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APONTAMENTOS DE DIREITO CONSTITUCIONAL I

2015/2016 – 1ª Frequência

PRELÚDIO (conceitos estruturantes)

A ideia de constitucionalismo consiste na teoria que ergue o princípio do governo


limitado, indispensável à garantia dos direitos em dimensão estruturante da organização
político-social de uma comunidade. Neste sentido, note-se que emerge uma clara distinção
entre o conceito de constitucionalismo, ao qual se encontra imanente um evidente juízo de
valor, apresentando-se, assim, como teoria normativa da política, e movimentos
constitucionais.
Entenda-se por constituição, em sentido formal, um documento escrito que possui
superioridade hierárquica no plano jurídico e, diferentemente dos outros textos normativos, é
de difícil revisão. Assim, este conceito pode já transportar dimensões valorativas, visto
obedecer a determinadas características formais e possuir um conteúdo específico.
Por outro lado, a constituição em sentido normativo, entendida como constituição
material, corresponde a um documento que obedece aos princípios fundamentais do
constitucionalismo. Assim, a constituição não mais pode, como na constituição formal, mas
sim deve conter um conteúdo específico, devendo estabelecer limites jurídicos ao poder e
devendo ser informada por princípios materiais fundamentais, como o princípio da
separação dos poderes e a garantia de direitos e liberdades. Por último, a constituição
normativa não se basta com um conjunto de regras jurídicas, tem de transportar uma
dimensão axiológica que se traduza numa bondade material.

- A constituição dos Antigos

A Antiguidade Clássica afirma-se como uma época de decadência política que levou
ao surgimento de teorias políticas voltadas para a importância da ética, da moralidade, da
cidadania e da forma de exercício político na pólis (no que diz respeito aos helénicos).
Neste plano, Platão e Aristóteles distinguem o regime jurídico imposto de forma
violenta (tirania), do regime jurídico que se estabelece quando existe constituição pelo facto
de, neste último, se espelhar uma dimensão moral e ética do exercício do poder político.
Noutro plano, note-se, ainda, que o conceito de politeia aparece, no âmbito da teoria
aristotélica, como forma de se referir às cidades-estado que possuíam uma assembleia de
cidadãos, como parte do seu processo político. Este conceito, embora ainda não
considerado como constituição, assume clara relação de similitude com o conceito de

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constituição como realidade social que, em sentido amplo, designa a estruturação do poder,
o “corpo político” de uma comunidade. Com efeito, revela-se como uma realidade social,
podendo-se afirmar que qualquer grupo organizado é uma constituição.

- A constituição dos Medievais

Durante a época Medieval, levanta-se a questão da limitação do poder político, a qual,


efetivamente, se concretiza através de regras, pactos e contratos que garantam o exercício
das liberdades dos homens. Assim, este princípio teórico materializa-se, formalmente, na
consagração de contratos de domínio (século XIII), dos quais é exemplo a Magna Carta
datada de 1215.
Neste sentido, os contratos de domínio vieram confirmar a existência de privilégios e
liberdades (iura et libertates) radicados em “velhas leis de direito” num corpus costumeiro de
normas e num reduzido número de documentos escritos, bem como regular as relações
entre as várias ordens, estamentos, forças corporativamente organizadas num determinado
território e entre os homens ativos nos espaços citadinos e urbanos.
Desde os fins da Idade Média, até, aproximadamente, ao século XVIII, emerge o
conceito de constitucionalismo antigo, entendido como o conjunto de princípios escritos ou
consuetudinários, alicerçadores da existência de direitos estamentais perante o monarca e,
simultaneamente limitadores do seu poder. No mesmo plano, note-se que o
constitucionalismo antigo é dotado da intenção de garantir os privilégios de certos grupos,
não possuindo, portanto, uma vocação universal.
Noutro plano, note-se que o constitucionalismo antigo é, amplamente, marcado pela
existência de uma constituição mista, ou seja, aquela em que o poder não se encontra
concentrado nas mãos de um monarca, sendo antes partilhado por ele e outros órgãos de
governo, a título de exemplo, o constitucionalismo inglês.

- A constituição dos Modernos

No que diz respeito à transição do constitucionalismo antigo, para o constitucionalismo


moderno, compreendem-se dois fatores fundamentais: o aparecimento do estado moderno e
o movimento jusracionalista moderno. Sob a égide da ideia de estado moderno, aparecem
como princípios fundamentais a consagração da soberania do Estado, tanto interna, como
externa, a existência de um povo, de um território, geograficamente delimitado, e um
governo (NB: tanto o estado absolutista como o estado liberal se apresentam como formas
de estado moderno). Noutro plano, o jusracionalismo moderno propõe uma visão
antropocêntrica do mundo, por oposição à visão teocêntrica do mundo à moda medieval, a

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qual é o Homem e já não Deus que, enquanto ser racional, dita as regras da comunidade
política.
Como resultado destes fatores, o constitucionalismo moderno apresenta-se como um
movimento político, social e cultural, que se iniciou em meados do século XVIII e que deu
origem a uma nova forma de ordenação e fundamentação do poder político.
Consequentemente, emerge o conceito de constituição em sentido moderno que se funda
na ordenação jurídico-política plasmada num documento escrito, na declaração e garantia
de um conjunto de direitos fundamentais e na organização do poder político, de forma a
limitá-lo e moderá-lo. Estes princípios encontram-se formalmente consagrados na
Declaration Universelle des Droits de l'Homme et du Citoyen (DUDHC):

Artigo 16º

“Toda a sociedade na qual não esteja assegurada a garantia dos direitos, nem determinada a separação dos
poderes, não tem constituição.”

Por último, note-se, ainda, que o constitucionalismo moderno se funda sob o


paradigma do jusnaturalismo que entende que o indivíduo, na sua essência, na sua
natureza (status naturalis), tem determinados direitos fundamentais, pelo que todos os
indivíduos são livres e iguais por natureza.

PODER CONSTITUINTE E CONSTITUIÇÃO

- O que é o poder constituinte?

O poder constituinte pode definir-se como a autoridade política que está em condições
de, numa determinada situação concreta, fazer ou rever uma constituição. Assim, ao poder
de fazer uma constituição, atribui-se a designação de poder constituinte originário, enquanto
que ao poder de a rever se dá o nome de poder constituinte derivado.
De acordo com John Locke, o poder constituinte (supreme power) aparece como
consequência da formulação teórica do “direito à resistência” e do “direito à revolução”.
Neste sentido, note-se que o conceito de sociedade politicamente organizada aparece como
resultado das insuficiências que o ser humano experiencia no estado de natureza, a título de
exemplo, a inexistência de um juiz imparcial. No entanto, os indivíduos têm, no estado de
natureza, uma esfera de direitos naturais (property) que são limite do poder do legislador
(limitado, específico e não arbitrário), aquando da consagração do contrato social, sendo
que só o corpo político, reunido no povo, tem autoridade para estabelecer a constituição
política da sociedade.

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Por outro lado, Sieyès identifica a emergência do poder constituinte (pouvoir
constituant), enquanto resultado da luta contra a monarquia absoluta que havia marcado o
Antigo Regime francês, até à revolução de 1789. Deste modo, este autor caracteriza o poder
constituinte como sendo inicial, autónomo e omnipotente, implicando, portanto,
respetivamente, a inexistência de qualquer tipo de poder anterior, a independência face a
qualquer outro poder e, ainda, a inexistência de limites que não sejam as próprias verdades
que decorrem do exercício da razão. Com efeito, esta formulação de poder constituinte
implica que este seja tanto desconstituinte, já que, num primeiro momento, rompe com o
poder constituído pela monarquia absoluta, e constituinte, visto que, por outro lado, cria uma
nova ordem político-social, da qual emergem os poderes constituídos, entendidos como os
poderes conformados e regulados pela constituição.
Por último, note-se que a caracterização de poder constituinte, seja ele qual for,
enquanto poder incondicionado, permanente e irrepetível, cria momentos de tensão com o
“poder constituído”, já que condicionado pelo primeiro. Assim, aparece a necessidade de
introdução de um poder constituinte derivado, que, por sua vez, não deixa de ser limitado
pelas condições impostas pelo poder constituinte originário, limitando a vontade das
gerações futuras.

- Quem é o titular do poder constituinte?

Na teoria de Sieyès, o titular do poder constituinte aparece materializado no conceito


de Nação, que este identifica com o Terceiro Estado. Defensor da democracia
representativa, introduz, assim, o conceito de soberania nacional, entendendo-se a nação
como entidade indivisível, política, artificial e abstrata que espelha o interessa comum de
uma determinada comunidade (Terceiro Estado). Noutro plano de raciocínio, Rousseau
aponta o titular do poder constituinte como sendo o povo, entendido como cada um dos
cidadãos e, por sua vez, consagrando o princípio da soberania popular. Neste sentido,
Rousseau rejeita a ideia de representação política, nas suas palavras, “A representação
política é o primeiro passo para a tirania”. Assim, acreditava que ao obedecer à lei, o
Homem estaria a obedecer a si mesmo, visto esta ser representativa da vontade geral.
Atualmente, atribui-se a titularidade do poder constituinte ao povo, concebido como
“grandeza pluralística”, ou seja, como uma pluralidade de forças culturais, sociais e
políticas tais como partidos, grupos, igrejas, associações, personalidades, decisivamente
influenciadoras da formação de opiniões, vontades, correntes, ou sensibilidades políticas
nos momentos pré-constituintes e nos procedimentos constituintes. Esta ideia de povo
entende-se como o povo em sentido político, isto é, grupos de pessoas que agem segundo
ideias, interesses e representações de natureza política. Assim, se se quiser encontrar um

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sujeito para o poder constituinte teremos de o localizar num complexo de forças políticas
plurais – e daí a sua plurisubjetividade – capazes de definir propor e defender ideias,
padrões de conduta e modelos organizativos suscetíveis de servir de base à constituição
jurídico-formal.
Por outro lado, note-se a existência de outros conceitos de povo, no entanto,
entendidos como redutores. Neste sentido, o povo pode entender-se como povo realista
(minorias ativistas autoproclamadas em representantes do povo e agindo por consentimento
tácito deste); povo normativo (constituído pelo corpo eleitoral); e, ainda, povo maioritário
(constituído pelas maiorias) que faz, de facto, parte do povo em sentido político, no entanto
não esgota o conceito.
Por último, em alusão à CRP, note-se que esta consagra como titular do poder o povo.
Artigo 3.º/1
“A soberania, una e indivisível, reside no povo, que a exerce segundo as formas previstas na Constituição.”
Artigo 108º
“O poder político pertence ao povo e é exercido nos termos da Constituição.”

- Vinculação do poder constituinte

Tomando por princípio a teoria clássica do poder constituinte, como já foi dito, este
afirmava-se como um poder originário, desvinculado e omnipotente. No entanto, a doutrina
atual rejeita esta compreensão do poder constituinte. Neste sentido, se o poder constituinte
possui como objetivo criar uma constituição que limite o poder, esta “vontade de
constituição” não pode deixar de condicionar a vontade do criador; noutro plano, o próprio
sujeito constituinte obedece a padrões e modelos de conduta radicados na consciência
jurídica da comunidade; e, por último, revela-se como indispensável a observância de
determinados princípios jurídicos, que funcionam como limites da liberdade e da
omnipotência do poder constituinte.
Com a progressiva jurisdicização do poder constituinte originário, identificam-se dois
principais tipos de vinculação jurídica: interna e internacional ou cosmopolita. Com efeito, a
vinculação interna compreende que o poder constituinte originário está limitado pelos
padrões de conduta, éticos, sociais e culturais de um determinado povo. Por outro lado, a
vinculação cosmopolita determina os seus limites em princípios supraconstitucionais de
justiça (princípios de igualdade, liberdade, entre outros) e no Direito Internacional Público
(proibição da tortura, respeito pela autodeterminação dos povos, entre outros).
Por outro lado, o poder constituinte derivado é entendido como um poder duplamente
limitado. Assim, encontra-se limitado tanto pelos limites que valem para o poder constituinte
originário, como pelos limites do próprio poder de revisão (artigos 284º a 289º da CRP).

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No que diz respeito ao texto da CRP, relativamente aos limites do poder de revisão,
podem distinguir-se dois grupos de limites: formais e materiais. Neste sentido, quanto aos
limites formais, compreende-se a existência de:

1. Limites quanto ao titular do poder de revisão;


Artigo 285.º/1
“A iniciativa de revisão compete aos Deputados.”
Neste caso, a revisão ou modificação da constituição é feita pelo mesmo órgão que
desempenha funções legislativas normais, mas segundo um processo particularmente
agravado.

2. Limites relativos às maiorias deliberativas;


Quando se reconhece ao órgão legislativo ordinário o poder de revisão, é normal a
constituição sujeitar as deliberações deste órgão a maiorias qualificadas, demonstrativas de
uma adesão ou consenso mais inequívoco dos representantes quanto às alterações da
constituição. É o que acontece no que diz respeito às revisões ordinárias.
Artigo 286.º/1
“As alterações da Constituição são aprovadas por maioria de dois terços dos Deputados em efetividade de
funções.”
No que diz respeito às revisões extraordinárias, estas implicam um processo mais agravado.
Artigo 284.º/2
“A Assembleia da República pode, contudo, assumir em qualquer momento poderes de revisão extraordinária
por maioria de quatro quintos dos Deputados em efetividade de funções.”
Artigo 286.º/1
“As alterações da Constituição são aprovadas por maioria de dois terços dos Deputados em efetividade de
funções.”

3. Limites temporais;
Estes limites emergem da necessidade de assegurar uma certa estabilidade às instituições
constitucionais.
Artigo 284.º/1
“A Assembleia da República pode rever a Constituição decorridos cinco anos sobre a data da publicação da
última lei de revisão ordinária.”
Artigo 284.º/2
“A Assembleia da República pode, contudo, assumir em qualquer momento poderes de revisão extraordinária
por maioria de quatro quintos dos Deputados em efetividade de funções.”

4. Limites circunstanciais.
Certas circunstâncias excecionais podem constituir ocasiões favoráveis à imposição de
alterações constitucionais, limitando a liberdade de deliberação do órgão representativo. Isto

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explica um preceito com o teor do artigo 289.º que proíbe a revisão da constituição em
situações de anormalidade constitucional.
Artigo 289.º
“Não pode ser praticado nenhum ato de revisão constitucional na vigência de estado de sítio ou estado de
emergência.”

5. Limites quanto à legitimidade do órgão com poder de revisão


Vide Direito Constitucional e Teoria da Constituição, J. Gomes Canotilho, pp. 1063

No que diz respeito aos limites materiais, compreendem-se os seguintes:

1. Limites Superiores versus Limites Inferiores


Vide Direito Constitucional e Teoria da Constituição, J. Gomes Canotilho, pp. 1064

2. Limites Absolutos versus Limites Relativos


Entendem-se como limites absolutos todos os limites da constituição que não podem
ser superados pelo exercício de um poder de revisão, enquanto que os limites relativos são
aqueles que se destinam a condicionar o exercício do poder de revisão, mas não a impedir a
modificabilidade das normas constitucionais, desde que devidamente reunidas as condições
agravadas estabelecidas por esses mesmo limites.
No entanto, a tese que consigna a existência de limites absolutos é atestada pela
técnica da dupla revisão:
“Num primeiro momento, a revisão incidiria sobre as próprias normas de revisão, eliminando ou alterando esses
limites; num segundo momento, a revisão far-se-ia de acordo com as leis constitucionais que alteraram as
normas de revisão. Desta forma, as disposições consideradas intangíveis pela constituição adquiririam um
caráter mutável, em virtude da eliminação da cláusula de intangibilidade operada pela revisão constitucional.”

De acordo com Gomes Canotilho, esta técnica consiste numa violação que deverá ser
considerada como incidindo sobre a própria garantia da Constituição, já que a violação de
normas constitucionais que estabelecem a imodificabilidade de outras normas
constitucionais deixará de ser um ato constitucional para se situar nos limites de uma
ruptura constitucional, podendo constituir um sério indício de fraude à constituição. Por outro
lado, a tese da dupla revisão pode também ser refutada num plano de competência. Assim,
a competência para o estabelecimento de limites pertence ao poder constituinte originário e,
por isso, não pode um poder constituído subtrair-se aos vínculos heteronomamente editados
por um outro poder.

2.1. Limites Conjunturalmente Justificados versus Limites Materiais Genuínos

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Por limites conjunturalmente justificados, compreendem-se os limites que não
constituem o núcleo essencial da constituição e cuja inclusão se ficou a dever à conjuntura
em que a constituição foi elaborada – segundo Gomes Canotilho estes limites são relativos.
Artigo 290.º, alínea f), CRP, 1976 (texto original)
“O princípio da apropriação colectiva dos principais meios de produção e solos, bem como dos recursos
naturais, e a eliminação dos monopólios e dos latifúndios;”
(influência marxista-leninista)
Por outro lado, os limites materiais genuínos representam os limites que constituem o
núcleo essencial da constituição, dando-lhe identidade, a título de exemplo, note-se o caso
dos direitos, liberdades e garantias; a unidade do Estado ou a sua forma republicana. De
acordo com Gomes Canotilho, estes limites são direitos insuscetíveis de revisão, alteração
ou eliminação, correspondendo a verdadeiros limites absolutos.

3. Limites Expressos versus Limites Tácitos


Entendem-se como limites expressos (ou textuais) os limites previstos no próprio texto
constitucional.
Artigo 288.º (limites materiais da revisão)
“As leis de revisão constitucional terão de respeitar:
a) A independência nacional e a unidade do Estado;
b) A forma republicana de governo;
c) A separação das Igrejas do Estado;
d) Os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos;
e) Os direitos dos trabalhadores, das comissões de trabalhadores e das associações sindicais;
f) A coexistência do sector público, do sector privado e do sector cooperativo e social de propriedade
dos meios de produção;
g) A existência de planos económicos no âmbito de uma economia mista;
h) O sufrágio universal, direto, secreto e periódico na designação dos titulares eletivos dos órgãos de
soberania, das regiões autónomas e do poder local, bem como o sistema de representação
proporcional;
i) O pluralismo de expressão e organização política, incluindo partidos políticos, e o direito de
oposição democrática;
j) A separação e a interdependência dos órgãos de soberania;
l) A fiscalização da constitucionalidade por ação ou por omissão de normas jurídicas;
m) A independência dos tribunais;
n) A autonomia das autarquias locais;
o) A autonomia político-administrativa dos arquipélagos dos Açores e da Madeira.”
Por outro lado, existem limites tácitos que consistem em limites inerentes, mas não
consagrados no texto constitucional.

3.1. Limites Tácitos: Limites Textuais Implícitos versus Limites Tácitos Imanentes

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Por limites textuais implícitos compreende-se os limites que poder ser deduzidos do
próprio texto constitucional, ou seja, decorrem automaticamente de certos limites materiais
expressos.
Artigo 288.º, alínea m)
“A independência dos tribunais;”
Remete para
Artigo 216.º/2
“Os juízes não podem ser responsabilizados pelas suas decisões, salvas as exceções consignadas na lei.”
Por outro lado, os limites tácitos imanentes correspondem a uma ordem de valores
pré-positiva, vinculativa da ordem constitucional concreta, sendo inerentes a um Estado de
Direito Democrático, não podendo ser revistos sem que a Constituição deixe de cumprir a
sua função (telos).
Titular do Poder de
Revisão

Maiorias
Deliberativas

Formais Temporais

Legitimidade do
Órgão com Poder
de Revisão

Circunstanciais
LIMITES

Conjunturalmente
Justificados
(Relativos)
Relativos e
Absolutos
Genuínos
(Absolutos)

Materiais

Textuais Implícitos

Expressos e Tácitos

Tácitos Imanentes

N.B.: Enquanto por norma constitucional se compreende um modelo de ordenação


juridicamente vinculante, positivado na Constituição e orientado para uma concretização
material e constituído (é simultaneamente uma medida de ordenação expressa através de
enunciados linguísticos (programa normativo) e uma constelação de dados reais (domínio
normativo); por lei constitucional compreende-se as leis de revisão, destinadas, portanto, à
modificação da Constituição de acordo com o procedimento estabelecido nos artigos 284.º a
289.º.
Artigo 166.º/1
“Revestem a forma de lei constitucional os atos previstos na alínea a) do artigo 161º.”
(prescrição da forma de lei constitucional)
Artigo 161.º, alínea a)

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“Aprovar alterações à Constituição, nos termos dos artigos 284º a 289º;”

- Procedimento Constituinte
O problema do procedimento constituinte assume particular relevo na medida em que é
uma dimensão básica e estruturante da própria legitimidade da constituição. Neste sentido,
o relevo teorético-constitucional e jurídico-constitucional espelha-se no facto de ser o
procedimento constituinte que inicia a cadeia procedimental de legitimação democrática e dá
fundamento a formas derivadas de legitimação, designadamente à legitimação do exercício
do poder político.
1. Decisões pré-constituintes
No âmbito das decisões pré-constituintes, pode-se identificar dois tipos de decisões: a
decisão política de elaborar uma lei fundamental (constituição) e a edição de leis
constitucionais provisórias destinadas a dar uma primeira forma jurídica ao novo
ordenamento e a definir linhas orientadoras, compreendendo-se, aqui, o procedimento
constituinte propriamente dito. Neste sentido, distingue-se decisões formais ou pré-
constituintes, que correspondem à vontade política de criar uma constituição e de regular o
procedimento constituinte adequado a tal finalidade, de decisões materiais ou constituintes,
que transportam os momentos procedimentais – iniciativa, discussão, votação,
promulgação, ratificação, publicação – conducentes à adoção de uma nova constituição.
Por último, note-se que as decisões pré-constituintes se reconduzem a decisões de
iniciativa de elaboração e aprovação de uma nova constituição; decisão atributiva do poder
constituinte e definição do procedimento jurídico de elaboração da nova constituição; por
último, leis constitucionais transitórias enquanto não for aprovada uma nova constituição.

2. O ato procedimental constituinte

2.1. Procedimento Constituinte Representativo

2.1.1. Com Assembleia Constituinte Soberana


Designa-se procedimento constituinte representativo a técnica de elaboração de uma
lei constitucional através de uma assembleia especial – a assembleia constituinte. Na forma
representativa pura cabe à assembleia constituinte elaborar e aprovar a constituição.

2.1.2. Com Assembleia Constituinte Não Soberana


Existe um procedimento constituinte representativo desenvolvido por uma assembleia
constituinte, não soberana, quando esta é competente apenas para elaborar e discutir o
projeto de constituição, competindo depois ao povo, através de referendo, aprovar o projeto

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elaborado pela assembleia constituinte. Neste sentido, diz-se que o texto aprovado por uma
assembleia constituinte é uma proposta de constituição enquanto que o voto do povo
sanciona a proposta, podendo vetar o texto que lhe é submetido a ratificação.

2.1.3. Assembleia Constituinte e Convenções do Povo


Consiste na feitura de uma Constituição por uma Assembleia Constituinte com a
ratificação popular, mas mediante Convenções do Povo reunidas em diversos centros
territoriais (constituição norte-americana de 1787).

2.2. Procedimento Constituinte Direto


Consiste na aprovação pelo povo de um projeto de constituição sem mediação de
quaisquer representantes. Este projeto de constituição pode ser elaborado tanto pelo povo,
como por um órgão político, como por personalidades do mundo político ou académico. O
ato da aprovação deste projeto é feito através de um referendo constituinte, no sentido de
aprovação de uma constituição mediante livre decisão popular, exercida através de um
procedimento referendário justo. No entanto, emerge aqui uma importante distinção entre
duas formas de aprovação deste projeto: o plebiscito e o referendo. Note-se, assim, que o
plebiscito passou a designar a votação popular de um projeto de constituição,
unilateralmente fabricado pelos titulares do poder e dirigido a alterar, em termos de duvidosa
legalidade, a ordem constitucional vigente. Em suma, o elemento que permite esclarecer a
distinção entre estes dois métodos de aprovação do projeto de constituição é a validade.

2.3 Procedimento Constituinte Monárquico

2.3.1. Cartas Constitucionais ou Constituições Outorgadas


Neste procedimento, pressupõe-se a elaboração pelo monarca de uma constituição
que, posteriormente, é doada/outorgada ao povo.
N.B.: Neste caso particular, o titular do poder constituinte é o monarca.

2.3.2. Constituições Dualistas ou Pactuadas


Neste caso, o procedimento constituinte assenta num compromisso/equilíbrio entre o
princípio da soberania popular e o princípio monárquico. Neste sentido, note-se que a
soberania popular se materializa quando o povo elege representantes para a assembleia
constituinte, enquanto que o princípio monárquico se expressa através da necessidade de
aprovação dessa mesma constituição por parte do monarca.

MOVIMENTOS CONSTITUCIONAIS

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- Constitucionalismo Inglês

O constitucionalismo inglês fica marcado pela existência de uma constituição, por um


lado, não escrita e, por outro lado, flexível. Com efeito, compreenda-se que a constituição
inglesa é flexível, na medida em que as normas constitucionais estão ao mesmo nível das
leis ordinárias, sendo que a modificação da constituição, no mesmo plano de raciocínio,
obedece ao procedimento legislativo comum. Por outro lado, compreenda-se que apesar de
a constituição inglesa não se encontrar formalmente consagrada num único documento,
existem fontes que dão forma ao constitucionalismo inglês. Dentro destas fontes, está a
Magna Carta, datada de 1215, constituiu um documento em que o rei se obrigava a
respeitar um conjunto de “direitos” e “privilégios” à Nobreza, Igreja, municípios e a
corporações, constituindo uma forma de limitação do poder real. Ainda dentro destas fontes,
está o Bill of Rights (1689), Parliament Act (1911) e, ainda, o Human Rights Act (1998) .
Para além destes documentos formais, são também fontes do constitucionalismo inglês os
costumes e convenções constitucionais que são compreendidos como práticas reiteradas e
repetidas no tempo, às quais está associada uma ideia de obrigatoriedade. Neste sentido,
revela-se fundamental o papel da jurisprudência, já que cabe ao juiz o papel de revelar a lei
comum (common law), neste plano de raciocínio, assume também um papel de relevo a
precedência, implicando que decisão a ser tomada num caso dependa das decisões
adotadas para casos anteriores e, por conseguinte, afetando as decisões a ser aplicadas a
casos futuros.
Por outro lado, o constitucionalismo inglês assume também uma matriz historicista.
Neste sentido, a constituição inglesa deve ser entendida em sentido histórico, ou seja, um
conjunto de regras escritas ou consuetudinárias e de estruturas institucionais conformadoras
de uma da ordem jurídico-política num determinado sistema jurídico-constitucional. Com
efeito, o constitucionalismo inglês mostra-se como um resultado da sedimentação histórica
dos direitos adquiridos pelos ingleses (liberty and property) e o alicerçamento, também
histórico, de um governo balanceado e moderado.
Assim, a este processo de sedimentação histórica assistem claras evoluções fulcrais
que podem ser tidos como verdadeiros marcos e contributos do constitucionalismo inglês.
Neste sentido, note-se que a liberdade se radicou subjetivamente como liberdade pessoal
de todos os ingleses e como segurança da pessoa e dos bens de que se é proprietário; por
outro lado, cria-se um processo justo regulado por lei (due process), onde se
estabelecessem as regras disciplinadoras da privação da liberdade e da propriedade, como
forma de garantia da liberdade e da segurança; noutro plano, as leis do país (laws of the
land), reguladoras da tutela das liberdades, são dinamicamente interpretadas e reveladas

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pelos juízes; a ideia de representação e soberania parlamentar indispensável à estruturação
de um governo moderado emerge e materializa-se sob o exercício de um poder por uma
espécie de soberania colegial – King in Parliament, Commons and Lords – que resulta no
balanceamento de forças políticas e sociais, espelhando uma categoria política de
representação e soberania parlamentar; por último, o aparecimento do princípio “rule of law”,
ou seja, a ideia de que o “poder supremo” deveria exercer-se sob a forma de lei do
Parlamento.
N.B.: No contexto do constitucionalismo inglês, o poder constituinte é entendido como um
processo histórico de revelação da norma. Assim, ao constitucionalismo histórico é estranha
a conceção de poder constituinte, enquanto poder de uma entidade abstrata – o povo ou a
nação – para criar uma nova ordem política.

- Constitucionalismo Norte-Americano
No contexto do século XVIII, os atuais Estados Unidos da América constituíam parte do
domínio colonial inglês. No entanto, a prática colonialista inglesa mostrava-se cada vez mais
exploradora, pelo que muitas foram as contestações do poder inglês sobre esta colónia, a
título de exemplo, o famoso caso do Boston Tea Party em 1773. Por conseguinte, não mais
tolerando os impostos que tinham de pagar à Inglaterra, contudo sem acarretar quaisquer
direitos ou deveres (taxation without represantation), os Estados Unidos da América
abandonam o seu estatuto de colónia quando, unilateralmente, proclamam a sua
independência em 1776, todavia só tendo o reconhecimento por parte da Inglaterra em
1783.
Sob as influências contratualistas e liberais do Iluminismo, nasce a constituição federal
norte-americana em 1787. Com efeito, com muita influência das ideias de Locke, o estado
norte-americano é concebido como um Estado de “Guarda Noturno” que tem a função
primordial de defender a propriedade dos cidadãos. Ainda sob a mesma linha de raciocínio,
os direitos naturais que John Locke considerou serem inalienáveis, nomeadamente, a
liberdade, propriedade e auto-preservação (direito de recorrer à força para salvaguardar a
liberdade e a propriedade), assumiram-se como direitos fundamentais consagrados pela
constituição norte-americana.
Por outro lado, o momento revolucionário norte-americano contra a “omnipotência do
legislador” constituiu um momento em que o povo reclama os seus direitos, passando a
tomar decisões (“We The People”). Com efeito, começa a ganhar contornos a ideia de
democracia dualista, ou seja, a constatação da existência de dois momentos distintos de
democracia: os momentos constitucionais, raros, de decisões tomadas pelo povo e os
momentos mais frequentes de decisões tomadas pelo governo. No primeiro momento, o
povo decide através do exercício do poder constituinte, tendo como objetivo fixar regras

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delimitadoras do poder através de uma lei superior: a Constituição. Constitui-se, assim, uma
nova ordem política sujeita ao princípio do limited government, o qual radica na ideia de
limitação normativa do poder político através de uma lei escrita. Neste sentido, a
constituição não é um contrato entre governantes e governados, mas sim um acordo
celebrado pelo povo, tendo como objetivo a vinculação do governo a uma lei fundamental.
A consequência lógica do entendimento da constituição como higher law é a elevação da lei
constitucional a paramount law, ou seja, lei que torna nula (void) qualquer outra lei
considerada inferior. A lei constitucional é, então, uma lei proeminente, o que justifica a
elevação do poder judicial a poder fiscalizador da constituição, garantindo a defesa dos
direitos e liberdades nela assegurados. Com efeito, surge a fiscalização da
constitucionalidade, a judicial review, que torna os juízes competentes para aferir a
constitucionalidade das leis.
A constituição norte-americana visava, então, a constituição do povo como autoridade ou
poder político superior, a subordinação do legislador e das leis por ele mesmo produzidas às
normas da constituição - neste ponto, note-se que a juridicidade do poder constitui forma de
justificação do governo, sendo que o governo encontra-se sempre subordinado às leis
entendidas como um esquema regulativo consistente e coerente formado por um conjunto
unificado de princípios de justiça e de direito (encontram-se aqui patentes os princípios do
Reign of Law e, ainda, always under law), sendo que o governo justificado é aquele que
cumpre a obrigação jurídico-constitucional de governar segundo leis dotadas de unidade,
publicidade, durabilidade e antecedência – a inexistência de um poder soberano supremo e
a criação de poderes constituídos colocados numa posição equiordenada e equilibrada
(checks and balances) e, por último, a garantia de um conjunto de direitos e liberdades.
Por fim, note-se que a Constituição norte-americana é também caracterizada por ser uma
constituição escrita e breve, que enverga um teor rígido, no sentido em que a alteração da
constituição depende de um processo complexo, diferente do adoptado para a feitura das
leis ordinárias.
N.B.: A filosofia do poder constituinte norte-americano é uma filosofia garantística, sendo
que este não possui autonomia, limitando-se a criar um corpo rígido de regras que garanta
direitos e limites poderes – falamos pois em “dizer a norma”.

- Constitucionalismo Francês
Numa França marcada pela estratificação e hierarquia social, até 1789, vigorava a
distinção social baseada no critério do nascimento, sendo que raras seriam as vezes que
um indivíduo podia almejar a mobilidade social. Assim, com o avanço das ideias Iluministas
acerca da igualdade de todos os homens no estado de natureza, que consagrava a
existência de direitos inerentes ao indivíduo e anteriores a qualquer contrato social, o

14
descontentamento social aumenta até que no seu apogeu, em 1789, se consagra a
Revolução Francesa que finda com as estruturas do Antigo Regime.
Desde já, note-se que o constitucionalismo francês demarca-se como sendo um
modelo individualista e, neste sentido, o constitucionalismo francês fica marcado pelo
primeiro momento de revolução que se revela como um momento de ruptura. No entanto, o
seu segundo momento, enquanto fase construtivista, viria estabelecer uma nova ordem
racionalmente constituída, que estabelece uma nova forma de legitimação do poder e a
consagração de direitos fundamentais. Assim, a ordem política dos homens, neste modelo,
assume-se através de um contrato social que assenta nas vontades individuais, sendo esta
ordem de cariz artificial.
O Estado francês é também entendido como um Estado Legal em que a lei surge da
vontade coletiva e é tida numa conceção sacrossanta. No mesmo plano de raciocínio, nota-
se a presença de uma ordem jurídica hierárquica:

Declaration Universelle des Droits de l'Homme et du Citoyen

CONSTITUIÇÃO

LEI

ATOS DO EXECUTIVO E APLICAÇÃO DAS LEIS

N.B.: A DUDHC pode ser entendida simultaneamente como uma supraconstituição e como
uma pré constituinte.
Por outro lado, o Estado Legal fica também marcado pelo princípio da primazia da lei e
submissão do poder político ao direito, que se traduz na garantia de que a lei só pode ser
editada pelo órgão legislativo e na supremacia da lei como fonte de direito. Existe também
uma certa desconfiança face ao controlo judicial da constitucionalidade, que é inexistente, e
ao poder executivo que tem de estar em conformidade com a lei. Note-se que este princípio
pode decorrer da consideração francesa que se fazia do poder constituinte originário
enquanto poder omnipotente, autónomo e inicial, do qual a Nação é titular.
No entanto, a supremacia da Constituição foi sendo neutralizada pela primazia da lei,
sendo que o Estado Legal mostra-se incapaz de compreender o sentido de supremacia da
Constituição e insensível à força normativa dos direitos e liberdades inseridos na DUDHC.
Deste aspeto, decorre a ideia de legiscentrismo como característica do constitucionalismo
francês. Por fim, note-se que esta primazia dada à lei é resultado do entendimento da lei
como produto da vontade geral.

15
N.B.: Quanto ao poder constituinte, neste movimento, entende-se que este tem o poder de
“criar a norma”.

MEMÓRIA CONSTITUCIONAL PORTUGUESA

- Prelúdio (conceitos estruturantes)

1. Descontinuidade Formal versus Continuidade Formal


Existe continuidade formal quando uma ordem jurídico-constitucional que sucede a
outra se reconduz, jurídica e politicamente, à ordem precedente. Por conseguinte, trata-se
de descontinuidade formal quando uma nova ordem jurídica implica uma ruptura com a
ordem constitucional anterior. Explicitamente, existirá descontinuidade formal quando uma
nova constituição adquiriu efetividade e validade num determinado espaço jurídico sem que
para tal se tenham observado os preceitos reguladores de alteração ou revisão da
constituição vigente.

2. Descontinuidade material versus Continuidade Material


Verifica-se a existência de descontinuidade material quando se verifica uma destruição
do antigo poder constituinte e da sua obra por um novo poder constituinte alicerçado num
título legitimatório radicalmente diferente do anterior, a título de exemplo, note-se a
constituição de 1822 que resulta do exercício do poder constituinte monárquico,
materialmente, distinto do poder constituinte monárquico. Neste sentido, a descontinuidade
pode traduzir-se não tanto no diferente título de legitimação do poder constituinte
mas na ruptura consciente com o passado no plano dos princípios políticos
constitucionalmente conformadores.
N.B.: o conceito de continuidade material é, portanto, o oposto do de descontinuidade
material.

- O Período do Constitucionalismo Liberal Monárquico

1. A Constituição de 1822
A primeira constituição portuguesa foi profundamente marcada pela revolução de
1820. Tratou-se de um ato revolucionário inserido na vaga das revoluções liberais que
ocorreram um pouco por toda a Europa continental. Não se pretendia propriamente derrubar
a monarquia. Pelo contrário, o que a maior parte dos revolucionários desejava era que o
Rei, D. João VI, que tinha ido para o Brasil em 1807 (aquando da primeira invasão

16
francesa), regressasse a Portugal e reassumisse o poder, expulsando os ingleses que cada
vez mais se iam assenhoriando desse mesmo poder — e assim assegurando a
independência nacional — e pondo cobro ao descalabro económico de um país cada vez
mais empobrecido. Por outro lado, também não era intenção dos mentores da revolução
retornar aos esquemas tradicionais da monarquia absoluta. Há que não esquecer que esta
revolução se insere num movimento mais amplo que varreu fundamentalmente a Europa
continental que é o movimento liberal, o qual se opunha a um poder real ilimitado.
O que se pretendeu então foi instaurar uma monarquia constitucional, isto é, um
regime em que o monarca deve partilhar alguns dos seus poderes com o parlamento e, para
além disso, deve exercer apenas os poderes que a constituição lhe atribui e nos exatos
termos nela regulados.
No que diz respeito ao procedimento constituinte utilizado, a Constituição de 1822 foi
elaborada e aprovada pelas Cortes Gerais Extraordinárias e Constituintes da Nação
Portuguesa (reunidas entre Janeiro de 1821 e Setembro de 1822). O monarca (D. João VI)
teve que aceitar e jurar, sem nenhuma participação constitutiva, o texto constitucional que
lhe foi submetido. Tratou-se portanto de um procedimento constituinte representativo ou
indireto — levado a cabo por uma assembleia constituinte soberana (ou seja, com poderes
não só para elaborar mas também para aprovar a constituição).
O processo constituinte teve duas fases:
1ª fase — Em Março de 1821 foram definidas e aprovadas pelas Cortes as ‘Bases da
Constituição’ (37 princípios orientadores da organização do poder político e a sua relação
com os indivíduos). Estas Bases, que foram juradas pelo Rei ainda no Brasil, serviriam
depois de documento de orientação para o trabalho das Cortes Constituintes.
2ª — Posteriormente foram elaborados pelas Cortes os preceitos constitucionais que seriam
reunidos num documento único e escrito (a Constituição), o qual foi de novo jurado pelo Rei.

2. A Carta Constitucional de 1826


A revolução de 1823 (Vilafrancada), chefiada pelo Infante D. Miguel (filho de D. João
VI e irmão do futuro D. Pedro IV) foi de sinal contrário à revolução de 1820. D. Miguel era
um absolutista e pretendia a restauração do regime anterior a esta revolução. No entanto, as
sementes do liberalismo tinham sido lançadas já pela revolução de 20, pelo que D. João VI
preferiu adoptar uma via mais realista e moderada, prometendo ao seu povo a elaboração
de uma Carta Constitucional. Numa proclamação régia de 1823 confessa: "Eu não desejo
nem desejei nunca o poder absoluto, e hoje mesmo o rejeito…". Chegou a haver um projeto
oficial da Carta Constitucional (ao lado de outros), mas o certo é que ele nunca viu a luz do
dia (de alguma forma em resultado de pressões estrangeiras). Só após a sua morte surgiu a
prometida constituição.

17
Quando D. João VI morreu, D. Pedro era na altura Imperador do Brasil — o qual se
tornara independente em Setembro de 1822, embora o reconhecimento oficial só tenha
acontecido em 1825, reconhecimento oficial esse condicionado à instauração de uma união
pessoal (D. Pedro sucederia a seu pai no trono de Portugal). D. Pedro era simultaneamente
o príncipe real de Portugal e por isso a regência aclamou o Imperador do Brasil como Rei de
Portugal. Esta união pessoal não interessava nem a portugueses nem a brasileiros, pelo que
D. Pedro optou por abdicar do trono português a favor da sua filha Maria da Glória. Impôs
contudo algumas condições: que ela casasse com o seu tio D. Miguel e que a Carta
Constitucional, que ele entretanto pensava doar ao seu povo português, fosse posta em
vigor. D. Pedro IV abdicou do trono português dias depois de ter assinado a Carta
Constitucional.
Quanto ao procedimento constituinte utilizado, a Carta Constitucional foi elaborada e
assinada pelo monarca (D. Pedro IV), que depois a outorgou ou doou à Nação. Tratou-se
pois de um genuíno procedimento constituinte monárquico. A designação de Carta
Constitucional permitia, como foi dito, que não se confundisse este tipo de constituição com
aquelas constituições que, elaboradas na sequência das revoluções liberais, foram redigidas
e/ou aprovadas por assembleias eleitas pelo povo.

3. A Constituição de 1838
A Carta Constitucional vigorou até 1828 (primeiro período de vigência: 1826-28).
De 1828 a 1834 verifica-se um período de interregno do regime constitucional com a
tomada do poder por D. Miguel.
Segue-se um período de guerra civil entre liberais (partidários de D. Pedro) e
absolutistas (partidários de D. Miguel). Com a vitória dos liberais, volta a vigorar a Carta
Constitucional (segundo período de vigência: 1834-6).
A Revolução de Setembro de 1836 marca o auge das lutas entre facções liberais,
mais especificamente, entre os vintistas (mais radicais), defensores da Constituição de
1822, e os cartistas (mais conservadores), defensores da Carta Constitucional. Com este
acto revolucionário foi derrubado o Governo conservador do duque da Terceira e a oposição
democrática chegou ao poder com Passos Manuel. É reposta em vigor a Constituição de
1822 (segundo período de vigência: 1836-38).
Quanto ao procedimento constituinte utilizado, A Constituição de 1838 foi elaborada
por uma assembleia constituinte eleita pelo povo — as Cortes Gerais Extraordinárias e
Constituintes.
Inicialmente pretendia-se apenas que as Cortes revissem a Constituição de 1822.
Ulteriormente, porém, ser-lhe-iam concedidos poderes constituintes para fazer uma nova
constituição. Depois de discutida e votada nas Cortes, ela foi submetida à aprovação da

18
Rainha D. Maria II, que a aceitou e jurou. Não resulta absolutamente claro qual o valor
jurídico a atribuir a estes atos da monarca. Segundo Jorge Miranda, tratou-se de uma
verdadeira sanção real e não de atos meramente formais (como o foram a aceitação e
juramento de D. João VI em relação à Constituição de 1822). A feitura do texto
constitucional seria assim o produto de uma cooperação entre as Cortes e a monarca,
resultando pois de um concurso de duas vontades, a real e a parlamentar 14.
Em suma, consoante se atribua ou não valor jurídico constitutivo aos atos praticados
pela monarca, poder-se-á dizer que foi utilizado um procedimento constituinte misto
representativo monárquico (seria, deste modo, uma constituição pactuada) ou um
procedimento constituinte representativo ou indireto.

- O Período do Constitucionalismo Liberal Republicano

1. A Constituição de 1911

A implantação da República na sequência da Revolução de 5 de Outubro de 1910


representa indubitavelmente o momento político mais relevante em termos de antecedentes
condicionadores da feitura da Constituição de 1911. Já antes houvera uma tentativa
importante de implantação da República, a sublevação de 31 de Janeiro de 1891, no Porto.
A crise que afectava a monarquia tradicional já vinha de longe, tendo-se agravado nas
duas últimas décadas do século XIX . Vários foram os acontecimentos histórico-políticos que
comprovaram a decadência do regime monárquico. Entre outros, destacam-se a
supramencionada rebelião no Porto, o Ultimato inglês de 1890, a crise económica e
financeira, a repressão cada vez maior e o regicídio em 1908 — o qual apressaria os
acontecimentos subsequentes.
Quanto ao procedimento constituinte utilizado, foi empregue um procedimento
constituinte representativo ou indireto. A Constituição de 1911 foi elaborada e aprovada por
uma assembleia constituinte eleita pelo povo — Assembleia Nacional Constituinte. Esta
assembleia especial não se limitou a elaborar o texto constitucional, tendo-o também
aprovado. Representa, deste modo, uma assembleia constituinte soberana.

- O período do Estado autoritário e corporativo

1. A Constituição de 1933
A revolução de 28 de Maio de 1926 deu início a um período de Ditadura militar que
durou até 1933. Esta nova experiência revolucionária pode ser vista, em termos genéricos,
como uma tentativa de combater as deformações do regime parlamentar causadas pela

19
prática política. Mais especificamente, o principal objectivo a alcançar era o de pôr termo à
grande instabilidade política que marcou a Iª República, em especial, a frequência das crises
ministeriais (em 15 anos, 44 Governos), causada, em grande medida, por uma certa
imaturidade e competição desenfreada entre os vários partidos políticos. A indisciplina
partidária (constantes cisões, fusões e uniões) e também parlamentar (coligações débeis,
hábito de o Governo se demitir sempre que era posto em causa pelas câmaras)
influenciaram o novo regime, o qual preconizava, entre outras coisas, um executivo forte e a
inexistência de partidos.
Este foi, na história constitucional portuguesa, o caso em que houve uma mais
dilatada separação temporal entre o acto revolucionário e a feitura da constituição (a
revolução ocorreu em 26 e só em 31 foi decidido fazer-se uma nova constituição, a qual, por
sua vez, só entraria em vigor em 1933). Isto ficou a dever-se a uma certa indefinição quanto
ao futuro político do país. Com efeito, havia quem entendesse que a Ditadura devia ser um
período transitório prévio e preparatório da instauração de um novo regime. Havia,
inversamente, quem entendesse que ela própria era um regime, o melhor regime para o
país.
Quanto ao procedimento constituinte utilizado, em virtude do forte sentimento anti-
parlamentarista que se fazia sentir na época, optou-se por um procedimento constituinte
direto.
Foi criado um Conselho Político Nacional ao qual caberia, entre outras coisas, apreciar
projetos de constituição que fossem apresentados. Circunstâncias políticas várias fizeram
com que o órgão mencionado apenas tivesse feito incidir a sua atuação no projeto de
Oliveira Salazar (então Ministro das Finanças), elaborado com a colaboração de algumas
personalidades conhecidas do meio político e do meio universitário (v.g., Fezas Vital,
Quirino de Jesus, Marcello Caetano).
Apreciado e aceite pelo Conselho Político Nacional, em seguida publicitado nos
jornais, o projeto de constituição seria ulteriormente submetido a uma consulta popular
(plebiscito a nível nacional realizado em 19 Março de 1933). De acordo com os resultados
oficiais, a maioria dos portugueses (não esquecendo as limitações existentes em matéria de
sufrágio) aceitou o projeto, tendo posteriormente entrado em vigor a nova constituição.

- O Período do Constitucionalismo Democrático

1. A Constituição de 1976
A revolução de 25 de Abril de 1974 foi levada a cabo pelo MFA (Movimento das
Forças Armadas), que posteriormente entregou o poder a uma Junta de Salvação

20
Nacional (JSN) — órgão revolucionário — presidida pelo General António de Spínola.
O objectivo declarado deste ato revolucionário era o da ruptura com o regime autoritário e
corporativo anterior e o da consequente instauração de um regime democrático. O processo
revolucionário conheceu várias fases:
1ª fase — de 25 de Abril a 11 de Março 1975: a confusão e indefinição iniciais do
regime;
2ª fase — de11 de Março 1975 a 25 de Novembro de 1975: as nacionalizações e o
clima de pré-guerra civil;
3ª fase — de 25 de Novembro de 1975 em diante: a imposição e consolidação de um
regime democrático pluralista com tendências descentralizadoras.
Quanto ao procedimento constituinte utilizado, Foi empregue um procedimento
constituinte representativo ou indireto, com o que este passou a ser o procedimento
constituinte tradicional em Portugal. A opção por este tipo de procedimento foi feita pelo
MFA, e estava contida na proclamação distribuída em 25 de Abril de 1974 e ainda no
Programa daquele movimento.
Foi então eleita pelos portugueses uma assembleia constituinte com poderes
soberanos para elaborar e aprovar o projeto de constituição (Assembleia Nacional
Constituinte).
Particular relevo assumiram as Plataformas de acordo constitucional celebradas entre
o MFA e os partidos políticos e, igualmente, a Comissão de acompanhamento do MFA.

CONSTITUIÇÕES PROCEDIMENTO CONSTITUINTE


Constituição de 1822 Representativo com Assembleia Constituinte
Soberana
Carta Constitucional de 1826 Monárquico com Carta Outorgada
Constituição de 1838 Representativo com Assembleia Constituinte
Soberana versus Monárquico Pactuado
Constituição de 1911 Representativo com Assembleia Constituinte
Soberana
Constituição de 1933 Direto por Plebiscito
Constituição de 1976 Representativo com Assembleia Constituinte
Soberana

NOTA GERAL.: A história constitucional portuguesa encontra-se profundamente marcada


pela descontinuidade constitucional formal.

21
- Características Formais da Constituição de 1976

1. Constituição Unitextual
O direito constitucional forma está contido num único instrumento, assim, tudo o que é
constitucional em termos formais está na Constituição. Note-se que esta unitextualidade
deriva da não existência de leis de “emenda” da Constituição fora do texto constitucional,
pois as alterações resultantes das leis constitucionais de revisão encontram-se nele
incluídas.
Artigo 287.º/1
As alterações da Constituição serão inseridas no lugar próprio, mediante as substituições, supressões e os
aditamentos necessários.
Por outro lado, resulta também da inexistência de leis com valor constitucional ao lado
da Constituição.

2. Constituição Rígida
A rigidez traduz-se na atribuição às normas constitucionais de uma capacidade de
resistência à derrogação superior à de qualquer lei ordinária (artigos 284.º a 289.º). Este
aspeto conhece o seu sentido na necessidade de garantir a identidade da constituição sem
impedir, no entanto, o desenvolvimento constitucional. Assim, o conceito de rigidez é
sinónimo de garantia contra mudanças constantes e imprevistas ao sabor das maiorias
legislativas transitórias.

3. Constituição Longa
De facto, o objetivo da CRP de 1976 foi o de não apenas organizar e limitar o poder,
mas também o de conformar finalisticamente esse poder através da introdução de normas-
tarefa e normas-fim. A isto acresce um desenvolvido catálogo de direitos fundamentais
onde, ao lado dos direitos clássicos de liberdade, aparecem desenvolvidamente regulados
direitos da nossa contemporaneidade. Neste sentido, note-se a CRP é longa como resultado
da compreensão da lei fundamental como lei material fundamental de um Estado
supervisionador de uma sociedade pluralista e complexa.

4. Constituição Programática
O teor programático da CRP resulta do facto de dispor de numerosas normas-tarefa e
normas-fim, definidoras de programas de ação e de linhas de orientação dirigidas ao
Estado.
Artigo 9.º
São tarefas fundamentais do Estado:

22
a) Garantir a independência nacional e criar as condições políticas, económicas, sociais e culturais que a
promovam;
b) Garantir os direitos e liberdades fundamentais e o respeito pelos princípios do Estado de direito
democrático;
c) Defender a democracia política, assegurar e incentivar a participação democrática dos cidadãos na
resolução dos problemas nacionais;
d) Promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo e a igualdade real entre os portugueses, bem
como a efetivação dos direitos económicos, sociais, culturais e ambientais, mediante a transformação e
modernização das estruturas económicas e sociais;
e) Proteger e valorizar o património cultural do povo português, defender a natureza e o ambiente,
preservar os recursos naturais e assegurar um correto ordenamento do território;
f) Assegurar o ensino e a valorização permanente, defender o uso e promover a difusão internacional da
língua portuguesa;
g) Promover o desenvolvimento harmonioso de todo o território nacional, tendo em conta,
designadamente, o carácter ultraperiférico dos arquipélagos dos Açores e da Madeira;
h) Promover a igualdade entre homens e mulheres.

5. Constituição Compromissória
Numa sociedade plural e complexa, a constituição é sempre um produto do “pacto”
entre forças políticas e sociais. A título de exemplo, note-se o compromisso entre o princípio
liberal e o princípio socialista, entre a visão personalista-individual dos direitos, liberdades e
garantias e uma perspetiva dialético-social dos direitos económicos, sociais e culturais, entre
outros. Neste sentido, globalmente considerados, os compromissos constitucionais
possibilitaram um projeto constitucional que tem servido para resolver razoavelmente os
problemas suscitados pelo pluralismo político, pela complexidade social e pela democracia
conflitual. É este caráter dinâmico que está na base dos sucessivos compromissos obtidos
em sede de revisão.

- Evolução da Constituição de 1976 (exercício do poder constituinte derivado)


Revisão Revisão Revisão Revisão Revisão Revisão Revisão
Ordinária Ordinária Extraordiná Ordinári Extraordinár Ordinári Extraordiná
de 1982 de 1989 ria de 1992 a de ia de 2001 a de ria de 2005
1997 2004
Fim das Reversibilida A caminho de Reforma Internacionaliza Aprofundou Permitiu a
metanarrativ de da uma do sistema ção da a realização de
as e da constituição constituição político e constituição autonomia referendo sobre
legitimação económica regional em “reacender penal político- a aprovação de
revolucionár virtude da ” da administrati tratado que
ia cláusula questão va das vise a
europeia constitucio regiões construção e o
nal autónomas aprofundament
dos Açores
o da União
e da
Europeia.
Madeira

23
- Garantia da Constituição e Revisão Constitucional
Vide página 6, sobre a vinculação do poder constituinte.

- Princípio Fundante da Constituição de 1976


Artigo 1.º
Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e
empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária.
Deste princípio, decorre:
• A proibição da pena de morte;
Artigo 24.º/2
Em caso algum haverá pena de morte.

• A proibição da prisão perpétua;


Artigo 30.º/1
Não pode haver penas nem medidas de segurança privativas ou restritivas da liberdade com caráter
perpétuo ou de duração ilimitada ou indefinida.

• A proibição da tortura;
Artigo 25.º/2
Ninguém pode ser submetido a tortura, nem a tratos ou penas cruéis, degradantes ou desumanos.

• Direito a um mínimo de condições para uma existência condigna.


Acórdão nº 509/2002 do Tribunal Constitucional
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20020509.html

O PRINCÍPIO DO ESTADO DE DIREITO

- Dimensões Formais e Materiais

1. Juridicidade
No que diz respeito a este critério, note-se que o direito emerge, aqui, como um meio
de ordenação racional e vinculativa de uma comunidade organizada e, para cumprir esta
função ordenadora, o direito estabelece regras e medidas, prescreve formas e
procedimentos e cria instituições. Assim, compreende-se o caráter pluridimensional do
Estado de Direito que, em termos de forma, organiza o poder político, em termos de
procedimento, estabelece o modo de exercício do poder político e, por último, em termos de
conteúdo, caracteriza o núcleo da atuação do poder político que se expressa materialmente
na transparência de valores políticos, económicos, sociais e culturais.
Por outro lado, o Estado de Direito aparece aqui também como um “Estado de
Distância”, garantindo uma diferenciação do indivíduo através do direito perante os poderes
públicos, assegurando-lhe um estatuto subjetivo essencialmente constituído pelo catálogo
de direitos, liberdades e garantias pessoais. Por outras palavras, de acordo com Kloepfer,

24
garante os indivíduos perante o Estado e os outros indivíduos, além de lhes assegurar,
positivamente, um irredutível espaço subjetivo de autonomia marcado pela diferença e
individualidade.
Por último, note-se, ainda, que o Estado de Direito, ao tomar este princípio, emerge
também como um Estado de Justiça, no entanto, compreender a diferença entre um Estado
de Direito e um Estado de Direito Justo depende da esfera de justiça que se pretenda
reconhecer. Assim, a justiça fará parte da própria ideia de direito e esta concretizar-se-á
através de princípios jurídicos materiais cujo denominador comum se reconduz à afirmação
e respeito da dignidade da pessoa humana, à proteção da liberdade e desenvolvimento da
personalidade e à realização da igualdade.
Acórdão do Tribunal Constitucional 132/91 (???)

2. Constitucionalidade
Antes de mais, note-se que um Estado de Direito é um Estado Constitucional. Neste
sentido, note-se que a ideia de Estado Constitucional pressupõe a existência de uma
constituição normativa, estruturante da de uma ordem jurídico-normativa fundamental
vinculativa de todos os poderes públicos.
Assim, a Constituição espelha uma verdadeira ordenação normativa fundamental e
dotada de supremacia: supremacia/primazia da constituição. Por conseguinte, consagra-se
tanto a vinculação do legislados, como de todos os atos do estado à constituição. Neste
sentido, a vinculação do legislador à constituição sugeres a indispensabilidade de as leis
serem feitas pelo órgão, terem a forma e seguirem o procedimento nos termos
constitucionalmente fixados. Por outro lado, a vinculação de todos os atos do estado à
constituição exige a conformidade intrínseca e formal de todos os atos dos poderes
públicos1, mesmo os atos não normativos diretamente densificadores de momentos políticos
da constituição2, com as normas da Constituição.
(1)
Artigo 3.º/2
O Estado subordina-se à Constituição e funda-se na legalidade democrática.
(2)
Artigo 3.º/3
A validade das leis e dos demais atos do Estado, das regiões autónomas, do poder local e de quaisquer outras
entidades públicas depende da sua conformidade com a Constituição.
Noutro plano, note-se que, imanente à dimensão constitucional do Estado de Direito,
está a ideia de reserva de constituição que significa que determinadas questões
respeitantes ao estatuto jurídico do político não devem ser reguladas por leis ordinárias, mas
sim pela Constituição. Neste sentido, esta ideia desdobra-se em dois princípios
fundamentais para a sua concretização: o princípio da tipicidade constitucional de
competências e o princípio da constitucionalidade da restrição de direitos, liberdades e
garantias. Com efeito, o primeiro diz respeito às funções e competências dos órgãos

25
constitucionais do poder político que devem ser, exclusivamente, constituídas pela
constituição, ou seja, todas as funções e competências devem ter fundamento na
constituição e reconduzir-se às normas constitucionais de competência. Assim, os órgãos do
estado só têm competência para fazer aquilo que a constituição lhes permite1. Por outro
lado, o segundo princípio determina que as restrições no âmbito dos direitos, liberdades e
garantias, apenas podem ser feitas diretamente pela constituição ou através de lei, mediante
autorização constitucional expressa e nos casos previstos pela constituição1.
(1)
Artigo 111.º/2
Nenhum órgão de soberania, de região autónoma ou de poder local pode delegar os seus poderes noutros
órgãos, a não ser nos casos e nos termos expressamente previstos na Constituição e na lei.
(2)
Artigo 18.º/2
A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição,
devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses
constitucionalmente protegidos.
Por último, a constituição possui também força normativa, pelo que quando existe uma
normação jurídico-constitucional ela não poder ser postergada quaisquer que sejam os
pretextos invocados. No entanto, de acordo com Hesse, note-se também que a força
normativa da constituição expressa-se na inexistência de diferenciação valorativa das
normas constitucionais. Por conseguinte, a força normativa da constituição afirma-se contra
a dissolução político-jurídica.

3. Sistema de Direitos Fundamentais


No que diz respeito ao sistema dos direitos fundamentais, a consagração da dignidade
da pessoa humana(1) e a garantia de efetivação dos direitos e liberdades fundamentais (2)

articula-se, necessariamente, com uma base antropológica constitucionalmente estruturante


do Estado de Direito.
(1)
Artigo 1.º
Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e
empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária.
(2)
Artigo 2.º
A República Portuguesa é um Estado de Direito Democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de
expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia da efetivação dos direitos e
liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia
económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa.
Por outro lado, note-se, ainda, que a CRP reconhece, na densificação dos direitos,
liberdades e garantias, que o Homem assume várias facetas. Neste sentido, o homem
apresenta-se como pessoa humana (artigos 24º., 25.º, 26.º), como cidadão (artigos 48.º,
49.º, 50.º, 51.º e 52.º), como trabalhador (artigos 53.º, 54.º, 55.º, 56.º e 57.º) e como
administrado (artigo 268.º).

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4. Democraticidade
(REMISSÃO PARA AULAS FUTURAS)

5. Divisão de Poderes
De facto, a constitucionalidade do Estado de Direito transporta já uma dimensão
político-organizatória da sociedade, pelo que o princípio da separação de poderes encontra-
se, desde logo, imanente a esta dimensão.
Assim, a separação dos poderes deve ser compreendida numa dimensão positiva,
enquanto responsabilidade pelo poder, e numa dimensão negativa, enquanto limite do
poder. Neste sentido, a dimensão positiva deste princípio assegura uma justa e adequada
separação ordenação das funções do Estado. Por outro lado, a sua dimensão negativa
assegura a garantia e proteção da esfera jurídico-subjetiva dos indivíduos e evita a
concentração do poder.
Noutro plano, esta dimensão pode também ser entendido enquanto divisão horizontal
dos poderes, desdobrando-se em dois princípios: político-organizatório e normativo
autónomo. Com efeito, o princípio político-organizatório determina a necessidade da
separação funcional dos poderes por diferentes órgãos, no entanto, esta separação, não
sendo absoluta, consagra a interdependência (checks and balances) entre estes mesmo
(1)
órgãos, possibilitando o seu controlo recíproco . Por outro lado, o princípio normativo
autónomo consagra a salvaguarda do núcleo essencial de competências, sendo que os
desvios do princípio da separação dos poderes só são legítimos, na medida em que não
interfiram com o núcleo essencial da ordenação constitucional de poderes, já que a sua
violação pode pôr em causa todo o sistema de legitimação, responsabilidade, controlo e
sanção, definido no texto constitucional.
(1)
Artigo 111.º/1
Os órgãos de soberania devem observar a separação e a interdependência estabelecidas na Constituição.
A dimensão da separação dos poderes do Estado de Direito consagra ainda a
separação pessoal de poderes, sendo que lhe é inerente o princípio fundamentador de
incompatibilidade, determinando a consagração da separação pessoal de poderes ou
funções.
Artigo 216.º/3
Os juízes em exercício não podem desempenhar qualquer outra função pública ou privada, salvo as funções
docentes ou de investigação científica de natureza jurídica, não remuneradas, nos termos da lei.
Por fim, existe, ainda, uma divisão vertical dos poderes que reconhece tanto a garantia
(1) (2)
da autonomia regional , como a garantia da autonomia local , pelo que esta divisão
funciona como forma de descentralização administrativa, limitando o poder unicitário e
conformador do Estado e como forma de separação entre o estado e a sociedade civil.

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(1) e (2)
Artigo 6.º
1. O Estado é unitário e respeita na sua organização e funcionamento o regime autonómico insular e os
princípios da subsidiariedade, da autonomia das autarquias locais e da descentralização democrática da
administração pública.
2. Os arquipélagos dos Açores e da Madeira constituem regiões autónomas dotadas de estatutos político-
administrativos e de órgãos de governo próprio.
(1)
Artigo 225.º
1. O regime político-administrativo próprio dos arquipélagos dos Açores e da Madeira fundamenta-se nas suas
características geográficas, económicas, sociais e culturais e nas históricas aspirações autonomistas das
populações insulares.
2. A autonomia das regiões visa a participação democrática dos cidadãos, o desenvolvimento económico-social
e a promoção e defesa dos interesses regionais, bem como o reforço da unidade nacional e dos laços de
solidariedade entre todos os portugueses.
3. A autonomia político-administrativa regional não afecta a integridade da soberania do Estado e exerce-se no
quadro da Constituição.
(2)
Artigo 235.º
1. A organização democrática do Estado compreende a existência de autarquias locais.
2. As autarquias locais são pessoas colectivas territoriais dotadas de órgãos representativos, que visam a
prossecução de interesses próprios das populações respectivas.

6. Sustentabilidade Ambiental

- Subprincípios Concretizadores do Princípio do Estado de Direito

1. Princípio da Legalidade da Administração


Este princípio desdobra-se em dois princípios, nomeadamente, o princípio da
prevalência da lei e o princípio da reserva de lei, que, conjuntamente, são válidos no sentido
em que a lei parlamentar é a expressão privilegiada do princípio democrático e o
instrumento mais apropriado e seguro para definir os regimes de certas matérias, sobretudo
dos direitos fundamentais e da vertebração democrática do Estado, apontando para a
vinculação jurídico-constitucional do poder executivo.
Em termos específicos, o princípio da prevalência da lei significa que a lei deliberada e
aprovada pelo Parlamento tem superioridade e preferência relativamente a atos da
administração. Por outro lado, este princípio, numa dimensão positiva, impõe à
administração a adoção de medidas necessárias e adequadas ao cumprimento da lei
(exiquência da lei), numa dimensão negativa, proíbe a administração a prática de atos
contrários à lei (proibição de desrespeito da lei).
Noutro plano, note-se que à luz da Constituição existem matérias de competência
exclusiva da Assembleia da República1, do governo2 e, ainda, matérias que são de

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competência legislativa concorrentes, sendo estas matérias que tanto a Assembleia da
República como o Governo podem legislar, segundo os mesmos termos.
(1)
Artigo 174.º
1. A sessão legislativa tem a duração de um ano e inicia-se a 15 de Setembro.
2. O período normal de funcionamento da Assembleia da República decorre de 15 de Setembro a 15 de Junho,
sem prejuízo das suspensões que a Assembleia deliberar por maioria de dois terços dos Deputados presentes.
3. Fora do período indicado no número anterior, a Assembleia da República pode funcionar por deliberação do
Plenário, prorrogando o período normal de funcionamento, por iniciativa da Comissão Permanente ou, na
impossibilidade desta e em caso de grave emergência, por iniciativa de mais de metade dos Deputados.
4. A Assembleia pode ainda ser convocada extraordinariamente pelo Presidente da República para se ocupar de
assuntos específicos.
5. As comissões podem funcionar independentemente do funcionamento do Plenário da Assembleia, mediante
deliberação desta, nos termos do n.º 2.
(1)
Artigo 175.º
Compete à Assembleia da República:
a) Elaborar e aprovar o seu Regimento, nos termos da Constituição;
b) Eleger por maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções o seu Presidente e os
demais membros da Mesa, sendo os quatro Vice-Presidentes eleitos sob proposta dos quatro
maiores grupos parlamentares;
c) Constituir a Comissão Permanente e as restantes comissões.

(2)
Artigo 198.º/2
É da exclusiva competência legislativa do Governo a matéria respeitante à sua própria organização e
funcionamento.
Com efeito, o princípio da reserva de lei consigna, por um lado, que as restrições de
direitos, liberdade e garantias só podem ser feitas por lei ou mediante autorização desta e,
por outro lado, o regime jurídico de certas matérias são de competência exclusiva da
Assembleia da República. Contudo, estas matérias podem ser de reserva absoluta1 ou
reserva relativa2, sendo que as primeiras apenas a Assembleia da República pode legislar
sobre, enquanto que as segundas, apesar de serem de competência exclusiva deste órgão,
mediante autorização da Assembleia da República, o Governo poderá legislar sobre as
mesmas. Para este último processo, a Assembleia da República deverá emanar uma lei de
autorização legislativa 3.
(1)
Artigo 164.º
É da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as seguintes matérias:
a) Eleições dos titulares dos órgãos de soberania;
b) Regimes dos referendos;
c) Organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional;
d) Organização da defesa nacional, definição dos deveres dela decorrentes e bases gerais da
organização, do funcionamento, do reequipamento e da disciplina das Forças Armadas;
e) Regimes do estado de sítio e do estado de emergência;
f) Aquisição, perda e reaquisição da cidadania portuguesa;

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g) Definição dos limites das águas territoriais, da zona económica exclusiva e dos direitos de Portugal
aos fundos marinhos contíguos;
h) Associações e partidos políticos;
i) Bases do sistema de ensino;
j) Eleições dos deputados às Assembleias Legislativas das regiões autónomas;
l) Eleições dos titulares dos órgãos do poder local ou outras realizadas por sufrágio directo e universal,
bem como dos restantes órgãos constitucionais;
m) Estatuto dos titulares dos órgãos de soberania e do poder local, bem como dos restantes órgãos
constitucionais ou eleitos por sufrágio directo e universal;
n) Criação, extinção e modificação de autarquias locais e respectivo regime, sem prejuízo dos poderes
das regiões autónomas;
o) Restrições ao exercício de direitos por militares e agentes militarizados dos quadros permanentes em
serviço efectivo, bem como por agentes dos serviços e forças de segurança;
p) Regime de designação dos membros de órgãos da União Europeia, com excepção da Comissão;
q) Regime do sistema de informações da República e do segredo de Estado;
r) Regime geral de elaboração e organização dos orçamentos do Estado, das regiões autónomas e das
autarquias locais;
s) Regime dos símbolos nacionais;
t) Regime de finanças das regiões autónomas;
u) Regime das forças de segurança;
v) Regime da autonomia organizativa, administrativa e financeira dos serviços de apoio do Presidente
da República.
(2)
Artigo 165.º
1. É da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as seguintes matérias, salvo
autorização ao Governo:
a) Estado e capacidade das pessoas;
b) Direitos, liberdades e garantias;
c) Definição dos crimes, penas, medidas de segurança e respectivos pressupostos, bem como
processo criminal;
d) Regime geral de punição das infracções disciplinares, bem como dos actos ilícitos de mera
ordenação social e do respectivo processo;
e) Regime geral da requisição e da expropriação por utilidade pública;
f) Bases do sistema de segurança social e do serviço nacional de saúde;
g) Bases do sistema de protecção da natureza, do equilíbrio ecológico e do património cultural;
h) Regime geral do arrendamento rural e urbano;
i) Criação de impostos e sistema fiscal e regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a
favor das entidades públicas;
j) Definição dos sectores de propriedade dos meios de produção, incluindo a dos sectores básicos nos
quais seja vedada a actividade às empresas privadas e a outras entidades da mesma natureza;
l) Meios e formas de intervenção, expropriação, nacionalização e privatização dos meios de produção e
solos por motivo de interesse público, bem como critérios de fixação, naqueles casos, de
indemnizações;
m) Regime dos planos de desenvolvimento económico e social e composição do Conselho Económico
e Social;

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n) Bases da política agrícola, incluindo a fixação dos limites máximos e mínimos das unidades de
exploração agrícola;
o) Sistema monetário e padrão de pesos e medidas;
p) Organização e competência dos tribunais e do Ministério Público e estatuto dos respectivos
magistrados, bem como das entidades não jurisdicionais de composição de conflitos;
q) Estatuto das autarquias locais, incluindo o regime das finanças locais;
r) Participação das organizações de moradores no exercício do poder local;
s) Associações públicas, garantias dos administrados e responsabilidade civil da Administração;
t) Bases do regime e âmbito da função pública;
u) Bases gerais do estatuto das empresas públicas e das fundações públicas;
v) Definição e regime dos bens do domínio público;
x) Regime dos meios de produção integrados no sector cooperativo e social de propriedade;
z) Bases do ordenamento do território e do urbanismo;
aa) Regime e forma de criação das polícias municipais.
Artigo 165.º/2
As leis de autorização legislativa devem definir o objecto, o sentido, a extensão e a duração da autorização, a
qual pode ser prorrogada.

FIM

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