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Rio de Janeiro
2023
Expropriação agrária, direitos dos camponeses e política social rural na Colômbia
Resumo
O presente artigo analisa as práticas de expropriação agrícola desenvolvidas em
contextos rurais para a criação de massas de trabalhadores disponíveis como força de
trabalho precarizada na Colômbia. Através de uma descrição das trajetórias de
desapropriação, conflito e deslocamento ocorridas historicamente no país, são
exploradas as dinâmicas de desigualdade que permeiam o reconhecimento dos direitos
fundamentais dos camponeses e a emergência de promover uma luta contra a fome nas
sociedades contemporâneas. Este panorama, situado nas dinâmicas neoliberais atuais
para a comercialização de alimentos, estabelece riscos na soberania alimentar e
desenvolve afetações no sistema de proteção alcançado pelas lutas sociais rurais latino-
americanas.
Apresentação
Em 2018, a Organização das Nações Unidas (ONU) emitiu uma declaração sobre os
direitos dos camponeses e outras pessoas que trabalham em territórios rurais, com o
objetivo de fornecer instrumentos jurídicos internacionais para sua proteção. De acordo
com a perspectiva da Dejusticia (2022,2), "esta Declaração é uma ferramenta que
permite aos países desenvolver e fortalecer políticas para ampliar o reconhecimento do
campesinato e melhorar sua qualidade de vida". Em 2023, o primeiro governo de
esquerda na história da Colômbia ratificou esses acordos e reformou a Constituição
Política de 1991 com o objetivo de afirmar sua representatividade como sujeito especial
de direitos, dadas suas contribuições culturais, ambientais e alimentares para uma
sociedade em paz.
Para a década de 1920, houve uma rápida transformação dos camponeses sem terra das
fazendas rurais colombianas em trabalhadores urbanos. Essa crise estava diretamente
relacionada com as dinâmicas da economia nacional, que buscava expandir a indústria
nas cidades, necessitando assim de uma grande quantidade de mão de obra. Dado que a
população urbana existente não conseguia suprir essa demanda, a maioria dos
trabalhadores necessários vinha do campo. Seguindo a perspectiva de Harvey (2003):
Este ciclo de acumulação de capital, ao não ter mudanças tecnológicas, precisa aumentar a força
de trabalho por meio do aumento da população e da população camponesa ou migrante, que
seriam remunerados de forma inferior para mobilizar mão de obra barata. Se isso falhar, é
possível mobilizar seus recursos para mudanças tecnológicas que gerem desemprego e criem um
exército industrial de reserva (p. 20).
No caso específico do setor camponês, principal vítima da violência, podem-se identificar três
consequências: a) grupos significativos de pequenos proprietários e trabalhadores rurais são
assassinados, b) outros são deslocados para as cidades como mão de obra de baixo custo para a
nova indústria, e/ou c) outros se deslocam para o interior da selva colonizando novas regiões,
assumindo medidas de autodefesa armada para evitar futuros ataques conservadores. As ações
repressivas do bloco hegemônico conservador deslocam os camponeses para as cidades, criando
não apenas um fato sociopolítico, mas também, e fundamentalmente, um fato econômico (p. 91).
En termos gerais, a política rural após as medidas neoliberais estabelecidas pelo Fundo
Monetário Internacional na década de 1990 implicou uma redução significativa da
intervenção estatal e um afastamento crescente das entidades governamentais em
relação aos camponeses. Essa escolha resultou na perda dos avanços significativos
alcançados pelos programas de desenvolvimento da CEPAL, que foram criados por
meio de experiências comunitárias e da coordenação de mobilizações sociais em defesa
dos direitos dos camponeses. Nesse cenário, a política social adotou uma abordagem
baseada em transações monetárias, excluindo grande parte da população empobrecida.
Passou-se de oferecer serviços por meio de ofertas individuais ligadas a créditos para
produtores e financiamento de projetos tecnicamente aprovados pela tecnocracia para
uma oferta indireta de pacotes tecnológicos através do terceiro setor, bem como para
uma liberdade de mercado para ajustar os preços dos produtos agropecuários.
Pensar numa política social que aborde a questão rural na Colômbia deve ter em mente
a dimensão de gênero como um elemento transversal. Nesse aspecto, nas áreas rurais da
Colômbia, existem aproximadamente 3,9 milhões de lares, dos quais 1,3 milhão são
chefiados por mulheres. No ano de 2021, 33,7% das famílias monoparentais chefiadas
por mulheres encontravam-se em situação de pobreza multidimensional, e 80% do
trabalho de cuidado era realizado por mulheres. Essa situação ocorre num contexto onde
uma em cada duas mulheres tem menos de 30 anos e uma em cada quatro se reconhece
como parte de um grupo étnico (DANE, 2022). Nesse cenário, a política social rural tem
sido marcada por financiamento insuficiente e dificuldades geográficas complexas para
a implementação de intervenções coletivas que promovam transformações nos padrões
culturais do contexto (BOTERO, 2021).
Por outro lado, em termos espaciais, desde as ideias de Harvey (2002), observa-se que a
geografia rural impacta a prestação de serviços sociais no âmbito da política social.
Aspectos como a migração para cidades devido à expansão urbana como principal via
de desenvolvimento capitalista, as dinâmicas neoliberais de crescimento agroindustrial
acompanhadas por uma baixa financiamento dos direitos sociais, a titulação patriarcal
da terra, o isolamento entre habitações e as longas distâncias até instituições de saúde e
justiça são elementos que complicam a implementação de programas de intervenção
para a assistência social nas áreas rurais. Esses elementos devem ser considerados ao
implementar ações de intervenção na questão social dos camponeses colombianos.
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