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Nas duas últimas décadas do século XX eclodiram diversas lutas de resistência dos
movimentos camponeses e indígenas da América Latina e Caribe. Essas lutas representam, ao
mesmo tempo, a perseverança registrada ao longo cinco séculos de dominação e subalternidade,
bem como as perspectivas de futuro desses povos e nações. Significa também a recusa permanente
ao modelo de desenvolvimento capitalista, que tem destruído constantemente os territórios e as
culturas camponesas e indígenas. Nos projetos de desenvolvimento da agricultura capitalista não
existe espaço político para o desenvolvimento da agricultura camponesa, porque são diferentes
concepções de mundo. Para justificar os fracassos do modelo de desenvolvimento capitalista,
difundiu-se um discurso que os camponeses e indígenas são atrasados e não conseguem se
incorporar às sociedades modernas. As resistências camponesas e indígenas ao produtivismo
violento, que não respeita os tempos e os espaços da natureza e das culturas dos povos tornaram-se
uma das principais forças que os diferenciam do modelo do agronegócio.
A formação do campesinato latino - americano remete às civilizações ameríndias, bem antes
das conquistas européias do continente americano. Todavia, vamos nos referir ao passado recente e
principalmente ao campesinato organizado em movimentos. A formação do campesinato seguiu
diversos processos: em alguns sucederam à constituição de diversos campesinatos indígenas com
suas culturas e modos de organização do trabalho e da produção; noutro aconteceram cruzamentos
entre povos indígenas, africanos, europeus e asiáticos. Por causa desses processos, pode-se falar em
diferentes tipos de campesinatos, principalmente em campesinato indígena e campesinato não
indígena, ou simplesmente campesinato. O campesinato latino-americano e caribenho se constituiu,
portanto, no encontro entre povos de diversas partes do mundo, com sua diversidade e
miscibilidade, formando novas culturas e conflitualidades.
Esses processos aconteceram na formação da América Latina, predominantemente, no
desenvolvimento do capitalismo. A resistência e a persistência do campesinato e indígenas em
defesa de seus territórios e seus modos de vida estiveram vinculadas à integração ao modelo
capitalista. Essa condição significou inclusão e exclusão em diferentes intensidades. No final do
século XX, essa condição – contradição aumentou a exclusão com a intensificação da
desterritorialização do campesinato e dos povos indígenas pelo avanço das políticas neoliberais. Os
territórios camponeses e indígenas estão na mira das políticas neoliberais por causa dos seus
recursos naturais. A exploração insustentável do agronegócio tem destruído florestas, assoreado os
rios, diminuindo violentamente os recursos hídricos, criando problemas ambientais em escala
mundial. Em diversos países, os territórios indígenas e camponeses são os mais preservados e
disputados pela agricultura capitalista. Exemplos são as lutas na selva de Chiapas e na floresta
amazônica.
A organização dos territórios indígenas e camponeses compreende diferentes tipos de usos.
Os imóveis são familiares e ou comunitários, assim como a organização do trabalho, o que
determina a produção em pequena escala. Isso não significa pouco ou baixa produção. A produção
camponesa está voltada para sua própria reprodução e aos mercados locais, regionais e nacionais.
Por essa razão, a agricultura camponesa é responsável por grande parte alimentos consumidos em
todos os países da América Latina, A exploração do trabalho e do território alheio para
concentração de riqueza e de poder não faz parte do modo de vida camponês, que defende a
solidariedade e a socialização. Todavia, está subordinada à agricultura capitalista e, em muitas
regiões do continente, são obrigados à “integração” com as agroindústrias capitalistas, participando
parcialmente com a produção agroexportadora.
A organização políticas e as formas de luta e resistência dos movimentos camponeses e
indígenas dependem das conjunturas políticas. No Brasil, as ocupações de terra é uma forma de luta
e resistência contra a exclusão, a expropriação e para a recriação do campesinato (Ver mapa). As
marchas e bloqueios de estradas são manifestações para chamar atenção da sociedade e pressionar
os governos para negociação de políticas públicas com o objetivo de amenizar a situação de pobreza
e miséria que estão submetidos os camponeses e indígenas, por causa dos modelos de
desenvolvimento da agropecuária capitalista. Essas formas de luta também têm como objetivo
mudar a conjuntura político econômica. A recusa dos governos em debater essas questões e o
aumento da violência contra os indígenas e camponeses tem levado à resistência armada, uma
forma de luta extrema que representa o impasse entre os limites do capitalismo em resolver a
questão agrária e a persistência camponesa em defesa de sua dignidade.
Por causa dessa conjuntura os camponeses e indígenas têm se organizado em diferentes
movimentos e criado articulações em escalas nacionais, latino-americana e mundial. São exemplos,
entre os diversos movimentos, a Coordinadora Nacional de Organizaciones Campesina – CNOC
(Guatemala); o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (Brasil); Confederación Sindical
Unica de Trabajadores Campesinos de Bolívia; Federación Nacional de Organizaciones Campesino-
Indígenas y Negras (Equador); Coordinadora Nacional de Mujeres Trabajadoras Rurales e
Indígenas – CONAMURI (Paraguai). Em escala Latino – Americana, os movimentos camponeses
formaram a Coordinadora Latinoamericana de Organizaciones del Campo – CLOC; essas
organizações também participam da articulação mundial de movimentos camponeses: a Via
Campesina.
O avanço das políticas neoliberais criou novos tipos de conflitos no desenvolvimento da
questão agrária. A territorialização do agronegócio tem intensificado desterritorialização do
campesinato e do latifúndio. Esses processos acontecem para atender a expansão da produção
agroexportadora, visando os mercados da América Latina e, principalmente, do denominado
primeiro mundo. A “modernização” da agropecuária representada pelo agronegócio tem aumentado
simultaneamente a produtividade e o desemprego. Com a mecanização e a informatização da
agropecuária, o agronegócio necessita mais de novos territórios e de menos pessoas para trabalhar.
O desemprego estrutural e a diminuição do êxodo rural intensificam os conflitos pela disputa desses
territórios, fazendo da questão agrária cada vez mais uma luta territorial A garantia do território
camponês é condição essencial para seu futuro. Todavia, é uma barreira para a territorialização do
capitalismo, o que não retira a possibilidade do capital monopolizar os territórios camponeses e
indígenas, gerando permanentes conflitualidades.
Nos últimos cinqüenta anos o campo latino – americano sofreu profundas alterações
causadas pelo modelo desenvolvimento que gerou, ao mesmo tempo, mudanças e permanências nas
diferentes fases econômicas. O tradicional sistema latifundista que determinou a estrutura fundiária
por séculos passou por mudanças setoriais, técnicas e tecnológicas com a intensificação da
industrialização da agricultura. A população rural composta predominantemente por indígenas e
camponeses conheceu um dos maiores êxodos rurais da sua história. A territorialização das
corporações norte - americanas e européias ampliou seus domínios com a expansão de seus sistemas
de produção. Esse conjunto de mudanças intensificou as formas de exploração do modelo
agroexportador e aumentou a expropriação dos camponeses e indígenas, gerando pobreza e miséria.
Políticas de reforma agrária foram implantadas sem conseguirem desconcentrar a estrutura
fundiária. A “modernização” iniciada com a revolução verde aumentou a produção e a
produtividade, produziu problemas ambientais e sociais, conservando as formas de exploração.
O sistema latifundista caracteriza-se pelo controle de grandes extensões de terra, pela
agropecuária extensiva, pela monocultura e pela intensa exploração de mão de obra. Esse sistema
foi sendo gradualmente substituído, desde meados do século passado, com a implantação de novas
técnicas e tecnologias que aumentaram a produtividade pelo uso de insumos químicos. O
desenvolvimento de novas variedades de culturas facilitou a mecanização, dispensando, em grande
parte, o trabalho manual. As famílias de trabalhadores que viviam e trabalhavam nas grandes
fazendas foram expulsas e passaram a viver nas periferias das cidades. Esse processo acentuou a
urbanização, a proletarização do campesinato nas décadas de 1960 a 1980 e valorizou as terras,
possibilitando a territorialização dos imóveis capitalistas sobre os imóveis dos camponeses e
indígenas, que foram obrigados a vender suas terras ou foram sumariamente expropriados. Assim
aconteceu, por exemplo, com o café no Brasil e na Colômbia e com a cana de açúcar nas regiões
Sudeste e Nordeste do Brasil.
Na década de 1990, com o avanço das políticas neoliberais, consolida-se o processo de
territorialização das empresas multinacionais americanas e européias, que expandiram seus
domínios aumentando o controle sobre os principais produtos primários: soja, café, leite, frutas, etc.
Nesta fase, o controle político - territorial também foi ampliado. As corporações multinacionais
iniciaram processos de compra ou de fusão com empresas nacionais para controlar mercados,
tecnologias, patentes, concentrando poder e conhecimento. Entre as grandes corporações que se
estabeleceram na América Latina, pode-se destacar a Nestlé (Suíça); Philip Morris, Cargil, Coca
Cola, Del Monte e United Fruit Company (EUA); Bunge (Holanda); Danone (França); Parmalat
(Itália). Essas corporações atuam em diversos setores da economia o que permite uma série de
vantagens e estratégias para o controle político dos processos produtivos, dos mercados e das
políticas agrárias.
Esses processos consolidaram o modelo de desenvolvimento da agricultura que ficou
amplamente conhecido como agronegócio. Apresentando argumentos e destacando as suas supostas
qualidades, o agronegócio exerce um controle político extraordinário sobre todo o processo
produtivo, subordinando todos os envolvidos. Nessa nova fase, os domínios territoriais ampliaram-
se para o controle da água, recurso fundamental para a agroindústria de sucos de fruta, e das
sementes, com sua mercantilização, através da semente transgênica. Esse processo conta com as
facilidades da liberalização do comércio mundial, desde a criação do GATT (Acordo geral sobre
tarifas e comércio), em 1947, com o objetivo de aumentar o fluxo comercial através da diminuição
das tarifas alfandegárias.
O aumento contínuo do controle político dos territórios e seus recursos, das relações sociais
e dos conhecimentos, não deixaram outra saída para os movimentos camponeses e indígenas a não
ser o enfrentamento direto contra o agronegócio. Esse fato gerou novas conflitualidades em toda
América latina com manifestações e ocupações das fábricas das multinacionais, exigindo melhores
preços e protestando contra o controle geral do processo produtivo. A privatização das sementes e
consecutiva padronização diminuíram a diversidade das espécies. O controle das sementes e da
pesquisa pelas corporações tornou extremamente vulnerável a segurança alimentar e aniquilou a
soberania alimentar. Em 2005, dez maiores empresas controlavam a maior parte dos tipos de de
sementes do mundo. São elas: Monsanto, Dupont/Pioneer, Land O’ Lakes, Delta & Pine Land
(EUA); Syngenta (Suiça); Groupe Limagrain (França); KWS AG, Bayer Crop Science (Alemanha);
Sakata, Taikii (Japão); DLF-Trifolium (Dinamarca).
Desenvolvimento territorial rural e conflitividades,
A estrutura fundiária da América Latina e Caribe está entre as mais concentradas do mundo.
Essa realidade é resultado do controle territorial dos imóveis rurais pelos setores ruralistas e
corporações multinacionais. De acordo com os dados disponíveis, os países com maior estruturas
fundiárias mais concentradas são: Barbados, Paraguai, Venezuela, Peru e Brasil, conforme quadro a
seguir.
Na segunda metade do século XX, alguns países da América Latina e Caribe realizaram
políticas de reforma agrária. Foram os casos da Venezuela, Colômbia, Chile, Peru, Nicarágua,
Brasil e Cuba. Na maior parte desses países as políticas de reforma agrária não foram suficientes
para a desconcentração fundiária. Como salientamos na primeira parte deste ensaio, a reforma
agrária são políticas para minimizar a questão fundiária, todavia, o desenvolvimento do capitalismo
gera intensas desigualdades que ocasionam a reconcentração. Por essa razão, as lutas pela terra e
pela reforma agrária tornam-se lutas permanentes. Por essa razão, a questão agrária está presente no
nosso cotidiano há séculos. Pode-se até afirmar que é uma coisa do passado, mas é do presente e
está em todos os lugares, produzindo conflitualidades.
A conflitualidade é inerente à questão agrária. Ela acontece por causa da contradição criada
pela destruição, criação e recriação simultâneas do campesinato. A conflitualidade e o
desenvolvimento acontecem simultâneos e consequentemente, promovendo a transformação de
territórios, modificando paisagens, criando comunidades, empresas, municípios, mudando sistemas
agrários e bases técnicas, complementando mercados, refazendo costumes e culturas, reinventando
modos de vida, reeditando permanentemente o mapa da geografia agrária. A agricultura camponesa
estabelecida ou que se estabelece por meio de ocupações de terra ou resultantes de políticas de
reforma agrária, promovem conflitos e desenvolvimento. A agricultura capitalista, na nova
denominação de agronegócio, se territorializa, expropriando o campesinato, promovendo conflito e
desenvolvimento. É importante destacar que esse processo é responsável pelo crescimento da
organização camponesa em diferentes escalas e de diversas formas na América Latina e Caribe.
Na próxima figura pose-se observar que a Amazônia, o Cerrado e o Chaco são os principais
espaços que estão sendo ocupados pela soja no Brasil, Paraguai, Argentina e Bolívia.
Fonte: Dross, 2004.
VERBETES
Agronegócio
Chiapas
MST
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST é o mais atuante movimento
camponês brasileiro na luta pela terra. Em seus vinte anos de existência, o MST organizou-se em 23
das 27 unidades federativas. Atuando em escala nacional, no período 2000 – 2004, o MST realizou
850 ocupações com 174.448 famílias (SILVA e FERNANDES, 2005). A luta pela terra é a
principal forma de acesso à terra, na conquista de assentamentos rurais. A luta é dimensionada em
vários setores de atuação do Movimento, como a produção, a educação, a cultura, a saúde, as
políticas agrícolas e infra-estrutura social. Por meio desse processo de territorialização, o MST
criou centenas de cooperativas e associações agropecuárias. Esse é um importante processo de
ressocialização que tem contribuído com o desenvolvimento econômico e a intensificação da
questão agrária brasileira.
O processo de formação do MST começou no final da década de 1970 com o apoio da
Comissão Pastoral da Terra - CPT. Na região centro – sul do Brasil, a CPT apoiou as famílias
camponesas que realizavam as ocupações de terra que deu origem ao MST. O Primeiro Encontro
Nacional aconteceu em 1984, data oficial de fundação do MST. Nas décadas de 1980 e 1990, o
Movimento se territorializou por todas as regiões brasileiras, conquistando milhares de
assentamentos rurais. Esse processo representou o renascimento dos movimentos camponeses no
Brasil, depois da extinção da maior parte dos movimentos camponeses pela ditadura militar que se
implantou com o golpe militar de 1964. As ações do MST foram essenciais para mudanças nas
políticas agrárias.
O Brasil está entre os países com a maior concentração fundiária do mundo. Diversos planos
de reforma agrária foram elaborados sem que a estrutura fundiária fosse desconcentrada. O governo
totalitário elaborou o Estatuto da Terra: uma Lei que expressava os princípios da reestruturação
fundiária, que, todavia, jamais foi aplicada. Em 1985, no primeiro governo da redemocratização foi
elaborado o Plano Nacional de Reforma Agrária - PNRA. Em resposta os ruralistas criaram a União
Democrática Ruralista – UDR, que atuou intensamente para que o PNRA jamais fosse implantado.
Em 1988, com a elaboração da nova Constituição, a reforma agrária sofreu duro golpe dos
ruralistas. Embora a reforma agrária fora aprovada na Constituição, necessitava de lei
complementar para a sua realização. Somente em 1993, com a aprovação da Lei 8629, passou a
existir regulamentação para a desapropriação de terras.
O aumento das ocupações de terra e do número de famílias acampadas pressionou o governo
do presidente Fernando Henrique Cardoso, eleito em 1994, para a realização de uma ampla política
de assentamentos rurais. Em 1998, no segundo mandato, Fernando Henrique Cardoso adotou a
política agrária de caráter neoliberal, criminalizou a luta pela terra e implantou uma política de
mercantilização da terra, denominada reforma agrária de mercado. Ainda no segundo mandato do
governo, essa política cresceu em detrimento das desapropriações. Também destruiu a política de
crédito para a reforma agrária e a política de assistência técnica, inviabilizando o desenvolvimento
dos assentamentos, precarizando a vida de centenas de milhares de famílias assentadas e. Ainda
proscreveu a política de educação para os assentamentos, que fora criada a partir de um conjunto de
ações do MST.
A esperança na realização da reforma agrária foi recuperada com a eleição de Luís Inácio
Lula da Silva para presidente do Brasil. Em 2003, foi elaborado o II Plano Nacional de Reforma
Agrária – II PNRA com a promessa de assentar 530 mil famílias, sendo 400 mil por meio de
desapropriação e 130 mil através da política de crédito fundiário, uma nova versão para a
denominada reforma agrária de mercado. No ano de 2003, aconteceram 391 ocupações de terra com
65.552 famílias. No ano de 2004, aconteceram 461 ocupações com 73.657 famílias, sendo que deste
total, 75% das famílias estavam organizadas no MST. Todavia, a resposta do governo às
reivindicações dos camponeses ficou aquém do prometido no II PNRA. Em 2003, o governo Lula
assentou 35.623 famílias, sendo 8.521 famílias em terras desapropriadas ou compradas e 27.102 em
terras assentamentos antigos, em lotes abandonados por causa da precarização das políticas agrárias.
(STEDILE e FERNANDES, 2005).
Em 2004, o governo Lula assentou 81.160 famílias, sendo 25.975 famílias em terras
desapropriadas ou compradas e 55.185 em lotes de assentamentos já existentes. Esses dados são
indicadores da tímida política de reforma agrária do governo Lula. Esse resultado apresenta dois
indicadores importantes para os movimentos camponeses: as ocupações de terra continuam sendo as
principais formas de acesso a terra, pois 90% dos assentamentos são resultados de ocupações; a
reforma agrária e o conjunto de políticas que a acompanha para o desenvolvimento territorial não se
realizam somente com a eleição da presidência da República, mas principalmente com a
qualificação das organizações camponesas e suas estratégias políticas.
Via Campesina
A Via Campesina é uma articulação mundial dos movimentos camponeses. Entre seus
objetivos constam: a construção de relações de solidariedade reconhecendo a diversidade do
campesinato no mundo; a construção de um modelo de desenvolvimento da agricultura, que garanta
a soberania alimentar como direito dos povos de definirem suas próprias políticas agrícolas, bem
como a preservação do meio ambiente com a proteção da biodiversidade. Opõem-se a padronização
das culturas, ao produtivismo, a monocultura e a produção unicamente para exportação,
características do modelo de desenvolvimento do agronegócio. Organiza-se a partir de pequenos e
médios agricultores e neste campo apresenta-se como um movimento internacional, autônomo,
pluralista, sem vinculação com partidos, igrejas e governos. Os movimentos camponeses vinculados
a Via Campesina atuam em escala regional e em escala nacional. Sua organização espacial
compreende as seguintes regiões: Europa do Leste, Europa do Oeste, Nordeste e Sudeste da Ásia,
América do Norte, Caribe, América Central, América do Sul e África.
A Via Campesina nasceu em 1992 quando várias lideranças camponesas dos continentes
americano e europeu que participavam do II Congresso da UNAG (Unión Nacional de Agricultores
y Ganaderos de Nicaragua) em Manágua propuseram a criação de uma articulação mundial de
camponeses. A proposição foi efetivada em 1993 com a realização da Primeira Conferência em
Mons – Bélgica e com a definição das linhas políticas e da estrutura. Em abril 1996 foi realizada a
Segunda Conferência em Tlaxcala – México com a participação de 37 países e 69 organizações
nacionais. Enquanto acontecia esta Conferência, no dia 17 de abril, ocorreu o massacre de Eldorado
dos Carajás, quando 19 camponeses sem-terra vinculados ao Movimento dos Trabalhadores Sem
Terra foram assassinados em uma marcha no Estado do Pará – Brasil. A Conferência declarou o 17
de abril como o Dia Mundial da Luta Camponesa. Em 2000, realizou-se a Terceira Conferência, em
Bangalore – Índia, onde participaram 100 delegados de organizações de 40 países. A Quarta
Conferência aconteceu no Brasil, em junho de 2004, com 400 delegados de 76 países,
representando 120 movimentos camponeses.
As linhas políticas defendidas pela Via Campesina são: Soberania Alimentar e Comércio
Internacional; Reforma Agrária e Desenvolvimento Rural; Gênero e Direitos Humanos; Agricultura
Camponesa Sustentável; Biodiversidade e Recursos Genéticos. A estrutura da Via Campesina é
formada pela Conferência Internacional - espaço de deliberação política; pela Comissão
Coordenadora Internacional, Comissões Políticas, Secretaria Executiva e pelos movimentos
camponeses vinculados. As comissões políticas atuam nas linhas apresentadas, elaborando
documentos com as manifestações dos movimentos camponeses de diversas partes do planeta.
Também participa de debates e protestos junto aos organismos internacionais.
A Via Campesina compreende a soberania alimentar como direito dos povos, de seus países
e uniões de estados em definir suas políticas agrícolas e alimentares, sem dumping a outros países;
que as políticas agrícolas devam ser duradouras e solidárias, determinadas pelas organizações
nacionais e pelos governos, suprimindo o poder das corporações multinacionais; da mesma forma as
negociações agrícolas internacionais devem estar sob controle dos estados, sem a intervenção da
Organização Mundial do Comércio – OMC. A Via Campesina realiza a Campanha Global pela
Reforma Agrária que alcançou reconhecimento em âmbitos diversos, como organizações
camponesas, organizações não governamentais, governos e organismos internacionais. Essa
campanha tem fortalecido a resistência internacional as políticas mercado de terras e mobilizado
apoio internacional. O desenvolvimento rural tem seus principais propósitos na unidade familiar,
com destaque para a participação das mulheres e dos jovens. Neste plano estão associadas políticas
agroecológicas para a garantia da biodiversidade e proteção dos recursos genéticos.
A Via Campesina tem atuado organizadamente em diversas partes do mundo. Alguns
exemplos são: a organização de mobilizações para protestos durante as reuniões da OMC, em
Genebra - Suíça, em 1998, em Seattle – EUA, em 1999 e em Cancun – México, em 2003. Nesses
protestos, os camponeses exigiram a saída da OMC das negociações agrícolas. Nesses anos, os
movimentos camponeses inovaram ao realizarem mobilizações conjuntas em várias cidades do
mundo ao mesmo tempo. A criação dessa rede de movimentos tem propiciado uma maior
resistência às políticas neoliberais e ao avanço do agronegócio sobre os territórios camponeses. A
Via Campesina tornou-se a principal interlocutora dos movimentos camponeses nas negociações de
políticas em escala internacional e nacional.
Bibliografia
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Web Site
http://faostat.fao.org/