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ANÁLISE

Nº 41/2018

A agenda política e as “guerras


culturais” para evangélicos e católicos

Esther Solano, Pablo Ortellado,


Marcio Moretto e Leandro Ortunes

MARÇO DE 2018

No Brasil existe, hoje, um clima de “guerras culturais”, devido à crescente centra-


lidade no debate público de temas morais como o aborto, a legalização das drogas,
o aumento de penas para criminosos, direitos das mulheres, punitivísmo, valores
religiosos, racismo, família ou o casamento homoafetivo e os direitos LGBT. Nes-
se texto, expomos o resultado de duas pesquisas focalizadas no público católico e
evangélico na base de um questionário com o objetivo de entender a adesão das
populações investigadas a essas temáticas morais. Escolhemos a Marcha para Jesus e
a peregrinação para o Santuário da Virgem Nossa Senhora de Aparecida.

Constatamos que o “rosto” do Brasil está mais representado na Marcha para Jesus
do que nas manifestações das mobilizações políticas polarizadas ou em Aparecida.
Os jovens, por exemplo, não estão nas manifestações da polarização, mas estão na
Marcha para Jesus. A Marcha expressa um certo conservadorismo típico da socie-
dade brasileira que é um pouco equilibrado por algumas poucas posições mais pro-
gressistas. A grande presença de jovens no evento talvez explique a adesão à opiniões
feministas, principalmente.

Dentre os evangelicos entrevistados, uma maioria de 76,9% se disse não se iden-


tificar com nenhum partido político. A confiança em legendas como o PSC (1,2%)
e o PRB (0,4%), principais partidos dos políticos evangélicos, é surpreendentemente
baixo. A Bancada Evangélica é pouco conhecida e pouco considerada como repre-
sentativa entre fiéis presentes na marcha. Apenas 20,05% afirmaram que a bancada
os representa.

Dentre os católicos, assim como os evangélicos, a maioria se define como conser-


vadora: 39,6% como muito conservadores e apenas 19,3% como nada conservado-
res. Sobre a intenção de voto para 2018, os votos nulos e brancos são os primeiros
colocados, seguidos de Lula e Bolsonaro, como nas pesquisas nacionais.

Uma diferença marcante entre os grupos que participaram da Marcha para Jesus
e da peregrinação para Aparecida é a idade. Aqueles que participaram do evento
evangélico são consideravelmente mais jovens, a média de idade foi de 34 anos con-
tra 44 dos católicos.
Sumário

Apresentação 3

Marcha para Jesus 4


O “rosto” do Brasil e stá mais representado na Marcha para Jesus do que nas
manifestações das mobilizações polarizadas 4
Os jovens não estão nas manifestações da polarização, mas estão na Marcha
para Jesus 4
Embora algumas lideranças evangélicas falem de política, para os fiéis a Marcha
para Jesus não foi política 4
Os evangélicos presentes na Marcha para Jesus confiam pouco nas principais
lideranças evangélicas e nada nos partidos evangélicos 4
Os evangélicos presentes na Marcha para Jesus discordam da postura neoliberal
da bancada evangélica 5
São menos fundamentalistas que os políticos da bancada evangélica 5
Grupos evangélicos e a política: o voto e a representatividade 7

Evangélicos e católicos 10
A AGENDA POLÍTICA E AS “GUERRAS CULTURAIS” PARA EVANGÉLICOS E CATÓLICOS

Apresentacão ção entre algumas denominações. No entanto,


algumas diferenças marcantes entre os evangé-
No Brasil existe, hoje, o que podemos chamar licos são percebidas em sua teologia, como seu
de um clima de “guerras culturais”. Entende- posicionamento moral e sua visão de mundo.
mos por “guerras culturais” a crescente cen- Neste sentido, a classificação defendida por
tralidade no debate público de temas morais Freston1 fornece uma ferramenta de análise
como o aborto, a legalização das drogas, o au- importante para diferenciar as principais linhas
mento de penas para criminosos e o casamen- do pensamento evangélico no Brasil. Segundo
to homoafetivo. o autor, três ondas de evangelização marcaram
a formação do campo religioso brasileiro: Pro-
No esforço para compreender a maneira pela testantes históricos no século XIX (Batistas,
qual as chamadas “guerras culturais” estão Metodistas, Presbiterianos), os Pentecostais na
impactando o debate público, realizamos pes- década de 10 (Congregação Cristã do Brasil,
quisas focalizadas em diferentes populações Assembleia de Deus, Evangelho Quadrangu-
mobilizadas.
lar) e o Neopentecostalismo na década de 70
(Igreja Universal do Reino de Deus, Interna-
A partir de um conjunto de afirmações que
cional da Graça dentre outras). Além destas
expressam os temas morais mais recorrentes,
ondas, com o avanço do neopentecostalismo,
que identificamos em um levantamento de
diversas igrejas independentes, muitas com
artigos de opinião nos três grandes jornais
brasileiros nos últimos 20 anos, construímos apenas um local de culto, surgiram no Brasil.
um questionário com o objetivo de entender Estas comunidades, em sua maioria, compac-
a adesão das populações investigadas a essas tuam com a teologia pentecostal ou neopen-
novas temáticas morais: direitos das mulhe- tecostal, embora algumas possam ter carac-
res, punitivismo, valores religiosos, direitos terísticas do protestantismo em sua teologia,
LGBT, racismo, família, política de drogas. nenhuma delas pode ser considerada como
protestante histórica. Por este motivo, além
Antes da Marcha para Jesus e a peregrinação da sugestão de Freston, também utilizamos a
para o Santuário da Virgem Nossa Senhora categoria Comunidades Independentes para
de Aparecida, investigamos a opinião dos par- estas igrejas, uma vez que elas não pertencem
ticipantes de um protesto contra a corrupção ao que chamamos de Pentecostalismo Clássico
e a favor da Lava-Jato, em 26 de março de ou Neopentecostalismo Clássico, que são for-
2017, outro contra a reforma da previdência mados por igrejas com diversas filiais e funda-
em 31 de março de 2017 -, aplicando o mes- das no período citado acima. No caso da Mar-
mo formulário nos quatro eventos. cha, o espectro religioso era majoritariamente
de fiéis da Renascer: 59,9% dos entrevistados
Aproveitando a presença de tantos fiéis, apli- eram desta igreja, 11,2% eram da Assembleia
camos nosso questionário em 484 evangélicos de Deus e os demais se dividiram entre outras
e 363 católicos, maiores de 16 anos, na Mar- denominações como a Batista, a Igreja Univer-
cha de Jesus e em Aparecida, respectivamente. sal do Reino de Deus e católicos.
Classificar grupos evangélicos em categorias é
sempre um desafio para o pesquisador, princi-
palmente devido ao crescente número de igre- 1. FRESTON, Paul. Protestantismo e política no Brasil: da cons-
tituinte ao impeachment. Tese de doutorado apresentada no de-
jas que surgem no Brasil e a própria imbrica- partamento IFCH da UNICAMP. Campinas, 1993.

3
A AGENDA POLÍTICA E AS “GUERRAS CULTURAIS” PARA EVANGÉLICOS E CATÓLICOS

Incorporamos também a análise efetuada em idade dos eventos era de mais de 40 anos; na
um outro levantamento realizado na Marcha Marcha, porém, 26,7% dos presentes tinham
para Jesus de 2016, com foco nessa diversi- de 16 a 24 anos e 25,6% de 24 a 34.
dade de grupos evangélicos e nas preferências
Perfil etário
eleitorais dos mesmos.
Ato a favor da Lava-Jato

Marcha para Jesus


Ato contra as reformas liberais
O “rosto” do Brasil está mais
representado na Marcha para Jesus do
que nas manifestações das mobilizações Marcha para Jesus
polarizadas
Na manifestação pró-Lava Jato do dia 26 de
março de 2017, 42,9% dos presentes tinham 54/90 anos 44/54 anos 34/44 anos
renda familiar de até 5 salários mínimos. Na 24/34 anos 16/24 anos
manifestação contra a reforma da previdên-
cia, em 31 de março, esse percentual era de Embora algumas lideranças evangélicas
55,6%. Na Marcha para Jesus, 75,8% tinham falem de política, para os fiéis a Marcha
renda nesta faixa. para Jesus não foi política
A Marcha para Jesus é um momento de ce-
Perfil econômico lebração da fé. Durante as mais de sete horas
Ato a favor da Lava-Jato que a equipe de pesquisa esteve presente, não
foram observados cartazes com conteúdo po-
lítico, nem ouvidas conversas sobre temas de
Ato contra as reformas liberais
atualidade política. O apóstolo Estevam Her-
nandes, líder da Igreja Renascer em Cristo,
aproveitou a Marcha para convocar uma ora-
Marcha para Jesus
ção coletiva pelo fim da corrupção, mas essa
postura política contrastava enormemente
com o que parecia ser o objetivo para os evan-
+20 salários mínimos
gélicos lá presentes: festejar e louvar.
10-20 salários mínimos
5-10 salários mínimos
3-5 salários mínimos Os evangélicos presentes
2-3 salários mínimos na Marcha para Jesus confiam
até 2 salários mínimos pouco nas principais lideranças
evangélicas e nada nos partidos
Os jovens não estão nas manifestações evangélicos
da polarização, mas estão na Marcha Quando perguntados sobre a confiança nas
para Jesus principais lideranças evangélicas, o resultado
Tanto nas manifestações pró e anti-impeach- não é muito promissor: 57% não confiam em
ment de 2015 e 2016, como nas manifestações Marina Silva (REDE), 54% não confiam no
a favor da Operação Lava Jato e contra as refor- pastor Marco Feliciano (PSC). Também não
mas neoliberais do governo Temer, a média de confiam (57%) no pré-candidato à presidên-

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A AGENDA POLÍTICA E AS “GUERRAS CULTURAIS” PARA EVANGÉLICOS E CATÓLICOS

cia Jair Bolsonaro (PSC a caminho do PEN/ O antipetismo, tão presente nas manifestações
Patriotas) ou no atual prefeito de Rio de Ja- anticorrupção (nas quais mais de 80% dos
neiro, Marcello Crivella (PRB) (53,9% não entrevistados se declaram muito antipetista)
confiam). O governador de São Paulo Ge- desta vez divide opiniões: 39,9% se definem
raldo Alckmin (PSDB), próximo da Igreja como nada antipetista e 36,8% como muito
Católica, não tem a confiança de 61% dos antipetista.
entrevistados. Muitos dos entrevistados dis-
seram que confiavam neles como “homens Identificação com partidos
de Deus”, mas não como “políticos”.
76,9%

Uma maioria de 76,9% se disse não se iden-


tificar com nenhum partido político. Apenas
7% se identificam muito com PSDB e 5,8%
com o PT. A confiança em legendas como o
PSC (1,2%) e o PRB (0,4%), principais par- 7,0% 5,8%
1,2% 2,1% 4,8%
1,0% 0,8% 0,4%
tidos dos políticos evangélicos, é surpreen- Nenhum PSDB PT PSC PMDB REDE PRB Outro Não sei
dentemente baixo.
Os evangélicos presentes na Marcha
A maioria (66,5%) disse não se reconhecer para Jesus discordam da postura
nem como de direita nem como de esquerda. neoliberal da bancada evangélica
Como em outras manifestações pesquisadas, A bancada evangélica do Congresso Nacio-
as identidades políticas investigadas não têm nal adota uma posição fortemente neoliberal,
grande adesão. Por outro lado, a maior parte apoiando as reformas de ajuste fiscal do go-
dos entrevistados se considera muito conserva- verno Temer e a agenda de estado mínimo.
dora (45,5%) ou pouco conservadora (34.5%). Os fiéis, porém, discordam bastante deste
posicionamento: 86% acreditam que quem
Confiança em lideranças políticas (em %) começou a trabalhar cedo, deve se aposentar
Lula
cedo também, sem que haja uma idade míni-
2 9 84 ma para a aposentadoria, como prevê a refor-
Geraldo Alckmin ma da Previdência. A grande maioria (91%)
4 23 61
não concorda que, mesmo em um momento
Marina Silva
8 24 57 de crise, seja preciso cortar gastos em saúde
Jair Bolsonaro e educação, como pode ser uma das conse-
10 17 57 quências da PEC do teto de gastos, aprovada
Marcelo Crivela no fim do ano passado.
8 16 54

Marco Feliciano
14 20 54 São menos fundamentalistas que os
políticos da bancada evangélica
não respondeu
não sei
Sobre valores, podemos afirmar, um pouco
não conhece esquematicamente, que a Marcha expressa
não confia um certo conservadorismo típico da socieda-
confia pouco de brasileira que é um pouco equilibrado por
confia muito algumas poucas posições mais progressistas.

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A AGENDA POLÍTICA E AS “GUERRAS CULTURAIS” PARA EVANGÉLICOS E CATÓLICOS

A grande presença de jovens no evento talvez Direito das mulheres


explique a adesão à opiniões feministas, prin- A mulher deve ter o direito de usar roupa curta sem ser incomodada
cipalmente.
Não se deve condenar uma mulher que transe com muitas pessoas
Como o resto da população brasileira, a maior
parte dos entrevistados é “punitivista”, ou Cantar uma mulher na rua é ofensivo
seja, considera que é preciso ampliar a puni-
ção para desvios da norma, sobretudo quando A mulher deve ter o direito de usar roupa curta sem ser incomodada
se trata de crime. 83,7% concordam com a
afirmação de que “menores de idade que co- 0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100%
metem crimes devem ir para a cadeia”, 76% não sei
com a afirmação de que “precisamos punir não concorda
os criminosos com mais tempo de cadeia” e concorda
65,9% com a de que “os direitos humanos
atrapalham o combate ao crime”. Punitivismo
O cidadão de bem deve ter o direito de portar arma
Sobre as pautas feministas, a maioria acre-
dita que “cantar uma mulher na rua é ofen-
A pena de morte deve ser aplicada para punir crimes graves
sivo” (70,5%), que “a mulher deve ter o
direito de usar roupa curta sem ser incomo-
Precisamos punir os criminosos com mais tempo de cadeia
dada” (76,4%) e que “não se deve condenar
uma mulher que transe com muitas pessoas”
Menores de idade que cometem crimes devem ir para a cadeia
(63,8%). Já uma grande maioria (90,7%)
discorda que “o lugar da mulher é em casa,
Os direitos humanos atrapalham o combate ao crime
cuidando da família”. No entanto, na con-
tramão dessas posições mais progressistas,
0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100%
61% afirmam que “fazer aborto é sempre
não sei
errado”. não concorda
concorda
Sobre as pautas LGBT, 77,1% concordam
com a afirmação de que “a escola deveria en- Conservadorismo religioso
sinar a respeitar os gays”. Outras questões re- Fazer aborto é sempre errado
levantes para a comunidade LGBT dividem
opiniões: apenas 34,7% concordam que “dois As escolas deveriam ensinar valores religiosos
homens podem se beijar na rua sem serem
importunados” e 33,5% discordam que “a A união de pessoas do mesmo sexo não constitui uma família
união de pessoas do mesmo sexo não consti-
tui uma família”. Os valores religiosos deveriam orientar as leis

Sobre as pautas religiosas, 77,3% afirmam 0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100%
que “a escola deveria ensinar valores religio- não sei
sos” e 75% que os “valores religiosos deve- não concorda
riam orientar as leis”. concorda

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A AGENDA POLÍTICA E AS “GUERRAS CULTURAIS” PARA EVANGÉLICOS E CATÓLICOS

Grupos Evangélicos e a política: o voto e Bancada Evangélica


a representatividade. Representa
Em outro estudo, realizado na Marcha para 20,05%
Jesus em paralelo ao das guerras culturais, Não soube opinar
promovido pelo grupo de pesquisas sobre Mí- 6,37%
dia e Religião da PUC-SP e conduzido por Não representa
Leandro Ortunes, buscamos compreender 27,12%
como os evangélicos se posicionam diante de Não conhece
algumas questões do cenário político brasilei- 39,39%
ro e do pensamento conservador. A pesquisa Indiferente
foi aplicada em 424 participantes 7,08%

Ao questionarmos sobre a representatividade


da Bancada Evangélica, percebemos que, de protestantes) e o maior índice de representati-
forma geral, a bancada é pouco conhecida e vidade está entre os pentecostais (21,05%) (Ver
pouco considerada como representativa entre gráfico abaixo).
fiéis presentes na marcha. Dentre os entrevis-
tados, 39,9% afirmaram que não a conhecem, Este é um dado importante e é reflexo da
27,12% afirmaram que ela não os representa própria composição da Bancada Evangélica.
e apenas 20,05% afirmaram que a bancada os Historicamente, protestantes foram apáticos
representa. na atuação política institucional. Não há um
consenso entre estas igrejas sobre o engaja-
Ao agruparmos as denominações, notamos mento político, sua atuação sempre foi tími-
que o maior índice de rejeição da bancada está da se comparada ao movimento pentecostal e
entre os protestantes históricos (31,71% dos neopentecostal. Além disso, as próprias lide-

Representatividade da Bancada Evangélica (em %)

50,00
46,34
43,36 42,55
42,11
40,00

31,71
30,00 27,21 27,13
25,26
21,05 19,85
20,00 17,07 18,62

10,00
5,26 4,41 6,32 5,15 5,32
2,44 2,44
0
Indiferente Não conhece Não representa Não soube opinar Representa

Históricos Pentecostais Neopentecostais C. independentes

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A AGENDA POLÍTICA E AS “GUERRAS CULTURAIS” PARA EVANGÉLICOS E CATÓLICOS

ranças da bancada no congresso brasileiro que Intenção de voto em Lula


se destacam na mídia, como exemplo, o pas-
tor Marco Feliciano, não cria afinidade com o
Assembléia Renascer
movimento protestante por sua teologia neo- de Deus 9%
pentecostal. Por outro lado, é evidente que os 21%
Católicos
pentecostais compreenderiam em maior esca- Batista 8% Evangelho
9% Quadrangular - 2%
la que a Bancada Evangélica é um instrumen- Igreja da Paz - 2%
to de representatividade. Vale destacar que as Internacional da
Graça - 4%
Igrejas Assembleias de Deus são extremamen- C. Independentes Metodista - 2%
te engajadas na política institucional, elegen- 43%
do candidatos na esfera municipal, estadual e
federal. Atualmente, são 18 parlamentares da
Igreja Assembleia de Deus que pertencem à
bancada evangélica no congresso2. Intenção de voto em Dória

Universal do Reino
Entre as intenções de voto para presidente, de Deus - 2% Adventista - 2%
apresentamos alguns nomes do cenário polí-
tico em 2017 (ver gráfico abaixo).
Renascer
22% Assembléia
Como em outras sondagens, Lula também de Deus
se destacou nesta pesquisa com a maior in- 23%
tenção de votos (12,50%), seguido por João
Dória (11,56%) e Jair Bolsonaro (8,25%). Batista
C. Independentes 10%
41%
2. Disponível em: http://www.diap.org.br/index.php?option=-
com_content&view=article&id=14637-evangelicos-crescem-
-no-congresso-psc-lidera-em-numero-de-parlamentares. Aces-
so em 08/02/2017.

Intenção de voto (em %)


Sergio Moro 4,72
N/S N/R 25,00
Marina Silva 6,37
Lula 12,50
Luciana Genro 0,24
João Dória 11,56
Jair Bolsonaro 8,25
Geraldo Alckmin 1,18
Eduardo Jorge 0,71
Ciro Gomes 1,42
Brancos / nulos 27,36
Aécio Neves 0,71

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A AGENDA POLÍTICA E AS “GUERRAS CULTURAIS” PARA EVANGÉLICOS E CATÓLICOS

No entanto, devemos destacar que a maioria política pública que vise algum tipo de bene-
dos entrevistados não possui um candidato fício para classes menos favorecidas. E neste
ou pretende votar em branco/nulo (52,36%). sentido, ao questionarmos sobre o programa
A maior concentração das intenções de voto Bolsa Família encontramos um ponto muito
para Lula está nas comunidades independen- interessante. De forma geral, os evangélicos
tes e nas Assembleias de Deus, ou seja, mais são favoráveis ao programa, 64% concordam
presente entre os pentecostais e neopentecos- com a implementação desta política pública
tais (ver gráficos de pizza ao lado). e 31% são contra. Porém ao analisar em gru-
pos, percebemos que o maior índice contrário
Por outro lado, nas intenções de voto para ao Bolsa Família está entre neopentecostais
João Dória encontramos um aumento em re- com 37%.
lação a Lula, entre os Batistas e os da Igreja Bolsa famíla (em %)
Renascer em Cristo.
C. independentes 65 3
Buscando compreender essa relação, principal-
Neopentecostais 53 10
mente entre os membros da igreja Renascer em
Cristo com as intenções de voto, analisamos Pentecostais 72 2
outros dados dos entrevistados. Foi no item 72
Históricos 14
renda que encontramos a principal diferença
0 20 40 60 80 100
entre a Igreja Renascer e as demais igrejas. Pro-
porcionalmente, os entrevistados da Igreja Re- Contrário Favorável Não soube opinar

nascer possuem maior renda, 28% deles afir-


maram ganhar acima de três salários mínimos, Quando isoladas, as igrejas que proporcio-
sendo que em segundo lugar está as comuni- nalmente são mais contrárias ao programa
dades independentes, com 15% dos entrevis- são: Igreja Renascer (43%), Igreja Universal
tados que também afirmaram ganhar a mesma (42%). Ambas pertencem ao grupo neopen-
quantia. Com isso, há indícios de que o fator tecostal. Novamente, destacamos a particula-
renda pode influenciar na intenção de voto ridade da Renascer: igreja com maior renda,
para João Dória. Ademais, é nítido o discur- maior intenção de voto para João Dória e
so empreendedor e meritocrático do prefeito, maior rejeição ao Bolsa Família.
fato que pode determinar uma afinidade entre
estes atores. Destacamos que o discurso da me- Buscar compreender o fenômeno religioso e
ritocracia e do sucesso financeiro pelo trabalho sua relação com a política é um grande desafio
é ponto de destaque na teologia neopentecos- para ciência política, principalmente pelo fato
tal (teologia da prosperidade). Com isso, João de que as igrejas evangélicas não são homogê-
Dória aborda dois pontos de confluência com neas. A autonomia eclesial gera comunidades
os evangélicos: a valorização do trabalho pre- com um núcleo teológico comum, porém com
sente na ética protestante e o desafio do suces- uma práxis religiosa particular que se desdobra
so financeiro pelo empreendedorismo presente em um pensamento político e moral hetero-
no neopentecostalismo. gêneo. Nem mesmo o discurso da liderança
religiosa é assimilado totalmente entre os fiéis,
A questão do mérito presente nestas tradi- percebemos isso ao identificar que parte dos
ções, muitas vezes, gera críticas a qualquer evangélicos defendem pautas mais progressis-

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A AGENDA POLÍTICA E AS “GUERRAS CULTURAIS” PARA EVANGÉLICOS E CATÓLICOS

tas. Além disso, o índice de representativida- confiar em partido nenhum, 14,3% confiam
de das lideranças político-religiosas entre os no PT e 4,4% no PSDB.
fiéis é baixo. Por exemplo, em nossa pesquisa,
apenas 16,75% dos entrevistados afirmaram Como entre os evangélicos, aqui também a
que se sentem muito representados pelo Pas- maioria se define como conservadora: 39,6%
tor Silas Malafaia e apenas 12,5% afirma- como muito conservadores e apenas 19,3%
ram que se sentem muito representados pelo como nada conservadores. Sobre a intenção
Pastor Marco Feliciano. Por este motivo, as de voto para 2018, os votos nulos e brancos
pautas conservadoras da Bancada Evangélica são os primeiros colocados, seguidos de Lula e
ou os posicionamentos conservadores profe- Bolsonaro, como nas pesquisas nacionais.
ridos na mídia por pastores nem sempre irão
refletir no voto e na opinião do fiel. Também Quando questionados sobre a confiança em
percebemos que o fator religioso em si, não é movimentos sociais, 77% declaram desco-
determinante para o voto, pois fatores como nhecer o MBL (Movimento Brasil Livre)
renda, escolaridade, dentre outros, devem ser - 10% não confiam, 6% confiam pouco e
levados em conta no momento de traçar estu- apenas 6% confiam muito no grupo. Um
dos sobre o cenário eleitoral. pouco antes da peregrinação, o MBL havia
acusado o Museu de Arte Moderna (MAM)
Evangélicos e católicos de promover a pedofilia por conta de uma
exposição, na qual um artista ficou nu e foi
O mesmo questionário sobre guerras cultu- tocado por uma criança. Apesar do grupo ser
rais foi aplicado durante a peregrinação ao pouco conhecido, 58% ficaram sabendo do
Santuário de Aparecida em 12 de outubro de caso e 30% concordaram que a instalação de
2017 (363 pessoas entrevistadas e margem de fato promoveu pedofilia. Em relação à forma
erro de 6%.). O mais importante resultado é como se deve lidar com uma exposição como
a similaridade das respostas dos dois univer- essa, os entrevistados dividiram-se entre de-
sos. Quando questionados sobre a confiança fender que os pais devem decidir o que é me-
nos partidos, 69,4% dos católicos dizem não lhor para seu filho (25%) e a censura etária

Intenção de voto (em %)


Confiança nos Movimentos (em %)
Lula 19
MBL
Jair Bolsonaro 11
77
João Dória 7
MPL
Marina Silva 6
50
Ciro Gomes 3
MST
Geraldo Alckmin 3
15
Chico Alencar 1
Brancos / nulos 31 0 25 50 75 100
Não sei 20 Confia muito Confia pouco
Não confia Não conhece

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A AGENDA POLÍTICA E AS “GUERRAS CULTURAIS” PARA EVANGÉLICOS E CATÓLICOS

(25%) - apenas 9% defenderam a proibição Cotas são uma boa medida para fazer com
que os negros entrem na universidade (em %)
da exposição. Contrastando com o desco-
nhecimento massivo do MBL, o MPL (Mo-
Marcha para Jesus
vimento Passe Livre) é conhecido da metade
dos entrevistados e tem a confiança de 27% 42
deles. A desconfiança maior é com o Movi-
mento dos Sem Terra (52%).
Aparecida do Norte

Uma diferença marcante entre os grupos que


56
participaram da Marcha para Jesus e da pe-
regrinação para Aparecida é a idade. Aqueles
que participaram do evento evangélico são 0 25 50 75 100
consideravelmente mais jovens, a média de Concorda Não concorda Não sei
idade foi de 34 anos contra 44 dos católicos.
Essa diferença etária ajuda a explicar outras
diferenças. Por exemplo, os grupos têm perfis A união de pessoas do mesmo sexo não
constitui uma família (em %)
econômicos muito similares, mas os católicos
tiveram menos acesso ao ensino formal - 19% Marcha para Jesus
não completaram o ensino fundamental, en-
quanto apenas 3% na Marcha para Jesus. 59

Além disso, essa diferença etária também ex-


Aparecida do Norte
plica porque em Aparecida uma porcentagem
maior dos entrevistados se identifica com o 48
PT ou como antipetista. Analisando as res-
postas às 25 perguntas sobre as guerras cul-
turais, as respostas nas duas manifestações 0 25 50 75 100
ficaram muito próximas à margem de erro da Concorda Não concorda Não sei
pesquisa, indicando um perfil político muito
Travestis devem poder usar o banheiro
feminino (em %)
A pena de morte deve ser aplicada para punir
crimes graves (em %)
Marcha para Jesus
Marcha para Jesus
67
48

Aparecida do Norte
Aparecida do Norte
55
59

0 25 50 75 100 0 25 50 75 100
Concorda Não concorda Não sei Concorda Não concorda Não sei

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A AGENDA POLÍTICA E AS “GUERRAS CULTURAIS” PARA EVANGÉLICOS E CATÓLICOS

similar entre os dois grupos. Em apenas qua-


tro questões a diferença foi sensível. Os parti-
cipantes da Marcha para Jesus têm maior re-
sistência em relação às cotas raciais, ao direito
das travestis usarem o banheiro feminino e
em relação a casais LGBT constituírem famí-
lia. Por outro lado, os que estiveram em Apa-
recida são mais favoráveis à pena de morte.

12
Autores Responsável

Esther Solano Gallego é Professora Doutora da Es- Friedrich-Ebert-Stiftung (FES) Brasil


cola Paulista de Política, Economia e Negócios da
Av. Paulista, 2001 - 13° andar, conj. 1313
Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e do
Mestrado Interuniversitário Internacional de Estudos 01311-931  I  São Paulo  I  SP  I  Brasil
Contemporâneos de América Latina da Universidad www.fes.org.br
Complutense de Madrid. Doutora em Ciências Sociais
pela Universidade Complutense de Madri. Associada
ao grupo de pesquisa Laboratório de Análises Interdis-
ciplinares e Análise da Sociedade (LEIA-Unifesp).

Pablo Ortellado é Professor Doutor da Escola de Ar-


tes, Ciências e Humanidades da Universidade de São
Paulo. Doutorado em Filosofia pela Universidade Fe-
deral de São Paulo. Pós-doutorado pelo Centro Bra-
sileiro de Análise e Planejamento, CEBRAP. Coor-
denador do Grupo de Políticas Públicas de Acesso à
Informação (GPoPAI-USP).

Márcio Moretto Ribeiro é Professor Doutor da Esco-


la de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade
de São Paulo (EACH-USP). Doutorado em Ciência da
Computação pelo Instituto de Matemática e Estatísti-
ca da USP. Pós-doutorado no Centro de Lógica, Epis-
temologia e História da Ciência da Universidade de
Campinas (CLE-UNICAMP). Associado ao Grupo de
Políticas Públicas de Acesso à Informação (GPoPAI-
-USP).

Leandro Ortunes é Doutorando em Ciências Sociais


pela PUC-SP. Pesquisador do NEAMP (Núcleo de Es-
tudos de Arte Mídia e Política da PUC-SP).

Friedrich-Ebert-Stiftung (FES)
A Fundação Friedrich Ebert é uma instituição alemã sem fins lucrativos, fundada em 1925. Leva o
nome de Friedrich Ebert, primeiro presidente democraticamente eleito da Alemanha, e está com-
prometida com o ideário da Democracia Social. No Brasil a FES atua desde 1976. Os objetivos de
sua atuação são a consolidação e o aprofundamento da democracia, o fomento de uma economia
ambientalmente e socialmente sustentável, o fortalecimento de políticas orientadas na inclusão e
justiça social e o apoio de políticas de paz e segurança democrática.

As opiniões expressas nesta publicação


não necessariamente refletem as da
Friedrich-Ebert-Stiftung.

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mitido sem a autorização por escrito.

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