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Centro Universitário Autônomo do Brasil – UniBrasil

Programa de Mestrado e Doutorado em Direitos Fundamentais e Democracia


Núcleo de Pesquisas em Direito Constitucional – NupeConst
Linha 3: Regime jurídico dos Direitos Fundamentais, Pluralismo e
Constitucionalização como Pressupostos da Democracia
Grupo de Estudos: Constituição e Pluralismo
Coordenador Prof. Dr. Marcos Augusto Maliska

Resposta ao Questionário de Estudos – “A Rebelião das Elites e a Traição da Democracia” e


“O Fim da Classe Média”

Aluna: Maria Luiza de Miranda Guglielmi

1. A “cultura do narcisismo”, segundo Lasch, consiste na atual relação do indivíduo com a


sociedade, em que o vínculo com outros indivíduos foi substituído pela concentração em si
mesmo. Esta cultura teria iniciado em 1970, a partir das noções de autoconsciência e
autocuidado, e também teria sido influenciada pela ética protestante, que defende o sucesso
profissional acima de tudo - noção que pode ser associada ao self-made man, termo utilizado
pelos norte-americanos em referência às pessoas que constroem carreiras de sucesso com o
próprio esforço.

Assim, conforme as próprias palavras de Lasch, “tendo internalizado o mito do homem que se
fez sozinho, os trabalhadores com muita frequência sacrificaram a solidariedade pela esperança
ilusória de progresso individual”. Desta forma, relacionando com o tema central do livro, Lasch
argumenta que as elites vivem em um mundo abstrato, em que a informação e o conhecimento
são essenciais para a ascensão profissional, o que faz com que estes indivíduos, imersos no
narcisismo, não se vinculem às questões sociais, incluindo a democracia.
2. A meritocracia está diretamente relacionada com a questão acima, em que o indivíduo
considera a sua ascensão pessoal e profissional como obra única de seu esforço. Em sua obra,
Lasch inteligentemente diz que “a meritocracia não precisa de bravura e cavalheirismo mais do
que a aristocracia hereditária necessita de cérebros”.

Por isso, sim, a disseminação da meritocracia como principal e único fator de ascensão
substituiu o ideal democrático de competência e respeito por todas as pessoas, visto que esta
noção ignora os feitos ancestrais, as responsabilidades herdadas do passado e os privilégios
obtidos, o que reafirma o argumento de Lasch de que “elites meritocráticas acham difícil
imaginar uma comunidade, mesmo que seja uma comunidade do intelecto, que abranja tanto o
passado quanto o futuro e que esteja baseada na consciência de obrigações entre uma geração e
outra”.

3. Lasch defende, neste trecho, que a democracia, termo complexo e profundo, está resumida a
termos genéricos que demonstram meramente a boa-vontade e o discurso sensato. Conforme o
autor, há uma preocupação exacerbada pelas palavras que norteiam a sociedade, o que ignora a
realidade de que a democracia é definida pela comunidade e, principalmente, pela
autossuficiência destas comunidades em relação ao Estado. Para ele, comunidades autônomas,
e não indivíduos, são as unidades básicas da sociedade democrática. Por isso, o declínio das
comunidades e a simplificação da democracia a slogans motivacionais colocam em risco o
futuro da democracia.

4. Aqui, mais uma vez nota-se o narcisismo acima da noção coletiva de sociedade, com uma
celebração exacerbada da riqueza e a separação de camadas consideradas inferiores. Lasch, ao
citar autores como Kaus e Walzer, cita a necessidade de limitação da atuação das esferas que
são movidas pelo dinheiro, estas que se consideram superiores e esclarecidas. Dessa forma, para
estes dois autores, a igualdade seria melhor exercida, já que não foca na distribuição igualitária
de renda, mas na fixação de limites ao imperialismo que trata como mercadoria todos os bens
sociais. Ainda, para além desta noção, Lasch defende que, apesar disso, uma sociedade
democrática não pode permitir acúmulos ilimitados, já que a igualdade civil e social pressupõe
uma aproximação com a igualdade econômica, o que diminuiria esta separação de ideais e
aproximaria as classes para um pensamento social comum.

5. O populismo e o comunitarismo são semelhantes no que diz respeito à oposição às ideologias


de livre-mercado e estado de bem-estar. Para Lasch, o populismo está comprometido com o
princípio de respeito, com discursos simples e objetivos, sem pretensões à superioridade moral
em nome dos oprimidos, sendo a voz autêntica da democracia. Já os comunitaristas, segundo o
autor, defendem que os direitos devem ser equilibrados pela responsabilidade, mas da
comunidade como um todo, e não dos indivíduos, trazendo poucas contribuições para questões
como ações afirmativas, aborto e política familiar. Lasch argumenta que “a principal crítica ao
comunitarismo é a de que ele levaria à arregimentação de opiniões, à repressão dos dissidentes
e à institucionalização da intolerância, tudo isso em nome da ética moral”, preferindo o
populismo ao comunitarismo.

6. Aqui, a partir do pensamento de John Rawls, Lasch argumenta que o indivíduo, mais uma
vez absorto em sua própria realidade, tende a ter uma visão social pautada apenas em princípios
abstratos, sem o reconhecimento de indivíduos a partir da confiança e da consciência. Dessa
forma, a sociedade e as vidas privadas são dominadas pelo mercado, além do fato de que o
egoísmo é considerado uma virtude. No trecho que dispõe que a teoria de Rawls “ensina as
pessoas a desconfiarem do que mais lhes ajudará - o seu apego às pessoas que conhecem”, nota-
se que o único “individual” relevante é o que diz respeito a si próprio, pois quando se trata de
indivíduos próximos, a noção abstrata de humanidade prepondera e desconsidera laços afetivos.

7. Guilluy, a partir das palavras de Margaret Thatcher de que “there is no society”, ou “a


sociedade não existe”, defende que o abandono do bem comum causou o caos da sociedade
relativa nos países ocidentais. A partir de sua reflexão sobre o fim da classe média, o termo no
society auxilia o entendimento de que houve um abandono da categoria e a ruptura dos elos
entre as classes dominantes e as dominadas, ocasionando uma “a-sociedade”. Portanto, neste
contexto, conforme as palavras do autor, existe “a crise da representação política, a atomização
dos movimentos sociais, a cidadelização das burguesias, a marronagem das classes populares e
a comunitarização” como “sinais do esgotamento de um modelo que já não constrói
sociedades”, o que mostra a desconsideração estatal pelo bem comum e por valores que
deveriam ser os alicerces de uma sociedade bem constituída, com a preservação do capital social
e cultural das classes populares.

8. Para Guilluy, o conceito de França periférica, elaborado no início do século XXI, revela a
exclusão das categorias populares do país, que se estabeleceram nos territórios mais distantes
das metrópoles globalizadas, nas cidades menores e nos espaços rurais. Assim, esta “fratura
social” mostra que a adaptação da sociedade francesa ao modelo econômico globalizado
ocasionou a exclusão e a fragilização das classes menos favorecidas, formadas por operários,
camponeses e outros trabalhadores. Estes, a partir do sentimento de rejeição cultural e
geográfica, formaram o movimento Frente Nacional.

9. A dinâmica populista, segundo o autor, pode ser explicada a partir da relegação cultural e
geográfica. Guilluy defende que “o pertencimento a uma classe social não se reduz a uma
questão de dinheiro”, mas sim aos efeitos do modelo socioeconômico e da sociedade
multicultural, pois as categorias menos favorecidas projetam sua preocupação a níveis de
integração social e cultural, visando evitar uma perda de status de referência nestes dois âmbitos,
visto que as classes favorecidas sustentam não só o modelo econômico, mas o social, cultural e
geográfico dominantes.

10. O modelo francês assimilacionista não reconhece origem ou comunidade, ou seja, busca a
assimilação dos imigrantes com a classe média majoritária, integrando os recém-chegados a
uma base cultural utilizada como modelo; já no modelo britânico, que seria o “respeitador das
diferenças”, existe a chamada “reafirmação identitária” a partir da preservação do capital social
e cultural dos recém-chegados, o que, segundo o autor, “acelera a marginalização cultural das
classes populares ocidentais e leva à fase terminal de etnização da antiga classe média
ocidental”, esta que, segundo ele, jamais se definiu por suas origens e sempre foi caracterizada
por sua diversidade social, étnica e cultural.

11. A respeito deste assunto, acredita-se que a classe média deve ter como ponto principal a
diversidade, o que está em consonância, inclusive, com o conceito de democracia. A sociedade
como um todo é marcada pelas diferenças sociais, étnicas e culturais e, ao considerar a classe
média como uma limitação de origens, existe a demarcação de interesses e a consequente
exclusão de pautas que podem ser de amplo proveito. Por isso, deve haver um reconhecimento
e acolhimento dos mais diversos indivíduos, o que faria com que a classe média subsistisse e
prosperasse na busca pela defesa das minorias.

12. Segundo Guilluy, pela primeira vez na história, “a classe dominante e seus retransmissores
midiáticos, culturais e acadêmicos não falam em nome das classes populares nem contra elas,
pois estas saíram da História”. Dessa forma, como a nobreza não se manifesta pelos interesses
dos pobres, a noção de coletividade é desmantelada, aprofundando as desigualdades sociais e
territoriais. Assim, surgem as minorias e as maiorias relativas, ou uma sociedade relativa, em
que não há cultura ou valores comuns. Por isso, o Estado deve fortalecer a classe média e
recobrar as pautas de interesse da população menos favorecida, reconhecendo a diversidade e a
necessidade de combate à cultura do narcisismo.

13. O bem comum, para o autor, consiste na regulação e proteção das classes menos favorecidas
pelas classes mais favorecidas, isto é, a responsabilização dos poderes públicos e políticos pelo
bem-estar social através da governança política e social. Dessa forma, seguindo a linha das
questões anteriores, o bem comum está na aceitação das diversidades e no fortalecimento do
interesse das classes, principalmente das menos favorecidas, fazendo com que o sentimento de
sociedade prevaleça ao sentimento de individualidade. Assim, o bem comum, ou o bem social,
seria interesse de todos os indivíduos, o que não abriria espaço para uma sociedade narcisista,
mas sim uma sociedade em que os mais favorecidos oferecessem o devido suporte às classes
vulneráveis.

14. O soft power das classes populares, de acordo com Guilluy, impulsiona a onda populista ao
obrigar a mídia a abordar temáticas que contribuem para o retorno do movimento da maioria, o
que auxilia na preservação de seu capital social e cultural. Denominado como fascista pelas
classes dominantes a fim de enfraquecer o movimento, esta manifestação é, ao contrário,
democrática, surgindo da necessidade de reconstruir a sociedade em defesa do bem comum. No
entanto, segundo o autor, “nada será possível se uma fração das classes superiores não se
reintegrar à estrutura nacional na qual se exerce a solidariedade”.

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