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COLÉGIO PEDRO II ocupado denomina-se fronteira agrícola.

Com o intenso
GEOGRAFIA – PROFESSOR LEANDRO ALMEIDA processo de ocupação e modernização agrícola ocorrido no
MATERIAL DE APOIO – AULA 4 Centro-Sul brasileiro, a fronteira agrícola deslocou-se para a
Amazônia e para o extremo norte do Centro-Oeste do país.
ESPAÇO RURAL – CONFLITOS NO CAMPO O que ocorre é que essa área de fronteira passou também a
ser ocupada e, embora os resultados econômicos dessa
1. A questão das terras no Brasil ocupação não tenham sido significativos, seus efeitos sobre
a estrutura agrária continuam sendo muito conflituosos. Isso
Como dito no módulo anterior, na década de 1950, porque o movimento tradicional dos camponeses de ir
observou-se a aceleração industrial e a modernização da incorporando novas terras na zona de fronteira passou a ser
economia brasileira como um todo, o que também dificultado. E o mais grave: justamente numa situação em
influenciou as atividades agrárias. A partir de 1964, que a modernização nas áreas de agricultura tradicional
destacou-se a constituição do novo complexo agroindustrial desalojava um contingente grande de camponeses. Alguns
nacional, caracterizado pela integração da agricultura com a estudiosos chegam mesmo a falar em fechamento da
indústria. À agricultura, coube o papel de fornecer alimentos fronteira agrícola.
para os grandes centros urbanos em formação, produzir O fato é que a política de ocupação da Amazônia,
matérias-primas industriais e mercadorias destinadas à implementada a partir dos anos 70 pela União atraiu, por
exportação. Ao setor industrial, coube a produção do meio de incentivos fiscais, grandes proprietários, bancos e
maquinário agrícola, dos adubos e dos fertilizantes empresas multinacionais para desenvolver projetos
necessários para uma produção em grande escala. A agropecuários na fronteira agrícola. O fracasso destas
modernização levou à subordinação do setor agrário aos iniciativas deixou marcas, das quais a mais profunda foi a
interesses urbanos, além de promover o endividamento do mudança do conteúdo do território; antes, eram terras
pequeno produtor, pois o aumento crescente da produção passíveis de serem incorporadas por camponeses, agora são
resultou em preços cada vez menores para os produtos terras com proprietário, na sua maioria de origem urbana.
agrícolas, enquanto os insumos industrializados tornaram-se Mesmo assim os camponeses se instalam, pois não têm
cada vez mais caros. muitas alternativas – e essa é a principal fonte de conflitos.
A política agrícola pós-64 também privilegiou a De um lado, a modernização no campo brasileiro
grande produção, beneficiada por amplos subsídios, como os elevou os níveis de produção e de produtividade das
financiamentos facilitados, juros especiais para os produtos atividades agropecuárias. Por outro lado, a acelerada e
de exportação ou de interesse governamental e as brutal desruralização não levou em conta o destino dos que
facilidades para a aquisição de terras em regiões de viviam na estrutura fundiária de um mundo tradicional, o
fronteira, como a Amazônia. Os pequenos produtores de que potencializou os conflitos sociais no campo e não
alimentos, que não foram beneficiados pelos subsídios, proporcionou um meio de vida a grandes parcelas da
tiveram dificuldades em integrar-se ao novo sistema, população.
enfrentando o endividamento e a perda da terra. Como
principais consequências negativas da modernização do 2. A concentração fundiária e os conflitos rurais no Brasil
espaço agrário, deve-se destacar:
Pautada desde o início da ocupação do território
• O êxodo rural: a população rural brasileira passou de brasileiro em grandes empreendimentos dedicados a
50%, em 1964, para menos de 20%, em 2010; produtos de exportação, e, inicialmente, dependente do
• O agravamento da concentração fundiária; a expansão trabalho escravo, a agricultura brasileira teve, e tem até hoje,
da grande produção empresarial; um papel fundamental na geração de divisas para o nosso
• O benefício governamental aos setores exportadores e país, inclusive para estimular investimentos no setor
produtores de matérias-primas; industrial. Do período colonial até a década de 1950, foi o
• O declínio da produção de alimentos na década de 1980, nosso principal elo com outros países. Historicamente, as
o que resultou no aumento do custo de vida. É tendências da economia brasileira oscilaram de acordo com
importante assinalar que esse declínio foi revertido nos os ciclos da agricultura mundial, e por isso passamos desde o
anos 90, quando a grande produção empresarial cultivo da cana-de-açúcar no século XVI, até os ciclos do
também assumiu o abastecimento do mercado interno. cacau, da borracha e do café, no começo do século XX.
O período colonial foi decisivo para consolidar a
O Brasil ainda tem terras para incorporar ao sistema organização espacial e as políticas agrárias no Brasil. O país
produtivo agrário. O limite entre o que já está e o que será não contava com fábricas, o que passou a acontecer somente
de maneira expressiva, no século XX, por volta da década de época que surgiu o Movimento Nacional dos Trabalhadores
30. Portanto, quase toda a economia era baseada na Rurais Sem-Terra (MST), que se utiliza da estratégia da
agropecuária. Assim, as terras eram muito disputadas e, ocupação e criação de assentamentos em áreas
obviamente, quem tinha mais influência política ou teoricamente improdutivas, a fim de forçar as autoridades
conseguisse pagar pequenos exércitos (jagunços, pistoleiros governamentais a promover as desapropriações previstas no
etc.), para tomar e defender as terras conseguia obter Estatuto da Terra – a legislação de 1964 – e na Lei Agrária de
grandes extensões, verdadeiros latifúndios que existem até 1993.
hoje. Constituído em 1978, no sul do país, esse movimento
Na colonização, a estrutura econômica organizou-se tornou-se nacional em 1984 e, desde então, tem contado
em sesmarias – lotes doados por donatários, governadores com o apoio de setores da Igreja Católica (Comissão Pastoral
ou pela Coroa a quem possuía recursos, com a exigência de da Terra e Comunidades Eclesiásticas de Base), partidos
torná-los produtivos. Portanto, formaram-se grandes políticos, sindicatos, ONGs nacionais e estrangeiras. Nos
propriedades rurais, concentrando a terra nas mãos de anos 90, o MST tornou-se o principal movimento de luta
poucos. No Império (1822-89), os latifundiários – política e social do país, sendo o principal interlocutor do
articuladores da independência – foram a elite dominante do Estado na condução da reforma agrária e, por outro lado,
país. Com isso, a Lei de Terras (1850) foi assinada com o muito questionado por importantes setores do governo e da
objetivo de consagrar a propriedade rural já registrada, sociedade.
estabelecendo que o meio de obter terras devolutas seria A Lei Agrária de 1993 foi elaborada com o objetivo
somente a compra, não mais a doação. Assim, dificultou-se o de especificar e sistematizar aquilo que foi estabelecido pela
acesso de imigrantes, brasileiros pobres e ex-escravos à Constituição de 1988, no que tange à questão agrária. Essa
propriedade. lei reafirma o princípio da função social da terra e introduz o
Nos centros urbanos, os proprietários de grandes conceito de Módulo Fiscal, que corresponde ao módulo rural
extensões de terra dividiram essas terras e venderam-nas médio por município. Essa unidade de medida varia de
como lotes de terreno, porque o metro quadrado passou a tamanho segundo a região: o menor módulo fiscal do país
valer muito. Isso explica porque não há mais nenhuma apresenta 5 hectares e o maior chega a 110 hectares. Para
grande fazenda no centro de São Paulo ou do Rio de Janeiro, efeito de classificação da propriedade rural, ficam definidos
por exemplo. Fora desses centros, porém, e principalmente os seguintes conceitos:
nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste do Brasil, ainda • minifúndio: propriedade rural menor que o
existem verdadeiros latifúndios nas mãos de um único dono módulo fiscal;
ou de uma só família – que constituem importantes • pequena propriedade: área entre 1 e 4 módulos
oligarquias. Essas grandes extensões de terra geralmente fiscais;
produzem um só tipo de cultura (monocultura), como a soja, • média propriedade: área entre 4 e 15 módulos
o café ou a laranja, e recebem subsídios do Governo – com o fiscais.
objetivo de estimular as exportações. Enquanto isso, os • grande propriedade: área superior a 15
pequenos proprietários de terra, geralmente trabalham com módulos fiscais.
a policultura, ou seja, plantando e colhendo vários tipos de
safras diferentes. Para esses, a ajuda governamental é mais Apesar do avanço recente no processo de Reforma
difícil, pois geralmente não trabalham com produtos para Agrária, a maior parcela das famílias assentadas ainda
exportação, não estimulando a entrada de divisas no país. compõe o grupo da população mais pobre do país. Nesses
assentamentos, é desenvolvida uma agricultura de baixa
3. A Reforma Agrária produtividade, carente de recursos técnicos e financeiros, o
que denuncia a inadequação da política agrícola e as
O Brasil é um país onde a concentração de terras leva dificuldades do pequeno produtor em participar do grande
grande parcela da população a enfrentar a pobreza que o mercado da produção agrícola, que é muito competitivo.
coloca entre os países mais injustos do mundo, se Um dos grandes problemas da reforma agrária é
considerada a distribuição de renda na atualidade. A tornar os assentamentos economicamente viáveis,
redemocratização política brasileira, nos anos 80, coincidiu melhorando as condições de vida no campo. A agricultura,
com o aumento dos conflitos fundiários e da violência no cada vez mais mecanizada, exige grandes investimentos
campo, colocando novamente a questão da reforma agrária tecnológicos para garantir níveis altos de produtividade. No
para a sociedade brasileira e levando o problema para a Brasil, as culturas voltadas para a exportação, como laranja,
Assembleia Nacional Constituinte, que definiu novos soja e cana-de-açúcar, têm apresentado crescimento,
princípios para solucionar a questão fundiária. Foi nessa enquanto as que são tradicionalmente produzidas para o
mercado interno estão estagnadas ou em queda. Essas Nesse contexto, inaugurou-se um novo marco
transformações têm forte impacto sobre as pequenas constitucional que impôs ao Estado o dever de demarcar as
propriedades rivais e dificultam o desenvolvimento dos terras indígenas, considerando os espaços necessários ao
assentamentos, onde a produção tende a permanecer no modo de vida tradicional, culminando, na década de 1990,
nível da subsistência. no reconhecimento de terras indígenas na Amazônia Legal,
Entre os fatores que contribuem para o sucesso de como as terras indígenas Yanomami (AM/RR) e Raposa
um assentamento estão a proximidade de um centro urbano Serra do Sol (RR). Mesmo assim, o processo ainda não foi
e a existência de estradas para escoar a produção. Por isso finalizado e existem muitas áreas à espera de demarcação e
mesmo, as regiões que apresentam maior índice de regularização. Isso torna as suas populações ainda mais
abandono dos assentamentos no país são Norte e Centro- expostas à violência por parte daqueles que contestam as
Oeste, onde há menos infraestruturas e dificuldade de demarcações na justiça e ainda estão empenhados em fazer
acesso às estradas. riqueza, apropriando-se das terras indígenas.

4. As terras indígenas 5. Resumo

Terra Indígena (TI) é uma porção do território Com a Revolução Verde, diversos países
nacional, de propriedade da União, habitada por um ou mais subdesenvolvidos começaram a implementar as novas
povos indígenas, por ele(s) utilizada para suas atividades tecnologias e modernizar parte de suas áreas rurais. Porém,
produtivas, imprescindível à preservação dos recursos os pequenos produtores não conseguiram manter tal
ambientais necessários a seu bem-estar e necessária à sua investimento, se afundaram em dívidas e tiveram que vender
reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e suas terras para saldar os pagamentos. Com isso, os grandes
tradições. Trata-se de um tipo específico de posse, de proprietários compraram estas terras, e passaram a
natureza originária e coletiva, que não se confunde com o concentrar ainda mais áreas sob seu domínio, no que é
conceito civilista de propriedade privada. conhecido como fagocitose rural – e em outros países, como
O direito dos povos indígenas às suas terras de na França, foi chamado de remembramento. Intensificava-
ocupação tradicional configura-se como um direito se assim o processo de concentração fundiária. Tal processo
originário e, consequentemente, o procedimento aconteceu no Brasil principalmente nas regiões Sul e
administrativo de demarcação de terras indígenas se reveste Sudeste, que são até hoje as mais modernizadas. Vale
de natureza meramente declaratória. Portanto, a terra lembrar que a concentração fundiária no Brasil já vinha
indígena não é criada por ato constitutivo, e sim reconhecida ocorrendo desde o processo de distribuição de sesmarias e
a partir de requisitos técnicos e legais, nos termos da principalmente com a Lei de Terras de 1850.
Constituição Federal de 1988. Ademais, por se tratar de um É na Região Norte que ocorre o maior número dos
bem da União, a terra indígena é inalienável e indisponível, e conflitos rurais, muitas vezes por conta de disputas de terra
os direitos sobre ela são imprescritíveis. As terras indígenas entre posseiros (geralmente camponeses pobres que vivem
são o suporte do modo de vida diferenciado e insubstituível em terras sem documentação), indígenas e grileiros. Os
dos cerca de 300 povos indígenas que habitam, hoje, o Brasil. grileiros, que falsificam documentos para obter ilegalmente
O Brasil possui 350 mil índios, vivendo em 561 áreas o controle de propriedades rurais, atuam historicamente em
diferentes, que ocupam 11,34% do território nacional e terras devolutas (públicas), e possuem grande influência
estão concentradas, principalmente, na Amazônia. Os povos principalmente na região Norte. Destaca-se negativamente a
indígenas do Brasil enfrentam a invasão de suas terras por região do Bico do Papagaio, situada no norte do Tocantins,
madeireiros, grileiros, fazendeiros, garimpeiros e posseiros. na divisa com os estados do Maranhão e Piauí, como sendo
Ao problema das invasões, soma-se à contaminação dos uma das áreas com maior número de conflitos de terra.
recursos naturais e a violência praticada contra os índios nos
momentos de conflitos fundiários.
Em 2017 haviam 462 terras indígenas regularizadas,
que representam cerca de 12,2% do território nacional,
localizadas em todos os biomas, com concentração na
Amazônia Legal. Tal concentração é resultado do processo
de reconhecimento dessas terras indígenas, iniciadas pela
Funai, principalmente, durante a década de 1980, no âmbito
da política de integração nacional e consolidação da fronteira
econômica do Norte e Noroeste do país.

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