUNHÃO DE AQUESTOS
Pelo regime de participação final nos aquestos, cada cônjuge tem,
administra e dispõe como se fossem exclusivamente seus todos os bens que
já tinha e os que adquirir na constância do matrimônio, como se se tratasse
do regime da separação total. Somente na dissolução da sociedade conjugal
(pelo divórcio, pela morte ou outra razão) é que cada um fará jus à
metade do que foi onerosamente adquirido pelo casal durante o
casamento (leva-se em consideração a data em que cessou de fato a
convivência), excluindo-se portanto as doações e os bens hereditários, bem
como as obrigações deles decorrentes (art. 1.672 do CC). As doações feitas
por um cônjuge sem a anuência do outro são descontadas da parte que
àquele caberia; em compensação, imputam-se também as dívidas de um
cônjuge que o outro pagou. Os bens anteriores continuam incomunicáveis;
como não são comunicáveis as dívidas de um cônjuge que superarem sua
meação. O direito à meação não é renunciável, penhorável ou cessível na
constância da sociedade conjugal.
Em outras palavras, esse regime funciona como o da separação de bens
durante a constância do matrimônio, e como o da comunhão parcial, no
momento em que a sociedade conjugal se desfaz por morte ou divórcio,
dividindo-se o acréscimo patrimonial que o casal alcançou nesse entremeio.
A única ressalva é que, para dispor dos bens imóveis particulares, sejam
anteriores ou aquestos, o cônjuge precisará da anuência do outro (art. 1.673,
parágrafo único, do CC), a menos que dispensada expressamente pelo pacto
antenupcial, o que não é admissível para os bens comuns ou particulares do
outro cônjuge.[59]
REGIME DOTAL
Já então quase desaparecido, o regime dotal se caracteriza pela doação de
bens efetuada, em regra pelo pai à filha antes e em razão de seu casamento,
sendo esse patrimônio administrado por seu futuro marido[60].

Não foi regulado pelo Código Civil de 2002[61], mas não se pode concluir
que esteja extinto ou proibido, uma vez que se trata de direitos disponíveis,
nada impedindo que o próprio nubente, seus ascendentes ou terceiro,
constituam um dote, doando bens a um dos cônjuges com cláusula de
incomunicabilidade, atribuindo sua administração ao titular ou ao outro
cônjuge (CC/02, art. 1.665)[62], formalizando a intenção em pacto
antenupcial, afinal, os nubentes, quanto ao regime de bens, podem estipular
“o que lhes aprouver”[63].
É típico do casamento dinástico, aquele matrimônio entre monarcas ou seus
descendentes com o objeivo de criar ou estreitar relações políticas e
econômicas entre as casas reais.

Por exemplo, segundo Cristiano Catarin[64], “Dom. João VI, o então


desacreditado rei português, traçou uma estratégia inteligente para recolocar
a dinastia dos Bragança ao centro do poder da Europa, promovendo o
casamento de seu filho herdeiro d. Pedro com d. Leopoldina, filha do
Imperador da Áustria Francisco I, pertencente a poderosa dinastia de
Habsburgo. Sobre este casamento, o Arquivo Nacional do Rio de Janeiro
dispõe duma cópia do contrato lavrado em Viena, em francês, contendo 12
cláusulas demarcando as possíveis situações a respeito do destino de
Leopoldina no "arranjo" de sua vinda ao Rio de Janeiro, na ocasião, sede da
Coroa portuguesa. Veremos a seguir, algumas cláusulas do referido
contrato, traduzidas em português”:
*** S.M. Imperial e Real Apostólica constituída em dote à Sereníssima
Princesa a soma de 200 mil florins, pagos em dinheiro em Viena durante a
celebração do casório; e, quando do embarque, deveria certificar-se se sua
filha levava o "trousseau nécessaire", as jóias, vasos de ouro e prata, etc.,
etc., conforme o uso estabelecido na Casa da Áustria.

*** Ficava o Príncipe obrigado a dar à consorte uma soma equivalente em


contradote, de modo que o total de ambos será de 400 mil florins.

*** D. João ficava obrigado a dar à nora uma pensão anual de 60 mil
florins "á titre d´épingles" ("a titulo de alfinetes" - uma espécie de pensão
como contratode), que seria paga no montante de 5 mil por mês.

*** S.M. Fidelíssima Francisco I, por sua parte, prometia ao Príncipe


esposo, em contraparte, a mesma soma de 60 mil florins "á titre de cadeau
de noces" (a título de presente de casamento).
Destaque-se também, ainda no tocante à Casa Imperial Brasileira, que Dom
Pedro II agraciou sua filha Princesa Isabel com um dote constituído por
uma larga extensão de terras carboníferas no hoje Estado de Santa Catarina,
quando ela se casou com o neto do rei Luiz Felipe I, rei da França, o conde
Louis Philippe Marie Ferdinand Gaston (Gastão de Orleans, o Cond’Eu),
correspondente ao atual município de Orleans (SC).[65]

Na linguagem deste regime ultrapassado[66], os bens dotais administrados


pela esposa chamavam-se parafernais. Em caso de dissolução, os bens são
devolvidos ao dotador ou, nada havendo nesse sentido, ao cônjuge
beneficiário ou seus herdeiros.
ALIMENTOS
Utilizamos a expressão alimentos para designar “as prestações devidas para
satisfação das necessidades pessoais daquele que não pode provê-la com
trabalho próprio”[67].
Para que alguém deva alimentos a outrem é fundamental a presença
concomitante de três elementos: (i) alguém que necessite de alimentos,
denominado alimentado, (ii) alguém que possa pagar os alimentos,
denominado alimentante e (iii) uma vinculação jurídica entre os dois, já
que ninguém pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa
senão em virtude de lei[68].
Nosso ordenamento jurídico prevê três (3) formas distintas de obrigação
alimentar: a primeira decorre do dever de sustento dos pais em relação aos
filhos, sendo inerente e decorrência do Poder Familiar[69]; a segunda está
afeta à solidariedade familiar e é decorrente da relação de parentesco entre
as partes[70]; a terceira, que não interessa diretamente ao Direito de Família,
decorre da prática de ato ilícito como ocorre, por exemplo, nos casos de
homicídio em acidente automobilístico, em que o causador do evento
danoso é compelido a pagar alimentos à família da vítima[71].
Do Princípio da Paternidade Responsável, decorre o dever de assistir,
criar e educar os filhos; em contrapartida, cabe aos filhos o dever de ajudar
e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade (Constituição da
República, arts. 226, § 7º e 229). Na verdade, antes da atual Carta Magna, já
o Código Civil de 1916 (arts. 396 e seguintes) estendia essa obrigação
recíproca de prestar alimentos entre todos os ascendentes e descendentes,
como também aos irmãos, recaindo a obrigação de preferência sobre os
mais próximos.
Outrossim, da sociedade conjugal, seja ela formada pelo casamento ou pela
união estável, também surge a dependência econômica e a obrigação de
mútua assistência, implicando o pagamento de pensão alimentícia em
caso de dissolução de fato ou de direito, como também na simples
separação de corpos judicialmente decretada, desde que qualquer dos
consortes necessite, e o outro possa pagá-la. Pela redação do artigo 1.702,
do CC/02, esse direito será todavia negado ao cônjuge culpado pela
separação, por infidelidade, por exemplo[72].
Assim, o artigo 1.694 do Código Civil de 2002 estipula que os parentes
(ascendentes, descendentes e, até o quarto grau, os colaterais) e os cônjuges
ou companheiros (mas não os demais parentes por afinidade) podem pedir
uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo
compatível com sua condição social, inclusive para atender às necessidades
de sua educação.
Também os filhos havidos fora do casamento podem pleitear alimentos (art.
1.705 do CC), que lhes serão provisonalmente fixados antes mesmo do
trânsito em julgado da sentença que reconhecer a paternidade.
Classificação dos alimentos
Para facilitar o estudo e a compreensão do tema, a doutrina costuma
classificar os alimentos conforme a causa jurídica e conforme sua natureza.
Quanto à causa jurídica os alimentos podem ser legais, voluntários ou
indenizatórios
São chamados alimentos legais aquele que decorrem de uma imposição de
lei como se dá, por exemplo, a partir de uma relação de parentesco ou da
dissolução de uma união afetiva, como o casamento ou a união estável.
Já os chamados alimentos voluntários decorrem de uma liberalidade do
alimentante, que pode, mesmo sem que a lei determine, instituir uma
obrigação alimentar, prestando auxílio a alguém, o que pode se dar de duas
formas: causa mortis ou inter vivos.
Os alimentos instituídos causa mortis são estabelecidos em testamento por
quem pretende beneficiar determinada pessoa. Ao determinar esse legado
ele deve especificar, desde já, o valor e a periodicidade e caso isso não
ocorra o Juiz deverá fazê-lo observando o que dispõe o artigo 1.920, do
Código Civil.
Por fim, temos, ainda quanto à causa jurídica, os alimentos indenizatórios,
que podem advir da própria relação afetiva ou de parentesco, como também
provenientes de ato ilícito. Esta última hipótese não será aqui tratada por
estranha ao escopo destes escritos.
Já quanto à natureza os alimentos podem ser naturais ou civis. Naturais são
os “destinados a assegurar tão somente o estritamente necessário para a
subsistência do credor, bem como, minimamente, suas outras despesas
como saúde e vestuário.” Já os alimentos civis “garantem, além da
subsistência, a manutenção do padrão de vida e, se for o caso, as despesas
educacionais” [73]
Para essa manutenção de padrão de vida e de subsistência digna, devemos
levar em conta todas as despesas consideradas razoáveis para que esse
propósito seja alcançado, incluindo a alimentação propriamente dita, o
vestuário, a habitação, o lazer e as necessidades de ordem intelectual e
moral.
Principais características da obrigação alimentar

De extrema relevância entender as características da obrigação alimentar[74],


razão pela qual passamos a discorrer sobre as mais marcantes.
Podemos conceituar obrigação como sendo o vínculo jurídico entre duas
partes, impondo-lhes direitos e deveres reciprocamente. Já a expressão
latina intuitu personae significa que o objetivo é a pessoa, de forma que
chamamos de obrigação intuito personae ou pessoal, aquele vínculo
jurídico que somente existe em relação das qualidades ou características das
pessoas envolvidas.
Yussef Said Cahali deixa claro que “a característica fundamental do direito
de alimentos é representada pelo fato de tratar-se de direito
personalíssimo”[75]. Para ele, inclusive, é dessa característica que decorrem
as várias outras[76].
Podemos dizer, então, que a principal característica da obrigação alimentar
é o fato de versar sobre direito personalíssimo, que não pode ser exercido
ou exigido de ninguém senão pelo legítimo credor e devedor[77].
Sendo uma obrigação personalíssima, embora não se transmita o dever de
prestar os alimentos, eventual dívida existente ao tempo do falecimento do
devedor é transmissível aos seus herdeiros[78], na forma do disposto no
artigo 1.700, do Código Civil[79].
Vale, por fim, dizer que a transmissão da obrigação aos herdeiros,
respeitada a limitação “às forças da herança” prevista no artigo 1.792, do
Código Civil, não altera em nada seu caráter personalíssimo.
Sendo uma obrigação personalíssima, como vimos, e, considerando que sua
destinação é satisfazer as mais básicas necessidades do ser humano, o
crédito decorrente da verba alimentar não pode ser transferido,
compensado nem tampouco ser objeto de penhora ou de renúncia (CC,
1.707), o que lhe impõe as seguintes características: Intransferibilidade: O
crédito alimentar não pode ser cedido e, consequentemente, transferido para
terceiros, o que lhe impede de ser objeto de negociação;
Incompensabilidade: Nos termos do artigo 368, do Código Civil, “Art.
368. Se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da
outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem.” O
artigo 373, também do Código Civil, informa que a diferença de causa das
dívidas não impede a compensação. Contudo, não bastasse o disposto no
artigo 1.707, o próprio artigo 373, em seu inciso II, excepciona a regra,
vedando a compensação quando um dos créditos tem natureza alimentar;
Irrenunciabilidade: sendo tomado como direito de personalidade,
indispensável à própria vida, o credor de alimentos pode até abrir mão de
exercer seu direito, dispensando-o, mas não pode a ele renunciar;
Impenhorabilidade: os alimentos são impenhoráveis. Ora, se o propósito
dos alimentos é garantir a subsistência do alimentado, não faria o menor
sentido ver essa subsistência comprometida por eventuais dívidas civis do
credor de alimentos, afinal, nada é mais importante que a vida.
No que diz respeito ao cumprimento da obrigação alimentar podemos
classificar os alimentos em provisórios ou provisionais, transitórios, intuito
familiae, gravídicos, compensatórios, ressarcitórios e definitivos.
Provisórios ou provisionais são os alimentos fixados logo no início da
demanda, a partir de quando são devidos. Tem sempre caráter precário e seu
objetivo é permitir a manutenção do alimentando durante o curso da
demanda[80].
Os alimentos transitórios são aqueles fixados até que se implemente
determinada condição (conclusão de um curso superior, finalização de
partilha etc). Embora não encontre previsão expressa na lei, vem sendo
aceito em circunstâncias especiais pela jurisprudência em casos como o de
filho maior enquanto não termina faculdade, dos cônjuges por determinado
período de tempo ou até que, por exemplo, que se venda determinado bem
do casal numa partilha. O objetivo principal é permitir que o alimentando
consiga ter certa tranquilidade para buscar seu próprio sustento.
Nos alimentos intuito familiae o montante dos alimentos é fixado para todo
um grupo, sem individualizar os beneficiários e eventual revisão ou
exoneração não leva em conta simplesmente uma operação matemática,
mas é de ser perquirida a situação não só do elemento do grupo que
supostamente não necessitaria mais, como também dos remanescentes.
São denominados alimentos gravídicos aqueles devidos à grávida pelo
suposto pai do filho que ela espera (indícios de paternidade)[81], a fim de
cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela
decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes a alimentação
especial, assistência médica e psicológica, exames complementares,
internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e
terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz
considere pertinentes, durando até o nascimento com vida da criança,
quando, então, se converte em pensão alimentícia para esta.
Definitivos são os alimentos que substituem provisionais, provisórios ou
gravídicos quando é proferida a sentença. Apesar de não transitar em
julgado em sentido material, permanecem estáveis até que alguém ajuíze
ação de exoneração ou revisão.
A regra para a fixação dos alimentos acima listados, geralmente chamados
de “pensão alimentícia”, é o denominado binômio necessidade x
possibilidade (CC/02, art. 1.694)[82], mas a doutrina menciona ainda outros
tipos, devidos quando da separação do casal, com especial destaque para os
compensatórios e ressarcitórios, os quais não se submetem àquele
binômino[83].
Enquanto os compensatórios visam “compensar” a perda de posição social
e a disparidade financeira do casal pós divórcio ou dissolução da união
estável[84], os ressarcitórios, ancorados no parágrafo único do artigo 4°, da
lei de alimentos, tem por escopo coibir o enriquecimento sem causa
eventualmente advindo da colheita exclusiva dos frutos do bem comum por
um único cônjuge ou companheiro, sendo uma espécie de antecipação da
partilha dos frutos dos bens do casal, que integram a comunhão nos precisos
termos do disposto no artigo 1.660, V, do Código Civil.
Ainda no tocante à quantificação da pensão alimentícia, a praxe judicial
privilegia a situação econômico-financeira do alimentante, ou seja, o Réu
na Ação de Alimentos, a qual se encontra regulada pela Lei nº 5.478/68;
entretanto, este não é o procedimento correto à luz do atual art. 1.698 do
CC, dispositivo que permite chamar ao processo judicial outros parentes
quando o Réu não possuir condições de suportar totalmente o encargo
alimentar, o qual, a nosso sentir, corresponde ao valor em dinheiro que o
Autor provou documentalmente lhe ser necessário.
Vale dizer, cabe ao alimentante primeiramente demonstrar em juízo qual a
sua necessidade, quantificando-a. Após tal operação, o alimentando é citado
para pagar aquele valor ou impugná-lo. Caso venha aos autos e comprove
não possuir condições de arcar com aquele quantum, poderá ele mesmo ou
o Autor da ação utilizar o art. 1.698 CC e requerer, até a prolatação da
sentença, o chamamento à lide dos demais parentes (por exemplo, os avós
paternos e maternos) para complementarem o valor que o alimentando
provou necessitar.
UNIÃO ESTÁVEL
As relações familiares formadas a partir da convivência, que já eram
consagradas consagradas pelo costume social, foram reconhecidas pelos
tribunais e, finalmente, destinadas à proteção do Estado pela Constituição
da República de 1988, já agora denominado união estável,[85] admitindo-se-
lhe o efeito de criar um núcleo familiar e vínculos jurídicos entre seus
componentes, reciprocamente e a respeito da prole; ali consignou-se,
ademais, que a lei deveria facilitar sua conversão em casamento.
A Lei nº 9.278/96, que não totalmente feliz ao disciplinar a matéria, definiu
(art. 1º) a união estável como a “convivência[86] duradoura, pública e
contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com o objetivo de
constituição de família”[87]. Com isto se deixa claro que uma família tanto
pode surgir pelo ato expresso e solene do casamento, quanto de uma
duradoura união de fato, o que nos leva a afirmar, desde o princípio, que só
pode haver “união estável” onde poderia celebrar-se o matrimônio e que
aplicam-se à união estável as causas suspensivas e o regime de separação
legal de bens, quando for o caso.
Não se pode outorgar abrigo jurídico às relações ainda que não eventuais,
quando houver impedimentos (art. 1.723, § 1º, do CC) para o casamento ou
outra causa de nulidade: entre ascendente e descendente, irmãos etc. A isto
se chamará nada mais que concubinato (art. 1.727 do CC), e nenhum efeito
civil dele decorrerá, salvo em favor do concubino que ignorasse o
impedimento. Admite-se, não obstante, nova relação conjugal da pessoa
casada, desde que o primeiro vínculo tenha sido desfeito de fato ou por
separação judicial, isto é, quando houver cessado completamente a
convivência com o cônjuge de direito – o que é bastante lógico, já que
interessa à união estável a situação de fato, e não aquela jurídico-
formalmente apresentada.
Nos casos em que seria anulável o casamento, a relação estável só pode ser
alegada por quem estava de boa-fé e/ou não foi responsável pela causa de
anulabilidade: pelo coacto, não pelo coator; pela raptada, não pelo raptor;
ou em favor de quem não tinha idade legal para casar etc.
As causas suspensivas (CC, art. 1.523) para o casamento tampouco
impedem o reconhecimento da união estável (CC, art. 1.723, § 2°), mas
igualmente impõem o regime legal de separação obrigatória de bens, a
exemplo do que sucederia no casamento. O mesmo regime será obrigatório
se os conviventes tinham menos de 18 ou mais de 70 anos na época em que
se iniciou o convívio more uxorio (deve tomar-se por base o momento em
que se iniciou a união, não aquele em que já estava caracterizada como
estável). A Constituição da República não quis dar à união estável mais
proteção ou facilidades do que ao casamento, muito menos torná-la
instrumento de burla à lei. No entanto, sucessivas decisões dos Tribunais
Superiores vem a cada dia equiparando a situação jurídica de cônjuges e
companheiros, mitigando a distinção entre casamento e união estável, como
nos parece ter sido a intenção do Constituinte.
Não há na lei prazo estipulado para que a convivência pública, contínua,
duradoura com escopo de constituição de família se transforme em união
estável, razão pela qual sua perfeita caracterização depende do cotejo com
os demais elementos.
Reconhecida essa união estável, imputa-se ao homem e à mulher uma
relação jurídica de efeitos idênticos aos do casamento, principalmente em
caso de dissolução, embora não se tenha criado nenhuma formalidade para
esse caso.
O Código Civil de 2002 veio dar tratamento mais razoável à matéria,
reconhecendo como entidade familiar (art. 1.723, caput, do CC) a “união
estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública,
contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de uma
família”.
Corretamente manteve a linha da Lei 9.278/96, deixando de lado os
critérios de duração mínima da convivência e da existência de prole,
concentrando-se na sua continuidade e nas intenções de durabilidade e de
criação de família (não necessariamente geração de filhos)[88]. De se levar
em consideração que não pode haver prazo mínimo e que nem toda família
tem prole, até porque não são raros os casos de infertilidade, esterilização
definitiva anterior à união, ou de prole preexistente, além de dificuldades
econômicas que muitas vezes impedem o nascimento de filhos, sem que
com isto deixassem os conviventes de desejar formar a família que podiam.
A união familiar pode ser reconhecida pela conjunção das seguintes
características: assunção pública da condição de cônjuges, ânimo definitivo
de constituir e manter uma família, mútua assistência e relacionamento
sexual (ao menos pretensamente) exclusivo. É preciso ter em mente que um
casamento, por ser ato formal, não deixa de produzir seus efeitos legais se o
casal resolve violar suas regras, mas a união familiar estável, por ser uma
situação fática, fica completamente descaracterizada se consiste em um
relacionamento “aberto”, ou tem ânimo provisório, mesmo que esteja
perdurando harmoniosamente; ou se aquelas pessoas não se comprometem
a prestar mútuo socorro na doença, na velhice, nas dificuldades financeiras
ou emocionais etc. Não é indispensável que os conviventes residam
permanentemente sob o mesmo teto, sobretudo quando se verificam as
mesmas condições em que o Código Civil autoriza os cônjuges a se
afastarem do lar: para o exercício de profissão, para o desempenho de
encargos públicos ou para atender a interesses particulares relevantes. O
que não se pode perder de vista é que só pode ser reconhecida como união
estável o relacionamento que apresente de fato todas as características
legalmente previstas para o casamento, salvo nas hipóteses de pessoas ainda
formalmente casadas, mas de fato separadas.
O patrimônio adquirido a título oneroso – excluídas, portanto, as doações e
heranças – durante a constância da união estável é presumidamente fruto do
esforço comum, ainda que só um dos companheiros desempenhe atividade
remunerada. Dissolvida a união estável, por morte ou cessação da
convivência, se não houve disposição em contrário, deverão ser partilhados
os bens que se conquistarem dessa maneira: salvo contrato escrito
(comparável ao pacto antenupcial), vigora entre eles regime semelhante ao
de comunhão parcial (art. 1.725 do CC). Todavia, a qualquer tempo os
conviventes podem celebrar contrato escrito semelhante ao pacto
antenupcial, estipulando regime de bens entre eles e outras condições,
direitos e obrigações. Não havendo documento dessa natureza, o regime de
bens da união estável seguirá as regras da comunhão parcial de bens, salvo
se havia causas suspensivas para o casamento, quando será obrigatório o
regime da separação de bens.
Para conversão da união estável em casamento basta simples pedido dos
companheiros ao juiz e assento no registro civil (art. 1.726 do CC),
naturalmente mediante o processo de habilitação, e fará efeitos desde o
início da união, mantendo obrigatoriamente o regime de bens anterior.[89]
Dissolvida a união estável, os bens comuns devem ser divididos e,
eventualmente, um dos companheiros poderá ser obrigado a prestar
alimentos ao outro, aplicando-se supletivamente as regras relativas aos
alimentos entre ex-cônjuges. Por oportuno, registra-se que a jurisprudência
atual equipara o regime sucessório dos companheiros ao dos cônjuges,
banindo a distinação feita pelo legislador no artigo 1.790, do Código Civil.
[90]

Relação especial a merecer comentário é a união estável putativa[91], na qual


um dos consortes imagina não existir impedimento para a constituição do
relacionamento, mas na verdade existe. É o caso, por exemplo, de homem
casado e na posse do estado de casado - ou seja, ele não está separado de
fato de sua esposa - mantém relação contínua com outra mulher, tendo
inclusive filhos com ela, que, por sua vez, tem a convicção de que o pai de
seus filhos, que com ela convive normalmente, é solteiro ou viúvo ou
mesmo separado de fato de sua esposa.
Trata-se, assim, de um relacionamento em que a mulher se encontra de boa-
fé subjetiva, um estado de ignorância tal que a leva a crer que está
mantendo um união estável quando na verdade vive em uma situação
jurídica de concubinato, haja vista a presença dos Impedimentos para
constituição da relação de companheirismo (art. 1.723, §1º, CC).
DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE CONJUGAL E DO CASAMENTO
Tendo sido formada pela união estável, a relação jurídica familiar desfaz-se
informalmente, pela simples separação de fato, mas o casamento, ato solene
e duradouro, é apenas relativamente afetado por essa desistência do
convívio conjugal.
A sociedade conjugal decorrente do casamento só termina pela morte de um
dos consortes, pela nulidade ou anulação do casamento, pela separação
judicial e pelo divórcio (art. 1.571, do CC).
Já o casamento, em si mesmo, é ainda mais estável que a simples sociedade
conjugal que dele decorre: o casamento válido só termina com a morte de
um dos cônjuges (inclusive morte presumida) ou pelo divórcio (art. 1.571, §
1º, do CC).
Os atos tendentes à dissolução da sociedade conjugal e do casamento são
personalíssimos dos cônjuges, que todavia poderão ser representados por
curador, ascendente ou irmão, se forem incapazes.
SEPARAÇÃO JUDICIAL
Logo que promulgada a Emenda Constitucional n. 66/2010 parte
considerável da comunidade jurídica apressou-se a propagar o fim da
separação judicial, considerando que suprimido do texto original do §6º, do
artigo 226, a expressão “após prévia separação judicial por mais de um ano
nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de
dois anos.”
Em sentido contrário, entretanto, alguns juristas passaram a sustentar que,
mantida a expressão “pode” no texto originário[92], a regulamentação do
instituto da separação judicial permaneceria “viva” na legislação
infraconstitucional[93], carecendo, para ser extinta, de revogação dos artigos
do Código Civil que dela se ocupam[94].
A questão chegou ao Supremo Tribunal Federal, que, em votação unânime
pelo Plenário Virtual da Corte, reconheceu a existência de repercussão geral
da matéria discutida no Recurso Extraordinário (RE) 1167478, qual seja, se,
após a Emenda Constitucional (EC) 66/2010, a separação judicial é
requisito para o divórcio e se ela se mantém como instituto autônomo no
ordenamento jurídico brasileiro.
Nada obstante entendamos que extirpar a discussão acerca da culpa pelo
fim relações conjugais seja extremamente saudável, fato é que a questão
somente restará plenamente pacificada depois do pronunciamento da nossa
Suprema Corte, razão pela qual optamos por trazer nesta obra algumas
anotações sob o instituto em comento.
Sem dissolver o casamento, a separação judicial decretada põe fim ao
regime matrimonial de bens e aos deveres de coabitação e fidelidade
recíproca (arts. 1.575 e 1.576 do CC). A separação pode ser concedida por
mútuo consentimento (consensual), se o casamento já dura um ano; tal
pedido somente não será homologado pelo juiz se não preservar
suficientemente o interesse dos filhos ou de um dos cônjuges (art. 1.574 do
CC).
Há ainda três hipóteses em que a separação decorrerá de requerimento
unilateral (art. 1.572 do CC): a requerimento do cônjuge prejudicado, a
qualquer tempo, se o outro adotou conduta desonrosa ou violou gravemente
seus deveres conjugais, tornando insuportável a vida em comum; a
requerimento de qualquer dos cônjuges, se há irreversível separação de fato
(cessação da vida em comum) por mais de um ano ininterrupto; e quando
um dos cônjuges, depois do casamento, foi acometido de doença mental de
cura improvável, há mais de cinco anos.
Antes de decretar a separação (que mais tarde pode ser convertida em
divórcio ou, ao contrário, desfeita, restabelecendo-se a sociedade conjugal)
o juiz deve (ou deveria) procurar a reconciliação e a transigência das partes,
por todos os meios.
Como em qualquer hipótese de dissolução da sociedade conjugal, a
separação judicial implica a partilha dos bens e a separação de corpos,
medida esta que pode ser determinada liminarmente. A partilha do patrimônio,
todavia, pode ser deixada para o processo de divórcio, ou até para depois,
tendo em vista a possibilidade de reatamento futuro; também pode ser feita
por proposta dos cônjuges (art. 1.575, parágrafo único do CC).
A separação consensual não afeta o dever recíproco de prestar alimentos,
nem o direito de manter ou retirar o sobrenome do outro que havia sido
incorporado ao seu. Em relação aos filhos, somente se altera o dever-direito
de guarda e companhia deles. A separação litigiosa, ao contrário, importa
ao ex-cônjuge culpado (geralmente por adultério) várias sanções: redução
(não mais a perda) do direito a alimentos, mantendo-se o dever de prestá-
los ao vencedor, caso necessários; exclusão do sobrenome do outro
cônjuge, salvo situações excepcionais (art. 1.578 do CC) etc.
A concessão da guarda dos filhos deve atender exclusivamente ao interesse
da prole, não importando qual tenha sido o cônjuge culpado, muito embora
a natureza dos fatos apurados judicialmente possa demonstrar inidoneidade,
inaptidão para o exercício das funções parentais ou até insanidade de um ou
de ambos os pais.
DIVÓRCIO
Como afirmado em tópico anterior, parte considerável da doutrina sustenta
que com a Emenda Constitucional n. 66/2010 a separação judicial não seria
pré requisito para o divórcio que, então, dependeria apenas da vontade dos
cônjuges para sua decretação. Caso o STF, quando do julgamento do
Recurso Extraordinário (RE) 1167478, entenda que a separação judicial é
requisito para o divórcio e que se mantém como instituto autônomo no
ordenamento jurídico brasileiro, entretanto, teremos um retorno ao que se
praticava até a promulgação da referida EC 66/2010, qual seja:
Decorrido um ano desde a separação de corpos (seja liminarmente
concedida, seja definitiva, decorrente da sentença), ou depois de uma
separação de fato por pelo menos dois anos, pode ser requerido o divórcio
(art. 1.580 do CC), que será efetivamente a dissolução do casamento, e não
apenas da sociedade conjugal. Antes do divórcio não serão possíveis novas
núpcias. As sentenças de desquite, proferidas antes da Lei do Divórcio,
passaram a ter os mesmos efeitos do divórcio. O divórcio poderá ser
concedido mesmo sem a partilha de bens (art. 1.581 do CC), de modo a
solucionar primeiro as dificuldades afetivas e sociais, deixando para mais
tarde eventuais litígios quanto aos bens – que, diga-se de passagem, muitas
vezes não ocorrem após apaziguados os ânimos e conformados os ex-
cônjuges com o fim do casamento.
A posição consolidada na doutrina é, repita-se, no sentido de que o divórcio
é ato potestativo, não dependendo de qualquer formalidade, que pode ser
realizado inclusive pela via administrativa quando não houver litigiosidade
entre as partes e interesse de incapaz envolvido.
Neste ponto, aliás, existem precedentes judiciais que, fundamentados na
natureza potestativa do direito de romper a relação matrimonial, decretaram
o divórcio litigioso de maneira unilateral, em alguns casos sem oitiva da
parte demandada, sob a justificativa de que esta não teria como impugnar o
pedido da inicial.[95] Tal espécie de dissolução do vínculo matrimonial é
proibida em sede extrajudicial[96].
PROTEÇÃO DOS FILHOS
Com a dissolução da conjugalidade, a principal preocupação do legislador é
com a preservação dos interesses dos filhos, não se modificando os deveres
e direitos dos pais pela invalidação do casamento, pela separação de corpos,
pela separação judicial, pelo divórcio, pela dissolução da união estável e
nem mesmo por um novo casamento ou união estável.

Continuam os pais a exercer em conjunto[97] o poder familiar e a


desempenhar seus deveres de guarda, sustento e educação, o que todavia
certamente será ainda mais difícil do que durante a convivência sob o
mesmo teto. Se entre eles houver acordo razoável, assim se homologará e
cumprirá; doutra sorte, o Judiciário estabelecerá, sempre priorizando o
interesse dos filhos incapazes, a guarda compartilhada, entendida como tal
“a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da
mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos
filhos comuns”, conforme dispõe o §1º, do artigo 1.583, do Código Civil
Brasileiro.
Caso um dos genitores não esteja em condições de exercer a guarda ou
declarar ao juiz que não deseja exercê-la, este decidirá quem os terá sob
sua guarda direta (art. 1.584 do CC)[98], ou se ela deve ser concedida a
terceira pessoa – preferencialmente parente da criança. Sempre que
possível, o(s) pai(s) que não tiverem os filhos sob sua guarda terão o
direito-dever de visitá-los e tê-los periodicamente em sua companhia.
RELAÇÕES DE PARENTESCO
As relações biológicas e sociais dos membros da família são extremamente
importantes para o Direito: elas determinam os direitos à sucessão causa
mortis; o dever de prestar alimentos; os impedimentos ao casamento; os
impedimentos às testemunhas e magistrados; os obstáculos à nomeação
para cargos de confiança no serviço público etc.
O parentesco é em linha reta quando essas pessoas guardam entre si uma
relação de ascendente e descendente (tataravô, bisavô, avô e pai x
tataraneto, bisneto, neto e filho); é colateral quando essas pessoas têm um
ascendente comum, isto é, provêm de um tronco comum sem serem
ascendentes ou descendentes (tio x sobrinho, primos etc.), o que, no Brasil,
só tem relevância até o quarto grau (arts. 1.591 e 1.592 do CC).
O parentesco é natural quando derivar de laços consanguíneos, ou civil
quando derivar da afinidade estabelecida pelo casamento, ou quando
decorrente da adoção ou outra origem (art. 1.593 do CC)[99] .
O parentesco por afinidade limita-se aos ascendentes, descendentes e irmãos
do cônjuge ou companheiro e, na linha reta, não se desfaz com a dissolução
do casamento ou da união estável (art. 1.595 do CC), preservando assim o
impedimento estabelecido pelo artigo 1.521, II, do Código Civil de 2002.
Não há distinção entre o parente adotado e o consanguíneo: a adoção é um
ato praticado somente pelos adotantes, ouvidos o adotado e seus pais, mas
afetará a toda a família dos adotantes, que ganham um parente equiparado
aos consanguíneos, e a família do adotado, que perde todos os laços de
parentesco, exceto quanto aos impedimentos para casar.
Em todos os casos de parentesco, os graus contam-se por gerações; sendo
parentes colaterais, é preciso contar até o ascendente comum, e dele descer
até o parente: pai e filho são parentes em primeiro grau; irmãos, em
segundo, como também neto e avô; tio e sobrinho têm um parentesco em
terceiro grau, e primos em quarto (art. 1.594 do CC).
FILIAÇÃO
A Constituição da República (art. 227, § 6º) extirpou do Direito Civil todas
as discriminações entre os filhos, tornando obsoletas as classificações entre
legítimos (havidos na constância do matrimônio), ilegítimos (podendo ser
adulterinos, incestuosos etc.) e adotivos: todos têm os mesmos direitos,
deveres e qualificações, ressalvados os impedimentos matrimoniais, que
persistem em relação aos antigos parentes da pessoa adotada, para evitar
casamentos consanguíneos.
A filiação deve ser consignada no Registro Civil de cada pessoa, sempre
que conhecida, no momento de se lavrar o assentamento cartorário, ou a
qualquer tempo em que se tornem certas a paternidade e a maternidade, por
presunção, reconhecimento ou investigação judicial.
Sendo conhecida a mãe, mesmo que esta confesse adultério e até negue a
paternidade do cônjuge, seu marido será presumido pai (art. 1.597, I e II,
do CC) do filho provavelmente concebido na constância do matrimônio[100]
(nascido pelo menos 180 dias após o casamento, e até 300 dias
subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, divórcio etc.),
até prova em contrário (especialmente aquela de que o pai era infértil).
Será também atribuída a paternidade ao cônjuge falecido que, na constância
do casamento, doou sêmen para fecundação artificial homóloga,[101]
mesmo que se trate de embriões excedentários (art. 1.597, III e IV, do CC).
Também será atribuída a paternidade civil ao cônjuge que, durante a
[102]

constância da sociedade matrimonial, previamente autorizou a fecundação


artificial heteróloga (art. 1.597, V, do CC).[103]
É também possível reconhecer espontaneamente a paternidade ou
maternidade de filho ilegítimo (art. 1.607), no próprio termo de nascimento,
ou mais tarde, por escritura pública ou testamento. O reconhecimento, que é
irrevogável (embora anulável), depende da anuência do filho, se for maior,
ou fica sujeita à sua impugnação, se menor, nos quatro anos que se
seguirem à cessação da incapacidade (art. 1.614 do CC).
Uma coisa é o registro do nascimento do filho, que é precedido da
comprovação do nascimento, que se perfaz por meio da Declaração de
Nascido Vivo (DNV), nos termos da Lei nº 12.662/2012; outra coisa é o
reconhecimento tardio do filho[104]. Homem casado não reconhece o filho
havido de sua esposa; ele o registra no prazo do art. 50 da Lei nº 6.015/73.
Caso seja ultrapassado esse prazo legal, será aplicado o Provimento nº.
28/2013 do CNJ. É o que se denomina reconhecimento tardio.
Se o homem casado não comparecer ao cartório para registrar a criança, a
sua esposa pode comparecer sozinha[105] e, apresentando a certidão de
casamento, o nome de seu marido será lançado no registro como sendo o
pai da criança, nos termos do art. 1.597 do CCB[106].
Quando os pais não forem casados, estes deverão comparecer pessoalmente
em cartório ou por meio de uma procuração especial, a fim de que seus
nomes constem como genitores do registrando. Outra opção é o
comparecimento de apenas um deles, mas com declaração de
reconhecimento de paternidade (pelo pai) ou anuência à efetivação do
registro (pela mãe), exigido o reconhecimento de firma.

É bastante incomum a dúvida relativamente à identidade da mãe[107], mas as


questões quanto à paternidade abarrotam os tribunais: disputas hereditárias,
pedidos alimentícios e, em muitos casos, o simples desejo de conhecer e ver
reconhecida socialmente a verdade sobre as próprias raízes. Resolvem-se
através de um procedimento de investigação judicial de paternidade, ação
imprescritível que pode ser movida pelo filho, por seus pais presumidos e
por aqueles a quem seja atribuída a filiação, em caráter negativo ou
afirmativo.
Os testes científicos desenvolvidos normalmente são capazes de deslindar a
questão sem a necessidade de qualquer outra prova: em verdade, o que
analisa os fatores sanguíneos hereditariamente transmitidos é (quase) tão
confiável quanto as comparações das próprias informações genéticas
(DNA), não havendo razão para exigirem-se as segundas em lugar do
primeiro, quando as partes não estiverem em situação financeira
confortável, se o Poder Público não as custear. Ao final, os dois padecem do
mesmo senão: dependem de material colhido da criança e dos pais, que os
tribunais equivocadamente têm julgado não poderem ser obrigados a
fornecer; todavia, a recusa injustificada terá o mesmo efeito da prova que se
queria produzir[108], o que não é solução satisfatória, pois deixa de
estabelecer a verdade com certeza científica, o que poderia ser obtido sem
nenhuma violência ou invasão relevante à intimidade dos investigados; esta
presunção acaba permitindo inclusive que novas investigações positivas ou
negativas sejam mais tarde propostas, especialmente por terceiro que se
considere o verdadeiro pai: o que se quer não é apenas fixar o dever de
prestar alimentos ou o direito de herdar, mas assegurar dignidade humana e
atender ao desejo natural de conhecer as próprias origens.
A investigação negativa só pode ser intentada pelo filho ou pela pessoa que
figura nos registros civis como seu pai, por presunção ou por
reconhecimento. Mas qualquer juridicamente interessado pode contestá-la, e
a investigação positiva é de interesse público (o Ministério Público tem,
inclusive, legitimidade ativa), não cabendo recusar a investigação de
paternidade (ou maternidade) sob a alegação de que poderia lançar desonra
ao investigado, ou destruir-lhe a paz matrimonial: ante o Princípio da
Paternidade Responsável (CF, art. 226, § 6º) e o dever de prestar alimentos
(CF, art. 229), não poderiam sobreviver as antigas escusas do Código Civil
de 1916, que preferia a estabilidade de algum casamento violado à
afirmação da verdade sobre a filiação espúria; em tal caso, assegura-se o
segredo de justiça, correndo a Ação sem vistas a quem, não sendo parte,
também não demonstre interesse processual.
Com a relevância jurídica que passou a ter o afeto, o vinculo biológico e a
adoção deixaram de ser os únicos indicativos da paternidade, que pode se
formar, também, a partir da relação de convivência da criança com quem
exerce de fato as funções e autoridade parentais (filiação socioafetiva),
tendo o Supremo Tribunal Federal reconhecido, ainda, a possibilidade de
reconhecimento desta modalidade sem a exclusão da paternidade biológica
dos assentamentos civis, que ficou conhecida como multiparentalidade[109],
em mais uma criação legislativa da nossa Corte Suprema, com
consequenciais ainda imprevisíveis na área das sucessões e do Estatuto do
Idoso, uma vez que esses vários pais poderão futuramente exigir alimentos
do único filho.
Por fim, ainda referentemente à filiação socioafetiva, temos a sua regulação
por meio do Provimento do CNJ nº 83/2019, que alterou o de nº 63/2017,
que atribuiu ao oficial do registro “atestar a existência do vínculo afetivo da
paternidade ou maternidade socioafetiva mediante apuração objetiva por
intermédio da verificação de elementos concretos” (art. 10-A).
ADOÇÃO
A adoção de filho alheio tem sido costumeira em várias culturas humanas,
para prover a subsistência de criança desamparada, dar continuidade à
família de quem não teve filhos ou simplesmente não pôde gerar um varão
– nesta última hipótese, não tem sido rara a adoção de adultos, o que, em
muitos casos, nada mais era que a escolha de um sucessor ao trono.
Com a edição da Lei 12.010 foram revogados os artigos do Código Civil
que versavam sobre o tema, com exceção dos artigos 1.618 e 1.619,
alterados para estabelecer o regramento do instituto pelo Estatuto da
Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990), mesmo em caso de adoção de
maiores de 18, aplicando-se, neste caso, suas regras gerais.
A adoção é modalidade de colocação de criança e adolescente em família
substituta (art. 28, do ECRIAD), sendo medida excepcional e irrevogável
(art. 39, §1º, do ECRIAD), além de personalíssima (art. 39, §1º, do
ECRIAD).

Qualquer pessoa maior de 18 anos pode adotar[110] outra que seja ao menos
16 anos mais jovem, independentemente do seu estado civil.
Podem adotar em conjunto somente os cônjuges e os companheiros,
devendo demonstrar, neste caso, a estabilidade da família (Art. 42, §2º, do
ECRIAD), mas poderão fazê-lo mesmo os que se tenham dissolvido a união
estável ou divorciado depois de iniciado o estágio de convivência, desde
que entrem em acordo quanto à guarda do adotado e que exista vínculo de
afetividade com ambos a justificar a medida. Assim, fica expressamente
proibida a adoção conjunta por pessoas que não tenham ligação conjugal.
Os tutores e curadores, antes de adotar, deverão prestar contas da
administração que fizeram (art. 44 do ECRIAD).
O deferimento da adoção, que atenderá principalmente ao interesse do
adotando, deverá ser precedido de um estágio de convivência fixado pelo
juiz, de no máximo 90 (noventa) dias, dispensável se o adotando já estiver
sob a tutela ou guarda legal do adotante durante tempo suficiente para que
seja possível avaliar a conveniência da constituição do vínculo, ou ainda se
for maior.[111]

A adoção de menores ou maiores[112] procede-se exclusivamente perante o


Judiciário e depende da expressa autorização dos pais biológicos (se o
adotado for incapaz) ou de seu representante legal, como também da
anuência do adotado, se contar mais de 12 anos de idade. A autorização dos
pais, que pode ser revogada até a publicação da sentença de adoção, será
dispensada se eles forem desconhecidos, desaparecidos ou destituídos do
poder familiar.
A adoção é irrevogável, e não será atingida pela morte dos adotantes,
deferindo-se por sentença, que será levada a registro, mas dela não será
concedida certidão a não ser para, a critério do juiz, salvaguarda de algum
direito: o adotado passará a figurar como se filho natural fosse. Na verdade,
o falecimento do adotante, após requerimento expresso, não obsta o
deferimento do pedido, criando-se os laços hereditários desejados pelo
defunto.
A adoção, que será inscrita no registro civil, torna o adotado filho civil do
adotante, sem qualquer distinção dos filhos naturais; da adoção nem sequer
se dará certidão, salvo a critério do juiz, para salvaguarda de direitos. Ela dá
ao adotado o direito ao sobrenome do adotante e, se houver pedido do
adotante ou do adotado, também o prenome poderá ser modificado. Caso o
pedido seja do adotante, é obrigatória a oitiva em audiência do adotado que
conte com mais de 12 (doze) anos e recomendável a escuta dos demais por
equipe multidisciplinar, sempre que possível. A adoção cria parentesco civil
recíproco entre o adotado (e seus descendentes) e os parentes do adotante,
em linha reta, colateral ou afim, para todos os efeitos, inclusive para os
direitos hereditários e a prestação de alimentos. Em compensação, exceto
quanto aos impedimentos para o matrimônio (art. 41 do ECRIAD), o
adotado desliga-se completamente dos laços de parentesco com sua família
natural, que não se restabelecem sequer com a morte do adotante;. Contudo,
se alguém adota filho do cônjuge ou companheiro, não são afetados os laços
de parentesco consanguíneo com este ramo da família, uma vez que o do
cônjuge ou companheiro genitor continua parente consanguíneo, e não
meramente civil; perdem-se apenas os vínculos com o outro genitor, morto
ou separado, e com a família deste.
A Lei não impede a adoção do menor por estrangeiros, desde que
exaustivamente verificados não apenas os requisitos gerais, mas também
outros cautelosamente fixados pelo Legislador e pelo juiz, observada,
ademais, a preferência para os brasileiros. A burla a essas cautelas e
formalidades é punida como crime, assim como a oferta, aceitação ou
auferimento de vantagens econômicas para dar filho em adoção ou
intermediar essa entrega.
PODER FAMILIAR
Até a maioridade ou a emancipação, estão os filhos sob a autoridade dos
pais, que a exercerão em conjunto, mesmo em caso de dissolução da
sociedade conjugal, que só afetará o direito à guarda e companhia, ainda
assim de modo relativo (art. 1.632 do CC). Para os atos corriqueiros da vida
civil (matrícula em escola, movimentação de conta bancária etc.) basta a
manifestação de um dos pais, presumindo-se a anuência do outro, mas é de
rigor a consulta para conceder-se emancipação ou autorização para o
casamento, e outros atos de maior gravidade: em qualquer caso, a eventual
discordância pode ser resolvida judicialmente (art. 1.631, parágrafo único,
do CC). Na falta (desconhecimento, morte ou ausência) ou impedimento
(perda ou suspensão do poder familiar, prisão, domicílio ignorado, serviço
militar no estrangeiro) de um deles, o outro exercerá o poder familiar com
exclusividade.
O poder familiar sobre o menor importa o dever-direito de o sustentar e
lhe dirigir a criação e educação; ter-lhe a guarda[113] e companhia, inclusive
reclamando-o de quem o detenha ilegalmente; conceder-lhe ou negar-lhe
emancipação e consentimento para o matrimônio, para viajar para o
exterior e para mudar sua residência permanente para outro Município;
escolher previamente tutor para o caso de faltarem ambos os genitores; até
os 16 anos, representar e, entre os 16 e os 18, assistir o filho em todos os
atos da vida civil, suprindo-lhe a incapacidade de exercê-los pessoalmente;
e, por fim, exigir-lhe obediência, respeito e os serviços compatíveis com sua
idade e condição (art. 1.634 do CC). Outrossim, os pais administram os
bens dos filhos, e têm usufruto deles, mas não podem alienar ou gravar de
ônus reais os imóveis deles, para o quê necessitarão de autorização judicial.
Extingue-se (art. 1.653 do CC) o poder familiar com a morte dos pais ou
do filho, pela emancipação ou por qualquer das formas de cessação da
incapacidade (maioridade, casamento etc.), pela adoção e por decisão
judicial. Mas novo casamento ou união estável em nada afeta o poder
familiar sobre os filhos anteriores.
Derroga-se (afasta-se apenas para certos efeitos) a autoridade paterna
quando o juiz entende indispensável e suficiente a adoção de alguma
medida (matrícula em escola, internação para tratamento médico etc.) que
os pais omitem por abuso, má administração ou desleixo. Nos mesmos
casos, o poder dos pais sobre o menor pode ser suspenso por decisão
judicial, quando a adoção de medida individualizada não for bastante; a
suspensão também decorre da condenação criminal do pai ou da mãe, a
pena privativa de liberdade superior a dois anos.
A perda do poder familiar (art. 1.638 do CC) decorrerá da reiteração de
condutas puníveis com a suspensão, assim como da prática de crime contra
o menor (abandono material ou intelectual, maus-tratos, lesões corporais,
tentativa de homicídio etc.), de atos contrários à moral e aos bons costumes
(que também podem constituir crimes tais como o lenocínio e a corrupção
de menores), ou ainda por permitir que o filho trabalhe em lugares
prejudiciais à moralidade, por lhe explorar a mendicância ou pelo
cometimento de abuso sexual, ainda que não se configure crime.
Também é passível de perda do poder familiar, por ato judicial, aquele que
pratica, contra quem também é titular do mesmo poder familiar ou contra
filho, filha ou outro descendente, homicídio, feminicídio ou lesão corporal
de natureza grave ou seguida de morte, quando se tratar de crime doloso
envolvendo violência doméstica e familiar ou menosprezo ou discriminação
à condição de mulher e ainda estupro ou outro crime contra a dignidade
sexual sujeito à pena de reclusão.
Há também outras medidas que o juiz pode adotar em relação ao pai ou
responsável: advertência, encaminhamento a programas oficiais ou
comunitários de tratamento psicológico ou psiquiátrico, de proteção à
família, de tratamento a alcoólatras e toxicômanos etc.
TUTELA
A incapacidade, conforme seja absoluta ou relativa, supre-se pela
representação ou pela assistência, respectivamente. Como estudamos, para
os menores, esta função cabe, em princípio, aos seus genitores, no exercício
do pátrio poder; mais adiante veremos que aos demais incapazes, exceto
silvícolas, serão nomeados curadores. Todavia, se os pais não forem
conhecidos, estiverem mortos, forem julgados ausentes ou judicialmente
privados do poder familiar, aos menores será nomeado tutor (art. 1.728 do
CC), sempre que possível residente no mesmo domicílio. Se os tutelados
forem irmãos, o tutor deverá ser único.
Não havendo escolha dos pais em comum acordo, ou se nesse tempo
estavam privados do poder familiar, a tutoria deve ser prefencialmente
deferida (art. 1.731 do CC), nesta ordem, aos ascendentes de grau mais
próximo, aos irmãos, ou aos tios ou sobrinhos, ou a terceira pessoa idônea,
preferindo-se no mesmo grau os mais velhos; em qualquer caso, a escolha
recairá sobre quem o juiz considerar mais apto, excluindo-se pessoas que
tenham conflitos de interesse com os tutelados, sejam inimigos do tutelado
ou de seus pais, tenham sido condenados por crimes infamantes, tenham
mau procedimento ou falta de probidade, ou que já tenham sido culpadas de
abuso em tutelas anteriores; também se excluem os que exercem funções
públicas incompatíveis com a boa administração da tutela.[114]
A nomeação para a tutela não pode ser recusada, especialmente por parente
do tutelado, sem motivo que ao juiz pareça razoável (art. 1.739 do CC), e a
aceitação obriga o tutor a oferecer bens do seu próprio patrimônio em
hipoteca legal, como garantia da administração que fará dos bens do
tutelado, sendo obrigado a prestar contas a cada dois anos e quando cessar a
incapacidade, oferecendo à aprovação judicial, contudo, um balanço anual
(art. 1.756 do CC).
Quem deixa bens em herança ou doação a incapaz pode nomear um tutor
para administrá-los, ainda que o incapaz esteja sob o poder familiar ou
tenha outro tutor ou curador.
Conforme dispõe o artigo 1.734, do Código Civil, “As crianças e os
adolescentes cujos pais forem desconhecidos, falecidos ou que tiverem sido
suspensos ou destituídos do poder familiar terão tutores nomeados pelo Juiz
ou serão incluídos em programa de colocação familiar, na forma prevista
pela Lei n o 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do
Adolescente”.
Os índios que ainda não se tenham aculturado (ou “ainda não integrados à
comunhão nacional”, como se prefere dizer) ficam sob regime especial (Lei
nº 6.001/73, art. 7º) de “assistência” ou “tutela”, a cargo da Funai, que não
poderia ter, obviamente, este caráter de substituição do pátrio poder.
Fica estabelecido, pois, que a tutela é a forma de se suprir a falta de quem
deveria exercer a autoridade parental, ao passo que a curatela destina-se a
todos os demais incapazes, como também aos ausentes e ao nascituro.
CURATELA
Os que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua
vontade, os ébrios habituais, os viciados em tóxico e os pródigos estão,
depois de submetidos a regular processo judicial, sujeitos à curatela, que se
rege pelas mesmas disposições inerentes à tutela, com algumas
ressalvas[115].

A escolha do curador deverá ser recair, em ordem de preferência, sobre a


esposa, os pais, descendentes maiores ou pessoa sem laços consanguíneos,
porém idônea.
O pródigo só deverá recorrer à assistência de seu curador para os atos que
excedam à mera administração de seu patrimônio, implicando disposição de
seus bens, tais como a alienação, a hipoteca, os empréstimos, as demandas
judiciais, etc. (art. 1.782 do CC).
Ao nascituro também será dado curador, sempre que nenhum dos genitores
puder velar por seus direitos que, como já se sabe, a Lei põe a salvo, até que
se verifique, ou não, o nascimento com vida (art. 1.779 do CC).
Em algumas hipóteses, nomeia-se um “curador” ao menor, para certos
efeitos específicos, nem tanto para suprir-lhe a incapacidade civil, e sim
para assegurar o pleno exercício de seu direito de defesa: nos casos de
colisão de interesses dele com os dos pais ou tutores; na prisão em flagrante
e nas ações penais (entre os 18 e os 21 anos completos). Destaca-se também
a necessidade de curador especial para o menor ofendido ou o maior
incapaz que não tenham representante legal ou, tendo, exista conflito de
interesses entre representante e representado, nos termos do art. 33 do CCP.
No âmbito do Processo civil, será designado pelo juiz curador especial para
o incapaz, se não possuir representante legal ou se os interesses deste
colidirem com os daquele, enquanto durar a incapacidade, sendo o encargo
exercido pela Defensoria Pública (art. 72, I, e parágrafo único, e art. 671, II,
CPC).
Conforme dispõe o art. 1.734, CC, na redação dada pela Lei nº
12.010/2009, as crianças e os adolescentes cujos pais forem desconhecidos,
falecidos ou que tiverem sido suspensos ou destituídos do poder familiar
terão tutores nomeados pelo Juiz ou serão incluídos em programa de
colocação familiar, na forma prevista pela Lei n o 8.069, de 13 de julho de
1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente.
Cabe registrar que será dado curador aos ausentes, conforme previsto no
art. 24, CC, e art. 671, I, CPC.
Por fim, importante esclarecer que a pessoa com deficiência poderá ser
auxiliada na tomada de uma decisão específica, sem necessidade de
nomeação de curador, conforme previsto no Estatuto da Pessoa com
Deficiência (Lei nº 13.146/2015), o qual alterou o CC para nele introduzir o
Art. 1.783-A. Este dispositivo legal define a Tomada de Decisão Apoiada
como “o processo pelo qual a pessoa com deficiência elege pelo menos 2
(duas) pessoas idôneas, com as quais mantenha vínculos e que gozem de
sua confiança, para prestar-lhe apoio na tomada de decisão sobre atos da
vida civil, fornecendo-lhes os elementos e informações necessários para que
possa exercer sua capacidade”.
GUARDA E FAMÍLIA SUBSTITUTA
O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90) admite que o
menor seja confiado a uma família substituta em lugar de sua família
natural, mediante guarda, tutela ou adoção, sempre que possível ouvindo-se
previamente a criança e considerando-se também as relações de parentesco,
afinidade e afetividade.
A guarda destina-se a regularizar a posse de fato, quando normalmente
algum parente assume os cuidados da criança na falta dos pais, podendo ser
deferida incidental ou liminarmente nos processos de tutela e adoção. Com
a guarda, a criança ou adolescente passa à condição de dependente para
todos os efeitos, inclusive previdenciários e tributários, mas não são criados
ou modificados os vínculos de parentesco. É um equívoco entender a
simples guarda como uma condição definitiva: ela há de progredir para a
tutela ou para a adoção, sob pena de revogação.
Os estrangeiros podem adotar, como se viu, mas não podem ter a guarda ou
tutela, mesmo a do adotando.
O menor sob guarda se equipara ao filho para fins previdenciários,
garantindo-lhe pensão por morte em caso de falecimento do titular da
medida; ou seja, “é firme o entendimento no sentido de equiparar
o menor sob guarda aos filhos, para efeitos de proteção previdenciária, em
uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico, à luz do contido no
artigo 227 da Constituição Federal e no artigo 33 , § 3º , da Lei nº 8.069 /90
( ECA )”[116]; entretanto, cabe alertar que se o menor residir com um dos
genitores, “eventual guarda formulada
pelos avós com fins meramente previdenciários representa desvirtuamento
do instituto da guarda objeto do art. 33 do Estatuto da Criança e do
Adolescente”[117] e por isso não terá direito aos benefícios da legislação.
BIBLIOGRAFIA

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alimentos e dá outras providências. Disponível em: <
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outubro de 1988. Disponível em: <
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Diário Oficial da União de 11 de janeiro de 2002. Disponível em <
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Idoso e dá outras providências. Disponível em: <
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BRASIL. Lei 11.106, de 28 de março de 2005. Altera os arts. 148, 215, 216,
226, 227, 231 e acrescenta o art. 231-A ao Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de
dezembro de 1940 – Código Penal e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-
2006/2005/Lei/L11106.htm>. Acesso em 05 de jul. 2020.

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Disciplina o direito a alimentos gravídicos e a forma como ele será exercido
e dá outras providências. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11804.htm>.
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BRASIL. (Constituição, 1988) Emenda Constitucional n. 66, de 13 de julho


de 2010. Dá nova redação ao § 6º do art. 226 da Constituição
Federal, que dispõe sobre a dissolubilidade do casamento civil pelo
divórcio, suprimindo o requisito de prévia separação judicial por mais de 1
(um) ano ou de comprovada separação de fato por mais de 2 (dois) anos.
Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc66.htm
>. Acesso em 05 de jul. 2020.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Plenário) Ação Direta De


Inconstitucionalidade 4.277 Distrito Federal. Relator Ministro Ayres Britto.
Plenário. Julgado em 05 de maio de 2011. Disponível em
https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?
docTP=AC&docID=628635. Acesso em 03 de jul. 2020.

BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Resolução nº 175 de 14 de maio de


2013. Disponível em < https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/1754>. Acesso
em 03 de jul. 2020.

BRASIL. Lei 13.146, de 6 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de


Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência).
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-
2018/2015/lei/l13146.htm>. Acesso em 06 de jul. 2020.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 646721/RS.


Rel. Ministro Marco Aurélio. Redator do Acórdão: Ministro Roberto
Barroso. Plenário. Julgado em 10 de maio de 2017. Disponível em: <
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?
docTP=TP&docID=13579050>. Acesso em 05 de jul. 2020.

BRASIL. Lei 13.811, de 12 de março de 2019. Confere nova redação


ao art. 1.520 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), para
suprimir as exceções legais permissivas do casamento infantil. Disponível
em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-
2022/2019/lei/L13811.htm>. Acesso em 05 de jul. 2020.

CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 6ª ed. São Paulo: RT, 2009

MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 5ª ed. rev., atual. e ampl.


Rio de Janeiro: Forense, 2013.

ROSA, Conrado Paulino. Curso de direito de família contemporâneo.


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TARTUCE, Flávio. Direito civil: direito de família. 9ª ed. São Paulo:


Editora Método, 2014.

TARTUCE, Flávio. Família e sucessões em retrospectiva: o ano de 2019.


Migalhas. 2019. Disponível em <
https://www.migalhas.com.br/FamiliaeSucessoes/104,MI317194,11049-
Familia+e+sucessoes+em+retrospectiva+O+ano+de+2019>. Acesso em: 27
dez. 2019.

TEPEDINO, Gustavo; TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Direito de


família. 1 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020.
[1]
Gregário tem sua origem na palavra grega grex, que significa rebanho, manada, bando de aves.
Em português temos dela derivada várias palavras, como segregar, agregar, congregar e também grei.
[2]
AQUINO, Santo Tomás. Súmula Contra os Gentios. Trad. Luiz João Baraúna. In, Os Pensadores.
São Paulo: Nova Cultural, 2000; p. 136.

[3]
http://filosonewton.blogspot.com/2014/05/o-inferno-sao-os-outros.html
[4]
Sobre a origem dessa forma tão especial de associação humana, seguem dois links,
ideologicamente diversos, para leitura dos interessados no tema:
http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1037 e
http://www.dhnet.org.br/direitos/anthist/marcos/hdh_engels_origem_propriedade_privada_est
ado.pdf

[5]
https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/consultorio/perguntas/a-etimologia-do-substantivo-familia/32950
[6] Povo muito antigo, anterior aos romanos, que vivia no sul da atual Itália, perto de Pompéia, e
que começou a ser dominados pelos romanos no Século V A.C. e em aproximadamente em 340 a 350
A. C. foram extintos porque sua cultura e independência foram absorvidas por Roma. Algumas
palavras oscas (como famulus) passaram a compor o latim.

[7] Por sua vez, é possível que o vocábulo osco famulus tenha origem na palavra osca famel, que
quer dizer fome. Dai, por exemplo, furto famélico. Isso pode significar que a origem da palavra
família representa uma imagem interessante: aqueles que matam a fome juntos em uma mesma casa.
Ou aqueles que um pater familias deve alimentar. Aliás, essa idéia é bem contemporânea e
condizente com a concepção atual de família do código civil (os pais possuem o dever de alimentar
os filhos e vice-versa).
[8]
Lei nº 10.836/2004.
[9]
Lei nº 9.250/95.
[10]
Lei nº 8.213/91.
[11]
Evidentemente, não podemos nos esquecer que o casamento e a união estável entre pessoas do
mesmo sexo são atualmente admitidos pelo Direito brasileiro, em razão de construção jurisprudencial
do Supremo Tribunal Federal.
[12]
“(…) o centro da tutela constitucional se desloca do casamento para as relações familiars dele
(mas não unicamente dele) decorrentes; e que a milenar proteção da família como instituição,
unidade de produção e reprodução dos valores culturais, éticos, religiosos e econômicos, dá lugar à
tutela essencialmente funcionalizada à dignidade de seus mesmbros, em particular no que concerne
ao desenvolvimento da personalidade dos filhos.” (TEPEDINO; TEIXEIRA, 2020, p. 2)
[13]
“A regulamentação legal da família voltava-se, anteriormente, para a máxima proteção da paz
doméstica, considerando-se a família fundada no casamento como um bem em si mesmo, enaltecida
como instituição essencial. Hoje, ao revés, não se pode ter dúvida quanto àfuncionalização da família
para o desenvolvimento da personalidade de seus membros, devendo a comunidade familiar ser
preservada (apenas) como instrumento de tutela da dignidade da pessoa humana.” (TEPEDINO;
TEIXEIRA, 2020, p. 8)
[14]
Destaca-se também o conceito de Família Anaparental, aquela na qual não existe um membro
ocupando a posição de ascendente, como ocorre na hipótese de convivência entre irmãos ou entre
primos.
[15]
Tepedino e Teixeira destacam que família é uma tipologia em aberto (TEPEDINO; TEIXEIRA,
2020, p. 29/41)
[16]
Consituição Federal, art. 226, §3º: “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união
estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em
casamento.”
[17]
(BRASIL, 2011)
[18]
Apesar de já estar superada a controvérsia (magister dixit), vale a reflexão acerca dos limitres do
Judiciário, uma vez que nesse julgamento, inegavelmente o STF laborou como verdadeiro legislador,
pois o art. 226 da Constituição, estavelecido em 1988, há muito tempo, portanto, é claro ao
prescrever que o Estado deve facilitar a conversão da união estável em casamento, o que
inegavelmente indica que se pretende estimular os casais a irem do bom (a união estável) para o
melhor (o casamento). Esse status diferenciado criado pelo constituinte amparava o tratamento
desigual dado pelo art. 1.790 do código civil. Além disso, se o STF entendia que a regra deveria ser
isonômica, quem lhe outorgou poderes para decidir que deveria ser aplicada a regra do casamento à
união estável? Por que não se aplicar a regra da união estável às duas entidades familiares?
[19]
Embora sejam reconhecidos efeitos civis ao casamento religioso, se os nubentes assim desejarem
e cumprirem todas as formalidades (art. 226, §§ 1º e 2º, da CF).
[20]
Tepedino e Teixeira ao tartarem sobre a natureza jurídica do casamento, ressaltam que na
atualidade, é necessário “(…) qualificá-lo sob dupla ótica, examinado dos pontos de vista ora do ato
jurídico formal que o origina, ora da ativiadde relacional emq ue se produzem os seus efeitos. Nessa
direção, o casamento pode ser concebido (i) como ato ou negócio jurídico (…) e (ii) como entidade
familiar, assim compreendida a relação estabelecida com a sua celebração (…).” (TEPEDINO;
TEIXEIRA, 2020, p. 45/46)
[21]
Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Resolução 175/2013.
[22]
Embora muito divulgada a idéia romântica de que capitações de navios possuem autoridade para
celebrar casamentos, apenas um pequeno número de países autoriza a realização de casamentos pelo
capitão ou comandante em águas internacionais, desde que o navio esteja registado nesse país. Entre
estes inclui-se o Japão (só para cidadãos japoneses), Bahamas, Malta e Bermuda.
[23]
Art. 1.549.
[24]
O Código Civil de 2002 abandonou a antiga distinção entre impedimentos dirimentes, que
tornariam o ato nulo ou anulável, e os meramente impedientes, que não afetariam a validade do
casamento, mas sujeitavam os cônjuges ao regime de separação total de bens e outras sanções
secundárias. Estes últimos são agora chamados “causas suspensivas” e se regulam nos artigos 1.523 e
segs. do CC/02.
[25]
Não estão revogados o Decreto-Lei 3.200/41 e a Lei n.° 5.891/73, que admitem o casamento
entre colaterais no terceiro grau (tio(a) com sobrinha(o), o chamado casamento avuncular,
dependendo de exame por junta médica. Admite-se inclusive a união estável entre tio e sobrinha
(TRF-4 - AC: 50110753420174047201 SC 5011075-34.2017.4.04.7201, Relator: ROGERIO
FAVRETO, Data de Julgamento: 13/05/2019, TERCEIRA TURMA e STJ no REsp 1.330.023/RN,
Rel. Min. NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 5/11/2013, DJe 29/11/2013).
Entre primos, não há obstáculos, pois são parentes de 4º grau.
[26]
O adotado é irmão do filho do adotante, se a adoção houver ocorrido após a Consttiuição Federal,
pois antes dela havia a adoção restrita ou simples, em função da qual não se criavam vínculos entre o
adotado e os demais parentes do adotante. Portanto, no inciso V do art. 1.521, o Código Civil se
refere à adoção restrita, pois a adoção plena suscita a hipótese do inciso IV, pois são irmãos.
[27]
Nemo suam propriam turpitudinem profitare potest. Mas, normalmente só restará a opção de
posterior anulação deste casamento, pois a lei não autoriza que seja suspensa a celebração do
casamento, mesmo depois da pronúncia do réu.
[28]
MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. 6 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 124.

[29]
O Brasil era até a edição dessa Lei o 4º país do mundo em número de casamento infantil.
[30]
O Código de 1916 restringia a limitação aos filhos nascidos após a adoção, mas a própria
vedação de distinção e mesmo registro entre filhos naturais e adotivos inviabilizaria outra solução.
[31]
O defloramento da mulher, ignorado pelo marido, foi retirado do rol explícito das anulabilidades,
mas não é assim tão evidente que a falta de virgindade de qualquer dos cônjuges não pode constituir
erro essencial, dependendo de convicções religiosas e do que cada nubente declarou ao outro. A
honestidade e boa-fé são deveres anteriores à celebração, e a liberdade de confissão religiosa é
protegida pela Constituição Federal, sendo direito de cada pessoa escolher cônjuge que compartilhe
suas crenças e valores morais, não podendo ser ludibriada quanto a tais características, se foram
essenciais na formação de sua vontade de contrair matrimônio e realmente possam tornar
insuportável a vida em comum. O outro nubente tem a mesma liberdade de crença religiosa e moral,
podendo inclusive mudá-la após o casamento; deve apenas ser sincero quando indagado, se sabe que
isto é determinante para seu futuro cônjuge.
[32]
Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:I - celebrado por pessoa absolutamente incapaz; (...)
VII - a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção.

[33]
O Código Civil insiste na inadequada e antiquada expressão “posse do estado de casada”.
[34]
O menor deverá estar assistido por seus representantes legais.
[35]
O julgamento pela improcedência da impugnação comprova a inexistência de fato obstativo e
autoriza a a expedição da certidão, salvo se o Oficial constatar outros vícios.
[36]
As testemunhas deverão ser quatro se a cerimônia se realizar em prédio particular ou se um dos
nubentes não souber ou não puder ler.
[37]
Artículo 40. Los Estados contratantes no quedan obligados a reconocer el matrimonio celebrado
en cualquiera de ellos, por sus nacionales o por extranjeros, que contraríe sus disposiciones relativas
a la necesidad de la disolución de un matrimonio anterior, a los grados de consanguinidad o afinidad
respecto de los cuales exista impedimento absoluto, a la prohibición de casarse establecida respecto a
los culpables de adulterio en cuya virtud se haya disuelto el matrimonio de uno de ellos y a la misma
prohibición respecto al responcable de atentado a Ia vida de uno de los cónyuges para casarse con el
sobreviviente, o a cualquiera otra causa de nulidad insubsanable.
[38]
Art. 1.521. Não podem casar: I - os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural
ou civil; II - os afins em linha reta; III - o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado
com quem o foi do adotante; IV - os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o
terceiro grau inclusive; V - o adotado com o filho do adotante; VI - as pessoas casadas; VII - o
cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu
consorte.
[39]
O CNJ mantém uma lista atualizada dos países que aderiram à Convenção:
https://www.cnj.jus.br/poder-judiciario/relacoes-internacionais/apostila-da-haia/paises-signatarios/
[40]
[41]
De se lembrar que embora tenha entrado em vigor em 2003, o projeto do atual Código Civil é da
década de 1970, apresentando, em diversos momentos, alguns conceitos em desarmonia com a
Constituição de 1988.
[42]
Sustentamos que a emancipação depende da anuência de ambos os pais vivos, não podendo a de
um deles ser suprida judicialmente, pois importa renúncia integral, definitiva e irretratável ao poder-
dever de zelar pela proteção do incapaz, não havendo sequer interesse prático em antecipar por no
máximo dois anos a capacidade plena que se adquire aos 18 anos completos.
[43]
Nestas hipóteses somente os atos indispensáveis à administração da família e de seu patrimônio
podem ser praticados, não os de alienação ou disposição, sempre procurando preservar os interesses
do cônjuge privado da administração. Havendo urgência e relevância na prática de ato de disposição,
deverá ser concedida autorização judicial, ouvido o Ministério Público e, se for o caso, o curador do
incapaz, ou o próprio interessado, quando possível.
[44]
No regime da participação final nos aquestos, a mera outorga conjugal pode ser dispensada
expressamente pelo pacto antenupcial (CC, art. 1.656).
[45]
O Supremo Tribunal Federal vem entendendo reiteradamente, na mesma linha já consolidada
pelo STJ, que a coabitação embora constitua elemento prescindível à configuração da união estável, é
forte indício da convivência. De se questionar, assim, se essa relativização da regra em relação à
união estável seria cabível também no casamento.
[46]
Que, todavia, não precisa fundar-se em culpa de qualquer dos cônjuges.
[47]
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que é a separação de fato
que põe fim ao regime de bens do casamento, não o divórcio.
[48]
“No que tange à opção pelo regime de bens, aqueles previstos pelo Código Civil não constituem
numerus clausus, de modo que a spartes podem optar por regime de bens já existente ou por algum
outro atípico, desde que não contrariem disposição absoluta de lei, conforme art. 1.639, caput, do
Código Civil.” (TEPEDINO; TEIXEIRA, 2020, p. 96)
[49]
“A disciplina dos regimes de bens subordina-se aos princípios gerais dos contratos. Agregam-se a
tais preceitos, três princípios específicos: a) variedade dos regimes de bens; b) Liberdade dos pactos
antenupciais; c) mutabilidade do regime contratado no curso do casamento.” (TEPEDINO;
TEIXEIRA, 2020, p. 96)
[50]
A outorga da esposa é denominada outorga uxória, e do marido outorga marital (TEPEDINO;
TEIXEIRA, 2020, p. 108).
[51]
CC/02, art. 1.656.
[52]
“(…) o regime de bens representa a lei aplicável às relações patrimoniais do casal, devendo a sua
alteração ter tratamento equivalente à mudança legislativa. Nessa perspectiva, embroa não haja no
direito brasileiro princípio constitucional ou legal da irretroatividade das leis not empo, há que se
preserver o ato jurídico perfeito e o direito adquirido na constancia do regime de bens em vigor no
momento da cosntituição de direitos pelos cônjuges (art. 5º, XXXVI, CR). (…) No entanto, em
relação aos cônjuges, é possível admitir-se a eficácia ex tunc da sentença, na medida em que se trata
de direito disponível.” (TEPEDINO; TEIXEIRA, 2020, p. 107)
[53]
Em sentido oposto, Sílvio Rodrigues (Direito Civil, vol. 6), Carlos Roberto Gonçalves (Direito
Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2005) e Luiz Felipe Brasil Santos (Autonomia da Vontade e os
regimes matrimoniais de bens, in Direitos Fundamentais do Direito de Família. Porto Alegre: Liv. do
Advogado, 2004).
[54]
É duvidosa a constitucionalidade do inciso II, do artigo 1.641, II, do Código Civil, visto que
impõe injustificável diferença entre quem atingiu tal idade e as demais pessoas. Com a entrada em
vigor do Estatuto do Idoso (Lei 10.741, de 1º de outubro de 2003) , que prevê, em seu artigo 2º, que
“O idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da
proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhe, por lei ou por outros meios, todas as
oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento
moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade” e do Estatuto da Pessoa
com Deficiência (Lei 13.146, de 6 de julho de 2015, a incapacidade deixou de ser presumida. Não se
pode presumir, assim, que quem tenha 70 anos de idade não tenha condições de escolher livremente o
próprio regime de bens.
[55]
A Súmula STF nº 377 não foi revogada pelo STJ, que todavia passou a aplicá-la com moderação
(RSTJ, 39/413; RT, 691/194; RF, 320/84), sob pena de negar vigência a dispositivo legal.
[56]
Teixeira e Tepedino destacam que o conteúdo do pacto não é exclusivamente patrimonial,
podendo nele haver disposições sobre outras situações. “(…) no que tange às formas de vida a dois,
especialmente quanto à fidelidade e à coabitação, há de se examiner, caso a caso, a seredade do
pacto, de modo que, caso não violem a dignidade da pessoa dos cônjuges e o princípio da isonomia,
não parece haver óbice na ordem pública para a sua admissão.” (TEPEDINO; TEIXEIRA, 2020, p.
99/100).
[57]
Em outras palavras: o pacto antenupcial é instrumento essencial para que o casamento tenha
outro regime diferente do regime legal.
[58]
“O STJ tem se manifestado (i) tanto pelo reconhecimento do esforço comum empreendido nas
hipóteses de separação obrigatória, mitigando-se a presunção contida na construlão sumulada (ii)
quanto pela desnecessidade da prova do esforço comum para que haja a partilha de bens. Sob o
priema da primeira posição (i), a Súmula 377 do STF vem sendo revisitada pelo STJ, prevalecendo o
entendimento de que a comunhão dos bens adquiridos pode ocorrer, desde que comprovado o esfoço
comum, de modo a prestigiar a eficácia do regime da separação (legal) de bens. CAberá ao
interessado comprovar que teve efetiva e relevante (ainda que não financeira) participação no esforço
para aquisição onerosa de determinado bem a ser partilhado com a dissolução da união (prova
positive). Por outro lado, também há posicionamentos (ii) no sentido de dispesar o esforço comum
em casos de uniões duradouras e sedimentadas, em que é possível presumir a colaboraçaõ mútua do
casal, mesmo que circunscrita à esfera doméstica, a partir da vida em comum.” (TEPEDINO;
TEIXEIRA, 2020, p. 116/117)
[59]
CC, art. 1.656.
[60]
Art. 289 do revogado CC de 1916.
[61]
O regime dotal estava previsto expressamente no art. 278 do revogado CC de 1916 e era
instituído por meio do contrato dotal.
[62]
Note que o parágrafo único do art. 1.647, do CC/02 ainda fala nas doações nupciais feitas aos
filhos quando se casam ou constituem economia propria.
[63]
Art. 1.639, CC.
[64]
CATARIN, Cristiano. http://www.historianet.com.br/conteudo/default.aspx?codigo=828. Acesso
em 29/07/2020.
[65]
A demarcação original do dote de terras abrangia Orleans, parte de São Ludgero, Grão-Pará, Rio
Fortuna, Santa Rosa de Lima, parte de Anitápolis, Armazém, São Martinho e São Bonifácio. O nome
e o local exato da cidade foram escolhidos na única visita do Conde d'Eu à nova colônia, em 26 de
dezembro de 1884.
[66]
Para conhecer uma bela defesa desse regime, inclusive louvando a proteção que ele
proporcionava à mulher casada, veja-se o jurista clássico João Arruda em Regimen Dotal, para quem
“A acção do christianismo, tornando indissolúvel o casamento e augmentando a sujeição da mulher
ao marido, foi fatal ao dote. Eis porque este perdeu tanto de sua importância se manteve, graças á
tradição e á verdadeira fascinação que o direito justinianeo sempre exerceu sobre as classes mais
cultas da sociedade, com as quaes se acha em relação a classe rica, mais directamente interessada
na conservação do regimen dotal (Eyquem, n.° 602)”, disponível em
https://www.revistas.usp.br/rfdsp/article/download/65071/67682
[67]
TARTUCE, 2014
[68]
CRFB/1988, art. 5.º, inciso II
[69]
art. 229, CFRB/1988, art. 1.568, CCB/2002 e art. 22 do ECRIAD – Lei n.º 8.069/1990
[70]
art. 1.694, art. 1.696 usque art. 1.698 CCB/2002 – Lei n.º 10.406/2002
[71]
CCB/2002, art. 948
[72]
Com o advento da Emenda Constitucional n. 66/2010, que teria abolido a persecução da culpa
para o divórcio, a questão restou controvertida. Parte da doutrina entende que com a referida EC
estariam revogados os artigos 1.702 e 1.704, do CC/02. Neste sentido PAMPLONA FILHO, Rodolfo
e ASSIS JR, Luiz Carlos. O novo divórcio e seus reflexos no direito a alimentos. Rev. Fac. Direito
UFMG, Belo Horizonte, n. 62, pp. 557 - 598, jan./jun. 2013. Disponível em <
https://www.direito.ufmg.br/revista/index.php/revista/article/viewFile/P.0304-
2340.2013v62p557/261> Acesso 06 jan. 2020 e DIAS, Maria Berenice. Divórcio sem culpa.
Disponível em <
http://www.mariaberenice.com.br/manager/arq/(cod2_538)2__alimentos_sem_culpa.pdf> Acesso 06
jan. 2020.
[73]
ROSA, 2016, p.
[74]
Segundo informa o professor Rolf Madaleno (2013, pp. 871/872) , “a obrigação alimentar carrega
diferentes características, que a destoam das demais obrigações civis, diante de sua especial natureza,
vinculada à vida da pessoa, atuando em uma faixa de valores fundamentais, havidos por
indispensáveis e indisponíveis para a sobrevivência do ser humano. Esta sua natureza especial
decorre do intrínseco propósito de assegurar a proteção do credor de alimentos, mediante um regime
legal específico, e cujo crédito visa a cobrir necessidades impostergáveis do credor, cuja satisfação
não pode admitir maiores demoras.”
[75]
2009, p. 49.
[76]
Conrado Paulino Rosa explica que “o direito ao recebimento de alimentos é personalíssimo no
sentido de que não pode ser repassado a outrem, seja através de negócio ou de outro acontecimento
jurídico”. Lembra ele, também, que “o fato dos alimentos serem fixados levando-se em conta as
peculiaridades da situação do credor e do devedor, consideradas as suas circunstâncias pessoais, é
prova cabal dessa natureza personalíssima” (ROSA, 2016)
[77]
De fato, a partir do momento em que o §1º do artigo 1.694, do Código Civil, estipula que “Os
alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa
obrigada”, fica bem claro que estamos diante de uma obrigação personalíssima, que se funda na
situação especifica das pessoas envolvidas na formação daquele vínculo jurídico.
[78]
“O Superior Tribunal de Justiça também formou entendimento no sentido de que o que se
transmite é o débito existente e nçao pago antes do falecimento do obrigado a prover alimentos, não a
obrigação alimentar propriamente dita, vinculando somente as pessoas compreendidas no art. 1.694
do diploma civil. […] O STJ também não permite a prisão civil do inventariante, justamente por não
ser este o titular do dever alimentar. A doutrina majoritária inclina-se ao mesmo entendimento.”
(TEPEDINO; TEIXEIRA, 2020, p. 345)
[79]
Sobre o tema assim se manifesta Rolf Madaleno: “Os herdeiros não respondem pessoalmente
pela dívida alimentar do sucedido, e só estão obrigados pela transmissão da dívida alimentar pré-
constituída, reconhecida em acordo judicialmente homologado, por sentença condenatória, ou se o
credor era naturalmente dependente do de cujus, como no caso de um filho menor ou de um ex-
cônjuge, ao qual prestava alimentos, mesmo em caráter informal, haja vista se dar pela lei a
transmissão da obrigação alimentar preexistente, e não a transmissão da obrigação do dever genérico
de prestar alimentos àqueles que deles oportunamente vieram a necessitar, pois destes, a futura e
eventual necessidade de alimentos deve ser requerida com suporte no artigo 1.697 do Código Civil.”
(MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 5ª ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense,
2013). O entendimento do STJ está consolidado na mesma linha, como demonstra o seguinte trecho,
colhido de acórdão paradigmático: "[...] se antes do falecimento do autor da herança não tiver sido
proposta a ação de alimentos contra o suposto devedor, não há falar em imputação desse ônus ao
Espólio, por versar obrigação intuitu personae, assim, intransmissível. Na ausência de encargo
previamente constituído, seja por convenção, seja por decisão judicial, o alimentando deve
buscar os alimentos dos seus parentes mais próximos, à luz do princípio da solidariedade, previsto
nos artigos já mencionados, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de
outros". (STJ, REsp 1598228 / BA, Relator Ministro Villas Boas Cuevas, julgamento em 11/12/2018.
DJe 17/12/2018)
[80]
art. 4º da LA 5478/68
[81]
Lei 11.804/2008.
[82]
Quando houver mais que um obrigado é necessário guardar também a proporcionalidade dos
ganhos de cada um.
[83]
Neste sentido, veja-se STJ, RESP Nº 1.290.313, Relator: Antônio Carlos Ferreira, Quarta Turma,
J. 12/11/2013.
[84]
MADALENO, Rolf. Tratado de Direito das Famílias. In Alimentos compensatórios. Rodrigo da
Cunha Pereira (organizador). Belo Horizonte: IBDFAM, 2 ed., 2016, p. 589.
[85]
A expressão “concubinato” ficou agora reservada às uniões ilícitas (CC/02, art. 1.727), inclusive
as daquele que, continuando a conviver com o cônjuge, mantém relação não eventual com outra
pessoa, pouco importando o assentimento do outro cônjuge.
[86]
Em que pese o texto legal utilizar o termo convivência, a coabitação não é requisito essencial
para configuração da união estável, de modo a ainda ser aplicado a Súmula 382 do STF: “A vida em
comum sob o mesmo teto, more uxorio, não é indispensável à caracterização do concubinato.”
[87]
São requisitos objetivos para configuração da união estável: estabilidade, continuidade,
durabilidade, publicidade e o objetivo de de constituição de família. (TEPEDINO; TEIXEIRA, 2020,
p. 178/183)
[88]
“Embora não seja obrigatória, quando presente, a coabitação se traduz um forte indício da
presença de união estável na medida em que as partes que vivem sob o mesmo teto, geralmente,
compartilham projeto familiar comum e exteriorizam components que indicam a presença de mútua
assistência e corresponsabilidade que ultrapassam o simples namoro. Todavia, não se pode afirmar
que, uma vez presente a coabitação, há necessariamente união estável, pois a coabitação é muito amis
do que simplesmente divider a mesma casa.” (TEPEDINO; TEIXEIRA, 2020, p. 181)
[89]
Estas afirmações ainda são controversas, embora não faça sentido falar em conversão com os
mesmos efeitos de um simples casamento; conversão importa apenas mudança na natureza, não uma
interrupção da entidade familiar, sem solução de continuidade ou desprezo pelos fatos pretéritos.
Pode ser prudente não haver pronunciamento judicial quanto ao termo inicial da união estável, mas
apenas declaração dos conviventes, de modo que eventuais litígios possam ser solucionados
futuramente, com produção de prova específica para cada caso e participação de todos os
interessados, especialmente terceiros.
[90]
O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE 646721, reconheceu de forma incidental a
inconstitucionalidade do art. 1.790 do CC/2002, declarando o direito do recorrente de participar da
herança de seu companheiro em conformidade com o regime jurídico estabelecido no art. 1.829 do
Código Civil, fixando tese nos seguintes termos: “É inconstitucional a distinção de regimes
sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no art. 1.790 do CC/2002, devendo ser aplicado,
tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o regime do art. 1.829 do CC/2002”
[91]
Putativo se refere a aquilo que, embora ilegítimo, é objeto de suposição de legitimidade, fundada
na boa-fé, na ignorância do sujeito de direitos acerca da existência do elemento ilícito ou proibido. A
título de exemplos, temos a legítima defesa putativa e o casamento putativo.
[92]
CF, 226, §6º. “O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio”
[93]
“(…) no que toca à separação consensual (judicial e extrajudicial), não se pode falar em
inutilidade, na medida que se trata de manifestação de autonomia das partes que, por aluma razão –
que não cabe ao Direito perquirir – não pretendem colocar fim definitive ao vínculo matrimonial,
mas tão somente à sociedade conjugal.” (TEPEDINO; TEIXEIRA, 2020, p. 160)
[94]
Registra-se que o Código de Processo Civil promulgado em 2015 cita expressamente a separação
consensual e/ou judicial por diversas vezes, conforme nota-se no art. 23, III; art. 53, I; art. 189, II e
§2º; art. 693; art. 731; art. 732; art. 733 e notítulo da Seção IV (referente aos arts. 731 a 737).
[95]
É o denominado divórcio unilateral ou impositivo. A esse respeito, veja-se TARTUCE, Flávio em
https://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/artigos/725236760/o-divorcio-unilateral-ou-impositivo
[96]
Decisão do Corregedor do CNJ no Pedido de Providências 0003491-78.2019.2.00.0000
[97]
É equivocado entender que a concessão de guarda a um dos ex-cônjuges afeta o poder familiar do
outro, muito embora se deva reconhecer que, nas pequenas questões cotidianas, quase nunca poderá
participar. Mas cada um dos genitores conserva o direito de opinar e influenciar na escolha de
colégios, na participação de programas de intercâmbio cultural internacional, na autorização para
casamento, na emancipação, doação de órgãos e tratamentos médicos etc., devendo o juiz resolver
eventuais controvérsias.
[98]
Denominada guarda unilateral.
[99]
“Atualmente, a cláusula geral [do art. 1.593, CC] remete ao parentesco socioafetiva, advindo da
posse de estado e sua eficácia perpassa a discussão sobre o tratamento jurídico do afeto no direito de
família.” (TEPEDINO; TEIXEIRA, 2020, p. 203)
[100]
Tepedino e Teixeira pontuam que a presunção de partenidade não se aplica à união estável,
principalmente em função de sua forma de constituição informal e espontânea, com difícil
delimitação temporal. “Logo, a presunção de paternidade/filiação é efeito derivado da solenidade do
casamento, que tem como ratio o princípio da segurança jurídica e não do casamento como entidade
familiar, de modo que não há nada de discriminatório no fato de as presunções incidirem apenas na
relação conjugal.” (TEPEDINO; TEIXEIRA, 2020, p. 214/215)
[101]
Aquela realizada com óvulo e espermatozóide extraídos dos pais civis, que portanto serão
também consanguíneos, apesar de artificial a concepção, único traço que a distingue da concepção
natural.
[102]
Aqueles fecundados como garantia, mas não implantados na primeira tentativa de fecundação
artificial, permanecendo armazenados para futuras repetições da tentativa.
[103]
Aquela em que o óvulo ou o espermatozóide é extraído de terceira pessoa, um doador, pela
impossibilidade de se colher material do pai civil; pode comparar-se a uma “adoção pré-concepção”,
pois não haverá consanguinidade em relação àquele que não forneceu seu material genético-
reprodutivo.
[104]
Efetuado o Registro pelo Oficial do Cartório, ele expedirá a Certidão de Nascimento.
[105]
Interessante constatar que até 2015, a mãe do nascido não podia ir até o cartório e declarar o
nascimento, exceto na falta ou impedimento do pai, o que tinha que ser provado por ela. Essa
situação somente se alterou por força da Lei nº 13.112/2015.
[106]
Existe pelo menos um precedente estendendo essa presunção à União Estável: Recurso Especial
n° 1.194.059/SP, de Relatoria do Ministro Massami Uyeda, da Terceira Turma, em 06/11/2012.
[107]
Mater semper certa est.
[108]
Súmula 301, STJ: “Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de
DNA induz presunção juris tantum de paternidade.”
[109]
Recurso Extraordinário nº 898060- SC (Tema 622 da repercussão geral), julgado em
22/09/2016, fixando a seguinte tese: "A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro
público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem
biológica, com os efeitos jurídicos próprios".
[110]
A pessoa com deficiência pode adotar e ser adotada, nos termos do art. 6º, IV, do Estatuto da
Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015).
[111]
“Consoante vem entendendo o STJ, eventuais irregularidades a adoção podem ser superadas em
virtude da situação de fato consolidada no tempo, desde que favoráveis ao adotando.” (TEPEDINO;
TEIXEIRA, 2020, p. 259)
[112]
No regime do Código de 1916, a adoção de maiores era feita por escritura pública.
[113]
Unilateral ou compartilhada, nos termos do artigo 1.584, do Código Civil
[114]
“Entende-se que a escolha da pessoa para o exercício da tutela deve obedecer mais aos interesses
da criança ou do adolescente do que, propriamente, à ordem de convocação, o que motivou a ressalva
do art. 1.731 do Código Civil, no sentido de que ‘o juiz escolherá entre eles o mais apto a exercer a
tutela em benefício do menor’.” (TEPEDINO; TEIXEIRA, 2020, p. 392)
[115]
A curatela da pessoa com deficiência se encontra atualmente regulada pelo respectivo estatuto
(Lei nº 13.146/2015) e afeta tão somente os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e
negocial (art. 85), dentre os quais, a depender da situação concreta, como antes mencionados, o ato
de contrair casamento, sempre com o propósito de evitar dano ao próprio deficiente.
[116]
TRF-4 - AC: 50538198920174049999 5053819-89.2017.4.04.9999, Relator: MARCELO
MALUCELLI, Data de Julgamento: 17/09/2019, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR.
[117]
STJ - AgRg no REsp: 1531830 MG 2015/0112742-4, Relator: Ministro JOÃO OTÁVIO DE
NORONHA, Data de Julgamento: 17/05/2016, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação:
DJe 20/05/2016.

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