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Ameaças ao Brasil: Elas

existem(?) (!)

AMEAÇAS AO BRASIL: ELAS EXISTEM (?) (!)

1 – Introdução

É comum ouvirmos que não existem ameaças ao Brasil.

Os principais documentos que condicionam a defesa


nacional parecem corroborar esta impressão.

Mas antes de entrarmos no mérito do título do artigo


faz-se necessário introduzir algum significado acerca do
termo “ameaça”. Ameaçar um país pode ser interpretado
como um gesto intimidativo, algo que possa ter
implicações na soberania do país. Uma ameaça pode não
implicar em uma guerra, mas desencadeia uma crise entre
Estados. Adiante veremos o que isso significa.

Vamos, então, analisar inicialmente como os


principais documentos oficiais tratam sobre ameaças
externas.

Podemos ler na atual Política de Defesa Nacional em


vigor que:

“Após um longo período sem que o Brasil participe


de conflitos que afetem diretamente o território
nacional, a percepção das ameaças está desvanecida
para muitos brasileiros.”

Na mesma publicação encontramos:

“A América do Sul, distante dos principais focos


mundiais de tensão e livre de armas nucleares, é
considerada uma região relativamente pacífica. Além
disso, processos de consolidação democrática e de
integração regional tendem a aumentar a confiabilidade
regional e a solução negociada dos conflitos.”

Na Estratégia Nacional de Defesa observamos:

“O Brasil é pacífico por tradição e por convicção.


Vive em paz com seus vizinhos. Rege suas relações
internacionais, dentre outros, pelos princípios
constitucionais da não intervenção, defesa da paz e
solução pacífica dos conflitos. Esse traço de
pacifismo é parte da identidade nacional e um valor a
ser conservado pelo povo brasileiro.”

No novo Livro Branco de Defesa Nacional, em processo


de aprovação pelo Congresso Nacional, visualizamos:

“A região sul-americana é a que tem apresentado


menor incidência de conflitos entre Estados. Um
ambiente regional pacífico vem contribuindo, mormente
na última década, para o crescimento econômico da
América do Sul. A postura conciliatória do Brasil, que
convive em paz com seus vizinhos há mais de 140 anos,
tem contribuído historicamente para a estabilização da
região. Esse legado deve ser valorizado e preservado.
A estabilidade e a prosperidade do entorno brasileiro
reforçam a segurança do País e têm efeitos positivos
sobre todos os países da América do Sul.”

O Ministro da Defesa, Embaixador Celso Amorim, em


sua aula magna de abertura dos Cursos de Altos Estudos
Militares das Forças Armadas (FA) e da Escola Superior de
Guerra, do ano de 2012, intitulada “A Política de Defesa
de um País Pacífico”, disponível na Revista da Escola de
Guerra Naval, edição nº 18, externou:

“Um problema fundamental para a segurança de


qualquer Estado, particularmente para aqueles cujo
território se caracteriza pela continentalidade, é a
definição de suas fronteiras.

No Brasil, a habilidade de homens como o Barão do


Rio Branco – justamente cultuado nas instituições
militares -, somada ao próprio peso específico do país
na América do Sul, assegurou que esse enorme desafio
fosse enfrentado pela negociação e o recurso a outros
meios pacíficos.

Essa realidade repercute até os dias de hoje:


seguro em suas fronteiras, o país pôde dedicar-se
prioritariamente às tarefas do desenvolvimento e, com
mais ardor recentemente, ao imperativo de reduzir a
desigualdade e erradicar a pobreza.

Costuma-se dar o nome de poder brando (ou soft


power) à capacidade persuasiva, negociadora e de
irradiação de valores que, no caso do Brasil, tem
produzido ganhos concretos. Ao poder brando estariam
associados outros atributos como a simpatia do povo
brasileiro, sua tão propalada índole pacífica e uma
capacidade de compreender situações complexas vividas
por outros países. Muitas dessas qualidades derivam
diretamente da miscigenação de que tanto nos
orgulhamos.”

É intenção estudarmos, em dois artigos, a premissa


da inexistência de ameaças ao Brasil. No primeiro deles,
o atual, daremos prioridade ao cenário terrestre em que
nos inserimos e, no segundo, ao cenário marítimo.

A pontuação interrogativa e afirmativa entre


parêntesis no título do presente trabalho é proposital.
Ao final de nosso debate, o leitor amigo poderá escolher
qual melhor se adéqua à nossa realidade.

2 – Uma breve visão sobre o fenômeno “Crise”

Não é intenção, no presente artigo, fazermos um


estudo aprofundado do fenômeno Crise, mas a compreensão
do mesmo é importante para termos um entendimento melhor
da importância de conhecermos as potenciais ameaças ao
Brasil.

A Doutrina Militar de Defesa[i] (DMD) define


“Conflito” como:

“Um fenômeno social caracterizado pelo choque de


vontades decorrente do confronto de interesses,
constituindo uma forma de buscar-se uma solução ou
compromisso. Os meios a empregar e as ações a
desenvolver dependem do poder relativo dos oponentes,
da liberdade de ação concedida por outros atores e
pela importância atribuída ao objetivo a conquistar ou
manter”

A ocorrência de conflitos, sua natureza e magnitude


no ambiente externo ou interno de uma nação caracterizam
os estados de paz, de crise ou de conflito armado
(guerra), estados estes que abrangem todo o espectro dos
conflitos.

Este espectro pode ser melhor visualizado na figura


abaixo (DMD, pág. 21):

E a Crise é definida como:

“Um conflito desencadeado ou agravado imediatamente


após a ruptura do equilíbrio existente entre duas ou
mais partes envolvidas em um contencioso. Caracteriza-
se por um estado de grandes tensões, com elevada
probabilidade de agravamento (escalada) e risco de
guerra, não permitindo que se anteveja com clareza o
curso de sua evolução”

No estudo de Crises identificamos uma em particular,


conhecida como Crise Internacional Político-Estratégica,
que nos interessa diretamente.

É definida como:

“Um estágio do conflito, entre dois ou mais


Estados, em que o desencadeamento proposital de uma
situação de tensão visa a alcançar objetivos políticos
ou político-estratégicos, por meio da manipulação do
risco de uma guerra, com atitudes e comportamentos que
indicam ser a situação extrema compatível com razões
maiores, quase sempre ocultas ou não explicitamente
declaradas.”

O trecho acima foi sublinhado pelo autor.

Na definição vemos que uma Crise pode ser


desencadeada propositalmente, por Estados, a fim de
alcançar objetivos políticos ou políticos-estratégicos do
interesse de um determinado país. Estes objetivos
resultam de antagonismos definidos, já existentes e não
criados do imaginário.

Daí a importância de conhecermos possíveis


antagonismos, as “ameaças” citadas anteriormente, de não
permitimos o desencadeamento de uma Crise por não
visualizarmos uma oportunidade que aparece para um
suposto adversário, de entendermos que uma questão que
consideramos, no Brasil, de menor importância, se mal
negociada, pode ser usada para desencadear um processo
que pode levar a um conflito armado.

3 – As questões que envolvem diretamente o Brasil

a) A Questão Amazônica

Muito já foi escrito sobre as ameaças que pairam


sobre a Amazônia brasileira, principalmente sobre a
questão da internacionalização da mesma. As fontes sobre
este tema são vastíssimas e podem ser encontradas com
facilidade com uma simples busca na internet.

Mas pretendo apresentar uma visão nova, extremamente


abalizada, da questão. O Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (IPEA) acaba de publicar um trabalho
intitulado “DEFESA NACIONAL PARA O SÉCULO XXI – Política
Internacional, Estratégia e Tecnologia Militar”.

Em seu capítulo dois, intitulado “POLÍTICA DE DEFESA


E SEGURANÇA DO BRASIL NO SÉCULO XXI: UM ESBOÇO
HISTÓRICO”, de autoria do Professor Francisco Carlos
Teixeira da Silva, de quem tive o privilégio de ser
aluno, aprendemos:

“Contudo, ameaças de outra natureza pairam sobre um


país tão vasto como o nosso (e nem sempre tão
cuidadoso, como deveria ser, com a preservação de seu
meio ambiente e de suas riquezas naturais). Trata-se
da posição da Amazônia e do debate sobre seu uso e sua
preservação no cenário mundial. Para muitas
personalidades, organizações (governamentais ou não) e
mesmo organismos internacionais, a relevância da
floresta amazônica (também nem sempre entendida de
forma correta) é tão grande para a humanidade que a
soberania brasileira deveria ser apenas relativa ou
mesmo abolida sobre a imensa floresta tropical. Para
não nos perdermos em citações desimportantes, cabe
trabalhar com apenas um caso, como se segue.

Em 2001, o prestigiado cientista político e


estrategista Pascal Boniface publicou, em Paris, o
livro Guerres de Demain (Guerras do Amanhã), em que
construía prováveis cenários de grandes guerras que
ocorreriam ao longo do século XXI. Um dos cenários
construídos, com categoria de elevada probabilidade de
conflito, era a guerra ambiental, a travar-se em algum
momento depois de 2030.

Note bene: Pascal Boniface não é um amador


qualquer. Trata-se do diretor do Instituto de Relações
Internacionais e Estratégicas (IRIS) da França e
Conselheiro do Comitê de Desarmamento junto ao
secretário-geral da ONU, em Nova York.

Para Boniface é bastante provável que, em


determinado momento deste século, surja uma guerra
entre países “preservacionistas” – potências altamente
industrializadas do Ocidente – e o Brasil pela posse
da Amazônia. Ou, nas próprias palavras do estrategista
francês: “A Amazônia pertence plenamente ao Brasil.
Mas, se as potências ocidentais ignoraram o princípio
sagrado da soberania nacional para fazer a guerra na
Iugoslávia e ajudar os kossovares (mesmo Kossovo
pertencendo plenamente a Servia/Iugoslávia) por que
não o fariam contra o Brasil para se apropriar da
Amazônia? O pretexto não seria mais a proteção de uma
população, mas de toda a espécie humana… isto seria um
dever dos outros estados em nome de toda a humanidade”
(Boniface, 2002).

Assim, pode-se constatar, longe de qualquer


paranoia ou fantasia, a discussão séria de uma
alternativa bélica contra o Brasil num cenário futuro
onde a questão ambiental, o aquecimento global, venha
a se constituir em ameaça real ao planeta.”

As “citações desimportantes” que o Professor


Francisco Carlos evita transcrever podem ser obtidas
facilmente.

Algumas delas são:

“Ao contrário do que os brasileiros pensam, a


Amazônia não é deles, mas de todos nós” – Al Gore;

“O Brasil precisa aceitar uma soberania relativa


sobre a Amazônia” – François Miterrand;

“O Brasil deve delegar parte de seus direitos sobre


a Amazônia aos organismos internacionais
competentes” – Mikhail Gorbachev;

“As nações desenvolvidas devem estender o domínio


da lei ao que é comum de todos no mundo. As campanhas
ecológicas internacionais que visam à limitação das
soberanias nacionais sobre a região amazônica estão
deixando a fase propagandística para dar início a uma
fase operativa, que pode, definitivamente, ensejar
intervenções militares diretas sobre a região” – John
Major; e

“Os países industrializados não poderão viver da


maneira como existiram até hoje se não tiverem à sua
disposição os recursos naturais não renováveis do
planeta. Terão que montar um sistema de pressões e
constrangimentos garantidores da consecução de seus
intentos” – Henry Kissinger.

Podemos continuar tratando a questão amazônica como


paranoia de militares, como uma “muleta” onde os mesmos
encontrariam justificativa para a própria existência,
onde poderiam oferecer uma “missão” a ser apresentada aos
condutores políticos da nação?

Ou devemos considerar seriamente a ameaça que pesa


sobre a soberania brasileira?

b) Brasil e Bolívia: A Ilha de Guajará-Mirim

A quase totalidade dos brasileiros cremos que as


fronteiras terrestres brasileiras estão perfeitamente
demarcadas por tratados.

Mas esta não é a realidade.


A Ilha de Guajará-Mirim é situada no Rio Mamoré, na
fronteira entre o Brasil e a Bolívia, sendo objeto de
contenda entre os dois países.

A delimitação desse trecho fronteiriço foi


estabelecida pelo Tratado de Ayacucho, de 1867, e os
trabalhos demarcatórios foram realizados por duas
comissões mistas. A primeira ocorreu em 1879/1871 e a
segunda teve início em 1875 e estendeu-se até 1878.

Foi produzida ampla cartografia, inclusive as


“Plantas Geográficas dos Rios Guaporé e Mamoré”,
chanceladas pelos delegados brasileiros e bolivianos. Em
1878 e 1879, houve troca de Notas da chancelaria
boliviana com a embaixada do Brasil em La Paz, acusando o
recebimento e aprovando a “Carta Geral”.
Ao realizar inspeção de fronteira na região, no
período de 1928/1930, o Marechal Rondon constatou a
ocupação indevida da ilha por uma firma boliviana, a
Suárez Hermanos, com sede em Trinidad. Daí o nome de Isla
Suárez usado pelos bolivianos.

Em abril de 1930 a Legação Brasileira em La Paz


reclamou da ocupação indevida da ilha. Em 1937 foi
apresentado pelo Ministro das Relações Exteriores da
Bolívia um estudo da região em que o mesmo alegava a
maior proximidade da ilha com a margem boliviana. A
Legação Brasileira rebateu e seguiu-se intensa troca de
notas.

Na década de 1950, houve a intenção das autoridades


brasileiras de estabelecer na ilha um posto aduaneiro ou
de polícia. A Bolívia foi contrária a esta intenção, pois
nas discussões de 1937 tinha declinado de estabelecer uma
aduana na ilha ante protesto do governo brasileiro.

Mais tarde, por ocasião das discussões de outro


acordo, o Acordo de Roboré, que compreendia negociações
sobre petróleo, foi acertada uma nota sobre limites. Esta
nota estabeleceu que “O governo do Brasil concorda com o
governo da Bolívia em considerar, em outra oportunidade,
a questão referente ao estatuto jurídico da ilha de
Guajará-Mirim.”

Desde 1968, a questão da soberania sobre a ilha


segue sem desfecho. Para o Brasil, a ilha faz parte do
município de Guajará-Mirim, no Estado de Rondônia. A
Bolívia, por sua vez, considera a ilha parte do
Departamento de Beni. Atualmente a mesma, ainda objeto de
contenda, encontra-se sob administração boliviana.

Até quando vamos postergar esta questão?

c) Brasil – Bolívia: a questão da faixa de fronteira


Em 30 de julho de 2009, o Portal Terra publicava uma
reportagem sobre a expulsão de brasileiros do
Departamento de Pando, na Bolívia, na fronteira com o
Acre, com a roupa do corpo somente, sob a alegação da
necessidade de garantir a soberania na região e assentar
4 mil camponeses oriundos de La Paz e Cochabamba, em 200
mil hectares de terras localizadas na região fronteiriça.

Em 14 de agosto do mesmo ano, o jornal Folha de São


Paulo anunciava a decisão do governo boliviano em
expulsar “…à força cerca de 20 famílias de brasileiros
que vivem no povoado de San Ignacio de Velasco, no
departamento de Santa Cruz.”

No mesmo mês de agosto, o governo brasileiro


anunciou que iria financiar, com um montante de R$ 20
milhões, a retirada de agricultores brasileiros da área
de fronteira para o interior da Bolívia e que só os que
aceitassem continuar naquele país receberiam indenização.
Os que preferissem voltar ao Acre não ganhariam nada pela
terra que possuíam.

O interessante é saber que desde 2006, quando Brasil


e Bolívia assinaram um acordo anual, renovado duas vezes,
para realizar o processo de regularização de imigrantes,
apenas oito brasileiros foram legalizados pela Bolívia.

Já o Brasil, no mesmo período, regularizou 48 mil


bolivianos sob o marco do convênio, a maioria morando na
cidade de São Paulo.

Qual será a reação brasileira se ocorrer violência


contra esta população?

d) Brasil – Paraguai: os “Brasiguaios”

Brasiguaios é como são conhecidos os cerca de 350 a


500 mil brasileiros e descendentes que vivem no Paraguai.

Esta emigração começou com a construção da represa


de Itaipu e a necessidade da desapropriação de terras no
Estado do Paraná. Atraídos pelo preço das propriedades no
país vizinho e pela revogação, na época, da lei que
proibia a venda de terras próximas às fronteiras para
estrangeiros, estes colonos se dirigiram para o Paraguai.

Por um período de 40 anos os mesmos se dedicaram a


agricultura, principalmente a plantação de soja, trazendo
grande crescimento econômico para o país vizinho, que se
tornou um dos principais exportadores do produto.

Mas, ao invés de integração entre nativos e


imigrantes (paraguaios e brasiguaios), o que vem
ocorrendo são conflitos que se aproximam da xenofobia.

“Os paraguaios acusam os brasileiros de ocuparem


suas terras, afirmando que elas foram ilegalmente
adquiridas, em prejuízo do povo nativo. Invasões
lideradas por Movimentos de Sem-Terra têm ocorrido,
expulsando pequenos produtores brasiguaios de suas
lavouras e impedindo que eles vendam ou plantem nas
terras que habitam e cuidam há pelo menos vinte anos.

Parte dos brasileiros não consegue comprovar na


Justiça que são donos das terras, pois muitos fizeram
acordos, quando chegaram à região, com colonos
paraguaios, sem registro de títulos. Há cerca de 20
anos, o governo paraguaio demarcou e distribuiu, em
alguns departamentos (estados), a título de reforma
agrária 10 hectares de terra para camponeses nativos,
que, por não terem intimidade com a lavoura, acabaram
vendendo a gleba para brasileiros, muitas vezes em
acordos verbais.

Há também os brasiguaios que possuem não só as


escrituras das terras que ocupam há décadas, como
também os recibos de pagamentos efetivados ao Banco
Nacional de Fomento (BNF) em favor do Instituto de
Bem-Estar Rural (IBR).

Mas o atual presidente do INDERT – Instituto


Nacional de Desenvolvimento Rural e da Terra, órgão
substituto do IBR, alega que o antigo IBR emitiu
escrituras falsas para os agricultores e estes
enfrentam uma batalha judicial, de grande influência
política, que pode terminar na perda das terras que
utilizam há mais de 20 anos.

As terras em disputa estão cobertas por plantações


diversas, como soja, amendoim, mandioca e algodão.
Também existem alguns silos e outras benfeitorias.

Os paraguaios acusam os brasileiros de se


segregarem: de falarem sua própria língua, de usarem
uma moeda própria, de hastearem a bandeira de outro
país e de possuírem as melhores terras em território
paraguaio. Numa onda forte de nacionalismo, reclamam
de que a segunda língua dos filhos dos brasiguaios é o
português, em vez do guarani. Em discursos inflamados
afirmam que há uma ameaça real à soberania do
Paraguai, que precisa recuperar e fazer valer a
própria identidade.

As futuras autoridades acusam agricultores


brasileiros de violarem a lei ambiental que proíbe o
uso de alguns produtos químicos, de não preservarem,
como exige a lei florestal, as terras localizadas nas
proximidades dos rios paraguaios e de possuírem
grandes extensões de terra, apesar de serem
estrangeiros.

Os brasiguaios alegam que seus filhos sempre foram


discriminados na escola e que a Justiça paraguaia está
contaminada pela política anti-Brasil que vigora no
país.”[i]

Aqui cabe a mesma pergunta anterior: qual será a


reação brasileira se ocorrer violência contra esta
população?

e) Brasil – Uruguai: a “Ilha Brasileira”

Aqui outra questão de fronteira, agora com o


Uruguai.
A questão da “Ilha Brasileira” foi levantada
oficialmente pelo Uruguai em 1940, pela apresentação de
uma Nota Diplomática, reclamando da Convenção
Complementar de Limites entre o Brasil e a Argentina,
celebrada em 27 de dezembro de 1927.

Nessa nota o governo uruguaio reclama que no acerto


feito entre o Brasil e a Argentina, para definir o limite
em um pequeno trecho da fronteira, não foram levados em
consideração os interesses de seu país.

Esporadicamente utilizada por pescadores ou


contrabandistas no passado, a ilha tem sido ocupada nos
últimos 40 anos por um brasileiro e seus familiares, que
mantêm sua pequena casa de madeira e modesta plantação
nas poucas áreas que continuam secas nas épocas de cheia
do rio Uruguai.
Para o Brasil, o contencioso apresentado pelo
Uruguai simplesmente não vai ser aceito.[i]

4 – As questões que poderiam afetar o Brasil

Neste tópico vamos ler, de maneira resumida,


questões existentes entre nossos vizinhos que, se
escalarem, poderiam afetar ao Brasil, seja com o
transbordamento de um conflito para o território
brasileiro, seja criando um fluxo de refugiados ou
afetando economicamente a região.

a) Suriname – Guiana Francesa: os tributários do rio


Maroni

O contencioso trata de uma porção de território no


sul da fronteira entre o Suriname e a Guiana Francesa.

A disputa entre qual dos dois rios, Lawa ou


Tapahony, daria origem ao rio Maroni remonta a 1860.
Em 1861, uma comissão franco-holandesa determinou,
após medir a vazão dos rios, que o rio Lawa, como
defendiam os franceses, era a cabeceira do Maroni. Não
houve problemas sobre essa decisão até 1885, quando se
descobriu ouro na área entre os rios Lawa e Tapahony.

Em 1888, França e Holanda chegaram a um acordo,


segundo o qual a questão seria arbitrada pelo Czar
Alexandre II. Este decidiu que o rio Lawa era a cabeceira
do Maroni e, por conseguinte, deveria ser considerado a
fronteira entre os territórios holandês e francês.
Surgiu, então, uma nova dúvida sobre qual seria a
nascente do rio Lawa. A Holanda considerou o rio Marowini
e a França o rio Litani.

A definição sobre qual é a nascente do rio Lawa


segue sem definição. Em 1992, o governo do Suriname,
mesmo instado pela imprensa a tomar uma posição, não se
manifestou sobre a presença de militares franceses em seu
território e a ocupação de ilhas no rio Maroni,
legalmente surinamesas, por nacionais da França, fatos
constatados por uma patrulha de reconhecimento do
exército.

b) Suriname – Guiana: os tributários do Courantyne e o


New River Triangle

Há duas disputas territoriais entre a Guiana e o


Suriname: uma a respeito da jurisdição sobre o rio
Corentyne, que serve de fronteira entre os países, e
outra relativa à região do Triângulo do New River, área
conhecida como região do Tigre, ao sul dos dois países e
na fronteira com o Brasil.
A fronteira marítima entre os dois países também
foi, até recentemente, objeto de disputa. Essa questão
foi levada ao Tribunal Internacional de Direito do Mar
(ITLOS) que, em dezembro de 2007, emitiu sentença
arbitral favorável à Guiana.

A questão lindeira era de menor importância, até o


descobrimento de importantes recursos naturais nas
regiões contestadas. Foram encontradas jazidas de ouro na
região do New River Triangle e de petróleo na plataforma
continental.

Enquanto o Suriname reclama o Rio Novo como o maior


rio do tributário e, portanto, a fronteira correta, a
Guiana defende que o rio Kutari constitui a cabeceira do
rio Courantyne e, assim, o verdadeiro limite entre os
dois países.

Em 14 de outubro de 2008, o barco de transporte de


açúcar de bandeira guianense “MV Lady Chandra I”, com
capacidade de 500 TPB, foi apresado pela guarda costeira
do Suriname no rio Corentyne. Sua tripulação foi detida e
multada no porto de Nickerie, sob a alegação das
autoridades surinamesas de que a embarcação teria entrado
sem autorização em águas sob a jurisdição do Suriname.

A atitude do governo surinamês, que dispõe de Forças


Armadas (FA) mais fortes e bem equipadas do que as da
Guiana, parece pretender forçar decisão em seu favor,
relativa ao traçado da linha territorial na área do
Triângulo do New River. Pode indicar ainda a intenção de
enfraquecer economicamente a Guiana, por meio da elevação
de custos de operação de atividades petrolíferas e
açucareiras. Tal atitude poderia ser compreendida também
como uma espécie de represália motivada pela sentença
arbitral do Tribunal do Mar, que teve repercussão
negativa no Suriname e provocou mobilização de setores da
oposição, que acusaram o governo de não defender o
interesse nacional.

c) Guiana – Venezuela: Guiana Essequiba e Ankoro

Essequibo, região situada entre o rio Cuyuni e o rio


Essequibo, com extensão de 159.500 km² (cerca de 60% do
território guianês), pertence atualmente à Guiana, mas
tem sua soberania reivindicada pela Venezuela.

Os mapas venezuelanos apresentam esta região como


área em litígio.

A colônia, onde atualmente está situada a Guiana,


passou a ser posse da Grã-Bretanha (UK) em 1814, por meio
do Tratado de Londres, decisão ratificada no ano seguinte
pelo Tratado de Paris, determinando que o território
britânico compreenderia a região entre os rios Orinoco e
Essequibo, cartografado politicamente em 1838 pelo
explorador Robert Schomburg, prussiano a serviço da coroa
britânica. As bases históricas e geográficas utilizadas
para a definição destas fronteiras sempre foram alvo de
críticas por parte dos governos brasileiro e venezuelano.

Em 1899, forma-se um Tribunal Arbitral proposto


pelos Estados Unidos (EUA), cuja decisão é o Laudo
Arbitral de Paris, que concede o território a oeste do
rio Essequibo à Guiana Inglesa. Em resposta, a Venezuela
o declara “nulo e írrito”, postergando a possibilidade de
negociação.
Em 1965, é aprovado pelo Congresso venezuelano um
novo mapa político que abarca oficialmente a região de
Essequibo, denominada Zona de Reclamación. No entanto, o
UK dava continuidade à sua política de não fazer qualquer
concessão territorial.

Em 1966, tropas venezuelanas invadiram e ocuparam


metade da Ilha de Ankoro. Também, nesse momento, incidem
sobre a Venezuela outras acusações de violência, como a
pretensão de anexar parte das águas territoriais e zonas
contíguas da fronteira com a Guiana, em 1968, e a Revolta
Separatista do Rupununi, no sul do país, apoiada pelos
venezuelanos.

No ano de 2006, sob a presidência de Hugo Chávez, a


Venezuela aprovou a modificação da bandeira do país, com
o acréscimo de uma estrela que representaria a região do
Essequibo.

Atualmente a questão é mediada pelas Nações Unidas


(ONU), que aguarda um pronunciamento da Venezuela
indicando um novo mediador, após o falecimento daquele
que negociava a questão.

d) Colômbia – Venezuela: o Golfo da Venezuela

Praticamente desde a dissolução, em 1830, da “Gran


Colombia”, formando a Venezuela, Colômbia, Equador e
Panamá, o conflito a respeito do Golfo da Venezuela, ou
de Maracaibo, como o denominam os colombianos, permanece.
Em 1941, após mais de cem anos de negociações, os
dois países assinaram um tratado que definiu a demarcação
das fronteiras terrestres e a navegação dos rios comuns.
Após a Segunda Guerra Mundial, com as evoluções relativas
ao Direito do Mar, tornou-se necessária a delimitação da
fronteira marítima.

Em 1952, o chanceler colombiano, em episódio


altamente controvertido, que se configurou uma das raízes
do atual problema, outorgou à Venezuela a soberania sobre
o Arquipélago “Los Monjes” que, na pretensão venezuelana
seria o ponto de partida para a demarcação dos limites da
fronteira marítima.

A partir de 1954, foram iniciadas tratativas para a


delimitação do mar territorial e da plataforma
continental, sem sucesso.

Em 1980, a questão esteve perto de ser resolvida


através de um Tratado que ficou conhecido como Hipótese
de Caraballeda. Devido à forte reação contrária por parte
da opinião pública venezuelana, o acordo não pode ser
assinado.

O ápice dos atritos entre os países deu-se em agosto


de 1987, em episódio conhecido como “A crise da Corveta
Caldas”, quando esta embarcação colombiana ingressou,
acompanhada de um submarino, em águas consideradas pela
Venezuela como de sua soberania. Seguiu-se mobilização
militar venezuelana, mas o conflito entre as duas FA foi
prevenido pela atuação diplomática bilateral e do
Secretário-Geral da OEA.

e) Peru – Equador: a controvérsia amazônica

A questão territorial tem suas raízes no período


colonial, em que eram fixados apenas limites
jurisdicionais.
A disputa entre os dois Estados tem início em 1854,
quando para saldar dívidas junto a credores
internacionais, o Equador vende, para colonos europeus,
parte de suas terras consideradas “ociosas” na região
amazônica. Nesse contexto, o governo peruano alega
soberania sobre tais áreas e exige que tais vendas sejam
canceladas.

Inicia-se o período de conflitos entre os dois


países, ocorridos em 1859, 1941, 1978, 1981 e 1995.

O Peru e o Equador aceitam, em 1995, após a Guerra


do Cenepa, a mediação oferecida pelos países garantes do
Protocolo do Rio de Janeiro de 1942 e assinam, em 17 de
fevereiro, em Brasília, a “Declaração de Paz do
Itamaraty”.

Em 26 de outubro de 1998, o Peru e o Equador


assinaram um acordo de paz abrangente, que estabeleceu um
quadro para acabar com a disputa. A demarcação formal das
regiões fronteiriças começou em 13 de maio de 1999. O
acordo foi ratificado sem oposição pelos congressos dos
dois países, finalmente pondo fim ao litígio.

f) Bolívia – Chile: o acesso ao mar

O pleito boliviano de uma saída para o mar nos


remete à Guerra do Pacífico, em que este país perdeu sua
faixa litorânea.

A figura abaixo representa os limites entre Peru,


Bolívia e Chile, antes e depois da Guerra do Pacífico.
A guerra terminou com a perda pela Bolívia do seu
acesso ao mar, situação formalizada em trégua assinada em
1884 e confirmada por acordo em 1904.
A Bolívia continua até hoje a reivindicar do Chile a
concessão de uma faixa territorial soberana que permita
sua saída ao mar. A resolução da questão consta,
inclusive, como Objetivo Nacional em sua Constituição e
tem servido de plataforma política para grande parte dos
presidentes bolivianos. A questão da mediterraneidade,
além de principal problema geopolítico da Bolívia, é
também o principal condicionante de sua doutrina militar,
motivo pelo qual o Chile é visto como maior rival
potencial. Em março de 1978 a Bolívia rompeu relações
diplomáticas com o Chile, por julgar que a negociação
referente ao tema não avançava.

O Chile, por sua vez, age com equilíbrio, citando


sempre o Tratado de 1904.

g) Chile – Peru: a fronteira marítima

A área em disputa corresponde a cerca de 35 mil km²


de águas ricas em recursos marítimos no Oceano Pacífico.
Em janeiro de 2008 o governo peruano iniciou um
“Caso” na Corte Internacional de Justiça, em Haia,
referente à “delimitação marítima entre a República do
Peru e a República do Chile”.

Ambos os países se comprometeram a respeitar o


veredicto.

h) Argentina – Chile: Campos de Gelo Sul

A Argentina e o Chile tiveram uma quantidade de


diferendos sobre demarcação fronteiriça, sendo o mais
relevante a delimitação da Patagônia.

O último deles no continente, pois trataremos da


questão antártica no próximo artigo, situa-se na região
conhecida como “campos de gelo sul”.
Segundo a Argentina, a fronteira deve ser traçada
através de uma linha divisória que passaria pelos picos
mais altos, de acordo com o relevo da zona. Esta solução
levaria a fronteira argentina para somente 14 km do
Pacífico. O Chile argumenta que o limite deve ser
estabelecido por uma linha reta entre o Monte Fitz Roy e
o Cerro Murallón, o que lhes garante grande parte dos
2.200 km em disputa.
Não há previsão de solução para a questão.

5 – Conclusão parcial

No presente artigo nos propusemos a estudar a


premissa da inexistência de ameaças ao Brasil,
inicialmente no cenário terrestre em que nos inserimos.

Procuramos mostrar, no item dois, de forma muito


simplista, o que significa o fenômeno “Crise” e entender
que a mesma resulta de um antagonismo definido, já
existente, e que pode ser desencadeada propositalmente
por um suposto adversário em um processo que pode levar a
um conflito armado. Daí a importância de conhecermos os
antagonismos que nos afetam.

Apresentamos, no item três, questões que envolvem


diretamente o Brasil, as julgadas mais importantes, pois
não tratamos da questão do ataque às FARC realizado pela
Colômbia no território equatoriano, a questão do Sendero
Luminoso no Peru, a questão das Papeleras entre a
Argentina e o Uruguai, do narcotráfico, do contrabando,
do garimpo,da questão indígena, entre outros assuntos, a
fim de não saturar o presente artigo.

No item quatro, descrevemos as questões existentes


entre nossos vizinhos e que podem afetar o Brasil, seja
pelo transbordamento de um conflito para o interior de
nossas fronteiras, seja criando um fluxo de refugiados ou
comprometendo economicamente a região.

No próximo artigo trataremos do que pode nos afetar


no cenário marítimo.

Para terminar, utilizo-me de uma frase proferida


pelo grande brasileiro Rui Barbosa:
“Uma nação que confia em seus
direitos, em vez de confiar em seus
soldados, engana-se a si mesma e prepara
a sua própria queda.”

[i] Para maiores informações:


http://www.info.lncc.br/uilhab.html

[i] Fonte:
http://www.igeduca.com.br/vestibular/temas-atuais/quem-sao-os-
brasiguaios.html

[i] Disponível em:


http://www.arqanalagoa.ufscar.br/pdf/doutrina_militar_de_defes
a.pdf

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