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ÍNDICE

O MODELO ECONÔMICO AGRÍCOLA E A GLOBALIZAÇÃO


Adayr da S. Ilha; Ervandil C. Costa; Juliano R. Farias ......................................................................................................... 1

OS PLANOS DIRETORES E A NÃO INSERÇÃO DOS EXCLUÍDOS, DO DIREITO À CIDADANIA E DA CIDADE


SUSTENTÁVEL
Adir Ubaldo Rech; Nara Beatriz Pereira Orci........................................................................................................................ 16

CONSUMO E OS RISCOS ORIUNDOS DA NANOTECNOLOGIA


Adriane Lopes; Claudia Maria Hansel; Raquel Fabiana Lopes Sparemberger..................................................................... 32

POR UMA GOVERNANÇA AMBIENTAL DA NANOTECNOLOGIA


Afonso de Paula Pinheiro Rocha........................................................................................................................................... 52

NANOTECNOLOGIA, DIREITO E PRECAUÇÃO


Alexandre Schalins May; Airton Guilherme Berger Filho ……………………………………………........................................ 63

A IMPORTÂNCIA DA AGROENERGIA NA SUSTENTABILIDADE DAS PEQUENAS PROPRIEDADES


Alceu Cericato; Cláudio Zorzi; Dirlei Bertochi; Simone Sehnem .......................................................................................... 82

RECUPERAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DA ÁREA DA CASCALHEIRA: Desenvolvimento tecnológico de soluções


sustentáveis de mesoestrutura de baixo impacto ambiental
Alfio Conti; Danilo Botelho; Marco Antonio S. Borges Netto; Margarete M. de Araújo Silva ................................................ 95

INSTRUMENTOS DE POLÍTICA ECONÓMICA E INCENTIVOS PÚBLICOS PARA LA PRODUCCIÓN Y EL USO DE


BIODIESEL EN BRASIL, EN EL MARCO DE LA CRISIS ENERGÉTICA MUNDIAL Y DEL CAMBIO CLIMÁTICO
Alina Celi Frugoni………………………………………..…………………………………………………………………………….. 110

PROJETO DE CONTINUAÇÃO DA AVENIDA LITORÂNEA NO MUNICÍPIO DE SÃO LUÍS-MA: PROTEÇÃO AMBIENTAL X


UTILIDADE PÚBLICA
Ana Barros; Andréia Teixeira; Ana Ribeiro; Izabela Curvina; Natália Fernandes; Suellen Pereira; Thaís Cavalcanti;
Vivianny Lima........................................................................................................................................................................ 125

PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA, DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E O PROGRAMA NACIONAL DE PRODUÇÃO E USO


DO BIODIESEL
Ana Mônica Medeiros Ferreira; Yanko Marcius de Alencar Xavier....................................................................................... 137

REFLEXÕES SOBRE CIDADANIA E EFETIVIDADE DO DIREITO FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE NOS 20 ANOS DA
CONSTITUIÇÃO DE 1988
Ana Stela Vieira Mendes....................................................................................................................................................... 153

NANOTECNOLOGIAS E O PRINCÍPIO FUNDAMENTAL DA PRECAUÇÃO: Um olhar ambiental sobre os riscos do


emprego de materiais com escala nanométrica
André Rafael Weyermüller; André Stringhi Flores; Wilson Engelmann……………………………………………………….. 163

RESERVA LEGAL NO CENÁRIO NACIONAL E ESTADUAL (SÃO PAULO): A questão do georreferenciamento e os


Decretos Estadual nº 53.939/09 e federais nº 6.514/08 e 6.686/2008
Antonio Aleixo da Costa........................................................................................................................................................ 178
CIDADES SUSTENTÁVEIS NO CONTEXTO DA SOCIEDADE DE RISCO?
Antonio Rodney Veiga Rodrigues; Klaus Frey..................................................................................................................... 193

ESTADO DE DIREITO AMBIENTAL, PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO E SOCIEDADE DE RISCO


Arnaldo Bastos Santos Neto; Luana Renostro Heinen; Vilma de Fátima Machado.............................................................. 203

REPERCUSSÕES AMBIENTAIS DO CONTROLE JUDICIAL DAS POLÍTICAS PÚBLICAS: A intromissão do Judiciário no


Executivo e a garantia do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado
Azor El Achkar ...................................................................................................................................................................... 214

FISCALIZAÇÃO AMBIENTAL NO ESTADO DE SANTA CATARINA COMO INSTRUMENTO PARA EFETIVAR O DIREITO
AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO
Azor El Achkar; Renato Miranda Pellegrini........................................................................................................................... 229

O DANO AMBIENTAL FUTURO À LUZ DA TEORIA DA RESPONSABILIDADE


Bruna Viegas Graziano......................................................................................................................................................... 241

PLANEJAMENTO E POLÍTICAS PÚBLICAS AMBIENTAIS: Perfis da atuação Estatal na proteção ambiental


Bruno Lofhagen Cherubino Jr.; Guilherme da Costa............................................................................................................ 255

FONTES ALTERNATIVAS DE ENERGIA: Políticas energéticas, mecanismos regulatórios e aspectos técnicos


pertinentes à utilização do biogás derivado de dejetos de suíno para geração de energia
Bruno Lofhagen Cherubino Junior; Janaina Camile Pasqual................................................................................................ 269

DANO AMBIENTAL, CRISE DO VÍNCULO E DO LIMITE NA RELAÇÃO HOMEM/NATUREZA: Em busca de


sustentabilidade
Camila Copetti; Raquel Fabiana Sparemberger.................................................................................................................... 285

A SOCIEDADE DE RISCO E SUA SOBREVIDA


Camila Hecksher Monteiro; Cecilia de Almeida Nascimento................................................................................................ 295

A INSERÇÃO DOS BIOCOMBUSTÍVEIS NA MATRIZ ENERGÉTICA NACIONAL E O PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO


Carlos Augusto da Costa Pescador; Larissa Tavares........................................................................................................... 305

A CONSUMAÇÃO DE DANOS AMBIENTAIS SOB TUTELA DO JUDICIÁRIO EM AFRONTA AO PRINCÍPIO DA


PRECAUÇÃO: O caso do Rio Tibagi - PR
Carlos Eduardo Levy; Natalia Jodas..................................................................................................................................... 318

ANÁLISE DO NOVO CÓDIGO AMBIENTAL CATARINENSE À LUZ DO PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DO RETROCESSO


ECOLÓGICO
Carolina Medeiros Bahia; Clóvis Eduardo Malinverni da Silveira; Edson Ávila Wolff........................................................... 331

CRISE DA INEFICÁCIA DO DIREITO E O IDEAL SOCIOAMBIENTAL PROPOSTO PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE


1988: Uma análise da aplicação do Código Florestal nas áreas de remanescentes de quilombos
Cecília de Lara Haddad; Maria Elisa de Paula Eduardo Garavello....................................................................................... 347

A PRODUÇÃO DOS AGROCOMBUSTÍVEIS E AS CELUMAS EM FACE DOS IMPACTOS SOCIOAMBIENTAIS


Charlene Maria C. de Ávila Plaza; Ludmilla Evelin de Faria; Nivaldo dos Santos................................................................ 364
O DANO AMBIENTAL E A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO: Em busca de uma sistematização
Cláudia Karina Ladeia Batista............................................................................................................................................... 380

ANTECEDENTES HISTÓRICOS DA PROTEÇÃO AMBIENTAL E A EFETIVIDADE DA TUTELA JURISDICIONAL DO MEIO


AMBIENTE
Cláudia Karina Ladeia Batista............................................................................................................................................... 396

A INCONSTITUCIONALIDADE DA SÚMULA N.º 29 DO CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO


DE SÃO PAULO
Dmitri Montarar Franco; Enéas Xavier de Oliveira Junior..................................................................................................... 411

BIOTECNOLOGIA NA SOCIEDADE DE RISCO: Um estudo do caso da gripe suína


Elena de Lemos Pinto Aydos; Kamila Guimaraes de Moraes............................................................................................... 425

DESCOLONIALIDADE, ECOLOGIA POLÍTICA E JUSTIÇA AMBIENTAL: Pela defesa das ecologias e culturas locais
Eloise da Silveira Petter Damázio......................................................................................................................................... 444

A TEORIA DE GAIA: repensando a ecotoxicologia


Elsbeth Léia Spode Becker; Ervandil Corrêa da Costa......................................................................................................... 456

ANÁLISE DE RISCO QUALITATIVA DE CEMITÉRIOS DA PALHOÇA (SC)


Emanuele Bonfanti Bezerra................................................................................................................................................... 472

EXTRAFISCALIDADE TRIBUTÁRIA COMO INSTRUMENTO DE PROTEÇÃO AMBIENTAL


Erika Araújo da Cunha Pegado; Lília Silva Luz..................................................................................................................... 484

A REPARAÇÃO DO DANO AMBIENTAL COMO COMPORTAMENTO PÓS-DELITIVO POSITIVO


Érika Mendes de Carvalho.................................................................................................................................................... 499

RESPONSABILIDADE PENAL DAS PESSOAS JURÍDICAS POR CRIME AMBIENTAL: A evolução do entendimento do
Tribunal de Justiça de Santa Catarina
Fábio Lorensi do Canto; Felipe Mottin Pereira de Paula....................................................................................................... 516

A QUESTÃO DA OBRIGATORIEDADE DO INDÍVÍDUO CONECTAR SEU IMÓVEL À REDE DE COLETA DE ESGOTO


DOMÉSTICO: Um enfrentamento sob a ótica ambiental
Felipe Franz Wienke.............................................................................................................................................................. 530

RESÍDUOS SÓLIDOS TECNOLÓGICOS: Gestão e Legislação para equipamentos eletro-eletrônicos descartados


Fernanda do Nascimento Stafford; Tatiana da Cunha Gomes Leitzke................................................................................. 542

O LICENCIAMENTO AMBIENTAL NAS ATIVIDADES DE EXPLORAÇÃO DO PETRÓLEO E GÁS, O PROJETO MEXILHÃO


DE GÁS, OS CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS QUE SURGIRAM E A NEGOCIAÇÃO AMBIENTAL COMO ESTRATÉGIA
PARA A SUSTENTABILIDADE
Fernanda Gonçalves de Andrade Pennas............................................................................................................................ 551

A CONSTRUÇÃO DE ÁREAS COMUNS SUBTERRÂNEAS EM CURITIBA: Dano ao patrimônio hídrico e crítica ao


permissivo legal concedido pelo Decreto Municipal n.º 197/00
Fernando do Rego Barros Filho............................................................................................................................................ 559
CARACTERIZAÇÃO DE MICRORGANISMOS DEGRADADORES DO NAFTALENO, ISOLADOS DE AMBIENTES
IMPACTADOS PELA MINERAÇÃO DO CARVÃO
Gabriela Scholante Delabary; Marcus Adonai Castro-Silva.................................................................................................. 568

OS CONTORNOS DE UMA HERMENÊUTICA JURÍDICA AMBIENTAL


Germana Parente Neiva Belchior; João Luis Nogueira Matias............................................................................................. 579

ORGANISMOS TRANGÊNICOS E MEIO AMBIENTE: A relevância do Princípio da Precaução no Estado de Direito


Ambiental
Giovana Biasi Locatelli; Heline Sivini Ferreira....................................................................................................................... 595

NORMAS DE LICENCIAMENTO DO PLANTIO DE PINUS E EUCALIPTOS EM MINAS GERAIS: Análise Legal Desta
Política Estrutural Crescente
Gladstone Leonel da Silva Júnior.......................................................................................................................................... 610

PROTEÇÃO AOS CONHECIMENTOS TRADICIONAIS NO BRASIL: Transindividualidade e Metatemporalidade


Hugo César de Oliveira e Silva Curado; Nivaldo dos Santos; Vitor Sousa Freitas............................................................... 623

CELEBRAÇÃO DO TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA EXTRAJUDICIAL: Um óbice à propositura da Ação Civil


Pública Ambiental?
Isabel Kluever Koneski.......................................................................................................................................................... 639

A PROBLEMÁTICA DAS HABITAÇÕES ILEGAIS NA LAGOA DA CONCEIÇÃO


Isabel Pinheiro de Paula Couto; Paulo Roney Ávila Fagundez............................................................................................. 656

PÓS-COLONIALISMO E CENA ECOLÓGICA LATINO-AMERICANA: Possibilitando a complementaridade de saberes e


evitando a apropriação da biodiversidade
Jerônimo S. Tybusch; Luiz Ernani Bonesso de Araujo; Vinícius Garcia Vieira..................................................................... 667

O DIREITO A INDENIZAÇÃO PELO CUMPRIMENTO DA ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE NAS ÁREAS


URBANAS
Júlio César Garcia................................................................................................................................................................. 684

CONSIDERAÇÕES SOBRE A ESCASSEZ QUANTI-QUALITATIVA DA ÁGUA SOB O PRISMA DA MODERNIDADE E DA


PÓS-MODERNIDADE
Karen Müller Flores; Micael Meurer...................................................................................................................................... 701

A TRANSDISCIPLINARIDADE DOS PARECERES TÉCNICOS AMBIENTAIS E A PARTICIPAÇÃO DO TERCEIRO SETOR


Karina de Vasconcelos Vieira; Renato Miranda Pellegrini.................................................................................................... 711

UMA PROPOSTA CRÍTICO-REFLEXIVA FRENTE À CRISE GLOBAL AMBIENTAL E ECONÔMICA


Larissa Lauda Burmann; Paola Mardini Lopes...................................................................................................................... 722

O DIREITO FUNDAMENTAL AO SANEAMENTO BÁSICO COMO CONDIÇÃO PARA CIDADE SUSTENTÁVEL E A


REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS LEGISLATIVAS E ADMINISTRATIVAS
Luciana Costa da Fonseca.................................................................................................................................................... 736

NUTRIGENÔMICA: Efeitos do Ácido Fólico e Vitamina B12 nas Frequências de Micronúcleos em Células da Medula
Óssea de Camundongos Expostos a Ação Genotóxica
Luciana Farias Mezzomo; Valquíria Machado Cardoso........................................................................................................ 748
A OBRIGATORIEDADE DA AUDIÊNCIA PÚBLICA AMBIENTAL COMO INSTRUMENTO PARA UMA GESTÃO
DEMOCRÁTICA DOS RISCOS AMBIENTAIS
Luiza Landerdahl Christmann; Luiz Ernani Bonesso de Araujo............................................................................................ 764
AS INCONSTITUCIONALIDADES DECORRENTES DO ARTIGO 114 DO CÓDIGO AMBIENTAL CATARINENSE
Marcela Viríssimo Maciel....................................................................................................................................................... 779

O COMBATE À POLUIÇÃO SONORA EM VITÓRIA COMO CONTRIBUIÇÃO PARA SE ALCANÇAR À


SUSTENTABILIDADE URBANA
Marcelo Franco de Almeida................................................................................................................................................... 795

AÇÃO CIVIL DE RESPONSABILIDADE POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA EM MATERIA AMBIENTAL


Marcio José Topolski............................................................................................................................................................. 805

AVALIAÇÃO MICROBIOLÓGICA DA INFLUÊNCIA DO DESPEJO DE EFLUENTES DE UMA ESTAMPARIA SOBRE UM


ECOSSISTEMA LÓTICO
Marcus Adonai CASTRO-SILVA; Pâmela Catiúscia Felipim da SILVA; Thiago Meinicke de MELO.................................... 812

O DIREITO AO DESENVOLVIMENTO (SUSTENTÁVEL) E AS MUDANÇAS NO PERFIL DO ESTADO: PELA (RE)


AFIRMAÇÃO DE UM ESTADO SOCIOAMBIENTAL DE DIREITO
Mª Beatriz Oliveira da Silva................................................................................................................................................... 824

BREVE ANÁLISE ACERCA DO PROCEDIMENTO DE REGISTRO DE AGROTÓXICOS NO BRASIL


Maria Leonor Paes Cavalcanti Ferreira................................................................................................................................. 837

FORMAÇÃO PARA A CIDADANIA SOCIOAMBIENTAL E OS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE


Mariana Flores; Ricardo Stanziola Vieira; Vanessa Moraes Gouvêa.................................................................................... 849

CÓDIGO AMBIENTAL CATARINENSE OU EXEMPLO DE IRRESPONSABILIDADE ORGANIZADA?


Matheus Almeida Caetano.................................................................................................................................................... 859

O MUNICÍPIO DE BLUMENAU E A TUTELA JURÍDICA AMBIENTAL DO DESASTRE NATURAL OCORRIDO EM


NOVEMBRO DE 2008
Maurício Duarte dos Santos.................................................................................................................................................. 874

O TRÁFICO DE ANIMAIS SILVESTRES: Crueldade e tolerabilidade na ameaça à Biodiversidade


Mery Chalfun......................................................................................................................................................................... 887

IMPRESCRITIBILIDADE DA REPARAÇÃO AMBIENTAL: Uma das formas de proteção de um meio ambiente saudável
para as hodiernas e futuras gerações
Myrtha Wandersleben Ferracini............................................................................................................................................ 903

A AMBIVALÊNCIA DO PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO E O INTERESSE ECONÔMICO NO CASO DA SOJA ROUND UP


READY
Natacha Bublitz Camara ....................................................................................................................................................... 919

IMPACTOS DOS OGMS NA AGRICULTURA, ESTRUTURA AGRÁRIA E SOBERANIA ALIMENTAR


Natacha Bublitz Camara ....................................................................................................................................................... 934

POR UMA COMPATIBILIZAÇÃO ENTRE O DIREITO À MORADIA E O DIREITO AMBIENTAL NO SISTEMA NACIONAL DE
UNIDADES DE CONSERVAÇÃO
Natalia Schul Pacheco.......................................................................................................................................................... 943

A GESTAO DE ÁGUAS TRANFRONTEIRIÇAS E A POSSIBILIDADE DE DANO AMBIENTAL


Patrícia Grazziotin Noschang................................................................................................................................................ 959

NANOTECNOLOGIA E AMBIENTE: DO PASSADO AO PRESENTE – os desafios para a sociedade contemporânea


Rafael Luiz Ferronatto; Raquel Fabiana Sparemberger........................................................................................................ 967

MOVIMENTO S.O.S. GRAVATÁ: uma Experiência de Participação Cidadã na Tutela Jurisdicional do Meio Ambiente
Local no Município de Florianópolis/SC
Renato Miranda Pellegrini, Msc.; Robson Correa; Rogério Portanova, Dr........................................................................... 985

O RISCO À MARGEM DO DIREITO AMBIENTAL: Um estudo a partir da nanotecnologia


Roberto de Oliveira Almeida.................................................................................................................................................. 1002

O ESTADO DE DIREITO AMBIENTAL E A EFICÁCIA DE SEUS INSTITUTOS CONTRA O ESTADO DE RISCO


Ruan Espíndola Ferreira....................................................................................................................................................... 1017

SERVIDÃO AMBIENTAL NO DIREITO BRASILEIRO E COSTARRIQUENHO


Sônia Letícia de Mello Cardoso............................................................................................................................................. 1032

GESTÃO AMBIENTAL NA SOCIEDADE DE RISCO: Notas sobre a apropriação do discurso ecológico pela empresa
Thaís Emília de Sousa Viegas.............................................................................................................................................. 1042

A SOCIEDADE DE RISCO E O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL – A EDUCAÇÃO AMBIENTAL COMO PARADIGMA


DE AÇÃO NA GESTÃO URBANA
Vivian C. K. Dombrowski....................................................................................................................................................... 1054
1

O MODELO ECONÔMICO AGRÍCOLA E A GLOBALIZAÇÃO

ERVANDIL C. COSTA 1
ADAYR DA S. ILHA 2
JULIANO R. FARIAS 3

1 INTRODUÇÃO
O homem nos primórdios de sua civilização teve que se adaptar ao meio
ambiente para poder sobreviver. Neste contexto, houve a necessidade da
produção de alimentos dentro de uma organização primitiva (não evoluída).
Este procedimento, sem duvida, estava atrelado ao crescimento gradativo da
população somado ainda ao esgotamento progressivo das reservas naturais, o
que o obrigava ao contínuo deslocamento. Em decorrência destes aspectos o
homem optou pelo cultivo de seus próprios víveres para suprir suas
necessidades de sobrevivência.
Gradativamente foi surgindo uma agricultura, a princípio primitiva e
rudimentar, em todos os sentidos, mas que, ao longo do tempo ocupou um
novo cenário no sentido organizacional e produtivo. Entretanto, até a chamada
“Revolução Verde” os avanços técnico-científicos nesta área, foram poucos
significativos Entende-se que a “Revolução Verde” era a autêntica
globalização, pois já podiam ser detectados diferentes pontos de conexão em
comum com a moderna globalização. A partir da década de 60, criou-se a
necessidade de produzir, em termos quantitativos e, conseqüentemente, o
crescimento estava centrado na “economia”, produzir para o mercado, era,
portanto o lema proposto era a fatídica mercantilizarão. Para que houvesse
crescimento com fundamentação no desenvolvimento econômico foi
necessário aplicações de volumes significativos de insumos agrícolas tais

1
Prof. Titular da Universidade Federal de Santa Maria e Mestrando do curso de pós-graduação em
Integração Latino-Americana (UFSM). E-mail: ervandilc@gmail.com
2
Prof. Associado da Universidade Federal de Santa Maria. E-mail: adayrsmail@gmail.com
3
Mestrando do programa de pós-graduação em Agronomia. E-mail: julianofarias@gmail.com
2

como: fertilizantes e agrotóxicos, complementados pela utilização intensiva de


máquinas agrícolas. Foi necessário investir no campo da genética vegetal. Este
período pode ser considerado como o divisor entre duas épocas; uma antes do
surgimento da mecanização agrícola e da tecnologia e, a outra a partir desta,
onde o cenário foi ocupado por uma agricultura no qual a tônica principal foi à
aplicação de tecnologia de última geração chegando a uma “agricultura de
precisão”.
Não se está aqui desmerecendo a chamada “Revolução Verde”, mas
apenas testemunhando o que foi um período que marcou sua época, servindo
hoje, como ponto de referência do desenvolvimento tecnológico. Uma nova
forma de olhar as atividades agrícolas começou a ser estruturada iniciando-se
ao final da década de 70 até final da década de 80, quando houve um repensar
quanto às práticas agrícolas e a retomada de um novo paradigma, com uma
nova dimensão sustentada pelo reflexo de uma agricultura moderna. Esta nova
proposta trouxe, também consigo uma aceleração da desestabilização da
biodiversidade através de processos mecânicos e físicos, conjugado com uma
sociedade de consumo (MEDEIROS, 2004). A prova desta afirmativa já poderia
ser prevista em 1962, quando da publicação do livro “Silent Spring” (Primavera
Silenciosa) de Rachel Carson na qual a autora faz severas críticas ao modelo
agrícola vigente na época. A crítica estava centrada particularmente na
utilização excessiva de agrotóxicos causadores de sérios problemas de
contaminação ambiental. Permeava também na área rural uma situação
precária fruto da substituição do trabalhador rural pela mecanização agrícola,
gerando, por conseguinte, uma evasão da população da área rural para a
cidade, criando, a partir deste fato, situações diversas, particularmente
problemas socioeconômicos nos centros urbanos.
Face a estas questões criou-se a necessidade de uma legislação que
regulasse problemas desta natureza. A pedra angular de uma política agrícola
e agrária, veio pela elaboração da Lei n. 4.504, de 30 de novembro de 1964,
regulamentada pelo Decreto n. 55.286 de 24 de dezembro de 1964. Outras
normativas infraconstitucionais, nesta área, seguiram-se a esta. O legislativo
buscava soluções para questões fundiárias, agrícolas e sociais, porém para o
3

Estado faltava à vontade e a força política para a devida implementação destes


problemas, o que ainda é uma questão mal resolvida, particularmente no que
tange a questão fundiária.
A agricultura conquistava novos espaços, especialmente no âmbito da
tecnologia com ênfase na produção de sementes híbridas (sementes
originadas do cruzamento entre indivíduos da mesma espécie). A tecnologia
aplicada na área de produção agrícola foi uma evolução sem precedente. Na
última fase desta evolução veio a biotecnologia produzindo cultivares
transgênicos de milho, soja, algodão, canola, entre outros. O Brasil passou a
adotar o resultado gerado pela ciência e transformou-se de um país,
nitidamente extrativista em conservacionista, por excelência, seguindo as
“normas” da globalização.
O modelo agrícola tecnicista, incorporando uma agricultura de precisão,
é, sem dúvida, o reflexo da globalização, ou seja, a exportação de tecnologias
do Norte para o Sul, cooptando uma imposição no campo político, econômico,
social e cultural. A ação globalizante já está perfeitamente inserida na
agricultura moderna brasileira, carregando consigo seus aspectos favoráveis e
também os desfavoráveis. Os monocultivos, espécies exóticas, extensas áreas
cultivadas aliadas as cultivares transgênicas são questões que vão determinar,
certamente, uma erosão da biodiversidade (flora e fauna). O Brasil, como um
Estado que faz parte do universo planetário não pode furtar-se desta realidade,
pois tanto os estadunidenses como os europeus, estão nesta trilha. Na
verdade, negar a biotecnologia é negar também o potencial econômico, social
e mesmo o ambiental, variáveis, estas constituintes das ciências da vida e da
própria biotecnologia.
O sistema agrícola em curso no Brasil deve ser repensado, pois, o solo
brasileiro pode estar chegando a seu limite, portanto tecnologias como o
Sistema Plantio Direto (SPD) pode ser um elemento importante no elo entre
produção e desenvolvimento, devendo, portanto ser mais bem pesquisado e
incentivado. Os constituintes biológicos do universo estão em contínua
evolução. Nesta sistemática se encontra incluso o homem que cria
constantemente novas necessidades para sua sobrevivência e bem estar.
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Considerando os aspectos abordados e dentro de uma análise crítica do


tema proposto acredita-se que os latifúndios agrícolas deverão, talvez, serem
redimensionados, bem como áreas extensivas com monocultivos transgênicos.
Neste sentido é que se pretende enfocar a abordagem proposta,
particularmente direcionando a discussão para dois objetivos, demonstrando os
pontos positivos e os negativos dos monocultivos sob o viés da globalização de
um modelo agrícola tecnicista, bem como apontar técnicas que são usadas
como medidas compensatórias dos possíveis danos causados ao meio
ambiente.
Na construção de novos conhecimentos ou sistemas de abordagem do
direito ambiental, particularmente com relação à preservação do meio
ambiente, partiu-se do geral para o particular alinhavando uma metodologia
indutiva e concluindo com uma dedução dos fatos contactados nos diferentes
textos. Será tido, como instrumento fundamental na elaboração deste trabalho
o método analítico.

2 GLOBALIZAÇÃO E O MODELO AGRÍCOLA DO SÉCULO XXI


Naturalmente que não se pretende definir, o significado da sua
constituição semântica, do termo “globalização”, porém busca-se um
questionamento quanto ao aspecto de abrangência global de seu conteúdo.
Desta forma, conceituar “globalização” dentro do mundo dos fatos é tarefa
bastante complexa. Para reforçar este posicionamento procurou-se
sustentação nas palavras de Prado (2006, p. 2) quando afirma que “somente
ao fim da década de 1980 e, particularmente, na década de 1990 é que o termo
“globalização” veio a ser empregado principalmente em dois sentidos: um
positivo, descrevendo o processo de integração da economia mundial; e um
normativo prescrevendo uma estratégia de desenvolvimento baseado na rápida
integração com a economia mundial”. Há evidências, quanto a esta colocação
conceitual, porque se vislumbrava como pano de fundo, que a globalização
seria uma estratégia dos paises do Norte em relação aos do Sul, alavancada,
particularmente por interesses econômicos cuja viabilização será,
forçosamente, por empresas transnacionais.
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Com esta perspectiva a globalização determinou centros por excelência,


de produção de tecnologias, serviços e bens de consumo que, gradativamente
se deslocaram do Norte em direção ao Sul cuja ponte de ligação, como já foi
mencionada são as empresas transnacionais (PRADO, 2006). Estes aspectos
determinaram conseqüentemente mudanças de rumo de toda uma organização
mundial, no campo político, social e, sobretudo econômico, orientado pela
globalização. Neste sentido, o capitalismo, que veio em seu bojo, incorporando
um processo exploratório na área social (como mão-de-obra escrava e infantil)
e dos recursos ambientais em decorrência da expansão das áreas de produção
primária, objetivando sobremaneira o “ter” em detrimento do “ser”.
O agronegócio sustentado pela agricultura, pecuária e silvicultura se
encontra, hoje, perfeitamente conectado com tecnologias adaptadas para dar
suporte a ganhos de capitais e que, necessita, no entanto de um complexo de
variáveis interdependentes para a obtenção de um sucesso satisfatório. Na
agricultura, por exemplo, listam-se como fatores fundamentais, a
disponibilidade de sementes de qualidade superior, fertilidade de solo, proteção
fitossanitária, técnicas adequadas para manutenção da biodiversidade,
armazenagem, e garantia de preços compatíveis com a realidade. Com estes
indicadores o Brasil, como país em desenvolvimento demonstra que a pedra
angular da sua economia é de fato a produção primária. Nesta perspectiva o
Brasil é o país que apresenta ainda uma das maiores fronteiras agrícola do
mundo para expansão, naturalmente sem haver necessidade de
desflorestamento e também sem provocar decréscimos em áreas agrícolas
específicas para cada cultura. Fato este que não acontece na Europa ou nos
Estados Unidos onde, se houver o avanço de uma determinada área de cultivo,
de milho ou de soja, por exemplo, deve haver uma redução correspondente de
outro cultivo, porque não há como incorporar novas áreas agricultáveis, pois
estas chegaram a seu limite. Para a agricultura a globalização trouxe ainda
como conseqüência mediata um significativo desenvolvimento de produtos
exportáveis que passou a serem cultivados em larga escala.
O Brasil, em curto espaço de tempo, passou a ser um dos maiores
exportadores mundiais de soja em grão, açúcar, carne bovina, suco de laranja
6

e tabaco. Percebe-se claramente que estes produtos, exceto o tabaco, são


cultivados em extensas glebas e com a utilização de pouca mão-de-obra
(JALES, 2009; JANK et al., 2005). Naturalmente que, em paralelo ocorrem
importações de produtos, dos quais a produção brasileira é limitada, como:
trigo, fertilizantes e agrotóxicos, entre outros. Neste viés a globalização reflete
uma relação devidamente ajustada entre exportação/importação cujos dados
recentes confirmam esta posição, (JALES, 2009).

3 IMPACTO DO ATUAL MODELO AGRÍCOLA SOBRE O MEIO AMBIENTE


O surgir de uma nova tecnologia a partir de conhecimentos simples e
que ao longo do tempo vai evoluindo tende, invariavelmente a chegar ao
pináculo, que é o ponto máximo de seu desenvolvimento. A biologia (incluindo
os hominíneos), também percorre os princípios gerais que regem a natureza
que é a própria evolução. Lançando um olhar cosmológico e buscando as
origens da evolução que ocorreu na área das ciências agrárias não se pode
dissociar esta da evolução do homem uma vez inserido no contexto da “aldeia
global”. Obviamente, o homem e a agricultura constituem as duas faces de
uma mesma moeda. No principio os hominíneos foram empurrados para as
savanas, saindo de seus nichos primitivos, as florestas, e passaram a buscar
alimentos constituídos de proteína animal (STEINER, 2006). Nessa seqüência
a agricultura surgiu como uma alternativa de sobrevivência há 900 anos
quando os povos nômades passaram a se fixar em determinadas áreas
apropriadas para produzir o seu alimento. Todavia o uso indevido dos recursos
naturais, objetivando a produção agrícola, não é uma prática recente, porém
acompanha o homem desde as primeiras civilizações e contribuiu, de forma
definitiva, para a decadência e desastres ecológicos de muitas civilizações.
A exploração irracional do meio ambiente incluindo grandes glebas
contínuas e que estão sendo destruída com a finalidade de estabelecerem
empresas destinadas a produção de carne, grãos e fibras, quase que
exclusivamente para a exportação. Esses fatos estão inclusos em um sistema
eminentemente produtivo determinando, de forma implacável que biomas tais
como a mata atlântica, o cerrado e a floresta amazônica sejam
7

inadequadamente explorados com o intuito único de gerar superavit na balança


comercial acabando de beneficiar somente uma parcela reduzida da população
brasileira. A expansão da fronteira agrícola em direção ao cerrado ou a floresta
amazônica, realizada, iminentemente por oligopólios nacionais ou mesmo
transnacionais, não respeita a manutenção da biodiversidade e nem mesmo
cumpre a função social da terra a qual é prevista na lei brasileira
(RHEINHEIMER et al., 2004).
O Brasil é hoje um dos maiores produtores de grãos do mundo. Este
índice expressivo alcançado no ranking de produção mundial tem sido obtido
com o emprego massivo de tecnologias e com a incorporação de áreas
agricultáveis, principalmente desflorestadas. Esse processo determinou o
surgimento dos chamados monocultivos, ou seja, extensas áreas semeadas
com uma única cultura que, por sua vez provocam uma fragilização da
diversidade biológica.
De conformidade com a abordagem até então pontuada Andriulo et al
(2004, p. 80) refere que “a agricultura esta cada vez mais se tornando
especializada e homogênea. O efeito, do novo sistema de produção se
caracteriza por ter grandes superfícies sobre semeadura direta continua e alta
pressão por cultivos mais rentáveis: soja”. Este mesmo autor comenta que a
agricultura contribui de forma significativa na contaminação de solos e águas
subterrâneas, especialmente quando se realizam monocultivos. O atual modelo
agrícola seguiu uma trajetória extremamente impactante sobre o meio
ambiente ao longo de sua história, iniciando-se pela degradação do solo em
decorrência da erosão, contaminação de águas por nitratos e por ultimo a
contaminação por agrotóxicos, existindo hoje uma contaminação generalizada
do meio ambiente. Nesse sentido Estrada Oyuella (1993, p. 21) comentam que
“alguém disse que os pobres contaminam o solo e as águas doces e os ricos a
atmosfera e o mar, porém, não é assim, porque a agricultura intensiva
subsidiada pelos países desenvolvidos deteriora o solo e contamina rios e
águas subterrâneas. A produção de bens e serviços que preservem os
recursos naturais requer a substituição de técnicas produtivas, mas também a
modificação de estilos de vida orientados para o consumo desmedido”.
8

Os agrotóxicos denominados de xenobióticos têm sido os principais


agentes poluidores das águas. A questão torna-se preocupante considerando
que no Brasil, o consumo desses produtos tem aumentado significativamente
nas ultimas safras agrícolas, conforme relato de Rheinhemer et al. (2004).
Nesse mesmo sentido os autores descrevem (p. 88) que “mesmo no cultivo de
soja transgênica, resistente ao princípio ativo glifosato tem se observado
aumento no consumo de agrotóxicos decorrentes das várias aplicações de
fungicidas e inseticidas”. Acrescentam também que, a simplificação do sistema
de produção com a utilização de sementes transgênica tem mantido altos os
riscos de contaminação da água com vários tipos de agrotóxicos.
Uma das alternativas para a redução desses impactos ambientais,
causados pelos nono cultivos, é a aplicação de técnicas que objetivem a
sustentabilidade ecológica. Atualmente a ciência apresenta alternativas no
sentido de tornar, sistemas altamente impactantes em sistemas menos
agressivos do ponto de vista ecológico (FEDERIZZI, 2001). A pressão da
sociedade e, em especial de instituições de cunho ambientalista tem feito
repensar o atual sistema de cultivo extensivo onde a biodiversidade dá lugar a
uma agricultura que fornece nutrição e proteção a uma população de planta
geneticamente semelhante. Esse modelo econômico centrado no sistema de
monocultivos, associado ao emprego de volumes consideráveis de insumos,
tem se mostrado insustentável ao longo dos anos requerendo sistemas ou
práticas menos agressivas ao meio ambiente.

4 MEDIDAS COMPENSATÓRIAS QUE PODEM SER INSERIDAS NO


MODELO AGRÍCOLA
Na interface deste processo, cuja abordagem tem como ponto central os
monocultivos agrícolas deve ser colocado que, medidas compensatórias ou
reparadoras devem ser desenvolvidas e viabilizadas. Essas medidas buscam
evitar e, na impossibilidade desta procuram mitigar ou reduzir, pelo menos, os
impactos negativos determinadas pelos monocultivos extensivos de espécies
exóticas e modificadas geneticamente.
9

As atividades desenvolvidas pela cadeia produtiva primária fizeram com


que um novo paradigma surgisse buscando, através de técnicas adequadas
minimizarem os impactos ambientais em decorrência das atividades
econômicas lesivas ao ambiente, mesmo dentro de um modelo agrícola
globalizado.
No entanto a Constituição Federal de 1988 colocou particularmente o
produtor rural numa situação ímpar, de um lado o artigo 170, § único,
determina que: “é assegurado a todos, o livre exercício de qualquer atividade
econômica, independente de autorização de órgãos públicos, salvos nos casos
previstos em lei”. De outro lado a própria Constituição é fática no que tange às
questões ambientais em seu artigo 225, caput, quando diz que: “todos têm
direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do
povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à
coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras
gerações”. O legislador facultou ao homem o direito de produzir seu alimento
utilizando-se, como posseiro, do patrimônio ambiental, porém determinou que,
ao proceder esta atividade ele deve, concomitantemente manter o equilíbrio
ambiental para gerações futuras.
Alguns procedimentos foram desenvolvidos para a solução destes
problemas. Inicialmente se propôs a rotação de culturas, culturas consorciadas,
culturas em faixa e outras. Todos estes processos ou técnicas priorizam um
desenvolvimento sustentável. O pressuposto do desenvolvimento sustentável é
sem duvida o crescimento econômico, fundamentado na produtividade e
alocação de emprego, para que desta forma fique contemplado o binômio:
desenvolvimento econômico e social. A âncora sobre a qual se encontra
alicerçado o crescimento econômico é o meio ambiente. Neste contexto
analítico o crescimento econômico evolui para um patamar superior
constituindo-se então, no desenvolvimento econômico atingindo posteriormente
o pináculo desse processo evolutivo que é o “desenvolvimento sustentável”
interagindo de forma equilibrada e harmoniosa com seu entorno, ou seja, com
o meio ambiente, o social, o econômico e o político.
10

Acredita-se que hoje o homem esteja mais ciente das limitações dos
bens ambientais tanto dos exauríveis como dos renováveis e, preocupado com
a qualidade alimentar, a vida dos animais e o ambiente, como um todo,
estabeleceu determinadas técnicas que visam atingir os preceitos
constitucionais pertinentes a um ambiente de qualidade e em equilíbrio. Uma
das técnicas proposta é o SPD. O cultivo sobre palha ou plantio direto, como é
também chamado está perfeitamente embasado num fator fundamental que é a
proteção do meio ambiente. Em toda a estrutura deste sistema o foco central é
a preservação ambiental determinada pela Constituição Federal no inciso I, §
1º, do artigo 225, que determina “preservar e restaurar os processos ecológicos
essenciais e promover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas”.
Neste sentido convêm lembrar que em âmbito internacional, houve diferentes
convenções, declarações, tratados, relatórios ou acordos entre Estados onde a
tônica dominante, em alguns casos, foi à discussão da preservação do meio
ambiente. Portanto, o histórico do SPD teve como ponto de origem o novo
paradigma proposto pelo “Relatório de Brundtland”.
Nesta análise histórica relata-se que a Dra. Gro Harlem Brundtland foi
ministra do Meio Ambiente da Noruega, então presidente da Comissão Mundial
sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento e, que por iniciativa das Nações
Unidas sugeriu a constituição conceitual de “desenvolvimento sustentável”. A
partir deste momento histórico houve significativa preocupação com todo o
processo lesivo e predatório que estava sendo imposto ao meio ambiente em
decorrência do modelo econômico vigente na época. Com fundamentação
nestes fatos foi elaborado um documento que levou o nome de “Relatório
Nosso Futuro Comum”, publicado em 1987, e que, em razão dos esforços
despendidos em prol do meio ambiente pela Dra. Gro foi denominado de
“Relatório Brundtland” (MOUSINHO, 2003; MELLO, 2006). Este documento
certamente orientou o constituinte de 1988, a cunhar na Constituição Federal
brasileira o artigo 23, inciso IV, quando pontualmente e, de forma mandamental
determina “proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de
suas formas”.
11

O SPD é uma pratica conservacionista utilizada no mundo inteiro.


Somente nos Estados Unidos são cultivados cerca de 25 milhões de hectares,
seguido pelo Brasil com 22 milhões de hectares, o que equivale, neste caso, a
50% da área total cultivada para produção de grãos (MELLO, 2006). Pelo
exposto concluí-se que o SPD é uma técnica já consolidada como prática
incorporada ao processo mitigatório ou compensatório dos aspectos negativos
provocados pela agricultura convencional e os monocultivos.
A conveniência da prática da incorporação de novas técnicas ao modelo
agrícola vigente determina vantagens tanto direta como indireta, de valor
ambiental incalculável. Far-se-á uma abordagem conectando SPD e Protocolo
de Quioto. Sob o signo do Protocolo de Quioto (que foi aberto em 16 de março
de 1998 e que previa a entrada em vigor 90 dias após a sua ratificação com a
assinatura de pelo menos 55 partes da Convenção, englobando as partes
(países) que contabilizarem no total de 55%, pelo menos, das emissões totais
de Dióxido de Carbono (CO2) com base nas emissões de 1990, conforme o
artigo 25 deste protocolo. O Protocolo de Quioto acena também para a
possibilidade, no caso de não cumprimento desta meta, adquirir créditos de
carbono de empresas que as possui em disponibilidade, conforme determina
pontualmente o artigo 3º e parágrafos de 9 a 12. Textualmente o Protocolo de
Quioto permite a compra de quem possui os créditos de carbono. De acordo
com esta possibilidade o SPD pode ser alinhado neste processo através de
estratégias visando à redução da emissão de gazes de efeito estufa (GEE).
Este objetivo pode ser alcançado através de Mecanismos de Desenvolvimento
Limpo (MDL).
O SPD como técnica proposta para a redução de impactos ambientais
negativos causados pelo agronegócio, como um todo, poderá inserir-se nesta
estratégia, pois esta tecnologia tem a propriedade de seqüestrar carbono da
atmosfera na ordem de 1500 kg/ha/ano, acrescido ainda de 520 kg/ha/ano que
deixa de ser emitida para atmosfera. Somando estes valores o benefício do
SPD, em termos de seqüestro de carbono, é de aproximadamente 2 t/ha/ano
conforme comenta Andrade (2006). É evidente que este benefício conquistado
(seqüestro de carbono) pode ser negociado com aqueles paises (nominados no
12

Anexo I, do PQ) que não atingiram a meta proposta pelo Protocolo de Quioto, é
o que possibilita o artigo 6º, parágrafo 1º, alíneas a, b, c e d, do referido
protocolo.
O SPD não deixa de ser, no entanto uma moeda de duas faces. De um
lado a técnica abordada oferece vantagens excepcionais, trazendo benefícios
significativos para o meio ambiente, principalmente para um processo
extremamente agressivo à qualidade ambiental, como é a agricultura extensiva
em monocultivo. Na outra face se visualiza alguns aspectos negativos. O SPD,
em regiões tropicais, comparado a regiões temperadas, apresenta certa
dificuldade ou até mesmo, incapacidade de incorporar/acumular carbono ao
solo, em função das elevadas temperaturas e precipitação. Este fato faz com
que, a emissão de carbono para a atmosfera seja elevada, assim como
também a de gases que afetam a camada de ozônio e interfere no
aquecimento global (GEE) em função da ciclagem muito rápida da matéria
orgânica em clima tropical. Portanto, o SPD quanto à abordagem desenvolvida
e sob o ponto de vista da conservação ambiental, deveria ser recomendado
somente para áreas de clima temperado.
Na conjuntura ora posta, quem deveria ter entrado em cena seria a
tutela ambiental através do Princípio da Precaução que é o instrumento
devidamente adequado para o caso. Foram abordados somente os pontos
positivos do SPD, porém, os possíveis problemas que poderiam surgir, com
sua adoção ao longo do tempo, não foram analisado, discutido e dado
publicidade. O Princípio da Precaução é pontual quanto ao uso e o momento
de seu emprego é o que pode ser deduzido em razão da Declaração do Rio de
Janeiro quando da Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o
Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro em 1972 (Eco-92). O Princípio
15, objetiva tão somente determinar um rumo para as ações antrópicas em
caso da proposição de novos cenários ambientais enfatizando que se deve:
“[...] proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deve ser amplamente
observado pelo Estado, de acordo com sua capacidade. Quando houver
ameaça de danos sérios ou irreversíveis, ausência de absoluta certeza
científica não deve ser utilizada como razão para proteger medidas eficazes e
13

economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental”. Alguns


resultados negativos podem ser detectados antes do início da atividade
proposta, cabendo, neste caso, a aplicação do Princípio da Prevenção.
Entretanto em outras situações como o surgimento de novas espécies-praga e
a ressurgência de outras, na verdade não eram previstas no início da adoção
deste novo evento o que foi constatado somente a posteriori, neste caso não
houve a aplicação do Princípio da Precaução.

5 CONCLUSÕES ARTICULADAS
No desenvolvimento deste trabalho pode-se verificar que o modelo
agrícola, num sentido amplo, apresenta por natureza, ou na sua estrutura
conceitual ação preponderantemente negativa ao meio ambiente,
determinando com urgência medidas compensatórias de cada cenário
proposto. No entanto, na concepção dos autores cada ação antrópica exercida
na execução de uma nova atividade gera conseqüentemente ganhos marginais
negativos e, que somados apresentam efeito cumulativo seguindo uma linha
reta ascendente.
No processo de mediadas compensatórias para danos ambientais,
independente da aplicação dos princípios da Precaução e da Prevenção
haverá sempre uma parcela de dano que não será possível uma compensação,
portanto os danos ambientais não são 100% compensados ou mitigados. Neste
sentido os instrumentos tuteladores do meio ambiente são remédios
importantes somente na prolongação da vida útil da “aldeia global”. Entretanto,
esta visão cosmológica não é justificativa plausível para a não devida aplicação
dos princípios já consagrados nos processos antropocêntricos.
Incorporando uma visão num sentido sistêmico focado para o modelo
agrícola praticado no Brasil, constata-se que ele se ajusta perfeitamente ao
eixo determinado pela globalização. Os países do Norte buscam suprir suas
necessidades de produtos primários nos países em desenvolvimento em
decorrência de mão de obra barata, grandes glebas cultiváveis e retorno rápido
das culturas em função do tipo de clima. Contudo, este processo provoca uma
degradação ambiental extremamente preocupante. Em resumo os países do
14

Sul produzem para os do Norte e consomem seus produtos industrializados.


Conseqüentemente, os países em desenvolvimento, pela pressão da
globalização criam freqüentemente novas necessidades para consumir e,
perdem ao longo do tempo suas entidades culturais, econômicas e políticas.
Na contra face dos interesses da sociedade, considerando a
manutenção de um ambiente devidamente equilibrado e protegido por
instrumentos específicos da tutela ambiental, depara-se, no entanto com forte
pressão da globalização, da transnacionalização orientada por uma política
econômica neoliberalista. Considerando estas questões o Estado brasileiro se
apresenta fraco e combalido para enfrentar interesses internacionais sobre o
patrimônio nacional.

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2006.
16

OS PLANOS DIRETORES E A NÃO INSERÇÃO DOS EXCLUÍDOS, DO


DIREITO À CIDADANIA E DA CIDADE SUSTENTÁVEL

NARA BEATRIZ PEREIRA ORCI 1


ADIR UBALDO RECH 2

Resumo: O fenômeno urbanização e ocupação pelo homem nunca foi antecedido de normas
urbanísticas de sustentabilidade ambiental, econômica e social, sendo a cidade mais um
projeto de exclusão social do que de garantia da cidadania.
Palavras-chaves: urbanização, exclusão social, sustentabilidade e cidadania.

Abstract: The phenomenon urbanization and occupation by the man was never preceded of
town planning standards of environmental, economical and social sustainability, being the city
one more project of social exclusion of which of guarantee of citizenship.
Key words: urbanization, social exclusion, sustainability and citizenship

A cidade nasce da própria necessidade de segurança, convivência e do


desejo do homem em construir um local ideal para viver. Mas ao longo da
história, a elite dominante sempre estabeleceu informalmente a ocupação e a
organização do seu espaço, deixando as classes mais pobres para fora dos
limites e muros da cidade, negando-lhe a cidadania.
O atual perímetro urbano, nada mais é do que uma linha imaginária que
substitui o muro das cidades antigas, que protegia os citadinos de malfeitores,
assaltantes e controlava a entrada de camponeses e desempregados. O
traçado do perímetro urbano deixa, hoje, fora dos limites da cidade aqueles que
não têm recursos para pagar a moradia, segundo as normas de parcelamento
e ocupação do solo previstas pela lei da cidade, mas também não reconhece

1
Mestre em Direito Ambiental. Especialista em Direito Ambiental e Imobiliário. Advogada. E-mail:
naraorci@terra.com.br
2
Mestre e Doutor em Direito Público. Professor de Direito Urbanístico Ambiental do Mestrado em
Direito Ambiental na Universidade de Caxias do Sul. E-mail: Rechadvogados@pro.via-rs.com.br
17

como cidadãos a grande parcela da população que mora na zona rural, eis que
totalmente desprotegida de normas urbanísticas.
Na realidade o fascínio que a cidade exerce sobre os homens sempre foi
utilizado como poder dos “donos das cidades”, em garantia de seus privilégios
e do seu bem-estar. Nunca houve preocupação em definir um projeto de
cidade, a curto, médio e longo prazo, mais abrangente, que contemplasse
todos os aspectos do desenvolvimento sustentável e indistintamente todas as
classes sociais, urbanas e rurais. A ampliação do perímetro urbano, prática
adotada depois que encostas, morros e arredores foram ocupados de forma
desordenada, em total desrespeito ao meio ambiente, tem mais a finalidade de
cobrar tributos, especialmente o IPTU, antes de ser um gesto concreto de
inclusão social e de melhoria das condições de infra-estrutura, qualidade de
vida e reconhecimento do direito de cidadania.
O centralismo do poder no Estado moderno, e de forma particular no
Brasil, sem dúvidas, prejudicou o desenvolvimento das cidades. Mas, apesar da
restrita autonomia dos municípios, é de sua competência e responsabilidade a
iniciativa de criar normas definidoras de uma cidade sustentável, e não-
excludente. No entanto, a exclusão social praticada hoje, com o advento do
Estatuto da Cidade, fora ou dentro dos “muros” ou do perímetro urbano, é
histórica e cultural. Não começou com o Imperialismo e o Absolutismo, mas
nasceu na origem das próprias cidades, contrariando sua intrínseca função
antropológica. Ao contrário do que afirmou Rousseau de que no pacto social de
formação do Estado, mesmo desiguais em força ou talento, os homens se
tornam iguais por convenção de direito, 3 na formação das cidades,
historicamente e até os dias atuais, sempre houve, na verdade, um pacto de
exclusão social, tendo como instrumentos normas urbanísticas informais
adotadas pela elite dominante e transformadas em direito nos nossos
municípios. Por isso, a correção dessa prática começa nas próprias cidades e
não pode ser apenas atribuída ao centralismo, como desculpa de que a
iniciativa deve partir da União e não dos municípios.

3
ROUSSEAU, O contrato social.São Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 30
18

O Direito produzido pelo Estado centralizador, na prática, nunca impediu


a definição de um projeto de cidade que contemplasse os interesses de todos e
visasse ao bem comum. A exclusividade da União, em alguns campos do
Direito, apenas restringiu a atuação dos municípios, especialmente no que
tange à disponibilidade de recursos. A verdade é que os municípios nunca
tiveram grandes preocupações em estabelecer normas de direito no
ordenamento das cidades. O próprio Direito, conforme afirma o professor Nicz,

teve sempre a predominância privatística que, por influência


romana, impera de um modo geral no pensamento dos
juristas, uma vez que o direito privado alcançou o mais
completo grau de elaboração doutrinária, tendo o direito
público sofrido ingerência em seu campo, o que traz, muitas
vezes, a insegurança e a incerteza na perfeita definição de
seus institutos. 4

Assim sendo, as relações jurídicas nas cidades sempre foram de ordem


privativista, construídas sob a ótica dos interesses da classe dominante, nunca
formando institutos jurídicos criadores de um sistema também jurídico de
Direito Público que estabelecesse, de forma efetiva, legítima e eficaz, regras de
direito, ordenando a forma de crescimento e contemplando a ocupação de
espaços para todas as classes sociais, com vistas à preservação do meio
ambiente e à construção de uma cidade sustentável e geradora de bem-estar
para todos. Estando a administração pública vinculada a lei, o planejamento
municipal tem como principal instrumento, a lei. No entanto, nas Secretarias de
Planejamento, sequer há uma divisão especializada que trabalhe de forma
epistêmica, hermenêutica, sistemática e permanente, a questão do
ordenamento jurídico, como meio eficaz de planejamento das cidades. A
profusão de normas sem efetividade, eficácia e unidade, não conduzem a lugar
algum e é exemplo da insignificância que a lei tem como, instrumento efetivo
de organização das cidades.
A construção das cidades na América Latina e, particularmente no
Brasil, não prescindiu totalmente da inexistência de projeto, apesar de inexistir
qualquer norma de Direito Público sobre o tema, mas se trata de cópia de um

4
NICZ, Alvacir Alfredo. Estudos de direito administrativo. Curitiba: JM, p. 8.
19

modelo clássico, construído por particulares, sem a intervenção do Estado,


para abrigar a classe dominante. Tais projetos estabeleciam apenas uns
traçados, que previam um único centro, com a praça, a igreja, prédios para a
administração e um em torno quadriculado destinado à residência dos
colonizadores. Sempre foi um projeto privativista, sem normas de Direito
Público que ordenassem forma de crescimento e sem nenhuma base científica,
com preocupações antropológicas, ambientais e de bem-estar a todos. Os
colonizadores não tinham uma legislação que definisse um projeto de cidade,
mas um mapa que traçava a forma de ocupação de um espaço limitado, cópia
das cidades clássicas da Europa, tendo o tamanho das suas necessidades e
seu conforto. As construções não seguiam nenhuma legislação, mas eram
reproduções de prédios com arquitetura tradicional e histórica. Não havia
preocupação alguma em garantir direitos para todos, em projetar o futuro, mas
apenas em contemplar o presente, especialmente o bem-estar dos
colonizadores.
Nesse compasso afirma Hardoy “que a forma urbana das cidades
coloniais se ajustava a um traçado quadriculado que atendia os interesses dos
colonizadores 5.” Não havia espaço destinado às classes mais humildes,
trabalhadores, escravos entre outros. Essas classes sempre estiveram
exiladas 6 das cidades, por serem consideradas indignas, impuras para conviver
dentro dela. E complementa esse autor “que a cartografia colonial raras vezes
expressa visualmente a localização e o traçado dos subúrbios das cidades.
Havia alguns distritos ocupados por alguns grupos mais humildes da sociedade
colônia, mas que não constavam, no plano da cidade”. 7 Ao se verificar, por
exemplo, o plano da cidade do México, datado de 1522, constata-se a
existência de uma praça central, com a localização da igreja, de prédios do
governo e de uma dezena de quadras idênticas, sem nenhuma preocupação
com a ocupação dos arredores, que acabavam sendo invadidos pelas classes

5
HARDOY apub SOLANO, Francisco. Estudios sobre la ciudad iberoamericana. 2. ed. Madrid: CSIC,
p. 316.
6
FUSTEL, Colanges de. A cidade antiga, Trd. Cretella Júnior e Agnes Cretella. São Paulo: RT, p. 183.
Afirma que exilar o homem, segundo a fórmula empregada pelos romanos, era privá-lo do direito de
cidadania, afastá-lo da cidade, por ser impuro e indigno.
7
HARDOY apud SOLANO, Francisco. op. cit. , p. 317.
20

mais humildes, como escravos, trabalhadores, ou mesmo imigrantes e


migrantes que iam chegando depois. 8 O mesmo aconteceu com as cidades
brasileiras, como Salvador, Rio de Janeiro e tantas outras.
A própria cidade de Brasília, projetada pelo nosso reconhecido Arquiteto
Oscar Niemeyer, foi planejada apenas para abrigar o poder político, ignorando
as classes mais humildes que chegariam depois, para as quais não estava
previsto espaços planejados com normas urbanísticas que atendesse sua
necessidade de morar de acordo com suas possibilidades econômicas. Em
decorrência surgiu dezenas de outras brasílias ao em torno da dita “cidade
planejada”.
Apesar da cartografia do núcleo básico que deu origem às principais
cidades da América Latina, não se tem conhecimento de qualquer preocupação
em adotar uma legislação que tivesse estabelecido princípios e diretrizes
norteadoras do desenvolvimento das cidades. Com o tempo, especialmente
com a industrialização, elas foram crescendo, no em torno de um único centro
planejado, de forma espontânea e sem critérios. Hardoy observa que:

a legislação espanhola em matéria urbanística do século XVI


contém algumas disposições gerais sobre o traçado de uma
cidade, que contempla a forma como o clima afeta a
comunidade e a saúde dos habitantes. Trazia recomendações
sobre a localização da praça de uma cidade costeira ou do
interior do território. Mas nada recomenda sobre a variação
das formas urbanas em relação às características geográficas
locais. Contempla o núcleo destinados aos colonizadores, mas
não existe nenhum mapa que reserve espaços destinado aos
escravos, trabalhadores, índios, imigrantes, bem como a forma
de sua ocupação. 9

Conforme Fustel, voltando na História e na origem da própria cidade, “a


lei das cidades não existia para o escravo como não existia para o

8
Ibidem op. cit., p. 320. (Ver a cartografia da cidade do México.) Já na p. 326-329 afirma que a coleção
contemporânea de planos de cidades antigas e pouco numerosas. Existem coleções de cartografia das
cidades de Lima, Cartagena, Caracas, Rio de Janeiro, Salvador, São Paulo, Buenos Aires, México, etc. o
que dá a idéia exata de como nasceram e se desenvolveram as mais recentes cidades. Mas, dos 134 planos
conhecidos, a maioria segue o modelo clássico, sendo que apenas 14,95% não têm esquema definido. O
fato de não ter nem o projeto inicial definido demonstra a despreocupação com a definição de normas,
sequer de nascimento, muito menos de crescimento.
9
HARDOY apud SOLANO, op. cit., p. 343.
21

estrangeiro”. 10 Todo aquele que não cultivava o mesmo deus da cidade ou


morava fora dos muros ou em outra cidade era considerado estrangeiro.
Cidadão era aquele que era admitido na cidade. 11 A plebe, os de fora da
cidade de Roma, possuía uma terra sem caráter sagrado, profana e sem
demarcação. 12 Eram os fora-da-lei. Da mesma forma, hoje as leis urbanas não
existem e as que existem não servem para os pobres, para os que não podem
adquirir um terreno dentro das normas urbanísticas da cidade. Eles até podem
construir, mas sem previsão legal, fora do perímetro urbano, onde não há lei
para construir, porque não há cidadãos no sentido de residente da cidade. Os
patrícios e plebeus 13 das antigas cidades romanas, repetem-se nos dias atuais,
na figura do cidadão e do favelado ou do morador do loteamento irregular,
normalmente fora do perímetro urbano, distante ou nos burgos que surgem ao
redor das cidades.
O plebeu podia tornar-se patrício, assim como o favelado ou morador
dos loteamentos irregulares, pode virar cidadão. Mas a realidade
historicamente pouco se alterou. Substituíram-se os figurantes, ontem plebeus,
hoje favelados ou moradores de loteamentos ilegais.
A diferença hoje é que a lei considera todos iguais, mas leis iguais não
servem para desiguais. A inexistência de normas adequadas e não-
excludentes sempre foi regra de ocupação das cidades. A própria Europa viu
surgir, fora do núcleo central, o crescimento de bairros sem nenhuma condição
de vida digna, maiores do que a própria cidade, constituindo-se num verdadeiro
caos urbano. Somente em 1909, em Londres, foram aprovadas as primeiras
normas de planificação. Na defesa da lei, Burns, presidente da Junta Governo
Local, afirmava:

Precisamos evitar a construção de bairros humildes. Esses


lugares que dão guarida a ladrões, a imundices devem
desaparecer. A finalidade desta lei é oferecer condições que
permitam a gente melhorar a sua saúde física, seu caráter,

10
FUSTEL, op. cit., p. 175.
11
Ibid., p. 174-175.
12
Ibid., p. 221.
13
Ibid., p. 129-223, define patrício como aquele que mora na pátria, na cidade, e plebeu aquele que mora
fora da cidade, que não tem pátria, não é cidadão.
22

suas condições sociais em conjunto. Esta lei pretende e


espera proporcionar uma casa bonita, um povo agradável, um
bairro saudável e uma cidade dignificada. 14

Hall acrescenta em seu comentário ao discurso de Burns, que a lei era


contraditória em relação à maneira como as autoridades locais deviam dispor
de suas propriedades para organizar a questão habitacional, restringindo-se
mais à construção de casas populares do que propriamente em definir a
ocupação e a organização de espaços adequados para todos, reclamando que
as autoridades locais deviam ter mais poderes para encaminhar soluções. 15
As autoridades locais, especialmente no Brasil, sempre tiveram mais
responsabilidades do que poder. Poder significa não apenas a possibilidade de
iniciativa em definir um projeto de cidade, mas as condições reais de construí-
lo, o que implica competência em legislar e, ao mesmo tempo, financiar a infra-
estrutura adequada, tema dependente de um novo pacto federativo
amplamente abordado no Brasil. O fato é que aquela legislação adotada por
Londres previa muito mais a edificação e uma campanha de reconstrução das
subabitações do que normas de um projeto de cidade com inclusão social e
previsão de espaços adequados para a classe pobre. 16 O próprio discurso do
Presidente da Junta do Governo Local é discriminatório, ao afirmar que
“precisava evitar a construção de bairros humildes”, ignorando que o que
precisava era exatamente o contrário, isto é, garantir a construção de bairros
humildes, em espaços adequados através de zoneamentos especiais, de forma
ordenada, planejada e que garantisse um mínimo de preservação do meio
ambiente e dignidade.
No Brasil, em decorrência dessa herança cultural e apesar do Estatuto
da Cidade, ainda se persiste em seguir os traçados, as linhas, os tipos de
quadra, de praça, um único centro, a falta de destinação de espaços para as
classes pobres e a total inexistência de normas na zona rural, tudo refletido nos
novos Planos Diretores. Costa, ao comentar a urbanização no Brasil, no século
XIX, afirma “que a estrutura urbana atual pouco tem variado com respeito a
14
HALL, Peter. Ciudades del mañana: historia del urbanismo en el siglo XX. Trad. de De Consol Feixa.
Barcelona: Serbal, 1996. p. 63.
15
HALL, op. cit., p. 40 e 63.
16
Ibid., p. 63-64.
23

estrutura herdada da colônia, sendo que todas as cidades de maior


17
importância trazem traços da origem colonial”. A preocupação em seguir a
forma clássica das cidades européias fazia com que os colonizadores
ignorassem a topografia, a nova realidade, fato culturalmente levado ao
extremo, encontrando-se ainda hoje modelos de planos de cidades, feito a
distância, sem grandes preocupações com o meio ambiente, com a cultura, os
costumes, a economia e os problemas sociais.
A ocupação desordenada das encostas de forma irregular ou por favelas
com todas as suas consequências conhecidas no Brasil, é resultado da visão
de que essas áreas eram inúteis, sem valor e nunca foi dada uma ocupação
adequada no projeto de cidade e depois nas leis de parcelamento do solo.
Como não existia e não existe preocupação em planejar espaços para as
classes mais pobres essas áreas baratas ou sem destinação, passaram a ser
ocupadas pelos excluídos, surgindo favelas em morros na quase totalidade de
nossas cidades. Vale observar o que afirma Aranovich “que a topografia
impedia a realização de plantas regulares e muitas vezes a forma clássica era
implantada exprimida entre morros. Rio de Janeiro e São Paulo, por exemplo,
cresceram nas encostas de forma espontânea e não planejada”. 18 Costa,
entretanto, afirma que “a maior parte dos núcleos urbanos do século XIX
caracteriza-se pelo descuido total com as normas, sendo imprecisos os
próprios limites da zona rural com a zona urbana”, 19 o que se impõe hoje com o
advento do Estatuto da Cidade. Mas apesar disso são raras as cidades que
adotaram um Plano Diretor que planeje a ocupação de todo o território do
município.
Ao seguir rigorosamente a forma clássica e ignorar a topografia local, o
meio ambiente, os colonizadores não conseguiram sequer ajustar-se e manter
as normas clássicas de urbanização. Na transição de um país agrícola para um
industrializado, o processo de urbanização foi acelerado, e os planos de
cidades tradicionais não foram adequados e o crescimento foi sem normas

17
COSTA apud SOLANO, Francisco. op. cit., p. 397.
18
ARANOVICH apud SOLANO, Francisco. op. cit., p. 388.
19
COSTA apud SOLANO, Francisco op.cit., p. 46.
24

urbanísticas culminando com a exclusão social, o que é confirmado por Osório


e Menegassi:

A ausência de planejamento urbano para as Cidades, ou


melhor, para uma significativa porção do território das cidades,
intensificou o crescimento das periferias, principalmente
metropolitana. A legislação cumpria a função de estabelecer
padrões de qualidade elevados para determinadas áreas da
cidade, geralmente centrais e bem localizadas, cujo preço só
podia ser pago pela elite. Se não havia como pagar o preço, a
solução era construir onde a legislação não era tão exigente:
na periferia, nos rincões. 20

A constatação feita é tão velha (mas tão nova), que se verifica, nas
atuais legislações, total despreocupação com um projeto de cidade para todos.
Nessa mesma direção vai a afirmativa de Costa:

que as transformações ocorridas na segunda metade do


século XIX, com o desenvolvimento das linhas férreas,
imigrações, crescimento relativo ao mercado interno,
industrialização, não foram suficientes para alterar
profundamente os padrões tradicionais de urbanização que se
configurou no período colonial, que vivia na dependência do
meio rural. 21

Conclui a autora “que o estudo do fenômeno urbano brasileiro, no século


XIX, prova sua origem no modelo clássico característico de uma economia
colonial, ignorando que a periferia cresceu e não se ajusta ao modelo
clássico.” 22 A maioria das cidades coloniais ajustava-se a um traçado
quadriculado, quando dotadas de normas formais, já as cidades espontâneas
foram construídas ao longo dos caminhos, seguindo o traçado do próprio
caminho, conformando-se em alguns aspectos com o modelo clássico,
especialmente a praça, a igreja e os prédios públicos. 23
Foi nos subúrbios do quadriculado fundado pelos colonizadores, ou ao
longo dos caminhos, que cresceram as cidades brasileiras, sem regras, sob o

20
OSÓRIO; MENEGASSI. Estatuto da cidade e reforma urbana; novas perspectivas para as cidades
brasileiras. Porto Alegre: S. Fabris, p. 43.
21
COSTA apud SOLANO, Francisco, op. cit., p . 399.
22
Idem.
23
HARDOY apud SOLANO, Francisco, op. cit., p. 316, 321.
25

olhar omisso das autoridades, ou ainda junto a uma igreja, escola ou mina, sem
nenhuma preocupação com sua expansão mais ordenada. De outra parte,
conforme Aranovich, as primeiras cidades brasileiras representavam para os
habitantes a segurança (ou ilusão de segurança), de que pudessem viver ou
continuar a viver com os mesmos costumes de sua pátria mãe.
O que se constata é que, durante muitos séculos, insistiu-se no fato de
que a cidade restringia-se a um centro urbano culturalmente herdado da
colonização, ignorando o em torno que se expandia de forma diversa,
espontaneamente subindo morros e descendo vales, sem nenhuma legislação
que pudesse ordenar e adequar seu crescimento. Hardoy reforça o já dito,
afirmando que,

a origem dos centros urbanos, planejados ou espontâneos e


as funções que cumpriam estavam intimamente relacionadas
com sua colonização. Foram os fatores que mais influenciaram
para desviar as cidades colônias de uma legislação que se
pretende orientar, mediante certos princípios urbanísticos,
adequados a nossa estrutura geográfica e social. 24

Continua o pensador:

o modelo clássico, sem dúvida não foi simplesmente


transplantado da Europa para a América. Mas foi um produto
de um processo de aperfeiçoamento de certos conceitos
isolados que pela primeira vez foram integralmente utilizados
na América. A legislação respaldou inicialmente o modelo,
mas não foi capaz de adequá-lo ás novas modificações da
sociedade. 25

Conclui o estudioso: “As ordenações não trazem nenhum parágrafo que


permita variar as formas urbanas em relação às características
26
geográficas.” O resultado é que durante muitos séculos as cidades cresceram
sem normas, nos limites do projeto original que abrigava os colonizadores.
Apesar da modernização das últimas décadas, as cidades têm improvisado
formas urbanas, fabricado miséria nas suas periferias e amargado com o caos.

24
Ibid., p. 344.
25
HARDOY apud SOLANO, Francisco, op. cit., p 344.
26
Idem.
26

Na visão Osório e Menegas, “o processo de urbanização brasileiro


experimentado nos últimos cinqüenta anos produziu um padrão de crescimento
das cidades, de concentração urbana e de uso e ocupação do solo que retrata
nossa modernização incompleta e excludente no contexto global”. 27
Na realidade, o processo de urbanização no Brasil está fora de controle
das autoridades e mesmo com o advento do Estatuto da Cidade, o direito
subjetivo da cidade sustentável, não está assegurado, o que é passível
inclusive de ações populares. Tem-se produzido uma abundância de normas
que carecem de efetividade, legitimidade, eficácia e bases científicas, quer sob
o aspecto epistêmico, quer sob o aspecto hermenêutico da construção do
ordenamento jurídico. Aranovich advoga que “o processo de urbanização na
América Latina, sua forma acelerada de crescimento, sua mudança violenta de
um país agrícola e atrasado para um país industrializado, criou uma série de
problemas, que exigem o encaminhamento de soluções atuais”. 28 O desafio
para reverter a situação, afirma Osório, “é combinar a adoção de medidas e
estratégias de inclusão, valorizando-se o aspecto de desenvolvimento local”. 29
Mas é entendimento que todos conhecem os problemas das cidades, que
muitos estudiosos levantam soluções, mas que ninguém conseguiu contemplar
tudo isso no ordenamento jurídico local de forma que signifique um projeto de
cidade para todos. A epistemologia precisa ser conjugada com a hermenêutica
jurídica, pois a interpretação dos fenômenos não é um exercício abstrato, e a
construção do Direito não é uma tarefa de leigos, mas de cientistas jurídicos e
políticos. Na realidade, o projeto de cidade não contempla toda a realidade sob
a visão das diversas áreas do conhecimento, e o ordenamento jurídico não é
significativo e eficaz.
A nossa legislação de parcelamento e ocupação do solo urbano, como
exemplo, eliminou os “muros” tradicionais das cidades antigas européias pela
adoção do chamado perímetro urbano, incluindo nele todos aqueles que
podiam (e podem) pagar um terreno urbanizado, deixando de fora os pobres,
os desempregados e os que não tivessem recursos para comprar um “lote” ou

27
OSÓRIO, MENEGASSI, op. cit., p. 43.
28
ARANOVICH apud SOLANO, Francisco op. cit., p. 383.
29
OSÓRIO,MENEGASSI, op. cit., p. 42.
27

área de terra inclusa no perímetro. Como morar é uma necessidade vital,


constrói-se em qualquer lugar, fora ou próximo ao perímetro urbano, ou mesmo
dentro dele, e especialmente em áreas inadequadas por serem de baixo custo.
Apesar do direito à moradia ser reconhecido em nossa constituição
como um direito fundamental, reforçada pelo Estatuto da Cidade que inclusive
disponibiliza instrumentos jurídicos para assegurar espaços para as classes
mais pobres, como a instituição de zonas especiais de interesse social,
concessão de uso especial para fins de moradia entre outros, ainda se discute
como fazer, enquanto milhares de pessoas amargam em ocupações
desordenadas nos subúrbios de cidades. O como fazer está na adoção
obrigatória de um projeto de cidade de inclusão social, garantido por normas de
Direito Público efetivas, legítimas e eficazes. O que temos é uma profusão de
normas que não significam um projeto de cidade para todos e não contempla
todo o território do município, mesmo depois do advento do Estatuto da Cidade.
Essa cultura excludente e despreocupada com a maioria da população
se reflete nas leis municipais, que não contemplam espaços, zoneamentos
para os pobres e não permitem o parcelamento de áreas menores, com menor
custo, que buscasse baratear o lote para as classes mais populares. Apesar de
a lei federal de parcelamento do solo, chamada Lei dos Loteamentos
possibilitar lotes com área mínima de 125m², 30 a totalidade das leis municipais
pesquisadas, fixa como área mínima, sempre acima de 250m² para o tamanho
do lote, sendo que a média fica em 360m², muitas vezes acompanhado de
outras exigências, como calçamento e iluminação pública, 31 o que eleva o
custo da terra e impede as pessoas de morarem de forma regular dentro do
perímetro urbano. Os municípios estão amparados no art. 4º, inciso II, da
referida lei federal, ao estabelecer que os lotes terão área mínima de 125m²,
salvo quando a legislação estadual ou municipal determinar maiores
exigências.

30
Veja a Lei Federal 6.766, de 19 de dezembro de 1979, art. 4º, inciso II.
31
Pesquisa do autor em mais de uma centena de municípios brasileiros. Exemplos: Caxias do Sul-RS área
mínima 360m², Curitiba-PR, 360m², Bento Gonçalves,360m2, Farroupilha-RS 360m², Gramado-RS,
360m². Rio de Janeiro, 360m² e São Paulo, 360m².
28

A inexistência de normas urbanísticas de inclusão social acaba


reservando ao poder público a iniciativa de encaminhar loteamentos ou
habitações populares, impedindo que seja feito pela iniciativa privada, o que
multiplicaria a oferta. Mas, como o município dificilmente tem recursos e por
isso não tem uma política permanente de habitações populares, a população
resolve suas necessidades do jeito que pode, construindo de forma irregular,
especialmente em locais inadequados e nas periferias do perímetro urbano e
zona rural.
Normalmente, os planos diretores criam as chamadas Zonas
Habitacionais, mas, ante as exigências, transformam-se em locais para a
moradia da classe média ou dos que tem recursos suficientes para adquirir os
lotes, cujos preços são inacessíveis para grande parte da população. Do ponto
de vista legal, e agora por força do Estatuto da Cidade é perfeitamente possível
e socialmente necessário que os Planos Diretores destinem locais especiais
para a implantação de lotes populares, com áreas mínimas e infra-estrutura
básica, como água, luz e com custo acessível através de incentivos fiscais, ou
por outras formas de financiamento.
A legislação municipal deve planejar todo o território do município,
buscando estabelecer regras de ocupação adequada para todas as classes
sociais buscando assegurar o direito subjetivo previsto no Estatuto da Cidade,
qual seja o direito a uma cidade sustentável para as presentes e futuras
gerações. O planejamento de todo o território do município, com zoneamentos
adequados e de interesse local, é obrigação do poder público e direito subjetivo
do cidadão, conforme prevê o Art. 2º do Estatuto da Cidade. A moradia, a infra-
estrutura, como o transporte, estradas asfaltadas, energia elétrica, educação,
escolas, faz com que a população rural permaneça no interior, evitando o
crescimento excessivo da própria cidade e ordenando o crescimento
32
sustentável em todo o território.
Mas apesar do advento do Estatuto da Cidade que obriga o
planejamento da cidade para todos, constatamos nos novos planos diretores,
nenhuma preocupação com espaços destinados as classes mais pobres, o que

32
RECH, Adir Ubaldo. A exclusão social e o caos nas cidades. Caxias do Sul: EDUC, p. 142.
29

significa que vamos continuar ver crescendo nas periferias, novas cidades sem
nenhuma norma urbanística.
Também se verifica nos novos planos diretores, por falta de
conhecimento, que os nossos municípios não tiveram preocupação alguma
com a forma de ocupação da área rural, ordenando, por exemplo, o
desenvolvimento de vilas, comunidades, capelas, identificando e definindo os
pólos produtivos de determinadas culturas, regulando à agroindústria,
estabelecendo zoneamentos de interesse local com respeito ao meio ambiente,
paisagens e potencialidades naturais e criadas. Sem regras urbanísticas e de
ocupação sustentável na maior parte do território do município, simplesmente
estamos permitindo e incentivando a expansão urbana desordenada,
especialmente das classes mais pobres para as periferias 33.
O que se percebe, na realidade é que nossos governantes tem
sensibilidade, mas carecem de entendimento e que nas suas intenções há um
enorme idealismo de realizar, mudar, possibilitar bem-estar à população, mas
que defrontam-se com um realismo brutal, que exige muito mais do que
idealismo, mas planejamento concreto e racional mediante normas de direito,
que vão muito além do tempo dos seus mandatos, que respeite o espaço, o
tempo e as diversidades, reforçando valores permanentes, mas também
apontando caminhos cientificamente seguros.
Kant afirma “que o tempo e o espaço são duas fontes de
conhecimento”, 34 mas que “sem a sensibilidade, nenhum objeto nos seria dado;
sem o entendimento, nenhum seria pensado 35.” As referências,
contextualizadas no presente, nos levam a concluir que os prefeitos
demonstram sensibilidade, mas falta-lhes o entendimento. Mas o que é o
entendimento? Uma concepção individual de como fazer, que dura enquanto
prefeito, limitada portanto no tempo, que parte do empírico conhecimento das

33
Em pesquisa realizada pelo autor, foram encontradas apenas referências a Planos Diretores de distritos,
mas nenhum plano efetivo. Com relação à zona rural e comunidades do interior, os Planos Diretores não
abordam absolutamente nada, exceto a preservação de algumas capelas históricas. Com o advento do
Estatuto da Cidade, trazemos como exemplo de Plano Diretor Municipal, que trata de forma completa a
zona rural, o Plano Diretor do Município de Bento Gonçalves, RS.
34
KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. Tad. De Manuela Pintos dos Santos. 4. Ed. Lisboa: Coimbra,
1.997,p. 80.
35
Ibid., p. 89.
30

realidades espacial, cultural, econômica e social desprovidas de racionalidade


e cientificidade? Kant nos dá a resposta: “Se o entendimento pode ser definido
como a faculdade de unificar os fenômenos, mediante regras, a razão é a
faculdade de unificar as regras do entendimento mediante princípios.” 36
Princípios, para o Direito, são normas permanentes, superiores, que se
perpetuam no tempo e dão segurança jurídica.
As normas de direito de nossas cidades, não tem preocupação
epistêmica, pecam pela ausência de um processo hermenêutico de construção
do ordenamento jurídico, ignoram as diversidades e as normas efetivas de
convivência local e não estão alicerçadas em princípios e diretrizes, que
possam dar unidade ao projeto de cidade que todos sonhamos e queremos. Os
novos planos diretores mantêm os mesmos defeitos dos velhos planos e
muitas das boas intenções ficarão mofando nas gavetas das prefeituras,
exatamente pela falta de efetividade, mas mais do que isso pela falta de
técnica jurídica na sua elaboração. E a conclusão do maior pensador que
mudou a história da concepção de Estado e de Direito, Kant, socorre-nos mais
uma vez afirmando: “De fato, a diversidade das regras e a unidade dos
princípios é a exigência da razão para levar ao entendimento.” 37
Kant tornou possível e mais rigorosa a noção de conhecimento. É da
reunião da sensibilidade e do entendimento que se obtém o conhecimento.
Mas todo o conhecimento termina na razão que é a faculdade de unificar as
regras mediante princípios. Essa máxima transferida para o Direito é o primeiro
passo para a adoção de normas de direito local eficientes. Os Planos Diretores
existentes atualmente podem ser considerados um esforço de definir um
projeto de cidade, mas carecem de princípios “como deveres de otimização
aplicáveis em vários graus segundo as possibilidades normativas e fáticas.” 38 A
concretização dos princípios depende de diretrizes e regras, cujo conteúdo só
pode ser determinado diante da realidade diagnosticada e prognosticada. As
normas de conduta axiológicas, valorativas dos fatos, concebidas como
princípios é que vão dar segurança jurídica, unidade e eficácia às leis e as

36
Ibid., p. 300.
37
KANT, Immanuel op. cit., p. 302.
38
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 29.
31

diretrizes é que indicam o caminho, garantem direitos e bem-estar à presente e


às futuras gerações.
Por tudo isso, ainda os novos planos diretores não resolvem o problema
de exclusão de grande parte da população do direito a cidadania, pois onde
não há normas efetivas não há cidade, e onde não há cidade não há cidadão.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios


jurídicos. São Paulo: São Paulo: Max Limonad, 1998.

BRASIL. Lei Federal 10.267, de 10 de junho de 2001.

FUSTEL, Colanges de. A cidade antiga. Trad. De J. Cretella Júnior e Agnes


Cretella. São Paulo: Rt, 2003.

HALL, Peter. Ciudades del mañana: história del urbanismo em el siglo XX.
Trad. De Consol Feixa . Barcelona: Serbal, 1996.

KANT, Emmanuel. Crítica da razão pura. Trad. De Manuela Pintos dos Santos.
4. ed. Lisboa: Coimbra, 1996.

NICZ, Alvaciar Alfredo. Estudos de Direito Administrativo. Curitiba:JM, 1995.

OSÓRIO, Letícia Marques; MENEGASSI, Jaquelino (Org.), Estatuto da cidade


e reforma urbana: novas perspectivas para as cidades brasileiras. Porto Alegre:
S. Fabris, 2002.

RECH, Adir Ubaldo. A exclusão social e o caos nas cidades. Caxias do Sul:
EDUCS, 2007.

ROUSSEAU, J-J. O contrato social. 5.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

SOLANO, Francisco. Estúdios sobre la ciudad iberoamericana. 2. ed.


Madrid:CSC, 1983.
32

CONSUMO E OS RISCOS ORIUNDOS DA NANOTECNOLOGIA

CLAUDIA MARIA HANSEL 1


ADRIANE LOPES 2
RAQUEL FABIANA LOPES SPAREMBERGER 3

1 INTRODUÇÃO
A presente investigação tem como temática uma abordagem sobre os
riscos oriundos da nanotecnologia no Brasil por grandes empresas fabricantes
de pesticidas, cosméticos e medicamentos. Esta situação tem ocasionado
muita preocupação no meio científico, visto que não se sabe exatamente os
impactos que podem causar sobre a biodiversidade e aos seres humanos.
Diante desse fato e cientes de que no Brasil essa tecnologia é utilizada
na fabricação de vários produtos, preocupa-se com o fato da ausência de
legislação que regulamente a nanotecnologia e isso poderá ocasionar a falta de
amparo jurídico às pessoas que porventura sejam afetadas por essa
tecnologia. Por isso, aponta-se o princípio da precaução como instrumento
jurídico para auxiliar nas questões oriundas dos riscos que a nanotecnologia
oferece.
Do ponto de vista metodológico a abordagem prevista pode ser realizada
com a utilização de informações secundárias, especialmente considerando a
extensão no tempo desta polêmica e o volume de dados disponíveis em jornais
e revistas. Para atingir o escopo proposto faz-se uma análise a partir das

1
Mestre em Direito Ambiental. Doutoranda em Ciências Sócias pela Universidade do Vale do Rio dos
Sinos- UNISINOS. E-mail: cmhansel@terra.com.br.
2
Mestre em Direito pela Universidade Luterana do Brasil. E-mail: adrianelopes@terra.com.br.
3
Pós-Doutora em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina, Doutora em Direito pela
Universidade Federal do Paraná, professora no Departamento de Estudos Jurídicos da Unijuí e no
Departamento de Direito Público do Centro de Ciências Jurídicas e Sociais da Universidade de Caxias do
Sul e nos programas de Mestrado em Desenvolvimento Gestão e Cidadania da Unijuí e no Mestrado em
Direito da Universidade de Caxias do Sul, professora pesquisadora no CNPq. E-mail:
rsberguer@unijui.edu.br
33

teorias da sociedade de risco, do descontrole a partir dos desdobramentos da


tecnologia e dos impactos ambientais a partir do meio ambiente construído
tendo como referência os autores Ulrich Beck e Anthony Giddens.
De um lado, é inegável que o desenvolvimento científico e tecnológico
proporcionou a ampliação das condições de consumo, trouxe bem-estar nas
últimas décadas, especialmente através de políticas redistributivas. Porém,
para que se alcançasse qualidade de vida, foram explorados e saqueados
recursos naturais sem nenhum critério, isto é, foram utilizados de forma
inadequada, pois os mesmos são insumos, nem sempre renováveis na
fabricação de produtos acarretou a degradação ambiental, a exaustão dos
recursos naturais, bem como a ameaça de extinção de espécies de animais e
vegetais.
Um conjunto de ações antropocêntricas tem acarretado uma crise
ambiental ou civilizatória, colocando em risco tanto um conjunto de direitos
afirmados, quanto a vida em sociedade na qual todas as coisas estão
interligadas. O desenvolvimento em direção ao bem-estar social e as inovações
tecnológicas expõem o ambiente a constantes riscos indesejáveis (TESSLER,
2004). Os riscos e as incertezas em curso suscitam um movimento para erguer
a voz por uma manifestação mais sóbria ou parcimoniosa no uso de recursos
naturais, bem como invoca a adoção de uma visão transdiciplinar. Na
eminência de que os direitos humanos sejam atingidos de maneira irremediável
cresce o apelo para que cientistas naturais e sociais, gestores e usuários,
leigos e peritos trabalhem juntos em favor do alcance de caminhos sábios para
o uso e aproveitamento dos recursos da natureza, respeitando a sua
diversidade. Neste sentido estabelecer-se-ia a educação ambiental como
instrumento emancipatório na luta pela sustentabilidade ambiental.
Relevante mencionar que as circunstâncias atuais da nanotecnologia
implicam num intenso nexo com a industrialização, com modernização e com o
desenvolvimento tecnológico das grandes corporações. Para Beck, a
sociedade de risco origina-se da sociedade industrial e o tipo de sociedade
existente no final do século XX inaugura uma outra fase histórica da
humanidade, na qual finalmente se reconhece que a mesma tecnologia que
34

gera benefícios ao ser humano é também responsável por provocar


inesperadas e indesejadas conseqüências. A característica principal da
sociedade de risco é que as inovações tecnológicas e organizacionais da
sociedade moderna também acarretaram efeitos colaterais negativos, cada vez
mais complexos, imprevisíveis e, alguns deles, incontroláveis. Sendo assim,
levanta-se a seguinte indagação: A sociedade está preparada para refletir
sobre os possíveis riscos oriundos da nanotecnologia e conseqüentemente
mitigá-los?

2 A RELAÇÃO CONFLITIVA ENTRE SOCIEDADE E AMBIENTE


No decorrer da trajetória do homem sobre a Terra, várias foram as fases
do relacionamento dele com a sociedade e o ambiente, elas irão modificar-se
de acordo com o grau de subserviência de um a outro, inclusive em razão do
desenvolvimento tecnológico. Os primórdios caracterizavam-se por ocorrer
uma relação de subordinação da atividade humana aos ditames da natureza,
marcada pelo extrativismo, uma vez que a sobrevivência era garantida pela
caça e coleta de frutos, sementes e folhas.
Passado algum tempo, há um rompimento com esse paradigma pelo
homem, visto que começa a perceber que pode utilizar a natureza em seu
benefício, isto é, constatou que as sementes germinavam ao serem inseridas
no solo, passando assim a cultivá-las. Também verificou que algumas espécies
de animais podiam ser domesticadas por ele, auxiliando nas atividades que
demandavam força, além de poder alimentar-se delas. Assim, nasce o intuito
de constituir o ser humano como senhor da natureza. Todavia, essa pretensão
levou, no mínimo, dois milênios, até gradativamente se instaurar a dominação
da natureza pela sociedade. Ou melhor, é com a modernidade e com todos os
seus atributos – entre os quais a ciência, a tecnologia e o modo de produção –,
que se ratificou esse domínio. (HANSEL; RUSCHEINSKY, 2008).
Nessa linha, Santos (1999) ressalta que houve o cumprimento da
promessa de dominação pelo homem de modo perverso, confirmando-se na
destruição da natureza e na conseqüente crise ecológica.
35

Depreende-se, desse modo, que a modernidade e a preponderância do


antropocentrismo misturam-se à concepção de que tudo que compõe a
natureza possui valor de troca, adquirindo um valor econômico. Justificando-se,
assim, o saque aos recursos naturais como matéria-prima, uma vez que
estariam dispostos para o bem-estar e dos quais se pode dispor como dádiva
da natureza. Quanto mais a industrialização e a tecnologia criam mecanismos
artificiais, nos quais se sustenta o consumo, maior é o distanciamento da
natureza propriamente dita. O homem, ao invés de observar-se como um ente
que pertence à biodiversidade e interagir em um processo de consumo
energético, arvora a titularidade de soberano e reservar-se o olhar para a
materialidade, como a disponibilidade de matéria-prima, visando a objetos que
proporcionem conforto. Esse é o processo histórico ou a dimensão
antropológica pelos quais tudo vem a transpor-se em mercadoria. (HANSEL;
RUSCHEINSKY, 2008).
O consumo massivo teve início na década de 20, em virtude da
revolução tecnológica ocorrida, principalmente, pela aplicação da energia
elétrica às tarefas domésticas (lavadoras, frigoríficos, aspiradores, etc.), e por
três invenções sociais: a produção em massa de uma linha de montagem,
permitiu que o custo do automóvel se tornasse acessível; o desenvolvimento
do marketing, que racionalizou a arte de identificar diferentes tipos de grupos
de compradores e de estimular os apetites do consumidor, e a difusão da
compra a prazo, a qual, mais do que qualquer outro mecanismo social, quebrou
o velho temor protestante à dívida. As revoluções concomitantes no transporte
e nas comunicações lançaram as bases para uma sociedade nacional e o
começo de uma cultura comum. (BELL, 1992, p. 73).
Desse modo, esse consumo massificado expandiu-se e internalizou-se
na sociedade com desenvolvimento do capitalismo industrial, em especial,
após II Guerra Mundial, em razão da forte crise econômica que a Europa
encontrava-se nesta época. Ou seja, precisava-se reerguê-la dos escombros,
reconstruindo-a; porém, para que isso ocorresse, fazia-se necessário fortalecer
economicamente às nações arrasadas e, ao mesmo tempo, garantir direitos
aos cidadãos vitimados pela guerra. O mecanismo encontrado para gerar lucro
36

e riqueza, foi por meio da produção industrial, criando e lançando no mercado


os mais variados produtos. Por essa razão, as empresas começaram a utilizar-
se de técnicas que fizeram com que os consumidores gradativamente
sentissem vontade (despertassem o desejo) de adquirir os produtos, sendo,
portanto influenciados pelas técnicas de marketing a comprá-los.
Verifica-se, com isso, que o consumo massivo presume aceitação, na
esfera decisiva do estilo de vida, da idéia de mudança social e transformação
pessoal, e da legitimidade a quem inovava e abria caminhos tanto na cultura
quanto na produção. (BELL, 1992, p. 73). Verifica-se também que o mercado
criou a necessidade, na sociedade, de consumir produtos, sendo manipulada
pelo mesmo sem disso se aperceber.
Todavia, a face mais perversa do capitalismo é a globalização,
consolidada na década de 90, pois foi um dos mecanismos encontrados para
fortalecer, gerar mais riqueza e lucro aos Estados-nações, bem como às
grandes empresas multinacionais. Isso acarretou o enfraquecimento dos
Estados-nações, visto que acabou com as fronteiras dos mesmos,
enfraquecendo-os. Ao mesmo tempo, não mais conseguindo garantir aos
cidadãos um conjunto de direitos consolidados constitucionalmente (e que
foram conquistados com muita luta). Com isso, gerou uma série de problemas
entre eles, a massa de operários desempregados. As grandes corporações
para aumentar a sua lucratividade, aproveitaram-se da inovação tecno-
científicas e, começaram a substituir a mão-de-obra operária por máquinas e
robôs; extinguindo-se assim uma série de funções exercidas por pessoas
dentro das empresas, ocasionando uma grande massa de excluídos.
Nessa linha, Castel:
Há na verdade o enfraquecimento do Estado, entendido como
um Estado nacional-social, isto é, um Estado capaz de garantir
um conjunto de proteções no quadro geográfico e simbólico da
nação, porque ele mantém o controle sobre os principais
parâmetros econômicos. (CASTEL, 2005, p. 42-43). [...] Com o
enfraquecimento do Estado nacional-social, indivíduos e
grupos que sofrem as mudanças socioeconômicas que
intervieram desde meados dos anos 1970, sem ter a
capacidade. Daí a insegurização em face do futuro e uma
confusão que também podem alimentar a insegurança civil,
sobretudo em territórios como as periferias onde se cristalizam
os principais fatores de dissociação social. (2005, p. 59)
37

Essa grande massa de pessoas desempregadas acarretou também a


precarização das relações de trabalho, pois faz com que o operário para
garantir um emprego seja cada vez mais competitivo, pensando só em si, no
que Castel denomina de “concorrência entre iguais” (2005, p. 45), tendo como
causa o seu enfraquecimento. Ou seja, ao invés de haver a união de todos os
membros de uma mesma categoria em torno de objetivos comuns que
beneficiarão o conjunto do grupo, cada um é levado a colocar em evidência a
sua diferença para manter ou melhorar sua própria condição. Há, portanto, a
prevalência da individualização sobre o coletivismo. Essa “forma de ser” irá
influenciar não só nas relações de trabalho, mas também nas questões
relacionadas à sociedade, ao consumo e ao ambiente, uma vez que por
pensarem em si mesmos, não conseguem fazer a conexão de que tudo está
interligado com tudo e mesmo que quisessem agir de modo diverso não
conseguirão, por não haver o coletivismo e a solidariedade entre o grupo.
Também, no que se refere a esses indivíduos, o Estado-nação não mais
consegue garantir direitos sociais, acarretando uma espécie de insegurização,
isto é, a insegurança social (CASTEL, 2005).
Por outro lado, reconhece-se que o desenvolvimento na sociedade
industrial, em razão do avanço tecnológico e científico, proporcionou bem-estar
e longevidade, superando os perigos oriundos da insuficiência de gêneros de
primeira necessidade. Em decorrência disso, na sociedade ocidental, para
acompanhar esse ritmo, precisou-se explorar os recursos naturais de forma
insustentável. A busca desenfreada por insumos na fabricação de produtos de
consumo de massa implicou degradação ambiental; exaustão dos recursos
naturais; paisagens artificiais e riscos às espécies ou à biodiversidade. Para
alguns analistas, essa é uma afirmação extremada, pretensiosa ou pessimista;
entretanto, para outros consiste na mais realista das expressões, visto que as
guerras, ao longo dos últimos séculos, alicerçaram-se nessas práticas.
(HANSEL; RUSCHEINSKY, 2008).
Assim, em termos éticos, pode-se afirmar que a lógica do lucro e da
acumulação ilimitada traz como corolário a rejeição não só do ser humano, mas
da natureza como um todo. A lógica do descarte do ser humano está presente
38

num modelo de desenvolvimento que prioriza o mercado, a partir de uma ótica


liberal, despreocupada com as necessidades básicas da maioria da população.

3 NANOTECNOLOGIA

A palavra nanotecnologia possui origem grega, sendo composta pelo


prefixo nano, derivado de nanós, que significa anão e, tecnologia, em que
téchne refere-se a ofício e logos, a conhecimento, conforme Durán, Matoso e
Morais (2006, p.19). Ou seja, um nanômetro corresponde a um bilionésimo de
metro, ou um milionésimo de milímetro.
A nanotecnologia abarca muitas áreas de pesquisa que tratam de
objetos mensurados em nanômetros, tais como química, física, biologia,
matemática, engenharia e informática. Portanto, pode-se dizer que a
nanotecnologia é inter e transdiciplinar.
Relevante salientar que o escopo da nanotecnologia é a manipulação de
átomos (a menor partícula que caracteriza um elemento químico)
individualmente e colocá-los em um padrão para produzir qualquer estrutura
desejada, visto que átomos e moléculas se unem porque têm formas
complementares que se encaixam, ou cargas que se atraem.
Verifica-se assim que muitos benefícios poderão surgir com a utilização
da nanotecnologia, como a produção de medicamentos mais eficientes e
baratos, quiçá auxiliar na eliminação de algumas moléstias até então
incuráveis, a diminuição da utilização da matéria-prima, em especial, o insumo
dos recursos naturais, isto é, melhoramentos nas técnicas de agricultura, como
novos pesticidas (mas eficientes e menos agressivos), equipamentos de
locomoção, informação e computação mais leves e rápidos (indissociáveis no
que se refere à globalização) e muito mais.
Sendo assim, ao mesmo tempo em que traz benefícios, causa
preocupação o fato de que as pesquisas nesta área estão muito a frente da
investigação sobre os riscos inerentes aos procedimentos, uma vez que há
indícios de que algumas nanopartículas possam provocar a morte de células
quando inseridas no corpo humano, bem como de não serem reconhecidas
39

pelo sistema imunológico. Além disso, especialistas preocupam-se com os


denominados efeitos quânticos, que são as mudanças drásticas que os
materiais podem sofrer quando reduzidos a tamanho de átomos.
Diante dessas incertezas quanto aos possíveis efeitos colaterais no
contexto ambiental, visto que esta imprevisibilidade exige uma reflexão acerca
de sua utilização por uma sociedade desprevenida, que trata do meio ambiente
como uma questão de segundo plano, preocupada sobremaneira com a
aquisição de bens que lhe imputem beleza, conforto e status social. Esse
comportamento tem implicado em riscos à coletividade e ao ambiente, tendo
por essa razão sido denominada de sociedade de risco. Por essa razão
justifica-se o item a seguir em que se faz uma delimitação de risco e modos de
mitigá-los.

4 SOCIEDADE DE RISCO: DELIMITAÇÃO DE RISCO E BUSCA DE


ALTERNATIVAS PARA MITIGÁ-LOS
As conseqüências da globalização possuem uma abrangência tal que
permeiam o campo simbólico, cultural, informacional, econômico, ambiental e
político. Neste sentido, Giddens (2004) com razão afirma que estas mudanças
em curso abarcam praticamente todos os aspectos do mundo social e natural.
Todavia em virtude de ser um processo em aberto intrinsecamente
contraditório, as reais implicações são difíceis de serem previstas e
controladas. Outro modo de pensar essa dinâmica é em termos de risco, pois
muitas são as mudanças acarretadas, resultando em novas formas de riscos,
diversas daquelas que existiam anteriormente. Ao contrário dos riscos
ocorridos no passado, que tinham causas estabelecidas e efeitos conhecidos,
os riscos hodiernos se caracterizam como incalculáveis, imprevisíveis,
invisíveis e de implicações indeterminadas.
Em outras palavras, nos dias atuais, o risco torna-se central por várias
razões, porque foram através do avanço da ciência e da tecnologia, que
surgiram novas situações de risco, diferentes das existentes em décadas
anteriores. Ao mesmo tempo, que as inovações tecno-científicas
proporcionaram à sociedade muitos benefícios, criaram novos riscos que são
40

imensuráveis, imprevisíveis e incalculáveis. Justamente, em virtude disso, não


se sabe precisar os riscos que se corre, por exemplo, com o uso das
tecnologias nano, com o plantio de pinus, com os alimentos modificados
geneticamente.
Desse modo, menciona-se que a sociedade de risco não se limita
apenas aos riscos ambientais e de saúde, uma vez que inclui toda uma série
de modificações na vida social contemporânea: transformações nos padrões de
emprego em um nível cada vez mais de insegurança laboral, influência
decrescente da tradição e dos hábitos enraizados na identidade pessoal,
erosão dos padrões familiares na construção da inserção social, e
democratização dos relacionamentos pessoais.
Por isso, pode-se afirmar que hoje, os riscos estão em toda a parte, visto
que a experiência dos riscos nunca foi tão abrangente e profunda como tem
sido nas últimas décadas. As situações de riscos atuais são desse modo,
quantitativa e qualitativamente distintas das formas anteriores de risco. As
mudanças na sociedade estão ocorrendo cada vez mais rápidas e em maior
grau e intensidade. Essas modificações geram situações novas na qual
ninguém parece ter o controle. Ou seja, a incerteza e a insegurança passaram
a ser características marcantes deste período.
Sabe-se, que o perigo sempre existiu, sempre houve, assim como
ameaçou as sociedades humanas, estando em todo o lugar; entretanto, não
dependendo da ação humana, mas sim da natureza. Enquanto, risco
pressupõe perigo, estando relacionado com a ação humana e, sobretudo, com
a ação humana voltada ao futuro.
Em outras palavras, na antiguidade, a natureza representava perigo ao
homem, pois muitos eram os seus mistérios. Porém, à medida que o homem foi
dominando-a e, desvendando os seus enigmas, passou a ter a sensação de
certeza, segurança. Talvez esse fato, tenha despertado a coragem e feito com
que o indivíduo continuasse a desafiando-la e, gradativamente, através da
inovação tecno-científica foi criando novas situações que ofereciam riscos
(perigos) diferentes dos anteriormente enfrentados, mas que não possuía
soluções, passando a gerar incerteza e insegurança.
41

Para Giddens (1995, p. 42):

Uma pessoa que arrisca algo corteja o perigo [...] qualquer um


que assume um ‘risco calculado’ está consciente da ameaça
ou ameaças que uma linha de ação específica pode por em
jogo. Os riscos são aqueles perigos que decorrem de nossas
ações. Toda ação implica decisão, escolha e aposta. Em toda
aposta, há riscos e incertezas. Tão logo agimos, nossas ações
começam a escapar de suas intenções; elas entram num
universo de interações e o meio se apossa delas,
contrariando, muitas vezes, intenção inicial.

Para Beck (1995) a gestão do risco é a característica principal e a


inovação da ordem global como crise ambiental. Giddens (2004) no que se
refere aos aspectos sociais tenta integrar a explicação das origens e efeitos da
degradação do ambiente numa interpretação mais alargada do
desenvolvimento e da dinâmica das sociedades modernas.
Castel pondera que:

Em uma sociedade de risco não pode ser segurada desta


maneira. Esses novos riscos são amplamente imprevisíveis,
não são calculáveis segundo uma lógica probabilística, e
acarretam conseqüências irreversíveis, também estas
incalculáveis. (2005, p. 61).

No que tange a cultura do risco, Giddens afirma que:

Nos tornamos cada vez mais sensíveis graças às novas


ameaças trazidas pelo mundo moderno e que multiplicam
efetivamente, produzidas pelo próprio ser humano através do
uso sem controle das ciências e das tecnologias, e de uma
instrumentalização do desenvolvimento econômico que tende
a fazer do mundo inteiro uma mercadoria. [...] nenhuma
sociedade poderia pretender erradicar todos os perigos que o
futuro poderá necessariamente trazer. Ao contrário, constata-
se que, quando os riscos mais impositivos parecem
estrangulados, o cursor da sensibilidade aos riscos se desloca
e faz aflorar novos perigos. Mas hoje este cursor está numa
posição tão alta que suscita uma demanda completamente
irrealista de segurança. Assim, a “cultura do risco” fabrica
perigo. (Apud CASTEL, p. 62- 63).

Ainda, no que se refere a “cultura do risco” Castel menciona que ela,


42

Extrapola a noção do risco, mas a esvazia de sua substância,


impedindo-a de ser operatória. Evocar legitimamente o risco
não consiste em colocar a incerteza e o medo no centro do
futuro, mas, ao contrário, tentar fazer do risco um redutor da
incerteza, a fim de encontrar o futuro desenvolvendo meios
apropriados para torná-los mais seguros. (2005, p. 63).

Em um primeiro momento, parece que o autor possui uma perspectiva


otimista, no entanto, depreende-se que ele está se referindo ao modo como
foram controlados os riscos sociais clássicos no quadro de uma
responsabilidade coletiva e o problema, de acordo com Castel reside nos
“novos riscos” que apareceram depois e que ainda não se tem uma solução.
Convém dizer que os autores apontam o seguro como forma de reparar
os riscos. Porém, como muitos riscos são imensuráveis e, conseqüentemente,
incalculáveis, entende-se que o seguro é inviável (pois os mesmos para que
sejam ressarcidos precisam ser valorados, mensurados). Desse modo, embora
a teoria do contrato de seguro seja embasada na “teoria do risco” em certos
casos não será possível a sua aplicação.
Por outro lado, esse autor ressalta que as empresas altamente
poluidoras estão instaladas nos países em desenvolvimento ou de terceiro
mundo para explorarem a mão-de-obra barata, a reposta pertinente não é
mutualizar os riscos obrigando as populações autóctones a assegurar-se
contra os prejuízos. (CASTEL, 2005, p. 64).
Verifica-se assim que essas empresas altamente poluidoras instalam-se
nos países em desenvolvimento ou de terceiro mundo, porque estes são
omissos com a sua obrigação de zelar pela população e pela conservação
ambiental; possuem políticas públicas ineficientes; há a ineficácia de legislação
trabalhista e ambiental e, uma forte crise econômica gerada pela corrupção e
pela má-gestão dos recursos públicos. Ou seja, os riscos de danos ambientais
são inseridos propositalmente, visto que a população não sabe sobre as
implicações dos riscos na sua saúde e nos recursos naturais, bem como é
manipulada pelos meios de comunicação de massa no que se refere a geração
de emprego e renda aos estados. Exemplo disso é o plantio de pinus e
eucalipto no estado do Rio Grande do Sul.
43

Castel aponta “o estabelecimento de instâncias políticas transnacionais


bem poderosas para impor limites ao frenesi do lucro e domesticar o mercado
globalizado”. (CASTEL, 2005, p. 64). Esse pode ser um dos mecanismos, mas
entende-se ineficaz em razão dessas grandes empresas serem transnacionais
e acabarem por exercer forte poder de pressão (econômico) sobre as
instâncias políticas tanto em nível local como internacional.
Por outro lado, parece ser relevante o que Douglas (Apud GUIVANT, p.
10) aduz: “uma forma de lidar com os riscos seria fazer com que as populações
potencialmente afetadas tivessem acesso a eles como questões políticas e não
como problemas ‘purificados’, apresentados em fórmulas probabilísticas”.
Nessa perspectiva, aponta-se a educação ambiental, de caráter
emancipatório, como sendo um meio a ser utilizado pelos atores sociais na
reivindicação por qualidade ambiental. Além disso, deve ser no sentido de fazer
com que o indivíduo tenha capacidade de reflexão sobre as potencialidades da
ciência e da tecnologia, suprimindo riscos.

5 A PREVENÇÃO E A PRECAUÇÃO: O NEXO COM A PRESERVAÇÃO /


PROTEÇÃO AMBIENTAL
Os termos precaução 4 e prevenção 5 são entendidos, por alguns autores,
como sinônimos, enquanto outros entendem que o significado dos mesmos é
divergente, pois, para eles, precaução é acautelar-se, antecipar-se a algo, cujo
efeito é imprevisível; prevenção é antecipar-se a algo, cujo efeito é previsível.
Nesse debate, Milaré (2001) compreende que prevenção, pelas suas
características genéricas, também engloba precaução, com caráter
possivelmente específico. Ainda que o consenso não seja possível, a propósito
dos termos precaução e prevenção, Machado (2001) sublinha que a
4
Precaução é substantivo do verbo precaver-se (do latim prae, cujo significado é antes e
cavere, que quer dizer tomar cuidado); portanto, revela a idéia de propor cuidados antecipados,
cautela para que uma atitude ou ação não resulte em efeitos indesejáveis. (FERREIRA, 2003).
5
Prevenção é substantivo do verbo prevenir, que possui como significado ato ou efeito de
antecipar-se, chegar antes. Entretanto, nas ciências naturais, a expressão prevenção da
poluição consiste em uma atitude caracterizada pelo uso de processo, práticas sociais,
materiais adequados ou produtos para o consumo, que evitam, reduzem ou controlam a
poluição, os quais podem incluir a reciclagem, tratamento, mudanças de processos,
mecanismos de controle, uso eficiente de recursos e substituição de material. (SILVA, 2002,
p.192).
44

declaração do Rio 92 afirma características próprias para o princípio da


precaução.
Para esse autor, a tarefa de atuar preventivamente deve ser vista como
uma responsabilidade compartilhada, exigindo uma atuação de todos os
setores da sociedade, cabendo ao Estado criar instrumentos normativos e
política ambiental preventiva. Cabe a todos os cidadãos, também, o dever de
participar, influir nas políticas públicas, evitar comportamentos nocivos ao
ambiente e aditar outras medidas preventivas, visando a não prejudicar o
direito a meio ambiente saudável.
Ainda, de acordo com esse autor, o dano ao ser consumado pressupõe
uma conduta; o ambiente e a sociedade prevalecem sobre uma atividade de
perigo ou risco; as emissões poluentes devem ser reduzidas, mesmo que não
haja certeza da prova científica sobre o liame de causalidade e seus efeitos.
Assim, vale recordar que não devem ser considerados somente os riscos
ambientais eminentes, mas também os perigos futuros provenientes de
atividades humanas e que, eventualmente, possam vir a comprometer uma
relação intergeracional e de sustentabilidade ambiental. (DERANI, 1997).
Em outras palavras, a prevenção está relacionada ao fato de se saber
quais os efeitos negativos de uma determinada atividade humana, como a
industrial, de lazer ou ocupação de um território. Ou seja, se é previsível faz-se
necessário então que se utilize o princípio da prevenção, pois já se sabe quais
medidas a serem tomadas. De modo diverso, quando não se sabe quais os
impactos, isto é, quando os efeitos são imprevisíveis, deve ser empregado o
princípio da precaução. Nesse sentido, o consumo de produtos elaborados a
partir da nanotecnologia não são considerados danos ambientais propriamente,
mas pode-se dizer que o mesmo envolve riscos, visto que não se sabe ao certo
os efeitos que produzem ao ambiente e a saúde humana.
Entretanto, durante muito tempo, o princípio da precaução foi suprimido
da orientação política e da visão empresarial, nos casos que envolviam
atividades e substâncias potencialmente degradadoras, visto que se exigia
prova científica absoluta de que, de fato, as atividades ofereciam perigo ou
apresentavam nocividade para o homem ou para o meio ambiente.
45

Com o passar do tempo, os movimentos ambientais perceberam a


importância do princípio da precaução e o significado de estar inserido na
legislação; conseqüentemente, modificaram o entendimento nos casos em que
as atividades e a substância fossem potencialmente degradadoras, mesmo não
havendo certeza no plano científico, com relação aos efeitos que produziriam
sobre o meio ambiente. Presente, pois, o risco de dano grave ou até
irreversível, essa atividade, ou tal substância em questão, deverá ser evitada
ou rigorosamente cuidada. Em caso de dúvida ou incerteza, deve-se agir de
forma acautelatória, preventiva e, assim sendo, trata-se de uma inovação no
princípio da precaução. (MACHADO, 2001).
Desse modo, o princípio da precaução almeja consonância entre o meio
ambiente, as questões socioculturais e as atividades econômicas. A articulação
entre essas dimensões é uma ambição, pois até o momento os resultados têm
sido restritos visando proporcionar um ambiente ecologicamente equilibrado às
presentes e às futuras gerações. Para os ambientalistas, o referido propósito,
além de constituir-se em premissa básica do dispositivo constitucional, não é
um empecilho ao desenvolvimento econômico e muito menos um recuo ao uso
das modernas tecnologias limpas. Ao contrário, a implementação de técnicas e
de modernos equipamentos é bem-vinda, pois permitirá uma redução dos
custos e das matérias-primas envolvidas no processo produtivo e, em
conseqüência, diminuindo o impacto ambiental.
As políticas ambientais não dependem única e exclusivamente do Poder
Público para a efetivação do princípio da precaução, mas da participação da
sociedade (empresas, organizações não-governamentais, entidades públicas e
privadas e todos os demais cidadãos preocupados com a questão ambiental).
Um dos mecanismos de precaução consiste no exercício da cidadania,
especialmente a partir da conscientização os cidadãos reclamam parcela de
poder de decisão sobre o uso dos recursos naturais. Educacional. As
organizações ambientalistas como uma coletividade reivindicam, usualmente
perante o Poder Público e em fóruns apropriados, medidas preventivas que
garantam qualidade de vida em relação ao meio ambiente. No final das contas,
considerando a complexidade das questões ambientais e os múltiplos conflitos
46

envolvidos, o Estado tende a ser eficaz de uma forma isolada, razão pela qual
ganha relevância toda a ação dos segmentos da sociedade civil.
A corroboração de políticas públicas possui, na conexão entre sociedade
civil, esfera pública e Poder Público, locus de qualificação e a mais adequada
efetivação. Essa colaboração, mesmo em meio a expressões conflitantes,
circunscreve também amplos e sinuosos processos educativos, cujas
características situam-se no jogo das regras democráticas.
Entende-se que podem ser medidas preventivas: a educação ambiental,
os programas de gestão ambiental e as certificações ambientais, pois através
destas, as empresas primam pela utilização de tecnologias limpas, coleta e
tratamento adequando de resíduos e de emissão zero, visto que visam a
preservar e proteger os cidadãos e o meio ambiente. Entretanto, para que
esses instrumentos de precaução sejam efetivados na sociedade, faz-se
necessário manter uma ampla atuação de organizações da sociedade civil e a
interação por parte do Poder Público, ao elaborar e ao aplicar políticas públicas
condizentes à preservação e à proteção ambiental.

6 CONCLUSÕES
O homem no seu processo evolutivo distanciou-se da natureza, não
mais se identificando com ela. Os recursos existentes na natureza passaram a
ser concebidos como insumos (matéria-prima) no processo de produção de
bens de consumo, provocando a redução desses recursos naturais e a
degradação ambiental. Ocorre que toda ação antrópica acarreta danos
ambientais, todavia, a natureza nos últimos anos, não está conseguindo
autopurificar-se devido à quantidade de resíduos sólidos, efluentes líquidos e
emissões gasosas que são lançadas diariamente no ambiente.
O consumo inadequado dos recursos naturais originou-se do modelo
econômico vigente voltado para acumulação de riquezas e do lucro, pois a
extração e exploração dos recursos naturais se aproximam da condição de
serem exauridos. Ainda, a geração atual é vítima dessa busca incessante pelo
acúmulo de riqueza e de bem-estar a qualquer custo, pois para alcançá-los
utilizam-se os recursos naturais, desencadeando não só a redução desses
47

recursos como a degradação ambiental. Essa situação desencadeou a


denominada crise ambiental.
Ou seja, o dano ambiental é o resultado desse distanciamento do
homem com a natureza (desequilíbrio na relação entre o homem e o meio
ambiente). O consumo massificado implica em incerteza fabricada, ou seja, em
risco que são imprevisíveis, imensuráveis, incontroláveis e irreversíveis. Ou
seja, estes riscos são tratados pelo direito como sendo dano ambiental
consumado (certo e atual) ou potencial (futuro e incerto). Nesse último, há
ameaça de dano (risco) e não o dano propriamente configurado (na teoria
prevalece o entendimento de que o dano deve ser certo e atual, isto é, deve ter
ocorrido).
Essa degradação ao ambiente caracteriza-se por apresentar graves
danos, bem como danos potenciais (futuros, incertos), que se entende como
risco. Acredita-se que esse se originou dessa necessidade que os
consumidores possuem de adquirirem produtos novos, porque para fabricá-los
as empresas utilizam-se de matéria-prima que são extraídas do ambiente (os
recursos naturais), acarretando a redução dos mesmos; simultaneamente, no
processo de produção a tecnologia utilizada pela indústria muitas vezes
representa risco de dano ambiental, assim como há o lançamento diário de
emissões gasosas, de efluentes líquidos e resíduos sólidos no meio. Ou seja,
esse consumo impensado, de modo insustentável tem acarretado riscos à
sociedade.
Deste modo, o objetivo do presente estudo foi defender a temática
ambiental, fundamentalmente, no que tange aos riscos oferecidos ao meio
ambiente pelo consumo de produtos elaborados a partir da tecnologia nano.
Sendo assim, entende-se que o consumo sustentável será alcançado
por meio da educação ambiental, sendo esta um dos instrumentos capazes de
contribuir para a redução da crise ambiental, visto que se acredita ser possível
desenvolver-se economicamente preservando e protegendo os recursos
naturais existentes para as gerações atuais e futuras. O objetivo do
desenvolvimento sustentável é a interligação do crescimento econômico com a
manutenção da biodiversidade e com a conservação dos recursos naturais de
48

modo que as presentes e as futuras gerações não sofram as conseqüências


das degradações ambientais e das múltiplas poluições.

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Campinas: UNICAMP, 1995.
52

POR UMA GOVERNANÇA AMBIENTAL DA NANOTECNOLOGIA

AFONSO DE PAULA PINHEIRO ROCHA 1

1 INTRODUÇÃO
Os desenvolvimentos no conhecimento humano estão cada vez mais
presentes, bem como, possuem maiores repercussões na sociedade. Os
sucessivos avanços científicos acarretam numa competição não apenas entre
empresas, mas entre países pela supremacia tecnológica e industrial. 2
De uma forma cada vez mais evidente, fica clara a dependência do
próprio sistema econômico de uma inovação constante que venha a abastecer
o mercado de novos produtos e novas “necessidades” aos indivíduos.
Daniela Zaits 3 e Luis Otávio Pimentel 4 ressaltam a importância
econômica da Tecnologia para os processos econômico-produtivo, sendo esta
um conhecimento aplicado e fator decisivo para o crescimento econômico dos
países acarretando quase sempre um aumento dos índices de produção.
Contudo, essa extrema relevância política e econômica não deve estar
dissociada de um compromisso ético com o meio ambiente. Com efeito, a
Declaração das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Estocolmo, 1972) já
identificava no seu princípio 18 a necessidade de que o conhecimento científico
e tecnológico seja usado para a gestão responsável do meio ambiente em
benefício de toda a humanidade.
Assim, é necessário rememorar esse compromisso ambiental em uma
atual e importante fronteira do desenvolvimento tecnológico que é a
nanotecnologia.

1
Mestre em Direito pela UFC. Pós-graduando MBA em Direito Empresarial pela FGV/Rio. Ex-
Advogado da PETROBRAS. Pesquisador colaborador do Programa “Casadinho”/CNPQ entre UFC e
UFSC. E-mail: afnsrocha@gmail.com.
2
FILHO, Calixto Salomão. Regulação da Atividade Econômica. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 120.
3
ZAITS, Daniela. Direito & Know-How. Uso, Transmissão e Proteção dos Conhecimentos Técnicos
ou Comerciais de Valor econômico. Curitiba: Juruá Editora, 2005, p. 23.
4
PIMENTEL, Luiz Otávio. Direito industrial: As funções do direito de patentes. Porto Alegre:
Síntese, 1999, p. 27-28.
53

Espera-se que dentro de uma década, o mercado de produtos


relacionados com nanotecnologia somente nos Estados Unidos supere um
trilhão de dólares, uma vez que, diferentemente da biotecnologia e da
tecnologia da informação, esta tecnologia possui aplicação em uma pluralidade
de setores econômicos, desde energia, passando por produtos farmacêuticos e
até mesmo nos processos de manufatura. 5
Todas essas promessas e potencialidades de permitir a inovação em
diversos campos da atividade econômica não podem eclipsar os riscos
ambientais, nem podem servir de lugar retórico para anuviar preocupações
legítimas e que dizem respeito à toda a humanidade, bem como aos riscos que
a coletividade está disposta a suportar.
O objetivo principal do estudo é traçar algumas notas iniciais sobre a
necessidade de se estabelecer um sistema de governança ambiental
relativamente à nanotecnologia de modo que o desenvolvimento científico
correspondente seja sempre pautado por um compromisso ético e ambiental.
Para tanto, serão abordados alguns conceitos fundamentais sobre
nanotecnologia, contrastando-se as diversas potencialidades com os inúmeros
riscos ambientais inerentes a esta tecnologia. Com isso, identificar-se-ão duas
posições extremadas no debate sobre esta temática.
Propõe-se ao final uma síntese na idéia do desenvolvimento de um
sistema de governança ambiental para regular o desenvolvimento do
conhecimento e as aplicações práticas relacionadas à nanotecnologia.

2 NOÇÕES GERAIS SOBRE NANOTECNOLOGIA


O termo nanotecnologia refere-se a um conjunto de tecnologias que
manipulam a matéria numa escala molecular, medida em nanômetros, que, por
sua vez, equivalem a um bilionésimo do metro.
Dentro desse termo genérico, existem diversos ramos específicos, como
a ciência e engenharia nanoscópica; sistemas produtivos nanoscópicos e
sistemas replicantes. O primeiro trata da engenharia de materiais em escala
nanoscópica que, devido a uma distribuição especial na organização dos
5
LIN, Albert C. Size Matters: Regulating Nanotechnology. UC Davis Legal Studies Research Paper
Series. Research Paper No. 90. University of California – UCDavis. Oct/2006.
54

átomos e distribuição das moléculas apresenta características especiais, como


maior resistência e condutividade elétrica, por exemplo. O segundo ramo trata
da busca da constituição de estruturas “programáveis”, capazes de produzir
outras estruturas. O terceiro ramo trata da constituição de nano máquinas
capazes de auto-replicação. 6
Essas tecnologias promovem a interação interdisciplinar de ciências
como química, física, biologia, engenharia de materiais, etc. Além disso, não se
trata apenas de ciência teórica, uma vez que já existem inúmeras aplicações
práticas e incorporação dessas tecnologias a processos industriais. Estudos
apontam a existência de mais de 200 (duzentos) produtos e quase 2000 (duas
mil) empresas voltadas para o desenvolvimento da nanotecnologia. 7
Essa tecnologia pode ser a base de numa nova revolução industrial,
uma vez que tal qual quanto a anterior, haverá uma profunda modificação nas
formas e métodos produtivos.
Uma vez que a nanotecnologia já esta presente em nosso cotidiano não
é mais possível relegar a temática ao âmbito da especulação científica. Faz-se
necessário um olhar crítico sobre a mesma, o que implica na análise de seus
potenciais benefícios, mas especialmente de seus potenciais riscos, uma vez
que os mesmos não são divulgados com o mesmo detalhamento.

3 ENTRE DOIS DISCURSOS: SONHO OU PESADELO?


Os debates em torno da nanotecnologia, tais quais os debates iniciais
sobre tecnologias revolucionárias, têm sido polarizados. Duas principais linhas
discursivas se formaram: a primeira propondo um rápido desenvolvimento
dessas tecnologias em razão de suas potencialidades e para tanto, este não
pode ser atravancado pela existência de uma regulação limitadora; a segunda,
vislumbrando que há uma pletora de riscos ambientais e à saúde humana,

6
LIN, Albert C. Size Matters: Regulating Nanotechnology. UC Davis Legal Studies Research Paper
Series. Research Paper No. 90. University of California – UCDavis. Oct/2006.
7
BREGGIN, Linda K.; CAROTHERS, Leslie. Governing Uncertainty: The Nanotechnology
Environmental, Health, and Safety Challenge. In. Columbia Journal of Environmental Law. Vol. 31.
Issue 2. p. 285-329. p. 288.
55

determina que esta tecnologia deve ser regulada e desenvolvida gradualmente


e acompanhada por exaustivos estudos. 8
O “discurso do sonho”, ou seja, todas as diversas potencialidades da
manipulação de materiais em nível molecular é bastante propagado, pois afina-
se com os interesses das grandes corporações que serão as maiores
beneficiárias com as vendas de produtos com essa tecnologia.
Contudo, é igualmente necessário estimular a consciência em relação ao
“discurso do pesadelo”, ou seja, a identificação de todos os potenciais danosos
da nanotecnologia.
É possível identificar alguns estudos sobre os eventuais perigos que
essa tecnologia pode ocasionar para a saúde humana 9:
1. Estudos da Universidade de Rochester buscaram identificar o
efeito de partículas ultrafinas (menos que 0.1 micrômetros em
diâmetro), ou seja, partículas em nanoescala. Verificou-se a
possibilidade de tais partículas ultrapassarem a barreira sangue-
cérebro e impactar diretamente no sistema nervoso central. Ou seja,
nanopartículas livres podem acumular-se no sistema nervoso de
animais e humanos, com possíveis efeitos deletérios para a saúde
humana e o meio ambiente.
2. Outros estudos do Wyle Labs e da Universidade do Texas sobre a
toxicidade de nanotubos de carbono em ratos de laboratório
indicaram que o acumulo de nanotubos se inalados além de
estimular uma resposta do organismo que deixou cicatrizes nos
tecidos pulmonares. Os estudos apresentaram uma toxicidade maior
dos nanotubos em contraste com outras partículas normais de
carbono.
3. Um estudo similar do Haskell Labs da empresa Dupont também
em ratos de laboraório verificou que os nanotubos podem se
acumular no tecido pulmonar e bloquear as trocas de ar dos

8
Mandel, Gregory N. Nanotechnology Governance. Legal Studies Research Paper Series. Research
Paper No. 2007-28. Temple University. 2007. p. 4.
9
Woodrow Wilson International Center for Scholars. Nanotechnology and Regulation. Foresight and
Governance Project. Publication 2003-6 Discussion Paper. 2003.
56

bronquíolos. No caso, 15% dos ratos morreram sufocados em menos


de vinte e quatro horas.
É, portanto, inegável que existem evidências científicas suficientes para
que ao menos seja considerada a hipótese de que nanoparticulas possam
representar um perigo à saúde humana. Estas evidências seriam ainda suporte
para a invocação do princípio da precaução, uma vez que inexiste certeza
científica dos riscos à saúde humana.
Não só o meio ambiente físico e a saúde humana podem ser afetados
pelas novas potencialidades dessa tecnologia, mas a própria cultura e o
desenvolvimento das nações. Dispositivos eletrônicos tornar-se-ão cada vez
menores, o que facilitará a implantação destes em roupas e até na pele das
pessoas, o que por sua vez pode gerar uma pluralidade de problemas
envolvendo a privacidade humana. Além disso, por se tratar de uma tecnologia
que muito se assemelha à própria ciência básica, as nações que a controlarem,
terão via sistema de propriedade intelectual internacional uma situação de
controle tecnológico sobre outros países. 10
Logo, entre os discursos do “sonho” e do “pesadelo” é possível se perder
em posições extremadas que de duas uma, ou irão negar diversos avanços
que podem fomentar o desenvolvimento humano, ou irão levar a situações de
perigo à saúde humana e ao meio ambiente.
A existência e utilização industrial de nanotecnologias é um fato e deve
ser encarado como tal. É preciso, portanto, avançar o debate para discutir o
conjunto de ações práticas que serão tomadas e qual a postura da humanidade
que será adotada em face desses desafios – é necessário um discurso do
“despertar”.

4 A NECESSIDADE E OS DESAFIOS DE UM SISTEMA DE GOVERNANÇA


Uma vez que se esta diante de uma nova tecnologia sem precedentes
equivalentes é de se esperar um vácuo regulamentar ou a tentativa de se
utilizar padrões já utilizados para situações que apresentem algumas
similitudes.
10
LITTON, Paul. ‘Nanoethics’? What’s New? Hastings Center Report. Vol 37, nº. 1, Jan-Fev/2007. p.
22-25. p. 24.
57

Este procedimento, contudo, seria uma falácia, uma vez que o sistema
atual de regulação de produtos e substâncias leva em consideração o
comportamento químico em macroescala. O que é exatamente revolucionário
com a nanotecnologia é que essas propriedades são completamente alteradas
porque se trabalha em nível microscópico, molecular.
Um exemplo de situação concreta é a utilização de nanopartículas em
protetores solares na Austrália. O uso de nanopartículas de dióxido de titânio e
de óxido de zinco permite a elaboração de protetores solares com maior
facilidade de espalhamento e translúcidos, o que se traduz num maior apelo
estético e cosmético aos produtos. O órgão regulatório da qualidade e
segurança para utilização humana de produtos adotou uma política de não
diferenciar o uso de nanoparticulas do uso de componentes de moléculas
equivalentes, porém em nível macroscópico. Isso revela uma não utilização do
necessário princípio da precaução, uma vez que existem evidências científicas
de que não há equivalência nos efeitos e propriedades físico-químicas, mesmo
de moléculas iguais. 11
Há inegavelmente um novo paradigma tecnológico que demandará uma
regulação própria, contudo, da mesma maneira que pode ser desastroso tentar
forçar fórmulas passadas aos novos contornos da realidade, é igualmente
improdutivo pensar que se faz necessário uma nova ética ambiental. Deve-se
resistir à tentação de equacionar novas potencialidades tecnológicas com
novos desafios éticos.
Com feito, apesar de serem situações novas do ponto de vista da
tomada de decisão dos poderes públicos e da própria sociedade o problema é
fundamentalmente o mesmo: qual o nível de risco se está disposto a assumir?
Mais ainda: quais são e qual a quantidade de estudos sobre estes novos
elementos são necessários para a sua utilização?
Toda a história de desenvolvimento do direito ambiental traduz-se numa
lição importante para a postura que deve ser tomada em face do futuro,

11
FAUNCE, Thomas; MURRAY, Katherine; NASU, Hitoshi; BOWMAN, Diana. Sunscreen Safety: The
Precautionary Principle, The Australian Therapeutic Goods Administration and Nanoparticles in
Sunscreens. In NanoEthics. Neatherlands: Spring. nº 2. 2008. p. 231-240. p. 235.
58

especialmente no que se relaciona com os princípios da precaução e


prevenção.
Assim, é de se dizer que os desafios propostos pela nanotecnologia não
demandam uma lógica ambiental a priori, mas sim uma lógica ambiental a
posteriori, uma lógica diferenciada de aplicação dos princípios e parâmetros
éticos já existentes. Logo, o que a governança ambiental demandaria é o
estabelecimento de novos padrões ambientais, estudos e condutas que levem
em consideração os elementos qualitativamente diferentes da nanotecnologia,
ou seja, novas formas de materialização dos princípios da prevenção e da
precaução.
Para que estes possam ser densificados em condutas concretas é
preciso informação. Dados sobre os nanoprodutos, que invariavelmente
demandam não só estudos prévios como um acompanhamento continuado dos
mesmos, uma vez que seu comportamento na natureza pode apresentar uma
lógica que demanda vários anos para a ser adequadamente percebida.
Assim, é imperioso traçar exatamente um sistema de governança, ou
seja, um sistema de boas práticas não só à ciência básica, mas às atividades
concretas relacionadas à aplicação da nanotecnologia.
Um dos pilares – o mais fundamental – de qualquer sistema de
governança é a obtenção de informações sobre os processos regulados, o que
num sistema de governança ambiental é decorrência lógica do princípio da
informação.
Logo, um bom sistema de governança deve prever não só estudos
continuados como mecanismos que permitam uma aferição dos efeitos dos
produtos que contem elementos nanotecnológicos no mercado. É preciso que
haja um sistema de responsabilização (accountability) dos que comercializam
esses produtos. 12
Formas de se fazer isso, por exemplo, é com a exigência de submissão
a um órgão isento dos dados dos testes de qualidade e segurança dos
produtos; a necessária indicação em rótulos e embalagens, de modo que os

12
PADDOCK, LeRoy C. Keeping pace with nanotechnology: a proposal for a new approach to
Environmental accountability. In ELR News and Analysis, George Washington University Law School,
Vol. 36, No.10943, 2006.
59

consumidores possam comparar produtos nanotecnológicos com suas contra-


partes dotadas de macrocomponentes; auditorias ambientais em locais onde
existam trabalhadores submetidos a exposição a agentes nanotecnológicos,
dentre outras formas.
Além disso, é necessária uma capacitação dos agentes que irão definir
as políticas públicas ambientais relacionadas. Nesse ponto fica uma crítica ao
próprio programa nacional de tecnologia. Apesar de recente, lançado
oficialmente em 2005, o programa já incorporou a rede nano de pesquisas já
iniciadas pelo Cnpq em 2001.
O programa apresenta diversos mecanismos para estimular o estudo e a
pesquisa em nanotecnologia e desenvolvimento desse conteúdo científico,
contudo não foi definida como prioridade de pesquisa os impactos ambientais e
à saúde humana. Com efeito, o programa parece inspirado pelo discurso do
sonho, na medida em que tem um cunho desenvolvimentista, sem, todavia,
destinar um nível de esforços adequados a capacitação ambiental e prevenção
ambiental no âmbito da nanotecnologia. 13
Por fim, talvez o maior desafio que uma nova tecnologia com todas
essas potencialidades de exploração econômica venha a enfrentar é a
harmonização de sua gestão e governança ambiental com o conjunto de regras
e normas relativas à tutela jurídica dos conhecimentos, mais especificamente
do sistema de propriedade intelectual existente.
Esse sistema de propriedade intelectual almeja o desenvolvimento
tecnológico e o estímulo a inovação. Contudo, o meio pelo qual ele opera é
através da atribuição de direitos exclusivos e da proteção de informações e
conhecimentos com valor econômico. Com efeito, o próprio programa nacional
de nanotecnologia tem como um de seus objetivos o desenvolvimento de
conhecimento patenteável e a transferência de tecnologia como mecanismos
de desenvolvimento econômico.
Via de regra a proteção desses conhecimentos pode entrar em choque
com a necessidade do sistema de governança em obter informações uma vez

13
A virtual ausência de previsões sobre uma investigação e pesquisa dos impactos ambientais no campo
da nanotecnologia pode ser verificada no próprio sítio eletrônico do programa nacional:
<http://www.mct.gov.br/index.php/content/view/27137.html>.
60

que estas mesmas são vistas como elementos de diferencial competitivo entre
as empresas.
A proteção comercial ofertada pela doutrina dos segredos de negócio
(trade secrets) é especialmente problemática, uma vez que permite a
manutenção do sigilo de informações essenciais relacionadas a um produto ou
processo produtivo.
A idéia de que produtos baseados em nanotecnologia são
essencialmente equivalentes aos tradicionais, como no caso do protetor solar,
é uma falácia que pode comprometer a obtenção de informações essenciais
para uma tomada de decisão informada por parte dos poderes públicos e da
própria sociedade.
Para um sistema de governança ambiental adequado da nanotecnologia,
o princípio da informação ambiental deve ser densificado de uma nova forma,
de modo a fazer frente até mesmo à tutela da propriedade intelectual.
A regra de conduta deve ser a do conhecimento pleno dos processos e
elementos que constituem do nanomateriais e as nanomáquinas, embora tal
regra certamente venha a sofrer resistência das empresas. Nesse momento
deve-se sopesar o interesse social em face do mero interesse econômico, que
deve preponderar para o primeiro.

5 CONCLUSÕES
As breves considerações traçadas no presente estudo são sugestivas de
algumas conclusões relevantes:
1. As aplicações da nanotecnologia já são uma realidade e apresenta
uma tendência de se tornar cada vez mais um grande nicho de pesquisas e
desenvolvimentos industriais em diversos segmentos econômicos;
2. Os debates sobre as potencialidades e efeitos deletérios dessa
tecnologia tendem a ser polarizados, o que, por sua vez, propicia posições
extremadas;
3. Faz-se necessário um sistema de governança ambiental, ou seja, um
sistema informado de tomadas de decisão quanto as regras e políticas públicas
aplicáveis à nanotecnologia;
61

4. O pilar central de tal sistema é a necessidade de coleta de


informações, o que se traduz em pesquisas de longa duração, abertura de
dados das empresas que tem produtos ou processos que utilizam
nanotecnologia e a capacitação de profissionais que se inserem nesse sistema
de governança;
5. O programa nacional parece informado apenas pelo discurso das
potencialidades de desenvolvimento da nanotecnologia, o que aponta a
necessidade de incorporar ao mesmo, como uma de suas prioridades, os
estudos das implicações e impactos da nanotecnologia sobre a saúde humana
e o meio ambiente;
6. Por fim, talvez o principal desafio de estruturação desse sistema de
governança é a necessária reflexão sobre os limites que o sistema de
propriedade intelectual pode estabelecer sobre o fluxo de informações
necessárias para elucidar os impactos ambientais dessas novas tecnologias.
Há a necessidade de repensar a interação entre o direito ambiental e a tutela
da propriedade intelectual.

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Nanotechnology Environmental, Health, and Safety Challenge. In. Columbia
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62

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ZAITS, Daniela. Direito & Know-How. Uso, Transmissão e Proteção dos


Conhecimentos Técnicos ou Comerciais de Valor econômico. Curitiba:
Juruá Editora, 2005.
63

NANOTECNOLOGIA, DIREITO E PRECAUÇÃO

AIRTON GUILHERME BERGER FILHO 1


ALEXANDRE SCHALINS MAY 2

1 INTRODUÇÃO
O presente estudo analisa a nanotecnologia enquanto técnica decisiva
para uma nova revolução tecnológica, que ao mesmo tempo pode trazer
grandes benefícios e põe a sociedade diante de riscos sociais, econômicos e
ambientais.
Diversos são os desafios para a formulação de políticas de
desenvolvimento tecnológico no âmbito da nanociência e nanotecnologia:
desenvolvimento tecnológico e sustentabilidade, independência tecnológica
nacional, o balanço entre financiamento público e privado das pesquisas, a
questão do direcionamento do fomento da ciência, definição legal e ética do
limite para as pesquisas e da inserção no meio ambiente de nanoprodutos e
nano partículas e intervenção em organismos vivos
(biossegurança/nanossegurança), apropriação imaterial das inovações em
nanotecnologia, além da democratização do acesso a informação e o
fortalecimento participação da sociedade.
Como até o presente não existem normas jurídicas específicas que
diferenciem a nanotecnologia e imponham limites à sua utilização, busca-se
aproximar a analise do princípio da precaução como importante fundamento
para a tomada de decisões diante das incertezas e, também, refletir sobre as
sua aplicação pelo sistema jurídico.
Dentre as diversas questões suscitadas acerca da regulamentação da
nanotecnologia merecem destaque as indagações quanto aos riscos
decorrentes tanto da decisão de legislar, quanto da inércia do legislativo em

1
Mestre em Direito Ambiental pela Universidade de Caxias do Sul (UCS), professor de Direito Ambiental e Direito
Internacional na UCS.
2
Bacharel em Direito pela Universidade de Caxias do Sul.
64

estabelecer limites ao seu uso. O Estado deve regulamentar ou esperar uma


resposta conclusiva da própria ciência sobre os impactos no ser humano e no
meio ambiente das diversas aplicações da nanotecnologia, ou regulamentar
antecipadamente? O Estado deve regulamentar, baseando-se no risco
potencial, deixar para o mercado, ou para a comunidade científica essa
regulação.
Este artigo se propõe a apresentar subsídios para a compreensão das
reações da sociedade diante da nanotecnologia e o confrontamento do
princípio da precaução como um possível argumento norteador da tomada de
decisões no ambiente político e na esfera jurídica. Traz também uma breve
análise sobre as possíveis respostas do sistema jurídico diante da necessidade
de regulamentar a nanociência, estabelece, também, breves comentários sobre
as conexões entre as normas existentes e a regulamentação legal
nanotecnologia.

2 NANOTECNOLOGIA
O conceito de nanotecnologia deriva do prefixo grego “nános”, que
significa anão e de téchne equivale a ofício e logos, a conhecimento. O ponto
de partida o termo nanotecnologia refere-se ao tamanho da intervenção
humana sobre a matéria. Segundo Durán, Matoso e Morais (2006, p.19):

[...] nano é um termo técnico usado em qualquer unidade de


medida, significando um bilionésimo dessa unidade, por
exemplo, um nanômetro equivale a um bilionésimo de um
metro (1nm = 1/1.000.000.000m) ou aproximadamente a
distância ocupada por cerca de 5 a 10 átomos, empilhados de
maneira a formar uma linha [...].

Ou seja, "nano" é uma medida, não um objeto. Nanotecnologia


pode ser conceituada como um conjunto de técnicas utilizadas para manipular
átomo por átomo para a criação de novas estruturas em escala nanométrica.
Essa manipulação decorre, especialmente, da evolução dos microscópios
atômicos que podem escanear e perceber a estrutura de átomos e moléculas.
As manipulações na escala nanométrica (menor que 100 nanômetros)
lidam com mudanças surpreendentes das propriedades da matéria, devido aos
65

"efeitos quânticos". Observados em nanoescala os materiais podem exibir


características diferentes das substâncias em escala micro ou macro, tais
como: novas propriedades mecânicas, materiais que se tornam mais
resistentes, mais fortes, mais leves, mais elásticos; novas propriedades óticas
que possibilitam o controle da cor da luz pela escolha seletiva do tamanho do
nano objeto (lasers, diodos com freqüências diferentes e apropriadas a
diversos usos); novas propriedades magnéticas que aperfeiçoam os usos na
eletrônica, em computadores e nas telecomunicações.
A nanociência e a nanotecnologia, essencialmente interdisciplinares,
potencializam a “nova convergência tecnológica” decorrente da combinação
sinérgica de diferentes áreas do conhecimento, com um imenso potencial de
inovação.
O poder real da ciência da nanoescala é a convergência de diversas
tecnologias – incluindo biotecnologia, ciências cognitivas, informática, robótica
etc., com a nanotecnologia como o possibilitador chave. A lógica da
convergência tecnológica está no fato de que os blocos básicos de construção
de toda a matéria, fundamental para todas as ciências, tem sua origem em
nanoescala. (ETC, 2002 p. 23)
Entre as principais apostas da nanotecnologia está a sua vinculação às
ciências de manipulação da vida (biologia molecular e bioengenharia).
Tecnologias convergentes possibilitam o estudo e a criação de novas
estruturas e organismos a partir da interação entre sistemas vivos e sistemas
artificiais a ponto de falar-se em biologia sintética.
Na agricultura, segundo a revista Societal Implications of Nanoscience
and Nanotechnology, citada por Richard Domingues Dulley (2006, p. 227) a
nanotecnologia contribuirá diretamente com diversas inovações tecnológicas, a
partir de:
a) químicos molecularmente engenheirados destinados a plantas
nascentes e como proteção contra insetos; b) melhoramentos genéticos em
plantas e animais; c) transferência de genes e drogas em animais; d)
tecnologias baseadas em nanodispositivos para testes de DNA, os quais, por
exemplo, permitirão a um cientista saber quais genes são expressos em uma
66

planta quando ela é exposta ao sal ou às condições estressantes da seca”, e


que “as aplicações das nanotecnologias na agricultura apenas começaram a
ser apreciadas.”
Além da manipulação da vida e a aplicação agrícola da nanotecnologia,
já é possível a aplicação de insumos utilizando estruturas engenheiradas na
nanoescala que implica encapsulamento do ingrediente ativo em uma espécie
de minúsculo “envelope” ou “concha”. Inclui-se nessa tecnologia a possibilidade
de controle das condições nas quais o princípio ativo deve ser liberado
diretamente nas plantas. Dulley (2006, p. 227).
As perspectivas abertas pela Convergência Tecnológica, são
incomensuráveis, mas não são menores os temores que ele inspira para os
mais pessimistas, ou mais prudentes.

3 RISCOS DA NANOTECNOLOGIA
A Organização não Governamental canadense Erosion, Technology and
Concentration, conhecida como Grupo ETC, em diversas publicações na
Internet e publicações impressas analisa os diversos impactos da
nanotecnologia sobre a sociedade, a economia e o meio ambiente. A partir de
uma perspectiva ampla, segundo os pesquisadores do ETC (2009), podemos
agrupar quatro grandes problemas para a coletividade decorrentes do uso da
nanotecnologia:
1. O controle tecnológico na nano escala como elemento fundamental
para o controle corporativo. Conforme ETC as tecnologias em nano escala
fazem parte da estratégia operativa para o controle corporativo da indústria,
dos alimentos, da agricultura e da saúde no século XXI. A nanotecnologia
protegida pelos Direito de Propriedade Intelectual pode significar o avanço na
privatização da ciência e uma terrível concentração de poder corporativo, pelas
grandes empresas transnacionais.
2. Controle social a partir convergência entre informática, biotecnologia,
nanotecnologia e ciências cognitivas: “A convergência ocorre quando a
nanotecnologia se funde com a biotecnologia (permitindo o controle da vida
através da manipulação de genes) e com Tecnologia da Informação
67

(permitindo o controle do conhecimento através da manipulação de Bits) e com


Neurociência cognitiva (permitindo o controle da mente através da manipulação
dos neurônios).” O grupo ETC utiliza o termo BANG, para apresentar a
convergência tecnológica entre bits, átomos, neurônios e genes. Conforme os
estudos dessa organização não governamental o BANG “trata-se de uma
cruzada tecnológica para controlar toda a matéria, vida e conhecimento.”
De acordo com a teoria do Little BANG, os neurônios podem ser
reengenheirados de tal forma que nossas mentes “falem” diretamente a
computadores ou membros artificiais; vírus podem ser engenheirados para
atuarem como máquinas ou, potencialmente, como armas; redes de
computadores podem ser fundidas com redes biológicas para desenvolver
inteligência artificial ou sistemas de vigilância. De acordo com o governo norte-
americano, a convergência tecnológica irá “melhorar o desempenho humano”
nos locais de trabalho, nos campos de futebol, nas salas de aula e nos campos
de batalha. (ETC, 2005, p. 24)
3. Riscos Ambientais e Riscos para a Saúde Humana: a
nanobiotecnologia pode criar fusão entre a matéria viva e a não viva,
resultando em organismos híbridos e produtos que não são fáceis de controlar
e se comportam de maneiras não previsíveis. Alta reatividade e mobilidade e
outras propriedades advindas de seu pequeno tamanho também têm grande
probabilidade de acarretar novas toxicidades. Diversas são as indagações
quanto aos riscos do contato com nanopartículas para a segurança dos
trabalhadores e dos consumidores. O grande problema reside no fato de que
ao se utilizar de nano implementos, não se tem certeza dos fatores nocivos
provenientes dos produtos e subprodutos nanotecnológicos. Alguns estudos
publicados demonstraram que cobaias submetidas a partículas “nano”
apresentaram modificações morfofisiológicas drásticas, alguns resultando em
3
morte. Devido ao tamanho reduzido fica difícil determinar o grau de dispersão
nano estruturas no meio ambiente.

3
ECCHCP/ European Commission Community Health and Consumer Protection. Nanaotechnologies: a preliminary
Risk Analisis. Workshop Organizado em Bruxelas 1-2 de março de 2004 por Health and Consumer Protection
Directorate Genereal of the European Commission.
Disponível em: http://europa.eu.int/comm/health/ph_risk/events_risk_en.htm>. Acesso em 24 de
abril de 2007.
68

4. A incerteza científica acerca das nanopartículas e o vácuo na


regulamentação: Dados toxicológicos sobre nano partículas manufaturadas são
escassos, mesmo existindo produtos comerciais no mercado (insumos
agrícolas, cosméticos, filtros solares). Os critérios utilizados para saber a
toxicidade das substâncias na escala macro não trazem certezas quando
confrontados com a nanotecnologia. Não existem metodologias confiáveis para
estabelecer diferença entre as propriedades encontradas na “Macroescala” e
na “Nanoescala”. É importante evidenciar que no Brasil inexistem leis e
dispositivos capazes de prevenir ou até mesmo abordar as peculiaridades
dessa nova revolução tecnológica. As normas jurídicas que podem ser
utilizadas para, por exemplo, autorizar a comercialização de um determinado
produto nanotecnológico para a agricultura não diferem das normas e critérios
técnicos para os demais produtos, pois não existe uma diferenciação pelo
Direito entre o tratamento legal da nanotecnologia e de outras tecnologias.
A discussão sobre a nanotecnologia além de ser um tema de interesse
para a ciência de ponta e para o mercado, certamente, pressupõe o
envolvimento dos cidadãos, das instituições do Estado. A reflexão sobre essa
nova tecnologia pressupõe a superação da “fronteira” entre o pensamento que
impulsiona as novas tecnologias, enclausurado na lógica do resultado e na
ambivalência da técnica, da neutralidade da ciência para a aceitação das
implicações sócio-econômicas e culturais das opções tecnológicas. 4 Uma nova
tecnologia com o impacto da nanotecnologia não está distante das ideologias,
carece de uma reflexão ética, por conseguinte, impõe vinculações com o
sistema jurídico e as diversas formas de regulamentação legal da vida em
sociedade.

EUROPEAN NANOTECHNOLOGY GATEWAY. Benefits, Risks, Ethical, Legal and


Social Aspects of NANOTECHNOLOGY(2005).
Disponível em <http://www.nanoforum.org/nf06~modul~showmore~folder~99999~scid~341~.html?a
ction=longview_publication&> Acesso em : 12 de setembro de 2007
4
Em verdade, a expansão de financiamentos para os setores da ciência que trabalham nas fronteiras tecnológicas
impulsiona a comunidade científica em busca de uma ciência que precisa ser útil e lucrativa, que precisa dar
resultados. A partir do momento em que se percebe que a definição das linhas de pesquisa é dada pelo mercado (o
mercado diz onde vai investir e, portanto, define a linha de pesquisa), a ciência perde sua suposta neutralidade, pois o
desejo do mercado é por novas tecnologias e novos produtos. É neste quadro que a tecnologia ganha um papel de
maior importância em relação à própria ciência, isto é, a demanda é pelo conhecimento aplicável, o conhecimento
que entra no sistema produtivo. (Moreira 2006, p. 309)
69

4 DIREITO E NANOTECNOLOGIA
O Direito serve para equilibrar interesses, para afirmar limites da atuação
do Estado e dos particulares (empresas, cientistas, laboratórios etc.). Na
sociedade contemporânea à norma tem um importante papel para distribuição
do ônus e dos benefícios da prevenção dos riscos para o meio ambiente e
sociedade. O sistema jurídico é fonte, fundamento para legitimar a resolução
de conflitos sociais, ambientais e econômicos com base em princípios e
normas que estruturam o Estado democrático de Direito.
No debate da nanociência e nanotecnologia o sistema jurídico é
“chamado” a dar sua “contribuição ao delicado equilíbrio entre o desejo por
novas tecnologias e a preocupação com os riscos que isso comporta.”
(Moreira, 2005, 310) Entre os desafios para o sistema jurídico, diante do
avanço da nanotecnologia na saciedade se destacam:
a)Servir de fonte normativa para a estruturação e estabelecimento de
diretrizes norteadoras de políticas públicas de Ciência e tecnologia.
b)Definir questões patrimoniais sobre a apropriação imaterial da
nanotecnologia, especialmente a partir do sistema de direitos de propriedade
intelectual, internacionalmente reconhecido.
c)Estabelecer normas que estruturem a limitação, monitoramento e
dêem respostas adequadas aos riscos da nanotecnologia.
Todavia, conforme Moreira (2006) o Direito ainda não se estruturou
adequadamente para responder aos desafios propostos pelas novas
tecnologias. Isso se deve a diversos fatores, dos quais destacamos:
a) A proximidade da ciência com as grandes corporações gera uma forte
pressão sobre o poder político para evitar qualquer regulamentação contra os
interesses do mercado.
b) A dificuldade na definição dos riscos das diferentes aplicações da
nanotecnologia, decorrente da falta de pesquisa sobre os impactos das
nanotecnologias na saúde humana, no meio ambiente e na sociedade.
70

c) A falta de um debate público sobre a nanociência e a nanotecnologia,


diferentemente de outras tecnologias, já regulamentadas por lei, como é o caso
dos agrotóxicos e da biotecnologia. 5
A relação de perceptível proximidade do discurso da biotecnologia com o
da nanotecnologia comporta, até então, uma importante diferença entre elas. A
biotecnologia gerou uma importante discussão na sociedade sobre as
implicações éticas, jurídicas, ambientais e econômicas, já a nanotecnologia tem
gerado pouca discussão entre os acadêmicos das ciências sociais, quanto
menos, entre nos meios sociais fora das universidades.
A discussão sobre a biotecnologia, todavia, não impediu que a decisão
pela regulamentação desvalorizasse a opinião pública e a participação da
sociedade civil organizada. Pelo contrário, valorizou excessivamente a
participação dos cientistas envolvidos com o desenvolvimento dessa
tecnologia.
Além disso, embora nas últimas décadas perceba-se a emergência do
princípio da precaução para as situações de incerteza científica quanto aos
riscos de uma atividades ou produto, no caso das novas tecnologias, os
sistema jurídico e político têm se demonstrado conservadores na tomada de
decisões.
Os mesmos argumentos dos opositores do princípio da precaução no
debate da biotecnologia repetem-se na discussão da nanotecnologia: essa
tecnologia sempre existiu, seu desenvolvimento vai trazer grandes benefícios
para a humanidade, não existem dados conclusivos sobre a toxicidade, legislar
sobre o assunto pode impedir o desenvolvimento tecnológico nacional e
aumentar nossa dependência, mais regulamentação só vai trazer mais
burocracia, “vamos perder o bonde da História”, “quem não aceitar a nova
tecnologia é ignorante ou está na Idade Média”, “o cidadão comum não tem
condições de dialogar sobre isso, não tem condições de decidir sobre isso, pois
só o cientista é que pode tomar a decisão” (Moreira, 2006, p. 210). A discussão

5
O debate sobre os desafios decorrentes da inserção social da nanotecnologia e da nanociência
permanece restrito a um número reduzido de pessoas e instituições. Entretanto, a Convergência
Tecnológica que envolve a nanotecnologia “impõe dilemas éticos importantes demais para que seu
monopólio pertença a quem quer que seja, inclusive a cientistas.” (Cavalheiro, 2007, p 23)
71

sobre a demanda pela imposição de limites sociais e a regulação jurídica da


nanotecnologia passa por uma análise transversal do sistema jurídico, o que
leva ao estudo de diferentes disciplinas e valores que norteiam a produção
legislativa, as políticas públicas e as decisões judiciais.
É necessário ampliar a reflexão jurídica para além da visão
exclusivamente patrimonialista e desenvolvimentista, a fim de valorizar direitos
fundamentais, face aos riscos destas tecnologias.
O quadro abaixo resume os questionamentos relativos às implicações da
nanotecnologia e as normas existentes nos diferentes subsistemas jurídicos:

Direito da Ciência Art. 218, CF/88, Incentivo do Estado ao


e Tecnologia desenvolvimento científico, à pesquisa e a
Qual deve ser o capacitação tecnológicas.
papel do Estado e Política Nacional de Ciência e Tecnologia.
Mercado no Fundo Nacional de Ciência e Tecnologia.
desenvolvimento da Lei da Inovação - Lei nº 10.973/04
nanotecnologia?
Direito da TRIPs – Acordo sobre Direitos de
Propriedade Intelectual Propriedade Intelectual da OMC
Qual o limite para Lei de Propriedade Intelectual- Lei nº
a apropriação imaterial 9.279/96
(privatização) da vida e Acesso ao patrimônio genético e
dos elementos da Conhecimentos tradicionais e repartição de
matéria? benefícios – Medida provisória nº. 2.186-16/01.
Direito do Código de Defesa do Consumidor - Lei
Consumidor 8.98/90
Como garantir a Rotulagem de OGM no Brasil - Decreto
segurança no consumo 4680/2003
de produtos derivados da
nanotecnologia? Como
informar de forma
adequada o consumidor?
72

Direito Sanitário Normas da ANVISA para remédios e


Quais os critérios segurança alimentar.
devem ser adotados para Normas Internacionais da Organização
avaliar toxicidade dos Mundial de Saúde, OMS e do Fundo para
alimentos e Alimentação e Agricultura da ONU, FAO (Codex
medicamentos da Alimentárius).
nanotecnologia para o
ser humano?
Direito do Trabalho Constituição Federal. Art 7ª, XXII. (redução
Quais os impactos dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de
da Nanotecnologia nos normas de saúde, higiene e segurança)
modos de produção, nas Convenções da OIT
relações de trabalho e na Consolidação das Trabalho – CLT / NR’s
saúde do trabalhador? Ministério Trabalho
Política Nacional de Segurança e Saúde do
Trabalhador – PNSST
Direito Organização Mundial do Comércio -
Internacional Barreiras não-tarifárias (BTNs)
Como regular o a) Barreiras Técnicas (terminologia,
comércio de substâncias rotulagem relativas aos produtos ou aos seus
tóxicas e de resíduos da processos e métodos de produção)
nanotecnologia e no b) Medidas sanitárias e fitossanitárias.
plano internacional? c) Exigências Laborais e
Tratado para d) Ambientais – MEAs - Multilateral
avaliação de novas Environmental Agreements.
tecnologias? Direito Internacional Ambiental:
Quais Convenção sobre Diversidade Biológica
instrumentos regulatórios (1992) e Protocolo de Cartagena sobre
podem ser utilizados para Biossegurança (2000)
fazer frente à produção, Convenção da Basiléia sobre o Controle de
uso e comércio ilegal de Movimentos Transfronteiriços de Resíduos
“nanobiotecnologia”? Perigosos e seu Depósito.(1989)
73

Convenção de Estocolmo sobre Poluentes


Orgânicos Persistentes (2001)
Direito Ambiental Art.225, CF/88 - Direito Fundamental ao
Quais os riscos Meio ambiente ecológicamente equilibrado das
ambientais aceitáveis? presentes e futuras gerações.
Como II- fiscalização das entidades dedicadas à
responsabilizar por danos pesquisa e manipulação de material genético (Lei
ocasionados pela de Biossegurança - Lei nº 11.105 de 2005)
nanotecnologia? IV - Estudo prévio de impacto ambiental.
Quais políticas (Lei 6.938/81 e Resolução CONAMA
adequadas para gestão 01/81.)
de riscos? V controle da produção, a comercialização
Como aplicar o e o emprego de técnicas, métodos e substâncias
princípio da precaução de que comportem risco para a vida, a qualidade de
forma adequada? vida e o meio ambiente.(Lei dos Agrotóxicos, Lei
n.º 7.802/89)
§ 3º Responsabilidade Civil, Circinal e
Administrativa por danos ambientais. (Lei da Ação
Civil Pública, Lei 7.347/85, Código Civil Art. 927,
parágrafo único, Lei dos Crimes Ambientais, Lei
nº 9.605 de 1998)

Na leitura da legislação apresentada acima se percebe que em diversos


momentos as normas jurídicas existentes tangenciam a matéria, mas não dão
o tratamento diferenciado que merecem os riscos e as peculiaridades da
nanotecnologia. Diante do desafio do estabelecimento de limites éticos e
Jurídicos da Nanotecnologia frente aos riscos para a saúde humana, meio
ambiente e economia percebe-se que existem “páginas em branco” e diversos
caminhos para a escolha das normas, enquanto os riscos aumentam na
proporção que as tecnologias avançam. No âmbito do Direito Ambiental
poderíamos citar diferentes perspectivas para estabelecer um sistema de
74

gestão dos riscos, com base em critérios legais e normas de conduta não
jurídicas:
a) Regulamentação legal:
i) A Utilização da legislação Estatal existente e de tratados
internacionais internalizados (ratificados).
(1) É necessário inserir novos artigos nos textos legais já existentes,
tratando de forma diferenciada a nanotecnologia? ou
(2) As normas existentes são suficientes para gerir os riscos das
nanotecnologias?
(3) Seria necessário a proposição da inserção de preceitos relativos
à “nanossegurança” em ratados internacionais já existentes - sejam eles
cogentes (hard law) ou não cogentes (soft law)? ou
(4) Os tratados ratificados pelo Brasil são suficientes?
ii) A criação de uma marco legal nacional para a nanossegurança:
(1) Além do marco regulatório geral o ordenamento necessitaria de
normas específicas para cada especificidade apresentada pelas diferentes
formas de nanotecnologia?
(a) As especificidades sobre diferentes pesquisas, produtos e
processos e, portanto, diferentes riscos seriam positivadas em normas jurídicas
específicas e cogentes? ou
(b) As especificidades ficariam a cargo da auto-regulação das
próprias empresas e do marcado, ou da normatização e da certificação como
ocorre com a ISO 14001e o FSC? ou
(2) Seria necessária a criação de uma estrutura própria com uma
instituição nos mesmos moldes do estabelecido para a Biossegurança, uma
“Comissão Técnica Nacional de Nanosegurança”? 6
iii) A elaboração de um tratado internacional específico para a
nanotecnologia:

6
Tal instituição teria entre suas competências a possibilidade de regulamentação da matéria via
resoluções, a criação de um “Certificado de Qualidade em Nanossegurança” e análise dos casos concretos
de liberação de pesquisa e a comercialização de produtos.
75

(1) O tratado deve ser uma norma obrigatória (hard law), como a
proposta feita pelo Grupo ETC, a Convenção Internacional para Avaliação de
Novas Tecnologias (ICENT)? ou
(2) Teria melhor resultado a elaboração de um tratado ou de tratados
internacionais ou recomendações de organizações internacionais, protocolos
facultativos não obrigatórios, não cogentes (soft law) com Códigos de Conduta,
Diretrizes de Boas Práticas para que ocorra um avanço gradual na
regulamentação internacional de novas tecnologias.

2) Regulação: A criação e institucionalização da regulação da


nanotecnologia no Brasil através de uma Agência Reguladora Específica, que
não afasta a criação de um marco legal sobre nanotecnologia, mas enfraquece
a intervenção do Estado, já que as questões específicas e controvertidas serão
resolvidas por decisões dessas agências.

3) Auto-Regulação: Diante das dificuldades de regulamentação


legal da matéria e dos custos econômicos e dos entraves às pesquisas
provenientes da criação de novas instituições – seja ela uma comissão técnica
a exemplo da CTNBio ou uma Agencia Reguladora específica - para
fiscalização e regulamentação da nanotecnologia, seria melhora deixar de lado
a busca pelos marcos regulatórios e a institucionalização do controle dessa
tecnologia, por parte do Estado, e confiar na auto-regulação.
i) Incentivar a lógica da auto-regulação e auto-certificação por
empresas através de programas internos de gestão de riscos, apoiados ou não
por convênios com a sociedade civil organizada (organizações não-
governamentais), universidades ou instituições estatais (órgãos de proteção
ambiental ambientais, órgão de saúde...) que servem para dar maior
confiabilidade. Ex; Programa Marco de Gestão de Riscos da Du Pont (Nano
Risk Framework). e/ou
ii) A elaboração de normalização para estabelecer padrões de
metrologia ligados à nanotecnologia conjuntamente com a aposta na
certificação por instituições de normalização. e/ou
76

iii) A criação de Códigos de Conduta ou Guias de Boas Práticas,


estabelecidos por cientistas e instituições do setor, não obrigatórios para a
Pesquisa Responsável em Nanotecnologia e Nanociência.

5 PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO
Segundo a declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento
de 1992, Princípio 15: “De modo a proteger o meio ambiente, o princípio da
precaução deve ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com as
suas necessidades. Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a
ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para
postergar medidas eficazes e economicamente viáveis par prevenir a
degradação ambiental”.
Antunes (2006, p. 34) afirma que “a dúvida sobre a natureza nociva de
uma substância não deve ser interpretada como se não houvesse risco.” No
caso das partículas nanotecnológicas, existe essa dúvida, existe o risco,
portanto, existe campo para a aplicação do princípio da precaução.
Todavia, o princípio não determina necessariamente, a paralisação da
atividade. Em alguns casos, a aplicação restritiva do princípio tem lugar,
entretanto, muitas vezes a precaução impõe que a atividade seja “realizada
com os cuidados necessários, até mesmo para que o conhecimento
científico possa avançar e a dúvida ser esclarecida.” (Antunes, 2006, p. 34)
O princípio da cautela é o princípio jurídico ambiental apto a lidar com
situações nas quais o meio ambiente venha a sofrer impactos causados por
novos produtos e tecnologias que ainda não possuam uma acumulação
histórica de informações que assegurem, claramente, em relação ao
conhecimento de um determinado tempo, quais a conseqüências que
poderão advir de sua liberação no ambiente (Antunes, 2006, p.33).
Na dívida sobre os riscos de uma determinada ação para o meio
ambiente, segundo Aragão (2002, p.19), podem existir em três circunstâncias
que justificam a aplicação do princípio da precaução:
77

a) quando ainda não se verificaram quaisquer danos decorrentes de


uma determinada atividade, mas se receia, apesar da falta de provas
científicas, que possam vir a ocorrer;
b) quando havendo já danos provocados ao ambiente, não há provas
científicas sobre qual a causa que está na origem dos danos;
c) ou ainda quando apesar de existirem danos provocados ao meio
ambiente, não há provas científicas sobre o nexo de causalidade ente uma
causa possível e os danos verificados.
Entende-se que o princípio da precaução traz consigo profunda relação
com o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, de origem constitucional por
força do artigo 1º, III da Constituição Federal Brasileira de 1988. Levando em
conta o aspecto da preocupação com os destinatários finais da pesquisa
nano tecnológica, fica evidente que a liberação de produtos que ocasionem
problemas à saúde humana fere o princípio constitucional.
O direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado está
explicito na constituição federal de 1988:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de
vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-
lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Tal direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado impõe ao
poder público, conforme a leitura dos incisos II, IV e V artigo supracitado, uma
serie de obrigações quanto à avaliação e fiscalização de processos e produtos
que possam compor riscos ao ambiente e ao seres humanos.
O princípio da precaução exige uma antecipada. Além disso, em face da
incerteza, transfere-se o ônus da proteção àqueles responsáveis por atividades
potencialmente danosas. Além disso, insiste democratização da informação e
participação da sociedade na gestão dos riscos. (IIEP, 2007, p.2).
Existem especialistas recomendam a redução, limitação e até mesmo a
proibição da liberação de nanopartículas engenheiradas no meio ambiente
até que se tenha mais conhecimento a respeito dos impactos ambientais e
ao meio humano.
78

Até que se tenha mais conhecimento a respeito dos impactos


ambientais, consideramos importante que a liberação de nanopartículas e
nanotubos, no meio ambiente, seja evitada o máximo possível.
Especificamente recomendamos, como uma medida de precaução, que
as fábricas e os laboratórios de pesquisa tratem as nanopartículas e os
nanotubos manufaturados como se eles fossem fontes de resíduos perigosos
e que a utilização de nanopartículas em aplicações ambientais como
remediação de águas subterrâneas seja proibida. (RS&ERA, 2004)
Quando mais conhecimento sobre determinado assunto, maior a chance
de identificação de novos riscos. Negligenciar um risco conhecido pode servir
os interesses de setores influentes da economia, indústrias que lidam com
produtos perigosos, por exemplo, porém, podem trazer conseqüências
desastrosas não só para a geração presente, mas também para as futuras
gerações. Nesse sentido, no jargão econômico, a sociedade está
internalizando os prejuízos, enquanto algumas empresas internalizam os
lucros. O risco, devido a sua natureza alteradora, afeta diversas áreas que a
princípio nada tinham em comum quando a decisão foi tomada. Beck(1999, p.
145) cita o exemplo do Asbestos (amianto) utilizado amplamente durante muito
tempo devido a sua durabilidade e baixo custo, mas com efeitos colaterais
ignorados até afetarem uma grande gama de pessoas. O mesmo pode vir a
acontecer com as nanopartículas em relação à saúde humana e aos
ecossistemas.
No Brasil a discussão sobre o princípio da precaução deve nortear
qualquer tentativa de elaboração de normas específicas ou genéricas sobre a
nanotecnologia. É um princípio importante para inverter a lógica atual, que
segundo (Beck 1999, p.60) não obedece à progressão, primeiro, análise de
riscos em laboratório e depois aplicação. Os testes, em geral, vêm após a
aplicação e a produção precede a pesquisa dos riscos.

6 CONCLUSÕES ARTICULADAS
a) O risco da nanotecnologia se potencializa na medida em que
avançam suas aplicações, sem ocorrer o mesmo com as pesquisas voltadas
79

para análise de suas conseqüências sociais, econômicas e ambientais. A falta


de informação acerca dos efeitos das inovações tecnológicas no meio
ambiente e na saúde humana serve de argumento para medidas de prudência
(precaução).
b) Percebe-se a dificuldade de se regulamentar algo desconhecido pela
sociedade e pelos juristas. Pouca discussão traz um risco maior, à decisão de
criar normas, possivelmente sem efetividade, ou que imponham restrições
excessivamente burocráticas ao desenvolvimento da nanotecnologia, ou que
sirvam apenas para encobrir e legitimar o seu uso irresponsável.
c) Não se deve negligenciar o princípio da precaução como importante
fundamento legal na discussão da regulamentação da nanotecnologia.
d) É importante o debate sobre “o que é conveniente regulamentar?”,
“por que regulamentar?”, “como regulamentar?” e “para quem regulamentar?”.
e) A regulamentação não deve ficar a cargo apenas de especialistas e
cientistas. É importante assegurar o acesso à informação, a transparência e a
Participação Pública na tomada de decisões.
d) Qualquer que seja a resposta da sociedade para a criação de um
sistema normativo para a nanociência e a nanotecnologia, é importante que
este se assente sobre alguns valores fundamentais: o respeito aos direitos
fundamentais, a dignidade da pessoa humana e o direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado e o princípio democrático.

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82

A IMPORTÂNCIA DA AGROENERGIA NA SUSTENTABILIDADE DAS


PEQUENAS PROPRIEDADES

ALCEU CERICATO 1
CLÁUDIO ZORZI 2
DIRLEI BERTOCHI 3
SIMONE SEHNEM 4

Resumo: Esse trabalho tem por objetivo analisar a importância da produção de


biocombustíveis para a sustentabilidade das pequenas propriedades cujos proprietários são
associados a Cooperativa Regional CooperFronteira localizada no município de
Bandeirantes/SC. Descreve o sistema cooperativo na produção de biocombustível; evidencia
as potencialidades da produção dessa alternativa energética; e avalia a importância econômica
e ambiental da produção e uso de biocombustíveis. Trata-se de uma pesquisa aplicada, com
abordagem qualitativa. Quanto aos seus objetivos, classifica-se como sendo exploratória, tendo
como procedimento o levantamento de dados, por meio da aplicação de entrevistas junto a
cinco agricultores associados da cooperativa Regional Cooperfronteira do município de
Bandeirante – SC. Conclui-se que, por meio da Cooperativa Regional CooperFronteira os
cooperados estarão se apropriando, de forma legal, de um tipo de incentivo direto da cadeia
produtiva na qual atuam, garantindo uma margem significativa de ganho. Essa, se traduz em
poder de competitividade frente ao grande complexo agroindustrial montado para produzir
biocombustíveis e que, pela estrutura organizacional deste tipo de empreendimento não
permite que as pequenas propriedades se beneficiem. Portanto, a produção de agronergia em
pequenas propriedades familiares pode ser considerada uma alternativa de importância
econômica, social e ambiental para os agentes envolvidos.
Palavras-chave: Agroenergia. Sustentabilidade. Agricultura Familiar.
Linha Temática: Biocombustíveis e Fontes Alternativas de Energia: Enfoque Socioambiental

1 Doutorando em Administração, prof. da Universidade do Oeste de Santa Catarina – cericato@unoescsmo.edu.br

2 Bacharel em Agronegócios, supervisor de campo da Brasil Ecodisel – claudiozorzi@yahoo.com.br

3 Consultor em Agroenergias, Professor da Universidade do Oeste de Santa Catarina – bertochi@hotmail.com

4 Doutoranda em Administração, professora da Universidade do Oeste de Santa Catarina – simoneagro@unoescsmo.edu.br


83

1 INTRODUÇÃO
O planeta sente os efeitos da emissão do monóxido de carbono no meio
ambiente, lançado pelo homem com maior intensidade na era da revolução
industrial (por volta de 1800). Estamos entrando em outra era, da biomassa e
da bioenergia. Um novo horizonte começa a se abrir para o desenvolvimento
de um novo modelo de agricultura, não apenas alimentar, mas sim,
responsável pela produção de matéria prima alimentar e também energias
renováveis 5.
A agricultura terá a incumbência de produzir boa parte da energia usada
no planeta, que irá substituir gradativamente o uso de carvão mineral e
petróleo, por um produto mais limpo, possibilitando o lançamento de volumes
menores de gazes de efeito estufa. O preço dos combustíveis fósseis alcançou
patamares que justificam a procura intensa por novas fontes de energia limpas.
No limiar do processo de reconversão da matriz energética global, a
agricultura é desafiada a produzir de maneira sustentável coexistindo com o
meio ambiente. Nesse sentido, o Brasil é um país promissor, pois apresenta
dimensões continentais de 8,5 milhões de quilômetros quadrados de superfície.
Tem quase todos os climas necessários para produzir alimentos e agroenergia.
Um dos maiores índices de insolação e ainda possui 12% da água doce do
planeta. Todos estes fatores fazem do Brasil o país com o maior potencial
comparativo para a produção de alimentos e agroenergia do mundo.
Diante desse contexto, o presente estudo acadêmico, tem por objetivo
de servir como uma contribuição efetivamente para com a sociedade, de modo
especial, com os pequenos agricultores que, em muitas circunstâncias, se
encontram a margem da inovação tecnológica, bem como, das possibilidades
de inserção em um novo modelo agrícola calcado na agroenergia.
O desenvolvimento sustentável é aquele que atende às necessidades do
presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem
a suas próprias necessidades. Ele contém dois conceitos-chave: 1º) o conceito
de “necessidades”, sobretudo as necessidades essenciais dos pobres no

5CERICATO, Alceu. A Agroenergia sob a perspectiva da sustentabilidade nas pequenas propriedades agrícolas e a influência para o
desenvolvimento regional: uma análise e proposta para a região Oeste de Santa Catarina - SC. Pesquisa em andamento. 2008.
84

mundo, que devem receber a máxima prioridade; 2º) a noção das limitações
que o estágio da tecnologia e da organização social impõe ao meio ambiente,
impedindo-o de atender às necessidades presentes e futuras. Em seu sentido
mais amplo, a estratégia de desenvolvimento sustentável visa promover a
harmonia entre os seres humanos e entre a humanidade e a natureza.
Para Goldemberg e Villanueva 6 uma das energias renováveis em
evidência é o óleo vegetal (biodiesel). É um substituto com potencial importante
para o diesel convencional. São muitas as plantas de oleaginosas que
apresentam potencial para produção no Brasil, sendo que o processo de
extração do óleo vegetal é relativamente simples. Importante destacar também
que em testes com 100% de biodiesel em motores a diesel apresentaram
sucesso na combustão desta substância.

As energias renováveis são provenientes de ciclos naturais de


conversão da radiação solar, que é a fonte primária de quase
toda energia disponível na terra. Por isso, são praticamente
inesgotáveis e não alteram o balanço térmico do planeta.” As
formas ou manifestações mais conhecidas são: a energia
solar, a energia eólica, a biomassa e a hidroenergia 7.

Assim, as energias renováveis são consideradas como energias


alternativas, quando comparadas com o modelo energético atual, tanto pela
sua disponibilidade garantida como pelo seu menor impacto ambiental.
O objetivo geral do trabalho é analisar a importância da produção de
biocombustíveis para a sustentabilidade das pequenas propriedades em
regime cooperativado por meio da Cooperfronteira. Para atingir esse objetivo,
foram estabelecidos os seguintes objetivos específicos: descrever o sistema
cooperativo na produção de biocombustíveis; evidenciar as potencialidades da
produção dessa alternativa energética; e avaliar a importância econômica e
ambiental da produção e uso de biocombustíveis pelos associados da
Cooperativa Regional Cooperfronteira, localizada no município de
Bandeirantes/SC.

6 GOLDEMBERG, José. VILLANUEVA, Luz Dondero. Energia, Meio Ambiente & Desenvolvimento. São Paulo: editora da USP, 2003.

7 ENERGIAS RENOVÁVEIS – O que são e porque utilizá-las? Disponível em: <http// www.aondevamos.eng.br>. Acesso em: 29 maio 2008.
85

2 MÉTODO
A pesquisa foi realizada junto aos associados da Cooperfronteira,
localizada em Linha Riqueza do Oeste Município de Bandeirante – SC.
Consiste em uma pesquisa de natureza aplicada, com abordagem
qualitativa, pois buscou o entendimento das relações entre a cooperativa e os
seus cooperados. Basicamente, “a pesquisa aplicada objetiva gerar
conhecimentos para aplicação prática dirigida à solução de problemas
específicos. Envolve verdades e interesses locais” 8.
Quanto aos seus objetivos, classifica-se como sendo exploratória, tendo
como procedimento o levantamento de dados, por meio da aplicação de
entrevistas junto a cinco agricultores associados da cooperativa Regional
Cooperfronteira do município de Bandeirante – SC.
As informações coletadas foram analisadas e interpretadas de forma
qualitativa, fazendo uso da técnica de análise de conteúdo, com destaque para
as informações mais relevantes.

3 RESULTADOS
A Cooperfronteira é uma organização virtual (sem a existência de
estrutura física, apenas uma ferramenta legal para fazer as transações dentro
das normas legais). Caracteriza-se por ser uma entidade de base, criada em 25
de março de 2008, para atender uma necessidade que os agricultores têm de
mudança no modelo agrícola para melhorar a renda dos mesmos. O endereço
da Cooperativa é a Comunidade de Linha Riqueza do Oeste S/n, CEP: 89905-
000, Bandeirante – SC.
Tudo começou em 2005 quando os acadêmicos do curso de
Agronegócios da Universidade do Oeste de Santa Catarina, Dirlei Bertocchi e
José Pivetta iniciaram um projeto de pesquisa e desenvolvimento para
adaptação de motores a diesel ao uso de óleo vegetal.
A partir de meados de 2006 quando o projeto de utilização do óleo
vegetal como combustível foi posto em prática, juntamente com o

8 RICHARDSON, Roberto Jarry. Pesquisa social. 3.ed. São Paulo: Atlas, 1999.
86

desenvolvimento de uma metodologia de adaptação de motores para o uso do


óleo vegetal puro como combustível, percebeu-se que a idéia de produzir
energia em pequenas propriedades poderia ser parte da solução dos
problemas enfrentados pelos agricultores familiares no que tange a emprego e
renda.
Paralelamente ao trabalho de pesquisa e desenvolvimento, percebeu-se
a existência de entraves legais de produção e comercialização deste tipo de
produto que, se não fossem resolvidos inviabilizariam a idéia.
Foi então que, descobriu-se uma possibilidade na legislação de
produção para consumo próprio. Desta forma, chegou-se a conclusão de que
os agricultores poderiam produzir a matéria-prima em sua propriedade,
processá-la com equipamentos de pequeno porte e de fácil deslocamento. O
intuito desse projeto consiste no atendimento de uma exigência legal de
produção para consumo dos agricultores bem como proporcionando-lhes uma
economia que imediatamente reverter-se-ia em ganhos consideráveis para os
agricultores.
Estudando-se um pouco mais o assunto percebeu-se que, a produção
de biocombustível, acontecendo dentro de uma organização cooperativa, onde
a produção da matéria prima, o processamento e o consumo ficariam restritos
aos cooperados, o entendimento legal é de que isso representa produção para
consumo próprio. A partir de então, iniciou-se um trabalho efetivo para estudar
a viabilidade de constituição da cooperativa para atender esta necessidade e
outras demandas que os agricultores que dizem respeito à industrialização e
comercialização de outros produtos oriundos da agricultura familiar.
A formação da cooperativa teve amplas discussões na região da
AMEOSC (Associação dos Municípios do Extremo-Oeste de Santa Catarina),
das quais participaram pessoas envolvidas com as Secretarias de Agricultura
dos Municípios, Associações de Agricultores bem como, agricultores individuais
a fim de contribuir na discussão para formação da organização.
Um dos acordos firmados nas reuniões e transcritos no estatuto é de
que haveria duas categorias de associados, categoria “A” e “B”, sendo que a
categoria “A” é composta de agricultores familiares com enquadramento,
87

seguindo normas estabelecidas pelo MDA (Ministério do Desenvolvimento


Agrário), para o enquadramento dos agricultores de acordo com a renda
familiar anual. A outra categoria é composta por pessoas físicas e jurídicas,
não enquadradas como agricultores familiares, mas teriam o grande papel
dentro da cooperativa que seriam consumidores de biocombustíveis,
viabilizando a tarefa mais complexa que é o ato de vender a produção.

3.1 IMPORTÂNCIA DA PRODUÇÃO DE BIOCOMBUSTÍVEIS


No trabalho de pesquisa realizado com os agricultores associados da
cooperativa, constatou-se que todos possuem o seguinte modelo agropecuário:
produção de grãos, fumo e criação de animais. A principal cultura cultivada é o
milho - nos meses de agosto e setembro. Contudo, constata-se que nos últimos
anos os agricultores estão replicando o plantio de milho na safrinha. De acordo
com relato dos próprios agricultores, essa prática está causando problemas de
fertilidade do solo, necessitando cada vez mais investimento em adubação
para manter a produtividade desta cultura na safra seguinte.
Os biocombustíveis provenientes da agroenergia são um “casamento
perfeito” para os agricultores, independentemente do tamanho, pois, este
modelo requer um replanejamento da propriedade, sistematizando os modos
de produção de maneira que as propriedades estejam diversificada e
principalmente, que ocorra a rotação de cultura. O simples fato de fazer a
rotação de cultura, promove redução de gastos com defensivos e fertilizantes,
além de produzir matérias-primas que depois de processadas irão se
transformar em energia, alimento humano e animal. É importante destacar que
todo o trabalho de plantio, cultivo e colheita das lavouras se dá através de
máquinas e equipamentos existentes nas propriedades dos agricultores, e os
agricultores que não possuem estes equipamentos, encontram facilmente
prestadores de serviço que executarão os trabalhos de forma ágil e eficiente.

3.2 O PROCESSO INDUSTRIAL


Após a colheita da matéria-prima (cana, canola ou amendoim), é
necessário fazer o processo de industrialização. Desta fase em diante, é que
88

se percebe a importância da organização cooperativa. A Prefeitura Municipal


de Bandeirante possui duas unidades de industrialização, uma de álcool
combustível e a outra de óleo vegetal, (esta última em fase de construção).
Estas unidades serão repassadas pela Prefeitura através de comodato a
Cooperativa Regional Cooperfronteira. A cooperativa por sua vez, terá a
incumbência de industrializar a matéria-prima dos associados, transformando
em produto acabado, devolvendo ao associado o necessário para o próprio
consumo e repassando a outros cooperados o excedente.

3.3 PRODUÇÃO DE ENERGIA ALTERNATIVA E A IMPORTÂNCIA


ECONÔMICA E SÓCIO-AMBIENTAL
Constatou-se por meio das entrevistas aplicadas aos associados da
cooperativa, que existe uma grande preocupação com relação às questões
ambientais. É notória a percepção de que os mesmos estarão contribuindo com
a redução de impactos ambientais. O fato de poder consumir um combustível
renovável, que libera menos gás carbono na atmosfera no momento da
combustão, já representa um avanço significativo.
Além disso, trás uma satisfação pessoal, de certeza da não omissão
com relação ao tema tão preocupante para a subsistência das futuras gerações
– a questão energética. Demonstra também que os associados da
Cooperfronteira estarão fazendo a sua parte, no sentido de zelar pela
sustentabilidade do ambiente no qual vivem, explorando as atividades
econômicas sob o prisma da preservação ambiental.
Do ponto de vista econômico, há de se destacar que é uma grande
oportunidade de renda para os agricultores. São poucas as iniciativas na região
que apresentem uma possibilidade real de integração sistêmica dentro da
própria propriedade, de forma a integrar a família no processo produtivo e de
modo especial a juventude.
A análise que se pode fazer da produção de biocombustíveis, sob
o aspecto sócio-ambiental e econômico, é que as pequenas propriedades
estão carentes de novas idéias e de novas tecnologias. Estas novidades
devem dar respostas às necessidades, principalmente dos jovens agricultores,
89

pois, na grande maioria das propriedades é comum o fato dos jovens saírem de
casa em busca de oportunidades nos centros urbanos. Oportunidades estas
que, na maioria dos casos se traduz em serviço braçal e mal remunerado.
A resposta que os agricultores buscam nada mais é do que um
trabalho que lhes dê a remuneração digna pelo esforço empenhado, com
respeito ao meio ambiente e a terra que sempre sustentou a família desde sua
ocupação, essa proposta é muito clara nos objetivos da criação da cooperativa.

3.4 PRODUÇÃO E CONSUMO


Através de uma análise mais apurada da intenção da cooperativa em
produzir biocombustíveis, fica evidenciado que esse projeto objetiva atender a
demanda dos cooperados. São mensuráveis alguns ganhos indiretos altamente
significativos no que tange a carga tributária sobre os combustíveis. Pela
estrutura organizacional da entidade e beneficiando-se da legislação vigente,
pode-se afirmar que o único tributo que deverá incidir sobre os biocombustíveis
produzidos na cooperativa será o ISS (Imposto Sobre Serviços). Esse tributo é
de competência dos Municípios. A lógica é muito simples, a cooperativa atuará
como prestadora de serviços, o associado produz ou compra a matéria-prima
de outro associado. Transporta até a unidade de industrialização da
cooperativa, onde serão processados os produtos e devolvidos ao associado
cobrando uma taxa pela prestação dos serviços. Esse tipo de operação não
caracteriza comércio. Sobre a taxa cobrada pelo serviço incidirá uma carga
tributária variável de Município para Município. Na região de abrangência da
AMEOSC o ISS cobrado fica entre 1 e 5% (um e cinco por cento) sobre o valor
cobrado pelos serviços.
Considerando que os biocombustíveis no processo normal de
comercialização, incide uma carga tributária que chega próximo a 40%
(quarenta por cento). A leitura que se pode fazer do projeto implantado no
município de Bandeirantes, é de que, os cooperados estarão se apropriando de
forma legal de um tipo de incentivo direto, garantindo uma margem significativa
de ganho. Essa, se traduz em poder de competitividade frente ao grande
complexo agroindustrial montado para produzir biocombustíveis e que, pela
90

estrutura organizacional deste tipo de empreendimento não podem se


beneficiar disso.

3.5 SUSTENTABILIDADE
Foi possível identificar junto aos associados que não existe muita
clareza em relação ao tamanho do mercado que eles poderão atuar, pois esse
mercado será proporcional ao número de associados que a cooperativa terá,
bem como, o potencial de consumo que cada sócio tiver. Dependerá muito da
capacidade de articulação dos próprios associados da cooperativa em buscar o
maior número de sócios possíveis, para que esse universo de consumidores
represente a capacidade de produção de biocombustíveis dos agricultores
associados.
Quando se fala em sustentabilidade é preciso um olhar sobre as
questões ambientais, econômicas e sociais. Por fomentar uma iniciativa que
não agride o meio ambiente, através da produção e consumo responsável de
energias renováveis, a cooperativa está dando um importante passo no sentido
de apontar caminhos que ajudem na solução de problemas ambientais graves
que a humanidade deverá enfrentar daqui em diante. Em relação às questões
econômicas o grande diferencial que a cooperativa vai ter em relação ao
mercado tradicional será o ato cooperativo (produzir para consumo próprio).
Este mecanismo legal, que isenta de tributação as operações que ocorrem
dentro do sistema cooperativo, fundamentada no artigo 79 § primeiro da lei nº
5.764, de 16 de dezembro de 1971, apresenta uma vantagem comparativa e
competitiva. Comparativa por que o produtor e o consumidor estabelecem uma
relação de confiança onde as duas partes ganham. Competitiva por que a
margem de impostos que incidem sobre as operações comerciais dos
combustíveis é pouco significativa nesta modalidade operacional, aumentando,
dessa maneira, consideravelmente a margem de ganhos dos produtores que,
por sua vez, poderão repassar parte disso ao cooperado consumidor.
Por fim, é um projeto de cunho social, pois, em seu princípio
fundamental, a cooperativa prima pelo bem estar das pessoas que estão em
processo de exclusão social, oportunizando a eles (os agricultores) a
91

esperança de ter na agricultura uma vida melhor pela mudança do modelo


agrícola, quebra de paradigmas e pela cooperação.

4 CONCLUSÃO
“Para obter algo que nunca teve, precisa fazer algo que nunca fez”
(autor desconhecido). Essas palavras expressam um pouco do sentido de
existência da Cooperativa Regional Cooperfronteira. Pioneira na formatação de
uma modalidade capaz de integrar produtor e consumidor em torno de um
objetivo comum, de economizar, de contribuir com o meio ambiente e com a
redução de problemas sociais.
Na ocupação da região do Extremo-Oeste de Santa Catarina, todo o
crescimento econômico foi baseado na exploração de recursos naturais.
Primeiro a mata, depois a fertilidade natural do solo e por último a água. Uma
forma de ocupação altamente impactante sobre o meio ambiente e sem a
menor sustentabilidade. Fato esse, comprovado ao longo da ocupação da
região. Isso nos remete a necessidade de pensar alternativas capazes de
coexistir com o meio ambiente dentro de um modelo sustentável de
desenvolvimento.
As pequenas propriedades sofrem com o empobrecimento do solo,
êxodo rural e o conseqüente envelhecimento da população que reside na meio
rural. Esses problemas que aliados a um modelo agrícola inadequado para as
pequenas propriedades trazem conseqüências que se agravam a cada ano que
passa. Dentre os principais problemas constatados estão à falta de renda,
necessidade de recuperação do solo, introdução de novas tecnologias que
possam se adequar a realidade dos pequenos agricultores.
Nos objetivos específicos do trabalho foi elencada a identificação das
potencialidades de produção de agroenergia nas propriedades dos agricultores
associados da Cooperfronteira. Nesse sentido, é necessário salientar que a
agricultura familiar, historicamente é conhecida como grande produtora de
alimentos. De acordo com Fuchs 9 as sementes possuem a maior concentração

9 FUCHS, Werner. Colha Óleo Vegetais. Curitiba: Editora Betânia, 2006.


92

de energia solar do planeta, armazenada pela reação da fotossíntese, um


processo natural que a ciência química não consegue imitar. Esse
embasamento teórico juntamente com o conhecimento empírico, nos faz
acreditar que a agricultura familiar possui não apenas vocação para produção
de energia, pois a energia está intrinsecamente ligada a produção
agropecuária, mas também possui potencialidades reais de produção de
biocombustíveis não apenas para consumo próprio, mas também para atender
a necessidade de outros.
Ao avaliar a importância ambiental da produção de biocombustíveis,
podemos relatar alguns aspectos relevantes que dizem respeito à rotação de
cultura no processo de produção. Além disso, os estudos científicos apontam
ganhos expressivos com a melhoria do solo, bem como na redução de custos
em função de que, cada espécie de planta retira alguns nutrientes e deposita
outros que são benéficos a cultura posterior. Essas teorias, os agricultores já
conseguem ver na prática, onde a rotação de cultura já foi implantada. A
percepção se deu através da redução na quantidade de adubação química e
na melhoria de produtividade das lavouras após o início das dessa prática.
A produção de biocombustíveis possui ainda impactos na renda. Com o
envelhecimento da população rural teve também a necessidade de mecanizar
os trabalhos desenvolvidos na agricultura. A evidência natural desse processo
é o aumento no consumo de energia. Como ainda somos petro-depententes,
os gastos em combustível para movimentar as máquinas ocupam uma fatia
cada vez maior nos custos de produção. O que os associados da cooperativa
preconizam é reduzir os custos, através da produção e uso do próprio
combustível, isso reverterá em melhoria da renda dos associados.
Quanto à viabilidade de produção de biocombustíveis é necessário fazer
algumas observações que facilitam o entendimento. O diesel de petróleo, bem
como biodiesel, é vendido nas bombas dos postos de combustível a R$ 2,00
(dois reais), o preço do álcool na mesma situação chaga a R$ 1,80 (um real e
oitenta centavos). Sobre estes valores incidem uma carga tributária em torno
de 40% o que representará R$ 0,80 (oitenta centavos) para o biodiesel e R$
0,72 (setenta e dois centavos) para o álcool. O valor do produto com o devido
93

desconto dos impostos será de R$ 1,20 (um real e vinte) para o biodiesel e R$
1,08 (um real e oito centavos) para o álcool. Imaginando que tem todos os
custos estão embutidos no preço dos produtos, sem os impostos para que eles
cheguem a estes valores antes da tributação, nos faz pensar que o agricultor
ao produzir matéria prima para produção de biocombustível e atendendo uma
demanda de consumo próprio, estará agregando, além dos valores dos
processos industriais com suas respectivas margens de lucro bem como, boa
parte da carga tributária que incide sobre o modelo tradicional de
comercialização.
Com a evolução tecnológica de máquinas e equipamentos para
produção em pequena escala, bem como a evolução da eficiência técnica
destes equipamentos, comparativamente ao processo industrial de grande
porte, é possível afirmar que as máquinas de pequeno porte têm demonstrado
capacidade igual ou até mesmo superior as de grande escala de produção.
Este fator nos dá convicção de que, produzir biocombustível em pequenas
unidades, também tem viabilidade técnica.
Exemplo disso é o equipamento de produção de álcool combustível e da
prensa de oleaginosas da Prefeitura Municipal de Bandeirante que será
repassada em comodato para a Cooperativa. A unidade de produção de álcool
tem possibilidade de fabricação de álcool com pureza de 98%, enquanto as
normas de comercialização prevêem a comercialização de álcool hidratado em
postos de com pureza em torno de 94%. Já a prensa de oleaginosas consegue
retirar 93% do óleo contido nas sementes, comparando-se com o processo
industrial em grande escala a eficiência é basicamente a mesma.
Dessa maneira, constata-se que a contribuição desse trabalho como
forma de potencializar as ações da organização cooperativa é a proposição de
que a cooperativa deve buscar parcerias com diversas entidades
governamentais e não governamentais, a fim de conseguir os recursos
humanos e financeiros necessários para que a pesquisa e desenvolvimento
seja algo ininterrupto.
Como é uma unidade piloto e o trabalho é desenvolvido em uma área
que a tecnologia deve aprimorar constantemente, entendemos que esta deve
94

ser uma política de estado, como forma de incentivo aos que estão
marginalizados pelo modelo agrícola inadequado a pequena propriedade e por
falta de políticas públicas voltadas a melhoria das condições de vida da
população que mais precisa.

REFERÊNCIAS

CERICATO, Alceu. A Agroenergia sob a perspectiva da sustentabilidade


nas pequenas propriedades agrícolas e a influência para o
desenvolvimento regional: uma análise e proposta para a região Oeste de
Santa Catarina-SC. Pesquisa em andamento. 2008.

ENERGIAS RENOVÁVEIS – O que são e porque utilizá-las. Disponível em:


<http// www.aondevamos.eng.br>. Acesso em: 29 maio 2008.

FUCHS, Werner.Colha Óleo Vegetais. Curitiba: Editora Betânia, 2006.

GOLDEMBERG, José. VILLANUEVA, Luz Dondero. Energia, Meio Ambiente


& Desenvolvimento. São Paulo: editora da USP, 2003.

RICHARDSON, Roberto Jarry. Pesquisa social. 3.ed. São Paulo: Atlas, 1999.
95

RECUPERAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DA ÁREA DA CASCALHEIRA:


Desenvolvimento tecnológico de soluções sustentáveis de mesoestrutura de
baixo impacto ambiental

ALFIO CONTI 1
MARGARETE MARIA DE ARAÚJO SILVA 2
MARCO ANTONIO SOUZA BORGES NETTO 3
DANILO BOTELHO 4

1 INTRODUÇÃO
O objetivo desse texto é apresentar uma experiência de requalificação
ambiental urbana em curso no município de Nova Lima. O objeto de estudo é
uma área lindeira ao condomínio “Jardins de Petrópolis”, localizado na parte
central do município de Nova Lima, a sudoeste da mancha urbana
correspondente ao núcleo urbano sede do município, que é afetada por graves
processos de degradação físico-ambiental. São encontradas nela, de maneira
difusa e generalizada: erosões com ravinamento e voçorocamento, atingindo o
lençol freático e as redes de mesoestruturas implantadas, com o assoreamento
dos cursos d’água e a destruição da cobertura vegetal.
O processo de requalificação ambiental urbana é direcionado por um
projeto de extensão financiado pela Pro-Reitoria de Extensão da Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais – PROEX/PUC-MINAS, que tem, entre
outros, o objetivo de implementação de uma cooperação tecnológico-cultural
entre a Associação dos Moradores do Bairro Jardins de Petrópolis e o
Escritório de Integração do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da

1
Arquiteto Urbanista Doutor em Geografia Tratamento da Informação Espacial no Programa de Pós-graduação em Geografia -
Tratamento da Informação Espacial da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas, Coordenador do Escritório
de Integração – DAU/PUC/Minas. E-mail: integra@pucminas.br.
2
Arquiteta Urbanista Doutoranda no Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Minas
Gerais, Coordenadora Adjunta do Escritório de Integração – DAU/PUC/Minas. E-mail: integra@pucminas.br.
3
Bacharel em Direito Especialista em Planejamento Ambiental Urbano (PUC Minas), Acadêmico de Arquitetura e Urbanismo da
PUC Minas. E-mail: integra@pucminas.br.
4
Arquiteto Urbanista Especialista em Planejamento Ambiental Urbano (PUC Minas). E-mail: integra@pucminas.br.
Também participam do projeto os alunos da PUC Minas: Alecsandra Cunha (Geografia), Lisandra Silva (Arquitetura e Urbanismo),
Luana Maíra (Direito), e Renata Duarte (Arquitetura e Urbanismo).
96

Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – EI/DAU/PUCMinas. A


proposta de Recuperação do equilíbrio ambiental da Área da Cascalheira
enfoca o resgate da cultura tecnológica local, para que dispositivos específicos
sejam aplicados dentro de uma abordagem sistêmica, usando mão-de-obra
local em toda a área objeto da intervenção.
A proposta do projeto é que, a partir dos problemas identificados, seja
elaborado um estudo integrado sobre as origens e as manifestações dos
problemas existentes visando a busca de soluções ambientalmente
compatíveis e de baixo impacto, junto à comunidade local. As soluções, assim
como as medidas previstas para o desenvolvimento e implementação do
processo de recuperação e reequilíbrio ambiental serão implementadas pela
associação, em parceria com a Prefeitura Municipal de Nova Lima. As
propostas, o projeto e a evolução do processo de recuperação serão
sistematizados e divulgados através a criação de materiais didáticos para que,
além de serem adotados na área, possam servir de referência para lugares
onde se manifestam as mesmas patologias, que são recorrentes também nos
assentamentos informais.

2 CONSIDERAÇÕES CRÍTICAS E ANÁLISE TEÓRICA


No processo de urbanização brasileiro, a distribuição espacial da
população acabou refletindo a distribuição das alternativas de acesso à cidade
vinculada à moradia e aos produtos imobiliários a ela relacionados, acessíveis
à população, segundo a faixa de renda.
Isso fez com que uma parte da sociedade, nesse caso os grupos de
renda média e alta, buscasse soluções específicas de acesso à cidade. Na
Região Metropolitana de Belo Horizonte, segundo MOURA (1994) 5, estes
grupos foram ocupando

um crescente número de loteamentos fechados, misto de


residência e de casa de campo, aprazíveis espaços,
característicos de um tipo privilegiado de crescimento da
cidade para além da Serra do Curral rumo ao sul.

5
MOURA, Heloísa Soares de. Habitação e produção do espaço em Belo Horizonte. IN: Belo Horizonte:
Espaços e tempos em construção, CEDEPLAR/PBH, Coleção BH 100 anos, Brlo Horizonte, 1994.
97

O condomínio Jardins de Petrópolis é um desses produtos e vem


sofrendo os impactos ambientais gerados pela adoção de soluções
urbanísticas que são normalmente empregadas na cidade formal, ignorando as
especificidades locais e condicionantes ambientais. Essas soluções não
desempenham corretamente seu papel, gerando impactos negativos cuja
entidade varia de acordo com o tempo e com uma progressão que é, em geral,
cumulativa, potencializando os problemas e os estragos.
O resultado em geral é o desequilíbrio hidro-geológico do meio
ambiente. É um problema real que afeta o território brasileiro da mesma
maneira que afeta outras realidades espalhadas no mundo todo. As catástrofes
e os prejuízos humanos e materiais, tantas vezes objeto de manchete por parte
da mídia, são os efeitos mais evidentes desse problema. Desastres naturais,
na realidade, são os resultados, muitas vezes, da acumulação e da
sedimentação do desequilíbrio em conseqüência de ações desarticuladas e
equivocadas.
Este processo de evolução do desequilíbrio ambiental é o fruto de
posturas e atitudes cujas raízes mais profundas encontram-se na própria
cultura das populações afetadas.
A cultura local e as práticas associadas à ocupação, implantação e
gestão dos assentamentos humanos são elementos que caracterizam e
distinguem cada civilidade. A história nos ensina que essas práticas evoluem
lenta e progressivamente e são frutos de ajustes contínuos e pormenorizados.
Além do mais, as ações de intervenção devem ser feitas em uma escala que
possa ser dominada, para controlar efeitos não previstos.
Nesse sentido, cabe lembrar a história de Veneza e da sua laguna,
onde, ao longo dos séculos, os venezianos, por questões de sobrevivência,
empenharam-se em compreender as características e os processos mais
íntimos que regulavam o ecossistema da laguna, ao centro da qual sua cidade
estava implantada. Este conhecimento permitiu-lhes equilibrar esse
ecossistema instável por natureza, evitando os cenários finais que seriam, de
um lado, o assoreamento, e isso foi evitado desviando para o mar uma boa
parte daqueles rios que desembocavam na laguna e, do outro, a invasão do
98

mar, que foi evitada implementando engenhosas obras de engenharia


hidráulica. Os notórios problemas que a cidade e seus habitantes vivem
atualmente são de origem contemporânea e resultado da perda desse
conhecimento ao longo dos últimos 200 anos.
No caso brasileiro, as práticas associadas à ocupação dos
assentamentos humanos remontam ao processo de colonização portuguesa. E
o esforço inicial de adequação das soluções práticas, dispositivos, as
características e condicionantes ambientais do novo mundo foram se
perdendo, sendo substituídos por uma importação exógena e acrítica de idéias,
conceitos, práticas e tecnologia. Esta postura, que vem se reproduzindo para
todos os campos do conhecimento, instala-se ao longo de toda a história
brasileira, tornando-se parte integrante de uma cultura dissociada do
conhecimento intimo da realidade dos processos físico-ambientais. A
sustentabilidade ambiental, no seu sentido mais amplo passa através do
domínio e da construção desse conhecimento, mas, apesar dessa consciência
existir, os acontecimentos do dia a dia mostram quanto a aplicação e
implementação desse conceito encontra-se longe de ser uma realidade.
Atualmente não é mais suficiente manifestar-se favorável a certo tipo de
idéias; é imprescindível tomar atitudes e implementar ações, programas e criar
uma cultura através do fazer pragmático. As soluções existem e estão
disponíveis. Nunca como hoje é tão fácil ter acesso à informação e ao
conhecimento no seu sentido mais amplo. Entretanto este conhecimento a
disposição não se transformou ainda em melhorias qualitativas do nosso
habitat.
A percepção de que os problemas ambientais e sociais são interligados
tem aumentado, gerando a necessidade do resgate de uma abordagem
holística da questão, conforme sugere a Declaração do Rio sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento, bem como a Seção IV C-5 da Agenda Habitat,
relativa ao Desenvolvimento Sustentável dos Assentamentos Humanos em um
Mundo Urbano.
No Brasil, a Lei federal nº 10.257, de 10 de julho de 2001, instituiu o
Estatuto da Cidade, estabelecendo diretrizes gerais da política urbana.
99

Algumas das diretrizes que devem ser observadas na implementação da


política urbana, seguem parâmetros socioambientais, tais como:
1) a garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito
à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana,
ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes
e futuras gerações;
2) proteção do meio ambiente natural e constituído do patrimônio
cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico; e
3) regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por
população de baixa renda, mediante o estabelecimento de normas especiais de
urbanização, uso e ocupação do solo e edificação, consideradas a situação
socioeconômica da população e as normas ambientais.
Algumas das recomendações dos documentos supramencionados são:
a elaboração de estudos ambientais e estudos de impacto ambiental para
planos e projetos de desenvolvimento que afetem significativamente a
qualidade do meio ambiente; a incorporação de princípios e estratégias
contidos na Agenda 21 de um modo integrado, tais como: o princípio da
precaução, o princípio do poluidor pagador, o princípio da prevenção à poluição
e a aplicação de uma abordagem ecossistêmica; a promoção da conservação e
do uso sustentado da biodiversidade existente no perímetro urbano; a ampla
participação de todas as partes interessadas no planejamento espacial, dentre
outras.
Contudo, para a concretização do processo de requalificação urbana do
trecho escolhido na área da Cascalheira, é importante descrever alguns
princípios acima citado do Direito Ambiental. Quais sejam:
• Princípio da participação comunitária
Segundo este princípio, não aplicado somente no direito ambiental, para
que sejam instituídas políticas ambientais, bem como os assuntos discutidos de
forma salutar, é fundamental a cooperação entre o Estado e a comunidade. E o
sucesso nos resultados demonstra que tanto a população quanto a força
sindical tem se envolvido ativamente em definir e realinhar tais políticas. Esse
princípio está no caput do artigo 225 da Constituição Federal de 1988.
100

• Princípio do poluidor pagador


Neste princípio, os agentes econômicos, sejam públicos ou privados,
devem contabilizar o custo social da poluição por eles gerada, e este deve ser
assumido ou internalizado. Isso acontece porque, junto com o processo
produtivo, também são produzidas externalidades negativas. Esse nome se dá
pelo fato de que os resíduos da produção são recebidos pela coletividade,
enquanto o lucro é recebido somente pelo produtor. Não se deve confundir este
princípio como licença para poluir, pois o ônus para o poluidor tem caráter
punitivo. Pois o meio ambiente deve ser preservado, inclusive no processo de
produção e desenvolvimento.
No caso, a exploração de cascalho causou dano à área e por causa
disso foram tomadas providências. Porém, o trabalho desenvolvido na época
foi ainda mais danoso com o passar do tempo, sendo refletidas em outras
áreas, conforme posteriormente será mencionado.
• Princípio da prevenção
Édis Milaré 6 define que “o princípio da prevenção é basilar ao Direito
Ambiental, concernindo à prioridade de que devem ser dadas as medidas que
evitem o nascimento de atentados ao ambiente, molde a reduzir ou eliminar as
causas de ações suscetíveis de alterar a sua qualidade.” Isso vale dizer que,
segundo este princípio, as possíveis ações danosas ao meio ambiente devem
ser identificadas e eliminadas antes de se concretizarem, em proteção a
sociedade atual e futura.
O processo de requalificação ambiental urbana pretende recuperar as
erosões e impedir que elas se alastrem, causando maiores transtornos ao meio
ambiente e aos residentes da área.
Então, compete à Administração Pública zelar pela boa qualidade de
vida da sociedade, isto é pelo interesse público, e já que o meio ambiente
ecologicamente equilibrado, assim como a efetivação dos direitos sociais
constituem elementos fundamentais garantidores da boa qualidade de vida, o
Poder Público deve atuar nesse sentido.

6
Milaré, Edis. Direito do Ambiente : doutrina, pratica, jurisprudência, glossário / Edis Milaré. – 2. ed.
rev. atual. e ampl. – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais,2001
101

Por isso, entendemos que o papel do Poder Público é fundamental e


importante, mas não isolado.

3 CONTEXTUALIZAÇÃO E CONSIDERAÇÕES CRÍTICO-PROPOSITIVAS


A população alvo da proposta se compõe pelos moradores do Bairro
Jardins de Petrópolis e pelas comunidades localizadas na bacia hidrográfica do
Córrego dos Macacos e Córrego Flor de Lis. É composta em sua maioria por
famílias de renda média, cujos chefes de família trabalham, em geral, em Belo
Horizonte como funcionários públicos, empresários ou profissionais liberais. Há
a presença também de população de baixa renda que trabalha na agricultura
de subsistência ou do setor terciário com baixa qualificação, sendo uma boa
parte deles empregados pelas famílias moradoras do Bairro Jardins de
Petrópolis. O projeto beneficia diretamente toda a população residente na área
que é estimada em mais de 2000 pessoas, e, indiretamente a população que
mora nas bacias dos córregos mencionados acima. A jusante da área de
intervenção, a população é estimada em torno de 3000 pessoas.
A área denominada como “Cascalheira” localizada em terreno de
propriedade particular, inicialmente sem acesso direto, é conhecida por esse
nome devido ao processo de extração mineral ali implantado. Devido ao tipo de
atividade, foi necessária a abertura de uma via com recursos do poder público,
ligando a Avenida Morro do Pires ao local, que continuou até recentemente
com pouco ou nenhum controle no que diz respeito ao impacto ambiental. A
exploração de minério foi efetivada sem prever um processo de recuperação da
área, retirando o extrato superficial da canga e deixando exposta a formação
geológica subjacente de xisto, formação esta muito susceptível à erosão por
parte dos agentes atmosféricos. Os impactos gerados por uma alteração físico-
ambiental deficitária de controle e previsão de seus efeitos no meio ambiente,
em razão da não compreensão de seu funcionamento e dos impactos gerados
pelas soluções tecnológicas tradicionais ali implantadas, podem desenvolver
desequilíbrios ambientais. Estes resultam na criação e evolução de processos
patológicos, como erosões e assoreamentos, afetando, em primeiro lugar, o
sistema das águas, que por sua vez potencializa tais processos afetando os
102

lotes e as edificações do Bairro Jardins de Petrópolis na sua porção sul e


sudeste.
No ano de 1997 ou 1998, segundo informações dos moradores locais,
foi feito um projeto de recuperação da área degradada do Morro do Pires pela
empresa Eneplan – Projeto e Consultorias Ltda. Tal projeto consistiu na
implantação de grandes platôs, limitados por canaletas com o escopo de
direcionar a água para uma bacia de contenção de finos. Esta bacia encontra-
se implantada, aproximadamente, na cota 980 e está confinada por um muro
de pneus. A água da bacia de retenção é direcionada por tubulação até uma
escada dissipadora. Os dispositivos e as soluções adotadas por esta
intervenção de recuperação, que visou disciplinar as águas, hoje se encontram,
em grande parte, destruídas pela ação da própria água e servindo também
como fator para o desencadeamento de novos processos erosivos.
Este projeto, devido às soluções adotadas, promoveu a concentração e
o aumento da velocidade das águas pluviais, acarretando problemas à jusante.
Problemas estes, verificados após a escada dissipadora. Também,
contornando o Morro do Pires no sentido de Nova Lima, observam-se erosões
transversais potencializando as erosões longitudinais à via em sulcos
profundos, e nos terrenos adjacentes afetando o Bairro Jardim de Petrópolis.
As ruas do loteamento não possuem nenhum tipo de pavimentação
apresentando problemas originados a montante na área em questão, assim
como pelas próprias soluções de drenagem pluvial adotadas, incompatíveis
com as características geológicas e geométricas das ruas assim como com as
condicionantes físico-ambientais.
Os processos patológicos mencionados acima extrapolaram a área da
"Cascalheira", que ocupa uma porção da vertente sul do Morro do Pires, em
uma região de meia encosta, afetando as áreas à jusante da Avenida Morro do
Pires (arruamento e loteamento). A área entre a via de acesso à “Cascalheira”
e a área de abrangência do projeto da Eneplan acabou por se tornar uma área
residual.
Sem tratamento algum, esta apresenta focos de erosão e com isso
alavancam os problemas citados anteriormente.
103

O conceito básico utilizado é minimizar e/ou anular os efeitos negativos


(impactos) das ações antropogênicas executadas de maneira inconseqüentes
sobre o meio físico e o meio ambiente, buscando devolver o equilíbrio
ecossistêmico ao local. Para isso, é necessário priorizar a definição e
implantação de um processo gradual de reequilíbrio, pautado em uma ação
emergencial e num conjunto de ações de médio e longo prazo para o manejo
da área, a fim de atingir seu novo equilíbrio.
É importante destacar a necessidade de implementar um processo em
etapas com monitoramento e controle, para atingir os objetivos previstos, pois
isso possibilitaria importantes e necessários ajustes ao longo do processo,
como parte integrante da própria implantação.

4 CONCLUSÃO
A visão equivocada, mas ainda muito presente nas propostas de
intervenção ambiental, de elaborar um projeto que solucione e reequilibre
quase que instantaneamente uma situação que veio se conformando ao longo
de anos, não faz parte das intenções desta proposta. Como foi apontado, a
área já foi objeto de uma intervenção que adotou a visão equivocada
mencionada anteriormente e ficou materialmente evidente como isto não deu
certo, tornando-se, paradoxalmente, um fator a mais de risco. A idéia
norteadora é a implantação de um processo que incorpore dimensão do
monitoramento, controle e gestão, diluindo, ao longo dele, os impactos das
soluções propostas, através dos necessários ajustes vistos como etapas
estratégicas para o re-equilíbrio ambiental do lugar. Com isso, não se pretende
não atacar a situação atual de emergência, pelo contrário, para ela serão
previstas medidas de impacto necessárias para estancar as situações mais
graves. As medidas consideradas de impacto nesta fase emergencial nada
terão a ver com as medidas de impacto previstas em propostas consideradas
usuais, mas deverão utilizar tecnologias ambientalmente sustentáveis, que
possam aproveitar dos recursos renováveis presentes no local da intervenção,
buscando, assim, reequilibrar o sistema das águas, desenvolvendo soluções de
drenagem pluvial que priorizem a dispersão e a infiltração; minimizando seus
104

impactos, como: ampliação dos fenômenos erosivos existentes e continuação


do processo de assoreamento e destruição das mesoestruturas implantadas
nas áreas à jusante.
Este trabalho vem sendo desenvolvido pelo EI/DAU/PUC desde o ano
de 2004 em parceria com a Associação dos Moradores do Bairro Jardins de
Petrópolis, sendo assim, este projeto de pesquisa se configura como a
continuação de um trabalho pautado no conhecimento dos reais problemas
abordados e nas soluções possíveis de recuperação da área em questão e
pretende consolidar e constituir uma importante fonte para sistematizar e
circular o conhecimento produzido entre a comunidade acadêmica e a
comunidade local.

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110

INSTRUMENTOS DE POLÍTICA ECONÓMICA E INCENTIVOS PÚBLICOS


PARA LA PRODUCCIÓN Y EL USO DE BIODIESEL EN BRASIL, EN EL
MARCO DE LA CRISIS ENERGÉTICA MUNDIAL Y DEL CAMBIO
CLIMÁTICO 1

ALINA CELI FRUGONI 2

1 INTRODUCCIÓN
Brasil se constituye actualmente como el tercer gran productor y
consumidor de biodiesel mundial, con un total de producción anual
correspondiente al año 2008, evaluada en 1,2 billones de litros. 3 La importancia
del tema aquí abordado se encuadra en el marco de la crisis energética
mundial, los cambios climáticos y ambientales, y la actuación del Estado a
través de los distintos instrumentos de política económica, en particular de
incentivos públicos para la producción y uso de biodiesel 4 en Brasil y en el
mercado internacional, conformando así una “política energética cualitativa” 5.
Como principal medida paliativa a la problemática climática, es de orden insistir
en el cumplimiento del Protocolo de Kyoto y en la progresiva disminución de

1
El trabajo se presenta como sencillo homenaje al distinguido maestro Don Ramón Martín Mateo, con
profundo agradecimiento por sus valiosas y generosas enseñanzas, y a sabiendas que el tema sobre el
que ya predijera -como es su costumbre- es una de sus principales ocupaciones.
2
Profesora de Derecho Ambiental (FUNIBER y Universidad de Montevideo).
Abogada (UDELAR/Uruguay). Máster en Derecho Administrativo Económico (Universidad de
Montevideo/ Uruguay). Postgrado en Derecho Ambiental (U. Austral de B. Aires). Doctoranda
Programa Derecho Ambiental (Universidad de Alicante/ España). (Correo electrónico:
alina.celi@gmail.com)
3
Información tomada de: www.anp.gov.br, acceso de 1º de junio de 2009.
4
Tomamos la definición de biodiesel dada por la Ley Nº 11.097 de 13 de enero de 2005 (art. 4º), como:
“(…) biocombustible derivado de biomasa renovable para uso en motores a combustión interna con
ignición por compresión, o conforme reglamento para la generación de otro tipo de energía que pueda
sustituir parcial o totalmente combustibles de origen fósil”. Antes la Medida Provisoria nº 214, de 13 de
setiembre de 2004, que altera dispositivos de la Ley Nº 9.478 de 6 de agosto de 1997 y 9.847 de 26 de
octubre de 1999, definía el biodiesel como, “combustible para motores a combustión interna con ignición
por compresión, renovable e biodegradable, derivado de aceites vegetales o de gorduras animales, que
pueda sustituir parcial o totalmente al aceite diesel de origen fósil.”
5
El concepto de política energética cualitativa, es tomado de la obra de R. Martín Mateo: El marco
público de la economía de mercado, concepto que encierra los desafíos mundiales en particular de los
mercados de energía y sus respectivas regulaciones delante de las urgencias ambientales planetarias
(Editorial Thomson- Aranzadi, 2003, p. 170)
111

emisión de gases de efecto invernadero (GEI) a la atmósfera, ello acompañado


de una inevitable sustitución de fuentes de energías alternativas y limpias. 6
Además, los cambios climáticos provocaran cambios ambientales en sentido
amplio comprendiendo, la necesidad de adaptación a los mismos de todas las
especies incluida la nuestra, adaptación que será de tal envergadura que
impondrá transformaciones ecosistémicas y con consecuencias en los sistemas
sociales, económicos, culturales y jurídicos. 7
Por su parte el sistema jurídico deberá atender la ordenación tanto de
aspectos institucionales como normativos de forma tal de ajustarlos a las
nuevas necesidades individuales y colectivas públicas y privadas.
Prioritariamente deberá poner énfasis en los riesgos y daños de los ciudadanos
que se encuentran en situación de vulnerabilidad por razones, culturales,
sociales o económicas, pues de acuerdo a las previsiones el mayor impacto
negativo de los cambios climáticos recaerá sobre las poblaciones más pobres. 8

2 LA EMERGENCIA MUNDIAL DE GENERACIÓN DE BIOCOMBUSTIBLES


Y LOS DESAFIOS QUE PRESENTA EL MERCADO
La producción de biocombustibles 9, junto a otras energías limpias, ha
de constituirse en una actividad esencial y prioritaria para su incremento en la
matriz energética de las naciones, destinada tanto para el consumo interno e
insumo de producción de bienes y servicios como exportación. Así lo han
determinado entre otros documentos internacionales como el Protocolo de

6
En términos conceptuales son energías alternativas, las que excluyen como fuente los combustibles
fósiles; energías renovables las derivadas de fuente solar directa, eólica, hidráulica y mareomotriz; son
nuevas energías las correspondientes al nuevo uso en la producción de electricidad como la biomasa y
energías limpias todas las categorías anteriormente mencionadas. (R. Martín Mateo, Tratado de
Derecho Ambiental, tomo IV, EDISOFER S.L., Madrid, 2003, p. 98. El autor señala la paradoja de la
nomenclatura utilizada para las nuevas energías refiriendo a la biomasa como los más antiguos recursos
energéticos).
7
El tema también se encuadra dentro de las medidas técnicas y de promoción que en ocasión del cambio
climático está desarrollando Brasil. En tal sentido conviene citar la aspiración de “Fomentar aumento
de eficiencia en el desempeño de sectores productivos en la búsqueda constante de alcance de mejores
prácticas”, incluida bajo este título en el Plan Nacional sobre Cambio Climático, PNMC, Decreto Nº
6.263 de 21 de noviembre de 2007.
8
Puede al respecto consultarse los informes del Panel Intergubernamental de expertos para el Cambio
Climático en: http://www.ipcc.ch/ipccreports/index.htm.
9
La Ley Nº 11.097 de 13 de enero de 2005 (art.4º), define al biocombustible como: “combustible
derivado de biomasa renovable para uso en motores a combustión interna o, conforme reglamento, para
otro tipo de generación de energía, que pueda sustituir parcial o totalmente combustibles de origen fósil”
112

Kyoto, la Declaración de Johannesburgo de la Cumbre Mundial sobre


Desarrollo Sostenible y los Objetivos del Milenio (DOHA)
Brasil, es un ejemplo que se anticipa a estas emergencias, aunque no
movido inicialmente por el compromiso ambiental, sino por razones de orden
mercantil y con razones suficientes; pues este país cuenta con los factores
necesarios para la producción y uso de biocombustibles, como son: la elección
de cultivos individuales o combinados, la disponibilidad suficiente de tierras, la
tecnología adecuada, un manejo oportuno de los costes de producción y un
diseño de políticas públicas, con control jurídico, político, económico y social. El
desarrollo de las actividades de producción y consumo de biocombustibles se
viene llevando con un quantum de intervencionismo necesario, en particular de
la Administración Pública de forma de ordenar los impactos negativos en la
economía, el comercio, el medio ambiente y el consumo.
No existe por otra parte, otra forma de renunciar a los combustibles
tradicionales que no sea mediante una sustitución sostenida y progresiva de
nuevas energías alternativas, de modo de mantener el crecimiento de las
sociedades desarrolladas y realizar las aspiraciones de desarrollo de las que
aún se encuentran por debajo de él. La forma de sustitución únicamente puede
ser en forma progresiva y parcial, evitando así el colapso de los mercados
energéticos, así como la adaptación de los ecosistemas y además reorientando
los nuevos mercados hacia la sustentabilidad, es decir evitándose prácticas
nocivas como las técnicas de monocultivos, y garantizando las condiciones de
seguridad alimentaria de poblaciones más dependientes, fundamentalmente en
la disponibilidad y acceso de alimentos, que pueden verse comprometidas por
el mercado de la agroenergía.
El hecho que Brasil represente un modelo relevante de producción y
consumo de biocombustibles por las condiciones integrales que ostenta, podría
llevarnos a pensar que aquéllos países que carezcan de uno o varios factores
determinantes arriba mencionados, se verían seriamente postergados frente a
los procesos de reconversión energética, lo cual significaría serios riesgos para
sus mercados y poblaciones. Tal sería el caso de los retrasos de ciertos países
en avances científicos y tecnológicos, los cuales además de implantar medidas
113

internas de promoción de I+D, requieren del acceso fácil a los programas de


cooperación internacional y transferencia tecnológica, ya sea para la
producción de biocombustibles como para la sustitución y/o adaptación de
maquinarias de producción. A la fecha puede afirmarse que los avances
actuales, permiten la obtención de mezclas de biodiesel (y bioetanol) sin
necesidad de cambios de motores que llegan hasta un diez por ciento de
biocombustibles. 10
Ya en cuanto a los riesgos ambientales y aquéllos otros vinculados a la
producción a gran escala de biocombustibles, conviene citar: los monocultivos,
la contaminación por uso excesivo de agroquímicos, la deforestación, el uso
creciente de organismos genéticamente modificados, los posibles
desequilibrios en el mercado de trabajo agrícola o denominadas fallas de
mercado, y problemas de seguridad alimentaria por la escasez o falta de
11
acceso a los alimentos.

3 PRINCIPALES ASPECTOS EN LA ORDENACIÓN JURÍDICA DE LA


PRODUCCIÓN Y USO DEL BIODIESEL EN EL MERCADO DE LA AGRO-
ENERGIA, EN BRASIL

La Ley Nº 11.097 de 13 de enero de 2005, en su artículo 2, introdujo


importantes novedades en cuanto a la regulación del biodiesel. Como medida
central de intervención estatal, esta norma incorpora el biodiesel en la matriz
energética con la inclusión de un porcentaje mínimo (del 5%) en volumen
obligatorio de adición al óleo diesel comercializado al consumidor final, norma
cuya validez alcanza a todo el territorio nacional. La norma establece un plazo
gradual máximo para cumplir la medida total de ocho años y un plazo mínimo
de tres años para incorporar un volumen mínimo del 2% del combustible. 12
El otro aspecto que regula la norma comentada, como parte de la
ordenación de las relaciones económicas y la incorporación del biodiesel en la

10
A. DUFEY, Producción y comercio de biocombustibles y desarrollo sustentable: los grandes temas,
IIED, 2006, p.58.
11
Ibídem, p.2.
12
Publicada en el DOU el 14 de enero de 2005. Esta norma viene a alterar las leyes 9.478 de 6 de agosto
de 1997, la nº 9.847 de 26 de octubre de 1999 y la nº 10.636 de 30 de diciembre de 2002.
114

matriz energética, son las posibles modificaciones que el Consejo Nacional de


Política Energética – CNPE, puede realizar en base a ciertos criterios, que
reflejan parte de las directrices constantes del Estado. Estos criterios tienen
fundamentos de distinta naturaleza y en cuanto a la política de los
biocombustibles -como enseña R. MARTIN MATEO 13- responden a
intervenciones de orden económica de los Estados actuales, que no son
únicamente animadas por aspiraciones desarrollistas, sino sociales
deslindables de los objetivos globales del Estado. De este modo la
participación de la agricultura familiar en la oferta de materias primas que la ley
establece como primer criterio arriba aludido constituirá un referente constante
en la temática. A ella se agregan otros enfoque, algunos más técnicos que
otros y muy disímiles entre sí; como la reducción de las desigualdades
regionales, el desempeño de los motores con la utilización de combustible y las
políticas industriales y de innovación tecnológica.
Acerca de aspectos institucionales y títulos competenciales de los
organismos públicos, la Ley Nº 11.097/2005, instituye como órgano regulador
de la industria del petróleo, gas y sus derivados y biocombustibles bajo la forma
de ente autárquico “especial”, a la Agencia Nacional de Petróleo, Gas Natural e
Biocombustibles – ANP, que integra la Administración Federal Indirecta según
lo expresa la norma, quedando garantizada de esta forma y a través de la
autonomía, “una simple técnica de gestión” que como ha dicho E. GARCIA DE
14
ENTERRIA , es asumida por el Estado e implica una descentralización por
servicios de la Administración Federal, en la cual no existe -como el autor
destaca- ninguna base social que “permita hablar de autonomía en el sentido
social de la expresión”, o bien que permita reconocer en ella una modalidad de
devolución a la sociedad de “poderes que el Estado ha asumido (...)” 15
Este aspecto relativo a la “consistencia” 16 institucional tiene especial
relevancia de cara a los potestades del ente y competencias atribuidas por ley,
como instrumentos suficientes o no, para la resolución de múltiples problemas

13
R. MARTIN MATEO, El marco público de la economía de mercado, Thomson- Aranzadi, 2003, p.91
14
E. GARCIA DE ENTERRÍA, Curso de Derecho Administrativo, tomo I, Décima Edición, Madrid,
Civitas, p. 407.
15
Ibídem.
16
Ibídem, p. 406.
115

futuros especialmente vinculados a los impactos negativos ya mencionados y


que recaen sobre el medio ambiente, la seguridad alimentaria y las fallas de
mercado, así como sobre la ya clásica discusión de la necesaria intervención
del Estado, a través del dominio económico para la realización del bien
común 17, y con el reconocimiento de la participación de distintos grupos de
intereses, que conforman el llamado “pluralismo administrativo.” 18
Pero insistiendo en particular sobre los riesgos que los biocombustibles
pueden traer sobre el medio ambiente y además su impacto en los mercados
energéticos, cabe traer aquí las lúcidas reflexiones de J. JORDANO FRAGA,
sobre los conflictos que plantean los actuales modos de intervención estatal
con relación a la protección del medio ambiente 19, y las inconveniencias de las
técnicas de desregulación o self-regulation, tan de boga en el ordenamiento
jurídico norteamericano –en particular en la Administración/Bush- modalidades
que entre múltiples aspectos deja a la intemperie la gestión de los riesgos y las
medidas de prevención y precaución.”
En particular, puede distinguirse en la ola de la desregulación un
enfoque hacia el abandono de modos tradicionales de intervención pública,
para pasar a una mayor gestión de control y el establecimiento de estándares,
y permisos basados en la creencia de la ineficacia pública. 20 En definitiva, la
discusión de la regulación o desregulación de ciertas actividades privadas, en
particular de cara a las urgencias ambientales 21, se justifica para “el
establecimiento de reglas operativas del mercado en libertad, asumiendo todas
las formas del poder estatal, aun las limitadoras, las sancionadoras o las
coactivas” 22
Así pues, las atribuciones legales de la ANP que le fueran otorgadas al
ente por la Ley Nº 11.097/2005, implican la complementación de la política

17
M. R. BRITO, Derecho administrativo, su permanencia, contemporaneidad, prospectiva,Montevideo,
Universidad de Montevideo, 2004, p. 306.
18
Ibídem, p. 302. El autor recrea el concepto de pluralismo administrativo dado por Karl Lowenstein
19
J. JORDANO FRAGA, La Administración en el Estado Ambiental de Derecho, en Revista de
Administración Pública, núm. 173, Madrid, mayo-agosto (2007), ps.101-141.
20
Ibídem.
21
El tema del debate universal de la reforma del Estado no se ha visto lo suficientemente incidido y
penetrado por la cuestión ambiental. Este dato a nuestro juicio ha tenido una fuerte incidencia negativa
en el régimen público de tutela ambiental.
22
Ibidem ps. 311-312
116

nacional del petróleo, gas natural y de los biocombustibles, como parte


integrante de la política energética nacional, que fuera concebida en la Ley Nº
9.478/997 23 y que abarca actividades de promoción, regulación, contratación,
fiscalización, y sanción. 24
Ya específicamente, el Decreto Nº 5.448/2005 25, autoriza la adición de
biodiesel al óleo diesel en un 2% y en superior cantidad en ciertos casos (flotas
vehículares, transportes, uso industrial y generación de energía eléctrica) y por
medio de instrumentos regulatorios de la ANP en otros supuestos que
determine. 26 En lo que tiene que ver con la producción de biodiesel, la
actividad está sujeta a control público por parte de la ANP, según lo dispuesto
por la Resolución Nº 41 del Ministerio de Minas y Energía – ANP, de 24 de
noviembre de 2004, que reglamenta la obligatoriedad de la autorización para
dicha actividad. También esta norma reglamentaria, regula aspectos vinculados
con el contralor inspectivo de la Administración, y lo hace en forma amplia, el
Artículo 5 § 3, en cuanto queda habilitado el ente a inspeccionar en cualquier
momento y bajo cualquier circunstancias las plantas de producción de
biodiesel, lo que debe ser considerada una medida preventiva en el más amplio
sentido del término.
También, como medida principal de contralor la ANP lleva el registro de
medidas de información suficientes que acrediten la competencia de las
empresas y consorcios de producción de biodiesel (Artículo 4 y 9 de la
Resolución Nº 41). Por último la autorización puede ser revocada en caso de
incumplimiento de los requisitos exigidos por la normativa, lo que hace concluir
las amplias competencias y atribuciones que dispone la ANP con respecto al
contralor de toda la cadena de producción y venta a través del acto de
autorización, y medidas de fiscalización y suspensión de actividades.
23
La Ley Nº 9.478 de 6 de agosto de 1997, “Dispone sobre la política energética nacional, las
actividades relativas al monopolio del petróleo, instituye el Consejo Nacional de Política Energética y la
Agencia Nacional de Petróleo y da otras providencias”
24
La Ley Nº 11.097/2005, pone de cargo de la ANP, la regulación de actividades de la cadena de
producción y consumo de biocombustibles, protección de los derechos del consumidor y del medio
ambiente (artículos 8 a 16 )
25
Decreto reglamentario de fecha 6 de agosto de 2005, de la Ley Nº 11.097/2005, bajo el nombre:
“Reglamenta el § 1º del art. 2 de la Ley Nº 11.097/2005 de 13 de enero de 2005, que dispone sobre la
introducción de biodiesel en la matriz energética brasileira y da otras providencias”.
26
A partir del 1º de julio de 2008 el mínimo de adición de biodiesel pasó de un 2% a un 3% (Resolución
Nº 2 del CNPE, de 13 de marzo de 2008)
117

Por su parte la Ley Nº 9.478/997 en su Artículo 8º dispuso que la ANP:


“tendrá como finalidad, de promover la regulación, la contratación y la
fiscalización de las actividades económicas integrantes de la industria del
petróleo, el gas natural y los biocombustibles”, redacción que fuera dada por la
Ley Nº 11.907/2005 antes referida. El sentido de la norma es claro en concebir
la actividad regulatoria pública, a través de instrumentos de promoción,
incentivando una serie de conductas de los distintos actores vinculados; lo que
marca una concepción amplia en virtud de las posibilidades que la promoción
misma ofrece como técnica jurídica, ya que además de resolver y evitar fallas
de mercado, se orienta al fomento del interés en la incursión de inversionistas
en dichos mercados y al consumo seguro, como al respeto y fomento de la
protección ambiental. El mencionado artículo 8º, establece una serie de
atribuciones clásicas de la actividad regulatoria, y con contenido promocional
que puede resumirse en: a) la ya mencionada protección al consumidor
(Numeral I); b) la promoción de estudios previa a la concesión de actividades
de exploración, desarrollo y producción (Numeral II); c) la promoción de las
licitaciones para las concesiones de exploración desarrollo y producción,
celebrando contratos y fiscalizando los mismos (Numeral IV); d) el estimulo a la
investigación y la adopción de nuevas tecnologías en la exploración,
producción, transporte, refinamiento y procesamiento (Numeral X), todas ellas
actividades extensibles además del petróleo y gas natural, a los
biocombustibles.
Las referidas medidas que regulan el mercado de los biocombustibles,
encuentran justificación en las urgencias ambientales e importancias y
complejidades del mercado energético, pero también en una nota
característica; pues a estas alturas cabe el interrogante de ¿porqué no es
viable un monopolio estatal sobre el mercado de biocombustibles? y la
respuesta es que no existe una explotación del recurso energético en tanto el
producto no preexiste naturalmente, como es el caso del petróleo o el gas
natural, por el contrario se requiere de todo un andamiaje que implica el
desarrollo de actividad agrícola, tecnológica, socio-cultural y jurídica acordes,
para la producción y consumo del biodiesel, en particular. Aquí al hablar de
118

producción del combustible aludimos ex ante, a la disponibilidad de factores


indispensables que en un orden cualitativo y cuantitativo, son: el suelo, los
cultivos y el trabajo agrícola e industrial.
Por ello la única modalidad adecuada de observar un eficiente mercado
de biocombustibles –y para el biodiesel- será a través de las políticas de
incentivos públicos y modalidades de promoción y fomento que contemplen el
acceso a los factores antes mencionados. A ello hay que agregar que esta
medidas son alternativas válidas a la denominada crisis de los instrumentos
jurídicos, que como justamente señala A. BETANCOR RODRIGUEZ, se
aprecia en “la más global crisis del Estado y redescubrimiento del mercado,
todo ello en el contexto de la ideología del liberalismo” 27, en la cual la
Administración mediante una estructura básica, se dirige a un grupo de sujetos
en particular, para que del hacer de los mismos sea posible obtener una
conducta beneficiosa a la protección del medio ambiente, otorgándoles un
cierto beneficio. 28
Cabe señalar, por el contrario que el hecho que ciertas actividades
escapen al régimen de monopolio estatal, y por tanto estén encuadradas bajo
las reglas de libre mercado y reguladas como es el caso en estudio, no excluye
de parte del legislador la previsión para la Administración de adoptar dentro del
margen constitucional y legal otro tipo de medidas más graves e
intervencionistas, como es la declaración de utilidad pública contenida en el
nuevo artículo 8 de la Ley Nº 9.478/999 en la redacción dada por la Ley Nº
11.097/2005, en la que siendo declarado, de utilidad pública el abastecimiento
de combustibles con alcance nacional, se incluyen respecto del biodiesel las
actividades de producción, importación, exportación, almacenaje, estoque,
distribución, reventa, comercialización, y evaluación de conformidad y
certificación del biodiesel, lo cual supone también un importante incentivo y
estímulo para la producción y consumo para el mercado. Todo orden normativo
aquí expuesto descansa sobre los preceptos constitucionales de los artículos 1
y 170 de la Constitución Federal, que consagran el primero de ellos a los
valores sociales del trabajo y la libre iniciativa como fundamento del Estado
27
A. BETANCOR RODRIGUEZ, Instituciones de Derecho Ambiental, LA LEY, Madrid, 2001, p. 1075.
28
Ibidem.
119

Democrático de Derecho, y el segundo, un orden económico basado en la


valorización del trabajo y la libre iniciativa 29 Además cabe citar el artículo 5º
numeral XXXII, que establece la promoción de parte del Estado bajo forma de
ley de la defensa del consumidor, cosa que se ha concretado en el Código de
Defensa del Consumidor, Ley Nº 8.078/990 y normas modificativas. 30
Es de técnica corriente advertir un conjunto de incentivos que apuntan a
distintos componentes de una misma política como resultado de la planificación
pública a través de la formulación de planes y/o programas. El Programa
Nacional del Alcohol, destinado al fomento de la producción del alcohol y
desarrollo de tecnología apropiada, es un caso típico de Brasil y sirve de
antecedente al tema tratado.
Otros antecedentes lo constituyen los relativos a la pretensión de
diversificación de la matriz energética con la inclusión de nuevas fuentes. Se
trata del Programa de Incentivo a las Fuentes Alternativas de Energía Eléctrica
(PROINFA) que fuera coordinado por el Ministerio de Minas y Energía. Este
programa participa de la contratación de 3.300 MW de energía a través del
denominado Sistema Interligado Nacional (SIN), recursos provenientes de
fuentes alternativas (eólica, biomasa y pequeñas centrales hidroeléctricas) y
correspondiente a una capacidad de 1.100 MW a cada fuente.
Ya en materia de planes, el Plan Agroenergético (2006-2011), persigue
el objetivo de promover la producción de productos derivados de la agroenergía
del Brasil en los mercados internacionales. El Plan que dedica todo un capítulo
denominado “Promoción del mercado internacional de biocombustibles”,

29
Literalmente el artículo 1 de la CF, expresa: “La República Federativa de Brasil, formada por la
unión indisoluble de los Estados y Municipios e del Distrito Federal, se constituye en Estado
Democrático de Derecho y tiene como fundamentos: (…) IV – los valores sociales del trabajo y de la
libre iniciativa. Y el artículo 170 de la CF, expresa: “La orden económica, fundada en la valorización
del trabajo humano y en la libre iniciativo, tiene por fin asegurar a todos existencia digna, conforme a
los dictámenes de la justicia socia, observados los siguientes principios: I – soberanía nacional; II –
propiedad privada; III – función social de la propiedad; IV – libre concurrencia; V – defensa del
consumidor; VI – defensa del medio ambiente, inclusive mediante tratamiento diferenciado conforme al
impacto ambiental de los productos y servicios y de sus procesos de elaboración y prestación; VII –
reducción de las desigualdades regionales y sociales; VII – busca del pleno empleo; IX – tratamiento
favorecido para las empresas de pequeño porte constituidas sobre las leyes brasileñas y que tengan su
sede y administración en el País. Parágrafo único. Es asegurado a todo el libre ejercicio de cualquier
actividad económica, independientemente de autorización de órganos públicos salvo en los casos
previstos en la ley.” (Traducción propia)
30
Con modificaciones parciales de las Leyes Nos. 8.656/93; 8.073/93; 9.008/95; 9.298/96.
120

establece cuáles deben ser las bases de liderazgo en el mercado internacional


de acuerdo a una serie de ventajas que el mercado interno tiene. En lo
fundamental cabe decir que dicha promoción alude a la idea de las alianzas del
sector público y privado de acuerdo a las Directrices de Política de Agroenergía
(2006-2011). Además uno de los fundamentos contenidos en el Plan trata del
incentivo a la instalación de proyectos de agroenergía en aquéllas regiones que
cuentan con los principales factores para la producción de biodiesel, como son:
la abundante oferta de suelo, radiación solar y mano de obra. También las
acciones de promoción se encuentran presentes a partir de la previsión de
asociaciones de organismos regionales y estaduales, con el objetivo de lograr
una posición destacada en el mercado de biocombustibles a nivel internacional,
según se desprende del Plan.
En cuanto a la promoción de beneficios laborales, el Plan señala la
firme posibilidad de la generación de mayores fuentes de empleo en el
mercado de la agroenergía, razón por la cual la misma merece recibir
incentivos, pues se estima que el sector ha de generar entre un diez y veinte
por ciento más de ocupación que en el ámbito del trabajo con fuentes de
energía fósil.
Sobre las mencionadas Directrices de la Política de Agroenergía (2006-
2011), este instrumento incursiona en la tipología de instrumentos de
promoción pública también, pero con la peculiaridad que las “directivas”
constituyen medidas de orientación de la acción pública y privada; ello es así
pues las mismas pueden distinguirse -como enseña A. BETANCOR
RODRIGUEZ- de las medidas de estímulo ya que su eficacia y
condicionamiento es menor, y en cuanto a“(…) las medidas de orientación
dependerán del contexto en el que las mismas se adoptan”. 31 Aquí el referido
contexto es el mercado y entonces -como afirma el autor citado- el éxito de la
medida de orientación pasa a depender de la interrelación entre la empresa y el
consumidor. 32
Es importante también, destacar que las Directrices de la Política de
Agroenergía (2006-2011), establecen medidas de promoción de ciertos
31
A. BETANCOR RODRIGUEZ, Instituciones de Derecho Ambiental, ....ob.cit., p. 1081
32
Ibidem.
121

componentes y condicionantes esenciales como: a) los productos


agroenergéticos; b) la sustentabilidad en cuanto a la producción de insumos
energéticos; c) la garantía de las condiciones necesarias para el desarrollo
sustentable; d) la agroenergía y los productos; e) la independencia energética.
En el primer caso, la promoción de productos agroenergéticos junto a la
promoción de un mercado internacional de liderazgo, el objetivo se logra a
través de un incremento de las exportaciones, lo que a su vez traerá un
incremento en las divisas para el país.
Con relación a la pretensión de promoción de la sustentabilidad, el
concepto aparece asociado a un modelo socioambiental (sustentable), para lo
cual se espera cumplir con ciertos parámetros en la producción de insumos y
generación de empleo permanente dentro del modelo social de agricultura
familiar, ítem de especial énfasis en los programas que han sido desarrollados
por el Gobierno Federal atendiendo la familiar rural. Es en este último caso que
podemos calificar el incentivo y calificarlas específicamente de “estímulo”,
teniendo en cuenta que los resultados que se esperan están profundamente
condicionados, lo que equivale a decir que el destinatario –en tal caso el grupo
familiar agrícola- deberá por fuerza realizar la actividad objeto de estímulo si
quiere recibir el beneficio. 33
Otro claro ejemplo de estímulo lo constituye el denominado Sello
Combustible Social, medida pública a través del cual el productor de biodiesel
obtiene ciertos beneficios como: la participación en las licitaciones de
biodiesel, la mejora en las condiciones de acceso a las líneas de crédito y un
diferencial en la fijación de alícuotas fiscales. El Sello, se trata de una forma de
identificación concedida por el Ministerio de Desarrollo Agrario a los
productores de biodiesel que cumplan con las bases contenidas en los
programas de inclusión social y directrices acordes, a través de la generación
de empleo y renta para los trabajadores rurales escogidos de acuerdo a ciertos
criterio, previamente definidos.
También pueden considerarse medidas de promoción calificables de
estímulo, las mencionadas en el capítulo IV.5 de las Directrices, denominado,

33
Ibidem, p. 1078.
122

Inserción Externa, y orientadas a la apertura de mercados internacionales, a


través del estímulo que en realidad más que una política de competencia local
externa significa una atracción al polo local de producción de biocombustibles,
con la consiguiente atracción de inversiones, pero focalizada en la producción
para el mercado externo, lo que pone de manifiesto la complejidad y cuidado
de las medidas del orden jurídico brasileño.
Hasta ahora hemos hecho referencias a las medidas de promoción que
calificables de “positivas” o proactivas, pero también existen aquéllas
“negativas” o de abstención, cuyo ejemplo estaría contenido en las Directrices
analizadas, en el capítulo III.4 Florestas Energéticas Cultivadas”. Aquí el
ejemplo está dado por el consumo interno de carbón vegetal, el cual una vez
desincentivada la importación, fue en aumento la producción nacional, y
viceversa en ocasión de priorizarse intereses ambientales mediante
restricciones en el uso de florestas nativas para la obtención de carbón vegetal
y promoverse la importación, en tal caso se redujo la producción interna.
Ya con relación a otro componente esencial en la producción y uso del
biodiesel cual es la tecnología en particular para la disminución de residuos y la
obtención del máximo aprovechamiento y eficiencia, está planteado el desafío
de viabilizar nuevas innovaciones. Dichas innovaciones presentan un obstáculo
y es el inconveniente de los riesgos de inversión, generados por las tasas de
intereses asociadas a la vida útil; la solución estaría en que Gobierno ofrezca
“señales” que atraigan las inversiones privadas al sector. Estas señales,
pueden tratarse o bien subvenciones o tal vez de desgravaciones fiscales.
Por último cabe decir que no sea agotan aquí el análisis de incentivos
públicos, relativos al mercado de producción y uso de biocombustibles, por el
contrario ellos son numerosos, existiendo en estos momentos una progresiva
normalización a nivel estadual.
Aquí únicamente nos hemos detenido sobre aquéllas normas que
constituyen el “esqueleto” y la base para otras futuras.

4 CONCLUSIONES
123

4.1. Brasil ha tenido un comportamiento adecuado a sus posibilidades de gran


productor de biocombustibles, con respecto al biodiesel, mercado aún
floreciente con grandes expectativas, nacionales e internacionales.

4.2. La normativa que regula el mercado de producción y uso de biodiesel


demuestra que el eje es el desarrollo y promoción de las actividades inherentes
a un mercado en libre competencia, con las contemplaciones del orden social,
como son el trabajo incentivado en el área rural y los derechos de los
consumidores inicialmente contemplados

4.3. Una de las máximas preocupaciones lo representa –para ciertos sectores-


el encarecimiento de los precios de los alimentos, por la derivación de cultivos
para la producción de biodiesel o bien problemas en el acceso a los alimentos.
Es de esperarse la conjunción de medidas públicas tanto de planificación como
de estímulo hacia los cultivos –que aún convenientes- representen o bien una
base secundaria en el alimentación del pueblo brasileño o bien sean menos
escasos, se instrumenten

4.4. Con relación a la protección ambiental existen ciertas amenazas, con no


poco fundamento si se tienen en cuenta experiencias de otras latitudes, sobre
los monocultivos. También en este caso medidas de reglamentación de
planificación de delimitación de zonas aptas para cultivos podrá resolver el
problema, con especial atención en aquellos que combinen técnicas
agrobiotecnológicas, nos referimos a cultivos transgénicos y/o derivados de
aplicaciones nanotecnológicas, en el que el principio de precaución será
prioritario.
4.5. Por último restan muchos interrogantes especialmente con relación a las
garantías del trabajo en la producción y sectores asalariados y dependientes en
la cadena de producción, en estos casos no será suficiente la vía del incentivo
hacia la empresa o consorcio sino también un fuerte grado de intervencionismo
público y contralores estrictos a fin de garantizar principios y derechos
individuales que hacen a la vigencia del Estado Democrático de Derecho.
124

BIBLIOGRAFIA

A. DUFEY, Producción y comercio de biocombustibles y desarrollo


sustentable: los grandes temas, IIED, 2006.

BETANCOR RODRIGUEZ, A., Instituciones de Derecho Ambiental, LA LEY,


Madrid, 2001

BRITO M. R., Derecho administrativo, su permanencia, contemporaneidad,


prospectiva,Montevideo, Universidad de Montevideo, 2004.

GARCIA DE ENTERRÍA, E., Curso de Derecho Administrativo, tomo I,


Décima Edición, Madrid, Civitas.

MARTIN MATEO, R., El marco público de la economía de mercado,


Thomson- Aranzadi, 2003.

MARTIN MATEO, R., Tratado de Derecho Ambiental, tomo IV, EDISOFER


S.L., Madrid, 2003J.

JORDANO FRAGA, J., La Administración en el Estado Ambiental de Derecho,


en Revista de Administración Pública, núm. 173, Madrid, mayo-agosto,
2007.
125

PROJETO DE CONTINUAÇÃO DA AVENIDA LITORÂNEA NO MUNICÍPIO


DE SÃO LUÍS-MA: PROTEÇÃO AMBIENTAL X UTILIDADE PÚBLICA

ANA KAROLINE CONCEIÇÃO BARROS 1


ANDRÉIA PATRÍCIA VIEIRA TEIXEIRA 2
ANA VERÔNICA DOS SANTOS RIBEIRO 3
IZABELA COSTA LEITE CURVINA 4
NATÁLIA DE ANDRADE FERNANDES 5
SUELLEN SOUZA PEREIRA 6
THAÍS SERRA PINTO CAVALCANTI 7
VIVIANNY CRISTINA DE OLIVEIRA LIMA 8

1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho pretende, inicialmente, analisar de maneira sucinta
os aspectos biológicos dos ecossistemas de dunas, restingas e mangues.
Posteriormente, tratar da proteção legal concernente aos referidos
ecossistemas, bem como verificar a problemática em que repousa o projeto de
continuação da Avenida Litorânea, localizada no Município de São Luís, no
Estado do Maranhão, em contraposição à tutela do meio ambiente.
Para tanto será abordado o amparo legal dispensado às áreas de
preservação permanente.

1
Graduanda do 9º período do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.
Email: A_KCB@hotmail.com.
2
Graduanda do 9º período do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.
Email: AP.teixeira@hotmail.com.
3
Graduanda do 9º período do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.
Email: jorgefernando_84@hotmail.com.
4
Graduanda do 9º período do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.
Email: izabela_slz@hotmail.com.
5
Graduanda do 9º período do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.
Email: natfernandes_1@hotmail.com.
6
Graduanda do 9º período do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.
Email: suellensouzapereira@gmail.com.
7
Graduanda do 9º período do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.
Email: thathacavalcanti@hotmail.com.
8
Graduanda do 9º período do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.
Email: vivianny_lima@hotmail.com.
126

2 A IMPORTÂNCIA DOS ECOSSISTEMAS DE DUNAS, RESTINGAS E


MANGUES: ASPECTOS BIOLÓGICOS
A Zona Costeira constitui um bioma no qual estão inseridos vários outros
ecossistemas. Biologicamente analisada por Paulo Affonso Leme Machado,
que lança mão de alguns glossários ecológicos para embasar o seu significado,
expondo que: “a Zona Costeira existe entre a linha d’água e o limite onde se
manifesta acentuada diferença na forma fisiográfica e nos sedimentos onde
começa a vegetação permanente” 9.
Os ecossistemas de dunas, restingas e mangues fazem parte do bioma
Zona Costeira.
Sobre as dunas, a Resolução 303/2002 do Conselho Nacional do Meio
Ambiente – CONAMA, em seu art. 2º, inciso X, dispõem que são:

[...] unidades geomorfológicas de constituição


predominantemente arenosa, com aparência de cômoro ou
colina, produzida pela ação dos ventos, situada no litoral ou no
interior do continente, podendo estar coberta, ou não, por
vegetação.

As restingas podem ser conceituadas de acordo com o Glossário de


Ecologia como “[...] depósito de areia emerso, baixo, em forma de língua,
fechado ou tendendo a fechar uma reentrância mais ou menos extensa da
costa”, além disso, traz que o ecossistema supracitado pode ser encontrado no
contexto meridional brasileiro. 10
Outro conceito que torna mais clara a compreensão sobre o referido
ecossistema é o trazido pela Resolução 07/96 do CONAMA no qual

Entende-se por vegetação de restinga o conjunto das


comunidades vegetais, fisionomicamente distintas, sob
influência marinha e fluvio-marinha. Estas comunidades,
distribuídas em mosaico, ocorrem em áreas de grande
diversidade ecológica sendo consideradas comunidades
edáficas por dependerem mais da natureza do solo que do
clima.

9
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 17ed. rev., atual e ampl.. São Paulo:
Malheiros, 2009. p. 922.
10
WATANABE, Shigeo (coord.). Glossário de Ecologia. 2ed. Rio de Janeiro: ACIESP. n. 103. 1997.
127

Ecologicamente, as restingas são ecossistemas costeiros, fisicamente


determinados pelas condições edáficas (solo arenoso) e pela influência
marinha, possuindo origem sedimentar recente, sendo que as espécies que aí
vivem (flora e fauna) possuem mecanismos para suportar os fatores físicos
dominantes como: a salinidade, extremos de temperatura, forte presença de
vento, escassez de água, solo instável, insolação forte e direta, etc. 11
A vegetação de restinga serve como equilíbrio da região costeira, na
medida em que funciona como controladora da linha de praia, retendo a areia
que é levada pelo vento ou mar. Além do mais, também evita a erosão pela
chuva ou escoamento de água tanto superficial quanto do lençol freático, e
ainda retém e disponibiliza o sedimento quando necessário, favorecendo um
12
novo equilíbrio do ambiente.
Quanto aos mangues, estes podem ser definidos segundo Schaeffer-
Novelli como:

[...] um ecossistema costeiro, de transição entre os meios


terrestre e marinho, localizado na zona intre-marés, constituido
por espécies vegetais lenhosas típicas e macro e micro algas,
adaptadas a ação das marés, às variações da salinidade da
água e aos sedimentos incosolidados e anóxicos desses
locais. 13

Posto isto, a proteção dos manguezais é condição sine qua non para
preservação do equilíbrio ecológico da Zona Costeira. Além do que, são
imprescindíveis para a subsistência das comunidades tradicionais dos
mesmos.

11
RESTINGAS: conceito. Disponível em: <http://litoralbr.vilabol.uol.com.br/restingas.htm>. Acesso
em: maio 2009.
12
INSTTITUTO ECOMARIS. A vegetação da praia: a importância, processos e preservação.
Disponível em < http://www.ecomaris.org.br/images/sabedoriarestinga.pdf> Acesso em: maio de 2009.
13
SERAFINI, Leonardo Zagonel. Os manguezais, seu regime jurídico e sua proteção sócio-ambiental.
Revista de Direito Ambiental, São Paulo, n.51, p.111, ano 13, jul.-set/2008.
128

3 O PROCESSO DE URBANIZAÇÃO NAS CIDADES LITORÂNEAS E O


PROJETO DE CONTINUAÇÃO DA AVENIDA LITORÂNEA NA CIDADE DE
SÃO LUÍS-MA
Com o advento da Revolução Industrial a cidade passou a ser o palco da
nova economia industrial e pós-industrial, dando origem a uma nova ordem
econômica e financeira, que pauta-se nas relações comerciais globais.
Embora tenha ocorrido o declínio das atividades industriais tradicionais
que requerem a urbanização como suporte, o avanço de tal processo nas
cidades caracteriza-se como um dos maiores fenômenos do século XX 14.
Como resultado do processo de urbanização ao longo de poucas
décadas, a América Latina encontra-se com 75% da sua população vivendo em
cidades. Como reflexo deste crescimento regional, tem-se no âmbito nacional
brasileiro 80% da população vivendo em cidades. 15
O processo de urbanização nacional teve início na década de trinta, mas
principalmente nos anos sessenta o Brasil assistiu a uma urbanização rápida
que transformou o país em termos territoriais, socioeconômicos, culturais e
ambientais 16.
O Estado do Maranhão, especificamente a cidade de São Luís, a partir
da década de setenta vivenciou uma rápida ocupação dos seus espaços, em
especial a sua faixa litorânea. Assim, as décadas de setenta e oitenta são
classificadas como épocas de total “irresponsabilidade ambiental”, sendo esta
estendida até aproximadamente o final da década de noventa. 17
Esse adensamento embora tenha oferecido a uma parte da população
acesso ao trabalho e melhores condições de vida, por outro lado causou um

14
FERNANDES, Edésio. A nova ordem jurídico-urnbanística no Brasil. In: FERNANDES, Edésio;
ALFONSIN, Betânia (coord. e co-autores). Direito urbanístico: estudos brasileiros e
internacionais.Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p. 3-23, p. 3.
15
FERNANDES, Edésio. A nova ordem jurídico-urnbanística no Brasil. In: FERNANDES, Edésio;
ALFONSIN, Betânia (coord. e co-autores). Direito urbanístico: estudos brasileiros e
internacionais.Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p. 3-23, p. 4.
16
FERNANDES, Edésio. A nova ordem jurídico-urnbanística no Brasil. In: FERNANDES, Edésio;
ALFONSIN, Betânia (coord. e co-autores). Direito urbanístico: estudos brasileiros e
internacionais.Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p. 3-23, p. 4.
17
Informações obtidas por meio de entrevista realizada com o Procurador da República Alexandre
Soares. Entrevista: 15 de maio de 2009.
129

enorme desequilíbrio social e ambiental. Sendo este último de fundamental


importância para a reflexão aqui empreendida. 18
No que concerne ao meio ambiente, a célere urbanização tem gerado
processos renovados de exclusão social, crise habitacional, segregação
espacial, violência urbana e degradação ambiental, trazendo para o cotidiano
de grande parte da população urbana lixões a céu aberto, esgotos in natura
lançados nos rios urbanos, poluição atmosférica, excesso de tráfego e ruídos,
ocupações de forma ilegal em áreas que necessitam de maior proteção,
loteamentos clandestinos, enchentes, falta de vias públicas apropriadas para a
circulação de pedestres, aumento da poluição visual com propagandas em
grandes avenidas, áreas construídas sem qualquer ordenação, ausência de
áreas verdes e de planejamento que priorizem a arborização dos espaços
urbanos, como condição sine quanon para a concretização do desenvolvimento
sustentável. 19
A Avenida Litorânea de São Luís – Maranhão tem o início de sua
construção datada de 23 de maio de 1993, com duração de aproximadamente
dois anos. Ocorre que, a referida obra realizou-se sem a observância dos
mínimos requisitos legais para que fosse garantida a proteção ambiental do
bioma da Zona Costeira, sendo marcada por irregularidades. 20
Como continuação do projeto de urbanização para a cidade de São Luís,
a Av. Litorânea apresenta-se como referência da contínua expansão da orla
marítima, expansão esta que tem seu projeto como alvo de um inquérito civil
público promovido pelo Ministério Público Federal, em virtude da ausência de
licenciamento ambiental das obras de ampliação da avenida, pois o referido
documento tem por função demonstrar se há possibilidade de degradação
ambiental com a construção da via pública. 21

18
Informações obtidas por meio de entrevista realizada com o Procurador da República Alexandre
Soares. Entrevista: 15 de maio de 2009.
19
GRANZIERA, M.L.M. Meio ambiente urbano e sustentabilidade. Revista de Direito Ambiental, São
Paulo, n.48, p.180, out.-dez. 2007.
20
Informações obtidas por meio de entrevista realizada com o Procurador da República, Alexandre
Soares. Entrevista: 15 de maio de 2009.
21
Informações obtidas por meio de entrevista realizada com o Procurador da República Alexandre
Soares. Entrevista: 15 de maio de 2009.
130

Outro problema refere-se às verbas direcionadas para as obras deste


serviço público, já que, a Secretaria Municipal de Obras e Serviços Públicos
(SEMOSP) não apresentou qualquer documento com a origem dos recursos
destinados à construção da via. De acordo com o Procurador da República
Alexandre Soares não existe nenhum registro na gerência de patrimônio
público que autorize as obras públicas no local. 22
Não obstante às questões supracitadas há que se levar em
consideração os conseqüentes danos ambientais a serem provocados pela
obra, tendo em vista que essa abertura da via poderá trazer sérios problemas,
pois possivelmente atingirá a Zona Costeira, prejudicando dunas, restingas e
manguezais. Uma obra desta magnitude acentuará a circulação de pessoas na
área, o processo de expansão imobiliária e o número de bares instalados.
Portanto, causando o aumento das atividades humanas nocivas ao bioma da
região.
Com vistas à prevenção dos danos ambientais mencionados, o
Ministério Público Federal do Maranhão, promoverá uma audiência pública com
o objetivo de discutir junto à sociedade o inquérito civil público instaurado pela
Procuradoria da República, como também o conteúdo e resultados dos estudos
ambientais realizados pela Secretaria Municipal do Meio Ambiente (SEMA). 23
Tendo em vista a importância dos referidos biomas e a magnitude dos
possíveis impactos a serem causados pela mencionada obra, antes de ser
realizado o Estudo de Impacto Ambiental e as audiências da sociedade civil
não há que se falar no início das obras.

4 PROTEÇÃO AMBIENTAL VERSUS UTILIDADE PÚBLICA


A Constituição Federal, em seu art. 225 trouxe a baila o direito a um
meio ambiente ecologicamente equilibrado, o que significa dizer que a proteção
ambiental é direito de todos, bem como a todos (Poder Público e sociedade)
incumbe a sua proteção e preservação. No mesmo dispositivo constitucional,

22
OBRAS na Litorânea em Xeque. O Estado do Maranhão, São Luís, 9 de maio.2009. Caderno
Cidades, p.1.
23
OBRAS na Litorânea em Xeque. O Estado do Maranhão, São Luís, 9 de maio.2009. Caderno
Cidades, p.1.
131

em seu § 1º, inciso III, na parte final expõe que “[...] sendo a alteração e
supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que
comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção”.
A partir disto, vislumbra-se que a Constituição pátria prevê a
possibilidade de áreas especialmente protegidas, como por exemplo, as APP´s,
sejam de alguma maneira suprimidas.
Sendo as dunas, mangues e restingas áreas de preservação
permanente, como já ilustrado, o Código Florestal dispõe no art. 4º ser possível
a supressão da vegetação nestas áreas quando se tratar de “utilidade pública”
ou “interesse social”. O referido dispositivo expõe ainda que a autorização para
a supressão somente poderá acontecer quando inexistir alternativa técnica e
locacional ao empreendimento proposto.
Outra questão que merece ser suscitada refere-se ao §5º do art. 4º do
Código Florestal que estabelece que a supressão de vegetação nativa
protetora de “[...] dunas e mangues” somente poderá ser autorizada em casos
de utilidade pública, fazendo ainda remissão ao art. 2º, alíneas “c” e “f”,
importando para o trabalho em questão a alínea “f”, uma vez que a mesma
trata de restingas, como fixadoras de dunas e estabilizadoras de mangues.
Desta maneira, cabe ressaltar, segundo Edis Milaré, que as obras
realizadas em áreas de preservação permanente somente poderão ser
exeqüíveis se não houver outras alternativas locacionais para tal
empreendimento. É neste sentido que o já exposto art. 4º do Código Florestal
estabeleceu tal excepcionalidade ao ditame legal da não intervenção e da não
supressão das APP´s, configurando-se tal situação como sui generis à
especificação da obra como de utilidade pública e de interesse social. 24
No que pertine ao significado dos termos “utilidade pública” ou “interesse
social”, o art. 1º da Lei nº 4.771/65, condizente ao Código Florestal, em seus
incisos IV e V, esclarece ser de utilidade pública as atividades de segurança
nacional e de proteção sanitária; as obras essenciais de infra-estrutura
destinadas aos serviços públicos de transporte, saneamento e energia; e

24
MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 5ed. ref., atual. e ampl.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 697.
132

demais obras, planos, atividades ou projetos previstos em resolução do


Conselho Nacional de Meio Ambiente – CONAMA.
Já no que tange ao interesse social, o referido Código menciona serem
as atividades imprescindíveis à proteção da integridade da vegetação nativa,
tais como: prevenção, combate e controle do fogo, controle da erosão,
erradicação de invasoras e proteção de plantio com espécies nativas, conforme
resolução do CONAMA. Bem como as atividades de manejo agroflorestal
sustentável praticadas na pequena propriedade ou posse rural familiar, que não
descaracterizem a cobertura vegetal e não prejudiquem a função ambiental da
área. E, por fim, as demais obras, planos, atividades ou projetos definidos em
resolução do CONAMA.
No mesmo viés do Código Florestal, os arts. 1º e 2º da Resolução nº.
369/06 do CONAMA estipulam os casos excepcionais em que o órgão
ambiental competente pode autorizar a intervenção ou supressão de vegetação
em APP para implantação de obras, planos, atividades ou projetos de utilidade
pública ou interesse social, ou para a realização de ações consideradas
eventuais e de baixo impacto ambiental. A vedação tal como acontece no art.
4º do Código Florestal também é prevista nos arts. referidos da Resolução
369/06 do CONAMA.
Reportando-se para a realidade do Município de São Luís, no Estado do
Maranhão, no que diz respeito à construção da continuidade da Avenida
Litorânea, o que se observa é ainda a ausência de alguns elementos
fundamentais para a realização das obras, tais como a apresentação de vias
alternativas e locacionais para o empreendimento e a discussão por meio de
audiências públicas.
Outro elemento primordial é o Estudo de Impacto Ambiental, haja vista
que serão por meio dele conhecidos todos os possíveis impactos que as obras
causarão, tanto ambientais quanto sociais, o que significa dizer, nas palavras
de Paulo de Bessa Antunes que é “[...] necessário, portanto, que as
133

repercussões sociais e humanas dos projetos sejam bem examinadas no


estudo para que este seja válido e completo” 25.
Neste diapasão, o Procurador da República Alexandre Silva Soares,
entende que:

A abertura de via pública nessa região é uma atividade de


grande impacto ambiental à Zona Costeira, já que as obras
possivelmente afetarão áreas de dunas, restingas e
manguezais, com o risco de afetação de área de praias. 26

A abertura de estradas em áreas protegidas no Brasil é um antigo dilema


sócio-ambiental. De início, responde aos anseios das populações, que almejam
a integração e os benefícios do desenvolvimento. Porém, a experiência tem
demonstrado, que essas intervenções, sem a coesão de projetos de infra-
estrutura social, e, de controle e fiscalização ambiental, podem se transformar
em vetores que levam a degradação sócio-ambiental. 27
Conforme tratam Leite e Ayala, os atuais padrões de desenvolvimento
vêm expondo a sociedade a uma série de riscos, 28

Enfatize-se, dentre o conjunto de qualidades diferenciadas dos


problemas emergentes das sociedades de risco, a
necessidade de consideração dos interesses e direitos das
futuras gerações e o elevado grau de indeterminação dos
riscos aos quais está exposta a sociedade, que começam a
evidenciar a incapacidade funcional dos padrões de gestão
racional e científica.

Assim, diante das conseqüências que tais obras e empreendimentos


apresentam ao meio ambiente, em especial às regiões protegidas, caso sejam
realizadas irão conflitar com o direito garantido constitucionalmente, ou seja,
direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do

25
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 10 ed., rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2007. p. 295.
26
Disponível em: <http://noticias.pgr.mpf.gov.br/noticias-do-site/meio-ambiente-e-patrimonio-
cultural/mpf-ma-requer-audiencia-publica-para-discutir-continuidade-de-obras-na-avenida-litoranea>.
Acesso em maio de 2009.
27
Disponível em: http://acordameupovo.blogspot.com/2008/03/estrada-ilhus-itacar.html. Acesso em maio
de 2009.
28
LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Transdisciplinaridade e a Proteção Jurídico-
ambiental em Sociedades de Risco: Direito, Ciência e Participação. In: LEITE, José Rubens Morato;
BELLO FILHO, Ney de Barros. Direito Ambiental Contemporâneo. São Paulo: Manole, 2004. p. 99-
125, p. 101.
134

povo e essencial à sadia qualidade de vida. Ressaltando-se que o Poder


Público e a coletividade têm o dever de defender e preservá-lo para as
presentes e futuras gerações.
Quanto à questão da utilidade pública do mencionado empreendimento,
especula-se que a obra será realizada para o melhor escoamento do trânsito
da Av. dos Holandeses, na capital maranhense. É sabido, independentemente
de estudos, que tal obra irá favorecer ainda mais o setor imobiliário, haja vista
seu crescimento desenfreado no perímetro da orla marítima de São Luís –
Maranhão.
Todavia, no que tange ao segundo trecho da obra, ainda não são
conhecidos os reais danos sócio-ambientais ao bioma de dunas, restingas e
mangues, presentes em tal localidade, para que possam ser ponderados os
pontos controvertidos e assim optar-se pelo menos impactante, qual seja a
viabilidade de continuação ou não da Avenida Litorânea.
Entretanto, resta-nos sopesar o que será mais benéfico para a
população: a proteção ao meio ambiente ou a utilidade pública da obra para o
desenvolvimento do Estado. Colocada esta questão, somente será possível
uma melhor compreensão dos impactos com a apresentação de avaliações de
impactos ambientais eficientes e capazes de detectar os reais riscos do
empreendimento.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

1. A Zona Costeira é constituída por diversos ecossistemas, tais como


dunas, restingas e mangues, que possuem grande relevância ecológica, tendo
em vista as inúmeras funções que desempenham, quais sejam, o controle da
linha de praia, retendo a areia que é levada pelo vento ou mar, evita a erosão
pela chuva ou escoamento de água tanto superficial quanto do lençol freático, e
ainda retém e disponibiliza o sedimento quando necessário, favorecendo um
novo equilíbrio.
135

2. Tal importância é reconhecida pela legislação brasileira tanto


constitucional quanto infra-constitucional. Os referidos ecossistemas são
considerados áreas de preservação permanente, em virtude disso gozam de
proteção especial.

3. O Brasil vem passando por um acelerado processo de urbanização,


responsável pelo comprometimento do meio ambiente. Nesse sentido, observa-
se a construção da Avenida Litorânea como reflexo desse processo, no Estado
do Maranhão. Tal empreendimento ocorreu sem o licenciamento ambiental,
fenômeno que não poderá ocorrer em relação à continuação dessa avenida.

4. A exceção prevista para supressão dos referidos ecossistemas é


somente nos casos em que há utilidade pública ou interesse social, mas, desde
que não haja outra alternativa locacional. No entanto, todas essas questões
somente poderão ser mensuradas com a avaliação dos impactos envolvidos, a
qual fornecerá subsídios para adequada ponderação da importância entre a
utilidade pública ou o interesse social e os potenciais danos ambientais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 10 ed., rev., ampl. e atual. Rio
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MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 17ed. rev.,


atual e ampl.. São Paulo: Malheiros, 2009.

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5ed. ref., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

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WATANABE, Shigeo (coord.). Glossário de Ecologia. 2ed. Rio de Janeiro:


ACIESP. n. 103. 1997.
137

PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA, DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E O


PROGRAMA NACIONAL DE PRODUÇÃO E USO DO BIODIESEL

ANA MÔNICA MEDEIROS FERREIRA 1


YANKO MARCIUS DE ALENCAR XAVIER 2

1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
O Estado na função de agente regulador da atividade econômica, que
sob a égide da Constituição Federal exerce o poder de estabelecer diretrizes
para o desenvolvimento nacional, deve impor medidas no campo energético
que promova o desenvolvimento sustentável, sendo um exemplo disso o
investimento em fontes renováveis de energia como o as políticas públicas de
incentivo a produção e uso do biodiesel no Brasil.
Diante deste panorama, o objetivo desta da pesquisa é o estudo do
Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel – PNPB frente ao princípio
da eficiência da Administração Pública.

2 PRINCIPIO DA EFICIÊNCIA, DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E A


POLÍTICA ENERGÉTICA NACIONAL

2.1 PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA


Incorporado pela Emenda Constitucional nº 19 de 1998, o princípio da
eficiência põe em relevância o resultado das atividades administrativas,
garantindo que os serviços prestados pelo Poder Público consigam satisfazer
os interesses do bem comum. Este princípio pode ser explicado como a
concretização, por parte dos entes públicos, dos anseios populares, da melhor
1
Mestranda do Programa de Pós Graduação em Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Bolsista IBP – Instituto Brasileiro de Petróleo, Gás e Biocombustíveis, vinculada ao Programa de Recursos Humanos
em Direito do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis PRH-ANP / MCT Nº 36.
anamonicamf@yahoo.com.br
2
Professor Doutor do Programa de Pós Graduação em Direito da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte.
Professor Orientador.
138

forma que as condições materiais possibilitem, atendendo às necessidades


coletivas de forma eficaz.
Visto antes da Emenda Constitucional como uma faceta do princípio da
boa administração, já consagrado no direito italiano, o princípio de eficiência
traz a exigência de que toda a atividade administrativa seja executada com
agilidade e rapidez de modo a não deixar prejudicados os interesses coletivos.
Além de impor a execução dos atos administrativos baseados nas melhores
técnicas e conhecimentos adequados que deverão proporcionar o melhor
resultado possível.
Traz a idéia de fazer acontecer com racionalidade, o que implica medir
os custos que a satisfação das necessidades públicas importam em relação ao
grau de utilidade alcançado. Assim, pode-se dizer que o princípio da eficiência,
orienta a atividade administrativa no sentido de conseguir os melhores
resultados com os meios escassos de que se dispõe e a menor custo. Rege-
se, pois, pela regra de consecução do maior benefício com o menor custo
possível 3.
Em nosso ordenamento, há também um viés não econômico do princípio
da eficiência, que se liga com a gestão com equilíbrio e ponderação da coisa
pública. Pois a efetivação do princípio da eficiência deve ser mensurada
também em termos dos custos sociais de determinadas estruturas e práticas
administrativas e sua repercussão sobre a formação de uma consciência de
ação coletiva, de interesse público, dos cidadãos 4.
De maneira mais sintética temos que o princípio da eficiência
administrativa estabelece que toda ação administrativa deve ser orientada para
concretização material e efetiva da finalidade posta pela lei, segundo os
cânones jurídico-administrativo 5.
Alguns autores têm resistência em aceitar a eficiência como princípio
administrativo constitucional, considerando-o como simples conseqüência de

3
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 655.
4
BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito Administrativo e Políticas Públicas. São Paulo: Saraiva, 2002. p
183.
5
FRANÇA, Vladimir da Rocha. Eficiência Administrativa na Constituição Federal. Revista Eletrônica
sobre a Reforma do Estado (RERE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº10, junho/julho/agosto, 2007.
Disponível na Internet :<www.direitodoestado.com.br/redae.asp>. Acesso em: 20 de julho de 2008.
139

uma boa administração, servindo a sua nomeação no art. 37, após a Emenda
Constitucional 19/1998, apenas como adorno 6.
Todavia, acredita-se que ao colocar a eficiência no plano constitucional,
à condição de princípio básico da atividade administrativa, buscou-se dar
destaque ao desejo de maximizar sempre os resultados em toda e qualquer
atuação do Poder Público, impondo-se uma atuação dentro de padrões
aceitáveis de presteza, perfeição e rendimento.
Portanto, este princípio deve ser interpretado juntamente com a
qualidade dos serviços prestados pelos entes estatais, agilizando o
atendimento dos interesses coletivos sem descurar da excelência das
atividades realizadas. A eficiência tomada no sentido exclusivo de rapidez é
inadmissível, devendo, para a verificação do cumprimento constitucional, ser
conjugada com o princípio da razoabilidade, verificando-se se os fins se
adequam aos meios 7.
Ser eficiente, portanto, exige primeiro da Administração Pública o
aproveitamento máximo de tudo aquilo que a coletividade possui, em todos os
níveis, ao longo da realização de suas atividades. Significa racionalidade e
aproveitamento máximo das potencialidades existentes. Mas não só isso. Em
seu sentido jurídico, a expressão também deve abarcar a idéia de eficácia da
prestação, ou de resultados da atividade realizada. Uma atuação estatal só
será juridicamente eficiente quando seu resultado quantitativo e qualitativo for
satisfatório, levando-se em conta o universo possível de atendimento das
necessidades existentes e os meios disponíveis 8.
Tem-se, pois, que a idéia de eficiência administrativa não deve ser
apenas limitada ao razoável aproveitamento dos meios e recursos colocados à
disposição dos agentes públicos. Deve ser construída também pela adequação
lógica desses meios razoavelmente utilizados aos resultados efetivamente

6
MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 17 Edição. São Paulo: Malheiros
Editores, 2004.p. 111-112.
7
AGRA,Walber de Moura. Manual de Direito Constitucional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2002. p. 329.
8
CARDOZO, José Eduardo Martins. Princípios Constitucionais da Administração Pública (de acordo com
a Emenda Constitucional n.º19/98). In MORAES, Alexandre. Os 10 anos da Constituição Federal. São Paulo: Atlas,
1999. p. 166.
140

obtidos, e pela relação apropriada desses resultados com as necessidades


públicas existentes.

2.2 PRINCÍPIOS DA POLÍTICA ENERGÉTICA NACIONAL


A Emenda Constitucional nº 9, de 9 de novembro de 1995 que
determinou a abertura do setor petrolífero nacional, promovida pela Emenda
Constitucional, exigiu a elaboração de um novo plano estratégico no setor
energético para o desenvolvimento do país.
Tal deliberação foi feita através da Lei nº. 9.478/97, conhecida como Lei
do Petróleo, que além de prever a criação de um órgão regulador para o setor,
a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), dispôs
sobre as condições de contratação com os novos atores da indústria petrolífera
e dos princípios que o Poder Público deve observar no delineamento das
políticas públicas relacionadas ao setor energético.
Apesar da Lei do Petróleo tratar principalmente do hidrocarboneto que
lhe dá o nome, a este não se limita. Ao cuidar dos princípios e objetivos da
Política Energética Nacional aborda a generalidade das fontes de energia
disponíveis. Cuida, portanto, não só das diretrizes atribuídas à indústria do
petróleo e seus derivados, mas também à do gás natural, da energia elétrica,
do carvão e das fontes alternativas de energia, descoberta ou por descobrir, a
exemplo dos biocombustíveis.
A Lei nº 9.478/97, como dito, apresentou um norte para o
desenvolvimento do setor energético sem, no entanto, trazer programas
concretos, mas apenas delineou os princípios e objetivos que deveriam ser
seguidos quando de sua feitura e implementação. Em verdade, o texto legal,
em diversos momentos trouxe a reprodução dos princípios constitucionais que
norteiam a República Federativa e a Ordem Econômica.
Ao abordar a Política Energética Nacional, a Lei do Petróleo limitou-se a
traçar os seus princípios e objetivos fundamentais, norteando o legislador e o
administrador na elaboração e execução das políticas públicas.
Ao dispor que constituem objetivos das políticas nacionais para o
aproveitamento racional das fontes de energia preservar o interesse nacional,
141

promover o desenvolvimento, ampliar o mercado de trabalho, proteger os


interesses do consumidor, proteger o meio ambiente, garantir o fornecimento
de derivados de petróleo em todo o território nacional e promover a livre
concorrência, a lei reforça a necessidade de observância sistemática de nosso
ordenamento jurídico, através da adequação das normas legais com a
supremacia constitucional.
Tais princípios, principalmente no tocante a proteção do meio ambiente
e ao aproveitamento racional das fontes de energia, se adequam com a idéia
de desenvolvimento sustentável incorporada em nosso ordenamento jurídico
que trataremos a seguir.

2.3 O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NO ORDENAMENTO JURÍDICO


PÁTRIO
Em várias instâncias internacionais, a partir dos anos 1970, deu-se
início, a uma discussão de grande relevância: a conciliação do crescimento
econômico mundial com a preservação de um meio ambiente saudável. Várias
foram as iniciativas visando à formulação de alternativas ao modelo econômico
no qual a produção de riqueza está diretamente relacionada ao aumento da
miséria, da degradação ambiental e da poluição. O Relatório Brundtland, fruto
da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento criada pelas
Nações Unidas consolidou a crítica ao modelo de desenvolvimento adotado
pelos países industrializados e refletido no mundo inteiro, lançando o conceito
de desenvolvimento sustentável, que é aquele que satisfaz as necessidades do
presente sem comprometer a capacidade de as futuras gerações satisfazerem
suas próprias necessidades.
Um dos objetivos fundamentais da República, previsto no artigo 3º da
Constituição, é o de garantir o desenvolvimento nacional, também qualificado
como princípio constitucional impositivo e norma-objetivo.
A idéia de desenvolvimento implica numa dinâmica social constante,
posto que se trate de um processo que visa elevar os níveis social, econômico,
ambiental e cultural da sociedade, pois desenvolvimento não se confunde com
crescimento, posto que não se trata de um processo meramente quantitativo,
142

mas sim qualitativo, que abrange o próprio crescimento, como têm se referido
diversos economistas contemporâneos.
Na Constituição Brasileira de 1988, os quatro primeiros artigos tratam
dos "princípios fundamentais", sendo estes, ao lado do preâmbulo, o
embasamento de toda a ordem jurídica brasileira. Destaca-se o art. 3o, que é a
diretriz política adotada pelo Estado brasileiro. Interessa observar que, nesse
ponto, os princípios constitucionais possuem uma dimensão funcional de
programa de ação (função dirigente e impositiva), impondo, prospectivamente,
tarefas e programas aos poderes públicos, que devem, de qualquer forma,
buscar a sua concretização, justamente por essas tarefas serem imposições
normativo-constitucionais, ou seja, serem o núcleo fundamental da Constituição
Dirigente 9.
Neste contexto, garantir o desenvolvimento implica também na
instituição de políticas públicas direcionadas para tal fim, justificadas e
fundamentadas no art. 3º, II da Constituição, haja vista a situação atual de
subdesenvolvimento apontada nos principais indicadores econômicos
brasileiros.
Ao estabelecermos relações entre a necessidade de desenvolvimento,
com seus desdobramentos econômicos e sociais, e a necessidade de proteção
ao meio-ambiente, todos direitos assegurados pelo texto constitucional,
evidencia-se o pressuposto de situações em que a ocorrência de casos difíceis
demandará a utilização de técnicas de ponderação e razoabilidade para
assegurar a efetividade do mesmo texto constitucional.
Embora a definição de desenvolvimento sustentável do Relatório
Brundtland não se limite ao impacto da atividade econômica no meio ambiente,
também abarcando as conseqüências dessa relação na qualidade de vida e no
bem-estar da sociedade, é na preocupação ambiental que ela se manifesta de
forma mais aparente e concreta.

9
Utilizamos aqui a classificação de Canotilho de princípios constitucionais impositivos. Porém, conforme
exposto são várias as classificações dos princípios constitucionais propostas. Nesse sentido ver: CANOTILHO, José
Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003; BARROSO, Luis
Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 6ª ed.São Paulo: Saraiva, 2004; SILVA, José Afonso da. Curso
de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2003.
143

Dentre os vários dispositivos constitucionais que se propõem a regrar o


tema do desenvolvimento sustentável, destaca-se pela relevância, no contexto
do presente estudo, o artigo 170, VI que reputa a defesa do meio ambiente
como um dos princípios da ordem econômica.
A Constituição Federal Brasileira, inspirada no conceito de
desenvolvimento sustentável estabelece em seu artigo 225 que todos têm
direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do
povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à
coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras
gerações. E também abriu espaços à participação e atuação da população na
preservação e na defesa ambiental, impondo à coletividade o dever de
defender o meio ambiente e colocando como direito fundamental de todos os
cidadãos brasileiros, além de ampliar o rol das ações judiciais na tutela
ambiental.
Além da proteção ao meio ambiente, o art. 170 vem consagrar o
princípio da redução das desigualdades regionais e sociais, depreendendo-se,
portanto, desta disposição, que os benefícios do desenvolvimento econômico e
as estruturas normativas criadas para dar suporte à este crescimento, devem
estar voltadas também à redução das desigualdades em todas as regiões de
nosso país, procurando, através de políticas públicas e incentivos, reduzir as
diferenças entre estas regiões. A referida redução das desigualdades regionais
e sociais é também um dos objetivos fundamentais da República Federativa do
Brasil, conforme estabelece o art. 3º, III da Constituição.
Para se chegar ao denominado desenvolvimento sustentável, é
necessário que se busque a realização de três situações: crescimento
econômico, qualidade de vida e justiça social, de forma que, neste contexto de
mundo globalizado, vivenciado pela quebra de paradigmas e propondo-se
novos modelos a serem seguidos pela sociedade moderna ou pós-moderna, a
interpretação adequada aos dispositivos constitucionais que tratam da ordem
econômica e financeira deve se dar no sentido de que, a exploração pela
atividade econômica, a busca pelo lucro, pelo desenvolvimento econômico só
será legítima se não ferir ou impedir a busca dos princípios que tem por
144

objetivo a justiça social, e, tratando-se do meio ambiente, que não ultrapasse


os limites de uma exploração sustentável, para que não se comprometa a
qualidade de vida e nem mesmo a própria vida.
É necessário, portanto, que se faça uma análise conjunta dos
dispositivos constitucionais expressos nos artigos 3º, 170 e 225, de modo que
eles possam existir de forma harmônica, que haja uma conciliação entre eles.
Referidos princípios constitucionais mostram que não pode haver
conflitos na própria Constituição Federal entre os princípios por ela abarcados
e, sim, a análise valorativa desses princípios no sentido de aplicá-los de forma
razoável e equilíbrio para o desenvolvimento equilibrado, equacionado com o
meio ambiente.
Nesse sentido o Supremo Tribunal Federal já se pronunciou revelando o
10
desenvolvimento sustentável como princípio de caráter constitucional :

2.4 POLÍTICAS PÚBLICAS NO SETOR DE ENERGIA


A estruturação de um modelo prestacional de Estado, pautado por uma
maior intervenção no domínio econômico e social, têm demonstrado ser de
suma relevância para o Direito e o estudo das políticas públicas. O interesse
jurídico pelas políticas públicas vem crescendo com a hipertrofia do Poder
Executivo, característica do Estado social.
Política Pública é conceito bastante abrangente que envolve não
apenas a prestação de serviços ou o desenvolvimento de atividades
executivas diretamente pelo Estado, como também sua atuação
normativa reguladora e de fomento, nas mais diversas áreas. Com efeito, a
combinação de um conjunto normativo adequado, uma regulação eficiente,
uma política de fomento bem estruturada e ações concretas do Poder
Público poderão conduzir os esforços públicos e as iniciativas privadas
para o atendimento dos fins considerados valiosos pela Constituição e

10
Jurisprudência do STF. ADI-MC 3540 / DF - DISTRITO FEDERAL. MEDIDA CAUTELAR NA
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Relator(a): Min. CELSO DE MELLO. Julgamento:
01/09/2005. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação DJ 03-02-2006 PP-00014 EMENT VOL-02219-03 PP-
00528
145

pela sociedade 11.


É correto definir políticas públicas como sendo programas de ação
governamental visando a coordenar os meios à disposição do Estado e as
atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e
politicamente determinados 12.
As políticas públicas podem ser entendidas como o conjunto de planos e
programas de ação governamental voltados à intervenção no domínio social,
por meio dos quais são traçadas as diretrizes e metas a serem fomentadas
pelo Estado, sobretudo na implementação dos objetivos e direitos
fundamentais dispostos na Constituição.
Há certa similaridade entre as noções de política e a de plano, embora
a mesma possa consistir num programa de ação governamental que não se
exprima, necessariamente, no instrumento jurídico do plano. A política publica
transcende os instrumentos normativos do plano ou do programa. É preciso
distinguir política pública e política de governo, vez que enquanto esta guarda
profunda relação com um mandato eletivo, aquela, no mais das vezes, pode
atravessar vários mandatos. Deve-se reconhecer, por outro lado, que o cenário
político brasileiro demonstra ser comum a confusão entre estas duas
categorias. A cada eleição, principalmente quando ocorre alternância de
partidos, grande parte das políticas públicas fomentadas pela gestão que deixa
o poder é abandonada pela gestão que o assume.
Um dos principais problemas que se colocam quando do estudo da
implementação de políticas públicas é a possibilidade do controle jurisdicional.
Tradicionalmente o juízo de constitucionalidade tem por objeto, como
sabido, apenas normas e atos administrativos. Coloca-se como desafio
estabelecer até que ponto e sob quais parâmetros estaria aberta a via judicial
à discussão acerca da legalidade e constitucionalidade da ação ou omissão do
Poder Público no implemento de políticas públicas. A discussão deste tema
apesar de instigante não faz parte do presente estudo.

11
BARCELOS, Ana Paula de. A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais – O Princípio da
Dignidade da Pessoa Humana. Rio de Janeiro: RENOVAR, 2002. p.25.
12
BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito Administrativo e Políticas Públicas. São Paulo: Saraiva, 2002. p
241.
146

Feitas as considerações iniciais sobre a conceituação de políticas


públicas seguimos em frente com o tema das políticas públicas no setor de
energia.
A implantação de políticas públicas depende, necessariamente, da
obediência a certas determinações do ordenamento jurídico. Em primeiro lugar,
aos dispositivos constitucionais, que trazem os princípios que regem as
atividades administrativas em geral, a saber, legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade e eficiência.
Em segundo lugar, é preciso verificar o que traz a legislação ordinária
sobre o setor específico ao qual se destinam as políticas. No caso do setor
energético, especialmente no tocante à indústria do petróleo, gás natural e
biocombustíveis, a Lei 9.478/97, como já exposto, enumera as diretrizes
necessárias ao aproveitamento racional dos recursos, em respeito ao interesse
público que circunda as fontes de energia.
O Conselho Nacional de Política Energética tem a tarefa de
implementar as políticas energéticas de forma harmônica e uniforme. E além
do Conselho, os demais administradores, como aqueles das Agências estão
sujeitos aos princípios e objetivos trazidos na lei e na Constituição Federal, sob
pena de lesão a toda a sociedade pela dilapidação de tão nobre patrimônio.
É sabido que a atividade econômica está diretamente relacionada com a
utilização de energia, uma vez que energia é sinônimo de poder, e quem pode
pagar por ela tem maior chance de usufruir de suas variadas formas de
utilização. Em contrapartida, o não acesso marginaliza. Assim, as formas de
gerá-la deixam de ser um problema exclusivamente técnico, para se
constituírem em questões que envolvem aspectos energéticos, econômicos e
ambientais.
Nesse ponto devemos parar e refletir que as políticas públicas no setor
energético não devem apenas satisfazer as necessidades da sociedade de
maneira imediata sem verificar os riscos pela utilização de determinada forma
de energia. Devemos aqui observar os princípios trazidos na Lei do Petróleo e
no artigo 37 da Carta Magna, em especial no princípio da eficiência. Conforme
já dissemos, a efetivação do princípio da eficiência deve ser mensurada
147

também em termos dos custos sociais de determinadas estruturas e práticas


administrativas e sua repercussão sobre a formação de uma consciência de
ação coletiva, de interesse público, dos cidadãos.
O princípio da eficiência por estar relacionado com o meio que a
Administração Pública realiza suas funções está intimamente relacionado com
o desenvolvimento sustentável quando falamos em políticas públicas no setor
energético. Uma vez que incorporar a dimensão de eficiência na Administração
pública está intimamente ligada a capacidade de gerar mais benefícios, na
forma de prestação de serviços à sociedade, com os recursos disponíveis, em
respeito ao cidadão contribuinte.
Sob a ótica do desenvolvimento sustentável 13, as fontes renováveis de
energia terão participação cada vez mais relevante na matriz energética global
nas próximas décadas. A crescente preocupação com a promoção do
desenvolvimento em bases sustentáveis vêm estimulando a realização de
pesquisas de desenvolvimento tecnológico que vislumbram a incorporação dos
efeitos da aprendizagem e a conseqüente redução dos custos de geração
dessas tecnologias 14.
O debate sobre o aumento da segurança no fornecimento de energia,
impulsionado pelos efeitos de ordem ambiental e social da redução da
dependência de combustíveis fósseis, contribui para o interesse mundial por
soluções sustentáveis por meio da geração de energia oriunda de fontes limpas
e renováveis. Nessa agenda, o Brasil ocupa posição destacada em função da
sua liderança nas principais frentes de negociação e da significativa
participação das fontes renováveis na sua matriz energética 15.
O Brasil apresenta situação privilegiada em termos de utilização de
fontes renováveis de energia. No país, 44,7% da Oferta Interna de Energia
13
O Relatório Brundtland de 1982, fruto da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento
criada pelas Nações Unidas, lançou o conceito de desenvolvimento sustentável, que é aquele que satisfaz as
necessidades do presente sem comprometer a capacidade de as futuras gerações satisfazerem suas próprias
necessidades.
14
O IBGE realizou, pela primeira vez em 2002, a edição de indicadores de Desenvolvimento Sustentável
no Brasil. Este estudo visou à implementação dos princípios ao desenvolvimento sustentável para o país. Neste
conjunto de 50 indicadores, são encontradas quatro dimensões – Social, Ambiental, Econômica e Institucional, que
envolvem temas como Eqüidade, Saúde, Educação, População, Habitação, Segurança, Atmosfera, Terra, Oceanos,
Mares e Áreas Costeiras, Biodiversidade, Saneamento, Estrutura Econômica, Padrões de Produção e Consumo e
Estrutura e Capacidade Institucional.
15
MME. PROINFA. Programa de Incentivo a Fontes Alternativas de Energia Elétrica. Disponível em:
<http://www.mme.gov.br>. Acesso em: 11 abr. 2007.
148

(OIE) é renovável, enquanto a média mundial é de 14% e nos países


desenvolvidos, de apenas 6%. A OIE, também denominada de matriz
energética, representa toda a energia disponibilizada para ser transformada,
distribuída e consumida nos processos produtivos do País.
Um programa de grande destaque no contexto da introdução de
energias renováveis a matriz energética brasileira é o Programa Nacional de
Produção e Uso do Biodiesel (PNPB). Na mesma corrente de política pública
do PROALCOOL foi pensada a inserção do biodiesel na matriz energética
brasileira em 2004 16. A produção e o consumo de biodiesel no Brasil, portanto,
foram determinados por meio das Medidas Provisórias nº. 214 e 227,
convertidas nas respectivas Leis nº. 11.097/05 e 11.116/05. A principal diretriz
do programa é implantar um modelo de energia sustentável, a partir da
produção e uso do biodiesel obtido de diversas fontes oleaginosas, que
promova a inclusão social, garantindo preços competitivos, produto de
qualidade e abastecimento 17.

3 O PROGRAMA NACIONAL DE PRODUÇÃO E USO DO BIODISEL

3.1 BIODIESEL: UMA DEFINIÇÃO TÉCNICA


Sendo a inserção do biodiesel na matriz energética brasileira bastante
recente, pois o seu uso comercial foi autorizado no final de 2004, também o
são as definições legais para o termo biodiesel 18. O Decreto nº 5.927, de 6 de
dezembro de 2004, o conceitua como combustível para motores a combustão
interna com ignição por compressão, renovável e biodegradável, derivado de
óleos vegetais ou de gorduras animais, que possa substituir parcial ou
totalmente o óleo diesel de origem fóssil. Posteriormente, a Lei nº 11.097, de
13 de janeiro de 2005, ao modificar o inciso XXV do art. 6º da Lei do Petróleo 19,

16
O Programa Nacional do Álcool (PROALCOOL) foi criado com o objetivo de incentivar a produção e o
consumo de álcool como combustível no Brasil após a crise do petróleo da década de 1970 e obteve relativo sucesso.
17
MCT. O Programa. O Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel. Disponível em:
<http://www.biodiesel.gov.br>. Acesso em: 11 abr. 2007.
18
Apesar da inserção recente, vale destacar que o biodiesel já vinha sendo estudado no país a bastante
tempo. Uma prova disto é que a PI 8007957 requerida ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial - INPI pelo
Prof. Expedito Parente foi a primeira patente – em nível mundial – do biodiesel e do querosene vegetal de aviação, a
qual entrou em domínio público pelo tempo e desuso, fato lamentável para a pesquisa tecnológica brasileira.
19
Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997.
149

o definiu como biocombustível derivado de biomassa renovável para uso em


motores a combustão interna com ignição por compressão ou, conforme
regulamento, para geração de outro tipo de energia, que possa substituir
parcial ou totalmente combustíveis de origem fóssil.

3.2 AS VANTAGENS DO BIODIESEL PARA O BRASIL


O marco regulatório, formado por todas as normas acerca do biodiesel
na ocasião da autorização do seu uso comercial no Brasil, considera a
diversidade de oleaginosas disponíveis no país, a garantia do suprimento e da
qualidade, a competitividade frente aos demais combustíveis e uma política de
inclusão social. As regras do Programa Nacional de Produção e Uso do
Biodiesel (PNPB) determinados por meio das Medidas Provisórias nº. 214 e
227, convertidas nas respectivas Leis nº. 11.097/05 e 11.116/05 permitem a
produção a partir de diferentes oleaginosas e rotas tecnológicas, possibilitando
a participação do agronegócio e da agricultura familiar.
A normatização feita pela Agência Nacional do Petróleo Gás Natural e
Biocombustíveis - ANP, responsável pela regulação e fiscalização do novo
produto, cria a figura do produtor de biodiesel, estabelece as especificações do
combustível e estrutura a cadeia de comercialização. Também foram revisadas
18 resoluções que tratam sobre combustíveis líquidos, incluindo agora o
biodiesel. A ANP passa a ter como atribuição implementar a política nacional
do biodiesel – além do petróleo e do gás natural –, com ênfase na garantia do
suprimento e na proteção dos interesses dos consumidores quanto a preço,
qualidade e oferta de produtos.
O Brasil apresenta uma enorme potencialidade para a utilização do
biodiesel na sua matriz energética, pois para a sua fabricação as plantas
industriais têm ampla flexibilidade em termos de tamanho e de matérias-primas
empregadas (mamona, dendê ou palma, soja, girassol, babaçu, pinhão manso,
amendoim, nabo forrageiro, caroço de algodão, etc.), com pequena ou
nenhuma necessidade de modificação, possibilitando que a produção desse
combustível renovável se adapte às peculiaridades regionais do país e que se
implante um programa não excludente.
150

A produção e uso do biodiesel no Brasil, como fonte de energia


alternativa e renovável substitutiva ou complementar ao diesel de origem fóssil,
apresenta as mais diversas vantagens para o país. Dentre elas podemos
destacar os aspectos econômicos, ambientais e sociais, uma vez que esse
combustível permite a economia de divisas com a importação de petróleo e
óleo diesel, reduz a poluição ambiental e cria empregos em áreas pouco
desenvolvidas, gerando inclusão social.

3.3 O PNPB E O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA ADMINISTRATIVA


Não há dúvida alguma dos benefícios proporcionados pela substituição
dos combustíveis fósseis por fontes alternativas de energia. Nesse quesito, a
introdução do biodiesel na matriz energética brasileira figura como importante
fator de concretização dos ideais de desenvolvimento sustentável, pondo o
Brasil no rol de nações efetivamente comprometidas com esta causa.
Enquanto política pública mostra que obedece ao ditame da eficiência
administrativa por realizar o melhor emprego dos recursos e meios humanos
materiais e institucionais para melhor satisfazer as necessidades da
coletividade 20, albergando vantagens econômicas pela diminuição da
importação do diesel, ambientais pela redução de emissão de dióxido de
carbono e sociais através da promoção do emprego e incentivo a agricultura
familiar.
Todavia, cuidados devem ser tomados para que o PNPB não
repita os erros cometidos durante o Programa Nacional do Álcool, tendo este
se omitindo completamente da preocupação social. Os planos atuais do
Governo Federal apontam para o suprimento desta falha, ao conceder
isenções fiscais de até cem por cento aos produtores de biodiesel que
adquirirem matérias-primas de pequenos agricultores. Em contrapartida, o
agronegócio se vê desprestigiado ao não receber incentivos de mesma monta,
o que pode vir a provocar a falta de investimentos necessários ao cumprimento
das metas de produção atualmente estabelecidas pelo governo.

20
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 655.
151

Destarte, é imperativo que o escopo social do Programa Nacional


de Produção e Uso de Biodiesel esteja em equilíbrio com a certeza de
abastecimento contínuo do mercado consumidor, o que pode implicar a
necessidade de produção de matérias-primas em larga escala.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O princípio da eficiência determina que a Administração não deve
apenas cumprir a lei, mas sim deve buscar a forma mais eficiente de cumprir a
lei, deve buscar ainda, entre as soluções teoricamente possíveis, aquela que,
diante das circunstâncias do caso concreto, permita atingir os resultados
necessários à melhor satisfação do interesse público.
Acreditamos que a Carta Constitucional Brasileira elevou o
desenvolvimento sustentável à condição de princípio, uma vez que o
desenvolvimento previsto do art. 3º deve ser interpretado conjuntamente com
os artigos 170 e 225. Nesse sentido podemos dizer que o único
desenvolvimento possível a ser previsto pela Constituição é o desenvolvimento
sustentável, já que o Brasil participou da Conferência das Nações Unidas sobre
Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD) – mais conhecida como Rio-92
– e participou na elaboração e aprovação da Agenda 21, documento que
endossa o conceito fundamental de desenvolvimento sustentável e combina as
aspirações compartilhadas por todos os países ao progresso econômico e
material com a necessidade de uma consciência ecológica.
Verificou-se que estão intimamente relacionados os princípios da
eficiência administrativa e do desenvolvimento sustentável na elaboração de
políticas públicas no setor energético brasileiro.
Acreditamos que o ponto de entrelaçamento da ponderação entre o
princípio da preservação do meio ambiente e desenvolvimento econômico está
no entendimento da promoção de políticas públicas sob o conceito de
desenvolvimento sustentável.
Com a Lei nº 11.097/05 e a Lei nº 11.116/05 o Brasil deu um passo
importante para a construção de ferramentas para a introdução do biodiesel na
matriz energética brasileira. O Programa Nacional de Produção e Uso do
152

Biodiesel (PNPB) veio como forte instrumento de desenvolvimento sustentável


no setor energético pátrio.
Contudo, a introdução do biodiesel traz uma série de questões a serem
tratadas pelos instrumentos jurídicos vigentes no país, uma vez que a produção
deste combustível impõe desafios regulatórios para o Estado, no tocante a
conexão entre agronegócio e a indústria petrolífera.
Neste sentido, é necessária uma regulação que não apenas determine a
adição de biodiesel, mas que também organize a cadeia por meio de
mecanismos de incentivo. E aí surge mais uma vez o papel da eficiência
administrativa, onde a Administração Pública deverá buscar encontrar a melhor
maneira de lidar com os problemas deste novo combustível, para o biodiesel
ser introduzido e ser comercializado com sucesso e em condições de mercado.
Estas breves linhas não têm pretensão de esgotar o tema, mas sim de
suscitar a discussão em torno do Programa Nacional de Produção e uso do
Biodiesel à luz da hermenêutica constitucional contemporânea trazendo a
questão da ponderação entre princípios constitucionais.
153

REFLEXÕES SOBRE CIDADANIA E EFETIVIDADE DO DIREITO


FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE NOS 20 ANOS DA CONSTITUIÇÃO
DE 1988

ANA STELA VIEIRA MENDES 1

1 INTRODUÇÃO
Diante de debates acerca da crise ecológica mundial, a Constituição
brasileira de 1988 foi a primeira a reconhecer o direito fundamental ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, inaugurando um novo paradigma
organizacional: o Estado de Direito Democrático e Ambiental.
Entendemos que, para esta conquista, além da natural atuação do poder
público, foi fundamental a participação da sociedade civil, enquanto titular de
direitos e deveres ambientais, concomitantemente.
Hoje, decorridos pouco mais de 20 anos daquele marco histórico,
sentimos a necessidade de compreender melhor como vem acontecendo a
participação popular e sua contribuição potencial e efetiva para a concretização
do direito fundamental ao meio ambiente.
Parece-nos, pois, didaticamente interessante destacar três momentos
históricos e políticos, que guardam certa unidade, quando individualmente
considerados, e algumas diferenças quando reciprocamente comparados: o
primeiro, que vai do período das discussões anteriores à promulgação, até a
Rio 92; o segundo, que dura até o início do século XXI; e o seguinte, que vem
até a atualidade.
Nossa expectativa é, pois, a partir daí, tecer algumas considerações
acerca dos obstáculos vencidos e dos desafios vindouros.

1
Mestranda em Direito do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará.
Bolsista do CNPq. Professora Substituta da Universidade Federal do Ceará. E-mail:
anastela_ufc@yahoo.com.br
154

2 RAÍZES DA CIDADANIA AMBIENTAL: A DEMOCRATIZAÇÃO DO


ESTADO E DA CONSTITUIÇÃO
Após assumir diversas variações de significação ao longo do tempo, o
termo “Constituição” caracteriza, no Estado de Direito, a estrutura normativa
hierarquicamente superior a todas as outras, a partir da qual o Estado é
organizado e o exercício do poder, funcional e estrategicamente repartido 2.
É também a partir da concepção moderna que se tem de Constituição
onde se expressa a finalidade ética da existência do Estado, através da
escolha de determinados valores, considerados supremos, que devem ser
perseguidos como verdadeiros objetivos. Para isto, são estabelecidos os
alicerces para a sua realização, fixados assim os parâmetros dos denominados
direitos fundamentais 3.
Neste contexto, a Constituição da República de 1988, promulgada após
um longo período de governo ditatorial, trouxe consigo a valorização da
liberdade de expressão, da dignidade humana, da igualdade e da solidariedade
para os indivíduos e para as instituições brasileiras. Representou, pois, um
suspiro de esperança em um momento de transição política, um marco no
retorno do país às práticas democráticas, quando no próprio texto, logo no art.
1º, caput, intitula o Brasil um “Estado Democrático de Direito”.
A promulgação da Constituição de 1988 decorreu, pois, de uma atitude
reflexiva, pluralista, do repensar da sustentação política e axiológica da
sociedade, fundamentada em uma ampla base de legitimação. De acordo com
Atilio Borón,
A inesperada “ressurreição” da sociedade civil na América Latina, um
fenômeno que no Brasil adquiriu uma intensidade extraordinária desde os
tempos das “diretas já!”, obrigou a recolocar radicalmente os termos da
questão democrática” 4.

2
DINIZ, Márcio Augusto Vasconcelos. Constituição e hermenêutica constitucional. 2 ed. Belo
Horizonte: Mandamentos, 2002, p. 94.
3
DINIZ, Márcio Augusto Vasconcelos. Constituição e hermenêutica constitucional. 2 ed. Belo
Horizonte: Mandamentos, 2002, p. 94.
4
BORÓN, Atilio. A sociedade civil depois do dilúvio neoliberal. In Pós-neoliberalismo: As políticas
sociais e o Estado democrático. 8 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2008, p. 71.
155

Assim, foi graças à inserção dos cidadãos na pauta das discussões


como verdadeiros agentes conformadores da realidade constitucional que se
tornou possível esta guinada, este progresso em relação à maturidade dos
valores éticos constitucionalmente reconhecidos.
E segundo o pensamento de Peter Häberle, o fator que torna possível
falar em democratização constitucional reside justamente no fato de que todo
indivíduo atualiza a Constituição a partir da interpretação que faz de suas
normas, assim orientando a sua atuação social 5.
Diversos foram os temas analisados e discutidos quando da elaboração
no novo texto constitucional, na tentativa de estabelecer racionalmente que
valores mereceriam ser agrupados na futura Lei Maior com o status de direito
fundamental. Dentre aqueles que se destacaram, estavam as preocupações
resultantes da constatação da gravidade da eminente crise ecológica,
“multifacetária e global” 6, ocasionada pelos riscos oriundos do processo
civilizatório. Tal foi a repercussão alcançada pela matéria que, pela primeira
vez na história do Brasil, após quase 500 anos de colonização, contemplou-se
em um texto constitucional a previsão do direito fundamental ao meio ambiente
sadio e ecologicamente equilibrado 7.
A conjuntura de avanço na liberdade política e na igualdade social na
então recém promulgada Constituição lançou sementes de esperança em
novos tempos. A institucionalização da solidariedade intra e intergeracional e a
positivação de deveres fundamentais de preservação do ambiente e da vida,
oponíveis a todos – entes públicos e privados, sem distinção – tornou possível
falar uma verdadeira mudança de paradigmas: a ecologização da Constituição
e com ela a instituição de um Estado de Direito Democrático e Ambiental 8.

5
HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional. A sociedade aberta dos intérpretes da Constituição:
contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da Constituição. Tradução: Gilmar Ferreira
Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1997, p. 12-13.
6
BENJAMIN, Antônio Herman. In Direito constitucional ambiental brasileiro. J.J. Gomes Canotilho e
José Rubens Morato Leite (org). São Paulo: Saraiva, 2008, p. 60.
7
Além de um Capítulo específico, (art. 225), é possível encontrar outras passagens do texto
constitucional que cuidam da matéria (art. 5º, LXXIII, art. 23, VI, 24, VI e VIII, art. 129, III, art. 170, VI,
art. 186, II, art. 200, VIII, art. 220, II), sendo possível falar, assim, em um fenômeno de
constitucionalização ampla do direito fundamental ao meio ambiente.
8
Cf. CANOTILHO, José Joaquim Gomes e LEITE, José Rubens Morato (org). Direito constitucional
ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2008.
156

Estas mudanças na ordem jurídica constitucional foram não apenas


precedidas, mas também sucedidas de um período de efervescência social em
favor da revitalização da participação política da sociedade civil, o que se
refletia de maneira significativa na percepção acerca da necessidade de se
elaborar e polinizar uma idéia de cidadania ambiental fundada na solidariedade
para com as gerações presentes e futuras.
Por conta desta movimentação, realizaram-se no Brasil alguns eventos
de grande magnitude na década de 1990, como os ocorridos no Rio de Janeiro,
cujos resultados podem ser sintetizados em um conjunto de documentos,
norteadores das ações ambientais do Estado e da Sociedade Civil para o
período vindouro: a Declaração do Rio, a Agenda 21, a Convenção sobre
Alterações Climáticas, a Convenção sobre Biodiversidade e a Declaração
sobre Florestas 9.
Assim, dentre as benesses da constitucionalização do direito ambiental
no início da década de 1990, foi possível observar o fortalecimento e a
ampliação da participação da sociedade civil nas discussões e nos processos
decisórios relativos às questões ambientais.

3 DA EFERVESCÊNCIA AO RESFRIAMENTO DA PARTICIPAÇÃO CIDADÃ


AMBIENTAL: O AVANÇO DO NEOLIBERALISMO
Antes mesmo da promulgação da Constituição de 1988, na década de
1970, os países desenvolvidos já se organizavam mundialmente para atacar o
keynesianismo e a social democracia, e, em seu lugar, defender uma
“saudável” desigualdade social “natural” e uma atuação do mercado livre de
intervenções estatais regulatórias 10.
Esta ideologia dominou o ocidente e foi capaz de impor, pelo Consenso
de Washington, diretrizes conservadoras às políticas dos países em
desenvolvimento, a partir das quais se verificou, além de várias consequências

9
SILVA-SÁNCHEZ, Solange S. Cidadania ambiental: novos direitos no Brasil. São Paulo:
Annablume/Humanitas, 2000, passim.
10
ANDERSON, Perry. Balanço do neoliberalismo. In. Pós-neoliberalismo: As políticas sociais e o
Estado democrático. 8 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2008, p. 9-11.
157

nefastas ao progresso social, um retrocesso na preservação ambiental 11,


devido às práticas de atividades econômicas sem a devida preocupação de
substituição de tecnologias poluentes e de internalização de custos ambientais
às atividades empresariais, o que representaria uma provável redução na
margem de lucro, ao menos em curto prazo.
Produziu-se, então, uma hegemonia, grandemente disseminada através
“da simples idéia de que não há alternativas para os seus princípios, que todos,
seja confessando ou negando, têm de adaptar-se às suas normas” 12. Não
restava, pois, outra coisa aos indivíduos, a não ser conformar-se.
Tal situação ocorreu logo em seguida ao novo fôlego propiciado pela
redemocratização, que havia inspirado a adoção de valores equitativos e
solidários na Constituição de 1988, abafando-o.
Foi possível, ainda na década de 1990, sentir no Brasil os efeitos destas
imposições internacionais, nos seguintes termos: “a herança do neoliberalismo
é também uma sociedade menos integrada, produto das desigualdades e
fendas que aprofundou com sua política econômica” 13.
Isto representou, de forma significativa, uma diminuição ou perda do
entusiasmo quanto ao exercício da cidadania ambiental, alavancado no período
anterior, ocasionanando um verdadeiro resfriamento de toda aquela
efervescência social, da esperança em uma organização política mais justa e
ambientalmente responsável.
Como verificamos anteriormente, o exercício da cidadania é essencial
para a concretização do direito ao meio ambiente. Tendo em vista a
desmobilização da sociedade, não é grande esforço concluir que houve uma
repercussão destes fenômenos políticos e econômicos de maneira direta na
efetividade do direito ora discutido, bem como em todo o plano axiológico
constitucional.

11
AZEVEDO, Plauto Faraco de. Ecocivilização: ambiente e direito no limiar da vida. 2 ed. rev. at. ampl.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 55-74.
12
ANDERSON, Perry. Balanço do neoliberalismo. In. Pós-neoliberalismo: As políticas sociais e o
Estado democrático. 8 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2008, p.23.
13
BORÓN, Atilio. A sociedade civil depois do dilúvio neoliberal. In Pós-neoliberalismo: As políticas
sociais e o Estado democrático. 8 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2008, p. 105.
158

A esta época, era possível identificar reflexos destas transformações


também no âmbito da doutrina jurídica, dividida entre teorias liberais e sociais,
que realizavam críticas de diferentes naturezas ao sistema de direitos
fundamentais previsto na Constituição:

Juristas e políticos que adotam posições nitidamente político-


ideológicas neoliberais [...] criticam o caráter “dirigente” da
Constituição, condenam a “inflação de direitos” e
principalmente a extensão dos direitos sociais, sugerindo de
forma aberta ou encoberta o retorno a um regime de garantia
quase ilimitada das liberdades individuais. De forma contrária,
autores que adotam posições “socialmente progressistas”
reclamam da falta de efetivação dos direitos fundamentais e
principalmente dos direitos sociais 14

Vale destacar, estas posições conflitantes subsistem até hoje. No


entanto, devido aos resultados catastróficos do ponto de vista social e
ambiental produzidos pela ideologia ora em questão, que agravaram um tanto
a crise civilizacional ora existente, parece haver, no Brasil, uma tendência
majoritária ao reconhecimento da importância dos valores solidários e
equitativos, ainda que não na dimensão ideal e que, portanto, ainda pode
avançar. Aliás, é sempre oportuno verificar a existência de um horizonte ao
qual se possa caminhar.

4 PÓS-NEOLIBERALISMO? DESAFIOS AO RESGATE DO EXERCÍCIO DA


CIDADANIA AMBIENTAL
Como vinha sendo exposto, as dificuldades relativas à fundamentação
ética dos direitos fundamentais ainda perduram. No caso do direito ambiental,
isso se torna bastante visível, levando-se em consideração a sua delicada
relação com o crescimento e com a organização das atividades econômicas.
Entanto, é possível estabelecer um marco histórico que se pauta em
uma sensível mitigação à ordem neoliberal, que vem acontecendo desde o
início dos anos 2000, quando ascendeu ao Poder Executivo um representante

14
DIMOULIS, Dimitri e MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2007, p.37.
159

popular, com uma proposta de implementação de políticas sociais e


assistenciais, em um movimento de retorno claro ao intervencionismo estatal.
Desde então, houve alguns avanços na efetividade das políticas
ambientais, especialmente no que diz respeito ao controle do desmatamento e
ao combate da corrupção na administração ambiental 15.
Também houve, em 2002, uma Emenda à Constituição, acrescentando
ao art. 170, VI, dispositivo que prevê o meio ambiente como princípio norteador
da ordem econômica, a possibilidade de “tratamento diferenciado conforme o
impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração
e prestação”.
Seria equivocado não reconhecer estas inovações como sinalizadoras
do fracasso do modelo neoliberal e da necessidade de repensar o processo de
desenvolvimento da civilização. Mas, para onde ir? É necessário pensar na
construção de outra situação política, jurídica e social, denominada por alguns
de pós-neoliberalismo, onde “os desafios e as tarefas da justiça social, os
direitos sociais e econômicos de todos os seres humanos, os problemas
planetários do meio ambiente e a questão da arquitetura do ambiente social
estarão no centro do discurso político” 16
No entanto, não vemos ainda um movimento expressivo da sociedade
civil, como era possível de se observar há pouco mais de 20 anos. Neste
contexto, consideramos perfeitamente cabível a consideração de Peter
Häberle: “em se tratando de muitos direitos fundamentais, já se processa a
interpretação (talvez conscientemente?) no modo como os destinatários da
norma preenchem o âmbito de proteção daquele direito” 17.
E, no caso, reafirmamos a participação social como imprescindível à
proteção do direito fundamental ao meio ambiente, que pode e deve acontecer
das mais variadas formas, com sujeitos agregados através dos movimentos

15
Cf. o endereço eletrônico oficial do Ministério do Meio Ambiente: www.mma.gov.br/sitio. Acesso:
10.05.2009.
16
THERBORN, Göran. Pós-neoliberalismo. A história não terminou. In Pós-neoliberalismo: As políticas
sociais e o Estado democrático. 8 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2008, p. 182.
17
HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional. A sociedade aberta dos intérpretes da Constituição:
contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da Constituição. Tradução: Gilmar Ferreira
Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1997, p. 15.
160

sociais organizados, como associações civis, fundações, organizações não-


governamentais, ou até mesmo em nível individual.
Os meios também podem e devem ser diversificados, como a
fiscalização da atuação dos poderes públicos em seus deveres ambientais, a
monitoração do ambiente de trabalho, a participação em audiências públicas, a
realização de manifestações, de campanhas de cunho educativo, de denúncias
de irregularidades, de iniciativa popular de lei e de ações judiciais. Muitos
deles, inclusive, como é sabido, estão expressamente previstos na
Constituição.
É possível verificar, pois, que as possibilidades de intervenção da
sociedade são inúmeras. E delas depende grandemente a efetividade do direito
ao meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado.
E o que fazer diante do vácuo de ação existente? Embasados no
princípio da cooperação entre Estado e sociedade, acreditamos na
necessidade de uma intervenção estatal que possa influenciar o
comportamento dos cidadãos, no sentido de conferir-lhes autonomia de ação.
Nisto consiste um grande desafio das políticas ambientais e da atuação
do Ministério Público em nosso tempo: trabalhar pelo desenvolvimento da
cidadania ambiental através de uma política de educação extensiva em todos
os níveis formais de ensino; da veiculação de campanhas publicitárias de
sensibilização nos diversos meios de comunicação; do estímulo à adequação
ambiental das atividades da iniciativa privada, através das possibilidades
previstas no art. 170, VI, da CR/88; da repressão e responsabilização por
crimes e danos ambientais.
E, desta forma, priorizar o meio ambiente enquanto valor fundamental,
comparável à vida e à dignidade e possibilitar o resgate do sentimento de
pertença à natureza e a credibilidade em um futuro melhor para as gerações
presentes e futuras.

5 CONCLUSÕES
A sociedade civil teve responsabilidade fundamental para a emergência
do novo paradigma do Estado de Direito Democrático e Ambiental brasileiro,
161

através do participação política, que se fortaleceu no período consecutivo à


promulgação da Constituição, culminando na organização de eventos
ambientais de repercussão mundial e do estabelecimento de diretrizes de
políticas ambientais. Esta primeira fase da ecologização do direito
constitucional é de exercício significativo da cidadania ambiental.
Ainda na década de 1990, o avançar da ideologia neoliberal prejudicou
consideravelmente as conquistas sociais e ambientais, consolidando também a
idéia da impossibilidade de resistência ao seu desenvolvimento. Há uma
retração dos indivíduos e um esfriamento na atuação social, gerando-se um
sentimento de conformidade e de frustração. Houve uma repercussão direta
destes fenômenos na efetividade do direito ambiental. Juridicamente, estas
contradições se expressam nas divergências entre teorias liberais e sociais dos
direitos fundamentais. Assim, caracterizou-se uma segunda fase, onde
diferentemente da anterior, verificou-se a retração das ações cidadãs no âmbito
ecológico.
Nos meados do século XXI, percebe-se o início de uma terceira fase, de
resgate da cidadania ambiental. Dadas algumas constatações de desequilíbrios
nas relações sócio-ambientais, é perceptível uma mitigação do neoliberalismo,
através do retorno às políticas intervencionistas, inclusive com alteração do
texto constitucional para regulamentar a orientação ambiental das políticas
econômicas. No entanto, ainda não se chegou a um novo estágio político,
jurídico e social, denominado pós-neoliberalismo, do qual se espera uma
efetiva priorização da justiça social e do meio ambiente.
Os grandes desafios da atualidade estão em resgatar a atuação cidadã
e ambiental da sociedade civil, tendo em vista o reconhecimento deste
fenômeno como pressuposto necessário da efetivação do direito fundamental
ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Isto se daria através da
cooperação estatal e da atuação do Ministério Público, na elaboração de
políticas educacionais emancipatórias e econômico-tributárias, bem como na
repressão e na responsabilização por crimes e danos ambientais, que
permitam a sensibilização e a crença em um futuro melhor para as presentes e
futuras gerações.
162

REFERÊNCIAS

ANDERSON, Perry. Balanço do neoliberalismo. In. Pós-neoliberalismo: As


políticas sociais e o Estado democrático. 8 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
2008.

AZEVEDO, Plauto Faraco de. Ecocivilização: ambiente e direito no limiar da


vida. 2 ed. rev. at. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

BENJAMIN, Antônio Herman. Constitucionalização do ambiente e ecologização


da Constituição brasileira. In Direito constitucional ambiental brasileiro. J.J.
Gomes Canotilho e José Rubens Morato Leite (org). São Paulo: Saraiva, 2008.

BORÓN, Atilio. A sociedade civil depois do dilúvio neoliberal. In Pós-


neoliberalismo: As políticas sociais e o Estado democrático. 8 ed. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 2008.

BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Disponível em: www.mma.gov.br.


Acesso: 10.05.2009.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes e LEITE, José Rubens Morato (org).


Direito constitucional ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2008.

DIMOULIS, Dimitri e MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos


fundamentais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

DINIZ, Márcio Augusto Vasconcelos. Constituição e hermenêutica


constitucional. 2 ed. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002.

HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional. A sociedade aberta dos


intérpretes da Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e
“procedimental” da Constituição. Tradução: Gilmar Ferreira Mendes. Porto
Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1997.

SILVA-SÁNCHEZ, Solange S. Cidadania ambiental: novos direitos no Brasil.


São Paulo: Annablume/Humanitas, 2000.

THERBORN, Göran. Pós-neoliberalismo. A história não terminou. In Pós-


neoliberalismo: As políticas sociais e o Estado democrático. 8 ed. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 2008.
163

NANOTECNOLOGIAS E O PRINCÍPIO FUNDAMENTAL DA PRECAUÇÃO:


Um olhar ambiental sobre os riscos do emprego de materiais com escala
nanométrica

ANDRÉ STRINGHI FLORES 1


ANDRÉ RAFAEL WEYERMÜLLER 2
WILSON ENGELMANN 3

“Nas escala pequenas, as coisas não se comportam em absoluto como


aquelas cuja as quais temos uma experiência direta. Não se comportam como
ondas, não se comportam como partículas, como números de bolas de bilhar,
como um peso sobre a corda, e sim como nada que se já foi visto”. Richard
Feynman

1 INTRODUÇÃO
Num mundo cercado pelos avanços científicos, a humanidade encontra-
se em um novo estágio da história; o crescimento exacerbado da tecnologia

1
Graduando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Membro do
Grupo JUSNANO (UNISINOS), cadastrado junto ao CNPQ. Grupo que busca investigar os reflexos que
as pesquisas nanotecnológicas provocarão na sociedade, pois se trata de uma área com grandes
possibilidades, muitas das quais desconhecidas. Pretendendo-se, pois, aproximar a área tecnológica com a
área humana, a fim de propor uma regulamentação jurídica para as pesquisas e os resultados em escala
nano (regulamentação que terá sua base fixada nos Direitos Humanos - diretriz ética para as investigações
que estão sendo processadas. - endereço eletrônico: sf_andre@hotmail.com
2
Advogado com Graduação em Direito pela UNISINOS (Universidade do Vale do Rio dos Sinos) em
2000, Especialização em Direito Ambiental pela Feevale (2004) e Mestrado em Direito pela UNISINOS
(2007), no qual desenvolveu pesquisa tratando do aquecimento global, Protocolo de Kyoto e energia
eólica através de uma perspectiva sistêmica. Professor de Direito Civil e Ambiental na UNISINOS e
professor de Direito Ambiental na ESADE-POA. Integrante do grupo de pesquisa JUSNANO-
UNISINOS. Doutorando em Direito pela Unisinos desenvolvendo tese na área ambiental e energética. -
endereço eletrônico: Andrerw@brturbo.com.br
3
Graduado em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (1988), Mestre em Direito pela
Universidade do Vale do Rio dos Sinos (2000) e Doutor em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos
Sinos (2005). Atualmente é professor da Universidade do Vale do Rio dos Sinos nas seguintes atividades
acadêmicas: (a) Graduação em Direito: Introdução ao Estudo do Direito, Teoria Geral do Direito e
Filosofia do Direito; (b) Programa de Pós-Graduação em Direito: Direitos Humanos; (c) Diversos Cursos
de Especialização: Método Jurídico e Metodologia da Pesquisa Jurídica. Líder do Grupo de Pesquisa
JUSNANO (CNPq/Unisinos). Integrante da Comissão de Coordenação do Curso de Graduação em
Direito da Unisinos. - endereço eletrônico: wengelmann@unisinos.br
164

encaminha-se para uma nova revolução - denominada de nanotecnologia.


Nesse contexto, insere-se esse trabalho, que intencionar-se-á a analisar alguns
detalhes das pesquisas concernentes à manipulação de átomos e moléculas
em escala nanométrica, suas áreas de aplicação, e as interfaces com o Direito.
A multiplicidade de aplicações, bem como a qualidade e velocidade de
produção, são as grandes características deste novo produto da ação humana
- que possivelmente transformará as relações intersubjetivas. Por estes
motivos, torna-se imprescindível a construção de estudos relacionados aos
possíveis efeitos, ou até mesmo, aos prejuízos/danos ao meio ambiente e ao
ser humano, pois sobre as descobertas já alcançadas em escalas nano, cabe
perguntar: qual é o limite dessas pesquisas em frações cada vez menores?
Sabe-se com a mesma precisão, quais as conseqüências dessa investida nano
na natureza?
Nesse diapasão, entra em proeminência a possibilidade de utilização do
princípio da precaução como direito fundamental dentro da construção de
marcos regulatórios que orientem o emprego de nanotecnologias. Portanto,
tem-se o escopo de inquirir acerca do princípio fundamental da precaução,
funcionando com uma espécie de in dubium pro ambiente 4 no desenvolvimento
das tecnologias em escala “nano”.

2 UMA BREVE INTRODUÇÃO SOBRE NANOTECNOLOGIAS, “O FASCÍNIO


DA CRIATIVIDADE 5”: A (RE) INVENÇÃO DO FUTURO NA BUSCA DE
ESPAÇOS CADA VEZ MENORES
Em dezembro de 1959, Richard Feynman ao falar em uma palestra
denominada de “existe muito mais espaço lá embaixo” que: “os princípios da
física não falam contra a possibilidade de manipular as coisas átomo por

4
Conforme Alexandre Aragão: “ o princípio da precaução funciona como uma espécie de princípio ‘in
dubium pro ambiente’: na dúvida sobre a perigosidade de uma certa actividade para o ambiente, decide-se
a favor do ambiente e contra o potencial poluidor, isto é, o ônus da prova da inocuidade de uma acção em
relação ambiente é transferido do Estado ou do potencial poluído para o potencial poluidor. Ou seja, por
força do princípio da precaução, é o potencial poluidor em que tem o ônus da prova de que um acidente
ecológico não vai ocorrer e de que adoptou medidas de precaução específicas” (CANOTILHO, José
Joaquim Gomes Canotilho; MORATO LEITE, José Rubens. Direito Constitucional Ambiental brasileiro.
2. Ed: Saraiva, 2008. p.42).
5
Expressão cunhada por Winfred Weier, cfe. FARIA COSTA, José de. Linhas de Direito Penal e de
Filosofia: alguns cruzamentos reflexivos. Coimbra: Coimbra Editora, 2005, p. 27.
165

átomo. Não seria uma violação da lei; é algo que, teoricamente, pode ser feito,
mas que, na prática, nunca foi levado a cabo porque somos grandes de mais”
(FEYNMAN, 2006. p.1)”, previu o futuro. O futuro das nanotecnologias.
Feynman quando referiu a possibilidade de inserir o conteúdo de 24
volumes da Enciclopédia Britânica na cabeça de um alfinete, lançou o início
das nanotecnologias. Uma verdadeira ciência transdisciplinar, relacionada à
manipulação de átomos e moléculas em escala nanométrica objetivando formar
novos produtos, criar dispositivos que permitam trazer, aos produtos já
existentes, novas funções, ou até mesmo criar seres vivos novos 6, que possui
vasto campo de desenvolvimento na era global e traz perspectivas
extremamente grandes concernentes a avanços medicinais, eletrônicos e
biotécnicos.
A nanotecnologia engloba as tecnologias da informação (bits), a
manipulação de átomos, a neurociência e a biotecnologia, portanto, a
nanotecnologia encontra-se em processo de convergência. O gráfico abaixo
mostra o desenvolvimento econômico da tecnologia nos maiores pólos
mundiais – dados que demonstram a efetiva valorização desta nova tecnologia
no início do século XXI.

Conforme estimativa realizada pela revista National Science


Foundation 7, num lapso temporal compreendido entre 10 (dez) e 20 (vinte)
anos, significativa parte da produção industrial relativa à saúde e meio

6
Nanotecnologia: o futuro é agora (filme). Disponível em:
<http://nanotecnologia.incubadora.fapesp.br/portal/referencias/assista-o-documentario-em-video-
201cnanotecnologia-o-futuro-e-agora/. Acesso em: 4 de abril de 2009.
7
Dados da Fundação Nacional de Ciências (NSF) dos Estados Unidos. NANOTECNOLOGIA.
Disponível em: < http://www.nsf.gov/>. Acesso em: 4 de abril de 2009.
166

ambiente será alterada por esta nova tecnologia. Isso porque ao realizarem-se
manipulações atômicas e moléculas individuais, a nanotecnologia permitirá
maior controle sobre a tecnologia atual, admitindo, inclusive, controlar a
poluição, a destruição ambiental e a reciclagem de tudo que se possa imaginar.
Em um futuro não muito distante, a nanotecnologia poderá ser o
instrumento ideal para a criação de uma medicação que será o modelo perfeito
do próprio processo da doença. Segundo Lampton (1994, p. 72) “uma
nanomáquina de combater às doenças, com objetivos múltiplos, poderia
assumir a forma de uma miniatura de um submarino que navegaria pela
corrente sanguínea”. Nesse submarino estaria um poderoso computador.
Esses “computadores” poderiam ser destinados a cuidados com a saúde, como
por exemplo: desbloqueamento de artérias, dissolução de tumores
cancerígenos, etc.
Atuais pesquisas desenvolvem a construção de: nano-reatores que
reforçam o metabolismo, fazendo com que as células lutem contra o câncer;
nanopropulsores, que acionados por luzes, operam no interior de células vivas,
conseguindo localizar células cancerosas, carregando e liberando
medicamentos em pontos específicos do organismo (sendo possível, inclusive,
a utilização por controle remoto); Biochips que detectam células cancerosas
entre um bilhão de células sadias, identificam grupos sanguíneos por meio de
seqüenciamento genético, diminuindo o risco de reações adversas em
transfusões de sangue – atingindo uma precisão de 99,8% de acerto, e
capazes de fazer diagnósticos automáticos de doenças, e permitem estudo
detalhado de neurônios; máquinas de costura microscópica capazes de
costurar longas cadeias de DNA sem quebrá-las que poderão ser utilizadas em
sequenciamento genético, bem como na eletrônica molecular; mecanismos que
permitem a criação de açúcares de forma automatizada, construindo organelas
artificiais que finalizam o processo de síntese de proteínas, recobrindo-as com
açúcares em arranjos altamente especializados, que se assemelham ao
complexo golgiense; entre outros 8.

8
Disponível em: www.inovaçãotecnologica.com.br. Acesso em: 19 de maio de 2009.
167

No campo da nanoeletrônica tem-se a superação da microeletrônica de


ultra-alta compactação e miniaturização, destacando-se especialmente o
campo das tecnologias de informação e computação, diminuindo o tamanho
das escalas significativamente - permitindo a manipulação de quantidades de
informações extremamente grandes associados a rápida velocidade de
processamento. Além disso, destaca-se a produção de materiais esportivos,
como raquetes de tênis, tacos de golfe, cordas, bolas de futebol, bem como o
exacerbado crescimento de produtos cosméticos, sendo que estes já passam a
integrar o mercado mundial e brasileiro utilizando como tecnologia a
manipulação de átomos e moléculas em escala nanométrica.
De outra banda, ao passo que são apresentados a “pontencialidade”
desta nova tecnologia do século XXI, surge, também, a necessidade de
avaliação e “inclusão de esforços intensivos e transdisciplinares para preencher
as lacunas de informações existentes a despeito do comportamento de
nanomateriais (ENGELMANN; STRINGHI FLORES, 2009, P. 24). A
inexistência/incipiência de estudos em curto, médio e longo prazo sobre a
aplicação das nanotecnologias com o ar, com a água e com o solo, demonstra
a possibilidade de riscos ambientais e também riscos em relação aos seres
humanos. Dentro da incipiência dos estudos, testes com animais
9
contabilizaram os seguintes danos: a)cerebrais ; b) suscetibilidade à
coagulação do sangue 10; c) danos pulmonares 11; e d) conseqüências graves
nas formações de embriões 12 (GRUPO ETC, 2005, p.22).
Exposto isso, adicionado ao caráter mutável das propriedades nano (o
pequeno tamanho das nanopartículas facilita sua difusão e transporte na
atmosfera, em águas e em solos, ao passo que dificulta sua remoção por
técnicas usuais de filtração) e a nanopoluição (que pode ser gerada pelos

9
Exposição de peixes a uma quantidade muito baixa de (nano)fluoreto em 48 horas desencadeou na
penetração da substância no organismo do animal desenvolvendo danos ao cérebro desses animais.
10
Coelhos tiveram aumento na suscetibilidade à coagulação do sangue após a ingestão de fulerenos
(terceira forma mais estável do carbono, após o diamante e o grafite).
11
Estudos sobre a inalação de nanopartículas de dióxido de titânio com ratos, no período de um a três
semanas, constataram que os ratos apresentaram um quadro inflamatório moderado, porém significante,
especialmente nos pulmões
12
Submissão de peixes ao contato de nanotubos de carbono acarretou em consequências na formação dos
embriões, diminuindo a procriação dos animais, comprovando a toxicidade das pequeníssimas partículas
(grifo nosso).
168

materiais utilizados, ou até mesmo, pelo desprendimento durante a confecção


dos produtos; ocasionando a suspensão destas partículas – invisíveis a olho nu
– no ar, viajando por grandes distâncias, visto serem dotadas de propriedade
mutáveis) constata-se a necessidade de alerta ao desenvolvimento desta nova
tecnologia que esta sendo desenvolvida. Conforme pesquisas no Instituto de
Química da Universidade de São Paulo:

Não há dúvida de que a nanotecnologia oferece a perspectiva


de grandes avanços que permitam melhorar a qualidade de
vida e ajudar a preservar o meio ambiente. Entretanto, como
qualquer área da tecnologia que faz uso intensivo de novos
materiais e substâncias químicas, ela traz consigo alguns
riscos ao meio ambiente e à saúde humana[...].As mesmas
características que tornam as nanopartículas interessantes do
ponto de vista de aplicação tecnológica, podem ser
indesejáveis quando essas são liberadas ao meio ambiente. O
pequeno tamanho das nanopartículas pode facilitar também a
entrada e o acúmulo de nanopartículas em células vivas. De
modo geral, sabe-se muito pouco ou nada sobre a
biodisponibilidade, biodegradabilidade e toxicidade de novos
nanomateriais. A contaminação do meio ambiente por
nanomateriais com grande área superficial, boa resistência
mecânica e atividade catalítica pode resultar na concentração
de compostos tóxicos na superfície das nanopartículas, com
posterior transporte no meio ambiente ou acúmulo ao longo da
cadeia alimentar; na adsorção de biomoléculas, com
conseqüente interferência em processos biológicos in vivo;
numa maior resistência à degradação (portanto, maior
persistência no meio ambiente) e em catálise de reações
químicas indesejáveis no meio ambiente 13.

Sendo assim, segue algumas preocupações: como ficarão os Direitos


Humanos frente a esses avanços? Há necessidade de regulamentação jurídica
com emprego de nanotecnologias?

3 O PRINCÍPIO FUNDAMENTAL DA PRECAUÇÃO: UMA POSSIBILIDADE


OU NECESSIDADE FRENTE AO EMPREGO DE NANOTECNOLOGIAS?
Indagado no final do título anterior algumas das preocupações
concernentes ao emprego de nanotecnologias, passar-se-á a tecer algumas

13
Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0100-
40422004000600031&script=sci_arttext&tlng=pt. Acessado em: 4 de abril de 2009.
169

considerações acerca dos princípios com o supedâneo de utilizá-los a fim de


nortear o emprego de nanotecnologias.
Historicamente os princípios adquiriram relevância a partir do século XX
por alguns motivos. Em primeiro lugar, o retorno da razão prática no direito,
permeando a influência da moral e da justiça, trouxe à baila este fenômeno que
surge como uma reação ao relativismo axiológico e ao niilismo que
caracterizaram a dogmática jurídica tradicional do Direito; Em segundo lugar,
dentro de um contexto histórico trajado de violações aos Direitos Humanos,
congregado das mais diversas injustiças, foram radicados nos aportes
ideológico-constitucionais desenvolvido no pós-guerra, sendo utilizados a partir
daí como normas constitucionais, mudando o conceito de Direito (BARZOTTO,
2001, apresentação do livro, p.7). Segundo Paulo Bonavides (2007, p.264) esta
é uma terceira (nova) fase do Direito, o pós-positivismo, “que corresponde aos
grandes momentos constituintes das últimas décadas do século XX”. “As novas
Constituições promulgadas acentuam a hegemonia axiológica dos princípios,
convertidos em pedestal normativo sobre o qual assenta todo o edifício jurídico
dos novos sistemas constitucionais”.
Sendo assim, com a introdução do conceito de princípios o Direito passa
a ser visto como um sistema de regras e princípios, aspecto que acaba
gerando um novo modelo de raciocínio jurídico que transcende a concepção
tradicional positiva de um conjunto tão-somente de regras. A invasão dos
princípios passa a ter relevância ainda maior com a promulgação da Carta
Política de 1988 na ordem jurídica pátria. Consequentemente, a ordem
ambiental fora influenciada por esta nova estrutura normativa de consciência
ambientalista, passando a ser constitucionalizada.
Não se tem o objetivo aqui de adentrar, especificadamente na
Constitucionalização do Direito ambiental, deixamos de fato apenas algumas
sugestões de leitura 14, mas importantíssimo ressaltar que a partir da

14
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 12. ed. São Paulo: Malheiros,
2007.CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Introdução ao direito do ambiente. Lisboa: Universidade
Aberta, 1998. CANOTILHO; MORATO LEITE, José Rubens. Direito Constitucional Ambiental
brasileiro. 2. Ed: Saraiva, 2008. CARVALHO, Délton Winter de. Dano Ambiental Futuro: A
responsabilização civil pelo risco ambiental. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008.
170

declaração de Estocolmo 15 foi aberto o caminho para que os Estados


reconhecessem o meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito
fundamental entre os direitos sociais do homem, com sua característica de
direitos a serem realizados e direito a não serem perturbados, despertando a
consciência de que o direito à vida, como matriz de todos os demais direitos
fundamentais do homem, direito natural, a partir deste marco, só estaria
protegida com os avanços tecnológicos se protegido na ordem do meio
ambiente sadio e sustentável. Assim, a tutela da qualidade do meio ambiente
passou a ser considerada instrumental no sentido de que, através dela, o que
se protegeria um valor maior: a qualidade da vida (SILVA, José Afonso da,
1997, p. 36).
Com a evolução tecnológica, atualmente, invasão das (nano)tecnologias
na sociedade e os riscos inerentes a esta, surge a necessidade jurídica de
meios que assegurem os direitos humanos, mormente o direito a vida e a
dignidade da pessoa humana. A realidade complexa e contingente apresentada
indica que a atividade humana transformadora é produtora de riscos através de
suas decisões, criando-se, assim, um quadro de alta complexidade e perigo
para a própria existência da humanidade, pois estes riscos relacionam-se
diretamente com a vida, com o bem estar e com o compromisso para com as
gerações futuras.
Os riscos ecológicos globais têm especial importância quando o assunto
é nanotecnologias e meio ambiente, pois é indispensável a manifestação no
sentido da preservação atual e futura deste, necessitando-se de uma
preocupação iminente com as futuras gerações, pois estas precisam receber
como legado um meio capaz de suprir as necessidades de bem-estar e
segurança que uma existência digna exige. Ademais, a preocupação deverá
estar voltada com a (in)viabilidade do desenvolvimento humano, que deverá

15
Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, reunida em Estocolmo, Suécia, entre os dias
05 e 15 de junho de 1972. Naquela ocasião, ficou assentado: Na longa e tortuosa evolução da raça
humana neste planeta chegou-se a uma etapa na qual, em virtude de uma rápida aceleração da ciência e da
tecnologia, o homem adquiriu o poder de transformar, por inúmeras maneiras e numa escala sem
precedentes, tudo quanto o rodeia. Os dois aspectos do meio humano, o natural e o artificial são
essenciais para o bem-estar do homem e para que ele goze de todos os direitos humanos fundamentais,
inclusive o direito à vida.
171

ocorrer de forma sustentável e harmoniosa com os demais elementos


formadores da biosfera e do planeta como um todo.
Estas preocupações, sobretudo o direito de ter garantido um meio
ambiente preservado e equilibrado tanto à presente como para as futuras
gerações, são objeto de Convenções Internacionais bem como em
ordenamentos jurídicos nacionais, como um direito humano e fundamental 16 a
ser reconhecido e protegido das incertezas e das situações de risco e perigo
produzidos. “É nessa situação de incerteza – de riscos e perigos
potencializados e multifacetados – que se inserem as discussões sobre o
princípio da precaução.” (MOTTA, 2008, p.29)
Entre os princípios construídos hodiernamente através de iniciativas
supranacionais visando preservar o meio ambiente 17, tem-se que o Princípio da
Precaução é aquele de maior relevância, e que merecerá destaque no
desenvolvimento do tema proposto. O Princípio da Precaução corresponde a
essência do Direito Ambiental, sendo que,

precaução é cuidado (in dúbio pro securitate). O princípio da


precaução aos conceitos de afastamento de perigo e
segurança das gerações futuras, como também de
sustentabilidade ambiental das atividades humanas. Este
princípio é a tradução da busca da proteção da existência
humana, seja pela proteção de seu ambiente como pelo
asseguramento da integridade da vida humana. A partir dessa
premissa, deve-se também considerar não só o risco iminente
de uma determinada atividade como também os riscos futuros
decorrentes de empreendimentos humanos [...] (DERANI,
1997, p.169).

16
“Em que pese sejam ambos os termos (“direitos humanos” e “direitos fundamentais”) comumente
utilizados como sinônimos, a explicação corriqueira e, diga-se de passagem, procedente para a distinção é
de que o termo “direitos fundamentais” se aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e
positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão
“direitos humanos” guardaria relação com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas
posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com
determinada ordem constitucional, e que, portanto, aspiram à validade universal, para todos os povos e
tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional (internacional).” SARLET, Ingo
Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 2. ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2001. p. 33.
17
Canotilho destaca que “os mais importantes princípios de Direito do Ambiente, relativamente aos quais
há um amplo consenso entre a doutrina, são o princípio da prevenção, o princípio da correção na fonte, o
princípio da precaução, o princípio do poluidor-pagador, o princípio da integração, o princípio da
participação e o princípio da cooperação internacional”.CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Introdução
ao direito do ambiente. Lisboa: Universidade Aberta, 1998. p. 44.
172

Surgido 18 originalmente na Conferência da ONU Sobre Meio Ambiente


realizada em Estocolmo na Suécia em 1972, foi primeiramente incorporado por
um ordenamento jurídico nacional na Alemanha denominado de
Vorsorgeprinzip, o qual passou a nortear as políticas ambientais alemãs. Foi
aplicado posteriormente, na Conferência Internacional sobre a Proteção do Mar
do Norte (1984) e na Convenção de Viena (1985), surgindo como princípio
autônomo em 1987 na segunda edição da Conferência Internacional sobre a
Proteção do Mar do Norte. Ademais, com a realização da Conferência das
Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento no Rio de Janeiro
(Rio 92), o Princípio da Precaução passou a integrar o rol de princípios
produzidos naquela oportunidade juntamente com outros princípios
fundamentais para o desiderato de promover a proteção do meio ambiente.
Assim,
o PRINCÍPIO 15 19 da Declaração do Rio é do seguinte teor:
‘De modo a proteger o meio ambiente, o princípio da
precaução deve ser amplamente observado pelos Estados, de
acordo com suas capacidades. Quando houver ameaças de
sérios danos ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza
científica não deve ser utilizada como razão para postergar
medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a
degradação ambiental’ (SILVA, 1995, p. 54)

Analisando o princípio (n. 15 da Declaração do Rio), destaca-se a


necessidade de decisões favoráveis ao meio ambiente frente ao risco e a
incerteza científica, visando a proteção dos direitos geracionais a um meio
ambiente equilibrado e preservado, uma vez que,

não é preciso que se tenha prova científica absoluta de que


ocorrerá dano ambiental, bastando o risco de que o dano seja
irreversível ou grave, para que não se deixe para depois as
medidas efetivas de proteção ao meio ambiente. Existindo
dúvida sobre a possibilidade futura de dano ao homem e ao
meio ambiente, a solução deve ser favorável ao ambiente e

18
Anthony Giddens refere que o Princípio da Precaução, “na sua forma mais simples propõe que devem
ser tomadas medidas de proteção contra riscos ambientais (e, por inferência, contra outras formas de
risco), mesmo que não haja dados científicos seguros sobre eles. Foi assim que, durante a década de 1980,
vários países europeus iniciaram programas para conter as chuvas ácidas, enquanto na Grã-Bretanha a
falta de provas conclusivas foi usada para justificar a ausência de medidas de defesa contra este e também
outros problemas de poluição.” GIDDENS, Anthony. O mundo na era da globalização. Lisboa: Presença,
2000. p. 40.
19
http://www.mma.gov.br/sitio/index.php?ido=conteudo.monta&idEstrutura=18&idConteudo=576
173

não a favor do lucro imediato – por mais atraente que seja as


gerações (MACHADO, 1994, p. 37).

Encontra-se ainda referência específica ao Princípio da Precaução no


Tratado da Comunidade Européia. Portanto, constata-se que durante a
evolução do ambientalismo internacional, as convenções internacionais bem
como os Estados signatários foram incorporando e reproduzindo o Princípio da
Precaução 20 o qual vem a ser segundo Canotilho, “o mais recente princípio do
Direito do Ambiente e é aquele que leva a proteção do ambiente mais longe do
que qualquer outro”(1998, p.48).
Sendo assim, nesta nova contextualização radicada na produção
nanotecnologica de risco (brevemente explanada no capítulo anterior), as
demandas globais relacionadas ao meio ambiente necessitam de mecanismos
protetores abrangentes que visem o futuro das seguintes gerações. “Por essa
razão, o princípio basilar na sociedade de risco consiste na precaução.
Havendo a incerteza científica acerca das conseqüências de determinada
atividade ou tecnologia, a cautela deverá ser a diretriz de conduta.”
(CARVALHO, 2008, p. 120). Portanto, a precaução como medida de política
pública deverá ser o sustentáculo desta nova produção científica, devendo ser
aplicado quando existirem riscos potenciais sérios ou irreversíveis para a saúde
ou para o meio ambiente, bem como antes que tais riscos se transformem em
perigos comprovados.
Este princípio deverá nortear o emprego de nanotecnologias, pois o ser
humano tem direito subjetivo, como um direito fundamental, de que esses
contornos sejam considerados no desenvolvimento das tecnologias que
utilizam a escala nano. Mostra-se como um aspecto objetivo, um dever, que

20
Conforme Alexandra Aragão: “o princípio da precaução distingue-se, portanto, do da prevenção, por
exigir uma protecção antecipatória do ambiente ainda num momento anterior àquele em que o princípio
da prevenção impõe uma actuação preventiva. [...] Enquanto a prevenção requer que os perigos
comprovados sejam eliminados, o princípio da precaução determina que a acção para eliminar possíveis
impactes danosos no ambiente seja tomada antes de um nexo causal ter sido estabelecido com uma
evidência científica absoluta” (CANOTILHO; MORATO LEITE, José Rubens. Direito Constitucional
Ambiental brasileiro. 2. Ed: Saraiva, 2008, p.43).
Nesse mesmo diapasão, Marcos Catalan adverte sobre a necessidade de distinção entre a prevenção e a
precaução: “[...] ambos têm por escopo tutelar preventivamente as consequências do provável e do
desconhecido. [...]”. No entanto, a prevenção visa riscos conhecidos, enquanto a precaução, por sua vez,
há de permear as atitudes tomadas pelos cidadãos em um mundo recheado de dúvidas, trazendo os saberes
à prova, e, em mundo precavido, há de se indagar sempre se existe relativo grau de perigo nas
consequências da ação a ser iniciada (CATALAN, 2008, p. 65-6)
174

precisa ser considerado nos avanços das pesquisas, tendente ao controle ou a


minorização dos riscos. Assim, o caminho do desenvolvimento das pesquisas
deverá ser ladeado pela avaliação constante dos avanços e de sua segurança.
Isso imporá a necessidade, em alguns momentos, que o caminho seja
interrompido e revisado. Como uma medida de política pública, engloba a
carga do direito subjetivo, na medida em que as consequências serão
suportadas por cada pessoa. Aí o aspecto fundamental do princípio da
precaução. Por isso, a precaução volta-se aos riscos desconhecidos, inéditos e
não planejados previamente. No tocante à nanotecnologia, pode-se dizer que
inexiste certeza científica relativa aos riscos. Esse contexto exige um constante
monitoramento da atividade, em que a precaução exigirá a construção de
mecanismos de alerta e de controle no surgimento de variáveis não cogitadas
até o momento (ENGELMANN, 2009, p.12).

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A incerteza parece ser um sentimento bastante significativo no mundo
projetado pelas conquistas em escala nano. Nela se apresentam muitas
possibilidades de avanços para melhorar a vida das pessoas. Entretanto, é
necessária a precaução, por ser o desvelamento de uma força natural, com
enorme potencialidade e para trabalhar com ela, se tem dúvidas sobre a
capacidade do controle. Há um grande potencial de risco, por ser uma
investigação científica que desce a níveis nunca antes alcançados
(CARVALHO, 2008, p. 120).
Assim sendo, o princípio da precaução exige a tomada de decisões em
momentos fundamentais da pesquisa, ou seja, no seu início e na identificação
do estágio em que se deve parar para avaliação. Por isso,

a escolha de quando se deve encerrar um experimento não é


guiada por convenções arbitrárias não-racionais ou por
interesses oportunísticos em acumular capital simbólico. [...]
Que a decisão, a certeza de um procedimento experimental, a
confiança em uma peça de aparelhagem ou o
comprometimento com uma estratégia de modelização não
possam ser formalizados ou dispostos em um esquema de um
sistema dedutivo rígido, isto não diminui a sua importância na
conclusão de experimentos e na produção de conhecimento.
175

Chegar a uma decisão é um processo coletivo de consenso


para a ação, mas ele não é por isso reduzido a uma
negociação oportunística (LENOIR, 2004, p. 54).

Não se poderá avançar apenas para atender aos reclamos econômicos,


que são muito atraentes. Será indispensável avaliar periodicamente todas as
prováveis situações de perigo para o gênero humano, incluindo desastres
ambientais. Para tanto, a lógica silogística do método dedutivo será
insuficiente. A verificação deverá ser mais aberta, pois se trata de
experimentação nova e desconhecida na sua integralidade, tornando-se os
princípios os meios mais adequados para a transdiciplinariedade 21 das
nanotecnologias. É necessária a construção de uma fórmula que integre
obrigatoriamente uma premissa ética, alicerçada no direito fundamental ao
respeito à precaução, aqui entendida como o cálculo, a avaliação e a projeção
das consequências. O consenso provavelmente será muito difícil. No entanto,
se espera, pelo menos, responsabilidade na avaliação dos efeitos positivos e
negativos.
Pelos contornos já examinados, verifica-se que “os significados
epistemológicos e ontológicos das descobertas na área das nanotecnologias
envolvem mudanças importantes nas questões ligadas a procedimentos de
segurança, patenteamento e responsabilidades por eventuais impactos
negativos se algo der errado” (PREMEBIDA, 2008, p. 26).
Para além disso, dado o desconhecimento das efetivas potencialidades,
o desenvolvimento de um plano de emergência – para avaliar e agir, quando
necessário – se apresenta como condição de possibilidade para o
prosseguimento das pesquisas. Comprovados os riscos do emprego de
nanomateriais em contato com o meio ambiente, adicionado aos riscos a
21
[...] o desafio da globalidade é um desafio da complexidade. Existe complexidade, de fato, quando os
componentes que constituem um todo (como o econômico, o político, o sociológico, o psicológico, o
afetivo, o mitológico) são inseparáveis e existe um tecido interdependente, interativo e inter-retroativo
entre as partes e o todo, o todo e as partes. Ora, os desenvolvimentos próprios de nosso século e de nossa
era planetária nos confrontam, inevitavelmente e com mais e mais freqüência, com os desafios da
complexidadade” (p. 14) “[...] quanto mais os problemas se tornam multidimensionais, maior a
incapacidade de pensar sua transdiciplinariedade, quanto mais a crise progride, mais progride a
incapacidade de pensar a crise; quanto mais planetários se tornam os problemas, mais impensáveis eles se
tornam. Uma inteligência incapaz de perceber o contexto e o complexo planetário fica cega, inconsciente
e irresponsável” (p. 15). Sendo assim, conforme Morin “cada vez mais a gigantesca proliferação de
conhecimentos escapa ao controle humano” (p. 17). MORIN, Edgard. A cabeça bem-feita: repensar a
reforma, reformar o pensamento. 10. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006.
176

manutenção da vida digna, segura e saudável do ser humano, o único


caminho, nessa conjuntura, é o da precaução. Portanto, nesse arcabouço, o
princípio da precaução se apresenta como um direito fundamental, inalienável,
subjetivo e indispensável na sociedade (nano)tecnológica.

REFERÊNCIAS

BARZOTTO, Luis Fernando. Prefácio da obra: Crítica ao positivismo jurídico:


princípios, regras e o conceito de Direito de Wilson Engelmann. São Paulo:
Sergio Antonio Fabris editor, 2001.

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 12. ed. São Paulo:


Malheiros, 2007.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Introdução ao direito do ambiente. Lisboa:


Universidade Aberta, 1998.

_________; MORATO LEITE, José Rubens. Direito Constitucional Ambiental


brasileiro. 2. Ed: Saraiva, 2008.

CARVALHO, Délton Winter de. Dano Ambiental Futuro: A responsabilização


civil pelo risco ambiental. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008.

CATALAN, Marcos. Proteção constitucional do meio ambiente e seus


mecanismos de tutela. São Paulo: Ed. Método. 2008.

DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. São Paulo: Max Limonad,


1997.

ENGELMANN, W. ;STRINGHI FLORES, A. . Direitos Humanos e


Nanotecnologias: Diminuindo Tamanhos, Aumentando Desafios. In: II Jornada
de Produção Científica em Direitos Fundamentais e Estado, 2009, Criciúma.
Anais da II Jornada de Produção Científica em Direitos Fundamentais e
Estado: Políticas Públicas e Práticas Democráticas. Criciúma: UNESC, 2009. v.
1 CD. p. 16-31.

ENGELMANN, W. . O Princípio da Precaução como um Direito Fundamental:


Os Desafios Humanos das Pesquisas com o Emprego da Nanotecnologia. In: II
Jornada de Produção Científica em Direitos Fundamentais e Estado, 2009,
177

Criciúma. Anais da II Jornada de Produção Científica em Direitos


Fundamentais e Estado: Políticas Públicas e Práticas Democráticas. Criciúma :
UNESC, 2009. v. 1 CD. p. 1-15.

FARIA COSTA, José de. A Linha. IN: Linhas de Direito Penal e de Filosofia:
alguns cruzamentos reflexivos. Coimbra: Coimbra Editora, 2005.

FEYNMAN, Richard O Senhor está brincando, Sr Feymann!. Editora Campus.


2006.

GIDDENS, Anthony. O mundo na era da globalização. Lisboa: Presença, 2000.

GRUPO ETC. Nanotecnologia: os riscos da tecnologia do futuro: saiba sobre


produtos invisíveis que já estão no nosso dia-a-dia e o seu impacto na
alimentação e na agricultura. Tradução de José F. Pedrozo e Flávio Borghetti.
Porto Alegre: L&PM, 2005

LAMPTON, Christopher. Divertindo-se com nanotecnologia. Rio de Janeiro:


Berkeley, 1994.

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Estudos de Direito Ambiental. São Paulo:


Malheiros, 1994.

MORIN, Edgard. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o


pensamento. 10. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006.

MOTTA, Maurício (coordenador). Fundamentos Teóricos do Direito Ambiental.


Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.

PREMEBIDA, Adriano; MARTINS, Paulo, DULLEY, Richard Domingues;


BRAGA, Ruy. Revolução invisível: desenvolvimento recente da nanotecnologia
no Brasil. São Paulo: Xamã, 2007.

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 2. ed. rev. atual.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 33.

SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 2. ed. Ver. São Paulo:
Malheiros, 1997.

SILVA, Geraldo Eulálio do Nascimento e. Direito ambiental internacional. Rio


de Janeiro: Thex, 1995. p. 54.
178

RESERVA LEGAL NO CENÁRIO NACIONAL E ESTADUAL (SÃO PAULO):


A questão do georreferenciamento e os Decretos Estadual nº 53.939/09 e
federais nº 6.514/08 e 6.686/2008

ANTONIO ALEIXO DA COSTA 1

1. Introdução. 2. Conceito. 3. Área da Reserva Legal e cobertura arbórea. 3.1. Localização da


Reserva Legal. 3.2. Condomínio na Reserva Legal. 3.3. Plantio de espécies exóticas na
Reserva Legal. 3.4. Cômputo de APP na Reserva Legal. 4. Características da Reserva Legal.
4.1 Inalterabilidade de destinação. 4.2 Regime de manejo florestal sustentável. 4.3 Gratuidade
da constituição da Reserva Florestal Legal. 4.4 A averbação da Reserva Legal no Registro de
Imóveis. 4.5 Medição, demarcação e delimitação da Reserva Legal. 4.6 Isenção de Imposto
Territorial Rural sobre a área de Reserva Legal. 5. Influencia da Reserva Legal na Lei de
Registros Públicos. 6. Reserva Legal e o Decreto Paulista nº 53.939/09. 6.1
Georreferenciamento: Conceito e legislação. 6.2. A importância do Cartório de Registro de
Imóveis. 7. O Decreto 6.514/08. 8. Considerações finais. 9. Referencias Bibliográficas.

1 INTRODUÇÃO
Este estudo tem como pretensão analisar a questão da Reserva Legal,
no âmbito do Estado de São Paulo, levantando algumas questões trazidas pelo
Decreto nº 53.939/09 do Estado de São Paulo, como a questão do
georreferenciamento e a averbação da área de Reserva Legal na matricula do
imóvel, bem como os conflitos e tendências trazidos com a entrada em vigor do
Decreto nº 6.514/08, que regulamentou a Lei 9.605/98, conhecida como Lei
dos crimes ambientais.
Não obstante a enorme quantidade de material tratando do assunto e as
mais divergentes e respeitadas opiniões sobre o tema, por uma questão
metodológica, este ficou restrito as questões inovadoras e polêmicas

1
Mestrando em Direito Ambiental pela Universidade Católica de Santos – UNISANTOS - Área de Concentração:
Direito Ambiental. Advogado em São Paulo. Bolsa Capes. endereço eletrônico: aleixoecandidoadv@terra.com.br.
179

introduzidas com a publicação dos referidos Decretos, tendo como pano de


fundo os conflitos, que acabam por se transformar em tendências.
Duas questões se apresentam de forma imperiosa, quais sejam: quem
escolhe o local para implantação da Reserva Legal é o Proprietário ou
possuidor do imóvel rural? É possível a supressão de floresta na área de
Reserva Legal?

2 CONCEITO
Reserva Legal é a área localizada no interior de uma propriedade ou
posse rural, excetuada a de preservação permanente, necessária ao uso
sustentável dos recursos naturais, à conservação e reabilitação dos processos
ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao abrigo e proteção de fauna e
flora nativas 2.

3 ÁREA DA RESERVA LEGAL E COBERTURA ARBÓREA


O Código Florestal, (Lei nº 4.771/65) em seu art. 16 caput, incisos de I a
IV, prevê quatro modalidades de Reserva Legal, de acordo com o bioma
(localização da propriedade rural) descrevendo o patamar mínimo de floresta
ou vegetação nativa a ser protegida como Reserva Legal dentro da
propriedade rural, disposta da seguinte forma:

I – 80% (oitenta por cento), na propriedade rural situada em


área de floresta localizada na Amazônia Legal;

II – 35% (trinta e cinco por cento), na propriedade rural situada


em área de cerrado localizada na Amazônia Legal, sendo no
mínimo 20% (vinte por cento) na propriedade e 15% (quinze
por cento) na forma de compensação em outra área, desde
que esteja localizada na mesma microbacia, e seja averbada
nos termos do § 7º deste artigo;

III – 20% (vinte por cento), na propriedade rural situada em


área de floresta ou outras formas de vegetação nativa
localizada nas demais regiões do País; e

IV – 20% (vinte por cento), na propriedade rural em área de


campos gerais localizada em qualquer região do País.

2
Extraído do Código Florestal, Lei nº 4.771/65, artigo 1º, § 2º, inciso III
180

3.1 LOCALIZAÇÃO DA RESERVA LEGAL


Importante notar que o Código Florestal silencia sobre quem pode
escolher a área de localização da Reserva Legal, abrindo a possibilidade do
proprietário ou possuidor localizar a área a ser reservada. Todavia, esta deverá
ser submetida e aprovada pelo órgão ambiental competente, com base em
motivos de gestão ecologicamente racional, não podendo haver arbítrio por
parte da autoridade, mas, decisão motivada, considerando-se no processo de
aprovação, a função social da propriedade 3, e os seguintes critérios e
instrumentos, quando houver:
I – o plano de bacia hidrográfica;
II - o plano diretor municipal;
III – o zoneamento ecológico-econômico;
IV – outras categorias de zoneamento ambiental; e
V – a proximidade com outra Reserva Legal, Área de
Preservação Permanente, unidade de conservação ou outra
área legalmente protegida.

3.2 CONDOMÍNIO NA RESERVA LEGAL


Não obstante, a área de Reserva Legal ter o seu percentual vinculado a
cada imóvel, o artigo 16, § 11 do Código Florestal 4, abre a possibilidade de
instituição da Reserva Legal em condomínio, desde que sejam observadas três
condições: a) o percentual legal em relação a cada imóvel, b) seja submetido
ao órgão ambiental competente e, c) seja averbada na matricula dos imóveis
envolvidos.

3.3 PLANTIO DE ESPÉCIES EXÓTICAS NA RESERVA LEGAL


A área da Reserva Legal, destina-se a criação, recuperação ou
manutenção da "Cobertura Arbórea", sentindo o legislador brasileiro, a
necessidade de manter e/ou de reintroduzir árvores em todo o território
nacional, independentemente do valor botânico ou ecológico destas.
As espécies nativas tiveram a preferência do legislador, mas este não
aboliu as espécies exóticas do manejo florestal. O Código Florestal autorizou a

3
Lei nº 4.771/65, art.16, § 4º, incisos de I a V.
4
Lei nº 4.771/65.
181

pequena propriedade ou a posse rural familiar, a computar os plantios de


arvores frutíferas ornamentais ou industriais, compostos por espécies exóticas,
cultivadas em sistema intercalar ou em consórcio com espécies nativas,
quando do cumprimento da manutenção ou compensação da área de Reserva
Legal.
A exceção contida no § 3º do artigo 16 flexibilizou a plantação de
espécies nativas, permitindo ao pequeno proprietário ou possuidor rural,
manter ou compensar, mais facilmente, a sua área de Reserva Legal.

3.4 CÔMPUTO DE APP NA RESERVA LEGAL


É possível o cômputo de APP para constituição da RL, porém, depende
do percentual somado da APP e RL da propriedade rural, 5desde que não
implique em conversão de novas áreas para o uso alternativo do solo, e
quando a soma da vegetação nativa em área de preservação permanente e
reserva legal exceder a:

I - oitenta por cento da propriedade rural localizada na


Amazônia Legal;
II - cinqüenta por cento da propriedade rural localizada nas
demais regiões do País; e
III - vinte e cinco por cento da pequena propriedade definida
pelas alíneas "b" e "c" do inciso I do § 2º do art. 1º.

Ressalte-se que não se pode confundir Reserva Legal, com Área de


Proteção Permanente (APP), pois a primeira, incide apenas sobre as
propriedades particulares, enquanto a segunda, tem sua incidência tanto na
propriedade particular como na propriedade pública.

4 CARACTERÍSTICAS DA RESERVA LEGAL


O professor Paulo Affonso Leme Machado 6, apontam sete
características da Reserva Legal, quais sejam: Inalterabilidade relativa da
destinação; Regime de manejo florestal sustentável; Gratuidade da constituição
da Reserva Legal; Averbação da Reserva Legal Florestal no Registro de

5
Código Florestal, art.16, § 6º, incisos I, II e III.
6
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 15.ed. São Paulo: Malheiros, 2007. 759-
763p.
182

Imóveis; Medição e demarcação da Reserva Legal Florestal e Isenção de


imposto territorial rural.

4.1 INALTERABILIDADE DE DESTINAÇÃO


Fora legalmente vedada à alteração a que se destina a área de Reserva
Legal 7, nos casos de transmissão, a qualquer título, ou de desmembramento
da área, inclusive. Sabiamente o legislador determinou a imutabilidade da
Reserva Legal, pelo proprietário ou possuidor da propriedade, restando
evidente, que o proprietário pode mudar, mas não muda a destinação da área
da Reserva Legal.

4.2 REGIME DE MANEJO FLORESTAL SUSTENTÁVEL


Para o Professor Paulo Afonso Leme Machado, é o regulamento quem
vai especificar os princípios, critérios técnicos e científicos de utilização da
Reserva Legal 8.

4.3 GRATUIDADE DA CONSTITUIÇÃO DA RESERVA FLORESTAL LEGAL


A Reserva Legal nos moldes previstos na legislação brasileira, tem
caráter propter rem, ou seja, é inerente ao próprio imóvel, não cabendo
qualquer indenização ao proprietário por parte do Poder Público, em razão de
sua criação ou manutenção.
Esta é uma obrigação decorrente de lei, que objetiva a preservação do
meio ambiente, e o atendimento da função social da propriedade.

4.4 A AVERBAÇÃO DA RESERVA LEGAL NO REGISTRO DE IMÓVEIS


A área de Reserva Legal deve ser averbada à margem da inscrição de
matrícula do imóvel no Registro de Imóveis competente (art. 16, § 8º da Lei
4.771/65). A averbação da Reserva Legal da forma como proposta pelo Código
Florestal, tem por finalidade saber a localização exata da área de Reserva
Legal.

7
Art. 16 § 8º da Lei nº 4.771/65 (Código Florestal)
8
Obra citada, 760p.
183

Em que pese a obrigatoriedade da averbação da Reserva Legal na


matrícula do imóvel, esqueceu-se o legislador de determinar uma sanção a ser
aplicada em caso de não averbação, é o típico caso de norma incompleta, ou
seja, criou-se a obrigação mas, não se criou a sanção, e nesse sentido já dizia
o saudoso Washington de Barros Monteiro, lembrando lição de Ihering, que
escreveu: “regra jurídica sem coação é uma contradição em si, um fogo que
não queima, uma luz que não alumia” 9.

4.5 MEDIÇÃO, DEMARCAÇÃO E DELIMITAÇÃO DA RESERVA LEGAL


Nesse diapasão andou bem o legislador, quando não trouxe de maneira
expressa a exigência de uma medição, demarcação ou delimitação, deixando
apenas subentendido, haja vista, não haver necessidade de tal providencia,
pois, quando da averbação no Registro de Imóveis, será naturalmente
apontado o percentual da área total do imóvel rural.

4.6 ISENÇÃO DE IMPOSTO TERRITORIAL RURAL SOBRE A ÁREA DE


RESERVA LEGAL
A isenção do Imposto Territorial Rural (ITR), sobre o total da área de
Reserva Legal, foi uma forma encontrada pelo legislador para premiar o
proprietário ou possuidor de imóvel rural, que em consonância com a lei,
demarcou e averbou a Reserva Legal em seu imóvel 10.
Ademais, o Imposto Territorial Rural (ITR) é um imposto utilizado
para promover e incentivar a utilização racional dos recursos naturais
e a preservação do meio ambiente, bem como utilizado para
desestimular os latifúndios improdutivos, sendo considerado um
tributo com nítido caráter extra-fiscal.

5 INFLUENCIA DA RESERVA LEGAL NA LEI DE REGISTROS PÚBLICOS


A Lei de Registros Públicos sofreu algumas alterações em razão da
necessidade de averbação da Reserva Legal, dentre elas a que alterou o art.
9
Monteiro, Washington de Barros, Curso de Direito Civil. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999. 15p.
10
Lei 8.171/91, que dispôs sobre política agrícola, Art. 104. “São isentas de tributação e do pagamento do Imposto
Territorial Rural as áreas dos imóveis rurais consideradas de preservação permanente e de reserva legal, previstas na
Lei n° 4.771, de 1965, com a nova redação dada pela Lei n° 7.803, de 1989”.
184

176, acrescentando os parágrafos 3º e 4º, cujas redações foram dadas pela lei
10.267/2001 11.
O legislador necessitou de elementos técnicos para proceder a
averbação da Reserva Legal no Registro de Imóveis competente, aparecendo,
assim, a figura do georreferenciamento, que será tratado com mais detalhes,
no item 6.1 deste trabalho.

6 RESERVA LEGAL E O DECRETO PAULISTA Nº 53.939/09


O Decreto Estadual nº 53.939/09 revogou integralmente o Decreto nº
50.889/06, que regulamentava a Reserva Legal no Estado de São Paulo. O
novo Decreto Estadual surgiu da necessidade de adequação em razão das
alterações sofridas pelo Decreto Federal n° 6.514/08, que ampliou os prazos
para implantação da Reserva Legal e mitigou o valor das multas pecuniárias,
inclusive.
O Decreto Paulista n° 53.939/09, teve como objetivo tornar efetiva a
aplicação do Código Florestal, no tocante à manutenção, recomposição,
condução da regeneração natural, compensação e composição da área de
Reserva Legal de imóveis rurais no Estado de São Paulo.
Apesar de apresentar uma roupagem moderna, o novo Decreto
retrocedeu em seu conteúdo, atendendo a interesses de alguns em detrimento
de toda a coletividade, premiando, em última análise, os produtores rurais e
agroindustriais, ou proprietários de terras e possuidores em geral, que, agora,
poderão mais facilmente esquivar-se de algumas imposições legais, mitigando,
assim, este importante instituto da Reserva Legal.
Esse regulamento suprimiu alguns comandos importantes que estavam
presentes no Decreto revogado, dentre eles o georreferenciamento da
propriedade e o cadastro eletrônico de Reservas Legais, dentre outros.
11
Art. 176 - O Livro nº 2 - Registro Geral - será destinado, à matrícula dos imóveis e ao registro ou averbação dos
atos relacionados no art. 167 e não atribuídos ao Livro nº 3.
§ 3º Nos casos de desmembramento, parcelamento ou remembramento de imóveis rurais, a identificação prevista na
alínea a do item 3 do inciso II do § 1º será obtida a partir de memorial descritivo, assinado por profissional habilitado
e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica – ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos
limites dos imóveis rurais, georreferenciados ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional a ser
fixada pelo INCRA, garantida a isenção de custos financeiros aos proprietários de imóveis rurais cuja somatória da
área não exceda a quatro módulos fiscais. (g.n)
§ 4º A identificação de que trata o § 3º tornar-se-á obrigatória para efetivação de registro, em qualquer situação de
transferência de imóvel rural, nos prazos fixados por ato do Poder Executivo.
185

O aludido Decreto também trouxe inovações que timidamente se


apresentaram na forma de definições, 12 de plantio de espécies arbóreas e sua
quantidade.
O novo Decreto trouxe a possibilidade de averbação no Registro de
Imóveis da Reserva Legal em recomposição, porém, de forma parcelada, a
cada 1/10 (um décimo) ou a cada 1/8 (um oitavo), 13 o que se considera um
retrocesso, haja vista que o Decreto ora revogado 14 contemplava a
possibilidade de averbação do projeto da Reserva Legal em regeneração ou
recomposição em sua totalidade, deixando, dessa forma, afetada a parcela da
propriedade destinada à Reserva Legal, constando expressamente da
matrícula, fomentando seu cumprimento não somente pelo proprietário, mas,
também, pelos futuros adquirentes, que não poderiam alegar desconhecimento
da área total de Reserva Legal.
Outro retrocesso trazido pelo novo regulamento 15 foi a instituição do
cadastro estadual da Reserva Legal, sem a necessidade de se fazer por meio
eletrônico. O cadastro no Decreto anterior (50.889/06) deveria ser efetuado
obrigatoriamente por meio eletrônico, facilitando, assim, o fluxo de informações,
surgindo oportunidade única aos Registros de Imóveis no Estado, de
intercâmbio de informações ambientais e levantamento estatístico de imóveis
rurais com averbação das Reservas Legais.
Não se pode negar que o cadastro Estadual da Reserva Legal é um
instrumento necessário e imprescindível para o controle e levantamento
estatístico das reservas florestais no Estado de São Paulo, devendo o órgão
ambiental instituí-lo neste formato, haja vista sua implantação anterior, na
vigência do Decreto revogado.
Inovações também fizeram parte do Decreto nº 53.939/09 que trouxe em
seu artigo 2º, diversas definições, tais como: diversidade, espécies exóticas,
espécies zoocóricas, espécies competidoras, pequena propriedade, reserva
legal e sistemas agroflorestais.

12
Decreto Estadual n° 53.939/09, artigo 2°, incisos de I a VII.
13
Decreto Estadual n° 53.939/09, artigo 6°, § 2°.
14
Decreto Estadual n° 50.889/06.
15
Decreto Estadual n° 53.939/09, artigo 14.
186

Outra inovação trazida pelo referido Decreto refere-se à recuperação da


Reserva Legal, apresentando números para a densidade de árvores plantadas
que deverão estar entre 600 e 1.700 por hectare, sendo que até 50%
(cinqüenta por cento) podem ser de espécies exóticas. Entretanto, restou
vedada a utilização de espécies competidoras, como, v.g , as chamadas
gramíneas, que dificultam a regeneração da mata nativa. 16
Uma inovação louvável do novo Decreto consiste em estabelecer que as
Secretarias do Meio Ambiente e de Agricultura e Abastecimento serão
responsáveis pelo apoio técnico à pequena propriedade ou posse rural,
visando o cumprimento da obrigação de manter a Reserva Legal.
Importante alteração foi a que estabeleceu a obrigação alhures, tendo-se
em vista que os pequenos proprietários ou possuidores rurais terão mais
dificuldade técnica para implantação, recuperação e manutenção da mata
nativa do Estado São Paulo, que comporá a Reserva Legal, devendo o Estado,
por seus entes públicos, garantir assessoria técnica.
O novo Decreto na contramão da legislação ambiental brasileira
suprimiu, ainda, a exigência de georreferenciamento da Reserva Legal,
deixando a cargo do órgão ambiental a fixação de meios para averbação.

6.1 GEORREFERENCIAMENTO: CONCEITO E LEGISLAÇÃO


O georreferenciamento é um sistema de medidas agrárias por meio da
utilização de coordenadas geográficas georreferenciadas ao Sistema
Geodésico Brasileiro, ou seja, é a exata descrição do imóvel rural, em seus
limites, características e confrontações, através de memorial descritivo,
contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis
rurais, em conformidade com Sistema Geodésico Brasileiro.
O georreferenciamento 17 consiste na descrição do imóvel rural em suas
características, limites e confrontações, realizando o levantamento das

16
Decreto Estadual nº 53.939/09, artigo 7º , incisos de I a VIII, §§ 1º e 2º.
17
Cartilha Sobre Georreferenciamento. Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais – FAEMG,
disponibilizada no site http://www.faec.org.br/Arquivos/CARTILHA-GEOREFERENCIAMENTOdoc. Consultado
em 08/08/2008.
187

coordenadas dos vértices definidores dos imóveis rurais, georreferenciados ao


sistema geodésico brasileiro, com precisão posicional fixada pelo INCRA 18.
O trabalho de georreferenciamento envolve, além do levantamento de
dados, cálculos, análises documentais, projetos e desenhos, em consonância
com o disposto na legislação federal e com a norma técnica do INCRA 19.
O trabalho possui estreita relação com o processo gerencial da
propriedade, pois é através deste que o proprietário atualiza a situação cartorial
e cadastral da propriedade. Além disso, é com base nestes dados que o
proprietário irá unificar e gerenciar de forma mais eficiente às informações da
propriedade no que diz respeito INCRA, Receita Federal e Cartório.
A lei 10.267 de 28 de agosto de 2001, regulamentada pelo decreto 4.449
de 30 de outubro de 2002 que foi alterado pelo decreto 5.570 de 31 de outubro
de 2005, criou o Cadastro Nacional de Imóveis Rurais (CNIR). A referida lei
torna obrigatório o georreferenciamento do imóvel para inclusão da propriedade
no CNIR, condição esta, necessária para que se realize qualquer alteração da
propriedade no Registro de Imóveis.

6.2 A IMPORTÂNCIA DO CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS


O Registro de Imóveis passa a ser um instrumento coadjuvante
importante na proteção do meio ambiente. A partir da publicidade de
informações ambientais relevantes que afetam o imóvel (na inscrição) o
Registro de Imóveis passa a atuar como efetivo instrumento protetivo-social e
de controle ambiental, pois é um importante instrumento de publicidade.
A publicidade que impera no Registro de Imóveis, gera efeito erga
omnes e vincula definitivamente futuros adquirentes, e o Decreto Paulista
seguindo a tendência do Direito Ambiental brasileiro, utilizou o Registro de
Imóveis para reforçar a publicidade ambiental, como já havia ocorrido no

18
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, autarquia federal criada pelo decreto-lei n.º 1.110,
de 09 de julho de 1970, alterado pela lei n.º 7.231, de 23 de outubro de 1984.
19
Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, que dispões sobre os registros públicos.
Lei nº 10.267, de 28 de agosto de 2001, que estabelece a obrigatoriedade do georreferenciamento de imóveis rurais.
Decreto nº 4.449, de 30 de outubro de 2002, que regulamenta a Lei Nº 10.267.
Portaria INCRA/P/nº 954, de 13 de novembro de 2002, que estabelece o indicador da precisão posicional a ser
atingida em cada par de coordenadas.
188

Código Florestal que previu a utilização deste instrumento para dar publicidade
à reserva legal.
O desenvolvimento do Registro de Imóveis nos últimos anos, está
permitindo que as informações registrarias possuam cada vez mais
correspondência com a realidade econômica do imóvel, sendo que qualquer
direito ou fato que diminua ou aumente o valor da propriedade deve constar da
matrícula do imóvel.

7 OS DECRETOS 6.514/08 E 6.686/08


O Decreto 6.514/08, publicado no dia 22/07/2008, gerou muita polêmica,
principalmente quanto a obrigatoriedade de averbação da Reserva Legal,
esculpida no art. 55, que trouxe em seu bojo multa de elevado valor 20.
Dentre os parlamentares contrários ao aludido Decreto, estão os
Deputados Federais Valdir Colatto (PMDB/SC) 21 e Moacir Micheletto
(PMDB/PR) 22, integrantes da Frente Parlamentar da Agropecuária, que
teceram duras criticas ao Decreto Presidencial 6.514/2008, que pune com mais
rigor os crimes ambientais.
Os aludidos parlamentares chegaram a ameaçar a elaboração de um
Projeto de Decreto Legislativo (PDC) para sustar os efeitos do Decreto
6.514/08 e, garantir aos produtores rurais, o direito de não implantarem a
Reserva Legal, tampouco, as multas decorrentes de sua não implantação.
As criticas ao Decreto 6.514/08 foram as mais diversas, v.g. que a
redução das áreas para produção de alimentos irá provocar aumento nos
preços, os novos custos de produção serão incorporados aos preços dos
produtos agrícolas, a obrigação de reflorestar, no mínimo, 20% das

20
Art. 55 “Deixar de averbar a reserva legal:
Multa de R$ 500,00 (quinhentos reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais).
§ 1º No ato da lavratura do auto de infração, o agente autuante assinará prazo de sessenta a noventa dias para o
autuado promover o protocolo da solicitação administrativa visando à efetiva averbação da reserva legal junto ao
órgão ambiental competente, sob pena de multa diária de R$ 50,00 (cinqüenta reais) a R$ 500,00 (quinhentos reais)
por hectare ou fração da área da reserva.
21
Engenheiro agrônomo, foi superintendente do Instituto Nacional da Colonização e Reforma Agrária (INCRA) em
Santa Catarina, Diretor da Secretária de Agricultura de Santa Catarina. Superintendente Nacional das Cooperativas.
Quatro vezes deputado federal. Atualmente exerce a Presidência da Frente Parlamentar da Agropecuária no
Congresso Nacional.
22
Engenheiro Agrônomo, Administrador Rural e Extensionista Agrícola, foi Assessor para Assuntos Especiais do
Governo do Paraná, Presidente da Comissão Nacional de Grãos e Fibras, CNA, Brasília, DF. Cinco vezes deputado
federal. Atualmente é titular nas Comissões de agricultura, pecuária, abastecimento e desenvolvimento rural.
189

propriedades tem alto custo e será repassada para o preço final dos alimentos
e, ainda, a redução da área de produção terá impacto sobre a arrecadação de
tributos.
Quinze organizações de representação do agronegócio e do
cooperativismo brasileiro encaminharam ofício ao Ministro do Meio Ambiente,
Carlos Minc, solicitando revisão no Decreto 6514/08, que regulamenta a lei dos
crimes ambientais.
O artigo 55 que trata da averbação da Reserva Legal é um dos artigos
contestados pelo estudo da Ocepar 23. Dos 162 artigos do Decreto, 15 deles,
foram alvo das 60 sugestões e críticas apresentadas pelos ruralistas. Boa parte
delas, foram parcial ou integralmente assimilada 24. As mais importantes dizem
respeito ao valor das multas e ao prazo para averbação das reservas legais.
No dia 10 de dezembro de 2008, foi publicado o Decreto nº 6.686, que
alterou e acrescentou dispositivos ao Decreto no 6.514/2008, trazendo em seu
bojo uma reivindicação dos produtores rurais, consubstanciada no aumento do
prazo para averbação da reserva legal em suas propriedades.
Duas significativas mudanças, trazidas pelo Decreto 6.686/2008, foram,
respectivamente, a multa por deixar de averbar a reserva legal, que deixou de
ser multa simples de R$ 500,00 a R$ 100.000,00, para ser multa diária de R$
50,00 a R$ 500,00, exigível somente depois do dia 11 de dezembro de 2009; e
o beneficio da advertência anterior à multa concedendo ao proprietário do
imóvel o prazo de 120 dias para averbação da reserva legal, sob pena de
incidir em multa.

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Reserva Legal, é obrigatória vez que decorre de lei, que tem por
objetivo a preservação do Meio Ambiente, não sendo a floresta e as demais
formas de vegetação, bens de uso comum, mas trata-se de bens de interesse
comum a todos, conforme preceitua o artigo 1º do Código Floresta 25.

23
Ocepar: Organização das Cooperativas do Estado do Paraná.
24
http://www.mma.gov.br/ascom/ultimas/index.cfm?id=4392, acessado em 13/10/2008.
25
Código Floresta. Lei nº 4.771/65. Art. 1º - As florestas existentes no território nacional e as demais formas de
vegetação, reconhecidas de utilidade às terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do
190

Dessa forma, não incumbe ao proprietário ou possuidor do imóvel rural,


aceitar ou não a implantação da Reserva Legal, posto que esta é imposição
legal, decorrente do cumprimento da função social da propriedade, sendo
verdadeira obrigação propter rem, obrigação acessória, portanto, à
propriedade.
O Decreto Estadual Paulista nº 53.939/09, retrocedeu em alguns pontos
e manteve em outros a linha do revogado Decreto nº 50.889/06,
regulamentando a Reserva Legal no Estado de São Paulo, com vistas a tornar
efetiva a aplicação do Código Florestal, definindo instrumentos e criando novos
institutos, como, por exemplo, a possibilidade de averbação no Registro de
Imóveis da Reserva Legal em recomposição, de forma parcelada, a cada 1/10
(um décimo) ou a cada 1/8 (um oitavo).
O Decreto 6.514/08, que regulamentou a Lei de crimes ambientais
(9.605/98), trouxe consigo uma gama de críticas e reclamações, em razão do
seu caráter mais rigoroso, bem como das multas de elevado valor, por
descumprimentos de preceitos legais, gerando pressões políticas da bancada
ruralista no Congresso Nacional, gerando, por conseguinte, sua alteração pelo
Decreto 6.686/2008, que, por sua vez, trouxe maior flexibilidade de prazos e
redução do valor das multas aplicáveis aos infratores.
Em que pese a incerteza de sua aplicabilidade prática, ou até mesmo de
sua manutenção, o Decreto 6.514/08 seguiu a tendência atual e pertinente de
punir mais severamente os destruidores do meio ambiente, buscando a
manutenção dos recursos naturais existente e reafirmando a necessidade de
conservação, criação e manutenção da Reserva Legal no Brasil, como forma
de assegurar o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL, Lei nº 4.771/1965 – Institui o Código Florestal.

País exercendo-se os direitos de propriedade, com as limitações que a legislação em geral e especialmente esta Lei
estabelecem.
191

BRASIL, Decreto nº 6.514/2008 – Dispõe sobre as infrações e sanções


administrativas ao Meio Ambiente e da outras providencias.

BRASIL, Decreto nº 6.686/2008 - Altera e acresce dispositivos ao Decreto no


6.514, de 22 de julho de 2008

BRASIL. Estado de São Paulo – Decreto Estadual nº 50.889/2006. Dispõe


sobre a manutenção, recomposição, condução da regeneração natural e
compensação da área de Reserva Legal de imóveis rurais no Estado de São
Paulo.

BRASIL. Estado de São Paulo – Lei Estadual nº 12.927/2008 -, de 23 de abril


de 2008. Dispõe sobre a recomposição de Reserva Legal, no âmbito do Estado
de São Paulo.

CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA AGRICULTURA. Reserva legal: aspectos


técnicos e jurídicos. Brasília, 1998. Revisão bibliográfica.

DEAN, Warren. A ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica


brasileira. São Paulo: Companhia das letras, 2000.

MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 15ª.ed. São


Paulo: Malheiros, 2007.

SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 6ª ed. São Paulo:
Melheiros, 2007.

SITES VISITADOS

BUENO, Regis. Confiabilidade de dados de Georreferenciamento:GeoBrasil


Summit, 2007. Disponível em:

www.mundogeo.com/geobrasil/oleo-gas/19-07-confiabilidade%20geo.pdf
Acesso em 17/10/2008.

DEPRN - Departamento Estadual de Proteção de Recursos Naturais – Reserva


Legal. Disponível em:

http://www.cetesb.sp.gov.br/licenciamentoo/deprn/reserva_legal.asp
192

Acesso em 15/08/2008.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA.

Georreferenciamento. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home

Acesso em 16/10/2008.

SECRETARIA DO MEIO AMBIENTE – São Paulo Aprova Lei Sobre Reserva


Legal: 2008. Disponível em:

http://www.ambiente.sp.gov.br/verNoticia.php?id=36

Acesso em 13/10/2008.
193

CIDADES SUSTENTÁVEIS NO CONTEXTO DA SOCIEDADE DE RISCO?

KLAUS FREY 1
ANTONIO RODNEY VEIGA RODRIGUES 2

1 INTRODUÇÃO
Já é fato visualizar as grandes mudanças ambientais que ocorreram no
planeta desde o século passado. Com os avanços alcançados no âmbito da
pesquisa e das tecnologias, em praticamente todas as áreas, a sociedade foi
capaz de elevar a sua qualidade de vida e sua perspectiva de vida, porém, a
Pegada Ecológica do homem vêm se tornando cada vez maior, colocando
em questão a própria sobrevivência do homem no planeta (WWF, 2008).
Em função do processo de industrialização, do constante crescimento
econômico e do avanço tecnológico – entendido habitualmente como progresso
– a Terra, sobretudo no século passado, se transformou num objeto ou produto
da cobiça do homem, explorando com crescente voracidade os recursos
naturais em benefício próprio. A vida acabou se resumindo em o quê você
tem, não no quê você é, ou seja, o ter se sobrepõe cada vez mais ao ser. A
procura e oferta de bens e a busca incontrolável por lucros são elementos
constitutivos do capitalismo contemporâneo – um sistema econômico há
muito demonstrando sua insustentabilidade – mas que ainda permanece
dominante e norteador de nosso desenvolvimento, baseado na aposta, cada
vez menos realista, na capacidade de adaptação do homem a condições em
acelerada transformação.
Cabe ressaltar nessa discussão, a Conferência das Nações Unidas
sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992 no Rio de Janeiro (ECO-92),
cuja ênfase foi, de um lado, empreender uma reflexão sobre a

1
Professor do Mestrado e Doutorado em Gestão Urbana (PPGTU) e do Curso de Engenharia Ambiental da Pontifícia
Universidade Católica do Paraná – PUCPR – klaus.frey@pucpr.br
2
Graduando em Engenharia Ambiental pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR –
rodneyveiga@hotmail.com
194

insustentabilidade do atual modelo de desenvolvimento sócio-econômico,


questionando sobretudo a falta de consideração dos aspectos ecológicos de
nosso desenvolvimento, e de outro, apontar possíveis caminhos para um
mundo mais sustentável. Foi um evento que marcou a história do processo
político da busca de um desenvolvimento sustentável em nível global. A
Agenda 21 foi o principal produto deste processo visando planos de ações que
buscam a sustentabilidade das atividades humanas com o ambiente natural.
Nas últimas décadas, aumentaram reflexões constatando o aumento das
vulnerabilidades sociais, econômicas e ambientais em função dos crescentes
riscos aos quais as sociedades contemporâneas estão expostas ou, melhor
dizer, aos quais elas mesmas se expõem cada vez mais. Uma referência
marcante foi o livro do sociólogo alemão Ulrich Beck sobre a “sociedade de
risco”, em que ele frisa o fato de grande parte dos riscos enfrentados
pelas sociedades contemporâneas são criadas – ou fabricadas – pela
própria sociedade. Resumindo a argumentação de Beck, Guivant ressalta

que a sociedade industrial, caracterizada pela produção e


distribuição de bens, foi deslocada pela sociedade de risco,
na qual a distribuição dos riscos não corresponde às
diferenças sociais, econômicas e geográficas da típica
primeira modernidade. O desenvolvimento da ciência e da
técnica não poderiam mais dar conta da predição e controle
dos riscos que contribuiu decisivamente para criar e que
geram conseqüências de alta gravidade para a saúde humana
e para o meio ambiente, desconhecidas a longo prazo e que,
quando descobertas, tendem a ser irreversíveis. (GUIVANT,
2001: 01)

O centro urbano é o grande palco de atuação do homem, e é nas


cidades onde as grandes mudanças globais relacionados ao meio ambiente
ocorrem e ameaçam a qualidade de vida e a sobrevivência da maioria da
população do globo. Os riscos auto-fabricados pelo homem dos quais fala Beck
se manifestam também e, principalmente, nas grandes cidades. O caso das
mudanças climáticas é neste sentido somente o caso mais emblemático.
Sendo assim, a preocupação ambiental vem se fortalecendo e as
necessidades de mudanças para proteger o meio ambiente e para mudar os
padrões de consumo de produção estão se tornando cada vez mais prementes,
195

tanto em nível nacional, quanto internacional. O resultado dessa discussão são


as reflexões para elaborar caminhos e alternativas de atuação visando prevenir
e minimizar o processo de degradação, sendo os estudos e concepções acerca
do conceito de Cidade Sustentável uma das frentes de ação para se
conceber estratégias de sustentabilidade urbana.
Em virtude da complexidade do assunto e das mudanças dinâmicas – no
âmbito ambiental, econômico, político, social, tecnológico, entre outros – que
vêm ocorrendo no meio urbano, este tópico está sendo abordado por diversas
entidades nacionais e internacionais, das mais variadas funções e missões
institucionais, mas todas focadas no eixo principal dessa discussão
fundamental: a sustentabilidade urbana. A busca de formas sustentáveis de
desenvolvimento urbano parece ter chegado ao topo das agendas
internacionais e nacionais de desenvolvimento.

2 CIDADES SUSTENTÁVEIS DE ACORDO COM AS AGÊNCIAS


INTERNACIONAIS E NACIONAIS: DESCRIÇÃO DO ESTUDO
Este artigo está baseado numa pesquisa das concepções sobre os
conceitos e práticas de cidade sustentável, propagados e adotados por parte
das mais importantes agências e organizações nacionais e internacionais na
questão do desenvolvimento urbano sustentável: Nações Unidas (Agenda 21, e
Agenda Habitat, Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente –
PNUMA), Banco Mundial, International Council for Local Environmental
Initiatives (ICLEI), Ministério das Cidades e Ministério do Meio Ambiente
(MMA), Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM) e o Instituto
PÓLIS. Foram levadas em consideração as informações disponibilizadas por
estas instituições nos seus sites na Internet, além de documentos e artigos
sobre a atuação das mesmas.
Mesmo que todas estas instituições demonstram uma preocupação com
a sustentabilidade do desenvolvimento das cidades, elas apresentam idéias,
concepções e estratégias variadas acerca da sustentabilidade urbana.
Devido a semelhanças no que concerne os objetivos gerais da
sustentabilidade, mas também devido às particularidades quanto aos objetivos
196

e funções institucionais de cada uma das entidades, é possível notar


convergências e divergências nas noções sobre o que deve ser uma cidade
sustentável, como também no que concerne as propostas apresentadas de
como chegar à almejada sustentabilidade das cidades.
Especificamente, os seguintes parâmetros, que foram objeto de
nosso estudo,
nortearam a análise das percepções sobre cidade sustentável por parte
das agências
analisadas a partir do levantamento:
a) As contribuições institucionais para cidades sustentáveis: verificou-se
as contribuições de cada instituição para o tema de cidade sustentável
em termos de concepções teóricas e realizações empíricas e práticas;
b) As áreas de atuação das instituições: levantou-se as áreas de
atuação de cada instituição com ênfase nas atividades relacionadas ao
tema de estudo;
c) Os princípios norteadores das propostas: buscou-se averiguar os
principais princípios e diretrizes que orientam as ações da entidade
relacionadas ao tema de estudo;
d) As atribuições e atividades na área de Cidade Sustentável: tentou-se
identificar as ações que as entidades realizam em prol da
sustentabilidade na cidade;
e) Conceito de Cidade Sustentável: verificou-se a existência ou não de
uma eventual definição ou caracterização do termo cidade sustentável;
f) Principais problemas identificados: levantou-se os principais
problemas, os obstáculos, identificados pelas próprias instituições em
relação a como alcançar cidades sustentáveis;
g) Estratégias sugeridas: identificou-se as estratégias propostas de
como as cidades poderiam alcançar condições de maior
sustentabilidade;
h) Avaliação e indicadores de sustentabilidade urbana: verificou-se a
existência ou não de propostas específicas de métodos de avaliação de
197

sustentabilidade urbana, sobretudo indicadores de sustentabilidade,


propostas pelas entidades;
i) Relação com a Agenda 21: averiguou-se o grau de consideração dos
princípios norteadores da Agenda 21 nas propostas institucionais de
sustentabilidade urbana.
Não podemos, neste artigo apresentar todos os elementos levantados
no estudo. Antes, pretende-se, de forma comparativa e bastante resumida,
apresentar algumas percepções e concepções das diferentes entidades
analisadas, enfocando especificamente de que maneira estas visões de
desenvolvimento urbano sustentável contemplam – ou não – os novos
desafios inerentes ao surgimento da sociedade de risco e quais
possíveis ensinamentos que poderiam ser extraídos das discussões
encontradas.

3 RELEVÂNCIA DAS PERCEPÇÕES E CONCEPÇÕES DAS DIVERSAS


ENTIDADES PESQUISADAS NO CONTEXTO DA SOCIEDADE DE RISCO
No âmbito internacional merecem destaque as iniciativas das Nações
Unidas, sobretudo a Agenda 21, que visa “promover, em escala planetária, um
novo padrão de desenvolvimento, conciliando métodos de proteção ambiental,
justiça social e eficiência econômica” (ECOLNEWS, s.d.). Um dos principais
desafios da sustentabilidade, portanto, é o da integração entre o econômico, o
social e o ambiental, de um lado, como necessidade para se chegar a um
melhor entendimento das condições de nossa realidade, p.ex. referente ao
contexto atual da sociedade de risco, e de outro, como necessidade de se
realizar mudanças estruturais e mentais tendo em vista o desafio do
desenvolvimento sustentável. É imprescindível o reconhecimento do meio
ambiente como fator limitante de desenvolvimento, evitando assim as
extrapolações técnico-científicas, potenciais geradores de graves
conseqüências à saúde humana e ao meio ambiente; neste caso, não
apenas entendidas como “efeitos colaterais” do progresso, mas como
patologias estruturais de nosso modo de desenvolvimento, conforme alerta a
literatura sobre a sociedade de risco.
198

De maneira muito mais focada, a Agenda Habitat das Nações Unidas


enfatiza as condições de vida nas cidades e, sobretudo, o direito à moradia.
Compartilha com a Agenda 21 a preocupação com o desafio da integração
intersetorial e com a promoção de coalizões entre profissionais, sociedade civil,
comunidades locais, e governos, a fim de poder asseverar também o direito
ao desenvolvimento. Aqui as sobreposições entre a Agenda verde da Agenda
21 e a Agenda marrom da Agenda Habitat são evidentes em relação aos
procedimentos metodológicos a serem adotados. Ambas as agendas são
vistas como processos, ou seja, instrumentos de mobilização e de politização
visando novos padrões interativos de cooperação Estado-sociedade. Podemos
inferir deste princípio a necessidade de enfrentamento dos crescentes riscos
através de uma reorganização de nossas sociedades baseada em uma
cidadania ativa e participativa.
Já o programa sobre meio ambiente das Nações Unidas (PNUMA), como seu
próprio nome já sugere, preconiza primordialmente os aspectos ambientais na
promoção da sustentabilidade. Especificamente, percebe-se uma preocupação
com os impactos das dinâmicas das cidades com os problemas ambientais
globais. Busca, portanto, atuar prioritariamente na promoção de um equilíbrio
entre os interesses nacionais e a preservação dos bens globais, visando o
aumento na qualidade de vida sem comprometer as perspectivas de
desenvolvimento das futuras gerações.
Já o Banco Mundial como agência internacional de financiamento do
desenvolvimento, sugere realizar empréstimos financeiros em programas de
infra-estrutura que visam à sustentabilidade ambiental urbana. A idéia principal
é combater a pobreza e promover a melhoria na qualidade de vida das
pessoas. Porém, a atuação do Banco Mundial se concentra muito mais no
aspecto físico-estrutural. A expectativa é que através de um fortalecimento da
base infra-estrutural, garantido por transferências financeiras dos países
desenvolvidos, os países em desenvolvimento possam realizar as medidas de
adaptação aos riscos globais, de forma a se tornar mais resistente às ameaças
da sociedade de risco.
199

Tendo como objetivo principal de seu trabalho a melhoria das condições


ambientais nas cidades, o ICLEI, tendo como seus apoiadores e, ao mesmo
tempo, seus interlocutores ou “clientes” principais, uma rede de cidades ao
redor do mundo, buscando incentivar e articular o intercâmbio de experiências
entre estas cidades, desenvolve e propõe iniciativas, projetos e instrumentos
variados, abrangendo temáticas do âmbito político, social, e principalmente
ambiental. É a única entidade que apresenta um conceito próprio de Cidade
Sustentável, ressaltando os princípios da sustentabilidade local e da proteção
dos bens comuns globais, correlacionando, portanto, a necessidade de ações
locais com objetivos globais e acordos internacionais. Um exemplo é a
iniciativa ”cities for climate protection” que hoje reúne mais que 700 governos
locais e avançou ao projeto primordial da instituição. A experiência do ICLEI
traz dois aspectos de maior relevância para nosso tema. Primeiro, a
necessidade das cidades olhando para além das suas fronteiras, assumindo
responsabilidades para seu entorno e, inclusive, para a dimensão global da
sustentabilidade, cada vez mais determinante na sociedade de risco. Segundo,
a importância e o potencial da formação de redes para enfrentar tais desafios,
sejam essas redes intra-urbanas ou interurbanas. As redes permitem trocas de
experiências, estimulam a cooperação e a solidariedade e aumentam a
capacidade para ação coletiva, indispensável na busca de caminhos da
sustentabilidade.
Em âmbito nacional, destacam-se, de um lado, o Ministério das Cidades,
tratando mais a ”agenda marrom” da sustentabilidade, tendo seu foco central
na dimensão social e na questão da participação popular como elemento
crucial na busca de uma cidade mais justa e inclusiva, e de outro, o
Ministério do Meio Ambiente, com maior foco na Agenda verde com ações
prioritárias no âmbito da biodiversidade, dos recursos hídricos, das
mudanças climáticas, do extrativismo e do desenvolvimento rural sustentável.
A sua visibilidade política maior, o MMA alcançou definitivamente nestes temas
relacionadas à Agenda verde, embora existam iniciativas importantes
relacionadas à articulação institucional ou à cidadania ambiental e,
especificamente, à Agenda 21 local. De fato, nem o Ministério das Cidades,
200

nem o Ministério do Meio Ambiente tomaram efetivamente frente ou


conseguiram inserir, de forma efetiva, o tema da preparação de nossas cidades
para os desafios da sociedade de risco na agenda nacional do Brasil.
O IBAM, órgão de atuação nacional de consultoria ou aconselhamento
aos municípios, concentra-se, de acordo com sua função institucional, na
dimensão político-administrativa da sustentabilidade em âmbito local,
mostrando uma preocupação com os efeitos sociais das ações empreendidas
pelos governos locais. Ou seja, a principal contribuição deste instituto é no
campo do fomento ao desenvolvimento local, da promoção da autonomia
municipal perante os demais poderes federados e, finalmente, da valorização
da cidadania em busca de uma sociedade mais democrática. Uma idéia
presente na sua concepção é a descentralização do poder estatal com um
meio para aproximar o Estado ao cidadão e, com isso fomentar uma sociedade
mais justa. Considera-se os meios e limites do desenvolvimento social,
econômico e tecnológico sempre sobre a óptica da melhoria das condições de
vida para os habitantes das cidades. Esse posicionamento traz uma
contribuição importante para a discussão sobre a sociedade de risco, ao nos
lembrar da finalidade ultima da ação do Estado no âmbito das políticas
públicas: a melhoria da qualidade de vida para o cidadão, sugerindo, portanto,
os princípios da precaução e da “prudência ecológica” (SACHS, 1986) como
sendo cruciais na busca da sustentabilidade; e ao mesmo tempo a
necessidade de uma reinvenção do Estado local no sentido de estabelecer
novas formas de cooperação com os diferentes agentes no âmbito local,
práticas que em outra ocasião discutimos sob o conceito de governança
interativa (FREY, 2007)
O Instituto PÓLIS, como o IBAM uma instituição de aconselhamento aos
municípios, atua referente às divergências entre crescimento urbano,
civilização e qualidade de vida, no campo das políticas públicas e do
desenvolvimento local, focando também em ações para promover mudanças
de atitudes e valores em prol da preservação ambiental. Pelo site oficial do
Instituto PÓLIS 3: “a proteção dos direitos humanos; a ampliação de forma de

3
Fonte: http://www.polis.org.br/institucional_objetivos.asp
201

solidariedade; a valorização cultural da questão de gênero; a harmonia e


integração da pessoa humana com a natureza, na busca da sustentabilidade”
são princípios norteadores de suas atividades. Sendo um instituto que se
originou nas lutas dos movimentos sociais e urbanas, tendo desenvolvido uma
capacidade de reflexão e investigação significativa nas últimas décadas de
democratização, sua ênfase nos direitos humanos e na mobilização social e
participação política chama nossa atenção pelo papel decisivo que cabe à
sociedade civil, aos movimentos sociais e comunitários e, de forma geral,
à mobilização e confrontação política como elementos de transformação social.
Não tratando-se apenas de uma precondição para avançar na agenda social
em nosso país, mas também no que diz respeito à promoção do
desenvolvimento sustentável, a abordagem de participação democrática acaba
se revelando imprescindível para alcançar legitimidade democrática na
operacionalização de um desenvolvimento sustentável de nossas cidades
(FREY, 2001).

4 CONCLUSÃO
Conforme mostramos neste trabalho, existe uma crescente preocupação
por parte de instituições nacionais e internacionais em repensar os atuais
padrões de desenvolvimento das cidades diante dos desafios da
sustentabilidade e, especificamente, dos crescentes riscos que colocam em
questão não apenas a qualidade de vida nas cidades, mas inclusive a
sobrevivência das culturas urbanas contemporâneas. Observamos diferentes
abordagens e propostas encaminhadas pelas instituições examinadas que,
apesar de suas divergências e ênfases diferenciadas, muitas vezes
relacionadas às funções e particularidades de cada uma das instituições,
trazem no conjunto importantes contribuições para a perspectiva da cidade
sustentável.
202

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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<http://www.ecolnews.com.br/agenda21/index.htm>. s.d., acessado em 19 jan.
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sustentável e suas implicações para a gestão local. Ambiente & Sociedade, v.4,
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WWF. Pegada Ecológica. Disponível em:


<http://www.pegadaecologica.org.br/>. 2008 (Acessado em: 18 mai. 2009);
203

ESTADO DE DIREITO AMBIENTAL, PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO E


SOCIEDADE DE RISCO

ARNALDO BASTOS SANTOS NETO 1


LUANA RENOSTRO HEINEN 2
VILMA DE FÁTIMA MACHADO 3

1 INTRODUÇÃO
O paradigma da modernidade, enquanto projeto sócio-cultural constituiu-
se, para Santos (2003, p. 78-79), entre o século XVI e finais do século XVIII.
Caracterizado por sua riqueza, complexidade e eivado de muitas contradições
o projeto sócio-cultural da modernidade assentou-se em dois pilares
fundamentais: o pilar da regulação e o pilar da emancipação. Cada um desses
pilares funda-se em princípios próprios: a regulação funda-se no princípio do
Estado, do mercado e da comunidade; enquanto a emancipação constitui-se
por três lógicas de racionalidade – a racionalidade estético-expressiva da arte e
da literatura, a racionalidade moral-prática da ética e do direito, e, por fim, a
racionalidade cognitivo-instrumental da ciência e da técnica.
Sendo fundados em lógicas próprias, cada um dos pilares tem
aspirações de autonomia e diferenciação funcional, o que gerou uma tendência
de maximização, mas também conduziu ao déficit de sua proposta. Destarte, a
modernidade cumpriu algumas de suas promessas e as cumpriu em excesso,
por outro lado, “está irremediavelmente incapacitada de cumprir outras das
suas promessas” (SANTOS, 2003, p. 76). Santos (2003, p. 79) afirma que a
trajetória da modernidade está intrinsecamente ligada ao desenvolvimento do
capitalismo nos países centrais, analiticamente dividido em três períodos

1
Professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás, doutorando em Direito pela
UNISINOS – arnaldobsneto@yahoo.com.br
2
Graduanda em Direito pela Universidade Federal de Goiás, pesquisadora de Iniciação Científica
(PIBIC/CNPq) – luanarh@yahoo.com.br
3
Professora da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás, doutora pelo Centro de
Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília (UnB) – vilmafmachado@gmail.com
204

sucessivos no tempo: capitalismo liberal (compreende todo o século XIX),


capitalismo organizado (a partir do final do século XIX, atingindo seu ápice no
período entre guerras e alguns anos após a 2ª Guerra Mundial) e capitalismo
desorganizado (iniciado por volta do final da década de setenta,
compreendendo ao período atual).
Ao analisar da maneira acima descrita, o surgimento e o
desenvolvimento do projeto sócio-cultural da modernidade, o sociólogo
português Boaventura de Sousa Santos, conclui que os excessos e déficits no
cumprimento de suas promessas são responsáveis por conduzir a atual
situação de crise, do capitalismo desorganizado, nomeada, inadequadamente,
de pós-modernidade (2003, p. 76).
A crise do projeto sócio-cultural da modernidade sinaliza-se por
profundas transformações, que têm conduzido as sociedades a se
aproximarem daquilo que Ulrich Beck denomina de sociedades de risco (apud
MACHADO, V. 2005). Os riscos se caracterizam nas sociedades
contemporâneas por não ter limitado espacialmente o âmbito de seu impacto e
nem estarem restritos em termos sociais a determinados grupos ou
comunidades, sãopotencialmente de alcance global. Ressalta Beck que
existem riscos ecológicos na atualidade cujo potencial é catastrófico, como por
exemplo: acidentes nucleares em grande escala, liberação de produtos
químicos de alta toxidade também em grande escala, as alterações genéticas
tanto na flora como na fauna. Entre esses riscos, Beck inclui os riscos
ecológicos, químicos, nucleares e genéticos, que são produzidos
industrialmente, externalizados economicamente, individualizados
juridicamente, legitimados cientificamente e minimizados politicamente. Os
riscos econômicos, como as quedas nos mercados financeiros internacionais,
tem sido, mais recentemente, também incorporados (GUIVANT, 2001). Afirma,
ainda, que os pontos de impacto dos riscos atuais não estão ligados ao seu
ponto de origem e transmissão e seus movimentos são muitas vezes invisíveis
e de difícil percepção na vida cotidiana (apud MACHADO, V., 2005).
Nas sociedades de risco, contrariamente às sociedades industriais, as
posições de classe e as posições de risco deixam de estar mais ou menos
205

relacionadas. Assim, ganha espaço a política do conhecimento face a política


das classes, pois a predominante invisibilidade social que caracteriza o risco
nas sociedades contemporâneas confere poder ainda maior àqueles que
produzem, divulgam e interpretam conhecimentos.
Essa sociedade, pós-moderna para alguns (SANTOS, 2003, p. 76), de
risco (BECK apud LEITE, 2004a, p. 12) para outros, ou ainda, complexa
(LUHMANN, 2002, p. 626), caracteriza-se pelo risco generalizado e pela
incerteza, fatores que se apresentam como grande desafio para o Estado e
para o direito, àquele pelas demandas que lhe são apresentadas nesse
contexto e a este pela dificuldade em regular essas situações novas.
Diante dessa nova conjuntura surgem propostas para lidar com a
acentuação dos problemas ambientais e com a incerteza: no âmbito do Estado
apresenta-se a proposta de um Estado de Direito Ambiental, que paute tanto
sua estruturação quanto sua atuação em preocupações de ordem ecológica
(LEITE, 2004a, p. 29; CANOTILHO, 2004, p. 3-4); já quanto ao Direito
Ambiental, avança-se nas discussões quanto a princípios, processos de
tomada de decisão e democratização das informações (LEITE, 2004b, p. 118;
FERREIRA, 2004, p. 63).
Neste trabalho far-se-á uma análise da proposta feita por alguns autores
da constituição do Estado de Direito Ambiental e sua potencialidade em
apresentar maneiras adequadas de se tomar decisões numa sociedade de
risco, bem como da contribuição da adoção do princípio da precaução pelo
Direito Ambiental para a possibilidade de melhor gerir os riscos.

2 DESENVOLVIMENTO
Para Beck (apud MACHADO, 2005) a degradação ambiental é o mais
sistemático e abrangente de todos os riscos e perigos que as sociedades
modernas criaram. E conforme os riscos vão sendo produzidos no bojo dos
conflitos e disputas de interesses que permeiam e caracterizam a dinâmica das
formações sociais, amplia-se o grau de incerteza, medo e insegurança no seio
das sociedades contemporâneas.
206

Esse grau de incerteza é também acentuado pela impossibilidade da


ciência em apresentar respostas satisfatórias aos riscos:

É necessário ressaltar a incapacidade funcional da ciência, em


primeiro lugar, para o correto diagnóstico dos riscos e, depois,
para a informação e orientação das alternativas para as ações
e processos relacionados à tomada de decisões em matéria
ambiental (LEITE, 2004b, p. 110).

A ciência responsável nos termos do projeto sócio-cultural da


modernidade pela racionalização cognitivo-instrumental, no transcorrer da
modernidade, como apontado por SANTOS (2003, p. 80-91), teve um
espetacular desenvolvimento, convertendo-se gradualmente em força produtiva
e se aliando cada vez mais aos propósitos do mercado. Além disso, na fase a
que SANTOS (2003, p. 79) nomeia de capitalismo organizado, passa-se da
cultura da modernidade ao modernismo cultural. O modernismo é a nova lógica
da racionalidade, marcada pela ansiedade da contaminação marcada pela
“construção de um ethos científico ascético e autónomo perante os valores e a
política, pela glorificação de um conhecimento científico totalmente distinto do
conhecimento do senso comum e não contaminado por ele, e, ainda, pela
crescente especialização das disciplinas (...)” (SANTOS, 2003, p. 86).
Por fim, o compromisso industrial-militar da ciência, a possibilidade de
catástrofe ambiental e os perigos da proliferação nuclear, demonstram a
irracionalidade da racionalidade cognitivo-instrumental (SANTOS, 2003, p. 90)
e seu esgotamento na fase do capitalismo desorganizado, para Santos, ou
sociedade do risco para Beck.
A racionalidade cognitivo-instrumental se mostra insuficiente a oferecer
respostas satisfatórias aos problemas da sociedade do risco. Além disso, à
incapacidade da ciência em oferecer respostas aos problemas do risco agrega-
se outro fator gerador de mais insegurança: o próprio desenvolvimento
científico-tecnológico passa a criar mais riscos e perigos 4. Um exemplo dessa
situação é o caso de Chernobyl, apontado por Heline Sivini Ferreira:

4
Numa perspectiva sistêmica, a partir de Niklas Luhmann risco deve ser entendido sempre como
decorrente de uma tomada de decisão, como elemento interno ao sistema, “o risco de uma decisão
jurídica provocar conseqüências capazes de produzir expectativas normativas de variação em suas
premissas decisórias, que podem ser posteriormente aceitas ou negadas como progresso ou corrupção”
207

Cerca de 16 anos após o acidente que provocou a explosão


do reator nº 4 da usina ucraniana de Chernobyl, a
radioatividade espalhada mantém-se em níveis elevados em
várias partes da Europa. Pesquisas revelam que a queda na
taxa da contaminação pode levar até cem vezes mais que o
previsto na época do acidente. (...) estima-se que cerca de 15
milhões de pessoas tenham, de alguma forma, sido vitimadas
em razão do acidente. (...) Todas essas consequências
surgem como resultado de um experimento controlado que
não deu certo. (...) Daí mesmo que não se faça uma análise
pormenorizada do caso, é possível perceber que as previsões
científicas falharam. (FERREIRA, 2004, p. 60-61)

O monopólio do conhecimento e da verdade passa a não ser mais da


ciência e a insegurança passa a ser o mote das relações.
Associa-se a essa insegurança a chamada “irresponsabilidade
organizada”, que se trata de um mecanismo institucional, com vistas a garantir
a invisibilidade das origens e conseqüências sociais dos perigos em grande
escala. Leite e Ayala (2004b, p. 17) exemplificam esse fenômeno com a
proliferação desenfreada de leis em matéria ambiental que acabam por
tornarem-se ineficazes e sua edição, tão somente contribue para a
perpetuação de um sistema falido, estabelecendo uma falsa sensação de
normalidade. Nesse sentido,

Evidencia-se, pois, um Estado de insegurança e mal-estar


social, no qual, de um lado, encontram-se aqueles que
procuram mascarar a nova realidade através de mecanismos
que favorecem e perpetuam um sistema em crise e, de outro,
encontram-se aqueles que, temerosos diante das novas
experiências, buscam explicações e respostas para os estados
de perigo e incerteza aos quais, com intensidades diversas
são expostos. (FERREIRA, 2004, p. 58-59)

Instado a responder aos problemas de riscos e perigos que surgem, o


Estado apresenta soluções muitas vezes pouco eficientes. Assim, a teoria
jurídica desenvolveu a proposta do Estado de Direito Ambiental, por meio da
qual se busca uma nova legitimação para o fenômeno estatal, superando o
paradigma economicista e estabelecendo uma nova relação entre

(SIMIONI, 2009, p. 5). Contrariamente, o perigo consiste nos efeitos que uma decisão jurídica pode
provocar nos outros sistemas, como por exemplo na economia, política, ecologia, etc. Assim, o risco
relaciona-se a um efeito intra-sistêmico, enquanto que o perigo trata-se de um efeito extra-sistêmico.
208

Estado/Sociedade/Natureza (SANTOS NETO, 2008). Desse modo, a natureza


deve passar a integrar um novo paradigma de democracia e de Estado, mas
também é preciso que se estabeleçam novas relações entre a sociedade e a
natureza, relações essas que sejam pautadas pelo reconhecimento da vida em
todas as suas formas como sujeitos e não somente do homem como tal.
Leite e Ayala (2004a, p. 29) questionam-se sobre a possibilidade da
efetivação dessa proposta do Estado de Direito Ambiental, ao que respondem
apontando as dificuldades de sua realização devido a complexidade dos
problemas emergentes em decorrência da crise ambiental e outros problemas
de ordem planetária, associados a redução da capacidade regulatória do
Estado-nação. Mas, citando Boaventura de Sousa Santos, afirmam a
necessidade dessa “utopia democrática”, que deve pautar-se na repolitização
da realidade e exercício radical da cidadania coletiva e individual, bem como
numa transformação global da maneira em lidar com a natureza. Conclui-se,
então, que para que se efetive esse Estado de Direito Ambiental, precisa ser
Estado de direito, democrático, social e ambiental.
Considere-se, ainda, que Estado de Direito Ambiental deve ser
fundamentado numa ordem constitucional e seus princípios devem ser
harmonizados aos outros presentes nessa mesma ordem, não se podendo
calcar em reducionismos. Esse Estado não pode ser de um minimalismo
liberal, sob pena de não lidar de maneira mais adequada com os riscos da
sociedade contemporânea: a proteção do meio ambiente não pode ser fundada
tão somente numa perspectiva individualista que considere o meio ambiente
um bem individual, apesar de não ser eliminado esse viés, não se pode perder
a característica coletiva do direito ao meio ambiente. Também não se pode
pautar a construção do Estado de Direito Ambiental, sob a justificativa de
proteção do bem ambiental numa perspectiva intervencionista e planificatória,
fundada na economia, pois tal seria tão somente um pretexto para a efetivação
de uma economia dirigista (LEITE, 2004a, p.33).
Portanto, como já referido, a democracia, é que deve ser o modelo
político a orientar o Estado de Direito Ambiental. E enquanto proposta política
deve ser entendida na sua perspectiva de construção continuada:
209

Se a democracia é uma invenção, como nos coloca Claude


Lefort, a sociedade democrática é o lugar do inacabado, da
reformulação permanente. A democracia é um modelo de
organização sócio-estatal que permite a criação constante de
novos direitos, e também de novos sujeitos. Para Serres, a
grande virada consiste em reconhecer a natureza como
sujeito. (...) Deste modo, podemos imaginar que a questão
democrática precisa ser percebida de modo aberto, onde as
possibilidades propositivas não se esgotam em modelos
teóricos estanques, que compartimentam a realidade e não
dão conta das múltiplas dimensões dos problemas que a
sociedade pós-industrial está nos colocando. (SANTOS NETO,
2008)

Na construção do Estado Democrático em sua vertente ambiental a


participação dos cidadãos deve ser possibilitada nos mais diversos segmentos
de tomada de decisão, bem como de elaboração legislativa. A democracia
ambiental pressupõe uma participação ativa e responsável dos cidadãos
organizados e também de maneira isolada. Esses espaços de participação com
vistas a gerar uma gestão participativa do ambiente devem, ainda, pautar-se no
combate a irresponsabilidade organizada. Não há como se falar em gestão
participativa e responsável do meio ambiente e, principalmente dos riscos na
sociedade contingente, se as informações são sonegadas ou os riscos
diminuídos face a interesses econômicos ou de outra monta.
Com isso, percebe-se que a democracia ambiental está estritamente
ligada ao já consagrado em doutrina de Direito Ambiental, princípio da
informação (MACHADO, P., 2009, p. 94). Esse princípio apregoa que

(...) cada indivíduo deve ter acesso adequado a informações


relativas ao meio ambiente de que disponham as autoridades
públicas, inclusive informações sobre materiais e atividades
perigosas em sua comunidade. (Declaração do Rio de
Janeiro/1992)

O princípio da informação está, portanto, relacionado não só à formação


da opinião pública, mas a disponibilização de informações com vistas à
formação da consciência ambiental individual, transmitida de forma e em tempo
suficiente para que os informados possam manifestar-se perante o Poder
Público, exercendo a gestão compartilhada do meio ambiente (MACHADO, P.,
2009, p. 98).
210

No contexto de risco generalizado e global em que a ciência além de


não possibilitar respostas satisfatórias para a gestão do meio ambiente,
contribui para o aumento desses riscos, o princípio da precaução também se
apresenta essencial e até mesmo indispensável na possibilidade de efetivação
do Estado de Direito Ambiental e gestão dos riscos.
Para Délton Winter de Carvalho (2006, p. 15), o princípio da precaução
está relacionado à gestão dos riscos abstratos, enquanto o princípio da
prevenção relaciona-se a gestão dos riscos concretos. Esclarece que:

Os riscos concretos ou industriais são “riscos calculáveis”


(Beck, 2002, p. 139) pelo conhecimento vigente, sendo
caracterizados por uma possibilidade de “análise de risco
determinística” (Luhmann, 1992, p. 63) passível de uma
avaliação científica segura das causas e conseqüências de
uma determinada atividade. São riscos para os quais o
conhecimento científico acumulado é capaz de determinar sua
existência e dimensões. (CARVALHO, 2006, p. 14)

Assim, por meio da aplicação do princípio da prevenção busca-se


prevenir os riscos de atividades que são reconhecidamente perigosas.
Diferentemente, Carvalho (2006, p. 14) relaciona os riscos abstratos a
sociedade pós-industrial, assinalando como suas marcas: a invisibilidade, a
globalidade e a transtemporalidade. A invisibilidade corresponde a
impossibilidade de esses riscos serem percebidos pelos sentidos humanos e
também a ausência de conhecimento científico seguro sobre eles. A
globalidade equivale à ausência de limitação territorial desses riscos que
podem atingir um número indeterminado de sujeitos. Por fim, a
transtemporalidade relaciona-se com o controle e descrição do futuro que
detêm esses riscos abstratos, que devido uma evolução científica e tecnológica
passaram a possibilitar a biocumulatividade e a pontencialização desses riscos
(CARVALHO, 2006, p. 14-15). Pontua CARVALHO (2006, p. 14):

Os riscos distribuídos por formas produtivas pós-industriais


consistem em riscos para os quais o conhecimento científico
vigente não é suficiente para determinar a sua previsibilidade.
A abstração e a complexidade inerentes à atribuição causal
nos riscos produzidos e distribuídos por atividades tais como a
biotecnologia, indústria química, radiações eletromagnéticas
geradas por estações de radiobase de telefonia celular,
211

geração de energia nuclear, entre outras novas tecnologias,


fazem surgir a necessidade de formação de critérios
específicos para processos de tomada de decisão em
contextos de incerteza científica.

A incerteza científica relacionada aos riscos abstratos é que justifica a


adoção do princípio da precaução que pode ser traduzido nos seguintes
termos, do Princípio 15 da Declaração do Rio-92:

Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a


ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada
como razão para postergar medidas eficazes e
economicamente viáveis para prevenir a degradação
ambiental.

Ora, como se falar em “certeza científica” num contexto de tantas


incertezas e pouquíssimas respostas oferecidas pela ciência? Não se pode
olvidar que à ciência não se pode mais atribuir o monopólio da verdade e do
conhecimento na sociedade contemporânea e, ainda mais, que a ciência
atrelada ao mercado em expansão passou a produtora de riscos (FERREIRA,
2004, p. 64).
Na sociedade do risco, marcada pela contingência, pela crise ecológica
e por diversos desastres ambientais a adoção do princípio da precaução não
se trata somente de um princípio indispensável na construção do Estado de
Direito Ambiental, mas essencial para a própria garantia de um equilíbrio
ambiental face às investidas do homem contra a natureza e, em última
instância, à própria sobrevivência humana.

3 CONCLUSÕES ARTICULADAS
A partir da percepção de uma crise do projeto sócio-cultural da
modernidade que culmina no período atual de crise marcado pelos riscos
generalizados, conclui-se que:
a) Na sociedade de risco, marcada pela ausência de certeza científica, a
ciência não pode ser vista como detentora do monopólio da verdade e do
conhecimento, devendo-se pautar a gestão do meio ambiente e dos riscos por
critérios participativos, informativos, democráticos, plurais, preventivos e
cautelosos e não meramente por perícias e pareceres técnico-científicos.
212

b) A proposta de um Estado de Direito Ambiental vai além da inserção


do “meio ambiente” no discurso jurídico e além de sua acepção como direito
individual. O Estado de Direito Ambiental, como uma “utopia democrática”,
deve pautar-se no exercício radical da cidadania coletiva e individual, numa
transformação global da maneira em lidar com a natureza, deve ser: Estado
Democrático e Social Ambientalmente Sustentável (The Green Welfare State).
c) O desenvolvimento científico-tecnológico atrelado a interesses
econômico-comerciais, além de maximizar os riscos abstratos na sociedade
pós-industrial, contribuir também para o surgimento destes, que devem ser
prevenidos pela adoção de medidas de precaução, que não podem ser adiadas
ou evitadas sob o argumento de ausência de certeza científica quanto aos
possíveis danos (princípio da precaução).

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Ambiental. Revista Estudos Jurídicos, UNISINOS, p. 13-17, jan./jun. 2006.
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214

REPERCUSSÕES AMBIENTAIS DO CONTROLE JUDICIAL DAS POLÍTICAS


PÚBLICAS:
A intromissão do Judiciário no Executivo e a garantia do direito fundamental ao
meio ambiente ecologicamente equilibrado

AZOR EL ACHKAR 1

1 INTRODUÇÃO
A clássica separação dos poderes, isolados no tripé executivo,
legislativo e judiciário, formulado inicialmente na antiguidade clássica por
Aristóteles e aperfeiçoado na idade contemporânea por Montesquieu, cai, na
modernidade ou pós-modernidade, conforme prefiram os mais atualizados,
num relativismo desmedido.
A alteração do contexto das diferentes épocas dos autores revela
estrangulamentos que a sociedade do presente legará para a sociedade futura.
Não parece duvidoso que um dos tripés restou sobrecarregado: o Poder
Executivo. A era dos preceitos constitucionais determinou a este poder
responsabilidades além de sua capacidade de atendimento e cumprimento.
Devido ao aumento das demandas a serem atendidas pelo Poder
Executivo acrescido de inadequado planejamento de eleição de prioridades,
que espaços vazios vão sendo deixados, impelindo os administrados a
buscarem o socorro do poder judicial para concretização dos direitos e deveres
constitucionalmente assegurados. Movidos pela descrença da ação daqueles
encarregados de executar as leis, os administrados impelem o judiciário para
ver cumpridas as responsabilidades do Poder Executivo.
Tais direitos e deveres materializam-se em políticas públicas. Diante da
sua ausência, originada como conseqüência da omissão do poder responsável
pela sua formulação e implementação, o Poder Judiciário sub-roga-se da
responsabilidade do executivo, e ao contrário de dizer e determinar a lei, passa

1
Auditor Fiscal de Controle Externo do TCE/SC, Advogado de Direito Ambiental e de Direito do
Terceiro Setor, mestre em Direito Ambiental CCJ/CPGD/UFSC.
215

a exigir a elaboração da própria política pública, compelindo o poder omisso


para que adimpli as determinações constitucionais.
Diante deste quadro, argumentos prós e contras são formulados
doutrinariamente, decisões são proferidas e as responsabilidades tradicionais
do poder judicial são ampliadas, formando novo quadro de alçada do judiciário.
A tese vem ao encontro desta nova e necessária perspectiva, direcionando as
analises e argumentos para a questão ambiental.
Busca-se, num primeiro momento, ressaltar as duas principais correntes
estrangeiras a respeito do tema. Em seguida, alinham-se os autores nacionais
os seus diversos posicionamentos, sem qualquer pretensão de estabelecer
verdade única. Enfrentam-se os argumentos contrários a atuação do judiciário
sobre a competência do executivo e verte-se a tese em soluções proferidas
pelos tribunais superiores para ao final apresentar-se dois casos recentes de
julgados que são paradigmáticos e representam repercussões ambientais do
controle judicial das políticas públicas.

2 AS VISÕES DA DOUTRINA BRASILEIRA


No âmbito da doutrina nacional, encontram-se cinco correntes de
posicionamento sobre o controle judicial das políticas públicas, a saber:
a) Numa primeira opinião, autores afirmam que o Poder Judiciário possui
competência para intervir em políticas públicas sempre que estiver em cheque
a efetividade de direitos fundamentais, com maior legitimidade e urgência
quando se tratar da aplicabilidade imediata de tais direitos, conforme
expressamente prevê o art. 5°, § 1°, da Constituição Federal (CF/88) 2;
b) Outra corrente é a dos que não admitem a referida intervenção. A sua
justificativa vem embasada nas regras de divisão dos poderes e de
competência, uma vez que as políticas públicas seriam assunto pertinente ao
Poder Legislativo e Executivo, cujos agentes estariam legitimados pelo voto
popular a realizar o juízo sobre a necessidade e possibilidade de sua

2
MATTOS, Nahiane Ramalho de; BASSOLI, Marlene Kempfer. Controle judicial na execução de
políticas públicas. Disponível em:
<http://www.uel.br/revistas/direitopub/pdfs/vol_03/ANO1_VOL_3_04.pdf>. Acesso em: 19 mar. 2007.
216

implementação em respeito ao princípio da independência dos poderes. Seus


adeptos têm como preceito legal fundante o que expressa o art. 2° da CF/88 3;
c) A terceira via manifesta-se naqueles que crêem ser possível a
intervenção judicial para garantir a integridade e intangibilidade do núcleo
consubstanciador de um conjunto irredutível de condições mínimas. Tais
condições são necessárias a uma existência digna e essenciais a própria
sobrevivência do individuo, em observância ao núcleo essencial dos direitos
fundamentais e as prestações relativas ao princípio da vedação ou proibição do
retrocesso social. Entretanto, tal intervenção judicial no executivo estaria
condicionada a reserva do possível, ou seja, a capacidade econômico-
financeira do Estado 4;
d) Na quarta opção, cujo principal representante é BARROS, advoga-se
a possibilidade do controle da eficiência dos meios empregados, em atenção
aos fins estabelecidos. Esta intervenção deve ser excepcional, cabendo
somente se houver desvio ou abusividade governamental, segundo exame de
compatibilidade entre a atividade estatal e os ditames da norma legal 5; e
e) Por fim, numa posição já defendida por Fábio Konder Comparato, o
controle judicial somente poderia incidir sobre atos e não sobre programas ou
políticas públicas, de modo a proceder a um controle pontual não abrangente.
As políticas públicas ficam fora deste controle, pois expressam a idéia de
metas firmadas para atendimento da coletividade, de modo a escapar da
natureza de normas ou atos, onde os programas e políticas representam o
conjunto destes. Neste sentido, deve existir um limite para o controle dos atos
públicos pelo judiciário, havendo uma porção do ato administrativo incindível
pelo magistrado, não havendo, pois, legitimidade da interferência judicial 6.

3
ARENHART, Sergio Cruz. As ações coletivas e o controle das políticas públicas pelo Poder Judiciário.
Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7177&p=2>. Acesso em: 19 set. 2007.
4
GASTALDI, Suzana. A implantação de políticas públicas como objeto juridicamente possível da ação
civil pública. Disponível em: <http://www.juristas.com.br/mod_revistas.asp?ic=124>. Acesso em: 19 set.
2007.
5
BARROS, Marcus Aurélio de Freitas. Ponderações sobre o pedido nas ações coletivas e o controle
jurisdicional das políticas públicas. Disponível em:
<http://www.lex.com.br/noticias/doutrinas/titulo_doutrina.asp>. Acesso em: 19 set. 2007.
6
GONÇALVES, Leonardo Augusto. O ministério público e a tutela dos direitos sociais. Disponível em:
<http://www.advogado.adv.br/artigos/2006/leonardoaugustogoncalves/oministeriopublico.htm>. Acesso
em: 19 mar. 2007.
217

3 OS PROBLEMAS RELATIVOS À EFETIVIDADE DO CONTROLE JUDICIAL


DAS POLÍTICAS PÚBLICAS AMBIENTAIS
Para tratar-se das objeções colocadas pela doutrina considerando o
sistema jurídico em vigência no país, parte-se das seguintes indagações: Está
o Poder Executivo vinculado à elaboração e cumprimento das políticas públicas
que tenham por objetivo a efetiva implantação dos direitos sociais? Como o
controle judicial pode servir para se compatibilizar os programas de governo
com as regras postas pela Constituição e leis, no que tange aos direitos
sociais?
O dever de elaboração de políticas públicas e a realização de atos
administrativos tendentes a efetiva implantação de direitos sociais vincula o
Poder Executivo ao cumprimento dos dispositivos constitucionais de ordem
pública. Tais dispositivos estão eivados dos critérios da imperatividade e
inviolabilidade, tendo natureza jurídica de norma auto-aplicável, não podendo
ser afastada pela discricionariedade do administrador 7.
Para a garantia dos direitos sociais, a administração está compelida a
elaboração de estratégias de atuação visando implementá-los, não podendo se
furtar desta obrigação. Analisam-se as questões colocadas pela doutrina que
impediriam a interferência do Poder Judiciário no Poder Executivo para exigir
políticas públicas sociais.

3.1 SEPARAÇÃO DE PODERES


A separação dos poderes, expressa no art. 2° da CF/88 deve ser
conformada e ajustada a forma de estado social imperante no Brasil. Deste fato
decorre a imposição e o controle de um poder sobre o outro como forma de
concretização dos objetivos delineados pela ordem constitucional, mormente
diante da nova feição prestacional do Estado de bem estar social.
Neste sentido, é necessário falar em tripartição das funções estatais,
entendendo que o poder público é uno, atuando cada uma das funções
administrativa, legislativa e judiciária como forma de controle e contenção da
outra, no conceito de cheks and balances do direito norte-americano,

7
GONÇALVES, op. cit., p. 12.
218

necessário ao estado de direito democrático. Decorre deste viés a exigência de


colaboração e de controle mútuo, caracterizando o equilíbrio que persegue o
sistema de freios e contrapesos 8.
O sentido desta regra justifica-se no inevitável controle recíproco entre
as funções estatais, garantindo que os atos de estado sejam emanados em
conformidade com os ditames legais e constitucionais, impedindo-se a violação
dos valores do estado de direito democrático.
Deve ficar claro que o judiciário não está autorizado nem pode substituir
a vontade do administrador pela sua própria. Cabe-lhe apenas conformar a
atuação administrativa aos preceitos da ordem jurídica, somente invalidando
atos eventualmente violadores de normas cuja observância é obrigatória
conforme os preceitos constitucionais. Trata-se do exercício do controle
finalístico da função estatal 9.
Não há obrigação nem legitimidade do judiciário em criar uma política
pública que não exista, em substituição da administração omissa, pela falta de
atuação do Poder Executivo. Ao Poder Judiciário compete somente determinar
o cumprimento e a execução de obrigação pública já fixada e não
implementada, imposta pela Lei Maior.
O Supremo Tribunal Federal já se pronunciou neste sentido, afirmando a
vigência no direito nacional do princípio do balanceamento dos poderes. Neste
sentido 10:

I. Ação direta de inconstitucionalidade (CF, art. 102, I, a) e


representação por inconstitucionalidade estadual (CF, art. 125,
§ 2º). [...] II. Separação e independência dos Poderes: pesos e
contrapesos: imperatividade, no ponto, do modelo federal. 1.
Sem embargo de diversidade de modelos concretos, o
princípio da divisão dos poderes, no Estado de Direito, tem
sido sempre concebido como instrumento da recíproca
limitação deles em favor das liberdades clássicas: daí
constituir em traço marcante de todas as suas formulações
positivas os "pesos e contrapesos" adotados. 2. A fiscalização
legislativa da ação administrativa do Poder Executivo é um dos
contrapesos da Constituição Federal à separação e
independência dos Poderes: cuida-se, porém, de interferência

8
ARENHART, op. cit., p. 7.
9
Id. ibid., p. 8.
10
Id. ibid., p. 12.
219

que só a Constituição da República pode legitimar. 3. Do


relevo primacial dos "pesos e contrapesos" no paradigma de
divisão dos poderes, segue-se que à norma infraconstitucional
- aí incluída, em relação à Federal, a constituição dos Estados-
membros -, não é dado criar novas interferências de um Poder
na órbita de outro que não derive explícita ou implicitamente
de regra ou princípio da Lei Fundamental da República. 4. O
poder de fiscalização legislativa da ação administrativa do
Poder Executivo é outorgado aos órgãos coletivos de cada
câmara do Congresso Nacional, no plano federal, e da
Assembléia Legislativa, no dos Estados; nunca, aos seus
membros individualmente, salvo, é claro, quando atuem em
representação de sua Casa ou comissão. III. Interpretação
conforme a Constituição: técnica de controle de
constitucionalidade que encontra o limite de sua utilização no
raio das possibilidades hermenêuticas de extrair do texto uma
significação normativa harmônica com a Constituição 11.

Por parte do Superior Tribunal de Justiça, nos autos do REsp. 88.776, se


reconheceu a necessidade de interpretação flexível da cláusula da separação
dos poderes na atividade de controle dos atos da Administração Pública. Com
efeito, no aresto mencionado, o STJ assim se pronunciou 12:

Processo civil. Ação civil pública. Danos ao meio ambiente


causado pelo Estado. Se o Estado edifica obra pública – no
caso, um presídio – sem dotá-la de um sistema de esgoto
sanitário adequado, causando prejuízos ao meio ambiente, a
ação civil pública é, sim, a via própria para obrigá-lo às
construções necessárias à eliminação dos danos; sujeito
também às leis, o Estado tem, nesse âmbito, as mesmas
responsabilidades dos particulares. Recurso especial
conhecido e provido (STJ, REsp. 88.776. DJU 25.11.1999).

3.2 AFRONTA AO PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO


Outro argumento utilizado pela corrente desfavorável ao controle é a
falta de legitimidade democrática do Poder Judiciário em determinar políticas
públicas, visto que os magistrados não são eleitos por meio de voto direto da
população. Contra esta altercação defende-se que o controle judicial das
políticas públicas funciona como adequação institucional a ideologia do estado

11
BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Pleno. ADI 3.046/SP. Rel. Min. Sepúlveda Pertence. DJU 28
maio 2004. p. 492.
12
FERREIRA, op. cit., p. 9.
220

democrático constitucional, onde em verdade, vedar o controle judicial seria


sim anti-democrático.

3.3 DISCRICIONARIEDADE
O ato administrativo discricionário é aquele em que uma porção do ato é
entregue ao juízo de conveniência e oportunidade do administrador. A
existência desta margem de liberdade implica aceitar que a escolha da opção
cabe ao administrador, não havendo espaço para sobreposição de outra
determinada judicialmente 13.
O espaço para discricionariedade deve ser visto como a escolha da
solução mais adequada, da melhor opção para o caso concreto, a mais perfeita
e mais correta, aquela que realize superiormente o interesse público almejado
pela lei, regra, princípio, pois existe para a administração um dever jurídico de
boa administração.
Neste caso, quando a opção do administrador for ruim diante do caso
concreto, pelo fato de se distanciar das melhores opções ao seu alcance,
cabível será o controle judicial desta medida. Ou quando a administração agir
em confronto com as normas vigentes, contra os princípios constitucionais que
a regem e quando constatado abuso de direito.
Em termos ambientais, constata-se, exemplificativamente, que impedir a
poluição dos cursos d´água pelo lançamento de esgoto in natura é um poder-
dever do ente público, configurando-se como ato vinculado. Esta afirmação
corrobora-se com o seguinte entendimento da lavra do douto Wallace Paiva
Martins Júnior 14:

Compelir o Município a obrigação de não fazer consistente na


cessação da atividade nociva à qualidade de vida, de despejo
de efluentes ou esgotos domésticos in natura nas águas, ou
de obrigação de fazer consistente na prestação de atividade
devida, de efetuar o lançamento desses esgotos submetidos
ao prévio tratamento e na conformidade dos padrões
ambientais estabelecidos é, em última análise, impor-lhe o
dever de cumprimento da lei, de preservação do ambiente e
de combate a prevenção à poluição para cessar atividade

13
BARROS, op. cit., p. 7.
14
Id. ibid., p. 10.
221

nociva ao meio ambiente e prestar atividade devida decorrente


de lei.

Recorre-se à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça para


confirmar o entendimento 15:

O STJ tem entendido que o Município tem o poder-dever de


agir no sentido de regularizar loteamento urbano ocorrido de
modo clandestino, para impedir o uso ilegal do solo. O
exercício dessa atividade é obrigatório e vinculado (REsp
194732/SP e REsp 124.714/SP).

3.4 VINCULAÇÃO ORÇAMENTÁRIA


Este argumento leva em conta a tese da inoponibilidade à administração
pública de determinações que constituam ingerência em planejamento
orçamentário financeiro, diante da rigidez da composição e execução da peça
orçamentária. As políticas públicas, para se concretizarem, devem estar
amarradas com os três instrumentos que fazem parte do planejamento público:
Plano Plurianual (PPA), Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei
Orçamentária (LOA).
Devem-se considerar as regras que tangem estes três instrumentos, no
momento do exercício do controle finalístico. No entanto, não se pode
considerar a rigidez orçamentária como empecilho a efetivação do controle
judicial. Não diverge deste entendimento o eminente TOPAN:

O Estado trabalha vinculado a um orçamento. Portanto,


quando se condena o Estado a atuar e esta atuação gera a
necessidade de uma obra pública, deve-se perquirir, no
momento procedimental próprio, se aquele ente estatal possui
verba em seu orçamento compatível. Se existirem fundos
próprios e suficientes para a feitura da obra almejada, será o
Poder Público condenado de imediato (logicamente dentro dos
prazos técnicos do caso concreto) a realizar tal obra. Porém,
se o orçamento daquele ano não comportar mais a magnitude
desta obra, o ente estatal será inicialmente condenado a incluir
no próximo orçamento verba específica à obra pleiteada,

15
ARENHART, op. cit., p. 8.
222

sendo em seqüência condenado à realização propriamente


dita da obra 16.

O Superior Tribunal de Justiça reconhece a possibilidade de


interferência judicial no orçamento do ente público, como revela o seguinte
julgado:

ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL – AÇÃO CIVIL


PÚBLICA – OBRAS DE RECUPERAÇÃO EM PROL DO MEIO
AMBIENTE – ATO ADMINISTRATIVO DISCRICIONÁRIO. 1.
Na atualidade, a Administração pública está submetida ao
império da lei, inclusive quanto à conveniência e oportunidade
do ato administrativo. 2. Comprovado tecnicamente ser
imprescindível, para o meio ambiente, a realização de obras
de recuperação do solo, tem o Ministério Público legitimidade
para exigi-la. 3. O Poder Judiciário não mais se limita a
examinar os aspectos extrínsecos da administração, pois pode
analisar, ainda, as razões de conveniência e oportunidade,
uma vez que essas razões devem observar critérios de
moralidade e razoabilidade. 4. Outorga de tutela específica
para que a Administração destine do orçamento verba própria
para cumpri-la. 5. Recurso especial provido 17.

3.5 RESERVA DO POSSÍVEL


Outro obstáculo apontado pela doutrina ao controle judicial das políticas
públicas é a reserva de cofres públicos ou reserva do possível, visto que não
há maneira de impor ao poder público a obrigação para agir em determinado
sentido devido a restrições de ordem material condizentes ao orçamento.
Como visto, este é limitado e inflexível, cabendo ao poder discricionário do ente
público a escolha de prioridades de investimentos. Por isso, não poderia o
Poder Judiciário ditar a forma como o dinheiro público deve ser gasto, visto que
a realização dos direitos está condicionada a capacidade financeira do Estado
em arrecadar e investir.
Entretanto, a falta de disponibilidade de caixa não pode tornar letra
morta a determinação constitucional, nem permite anular a vinculatividade dos
preceitos consagradores de direitos fundamentais para o poder público. A

16
TOPAN, Luiz Renato. O Ministério Público e a ação civil pública ambiental no controle dos atos
administrativos. Revista Justitia, São Paulo, n. 56, p. 41-63, jan./mar. 1994. p. 14.
17
Id. ibid., p. 15.
223

realização dos direitos sociais e ambientais deve ser efetuada em


conformidade com o equilíbrio econômico-financeiro do Estado.
Por tratar-se de direitos fundamentais que representam opções
vinculativas do constituinte para o legislador infraconstitucional, tais interesses
somente podem ser restritos na medida em que esta restrição atenda a outro
interesse também fundamental. A Constituição manda que deve ser preservado
o núcleo essencial dos direitos fundamentais.
Será sempre exigível a preservação de um mínimo vital, correspondente
ao mínimo para a satisfação de uma vida digna. Assim sendo, será sempre
possível o controle judicial das políticas públicas quando for objeto a garantia
de direitos fundamentais mínimos. Tal não é um limite absoluto, cabendo o
Poder Judiciário investigar a razoabilidade da indisponibilidade financeira
alegada devido à outra destinação dada ao recurso público e o prejuízo da
garantia do mínimo essencial pelo Estado 18.
Por derradeiro, importa lembrar que a tese acima defendida já foi
explicitamente aplicada pelo Supremo Tribunal Federal. Ao decidir a Argüição
de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 45-9/DF (DJU 04.05.04, p.
12). O relator Ministro Celso de Mello ponderou que, muito embora não caiba
ao Poder Judiciário a implementação regular de políticas públicas,
excepcionalmente este papel lhe é conferido:

ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO


FUNDAMENTAL. A QUESTÃO DA LEGITIMIDADE
CONSTITUCIONAL DO CONTROLE E DA INTERVENÇÃO
DO PODER JUDICIÁRIO EM TEMA DE IMPLEMENTAÇÃO
DE POLÍTICAS PÚBLICAS, QUANDO CONFIGURADA
HIPÓTESE DE ABUSIVIDADE GOVERNAMENTAL.
DIMENSÃO POLÍTICA DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL
ATRIBUÍDA AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
INOPONIBILIDADE DO ARBÍTRIO ESTATAL À EFETIVAÇÃO
DOS DIREITOS SOCIAIS, ECONÔMICOS E CULTURAIS.
CARÁTER RELATIVO DA LIBERDADE DE CONFORMAÇÃO
DO LEGISLADOR. CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA
CLÁUSULA DA "RESERVA DO POSSÍVEL". NECESSIDADE
DE PRESERVAÇÃO, EM FAVOR DOS INDIVÍDUOS, DA
INTEGRIDADE E DA INTANGIBILIDADE DO NÚCLEO
CONSUBSTANCIADOR DO "MÍNIMO EXISTENCIAL".

18
BARROS, op. cit., p. 9.
224

VIABILIDADE INSTRUMENTAL DA ARGÜIÇÃO DE


DESCUMPRIMENTO NO PROCESSO DE CONCRETIZAÇÃO
DAS LIBERDADES POSITIVAS (DIREITOS
CONSTITUCIONAIS DE SEGUNDA GERAÇÃO) 19.

Existindo este papel do Poder Judiciário, prossegue o Ministro, há que


se considerar, na determinação da implementação da política pública, a
"reserva do possível", mas apenas na estrita medida em que esta reserva se
mostre, efetivamente, existente. Ainda que reconheça a necessária vinculação
da efetivação dos direitos sociais aos limites financeiros do Estado, isto não
implica a liberdade plena do Estado em, a seu talante, concretizar ou não a
norma garantidora do direito fundamental. A "reserva do possível" não poderá,
portanto, ser invocada sem qualquer critério, somente com o intuito de
exonerar o Poder Público de cumprir com sua função constitucional de
programar os direitos fundamentais.

Diante de todos estes argumentos, conclui a decisão no sentido de que:

Não obstante a formulação e a execução de políticas públicas


dependam de opções políticas a cargo daqueles que, por
delegação popular, receberam investidura em mandato eletivo,
cumpre reconhecer que não se revela absoluta, nesse
domínio, a liberdade de conformação do legislador, nem a de
atuação do Poder Executivo. É que, se tais poderes do Estado
agirem de modo irrazoável ou procederem com a clara
intenção de neutralizar, comprometendo-a, a eficácia dos
direitos sociais, econômicos e culturais, afetando, como
decorrência causal de uma injustificável inércia estatal ou de
um abusivo comportamento governamental, aquele núcleo
intangível consubstanciador de um conjunto irredutível de
condições mínimas necessárias a uma existência digna e
essenciais à própria sobrevivência do indivíduo, aí, então,
justificar-se-á, como precedentemente já enfatizado - e até
mesmo por razões fundadas em um imperativo ético-jurídico -,
a possibilidade de intervenção do Poder Judiciário, em ordem
a viabilizar, a todos, o acesso aos bens cuja fruição lhes haja
sido injustamente recusada pelo Estado 20.

19
ARENHART, op. cit., p. 8.
20
Id. ibid., p. 9.
225

Especificamente tratando do tema ambiental, relativo ao saneamento,


colige-se a seguinte ementa:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL


PÚBLICA - PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE. PRAZOS
PARA PROJETO E IMPLANTAÇÃO DE REDE COLETORA E
ESTAÇÃO DE TRATAMENTO DE ESGOTO -
INDEFERIMENTO DE LIMINAR. 1. Mantêm-se os prazos
fixados pelo decisum dizendo com a apresentação de projeto e
início da implantação de rede coletora e de estação de
tratamento de esgoto mostrando-se razoáveis. 2. Os altos
níveis de poluição, a ausência de medidas eficazes da
municipalidade e do serviço público de saneamento básico,
bem como a falta de sistema de coleta e de tratamento do
esgoto sanitário, exigem interferência judicial para defesa do
direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado 21.

4 ATIVISMO JUDICIÁRIO
Indo ao encontro desta ampliação do Poder Judiciário e da integração
entre os três poderes, APPIO constata um novo fenômeno junto ao poder que
tem a função de dizer o direito, chamado de ativismo judiciário. Configura-se
nos casos onde o Poder Judiciário, através de decisões, interfere diretamente
em uma política pública, de forma a determinar a adoção de providências de
ordem prática que demandam um ato de vontade política dos demais
poderes 22.
As condições para exercício do ativismo judiciário são colocadas pelo
autor, segundo a lógica de que a intervenção positiva do Poder Judiciário sobre
o executivo se revela como excepcional e vinculada aos casos previstos na
Constituição, no que toca a preservação e implementação dos direitos
fundamentais sociais e ambientais.
Somente caberá revisão judicial no sentido de controle da execução das
políticas públicas nos casos em que não exista uma prerrogativa constitucional
erigida em favor do executivo, ou seja, quando não houver uma disposição que

21
BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Agravo de Instrumento n° 2004.04.010207990, Rel.
Des. Amury Chaves de Athayde. Decisão publicada no DJU em: 01 nov 2006. p. 712.
22
APPIO, Eduardo. Limites à atuação do poder executivo na gestão dos recursos para a educação.
Disponível em:<http://www.cjf.gov.br/revista/numero26/artigo02.pdf>. Acesso em: 19 mar. 2007.
226

exclua qualquer outro poder de impelir a consecução das disposições


constitucionais fundamentais.
Além disso, o princípio da inafastabilidade da jurisdição analisado
conjuntamente com a coercitividade natural do direito em harmonia com a
supremacia da Constituição justificam a possibilidade de controle da
administração pública quando sua ação ou omissão venha de encontro à
pretensão de assegurar dignidade, bem estar e justiça social pretendidos pela
ordem social.

5 REPERCUSSÕES AMBIENTAIS DO CONTROLE JUDICIAL DAS


POLÍTICAS PÚBLICAS
Mesmo que ainda tímidas, as intervenções judiciais na competência de
alçada do Poder Executivo começam a tomar corpo e forma, principalmente
devido a omissão cada vez mais patente do poder público em atender os
direitos fundamentais ambientais. É possível encontrar as primeiras
repercussões do ativismo judiciário se efetivando na prática, onde se traz a
colação dois julgados recentes advindos da justiça federal.
A primeira decisão foi proferida em favor do meio ambiente do município
de Governador Celso Ramos, em Santa Catarina. O juiz de primeiro grau da
Vara Ambiental Federal determinou ao município, que elaborasse e
apresentasse em juízo um plano de vistoria de residências e estabelecimentos
comerciais e industriais, para verificar a adequação e regularidade do sistema
individual de tratamento de esgotos. O município também foi condenado a
destinar ao serviço de vigilância sanitária quadro de funcionários e prestar
informações sobre o orçamento municipal para saúde e saneamento em 2006
e 2007.
A ação civil pública (processo nº 2006.72.00.011120-7) foi proposta pelo
Ministério Público Federal (MPF) contra o município, o Samae - Serviço
Autônomo Municipal de Água e Esgoto e a FATMA - Fundação do Meio
Ambiente. O MPF alegou que inspeções do IBAMA - Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e da FATMA revelaram a contaminação das águas por coliformes
fecais. A FATMA foi obrigada a realizar exames de balneabilidade de todas as
227

praias do município, apresentando os relatórios à justiça federal. O órgão


estadual também foi impedido de expedir licenças para construções quando
não houver projeto sanitário e sistema de tratamento de efluentes compatível
com o local, obrigação que atinge também o município.
Na visão do magistrado que proferiu a decisão, Dr. Zenildo Bodnar, o
município não demonstrou ter adotado as medidas cabíveis, em função do
“gravíssimo risco de disseminação de doenças e outros malefícios decorrentes
da falta da implementação de políticas públicas sanitárias adequadas e
eficazes e, completando, o quadro tende a piorar com a chegada da próxima
temporada, caso não sejam adotadas providências concretas e com a
brevidade necessária”.
Ao ser analisado pela 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª
Região a decisão foi mantida, determinando ao município de Governador Celso
Ramos (SC) que elabore e apresente em juízo um plano de vistoria de
residências, estabelecimentos comerciais e industriais, para verificar a
adequação e regularidade do sistema individual de tratamento de esgotos.
Contra a prefeitura também foi mantida a decisão de destinar ao serviço de
vigilância sanitária quadro de funcionários e prestar informações sobre o
orçamento municipal para saúde e saneamento em 2006 e 2007.
A relatora do caso, juíza federal Vânia Hack de Almeida, entendeu que
“a preocupação com o meio ambiente é um sentimento de cunho nacional, cuja
preservação é inarredável, tendo em vista tratar-se de bem de uso comum da
generalidade das pessoas, e que deve ser resguardado já que se configura
como um direito que transcende às gerações”. Para ela, a proteção judicial
deve ser deferida sempre em favor do meio ambiente, visando preservá-lo de
eventuais agressões. No que se refere à responsabilidade do Município, a
magistrada disse que a Constituição estabeleceu a competência comum da
União, Estados, Distrito Federal e municípios para efetivar a proteção ao meio
ambiente.
Outra decisão, também da lavra do meritíssimo juiz Dr. Zenildo Bodnar,
determinou ao município de Florianópolis, a Fundação Nacional de Saúde –
FNS e a CASAN Companhia de Águas e Saneamento de Santa Catarina
228

(processo n° 2004.72.00.0176758) a obrigação de fazer consistente na


implantação de sistema de tratamento de esgoto adequado em toda a região
do Canto do Lamin em Canasvieiras, um bairro do município de
Florianópolis/SC.
Para o cumprimento da obrigação imposta, o juiz ordenou aos réus
apresentar, no prazo de sessenta dias, o projeto de instalação da rede coletora
de esgotos para a região, contendo o respectivo cronograma de implantação. A
decisão foi confirmada pelo Tribunal Federal da 4ª Região.

6 CONCLUSÕES ARTICULADAS

6.1 A consagrada teoria da divisão dos poderes estatais encontra-se


relativizada pela necessidade de controles mútuos de um poder sobre o outro.

6.2 Doutrinas estrangeiras e nacionais avaliam como possível acionar o Poder


Judiciário para impelir o Poder Executivo a implementar políticas públicas de
cunho social.

6.3 O direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado


configura-se como direito social, sendo possível exigi-lo judicialmente quando
constatada omissão do poder administrativo em efetivá-lo.

6.4 O ativismo judiciário, respeitados os limites da discricionariedade, das


peças orçamentárias e da reserva do possível, representa prática consistente
de controle judicial das políticas pública ambientais, impelindo o agente político
a cumprir a determinação jurisdicional.
229

FISCALIZAÇÃO AMBIENTAL NO ESTADO DE SANTA CATARINA COMO


INSTRUMENTO PARA EFETIVAR O DIREITO AO MEIO AMBIENTE
ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO

AZOR EL ACHKAR 1
RENATO MIRANDA PELLEGRINI 2

1 O MEIO AMBIENTE E OS DEVERES DO PODER PÚBLICO


A previsão legal do dever conferido ao poder público em preservar o
meio ambiente vem expressa no art. 225 3 da Constituição Federal, cujo texto
normativo impõe a este o dever de defender e preservar o meio ambiente para
as presentes e futuras gerações. O § 1° 4 do artigo mencionado determina sete
responsabilidades-deveres ao poder público no sentido de efetivar o direito
fundamental garantido no caput, o que essencialmente deverá ser executado
por meio da fiscalização.
A Lei Federal nº 6.938/81, que estabelece a Política Nacional do Meio
Ambiente e tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da
qualidade ambiental propícia à vida, determina o atendimento ao princípio da

1
Auditor Fiscal de Controle Externo do TCE/SC, Advogado de Direito Ambiental e de Direito do
Terceiro Setor, mestre em Direito Ambiental CCJ/CPGD/UFSC.
2
Mestre em Engenharia Ambiental e Doutorando no Programa de Pós Graduação em Eng. E Gestão do
Conhecimento
3
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo
e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo
e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
4
§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: I - preservar e restaurar os
processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; II - preservar a
diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e
manipulação de material genético; III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e
seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente
através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua
proteção; IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de
significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará
publicidade; V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias
que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; VI - promover a educação
ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função
ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.
230

fiscalização quando houver uso dos recursos naturais (art. 2°, III e art. 11, § 1°
e § 2°).
Sobre o dever de fiscalização, nos ensina Vital Moreira, na sua obra A
ordem jurídica do capitalismo, que "no exercício de seu dever da manutenção
da ordem pública, o Estado pode tomar certas medidas de polícia” que
contendem com intuito de manter a ordem e a saudável convivência entre os
cidadãos. Trata-se de uma intervenção administrativo-policial. É neste poder de
polícia que o embasamento da fiscalização ambiental se assenta.
O saudoso mestre administrativista, Celso Antônio Bandeira de Mello,
explica que o poder de polícia administrativo é "a atividade da Administração
Pública, expressa em atos normativos ou concretos, de condicionar, com
fundamento em sua supremacia geral e na forma da lei, a liberdade e a
propriedade dos indivíduos, mediante ação ora fiscalizadora, ora preventiva,
ora repressiva, impondo coercitivamente aos particulares um dever de
abstenção (non facere) a fim de conformar-lhes os comportamentos aos
interesses sociais consagrados no sistema normativo”. (Curso de Direito
Administrativo, 2000).
Falando especificamente em poder de polícia ambiental, Paulo Affonso
Leme Machado, um dos grandes nomes em Direito Ambiental no país, entende
que é "a atividade da Administração Pública que limita ou disciplina direito,
interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou a abstenção de fato em razão
de interesse público concernente à saúde da população, à conservação dos
ecossistemas, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de
atividades dependentes de concessão, autorização/permissão ou licença do
Poder Público de cujas agressões possam decorrer poluição ou agressão à
natureza”. (Direito Ambiental Brasileiro, 2002). A competência para exercício da
atividade de fiscalização é comum e está ao alcance de todas as instâncias da
administração pública, conforme preceitua ao art. 23 da CF/88. De acordo com
este dispositivo, cabe à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos
Municípios, de forma cooperativa: proteger o meio ambiente e combater a
poluição em qualquer de suas formas, preservar as florestas, a fauna e a flora,
entre outras atribuições. Desta feita, o poder público, por meio de seus órgãos
231

especializados na temática ambiental, deve estar aparelhado para o


desempenho desta obrigação constitucional, sob pena de incorrer em omissão
de dever legal.
Este artigo busca expor a missão e competência dos órgãos do estado
de Santa Catarina envolvidos na fiscalização ambiental, tecer algumas
considerações sobre a complexidade da atividade, bem como apresentar
alguns instrumentos a disposição do poder público para a sua realização
eficiente.

2 A FUNDAÇAO DO MEIO AMBIENTE – FATMA


A Fundação do Meio Ambiente do Estado de Santa Catarina - FATMA,
Fundação Pública, vinculada à Secretaria de Estado do Desenvolvimento
Econômico Sustentável, é entidade de caráter científico, sem fins lucrativos,
instituída pelo Decreto nº 662, de 30 de julho de 1975, com sede e foro na
Capital deste Estado, e jurisdição em todo o território catarinense, nos termos
dos artigos 96, 98, I, III, V e XII, 119, VIII, “a” e 184 da Lei Complementar
Estadual n° 381/2007.
Conforme a Lei Federal nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, que dispõe
sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de
formulação e aplicação, a FATMA é Órgão Seccional integrante do Sistema
Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA (art. 6, inc. V), sendo o órgão da
administração indireta estadual responsável pela proteção e melhoria da
qualidade ambiental, especificamente com função de execução de programas,
projetos e pelo controle e fiscalização de atividades capazes de provocar a
degradação ambiental.
Dentre suas atribuições, está o desempenho da Fiscalização das ações
realizadas pelos administrados no meio ambiente natural, artificial e cultural,
acionada por meio de denúncia, representação ou ações programadas para
verificação do cumprimento das leis ambientais, do respeito ao meio ambiente
e aos bens ambientais.
Esta previsão de competência vem expressa no Decreto Estadual nº
3.572, de 18 de dezembro de 1998, que institui o Estatuto da Entidade e no
232

Decreto Estadual nº 3.573, também de 18 de dezembro de 1998, que define


seu Regimento Interno, assim exarando respectivamente: Art. 3º - São
finalidades básicas da Fundação: II - fiscalizar, acompanhar e controlar os
níveis de poluição urbana e rural e V - executar as atividades de fiscalização da
pesca, por delegação do Governo Federal. Art. 1º Compete a Fundação: II -
fiscalizar, acompanhar e controlar os níveis de poluição urbana e rural e V -
executar as atividades de fiscalização da pesca, por delegação do Governo
Federal. Dentro de sua estrutura organizacional, a Diretoria de Proteção dos
Ecossistemas é responsável pela Fiscalização Ambiental, o fazendo por meio
da Gerência de Fiscalização.
A fiscalização da FATMA abrange todas as atividades econômicas do
Estado. Inicialmente orientando, pode, na reincidência, aplicar multas e em
casos renitentes interditar o empreendimento. Com apoio da Guarnição
Especial da Polícia Militar Ambiental (GuEspPMA), a FATMA também tem
como função fiscalizar parques e reservas ecológicas, desmatamentos,
minerações e qualquer outra atividade que ponha em risco a natureza, o
homem e seu habitat. A fiscalização na área de recursos naturais deve
abranger: extração mineral, flora, fauna, unidades de conservação. A
fiscalização na área de controle de poluição abrange: poluição hídrica, poluição
atmosférica, poluição do solo, poluição sonora e análise de risco em plantas
industriais.
A FATMA tem na Gerência de Fiscalização 11 (onze) fiscais para
atender a demanda do Estado de Santa Catarina. Já a GuEspPMA possui 376
(trezentos e setenta seis) Policiais Ambientais, onde 20 (vinte) são oficiais
superiores.
A atividade de Fiscalização Ambiental se constitui como uma das mais
importantes atuações dos órgãos responsáveis pelo meio ambiente podendo
se dar de dois modos: preventivamente, com objetivo de evitar danos ao meio
ambiente e orientar os administrados; posteriormente, quando houver
denúncias ou flagrantes de atividades e ações que já causaram danos
ambientais, tanto em ambientes naturais como artificiais. A amplitude do estado
233

de Santa Catarina, a peculiaridade dos diversos biomas aqui encontrados e as


difíceis condições de trânsito acentuam a importância desta atuação.
Em 27 de julho de 2005, a Secretaria de Estado de Desenvolvimento
Econômico Sustentável, a Secretaria de Estado da Segurança Pública e
Defesa do Cidadão, a Polícia Militar de Santa Catarina e a FATMA celebraram
Convênio de Cooperação Técnica e Institucional n° 14.370/2005-7, visando a
adoção de procedimentos relativos ao policiamento e fiscalização ambiental.
Por este Convênio a GuEspPMA, fica incumbida de exercício do poder
fiscalizatório ambiental, conforme já prevê a Lei Estadual n° 8.039/1990 e os
arts. 4° e 5° do Decreto Estadual n° 1.017/1991. A FATMA foi incumbida em
capacitar os policiais militares em conhecimentos ligados ao meio ambiente,
entre outras atribuições. Este fato está diretamente relacionado com a auditoria
operacional sugerida.
Além disto, o Estado de Santa Catarina tem com o Kreditanstalt Für
Wiederaufbau (KfW) Contrato de Contribuição Financeira, firmado em 11 de
setembro de 2002, para ser executado em 4 (quatro) anos, a partir do ano de
2005, cujo escopo é a “Proteção da Mata Atlântica em Santa Catarina. A
FATMA figura como a executora deste convênio e entre seus componentes há
o Sistema de Controle Ambiental e como sub-componente a Fiscalização
Ambiental. Neste, estão previstas compra de equipamento e infra-estrutura,
treinamento de pessoal, elaboração de manual de fiscalização, inicio da
aplicação de novas técnicas de fiscalização, entre outros.
O tema da repartição de competências administrativas para a
fiscalização, no entanto, sempre foi fruto de controvérsia. Há dúvidas sobre
tanto sobre a imposição do exercício do poder de polícia como, no caso
contrário, a impossibilidade do uso desse expediente. Dúvidas estas que
implicam sobre a regra da preponderância do interesse e a definição de limites
que separam essa competência, pois as fronteiras do interesse local, regional,
nacional e global tendem a ser cada vez mais nebulosas, bem como a esfera
dos limites de atuação de cada ente federativo através de seu respectivo órgão
ambiental. Sem dúvida existe uma enorme complexidade na definição das
situações onde poderá se dar o exercício da competência supletiva por
234

omissão do ente legitimado e também sobre a observância do princípio da


auto-executoriedade, visando sempre o legitimo uso do poder de polícia.

3 MISSÃO E COMPETÊNCIA DOS ÓRGÃOS DO ESTADO DE SANTA


CATARINA NA ATIVIDADE DE FISCALIZAÇÃO AMBIENATAL

3.1 MISSÃO E COMPETÊNCIA DA SECRETARIA DE DESENVOLVIMENTO


ECONÔMICO SUSTENTÁVEL

Missão: A Secretaria de Desenvolvimento Econômico Sustentável incumbe


planejar, formular e normatizar, de forma descentralizada e desconcentrada, as
políticas estaduais de desenvolvimento econômico sustentável, recursos
hídricos, meio ambiente e saneamento.

Competência: Entre outras atribuições, destacam-se:


I - planejar, formular e normatizar, de forma descentralizada e
desconcentrada, as políticas estaduais de desenvolvimento econômico
sustentável, recursos hídricos, meio ambiente e saneamento;
II - elaborar estudos de potencialidades dos recursos naturais com vistas
ao seu aproveitamento racional;
III - coordenar programas, projetos e ações relativos à educação
ambiental;
IV - fomentar ações de curto, médio e longo prazos, no sentido de
aumentar a cobertura dos serviços nas áreas de abastecimento de água,
esgotamento sanitário, resíduos sólidos e drenagem urbana;
V - coordenar o Cadastro Técnico Estadual de Atividades
Potencialmente Poluidoras de Recursos Naturais;
VI - orientar as Secretarias de Estado de Desenvolvimento Regional na
execução e implementação dos programas, projetos e ações relativas às
políticas estaduais de desenvolvimento econômico, recursos hídricos, meio
ambiente e saneamento;
235

VII - coordenar, de forma articulada com os demais órgãos envolvidos na


atividade de fiscalização ambiental:
a) a aplicação de medidas de compensação;
b) as autuações; e
c) o uso legal de áreas de preservação permanente;
VIII - apoiar e orientar a fiscalização ambiental no Estado de Santa
Catarina;
IX - sugerir aos poderes competentes quaisquer orientações normativas
e providências que considere necessárias para a realização do objetivo do
Sistema Estadual de Ciência, Tecnologia e Inovação de Santa Catarina.

3.2 MISSÃO E COMPETÊNCIA DA FATMA

Missão: A FATMA tem como missão maior garantir a preservação dos recursos
naturais do estado.

Competência: Entre outras atribuições, destacam-se:


I - coordenar e implantar o sistema de controle ambiental;
II - coordenar e implantar o sistema de controle ambiental decorrente do
licenciamento ambiental de empreendimentos de impacto ambiental, das
autuações ambientais transacionadas e dos usos legais de áreas de
preservação permanente;
III - fiscalizar e acompanhar o cumprimento das condicionantes
determinadas no procedimento de licenciamento ambiental;
IV - executar, de forma articulada com os órgãos e entidades envolvidos nessa
atividade, a fiscalização ambiental no Estado de Santa Catarina.

3.3 MISSÃO E COMPETÊNCIA DA GUESPPMA


Missão: Executar as ações e operações militares, através do policiamento
ostensivo ou de operações específicas, visando a proteção das áreas de
preservação ambiental, e zelar pela melhoria do meio ambiente no Estado de
Santa Catarina.
236

Competência: Compete a GuEspPMA, entre outras atribuições:


I – atuar em apoio aos órgãos envolvidos com a defesa e preservação
do meio ambiente, garantindo-lhes o exercício do poder de polícia de que são
detentores;
II – lavrar autos de infração;
III – efetuar o policiamento ostensivo nos parques florestais, reservas
biológicas e áreas de proteção ambiental;
IV – fiscalizar minerações, uso de agrotóxicos e poluentes, dentro dos
limites definidos pelos órgãos competentes;
V – fiscalizar áreas de desmatamento e queimadas, que impliquem na
retirada total ou parcial de essências nativas;
VI – proteger as florestas, contra a ação predatória do homem, através
de meios preventivos, repressivos e educação ecológica;
VII – fiscalizar as explorações florestais, no âmbito de suas atribuições;
VIII – atender ou providenciar o atendimento de denúncias de desmate,
queimadas, caça e pesca predatória.

4 FISCALIZAÇÃO AMBIENTAL E PROCESSO ADMINISTRATIVO DE


APURAÇÃO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL – FASES
A atividade de fiscalização ambiental pode levar à autuação, mediante
auto de infração, daquele que for flagrado ou tiver cometido ação considerada
como infração administrativa ambiental.
Após a autuação, o auto de infração se transforma em processo
administrativo de apuração de infração ambiental, devendo seguir as etapas
apresentadas na Figura 1, de competência da FATMA:
237

Figura 1: Fases processuais do processo de apuração de infração ambiental.

Conforme se observa na Figura 1, o rito de apuração da infração


ambiental inicia-se com a lavratura do auto de infração ambiental, que pode ser
feito pelo agente fiscal da FATMA ou pelo policial militar ambiental da
GuEspPMA. Uma cópia do auto constitui a primeira folha do processo sendo
concedido prazo de 20 (vinte) dias para defesa prévia do autuado. Após sua
defesa, o agente autuante faz manifestação a respeito do alegado pelo autuado
e na seqüência o processo vai para julgamento pelo Gerente da CODAM da
área de abrangência do local da infração. Neste ínterim o autuado pode propor
Termo de Compromisso se comprometendo em recuperar o dano constatado
sob a condição de diminuição em 90% (noventa por cento) da multa aplicada.
No caso do processo ser julgado, há prazo de 20 (vinte) dias para o autuado
recorrer da decisão ao CONSEMA.
Este rito foi implantado pela FATMA por meio da Portaria n° 100/05, mas
que em setembro do corrente ano foi revogado pela Portaria n° 063/07, que
estabeleceu novo rito, bastante semelhante aquele. Entretanto, como a
238

Auditoria irá trabalhar com processos de 2006, a Portaria n° 100/05 será


considerada para fins de análise.
A Portaria n° 100/05 é fruto do Convênio n° 14.730/05, que corresponde
a Termo de Convênio de Cooperação Técnica e Institucional, visando a adoção
de procedimentos relativos ao policiamento e fiscalização ambiental no Estado
de Santa Catarina, que entre si celebram, a Secretaria de Estado do
Desenvolvimento Sustentável – SDS, a Secretaria de Estado da Segurança
Pública e Defesa do Cidadão – SSP, por meio da Polícia Militar do Estado de
Santa Catarina – PMSC, e a Fundação do Meio Ambiente – FATMA. Outro
fruto deste instrumento é a ferramenta virtual para gerenciar os processos
administrativos para apuração de infração ambiental, o sistema informatizado
GAIA – Gerenciamento de Autos de Infração Ambiental, em funcionamento
desde março de 2006.

5 CONCLUSÕES ARTICULADAS

5.1 O tema da repartição de competências administrativas para o exercício da


fiscalização e poder de polícia é fruto de controvérsia, havendo dúvidas tanto
sobre a imposição do exercício do poder de polícia como, no caso contrário, a
impossibilidade do uso desse expediente.

5.2 Através de sistemas informatizados, o gerenciamento dos processos para


apuração de infração ambiental ganha em termos de eficiência, tendo como
conseqüência uma maior celeridade no encaminhamento das sanções
punitivas.

5.3 A FATMA e o GuEspPMA são os órgãos, no estado de Santa Catarina,


com prerrogativa institucional para o exercício do poder de polícia sobre
agressões lesivas ao meio ambiente de interesse regional, independente de
delegação ou outorga de qualquer outra instituição estadual observando-se o
Princípio da Auto-executoriedade.
239

BIBLIOGRAFIA

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Texto constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988, com as alterações
adotadas pelas Emendas Constitucionais n° 1/92 a 52/2006 e pelas Emendas
Constitucionais de Revisão n° 1 a 6/94. Brasília: Senado Federal,
Subsecretaria de Edições Técnicas, 2006.

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VII Simpósio Nacional de Auditoria de Obras Públicas. P. 140-173.

_____. TCU. Cartilha de Licenciamento Ambiental. 2. ed. Brasília: TCU, 2007.

CAPPELLI, Sílvia; BEZERRA, Maria do Carmo de Lima; RUSCHEL, Caroline.


Indicadores de aplicabilidade e cumprimento da norma ambiental para ar, água
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CORRÊA, Elizeu de Moraes. Auditoria Ambiental. Guia Elementar no Âmbito


dos Tribunais de Contas. Curitiba: TCE/PR, 1997.

CORREA, Heitor Delgado; ANDRADE, Pierre André da Rocha. Avaliação da


gestão ambiental como indicador de desempenho do mandato de agente
público. Revista do TCMRJ. Ano XXI. N. 27. ago. 2004. p. 34-44.

INTOSAI; WGEA. Auditoria Ambiental e de Regularidade. Revista do TCU. N.


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LA ROVERE, Emílio Lèbre et. al. Manual de auditoria ambiental. 2 ed. Rio de
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MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 14ed. rev. atual.
ampl. Malheiros: São Paulo, 2006.

MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 15 ed.


São Paulo: Malheiros, 2002.

QUINTIERE, Marcelo de Miranda Ribeiro. A importância da dimensão


ambiental nas contas públicas: alguns temas para análise no Tribunal de
Contas de Santa Catarina. Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina:
240

Contas Públicas. Transparência, Controle Social e Cidadania. Florianópolis:


TCE/SC, 2006. p. 77-147.
241

O DANO AMBIENTAL FUTURO À LUZ DA TEORIA DA


RESPONSABILIDADE

BRUNA VIEGAS GRAZIANO 1

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. A sociedade de Risco. 3. O risco do dano. 4. O dano e seus


princípios. 4.1. Princípio da prevenção. 4.2. Princípio da precaução. 4.3. Princípio da
proporcionalidade. 4.4. Princípio do poluidor-pagador. 5. Dano Ambiental. 6. Dano Ambiental
Futuro. 7. A teoria da responsabilidade e o dano ambiental futuro. 8. Conclusões articuladas. 9.
Referências Bibliográficas

1 INTRODUÇÃO
Busca-se hoje o modelo ideal para tudo. A melhor tecnologia, o país
mais poderoso, a ciência mais avançada. Contudo, os resultados desse mundo
ideal não são calculados. A mentalidade da sociedade atual é um dos
principais problemas enfrentados nas lides ambientais.
Para tanto, imprescindível compreender a nova sociedade, a sociedade
de risco, em que a preocupação não deve mais se limitar à produção do dano e
sua reparação, mas também à criação de mecanismos que impeçam seu
aparecimento. Tal apreensão deriva do próprio conceito de dano ambiental,
muitas vezes irreversível. Por conta disso, fala-se em dano ambiental futuro.
A proposta do trabalho é demonstrar como uma sociedade que,
aparentemente, está em evolução pode entrar em colapso e, principalmente,
comprovar que essa tarefa é apenas um exercício de conscientização.

2 A SOCIEDADE DE RISCO
A Teoria da Sociedade de Risco foi elaborada pelo sociólogo alemão
Ulrich Beck e é uma característica da fase seguinte ao período industrial
clássico. Representa a tomada de consciência do esgotamento do modelo de

1
Graduanda em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina; membro do Grupo de Pesquisa de
Direito Ambiental na Sociedade de Risco; endereço eletrônico: bruninhagraziano@hotmail.com
242

produção, marcado pelo risco permanente de desastres e catástrofes. Beck


entende que esses riscos são globais, não discriminatórios em termos de
nacionalidade, riqueza ou origem social. Acrescente-se o uso do bem
ambiental de forma ilimitada, pela apropriação, a expansão demográfica, a
mercantilização, o capitalismo predatório – alguns dos elementos que
conduzem a sociedade atual a situações de periculosidade. 2
A sociedade de risco é aquela que, em função de seu contínuo
crescimento econômico, pode sofrer a qualquer tempo as conseqüências de
uma catástrofe ambiental. Nota-se, portanto, a evolução e o agravamento dos
problemas, seguidos de um novo perfil de sociedade, sem, contudo, uma
adequação dos mecanismos jurídicos de solução dos problemas.
O que se discute, nesse novo contexto, é a maneira pela qual podem ser
distribuídos os malefícios que acompanham a produção de bens, ou seja,
verifica-se a autolimitação desse tipo de desenvolvimento e a necessidade de
redefinir os padrões de responsabilidade, segurança, controle, limitação e
conseqüências do dano. A isso tudo, porém, somam-se os limites científicos de
previsibilidade, quantificação e determinação dos danos. Isso porque se deve
atentar para as limitações da ciência no tocante à previsibilidade, quantificação
e determinação dos danos.
Pode-se afirmar que a sociedade moderna criou um modelo de
desenvolvimento tão complexo e avançado que faltam meios capazes de
controlar e disciplinar o desenvolvimento. Segundo Beck, as sociedades
modernas são confrontadas com as bases e com os limites do seu próprio
modelo.
Ademais, Beck alerta para a ausência de publicidade dos riscos,
compreendendo-se aí a dificuldade de acesso às informações que permitam
medir o conteúdo e a extensão dos riscos. Nesse sentido, ele estabelece a
diferenciação da situação em que se sabe que o perigo existe daquela situação
em que se corre perigo sem saber sua origem ou extensão.

2
FERREIRA, Heline Sivini. A biossegurança dos organismos trangênicos no direito ambiental
brasileiro: uma análise fundamentada na teoria da sociedade de risco. Tese, 2008, pgs. 27-30
243

3 O RISCO DO DANO
Com o panorama da nova sociedade, importante atentar para os casos
em que esses riscos concretizam-se em danos. A partir dessa perspectiva, a
preocupação deve ser voltada para o (im)possível gerenciamento desses
danos. Tal concepção torna obrigatório raciocinar de acordo com a “profecia da
desgraça”, ou seja, pensar no pior resultado possível na tomada de decisões.
Para Hans Jonas 3, “a acusação de ‘pessimismo’ contra os partidários da
‘profecia da desgraça’ pode ser refutada com o argumento de que maior é o
pessimismo daqueles que julgam o existente tão ruim ou sem valor a ponto de
assumir todo o risco possível para tentar obter qualquer melhora potencial”.
Além disso, o autor 4, com muita propriedade, afirma que

Temos liberdade para dar o primeiro passo, mas nos tornamos


escravos do segundo e de todos os passos subseqüentes.
Assim, a constatação de que a aceleração do desenvolvimento
alimentado tecnologicamente nos reduz o tempo para
autocorreções conduz a outra constatação: no tempo de que
ainda dispomos, as correções tornam-se cada vez mais
difíceis, e a liberdade para realiza-las é cada vez menor.

Esses riscos podem ser classificados em concretos ou abstratos,


aqueles provenientes da revolução industrial; estes, da sociedade de risco.
Os concretos podem ser calculados e caracterizados por uma possível
avaliação científica segura das causas e conseqüências de uma atividade. São
riscos para os quais o conhecimento científico acumulado é capaz de
determinar sua existência e dimensões. São perceptíveis ao sentido humano e,
geralmente, mantêm-se limitados a determinadas classes sociais, ou mesmo
territorialmente.
Por sua vez, os riscos inerentes à sociedade pós-industrial, os abstratos,
são marcados por sua invisibilidade, globalidade e transtemporalidade. Na
invisibilidade, os riscos fogem à percepção dos sentidos humanos, além de não
haver conhecimentos científicos seguros sobre suas possíveis dimensões. A
globalidade do risco evidencia-se pela falta de limites territoriais e sociais.

3
JONAS, Hans. O princípio responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica. Rio de
Janeiro: Contraponto: Ed. PUC- Rio, 2006, p. 81.
4
Idem. Ibidem, p. 78.
244

Outra característica é, exatamente, a transtemporalidade, consistente na


relação direta dos riscos abstratos com o controle e a descrição do futuro2.

4 O RISCO E SEUS PRINCÍPIOS


A preocupação com as questões ambientais, por muito tempo, não foi
inserida no cotidiano. Devido à carência de valores, a explanação dos
princípios norteadores da Teoria do Risco mostra-se relevante.

4.1 O PRINCÍPIO DA PREVENÇÃO


O princípio da prevenção é um mecanismo utilizado para a gestão de
riscos e está intimamente ligado aos riscos concretos ou potenciais, ou seja,
aqueles visíveis e previsíveis pelo conhecimento humano. Patrick de Araújo
Ayala 5 afirma que “o objetivo fundamental perseguido pelo princípio da
prevenção é, fundamentalmente, a proibição da repetição da atividade que já
se sabe ser perigosa”. As razões para a aplicação desse princípio vão desde a
justiça ambiental à simples racionalidade econômica.
Nesse sentido, José Joaquim Gomes Canotilho 6 destaca a importância
da prevenção nos casos em que é impossível a reconstituição natural da
situação anterior, por exemplo, a extinção de um animal ou vegetal. Igualmente
importante nas situações em que, mesmo sendo possível a reconstituição in
natura, a onerosidade é tamanha que desobriga o poluidor.
Como medidas preventivas, podemos citar os estudos de impacto
ambiental (EIA), a licença ambiental, o desenvolvimento obrigatório de testes e
procedimentos de notificação prévios à colocação de novos produtos no
mercado, o estabelecimento legal de valores máximos para a emissão de
poluentes, dentre outras.
Ressalta-se que a efetivação de uma atuação preventiva deve ser vista
como uma responsabilidade compartilhada. Sendo uma tarefa de
conscientização, não incumbe apenas ao Estado inserir medidas preventivas,

5
LEITE, José Rubens Morato Leite; AYALA, Patrick de Araújo. Direito Ambiental na Sociedade de
Risco. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 71.
6
CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato. Direito Constitucional Ambiental
Brasileir. São Paulo: Saraiva, 2007, pgs. 43-45.
245

mas também a todos os cidadãos comprometidos e preocupados com a


preservação do ambiente.

4.2 O PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO


Ao contrário do princípio da prevenção, o princípio da precaução existe
em função dos riscos abstratos. Será acionado nos casos em que a dúvida
acerca da periculosidade do dano é tanta que, decidindo a favor do ambiente e
contra o potencial poluidor, opta-se por não fazer. Em casos tais, o ônus de
provar que a atividade não é nociva transfere-se do Estado para o potencial
poluidor.
Conforme preceitua Ayala 7,

não se exige, portanto, a demonstração exaustiva e completa


sobre a existência de riscos, sua identificação e especificação,
caracterização, ou demonstração segura sobre a extensão de
seus efeitos, apreciação que se submete a um juízo de
verossimilhança, que orienta a formação científica da
convicção da atribuição da qualidade de periculosidade ao
comportamento. Se a certeza não é pressuposto para uma
atuação precaucional, procurar conhecer da melhor forma
possível e permitida, os graus de incerteza que permeiam a
decisão, é condição de relevante consideração na aplicação
do princípio.

A precaução, dessa forma, permite um agir sem a certeza que um


determinado dano irá ocorrer. Por conta dessa incerteza, há um sério conflito
entre, de um lado, a certeza e a segurança jurídica e, de outro, a evolução
científica, o progresso social e o desenvolvimento econômico.
Nesse sentido, segundo lição de Délton Winter de Carvalho 8, o princípio
da precaução, no direito brasileiro, significa usar a melhor técnica possível,
visando à gestão do risco e a um agir de forma pró-ativa, antecipatória,
inibitória e cautelar, em face da ameaça do dano. Por esta razão, deve-se agir
seguindo o princípio da proporcionalidade.

7
LEITE, José Rubens Morato Leite; AYALA, Patrick de Araújo. Direito Ambiental na Sociedade de
Risco. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 74-94.
8
CARVALHO, Délton Winter de. Dano Ambiental Futuro: a responsabilização civil pelo risco
ambiental. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008, p. 158.
246

4.3 O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE


Os direitos fundamentais, abrigados pela Constituição Brasileira, em
certos momentos se chocam. O direito a um ambiente ecologicamente
equilibrado, não raras vezes, entra em conflito com, por exemplo, a livre
iniciativa, a propriedade privada, o desenvolvimento econômico, o sigilo
industrial, entre outros. Em casos tais, a aplicação do princípio da
proporcionalidade é medida que se impõe.
Nos casos de riscos ambientais, em que a utilização do princípio da
precaução é fundamental, deve-se agir com proporcionalidade. Isso porque, o
princípio da precaução não significa necessariamente uma abstenção e, sendo
assim, como não teremos um risco zero, devemos ponderar qual a melhor
maneira de atribuirmos a mesma importância a direitos fundamentais
aparentemente conflitantes. 9

4.4 O PRINCÍPIO DO POLUIDOR-PAGADOR


Os recursos naturais não mais são considerados “coisa de ninguém”.
Passam a ser tratados como “coisa de todos”. Dessa forma, todos devem ser
os tutores desses bens.
Sabe-se que estes recursos são limitados e oferecê-los gratuitamente, a
custo zero, leva à degradação ambiental. O princípio do poluidor-pagador serve
como um pagamento à sociedade pelo usufruto de um bem coletivo. Para José
Rubens Morato Leite 10, “o princípio do poluidor-pagador visa, sinteticamente, à
internalização dos custos externos de deterioração ambiental”.
Intimamente ligado aos princípios prevenção e precaução, o princípio
poluidor-pagador deve ser aplicado principalmente antes da degradação.
Assim, não deve ser utilizado somente na compensação de danos, mas sim
para preveni-los e repreendê-los.

9
Idem. Ibidem, p. 159.
10
CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato. Direito Constitucional Ambiental
Brasileir. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 181.
247

5 DANO AMBIENTAL
O dano ambiental é aquele que atinge interesses individuais e
transindividuais, afeta tanto o ambiente natural, como também os elementos
ambientais antrópicos. Possibilita uma classificação quanto aos interesses
lesados e outra quanto à natureza do bem violado, sendo que uma
classificação não exclui a outra.
A primeira classificação diferencia danos ambientais individuais ou
reflexos de danos ambientais coletivos.
Os danos individuais ou reflexos são aqueles que, ao atingirem o
ambiente, lesam indiretamente o patrimônio ou a saúde do indivíduo.
Carvalho 11, explica que

no magistério de Lucía Gomis Catalá, os danos ambientais


individuais apresentam-se comumente como danos pessoais,
patrimoniais ou econômicos, uma vez que causam lesões à
saúde e à integridade física das pessoas (por exemplo, quadro
de doenças e contaminações desencadeados pela poluição do
meio ambiente), danos a seus bens (por exemplo, prejuízos
patrimoniais, tais como a desvalorização ou deterioração de
bens móveis ou imóveis em decorrência de degradações
ambientais) e danos ao exercício de uma atividade econômica
(a pesca, por exemplo).

Para a incidência da responsabilidade civil, a doutrina tradicional


considera que o dano ambiental individual será reparável quando for “certo –
atual ou futuro – e não eventual; direto, ainda que mediato; e pessoal, tendo na
vítima um sujeito de direitos” 12. Por dano certo entende-se aquele que tem a
relação causas e conseqüências definidas. Desdobra-se em dano atual
(emergentes) e dano futuro (lucro cessante). O dano pessoal necessita de uma
vítima concreta. Já o dano direto lesiona de forma imediata a esfera de
interesses juridicamente tutelados do sujeito de direito, podendo ainda ser
reflexo nos casos que atinge terceiros por ricochete.
Os danos coletivos, por sua vez, afetam o bem ambiental em si,
prescindindo de qualquer comprovação de prejuízo causado ao homem. Por
acompanharem a hipercomplexidade do bem atingido (ambiente), possui
11
CARVALHO, Délton Winter de. Dano Ambiental Futuro: a responsabilização civil pelo risco
ambiental. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008, p. 87.
12
Idem. Ibidem, 87.
248

aquelas condições clássicas do dano reparável (certeza do dano, dano direto e


pessoalidade) reformuladas, ou seja “a constatação do dano ambiental é
geralmente demarcada pela incerteza científica, devendo haver uma
ponderação das probabilidades de sua concretização (atual ou futura), bem
como dos agente causadores”. 13
A segunda classificação faz a distinção entre dano patrimonial e dano
extrapatrimonial ou moral.
Os danos patrimoniais levam em consideração o bem lesado. Leite 14
leciona que “esta concepção de patrimônio difere da versão clássica de
propriedade, pois o bem ambiental, em sua versão macrobem, é de interesse
de toda coletividade”. Conforme enuncia a Constituição Federal, em seu artigo
225, o bem ambiental na concepção de macrobem configura-se como bem
comum de uso do povo e tem como características a indivisibilidade,
imprescritibilidade de sua tutela, indisponibilidade e inalienabilidade.
Os danos considerados extrapatrimoniais ou morais são aqueles que
causam ao indivíduo ou à coletividade uma lesão não material.

6 DANO AMBIENTAL FUTURO


O debate sobre dano ambiental futuro na doutrina civilista clássica não
se trata de uma novidade, uma vez que já era previsto quando se falava em
lucros cessantes. No entanto, para essa doutrina tradicional, somente se fala
em dano futuro quando existir a certeza dos prejuízos futuros decorrentes de
um dano presente, ou seja, prescinde sempre de um dano. Importante salientar
que era igualmente necessária a configuração, no presente, da certeza dos
prejuízos futuros decorrentes da lesão causada.
Carvalho 15 afirma que essa concepção “parece-nos demasiadamente
restritiva quando aplicada em matéria jurídico-ambiental, em virtude da
transtemporalidade e da imprevisibilidade que marcam a problemática
ambiental, especialmente se observada a partir da sociedade de risco”.

13
Idem. Ibidem, 99.
14
LEITE, José Rubens Morato. Dano Ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2000, p. 101.
15
CARVALHO, Délton Winter de. Dano Ambiental Futuro: a responsabilização civil pelo risco
ambiental. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008, p. 123.
249

Conforme já explicitado, a teoria do risco abstrato (sociedade pós-


industrial), diferente da teoria do risco concreto (sociedade industrial),
demonstra que, tocante à esfera ambiental (danos irreversíveis), não é
suficiente falar em reparação, mas pensar em mecanismos que impeçam a
ocorrência do dano.
O dano ambiental futuro pode ser dividido em duas espécies: dano
ambiental futuro propriamente dito ou stricto sensu e conseqüências futuras de
danos ambientais já concretizados. Em ambos os casos há incerteza científica
como elemento constituinte do processo de tomada de decisão e, assim, a
análise do dano somente se torna possível com a aplicação do código
probabilidade/improbabilidade. Na primeira espécie o dano ambiental futuro
caracteriza-se pela alta probabilidade ou de uma probabilidade determinante;
na segunda, já existe a ocorrência do dano, mas a avaliação dos riscos diz
respeito somente às conseqüências do dano atual. 16
Talvez a difícil compreensão resida na própria nomenclatura – dano
ambiental futuro. Fala-se, portanto, em “expectativa de dano”.
Para Carvalho 17,

o dano ambiental futuro há de ser o elemento que efetua


transição do paradigma tradicional da responsabilidade civil,
segundo o qual o dano reparável dever ser necessariamente
certo e atual, para uma responsabilidade civil que tenha por
função a avaliação das probabilidades lesivas dos riscos
ambientais provenientes de determinadas atividades. Isso
sempre a partir da aplicação da distinção
probabilidade/improbabilidade. Portanto, uma nova teoria do
risco, na qual não haja a necessidade da concretização do
dano, faz-se compatível com a principologia não apenas
preventiva, mas sobretudo precaucional, que demarca o direito
ambiental.

A alta probabilidade ou a probabilidade determinante do


comprometimento do ambiente resultaria da condenação do agente às medidas
necessárias, por exemplo, obrigação de fazer ou não fazer. A teoria do risco,
bem como o dano ambiental futuro, portanto, necessitam de um instituto capaz

16
Idem. Ibidem, p. 129.
17
Idem. Ibidem, p. 132.
250

de avaliar os riscos e, com base na existência destes, responsabilizar seus


causadores.

7 A TEORIA DA RESPONSABILIDADE E O DANO AMBIENTAL FUTURO


A teoria da responsabilidade civil acompanha as evoluções
experimentadas pela sociedade. A partir da sociedade burguesa, os institutos
jurídicos do direto romano foram muito influenciados pela tradição canônica
medieval, a qual traz a culpa como elemento fundamental para a obrigação de
indenizar. Essa é a chamada responsabilidade civil subjetiva.
A Revolução Industrial, contudo, representou uma ruptura na
responsabilidade civil. Com a produção industrial massificada, o surgimento de
novas tecnologias e o crescimento populacional, a forma tradicional de
responsabilização, aquela que dependia da culpa, não era mais suficiente. As
inovações tecnológicas e a falta do domínio destas expunham as pessoas a
riscos e perigos, ocasionando inúmeros acidentes de trabalho. Nessa época,
por se tratar de um desconhecimento, a vítima dificilmente conseguia provar a
culpa do agente causador do dano. Assim, algumas atividades definidas em lei
ou produtoras de riscos passaram a responder segundo critérios da
responsabilidade civil objetiva, a qual independe da comprovação da culpa.
Aqui, os riscos são considerados concretos. 18
Conforme já abordado, a sociedade atual, pós-industrial, não lida apenas
com riscos concretos, mas também com os abstratos. Dessa forma, a
responsabilidade civil objetiva requer novos limites – uma responsabilidade
mais ampla, que dispense a culpa e, agora, o dano.
Para a criação dessa nova responsabilidade, importa delinear novos
contornos. José Joaquim Gomes Canotilho, ao comentar a Constituição
Portuguesa, fala em uma responsabilidade de longa duração. Tal
responsabilidade funda-se em quatro princípios básicos: desenvolvimento
sustentável, aproveitamento racional dos recursos, salvaguarda da capacidade
de renovação e estabilidade ecologia e a solidariedade entre as gerações.
Apesar de tratarmos como nova responsabilidade, para o autor, tal instituto já
18
CARVALHO, Délton Winter de. Dano Ambiental Futuro: a responsabilização civil pelo risco
ambiental. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008, p. 56.
251

existe desde a Conferência do Rio de Janeiro em 1992. Canotilho 19 afirma que,


em termos jurídicos-constitucionais

ela implica, desde logo, a obrigatoriedade de os Estados (e


outras constelações políticas) adoptarem medidas de
protecção ordenadas à garantia da sobrevivência da espécie
humana e da existência condigna das futuras gerações. Nesse
sentido, medidas de protecção e de prevenção adequadas são
todas aquelas que, em termos de precaução, limitam ou
neutralizam a causação de danos ao ambiente, cuja a
irreversibilidade total ou parcial gera efeitos, danos e
desequilíbrios negativamente perturbadores da sobrevivência
condigna da vida humana (responsabilidade antropocêntrica) e
de todas as formas de vida centradas no equilíbrio e
estabilidade dos ecossistemas naturais ou transformados
(responsabilidade ecocêntrica).

A responsabilidade por longa duração, portanto, pugna por medidas


preventivas e precaucionais, ou seja, que antecedam o dano.
Outra característica importante que se pode atribuir à nova
responsabilidade é tentar aproximá-la o máximo possível da responsabilidade
abordada por Hans Jonas 20 – a responsabilidade natural. Num primeiro
momento, transformar uma responsabilidade artificial em natural, soa como
uma proposta utópica. Todavia, parece ser a única solução ou, pelo menos, a
mais eficaz.
Impende ressaltar que Hans Jonas utiliza o termo responsabilidade
natural como aquela “instintiva”, que naturalmente nasce com o homem.
Porém, no presente trabalho, o termo natural refere-se a uma responsabilidade
construída (com a educação e conscientização), porém sem ser imposta. A
nova proposta de responsabilidade, assim como a natural, resume-se em três
conceitos: continuidade, futuro e totalidade 21.
A continuidade é fundamental quando se fala, por exemplo, em proteção
ambiental, pois se trata de uma atividade que não pode ser interrompida, não

19
CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato. Direito Constitucional Ambiental
Brasileir. São Paulo: Saraiva, 2007, pgs. 6-7.
20
JONAS, Hans. O princípio responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica. Rio
de Janeiro: Contraponto: Ed. PUC- Rio, 2006, p. 170.
21
JONAS, Hans. O princípio responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica. Rio
de Janeiro: Contraponto: Ed. PUC- Rio, 2006, p. 171.
252

tira férias. 22 O futuro, intimamente ligado ao conceito de preservação dos


direitos das futuras gerações, tem seu conceito bem definido por Hans Jonas 23:
“O caráter vindouro daquilo que deve ser objeto de cuidado constitui o aspecto
de futuro mais próprio da responsabilidade. Sua realização suprema, que ela
deve ousar, é a sua renúncia diante do direito daquele que ainda não existe e
cujo futuro ele trata de garantir”. A totalidade, por sua vez, lembrada nos casos
de globalização das normas ambientais e nos efeitos cumulativos, é quando o
objeto estudado deve ser analisado como um todo, e não como várias partes
separadas 24. Aliás, esse modelo cartesiano, nas lides ambientais, há muito já
foi ultrapassado.
François Ost 25 trabalha outro conceito que pode ser aplicado ao nosso
novo modelo. Trata-se das obrigações geradas por uma responsabilidade
solidária:
Devem ser compreendidas como obrigações de prudência no
sentido lato, apelando à idéia de limite, uma vez que é a
ilimitação dos nossos comportamentos que gera a fragilidade.
Essa prudência implica, antes de mais, a obrigação de saber,
para tentar avaliar as conseqüências mais longínquas
possíveis das nossas opções; ela implica, em seguida, a
escolha da via menos onerosa para os beneficiários da nossa
responsabilidade, e, em caso de dúvida, a abstenção de agir;
ela comanda em todas as circunstâncias, a medida e a pena.
É portanto, como na tragédia antiga, a problemática dos limites
que reabilita a idéia mais moderna de responsabilidade.

Destarte, a partir de uma nova responsabilidade – de longa duração,


natural (não imposta) e solidária – novos contornos começam a ser traçados,
para que o dano ambiental futuro não ocorra.

8 CONCLUSÕES ARTICULADAS

8.1 A partir da Revolução Industrial, com a produção massificada e as novas


tecnologias, os riscos produzidos começaram a ser avaliados (Sociedade de

22
Idem. Ibidem, pgs. 185-186.
23
Idem. Ibidem, p. 187.
24
Idem. Ibidem, p. 180.
25
OST, François. A natureza à margem da Lei: a ecologia à prova do direito. Lisboa: Instituto Piaget,
1995, p. 310.
253

Risco). Inicialmente a discussão cingia-se apenas ao risco concreto.


Atualmente, a preocupação está na avaliação do risco abstrato e na (im)
probabilidade da sua ocorrência;

8.2 A análise do código probabilidade/improbabilidade, nas lides ambientais


que envolvam riscos, deve ser determinado pela “profecia da desgraça”, a qual
prescreve que é saber se o risco assumido vale a pena, caso o dano ocorra;

8.3 Pelo fato de a sociedade estar em constante evolução, nos casos em que
não houver previsão legal, os princípios constitucionais ambientais devem ser
aplicados e respeitados;

8.4 A preocupação com os riscos abstratos e seus possíveis danos deriva da


própria natureza do dano ambiental. Por ser, em muitos casos, irreversível ou
de difícil reparação, o dano ambiental deve ser evitado ao máximo;

8.5 Na doutrina trabalha-se o conceito de dano ambiental futuro, sendo esse


subdividido em duas espécies: conseqüências futuras de um dano e dano
ambiental futuro propriamente dito. A primeira já está positivada – lucros
cessantes. O segundo, apesar da previsão legal dos princípios da prevenção e
da precaução, encontra inúmeros obstáculos;

8.6 A responsabilidade objetiva, criada a partir da Revolução Industrial, perdeu


um dos seus elementos – a culpa. No entanto, devido à nova evolução da
sociedade, tem-se que essa responsabilidade não é mais suficiente para
proteger as lides ambientais; e

8.7 Torna-se necessária a criação de um novo modelo de responsabilidade, a


qual esteja ligada à conscientização dos agentes responsáveis. Algumas
características para esse modelo foram propostas: longa duração, natural e
solidária.
254

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato. Direito


Constitucional Ambiental Brasileir. São Paulo: Saraiva, 2007.

CARVALHO, Délton Winter de. Dano Ambiental Futuro: a responsabilização


civil pelo risco ambiental. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008.

DANTAS, Marcelo Buzaglo. Tutelas de Urgência nas lides Ambientais:


provimentos liminares, cautelares, antecipatórios nas ações coletivas que
versam sobre meio ambiente. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006.

FERREIRA, Heline Sivini. A biossegurança dos organismos trangênicos no


direito ambiental brasileiro: uma análise fundamentada na teoria da sociedade
de risco. Tese, 2008.

JONAS, Hans. O princípio responsabilidade: ensaio de uma ética para a


civilização tecnológica. Rio de Janeiro: Contraponto: Ed. PUC- Rio, 2006.

LEITE, José Rubens Morato. Dano Ambiental: do individual ao coletivo


extrapatrimonial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

LEITE, José Rubens Morato Leite; AYALA, Patrick de Araújo. Direito Ambiental
na Sociedade de Risco. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 9. ed. ver. atual.
e ampl. São Paulo: Malheiros, 2001.

MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória (individual e coletiva). 4. ed. São


Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

OST, François. A natureza à margem da Lei: a ecologia à prova do direito.


Lisboa: Instituto Piaget, 1995.

SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 4. ed. São Paulo:
Malheiros, 2002.

TESSLER, Luciane Gonçalves. Tutelas Jurisdicionais do meio ambiente: tutela


inibitória, tutela de remoção, tutela do ressarcimento na forma específica. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
255

PLANEJAMENTO E POLÍTICAS PÚBLICAS AMBIENTAIS:


Perfis da atuação Estatal na proteção ambiental

BRUNO LOFHAGEN CHERUBINO JR. 1


GUILHERME DA COSTA 2

Resumo: Focalizamos neste estudo os novos fins a que se propõe o direito na sociedade pós-
moderna que as políticas públicas possuem, dimensionando as interfaces de seu conteúdo
programático, para a efetiva proteção ambiental. Após delimitarmos os conceitos de Meio
Ambiente como Direito Fundamental partimos para os modos de implementação destes
direitos, nos quais encontramos as políticas públicas e o planejamento, cada qual em sua
dimensão. Derradeiramente, elencamos alguns obstáculos que o atual modelo de justiça
enfrenta para a efetivação do paradigma da proteção ambiental.
Palavras-chave: MEIO AMBIENTE – CONSTITUCIONALISMO – POLÍTICAS PÚBLICAS –
PLANEJAMENTO – CONTROLE JUDICIAL.

1 INTRODUÇÃO
O ordenamento jurídico deixou de se prender ao aspecto lógico-
subsuntivo e individual, como no vasto período em que predominou a aplicação
mais enraizada do positivismo pela escola exegética, passando para uma
reaproximação entre fato e moral, permitindo uma leitura mais ligada da
realidade pelo mundo jurídico 3.
Figurando entre essas novas preocupações sociais, institucionalizadas
através das políticas públicas e dos princípios constitucionais, encontra-se a
questão ambiental. Esta tem merecido amplo destaque mundial, partindo da
simples constatação de que o desenvolvimento econômico e social, baseado
na concepção moderna de progresso ilimitado, tem sido atingido através da

1
Graduando em Direito da PUCPR. Bolsista PIBIC/CNPq na temática “Meio Ambiente: uma análise
comparativa dos mecanismos econômicos de proteção”; orientado pelo prof. Dr. Roberto Catalano
Botelho Ferraz. Email: bruno.cherubino@yahoo.com.br
2
Graduando em Direito da PUCPR. Email: gui.berlinck.costa@gmail.com
3
Neste sentido temos HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. 4. ed.
Vol. 1. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler, Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. 3 v.
256

irreversível degradação dos recursos naturais, colocando não só em risco a


sustentabilidade deste progresso, mas também da própria humanidade.
As dificuldades para a implementação desse novo interesse atingem
desde o plano técnico/instrumental, passando pelo modo de efetivação, até as
questões de revisão do papel político dos juízes e da própria separação dos
poderes do Estado. Tais dificuldades são colocadas, em decorrência da
inserção do meio ambiente dentro de uma nova concepção de direito e bens a
serem protegidos pelo mundo jurídico, na qual passa-se a abarcar, além da
função reguladora de condutas, uma função programática, transindividual e
politizada.

2 A QUESTÃO AMBIENTAL
O meio-ambiente surgiu como tema de preocupação do ordenamento
jurídico brasileiro a partir da década de 30, com o Código de Águas (1937).
Entretanto, ainda lastreado no paradigma de proteção de recursos naturais,
visto como riqueza e produto nacional, revelou-se uma concepção do meio-
ambiente como fonte de recursos naturais que deveria ser protegida
unicamente por causa de sua vantajosa posição econômica ou estratégica.
No início da década de 60, o paradigma ecológico já havia iniciado uma
melhora de concepção. Por sua vez, a Declaração de Estocolmo de 1972
subordinou o mundo ambiental à necessidade imperiosa do desenvolvimento,
lastreando-se em três fundamentais linhas de atividades aos países
signatários, quais sejam: a criação uma política de educação ambiental, o
estabelecimento de marcos para uma responsabilidade ambiental e a criação
de uma política ambiental nacional.
Os efeitos deste debate puderam ser sentidos durante a Ditadura Militar
no Brasil (1964-1984), durante a qual foram promulgadas variados estatutos
normativos inseridos nesta concepção. São dessa época leis como o Código
Florestal (1965) e a lei de proteção à fauna (1967) 4.

4
SANTILLI, Juliana. Socioambientalismo e novos direitos. São Paulo: Fundação Peirópolis Ltda 2005 p.-
26-27.
257

Tal concepção fragmentária do meio-ambiente não se mostrava


suficiente, tendo em vista que os recursos ambientais eram notados apenas
como meios estratégicos para o desenvolvimento nacional.
Essa insuficiência foi superada durante a Conferência das Nações
Unidas para Meio Ambiente e Desenvolvimento, criando paradigmas
normativos para as nações signatárias. Ganhou corpo nesta conferência uma
concepção social do meio-ambiente, denominada socioambientalismo.
No Brasil, refletiu-se este avanço político no tratamento da questão
ambiental, em especial após a Constituição Federal de 1988, na qual se
estabeleceu que a sustentabilidade não pode ser apenas ambiental, mas que
deve ser acompanhada pelo desenvolvimento social. Tal postura se mostra
clara com a conjugação dos artigos 3º e 225 da Constituição Federal, ao
afirmar que:
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República
Federativa do Brasil:
(...)
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem,
raça, sexo, de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer
outras formas de discriminação. (Constituição da República
Federativa do Brasil)(grifo nosso)

A expressão ‘bem de todos’ está condicionado a preservação ambiental,


posto que assim optou o constituinte:

Artigo 225- Todos têm direito ao meio ambiente


ecologicamente equilibrado, bem comum de uso do povo
e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder
público e a coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo
para as presentes e futuras gerações 5.

O debate sobre a questão socioambiental toma novo corpo


mundialmente, colocando-se como núcleo central no sistema protetivo
internacional, além de reconhecer-se um papel essencial ao bem estar da
população humana. Estabeleceu-se uma agenda protetiva mundial para este
bem jurídico imensurável, condicionada à observação das condições

5
Constituição da República Federativa do Brasil
258

econômicas desiguais entre os países 6. Esta declaração contém 27 princípios 7


que quase em toda sua integralidade foram absorvidos na legislação nacional.
Os marcos jurídicos e políticos, acima colocados, foram fundamentais
para a delimitação do bem jurídico ambiental. Esse processo de sensibilização
do mundo jurídico para a proteção ambiental consolidou-se em nosso país pela
Constituição Federal de 1988, assumindo uma posição central e irradiadora
dos princípios que norteiam a proteção ambiental.
Tal processo fortaleceu os avanços que se deram através das leis que
instituíram a política nacional do meio ambiente (lei n.º 6.938 de 1981 e
alterações posteriores) e definiram os termos de responsabilização penal
decorrentes de danos ambientais (lei de crimes ambientais n.º 9.605 de 1998)
e tantas outras regulamentações como lei de recursos hídricos, lei de
agrotóxicos, responsabilização civil, lei de resíduos nucleares entre outras.

2.1 MEIO AMBIENTE E CONCEITUAÇÃO


Entretanto, para a melhor compreensão deste microssistema jurídico, é
importante buscar a definição do bem tutelado por este. Importante referência é
dada pela compreensão de que este é um bem fundamental que possibilita a
sadia qualidade de vida e preservação de um espaço ecologicamente
equilibrado para as presentes e futuras gerações (Constituição Federal de
1988, em seu artigo 225).
Devem ser englobadas no conceito as dimensões culturais, preservação
da qualidade de vida e de preservação para as futuras gerações 8.
Caracterizando-se como um bem jurídico fundamental de terceira geração,
retoma-se a lição da jurisprudência:
(...) Típico Direito de terceira geração que assiste, de modo
subjetivamente indeterminado, a todo gênero humano,

6
Neste sentido se têm no preâmbulo do capítulo 1, aprovado no texto da ECO-92, a seguinte assertiva
“Com a perpetuação das disparidades existentes entre as nações e no interior delas, o agravamento da
pobreza, da fome, das doenças, e do analfabetismo e com a deteriorização contínua dos ecossistemas de
que depende o nosso bem-estar Preâmbulo do capítulo 1 da Agenda 21)”
7
Como ensina J.J. Gomes Canotilho “os princípios são normas jurídicas impositivas de uma optimização,
compatíveis com vários graus de concretização, consoante os condicionalismos fáticos e jurídicos.”
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. Coimbra: Livraria Almedina, p. 1034.
8
MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 15º ed. São Paulo: Malheiros, 2007.
p.117-130
259

circunstâncias essa que justifica a especial obrigação – que


incumbe ao Estado e à própria coletividade- de defende-lô e
de preservá-lo em benefício das presentes e futuras gerações
9

Delimitado como direito difuso 10 de terceira geração, o Meio Ambiente


possui natureza jurídica de bem público de uso comum do povo (Constituição
Federal de 1988, em seu artigo 225), caracterizado como direito fundamental 11,
está conectado essencialmente ao núcleo da dignidade da pessoa humana e
ao direito à vida. Deixa-se falar Álvaro L. Valery Mirra:

Essa consagração como direito fundamental ao meio ambiente


é de extrema importância, porque reconhecê-lo significa
considerar a sua proteção indispensável à dignidade das
pessoas. [...] importante lembrar que proclamar um direito
fundamental implica em erigir o valor por ele abrangido em
elemento básico do modelo democrático que se pretende
12
instalar em nosso país .

Verticalizando na obrigatoriedade de intervenção do poder público na


questão ambiental, observa-se certa consagração da ação estatal na figura de
gestor desse bem 13. Todavia, a ação estatal deve buscar, dentro dos limites e
programas constitucionais e legais, a obrigatória garantia deste direito
fundamental, condicionando essa atuação com um especial caráter preventivo,
conforme previsão constitucional. Neste sentido cita-se:
As agressões ambientais são em regra de difícil ou impossível
reparação. Ou seja: uma vez consumada a degradação do

9
MELLO, Celso de Voto no Mandado de Segurança 22.164-0 SP julgamento em 30.10. 1995 DJU:
17.11.1995
10
A divisão legal impõe o conceito os direitos coletivos, destinados ao gênero humano mesmo, em um
momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta”de
direito difuso aquele quês que de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e
ligadas por circunstâncias de fato (artigo 82 inciso do Código de Defesa do Consumidor)
11
A caracterização do meio ambiente equilibrado como direito fundamental implica em reconhecer as
características decorrentes desta categoria jurídica, ou seja, imprescritibilidade, a inalienabilidade,
indivisibilidade e unicidade neste sentido citamos “ Passa ele a gozar de interpretação favorável em
caso de conflitos normativos,obtém imprescritibilidade, inalienabilidade e irrenunciabilidade, bem como
é classificado como cláusula pétrea (...) elevando também o seu grau de efetividade, inclusive no campo
programático” ALONSO JÚNIOR, Hamilton Direito Fundamental ao Meio Ambiente e ações coletivas
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006 pg. 280.
12
MIRRA, Álvaro Luiz Valery O problema do controle judicial das omissões estatais lesivas ao meio
ambiente in: Revista de Direito Ambiental p 64-65
13
Neste sentido coloca o principio 13 da Declaração do Rio de Janeiro de 1992 o seguinte: “Os estados
devem cooperar de forma explicita e determinada para o desenvolvimento de normas de Direito
Ambiental relativas à responsabilidade e indenização por efeitos adversos de danos ambientais causados,
em áreas fora de sua jurisdição, por atividades dentro de sua jurisdição ou seu controle”
260

meio ambiente, a sua reparação é sempre incerta e quando


possível, excessivamente custosa. Daí a necessidade de o
14
poder público atuar preventivamente

Reafirma-se essa nova exigência no modo de atuação do Estado, o qual


além de dever se pautar pelas políticas públicas e exigências constitucionais,
necessita pensar com intuito de proteção ao tempo futuro e não apenas à
realização do presente 15. Deste modo, a omissão estatal lesiva em tantas
áreas de sua atuação como a do Estado Social, quando observada a questão
ambiental, torna-se não apenas uma questão de escolha política, mas sim de
flagrante inconstitucionalidade 16.

3 AS POLÍTICAS E O PLANEJAMENTO PÚBLICO NA QUESTÃO


AMBIENTAL
De modo genérico, tem-se por políticas públicas o Conjunto de objetivos
que formam determinado programa de ação governamental e condicionam a
sua execução 17. Já por planejamento, têm-se como os procedimentos ou
programas que servem de meio para se atingir esses objetivos. Neste sentido:

O processo de planejamento é de decisão política que


depende de informações precisas, transparência, ética,
18
temperança. (grifo nosso)

Em suma, Políticas Públicas são os paradigmas e planejamento são as


ações práticas ligadas a este plano de ação governamental. Apesar de simples,
a definição é pertinente, pois, podemos visualizar o que viria a ser uma escolha
política de conveniência e os valores do que resultaria a elaboração técnica de
gestão de governo. Neste sentido:

14
MIRRA, Álvaro Luiz Valery O problema do controle judicial das omissões estatais lesivas ao meio
ambiente in: Revista de Direito Ambiental pg. 65
15
Consideráveis reflexões sobre a questão da tutela do direito e ação estatal dentro do tempo são
encontradas no estudo de OST, François O tempo do Direito Florianópolis: EDUSC 2005 p.410
16
Neste sentido já observamos os precedentes judiciais, como exemplo citamos o emblemático julgado do
TJSP- 2º Câmara Civil – Apelação Civil 158.646-1/0- julgado 26.05.1992 relator Des. Cezar Peluso;
17
GUARESCHI, Neuza; COMUNELLO, Luciele Nardi; NARDINI, Milena; HOENISCH, Júlio César.
Problematizando as práticas psicológicas no modo de entender a violência. p.180, In: Violência,
gênero e Políticas Públicas. Organizadores: Strey, Marlene N.; Azambuja, Mariana P. Ruwer; Jaeger,
Fernanda Pires. Porto Alegre EDIPUCRS, 2004.
18
OLIVEIRA, José Antônio Puppin de Desafios do Planejamento em políticas públicas: Diferentes
visões e práticas in: Revista de Administração Pública Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas
Nov/Dez. 2006 p. 285
261

Há uma certa proximidade entre as noções de política pública


e a de plano, embora a política possa consistir num programa
de ação governamental que não exprima, necessariamente, no
instrumento do plano [...] a política é mais ampla que o plano e
se defini como processo de escolha dos meios para a
realização dos objetivos do governo com a participação dos
19
agentes públicos e privados .

Todavia, quando se define o papel dos elaboradores de Políticas


Públicas, vislumbra-se a especial necessidade de participação da sociedade,
por termos nesta o fundamento do poder estatal em uma estrutura democrática
de representação.
Partindo desta distinção, retoma-se a observação dos princípios
ambientais delineados. Percebem-se estes como reflexos da consolidação dos
debates internacionais, materializados na lei 6.938 de 1981, a qual criou o
Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA). Este sistema tem por
objetivo, nos termos da própria lei, a preservação, a melhoria e a recuperação
da qualidade ambiental (artigo 2º da referida lei).
Igualmente, foram criados instrumentos que passaram a ser
fundamentais para a realização do objetivo delineado, como o Estudo de
Impacto Ambiental, o Zoneamento Ecológico-Econômico e o Licenciamento
Ambiental (artigo 9º da lei 6.938/81). Deste modo, pode-se afirmar a existência
de um espaço normativo destinado a construção de uma política pública
nacional do meio ambiente.

Assim temos os elementos fins, objetivos, princípios,


diretrizes, instrumentos e sistema como estruturantes da
arquitetura jurídica da Política Nacional do Meio Ambiente. A
lei não contém disposição específica sobre os meios
(sobretudo ao que se refere a meios financeiros). Tampouco
estabelece metas a alcançar em marcos temporais
determinados. Ainda assim, poder-se-ia considerá-la
suporte de uma política pública, na medida em que
organiza os meios estruturais para a concretização das
disposições constitucionais. 20

19
BUCCI, Maria Paula Dallari O conceito de política pública em direito in: Políticas Públicas: reflexões
sobre o conceito jurídico BUCCI, Maria Paula Dallari(org.) São Paulo: Saraiva 2008, p. 38-40.
20
BUCCI, Maria Paula Dallari O conceito de política pública em direito in: Políticas Públicas: reflexões
sobre o conceito jurídico BUCCI, Maria Paula Dallari(org.) São Paulo: Saraiva 2008, p. 12
262

A concepção de suporte legal torna clara a necessidade de ação do


Executivo e do Legislativo na questão ambiental, devendo-se cumular a
obrigatoriedade da ação estatal, os objetivos criados pela lei 6.938 de 1991 e
os demais princípios constitucionais.
Em diversos segmentos produtivos e cadeias de distribuição fora
intentada a concretização desta política pública. Apenas à título ilustrativo, cita-
se a Política Nacional das Águas (baseada na lei 9.433 de 1997), dos Resíduos
Sólidos (11.445/2007) entre outras. Todavia, mesmo nas políticas públicas já
definidas legalmente, cabe ainda ao executivo o planejamento e fiscalização
das ações legalmente impostas a todos os cidadãos.
Quanto às linhas mestras do planejamento Estatal, embora seus altos
conteúdos técnicos evoluam lentamente, percebe-se que são fundamentais 21
para a concretização eficaz, da implementação das políticas públicas,
garantindo que não haja os dois centrais déficits da ação estatal. Ou seja: (i)
déficits de implementação entre o legal e as políticas públicas (o fracasso dos
planos) e; (ii) o fracasso das condutas de vinculação entre práticas
desenvolvimentistas e a dimensão ambiental 22(uma ineficácia ou ausência do
planejamento interligado na concretização das políticas públicas).

Aceitação de visões diferentes e vontade de negociar e buscar


soluções para toda a sociedade[...] à ênfase que damos no
Brasil ao planejamento como forma de se tentar o controle da
economia e da sociedade,Em vez de vê-lo como um
processo de decisão construído político e socialmente
com diverso é uma das principais razões da pergunta
“Porque costumamos falhar em nosso planos de
23
governo? (grifo nosso)

21
Essas marcadas por sua dimensão preventiva de ações em torno de um tríplice processo (assegurar
sustentabilidade às bases ecológicas da economia, superar a pobreza e exclusão social e obter incrementos
produtivos)
22
Neste sentido já tem sido noticiado em CUSTODIO, Vanderli A Retomada do Planejamento Federal
e as Políticas Públicas no Ordenamento do Território Municipal: A Temática Das Águas e do
Saneamento in: Revista do Departamento de Geografia, 16 (2005). Disponível em:
<www.geografia.fflch.usp.br/publicacoes/RDG/RDG_16/Vanderli_CustC3B3dio.pdf> acessado em 28 de
agosto de 2008.
23
OLIVEIRA, José Antônio Puppin de Desafios do Planejamento em políticas públicas: Diferentes
visões e práticas in: Revista de Administração Pública Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas
Nov/Dez. 2006 p. 285
263

Ilustrando tal critica, têm-se a criação da responsabilidade pelo


saneamento básico (lei n.º 11.445 de 2007), mesmo que de modo não
conclusivo, tendo em vista inexistir uma política ou até mesmo uma delimitação
sobre a responsabilidade final de sua gestão.
Entretanto, por se verticalizar a presente análise na questão Ambiental,
deve-se perceber que o Meio Ambiente é um direito fundamental e se configura
como parâmetro para a ação do Estado e seus planejamentos e políticas
públicas. Assim, não é permissivo, por parte do Estado, uma omissão
legislativa, executiva ou até mesmo judicial. Posto que, além da
obrigatoriedade de ser dada efetividade às garantias fundamentais 24, o Estado
deve agir com precaução e prevenção para a efetiva proteção ambiental.
Observa-se, da soma desses fatores teóricos e fáticos, a ampliação de
um espaço de atuação para que o Judiciário dê efetividade às normas
programáticas através do controle de políticas públicas, em que pese suas
limitações.
A atuação judicial ampliada diz respeito à promessa, contida
no próprio texto constitucional (artigo 5º §1º) [...] debate-se o
alcance do ‘convite’ perquirindo-se a possibilidade ao
Judiciário a criar ou alterar os contornos de uma política
pública, a pretexto de garantir o gozo de um direito
fundamental prestacional. A resposta predominante é
negativa, normalmente invocados a discricionariedade
administrativa e o respeito à ‘reserva do possível’ como
25
fundamentos .

Deve ser reconhecido, da mesma forma, que nas políticas públicas


estão presentes os meios de efetivação e condicionamento para o pleno
exercício das garantias fundamentais, mas nunca a revogação ou limitação
destes direitos. Américo Bedê Freire Júnior leciona neste sentido:
A omissão total não deixa de ser uma política negativa, que
pode estar sendo praticada por uma minoria, a qual,
maquiavelicamente, aprovou o texto constitucional consciente
de que não haveria sanção pelo descumprimento [...] a
aplicabilidade imediata, somada a uma interpretação

24
Até mesmo em nome da harmonia dos poderes posto que o artigo 5º §1º da Constituição Federal
preceitua que “As normas definidoras dos direitos fundamentais têm aplicação imediata”
25
COSTA, Flávio Dino de Castro A função realizadora do Poder Judiciário e as Políticas Públicas
Brasília: CEJ n.º 28 jan/mar. 2005 p. 46
264

constitucional de princípios permite que exista uma verdadeira


26
força vinculante da Constituição .

Reafirma-se que quando observada uma política pública, em especial


com cunho ambiental, prevista em lei e não realizada pelo poder executivo
(através de um planejamento), ou determinada na constituição e não
regulamentada pelo Poder Legislativo, encontra-se uma latente omissão do
Estado. Neste espaço será possível fundamentar um convite à atuação do
judiciário, encontrando autorização de não apenas controle, mas também de
necessária intervenção para a realização da Constituição 27. Hamilton Alonso
Júnior referenda esta posição:

A omissão legislativa ou administrativa não pode ser óbice ao


bem-estar coletivo quando há previsão de determinado direito
subjetivo. Transformar-se-ia a norma constitucional , e mesmo
a estrutura principiológica e normativa da constituição em
mera opção política para aqueles que tem obrigação de fazer
28
valer o que está escrito .

Contudo, quando se enfrenta uma omissão de planejamento colocado


ao exame do judiciário, em razão da dependência deste processo de
informações precisas, técnicas, de transparência, ética e temperança, passa-se
a possuir novos obstáculos em sua observação e controle. Em regra, a
autoridade Executiva, comumente relacionada à questão nuclear do poder
discricionário, toma suas decisões com liberdade de escolha, conveniência,
oportunidade e conteúdo 29.
Por isso, fundamental a distinção entre o objeto levado à análise do
Poder Judiciário, posto que posturas e exigências diversas são necessárias
quando jurisdicionalizada uma política pública ou quando analisada uma ação
de planejamento Estatal. Entretanto, ambos os controles exigem um efeito

26
FREIRE JÚNIOR, Américo Bedê O controle judicial de políticas públicas São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2005 p.67
27
Referendando esta posição temos JUNIOR ALONSO, Hamilton Direito Fundamental ao Meio
Ambiente e Ações Coletivas São Paulo: Editora Revista dos Tribunais 2006 p. 282-284
28
JUNIOR ALONSO, Hamilton Direito Fundamental ao Meio Ambiente e Ações Coletivas São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais 2006 p. 284
29
MEIRELLES, Hely Lopes Direito Administrativo Brasileiro 33º ed. São Paulo: Malheiros Editores
2007 pg. 119
265

vinculante e prestacional da ação, não apenas do judiciário, mas de todo


aparato Estatal.

4 CONTROLE JUDICIAL E CONSIDERAÇÕES FINAIS


Perceptível a existência de obstáculos para que o atual modelo de
justiça dê efetividade ao paradigma da proteção ambiental. Essas
problemáticas são recorrentemente levantadas através das ações coletivas 30,
conforme já colocado por Amêrico Bedê Freire Júnior.
Cabe destacar que o controle realizado/proposto nas ações coletivas,
em especial na questão ambiental, induz diversas problemáticas, seja na
questão temporal da tutela seja na revisão dos próprios conceitos processuais
e do papel dos juízes. Neste sentido temos:

As demandas ambientais põem em cheque os modelos


dogmáticos [...] posto que a adoção de determinado estudo do
Direito, que lhe circunscreve o objeto optando pela adoção de
determinado método em busca de uma única finalidade [...]
isso representa uma redução do alcance da norma à solução
do dano, já que as normas positivadas representam hipóteses
e a principal forma de ação dos modelos de direito
31
codificado .

Perceptível também que o Direito, enquanto instrumento de promoção


do bem comum e não transgressor de direitos fundamentais, é essencial a uma
verdadeira democracia. Não se defendendo uma supremacia de qualquer uma
das funções, mas a supremacia da Constituição, o que vale dizer que o
Judiciário não pode vir a ser um mero avalista das decisões políticas das
demais funções, mas sim um controlador responsável destas decisões.
Partindo das distinções apresentadas, podemos apontar que o Judiciário
é legítimo controlador das políticas públicas e do planejamento, cada qual em
sua dimensão.
Quanto à possibilidade de controle do planejamento, este deve ter o
sentido da execução e a elucidação de finalidades já determinadas,

30
Nestas podemos encontrar as ações populares, civil pública e mandado de segurança coletivo, todos
reconhecidos como instrumentos de acesso à justiça e proteção dos interesses meta-individuais.
31
BUGLIONE, Samantha O desafio de Tutelar o Meio Ambiente in: Revista de Direito Ambiental n.º 17
2005 p. 217
266

especialmente quando estas já forem previamente delineadas nas políticas


públicas.
Entretanto, deve ser observado que não cabe a abordagem do mérito do
planejamento a ser seguido, sob pena de ser ineficaz, ineficiente ou mesmo
ilegítimo, a não ser através da teoria do desvio de finalidade ou dos motivos
determinantes, os quais necessitam não só dos estudos técnicos e princípios
constitucionais para a sua criação, mas também o caráter ideológico das
normas que a baseiam.
Por fim, cabe ao sistema judicial, de maneira fundamental, buscar uma
forma de ação preventiva na proteção do meio ambiente, fixando-se à
responsabilidade estatal um modo compromissório para viabilizar a eficácia da
Constituição, em especial, através do preceito da proporcionalidade. Tal
preceito visa combater o argumento fático da escassez de recurso, em especial
quando colocado contra um direito fundamental prestacional.
Assim, deve o sistema judicial, ponderar o argumento da escassez e da
impossibilidade material frente à obrigação constitucional de realização dos
direitos fundamentais 32.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALONSO JÚNIOR, Hamilton Direito Fundamental ao Meio Ambiente e ações


coletivas São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006 pg. 280

BUCCI, Maria Paula Dallari O conceito de política pública em direito in:


Políticas Públicas: reflexões sobre o conceito jurídico BUCCI, Maria Paula
Dallari(org.) São Paulo: Saraiva 2008

BUGLIONE, Samantha O desafio de Tutelar o Meio Ambiente in: Revista de


Direito Ambiental n.º 17 2005 p. 217

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. Coimbra: Livraria


Almedina, p. 1034.

32
Para mais neste sentido indica-se OLSEN, Ana Carolina Lopes Direitos Fundamentais Sociais:
efetividade frente à reserva do Possível Curitiba:Juruá 2008
267

COSTA, Flávio Dino de Castro A função realizadora do Poder Judiciário e as


Políticas Públicas Brasília: CEJ n.º 28 jan/mar. 2005 p. 46

FREIRE JÚNIOR, Américo Bedê O controle judicial de políticas públicas São


Paulo: Revista dos Tribunais, 2005 p.67

GUARESCHI, Neuza; COMUNELLO, Luciele Nardi; NARDINI, Milena;


HOENISCH, Júlio César. Problematizando as práticas psicológicas no modo de
entender a violência. p.180

HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. 4. ed.


Vol. 1. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler, Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 1997. 3 v

JUNIOR ALONSO, Hamilton Direito Fundamental ao Meio Ambiente e Ações


Coletivas São Paulo: Editora Revista dos Tribunais 2006 p. 282-284

MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 15º ed. São
Paulo: Malheiros, 2007.

MEIRELLES, Hely Lopes Direito Administrativo Brasileiro 33º ed. São Paulo:
Malheiros Editores 2007 pg. 119

MELLO, Celso de Voto no Mandado de Segurança 22.164-0 SP julgamento em


30.10. 1995 DJU: 17.11.1995

MIRRA, Álvaro Luiz Valery O problema do controle judicial das omissões


estatais lesivas ao meio ambiente in: Revista de Direito Ambiental p 64-65

OLIVEIRA, José Antônio Puppin de Desafios do Planejamento em políticas


públicas: Diferentes visões e práticas in: Revista de Administração Pública Rio
de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas Nov/Dez. 2006 p. 285

OLSEN, Ana Carolina Lopes Direitos Fundamentais Sociais: efetividade frente


à reserva do Possível Curitiba:Juruá 2008

OST, François O tempo do Direito Florianópolis: EDUSC 2005 p.410 p.117-130

SANTILLI, Juliana. Socioambientalismo e novos direitos. São Paulo: Fundação


Peirópolis Ltda 2005 p.-26-27.
268

VANDERLI, Tomás A Retomada do Planejamento Federal e as Políticas


Públicas no Ordenamento do Território Municipal: A Temática Das Águas e do
Saneamento in: Revista do Departamento de Geografia, 16 (2005). Disponível
em:
www.geografia.fflch.usp.br/publicacoes/RDG/RDG_16/Vanderli_CustC3B3dio.p
df
269

FONTES ALTERNATIVAS DE ENERGIA:


Políticas energéticas, mecanismos regulatórios e aspectos técnicos pertinentes
à utilização do biogás derivado de dejetos de suíno para geração de energia

1
BRUNO LOFHAGEN CHERUBINO JUNIOR
2
JANAINA CAMILE PASQUAL

Resumo: A preocupação global, em relação aos impactos ambientais decorrentes de


atividades produtoras tradicionalmente poluidoras, permitiu que fontes alternativas de energia
elétrica fossem desenvolvidas e ganhassem espaço no cenário mundial. Utilizando como
modelo a atividade da suinocultura, este artigo tem a finalidade de abordar os aspectos legais,
políticos e técnicos a respeito da geração de energia elétrica originada através dos dejetos de
suíno. Para tanto, far-se-á passagem pelo tema referente às políticas energéticas para fontes
alternativas, elaborando-se uma breve retrospectiva quanto aos marcos legais, bem como aos
mecanismos regulatórios da ANEEL. Da mesma forma, serão apresentados os aspectos
técnicos que demonstram a importância dos dejetos no processo e a utilização do biogás para
a geração de energia elétrica.
Palavras-chave: Fontes Alternativas de Energia – Biogás – Suinocultura – Aspectos Técnicos
– Regulamentação.

1 INTRODUÇÃO
O aumento da preocupação mundial com as questões ambientais e o
consenso sobre a necessidade do desenvolvimento das empresas em bases
sustentáveis tem incentivado a realização de pesquisas na área de
desenvolvimento tecnológico visando à utilização de fontes renováveis de
energia e a possível redução dos custos de geração dessas tecnologias na
matriz energética global.
No Brasil, o setor elétrico sempre foi, em sua predominância, hídrico. Em
1999, cerca de 94% da energia no país foi gerada pelas hidrelétricas,

1
Graduando em Direito pela PUC/PR Bolsista PIBIC/CNPq na temática “Meio Ambiente: uma análise
comparativa dos mecanismos econômicos de proteção”; orientado pelo prof. Dr. Roberto Catalano
Botelho Ferraz. Email: bruno.cherubino@yahoo.com.br
2
Graduada em Relações Internacionais pela UNICURITIBA e em Administração de Empresas pela FAE
Business School. Email: janainapas@yahoo.com.br
270

produzindo cerca de 5.000 TWh, quantidade de energia que, na geração


exclusivamente térmica, corresponde a mais da metade da reserva brasileira
de petróleo, avaliada em 20 bilhões de barris. 3
Em 2007, a geração de energia por hidrelétricas caiu para 77,2% da
produção total 4, mas continua predominantemente hídrica, segundo
informações da Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Energético do
Ministério de Minas e Energia.
Motivado pelo interesse de diminuir a dependência de combustíveis
fósseis, tanto por questões ambientais quanto sociais, o Brasil tem procurado,
cada vez mais, desenvolver fontes limpas e renováveis de energia (energia
solar, eólica, hídrica, das ondas e das marés, geométrica, biogás e biomassa).
Em 1996, com a criação da ANEEL (Agência Nacional de Energia
Elétrica), através da lei n. 9.427, disciplinou-se o regime das concessões de
serviços públicos de energia elétrica, atribuindo-se à ANEEL a finalidade de
regular e fiscalizar a produção, transmissão, distribuição e comercialização de
energia elétrica, em conformidade com as políticas e diretrizes do governo
federal. 5
Atualmente, essas diretrizes políticas são de competência do Ministério
de Minas e Energia (MME) e do Conselho Nacional de Política Energética
(CNPE) que têm a responsabilidade pelo desenvolvimento da política
energética do País (geologia, recursos minerais e energéticos)
Nas áreas rurais e agroindustriais, uma das maiores fontes de energia
disponíveis é o biogás, resultante da decomposição do material orgânico
(animal e vegetal) existente nas plantações e criações de animais. Desta
decomposição, liberam-se gases como dióxido de carbono (CO2) e metano
(CH4), que podem ser queimados e transformados em energia elétrica, em vez
de serem liberados na atmosfera e contribuírem para o agravamento do efeito

3
FERREIRA, Omar Campos. O Sistema Elétrico Brasileiro. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Ensino
Superior, SECTES, Brasil. 2002. Disponível em <http://www.ecen.com/eee32/sistelet.htm>
4
Fonte: Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Energético do Ministério de Minas e Energia
(MME). Diretrizes e Prioridades da Política Energética. Fórum ABCE, realizado no Rio de Janeiro em
31/03/2009.
5
Artigo 2º da lei 9.427, de 26 de dezembro de 1996, que institui a ANEEL, disciplina o regime de
concessões e dá outras providências.
271

estufa. Neste contexto aparece a suinocultura, que na sua forma tradicional,


não tinha o objetivo de utilizar os dejetos como fonte para a geração de
energia, sendo estes lançados diretamente no solo ou em rios, causando sérios
problemas ambientais e impactando de maneira negativa e profunda no
equilíbrio do ecossistema natural.
Todavia, atualmente a produção de suínos caminha para sua auto-
sustentabilidade, aproveitando os dejetos e não mais os descartando no meio
ambiente. Hoje, pode-se dizer que os dejetos são tidos como matéria prima
para a auto-suficiência energética da unidade de produção, senão dizer até
para possível comercialização da energia gerada, permitindo ao suinocultor
tornar possível seu desenvolvimento de forma sustentável, adequando-se às
exigências ambientais e sociais, também, contribuindo com o Sistema Elétrico
Nacional.
Diante de todo este cenário, o Brasil possui um enorme potencial
energético a ser explorado através do aproveitamento dos resíduos da
suinocultura. Para tanto, o presente trabalho tem como objetivo abordar a
geração de eletricidade através dos dejetos de suínos (uma forma alternativa
de geração de energia), elencando as políticas energéticas nacionais, os
marcos legais, os mecanismos regulatórios e os aspectos técnicos
compreendidos neste processo.

2 POLÍTICAS NACIONAIS PARA A PRODUÇÃO DE ENERGIA


ALTERNATIVA
Dentre os diversos institutos que compõe a estrutura do Setor Elétrico
brasileiro, o Ministério de Minas e Energia (MME) e o Conselho Nacional de
Política Energética (CNPE) possuem competência para a elaboração das
políticas energéticas, juntamente com o Congresso Nacional, o Presidente da
República e a Câmara de Políticas de Infra-Estrutura do Conselho de Governo.
O Ministério de Minas e Energia e o Conselho Nacional de Política
Energética possuem a responsabilidade sobre: (i) o planejamento, a
administração e a criação de leis referentes às políticas e diretrizes da energia
elétrica, bem como de fontes alternativas de energia, (ii) a supervisão e o
272

controle da execução dessas políticas, e (iii) garantir o desenvolvimento


energético nacional através de sua estruturação e suprimento.
Neste certame, conforme brevemente exposto na introdução, a ANEEL
tem a competência de regular e fiscalizar a produção, transmissão, distribuição
e comercialização de energia elétrica, de acordo com as políticas e diretrizes
desenvolvidas pelo MME e pelo CNPE. Desta forma, a ANEEL não possui
alicerce legal para estipular medidas políticas acerca do Setor Elétrico, muito
menos estabelecer diretrizes quanto à expansão e ao desenvolvimento da
oferta de energia através das fontes alternativas. Este papel cabe ao Governo
Federal, através do MME e do CNPE, auxiliados pela Câmara de Políticas de
Infra-Estrutura do Conselho de Governo. Pode-se dizer que o processo de
consolidação do uso de fontes alternativas para a produção de energia sempre
esteve ligado às ações do Governo Federal.
A Lei n. 9.478 6, de 6 de agosto de 1997, com a qual a ANEEL deve
atuar em conformidade, dispôs sobre a política energética nacional, bem como
institui o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE).
A Lei elencou em seu artigo 1º os princípios e objetivos da política
energética, merecendo destaque quanto às fontes alternativas de geração de
energia os incisos:

Art. 1º As políticas nacionais para o aproveitamento racional


das fontes de energia visarão aos seguintes objetivos: II -
promover o desenvolvimento, ampliar o mercado de trabalho e
valorizar os recursos energéticos; IV - proteger o meio
ambiente e promover a conservação de energia; VII -
identificar as soluções mais adequadas para o suprimento de
energia elétrica nas diversas regiões do País; VIII - utilizar
fontes alternativas de energia, mediante o aproveitamento
econômico dos insumos disponíveis e das tecnologias
aplicáveis.

No setor da agroenergia deu-se grande incentivo através da Lei n. 9.991,


de 24 de julho de 2000. A Lei dispôs sobre a realização de investimentos em
Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) e em eficiência energética por parte das
empresas concessionárias, permissionárias e autorizadas do setor de energia
elétrica.

6
Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/L9478.htm>
273

Determinou-se que parte da receita operacional líquida das empresas


(1% da receita das empresas geradoras, 2% das transmissoras e 0,5% das
distribuidoras) fosse destinada a investimentos em programas P&D. A partir de
2006, o percentual de recursos a ser enviado pelas distribuidoras passou a ser
de 0,75% de sua receita operacional líquida.
Em 26 de abril de 2002, aprovou-se a Lei n. 10.438, que criou o
Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (PROINFA),
iniciando a consolidação de políticas incentivatórias para o desenvolvimento da
energia renovável.
O programa teve como objetivo aumentar a participação da energia
elétrica produzida por empreendimentos de Produtores Independentes
Autônomos, concebidos com base em fontes eólica, pequenas centrais
hidrelétricas e biomassa, no Sistema Elétrico Interligado Nacional.
Em novembro de 2005 o Ministério de Minas e Energia, juntamente com
o Ministério da Ciência e Tecnologia, o Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento, e o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio
Exterior, elaboraram as Diretrizes de Políticas de Agroenergia, compreendendo
o período que se estende de 2006 até 2011.
Neste Plano de Diretrizes, dentre as opções estratégicas para o
desenvolvimento de políticas de governo, está a produção de energia através
de resíduos agroflorestais, a qual consiste numa importante vertente da
agroenergia, forma complementar à agricultura energética (agricultura voltada
para a produção de matérias-primas de uso energético). Objetiva-se, desta
forma, produzir energia elétrica através do aproveitamento de resíduos
vegetais e animais, tais como restos de colheita, esterco animal (especialmente
na avicultura, suinocultura e bovinocultura em regime intensivo) e efluentes
agroindustriais.
Estes resíduos, em alguns casos, podem ser utilizados pelo produtor
rural ou agroindústria para a queima direta, visando a produção de calor. Em
outros, como no caso dos dejetos da suinocultura, a melhor alternativa é a
produção de biogás em biodigestores. O aproveitamento em grande escala do
274

biogás é uma alternativa para aumentar a eficiência do processo de co-geração


de energia elétrica.
Este Plano de Diretrizes, elaborado em conjunto com os Ministérios,
pretende implementar as políticas referentes aos resíduos agroflorestais
através do Desenvolvimento Tecnológico e da Autonomia Energética
Comunitária. Quanto à primeira, visa-se realizar pesquisas para o
desenvolvimento de tecnologias agropecuárias e industriais adequadas às
cadeias produtivas da agroenergia, que proporcionem maior competitividade,
agregação de valor aos produtos e redução de impactos ambientais,
contribuindo para a inserção econômica e social, inclusive com o
desenvolvimento de tecnologias apropriadas ao aproveitamento da biomassa
energética em pequena escala.
Em relação à segunda, através da Autonomia Energética Comunitária
objetiva-se propiciar às comunidades isoladas, aos agricultores, cooperativados
ou associados, e aos assentamentos de reforma agrária, meios para gerar sua
própria energia, em especial nas regiões remotas do território nacional.
Atualmente tramita no Congresso Nacional o projeto de lei 7 n. 523, de
2007, cuja autoria é do Deputado Federal Antonio Carlos Mendes Thame
(PSDB/SP). O PL tem por finalidade instituir a Política Nacional de Energias
Alternativas, incentivando a ampliação, o desenvolvimento e a disseminação do
uso das energias alternativas (geração de força motriz, de calor ou de
eletricidade através de biocombustíveis, biomassa, energia eólica, solar-
térmica, fotovoltaica e as pequenas centrais hidrelétricas – PCHs) em
detrimento dos combustíveis fósseis, e sugerindo incentivos ao
desenvolvimento tecnológico dessas fontes.
Os principais objetivos do PL são: a) até 2010, toda a administração
nacional, nos três níveis da Federação, deve ter concluído o inventário das
emissões de carbono de todas as suas atividades; b) Até 2012, todos os
veículos utilizados para serviços e atividades governamentais e administrativas
deverão ser movidos a biocombustíveis; c) Até 2020, a produção de energia
elétrica a partir de fontes alternativas deve corresponder a 25% de toda a

7
Disponível em < http://www.cidadessolares.org.br/downloads/leis/pl523-2007.pdf >
275

energia gerada e consumida no Brasil, devendo, até 2030, subir para 35%; d)
Até 2020, o Poder Público promoverá o inventário do potencial para a
construção, reativação ou o repotenciamento de PCHs por meio da realização
de inventário de bacias de médio e pequeno porte existentes, além de estudos
para a otimização de controles de carga/freqüência destas, prospectando o
potencial gerador; e) Até 2030, a União destinará 25% dos recursos
orçamentários federais (destinados anualmente ao desenvolvimento científico e
tecnológico) à pesquisa e à inovação de tecnologias, processos e produtos
relacionados à geração, transmissão e distribuição de energia produzida a
partir de fontes alternativas, à racionalização e à conservação de energia.
Importante mencionar, também, que em março de 2009, no Fórum
ABCE, realizado no Rio de Janeiro, a Secretaria de Planejamento e
Desenvolvimento Energético do Ministério de Minas e Energia deu grande
ênfase quanto às Diretrizes Energéticas para a geração de energia elétrica com
fontes alternativas, estipulando como metas (i) o aproveitamento da geração
eólica, com um aumento de 5GW até 2030; (ii) o planejamento, até 2030, de
uma geração de energia elétrica de cerca de 1.300 MW com resíduos urbanos,
cerca de 7.000 MW com PCH e cerca de 6.000 MW com Biomassa da cana-
de-açúcar; (iii) a promoção de um mercado sustentável para fontes alternativas
de energia com sinergia das políticas energética e industrial.

3 PRODUÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA ATRAVÉS DA UTILIZAÇÃO DE


DEJETOS DE SUINOS – ASPECTOS TÉCNICOS
Segundo o Ministério de Minas e Energia, o Brasil possui uma “situação
privilegiada em termos de utilização de fontes renováveis de energia. No país,
43,9% da Oferta Interna de Energia (OIE) 8 é renovável, enquanto a média
mundial é de 14% e nos países desenvolvidos, de apenas 6%. 9 Porém, há
ainda um enorme potencial de fontes renováveis de energia que deve ser
aproveitado, destacando-se a energia solar, eólica, biomassa e biogás.

1
A Oferta Interna de Energia também é conhecida como matriz energética, que representa toda energia
disponibilizada para poder ser transformada, distribuída e consumida nos processos produtivos do Brasil.
9
Disponível em: http://www.mme.gov.br
276

Nas áreas rurais, onde atividades como a da suinocultura são


desenvolvidas, existe uma grande disponibilidade de resíduos animais,
principalmente através dos dejetos suínos e efluentes, considerados uma
importante matéria-prima para a produção de biomassa e biogás.
A biomassa tratada passa naturalmente do estado sólido para o gasoso
por meio da ação de microorganismos, formando o biogás, que possui um
grande potencial energético e que pode ser utilizado na geração de energia
elétrica, térmica ou mecânica.
Segundo dados do IBGE 10 (2006), o Brasil ocupa a quarta posição na
produção mundial de suínos, atrás da China, União Européia e Estados
Unidos. O país conta com 35,2 milhões de cabeças, sendo que o Estado de
Santa Catarina, isoladamente, é o principal Estado produtor, representando
20,4% dos animais. Desta forma, pode-se perceber que há um potencial
energético expressivo que pode ser aproveitado pelos suinocultores com
relação à biomassa e biogás.
Com o objetivo de cumprir com as crescentes exigências ambientais,
vários suinocultores estão implantando em suas propriedades rurais métodos
que visam à redução do alto potencial poluidor de sua atividade. Um desses
métodos consiste no aproveitamento do biogás através de biodigestores, que
são reatores anaeróbicos, ou seja, permitem a transformação de compostos
orgânicos complexos em substâncias mais simples, como metano e dióxido de
carbono, através da ação combinada de diferentes microorganismos que atuam
na ausência de oxigênio.
Considerando que cada suíno produz em média 72 litros de dejetos por
11
dia , pode-se perceber que uma granja, mesmo que de pequeno porte, produz
diariamente uma quantidade expressiva de poluentes, que se não tratados de
maneira adequada se transformam em uma preocupação ambiental.
Tomando como exemplo o projeto executado em uma granja de
suinocultura localizada na região Oeste de Santa Catarina – que se distingue
como referência na produção de suínos em todo o território nacional, pelos
expressivos resultados que vem obtendo com seus procedimentos de
10
Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia
11
Dados da Embrapa. Disponível em: http://www.cnpsa.embrapa.br
277

desenvolvimento sustentável– é possível constatar que os avanços


tecnológicos na área de geração de energia renovável estão cada vez mais
próximos dos suinocultores, apesar dos altos custos de implementação.
Com um plantel de 50 mil suínos em suas diversas fases de produção
(como matrizes em preparação – denominadas marrãs –, gestação,
maternidade, reprodutores e leitões), a Granja tem como objetivo, na área
ambiental, promover a melhoria na qualidade da água lançada nos rios, reduzir
os gases agravantes do efeito estufa (comercializando as Reduções
Certificadas de Emissão) e produzir energia elétrica através do biogás, sendo
auto-suficiente energeticamente e com perspectivas de venda do excedente
para a concessionária de energia local.
Na Granja são gerados em média 350 mil litros por dia de efluentes de
suínos, constituídos de fezes, urina e volumes expressivos de água, que é
utilizada no manejo e na limpeza das instalações. O manejo dos resíduos
destes animais produz gás metano quando são armazenados e tratados em
sistemas líquidos, particularmente lagoas anaeróbias, cuja finalidade é reduzir
e estabilizar a matéria orgânica e recuperar o substrato, para que este possa
ser utilizado como fertilizante e na produção de biogás. Desta forma, os dejetos
e efluentes são transportados das instalações dos suínos, por meio de
tubulações de PVC, para dois sistemas completos de tratamento, cada um
constituído por:
• Composteira: local de depósito e processamento da matéria
orgânica de animais mortos e descartados. Neste material é adicionada
maravalha, para diminuir o mau odor e acelerar o processo de compostagem.
O resultado é um composto orgânico que pode ser utilizado na agricultura,
propiciando melhorias nas condições físicas e químicas do solo.
• Separador de sólidos: também denominado “decantador”, que é
responsável pela separação entre os dejetos sólidos dos suínos e dos líquidos.
O lodo que se forma no fundo dos biodigestores é utilizado juntamente com os
sólidos dos decantadores, para produção e comercialização de adubo
orgânico, de forma seca e estabilizada.
278

• Duas lagoas anaeróbicas: tratamento primário do efluente,


dimensionada para receber cargas orgânicas elevadas, que impedem a
existência de oxigênio dissolvido no meio.
• Uma lagoa facultativa: tratamento secundário do efluente, que tem
como característica a dualidade ambiental, pois é aeróbica na superfície e
anaeróbica no fundo.
• Uma lagoa de maturação: tem como finalidade “polir” o efluente
tratado, que possui uma grande quantidade de sólidos suspensos.
• Três banhados construídos: consistem na percolação do efluente
tratado em tanques preenchidos com pedra brita, servindo como filtragem final.
Para a melhor oxigenação do efluente tratado, foram instaladas cascatas
em alvenaria após as lagoas anaeróbicas.
Com o objetivo de capturar o biogás produzido na Granja e gerar energia
elétrica, foram instalados biodigestores, em manta plástica semiflexível, nas
duas lagoas anaeróbicas de cada sistema de tratamento. O biogás é
transportado dos biodigestores até uma central de geração de energia, através
de gasodutos. Através de um compressor, o biogás é aspirado até o gasômetro
(pulmão de gás), cuja finalidade é armazenar biogás suficiente para que o
moto-gerador funcione por determinado tempo. Posteriormente, o biogás é
transferido ao grupo motor-gerador, onde é transformado em energia elétrica.
No percurso do gasoduto, foram instalados diversos purgadores, cuja
função é retirar o líquido que se condensa ao longo da tubulação, melhorando
a qualidade do biogás gerado e impedindo que o líquido chegue ao moto-
gerador, o que causaria corrosão do equipamento. Para filtrar o biogás antes
de sua chegada no moto- gerador, utiliza- se também um filtro de esponja de
aço.
A composição do biogás depende de vários fatores, como o tipo de
digestor e o tipo de biomassa que é digerida. Porém, sua composição
geralmente está compreendida nas seguintes porcentagens: Metano (50 a
80%), Dióxido de Carbono (20 a 40%), Hidrogênio (1 a 3%), Nitrogênio (0,5 a
3%) e Gás Sulfídrico e outros (1 a 5%) 12.

12
Fonte: La Farge, B. LeBiogaz –Procedes de Fermentation Méthanique. Paris: Masson, 1979.
279

Como a maior parte do processo que compreende a geração de energia


é aeróbico, não há emissões significativas de gases que agravam o efeito
estufa. A redução das emissões de GEE, principalmente gás metano, é
conseguida através da combustão deste gás no motor-gerador para a produção
de energia, e seu excedente é queimado no flare (queimador), convertendo o
biogás em CO2, cujo potencial de aquecimento global é 21 vezes menor que o
gás metano 13. Portanto, o CO2 equivalente (CO2e) do metano é igual a 21, e
uma tonelada de metano reduzida corresponde a 21 créditos de carbono. Na
Granja em referência, a estimativa anual de reduções de emissões é de 10.000
tCO2 por ano. 14
Cabe destacar que, para que todo esse processo atinja o resultado
desejado, os procedimentos operacionais devem estar em constante
aprimoramento, visando adequar ambientalmente toda cadeia produtiva, desde
o manejo inicial dos dejetos suínos até a geração de energia elétrica através do
biogás.

4 MARCOS LEGAIS E OS MECANISMOS REGULATÓRIOS QUANTO ÀS


ENERGIAS ALTERNATIVAS
O papel da ANEEL quanto às fontes alternativas de geração de energia
elétrica está previsto na legislação vigente do setor elétrico brasileiro, incluindo
a lei que instituiu e o decreto que regulamenta a Agência.
Desta forma, com o intuito de elencar a atuação da ANEEL no setor de
energia alternativa e legislação pertinente, será apresentada uma síntese
abrangendo os principais marcos legais (leis e decretos) e os mecanismos
regulatórios (resoluções), que disciplinam e regulamentam a respeito da
matéria. Importante mencionar que a disposição legal quanto às políticas
nacionais já foi apresentada anteriormente.

13
Segundo informações do Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getúlio Vargas.
Disponível em: http://www.ces.fgvsp.br
14
As emissões de gases do efeito estufa são expressas em toneladas de CO2 equivalente (tCO2e), que é a
medida padronizada pela ONU para quantificar as emissões globais.
280

4.1 MARCOS LEGAIS


Lei n. 9.427, de 26 de dezembro de 1996: institui a Agência Nacional
de Energia Elétrica (ANEEL), disciplina o regime das concessões de serviços
públicos de energia elétrica e dá outras providências, entre elas a isenção do
pagamento de compensação financeira pela utilização de recursos hídricos,
para empreendimentos hidrelétricos de pequeno porte (PCHs).
Decreto n. 2.003, de 10 de setembro de 1996: define e regulamenta a
produção independente e a autoprodução de energia elétrica, modalidades
importantes na geração de energia elétrica com fontes alternativas e
renováveis.
Lei n. 9.648, de 27 d maio de 1998: estabelece incentivos às fontes
alternativas renováveis de energia que substituam geração térmica e derivados
de petróleo em sistema elétrico isolado.
Lei n. 10.438, de 26 de abril de 2002: cria o Programa de Incentivo às
Fontes Alternativas de Energia Elétrica (PROINFA), a Conta de
Desenvolvimento Energético (CDE), e altera dispositivos legais que interferem
no aproveitamento de fontes alternativas e co-geração de energia. Merecem
destaque as seguintes alterações: a) estendeu a empreendimentos, com
potência de até 30 MW, de geração eólica, à biomassa e à co-geração
qualificada os benefícios da redução (não-inferior a 50%) dos encargos de uso
dos sistemas de transmissão e distribuição; b) estendeu à energia eólica, à
solar e à biomassa os benefícios da comercialização de energia com
consumidor ou grupo de consumidores de carga maior ou igual a 500 kW, no
sistema elétrico interligado; c) estendeu por mais 20 anos a sistemática de
rateio da Conta de Consumo de Combustíveis (CCC) nos sistemas isolados,
obrigando, porém, o estabelecimento de mecanismos que induzam à eficiência
econômica e energética, à valorização do meio ambiente e à utilização de
recursos energéticos locais; d) estabeleceu novos procedimentos e
mecanismos para a alocação dos recursos da Reserva Global de Reversão
(RGR), incluindo a destinação de recursos para empreendimentos de geração
com fontes alternativas, particularmente de pequeno porte (até 5 MW) para o
atendimento de comunidades em sistemas elétricos isolados.
281

Decreto n. 5.163, de 30 de julho de 2004: regulamenta a


comercialização de energia elétrica, o processo de outorga de concessões de
autorização de geração de energia elétrica e dá outros provimentos, entre os
quais se destaca o enquadramento da energia elétrica gerada por meio de
fontes alternativas como provenientes de empreendimentos de geração novos
ou existentes, para a aquisição de energia pelos agentes de distribuição do
SIN;
Decreto n. 6.048, de 27 de fevereiro de 2007: altera os arts. 11, 19, 27,
34 e 36 do Decreto nº 5.163, de 30 de julho de 2004, que regulamenta a
comercialização de energia elétrica, o processo de outorga de concessões e de
autorizações de geração de energia elétrica, estabelecendo: a) para
cumprimento à obrigação de atendimento de cem por cento da demanda dos
agentes de distribuição, a ANEEL poderá, excepcionalmente, de acordo com
as diretrizes do Ministério de Minas e Energia, promover direta ou
indiretamente leilões de compra de energia proveniente de fontes alternativas,
independentemente da data de outorga; b) os leilões para compra de energia
elétrica serão promovidos entre os anos "A-1" e "A-5"; c) os vencedores dos
leilões de energia proveniente de empreendimentos de geração novos ou
existentes deverão formalizar contrato bilateral denominado Contrato de
Comercialização de Energia Elétrica no Ambiente Regulado - CCEAR,
celebrado entre cada agente vendedor e todos os agentes de distribuição
compradores, no mínimo dez e no máximo trinta anos, contados do início do
suprimento de energia proveniente de fontes alternativas.

4.2 MECANISMOS REGULATÓRIOS - ANEEL


Resolução n. 112, de 18 de maio de 1999: estabelece os requisitos
necessários à obtenção de Registro ou Autorização para a implantação,
ampliação ou repotencialização de centrais geradoras termelétricas, eólicas e
de outras fontes alternativas de energia.
Resolução Normativa n. 77, de 18 de agosto de 2004: estabelece os
procedimentos vinculados à redução de tarifas de uso dos sistemas elétricos
de transmissão e de distribuição, para empreendimentos hidroelétricos e
282

aqueles com fonte solar, eólica, biomassa ou co-geração qualificada, com


potência instalada menor ou igual a 30.000 kW.
Resolução Normativa n. 167, de 10 de outubro de 2005: estabelece
as condições para comercialização de energia proveniente de Geração
Distribuída.
Resolução Normativa n. 247, de 21 de dezembro de 2006: estabelece
as condições para a comercialização de energia elétrica, oriunda de
empreendimentos de geração que utilizem fontes primárias incentivadas
(dentre eles os empreendimentos com base em fontes solar, eólica e
biomassa, cuja potência instalada seja menor ou igual a 30.000 kW), e dá
outras providências.

5 COMERCIALIZAÇÃO DA ENERGIA DISTRIBUIDA – SUINOCULTURA E


PRODUTORES RURAIS
No final de 2008, a ANEEL autorizou a concessionária COPEL
(Companhia Paranaense de Energia) a receber em sua rede o excedente da
energia produzida por produtores rurais. Esse projeto-piloto de geração e
distribuição de energia com base na biodigestão de dejetos orgânicos foi
efetivado através da parceria entre COPEL e a ITAIPU Binacional, que é a
maior hidrelétrica do mundo em geração de energia.
O experimento permitiu que a Copel pudesse comprar e absorver os
excedentes da energia gerada pelos agricultores, sendo que, pela primeira vez,
uma concessionária de energia contratou o fornecimento de energia por
geração distribuída (modalidade criada pelo Decreto n. 5.163/2004 e
regulamentada através da Resolução Normativa n. 167/2005).
Foram firmados seis contratos – Sanepar, Granja Colombari, Star Milk e
a Cooperativa Lar, a qual compreende três complexos de aves, suínos e
vegetais – com vigência até o final do ano de 2012, totalizando 524 KW de
potência (suficiente para atender 130 domicílios de padrão médio 15).

5 CONCLUSÃO
15
Itaipu Binacional. Disponível em http://www.itaipu.gov.py/index.php?q=pt/node/435&id_noticia=2473
283

A produção de energia elétrica através do biogás gerado pelos dejetos


de animais representa um marco para o setor elétrico nacional. Através da
implementação de políticas energéticas por parte do Governo Federal, do
Ministério de Minas e Energia e do Conselho Nacional de Política Energética,
incentivou-se o desenvolvimento de tecnologias agropecuárias, inclusive
tecnologias apropriadas ao aproveitamento do biogás em pequena escala,
influenciando diretamente na cadeia produtiva da agroenergia.
Como ocorre para todas as fontes renováveis de energia, a efetiva
viabilização do potencial de produção de eletricidade requer não apenas a
definição de políticas de fomento, mas também a elaboração de leis e
conseqüente regulamentação, sendo imprescindível a atuação da Agência
responsável (ANEEL) para desenvolver este papel.
No momento em que as mudanças climáticas impõem a necessidade de
desenvolvermos cada vez mais as fontes alternativas de energia, a viabilidade
técnica da produção de energia, através do biogás de dejetos de suínos, ficou
comprovada com a venda de energia elétrica excedente. Agora, resta
continuarmos a caminhada em busca de novas tecnologias para geração de
energia limpa.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getúlio Vargas.


Disponível em: http://www.ces.fgvsp.br

Embrapa. Disponível em: http://www.cnpsa.embrapa.br

Decreto n. 2.003, de 10 de setembro de 1996.

Decreto n. 5.163, de 30 de julho de 2004.

Decreto n. 6.048, de 27 de fevereiro de 2007.

Projeto de Lei n. 523 de 2007 de autoria do Deputado Federal Antonio Carlos


Mendes Thame (PSDB). Disponível em
www.cidadessolares.org.br/downloads/leis
284

FERREIRA, Omar Campos. O Sistema Elétrico Brasileiro. Secretaria de


Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, SECTES, Brasil. 2002. Disponível em
http://www.ecen.com/eee32/sistelet.htm

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Disponível em


http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_notic
ia

Ministério de Minas e Energia. Disponível em http://www.mme.gov.br

Itaipu Binacional. Disponível em http://www.itaupu.gov.br

La Farge, B. Le Biogaz. Paris: Masson, 1979, apud Souza,Pereira, Nogueira,


Pavan e Sordi. Custo da eletricidade gerada em conjundo motor gerador
utilizando biogás da suinocultura. Acta Scientiarum. Technology, v. 26, no2,
p.127-133. Maringá, 2004.

Lei n. 10.438, de 26 de abril de 2002.

Lei n. 9.427, de 26 de dezembro de 1996.

Lei n. 9.478, de 6 de agosto de 1997.

Lei n. 9.648, de 27 de maio de 1998.

Resolução n. 112, de 18 de maio de 1999 (ANEEL).

Resolução Normativa n. 167, de 10 de outubro de 2005 (ANEEL).

Resolução Normativa n. 247, de 21 de dezembro de 2006 (ANEEL).

Resolução Normativa n. 77, de 18 de agosto de 2004 (ANEEL).

Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Energético do Ministério de


Minas e

Energia (MME). Diretrizes e Prioridades da Política Energética. Fórum ABCE,


realizado no Rio de Janeiro em 31/03/2009.
285

DANO AMBIENTAL, CRISE DO VÍNCULO E DO LIMITE NA RELAÇÃO


HOMEM/NATUREZA:
Em busca de sustentabilidade

CAMILA COPETTI 1
RAQUEL FABIANA SPAREMBERGER 2

A função do Estado está historicamente ligada à concepção dos Direitos


Humanos, sendo objetivo primordial das ações estatais oferecer condições
dignas de vida aos cidadãos. Tais condições se manifestam também pela
manutenção de um meio ambiente saudável, equilibrado, como um bem de uso
comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida conforme preceitua
nossa legislação infraconstitucional e que tem sido preocupação do Estado
moderno, que busca mecanismos no ordenamento jurídico pátrio para defesa
do bem jurídico meio ambiente.
A grandeza e a harmonia da obra da criação vêm sendo destruídas pela
ação do homem que interpretou e agiu de forma equivocada diante das
riquezas naturais a ele concedidas. O que se constata é a substituição do
equilíbrio, da proteção ambiental por uma histórica e desmedida degradação.
Dentro deste cenário de devastação ambiental, o homem vem tomando
consciência de que um novo modelo de relação com o meio ambiente é preciso
ser estabelecido. O interesse por políticas de preservação ambiental vem
crescendo diuturnamente por governos democráticos conscientes e
organizações não governamentais. São iniciativas necessárias e
vanguardistas.

1
Bacharel em Direito. Especialista em Gestão Ambiental. Mestranda em Desenvolvimento. Direito,
Política e Cidadania pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.
2
Pós-Doutora em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina, Doutora em Direito pela
Universidade Federal do Paraná, professora no Departamento de Estudos Jurídicos da Unijuí e no
Departamento de Direito Público do Centro de Ciências Jurídicas e Sociais da Universidade de Caxias do
Sul e nos programas de Mestrado em Desenvolvimento Gestão e Cidadania da Unijuí e no Mestrado em
Direito da Universidade de Caxias do Sul, professora pesquisadora no CNPq.
286

O papel do Estado na implementação do desenvolvimento sustentável é


decisivo e pode ser empreendido por meio de instrumentos normativos e
econômicos. Assim, ante as significativas conscientizações e modificações da
sociedade e de seus agentes a legislação vem garantir os direitos e os
interesses da coletividade na defesa do meio ambiente.
Destaca-se a importância do direito ao meio ambiente saudável, como
ponto central para o bem-estar da sociedade em geral. E mais, em sendo o
respeito ao meio ambiente o respeito à própria vida, a sua implementação faz-
se imprescindível para que desfrutemos dos demais direitos fundamentais,
superando ou ao menos minimizando os danos ambientais.
Os tempos históricos atestam a presença e as atividades do homem.
Mais do que isso, testemunham as alterações por ele impostas ao
ecossistema. Num prazo cada vez mais curto, o homo sapiens vem dilapidando
os patrimônios formados tão lentamente e cujos processos dificilmente voltarão
ao status quo. São recursos consumidos e esgotados que dificilmente se
recriarão.
E assim, neste ínterim chega-se ao estado atual, momento que as ações
por diversas vezes, desencontram-se com os deveres e acabam por
comprometer nosso próprio destino haja vista tamanha devastação ambiental.
A cada momento depara-se com inúmeros e variados problemas ambientais. É
a problemática ambiental que está em pauta nos noticiários, nos bancos
escolares, nos tribunais e até nas conversas informais do cotidiano.
Por onde quer que se observe, presentes estão agressões do homem
para com o meio ambiente: queimadas, desmatamento desenfreado, poluição
das nascentes, lixos domésticos, industriais e hospitalares “desovados” em
qualquer canto e de qualquer forma, utilização indevida e desenfreada de
agrotóxicos, poluição sonora e visual, queima de combustíveis fósseis dentre
outros são algumas práticas diárias do homem.
Odum compara o homem a um parasita em razão destas práticas
dizendo que “até a data, e no geral, o homem atuou no seu ambiente como um
287

parasita, tomando o que dele deseja com pouca atenção pela saúde de seu
hospedeiro, isto é, do sistema de sustentação da sua vida” 3.
Estamos diante de uma verdadeira crise ambiental, a crise da percepção
da natureza pelo homem. Uma crise que não se limita apenas a aspectos
físicos, químicos ou biológicos das alterações do meio ambiente, mas uma
crise de valores culturais e espirituais que aflige toda a civilização moderna.
Modernidade que, na busca de um desenvolvimento sustentável não
deseja uma natureza-sujeito tampouco uma natureza-objeto. Ost 4 propõe um
conceito de natureza-projeto visando um desenvolvimento sustentado e um
futuro possível.
Neste novo estilo, sustentável, de desenvolvimento o movimento
ambientalista assume preponderantemente a formulação e implementação de
políticas públicas voltadas à proteção ambiental em lugares, tempos e por
motivos diferentes. Segundo MacCormick 5 o movimento ambientalista passou
dos movimentos nacionais para ser um movimento multinacional. Cresce a
percepção dentro do movimento ambientalista de que o discurso ambiental não
se encontrava efetivamente disseminado na sociedade brasileira.
Cresce a cultura ambientalista brasileira na exata medida que o
socioambientalismo se torna parte constitutiva de um universo cada vez maior
de organizações não-governamentais (ONGs) e movimentos sociais. Isto se dá
ao passo que os grupos ambientalistas acabam por influenciar diversos
movimentos sociais que, embora não tenham como seu eixo central a temática
ambiental, acabam por incorporar gradativamente a proteção ambiental como
uma dimensão extremamente relevante ao seu trabalho desenvolvido. É um
movimento que se situa num cenário bastante amplo de direitos e
reivindicações.
Sem dúvida, em diversos países, principalmente os da América Latina
que se encontram em processo de industrialização, grupos ambientalistas

3
ODUM, Eugene P. Fundamentos da Ecologia. Lisboa: Fundação Clouste Gulbenkian, 1997, p.811.
4
OST, François. A natureza à margem da lei. Lisboa: Piaget, 1995.
5
McCORMICK, John. Rumo ao Paraíso. A história do Movimento Ambientalista. Cap. I, III, IV e V. Rio
de Janeiro: Relume-Dumerá, 1992.
288

multiplicam-se e aliam-se a grupos de direitos humanos, de feministas e a


organizações não-governamentais (ONGs).
Dentro deste cenário surge o conceito de justiça ambiental definido por
Castells como:

[...] noção ampla que reafirma o valor da vida em todas as


suas manifestações, contra os interesses de riqueza, poder e
tecnologia, conquistando gradativamente as mentes e as
políticas, à medida que o movimento ambientalista ingressa
em um novo estágio de desenvolvimento. 6

O enfoque ecológico à vida, à economia e às instituições da sociedade


segundo Castells “enfatiza o caráter holístico de todas as formas de matéria,
bem como de todo processamento de informações” 7.
Assim, quanto mais se adquire conhecimento, tanto mais se percebe as
potencialidades de nossa tecnologia, bem como o abismo gigantesco e
perigoso entre a nossa capacidade de produção cada vez maior e a nossa
organização social primitiva, inconsciente e, em última análise, destrutiva.
O progresso da pesquisa científica, a disseminação dos assentamentos
humanos, intensificação da indústria, o crescimento da mobilidade pessoal,
crescimento demográfico, mudanças nas relações sociais e econômicas são
algumas das causas propulsoras do movimento ambientalista. Mas não
significa que não ocorram críticas a este movimento. A principal é a
possibilidade deste movimento ser absorvido pelo empresariado que se utiliza
de slogans como “tecnologia limpa”e “produto verde” na busca do lucro fácil por
meio do senso de oportunismo.
Os movimentos ambientalistas passaram por diversas situações da sua
origem à atualidade. Carregam na história os primeiros movimentos ecologistas
que foram importantes e essenciais para se constituir o que temos hoje. O que
se destaca é a luta e a resistência contra um sistema opressor que agride a
natureza e fere a integridade do ser humano.
Necessário neste momento, ressaltar que toda a vertente do
antropocentrismo tecnocêntrico tem se destacado por ser um movimento que

6
CASTELLS, Manuel. O verdejar do ser: o movimento ambientalista. In O Poder da Identidade.
Tradução de Klauss Brandini Gerherd. 3. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2002, p. 141-168.
7
Op. cit.
289

engloba a ecologia e a humanidade como partes do eixo central da natureza.


Percebe-se que homem e tecnologia não são centro de si mesmos. Na verdade
é uma relação do homem e da técnica para a natureza, no sentido de buscar a
sustentabilidade para ambos. O homem é parte da natureza responsável pela
sustentabilidade do planeta e pela justiça social.
Nesta reflexão sobre o verdadeiro papel do homem o movimento
ambientalista surge como um “sinal de alerta” para a população em geral de
que o meio ambiente, como um bem público, destinado à fruição de todos os
cidadãos, bem este a ser necessariamente protegido, assegurado e
perpetuado, necessita da proteção do Poder Público e dos solícitos cuidados
da sociedade em geral.
Esta crise ecológica, na visão de Ost 8, é a crise da nossa relação com a
natureza, a crise do vínculo e a crise do limite: uma crise de paradigma. Desta
crise do vínculo e do limite vem a grande indagação: o que devemos nós fazer?
Para o autor Francês a modernidade ocidental transformou a natureza
em ambiente como um simples cenário no centro do qual reina o homem, que
se autoproclama “dono e senhor”. Ambiente este que, muito cedo perderá toda
consistência ontológica, sendo reduzido a um simples reservatório de recursos,
antes de se tornar em depósito de resíduos.
A crise existente parece ser conseqüência da verdadeira guerra que se
trava em torno da apropriação dos recursos naturais limitados para satisfação
de necessidades ilimitadas. É este o fenômeno tão simples quanto importante –
bens finitos versus necessidades infinitas sustentadas pelo capitalismo
exacerbado – que está na raiz de grande parte dos conflitos que se
estabelecem no seio da comunidade. Uma crise que demonstra a incapacidade
da ciência até então tida como universal, em fornecer uma visão de mundo
compatível com os desejos e as necessidades do homem.
Milaré 9 alerta para os resultados desastrosos desta crise. Acredita que
as respostas possíveis a tantas formas de atentado à “nossa casa” nessa crise

8
Op. cit., p. 07-24.
9
Édis Milaré, em sua obra: Direito do Ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2005, p. 131, afirma que a corrida armamentista e as guerras, em regra, não passam de
dimensões entre países que buscam a conquista da hegemonia sobre os bens essências e estratégicos da
natureza. A questão ideológica nada mais é do que um biombo a esconder esta verdade. De fato, a
290

global é sem dúvida, a reformulação do comportamento da sociedade humana


e a busca do Direito para impor limites, para coibir, com regras coercitivas,
penalidades e imposições oficiais, a desordem e a prepotência dos poderosos
(poluidores).
Neste sentido surge a necessidade urgente de um paradigma ambiental
e, o repensar do Direito enquanto ciência, alerta Lorenzetti:

[...] o surgimento dos problemas relativos ao meio


ambiente tem produzido um redimensionamento de nossa
forma de examinar o Direito, já que incide na fase das
hipóteses, de apresentação dos problemas jurídicos. Não
suscita uma mutação disciplinar, mas epistemológica. [...]
Trata-se de problemas que convocam todas as ciências a uma
nova festa, exigindo-lhes um vestido novo. No caso do Direito,
o convite é amplo: compreende o público e o privado, o penal
e o civil, o administrativo e o processual, sem excluir ninguém,
com a condição de que sejam adotadas novas
características 10.

Eis que um novo paradigma ambiental precisa ser estabelecido. A


oportunidade trazida pela conscientização, dos diversos elementos da
sociedade, de que esta desordem ecológica talvez não produza vencedores
pode representar o inicio de uma nova era de cooperação entre as nações,
visando à adoção de padrões adequados de utilização dos recursos naturais.
Porque, de fato, a natureza morta não serve ao homem.
A utilização dos recursos naturais, deve subordinar-se aos princípios
maiores de uma vida digna, onde o interesse econômico não prevaleça sobre o
interesse comum da sobrevivência da humanidade quiçá do próprio Planeta.
Para tanto, é inadiável que o homem mude sua política em relação ao meio
ambiente.
As agressões aos bens da natureza, pondo em risco o destino dos
homens, vem acordando a sociedade na tentativa de repensar o mero

possibilidade de conflitos tende a aumentar, já que o mundo, depois de enfrentar a crise do petróleo na
segunda metade do século XX, prepara-se agora para enfrentar a crise da água. Lembre-se por exemplo,
que a paz no Oriente Médio estará sempre em risco pela ameaça de uma bomba-d’água. Aliás, um dos
motivos da guerra entre Israel e seus vizinhos ( a Guerra dos Seis Dias), em 1967, foi justamente a
ameaça, por parte dos árabes, de desviar o fluxo da rio Jordão, que juntamente com seus afluentes,
fornece 60% da água consumida em Israel.
10
Lorenzetti, Ricardo Luis. Fundamentos de Direito Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p.
557-558.
291

desenvolvimento econômico e buscar fórmulas alternativas como o


desenvolvimento sustentável cuja característica principal consiste na possível e
desejável conciliação entre o desenvolvimento, a preservação do meio
ambiente e a melhoria da qualidade de vida.
Milaré 11 afirma que é falso o dilema “ou desenvolvimento ou meio
ambiente”, a medida em que, sendo um, fonte de recursos para o outro, ambos
devem harmonizar-se e complementar-se.
Harmonizar desenvolvimento e meio ambiente significa considerar os
problemas ambientais dentro de um processo contínuo de planejamento,
observando sempre as suas inter-relações particulares dentro de cada contexto
sociocultural, político, econômico e claro, ecológico dentro de uma dimensão
de tempo e espaço.
O professor José Carlso Barbieri adverte:

Considerando que o conceito de desenvolvimento


sustentável sugere um legado permanente de uma geração a
outra, para que todas possam prover suas necessidades, a
sustentabilidade, ou seja, a qualidade daquilo que é
sustentável, passa a incorporar o significado de manutenção e
conservação ad aeternum dos recursos naturais. Isso exige
avanços científicos e tecnológicos que ampliem
permanentemente a capacidade de utilizar, recuperar e
conservar esses recursos, bem como novos conceitos de
necessidade humanas para aliviar as pressões da sociedade
sobre eles 12.

Nosso país, assim como os demais em desenvolvimento, precisam gerar


riquezas para enfrentar os desafios da mudança social. Contudo, os símbolos
mais claros são a taxa de crescimento da população e principalmente a
consolidação de uma pobreza estrutural. Milhares de brasileiros vivem em
condições de pobreza absoluta, miséria extrema que precisa ser tratada como
problema planetário e modificada para condições mais dignas de vida. Nesta
situação, o meio ambiente precisa ser compreendido como patrimônio não só
desta geração, mas também das gerações futuras. É preciso crescer, mas de
maneira planejada e sustentável com a proteção da qualidade ambiental.
11
Op. cit., p. 53
12
Barbieri, José C. Desenvolvimento e meio ambiente: as estratégias de mudança da Agenda 21.
Petrópolis: Vozes, 2000, p. 31.
292

O desenvolvimento sustentável exige da sociedade que suas


necessidades sejam satisfeitas pelo aumento da produtividade e pela criação
de oportunidades políticas, econômicas e sociais iguais para todos. Este
desenvolvimento não pode por em risco o meio ambiente, deve ser um
processo harmonioso entre o uso dos recursos, as políticas econômicas, a
dinâmica populacional e as estruturas institucionais.
A superação desse quadro de degradação e mais, de desconsideração
ambiental incorre necessariamente por mudanças na compreensão e na
conduta humana. Edgar Morin 13 afirma ser necessária uma tentativa de
“reforma do pensamento”, teórica e conceitual, para tornar possível uma
ciência da ecologia, integrando as ciências do homem ao conceito da vida.
A passos lentos a população toma consciência da necessidade deste
novo paradigma ambiental e inicia um processo de concordância com respeito
às direções que devemos seguir para alcançar a sustentabilidade econômica,
ambiental e social. Há necessidade da existência de novas instituições que
conservem os ativos naturais e os repassem as futuras gerações, que
estimulem a regeneração dos recursos renováveis e a manutenção da
biodiversidade, que desenvolvam novas tecnologias limpas, que possibilitem
estilos de vida que poupem energia e evitem o gasto material intensivo.
O fim primordial de nossas preocupações e ações em relação à proteção
do meio ambiente deve ser o de prevenir qualquer dano ambiental que possa
ser causado pelo homem. Contudo, quando tal prevenção não for possível,
parte-se para a questão da reparação do dano ambiental, que deve ser a mais
integral, tanto quanto possível a fim de desencorajar condutas consideradas
nocivas ao meio ambiente e responsabilizar os agentes infratores da lei.
Questões ecológicas não podem ser reduzidas a uma preocupação com
o ambiente. O natural e o social estão intimamente interligados ao ponto de
serem confundidos entre si. Ao homem cabe tomar decisões práticas e éticas
em relação ao meio ambiente.

13
Apud PENA-VEGA, Alfredo. O Despertar Ecológico: Edgar Morin e a ecologia complexa. Tradução:
Renato Carvalheira do Nascimento e Elimar Pinheiro do Nascimento. Rio de Janeiro: Garamond, 2003, p.
25.
293

A sociedade contemporânea apresenta riscos. São riscos demonstrados


pela crise ambiental que por vezes fogem do controle humano eis que a
velocidade com que são produzidos não acompanha a lentidão com que são
geridos ou administrados. Morato Leite e Ayala definem o risco como:

a expressão característica das sociedades que se organizam


sob a ênfase da inovação, da mudança e da ousadia.
Reproduz essencialmente a pretensão moderna de tornar
previsíveis e controláveis as conseqüências imprevisíveis das
decisões, tentando submeter ao controle o que é incontrolável,
propondo prever o imprevisível [...] com o objetivo de gerar
segurança em contextos de imprevisibilidade. 14

A sociedade de risco foi impulsionada principalmente pela riqueza, pelo


crescimento econômico e também pelo desenvolvimento técnico-científico que
acabaram se tornando responsáveis pelos perigos e ameaças desta sociedade.
É a vitória do capitalismo (responsável pelo consumismo) que traz prejuízos
para a sociedade.
A sociedade industrial, em sua crescente e contínua busca pelo
desenvolvimento econômico, não criou mecanismos que se desenvolvessem
acompanhando a evolução que se deu para a sociedade de risco. Os
problemas vieram com muito mais antecedência que as soluções. É uma
sociedade baseada na incerteza.
São as incertezas e as imprevisibilidades trazidas pelo risco que a
sociedade busca gerenciar. Não se almeja eliminar completamente os riscos,
até porque eles são inseparáveis do atual modelo social. O que se deseja é
desenvolver mecanismos que ajudem a conhecer e assimilar os riscos,
principalmente os ecológicos.
Assim, diante de uma sociedade de riscos, que representa o fim das
certezas, o direito se mostra como um meio de gestão dos riscos ecológicos
implementados tanto para a prevenção (que seria o objetivo primordial) como
para a compensação dos riscos, buscando a concretização dos pressupostos
constitucionais de prevenção dos recursos naturais, de forma equilibrada, a fim

14
LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araujo. Direito ambiental na sociedade de Risco.
Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p. 14.
294

de proporcionar às presentes e futuras gerações uma possibilidade de vida


saudável.

REFERÊNCIAS

BARBIERI, José C. Desenvolvimento e meio ambiente: as estratégias de


mudança da Agenda 21. Petrópolis: Vozes, 2000.

CASTELLS, Manuel. O verdejar do ser: o movimento ambientalista. In.


CASTELLS, Manuel. O poder da identidade. Tradução de Klauss Brandini
Gerherd. 3. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1999

LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Direito ambiental na


sociedade de risco. Rio de Janeiro: Forense Uniservisátia, 2002.

LORENZETTI, Ricardo Luis. Fundamentos do direito privado. São Paulo:


Revista dos Tribunais, 1998.

McCORMICK, John. Rumo ao paraíso. A história do movimento ambientalista.


Rio de Janeiro: Relume-Dumerá, 1992. Cap. I, III, IV e V.

MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. São


Paulo: Revista dos Tribunais, 2005

ODUM, Eugene P. Fundamentos da Ecologia. Lisboa: Fundação Clouste


Gulbenkian, 1997, p.811.

OST, François. A natureza à margem da lei. A ecologia à prova do Direito.


Lisboa: Instituto Piaget, 1995.

PENA-VEGA, Alfredo. O despertar ecológico: Edgar Morin e a ecologia


complexa. Tradução: Renato Carvalheira do Nascimento e Elimar Pinheiro do
Nascimento. Rio de Janeiro: Garmond, 2003.
295

A SOCIEDADE DE RISCO E SUA SOBREVIDA

CAMILA HECKSHER MONTEIRO


CECILIA DE ALMEIDA NASCIMENTO 1

1 INTRODUÇÃO
Houve tempos em que os recursos naturais eram explorados pelos
homens visando a seus benefícios próprios, sem que se evitassem os
desperdícios, os danos ao ambiente e à sua saúde. Pode parecer que esse
discurso descreva também a atualidade, mas isso seria inaceitável. Nos últimos
séculos evoluímos numa velocidade assustadora na produção de tecnologia,
chegando ao nível de que no século XXI as máquinas estão muito acessíveis.
Se por um lado a ciência tem esse poder, qual seja o de inovação, é na
consciência que o homem determina como usar o que aprende.
Vislumbra-se uma nova forma de gestão do planeta, em que participam
profissionais de todas as áreas porque se preocupam com o bem estar e
entendem que ele decorre do equilíbrio ambiental. Estudam-se vários conceitos
novos, impensáveis há algumas décadas atrás, como “sociedade de risco” e
“Estado de Direito Ambiental”. A compreensão desses conceitos contribui para
a criação de meios de contornar os prejuízos ao meio ambiente.

2 CONSTITUCIONALISMO, DEMOCRACIA E DIREITOS HUMANOS NOS 20


ANOS DA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA
A Constituição brasileira de 1988 trouxe importantes inovações no
tocante aos direitos humanos e ao meio ambiente. No momento de sua feitura,
o contexto de medo e de insegurança era ainda muito recente, pois durante a
ditadura militar os valores democráticos eram desrespeitados. Os atos
institucionais tinham a ousadia de se sobrepor à Constituição, como se pode
perceber no Artigo 3º do Ato Institucional número 5: “O Presidente da
1
Alunas do curso de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro. camila_hecksher@hotmail.com e
cecilia.direito@hotmail.com
296

República, no interesse nacional, poderá decretar a intervenção nos Estados e


Municípios, sem as limitações previstas na Constituição” (grifo nosso). Isso é
gravíssimo para um país como o Brasil, onde a Constituição é a Carta Magna,
ou seja, é superior em hierarquia às demais leis. Era o uso da força e da
ameaça implícita que submetia o povo brasileiro a tal arbitrariedade.
Insatisfeitas com a situação, a opinião pública e as forças da sociedade
civil passaram a exigir a volta do regime democrático, regido por uma nova
Constituição. Esse documento, muito mais do que disciplinar a organização
política, teve a missão de corresponder a expectativas da sociedade, que
participou ativamente do seu processo de elaboração. Havia a necessidade de
relevar os direitos mais fundamentais, como a vida, a dignidade e a justiça. O
artigo 5º parágrafo III deixa claro “Ninguém será submetido a tortura nem a
tratamento desumano ou degradante”.
Também no plano internacional, eram assinados convenções e tratados
que destacavam os direitos humanos e que inspiraram o legislador de 1988 a
proclamar no Artigo 4º: A República Federativa do Brasil rege-se nas suas
relações internacionais pelos seguintes princípios: II – prevalência dos direitos
humanos.

3 CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO AMBIENTE
Ao mesmo tempo, o contexto era favorável a que o tema meio ambiente
estivesse presente na Constituição. A consciência ecológica da comunidade
internacional era uma influência. Desde essa época, já havia uma pressão dos
Estados e organizações internacionais para que os governos tomassem parte
na tarefa de preservar a natureza. Além disso, não só a comunidade científica
constatava os danos com maior precisão, como também a informação chegava
ao cidadão comum. No Brasil, ouvia-se falar em derrubada sistemática de
florestas, várias espécies ameaçadas de extinção, falta de planejamento
urbano e conseqüente destruição de ecossistemas para a habitação, aumento
da poluição dos rios.
Até a década de 1980, os movimentos ambientalistas brasileiros, assim
como outros movimentos sociais, não haviam deixado de fomentar idéias, mas
297

viam sufocadas suas ações. Conforme relata Juliana Santilli 2, não era interesse
do governo militar desenvolvimentista que fossem divulgados, por exemplo,
dados sobre os impactos ambientais de suas obras. Porém, à medida que os
militares perdiam o domínio do país, surgiu a oportunidade que os
ambientalistas estavam esperando e que não poderia ser desperdiçada.
Assim, a Assembléia Constituinte de 1988 não só “abriu espaço” para a
proteção do meio ambiente no novo texto, mas entendeu a importância de
tomar duas medidas distintas. A primeira é tratar do meio ambiente em artigos
espalhados, dada a diversidade dos fatores que dele fazem parte. Alguns
exemplos do que a Constituição regulamenta são a propaganda de tabaco
(impondo restrições), o transporte de gás natural e de petróleo e derivados, a
defesa do solo e recursos naturais, o saneamento básico e a responsabilidade
civil por danos nucleares (artigos 220, §4°; 177, IV; 24, VI; 23, IX; 21, XXIII).
A segunda medida é concentrar no capítulo “Do meio ambiente” os
deveres que incumbem ao Poder Público. O artigo 225 logo de início afirma
que "Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de
uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao
poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as
presentes e futuras gerações”. Fica claro que há um direito-dever. De acordo
com Canotilho 3: Como o patrimônio natural não foi criado por nenhuma
geração e como, dentro de cada geração, se deve assegurar igualdade e
justiça ambientais, o direito ao ambiente de cada um é também um dever de
cidadania na defesa do ambiente.”
O artigo 225 representa grande progresso, pois traz a perspectiva de
construir uma sociedade sem precedentes, que se preocupa com o bem estar
de todos, inclusive das próximas gerações. Rodrigo César Rebello Pinho 4
explica que a atual Constituição brasileira foi a primeira a inserir em seu texto a
tutela dos chamados direitos difusos. Em tempos de globalização, fala-se em

2
SANTILLI, Juliana. Socioambientalismo e novos direitos. São Paulo: Peirópolis, 2005. p. 27
3
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estado Constitucional Ecológico e Democracia Sustentada.
Disponível em: http://www.unifap.br/ppgdapp/biblioteca/Estado_de_direito.doc . Data de acesso:
15/05/09.
4
PINHO, Rodrigo César Rebello. Teoria Geral da Constituição e Direitos Fundamentais. São Paulo:
Saraiva, 2009. p. 71
298

direitos que interessem não a uma pessoa ou a um grupo, mas a coletividade.


O direito ao meio ambiente saudável é um desses novos direitos humanos 5,
que só poderá ser exercido plenamente num “Estado de Direito”.

4 ESTADO DE DIREITO
Para que se tenha uma melhor compreensão da importância do
exercício pleno dos direitos humanos, um conceito que deve ser introduzido é o
de Estado de Direito. Conforme CANOTILHO (1999),

Estado de direito é um Estado ou uma forma de organização


político-estatal cuja atividade é determinada e limitada pelo
direito. ‘Estado de não direito’ será, pelo contrário, aquele em
que o poder político se proclama desvinculado de limites
jurídicos e não reconhece aos indivíduos uma esfera de
liberdade ante o poder protegida pelo direito (p. 11)

Um Estado de Direito, seria, portanto, aquele que desenvolve normas


de direito e se orienta através delas, respeitando-as tanto formal, no que diz a
“letra da lei” quanto objetivamente, no que tange à realidade de aplicação das
leis.

5 ESTADO DE DIREITO AMBIENTAL


Acrescenta sabiamente Canotilho que o Estado Moderno "além de ser
um Estado de Direito, um Estado Democrático e um Estado Social, deve
também modelar-se como Estado Ambiental" (CANOTILHO, 1995a, p. 22). O
Estado Ambiental é aquele que coloca o meio ambiente como prioridade, pois o
toma como condição para serem observados os demais direitos. CAPELLA
(1994), outro teórico da emergência do Estado de Direito Ambiental, sustenta:

Neste marco surge o que temos chamado Estado Ambiental,


que poderíamos definir como a forma de Estado que propõe a
aplicar o princípio da solidariedade econômica e social, para
alcançar um desenvolvimento sustentável, orientado a buscar
a igualdade substancial entre os cidadãos, mediante o controle
jurídico do uso racional do patrimônio natural. (p. 248)

5
SANTILLI, Juliana. Socioambientalismo e novos direitos. São Paulo: Peirópolis, 2005. p. 59
299

O Estado de Direito Ambiental se faz presente de fato, além das


conjecturas, por meio de ações concretas de provocação e estímulo de
condutas participativas e solidárias, que ensejam o fim ambiental do Estado. A
função promovedora, ampliada no Estado Ambiental, substitui a função
repressora do Estado Liberal. O Estado participa positivamente, e não
negativamente por abstenção, em conjunto com a sociedade incluída de forma
homogênea, devidamente respeitadas as desigualdades que inferem ações
diversas no que diz respeito à preservação do meio ambiente.
Quando o cidadão está inserido nesse Estado, ele deixa de ser
um mero proprietário, trabalhador laboral, como era tipicamente no Estado
Liberal e no Estado Social. Ele possui qualificação jurídica, é um verdadeiro
sujeito de direitos e deveres ampliados. Independente da camada social a que
pertencia, ou a divisão socioeconômica a qual se submetia, o cidadão possui o
direito não somente a viver, mas desfrutar de uma vida de qualidade e, como
contraprestação, está sujeito às normas do Estado e obrigado solidariamente a
preservar o ambiente em que vive. É a reciprocidade que cria o bom ciclo
vicioso: meio ambiente de qualidade incentiva a qualidade de vida do ser
humano, e vice-versa.

6 SOCIEDADE DE RISCO
Na sociedade atual, nos Estados de Direito, observa-se acentuado
crescimento da riqueza. Faz-se a ressalva de que a riqueza é concentrada nas
mãos de poucos. Tal produção social de riqueza, conforme salienta Ulrich
Beck, vem acompanhada por uma produção social de riscos.
“Risco pode ser definido como um modo sistemático de lidar com
perigos e inseguranças da própria modernidade 6” (tradução nossa). O risco, na
sua leitura denotativa, que pode ser facilmente compilada à conotativa, significa
expor à má fortuna, sujeitar ao arbítrio da sorte algo que, com o devido
cuidado, poderia ser preservado e não o é, seja por ação ou negligência. A
sociedade de risco originou-se após a sociedade industrial, datando de um
período pós século XVIII.
6
BECK, Ulrich. Esta definição vem de Risk Society, p. 21: “Risk may be defined as a systematic way of
dealing with hazards and insecurities introduced by modernization itself”
300

A atividade industrial, estopim da sociedade de risco, foi uma criação do


homem, tendo nas suas origens, além das maquinarias que hoje tanto se
destacam, as mãos e, principalmente, como matéria-prima, o intelecto humano.
Destarte, é pertinente concluir ser a própria sociedade de risco originada das
ações do ser humano.
Nesse contexto de riscos, vive-se dentro de um dilema maniqueísta que,
conforme será ulteriormente demonstrado, pode acarretar em equívoco, no
qual divide-se duas assertivas: retroceder, desenvolver/ devastar, preservar. É
consolidado associar-se erroneamente o processo evolutivo à industrialização
e ao progresso tecnológico, com a necessidade de se utilizar de forma
intensiva e degradante o ambiente natural. Não raro encontramos exemplos de
como essa percepção é compartilhada não só por pessoas físicas e jurídicas,
como por ser maior e mais legítimo representante, o próprio Estado.
Tem-se como exemplo recorrente desta irresponsabilidade o
posicionamento dos Estados Unidos no que se refere ao Protocolo de Quioto.
Nesse tratado internacional, cuja discussão e negociação se deu em Quioto,
1997 e foi ratificado em 1999, tratava-se de um risco que já assolava e
preocupava à época: o efeito estufa. Através do tratado, acordava-se em
reduzir a emissão dos gases que provocam o efeito estufa, tendo cada país
sua parcela de responsabilidade de acordo com o nível de emissão dos
mesmos. O protocolo estimulava algumas ações afirmativas nesse sentido, tais
como a reforma de setores de energia e transportes, sugerindo o uso de fontes
energéticas renováveis, o limite às emissões de metano no gerenciamento de
resíduos e a proteção das florestas, além de eliminar mecanismos financeiros e
de mercado inapropriados às finalidades da convenção. No momento da
ratificação do tratado, os Estados Unidos da América não ratificaram o tratado.
Justificaram a abstenção de ratificar, alegando o presidente George W. Bush
que os compromissos a serem firmados no tratado interfeririam negativamente
na economia do país. Nesse caso, pode-se dizer que se preferiu assumir o
risco ambiental a ter que lidar com o risco econômico, ou melhor, com a
possibilidade de risco econômico.
301

O que há de se enfatizar, no que tange à preferência supracitada, é que


dentro dos ditames econômicos, quem almeja para si os lucros, assume, pois,
também os riscos, que sempre existem em qualquer investimento capitalista. O
que há, na economia, é a certeza de riscos. Ao contrário, o risco ambiental é
fato novo, recente, quando se trata da sua origem humana. A evidência de que
as ações, através de poluição, desmatamento e outras formas de devastação,
e as omissões, como a não preservação da fauna e flora, estão transformando
o meio ambiente e destruindo-o é fática: a temperatura global aumenta, as
calotas polares se esvaem, catástrofes climáticas são constantes, dentre outros
indícios que escancaram o risco. Entre proteger-se de um risco certo e comum,
cujas conseqüências já foram conhecidas e solucionadas no passado, e um
risco recente e estranho, que possui resultados temíveis e ruins à própria
espécie humana, parece mais sensato optar-se pelo segundo.
Além da qualidade de certeza dos riscos, há de se aferir a abrangência
dos mesmos. Por óbvio, com a proximidade econômica atual entre os Estados,
que se deve a uma melhor comunicação, meios tecnológicos, relações
comercias e de direito internacional entre os países, a abrangência de uma
crise econômica possui grandes proporções, não sendo, de forma alguma
descartável. Pode-se constatar hoje em meio à crise que vem sofrendo os EUA
que os países sofrem as conseqüências a ela relacionadas. No entanto, “crises
ambientais” não possuem barreiras alfandegárias, pregões, empréstimos ou
financiamentos. A falta de investimento no meio ambiente pode ser irreversível
e seus danos, incomensuráveis. Uma vez desértico o solo, não mais se poderá
plantar. Uma vez desmatada a floresta, estão condenadas as árvores e seus
frutos. Uma vez poluída a água, morrem os peixes e suas crias. Não há
reversibilidade para tudo na natureza, ao menos o processo é mais lento e
custoso que na economia. Ao contrário da crise econômica, quando a crise
ambiental nos assola, os prejuízos são sentidos à prestação, mas a solução
tem de ser dada à vista. O financiamento tardio e moroso só estende e dissipa
os malefícios.
Frisa-se por outro lado que, muito embora o risco represente um temor a
fato futuro, a preocupação com a problemática ambiental é emergencial, é
302

presente. Já é possível ver alguns reflexos dos danos ambientais para os


homens no quotidiano: infecções respiratórias do trato aéreo superior, alergias,
câncer por depósito de metais pesados, alterações genéticas são cada vez
mais comuns, em virtude da elevada poluição atmosférica.

7 JUSTIÇA AMBIENTAL
No que tange às contrapartidas à defesa de um Estado de Direito
Ambiental e o conseqüente movimento ambientalista que lhe é inerente existe
a chamada “Justiça Ambiental” (Environmental Justice). Trata-se de um
movimento surgido nos EUA na década de 80 do séc. XX., em resposta ao
movimento ambientalista e às primeiras leis de proteção ambiental
(especialmente o Clean Air Act e o Clean Water Act). O movimento era
composto pelas pessoas de baixa renda e, geralmente, de raça negra, motivo
pelo qual era conhecido com a bandeira de “racismo ambiental”. Acusava as
leis de proteção como sendo iniciativa de classe média, que atingiam
negativamente as classes sociais desfavorecidas e as minorias raciais. Tal
movimento transformou-se em protesto após os governos estaduais instalarem
aterros de resíduos tóxicos próximos a bairros de predominância negra.
Atualmente, relaciona-se o tema da Justiça Ambiental com a distribuição
desigual, não equânime, de benefícios e malefícios diretamente decorrentes da
legislação ambiental, ou até da diferença de afetação dos problemas
ambientais entre os diversos grupos socioeconômicos. Segundo os defensores
do tema ora abordado, haveria uma maior vulnerabilidade de alguns grupos da
sociedade à legislação ambiental. Dessa forma, a população de baixa renda,
grupos étnicos ou raciais estariam mais sujeitas aos deméritos dessa
legislação. Para modificar tal panorama, deveria ser conferido a eles o direito
de participar efetivamente das decisões que os afetem e pleitear medidas
compensatórias pelos gravames por eles suportados.

8 CONCLUSÃO
Em verdade, pode-se constatar que, de fato, o Estado de Direito
Ambiental ainda não existe plenamente. In casu, a teoria diverge da prática. Na
303

teoria, salienta-se a interface entre o meio ambiente e os direitos humanos. O


cuidado com o meio ambiente proporciona a vida, que deve ser compreendida
não só a partir do instinto de sobrevivência e preservação da espécie, mas
também como condição mínima para o desenvolvimento e para a dignidade da
pessoa humana. Conforme já enfatizado por Sidney Guerra 7, “Embora tenham
os domínios da proteção do ser humano e da proteção ambiental sido tratados
até o presente separadamente, é necessário buscar maior aproximação entre
eles, porquanto correspondem aos principais desafios de nosso tempo, a
afetarem em última análise os rumos e destinos do gênero humano”.
Nesse sentido, faz-se necessário que se perceba a inter-relação direta
entre a tutela dos direitos humanos e a proteção do meio ambiente. Essa
proximidade se dá em virtude, conforme o supracitado, da qualidade de vida
humana estar diretamente ligada ao ambiente em que vive. O homem,
enquanto animal, ainda que beneficiado com a racionalidade, depende desse
habitat para desenvolver a convivência, suas aptidões e atividades em geral. O
ser humano tem direito a vida, e esse conceito engloba uma qualidade mínima
e satisfatória e não a uma sobrevida, que é o que nos é garantido atualmente.
Na prática, o Estado cria leis a fim de proteger o meio ambiente, mas
muitas vezes encontra barreiras estruturais, quando tenta aplicá-las. É
interessante, então o papel que podem ter os sujeitos de Direito Internacional,
principalmente na fiscalização e na troca de idéias sobre políticas referentes ao
direito ambiental. Observa-se que, ao contrário de experiência passadas em
que a guerra era meio de solução de conflitos, hoje, opta-se pelo diálogo. A
simbiose de informações e conhecimento é capaz de solucionar eventuais
barreiras estruturais, ultrapassar os entraves, pré-conceitos, senso comum,
sempre insensível às individualidades e construir uma rede solidaria de mútua
ajuda, porque se o prejuízo é de todos, a solução também há de ser.
Em suma, o que deve haver é um movimento de preservação do meio
ambiente e contenção dos riscos não por uma ação isolada, mas por uma ação
em conjunto dos Estados interessados, ou seja, todos os Estados. Mais que

7
GUERRA, Sidney. Desenvolvimento Sustentável na Sociedade de Risco Global: Breves Reflexões sobre
o Direito Internacional Ambiental. Disponível em: http://www.conpedi.org/anais_manaus.html. Data de
acesso: 18/05/09
304

um movimento ambientalista, trata-se de um movimento cuja razão implícita é


humanista, porque o fim último, indiscutível e agradável a todos, é a
preservação da vida humana de qualidade.
305

A INSERÇÃO DOS BIOCOMBUSTÍVEIS NA MATRIZ ENERGÉTICA


NACIONAL E O PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO

CARLOS AUGUSTO DA COSTA PESCADOR 1


LARISSA TAVARES 2

1 INTRODUÇÃO
Diante das perspectivas de esgotamento das reservas de combustíveis
fósseis e dos compromissos com a questão ambiental assumidos com o
Protocolo de Quioto, renasce a atenção por fontes alternativas de energia,
dentre elas os biocombustíveis. O trabalho objetiva analisar os biocombustíveis
e os possíveis impactos ambientais resultantes da produção em larga escala
no país. Por fim, frente às pesquisas apresentadas, estuda-se o princípio da
precaução e a aplicação deste aos programas governamentais denominados
Programa Nacional do Álcool e Programa Nacional de Produção de Biodiesel.

2 BIOCOMBUSTÍVEIS

2.1 CONCEITO
O IPCC define biocombustível como qualquer combustível líquido,
gasoso ou sólido produzido por matéria orgânica animal ou vegetal, como, por
exemplo, o óleo de soja, o álcool de fermento de açúcar, a madeira como
combustível, entre outros. 3
O ordenamento jurídico pátrio, através do art. 6º, XXIV, da Lei n.
9.478/97, alterado pela Lei n. 11.097/05, conceitua biocombustível como o
1
Graduado em Engenharia Sanitária e Ambiental pela Universidade Federal de Santa Catarina (2007);
graduando do Curso de Direito na Universidade Federal de Santa Catarina e bolsista do CNPq/PIBIC
desde 2007.
2
Graduanda do curso de Direito na Universidade Federal de Santa Catarina e bolsista pelo CNPq no
programa iniciação científica.
3
Traduzido pela autora: Any liquid, gaseous, or solid fuel produced from plant or animal organic matter.
E.g. soybean oil, alcohol from fermented sugar, black liquor from the paper manufacturing process, wood
as fuel, etc. In: IPCC. Glossary. Disponível em: <http://www.ipcc.ch/pdf/glossary/ar4-wg3.pdf>. Acesso
em: 29 fev. 2009.
306

“combustível derivado de biomassa renovável para uso em motores a


combustão interna ou, conforme regulamento, para outro tipo de geração de
energia, que possa substituir parcial ou totalmente combustíveis de origem
fóssil”.
Para compreender esse conceito é preciso antes entender as definições
de biomassa e energia renovável.
De acordo com Coelho 4, biomassa é o conjunto de matéria orgânica, de
origem animal (zoomassa) ou vegetal (fitomassa), que pode ser utilizada na
produção de energia. É resultante de matéria produzida pelos vegetais
mediante processo fotossintético recente, podendo ser transferida para outros
organismos como os animais e os fungos.
Karekesi, Coelho e Lata 5 classificam a biomassa em duas categorias, de
acordo com a tecnologia empregada na sua utilização energética: biomassas
tradicionais e biomassas modernas. São biomassas tradicionais aquelas não
sustentáveis, utilizadas de maneira rústica, como a madeira de
desflorestamento para o aquecimento de ambientes, resíduos florestais e
dejetos de animais. Já as biomassas modernas são os biocombustíveis, a
madeira de reflorestamento, o bagaço de cana-de-açúcar e demais fontes
utilizadas de maneira sustentável, em processos tecnológicos avançados e
eficientes.
Em geral a biomassa é considerada uma fonte renovável de energia;
entretanto é necessário esclarecer que nem sempre ela é utilizada de maneira
sustentável.
Energia renovável, por seu turno, deve ser entendida como uma fonte de
energia ilimitada, uma vez que a sua utilização não implica em uma futura
diminuição da sua disponibilidade.
Assim, o biocombustível é uma espécie de combustível produzido a
partir de matéria orgânica de origem animal ou vegetal para a geração de

4
COELHO, Jorge Cals. Biomassa, biocombustíveis, bioenergia. Brasília: Ministério de Minas e
Energia, 1982. p. 19.
5
KAREKESI, S., COELHO, S. T., LATA, K. Status of Biomass Energy in Developing Countries and
Prospects for International Collaboration. In GFSE-5 Enhancing International Cooperation on
Biomass. Background Paper. Áustria, 2005. p. 3.
307

energia renovável que possa substituir parcial ou totalmente os combustíveis


de origem fóssil.

2.2 AS GERAÇÕES DE BIOCOMBUSTÍVEIS


Os biocombustíveis podem ser classificados, de acordo com a matéria-
prima utilizada e as técnicas para sua fabricação, em biocombustíveis de
primeira, segunda ou terceira geração.
Os chamados “biocombustíveis de primeira geração” possuem a
utilização predominante de matéria-prima cultivada, vegetais terrestres em sua
maioria, e a baixa complexidade tecnológica para sua produção.
São esses os biocombustíveis mais produzidos em todo o mundo e, por
enquanto, os únicos competitivos no mercado. Porém, de acordo com Le Hir 6,
estes biocombustíveis já não têm mais tanto prestígio por competirem com a
produção de alimentos, além de serem uma das principais causas de
desmatamentos e deterioração dos solos.
Os “biocombustíveis de segunda geração” são aqueles obtidos com
base em materiais da biomassa celulósica ou, mais rigorosamente,
lignocelulósica; envolvem alta complexidade tecnológica e predominância de
rejeitos como matéria-prima. 7
Os materiais lignocelulósicos são os compostos orgânicos mais
abundantes na biosfera, compõem cerca de 50% da biomassa terrestre. São os
resíduos agrícolas, agroindustriais e florestais, além de materiais
desperdiçados, denominados biomassas residuais, entre os quais, podemos
destacar, o bagaço e a palha de cana, o sabugo e a palha de milho, as palhas
de trigo e arroz, os restos de madeira processada e os resíduos municipais
baseados em papel.
Esse tipo de biocombustível aparece como uma grande promessa diante
da necessidade de ampliação da oferta de matérias-primas para produção de

6
LE HIR, Pierre. As microalgas podem constituir a fonte ideal para os biocombustíveis do futuro.
Tradução: Jean-Yves de Neufville. Le Monde, Paris, out. 2008. Disponível em:
<http://www.biodieselbr.com/noticias/em-foco/microalgas-constituir-fonte-ideal-biocombustiveis-futuro-
27-10-08.htm>. Acesso em: 04 abr. 2009.
7
CENPES e PETROBRÁS, Agroenergias – Novas Fronteiras da Pesquisa nos Biocombustíveis.
SBIAgro, 2007. Disponível em: < http://www.sbiagro2007.cnptia.embrapa.br/apresentacoes/
palestras/PETROBRAS.pdf>. Acesso em: 11 mar. 2009.
308

etanol, sem que precise competir com a produção de alimentos. A fabricação


destes, porém, exigirá o domínio de processos e tecnologias ainda não
completamente dominados e desenvolvidos no mundo, à nível comercial.
Os “biocombustíveis de terceira geração” provêem das microalgas. As
características das microalgas como “alta velocidade de crescimento, alto teor
de óleo e carboidratos, adaptação a um espectro amplo de temperatura e
acidez do meio, capacidade de fixar nitrogênio da atmosfera, e maior eficiência
8
fotossintética” , fazem dessas grandes promissoras e a nova aposta de
matéria-prima para biocombustíveis como etanol e biodiesel.
Porém, dentre as milhares de espécies de microalgas (estimadas em
aproximadamente 300 mil 9), aparentemente nem todas são tão promissoras, é
preciso selecionar aquelas que crescem mais rápido e armazenam maior
quantidade de lipídios, além de elaborar um eficiente processo de extração de
óleo.
As microalgas são ainda agentes despoluidores do ar, já que seu
principal alimento é o gás carbônico, e, por serem reproduzidas em tanques,
não entram em conflito na disputa por terras agrícolas. 10
Contudo, ainda falta muito para que os procedimentos de fabricação
sejam totalmente dominados. O processo para a produção de combustível de
algas, porém, ainda é muito caro já que as técnicas utilizadas ainda são
bastante dispendiosas e consomem muita energia.

2.3 O ETANOL E O BIODIESEL


2.3.1 Etanol
Etanol, ou bioetanol, é o álcool etílico (C2H5OH) produzido a partir da
biomassa, utilizado como combustível nos motores de ignição de ciclo Otto.
Pode ser empregado como combustível líquido, puro ou misturado à gasolina,

8
Biodiesel de algas a passos lentos no Brasil. Gazeta Mercantil, São Paulo, 13 ago. 2007. Disponível
em: <http://www.biodieselbr.com/noticias/em-foco/biodiesel-algas-passos-lentos-brasil-13-08-07.htm>.
Acesso em: 04 abr. 2009.
9
TRINDADE, Riomar. Produção de biodiesel com microalgas está sendo pesquisado pela Petrobrás.
Agência Brasil, Brasília, mar. 2009. Disponível em: <http://www.biodieselbr.com/noticias/em-
foco/producao-biodiesel-microalgas-pesquisada-petrobras-15-03-09.htm>. Acesso em: 04 abr. 2009.
10
Biodiesel das algas a passos lentos no Brasil, op. cit.
309

ou ainda utilizado como insumo na fabricação de aditivo à gasolina 11. O uso do


etanol em proporções entre 20% e 100% do combustível total utilizado no
motor, ocorre quase exclusivamente no Brasil e Estados Unidos. 12
O etanol é hoje o principal biocombustível utilizado no mundo. Hoje o
Brasil é o segundo maior produtor do mundo. A produção brasileira é baseada
quase que exclusivamente na cultura da cana-de-açúcar e já substitui,
aproximadamente, metade da gasolina que seria consumida no país.
A combustão da gasolina misturada ao etanol proveniente da cana-de-
açúcar e deste etanol utilizado como combustível puro, comparado à
combustão da gasolina, reduz a emissão de gases do efeito estufa por produzir
menores emissões de monóxido de carbono, além do fato de serem os efeitos
tóxicos dos gases emitidos pelos motores a gasolina mais sérios do que os dos
motores a álcool, já que emitem maior quantidade de monóxido e dióxido de
carbono, hidrocarbonetos cancerígenos e dióxido de enxofre e chumbo.
Cabe ressaltar que, ao avaliar todo o processo da produção do etanol
até seu consumo final, a relação entre impactos e benefícios ambientais
gerados não é tão positiva ao meio ambiente.

2.3.2 Biodiesel
De acordo com o art. 6º, XXV, da Lei n. 9.478/97, alterado pela Lei n.
11.097/05, biodiesel é:

Biocombustível derivado de biomassa renovável para uso em


motores a combustão interna com ignição por compressão ou,
conforme regulamento, para geração de outro tipo de energia,
que possa substituir parcial ou totalmente combustíveis de
origem fóssil.

Como este conceito é pouco específico, a Agência Nacional de Petróleo,


Gás Natural e Biocombustíveis – ANP –, através da Resolução ANP nº 7, de 19
de março de 2008, definiu biodiesel como “combustível composto de alquil
ésteres de ácidos graxos de cadeia longa, derivados de óleos vegetais ou de

11
BNDES e CGEE (Org.). Bioetanol de cana-de-açúcar : energia para o desenvolvimento
sustentável. Rio de Janeiro : BNDES, 2008. p. 41.
12
Id. Ibid. p. 41 e 43.
310

gorduras animais conforme a especificação contida no Regulamento Técnico”.


13

O biodiesel é o combustível utilizado para a substituição do óleo diesel,


puro ou em percentuais adicionados, em motores ciclodiesel automotivos.
Este combustível pode ser proveniente de óleos vegetais como óleo de
soja, mamona, colza, palma, girassol, amendoim, babaçu, dentre outros, ou de
óleos animais obtidos do sebo bovino, suíno e aviário. No Brasil, a principal
matéria-prima do biodiesel é a soja já que esta é produzida em abundância. 14
Um estudo sobre o biodiesel, realizado em 1998 pelo departamento
norte americano de energia e agricultura, concluiu que, em relação ao diesel
mineral, o biodiesel reduz a emissão de CO2 em 78 % pois há captura do gás
pelas oleaginosas durante o crescimento da nova safra, que depois gerará o
novo combustível. 15

3 A INSERÇÃO DOS BIOCOMBUSTÍVEIS NA MATRIZ ENERGÉTICA


NACIONAL E O PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO

3.1 O PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO


Dentre os diversos princípios que norteiam o Direito Ambiental, o
princípio da precaução destaca-se porque busca evitar a ocorrência de danos
ambientais, a “proteção da existência humana, seja pela proteção de seu
16
ambiente como pelo asseguramento da integridade da vida humana” .
Precaução é definida por Derani como sinônimo de cuidado 17 e por
18
Machado como “ação antecipada diante do risco ou do perigo” .
Até pouco tempo atrás, apenas após a ocorrência de um dano ambiental
poderiam os culpados serem responsabilizados 19. Porém, conforme

13
ANP. Resolução ANP Nº 7, de 19.3.2008. Disponível em: <http://www.anp.gov.br>. Acesso em 23
mar. 2009.
14
LEAL, Manoel Régis L. V.; LEITE, Rogério Cezar de C. O biocombustível no Brasil. Revista Novos
Estudos, São Paulo, n. 78, p. 15-21, julho 2007.
15
AGARWAL, Avinash Kumar. Biofuels (alcohols and biodiesel) applications as fuels for internal
combustion engines. Progress in Energy and Combustion Science, United Kingdom, v. 33, n.3, p. 233-
271, 2007.
16
DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. São Paulo: Max Limonad, 1997. p. 167.
17
Id. Ibid. p. 167.
18
. MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 17 ed. rev., atual. e ampl. São
Paulo: Malheiros, 2009. p. 70.
311

ensinamento de Leite, “o meio ambiente é, na maioria das vezes, impossível de


ser recuperado ou recomposto, insuscetível de retorno ao status quo ante e,
assim, há uma premente necessidade de conservação e manutenção deste”
20
·.
Assim, em decorrência da demanda da sociedade pela limitação dos
riscos ambientais e pela evolução do direito ambiental a nível nacional e
internacional, surgiu o princípio da precaução. 21
O princípio da precaução é previsto na atual Constituição Federal, no
art. 225, § 1º, V, onde estabelece ao Poder Público o dever de agir com
precaução, sendo que, a não adoção das medidas precaucionais estabelecidas
por esse consubstancia crime previsto no § 3º do art. 54 da Lei n. 9.605/98.
Antunes 22 adverte para o fato de que não há consenso internacional
quanto ao significado do princípio da precaução. No mesmo sentido Leite diz
que a maior crítica que pode ser feita a esse princípio é relativa à “dificuldade
em precisar seu conteúdo, tendo, na verdade, [o princípio] sido mais invocado
23
do que realmente colocado em prática” .
Nas palavras de Freestone (1992, p. 24), “o princípio da precaução
determina que a ação para eliminar possíveis impactos danosos ao ambiente
seja tomada antes de um nexo causal ter sido estabelecido com uma evidência
24
científica absoluta” .
Rodrigues, ao conceituar o princípio da precaução esclarece:

quando houver dúvida científica da potencialidade do dano ao


meio ambiente acerca de qualquer conduta que pretenda ser
tomada (ex. liberação e descarte de organismo geneticamente
modificado no meio ambiente, utilização de fertilizantes ou
defensivos agrícolas, instalação de atividades ou obra, etc.),

19
BARROS-PLATIAU, Ana Flavia; VARELLA, Marcelo Dias. O princípio de precaução e sua aplicação
comparada nos regimes da diversidade biológica e de mudanças climáticas. Revista de Direitos Difusos,
São Paulo, v.12, abr. 2002. p. 1587.
20
LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. 2. ed., rev.,
atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 209.
21
Barros-Platiau et al. p. 1588.
22
ANTUNES, Paulo D. Bessa. Princípio da precaução: breve análise de sua aplicação pelo Tribunal
Regional Federal da 1ª Região. Interesse Público, Porto Alegre, v.9, n. 43, maio/jun. 2007. p. 43.
23
LEITE, 2003, op. cit., p. 49.
24
FREESTONE, 1992, p. 24 Apud ARAGÃO, Maria Alexandre de Sousa. O princípio do poluidor-
pagador: pedra angular da política comunitária do ambiente. Coimbra: Coimbra, 1997. p. 68.
312

incide o princípio da precaução para prevenir o meio ambiente


de um risco futuro. 25

A incerteza, entendida como a presença de dúvida ou imprecisão é,


portanto, um dos motivos para a aplicação do princípio da precaução. Ou seja,
in dubio pro natura. 26

3.2 OS POTENCIAIS IMPACTOS AMBIENTAIS DECORRENTES DA


PRODUÇÃO DE BIOCOMBUSTÍVEIS
Vários estudos sobre os impactos ambientais causados pela produção e
consumo de biocombustíveis estão sendo realizados. Propagandas
governamentais ressaltam uma série de benefícios ambientais gerados pelo
uso desses combustíveis. Tais conclusões, porém, ainda são discutidas entre
cientistas. Existem aqueles que defendem serem os biocombustíveis a solução
para a poluição ambiental ligada ao consumo de energia, podendo inclusive
gerar créditos de carbono e assim mais riquezas ao país, e, por outro lado,
aqueles que alegam que os biocombustíveis hoje gerados, assim como os
combustíveis derivados do petróleo, também causam sérios danos ao meio
ambiente.
Dentre as vantagens ressaltadas pelo primeiro grupo destacam-se as
seguintes: em análise comparativa aos combustíveis fósseis, os
biocombustíveis reduzem ou evitam emissões de gases de efeito estufa
provenientes da combustão, especialmente de gás carbônico e chumbo; a
produção de agroenergia ocorre por processos menos degradantes ao meio
ambiente que à extração de combustíveis fósseis; a emissão de CO2 gerada
pela combustão pode ser compensada pela absorção no plantio da nova
biomassa. 27

25
RODRIGUES, Marcelo Abelha. Instituições de Direito Ambiental (parte geral). São Paulo: Max
Limond, 2002. p. 150.
26
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 17 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo:
Malheiros, 2009. p. 81.
27
CARVALHO, Simone Pereira de; MARIN, Joel Orlando Bevilaqua. As contradições presentes no
discurso do atual Programa Nacional de Agroenergia. In: XLVI Congresso da Sociedade Brasileira de
Economia, Administração e Sociologia Rural, 2008, Acre. Anais do XLVI Congresso. Rio Branco :
SOBER, 2008/ AGARWAL, Avinash Kumar. Biofuels (alcohols and biodiesel) applications as fuels for
internal combustion engines. Progress in Energy and Combustion Science, v. 33, n.3, 2007./ Bioetanol
313

A intensidade de tais benefícios ambientais varia de acordo com a


matéria-prima utilizada. Portanto, conforme estudos elaborados, o etanol
proveniente da cana-de-açúcar seria bem mais vantajoso que aqueles
provenientes de outras biomassas como o milho, a beterraba, o trigo e a
mandioca. No caso do milho, por exemplo, por seu processamento ser
realizado por meio de energia proveniente de fontes fósseis, os benefícios
ambientais seriam bem mais reduzidos. 28
No entanto, apesar de tais impactos positivos, pesquisas demonstram
que, ao ser avaliado todo o processo da produção dos biocombustíveis até seu
consumo final, a relação entre impactos e benefícios ambientais gerados não
seria positiva ao meio ambiente e à sociedade como um todo.
Os estudos realizados sobre impactos negativos causados ao meio
ambiente, relacionados à produção de etanol e biodiesel no Brasil, referem-se
aos biocombustíveis de primeira geração, por serem essas praticamente as
únicas espécies de biocombustíveis produzidas no país, além de figurarem
como objeto dos programas de incentivo governamental.
Por estudiosos são elencados como principais danos a serem
ocasionados ao meio ambiente, os seguintes:
a) em decorrência da prática da monocultura de oleaginosas: a
degradação do meio-ambiente através da poluição das águas e solo pelo uso
de herbicidas, pesticidas e adubos minerais, e da poluição do ar por emissão
de grandes quantidades de gases de efeito estufa devido a mudanças no uso
do solo; a degradação do solo afetado pela perda de nutrientes e pelos
processos de erosão e compactação; a redução da biodiversidade, já que as
lavouras avançam sobre grandes áreas provocando a devastação de habitats,
aumentando o risco de erradicação de espécies e aparecimento de novos
parasitas; e a competição com a produção de alimentos;

de cana-de-açúcar : energia para o desenvolvimento sustentável / organização BNDES e CGEE. – Rio de


Janeiro : BNDES, 2008.
28
BNDES e CGEE (Org.). Bioetanol de cana-de-açúcar : energia para o desenvolvimento sustentável.Rio
de Janeiro: BNDES, 2008. p. 49 e 99-100.
314

b) Arima 29 informa que o plantio de vegetais destinados à produção de


biocombustíveis tem sido realizada em áreas já desmatadas, já que
importadores desses combustíveis têm exigido níveis mínimos de eficiência e
salvaguardas contra impactos negativos ao meio ambiente. Contudo, o autor
destaca que, ainda assim, o aumento de áreas destinadas a essas
monoculturas pode resultar em desmatamentos indiretos porque, em geral,
essas ocupam áreas antes destinadas a pastagens que acabam por se
deslocar para regiões onde os custos do negócio são menores, como a
Amazônia;
c) em decorrência especificamente da produção de etanol: a emissão de
fuligem pela queima da cana-de-açúcar e seu bagaço, que provoca a
degradação de ecossistemas inteiros, polui intensamente a atmosfera e causa
a perda de nutrientes do solo além de expô-lo mais a erosões; o descarte de
resíduos como a vinhaça e a torta de filtro que são produzidos em grandes
volumes e podem provocar a contaminação de corpos d’água e salinização dos
solos 30;
d) em decorrência especificamente da produção de biodiesel: a
produção de mamona possui muitas exigências de solo (irrigação e adubação)
que podem causar modificações sérias no ambiente; a palma e o dendê têm
sido apontados como responsáveis por gravemente acelerar o desmatamento;
e o descarte da glicerina, subproduto do processo de produção do biodiesel,
produzida em grandes volumes, incapaz de ser absorvida no momento pelo
mercado, que têm sido descartada em rios, o pode provocar a morte da
população aquática, ou queimada que libera cloreína na atmosfera, substância
cancerígena.

29
ARIMA, E.; BARRETO, P.; BRITO, M. Pecuária na Amazônia: tendências e implicaçõoes para a
conservação. Belém, Imazon, 2005.
30
PICENTE, Fabrício José. Agroindústrias canavieira e o sistema de gestão ambiental: o caso das
usinas localizadas nas bacias hidrográficas dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí. 177 f. Universidade
Estadual de Campinas. Instituto de Economia. Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento
Econômico. Dissertação de Mestrado. p. 22-23.
315

3.3 ANÁLISE PROGRAMAS NACIONAIS PARA O DESENVOLVIMENTO DOS


BIOCOMBUSTÍVEIS DE ACORDO COM O PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO
Várias críticas relacionadas ao Proálcool e PNPB têm sido lançadas. O
Proálcool, programa que existe há um tempo relativamente maior que o PNPB,
já foi bastante criticado por potencializar problemas existentes no meio rural,
como a concentração de terras e a precariedade das condições do trabalho no
campo.
O programa agora é relançado ao lado do PNPB sob a justificativa de
ser um modo de produção de energia que atende a necessidade e apelo
mundial por modelos de desenvolvimento limpo, fonte mais limpa de energia
que contribui com a redução qualitativa e quantitativa dos níveis de poluição
ambiental e, consequentemente, com a mitigação das mudanças climáticas.
Diante desse novo contexto as críticas lançadas ao Proálcool se
intensificam, abarcam também o PNPB e não ficam restritas aos problemas
sociais do campo, mas também aos impactos ambientais decorrentes da
implantação do programa.
Os impactos ambientais decorrentes da implantação do Proálcool e do
PNPB, conforme demonstrado, apesar de já terem sido objeto de diversos
estudos e debates, ainda são incertos, não há até o momento conclusões
científicas que apontem as conseqüências da adoção desses programas. Por
parte daqueles que buscam demonstrar o perigo da implantação desses
programas governamentais, são apresentados seriíssimos indicativos factuais
que, se realmente concretizados, podem ser irreversíveis.
Lima, por exemplo, além de citar possíveis efeitos ambientais
devastadores como a apropriação indiscriminada de recursos naturais, a
desertificação de alguns territórios, a contaminação do ambiente por
agrotóxicos e a destruição da biodiversidade, acredita que, no Brasil, o cultivo
de oleaginosas destinadas à produção de biocombustíveis corre o risco de
reproduzir o modelo do agronegócio que, de acordo com o autor, têm
apresentado as seguintes características: a inviabilização de pequenos
produtores; a concentração de terras; a “estrangeirização” de territórios; o
316

êxodo rural; o crescimento dos cinturões de miséria ao redor dos centros


urbanos; e a realização de investimentos públicos a serviço de corporações. 31
“As novas pressões sobre a agricultura, para atender novas demandas
32
de energia, representam efeitos ainda não completamente conhecidos” ;
assim, diante das incertezas científicas quanto à potencialidade dos danos a
serem causados ao meio ambiente e de evidências e indicativos de graves
impactos a serem gerados, o princípio da precaução deve incidir de modo a
impedir a ocorrência de graves danos e, assim, proteger o meio ambiente.
Abranches acredita que a primeira geração de biocombustíveis não
representa alternativa sustentável aos combustíveis fósseis, que o país deveria
investir em tecnologia para a produção de biocombustíveis de segunda
geração, esses sim viáveis:

Se há algum futuro no mundo de baixo carbono para


biocombustíveis, ele estaria na segunda geração. Para o
Brasil, essa tendência favorável aos biocombustíveis de
segunda geração só representa ameaça por causa da
incapacidade do setor privado em investir em pesquisa e pela
falta de apoio governamental à pesquisa e desenvolvimento
de tecnologia celulósica. 33

Os programas governamentais, portanto, deveriam ser suspensos até


que seja possível realizar cuidadosa análise de todas as conseqüências a
serem geradas e, assim, decidir qual o melhor caminho a ser tomado.

4 CONCLUSÕES ARTICULADAS
Como visto linhas acima, o ponto nodal na temática dos biocombustíveis
decorre das incertezas que, todavia, cercam os aspectos ambientais inerentes
a produção e utilização dos mesmos. Se por um lado, parte da comunidade
científica afirma que a substituição dos combustíveis fósseis por
biocombustíveis traz consigo um grande ganho ambiental, outros estudiosos

31
LIMA, Paulo César Ribeiro. Biocombustíveis, renda e alimentos: estudo junho/2007. Brasília:
Consultoria Legislativa, 2007. p. 28.
32
Id. Ibid. p. 17
33
ABRANCHES, Sérgio. Para onde irão os biocombustíveis? Texto publicado em 05/12/2008.
Disponível em: <http://www.oeco.com.br/sergio-abranches/35-sergio-abranches/20444-para-aonde-irao-
os-biocombustiveis>. Acesso em: 07 maio 2009.
317

questionam tais ganhos e demonstram a existência de malefícios a curto e


longo prazo.
O papel do Direito Ambiental, neste cenário de dúvida, é valer-se dos
princípios que o norteiam de forma fulcral. O princípio da precaução deve ser
invocado já que não resta claro o que poderíamos denominar de “saldo” entre
os malefícios e benefícios da produção e utilização dos biocombustíveis. Por
mais que em um primeiro momento os prejuízos causados não se mostrem de
grande monta, é mister a realização de estudos mais aprofundados sobre a
repercussão, nos mais diversos níveis, de forma a dar embasamento as
decisões governamentais quer quanto ao prosseguimento ou não dos
programas de incentivo a produção de biocombustíveis, quer no delineamento
de políticas públicas mais amplas, que não dissociem a questão da matriz
energéticas dos seus impactos ambientais e sociais.
318

A CONSUMAÇÃO DE DANOS AMBIENTAIS SOB TUTELA DO JUDICIÁRIO


EM AFRONTA AO PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO:
O caso do Rio Tibagi - PR

1
CARLOS EDUARDO LEVY
2
NATALIA JODAS

1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho retrata a importância do princípio da Precaução no
Direito Ambiental e por outro lado a sua não aplicação em casos concretos no
contexto judiciário brasileiro. Demonstra e critica decisões dos Tribunais que
permitem o Fato Consumado e se acomodam na irreversibilidade de danos sob
a tutela do Judiciário, diante de situações de danos irreparáveis à sociedade,
quais sejam aqueles que lesionam o meio ambiente e seus elementos e
atributos mais relevantes à sociedade, como a qualidade da água, as
populações tradicionais e a biodiversidade. Por fim, expõe um caso concreto
sob análise: a construção da Usina Hidrelétrica Mauá, no rio Tibagi, Estado do
Paraná.

2 O PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO
Precaução, substantivo do verbo “Precaver-se”, do Latim prae = antes e
cavere = tomar cuidado, consiste em “cuidados antecipados”, cautela para que
uma atividade ou ação não venha a resultar efeitos indesejáveis. 3 A idéia
central no contexto do Direito Ambiental Brasileiro está na adoção de uma
postura muito anterior à eliminação ou redução de um dano ambiental já
existente ou iminente, enfocado, na verdade, na consciência de que qualquer
1
Advogado da ONG Meio Ambiente Equilibrado, especialista em direito ambiental pela PUC-PR e
mestre em geografia, meio ambiente e desenvolvimento pela UEL carloseduardolevy@gmail.com
2
Estudante do quinto ano de Direito pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), membro do Grupo
de Estudos em Direito Ambiental da ONG Meio Ambiente Equilibrado. najodas@gmail.com
3
MIRRA, A. L. V. Direito Ambiental: O Princípio da Precaução e sua Abordagem Judicial. Revista de
Direito Ambiental, São Paulo: Revista dos Tribunais, Ano 06, nº 21, p. 92-102, Jan-Mar. 2001.
319

tipo de risco, ainda que não comprovado cientificamente, deva ser combatido
desde o início, de seu “exórdio”.
O princípio 15 da Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente
e Desenvolvimento – Rio de Janeiro - 1992, esculpiu a concepção do
supracitado princípio ao ditar: “De modo a proteger o meio ambiente, o
princípio da precaução deve ser amplamente observado pelos Estados, de
acordo com as suas capacidades. Quando houver ameaça de danos sérios ou
irreversíveis, a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada
como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para
prevenir a degradação ambiental”.
O intuito do princípio norteador do Direito Ambiental, qual seja o da
Precaução, vincula-se à proteção imediata de um bem coletivo absoluto em
face da incerteza ou da controvérsia científica atuais. Desta forma, existindo
dúvida sobre a possibilidade futura de dano ao homem e ao meio ambiente, a
solução deve ser favorável ao ambiente e não ao lucro imediato - por mais
4
atraente que seja para as gerações presentes.

3 CRISE DE EFICIÊNCIA DO JUDICIÁRIO: HISTÓRICO E PROBLEMÁTICA


ATUAL
A necessidade de fragmentação do Poder do Estado não é recente no
contexto mundial. A Carta Magna da Inglaterra, de 1215, bem como a
publicação do Bill of Rights (1688) e do Act of Settlement (1701) do final do
século XVIII, culminaram com o rompimento entre os poderes legislativo e
executivo que até então estavam concentrados exclusivamente na figura real.
Mas foi somente com a aclamada obra de Montesquieu, Do Espírito das Leis –
1748, que a concepção de um “terceiro poder” passou a corresponder à idéia
de Poder Judiciário.
Neste liame, a estruturação do poder tripartite sofreu alterações no
decorrer dos séculos, sem afastar-se, entretanto, das bases conceituais
modeladas por Locke e Montesquieu. Na história do Brasil, não diferente,

4
MACHADO, P. A. L. Direito Ambiental Brasileiro. 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 507.
320

houve a consagração dos ideais federalistas e de tripartição do Poder em sua


primeira Constituição Republicana, a de 1891.
O resgate dos ideais democráticos trazidos pela Constituição Federal de
1988 não impediu a formação de um estado de “crise” do Poder Judiciário,
aspecto formado já há algum tempo, e configurado numa desestabilidade de
equilíbrio entre os poderes estatais e também na ausência de um
fortalecimento institucional que fosse capaz de suprir as demandas
progressivas e complexas da sociedade brasileira. Em síntese, as críticas ao
atual modelo jurisdicional focam-se na sua ineficiência na resolução dos
conflitos, atuação lenta e “politização” de sua atividade quando relacionada aos
outros poderes. 5
Outro ponto relevante da denominada “crise” judiciária seria afirmar que
sua causa está enraizada às mudanças drásticas conduzidas pelo capitalismo
contemporâneo, principal delineador dos formatos de Estado Liberal e Social
dos séculos XIX e XX. Enquanto no primeiro formato o Poder Judiciário tinha a
função de preservar a propriedade privada e assegurar os direitos individuais e
fundamentais sob o império único e exclusivo da Lei; no Estado Social, em
detrimento do fortalecimento dos direitos sociais e maior amplitude do acesso à
justiça, houve uma extensão do papel jurisdicional, configurado numa maior
liberdade interpretativa do juiz e menor atribuição burocrática de “boca da Lei”.
O “alargamento” de sua capacidade interpretativa incitou a necessidade
de tratamento a respeito de novas matérias, especialmente aquelas
condizentes aos direitos difusos e coletivos. Entretanto, o conflito de interesses
de classes cada vez mais evidente, bem como da economia globalizada e
dependente do capital transnacional acarretaram uma perda da autonomia
decisória do Estado como um todo, fazendo com que o Poder Judiciário – parte
desta estrutura estatal – também tivesse seu poder de decisão comprometido.
A crítica pertinente ao tema não é meramente relacionada ao
envolvimento das decisões judiciárias ao contexto político, já que a legislação e
sua aplicação pela Magistratura estão sempre expostas a outros subsistemas,

5
BARBOSA, C. M. Poder Judiciário: reforma para quê ? Documento acessado eletronicamente em
12/03/09. Disponível em www.ambito-
juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=2339. p.7.
321

tais como a economia, a política, a sociologia, dentre outros distintos. Nesse


sentido, ressalta Celso Fernandes Campilongo 6 que estes complementos
(relação entre os diversos subsistemas) podem atingir um nível tão elevado,
que, muitas vezes acabam por desnaturar a forma de operação própria de cada
subsistema. Produzem assim a chamada “corrupção do código”, que, no
âmbito jurisdicional, seria a utilização de embasamentos próprios de outros
subsistemas (político, religioso, etc.) para resolver os problemas do sistema
jurídico, não coadunando com as fundamentações ditadas pela Constituição.
Trata-se da denominada “Politização da Magistratura”, compreendida
como a atividade do juiz atrelada convenientemente ao sistema político e seus
interesses. A atuação do Judiciário passa a desmantelar-se da lógica de seus
próprios princípios, contribuindo para a parcialidade, ilegalidade e
protagonismo de substituição de papéis 7 e, ainda, colabora com uma
descrença geral de toda máquina jurídica e do próprio Poder Judiciário.

4 FATO CONSUMADO E A OFENSA AO PRINCIPIO DA PRECAUÇÃO


Embasado na responsabilidade do Poder Público e da coletividade em
assegurar a dignidade das presentes e futuras gerações, calcado no meio
ambiente como bem de uso comum do povo 8, não diferente está o dever do
Poder Judiciário em atender à cautela relacionada aos recursos naturais em
meio a qualquer risco de dano ao bem tutelado, ainda que este perigo seja
incerto, indeterminado ou não comprovado cientificamente.
A responsabilidade vem à tona em razão de que, em situações de
relevantes perigos de dano à sociedade, a atuação judiciária tem se mostrado
incompatível com a proteção ao Estado de Direito. Constantes e progressivas
ocorrências evidenciam que a magistratura nacional defronta-se com as
complexidades oriundas dos novos textos legais provenientes da sociedade
industrial contemporânea, especificamente àqueles concernentes a direitos

6
CAMPILONGO.C.F. Política, Sistema Jurídico e Decisão Judicial. São Paulo: Max Limonad, 2002.
p.61.
7
CAMPILONGO. Op. cit. p.63.
8
BRASIL. Constituição Federal de 1988, artigo 225, caput: “Todos têm o direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-
se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preserva-lo para as presentes e futuras
gerações.”
322

coletivos e difusos, além de nítida isenção de um tratamento específico aos


9
fragmentos economicamente desfavorecidos.
Tal situação se evidencia em decisões dos Tribunais que, na contramão
da história, acomodam-se na morosidade do sistema jurídico brasileiro, negam
a tutela cautelar e permitem a consumação de graves danos e riscos ao meio
ambiente. As decisões que oportunizam o Fato Consumado, consubstanciado
pela perda do objeto da ação em processos que tutelam o meio ambiente,
chocam-se diretamente com o princípio norteador do Direito Ambiental, qual
seja o Princípio da Precaução.

5 O CASO DO RIO TIBAGI


O Rio Tibagi, nome de origem indígena cuja denominação associa-se a
“rio de água corrente”, é o terceiro maior rio do estado do Paraná e maior em
megabiodiversidade, justificada pelo fato de suas águas serem bordadas por
um “mosaico” de ambientes definidos como estepe-gramínio-lenhosa, onde
campos secos e úmidos, florestas de galeria, capões de araucária e o cerrado
concorrem na formação da rica paisagem. Além da região ter sido considerada
área prioritária para a conservação da biodiversidade pelo Ministério de Meio
Ambiente em 2002, abrigando fauna e flora nativas exuberantes, sua notável
heterogeneidade de características físicas (base geológica, relevo, solos e
clima) resulta em igual diversidade de ambientes naturais e padrões de
ocupação humana ao longo de toda bacia, encontrando-se em vilarejos
pequenas famílias de ribeirinhos e indígenas Kaigangs e Guaranis que há
decênios sobrevivem das riquezas naturais proporcionadas pelo rio. 10
Há mais de duas décadas, precisamente em 1984, o Rio Tibagi passou
a ser objeto de discussões a respeito de seu potencial hidrelétrico. Em
decorrência das irregularidades apontadas nos primeiros levantamentos e na
realização dos Estudos de Impacto Ambiental (EIA-RIMA), ribeirinhos,
agricultores, pesquisadores e ambientalistas denunciaram ao Ministério Público

9
FARIA. J. E. O Poder Judiciário no Brasil: paradoxos, desafios e alternativas. Brasília: Conselho da
Justiça Federal,1995.Série Monografias do CEJ. p.15. apud MOREIRA. H. D. R. F. Poder Judiciário no
Brasil – Crise da Eficiência. 1ªed. Curitiba: Juruá Editora, 2004. p.83.
10
MEDRI, M. E. et al. (Ed.) A Bacia do Rio Tibagi. Londrina: Eduel, 2002.
323

Estadual e Federal ilegalidades e inconsistências no processo de previsão de


impactos e licenciamento ambiental, desencadeando uma série de
manifestações e ações coletivas que acarretaram o arquivamento da
autorização ambiental do empreendimento.
Nos últimos anos, porém, voltaram as especulações sobre o Tibagi, em
um contexto apressado de necessidade de produção de energia e previsão no
Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), de maneira que em 2006 o
Consórcio Cruzeiro do Sul, formado pela COPEL (Companhia Paranaense de
Energia Elétrica) e ELETROSUL (Subsidiária das Centrais Elétricas do Brasil),
arrematou o direito à execução e exploração da Usina Hidrelétrica de Mauá
num leilão de energia promovido pela ANEEL (Agência Nacional de Energia
Elétrica). O empreendimento com orçamento inicial estimado em 1 (um) bilhão
de reais conta com capital de proveniência estatal – BNDES, e sua localização
foi planejada sobre o leito do rio Tibagi entre os municípios de Telêmaco Borba
e Ortigueira, logo a montante do local denominado Salto Mauá, prevendo uma
potência instalada de 361 Megawatts.
Diante de embates ocorridos entre os mais diversos membros sociais
envolvidos na questão, faz-se oportuno ressalvar a nítida constatação por
cientistas de renomadas universidades paranaenses, quais sejam Universidade
Estadual de Londrina – UEL e Universidade Estadual de Maringá – UEM, de
que os Estudos Prévios de Impacto Ambiental foram inconsistentes e
fraudulentos no concernente à previsão de impactos sobre diversos valores
relevantes para a sociedade: áreas indígenas afetadas pelas hidrelétricas,
comprometimento da megabiodiversidade configurada na extinção de diversas
espécies de fauna e flora ainda não catalogadas pela ciência e que certamente
perderão seu hábitat exclusivo e peculiar. A população apresenta ainda uma
grande preocupação com o comprometimento das águas do rio Tibagi que
abastecem 42 municípios e proporcionam o correspondente a 60% da água
potável das cidades de Londrina e Cambe, afetando diretamente a qualidade
de vida de toda uma população com milhões de habitantes.
324

5.1 TUTELA JUDICIAL DO RIO TIBAGI FRENTE À CONSTRUÇÃO DE


HIDRELÉTRICAS
O tema totaliza hoje cerca de 19 (dezenove) Ações Civis Públicas e
dezenas de recursos nos Tribunais cingindo sobre distintos e relevantes
aspectos do processo de licenciamento da Usina Mauá. Diante de ampla
instrução e contraditório exercido pelos Réus através de renomados juristas na
área ambiental, e, por outro lado, a elaboração de Pareceres Técnicos de
diversas fontes oficiais entre Universidades, Ministérios Públicos, FUNAI,
IBAMA, bem como Resoluções de Conselhos e Comitês, deliberações de
Conferências, resultados de audiências públicas, todos eles, de uma forma
geral, permitiram ao Judiciário de origem, em análise ao caso e suas
peculiaridades, haver por bem conceder: Tutela Liminar para impedir a
continuidade das providências para instalação do empreendimento; Sentença
de Mérito determinando a complementação dos Estudos de Impacto Ambiental;
e Tutela Liminar para interromper as obras enquanto pendentes de solução os
sérios riscos previstos e os não previstos nos estudos realizados, a fim de
evitar a consumação de danos irreversíveis enquanto pendentes os
questionamentos judiciais.
Essas decisões foram combatidas nos Tribunais, ensejando a
expressão de entendimentos antagônicos, contando de um lado com posições
calcadas nos interesses econômicos e desenvolvimentistas (geração de
energia, empregos e impostos) e de outro lado a tutela dos interesses
ambientais (preservação da biodiversidade, da qualidade da água) e sociais
(impactos aos indígenas, ribeirinhos, ao abastecimento público), estes com
notório fundamento expressado no Princípio da Precaução.
Abaixo transcrevemos trechos das principais decisões e seus
fundamentos, referentes ao caso e que permitirão saliente análise:

5.2. Sentença de Mérito com 17 (dezessete) laudas proferida em 19 de


setembro de 2007 pelo Juiz Federal Alexei Alves Ribeiro da Subseção de
Londrina, Seção do Paraná, após 08 (oito) anos de instrução dos autos de
325

Ação Civil Pública nº 1999.70.01.007514-6 proposta pela Associação Nacional


dos Atingidos por Barragens:

“[...] Ante o exposto, julgo parcialmente procedente a presente


ação, com base no art. 269, inciso I do Código de Processo
Civil e nos termos da fundamentação, para reconhecer a
necessidade da elaboração de um estudo global de impacto
ambiental que considere a bacia hidrográfica do Rio Tibagi
como unidade territorial, levando em conta o conjunto das
barragens propostas e toda a extensão do território
paranaense afetado (Avaliação Ambiental Integrada -
EIA/RIMA), inclusive para avaliar a viabilidade do uso da bacia
hidrográfica do Rio Tibagi para produção de energia.
[...] Quanto à liminar pleiteada, concedo-a parcialmente para
que a elaboração e o cumprimento da mencionada Avaliação
Ambiental Integrada seja condição para a eventual concessão
de licença de instalação (LI), não se obstando as providências
anteriores à concessão da licença de instalação (LI) referente
às Usinas previstas na Bacia do Rio Tibagi.”

5.3. Decisão Liminar com 03 (três) laudas nos autos de Suspensão de


Execução de Liminar nº 2008.04.00.003286-3 movida pela União Federal,
proferida em 28 de fevereiro de 2008 pelo Desembargador do Tribunal
Regional Federal da 4ª Região Marcelo De Nardi, que suspendeu os efeitos da
liminar concedida em Sentença de Procedência em Ação Civil Pública:

“[...] A energia elétrica é essencial ao modo de vida hoje


adotado, aceito e desejado pela grande maioria da população
brasileira e mundial. O controle dos recursos para produção é
objeto de disputas de toda ordem. Já hoje as decisões sobre
investimentos produtivos - geradores e distribuidores de
riquezas - levam em conta a disponibilidade da energia para
mover os processos de transformação da natureza.
[...] A decisão majoritária parece ser em busca de mais
energia; assim anda a Administração, aqui representada pela
agravante.
[...] Sopesados os valores em confronto, a concessão de
medida liminar põe em risco o abastecimento de energia
elétrica.
[...] Decisão. Pelo exposto, defiro o pedido de suspensão da
execução da medida liminar outorgada em conjunto com a
sentença proferida nos autos 1999.70.01.007514-6.”

5.4. Decisão Liminar com 05 (cinco) laudas em Mandado de Segurança


nº 2008.04.00.015393-9 movido pelo Ministério Público Federal, proferida em
326

16 de maio de 2008 pelo Desembargador do Tribunal Regional Federal da 4ª


Região Edgard Antônio Lippmann Júnior, que concedeu a liminar para cassar a
decisão antes concedida em Suspensão de Liminar, para restabelecer a
suspensão do licenciamento da Usina Mauá enquanto não aprovada a
Avaliação Ambiental Integrada (AAI) de toda a Bacia do Rio Tibagi, como
condição para eventual Licença de Instalação:

“[...] Assim, reputo relevante o argumento aduzido pela


Impetrante no sentido de que o EIA/RIMA deve ter seu alcance
definido para toda a bacia hidrográfica do Rio Tibagí, até
porque tal conclusão vem respaldada por expressas
recomendações dos órgãos ambientais: IAP e IBAMA,
calcadas na Res.CONAMA 01/86, tanto que a Empresa de
Pesquisa Energética-EPE, empresa responsável pela
realização destes estudos (Lei n. 10.847/2004) teria apenas
iniciado o processo para a realização dos estudos e
imotivadamente sobrestou-o.
Quanto ao risco de dano irreparável, como estamos diante de
matéria de índole ambiental, por questão de brevidade, me
apego apenas no princípio constitucional da
prevenção/precaução. Manifesto o dano irreparável acaso
prossiga normalmente o procedimento de licenciamento
ambiental, até que se julgue o recurso de apelação interposto
pelos interessados perante o Juízo "a quo" ainda em fase
inicial de tramitação.

5.5. Decisão Liminar em autos de Suspensão de Segurança nº 1863,


com 05 (cinco) laudas, proferida em 18 de julho de 2008 pelo Ministro do
Supremo Tribunal de Justiça Humberto Gomes de Barros, que suspendeu a
liminar que determinava a Avaliação Ambiental Integrada (AAI) de toda a Bacia
do Rio Tibagi como condição para concessão de eventual Licença de
Instalação:

“A construção dos empreendimentos hidrelétricos na Bacia do


Rio Tibagi – narram os autos - não está sendo planejada sem
estudos de impacto ambiental. Ao invés de um estudo maior,
englobando toda a bacia, optou-se pela elaboração de estudos
menores, individualizados para cada empreendimento.
Não há, portanto, risco de que a proteção ao meio ambiente
seja esquecida.
.[...] Suspendo da decisão liminar emitida pelo e.
Desembargador Edgard Antônio Lippmann Júnior nos autos do
mandado de segurança nº 2008.04.00.015393-9/PR (Art. 4º, §
9º, da Lei 8.437/92)”
327

5.6. Decisão em Ação Cautelar Inominada n°2009.70.01.000179-1 com


08 (oito) laudas proferida em 20 de janeiro de 2009 pelo Juiz Federal Alexei
Alves Ribeiro da Subseção de Londrina, Seção do Paraná, que concedeu a
liminar determinando a paralisação das obras da Usina Hidrelétrica de Mauá no
rio Tibagi, para garantir o objeto tutelado na Ação Civil Pública nº
2006.70.01.004036-9:

“À época da apreciação do pedido de antecipação de tutela no


processo principal entendeu-se não haver possibilidade de
prejuízo imediato ao meio ambiente”. No decorrer do processo,
porém, houve a concessão de licença de instalação para a
Usina de Mauá, acompanhada de atos concretos visando à
instalação da Usina, o que, sem dúvida alguma, configura o
"periculum in mora" necessário para a concessão de liminar
em ação cautelar. Se naquela ocasião não havia possibilidade
de prejuízo imediato ao meio ambiente em vista de possíveis
irregularidades no licenciamento ambiental, agora há, em face
das providências de instalação da Usina Hidrelétrica de Mauá
atualmente tomadas, e que são de conhecimento geral.
Se não houver a concessão da liminar, e continuarem tais
providências de instalação, eventual reconhecimento por
ocasião da sentença das irregularidades alegadas pelo
Ministério Público Federal restará inócuo, ou seja, o
provimento do processo principal restará inócuo, posto que
consumado o prejuízo ao meio-ambiente.

5.7. Decisão em 06 (seis) laudas nos autos de Suspensão de Segurança


nº 1863-PR proferida em 06 de março de 2009 pelo Ministro Presidente do
Superior Tribunal de Justiça Cesar Asfor Rocha, que estendeu os efeitos da
segurança antes concedida, para cassar os efeitos da liminar proferida nos
autos de Medida Cautelar Inominada n°2009.70.01.000179-1.

“A União, em 5.2.2009, protocolou petição para requerer


"extensão dos efeitos da liminar concedida nos autos da
Suspensão de Segurança n. 1863-PR (2008/0152687-2),
aditando-se o pedido original, para que suspenda-se a liminar
concedida nos autos da cautelar inominada n.
2009.70.01.000179-1/PR" (fl. 152).
[...] Não se pode admitir a utilização de meios processuais
variados com o propósito de ultrapassar a decisão da
Presidência deste Tribunal, confirmada pela Corte Especial,
que, mediante termos próprios, enfrentou os temas voltados à
proteção do meio ambiente na UHE Mauá.
328

Ante o exposto, defiro o pedido formulado pela União (fls. 152-


172) para suspender a liminar concedida na Medida Cautelar
Inominada n. 2009.70.01.000179-1 pelo Juízo da 1ª Vara
Federal de Londrina em 20.1.2009 (fls. 233-248).”

6 O PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO E O ENTENDIMENTO DO SUPREMO


TRIBUNAL FEDERAL
Tem sido notória a ausência de conhecimento da extensão dos riscos
ambientais fadados à sociedade concernentes à construção da usina Mauá no
rio Tibagi. O Poder Judiciário, consoante decisões transcritas, demonstra de
uma maneira geral, sopesar a relevância econômica e energética sustentada
pelos interessados na construção do empreendimento.
Neste liame, em que pese à exaustiva instrução e análise de mérito no
Juízo de origem, constata-se que os tribunais em segunda e terceira instância,
no caso o Tribunal Regional Federal da 4ª Região e o Superior Tribunal de
Justiça, têm explicitado perigoso entendimento em defesa de interesses
econômicos e desenvolvimentistas. Assim, aponta-se como melhor
posicionamento para a análise de situações concretas onde se demonstra a
incerteza quanto aos danos e impactos ao meio ambiente a posição firmada
pela Plenária do Supremo Tribunal Federal, junto à ADI 3540 MC, tendo como
Relator o Ministro Celso de Mello, em 01 de setembro de 2005, adiante
transcrita:

E M E N T A: MEIO AMBIENTE - DIREITO À PRESERVAÇÃO


DE SUA INTEGRIDADE (CF, ART. 225) - PRERROGATIVA
QUALIFICADA POR SEU CARÁTER DE
METAINDIVIDUALIDADE - DIREITO DE TERCEIRA
GERAÇÃO (OU DE NOVÍSSIMA DIMENSÃO) QUE
CONSAGRA O POSTULADO DA SOLIDARIEDADE -
NECESSIDADE DE IMPEDIR QUE A TRANSGRESSÃO A
ESSE DIREITO FAÇA IRROMPER, NO SEIO DA
COLETIVIDADE, CONFLITOS INTERGENERACIONAIS -
ESPAÇOS TERRITORIAIS ESPECIALMENTE PROTEGIDOS
(CF, ART. 225, § 1º, III) - ALTERAÇÃO E SUPRESSÃO DO
REGIME JURÍDICO A ELES PERTINENTE - MEDIDAS
SUJEITAS AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA RESERVA
DE LEI - SUPRESSÃO DE VEGETAÇÃO EM ÁREA DE
PRESERVAÇÃO PERMANENTE - POSSIBILIDADE DE A
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, CUMPRIDAS AS EXIGÊNCIAS
LEGAIS, AUTORIZAR, LICENCIAR OU PERMITIR OBRAS
E/OU ATIVIDADES NOS ESPAÇOS TERRITORIAIS
329

PROTEGIDOS, DESDE QUE RESPEITADA, QUANTO A


ESTES, A INTEGRIDADE DOS ATRIBUTOS
JUSTIFICADORES DO REGIME DE PROTEÇÃO ESPECIAL -
RELAÇÕES ENTRE ECONOMIA (CF, ART. 3º, II, C/C O ART.
170, VI) E ECOLOGIA (CF, ART. 225) - COLISÃO DE
DIREITOS FUNDAMENTAIS - CRITÉRIOS DE SUPERAÇÃO
DESSE ESTADO DE TENSÃO ENTRE VALORES
CONSTITUCIONAIS RELEVANTES - OS DIREITOS
BÁSICOS DA PESSOA HUMANA E AS SUCESSIVAS
GERAÇÕES (FASES OU DIMENSÕES) DE DIREITOS (RTJ
164/158, 160-161) - A QUESTÃO DA PRECEDÊNCIA DO
DIREITO À PRESERVAÇÃO DO MEIO AMBIENTE: UMA
LIMITAÇÃO CONSTITUCIONAL EXPLÍCITA À ATIVIDADE
ECONÔMICA (CF, ART. 170, VI) - DECISÃO NÃO
REFERENDADA - CONSEQÜENTE INDEFERIMENTO DO
PEDIDO DE MEDIDA CAUTELAR. A PRESERVAÇÃO DA
INTEGRIDADE DO MEIO AMBIENTE: EXPRESSÃO
CONSTITUCIONAL DE UM DIREITO FUNDAMENTAL QUE
ASSISTE À GENERALIDADE DAS PESSOAS. [...]

7 CONCLUSÕES ARTICULADAS

7.1 Em situações de incerteza técnica, científica ou jurídica acerca da extensão


e gravidade de danos ao meio ambiente, os Tribunais devem aplicar o Princípio
da Precaução, não se permitindo a atividade danosa enquanto perdurar a
dúvida, sendo ônus do empreendedor ou interessado comprovar a ausência ou
mitigação dos danos previstos nos estudos ambientais.

7.2 Afronta o Princípio da Precaução e o Estado Democrático de Direito a


decisão administrativa ou judicial que, negando ou cassando a tutela
preventiva, permite a consecução de obra ou atividade potencialmente
poluidora, propiciando a consumação de danos ambientais irreversíveis,
enquanto pendente análise de mérito acerca da extensão.

7.3 Enquanto os bens econômicos, como a geração de energia, divisas e


empregos podem atender às necessidades atuais de uma população, os bens
ambientais são essenciais à qualidade de vida das presentes e futuras
gerações, sendo dever da sociedade como um todo garantir a integridade do
330

meio ambiente e seus elementos, ainda que em prejuízo de eventuais


interesses econômicos.

BIBLIOGRAFIA

ANTUNES, Paulo de Bessa. Curso de direito Ambiental. Rio de Janeiro,


Renovar,1990.

BARBOSA, Cláudia Maria. Poder Judiciário: reforma para quê?. Disponível em:
www.ambito-
juridico.com.br/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=2339 .

CAMPILONGO, Celso Fernandes. Política, Sistema Jurídico e Decisão Judicial.


São Paulo, Max Limonad,2002.

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de Direito Democrático. Rio de Janeiro, Editora Forense, 2002.

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo,


Malheiros, 1996.

MIRRA, Álvaro Luis Valery. Direito Ambiental: O Princípio da Precaução e sua


Abordagem Judicial. Revista de Direito Ambiental. São Paulo, Revista dos
Tribunais, Ano 06, nº 21, 2001.

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Fontes,1996.

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Eficiência.Curitiba, Juruá Editora,2004.

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Editores, 2004.

www.stf.gov.br, www.stj.gov.br , www.trf4.jus.br


331

ANÁLISE DO NOVO CÓDIGO AMBIENTAL CATARINENSE À LUZ DO


PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DO RETROCESSO ECOLÓGICO

Carolina Medeiros Bahia 1


Clóvis Eduardo Malinverni da Silveira 2
Edson Ávila Wolff 3

RESUMO: O presente artigo tem como objetivos analisar a Lei estadual nº 14.675/09, que
instituiu o Código Ambiental em Santa Catarina, em face do princípio da proibição do
retrocesso ecológico, apresentando os principais aspectos desse novo principio, abordando a
partilha constitucional da competência legislativa em matéria ambiental e discutindo alguns
dispositivos do novo Código Ambiental à luz da Constituição Federal de 1988, da legislação
infraconstitucional e dos princípios de direito ambiental.

SUMÁRIO. 1. Introdução: Histórico da tramitação legislativa do anteprojeto do Código


Ambiental Catarinense. 2. O princípio da proibição do retrocesso ecológico. 3. Competência
legislativa em matéria ambiental. 4. Análise de alguns dispositivos da Lei nº 14.675/09. 5.
Conclusões.

1 INTRODUÇÃO: HISTÓRICO DA TRAMITAÇÃO LEGISLATIVA DO


ANTEPROJETO DO CÓDIGO AMBIENTAL CATARINENSE
Num clima de calorosos debates, entrou em vigor, no dia 14 de abril
deste ano, a Lei estadual nº 14.675/09, que instituiu o Código Ambiental em
Santa Catarina. A chave para a polêmica travada entre o governo estadual e o
setor produtivo, de um lado, e as entidades ambientalistas e o governo federal,

1
Doutoranda em Direito Ambiental pelo Programa de Pós-Graduação em Direito do Centro de Ciências
Jurídicas da Universidade Federal de Santa Catarina, pesquisadora do Cnpq e membro do Grupo de
Pesquisa Direito Ambiental e Ecologia Política na Sociedade de Risco - GPDA. E-mail:
carolmbahia@hotmail.com .
2
Doutorando em Direito Ambiental pelo Programa de Pós-Graduação em Direito do Centro de Ciências
Jurídicas da Universidade Federal de Santa Catarina, pesquisador do Cnpq e membro do Grupo de
Pesquisa Direito Ambiental e Ecologia Política na Sociedade de Risco - GPDA. E-mail:
sarauvirtual@gmail.com
3
Advogado e membro do Grupo de Pesquisa Direito Ambiental e Ecologia Política na Sociedade de Risco
- GPDA. E-mail: carijós.2006@gmail.com
332

do outro, e para os principais problemas apresentados pela nova legislação


pode ser encontrada em seu próprio processo de tramitação legislativa.
De acordo com Fernando Coelho Correia e Luiz Otávio Cabral (2008, p.
1), respectivamente, assessores da bancada do Partido dos Trabalhadores e
da Comissão de Turismo e Meio Ambiente da Assembléia Legislativa, a
primeira tentativa de instituir um Código Ambiental em Santa Catarina, nasceu
de um projeto de lei elaborado pelo Deputado Francisco de Assis, em 2001,
que não prosperou, sendo arquivado quatro anos depois.
Em 2006, o governo estadual recebeu um documento elaborado por
órgãos e entidades vinculados ao setor produtivo catarinense, intitulado
“Proposta de Agenda Ambiental para o Setor Produtivo do Estado de Santa
Catarina”, que apresentava, dentre outras recomendações, a elaboração de um
Código Ambiental fundamentado na Estrutura Fundiária do Estado e suas
peculiaridades regionais (CORREIA; CABRAL, 2008, p. 1).
Por isso, em fevereiro de 2007, o governador do Estado, acessando
recursos do Programa de Proteção da Mata Atlântica (PPMA/SC), atribuiu à
Fundação de Meio Ambiente (Fatma) a tarefa de coordenar a elaboração de
um projeto de lei estabelecendo o código ambiental. Para tanto, determinou a
contratação de consultoria especializada e nomeou coordenadores para nove
grupos de trabalho (fiscalização, licenciamento, recursos hídricos, florestas e
demais atividades rurais, resíduos sólidos, mineração industrial e urbana,
estrutura institucional e suas competências, e ecossistemas) (CORREIA;
CABRAL, 2008, p. 1). Iniciou-se então a elaboração da minuta do novo código,
que teve como objetivos declarados: consolidar legislação e eliminar
incompatibilidades com normas federais; complementar a legislação; legitimar
regramentos e procedimentos administrativos, no intuito de aumentar a
segurança jurídica, facilitar a aplicação das normas, bem como adequar
legislação às capacidades institucionais (CORREIA; CABRAL, 2008, p. 2).
Depois de concluído, o produto dos grupos de trabalho foi encaminhado
à Secretaria de Desenvolvimento Econômico Sustentável e em seguida,
entregue ao Governador numa sessão solene realizada no Teatro Álvaro de
Carvalho no dia 03 de março de 2008, permanecendo em seu gabinete por
333

cerca de cinco meses. No dia 24 de julho, a proposta finalmente chegou à


Assembléia Legislativa de Santa Catarina (ALESC), contudo, com o texto
amplamente modificado, aproximando-se bastante do enfoque dado pela
referida “Proposta de Agenda Ambiental para o Setor Produtivo do Estado de
Santa Catarina”.
Na ALESC, o projeto foi discutido em dez audiências públicas, que
ocorreram durante o mês de novembro de 2008 nos municípios de Lages,
Campos Novos, Videira, Criciúma, Joinville, Blumenau, Rio do Sul, Chapecó,
Concórdia e Florianópolis. De acordo com a Federação das Entidades
Ecologistas Catarinenses – FEEC, essas audiências públicas “além de
realizadas às pressas, com parca publicidade, foram realizadas em dias úteis,
em horários incompatíveis com a disponibilidade de pessoas trabalhadoras
como o são a totalidade dos cidadãos catarinenses” (2008, p. 3-4). Elas
também não motivaram qualquer modificação no projeto de lei apresentado.
Daí a conclusão da FEEC de que:

[...] as audiências públicas realizadas tiveram natureza


meramente informativa. Ademais, por terem sido capitaneadas
primordialmente por representantes do Poder Executivo
Estadual, o que se constatou foram apresentações parciais e
direcionadas, blindadas às críticas, às quais serviram
meramente como um mecanismo para noticiar o projeto
elaborado pelo Governo do Estado (FEEC, 2008, p. 3-4).

Por fim, o projeto de lei foi submetido à aprovação pela Assembléia


Legislativa do Estado. A Lei nº 14.675/09 foi sancionada pelo governador e
publicada no Diário Oficial do Estado no dia 14 de abril deste ano.
No dia 17 de abril, o Partido Verde ingressou com uma ação direta de
inconstitucionalidade (ADI 4229/09) contra o Código Ambiental catarinense,
sob a alegação de que a lei estadual feria os artigos 24 e 225, §1º, III e §4º da
Constituição Federal além de afrontar os arts. 2º e 3º da Lei 4771/1965 (Código
Florestal) e os arts. 6º e 11 da Lei 11.428/06 (Lei da Mata Atlântica). Na mesma
data, a Procuradoria Geral de Justiça de Santa Catarina ingressou com
representação perante o Procurador Geral da República para propositura de
ADI contra o código. Alguns dias depois, foi a vez da Procuradoria da
334

República em Santa Catarina também dirigir nova representação da


inconstitucionalidade da lei.
Após a sanção governamental, o ministro do meio ambiente também se
colocou contra o diploma, deixando claro que quem não respeitar a legislação
federal no estado será multado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renováveis. 4 O seu posicionamento gerou conflitos com o
governo estadual, reascendendo o debate em torno da partilha constitucional
da competência legislativa em matéria ambiental.
Neste cenário, o presente artigo tem como objetivo geral analisar o novo
código ambiental catarinense em face do princípio da proibição do retrocesso
ecológico e, como escopos específicos, apresentar os principais aspectos do
principio da proibição do retrocesso, abordar a partilha da competência
legislativa em matéria ambiental e discutir alguns dispositivos da Lei estadual
14.675/09 à luz da Constituição Federal de 1988, da legislação
infraconstitucional e dos princípios do direito ambiental.

2 O PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DO RETROCESSO ECOLÓGICO


O reconhecimento do princípio da proibição do retrocesso ecológico
decorre da elevação do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado
como direito fundamental ou, mais especificamente, da perspectiva jurídico-
subjetiva dos direitos fundamentais. Ele assume o papel de verdadeiro direito
de defesa contra as medidas que pretendam a redução ou destruição do direito
ao meio ambiente.
Na lição de Canotilho (1999, p. 474-475), o principio da vedação do
retrocesso significa que, uma vez assegurados no plano infraconstitucional, os
direitos fundamentais adquirem o status de direitos subjetivos, subtraindo-se da
esfera de plena disponibilidade do legislador, não podendo mais ser reduzidos
ou suprimidos sob pena de violação ao princípio da confiança. Na esfera

4
De acordo com o site http://g1.globo.com/Noticias/Brasil/0,,MUL1084086-5598,00-
GOVERNADOR+DE+SC+SANCIONA+LEI+QUE+CRIA+CODIGO+AMBIENTAL+DO+ESTADO.h
tml, o ministro Carlos Minc chegou a afirmar que: “Nós vamos dar uma orientação muito clara ao Ibama
que desconheça essa lei. O Ibama em Santa Catarina fará valer a lei federal, ou seja, quem desmatar ou
fizer um empreendimento a dez metros de um rio, que a lei federal diz que tem que ser preservado, terá o
projeto embargado. Se o responsável insistir, será preso e, em suma, será tratado como um transgressor da
lei, um criminoso ambiental”.
335

ambiental, esse princípio implica na vedação dirigida ao Poder Público de


regredir a proteção ambiental para níveis mais flexíveis ou menos rigorosos
que os estabelecidos anteriormente.
Percebe Aragão (2007, p. 36) que o principio da proibição do retrocesso
ecológico é a versão diacronicamente orientada do principio do nível elevado
de proteção ecológico, aplicando-se internamente, na ordem jurídica estatal,
mas também a nível internacional, no ordenamento jurídico de uma
organização internacional supra-estadual com competências ambientais.
No âmbito interno, o princípio da proibição do retrocesso ecológico seria
uma espécie de cláusula rebus sic stantibus, significando que, a menos que as
circunstâncias de fato se alterem significativamente, torna-se inadmissível o
recuo para níveis de proteção inferiores aos anteriormente consagrados. Nesta
dimensão, o principio impõe, então, limites para a legislação de revisão ou
revogação (ARAGÃO, 2007, p. 37). Internamente, o principio significa, por
outro lado, que a suspensão da legislação em vigor só pode ser admitida em se
verificando uma situação de calamidade pública, um estado de sítio ou um
estado de emergência grave.
Já no âmbito internacional, o principio efetua uma “supranivelação do
regime de integração regional” (ARAGÃO, 2007, p.37), determinando que o
nível de proteção ecológica não pode ser inferior ou igual ao nível de proteção
do Estado menos protetor e sob o ponto de vista positivo significa que “o novo
regime comum deverá assegurar um nível de proteção pelo menos igual, ou
até tendencionalmente superior à media dos regimes individuais”.
A vedação do retrocesso é também um desdobramento do principio da
progressividade ambiental, que, de acordo com Esain, significa que o esforço
do Estado em prol da proteção do ambiente não pode ser diminuído com o
passar do tempo, mas apenas ampliado (ESAIN, 2007, p. 17). A
progressividade encontra o seu lastro no sistema internacional de direitos
humanos.
Isso porque a Declaração Universal dos Direitos do Homem, o Pacto
Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos
Sociais, Econômicos e Culturais compõem o que se denomina de Carta
336

Internacional de Direitos Humanos e, dentre eles, o Pacto Internacional dos


Direitos Sociais, Econômicos e Culturais dispõe em art. 2º, § 1 que:

Cada um dos Estados Partes no presente Pacto compromete-


se a agir, quer com o seu próprio esforço, quer com a
assistência e cooperação internacionais, especialmente nos
planos econômico e técnico, no máximo dos seus recursos
disponíveis, de modo a assegurar progressivamente o pleno
exercício dos direitos reconhecidos no presente Pacto por
todos os meios apropriados, incluindo em particular por meio
de medidas legislativas.

Segundo Albanese (apud ESAIN, 2007, p. 17) por “assegurar


progressivamente”, deve-se compreender que essa Convenção Internacional
impõe aos Estados a obrigação de avançar com a maior rapidez e eficácia
possíveis até a meta da plena efetividade de todos os direitos mencionados no
Pacto, sendo necessário, para tanto, empregar de modo eficaz os recursos
disponíveis.
No Brasil, Sarlet (2006, p. 36-37) defende que a proibição do retrocesso
pode ser compreendida como um princípio constitucional implícito no
ordenamento jurídico brasileiro, derivando, dentre outros, do principio do
Estado Democrático e Social de Direito, do princípio da dignidade da pessoa
humana e do princípio da máxima eficácia e efetividade das normas definidoras
dos direitos fundamentais.
O autor acrescenta que, ao concretizarem os direitos fundamentais no
âmbito infraconstitucional, os órgãos estatais não estão vinculados apenas às
imposições constitucionais, como também aos atos anteriores, sobretudo por
conta da segurança jurídica e da proteção da confiança (SARLET, 2006, p.37).
Compreende que negar aplicação ao princípio da proibição do retrocesso
equivaleria a permitir que os órgãos legislativos, embora vinculados aos direitos
fundamentais e às normas constitucionais em geral, pudessem tomar decisões
livremente ainda que em evidente violação à vontade expressa do constituinte
(SARLET, 2006, p.37).
Lembra também que a proibição do retrocesso decorre diretamente do
principio da maximização da eficácia de todas as normas de direitos
fundamentais e que este principio, previsto no §1º do art. 5º da Constituição
337

Federal, “impõe a proteção efetiva dos direitos fundamentais não apenas


contra a atuação do poder de reforma constitucional, mas também contra o
legislador ordinário e os demais órgãos estatais” (SARLET, 2006, p.38).

3 COMPETÊNCIA LEGISLATIVA EM MATÉRIA AMBIENTAL


Tentando privilegiar o denominado “federalismo cooperativo”, o texto
constitucional de 1988 situou a competência legislativa em matéria ambiental
no âmbito da competência concorrente, a ser exercida pela União, Estados e
Distrito Federal. Segundo o art. 24, da Constituição Federal:

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal


legislar concorrentemente sobre: [...]
VI - florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza,
defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio
ambiente e controle da poluição;
VII – proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico,
turístico e paisagístico;
VIII – responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao
consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético,
histórico, turístico e paisagístico; [...]

O mesmo artigo esclarece a forma de exercício da competência


concorrente, designando, no parágrafo primeiro, para a União o papel de
estabelecer as normas gerais e para os Estados, no parágrafo segundo, a
função de suplementar as normas gerais. Para Alexandre de Moraes, trata-se
de uma repartição vertical, reservando-se, dentro de um mesmo campo
material, um nível superior ao ente federativo e um nível de complementação
ao estado-membro (MORAES, 2005, p. 280).
Discute-se se haveria entre as normas federais e estaduais uma relação
hierárquica ou a mera superposição de ordens jurídicas em um mesmo
território. De qualquer modo, afirma Ferreira (CANOTILHO; LEITE, 2007, p
204-218), o que importa é que a União e os Estados não fazem igual uso do
seu poder legiferante (como ocorre na competência comum, em que há uma
relação igualitária). As normas gerais devem ser editadas pela União,
designando limites gerais e princípios a serem aplicados em todo o território
nacional. Segundo Diogo de Figueiredo Moreira Neto:
338

Normas gerais são declarações principiológicas que cabe à


União editar, no uso de sua competência concorrente limitada,
restrita ao delineamento de diretrizes nacionais sobre certos
assuntos, que deverão ser respeitadas pelos Estados-
membros na feitura de suas legislações, através de normas
específicas e particularizantes que as detalharão, de modo
que possam ser aplicadas, direta e imediatamente, às relações
e situações concretas a que se destinam, em seus respectivos
âmbitos políticos.

Em caso de conflito de competências, esclarece Ferreira, existem


basicamente três possibilidades. Se União e Estado legislam de forma
conflitante, mas respeitando seus campos constitucionais de atuação,
predomina a regra mais restritiva ao destinatário, buscando-se a satisfação de
um interesse público. Se há invasão do campo de atuação legislativa, ou seja,
uma das esferas extrapola os limites constitucionais para o exercício da
competência concorrente, as leis decorrentes deste ato invasivo devem ser
consideradas inconstitucionais. Por fim, sendo impossível definir precisamente
o que são normas gerais e normas especiais em um caso concreto, aplica-se o
princípio in dubio pro natura, prevalecendo “a norma que melhor defenda o
direito fundamental tutelado, ou seja, o meio ambiente”. (CANOTILHO; LEITE,
2007, p. 213-215)
A competência concorrente, portanto, não suprime a desejável
criatividade dos entes estatais, mas condiciona o exercício do poder legiferante
à obediência dos limites fixados pela norma federal. Os Estados e o Distrito
Federal podem elaborar normas mais rigorosas, mas nunca mais concessivas
que a norma geral federal. Para Machado, a competência legislativa
concorrente dos Estados pressupõe a obediência à norma federal, desde que
esta tenha sido editada de acordo com a Constituição Federal. Trata-se do
princípio da “fidelidade federal” (MACHADO, 2007, p. 108). De forma
semelhante posiciona-se Milaré, ressaltando a prevalência da União na
regulação de questões de interesse nacional. Normas gerais não podem, por
óbvio, ser contrariadas por normas estaduais ou municipais. (MILARÉ, p. 265-
266). Nesse sentido, por fim, já se pronunciou Sepúlveda Pertence, ministro do
Supremo Tribunal Federal – STF: “(o Estado), dentro de sua competência
339

supletiva, pode criar formas mais rígidas de controle. Não formas mais flexíveis
ou permissivas.”
Se a repartição constitucional da competência legislativa tivesse caráter
horizontal, como ocorre na matéria administrativa (competência comum),
poder-se-ia falar em relativa igualdade no exercício legislativo entre Estado de
Santa Catarina e União. Como a competência concorrente é vertical por
definição, as regras do Código Ambiental de Santa Catarina em desacordo com
normas federais devem ser consideradas inválidas (conseqüentemente,
inconstitucionais, por estarem ferindo as referidas regras de repartição de
competências) ou, na melhor hipótese, inaplicáveis, por recaírem sobre o
mesmo espaço geográfico normas federais válidas e eficazes, ambientalmente
mais restritivas. Tal argumentação é coerente com a declaração do Ministro
Carlos Minc, referida anteriormente, de que o IBAMA irá desconhecer a lei
Estadual, para efeito do cumprimento das normas florestais. Em seguida, serão
abordados alguns dos pontos mais questionáveis da nova legislação estadual.

4 ANÁLISE DE ALGUNS DISPOSITIVOS DA LEI Nº 14.675/09


Diversos artigos da Lei nº 14.675/09 tem tido a sua constitucionalidade
questionada através de representações e de ações diretas de
inconstitucionalidade. Em virtude das limitações do presente artigo, optou-se
por selecionar os dispositivos que, na opinião dos autores, representam
violações mais graves. São eles os artigos 114, 115, 116, 118 e 140 do Código
Ambiental.
Todos esses dispositivos referem-se a modalidades de espaços
territoriais especialmente protegidos, que, segundo Édis Milaré (2004, p. 233),
podem ser compreendidos como:

[...] espaços geográficos, públicos ou privados, dotados de


atributos ambientais relevantes, que, por desempenharem
papel estratégico na proteção da diversidade biológica
existente no território nacional, requerem sua sujeição, pela lei,
a um regime de interesse publico, através da limitação ou
vedação do uso dos recursos ambientais da natureza pelas
atividades econômicas.
340

São, assim, áreas que merecem proteção especial porque são


representativas de ecossistemas. Estes espaços aparecem no artigo 225,
parágrafo primeiro, inciso III da Constituição Federal de 1988, onde o
constituinte atribui ao Poder Público o dever de “definir, em todas as unidades
da federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente
protegidos”.
Ainda de acordo com este dispositivo, essas áreas representativas só
podem ser alteradas ou suprimidas através de lei. Contudo, para serem
criados, os espaços territoriais especialmente protegidos submetem-se às
regras constitucionais da competência concorrente. Assim, as áreas de
preservação permanente encontram disciplina na legislação federal e têm as
suas normas gerais traçadas pela Lei 4771, de 15 de setembro de 1965
(Código Florestal).
Visando garantir a efetivação do principio da função sócio-ambiental da
propriedade e conciliar o uso da propriedade privada com os imperativos de
proteção ambiental, a Lei 4.771/65, traça regras gerais para utilização de áreas
de floresta e demais formas de vegetação natural existentes no território
nacional, criando as chamadas áreas de preservação permanente - APP.
Segundo Paulo Affonso Leme Machado (2004), área de preservação
permanente é:

A área protegida nos termos dos arts. 2º e 3º do Código


Florestal, coberta ou não por vegetação nativa, com a função
ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a
estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de
fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das
populações humanas.

Consistem, assim, em uma modalidade de espaço territorial


especialmente protegido, que, em virtude da sua importância para a proteção
dos recursos hídricos, do solo ou de ecossistemas frágeis, a rigor devem ser
mantidas intactas pelo proprietário, público ou privado, e reparadas em caso de
degradação.
Embora o Código Florestal só proíba de modo expresso a supressão de
vegetação em APP, deixa claro que estes espaços assumem uma função
341

preservacionista, ou seja, objetivam proteger a flora e os recursos naturais nela


inseridos, admitindo-se apenas o uso indireto desses recursos.
Acerca da vedação da sua exploração direta, posiciona-se Édis Milaré
(2004, p. 237):

As florestas e demais formas de vegetação situadas em áreas


de preservação permanente não podem ser exploradas,
exceto aquela realizada em área indígena, pela própria
comunidade. A supressão somente é admitida quando
necessária à execução de obras, planos, atividades, em
projetos de utilidade publica ou interesse social, com previa
autorização do órgão competente do Poder Executivo.

No mesmo sentido é a opinião de Paulo Afonso Leme Machado (2004):


“O espírito do código Florestal, a sua interpretação nos leva a afirmar que as
florestas de preservação permanente não são suscetíveis de exploração”.
O elucidativo art. 7º do Decreto 750/1993 determina:

Art. 7º. Fica proibida a exploração de vegetação que tenha a


função de proteger espécies da flora e da fauna silvestres
ameaçadas de extinção, formar corredores entre
remanescentes de vegetação primária ou em estágio médio de
regeneração, ou ainda de proteger o entorno de unidades de
conservação, bem como a utilização das áreas de preservação
permanente, de que tratam os arts. 2º e 3º da Lei 4771, de 15
de setembro de 1965.

Dessa forma, ao regulamentar os arts. 2º e 3º do Código Florestal, o


Decreto 750/1993 reafirma o ideal preservacionista das APPs, tornando mais
clara a proibição da exploração econômica direta destas áreas.
Segundo a doutrina, existem duas modalidade de área de preservação
permanente: as decorrentes de lei e as declaradas pelo Poder Público. As
primeiras estão estabelecidas no art. 2° e as segundas no art. 3° da Lei
4.771/1965.
Por integrar o rol da competência concorrente previsto no art. 24 da
Constituição Federal, os Estados podem legislar sobre florestas,
suplementando a Legislação Federal. Podem também definir outros espaços
como área de preservação permanente, desde que ampliem a proteção desses
espaços, nunca porém abrandando a legislação federal.
342

Violando, claramente, os limites estabelecidos no art. 2º do Código


Florestal, o art. 114 do Código Ambiental reduziu, de modo acentuado, as
dimensões de algumas áreas de preservação permanente (APP), deixando de
prever outras. Fixou que para as áreas de florestas/cobertura vegetal situadas
ao longo dos rios ou de qualquer curso de água (que, de acordo com a
legislação federal, variam de 30 a 500 metros, conforme a largura do rio ou
curso d’água), a área de proteção seria de apenas 5 metros para as
propriedades de até 50 ha e de 10 metros para as propriedades maiores. A
área de proteção em torno das nascentes foi reduzida de 50 para 10 metros.
Os topos de montes e serras deixaram de ser protegidos como áreas de
preservação permanente, bem como a faixa de 100 (cem) metros em projeções
horizontais, a partir da linha de ruptura do relevo das bordas dos tabuleiros ou
chapadas.
O art. 115 flexibilizou ainda mais a proteção das áreas de preservação
permanente situadas na pequena propriedade ou posse rural, permitindo nelas
o plantio de espécies vegetais, incluindo frutíferas e medicinais exóticas. Já o
art. 116 excluiu diversas áreas do conceito de área de preservação
permanente, nos seguintes termos:

Art. 116. Não são consideradas de preservação permanente


as áreas cobertas ou não com vegetação, marginais de:
I - canais, valas ou galerias de drenagem, inclusive os
destinados à irrigação, bem como os reservatórios artificiais de
água para múltiplo uso, com fins agrícolas e pesqueiras e
talvegues que não compõem leito de curso de água natural;
II - canais de adução de água; e
III - curso de água natural regularmente canalizado.

O artigo 118, por sua vez, prevê o uso econômico sustentável da APP, a
partir de autorização do órgão estadual competente em inúmeros casos,
incluindo, por exemplo (I) manejo agroflorestal sustentável, (IV) pesquisa e
extração de argila, saibro e cascalho, (VII) implantação de trilhas para
desenvolvimento turístico, (XII) instalação de equipamentos para captação de
água, dentre outros.
343

O artigo 140 do Código Ambiental catarinense, no âmbito do Sistema


Estadual de Unidades de Conservação da Natureza (SEUC) restringe o
processo de criação de UC à edição de lei específica:

Art. 140. As unidades de conservação somente poderão ser


criadas por intermédio de lei e sua efetiva implantação
somente ocorrerá se estiverem previamente inseridos no
orçamento do Estado recursos especificamente destinados às
desapropriações e indenização decorrentes de sua
implementação.

Tal restrição contrapõe o artigo 22 da Lei 9.985/2000 (Sistema Nacional


de Unidades de Conservação-SNUC) que prevê a criação de unidades de
conservação (UC) por ato do poder público. Em consonância com este
dispositivo a doutrina tem se posicionado no sentido de que as UC podem ser
criadas por qualquer ato normativo, nos níveis federal, estadual ou municipal.
Na prática, o artigo 140 do Código Ambiental do Estado retira toda a eficácia do
artigo 22 da lei 9.985/2000, em prejuízo dos espaços especialmente
protegidos.
É importante evidenciar que o Código Ambiental Catarinense fere a
CRFB não apenas no artigo 225, § 1, inciso III, e no artigo 24, que trata da
competência concorrente, mas também em relação ao artigo 225, §4, que
caracteriza a mata atlântica como patrimônio nacional e estabelece que “sua
utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a
preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso de recursos naturais”.
A mata atlântica é objeto de regulamentação da lei 11.428/2006, cujo artigo 6º
determina, em seu § único, que na utilização e na preservação deste bioma
serão observados os princípios da função socioambiental da propriedade, da
eqüidade intergeracional, da prevenção e da precaução, dentre outros.
O artigo 11 da lei 11.428/2006, ainda mais esclarecedor, veda o
corte/supressão da vegetação primária, bem como nos estágios avançado e
médio de regeneração, quando a vegetação “(a) abrigar espécies da flora e da
fauna silvestres ameaçadas de extinção, em território nacional ou em âmbito
estadual, [...]; b) exercer a função de proteção de mananciais ou de prevenção
e controle de erosão; c) formar corredores entre remanescentes de vegetação
344

primária ou secundária em estágio avançado de regeneração; d) proteger o


entorno das unidades de conservação; ou e) possuir excepcional valor
paisagístico [...]”. A supressão da vegetação fica vedada, ainda, quando “II - o
proprietário ou posseiro não cumprir os dispositivos da legislação ambiental,
em especial as exigências da Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965, no que
respeita às Áreas de Preservação Permanente e à Reserva Legal”.

5 CONCLUSÕES
Efetivar o direito constitucional de todos ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado requer não agredir a natureza além da sua capacidade de recuperação.
Contudo, os efeitos da ação humana sobre o ambiente – consumo desequilibrado
de matéria-prima e energia e eliminação de rejeitos além das capacidades de
assimilação do ecossistema – são sentidos por meio do panorama estatístico, vide
dados sobre proliferação de queimadas e no próprio cotidiano, vide situações
crônicas de deterioração da qualidade do ar e carência de água. Algumas vezes,
tais efeitos são sentidos em circunstâncias dramáticas, como nas enchentes que
recentemente assolaram várias regiões do Estado de Santa Catarina e cuja
gravidade dos danos deve-se, em grande parte, à ocupação urbana desordenada e
à inobservância das normas de proteção da cobertura vegetal, muito embora não
existam dados conclusivos sobre o tema.
Tal cenário carece ser debatido juridicamente sob a luz do princípio da
proibição do retrocesso ecológico, a partir do qual se reputa inadmissível
recuar, especialmente em âmbito normativo, para níveis de proteção ecológica
inferiores aos anteriormente consagrados, em uma temática específica de
forma global. O princípio, como exposto, encontra suporte especialmente no
artigo 225 e no artigo 5º. da Constituição Federal, bem como em documentos
internacionais, além de estar implícito no ordenamento. Cabe, pois, falar em
um limite para a atuação Estatal, isto é, de uma obrigação de não rever ou
revogar normas no sentido de torná-las ambientalmente menos restritivas, a
menos que as circunstâncias que motivaram a adoção daquelas normas
tenham se alterado drasticamente.
345

Tendo o princípio da proibição do retrocesso como lente, pode-se


compreender com mais precisão as antinomias normativas decorrentes da
edição do Código Ambiental de Santa Catarina. Concluiu-se, neste breve
estudo, pela inconstitucionalidade de vários dispositivos do Código, com
destaque para os artigos 114, 115, 116, 118 e 140. Contrapondo ou
esvaziando a eficácia de normas federais (dispositivos do Código Florestal, da
lei do SNUC e da lei da Mata Atlântica), tais artigos ferem as regras
constitucionais de repartição de competências. A inconstitucionalidade de tais
dispositivos decorre também da afronta ao disposto no artigo 225, § 1, inciso
III, e em relação ao artigo 225, §4 da CRFB, que tratam, respectivamente, dos
espaços territoriais especialmente protegidos e da preservação e utilização da
mata atlântica.

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matéria ambiental. Jurisprudencia Argentina, Buenos Aires, 2007, vol. IV,
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347

CRISE DA INEFICÁCIA DO DIREITO E O IDEAL SOCIOAMBIENTAL


PROPOSTO PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988:
Uma análise da aplicação do Código Florestal nas áreas de remanescentes de
quilombos

1
CECILIA DE LARA HADDAD
2
MARIA ELISA DE PAULA EDUARDO GARAVELLO

1 INTRODUÇÃO
O Direito, como uma das manifestações culturais de uma determinada
sociedade, reflete os valores que estão em sua base, por este motivo, afirma-
se que, em cada período histórico da civilização ocidental, dominou um tipo
diferente de ordenação jurídica, a qual, segundo constata Wolkmer (2001) está
diretamente vinculado a um certo tipo de produção econômica, bem como a
uma determinada estrutura de poder dominante.
No presente trabalho pretende-se elaborar uma análise do Direito
Moderno, já que parte-se do pressuposto de que o Direito Contemporâneo, por
ainda estar atrelado àquele modelo de legalidade, passa por uma grave crise,
pois, em geral, têm se mostrado ineficaz em sua tentativa de regular, de forma
homogênea, um contexto complexo e diversificado como o atual.
Para realizar um estudo aprofundado sobre a ineficácia jurídica no
cenário Pós-Moderno, pretende-se focar, especificamente, no embate travado
entre o modo de subsistência adotado pelas comunidades quilombolas e a
obrigatoriedade de conservação das Áreas de Preservação Permanente
(APPs), instituídas pelo Código Florestal.

1
Advogada e Doutoranda em Ecologia Aplicada Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” da
Universidade de São Paulo- chaddad@esalq.usp.br
2
Doutora em Antropologia e Professora do PPGI em Ecologia Aplicada e do Departamento de Economia,
Administração e Sociologia da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” da Universidade de São
Paulo – mepegara@esalq.usp.br
348

Almeja-se com as descrições aqui realizadas ressaltar a diferença


existente entre a realidade vivenciada pelos remanescentes de quilombos, no
tocante a forma de obtenção dos seus alimentos, e as obrigações impostas, de
forma geral, abstrata, neutra e universal pelo Código Florestal, procurando com
isso, além de evidenciar o problema da ineficácia do direito, apontar um
possível caminho para a resolução do mesmo, através de uma interpretação
sistêmica da Constituição Federal de 1988, orientada a valorização da
diversidade no contexto Pós Moderno.

2 DESENVOLVIMENTO
A Era Moderna, no conceito proposto por Guiddens (1991), é um período
histórico compreendido entre os séculos XVII e XIX, que ensejou um conjunto
de transformações: políticas, sociais, culturais e econômicas, que foram
produzidas e sustentadas por ideais de liberdade e racionalidade, o que
resultou numa reconfiguração das relações humanas e sociais na Europa
Ocidental que, pouco a pouco, foram se tornando universais.
O ideal de liberdade da modernidade foi relacionado a uma sociedade
que aspirava ser livre dos dogmas da Idade Média, principalmente nos
aspectos: econômico, intelectual, religioso, o que se acreditou ser somente
obtido através da razão.
Deste modo, a fé religiosa e a crença em valores espirituais como
determinantes da vida temporal, que imperavam na mentalidade e no
pensamento medievais, foram, aos poucos, substituídos por uma fé racional,
pela crença no conhecimento científico como verdade maior.
Esclarece-se que, entre os séculos XVI e XVII, deu-se início a um
período intenso de racionalização, denominado de Revolução Científica,
oportunidade em que as realizações de Copérnico, Galileu, Bacon, Descartes e
Newton culminaram em mudanças profundas na Ciência.
Descartes propôs um método analítico que consiste em decompor
pensamentos lógicos e problemas em suas partes componentes. No entanto, a
excessiva ênfase dada ao mesmo, resultou na fragmentação do pensamento
349

ocidental, que refletiu na dicotomia entre: sujeito/objeto; pensamento


científico/saber popular e ser humano/natureza.
A separação entre ser humano e natureza pelo método cartesiano aliado
ao fato de que, no paradigma moderno, a ciência ao ser colonizada pela lógica
de mercado (SANTOS, 1997; 2001), resultou no aparecimento da razão
instrumental, levou a profundas mudanças na concepção de natureza, já que a
mesma, a partir de então, passou a ser percebida, concebida e representada
por homens e mulheres como mero recurso, como uma matéria prima, cuja
única finalidade era servir como incremento do processo produtivo industrial.
Nestes termos, Bittar (2005) conclui que toda a cultura moderna, de
Bacon a Darwin, de Descartes a Spencer, tentou demonstrar que a natureza
poderia ser testada e aproveitada com o objetivo de satisfação dos desejos
utilitários humanos. No mesmo sentido, Carvalho (2000) alerta para o fato de
que conhecer a natureza com intuito único de dominá-la retrata uma
característica do modo de produção capitalista, o que comprova que a ciência
moderna não é neutra, tão pouco destituída de valores.
Assim, a racionalidade científica moderna, ao ser orientada para busca
do lucro, através do apoderamento da natureza, introduziu novos elementos de
conhecimento e novas práticas de produção, o que resultou num projeto de
desenvolvimento econômico: dominador, excludente e predatório.
O sistema econômico moderno é excludente e predatório porque, na
relação de produção capitalista, além de existir a dominação da natureza para
o incremento do processo produtivo, há também a opressão de uma classe
social dominante, que detém os meios de produção, sobre uma classe social
menos abastada, que servirá de mão- de- obra. Por este motivo, Horkheimer
(2007, p. 98) esclarece que “a dominação da natureza envolve a dominação do
homem pelo homem”.
Cupani (1997) ressalta que o atual modelo capitalista é resultado da
relevância atribuída à teoria positivista de Augusto Comte, a qual, por
considerar a ciência como única forma válida de conhecimento, fez dela o
motor principal do progresso humano.
350

Carvalho (2000) reitera que a “noção de progresso” é um dos principais


fundamentos do positivismo comtiano, cuja idéia base é que as sociedades
tendem naturalmente ao desenvolvimento e a ordem capitalista representaria o
ponto máximo da evolução da humanidade.
No mesmo sentido, nota-se que na base dos enfoques tradicionais de
“desenvolvimento” existentes no mundo moderno, está o conceito de
progresso, o qual orienta as sociedades a progredirem indefinidamente para
níveis cada vez mais elevados de riqueza material.
Bittar (2005) resume que à idéia de “progresso” precede a idéia de
ordem, que é a projeção da razão e acrescenta que, em paralelo ao
crescimento do mercado, à intensificação da acumulação do capital, ao
desenvolvimento da ciência e da técnica, há, ainda, a expansão da ordem, que
contida na razão científica, coloniza o Direito, transformando-o em racional e
ordenado, o que resulta no aparecimento do positivismo jurídico.
Importante esclarecer que o Direito Moderno não é formado apenas pelo
positivismo dogmático, alicerçado no racionalismo lógico instrumental, mas,
antes mesmo deste paradigma político-ideológico embasar a legalidade
moderna, esta contou, primeiramente, com o jusnaturalismo.
A concepção jusnaturalista que é resultante do liberal-contraturalismo e
do racionalismo do século XVIII, foi a base para o movimento de codificação do
Direito Moderno, que surgiu em contraposição às incertezas jurídicas que
pairavam frente à diversidade de ordenamentos jurídicos vigentes (ius comune)
num mesmo território.
Nestes termos, a racionalização e a codificação do direito moderno
implicaram na necessidade de existir um centro de decisão unitário que
elaborasse e aplicasse um projeto jurídico global, papel que foi atribuído ao
Estado Moderno, que o exerceu por meio monopólio da produção jurídica.
Ressalta-se que o período histórico em que há a codificação do direito,
coincide com o denominado século das luzes (século XVIII), oportunidade em
que as obras derivadas das ciências naturais de autoria de Galileu, Kepler,
Descartes e Newton, influenciaram todo o pensamento científico, inclusive o
desenvolvimento do mesmo na seara jurídica, isto explica o motivo pelo qual,
351

na sistematização racional daquele, foi utilizado o método lógico e dedutivo das


ciências naturais (NORIJI, 2005).
Noriji (2005) acrescenta que as leis codificadas eram dotadas de
generalidade, igualdade formal e abstração, ou seja, eram orientadas a todos,
de forma igualitária e, não prescreviam uma única ação concreta, isto porque, o
processo de codificação foi baseado nos ideais iluministas que visava, do ponto
de vista político, eliminar o despotismo e o arbítrio e, sob o prisma jurídico,
acabar com a incerteza (ante a pluralidade normativa medieval) e com os
privilégios.
O direito escrito, codificado e formalizado da moderna sociedade
burguês-capitalista faz emergir, no século XIX, o positivismo jurídico, que surge
com a pretensão de garantir cientificidade ao saber jurídico, através da
utilização rígida de um método formal, nos moldes da física e da matemática,
que, por meio do uso da razão individual e dos procedimentos intelectuais da
lógica, pretende deduzir as normas jurídicas reguladoras do convívio de
homens e mulheres em sociedade.
Para a teoria positivista, o objeto da Ciência do Direito resume-se tão
somente no estudo das normas que compõem a ordem jurídica vigente, ou
seja, dá-se demasiada importância a questão da validade das normas,
desconsiderando a efetividade do ideal de Justiça, bem como desvalorizando a
temática relacionada à eficácia jurídica e social daquelas.
Importante ressaltar que para o Positivismo Jurídico, há uma única
ordem jurídica, que é a comandada pelo Estado, oportunidade em que a lei,
como expressão máxima da vontade deste, passa a assumir a condição de
único valor.
Nestes termos, tem-se que uma norma jurídica positivada é um
comando, fazer ou não fazer algo, imposta de cima para baixo, marcada pela
característica da autoridade e por um profundo monismo em sua produção,
dada que apenas o ente estatal é legitimado a produzi-la.
No entanto, no momento em que esta norma é direcionada, de forma
abstrata, neutra e universal a toda sociedade, em alguns casos, ela não é
352

cumprida, já que afronta alguns valores que fundamentam práticas sociais há


muito enraizadas, o que se denomina por ineficácia.
Reale (1999) acrescenta que na Positividade Jurídica deve-se
pressupor: 1) a existência de um ordenamento sistemático, rigidamente
fechado e completo, 2) a organização centralizada do Poder, 3) o
funcionamento de órgãos aptos a assegurar o cumprimento das regras
pressupostamente neutras universais.
Porém, no tocante a neutralidade dos dispositivos jurídicos, importante
esclarecer que se trata de uma idéia falsa, já que uma norma jurídica, sendo
uma das manifestações de uma cultura, reflete valores que determinados
grupos da sociedade, em geral, os dominantes, impõem como regra a todos os
seus membros (SANTOS, 2001).
Por este motivo, Santos (2001) conclui que o positivismo, tanto aplicado
à epistemologia da ciência moderna, como à dogmática jurídica, tiveram um
único objetivo: destinar o progresso da sociedade ao desenvolvimento do
sistema econômico capitalista.
Assim, enquanto o positivismo científico estabelece o que a natureza é,
no caso uma matéria-prima para incremento da produção, levando-se em
consideração apenas e tão somente os métodos e princípios epistemológicos
da ciência moderna, excluindo, portanto, outros saberes/práticas que não se
enquadram nestas regras. O positivismo jurídico estabelece o que a sociedade
deve ser, também com base nas normas emanadas pelo Estado, que já nasceu
comprometido com a classe burguesa e com os ditames do capital, o que
consequentemente, exclui normas costumeiras, muitas vezes imbuídas de um
valor de justiça, que, por não serem editadas pelo poder estatal, autonomeado
de legítimo, são invalidadas por ele.
Com base no foi que descrito, é possível perceber que o pensamento
moderno traduzido na idéia de ordem e de progresso homogeneíza e padroniza
a sociedade, atribuindo inexistências às realidades, às práticas, aos valores,
aos saberes, às regras, aos costumes que são diferentes ou mesmo
antagônicos à lógica de mercado. Há, portanto, na Era Moderna, um silenciar
353

da heterogeneidade, uma desperdício das experiências, conforme afirma


Santos (2001).
Ocorre que, a busca de um mundo moderno: ordenado, homogeneizado,
estruturado, organizado, controlado e orientado para a acumulação de capital
resultou na criação e na escolha, por uma parte bem pequena da sociedade
moderna, de qual categoria de seres humanos (Ex: negros, judeus,
homossexuais etc) bem como do meio ambiente em si, que seriam concebidos
como os “Outros”, os diferentes, aqueles que, por não combinarem com os
padrões estabelecidos, mais cedo ou mais tarde, deveriam ser totalmente
eliminados. Por conseguinte, o século XX veio demonstrar as conseqüências
da imposição excessiva da ordem, a eliminação do Outro/Humano, por meio
das inúmeras guerras e a eliminação do Outro/Natureza, através da
degradação da mesma.
Para Guiddens (1991, p. 19) “O século XX é o século da guerra, com um
número de conflitos militares sérios envolvendo perdas substanciais de vidas,
consideravelmente mais alto do que em qualquer um dos dois séculos
precedentes”.
No mesmo sentido, Foladori (2001) destaca que o desmatamento das
florestas, a contaminação das águas, a erosão dos solos, a desertificação, a
perda da biodiversidade, a destruição da camada de ozônio e o aquecimento
global são os principais problemas ambientais existentes na atualidade,
situação que vêm comprometendo a continuidade da vida no planeta.
O aumento da barbárie e a crise ecológica revelam, desta maneira, a
exaustão do modelo societário moderno, embebido numa estratégia de
desenvolvimento orientada para obtenção do lucro a qualquer custo, o que
resultou numa sociedade onde o risco é permanente.
Guiddens (1991) menciona que são vários os ambientes de risco da
modernidade, entre eles: ameaças ecológicas resultantes do conhecimento
socialmente organizado, as ameaças do industrialismo sobre o meio ambiente
e a ameaça de violência humana a partir da industrialização da guerra.
É neste contexto de insegurança, ameaça, medo e risco decorrentes da
possibilidade de transformações irreversíveis no mundo natural que, a partir da
354

segunda metade do século XX, emergiu, das classes médias intelectualizadas


dos grandes centros urbanos: o ambientalismo, caracterizado por Habermas
(1981) como um novo movimento social, já que nasceu portador de um novo
projeto de sociedade.
Assim, o Ambientalismo surgiu de uma forte cultura de contestação a
sociedade moderna, tecendo duras críticas ao desenvolvimento econômico
predatório, à crença do progresso ilimitado, à crença na superioridade dos
padrões de geração de conhecimento da ciência ocidental e ao aumento de
riqueza.
Em paralelo ao nascimento do ambientalismo, há também a ação, no
cenário internacional, de outros movimentos sociais, entre eles: estudantil,
minorias étnicas, feminismo, liberação dos costumes, que insurgiram contra a
racionalidade que provoca a barbárie, contra a ordem racional que provoca a
exclusão através da excessiva homogeneização e padronização conforme
interesses do sistema capitalista.
Bittar (2005) acrescenta que maio de 1968 é o epicentro da consciência
da necessidade de superação do modelo moderno, dando ensejo a explosão
histórica e à aparição de ações sociais e reflexões teóricas que identificam o
momento Pós-Moderno com maior clareza.
A Pós Modernidade é um período de profunda transição paradigmática,
pois questiona as promessas não cumpridas da modernidade, ou seja,
questiona o passado, a tradição, orienta-se para um desenraizamento, almeja a
diversidade, ressalta a diferença e prega a tolerância (BITTAR, 2005).
Assim, no tocante ao âmbito jurídico, se o Direito Moderno se ampara na
idéia de lei pertencente a um sistema positivado, na idéia de lei universal, que
reflete uma igualdade formal, na Pós- Modernidade, os atores sociais passam a
reclamar suas diferenças, há muito silenciadas, dando início a uma série de
lutas por um direito que leve em consideração suas particularidades culturais.
Por este motivo, é que na década de 1980 novas constituições foram
surgindo com um forte caráter multiétnico e preservador da biodiversidade,
oportunidade em se reconheceu um pluralismo repleto de diversidade social,
355

cultural e natural, numa perspectiva que se pode chamar de socioambiental


(SOUZA FILHO, 2003).
Neste contexto, insere-se a Constituição Federal do Brasil promulgada
em 1988, a qual dedica um capítulo a proteção do meio ambiente (artigo 225),
ao mesmo tempo em que assegura a proteção cultural, entre outros, das
comunidades quilombolas, ou seja, os modos de criar, fazer e viver desses
afro-descendentes (artigos 215, parágrafo 1º e 216, inciso II).
Conforme dispõe o artigo 2º do Decreto 4.887 de 20 de novembro de
2003, consideram “remanescentes das comunidades dos quilombos, os grupos
étnico-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica
própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de
ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica
sofrida”.
Ocorre que, não obstante haja, concomitantemente, a tutela
constitucional da cultura quilombola e da natureza, não é raro que, na prática,
estes dois direitos entrem em conflito, resultando, em geral, na ineficácia
jurídica das normas ambientais, bem como na criminalização do remanescente
de quilombo.
Ressalta-se, neste contexto, o embate, cada vez mais comum, entre as
obrigações impostas pelo Código Florestal, no tocante a preservação das áreas
ciliares, e o modo de obtenção tradicional de alimentos pelas comunidades
quilombolas.
O Código Florestal, (Lei 4.771/65, modificado pela Medida Provisória –
MP 2.166/67), no tocante a necessidade de preservação das áreas ciliares, é
uma norma jurídica que, embora seja contemporânea, é embebida no ideário
moderno, já que impõe uma obrigação geral, universal e neutra, direcionada de
forma igual a todos os grupos sociais e a todos os biomas do Brasil, orientada
a homogeneizar e padronizar situações que, na prática, são muito distintas.
Entende-se por as Áreas de Preservação Permanente (APP), as áreas
protegidas nos termos do artigos 2º e 3º, da Lei 4.771/65, cobertas ou não por
vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a
paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico da fauna e
356

flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas (artigo


1º, inciso II, Código Florestal)..
O artigo 2º do Código Florestal enumera oito alíneas que são
consideradas de preservação permanente, pelo só efeito desta lei e, nessas
hipóteses descritas, incluí-se a mata ciliar. Assim, consoante dispõe o referido
diploma legal, deverão ser conservados determinadas metragens de vegetação
ciliar, as quais são variáveis segundo a largura dos cursos d’água.
Importante esclarecer que essas áreas protegidas não podem ser
utilizadas pelos seres humanos, trata-se, portanto, de espaços naturais
intocáveis direcionados a cumprirem apenas suas funções de proteção
ambiental.
Assim, a aplicação do Código Florestal com o objetivo de obrigar a
proteção das matas ciliares no território de grandes propriedades rurais, onde
predominam um sistema de monocultura, como por exemplo, o caso do plantio
de cana- de açúcar no Estado de São Paulo, é extremamente importante e
apropriado, já que este tipo de atividade agrícola leva a uma degradação do
revestimento vivo (vegetal e animal) do solo, podendo causar assoreamento
dos cursos d’água, bem como a contaminação dos mesmos por excesso de
agrotóxicos aplicados à plantação, impactos que podem ser evitados com a
existência de vegetação ao redor dos cursos d’água, previstas na citada norma.
No entanto, o mesmo sucesso não é observado quando a Lei 4.771/65 é
orientada às Comunidades Quilombolas que, em geral, possuem uma forma de
desenvolvimento alternativo ao predatório, ligado a práticas de subsistência,
que podem ser denominadas de sustentáveis.
Em um estudo de caso que vêm sendo realizado nas Comunidades de
remanescentes de quilombos: Ivaporunduva e Nhunguara, localizadas na
região rural, do município de Eldorado, situado no Vale do Ribeira, sul do
Estado de São Paulo, foi possível verificar que a maioria dos moradores
quilombolas, embora estejam recebendo algum auxílio do governo, tais como:
bolsa- família, bolsa-escola, ainda sobrevivem do plantio de alimentos feito em
suas roças.
357

Os “quintais” ou “terrenos” são áreas, em geral, ao redor das casas


quilombolas, onde são criados, de forma extensiva, animais de pequeno porte
(ISA, 2008, p. 87) e, onde é efetuado o plantio da roça tradicional. Essa
atividade agrícola, que prescinde de um conhecimento popular passado de
geração para geração, é também denominada de “agricultura migratória”,
“agricultura itinerante”, “sistema agrícola autóctone”, “agricultura de coivara”,
que pode ser resumida na abertura manual de clareiras em pequenas áreas de
cobertura florestal, e posterior queima para plantio. Esclarece-se que as
clareiras são cultivadas por um período variável, sendo abandonadas, por
vários anos, para o estabelecimento de nova vegetação, oportunidade em que
é feita seleção de outra área para realização de um novo plantio (FELIPIM et
al, 2000).
O problema emerge quando essa prática de subsistência é realizada nas
áreas ciliares, as quais, segundo ditames do Código Florestal, não podem ser
utilizadas. Em constantes visitas à Comunidade de Ivaporunduva foi possível
verificar nos diversos quintais situados à beira de córregos e rios, o cultivo
através da coivara de: milho, banana, abacaxi, cacau, mamão, ervas
medicinais, feijão e mandioca. Já em Nhunguara, observou-se o plantio de
batata doce, cará, palmeira real, mandioca, abacate, laranja, limão, salsa,
milho, pupunha, cajamanga, banana, que conforme relato de um dos
moradores, servem de alimento, principalmente, para a própria família e,
quando há o excedente, é vendido para a prefeitura para integrar a merenda da
escola situada na própria comunidade.
Pelo exposto, é possível constatar a total ineficácia do Código Florestal,
já que se por um lado ele proíbe a utilização das áreas ciliares, por outro, é
desse local que os remanescentes de quilombos obtêm, tradicionalmente, seus
alimentos.
Entende-se que uma lei é eficaz do ponto de vista jurídico, quando após
sua entrada em vigor, ela é realmente cumprida, ou seja, “produz, no seio da
coletividade, efeitos jurídicos concretos” (DINIZ, 1998, p. 273)
Para Reale (1999) o conceito de eficácia jurídica vai além da mera
obediência às leis, pois relaciona-se com a adesão social à norma, ou seja, é a
358

regra jurídica enquanto momento da conduta. Neste sentido, tem a ver com
cumprimento, reconhecimento e efeitos da mesma no plano social. Assim, para
o mesmo autor (1999), para uma regra ser eficaz é necessário que a sociedade
viva o direito e como tal o reconheça, pois uma vez reconhecido, ele será
facilmente incorporado à maneira de ser e de agir da coletividade.
Por este motivo, Castro (2001) conclui que a ineficácia de uma norma se
dá pela sua não correspondência às necessidades do grupo social ao qual é
dirigida, situação que para Bittar (2005), espelha o não comprometimento do
ordenamento jurídico com a cultura a qual se insere.
Neste sentido, importante esclarecer que o não cumprimento do Código
Florestal pelas comunidades quilombolas analisadas não se dá por descaso,
mas por necessidade, já que se situam em um relevo acidentado, o que implica
em maior dificuldade de acesso e de plantio nos morros, por este motivo é
dado preferência às áreas de várzeas, que são mais planas e mais férteis.
Ademais, ao contrário do que possa parecer, o cultivo desse tipo de
agricultura, pode ser denominado de sustentável, já que segundo explica
Hernani (1986), ela auxilia no aumento das taxas de decomposição de matéria
orgânica em camadas superiores do solo, decorrentes da liberação dos
nutrientes através das cinzas, bem como reduz pragas e doenças.
No mesmo sentido, Sampaio (1998) esclarece que após a queima do
local, os nutrientes ficam disponíveis por um ou dois anos, por conseguinte,
essas áreas, ao serem abandonadas por um período de pousio, contribuem
para que haja o crescimento rápido de nova vegetação já que esta aproveita os
nutrientes remanescentes do solo.
Gomez- Pompa e Kaus (2000) ressaltam a sustentabilidade deste tipo
de agricultura ao atribuírem à intervenção humana por meio do cultivo
itinerante, importante papel na composição da biodiversidade em florestas
tropicais.
No mesmo sentido, Balée (1998), Diegues (2000) e Posey (2000)
afirmam que muitas das áreas habitadas por populações tradicionais se
conservam com cobertura florestal e com alta biodiversidade em virtude do
manejo ligado ao modo de vida dessas comunidades.
359

Assim, pode-se concluir que a agricultura migratória, além de favorecer a


manutenção da diversidade dos sistemas florestais tropicais, ainda contribui
para a perpetuação dos valores culturais das populações tradicionais, já que,
no tocante a este último, o sistema de agricultura autóctone é diretamente
vinculado ao saber tradicional, à cultura e à organização social dessas
populações.
Com base nas situações descritas é possível verificar não só a ineficácia
da Lei 4.771/65, mas o total despropósito de aplicação da mesma, enquanto
uma norma geral, abstrata e universal, no território quilombola, já que, além
daquela desconsiderar as particularidades culturais (saberes/práticas) deste
grupo social, no tocante a forma de obtenção de alimento para saciar uma
necessidade básica de sobrevivência, ela foi elaborada com intuito de proteger
a natureza frente a um modelo de desenvolvimento predatório, o qual não é
dominante nas áreas de quilombos.
Cumpre salientar também que, caso os remanescentes de quilombos
cumprissem as obrigações impostas pelo Código Florestal, no tocante a não
utilização das áreas ciliares, os impactos tanto na cultura quilombola, como na
própria natureza seriam muito mais graves.
Em primeiro lugar, para cultivo de novas roças para obtenção do
alimento, os quilombolas teriam de abrir novas clareiras nas áreas de morro, o
que implica em novos desmatamentos da Mata Atlântica. Neste aspecto,
importante ressaltar que a roça feita no morro é bem menos sustentável do que
a feita nas áreas de várzea, uma vez que, nas enchentes dos rios e córregos,
há novamente a fertilização do solo, o que não acontece nos locais mais altos.
Em segundo, caso não fossem autorizados pelo DEPRN (Departamento
de Proteção aos Recursos Naturais) a efetuar o plantio da roça nos morros, por
conta da Lei nº 11.428/06, que dispõe sobre a utilização e proteção da
vegetação nativa do Bioma da Mata Atlântica, que é extremamente restritiva a
abertura de novas áreas para corte raso da vegetação, teriam de comprar todo
o alimento nos supermercados da cidade de Eldorado, tornando-se dependente
do sistema econômico capitalista.
360

Neste sentido, esta situação implicaria, tanto no desmantelamento da


cultura tradicional quilombola, como no aumento de criminalidade, pois, na
necessidade de ganho de dinheiro rápido, provavelmente, os remanescentes
dos quilombos se dedicariam a coleta e venda clandestina do palmito, uma
atividade tipificada como crime pela Lei 9.605/98 (Lei de Crimes Ambientais).

3 CONCLUSÃO
Ante o exposto, urge compreender que o descumprimento do Código
Florestal pelos remanescentes de quilombos não é uma crise pontual do
ordenamento jurídico brasileiro, mas traduz um problema estrutural capaz de
significar a desrazão de toda a arquitetura jurídica projetada para sua aplicação
sobre a realidade social.
Trata-se, portanto, da falência de um sistema jurídico baseado nos
valores modernos, onde a lei, fruto da razão, é universal, portanto deve ser
igual em todos os lugares, em todos os tempos e para todos os grupos sociais,
o que provoca sua total inadequação, e consequentemente, inobservância,
haja vista não ser compatível com as particularidades culturais locais.
Nestes termos, a crise de ineficácia do Direito, em seu modelo legalista
e positivista do século XIX, toma proporções cada vez maiores já que a
sociedade Pós-Moderna é essencialmente plural e diversificada, deste modo,
portadora de diferentes carências e necessidades que não podem, portanto,
serem resumidas em uma única proposta legal.
Deste modo, no tocante, especificamente, às Comunidades
Quilombolas, que ainda preservam sua cultura tradicional, ou seja, moldam-se
a um tipo de organização social e de práticas produtivas que poderia ser
identificada como uma economia de subsistência, é necessário a elaboração
de novas normas, direcionadas a efetivar a tutela da diferença, enquanto
diferença, através da integração tanto de aspectos ligados à conservação da
natureza (artigo 225 da C.F/88), como também dos aspectos relacionados à
preservação da cultura quilombola (artigo 215 c/c 216, ambos da CF/88), por
meio de uma interpretação sistêmica e, portanto, socioambiental, da
Constituição Federal de 1988.
361

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364

A PRODUÇÃO DOS AGROCOMBUSTÍVEIS E AS CELUMAS EM FACE DOS


IMPACTOS SOCIOAMBIENTAIS

CHARLENE MARIA C. DE ÁVILA PLAZA 1


NIVALDO DOS SANTOS 2
LUDMILLA EVELIN DE FARIA 3

1 INTRODUÇÃO
As questões ambientais ganham espaço para maiores reflexões e
estudos principalmente com o desenvolvimento das atividades agroindustriais
canavieiras que empregam, lamentavelmente, o uso de métodos e substâncias
massivas e nocivas ao meio ambiente bem como sobre as condições dos
trabalhadores e pequenos produtores rurais a mercê do propalado
desenvolvimento econômico global.
Qualquer estratégia de desenvolvimento que não traduz em seu bojo as
sustentabilidades ambiental, econômica e social, trará conseqüências para o
setor produtivo empresarial, para a sociedade e para o meio ambiente. Altvater
(1995) preleciona que o desenvolvimento econômico e o meio ambiente
deverão ser recíprocos, porque as atividades econômicas transformam o meio
ambiente e, este alterado pode constituir em restrição para o futuro, pois seus

1
* Mestre em Direito na área de Integração e Relações Empresariais pela Universidade de
Ribeirão Preto/ UNAERP-SP. Professora e pesquisadora da Universidade Paulista UNIP.
Pesquisadora do Núcleo de Patentes e Transferência de Tecnologia-NUPATTE-GO e da Rede
Ibero Americana de Propriedade Intelectual e Gestão da Inovação – RIAPIGI-GO. Endereço:
Rua C-257, n. 80, Edifício Suíça Park, Bairro Nova Suíça, Goiânia-GO, cep: 74.280-200.
E.mail: charlene_plaza@hotmail.com.
2
** Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo-PUC-SP. Professor
Doutor UFG/UCG. Coordenador Geral do Núcleo de Patentes e Transferência de Tecnologia-
NUPATTE-GO. Coordenador do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito,
Relações Internacionais e Desenvolvimento-UCG-GO. Coordenador da Rede Estadual de
Pesquisa em Propriedade Intelectual e Transferência de Tecnologia – REPPITTEC-FAPEG-GO
E.mail: nivaldo@ucg.br.
3
*** Acadêmica de Direito da Universidade Federal de Goiás. Pesquisadora do Núcleo de
Patentes e Transferência de Tecnologia-NUPATTE-GO e da Rede Ibero Americana de
Propriedade Intelectual e Gestão da Inovação – RIAPIGI-GO.
Fomento: CNPq, FUNADESP, FAPEG, CAPES, FUNAPE.
365

recursos são finitos e a sociedade capitalista é expansiva no tempo e no


espaço.
Mas esta reciprocidade até o momento não foi amplamente alcançada.
O uso indevido da terra e a abusiva utilização dos recursos naturais diminuem
a biodiversidade causando sérios impactos ambientais e por conseqüência,
impactos sociais.
Ao lado dos grandes benefícios econômicos gerados pela implantação e
implementação tanto a níveis nacionais como internacionais dos
biocombustíveis, há o lado obscuro deste desenvolvimento.
Um dos aspectos obscuros que a agroindústria canavieira ainda
sustenta diz respeito aos impactos ambientais com o uso e ocupação de solo,
perdas das áreas de preservação permanentes e reservas legais, queimadas,
erosão e poluição dos solos pela vinhaça ou vinhoto e o que concerne a esta
última prática, não há estudos avançados sobre os verdadeiros danos
ambientais que provocam no solo e quiçá nos lençóis freáticos.
Nos impactos sócios econômicos podemos mencionar as condições de
trabalho com o avanço da mecanização, eliminação das pequenas e médias
empresas agrícolas e o êxodo rural.
A migração dos trabalhadores rurais para as cidades de outros Estados
traz sérias dificuldades, vez que são lugares que possuem populações entre 30
a 50 mil habitantes.
Conseqüentemente, esta migração gera descontroles sociais nos
municípios, criando dentre outros aspectos nocivos às comunidades que os
recebem, hospitais com super lotação, intensificação da violência,
incapacidade administrativa municipal para atender as demandas do
crescimento populacional nos tempos sazonais da safra da cana de açúcar.
Será que ainda pactuamos com a regra do desenvolvimento econômico
pelo desenvolvimento econômico, sem agregarmos fatores ambientais e
sociais?
Retornamos aos tempos dos latifúndios, escravidão e monoculturas?
Em tese, sim. O modelo agro-exportador que se consolida, reforça a
relação do Estado com o latifúndio canavieiro, sob a nomenclatura de
366

agronegócios, cujos aspectos ambientais e sociais estão subjugados ao


segundo plano.
Dessa maneira, o artigo analisará os impactos socioambientais da
produção dos agrocombustiveis em específico na região centro-sul, utilizando
como técnicas de pesquisa fontes documentais, fontes publicadas pela
imprensa e outros meios disponíveis, com o objetivo de melhor adequação e
fornecimento das informações necessárias para o desenvolvimento do assunto
proposto, partindo-se de uma metodologia dedutiva e analítica.
O estudo será desenvolvido baseado no estágio atual do conhecimento
nessas áreas, notadamente sua aplicabilidade à realidade brasileira.
Do ponto de vista de abordagem para obtenção das respostas que
deverão ser suscitadas no decorrer do presente artigo, será efetuado um
estudo comparado dos dados disponíveis na literatura especializada com
intuito de avaliar criticamente o quadro teórico de referência para oferecer
contribuições originais aos leitores.

2 O DESENVOLVIMENTO (IN) SUSTENTÁVEL: UM HIATO EXISTENTE


ENTRE DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, AMBIENTAL E SOCIAL DO
SETOR SUCROALCOOLEIRO
Atualmente o Brasil lidera o ranking mundial das exportações de etanol,
estimada em 3,2 bilhões de litros comercializados no ano de 2006 devido a
interesses internacionais pelos biocombustíveis, considerados como fonte de
energia ecologicamente correta 4.
Apesar de ser considerado como fontes de alternativa de energias
menos poluentes, a União Européia, em janeiro de 2008, formulou novas
regras de sustentabilidade ambiental com a adoção de critérios que regulam a
permissividade da importação dos biocombustíveis.
Diante do cenário nada animador no que concerne às responsabilidades
ambientais e sociais deste setor, as novas regras possivelmente poderão

4
De acordo com a União da Agroindústria Canavieira de São Paulo – ÚNICA – a última safra finalizada
em abril passado deverá ter um salto de 17,8 bilhões de litros para 38 bilhões de litros até 2012. Neste
período, 76 novas usinas deverão se somar às 325 atualmente em operação, e as terras ocupadas com
canaviais aumentarão e 6,5 milhões de hectares para 10 milhões.
367

inviabilizar o crescimento das vendas dos biocombustíveis brasileiro para o


Bloco Europeu. E por quê?
Primeiro, as bases da nova regra estabelece um biocombustível
ambientalmente sustentável, isto significa que não poderá ser obtido a partir de
matérias-primas cultivadas em áreas úmidas ou de florestas. Atentando que,
lamentavelmente não houve inserção pelo parlamento Europeu sobre o bioma
Cerrado brasileiro.
Com estas regras, o bloco exigirá provas de eficiência energética na
produção, defesa da biodiversidade e certificação (selo de certificação), além
de outras medidas, como a adoção para enquadrar a floresta tropical no intuito
de coibir o desmatamento. Atitude louvável, vez que as políticas públicas
nacionais se mostram ineficazes bem como a falta de comprometimento do
Brasil frente às responsabilidades do Protocolo de Kyoto em assumir o papel
de país poluidor, mais precisamente o 4º no ranking de emissões de gases de
efeito estufa.
O bloco europeu também visa limitar emissões de gases de efeito
estufa, compreendendo desde a produção do etanol, transporte e
processamento, através do controle denominado “poupança gás” na utilização
do biocombustível.
Deste modo, as exigências irão além do processo de produção. Se
houver desmatamento na produção do bioetanol, deverão ser contabilizadas as
emissões provocadas pela mudança do uso de terra, inviabilizando
comercialmente a sua exportação para os países componentes do bloco.
Nesse raciocínio, haverá a proibição do biocombustível originado de
matérias-primas obtidas de florestas não afetadas pelas ações antrópicas ou
áreas protegidas.
No caso da cana-de-açúcar brasileira, há intensa probabilidade de que
os combustíveis produzidos pelas agroindústrias acelerem a devastação dos
ecossistemas frágeis, em especial o Cerrado e a Amazônia com a proliferação
de monoculturas açucareiras.
Será que o país adotará medidas preventivas e sustentáveis diante
destes futuros critérios do bloco europeu para garantir que as exportações
368

continuem economicamente viáveis? Temos nossas dúvidas e o Cerrado já se


encontra na zona de perigo pela forma predatória desta monocultura.
Um levantamento elaborado pelo Instituto Sociedade, População e
Natureza – ISPN (2007), e financiado com recursos da Comunidade Européia
aponta a tendência do avanço dos canaviais no segundo bioma mais
ameaçado do país.
O desmatamento na região gira em torno de 1,1% ao ano, o que
equivale à destruição de 22 mil Km² por ano, maior que a degradação da
Amazônia.
A distribuição do cultivo da cana-de-açúcar no Cerrado por município e
indicação das usinas instaladas e em construção de acordo com esse instituto,
pode ser representada da seguinte forma:

(Fonte: ISPN-Instituto Sociedade, População e Natureza, 2007). A partir dos dados do


INPE/IBGE e MMA
369

Considerado o maior ecossistema 5 do Centro-Oeste, com variedades


extraordinárias de espécies da fauna e da flora brasileira, além de abrigar
mananciais de água de valor inestimável, representa o bioma de região de
savana mais rica em biodiversidade no mundo com risco de desaparecer até
2030.
E qual o atrativo deste ecossistema para a implantação da monocultura
da cana?
A resposta plausível seria a disponibilidade de mão-de-obra barata e os
terrenos planos da região. A cultura canavieira, segundo Ferreira (2006),
avançou vorazmente sobre os campos de outras culturas rurais e, em
semelhante intensidade, o domínio das terras destinadas ao plantio da cana
passou para as usinas, por força de aquisição ou arrendamento.
O estado de Goiás é o quarto produtor de etanol do Brasil e pretende
ocupar o segundo lugar nos próximos anos. De acordo com o Sindicato da
Indústria de Fabricação de Açúcar do Estado de Goiás (SIFAEG, 2008), na
safra de 2008/2009 já há 27 usinas em operação, com previsão de chegar a 55
usinas até 2012.
Ao todo, há 97 projetos de novas usinas, com incentivos fiscais
aprovados pelo governo estadual. Segundo a SIFAEG (2008), o aumento na
produção de etanol nesta safra será de 78%, chegando a 2,12 bilhões de litros.
O Estado de Goiás registrou entre as colheitas dos anos de 1999/2000 e
2003/2004 um aumento de 81% na superfície utilizada pela cana-de-açúcar e,
em 2006 foi responsável por 6,6% da colheita total brasileira, (FUSER, 2007).
O crescimento do consumo interno segundo projeções da PNA (Política
Nacional de Agroenergia, 2005) refere para 2013 uma demanda estimada em
25 bilhões de litros e uma oferta para o etanol próxima a 30 milhões de litros
para o ano de 2015.
Em 2008, o Centro-Sul do território brasileiro concentrou 87,8% da
produção de cana-de-açúcar destinada ao setor sucroalcooleiro.

5
O Cerrado é um bioma que abrigam mais de 10 mil espécies de plantas, das quais 4.400 são endêmicas,
847 espécies de pássaros e quase 300 e mamíferos. Fonte da Organização não-governamental
Conservação Internacional.
370

Fazem parte dessa região, São Paulo, o principal Estado canavieiro do


país, com 59,5% da produção nacional, assim como os Estados onde o avanço
da cultura é mais acelerado, como Goiás e Minas Gerais.
Na safra 2008, a produção brasileira de cana cresceu 13,9%, de 501,5
milhões para 571,3 milhões de toneladas. São Paulo foi responsável por 58,9%
desse aumento, Goiás por 12,3%, e Minas Gerais por 10,9%, de acordo com a
Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB, 2008) em dezembro
passado.
O Centro-Sul também é a região prioritária de expansão do parque
industrial do etanol. De acordo com a União da Indústria da Cana-de-Açúcar
(ÚNICA, 2008), associação que reúne as maiores companhias do setor, 29
usinas entraram em operação ao longo de 2008, entre elas 13 em São Paulo,
nove em Goiás, quatro em Minas Gerais, e três no Mato Grosso do Sul. Desde
2005, são 81 companhias de etanol inauguradas na região.
O Centro-Sul ainda mantém entre suas fronteiras 372 das 447 usinas
cadastradas na Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis
(ANP, 2008). Mais da metade delas - 230, precisamente - está localizado no
Estado de São Paulo. O grande motor da atual expansão é o aumento da
demanda por etanol.
Nos municípios de Goianésia e Barro Alto, em Goiás, uma área de cerca
de 2,5 mil Km² considerada pelo Ministério do Meio Ambiente como “prioridade
muito alta para fomento e uso sustentável” já esta dominada pela cultura da
cana, (ISPN, 2007).
Segundo o ISPN, há 27 novas usinas em São Paulo; 17 em Goiás, onde
estão previstas mais 40 usinas; 31 em Minas Gerais, com previsão de
construção de mais 14; e em Mato Grosso do Sul existem 10 usinas e mais 15
em construção.
O ISPN (2007) adverte que o desmatamento para dar lugar à lavoura de
cana prejudica diretamente às populações rurais que sobrevivem do uso da
biodiversidade do Cerrado.
Outra conseqüência temível é que os pequenos produtores de alimentos
deixem suas plantações, atraídos pelos empregos temporários no corte da
371

cana, o que poderá diminuir a produção de alimentos na região, além de


agravar a migração para as periferias urbanas.
De acordo com um relatório técnico produzido pela Organização
Conservação Internacional (2004), menciona que o Cerrado é o segundo bioma
brasileiro e que juntamente com a Mata Atlântica integra um rol de 34
ambientes mais ameaçados pelas ações antrópicas. A entidade alinha 11
iniciativas polêmicas:
► Adotar uma postura de desmatamento zero para o Cerrado, pelo
menos até que seja feito um planejamento integrado para a ocupação do
bioma;
► Criar programas de recuperação de áreas degradadas como forma de
compensar as áreas com desmatamento evitado;
► Ampliar a porcentagem das áreas de proteção integral no cerrado,
que hoje não chega a 3% o bioma, preferencialmente conciliando o aumento da
proteção com a política de proteção com a política de proteção de recursos
hídricos;
► Colocar em prática o zoneamento ecológico-econômico como forma
de planejar a ocupação do Cerrado, atrelando seus
cumprimentos/descumprimentos aos instrumentos tributários, como o Imposto
Territorial Rural – ITR;
► Implementar um programa de monitoramento continuado por
satélites, de forma a acompanhar o uso do solo do Cerrado;
► Estimular a manutenção e o fortalecimento socioeconômico dos
núcleos de produção mais tradicionais, incentivando a diversificação de
produtos em regiões ambientalmente mais sensíveis, onde os produtores rurais
seriam estimulados a implantar sistemas produtivos mais adaptados às
condições locais e menos impactos, agregando valor aos produtos típicos do
Cerrado;
► Cobrar a recuperação ambiental dos proprietários rurais que estão
com passivos nos cumprimentos do estabelecido pelo Código Florestal;
► Elaborar mecanismos capazes de agregar valor de mercado aos
produtos de regiões onde os proprietários são ambientalmente corretos;
372

► Priorizar a aplicação dos recursos públicos nas áreas carentes, mas


que possuam uma boa cobertura vegetal ou estejam localizadas nas áreas de
influência das Unidades de Conservação;
► Investir na formação de profissionais especializados em conservação
da biodiversidade e de recursos hídricos, ademais de naqueles dedicados ao
uso racional de componentes do Cerrado;
► Efetivar um pacto político entre Ministérios, Estados e a sociedade, de
forma a implementar as ações acima. (CI, 2004, p.09).
Outros danos podem ser mencionados dentro do panorama rural.
Grandes partes das terras subentendidas como degradadas ou
subaproveitáveis são pastagens arborizadas, com valores ecológicos
significativos, cobertos por vegetações rasteiras que abrigam diversidade
bastante rica e sofrem os impactos para ceder lugar aos canaviais.
Young e Steffen (2007) advertem para a vulnerabilidade da economia
brasileira diante da ausência de respostas e soluções plausíveis para estas
questões ambientais.
Analisam que se for comprovado que a produção de biocombustíveis
estiver diretamente associada ao desmatamento e redução da biodiversidade,
muito provavelmente que a esperada explosão na demanda externa não se
concretize e o setor sucroalcooleiro passe por dificuldades para exportar.
Este padrão de desenvolvimento exige reflexão emergencial sobre os
limites da natureza e o quanto é necessário desenvolvermos, mas sempre na
busca do equilíbrio socioeconômico e ambiental, com perfeita consonância do
tripé: economia, natureza e sociedade. Há riscos de pressões internacionais,
caso os biocombustíveis não estiverem relacionados a métodos éticos de
produção.
Existem motivos preocupantes em relação aos impactos sociais
advindos com a implantação da monocultura canavieira.
Evidências assinaladas por organismos internacionais (Nações Unidas
e o Banco Mundial) em face aos prejuízos na produção de alimentos que
agravaria a fome mundial.
373

Atualmente existe em torno de 1,2 milhões trabalhadores nos canaviais


que não vivem em condições dignas de trabalho e moradia.
Em comparação com os dias atuais e o ano de 2004, os salários dos
trabalhadores diminuíram sensivelmente e a produtividade laboral
intensificou 6·. O trabalhador canavieiro ficou a mercê de doenças relacionadas
com o esforço físico repetitivo, bem como doenças osteo-musculares.
Segundo Junqueira (2007, p.A16) “O problema é que melhorar as
condições de trabalho dos cortadores de cana significa mexer no método de
produção do setor sucroalcooleiro, que tem surtido resultados econômicos
positivos para o empresário e o país”.
Em 2008 a perspectiva de queda da remuneração real dos trabalhadores
canavieiros, em especial dos cortadores, reforça a contradição entre o setor
sucroalcooleiro, apontado pela indústria como fonte do combustível que pode
substituir definitivamente o petróleo em um futuro próximo, e uma massa de
trabalhadores cuja remuneração não garante minimamente seu sustento.
Não são poucos os estudiosos, os sindicalistas e ativistas em geral que
vêem na atividade de cortar cana um exemplo clássico de “superexploração do
trabalho”, termo difundido pelo intelectual brasileiro Ruy Mauro Marini com o
lançamento de uma série de escritos entre as décadas de sessenta e setenta,
entre eles “Dialética da Dependência” (1973).
Um dos pilares teóricos do conceito de “superexploração do trabalho” é
a apropriação, pelo capitalista, dos ganhos de produtividade obtidos pelo
trabalhador, que amplia seu desgaste durante a atividade sem receber por isso
uma parcela equivalente em remuneração.
Análise feita pela ONG Repórter Brasil (2008) a partir dos dados
coletados pelo Instituto de Economia Agrícola (IEA), de São Paulo, aponta que
é exatamente isso o que vem acontecendo na relação entre usineiros e
cortadores de cana.
Desde 2000, o preço da tonelada de cana paga ao cortador aumentou,
em termos reais16, 9,8%, atingindo R$ 3,45 por tonelada em 2008. Já a

6
A média salarial variava entre dois a dois salários mínimos e meio. Atualmente, 1 salário mínimo
mensal. Com relação à produtividade laboral, o trabalhador cortava 6 toneladas dia de cana e hoje a média
é de 10 toneladas a 12 t diárias.
374

produtividade do trabalhador cresceu mais no mesmo período, em 11,9%, de


7,6 toneladas derrubadas por dia, em 2000, para 8,6 toneladas, em 2008, no
Estado de São Paulo.
Vislumbrando as situações aviltantes destes trabalhadores, o Ministério
Público através das ações civis públicas, (Lei 7.347/85), luta para enquadrar os
empresários sucroalcooleiros e o governo federal para que cumpram o
estatuído na lei 4.870/65 nos seus artigos 35 e 36 objetivando a implementação
do Plano de Assistência Social ao trabalhador e a competente fiscalização por
parte da administração pública federal.
Por esta Lei os recursos de 1% do preço de saco de açúcar, 1% do
preço da tonelada de cana e 2% sobre o litro de álcool são aplicados em
assistência médica e educacional, financiamento de cooperativas e de culturas
e subsistência nas terras utilizadas pelos trabalhadores e na promoção de
programas educativos, culturais e de recreação.
Em profundo desrespeito com o social e os direitos humanos, os
empresários deste setor juntamente com a falta de comprometimento do
governo federal, justificam em suas defesas que a mencionada lei foi extinta
pela Constituição Federal por contrariar normas constitucionais e que para o
trabalhador ter respaldo fiscalizatório do governo federal a premissa seria a
edição de uma nova lei.
A omissão do Estado em não cumprir imposição de lei constitucional,
qualifica-se como comportamento revestido da maior gravidade tanto na esfera
social quanto política, ofendendo a própria Carta Magna e os direitos que nela
se fundam.
Não há justificativas à omissão governamental a fim de frustrar e
inviabilizar a preservação e o estabelecimento em favor da pessoa e dos
cidadãos de condições materiais mínimas de existência.
No ano de 1990, houve a extinção do Instituto de Açúcar e Álcool (IAA)
pela Lei 8.029/90 e em razão disso, a fiscalização quanto aos recolhimentos ou
aplicações de tais contribuições deixou de ser realizada por parte dos fiscais do
extinto IAA.
375

Ao contrário do que pode parecer em um primeiro momento, a Lei


4.870/65 não foi revogada, estando plenamente em vigor e, portanto não
contrariando os dispositivos da Carta Magna.
O fato é que a assistência social praticada no setor sucroalcooleiro não
condiz com o modelo preconizado por esta lei, e que a execução de eventuais
planos não é acompanhada pelo governo federal.
A obrigação pleiteada e disposta nos artigos supra da referida lei possui
caráter de direito social, recepcionando-os a Carta Maior.
Em análise a Constituição Federal em seu artigo 7º que consagra os
direitos sociais, direitos de segunda geração na tão propalada classificação dos
direitos humanos, não há como os dispositivos da lei 4.870/65 ser contrário às
normas preceituadas na Magna Carta e ser extinto sob a falácia de contrariar
preceito constitucional.
Os direitos sociais têm natureza jurídica de cláusulas pétreas não
podendo ser revogados sequer por emenda à Constituição.
O Plano de Assistência Social impõe obrigação de fazer aos seus
destinatários, consistentes na elaboração e execução concreta de um plano de
assistência médica, hospitalar, farmacêutica e social em benefício dos
trabalhadores industriais e agrícolas das usinas, destilarias e fornecedores em
prol dos direitos sociais dos trabalhadores.
A contribuição ao PAS (Programa de Assistência Social) prevista na lei
4.870/65 destinada aos trabalhadores da indústria canavieira foi recepcionada
pelo artigo 7º, caput, da Constituição Federal de 1988, como direito social.
O artigo prevê que “são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais,
além de outros que visem à melhoria de sua condição social”, regra meramente
exemplificativa e não taxativa, portanto admitindo outros direitos sociais em
favor dos trabalhadores rurais.
Deste modo, não tratamos nestas análises de subestimar a prática
econômica, mas apenas aclarar no que tange à garantia dos direitos sociais
dos trabalhadores deste setor, buscando a coexistência do desenvolvimento
econômico com a proteção social dos mesmos, que historicamente sempre
foram espoliados em nome do desenvolvimento econômico, bem como aliá-lo
376

com sustentabilidade ambiental que constituem temas importantes e


fundamentais, emergindo como ferramentas facilitadoras para a tão almejada
abertura de mercados.

3 CONCLUSÕES ARTICULADAS

Diante do exposto no presente artigo conclui-se que:

1- Enquanto o setor sucroalcooleiro amplia a utilização de tecnologias de


ponta em parte de sua cadeia produtiva, a superexploração da mão-de-obra e
o desrespeito às legislações ambientais ainda são práticas comuns na grande
maioria das usinas, independente de sua localização geográfica.
Em 2008, o setor foi recordista em libertações de trabalhadores em
condições análogas a escravo – 2.553 trabalhadores resgatados, em dados
consolidados pela Comissão Pastoral da Terra –, prática flagrada tanto no
Nordeste quanto nos Estados do Centro-Sul, região que concentra as maiores
e mais modernas usinas do país, (ONG-Reporter Brasil, 2008).

2- Na contramão da aposta no etanol como combustível limpo quanto à


emissão de gases de efeito estufa, a expansão das monoculturas sobre a
vegetação nativa, sobre as Áreas de Preservação Permanente e sobre as
Reservas Legais, as queimadas da palha e a utilização massiva de agrotóxicos
em todas as regiões produtoras têm desequilibrado este ganho ambiental de
forma negativa.

3- O Brasil precisa discutir o conceito de soberania energética e criar


políticas que garantam o acesso universal da população brasileira a uma
energia barata e produzida de forma sustentável, e principalmente que não se
choque com a produção de alimentos. Diante dos altos e inevitáveis impactos
sociais, ambientais e fundiários do modelo monocultor da cana no Brasil, cuja
cadeia produtiva e logística de distribuição é um grande contribuinte das
377

emissões de gases de efeito estufa, é necessário que se revejam às políticas


públicas para o setor.

4- Para que o Brasil tenha garantido o acesso à energia para seu


desenvolvimento, é necessário que a produção de etanol seja descentralizada,
atenda a demandas locais, gere emprego e renda localmente e não necessite
de grandes estruturas de transporte e distribuição. Para isso, é preciso um forte
investimento e tecnologias adequadas à produção em menor escala, bem
como políticas de incentivo à pequena produção e comercialização.

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380

O DANO AMBIENTAL E A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO:


Em busca de uma sistematização

Cláudia Karina Ladeia Batista 1

RESUMO: O tema proposto encontra amparo na proteção ao meio ambiente ecologicamente


equilibrado assegurada pela Constituição Federal de 1988, bem como no dever por ela imposto
ao Poder Público e à coletividade de zelar por tal equilíbrio. A importância da abordagem
decorre da natureza de direito fundamental inerente ao meio ambiente, cuja preservação,
repisa-se, incumbe a todos e ao Estado, que deve atuar diligentemente para prevenir, punir,
reparar ou fazer com que se repare os danos ambientais causados por seus agentes ou por
terceiros. Para o desenvolvimento do tema faz-se necessário analisar, à luz da Carta Magna,
os dispositivos de lei que tratam da responsabilidade civil por dano ambiental, apresentar as
características do meio ambiente e do dano a ele causado para, somente então, analisar as
diversas teorias desenvolvidas para a classificação da responsabilidade civil decorrente do
dano ambiental. Objetiva-se ainda demonstrar que a teoria do risco integral como informante
da responsabilidade civil do Estado, como pretendem muitos autores, é alvo de críticas,
conclamando o leitor a compreender a que a responsabilidade integral pode, em última análise,
implicar na socialização dos prejuízos decorrentes do dano ambiental.
PALAVRAS-CHAVE: DANO AMBIENTAL. MEIO AMBIENTE. RESPONSABILIDADE CIVIL DO
ESTADO. TEORIA DO RISCO INTEGRAL.

1 INTRODUÇÃO
O meio ambiente ecologicamente equilibrado e essencial à sadia
qualidade de vida vem, há muito, sofrendo a ação indiscriminada do homem.
Protegido de longa data em nosso ordenamento jurídico foi erigido à condição
de direito fundamental pela Constituição Federal de 1988 2. SARLET (1998, p.
52) o considera um direito difuso de terceira geração, acompanhado de outros

1
Professora efetiva no curso de Direito da UEMS – Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul.
Mestranda em Direito pela UNITOLEDO – Centro Universitário Toledo de Araçatuba. Especialista em
Direito Civil e Direito Processual Civil. Endereço eletrônico: claudiabatista@uems.br
2
Art.225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo
essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
381

autores 3.
Não obstante as Constituições de 1934, 1937, 1946 e 1947 já
apresentassem alguns dispositivos regulando a exploração de recursos
naturais, SÁ e CARREIRA (1999, p.37) apontam que as previsões
constitucionais não se pautavam no intuito de preservação ambiental, mas
representavam disposições de caráter utilitarista, destinadas a regular os
aspectos econômicos que envolviam a exploração de recursos naturais. A
regulação do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado na Carta
Magna de 1988 tem estreita relação com a Declaração de Estocolmo de 1972,
cujos ideais encontram origem na Declaração Universal dos Direitos
Humanos 4. Ao contrário das que lhe antecederam, a atual constituição
estabelece normas de direito ambiental fundadas em princípios
preservacionistas. CANOTILHO (2008, p. 81) explana que o caráter de direito
fundamental é verificado no aspecto formal e material. Formalmente o direito
ao meio ambiente ecologicamente equilibrado passa a ser fundamental porque
assim considerado pelo legislador constituinte. É materialmente fundamental
por ser parte integrante da estrutura elementar do Estado.
Embora a preservação ambiental tenha ganhado maior conotação a
partir de sua importância revelada no texto constitucional, a origem de sua
proteção, segundo MILARÉ (2001, p.79), é classificada em remota e próxima.
Tratando da origem próxima da preocupação ambiental, a evolução legislativa
data de pouco mais de um século, embora tenha se tornado objeto de maior
importância em razão do desejo desenfreado de crescimento no pós-guerra.
Quanto à origem remota, já se verifica preocupações ambientais com proibição
de corte de árvores em Deuteronômio 5.

3
SARLET, Ingo. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livravia do Advogado, 1998;
FREITAS, Vladimir Passos de. A Constituição Federal e a efeitividade das normas ambientais. São
Paulo: RT, 2000, p.25; TRINDADE, Antonio Augusto Cançado. Direitos Humanos e meio ambiente:
paralelo dos sistemas de proteção internacional.. Porto Alegre: Sergio Fabris,1993, p.51.
4
Declaração de Estocolmo
Princípio I “O homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade, e ao desfrute de condições de
vida adequadas em um meio cuja qualidade lhe permita levar uma vida digna e gozar de bem-estar e tem
a solene obrigação de proteger e melhorar esse maio para as gerações presentes e futuras”.
5
Deuteronômio 20:19 “Quando sitiares uma cidade por muitos dias, pelejando contra ela para a tomar,
não destruirás o seu arvoredo, metendo nele o machado, porque dele poderás comer; pelo que não o
cortarás; porventura a árvore do campo é homem, para que seja sitiada por ti ?”
382

Ocorre que notadamente após a Revolução Industrial a interferência


humana no campo ambiental tem se tornado cada vez mais freqüente. O
desenvolvimento industrial indispensável ao crescimento econômico e social,
nem sempre é pautado na sustentabilidade. Aliás, este termo ganhou relevo no
cenário jurídico nacional após a Constituição Federal de 1988, que condicionou
em seu artigo 170 a ordem econômica à defesa do meio ambiente, instituindo
ainda possibilidade de tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental
dos produtos e serviços desenvolvidos.
Feita a primeira análise da proteção ambiental assegurada pelo
legislador constituinte e pela Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, passa-
se a considerar o meio ambiente e classificá-lo.
O direito ambiental segundo MACHADO (2005, p.126) aborda a
sistematização e a interdependência da matéria, de modo que não de deve
compartimentar seus elementos, mas sim considerá-los parte de um todo. Não
se pode, porém, ignorar as especificidades da água, da atmosfera e da fauna,
por exemplo, mas buscar a integração destes elementos sob a égide do Direito
Ambiental.
A importância atribuída à preservação ambiental é fruto da constatação
de que o ideal de qualidade de vida confronta com a utilização de certas
tecnologias e modelos de gestão. A idéia inicialmente difundida de que o
progresso tecnológico implicaria em melhoria da qualidade de vida já não é, há
algum tempo, vista como absoluta. Segundo os autores LEITE e AYALA,
discorrendo acerca dos conflitos de interesse entre o progresso tecnológico e
econômico e a necessidade de preservação do meio ambiente concluem que
“é nesse espaço que se localiza com segurança o domínio do Direito
Ambiental” (2003, p. 20).
A responsabilização civil dos causadores de dano ambiental tem por
escopo assegurar o chamado direito de igualdade intergeracional, ou seja,
permitir que as gerações futuras possam conhecer e usufruir um meio
ambiente ecologicamente equilibrado. Para tanto é necessário que se
ponderem os interesses da humanidade no incremento da economia e da
produção industrial e a necessidade de preservação do meio ambiente.
383

Somente através do desenvolvimento econômico fundado do crescimento


sustentável é que se assegurará às gerações futuras o direito ao meio
ambiente saudável e capaz de proporcionar não só a vida humana, mas a vida
humana com dignidade.

2 O DANO AMBIENTAL E SUA REPARAÇÃO


No Brasil o dano ambiental é previsto e definido no artigo 3º, II da Lei
6938/81(Lei da Política Nacional do Meio Ambiente) 6.
Dano ambiental, segundo LEITE e AYALA (2003, p. 34), é “uma
alteração indesejável ao conjunto de elementos chamado meio ambiente [...] O
dano ambiental engloba os efeitos que esta modificação gera na saúde das
pessoas e em seus interesses”. Assim sendo, o dano ambiental para os
autores “pode ser compreendido lato sensu, abrangendo também todos os
componentes do meio ambiente, inclusive o patrimônio cultural” (2003, p.100).
Álvaro Luiz Valery Mirra, em sua obra Ação Civil Pública e reparação do
dano ao meio ambiente, conceitua o dano ambiental como ofensa ao
macrobem, de titularidade difusa e indisponível que, segundo o autor:

Pode ser definido como toda degradação do meio ambiente,


incluindo os aspectos naturais, culturais e artificiais que
permitem e condicionam a vida, visto como bem unitário
imaterial coletivo e indivisível, e dos bens ambientais e seus
elementos corpóreos e incorpóreos que o compõem,
caracterizadora da violação do direito difuso fundamental de
todos à sadia qualidade de vida em um ambiente são e
ecologicamente equilibrado(2002, p.89).

Amelise Monteiro Steigleder, sintetizando o pensamento de Jorge


Bustamante Alsina, apresenta a idéia que o dano ambiental, tutelado pelo
direito ambiental de natureza eminentemente difusa, pode compreender
também a ofensa a direito específico de alguém. Nesse sentido:

O conceito de dano ambiental pode designar tanto o dano que


recai sobre o patrimônio ambiental, que é comum à
coletividade, como aquele que se refere ao dano por

6
Art. 3º. Para fins previstos nesta lei entende-se por:
I [...]
II – Degradação da qualidade ambiental, a alteração adversa das características do meio ambiente.
384

intermédio do meio ambiente ou dano em ricochete a


interesses legítimos de uma determinada pessoa,
configurando um dano particular que ataca um direito subjetivo
e legitima o lesado a uma reparação pelo prejuízo patrimonial
ou extrapatrimonial (ALSINA apud STEIGLEDER, 2004, p.
117).

O Brasil adota a proteção ambiental em sentido amplo, admitindo como


vítimas do dano ambiental não só o meio ambiente, macrobem indisponível,
indivisível e de titularidade difusa, como também o indivíduo cuja afetação
direta ou indireta pelo dano ambiental tenha sofrido prejuízo de alguma
espécie. Nesse sentido, a legislação brasileira admite a responsabilidade civil
do degradador que, lançando indiscriminadamente substâncias tóxicas em um
rio, por exemplo, afeta tanto a coletividade como um todo, titular do direito
constitucionalmente assegurado a um meio ambiente ecologicamente
equilibrado, como individualmente um ou alguns pescadores, que dependiam
economicamente da atividade pesqueira naquelas águas.
A expressão meio ambiente, conforme já exposto, não se limita aos
fatores naturais, mas também contempla os elementos artificiais e culturais.
Porém, conforme bem explana Norberto Bobbio, “o mais importante deles é o
reivindicado pelos movimentos ecológicos: o direito de viver num ambiente não
poluído” (1992, p. 76). Já a expressão dano ambiental é utilizada no presente
trabalho em seu sentido mais amplo, compreendendo áreas de domínio público
ou privado. Como consectário dos princípios da precaução e prevenção,
também pode se ampliar a compreensão de dano ambiental como sendo risco
de dano ou potencialidade de dano ambiental.
Mesmo antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, a Lei
6938/81 que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente já versava sobre a
responsabilidade civil por dano ambiental em seu artigo 14, §1º que dispõe:
“sem prejuízo das penas administrativas previstas nos incisos do artigo, o
poluidor é obrigado, independentemente de culpa, a indenizar ou reparar os
danos causados ao meio ambiente e a terceiro, afetados por sua atividade”.
(g.n.). A referida lei adotou a responsabilidade objetiva do agente poluidor,
afastando a necessidade de comprovação da culpa. Para a responsabilização
do agente basta, nos termos da lei, a conduta, o dano e o nexo de causalidade,
385

não se admitindo exceções (escusas) à responsabilidade do agente


degradador.
A responsabilidade civil por dano ambiental foi mantida na Constituição
Federal de 1988 7, que atribui a qualquer pessoa física ou jurídica o dever de
reparar o meio ambiente de quaisquer danos a ele causados. Trata-se de
obrigação decorrente da exploração de qualquer atividade danosa ao meio
ambiente, entretanto não se resume a ela. A interpretação conforme a
hermenêutica constitucional amplia o alcance da norma, não compreendendo
somente as atividades lesivas ao meio ambiente, mas também aquelas
potencialmente lesivas cujo dano, ainda que não previsível, deve ser evitado
pelo explorador da atividade e por todos que dela direta ou indiretamente
participem.

3 A SOLIDARIEDADE ENTRE OS CAUSADORES DO DANO AMBIENTAL


Considerando a indivisibilidade do dano ambiental e a impossibilidade de
se identificar precisamente a parcela atribuída a cada responsável, de modo a
dimensionar com exatidão a responsabilidade pelo dano decorrente, a
restituição do meio ambiente ao estado anterior, ou o ressarcimento pecuniário
pode ser exigido indistintamente de um, de alguns ou de todos (MIRRA, 2002,
p. 203).
Os ensinamentos de NERY (1993, p. 285) apontam entendimento
idêntico:

O causador de dano ambiental é que tem o dever de indenizar.


Havendo mais de um causador, todos são solidariamente
responsáveis pela indenização, segundo o art. 1.518, caput,
segunda parte, do CC, que determina a solidariedade na
responsabilidade extracontratual, independentemente de
concerto prévio, unidade de propósitos, etc [...]

A justificativa para a adoção da responsabilidade solidária decorre da


própria natureza do direito ambiental – macrobem indivisível. A solidariedade
encontra amparo na idéia de fraternidade advinda da Revolução Francesa de
7
Art. 225 (...)
§3º. As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas
físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os
danos causados.
386

1789 e se justifica in concreto na impossibilidade de se atribuir a cada agente a


parcela cabível do dano provocado. Donald Armelin apud MIRRA esclarece
que a solidariedade não encontra razão em sendo identificável a
responsabilidade de cada agente na ocorrência e sendo esta mensurável
segundo a atuação de cada um. Nesse sentido explana o autor:

As várias causas da poluição podem ser independentes entre


si ou manterem vinculação mais ou menos intensa. Assim, há
que se distinguir: inexistindo vínculos entre as causas da
poluição, ou seja, sendo perfeitamente possível separar os
efeitos pertinentes a cada uma das causas, não há como se
falar em solidariedade entre seus agentes. Diferentemente
sucederá, se impossível a dissociação de efeitos com
especificação das respectivas causas.(Armelin apud Mirra,
2008, p.13)

Defendendo a teoria do risco integral e a solidariedade do Estado


em toda demanda que versar sobre dano ambiental, MILARÉ (2001.,p.425)
apresenta entendimento cuja clareza, a despeito das críticas, merece
transcrição:

O Poder público poderá sempre figurar no pólo passivo de


qualquer demanda dirigida à reparação do meio ambiente; se
ele não for responsável por ter ocasionado diretamente o
dano, por intermédio de um de seus agentes, o será, ao
menos solidariamente, por omissão no dever de fiscalizar e
impedir que tais danos aconteçam. A propósito, vale lembrar
que a Constituição Federal impôs ao Poder Público o dever de
preservar e defender o meio ambiente para as presentes e
futuras gerações. Ao Estado restará, no entanto, voltar-se
regressivamente, no último caso, contra o causador do dano e,
naquele outro, contra o agente que, por culpa, deu causa à
danosidade ambiental. (grifos do autor)

Este é também o entendimento compartilhado por Paulo Affonso Leme


Machado (2005, p.328). Ainda sobre a responsabilidade solidária do Estado
ensina SILVA (2007, p. 317) que “há quem sustente que o Estado também é
solidariamente responsável podendo a ação dirigir-se contra ele que, depois de
reparar a lesão, poderá identificar e demandar solidariamente os poluidores
(Ferraz, Milaré, Nery Jr, Mancuso)”.
Atenta-se, porém, para o fato de que a compreensão extensiva da
solidariedade implica na possibilidade de inclusão indiscriminada do Estado
387

como responsável solidário por todo e qualquer dano ambiental provocado por
terceiro, sob o fundamento de que ao Estado compete o cumprimento do dever
constitucional de promover a defesa do meio ambiente. Esta postura enseja em
diversas conseqüências danosas que ao final serão expostas.

4 DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR DANO AMBIENTAL


Na contramão do posicionamento exposto, entende-se que a
responsabilidade civil do Estado por dano ambiental não merece ser tratada
como um todo indivisível cuja solução jurídica seja una em todos os casos. Há
que se analisar e distinguir os fatos ensejadores da responsabilidade Estatal
para, somente então, passar a definir e delimitar sua responsabilidade.
No intuito de melhor analisar a responsabilidade civil do Estado por dano
ambiental, faz-se necessário aclarar o objeto de estudo e compartimentá-lo,
dividindo a responsabilidade estatal por dano provocado por seu próprio agente
e dano provocado por terceiro.
No que concerne à responsabilidade civil do Estado decorrente de dano
ambiental provocado por seu agente não se encontra maiores divergências. A
responsabilidade civil no caso está diretamente vinculada à identificação do
agir ou deixar de agir do agente público, que no desempenho de suas funções
institucionais não proceder conforme os interesses ambientais e as disposições
de lei.
Entretanto a responsabilidade civil do Estado não se limita à ação
norteada pela imprudência, imperícia ou negligência de seus agentes. Tais
circunstâncias ensejadoras da culpa, conforme já exposto, sequer precisam ser
comprovadas in concreto, posto que a responsabilidade civil do estado por
danos provocados por seus agentes é objetiva, não cabendo perquirir culpa do
agente, notadamente por não comportar discussões acerca da previsibilidade
ou inevitabilidade do dano por ato comissivo ou omissivo. Ao Estado caberá
apenas a ação regressiva contra seu agente que, por ação ou omissão
desencadeou o dano.
Maiores problemas decorrem da responsabilização solidária do Estado
por dano ambiental provocado por terceiro. Dentro deste campo específico,
388

questiona-se a inclusão indiscriminada do Estado no pólo passivo da ação sob


o argumento de que é dever do mesmo zelar pela preservação ambiental. A
despeito da existência de celeuma entre renomados juristas 8, entende-se que
não se pode considerar unicamente a responsabilidade do estado como
objetiva, tampouco admitir indiscriminadamente a solidariedade e a
responsabilidade fundada na teoria do risco integral. Faz-se necessário o
estudo das diversas possibilidades ensejadoras de responsabilidade estatal, de
modo a conferir a cada uma delas tratamento condizente. Para tanto,
considera-se: a) a responsabilidade solidária do Estado por ação ou omissão
de agente público que contribui indiretamente para a ocorrência do dano
provocado por terceiro; b) a responsabilidade solidária do Estado decorrente do
descumprimento do dever de agir, ainda que não haja concretamente o
conhecimento pelo agente estatal da atuação danosa de terceiro, feita na
clandestinidade; c) a responsabilidade solidária no Estado nos casos em que
tenha agido estritamente conforme a legislação e, ainda assim, não tenha
impedido a ocorrência do dano.
No primeiro caso, a responsabilidade Estatal decorreria de um ato ou
omissão de um agente que deixando de proceder conforme as determinações
legais, ou agindo em desconformidade com as mesmas, acaba com permitir a
ocorrência do dano ambiental. É o caso, por exemplo, do policial ambiental que
conhecendo a existência de um dano provocado por terceiros não toma as
providências necessárias a impedir sua cessação. É ainda, por exemplo, a
concessão de licença ambiental por parte do agente público à empresa cujo
estudo de impacto ambiental não recomendava a exploração da atividade, por
que inexistentes as condições mínimas de operação sem dano ao meio
ambiente.

8
Helli Marques de Oliveira, apud SILVA, sustenta que a responsabilidade do Estado por dano provocado
por seu agente é objetiva e a responsabilidade solidária decorrente de dano de terceiro depende da prova
da atuação culposa do agente estatal, sendo, portanto, subjetiva. O próprio José Afonso da Silva analisa
com reservas a responsabilidade objetiva e solidária do estado por dano ambiental provocado por
terceiros, tanto sob o aspecto político quando pelo temor de socialização do dano. Entretanto o autor
considera de difícil sustentação a responsabilidade civil subjetiva do Estado por dano decorrente de
terceiro, posto que implicaria em restrição do dever imposto pela Constituição ao Estado de zelar pelo
meio ambiente e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. SILVA, José Afonso da. Direito
ambiental constitucional. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 317.
389

Para estes casos entende-se possível responsabilizar solidariamente o


Estado. No primeiro caso ela encontra justificativa na falha do Estado no dever
constitucional de proteção ambiental. No segundo, a despeito da
discricionariedade administrativa sustentada por alguns autores na concessão
de licenças ambientais, vislumbra-se atuação imprudente do agente estatal que
atua em sentido diverso do que determina a legislação, concedendo
indevidamente licença ambiental à indústria que não apresentava condições
mínimas de operar em segurança.
Nestes dois exemplos expostos, a responsabilidade do estatal é
decorrente de culpa grave do agente estatal, caso em que seria admita a
inclusão do Estado como solidariamente responsável pelo dano provocado por
terceiro, desde que provada a culpa do agente público. A despeito de
entendimento predominantemente contrário que prima pela responsabilidade
objetiva, Helli Alves de Oliveira apud SILVA (2007, p. 317) sustenta a
responsabilidade subjetiva do Estado:

O artigo 37, §6º da Constituição só admite a responsabilidade


objetiva de pessoas jurídicas de Direito Público por danos
causados por seus agentes, nessa qualidade. Portanto, sua
responsabilidade por dano de terceiros funda-se na culpa. Só
quando ocorra omissão, negligência, imperícia, provadas em
relação à atividade causadora do dano ficam elas
responsáveis pela reparação.

Defendendo igual posicionamento MELO (1993, p. 463) sustenta


a responsabilidade subjetiva do Estado, condicionando-a à prova da existência
de culpa grave.
Quando se trata, porém, da omissão Estatal de atividade cuja
atribuição lhe competia como, por exemplo, o tratamento do esgoto e a
destinação adequada para o lixo urbano, não há que se falar em
responsabilidade solidária. Para MIRRA (2008, p. 22) “nestes casos a
responsabilidade estatal é direta e sua omissão é a causa, senão exclusiva,
pelo menos primeira e principal do dano verificado”. Neste caso também não
há que se falar em responsabilidade fundada em culpa, posto que o dano
ambiental decorre da atividade do próprio Poder Público e não de terceiro,
estando, portanto, sujeito à responsabilidade objetiva. LEITE compartilha do
390

mesmo entendimento “eis que a omissão estatal é causa direta do dano” (2003,
p. 205).
Feitas as considerações acerca da responsabilidade do Estado por dano
provocado por seu próprio agente e dano provocado por terceiro, cumpre
analisar a responsabilidade do Estado decorrente da falha no dever de
fiscalizar, ainda que o ato danoso provocado por terceiro não tenha chegado ao
conhecimento do agente público. Pertinente se faz um questionamento: poderia
o Estado ser compelido a responder solidariamente por todo e qualquer dano
ambiental com fundamento no descumprimento do dever constitucional de agir,
sendo responsabilizado objetivamente inclusive pelo dano ambiental praticado
na clandestinidade?
Embora possa parecer hipótese semelhante à do policial que deixa de
atuar sendo conhecedor do dano, no segundo caso não há identidade de
condutas ante o desconhecimento da existência de ação danosa por parte do
agente público. No primeiro caso, o policial que deixa de agir diante de uma
agressão conhecida ou esperada comete omissão injustificável que caracteriza
culpa grave e culmina com a conseqüente inclusão do Estado no pólo passivo
da ação, mediante a prova da omissão no poder de polícia. No segundo, a
responsabilidade do Estado advém de evento danoso intentado na
clandestinidade. Entende-se por dano cometido na clandestinidade aquele em
que o Estado, atuando diligentemente com os contingentes de fiscalização
disponíveis não possa identificar ante a vastidão da área territorial sob guarda,
por exemplo.
A adoção da teoria da culpa grave ou a do risco integral é determinante
para o afastamento ou não da responsabilidade solidária do Estado no caso.
Pela teoria da culpa grave ter-se ia a responsabilidade solidária do Estado
mediante a comprovação da culpa do policial que deixa de agir conhecendo o
dano e a não responsabilização Estado no caso do dano provocado na
clandestinidade, por ausência de culpa grave.
A aplicação da teoria do risco integral implica, por sua vez, na identidade
de tratamentos jurídicos conferidos aos dois casos, incluindo-se o Estado no
pólo passivo da ação com fundamento na responsabilidade objetiva e solidária.
391

Segundo tal teoria, a omissão diante de um fato conhecido ou esperado


guarda, ao menos no aspecto da responsabilidade civil, mesmo tratamento
jurídico que ausência de atuação escusável, ante a insuficiência de recursos
para a promoção da proteção adequada, por exemplo. Segundo Steigleder, tal
fato é decorrência de que a teoria do risco integral imputa a responsabilidade
com fundamento no risco inerente à atividade, segundo um juízo de
probabilidade (2004, p.220)
Na terceira hipótese proposta, estuda-se a possibilidade de
responsabilizar, solidária e objetivamente o Estado por ter autorizado a
exploração de atividade que, mesmo desenvolvida segundo os padrões
exigidos para o atendimento das normas ambientais, gera dano ao meio
ambiente. Oportuna outra indagação: pode o Estado, mesmo agindo conforme
a legislação e autorizando o funcionamento de determinada indústria, ser
responsabilizado solidariamente no desenvolvimento de atividade lícita e
essencial ao desenvolvimento? O entendimento também não é pacífico. Aos
que se filiam à responsabilidade civil com fundamento na teoria do risco
integral, o Estado pode ser incluído no pólo passivo da ação para responder,
solidariamente com o explorador da atividade, pelos danos ambientais
fundados nos riscos inerentes à própria atividade. Nesse sentido ensina
MELLO:

O fundamento da responsabilidade estatal é garantir uma


equânime repartição dos ônus provenientes de atos ou efeitos
nocivos, evitando que alguns suportem prejuízos ocorridos por
ocasião ou por uma causa de atividades desempenhadas no
interesse de todos. De conseguinte, seu fundamento é o
princípio da igualdade, noção básica do Estado de Direito
(1996, p. 330).

A teoria do risco integral implica em atribuir ao explorador da


atividade (e ao Estado com fundamento na solidariedade) a integral
responsabilidade por qualquer dano dela decorrente, independentemente da
atuação voluntária do agente, da conformidade de sua atuação com a lei, ou da
licitude da atividade autorizada. A responsabilidade é objetiva e não admite
exclusões de qualquer natureza, nem mesmo na ocorrência de caso fortuito,
força maior, atuação de terceiros e da própria vítima. É revelada pela
392

interpretação do Art 14, § 1º da Lei 6938/81 recepcionado pela Constituição


Federal de 1988.
O estudo ora realizado não permite a adoção da teoria do risco
como informante da responsabilidade civil do particular que atua conforme a
legislação, tampouco da responsabilidade Estatal que autoriza o exercício de
atividade lícita, precedida de prévio estudo de impacto ambiental cujo resultado
autorizava a concessão da licença. O estabelecimento de critérios
diferenciados é imprescindível posto que “a função da norma é precisamente
estabelecer discriminações, valorizando situações e desvalorizando outras,
submetida sempre à métrica da razoabilidade” (CASTRO, 2008, p.131).
Contrapondo-se à teoria do risco integral, tem-se a teoria do risco
criado, segundo a qual poderiam ser responsabilizadas objetivamente apenas
as atividades que demandassem periculosidade e que efetivamente pudessem
causar lesão ao meio ambiente. Nos casos em que a atividade não é
potencialmente danosa, a teoria do risco criado comporta as excludentes de
responsabilidade. Entretanto a interpretação mais formalista da Lei 6938/81
não admite valoração acerca do risco da atividade, admitindo amplamente a
responsabilidade objetiva tanto para o desenvolvimento de atividades que
importem riscos ambientais, como para aquelas em que o risco não é inerente
(STEIGLEDER, 2004, p.199) 9.
Prossegue a autora tecendo importantes considerações acerca da
teoria do risco integral, que ora são ora transcritas:

A teoria do risco integral supõe que a mera existência do risco gerado pela
atividade, intrínseco ou não a ela, deverá conduzir a responsabilização. [...] Basta que
o dano possa estar vinculado à existência do fator risco, o qual será imputado “causa”
do dano, pelo qual qualquer evento condicionante é equiparado à causa do prejuízo,
sem a exigência de que este seja uma conseqüência necessária, direta e imediata do
evento. Fundamenta-se na adoção do mero fator risco (STEIGLEDER, 2004, p. 204)

Em magistral exposição acerca dos efeitos negativos da aplicação


indiscriminada da responsabilidade solidária do Estado por dano de terceiro,
sustenta Álvaro Luiz Valery Mirra:

9
Amelise Monteiro Steigler aponta que Benjamim, Athias, Cavalieri Filho, Milaré, Nery Junior e Ferraz
393

A objeção que tem sido levantada, aqui, é a de que, acionar


indiscriminadamente o Estado, em caráter solidário com o
terceiro degradador, pela sua omissão em fiscalizar e impedir
a ocorrência do dano ambiental, significaria, no final das
contas, transferir à própria vítima da degradação – a
sociedade – a responsabilidade pela reparação do prejuízo,
com todos os ônus daí decorrentes, quando , na verdade, a
regra deve ser da individualização do verdadeiro e principal
responsável, evitando-se, assim, com isso, indesejável
socialização dos encargos necessários à reparação de danos
ambientais praticados por particulares – pessoas físicas e
jurídicas – que podem ser determinados (2008, p. 19).

5 CONCLUSÃO
A pesquisa realizada permite concluir que:

1. o acolhimento da doutrina da responsabilidade objetiva do Estado por


todo e qualquer dano ambiental não aparenta ser a melhor solução para os
problemas do meio ambiente, tampouco a aplicação pura e simples da teoria
do risco integral o é;
2. para atribuir de forma equânime a responsabilidade civil por dano
ambiental faz-se necessário fixar critérios lógico-jurídicos, a fim de que
indiscriminada responsabilização do particular e do próprio Estado por danos
próprios, bem como deste último, solidariamente, por danos de terceiros;
3. que a responsabilização solidária do Estado por dano ambiental
provocado por terceiros melhor se acomoda, a despeito do entendimento
contrário já externado, na responsabilidade fundada na culpa do agente;
4. não é possível aplicar a teoria do risco integral como fundamento da
responsabilidade solidária estatal, sob pena de se transferir à sociedade,
mediante a utilização de recursos públicos, a obrigação de reparar dano
produzido por terceiro.

REFERÊNCIAS

BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos, tradução de Carlos Nelson Coutinho.


4a reimpressão. Rio de Janeiro: Campus, 1992.
394

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STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Responsabilidade Civil Ambiental – As


dimensões do dano ambiental no direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2004.
395

TRINDADE, Antonio Augusto Cançado. Direitos Humanos e Meio Ambiente:


Paralelo dos sistemas de proteção internacional. Porto Alegre: Sergio
Antonio Fabris, 1993).
396

ANTECEDENTES HISTÓRICOS DA PROTEÇÃO AMBIENTAL E A


EFETIVIDADE DA TUTELA JURISDICIONAL DO MEIO AMBIENTE

CLÁUDIA KARINA LADEIA BATISTA 1

RESUMO: O presente trabalho propõe abordar os reflexos da Declaração Universal dos


Direitos Humanos na evolução da proteção jurídica conferida ao meio ambiente. Propõe-se
apresentar ao leitor os fundamentos da proteção ambiental, advindos dos ideais da Revolução
Francesa e adotados pela Constituição Federal de 1988 para a proteção do meio ambiente,
estabelecendo assim, a relação histórica do tema com a Declaração Universal dos Direitos
Humanos. Para bem caracterizar a evolução da proteção ambiental após a Declaração
Universal, apresentará diversos diplomas legais editados a partir dos ideais de proteção à vida
e à dignidade humana, porém sem a preocupação de tecer maiores comentários acerca dos
mesmos, em razão de não ser o objetivo do estudo. Espera-se, outrossim, conclamar o leitor a
compreender a importância do meio ambiente enquanto direito fundamental de terceira
dimensão, de titularidade difusa, bem como a necessidade de aplicação de meios processuais
eficazes para que as disposições de direito material não sejam inócuas.
PALAVRAS-CHAVE: Declaração Universal dos Direitos Humanos; Meio ambiente; Tutela
jurisdicional; Tutela inibitória.

1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
A evolução da proteção ambiental guarda estreitos laços com a
Revolução Francesa e a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de
1948, em resposta aos horrores da Segunda Guerra Mundial, a Declaração tem
por ideais, entre outros, a valorização da vida e da dignidade da pessoa
humana, ideais estes que embasam e justificam a importância do meio
ambiente. É nesse contexto que se objetiva estudar a evolução do direito
ambiental no cenário internacional e pátrio, discorrendo acerca da importância
e eficácia de sua tutela, para a conquista da chamada Justiça Ambiental.

1
Professora efetiva no curso de Direito da UEMS – Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul.
Mestranda em Direito pela UNITOLEDO – Centro Universitário Toledo de Araçatuba. Especialista em
Direito Civil e Direito Processual Civil. Endereço eletrônico: claudiabatista@uems.br
397

O direito ambiental revela-se, pois, como um conjunto de normas


destinadas a disciplinar a ação do homem no trato com o meio ambiente. Trata-
se da proteção de um direito subjetivo a um ambiente equilibrado, tutelado
objetivamente pelas as normas que o regulamentam e asseguram.
As considerações que seguem explicitam a razão da importância tardia
concedida à proteção ambiental pela legislação interna e internacional. É
sabido que mesmo antes da Declaração dos Direitos Humanos já existiam
normas de conduta, notadamente de cunho religioso, imbuídas de alguma
preocupação ambiental. Considerando o aspecto cronológico, Edis Milaré
(2001, p.78) classifica as origens da proteção ambiental em remota e próxima.
Quanto à origem remota, verificam-se preocupações ambientais com proibição
de corte de árvores em Deuteronômio 2. Quanto à origem próxima da
preocupação ambiental, a evolução legislativa data de pouco mais de um
século, embora tenha se tornado objeto de maior importância em razão do
desejo desenfreado de crescimento no pós-guerra.
As raízes da proteção conferida por lei ao meio ambiente são do início
do século XX, antes da Primeira Guerra Mundial. Nesse sentido Fernanda
Medeiros, analisando o pensamento de José Juste Ruiz, reitera as palavras do
autor e classifica o período como “a pré-história do direito à proteção
ambiental” (2004, p. 29). A preocupação das primeiras legislações não era para
com o meio ambiente em seus aspectos naturais, mas sim com a finitude dos
recursos naturais servíveis à exploração econômica, posto que dotados de
valor e interessantes à comercialização.
A preocupação ambiental se desvinculou de seu aspecto meramente
local ou regional passando ao global, em decorrência da degradação ambiental
não conhecer limites ou fronteiras (TEIXEIRA, 2006, p. 23). A nova perspectiva
de direito transfronteiriço passou a exigir dos Estados uma postura mais
conciliatória, como expõe TRINDADE:

2
Deuteronômio 20:19 “Quando sitiares uma cidade por muitos dias, pelejando contra ela para a tomar,
não destruirás o seu arvoredo, metendo nele o machado, porque dele poderás comer; pelo que não o
cortarás; porventura a árvore do campo é homem, para que seja sitiada por ti?” Deuteronômio 20:20
“Somente as árvores que souberes não serem árvores cujo fruto se pode comer, é que destruirás e
cortarás[...]”
398

A ameaça de dano a muitas nações resultante das alterações


climáticas, por exemplo, é um problema grave cuja causa
dificilmente poderia ser traçada ou atribuída a um único Estado
ou grupo de Estados, requerendo assim um novo enfoque com
base em estratégias de prevenção e adaptação e considerável
cooperação internacional (1993, p. 43).

Os ideais da Declaração Universal dos Direitos Humanos influenciaram


diretamente a Primeira Conferência da ONU sobre o Meio Ambiente Humano –
mais conhecida como Declaração de Estocolmo ou simplesmente Estocolmo-
72, que encerra em seu conteúdo mais de vinte princípios destinados à
proteção do Homem e do meio ambiente. O primeiro deles reitera os direitos à
liberdade e igualdade já consagrados na Declaração Universal, acrescentando
o direito-dever ambiental, que consiste no direito a uma vida digna e com bem
estar e o dever de proteger o meio ambiente para as gerações futuras 3.
Sob a influência do liberalismo econômico o direito de propriedade foi
exercido durante muito tempo de forma absoluta e irrestrita. Valendo-se do
exercício pleno do direito de propriedade, o ser humano contribuiu de forma
drástica para o avanço da degradação ambiental. A atuação do Estado na
positivação e salvaguarda dos direitos relativos ao meio ambiente passou a ser
cada vez mais urgente e indispensável.
No mesmo sentido, Fritjof Capra expõe, em uma visão holística a
alienação humana acerca dos problemas sociais, notadamente os relacionados
ao meio ambiente:

Nosso progresso, portanto, foi uma questão


predominantemente racional e intelectual, e essa evolução
unilateral atingiu agora um estágio alarmante, uma situação
tão paradoxal que beira a insanidade. Podemos controlar o
pouso de espaçonaves em planetas distantes, mas somos
incapazes de controlar a fumaça poluente expedida por
nossos automóveis e nossas fábricas. Propomos a instalação
de comunidades utópicas em gigantescas colônias espaciais,
mas não podemos administrar nossas cidades. O mundo dos
negócios faz-nos acreditar que o fato de gigantescas indústrias

3
Princípio 1 - O Homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de
vida adequada, em um meio ambiente de qualidade tal que lhe permita levar uma vida digna e gozar de
bem estar e é portador da solene obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente para as gerações
presentes e futuras.
399

produzirem alimentos especiais para cachorros e cosméticos é


um sinal de nosso elevado padrão de vida, enquanto que os
economistas tentam dizer-nos que não dispomos de recursos
para enfrentar os custos de uma adequada assistência à
saúde, os gastos com a educação e transportes públicos
(CAPRA, 2003, p. 56).

A criação de mecanismos jurídicos de preservação ambiental


pressupunha a adequação de interesses antagônicos e conflitantes. Vasco
Pereira da Silva, citado por MEDEIROS (2004, p.17), aponta a dicotomia entre
os interesses do Estado Social, cuja função é respeitar e garantir o respeito aos
direitos fundamentais da pessoa humana, e os interesses liberais de
desenvolvimento industrial e econômico. A singela produção normativa
destinada à proteção ambiental por Estados ditos adeptos do liberalismo
econômico comprova a reduzida atuação estatal e até sua inércia diante dos
problemas ambientais.
Morato Leite e Ayala (2004, p. 20) consideram que a importância
atribuída à preservação ambiental é fruto da constatação de que o ideal de
qualidade de vida confronta com a utilização de certas tecnologias e modelos
de gestão. A idéia inicialmente difundida de que o progresso tecnológico
implicaria em melhoria da qualidade de vida já não é, há algum tempo, vista
como absoluta. Segundo os autores, discorrendo acerca dos conflitos de
interesse entre o progresso tecnológico e econômico e a necessidade de
preservação do meio ambiente concluem que “é nesse espaço que se localiza
com segurança o domínio do Direito Ambiental”.
Nas décadas de 60 e 70, notadamente em razão de desastres
ambientais e dos alardes laçados por cientistas acerca da esgotabilidade dos
recursos naturais, verificou-se uma crise de valores da sociedade de consumo,
com a massificação da chamada “consciência ecológica” (MEDEIROS, 2004, p.
30).
Na década de 80, com a popularização dos meios de comunicação em
massa, os ideais de proteção ambiental ganham cada vez mais adeptos e
defensores. No Brasil, a Constituição de 1946 já fazia opaca menção ao meio
ambiente, limitando-se a estabelecer a competência da União para legislar
sobre a fauna, flora e águas. Porém a proteção foi conferida de forma mais
400

abrangente pela Carta Magna de 1988, que erigiu o direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado como direito fundamental que, não obstante não
formalmente previsto no rol do artigo 5º, desfruta de verdadeiro status de direito
fundamental. A Constituição Federal tutela o meio ambiente no artigo 225 e
seguintes, definindo-o como bem de uso comum do povo e impondo ao Estado
e aos indivíduos o dever de preservá-lo 4. A importância atribuída ao tema pelo
Legislador Constitucional de 88, a exemplo de outras constituições em diversos
países, está diretamente relacionada aos efeitos nefastos da atuação humana
averiguados empiricamente em todo o planeta. Entretanto a estruturação do
ordenamento jurídico ambiental na forma atualmente conhecida decorre de
uma longa trajetória, percorrida pelo direito pátrio e alienígena que reitera os
princípios da Declaração Universal dos Direitos Humanos e nela encontra
amparo.
Em 1992 é realizada no Rio de Janeiro a Conferência da ONU sobre
Meio Ambiente e Desenvolvimento, também conhecida como Cúpula da Terra,
Rio-92 ou ECO-92. O encontro resultou na elaboração da Agenda 21, firmada
por 178 países, cujo conteúdo apresentava proposituras de modelos de
desenvolvimento sustentável para o século 21. Foi nesta conferência que se
solidificou a idéia de solidariedade entre as nações para o desenvolvimento,
mundialmente conhecida pela expressão “Aldeia Global”.
No ano de 2002 realizou-se em Joanesburgo a Cúpula Mundial sobre
Desenvolvimento Sustentável, também conhecida como Cúpula da Terra II,
destinada a implementar as propostas da Agenda 21.
Firmado no Japão em 1997 e ratificado em 1999, o Protocolo de Kyoto
tem por objetivo a redução na emissão de gazes de efeito estufa, notadamente
pelos países desenvolvidos. Cumpre ressaltar que a recusa dos Estados
Unidos da América e Alaska em ratificarem o protocolo foi objeto de grande
celeuma e descontentamento entre os líderes mundiais as organizações não
governamentais de proteção e defesa do meio ambiente.

4
At.225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo
essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
401

Conforme já explicitado, a menção aos tratados, convenções e outras


normas de proteção ao meio ambiente destinam-se meramente a apresentar
ao leitor aspectos essenciais acerca da evolução da proteção ambiental, não
tendo a pretensão de abordar seu conteúdo jurídico, tampouco esgotá-lo. Do
mesmo modo a evolução legislativa conta com outras normas constitucionais
alienígenas e pátrias, bem como outros pactos aqui não mencionados pela
necessidade de ater-se aos mais significativos.
A análise do meio ambiente ecologicamente equilibrado como corolário
da própria dignidade humana (e dela indissociável) encontra suas raízes na
Declaração Universal dos Direitos Humanos, notadamente no princípio de
preservação da vida. Entretanto não se pode entender a Declaração dos
Direitos Humanos sem considerar os aspectos universal e positivo desta. O
caráter universal da Declaração advém de sua abstração, sua desvinculação
com qualquer elemento racial, de gênero, credo, nacionalidade ou qualquer
outro que pudesse servir de óbice à sua evocação. O positivo decorre da
reunião dos princípios protecionistas em um único diploma legal,
internacionalmente reconhecido e capaz de fazer frente aos horrores da guerra,
da fome, do genocídio, do tráfico e escravidão de pessoas entre outras
atrocidades cometidas contra os direitos humanos.
A Declaração Universal preconiza em seu preâmbulo, entre outros, a fé
nos direitos humanos, na dignidade e valor da pessoa humana e na igualdade
de direitos. O artigo III da Declaração assegura que toda pessoa tem direito à
vida, à liberdade e à segurança pessoal. O meio ambiente ecologicamente
equilibrado encerra em si a proteção ao próprio direito à vida. Assim sendo,
embora a declaração não tenha feito menção expressa ao direito ou proteção
ambiental, considerou-o implicitamente ao preservar o direito à vida e à
dignidade da pessoa humana.
Igual preocupação é vislumbrada no artigo IV da Declaração Universal
dos Direitos Humanos que, ao vedar a manutenção de qualquer ser humano
em regime de escravidão ou servidão, acaba por, em última análise,
regulamentar as condições mínimas do meio ambiente de trabalho.
Derradeiramente o artigo XXV da Declaração Universal assegura que
402

“toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e à sua


família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação,
cuidados médicos” [...] Verifica-se que embora a redação não tenha
expressamente assegurado a proteção do meio ambiente, resguardou os
interesses da espécie humana na medida em que conferiu a toda pessoa um
padrão de vida que contemple saúde e bem estar ao indivíduo e sua família. O
meio ambiente ecologicamente equilibrado é pressuposto para o gozo dos
direitos à saúde e bem estar assegurados pela Declaração Universal dos
Direitos Humanos.

2 OS REFLEXOS DA DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS


HUMANOS NO PANORAMA CONSTITUCIONAL BRASILEIRO.
A Constituição Federal de 1988 agrega de forma insofismável diversos
elementos que denotam referências à Declaração Universal dos Direitos
Humanos. A opção do legislador constituinte por primar claramente pelo
respeito aos direitos humanos e elencá-los nos diversos incisos do artigo 5º
sob o manto de Direitos Fundamentais é uma delas. Esta correlação entre o
direito à vida previsto na Declaração Universal e a proteção ambiental é
magistralmente retratada por José Afonso da Silva:

A proteção ambiental, abrangendo a preservação da Natureza


em todos os seus elementos essenciais à vida humana e à
manutenção do equilíbrio ecológico, visa tutelar a qualidade do
meio ambiente em função da qualidade de vida, como uma
forma de direito fundamental da pessoa humana.(2005, p. 58).

O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, embora não


previsto no rol dos direitos assegurados no artigo 5º, foi positivado e erigido a
Direito Fundamental no artigo 225 da Carta Magna. Enquanto direito
fundamental, assim reconhecido na constituição de 1988, o meio ambiente
passou a gozar de maior proteção contra eventuais arbitrariedades
provenientes de particulares ou do próprio Estado. Embora ainda encerre em si
o caráter de um direito humano, a proteção constitucional conferida ao tema
afastou a alegação de norma programática. Nesse sentido Ingo Wolfgang
Sarlet (2001, p.337) leciona que o dever fundamental decorrente da proteção
403

constitucional conferida ao meio ambiente é norma de aplicação imediata, que


vincula o Poder Público e os particulares. Também nesse sentido é a
orientação de Fernanda Luiza Fontoura de Medeiros (2004, p.105).
Corroborando o entendimento, Orei Paulino Bretanha Teixeira cita Antonio
Enrique Pérez:

A positivação assegura os direitos fundamentais contra o


arbítrio do legislador [...] Possuem supremacia normativa e
conseqüentemente, aplicabilidade imediata e vinculativa por
força do art 5º da Constituição Federal combinado com o 225,
caput. Assim o Poder Público tem o dever-poder indeclinável
de atuar para preservar o equilíbrio do ambiente (2006, p. 87).

Trata-se, pois, do dever do Estado em assegurar a proteção de um


direito humano que, positivado por norma constitucional, passa à condição de
direito subjetivo do homem e de toda a coletividade, fundamental à vida e à
dignidade da pessoa humana, e que requer, conforme já abordado, por parte
do Estado, prestações positivas e negativas. Trata-se de bem de uso comum
do povo e que, na crítica de Luiz Roberto Barroso, não se encontra
necessariamente vinculado ao direito de propriedade:

O direito ao meio ambiente sadio é mais do que um bem de


uso comum do povo. Os direitos de natureza ambiental
ensejam limitações administrativas e intervenções na
propriedade precisamente quando sua preservação venha
associada à utilização de bens que se encontrem no domínio
privado. O que o constituinte terá pretendido dizer é que o
meio ambiente constitui um bem jurídico próprio, distinto
daquele sobre o qual se exerce o direito de propriedade (2001,
p.255).

O caráter de direito fundamental conferido ao meio ambiente


ecologicamente equilibrado decorre, segundo CANOTILHO (2008, p. 81), do
aspecto formal e material. Formalmente o direito passa a ser fundamental
porque assim considerado pelo legislador constituinte. Trata-se, porém, de
direito fundamental no aspecto material, por ser parte integrante da estrutura
elementar do Estado.
Ressalta-se, porém, que a despeito de sua positivação e mesmo antes
dela, há que se compreender o direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado como pressuposto do próprio direito à vida e à existência digna do
404

ser humano. Há que se entendê-lo como direito inerente à própria natureza


humana e à ela intrinsecamente relacionado. Mas não é só. Há que se
considerar ainda que o homem não é apenas titular de um direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, mas é devedor da obrigação de respeitar
o meio ambiente e contribuir (no aspecto da ação e da abstenção do agir) com
sua preservação. Quando o ser humano não cumpre voluntariamente tal dever,
compete ao Estado promover o cumprimento por meio do judiciário que, no
exercício de sua competência, prestará a tutela jurisdicional.

3 DIREITO À TUTELA JURISDICIONAL AMBIENTAL EFICAZ


A evolução dos diplomas legais destinados a tutelar o direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado não assegura, por si, sua efetiva
proteção. As normas de cunho material, dirigidas ao homem e ao Estado
supõem a atuação deste através do monopólio da jurisdição. Em razão da
previsão constitucional contida no artigo 5º, inciso XXXV acerca da
inafastabilidade da jurisdição, deve o judiciário dispensar seus esforços na
tutela de interesses difusos que se encerram na pretensão por um ambiente
equilibrado. A tutela jurisdicional deve ser eficaz, assegurando o direito a um
ambiente sadio, direito este pertencente a uma universalidade de pessoas
desta geração e de outras vindouras. A lição de José Afonso da Silva alerta
para a necessidade de adequação da tutela às características da proteção
ambiental:

Diante de uma nova projeção do direito à vida, pois neste há


de se incluir a manutenção daquelas condições ambientais
que são suportes da própria vida, e o ordenamento jurídico, a
que compete tutelar o interesse público, há que dar resposta
coerente e eficaz a essa nova realidade social (2007, p. 58).

Não obstante tenha o Brasil notável legislação na área ambiental, a


aplicação de tais leis encontra percalços capazes de tornar inócua a atuação
do judiciário. Não raramente a comunicação tardia da ocorrência de dano, a
morosidade no trâmite das ações e a não aplicação de tutela específica (ou de
urgência, quando o caso a comporta), acabam por fazer regra a aplicação do
mero ressarcimento pecuniário. Tal tutela, embora ainda mantenha seu
405

aspecto pedagógico, resta ineficaz ao fim a que se destina: coibir a degradação


ambiental.
A efetividade da tutela jurisdicional ambiental guarda em si um aspecto
de suma importância, porém nem sempre observado: a necessidade de se
prevenir o ilícito, evitando por conseqüência o dano ambiental. Isto porque o
bem da vida a ser tutelado não goza de caráter patrimonial, de modo que a
tutela ressarcitória por meio de indenização pecuniária não se mostra eficaz.
Ademais, sendo o dano ambiental muitas vezes irreparável, a indenização
pecuniária não representa proteção ambiental, mas sim mera sanção ao autor
do ilícito. Há ainda os casos em que a tutela específica da obrigação assegura
a redução dos efeitos malévolos do dano, mas não o sana por completo.
A realidade fática de degradação ambiental constante supõe que todos
os operadores do direito voltem seus olhares para a efetividade da prestação
jurisdicional. Muitos dos “novos direitos” entre os quais, o direito a um meio
ambiente sadio e equilibrado, não se coaduna com a simples tutela de
reparação do dano, mormente porque tais direitos não possuem, em regra,
caráter patrimonial ou econômico. Requerem uma visão mais utilitária do
processo, não como um fim em si mesmo, mas como mecanismo de
operacionalização das disposições constitucionais e legais de proteção do meio
ambiente.
O processo há de ser visto como mecanismo eficaz na proteção
ambiental, como corolário do dever constitucional imposto ao Poder Público e
toda a coletividade de zelar pelo meio ambiente, tendo em vista indissociável
vinculação entre este e a própria dignidade da pessoa humana. O processo,
segundo ARAÚJO (2001, p.87), “é um instrumento de realização do Poder
Estatal que não está isolado, mas ligado aos anseios da sociedade”.
Sendo vedada a autotutela no Estado Democrático de Direito, salvo as
exceções legais, configura-se o processo como mecanismo de atuação do
Estado na defesa de interesses individuais, difusos e coletivos. A tutela deve,
entretanto, corresponder à expectativa dos jurisdicionados, sob pena de ser
ineficaz. Nesse sentido ensina MARINONI:

A morosidade gera a descrença do povo na justiça: o cidadão


406

se vê desestimulado a recorrer ao Poder Judiciário quando


toma conhecimento de sua lentidão e dos males (angústias e
sofrimentos psicológicos) que podem ser provocados pela
morosidade da litispendência(...)É óbvio que a morosidade
processual estrangula os direitos do cidadão ( 2000, p.33).

A efetividade da prestação jurisdicional guarda relação direta com a


existência e finalidade do processo. Conforme preleciona Sérgio Cruz Arenhart
(2000, p. 34) “reconhecer um direito e não lhe dar a tutela adequada é o
mesmo que não oferecer tutela ao direito em questão”.
As peculiaridades deste direito subjetivo de terceira geração requerem
do judiciário uma tutela condizente com suas características, em especial a
finitude, a infungibilidade e, em muitos casos, a impossibilidade de reparação.
Nesse sentido Roxana Cardoso Brasileiro Borges (1998, p.29-30) expõe a
necessidade de adaptação de todo o ordenamento jurídico para a eficaz
prestação jurisdicional na defesa dos interesses difusos posto que “vem
ampliar o conteúdo dos direitos humanos fundamentais e sua positivação
envolve a revisão de todo direito, enquanto ordenamento, enquanto teoria,
enquanto implementação”.

4 A TUTELA INIBITÓRIA E O PRINCÍPIO DA PREVENÇÃO


A previsão legal da tutela inibitória encontra-se nos artigos 11 da Lei de
Ação Civil Pública e no artigo 84 do Código de Defesa do Consumidor, bem
como no artigo 462 Do Código de Processo Civil, que trata da tutela inibitória
individual. Sua utilização encontra amparo no princípio da prevenção, obstando
a ocorrência do dano (e do próprio ilícito), ao invés de simplesmente tutelar a
reparação do mesmo. Assim é considerado o princípio da prevenção por
Luciana Gonçalves Tessler ao analisar o princípio 15 da Declaração do Rio de
Janeiro – ECO/92 e que, em razão da relevância para o trabalho, é transcrita:

Este princípio rompe com o mito da certeza e da segurança


jurídicas. Representa o reconhecimento social mundial da
imperatividade de uma tutela preventiva ambiental. Ilustra a
mudança de paradigma da sociedade, reconhecendo o risco
como uma realidade e abandonando o ideal iluminista da
necessidade da certeza para garantir a segurança individual
do cidadão, a fim de resguardar a tutela de um interesse
coletivo, transindividual, inerente a toda sociedade. Trata-se
407

da constatação de que direitos desta estirpe não podem ficar à


mercê do tempo necessário para a busca de uma
“pressuposta certeza” científica. O princípio da precaução, na
realidade, tem por função equacionar o problema temporal. Se
o meio ambiente possui caráter inviolável, o tempo pode ser
seu algoz. (2004, p.56)

A Agenda 21 preconiza que ausência de certeza científica não deve


constituir óbice à utilização dos meios processuais destinados a prevenção da
degradação ambiental 5. Considerando a incerteza de reparação efetiva do
dano ambiental após sua ocorrência Luis Álvaro Valerry Mira (1995, p.32)
alerta para a necessidade do Estado em agir preventivamente.
Não obstante seja o Brasil referência mundial quanto ao direito material
ambiental, a efetividade de suas normas é altamente discutível. As deficiências
da própria estrutura do judiciário associadas a inexistência ou não utilização de
mecanismos processuais acabam por tornar inócua a tutela jurisdicional. Edis
Milaré alerta acerca da necessidade de se possibilitar o emprego da legislação
ambiental às situações fáticas, aduzindo que:

Não basta, entretanto, apenas legislar. É fundamental que


todas as pessoas e autoridades responsáveis se lancem ao
trabalho de tirar essas regras do limbo da teoria para a
existência efetiva da vida real pois, na verdade, o maior dos
problemas ambientais brasileiros é o desrespeito generalizado,
impunido ou impunível, à legislação vigente (2007, p.232).

O avanço do direito material na proteção ambiental não encontra no


processo civil ‘clássico’ aparato adequado para sua efetivação. A visão clássica
do processo o afasta do direito material e o caracteriza como ciência própria. A
visão constitucional do processo, por sua vez, acaba por exigir que o mesmo
cumpra com celeridade e adequação sua missão. Refletindo acerca da
classificação trinária das sentenças, segundo a concepção clássica dos
provimentos jurisdicionais, MARINONI assevera em sua obra Tutela inibitória
individual e coletiva que “a classificação trinária das sentenças revela uma total

5
Reza o princípio: “Para proteger o meio ambiente medidas de precaução devem ser largamente
aplicadas pelos Estados segundo suas capacidades. Em caso de riscos de danos graves ou irreversíveis, a
ausência da certeza científica absoluta não deve servir de pretexto para procrastinar a adoção de medidas
efetivas visando prevenir a degradação do meio ambiente”.
408

incapacidade do processo civil clássico para lidar com as relações mais


importantes da sociedade contemporânea” (2000, p. 114).
E discorrendo acerca da necessidade de uma outra modalidade de
tutela, prossegue o autor em sua lição:

A imprescindibilidade de uma nova tutela jurisdicional,


caracterizada pela necessidade de tutela antecipatória e de
uma sentença que não se enquadra no modelo trinário, é o
reflexo da tomada de consciência de que os direitos precisar
ser tutelados de forma preventiva, especialmente porque a
nossa própria Constituição da República, fundada na
dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) não só garante uma
série de direitos não patrimoniais, como afirma expressamente
o direito de acesso à justiça diante de ‘ameaça de direito’ (art.
5º, XXXV). Pesa, portanto, sobre a doutrina processual, a
grave e importante incumbência de elaborar, teoricamente, um
modelo de tutela jurisdicional adequado aos valores do tempo
presente. (p. 123)

Corroborando o entendimento já apresentado de que a divisão trinária


da sentença não se amolda à defesa dos interesses difusos, José Carlos
Barbosa Moreira ressalta os aspectos positivos da tutela preventiva,
ressaltando que a mesma é “legitimada ante a ameaça de violação, ou mais
precisamente à vista de sinais inequívocos da iminência desta”.(1998. p. 24)
A tutela inibitória, compreendida pela imposição de um fazer ou não
fazer (considerados em sentido preventivo), encontra sua eficácia na imposição
de multa diária (astreints) ou de meios para assegurar o resultado prático
equivalente (tutela específica). Aspecto interessante é que a decisão proferida
na tutela inibitória não vincula o magistrado aos limites do pedido, contrariando
a máxima consagrada pelo princípio da congruência.
A tutela inibitória consiste em eficaz mecanismo processual de caráter
eminentemente preventivo, destinado a impedir a ocorrência do dano e
também encontra amparo na disposição constitucional contida no artigo 5º,
inciso XXXV, acerca da inafastabilidade do judiciário para apreciar lesão ou
ameaça a direito.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
1. A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi determinante para a
409

evolução da legislação ambiental na medida em que, fazendo menção


expressa à proteção da vida e dignidade humana, acabou por proteger por via
oblíqua outros diversos direitos a elas relacionados e sem os quais não há vida
humana digna;
2. A salvaguarda do meio ambiente exige uma tutela jurisdicional
condizente com suas características e peculiaridades. É nesse sentido que a
tutela inibitória se revela mecanismo de efetividade processual, quer por ser
mais célere, quer por atuar na prevenção do ilícito e, conseqüentemente, do
dano;
3.O interesse tutelado é difuso, razão pela qual o individualismo típico
das tutelas clássicas acaba por fulminar os interesses de massa, na medida em
que, embora a responsabilidade civil seja objetiva, a qualificação do dano e seu
dimensionamento demandam produção de prova complexa e onerosa, que
submetem o interesse social a um processo prolongado, com um resultado
nem sempre satisfatório;
4. A mera reparação pecuniária decorrente da aplicação do princípio do
poluidor-pagador, não é meio suficiente de evitar a ocorrência do dano
ambiental, tampouco saná-lo, posto que os recursos naturais são finitos e sua
renovação (quando possível) é lenta;
5. As tutelas preventivas, notadamente a inibitóri, hão de ser largamente
utilizadas para a salvaguarda do meio ambiente ecologicamente equilibrado, a
fim de que se assegure não só a existência humana, mas o amplo exercício do
direito a uma vida digna e saudável.

REFERÊNCIAS

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Curitiba: Juruá, 2001.

ARENHART, Sérgio Cruz. A tutela inibitória na vida privada. São Paulo: RT,
2000.

BARROSO, Luiz Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas


normas. 5. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
410

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Coimbra: 2ª ed. 2008.

CAPRA, Fritjof. Ponto de mutação. A ciência, a sociedade e a cultura


emergente. 24 e. São Paulo, Editora Cultrix, 2003.

LEITE, José Rubens Morato e AYALA, Patryck de Araújo. Dano ambiental na


sociedade de riscol. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004.

MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro, 13.ed. São


Paulo: Malheiros, 2005.

MARINONI, Luis Guilherme. Novas linhas do processo civil. 4.ed. São Paulo:
Malheiros, 2000.

______. Tutela inibitória individual e coletiva. 2.ed. São Paulo: RT, 2000.

MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura de. Meio Ambiente – Direito e Dever


fundamental. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004.

MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente. 5.ed. São Paulo: RT, 2007

MOREIRA. José Carlos Barbosa. Tutela sancionatória e tutela preventiva.


Temas de direito processual. Segunda Série. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1998.

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre:


Livraria do Advogado, 2001.

TEIXEIRA, Orei Paulino Bretanha. Direito do meio ambiente. Porto Alegre:


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TESSLER, Luciana. Tutelas jurisdicionais do meio ambiente: tutela


inibitória, tutela de remoção, tutela do ressarcimento na forma específica.
São Paulo: RT, 2004 (Coleção temas atuais de direito processual civil; 9).

TRINDADE, Antonio Augusto Cançado. Direitos Humanos e Meio Ambiente:


Paralelo dos sistemas de proteção internacional. Porto Alegre: Sergio
Antonio Fabris, 1993).
411

A INCONSTITUCIONALIDADE DA SÚMULA N.º 29 DO CONSELHO


SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO

DMITRI MONTANAR FRANCO 1


ENÉAS XAVIER DE OLIVEIRA JUNIOR 2

1 INTRODUÇÃO
A resolução de conflitos ambientais tem-se demonstrado uma tarefa de
difícil persecução na jurisdição brasileira. As divergências entre aqueles cujos
interesses visam o desenvolvimento sem sustentabilidade e os que buscam a
preservação do meio ambiente, aliadas ainda à complexidade da questão
ambiental, têm gerado complexidade à prestação jurisdicional do Estado,
ensejando o emprego de meios processuais adversos que conciliem as
vontades de todos (MIO; FILHO; CAMPOS, 2005, p. 92-93).
Neste ínterim, cada vez mais o Ministério Público tem-se recorrido a
instrumentos que impliquem em consenso das partes interessadas ao
cumprimento da lei e, por seguinte, à preservação do meio ambiente.
Encontraram-se, assim, nos inquéritos civis e, principalmente, nos termos de
ajustamento de conduta, ferramentas eficazes na defesa do meio ambiente.
No entanto, o Órgão Ministerial do Estado de São Paulo,
especificamente, na representação de seu Conselho Superior, editou a súmula
n.º 29 que prevê, expressamente, o arquivamento de procedimentos
administrativos de investigação de supressão de vegetação em perímetros
rurais, de forma não continuada, em áreas cuja extensão não seja superior a

1
Dmitri Montanar Franco. Advogado inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil
do Estado de São Paulo sob n.º 159.117, mestre em geociências pela Universidade
Estadual de Campinas. E-mail: dmf@aquarium.com.br.
2
Enéas Xavier de Oliveira Junior. Bacharel em ciências jurídicas e pós-
graduando, lato senso, em direito ambiental pela Universidade Metodista de Piracicaba.
E-mail: exojr@yahoo.com.
412

0,10 ha., quando não se vislumbrarem, de imediato, danos significativos ao


meio ambiente.
Este trabalho tem como escopo, justamente, abordar a ilegalidade desta
súmula e, conseqüentemente, do Parquet paulista que prevarica em suas
prerrogativas constitucionais de defesa do meio ambiente ao adotar
determinada conduta de disponibilidade do meio ambiental.
Abordar-se-ão, portanto, questões inerentes à natureza difusa do meio
ambiente, sua irrenunciabilidade, o instrumentos utilizados pelo Ministério
Público à resolução de conflitos ambientais – especificamente, o inquérito civil
e o termo de ajustamento de conduta – e o próprio conteúdo da súmula em
questão.

2 O CONCEITO E A NATUREZA JURÍDICA DO MEIO AMBIENTE


Conforme preceituação legal, meio ambiente é “o conjunto de condições,
leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite,
abriga e rege a vida em todas as suas formas” (Lei n.º 6.938/81, artigo. 3º,
inciso I). Observa-se a amplitude deste justificável pleonasmo 3 pela ausência
de especificação de elementos bióticos e abióticos que lhe compõem,
abrangendo por fim tudo que é vida e que lho proporciona (MACHADO, 2003,
p. 140).
Sob um enfoque jurídico-doutrinário, tem-se o meio ambiente em suas
esferas artificial e cultural. Este se confunde com a própria identidade de povo
enquanto nação, considerando seus costumes e suas manifestações das mais

3
SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 6 ed. São Paulo:
Malheiros, 2007, p. 41: (...) em português também ocorre o mesmo fenômeno, mas essa
necessidade de reforçar o sentido significante de determinados termos, em expressões
compostas, é uma prática que deriva do fato de que o termo reforçado tenha sofrido
enfraquecimento no sentido a destacar, ou, então, porque sua expressividade é muito
mais ampla ou mais difusa, de sorte a não satisfazer mais, psicologicamente, à idéia
que a linguagem quer expressar. Este fenômeno influi no legislador, que sente a
imperiosa necessidade de dar, aos textos legislativos, a maior precisão significativa
possível, daí porque a legislação brasileira também vem empregando a expressão
‘meio ambiente’, em vez de ambiente, apenas.
413

diversas ordens 4; aquele, por sua vez, compreende o espaço urbano


construído pelo homem, suas edificações, seus logradouros, entre outros
assentamentos de caráter urbanístico. Há quem suscite, também, o meio
ambiente laboral como fator determinante à proteção ambiental e à saúde
pública, eis que estabelece relações entre as doenças decorrentes aos riscos
dos diferentes processos de produção e aquele que exerce o trabalho
(SÉGUIN, 2006, p. 21).
As definições supracitadas nos permitem visualizar um elevado grau de
interferência da atividade humana sobre o meio ambiente, sendo impossível
ignorá-la. Aliás, evidencia-se uma profunda inter-relação entre o homem e a
natureza, eis que incontestável a dependência humana dos recursos naturais.
Daí que, qualquer conceituação a ser adotada deve ter o homem como parte
inerente de um todo – a natureza (LEITE, 2000, p. 73-74).
Extrai-se que a inexatidão da terminologia vem de encontro à dinâmica
que a vida se manifesta e, por mais, seu entorno. Inexatidão, esta, que não se
refere à falta de propriedades de seu conteúdo, mas sim que, propositalmente,
venha atender suas próprias virtudes. Acrescenta-se nesta equação o legado
humano de milênios de existência e um crescimento desenfreado sem
precedentes, característico das últimas décadas, à satisfação das
necessidades humanas (MILARÉ, 2007, p.59).
Neste ínterim, nosso ordenamento jurídico busca tutelar o meio
ambiente de forma suficiente a contemplar sua magnitude.
Nossa Carta Magna é considerada o Diploma mais avançado no mundo
na questão ambiental comparado com seus análogos existentes (MILARÉ,
2007, p. 147), embora à data de sua promulgação tenha apenas seguido uma
tendência mundial de estabelecer-lhe um capítulo próprio em seu conjunto 5.
Determina, em seu artigo 225, caput, que “todos tem direito a um meio
ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo (...)” (grifo

4
A Constituição da República Federativa do Brasil constitui, em seu artigo 216 e
respectivos incisos, o patrimônio cultural brasileiro, permitindo uma ampla visão do que
se trata o meio ambiente cultural.
5
BRASIL. Constituição Federal da República Federativa do Brasil. Brasília,
DF: Senado, 1988, Capítulo VI do Título VIII (Da Ordem Social).
414

nosso). Em seguida, explicita-o como pré-requisito à sadia qualidade de vida


incumbindo sua proteção à própria coletividade e ao Poder Público.
Apesar de não estar elencado dentre os incisos do artigo 5º da CF/88,
tem-se o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado como uma
extensão dos direitos e garantias constitucionais, cuja aplicabilidade é imediata
e total (CARVALHO, 1999, p. 94-95). Deveras, o meio ambiente é tido, em si,
como um direito humano de terceira geração, conforme interpretação
jurisprudencial 6. Há que se entender que não basta apenas ser garantido ao
indivíduo o direito à vida, mas sim, à sadia qualidade de vida; não nos basta
uma sobrevida, mas um viver que condiga com os princípios da dignidade da
pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil 7.
Não representa uma tarefa simples a persecução deste direito subjetivo
fundamental. Esta dificuldade, de fato, revela a complexidade da natureza
jurídica do meio ambiente, bem de interesse difuso que é. Evitando uma
repetição desnecessária, todavia, sintetizando os conceitos apresentados neste
capítulo, o meio ambiente é representado por uma integração entre elementos
naturais, artificiais, culturais e laborais que estabelecem condições à
propagação da vida (RODRIGUES, 2009, p. 48-49). No entanto, ponderar
todos estes fatores à satisfatória qualidade de vida implica numa política de
ampla escala a ser executada tanto pelo Poder Público quanto pela
coletividade 8.
Ficou a cargo do Código de Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078 de
1990) definir as fronteiras dos direitos e interesses difusos. Expõe tratarem-se

6
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Mandado de Segurança n.º 22.164,
Relator Ministro Celso de Mello, julgamento em 30-10-95, DJ de 17-11-95: O direito à
integridade do meio ambiente – típico direito de terceira geração – constitui
prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, refletindo, dentro do processo de
afirmação dos direitos humanos, a expressão significativa de um poder atribuído, não
ao indivíduo identificado em sua singularidade, mas, num sentido verdadeiramente
mais abrangente, à própria coletividade social. (...).
7
BRASIL. Constituição Federal da República Federativa do Brasil. Brasília,
DF: Senado, 1988, artigo 1º, inciso III.
8
BRASIL. Constituição Federal da República Federativa do Brasil. Brasília,
DF: Senado, 1988, artigo 225, caput: “Todos tem direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, (...), impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever
de defendê-lo e de preservá-lo (...)”.
415

os “interesses ou direitos difusos, assim entendidos, (...), os transindividuais, de


natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas
por circunstâncias de fato” (artigo 81, parágrafo único, inciso I).
Há, ainda, quem classifique o meio ambiente ora como bem de interesse
difuso, ora como bem de interesse coletivo, referindo-se à possibilidade de
determinar seus titulares como fator de diferenciação 9. Não é intuito deste
trabalho abrir espaço à discussão doutrinária, porém, esta abordagem se torna
pertinente à medida que enriquece o conteúdo desta apresentação.
Quando citamos direito difuso, referimo-nos sempre a uma pluralidade
indeterminada de indivíduos vinculados a um interesse juridicamente
reconhecido. Desta forma, é possível visualizar o meio ambiente tanto num
âmbito coletivo quanto individual, pois, refere-se a uma extensa cadeia de
interesses pluriindividuais; ao mesmo tempo, refere-se a todos e, também, a
cada um que compõe a coletividade. Representa, portanto, um direito híbrido
(ANTUNES, 1989, p. 21-23).
Ressalta-se que o meio ambiente há que ser entendido como um todo
frente à disposição constitucional que “todos têm direito a um meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo (...)”. Afinal, seria
impossível fracioná-lo, proporcionando a cada indivíduo que compõe a
coletividade uma fração ideal ao seu desfrute. Sob este prisma, temos a
indisponibilidade do meio ambiente, justamente, por uma ausência de
titularidade exclusiva (RODRIGUES, 2009, p. 50).

9
ARAÚJO, Lílian Alves de. Ação Civil Pública Ambiental. Rio de Janeiro:
Lumem Juris, 2001, p. 18-19: O elemento definidor, entre um e outro direito, é a
possibilidade, ou não, da determinação dos titulares do bem. Enquanto que os titulares
dos interesses ou direitos difusos, como, por exemplo, o interesse à pureza do ar
atmosférico, ou o interesse na preservação ambiental, encontram-se em estado fluido,
dispersos pela sociedade civil como um todo, onde é impossível destacar cada
integrante, isoladamente, do grupo que integra, os titulares dos interesses coletivos, ao
contrário, quando não forem determinados, são determináveis, como por exemplo, a
desobediência a padrões sonoros que, ao serem extrapolados, venham a perturbar os
moradores de um determinado condomínio, ou de um bairro representado por sua
associação de moradores. (...)
O meio ambiente se insere ora na categoria dos interesses coletivos, ora na categoria
dos interesses difusos, pois é um bem de uso comum do povo (art. 225), ou seja, um bem
público de uso comum (...).
416

Não se deve, em regra, considerar os elementos que compõem o meio


ambiente como bens singulares, mas sim, considerá-los ao conjunto,
fundamentando a visão de macrobem da entidade ambiental. Ora, à função
constitucional que nos presta o meio ambiente, urge-se a necessidade de um
entorno harmônico em que cada ente, considerado em si, atua um agregado ao
outro, exaltando-se desta forma a entidade, a composição entre eles. Temos
um universitas corporalis, de cunho imaterial, composto por inúmeros bens
jurídicos – rios, matas, propriedades históricas, paisagens –, e, estes sim, bens
materiais e singulares. Neste ínterim, verificamos a protuberância da
composição do bem ambiental em relação aos elementos que o compõe.
(BENJAMIN, 1993, p. 75).
Por fim, entende-se que o meio ambiente constitui um bem de difícil
valoração. Como valorar o acesso ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado? Há que furtar-se dos padrões comuns da sociedade de
mensuração econômica visando, justamente, a garantia deste direito
fundamental, recorrendo-se a dimensões simbólicas. (MILARÉ, 2007, p. 816)

3 O MINISTÉRIO PÚBLICO E A TUTELA AMBIENTAL


O constituinte de 1988 posicionou o Ministério Público de forma
diferenciada em relação às Cartas anteriores, conferindo-lhe a independência e
a funcionalidade necessárias ao exercício de enaltecedora função no então
novo Estado Democrático de Direito. O Órgão Ministerial está discricionado em
capítulo próprio e desvinculado dos Poderes (Legislativo, Executivo e
Judiciário) no do texto constitucional. É determinado como instituição
permanente e essencial à função jurisdicional estatal, sendo-lhe incumbida a
defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e
individuais indisponíveis (artigo 127). São-lhe conferidos, ainda, princípios
próprios de organização e autonomia, e, também, prerrogativas que o torna
instituição defensora da sociedade (MORAES, 2004, p. 518-522).
No que concerne este trabalho, trata-se de função institucional do
Ministério Público a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente,
417

além de outros interesses difusos e coletivos, através da promoção de


inquéritos civis e ações civis públicas (artigo 129, inciso III).
Ressalta-se, porém, que a relação entre o meio ambiente e o Parquet
antecede-se ao advento da Constituição Federal de 1988, remontando-se à
Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n.º 6.938/81) em que se lhe atribuiu
legitimidade à propositura de ações à responsabilização civil e penal por danos
causados ao meio ambiente (artigo 14, § 1º). De fato, a Lei n.º 7.347/85 (Lei da
Ação Civil Pública) posicionou o Ministério Público como verdadeiro interventor
na gestão ambiental, incumbindo-lhe a instauração e presidência de
procedimentos administrativos aptos à apuração de danos ambientais –
inquérito civil; e, permitindo-lhe a celebração de acordos extrajudiciais, com
força de título executivo, destinados resolução de conflitos na gestão ambiental
(MILARÉ, 2007, p. 1089-1090).
Outros Diplomas e reformas legislativas supervenientes corroboraram
esta legitimidade do Órgão Ministerial de atuação na esfera ambiental. No
entanto, nossa Carta Magna – Lei Maior que é – veio a consolidar,
definitivamente, a função do Ministério Público na defesa do meio ambiente,
considerando sua importância no regime democrático e a complexidade dos
interesses difusos.
Há que se entender, entretanto, que esta incumbência conferida ao
Ministério Público não se trata – jamais – de uma titularidade sobre o meio
ambiente. Ocorre que o meio ambiente é um bem de direito metaindividual e,
quando o Órgão Ministerial atua em defesa destes interesses, temos, na
verdade, uma legitimidade extraprocessual. Quem configura o pólo ativo de
uma demanda jurisdicional ambiental atua na defesa de interesses
concernentes a toda uma coletividade e não possui, desta forma, a
disponibilidade do bem. Não é seu titular; apenas, representa-lhe 10.

10
ESCOLA SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO. Termo de Ajustamento
de Conduta Disponível em:
www.esmp.sp.gov.br/estagiarios/material_apoio/termo_ajustamentoconduta.doc.
Acessado em 10 de maio de 2008.
418

3.1 A AÇÃO CIVIL PÚBLICA E O INQUÉRITO CIVIL


A ação civil pública é considerada um mecanismo jurisdicional de tutela
ambiental, cujo escopo é a apuração de autoria de danos causados ao meio
ambiente e a conseqüente responsabilização – e reparação – civil (ARAÚJO,
2001, p.22).
Nesta persecução, o inquérito civil é o instrumento preparatório ao
ajuizamento da peça processual. Trata-se de um procedimento administrativo,
sob presidência do Ministério Público, conduzido ao colhimento de dados
necessários à apuração da existência de um fato ilícito e sua autoria. Uma vez
apurados os fatos, o representante do Parquet possuirá condições à
propositura da ação civil pública; ou, mesmo, pedirá o arquivamento do feito,
caso ausentes elementos de convicção necessários (BUGALHO, 2005, p. 103-
104).
O inquérito civil, assim como seu notável análogo da esfera penal, é de
natureza investigativa, não se submetendo ao princípio constitucional da ampla
defesa. No que tange este trabalho, reveste-se de caráter preventivo e
reparatório (MILARÉ, 2007, p. 965-966).

3.2 TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA – TAC


Na defesa do meio ambiente, permite-se ao Ministério Público tomar
compromissos de um interessado buscando adaptar sua conduta aos ditames
da lei. Trata-se do compromisso de ajustamento de conduta, consolidado no
ordenamento jurídico pátrio através da edição do Estatuto da Criança (artigo
211) e do Adolescente e do Código de Defesa do Consumidor (artigo 113, §§
5º e 6º).
Este é um procedimento pré-processual, onde não há uma lide formada,
em que as partes interessadas reduzem a termo – eis a origem da
denominação – um compromisso a ser tomado de fazer, ou não fazer. Possui
força de título executivo extraprocessual, pois, uma vez descumprido, seu
infrator estará sujeito às penas de cominações compactuadas no próprio termo
a serem exigidas, no caso, pelo Ministério Público (MAZZILLI, 2006, p. 94-95).
419

Não são permitidas no TAC concessões no sentido de “abrir mão” dos


bens ambientais. O meio ambiente – bem de direito difuso – reveste-se de
natureza indisponível por sua ausência exclusive de titularidade. Conforme já
explicitado, o Ministério Público possui uma legitimidade extra-processual na
defesa do meio ambiente, pois, representa os interesses da coletividade.
Assim, não poderá agir com total discricionariedade. O que se permite, no
entanto, são convenções referentes à forma de cumprimento das obrigações
avençadas, atendo-se às peculiaridades das condições de modo, tempo, lugar,
questões subjetivas inclusive das partes, entre outras (MILARÉ; SETZER;
CASTANHO, 2005, p. 12).
De fato, o TAC tem sido utilizado em grande escala à resolução de
conflitos ambientais, demonstrando – na visão do próprio Ministério Público –
um instrumento eficaz ao seu propósito de preservação ambiental 11.

4 O CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO PAULISTA E A


SÚMULA N.º 29
Em sua organização institucional, o Parquet do Estado de São Paulo é
integrado pelo Conselho Superior do Ministério Público. Conforme explicitado
em sua Lei Orgânica (Lei Complementar Estadual n.º 734 de 26 de novembro
de 1993), trata-se de um Órgão de Administração Superior e de Execução
dentro do próprio Órgão Ministerial, integrado pelo Procurador-Geral de Justiça
(Presidente), pelo Corregedor-Geral do Ministério Público e por mais nove
Procuradores de Justiça.

11
MIO, Geisa Paganini de; FILHO, Edward Ferreira; CAMPOS, José Roberto. O
Inquérito Civil e o Termo de Ajustamento de Conduta para Resolução de Conflitos
Ambientais. In: BENJAMIN, A. H. V.; MILARÉ, E. (coord.). Revista de Direito
Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 39, ano 10 – Julho-Setembro, 2005, p.
96-97: (...) verifica-se que a utilização de abordagem alternativa e construção de
consenso na resolução de conflitos ambientais tem apresentado grande vialibidade na
Promotoria de Justiça do Meio Ambiente da Comarca de São Carlos-SP, pois os
valores totais no período estudado demonstram que a maioria dos conflitos vem sendo
resolvida por meio de Inquérito Civil (IC) e assinatura de TAC (...).
Esse resultado é bastante importante porque comprova que o IC em conjunto com o
TAC são instrumentos efetivos, se bem aplicados, na resolução de conflitos ambientais.
420

Dentre suas prerrogativas, o Conselho Superior edita súmulas que visam


orientar os membros dos Órgãos do Ministério Público no exercício de suas
funções 12.
Destaca-se a súmula de n.º 29, objeto deste trabalho, qual se transcreve
abaixo:
O Conselho Superior homologará arquivamento de inquéritos
civis ou assemelhados que tenham por objeto a supressão de
vegetação em área rural praticada de forma não continuada,
em extensão não superior a 0,10 ha., se as circunstâncias da
infração não permitirem vislumbrar, desde logo, impacto
significativo ao meio ambiente.

Na fundamentação desta súmula, explicita-se a racionalização do


serviço dos Órgãos Ministeriais Ambientais como finalidade. Argumenta-se a
sobrecarga de denúncias de infrações contra o meio ambiente endereçadas ao
Ministério Público, sendo que, sem sua maioria, tratam-se – supostamente – de
crimes de pequena monta. No intuito de focar a ação desta Instituição aos
crimes de grande porte. Por fim, argúi-se a falta de estrutura para a apuração
de todos os danos ambientais 13.
Esta súmula gera estranhamento no sentido em que há uma expressa
determinação ao arquivamento de procedimentos administrativos que visam,
justamente, apurar circunstâncias de fato e de autoria em infrações ambientais,
com as peculiaridades contidas na própria súmula.
A medida métrica utilizada nesta súmula (0,10 ha.) corresponde a uma
área de 1000m². Ainda, mencionam-se a supressão vegetativa de forma não
continuada e o não vislumbramento imediato de impacto significativo ao meio
ambiente.
Não constitui objeto deste trabalho nem abordar, nem questionar, a
precariedade das Instituições Democráticas, tais qual o Ministério Público
Paulista. No entanto, conforme os apontamentos explicitados neste trabalho,

12
CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO
PAULO. Regimento Interno e Normas de Interesse. Ato n.º005/94 de 18 de outubro
de 1994, artigo 13, inciso XII, 4.
13
ESCOLA SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO
PAULO. Súmulas. Disponível em:
<http://www.mp.sp.gov.br/portal/page/portal/conselho_superior/sumulas/SUMULAS%
20PARA%20E-MAIL_0.doc>. Acessado em 18 de maio de 2009.
421

questiona-se a constitucionalidade desta súmula e procedimento aplicados pelo


Parquet paulista.
Denota-se, de fato, uma renúncia por parte do Ministério Público na
preservação do meio ambiente, em contrariedade a todas as disposições
constitucionais e legislativas já abordadas neste trabalho.

5 CONCLUSÕES ARTICULADAS
O meio ambiente é bem de direito difuso. Ao exercer suas prerrogativas
de defesa da natureza, o Ministério Público não age em interesse próprio, mas
sim, em interesse de toda a coletividade – verdadeira titular do meio ambiente.
Qualquer degradação ambiental – representada por uma alteração
adversa das características do meio ambiente 14 – reveste-se de complexa
mensuração da extensão de suas seqüelas e, conseqüentemente, de difícil
valoração em termos econômicos (MILARÉ, 2007, p. 815). Nesta perspectiva,
considerando a própria complexidade ambiental, o Ministério Público tem-se
refutado a cumprir suas prerrogativas constitucionais, renunciando-se à defesa
do meio ambiente sob a justificativa pífia de acúmulo de denúncias ambientais
e de priorização dos trabalhos a serem realizados.
Ocorre que a indisponibilidade do meio ambiente implica na atuação
ímpar do Órgão Ministerial em apurar suas circunstâncias de fato e autoria.
Não pode – jamais – uma Instituição que representa os anseios sociais – ainda
mais o Ministério Público, fiscal da lei que é – abrir mão do bem ambiental,
considerando-se o não vislumbramento imediato de impacto significativo.
A súmula n.º 29 do Conselho Superior do Ministério Público do Estado
de São Paulo é contrária à Constituição Federal de 1988; compactua com
ilegalidades praticadas contra o meio ambiente ao longo do território do Estado
de São Paulo. Trata-se de uma verdadeira condescendência do Órgão paulista
com infratores ambientais.
Sua revogação se demonstra imperativa, devendo o Ministério Público
se pautar pelo princípio da legalidade constante no artigo 37, caput, da

14
BRASIL. Política Nacional do Meio Ambiente. Lei nº 6.938 de 31 de agosto
de 1981, artigo 3º, inciso II.
422

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Conforme explicitado


neste trabalho, esta súmula atenta contra a ordem democrática de direito, pois,
ao deixar de apurar crimes de devastação ambiental sob as justificativas
supracitadas, o Ministério Público deixa de zelar pela Constituição Federal e
pelos direitos fundamentais do indivíduo.

BIBLIOGRAFIA

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Administrativo: para uma legislação procedimental. Coimbra: Almeidinha, 1989.
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CARVALHO, Érika Mendes de. Tutela Penal do Patrimônio Florestal


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423

CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO


PAULO. Regimento Interno e Normas de Interesse. Ato n.º 005/94 de 18 de
outubro de 1994;

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entre os instrumentos alternativos de defesa ambiental da Lei 7.347/81. In:
BENJAMIN, A. H. V.; MILARÉ, E. (coord.). Revista de Direito Ambiental. São
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MIO, Geisa Paganini de; FILHO, Edward Ferreira; CAMPOS, José Roberto. O
Inquérito Civil e o Termo de Ajustamento de Conduta para Resolução de
Conflitos Ambientais. In: BENJAMIN, A. H. V.; MILARÉ, E. (coord.). Revista de
Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 39, ano 10 – Julho-
Setembro, 2005; p.92-103;
424

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 15 ed. São Paulo: Atlas,


2004; 863p.;

RODRIGUES, Geisa de Assis. O Direito Constitucional ao Meio Ambiente


Ecologicamente Equilibrado. In: MONTEIRO, A. J. L. C. Revista do
Advogado: direito ambiental. São Paulo: Associação dos Advogados de São
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SÉGUIN, Elida. O Direito Ambiental: nossa casa planetária. 3 ed. Rio de


Janeiro: Forense, 2006, 358p.;

SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 6 ed. São Paulo:
Malheiros, 2007, 471p.;

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Mandado de Segurança n.º 22.164,


Relator Ministro Celso de Mello, julgamento em 30-10-95, DJ de 17-11-95.
425

BIOTECNOLOGIA NA SOCIEDADE DE RISCO:

Um estudo do caso da gripe suína

ELENA DE LEMOS PINTO AYDOS 1


KAMILA GUIMARAES DE MORAES 2

1 INTRODUÇÃO
O presente artigo analisará os recentes incidentes da “gripe suína” –
novo subtipo de vírus da gripe “A/H1N1” – tendo como marco teórico a teoria
da sociedade de risco, do sociólogo Ulrich Beck.
O estudo se desenvolverá a partir de uma breve apresentação das
mudanças sociais que se seguiram ao período da revolução industrial, com
base na teoria da sociedade de risco de Beck. A seguir, será estudado o
desenvolvimento da Biotecnologia aplicada ao agronegócio, enfatizando a
questão das incertezas quanto aos riscos e ameaças dessa atividade. Por
último, se descreverá o histórico da gripe A no mundo, até o surgimento do
novo subtipo do vírus A/H1N1.
Quanto à gripe suína, cujas futuras consequências ainda se
desconhecem, há suspeitas de que manipulações genéticas estejam
relacionadas ao surgimento do novo vírus, embora tais teorias ainda não
tenham sido comprovadas ou divulgadas. Independentemente desse aspecto,
se demonstrará que a revolução na criação de animais transformou
fundamentalmente a ecologia da gripe e acelerou a evolução de novos
recombinantes interespécies, evidenciando o elo entre os novos riscos e as
decisões humanas.

1
Mestranda em Direito, Estado e Sociedade pela UFSC. Bolsista do CNPQ. Integrante do Grupo de
Pesquisa Direito Ambiental na Sociedade de Risco – GPDA, coordenado pelo Professor Dr. José Rubens
Morato Leite. Especialista em Direito do Estado e Direito Tributário pela UFRGS. Email:
elenaaydos@gmail.com.
2
Discente do curso de graduação em Direito pela UFSC. Bolsista da Fapesc. Integrante do Grupo de
Pesquisa Direito Ambiental na Sociedade de Risco – GPDA, coordenado pelo Professor Dr. José Rubens
Morato Leite. Email: kamilagmoraes@hotmail.com.
426

Diante da confirmação do modelo sociológico proposto por Beck, surgem


novos desafio no cenário jurídico e político, especiamente no que toca à
democratização e regulação dos processos de tomada de decisão envolvendo
as novas tecnologias.

2 VIVENDO EM SOCIEDADE DE RISCO


O homem sempre esteve exposto a perigos, isso não é novidade. Nos
tempos pré-industriais, as ameaças – pragas, fome, desastres naturais – eram
consideradas fatalidades, golpes do destino, vontades dos deuses e demônios
(BECK, 1992, p. 97-98).
A partir do século XVII, a Europa sofreu transformações impulsionadas
pelo movimento do iluminismo, havendo a incorporação de novos valores pela
sociedade, tais como a razão, a cientificidade e a liberdade, caracterizando o
que se denominou de modernidade. Com o desenvolvimento da ciência, as
ameaças naturais foram amenizadas, gerando benefícios como o aumento da
estimativa de vida, a redução da mortalidade infantil e a possibilidade de prever
alguns eventos naturais (BECK, 1992, p. 97-98).
O que não pudesse ser controlado pela ciência, como os perigos dos
mares nas navegações 3, passou a ser calculado de forma estatística,
desenvolvendo-se o sistema de seguros, que se expandiu para os mais
variados setores da vida humana, desde a saúde, até os riscos econômicos e
de desemprego (BECK, 1992, p. 99).
Nessa primeira fase do industrialismo, o consenso no progresso
legitimou o desenvolvimento técnico-econômico (BECK, 1992, p. 100). A
degradação da natureza foi considerada um mal necessário em face do novo
modelo de consumo. Assim, além de outras transformações sociais que
decorreram do modelo de produção industrialista, verificou-se uma apropriação
descontrolada e ilimitada dos recursos naturais, legitimada pelo discurso
desenvolvimentista e pela ideologia consumista.
Como se percebe, o desenvolvimento foi e ainda é aceito como única
alternativa para a promoção do bem-estar social. Ocorre que a sociedade ainda
3
A importância econômica das navegações e os “riscos” do insucesso restam bem ilustrados no romance
de Shakespeare (2005), intitulado O Mercador de Veneza.
427

não conseguiu alcançá-lo plenamente e, paradoxalmente, se verifica que a


cada passo em direção ao “desenvolvimento”, mais o homem se aproxima da
eliminação das condições de continuidade da sua própria espécie.
Como resultado do amadurecimento das instituições modernas, Giddens
(1996, p. 12) aponta o surgimento de uma “incerteza artificial” (manufactured
uncertainty), na qual as fontes do “risco artificial” 4 (manufactured risk) não mais
coincidem com as incertezas que a sociedade estava acostumada a vivenciar
no período pré-industrial e mesmo durante a primeira modernidade, ou seja,
eventos naturais de origem independente da ação humana.
O que mudou na segunda etapa da modernidade, período ao qual se
referirá neste artigo como “sociedade de risco”, cujas características se
intensificam a partir da segunda metade do século XX, é o fato de que as
novas ameaças, ou “riscos”, têm sua origem no processo de tomada de
decisões (BECK, 1992, p. 98).
Daí porque Beck (2006, p. 01) afirma que a narrativa do risco é uma
narrativa da ironia. A grande ironia é que as instituições modernas se ocupam
cada vez mais em debater, prevenir e gerenciar os riscos que elas mesmas
produzem. Elas se esforçam em prever o imprevisível, resultando em outra
ironia: “nós não sabemos, o que é que não sabemos - mas disso surge o
perigo, que ameaça a humanidade” (BECK, 2006, p. 01) 5.
Além de pressupor decisões humanas, o risco apresenta três novos
aspectos: i) As suas causas e consequências não são limitadas no tempo
(podem ocorrer no futuro e afetar até mesmo futuras gerações), no espaço (os
novos riscos não respeitam fronteiras) e tampouco a uma classe social
(“democratização” do risco); ii) as suas consequências são em princípio
incalculáveis, podendo atingir proporções catastróficas; iii) as consequências
podem ser irreversíveis e não compensáveis, como no exemplo de situações
de alterações genéticas irreversíveis (BECK, 2006, p. 05-06).

4
Para fins do presente artigo, se denominará “perigos” as ameaças naturais, características do período
pré-industrial e primeira fase da industrialização. O termo “risco” servirá para designar as ameaças
condicionadas diretamente à atividade humana.
5
Redação no original: “We don’t know, what it is we don’t know - but from this dangers arise, which
threaten mankind!”.
428

Estes riscos, imprevisíveis e incalculáveis, se acrescem às incertezas


seguráveis da sociedade industrial. As ameaças produzidas na sociedade de
risco são complexas e não-controláveis pela ciência, caracterizando a falência
dos padrões de segurança idealizados pelo projeto iluminista.
Conforme análise de Morin (2008a, p. 20), a atividade científica passa a
ser controlada pelos poderes econômico e estatal, que também controlam a
técnica, não se podendo mais assegurar a neutralidade do desenvolvimento
científico na sociedade de risco.
Em face a essas transformações, Morin (2008b, p. 02) destaca a falta de
regulação ética da tecno-ciência, o que a humanidade visualizou claramente no
campo da física nuclear e, atualmente, se questiona principalmente no campo
das manipulações genéticas, dentre elas as aplicadas na agroindústria,
temática do presente artigo.
Além das questões éticas, o desenvolvimento de setores do
conhecimento como a nanotecnologia, a biotecnologia e a tecnologia da
informação, vem acarretando problemas jurídicos e políticos. As principais
decisões políticas concernentes a essas são tomadas pelos peritos (experts),
ao definirem os padrões de “segurança” a serem adotados (BECK, 1992, p.
107). Os instrumentos políticos clássicos, portanto, foram entregues nas mãos
dos peritos, restando abafada qualquer manifestação do público leigo quanto à
sua compreensão dos limites toleráveis.
Nesse cenário, desenvolve-se o fenômeno da “irresponsabilidade
organizada” (BECK, 1992, p. 105), que ocorre quando, para “maquiar” a
inadequação das esferas política, científica e jurídica no enfrentamento e
controle dos riscos atuais, estas instituições passam a atuar simbolicamente,
deixando transparecer uma normalidade e segurança que não são efetivas.
A intenção política da legislação simbólica encontra-se oculta e não
corresponde à intenção jurídica prescrita na norma. Embora os instrumentos
não apresentem efetividade, têm o efeito de acalmar a sociedade e transmitir
uma falsa sensação de segurança (FERREIRA, 2008, p. 61-62).
No caso específico das novas tecnologias envolvendo a agroindústria e
suas prováveis relações com o recente problema da “gripe aviária”, o presente
429

artigo procederá a seguir a uma análise crítica dessas novas tecnologias, com
base na teoria da sociedade de risco e da irresponsabilidade organizada.

3 BIOTECNOLOGIA E NOVOS MÉTODOS DE PRODUÇÃO DA INDÚSTRIA


DE ANIMAIS PARA CONSUMO
Por volta de oito mil anos antes de Cristo, na Síria e na Palestina,
ocorreu a chamada primeira “revolução verde”, quando os seres humanos
passaram a viver em pequenos vilarejos, onde dominaram o cultivo de cereais
para sua alimentação (BLAINEY, 2007, p. 31).
Os habitantes destes vilarejos não possuíam animais domésticos e toda
a carne que consumiam era proveniente de animais selvagens. Somente após
cerca de 500 anos, essas civilizações passaram a criar cabras e ovelhas, em
pequenos rebanhos, como forma de provisão de alimentos (BLAINEY, 2007, p.
32). Iniciava-se a domesticação e produção de animais para o consumo.
Lentamente, essa nova cultura foi disseminada ao longo do
Mediterrâneo até espalhar-se por toda a Europa. Os vilarejos tornaram-se
cidades, as quais teriam sido inviáveis sem a domesticação de animais e o
desenvolvimento da lavoura.
A população do mundo, até então reduzida, aumentou drasticamente
(BLAINEY, p. 36), o que leva a concluir que a dominação do homem sobre o
mundo natural, por meio do desenvolvimento tecnológico, remonta aos
primórdios de sua existência e foi a grande responsável por sua sobrevivência
e multiplicação na Terra.
Na antiguidade, o desenvolvimento da técnica, como esforço humano,
era um tributo criado pela necessidade de sobrevivência. Com o passar do
tempo, aponta Jonas (2006, p. 43), “a techne transformou-se em um infinito
impulso da espécie para adiante, seu empreendimento mais significativo”, em
outras palavras, a tecnologia passou a ser encarada como a vocação da
humanidade, seu fim intrínseco, legitimando, cada vez mais, o domínio do
Homem sobre a natureza.
No que diz respeito às tecnologias desenvolvidas para a produção de
animais para o consumo, foi com o advento da Revolução Industrial e os
430

sistemas de produção em série, que se iniciou nova forma de produção (LEVAI,


2006, p. 173), processo este que mais tarde seria denominado de “Revolução
da Criação de Animais”.
A partir de então, ciência e tecnologia passaram a ser de tal forma
interligadas que, na prática tornou-se impossível estabelecer uma distinção
entre elas. Essa relação de interdependência entre o “saber” (ciência)
desenvolvido para o “fazer” (técnica) fez surgir o neologismo tecno-ciência,
representando uma idealização da sociedade moderna que se torna realidade
quando a diretriz neoliberal para as pesquisas é levada a seu limite
(FERREIRA, 2008, p. 47/48).
Ferreira (2008, p. 85) explica que o termo “biotecnologia” foi utilizado
pela primeira vez em 1919, para chamar atenção à relação entre biologia e
tecnologia. À época, significou simplesmente a adoção de métodos de
produção de bens de consumo que empregavam organismos vivos
(FERREIRA, 2008, p. 85). Essa nova área do conhecimento, cujo objetivo
inicial era solucionar o problema da escassez de alimentos do pós-Primeira
Guerra, modificou consideravelmente a lógica da criação de animais.
Em meados do século XX, após algumas reformulações da biotecnologia
e com a descoberta da estrutura química do DNA (ácido desoxirribonucléico),
realizaram-se as primeiras manipulações genéticas (FERREIRA, 2008, p. 87).
Com esse importante passo, a biotecnologia passou a significar “uma
complexa rede de saberes na qual a ciência e a tecnologia são aplicadas a
agentes biológicos com a finalidade de produzir conhecimentos, bens e
serviços” (FERREIRA, 2008, p. 92).
Embora as diversas promessas da “nova biotecnologia”, muitos
cientistas chamaram atenção para a questão da imprevisibilidade dos efeitos
da manipulação genética. Krimsky (1982, p. 88) alertou sobre a possibilidade
de “criação de novos tipos de elementos de DNA infeccioso cujas propriedades
biológicas não podem ser completamente previstas à partida”.
A este respeito, em 1973, um grupo de cientistas, após participar da
Conferência de Gordon sobre ácidos nucléicos, escreveu uma carta
direcionada ao Presidente da Academia Nacional de Ciências e ao Presidente
431

do Instituto Nacional de Medicina, ambos dos EUA, alertando para os riscos da


manipulação genética e propondo um embargo temporário nesse tipo de
pesquisa. Foi a primeira vez na história da ciência que pesquisadores
sugeriram que sua própria linha de investigação deveria ser suspensa (WADE,
1974).
Nesta carta, posteriormente publicada nas revistas Science e Nature, os
cientistas afirmaram que a manipulação genética poderia ser usada para
combinar DNA de vírus animais com DNA de bactérias, por exemplo, e a partir
disso, novos tipos de vírus, com atividade biológica imprevisível, poderiam
eventualmente ser criados, o que representava um alto risco aos
pesquisadores e à população em geral (SINGER, SOLL, 1973).
Não obstante as incertezas científicas acerca destas inovações
tecnológicas, as experimentações genéticas continuaram a acontecer
indiscriminadamente em laboratórios financiados por grandes empreendedores
(a ciência nas mãos do capital), o que levou à chamada “Revolução na Criação
de Animais” que, segundo Davis (2006, p. 105), favoreceu apenas os
produtores corporativos, em detrimento dos camponeses e pequenos
criadores.
A revolução na criação de animais implementou novos métodos pelos
quais os animais criados para consumo passaram a ser confinados e
manipulados especificamente para o aumento de produção e redução dos
custos através de genética, medicamentos e técnicas de manejo. De maneira
cruel, os animais foram “coisificados” para suprir unicamente interesses
econômicos.
A este respeito, tem-se o exemplo da indústria de frangos, cujo modelo
moderno exige “‘densidade de produção’, a localização compacta de fazendas
de criação em torno de uma fábrica de processamento” (DAVIS, 2006, p. 106),
seguida também pela indústria de suínos. Em ambas, a supervalorização do
lucro legou aos animais uma existência indigna e miserável e aos humanos,
riscos imprevisíveis.
A criação de suínos segue cada vez mais este modelo cruel de
produção. Os métodos de ordem são: concentração de animais em espaços
432

cada vez menores, reprodução provocada por doses maciças de hormônios,


manipulação genética para aumento da lucratividade e ausência de
investimentos no bem-estar dos animais.
Os porcos são curiosos por natureza e normalmente passariam metade
do tempo cavando a terra. A frustração do confinamento faz com que lutem e
mordam suas caudas. A resposta da indústria é o corte das caudas e a
castração dos porquinhos para torná-los menos agressivos, sem o uso de
anestesia (ARCA BRASIL, 2009). Além disso, as patas desses animais,
confinados sobre pisos de concreto, desenvolvem lesões dolorosas,
ocasionando pressão sobre os músculos das pernas, joelhos e ombros, o que
vem a causar artrite (ARCA BRASIL, 2009).
Esta é a cruel perspectiva da indústria de animais utilizados para
consumo na sociedade de risco. Os riscos decorrentes destes modos de
criação já podem ser constatados em determinados acontecimentos, conforme
se demonstrará a seguir.
Como referido anteriormente, a humanidade atingiu níveis de progresso
social e, principalmente, avançou nos campos da ciência e da tecnologia.
Entretanto, como adverte Jonas (2006, p. 269), “há um preço que se paga por
esse progresso: com cada ganho também se perde algo valioso. Não é
necessário lembrar que o custo humano e animal da civilização é alto e, com o
progresso, tende a aumentar”. Trata-se da ironia do risco, demonstrada no
início deste trabalho.
Feitas tais considerações, seguir-se-á ao próximo tópico, onde se
analisará a gripe suína e as relações com os avanços biotecnológicos da
indústria de produção de animais e os riscos assumidos pela sociedade de
risco.

4 DA EVOLUÇÃO DA GRIPE ‘A’ NO MUNDO AO SURGIMENTO DA GRIPE


SUÍNA: IMPREVISIBILIDADES E INCERTEZAS DA SOCIEDADE DE RISCO
Há basicamente três gêneros principais de gripes (influenza): A, B e C.
As gripes B e C já foram domesticadas pela prolongada circulação em
433

populações humanas, mas a gripe A é ainda selvagem e muito perigosa.


(DAVIS, 2006, p. 19).
Embora o reservatório principal da gripe A continue a ser de patos e
aves aquáticas, ela está em seus primeiros estágios de cruzamento para outras
aves e espécies mamíferas, inclusive seres humanos (DAVIS, 2006, p. 19). De
acordo com a OMS (WHO, 2009a), dois substipos de Gripe A são atualmente
associados ao contágio e maioria das mortes humanas: A(H3N2) e A(H1N1).
Demonstrar-se-á a seguir que, devido às interferências da ciência, a
Gripe A vem se tornando uma grande ameaça à saúde humana, assumindo
todas as características catastróficas dos novos riscos descritos por Beck
(1992, p. 98).
A essência dessa ameaça reside no fato de que a gripe A é uma espécie
mutante, evoluída e de virulência terrível, atualmente “entrincheirada em nichos
ecológicos recentemente criados pelo agrocapitalismo global – que está em
busca de um novo gene, ou dois, que permitirão que viaje a velocidade
pandêmica por uma humanidade densamente urbanizada e majoritariamente
pobre.” (DAVIS, 2006, p. 15).
Nesse sentido, Davis (2006, p.15) acredita que a dominação do
ambiente natural pelo homem, o turismo entre continentes, a poluição, a
revolução na criação de animais e a urbanização dos países subdesenvolvidos,
com o crescimento de megafavelas, são responsáveis pela extraordinária
transformação da mutabilidade darwiniana da gripe em uma das forças
biológicas mais perigosas de nosso planeta. A biotecnologia é a importante
peça deste quebra-cabeça, o elemento possibilitador da evolução da Gripe A e
da concretização do anunciado acontecimento catastrófico.
O primeiro registro oficial de uma pandemia 6 provocada pela gripe A
remete ao ano de 1918, sendo considerada pela Organização Mundial da
Saúde (WHO, 2009a) como o evento patológico mais mortal da história da
humanidade. As estimativas de mortalidade global desta pandemia, que ficou

6
Davis (2006, p. 23) define “gripe pandêmica”, como “a emergência ou o reaparecimento de um subtipo
de HA (Hemaglutinina) contra o qual a maioria das pessoas não tem imunidade prévia”. HA seria a
proteína localizada na parte externa do vírus que tem a função de proporcionar a entrada do vírus em
células hospedeiras.
434

conhecida como “gripe espanhola”, são de 100 ou mais milhões de pessoas


(500 milhões de infectados), tendo atingido países de quase todos os
continentes, como Índia, China, Estados Unidos da América (EUA), Alemanha
e Irã (DAVIS, 2006, p. 35-42).
Em 1957, surgiu no sudeste da China um novo foco pandêmico. O vírus
se espalhou pelas rotas terrestres tradicionais, da Rússia para a Europa, e por
mar para o Hemisfério Ocidental. Dois milhões de pessoas no mundo
pereceram na pandemia (DAVIS, 2006, p. 47-49), que ficou conhecida como
“gripe asiática”.
Onze anos depois, em 1968, uma terceira cepa foi isolada em Hong
Kong. Tal cepa de vírus foi incrivelmente contagiosa (500 mil casos em Hong
Kong no período de algumas semanas), mas inesperadamente branda,
provavelmente porque apesar das mutações sofridas, continha características
do vírus de 1957 e, portanto, grande parte da população já possuía imunidade.
(DAVIS, 2006, p. 49).
Em 1976, logo após o alerta emitido por pesquisadores sobre uma
possível pandemia, um soldado americano faleceu em decorrência de um
misterioso vírus de gripe, com características do vírus de 1918, posteriormente
identificado como “gripe suína”. A ameaça da gripe suína foi utilizada como
ativo político, resultando em um programa imediato do Presidente Gerald Ford
para vacinar mais de 100 milhões de americanos (DAVIS, 2006, p. 54).
Como nenhum outro caso surgiu na época, o fato motivou a
desconfiança do público a respeito da campanha de vacinação e a gripe suína
tornou-se sinônimo de fiasco político, uma lenda que militou contra iniciativas
proativas de saúde pública nas décadas subseqüentes (DAVIS, 2006, p. 56-
59).
Em março de 1997, frangos começaram a morrer numa fazenda em
Hong Kong, exibindo os sintomas violentos da “gripe aviária de alta
patogenicidade” (GAAP). Em meados de maio, um menino de três anos de
idade foi internado com os sintomas da gripe A. Realizados estudos da cepa
encontrada no menino, confirmou-se que o vírus que o levou à morte era quase
idêntico ao que tinha contagiado os frangos meses antes e que,
435

conseqüentemente, tinha saltado a barreiras das espécies com a ajuda de uma


variação genética (DAVIS, 2006, p. 62-66). Após o extermínio em massa de
frangos e a ocorrência de algumas mortes humanas, nenhum novo caso foi
registrado, evitando-se uma nova pandemia do vírus da gripe A (DAVIS, 2006,
p. 72).
No mesmo ano, porcos de uma mega-fazenda da Carolina do Norte
(EUA), pegaram uma gripe humana, que logo se rearranjou com o vírus aviário
e com o clássico suíno, criando um subtipo perigoso com potencial para se
ligar a receptores celulares humanos. A nova ameaça pandêmica de gripe
suína surgiu aparentemente da escala crescente da produção de porcos. Davis
(2006, p. 113-114) menciona artigo da revista Science onde se afirma que “o
surto repentino de energia mutacional da gripe suína pode ter sido estimulado
por mudanças paralelas no tamanho dos rebanhos, no transporte interestadual
de porcos e na prática de vacinação”.
Davis (2006, p. 83) aponta para a intensificação da indústria do frango
em operações comerciais de larga escala no leste da Ásia e em outros locais,
como possível fator de aumento da área de superfície de contato entre gripes
aviárias e não-aviárias, caracterizando a relação entre a tomada de deciões e
os novos riscos da sociedade de risco.
Em maio de 2001, frangos começaram a morrer novamente nos
mercados da cidade, e mais uma vez o governo ordenou o abate das aves
antes que as novas cepas infectassem seres humanos ou se rearranjassem. A
desconfiança dos cientistas era de que a variação antigênica estivesse sendo
acelerada pelo uso ilegal de vacinas não registradas para aves em Guangdong,
China. (DAVIS, 2006, p. 86).
Já no começo de fevereiro de 2003, uma menina de sete anos faleceu
com doença respiratória aguda. Ela foi enterrada antes que a causa exata da
morte pudesse ser determinada. Contudo, o sequenciamento genético extraído
de pessoas contaminadas por meio da menina revelou que o vírus era um
primo distante da cepa original de 1997, fato que levou a OMS a lançar o alerta
de pandemia (DAVIS, 2006, p. 87).
436

O maior e mais poderoso conglomerado de agricultura de exportação da


Ásia, a Caroen Popphand (CP), tem como principal fonte de lucro a criação de
frangos e é exatamente esta gigante da criação de animais que “figura no
centro da história do retorno da gripe A no inverno de 2003/2004 e na inédita
epidemia de GAAP que ameaça se tornar um cataclisma humano e ecológico
global”. (DAVIS, 2006, p. 121).
O fundador da CP implementou o processo industrial americano, de
criação em massa de animais para consumo, na Tailândia e, em seguida, em
toda Ásia, tornando-se um dos vinte executivos mais poderosos do continente,
com fortes influências políticas. Na véspera do novo surto, a “Tailândia era
governada por uma coalizão camarada dos setores de telecomunicações e
criação de animais” (DAVIS, 2006, p. 122-126), coalizão que bem representa
as novas relações entre política e ciência na sociedade de risco, descritas por
Beck (1992, p. 105-107).
Em 2004, na Tailândia, “mentiras estavam sendo fabricadas com a
mesma rapidez com que os frangos doentes eram abatidos e embarcados para
mercados estrangeiros”. O governo havia se unido à CP e outras gigantes do
frango para esconder a epidemia: “a tapeação oficial deu aos grandes
exportadores vários meses para processar e vender o estoque doente” (DAVIS,
2006, p. 130-131), confirmando a lógica da irresponsabilidade organizada.
A revista New Scientist sugeriu que o surto foi resultado de uma
campanha de vacinação clandestina e equivocada por parte de produtores de
frangos do sul da China, depois da crise de 1997 em Hong Kong. Os criadores
chineses teriam acelerado a evolução de uma supercepa da gripe A, que
rapidamente se tornou endêmica e assintomática em patos domésticos.
(DAVIS, 2006, p. 127).
O muro de silêncio oficial em toda a Ásia foi rompido em dezembro,
quando os frangos começaram a morrer maciçamente em uma fazenda perto
de Seul. Os tailandeses reconheceram publicamente o surto, seguido pelos
demais paises da Ásia, que justificaram a ausência de informações prévias
para evitar perdas “desnecessárias” com decisões “precipitadas” (DAVIS, 2006,
p. 128-135).
437

Neste momento, a OMS e sua contraparte veterinária, a OIE, bem como


a Organização para a Alimentação e a Agricultura da ONU (FAO), deparam-se
com o fato de que os porta-vozes da burocracia e do agronegócio há meses
vinham acobertando uma epidemia de abrangência continental (DAVIS, 2006,
p. 129).
O mesmo ocorreu na Califórnia, onde dezenas de milhões de aves foram
infectadas com um vírus da gripe A no período de março a junho 2002. A
emergência deste surto foi mantida em silêncio por executivos corporativos que
temiam que a demanda do consumidor caísse se o público soubesse que
estava comprando carnes e ovos infectados (DAVIS, 2006, p. 116).
Portanto, tanto na Ásia, como nos EUA, os governos acobertaram os
surtos, inclusive perante organismos internacionais, ameaçando quem
revelasse informações e possivelmente escondendo doenças e mortes. De
acordo com a revista New Scientist, acobertamentos oficiais e práticas de
criação questionáveis permitiram que a gripe se transformasse na epidemia
que ora está em andamento (DAVIS, 2006, p. 127).
Percebe-se que, desde 2001, vários subtipos do vírus da Gripe A vêm
circulando, principalmente na China continental, mantendo padrão sazonal,
com pico de outubro a março, quando a temperatura média fica abaixo de 20º
C. Alguns especialistas em gripe, inclusive, acreditam que todas as pandemias
originam-se na criação mista de suínos e frangos do sul da China, mas que as
precondições ambientais para a rápida evolução da gripe entre espécies são
encontradas agora em toda a parte, e apontam especificamente para os
impactos ecológicos da industrialização para exportação da produção de aves
e porcos desde a década de 1980. (DAVIS, 2006, p. 103-145).
Em 26 de abril de 2009, o governo dos EUA reportou à OMS 20 casos
de gripe suína (influenza A/H1N1) confirmados em laboriatório (WHO, 2009b).
Nenhuma morte foi confirmada à época. Tratava-se de um novo subtipo de
A/H1N1 jamais detectado anteriormente em suínos ou humanos, gerando
suspeitas quanto à relação entre o vírus e recentes manipulações genéticas,
teoria que não resta comprovada.
438

Na mesma data, o governo do México informou 18 casos confirmados da


mesma gripe, com suspeitas em 19 dos 32 dos estados do país (WHO, 2009b).
A doença espalhou-se rapidamente pelo globo, sendo que no início de
maio (01/05), 13 países já haviam relatado oficialmente 367 casos de gripe
suína (WHO, 2009c), confirmando que as mega-catástrofes da sociedade de
risco não respeitam fronteiras ou classe econômica, como diagnosticado por
Beck (2006, p. 06).
Até 29 de maio, já foram confirmados oficialmente 15.510 casos de gripe
suína, sendo que os países que registraram maior número de casos são: EUA
(7927), México (4910), Canadá (1118), Japão (364), Reino Unido (203), Chile
(165), Austrália (147), Espanha (143) e Panamá (107) , conforme dados da
OMS (WHO, 2009c).
O número de mortes relacionadas à infecção está em 99 7 (WHO,
2009c), sendo que, na maioria, trata-se de pessoas jovens e saudáveis, o que
diferencia a doença das demais gripes sazonais, nas quais há predominância
de morte em pessoas com 65 anos ou mais (WHO, 2009d).
Um grande fator de preocupação é a possibilidade do vírus se espalhar
nos países do Sul, onde poderá produzir efeitos diferenciados e muito mais
severos, considerando-se que se trata de populações mais vulneráveis, com
grupos mais jovens que normalmente vivem em zonas urbanas superpovoadas
(WHO, 2009d).
Diante das incertezas que surgiram com esse novo subtipo viral, a OMS
(WHO, 2009d, p. 3) recentemente declarou que “a única certeza sobre o vírus
da gripe é que nada é certo” 8. A comunidade científica ainda não conseguiu
definir dados sobre a nova gripe, tais como a velocidade com que o novo vírus
se espalhará pelo planeta, se e quando se estabilizará a situação, ou se a
virulência irá se modificar com o tempo (WHO, 2009d).
Tal estado de incerteza e a incapacidade da ciência de controlar os
novos riscos são características da segunda fase da modernidade, o que
conduz à necessidade de se revisar os processos de regulação e tomada de
decisões no campo das atividades tecno-científicas.
7
Dados datados de 29 de maio de 2009 (WHO, 2009c).
8
No original: “The only thing certain about influenza viruses is that nothing is certain”.
439

Davis (2006, p. 190) defende que a urbanização dos países


subdesenvolvidos e a revolução na criação de animais transformaram
fundamentalmente a ecologia da gripe e aceleraram a evolução de novos
recombinantes interespécies, restando evidenciada uma das principais
distinções entre as ameaças anteriores à industrialização e aquelas vividas
pela sociedade de risco, que são diretamente relacionadas aos processos de
intervenção humana.
Pesquisadores vêm alertando para os riscos causados pela manipulação
genética desenvolvida na biotecnologia da agroindústria, principalmente como
vetor da mutação ou recombinação de vírus. Autoridades têm levantado
considerações na avaliação da segurança alimentar de animais geneticamente
modificados, particularmente no que concerne aos potenciais riscos emanados
do uso da sequência de retrovirus, incluindo o risco de recombinação com virus
selvagens (JONES, 1998).
Os desenvolvimentos específicos na esteira global da revolução na
criação de animais, principalmente no que concerne às práticas
biotecnológicas, deixaram os cientistas especialmente tensos. Isso porque, até
então, todos os parasitas, incluindo-se os vírus, estavam limitados pela barreira
das espécies – até então os vírus suínos infectavam suínos, mas não humanos
(WAN HO, 2000, p. 04).
Para superar a barreira natural entre as espécies e invadir genomas
alheios, a engenharia genética desenvolveu uma enorme variedade de vetores
artificiais, combinando partes de muitos vetores naturais, como o de vírus, de
diferentes fontes. Estes vetores artificiais têm o poder de realizar
recombinações genéticas com material genético de outros vírus para gerar
novos vírus altamente contagiantes e que cruzam a barreira das espécies. Em
muitos casos, o vírus originário desta recombinação possui uma virulência
muito maior do que aqueles que lhe deram origem e não possui tratamento
(WAN HO, 2000, p. 06 e 08), o que demonstra o grande risco assumido pela
biotecnologia até então.
Pesquisas realizadas principalmente nos países europeus vêm
apontando diversos pontos de discordância da população com os rumos da
440

biotecnologia, especialmente no que toca à questão dos OGMs e atitudes


relacionadas aos animais 9. Essa discordância reflete as deficiências das
instituições contemporâneas em atender às demandas de informação e
participação cidadã no processo de tomada de decisões relacionadas às novas
tecnologias. A confiança nas instituições modernas encontra-se abalada, sendo
que a percepção cultural predominante é a de que muitos dos processos da
biotecnologia não são naturais e deveriam ser evitados (MACNAGTHEN,
2004).

5 CONCLUSÕES ARTICULADAS
A humanidade vive um momento de crise, em que as maiores ameaças
à vida como hoje se apresenta estão diretamente relacionadas ao processo de
tomada de decisões. Essas decisões não são feitas pela população, mas por
um grupo de peritos e instituições ligadas à ciência, que atualmente definem os
“padrões aceitáveis” de risco.
Com a revolução na criação de animais e o surgimento da biotecnologia,
desenvolveu-se uma indústria de animais para consumo, que aplica técnicas
cruéis e que representam riscos à saúde humana. Os riscos decorrentes
destes modos de criação já podem ser constatados em determinados
acontecimentos, tais como as transformações e mutações do vírus da gripe e a
evolução acelerada de novos recombinantes interespécies, como no caso da
gripe suína.
Os efeitos da gripe suína, por sua vez, não estão localizados no espaço
(em menos de dois meses já atingiu 53 países), no tempo (imprevisões quanto
ao controle/alastramento da doença ou a estabilizaçã/fim das contaminações),
e tampouco restritos a determinada classe social (há previsão de que países do
Sul e do Norte serão afetados). Ademais, as dimensões da doença são
desconhecidas, inclusive quanto à possibilidade de mutação do vírus, sendo
que já existem previsões catastróficas. Todas essas características confirmam
a análise da sociedade de risco, formulada por Beck.

9
Nesse sentido, ler: WYNNE, MACNAGTHEN e GROVE-WHITE, 2000; WYNNE, 2001; e
MACNAGHTEN, 2004.
441

A assertiva de Beck: “nós não sabemos, o que é que não sabemos”


resta plenamente aplicável ao caso da gripe suína, havendo inclusive
declarações da OMS nesse sentido.
Diante dos erros e riscos provocados pela ciência, as populações dos
diferentes Estados, com destaque para os países europeus, passam a
questionar o processo de tomada de decisões, demandando mais informação e
participação. Nesse contexto, o futuro da democraria dependerá de um
repensar sobre a atuação das instituições na sociedade de risco e,
principalmente, sobre qual o papel que a percepção cultural e o conhecimento
leigo irão assumir nesse novo contexto social.

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444

DESCOLONIALIDADE, ECOLOGIA POLÍTICA E JUSTIÇA AMBIENTAL:


Pela defesa das ecologias e culturas locais

ELOISE DA SILVEIRA PETTER DAMÁZIO 1

1 INTRODUÇÃO
Hoje em dia muitos ambientalistas argumentam que existe uma crise
ecológica generalizada. Ecologistas com pensamento filosófico argumentam
que a crise ecológica é uma crise mais ampla, trata-se de uma crise dos
sistemas modernos de pensamento. Nesse sentido as perguntas
epistemológicas são fundamentais, pois podem revelar que há também uma
colonialidade da natureza na modernidade que precisa ser esclarecida.
Há vários pontos de convergência entre a ecologia política e os estudos
sobre a colonialidade, entre eles a questão da análise de diferentes formas de
pensar, diferentes formas de ler a modernidade e um destaque relevante para
questão do conhecimento. È com o propósito de verificar essa articulação entre
ecologia política, justiça ambiental e descolonialidade que o presente trabalho
se desenvolve, pois acreditamos que a partir daí pode ser possível abrir
caminhos teóricos que possibilitem a defesa das ecologias e culturas locais.

2 ECOLOGIA POLÍTICA E JUSTIÇA AMBIENTAL


Joan Martínez Alier propõe uma definição de ecologia política como o
estudo dos conflitos ecológicos distributivos. A ecologia política serve assim
como base teórica para o movimento pela justiça ambiental, pois analisa os
conflitos distributivos a partir das “desigualdades decorrentes de processos
econômicos e sociais, que acabam por concentrar as principais cargas do

1
Doutoranda do Curso de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina.
Endereço eletrônico: eloisepetter@yahoo.com.br
445

desenvolvimento sobre as populações mais pobres, discriminadas e


2
socialmente excluídas.”
Alier 3entende por distribuição ecológica

os padrões sociais, espaciais e temporais de acesso aos


benefícios obtidos dos recursos naturais e aos serviços
proporcionados pelo ambiente como um sistema de suporte da
vida. Os determinantes da distribuição ecológica são em
alguns casos naturais, como o clima, topografia, padrões
pluviométricos, jazidas de minerais e a qualidade do solo. No
entanto, também são claramente sociais, culturais,
econômicos, políticos e tecnológicos.

Segundo Escobar 4 os conflitos sobre o acesso e o controle dos recursos


adotam um caráter complexo do ponto de vista ecológico e político, pois se
suprime a idéia amplamente reconhecida de que tudo pode ser reduzido a
termos monetários. Os economistas ecológicos sugerem a categoria de
distribuição ecológica como meio para fazer visível esta complexidade e
também para fazer visível um novo campo, a ecologia política, com a finalidade
de estudar os conflitos de distribuição ecológica.
Os conflitos de distribuição ecológica referem-se às lutas pelo acesso e
pela distribuição dos recursos e dos serviços ambientais. Sob as condições de
uma distribuição desigual da riqueza, a produção e o crescimento econômico
ocasionam a negação dos processos ecológicos. Como resultado, surgem
conflitos verificados nas lutas pela proteção da selva, dos rios, dos mangues,
pelo acesso às minas de carvão e pela biodiversidade. O fato de que estes
conflitos apareçam com freqüência quando as comunidades pobres se
mobilizam pela defesa do meio ambiente como fonte de sustento, levou os
ecologistas econômicos a vê-los como uma forma de "ambientalismo dos
pobres" (ou ecologismo dos pobres). 5

2
PORTO, Marcelo; MARTINEZ ALIER, Joan. Ecologia política, economia ecológica e saúde coletiva:
interfaces para a sustentabilidade do desenvolvimento e para a promoção da saúde. Cadernos de Saúde
Pública (FIOCRUZ), v. 23, p. S503-S512, 2007, p. S508.
3
ALIER, Joan Martinez. O ecologismo dos pobres. São Paulo: Ed. Contexto, 2007, p. 113.
4
ESCOBAR, Arturo. Más allá del tercer mundo. Globalización y diferencia. Bogotá: Instituto
Colombiano de Antropología e Historia, 2005, p. 126.
5
ESCOBAR, 2005, p. 127.
446

O ecologismo dos pobres ou movimento pela justiça ambiental combina


a preocupação pelo ambiente com a justiça social.
Os movimentos sociais dos pobres são lutas pela sobrevivência, sendo,
portanto, movimentos ecológicos (qualquer que seja o idioma com que se
expressem) porquanto seus objetivos são as necessidades ecológicas para a
vida: energia (as calorias da comida para cozinhar e aquecer), água e ar
limpos, espaço para abrigar-se. Também são movimentos ecológicos porque
habitualmente tratam de manter ou devolver os recursos naturais à economia
ecológica, fora do sistema de mercado generalizado, da valoração crematística,
da racionalidade mercantil, o que contribui para a conservação dos recursos
naturais já que o mercado os infravalora. 6
Alier 7 afirma que os movimentos de justiça ambiental estão crescendo
no mundo. Alguns conflitos distributivos ecológicos contemporâneos e
históricos surgem ao redor dos usos dos mangues, dos casos de biopirataria,
de casos de racismo ambiental nos Estados Unidos, entre outros. Estes
conflitos são disputas sobre os níveis de contaminação, sobre a incidência dos
riscos ecológicos, sobre a perda de acesso a recursos e serviços ambientais.
Ao falar sobre a questão da justiça ambiental no caso brasileiro, Alier 8
afirma
O Brasil tem uma rede justiça ambiental
(www.justicaambiental.org.br), composta por várias entidades,
e da qual a Fiocruz é uma das fundadoras. Acreditamos que
os efeitos negativos da poluição estão desigualmente
distribuídos. Estão concentradas em áreas pobres das
cidades. Por exemplo, o lixo produzido no Rio de Janeiro não
é depositado na Zona Sul da cidade, mas em Gramacho,
longe dos ricos. A Petrobrás tira petróleo no Equador, gás
natural na Bolívia, explorando recursos de países pobres. Ao
mesmo tempo, o Brasil exporta muito a preço de banana,
como se diz aqui. A América Latina, por exemplo, exporta seis
toneladas para cada uma tonelada importada. Exporta barato
e importa caro. (...)Começamos pelos movimentos sociais,

6
ALIER, Joan Martinez. Da economia ecológica ao ecologismo popular, Blumenau, ed. FURB,1998, p.
37.
7
ALIER, Joan Martinez. Justicia ambiental, sustentabilidad y valoracíon. In: ALIER, Joan Martinez;
MOLINA, Manuel Gonzáles de. Naturaleza transformada. Barcelona: Icaria Editorial, 2001, p. 289.
8
ALIER, Joan Martinez. Cientista defende justiça ambiental para equilíbrio ecológico (Entrevista).
Informe ENSP. Boletim eletrônico diário da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca.
Disponível em: <http://www.ensp.fiocruz.br/informe/materia.cfm?matid=1945>. Acesso em: 10 maio
2009.
447

pela justiça ambiental. Se olharmos a história do Brasil, Chico


Mendes fez um movimento contra o desmatamento não
porque era ecologista apenas, mas também porque era um
sindicalista com interesse na subsistência de sua comunidade.
Estes tipos de movimentos de resistência acabam lançando
idéias alternativas, como as reservas extrativistas da
Amazônia. Existem muitos exemplos no mundo de
movimentos de resistência que geram propostas alternativas.
No Brasil, um dos exemplos é o Movimento Atingidos por
Barragens (MAB), que propõe sistemas energéticos
alternativos, como a energia solar. A idéia é que a partir da
resistência saiam alternativas.

Escobar 9 considera que além de negar os processos ecológicos, a


produção a partir de uma distribuição desigual nega também os processos
culturais e estes se encontram na base da valorização e relação das pessoas
com o mundo natural. Em outras palavras, não são apenas os fatores
econômicos e as condições ecológicas, mas também são os sentidos culturais
que definem as práticas que determinam como a natureza é apropriada e
utilizada. Até agora, a sutentabilidade referiu-se basicamente às variáveis
tecnológicas e econômicas. Os economistas ecológicos, entre outros,
adicionaram a dimensão ecológica faz poucos anos, mas a completa inclusão
das condições culturais segue sendo evitada. Entretanto, recentemente, as
novas tendências da ecologia política e as estratégias dos movimentos sociais
ressaltaram este aspecto.
O que está em jogo, portanto, é uma redefinição da produção e da
economia a partir das dimensões ecológica e cultural do meio ambiente. Isto,
por sua vez implica em uma pluralidade de estilos de desenvolvimento e em
uma era de pós-desenvolvimento, definida como uma situação na qual os
enfoques economicistas e tecnocráticos que dominaram a experiência do
desenvolvimento, deixam finalmente de ser hegemônicos. Desta forma, os
grupos sociais e as comunidades podem comprometer-se com outros tipos de
enfoques de desenvolvimento e de economias. 10
Escobar 11 é enfático ao afirmar que a noção de conflito cultural é uma
concepção que trata de comprometer-se com uma proposta mais radical de

9
ESCOBAR, 2005, p. 127.
10
ESCOBAR, 2005, p. 129.
11
ESCOBAR, 2005, p. 102.
448

interculturalidade. O objetivo da redistribuição no âmbito dos conflitos


econômicos distributivos é a justiça social; o objetivo ao tratar os conflitos
ecológicos distributivos é a sustentabilidade ambiental, e, neste campo dos
conflitos culturais distributivos, pode-se falar da sustentabilidade cultural com a
interculturalidade como finalidade. Os campos de estudo são a economia
política, a ecologia política, os estudos culturais e a antropologia política, entre
outros. Desta forma cria-se um horizonte de alteridade, composto pelas
diferenças econômicas, ecológicas e culturais.

3 COLONIALIDADE E DESCOLONIALIDADE
A proposta descolonial, a partir do grupo
modernidade/colonialidade/descolonialidade, realiza uma reflexão sobre as
heranças coloniais dos impérios espanhol e português na América durante os
séculos XVI ao XX. Procura-se intervir decisivamente na discursividade própria
das ciências modernas para configurar outro espaço para a produção de
conhecimento, uma forma distinta de pensamento, “um paradigma outro”, a
possibilidade de falar sobre “mundos e conhecimentos de uma outra
maneira”. 12
Na base da análise descolonial há uma leitura desconstrutiva da visão
tradicional da modernidade e uma análise da subalternização cultural e
epistêmica das culturas não-européias. Podem ser considerados como autores
vinculados a esta corrente, o filósofo Enrique Dussel, o antropólogo e teórico
literário e cultural Walter Mignolo, o sociólogo Aníbal Quijano, o filósofo
Santiago Castro-Gómez, o sociólogo Ramón Grosfoguel, entre outros.
O termo colonialidade, central nos estudos descoloniais, é distinto de
colonialismo. Enquanto que este diz respeito a uma relação política e
econômica entre dois povos, aquele se refere a um padrão de poder que
emergiu como resultado do colonialismo moderno e organiza a forma como o
trabalho, o conhecimento, a autoridade e as relações intersubjetivas articulam-

12
ESCOBAR, 2005, p. 63-64. Escobar utiliza e define a expressão "Mundos y conocimientos de otro
modo" a partir de um duplo aspecto: no sentido de construir políticas a partir da diferença colonial,
particularmente no nível do conhecimento e da cultura, e também de imaginar e construir mundos
verdadeiramente diferentes. ESCOBAR, 2005, p. 38.
449

se entre si. 13 . A primeira descolonização que foi iniciada no século XIX foi
incompleta, já que se limitou à independência política das periferias. Ao
contrário, a segunda descolonização, a que diz respeito à categoria
descolonialidade, deverá dirigir-se as múltiplas relações (de gênero, sexuais,
lingüísticas, epistêmicas, etc.) que a primeira descolonização deixou intactas.
Ao problematizar a modernidade a partir da colonialidade a proposta
descolonial distingue-se das teorias tradicionais da modernidade. Dussel 14
considera que há dois conceitos de modernidade. O primeiro deles é
eurocêntrico, provinciano e regional, a modernidade é uma emancipação da
imaturidade por um esforço da razão, tal processo teria ocorrido na Europa,
essencialmente no século XVIII. Ao contrário dessa visão, o autor mostra que a
modernidade não é produto de fenômenos intra-europeus, mas que é uma
experiência mundial. A modernidade “aparece quando a Europa se afirma
como ‘centro’ de uma História Mundial que inaugura, e por isso a ‘periferia’ é a
parte de sua própria definição”.
Uma noção chave para a proposta descolonial é a colonialidade do
poder. A colonialidade do poder pode ser entendida segundo Quijano 15, como a
classificação social da população mundial de acordo com a idéia de raça. Diz
respeito a uma “construção mental que expressa a experiência básica da
dominação colonial e que desde então permeia as dimensões mais importantes
do poder mundial, incluindo sua racionalidade específica, o eurocentrismo.” A
idéia de raça foi assumida pelos conquistadores como o principal elemento
constitutivo, fundacional, das relações de dominação que a conquista exigia.
Assim foi classificada a população da América e, posteriormente, do mundo, a
partir desse novo padrão de poder.
Trata-se do princípio organizador que estrutura as múltiplas hierarquias
do sistema-mundo a partir de centros de poder e regiões subalternas.

13
MALDONADO-TORRES, Nelson. Sobre la colonialidad del ser: contribuciones al desarrollo de un
concepto. In: CASTRO-GÓMEZ, Santiago; GROSFOGUEL, Ramón. El giro decolonial. Reflexiones
para una diversidad epistémica más allá del capitalismo global. Bogotá: Siglo del Hombre-Iesco-Pensar.
2007, p. 131.
14
DUSSEL, Enrique. 1492 – O encobrimento do outro. Petrópolis: Vozes, 1993, p. 7-15.
15
QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, Edgardo
(Org.). A colonialidade do saber. Eurocentrismo e Ciências Sociais. Perspectivas Latino-Americanas.
Buenos Aires: CLACSO, 2005, p. 227-228.
450

O patriarcado europeu e as noções européias de sexualidade,


epistemologia e espiritualidade foram exportadas para o resto do mundo
através da expansão colonial, transformadas assim nos critérios hegemônicos
que iriam racializar, classificar e patologizar a restante população mundial de
acordo com uma hierarquia de raças superiores e inferiores. 16
A perspectiva de superioridade/inferioridade além de estar na base do
conceito de superioridade étnica, também implica a superioridade epistêmica.
O conhecimento produzido pelo homem branco é geralmente qualificado como
“científico”, “objetivo” e “racional”, enquanto que aquele produzido por homens
de cor (ou mulheres) é “mágico”, “subjetivo” e “irracional”. Esta dimensão, a
colonialidade do saber, não apenas estabelece o eurocentrismo como
perspectiva única de conhecimento, mas também descarta as outras
produções intelectuais.
Para Mignolo 17, a colonialidade do poder e do saber também criaram
experiências e subjetividades, daí advém o conceito de colonialidade do ser.
Segundo Maldonado-Torres 18 a colonialidade do poder refere-se à inter-relação
entre formas modernas de exploração e dominação, a colonialidade do saber é
relativa ao rol da epistemologia e as tarefas da produção do conhecimento e na
reprodução do pensamento colonial e a colonialidade do ser refere-se à
experiência vivida na colonização e seu impacto na linguagem.
Uma quarta dimensão da colonialidade, citada por Walsh 19, refere-se à
colonialidade da natureza. Esta dimensão diz respeito à divisão binária
cartesiana entre natureza e sociedade, uma divisão que exclui completamente
a relação milenária entre seres, plantas e animais. A colonialidade da natureza
tentou remover essa relação que é à base da vida, da cosmologia e do
16
GROSFOGUEL, Ramón. Transmodernidade, pensamento de fronteira e colonialidade global. Revista
Crítica de Ciências Sociais. Coimbra, n.80, p. 115-147, mar. 2008, p.124.
17
MIGNOLO, Walter. El desprendimiento: pensamiento crítico y giro descolonial: Introducción general.
In: SCHIWY, Freya; MALDONADO-TORRES, Nelson. (Des) Colonialidad del ser y del saber (videos
indígenas y los límites coloniales de la izquierda en Bolivia). Buenos Aires: Del Signo, 2006, p. 11.
Mignolo considera que a colonialidade do ser relaciona-se com a subjetividade, controle da sexualidade
das funções atribuídas aos gêneros.
18
MALDONADO-TORRES, 2007, p. 130.
19
WALSH, Catherine. ¿Son posibles unas ciencias sociales/culturales otras? Reflexiones en torno a las
epistemologías decoloniales. Nómadas. Revista Crítica de Ciencias Sociales y Jurídicas. Editorial.
Teorías decoloniales en América Latina. Universidad Central – Colômbia, n. 26, abril 2007, p. 106
451

pensamento em muitas das comunidades indígenas e afros da Abya Yala 20 e


da América Latina.
Portanto, a colonialidade da natureza acrescenta um elemento
fundamental aos padrões de poder aqui discutidos: o domínio sobre
racionalidades culturais, que constituem a base essencial do ser e saber. O
controle exercido pela colonialidade da natureza visa converter essa relação
em mito, lenda e folclore e, assim, posicioná-la como não-racional, como
21
invenção de seres não-modernos.
Ao desqualificar os conhecimentos “outros” para inferiorizá-los, o
discurso eurocêntrico visa construir um mundo de pensamento único. A
proposta descolonial implica o desenvolvimento de alternativas epistemológicas
descoloniais. Isso significa que já não é possível construir a partir de uma só
epistemologia um desenho global como “solução única” aos problemas do
mundo, seja da esquerda (socialismo, comunismo etc.) ou da direita
(desenvolvimentismo, neoliberalismo, democracia liberal, etc.). A partir da
diversidade epistêmica há propostas “anticapitalistas, antipatriarcais e anti-
imperiais diversas, que apresentam diferentes maneiras de enfrentar e
solucionar os problemas produzidos pelas relações de poder sexuais, raciais,
espirituais, lingüísticas, de gênero e de classe.” Essa diversidade de propostas
de conhecimento “outras” subalternizadas e silenciadas pela epistemologia
eurocêntrica significa uma “maneira de transcender a modernidade
eurocentrada para além das propostas de culminar na modernidade ou de
desenvolver a pós-modernidade. 22
A análise descolonial, sendo assim, fornece elementos para refutar
formulações teóricas monoculturais e “universais” que posicionam o
conhecimento científico ocidental como central, negando os saberes locais
produzidos a partir de racionalidades sociais e culturais distintas. Tal refutação

20
Abya Yala é o nome cunhado pelos cunas do Panamá para se referir ao território e os povos indígenas
das Américas. Significa "terra em plena maturidade.” WALSH, 2007, p. 112
21
WALSH, 2007, p. 106.
22
GROSFOGUEL, Ramón. Dilemas dos estudos étnicos norte-americanos: multiculturalismo identitário,
colonização disciplinar e epistemologias descoloniais. Ciência e Cultura, São Paulo, v. 59, n. 2, 2007,
p. 33-34.
452

não implica descartar por completo esta racionalidade, mas sim observar suas
pretensões coloniais e imperiais e questionar seu posicionamento como única.
Na mesma perspectiva que os estudos descoloniais, a ecologia política
sublinha o caráter civilizatório da crise ambiental atual. Esta crise é, segundo
Escobar 23, uma crise da modernidade, posto que a modernidade fracassou em
possibilitar mundos sustentáveis. É também uma crise do pensamento, já que o
pensamento logocentrista alimenta as práticas ecologicamente destrutivas da
modernidade.
Leff 24 sustenta que a crise ambiental é uma crise do pensamento e, mais
concretamente, do conhecimento ocidental logocêntrico que criou um mundo
cada vez mais economicista, tecnificista e destrutivo do ambiente. Esse mesmo
conhecimento é incapaz de dar a solução aos problemas que criou.
Escobar argumenta que um dos espaços mais interessantes para a
construção de uma filosofia ambiental é a defesa de modelos locais de
natureza por parte de certos movimentos sociais. Estes movimentos podem ser
vistos como tentativas de criação de mundos econômica, ecológica e
culturalmente diferentes e, portanto, como projetos de modernidade alternativa
e possivelmente de alternativas à modernidade. 25
O regime de natureza capitalista, conforme Escobar 26, subalternizou
todas as outras concepções de biologia, história, natureza e sociedade,
particularmente aquelas que representavam, através de seus modelos e
práticas locais de natureza, uma continuidade culturalmente estabelecida
(oposta a uma separação) entre os mundos naturais, humanos e sobrenaturais.
Estes modelos locais do natural são a base das lutas ambientais de hoje. Deste
modo, estas lutas precisam ser entendidas como lutas pela defesa da diferença
cultural, ecológica e econômica.
A ecologia política latino-americana tenta construir uma ética e uma
cultura da sustentabilidade. Isto inclui repensar a produção orientada para uma
nova racionalidade ambiental e também desenvolver um diálogo entre outras

23
ESCOBAR, 2005, p. 87.
24
LEFF apud ESCOBAR, 2005, p. 146.
25
ESCOBAR, 2005, p. 147.
26
ESCOBAR, 2005, p. 88.
453

formas de conhecimento para a construção de novas racionalidades


ambientais. Esta perspectiva ética da ecologia sobre a natureza, a vida e o
planeta implica um questionamento à modernidade e ao desenvolvimento, mais
ainda, uma irrefutável crítica à falácia desenvolvimentista. Assim, coloca-se em
jogo uma política cultural da diferença que vai além da desconstrução do
antropo-logocentrismo. Sua meta é a reapropriação cultural da natureza
mediante estratégias políticas, como as empreendidas pelos movimentos
sociais. 27

4 CONCLUSÃO
Com os recentes movimentos sociais, observa-se que muitos grupos
resistiram à completa destruição por parte dos regimes individualistas liberais.
Para ter uma possibilidade de continuar estas lutas eles têm que articular-se
com movimentos mais amplos pela justiça, pela redistribuição dos recursos
econômicos e ecológicos, e contra a individualização. Com o passar do tempo
esses movimentos devem dirigir-se no sentido de propor alternativas mais
populares contra o neoliberalismo. Ao fazer ênfase em sua própria alteridade
radical, podem contribuir para a definição de um novo marco para outras
identidades populares e outras atitudes sociais. De fato, este
redimensionamento é essencial para a sobrevivência das formas étnicas
comprometidas com a justiça social. 28
Apesar das forças negativas que se opõem a tais movimentos, eles
podem representar uma real defesa das paisagens sociais e biofísicas,
mediante formas que não estão atravessadas pelo reducionismo genético, pelo
individualismo e economicismo que caracterizam as tendências predominantes.
Os movimentos mostram que a vida, o trabalho, a natureza e a cultura podem
se organizar de maneira distinta aos modelos hegemônicos de cultura e
economia. 29
O fato de um número crescente de movimentos sociais lutarem pelo
direito a suas próprias culturas, economias e ecologias já não pode ser negado,

27
ESCOBAR, 2005, p. 88.
28
ESCOBAR, 2005, p. 134.
29
ESCOBAR, 2005, p. 139.
454

de forma que não se pode argumentar por igualdade a partir da perspectiva de


inclusão na cultura e na economia dominantes. Ao contrário, a posição de
diferença e de autonomia deve ser considerada válida para esta situação.
Sendo assim, a perspectiva descolonial pode ser uma ferramenta teórica
para os estudos ambientais, pois abre espaço para a reflexão sobre outras
formas de conhecimento que poderiam ajudar a pensar a natureza de uma
forma distinta. Além disso, pode colaborar para que saberes ambientais
silenciados e enterrados pela colonização ocidental agora apareçam no espaço
público e acadêmico
De acordo com o que foi analisado neste trabalho, é necessário ir além
dos limites eurocêntricos, é necessário imaginar outras formas de ser e
conhecer para assim constituir projetos de transformação baseado em práticas
de diferença cultural e ecológica, assim podemos avançar em um projeto de
mundos sócio-naturais diferentes, verdadeiramente sustentáveis e pluralistas.

REFERÊNCIAS

ALIER, Joan Martinez. Cientista defende justiça ambiental para equilíbrio


ecológico (Entrevista). Informe ENSP. Boletim eletrônico diário da Escola
Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca. Disponível em:
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Reflexiones en torno a las epistemologías decoloniales. Nómadas. Revista
Crítica de Ciencias Sociales y Jurídicas. Editorial. Teorías decoloniales en
América Latina. Universidad Central – Colômbia, n. 26, abril 2007.
456

A TEORIA DE GAIA:

repensando a ecotoxicologia

ELSBETH LÉIA SPODE BECKER 1


ERVANDIL CORRÊA DA COSTA 2

1 INTRODUÇÃO
Não é nova a idéia de que a Terra é viva. Na Grécia Antiga acreditava-
se que a Terra era uma deusa viva, Gaia. Tomaria também parte dessa idéia
as crenças mitológicas e os rituais religiosos de tempos passados: nossos
ancestrais sentiam a presença de vida em praticamente todos os elementos do
planeta Terra: nas pedras, nos rios, nos oceanos e nos céus. Porém, a ciência
que surgiu a partir de Bacon, Descartes e Newton desferiu um duro golpe na
noção de um planeta vivo. Alquimia e vitalidade foram sacrificadas em prol da
mecanicidade e da implacável lei do movimento. A vida era dissociada do
planeta e obedecia às leis fundamentais da Física.
Teoria de Gaia inovou e, com esta, a ciência Contemporânea retomou a
idéia de um planeta vivo. Na década de 1960, James Lovelock propõe que a
Terra e a vida constituem-se num processo inseparável, indo um pouco ao
encontro às crenças religiosas e da magia dos alquimistas medievais. Apesar
das pedras, águas e “céus” da superfície da Terra não estarem exatamente
impregnados de vida, eles são vistos, na Teoria de Gaia, como totalmente
integrados aos processos da vida, não sendo assim, apenas componentes
passivos, mas ativos e participantes. Lovelock (1979, p. 13) escreve: “assim
como a concha é parte de um caracol, as rochas, o ar e os oceanos são parte
de Gaia”.

1
Profª Drª do Curso de Geografia, UNIFRA. E-mail: elsbethleia@terra.com.br.
2
Prof. Titular da Universidade Federal de Santa Maria e Mestrando do Curso de Pós-graduação em
Integração Latino-Americana (UFSM). E-mail: ervandilc@gmail.com
457

Por meio dessa linha de pensamento, Lovelock (1990;1991) acreditava


que o equilíbrio que permite a vida como a conhecemos relaciona-se a um
processo de interação que envolve todos os elementos vivos e não vivos e o
próprio planeta em sua dinâmica, fazendo que a vida na Terra seja moldada às
condições da natureza.
A história do homem na Terra não é diferente. Está estreitamente
vinculada à natureza viva. Desde o início, o homem garantia sua sobrevivência
através de abundante alimentação ofertada pelas plantas, mananciais de água
e significativa diversidade de espécies de animais. E assim tem sido até os dias
de hoje com a diferença de que o acelerado progresso científico e tecnológico
aprofundou a relação exploratória mantida pelo homem com o seu meio.
O século 20, que nasceu sob a égide das grandes transformações
tecnológicas, a relação do homem com a natureza continua arcaica e
exploratória como nos primórdios, porém acelerada. O avanço da ciência, na
Idade Moderna, detonou a bomba atômica, proporcionou a corrida espacial e
levou o mundo à condição de “aldeia global” através da instantaneidade das
informações e da globalização da economia.
Estamos cada vez mais distantes da natureza, mesmo da natureza
modificada pelo homem. E isso ocorre apesar de sermos parte integrante dela.
E é disso que emana, paradoxalmente, a preocupação de preservação do
planeta. A preservação da Terra é hoje uma necessidade e faz com que uma
parcela da população busque um modelo de desenvolvimento harmonioso com
a natureza e, proporcione, essencialmente, uma nova compreensão para a
vida.
Portanto, o atual modelo de sociedade está diante de um paradoxo:
combinar a dimensão ecológica de um planeta limitado com a acumulação de
capital de modo ampliado. Este paradoxo aplica-se, também, no contexto do
atual modelo agrário-agrícola movido, igualmente, pela acumulação de capital.
Nessa linha de entendimento, este trabalho visa trazer algumas considerações
reflexivas de como resolver a equação que combine a dimensão ecológica, de
um lado, com a acumulação de capital de modo ampliado, de outro lado.
458

2 ORIGEM DO PARADOXO AMBIENTAL E ECONÔMICO


O atual estágio de desenvolvimento da sociedade capitalista possui,
segundo Bernardes et al. (2003), uma singularidade que se materializa na
alteração do espaço físico gerando uma dinâmica de mercado em torno da
natureza. Essa dinâmica inclui a produção de bens materiais e a adequação do
meio ambiente circundante às necessidades sociais e, torna cada vez mais, o
meio natural um ambiente humanizado.
Ao utilizar a técnica, o homem deu nova dimensão ao processo
produtivo e intensificou seu domínio sobre a natureza, seja tirando as riquezas
da terra, seja estruturando a cultura humana na intervenção dos sistemas
naturais. Hoje, ao se pensar na cultura humana redimensionando os processos
naturais e assim dialeticamente revendo posturas sociais, percebe-se como o
meio social e o meio físico estão interconectados. Nesse aspecto, convém
entender algumas razões que levaram ao homem a noção de dominador da
natureza que culminou no papel de predador. Nas palavras de Carolyn
Merchant apud CAPRA (1982, p 38):

Ao investigarmos as raízes de nosso atual dilema ambiental e


suas conexões com a ciência, a tecnologia e a
economia,cumpre-nos reexaminar a formação de uma visão
do mundo e de ciência que, ao reconceituar a realidade mais
como uma máquina do que como um organismo vivo,
sancionou a dominação da natureza e das mulheres.

James Lovelock fez o primeiro esboço de sua teoria no livro “Gaia: um


novo olhar sobre a vida na Terra”, em 1979. Muitos cientistas rejeitaram e
refutaram de imediato as suas implicações. Outros, porém, partilharam essa
idéia e avançaram em concepções e estudos, entre estes, Jean Dorst3, Fritjof
Capra4 e Edgar Morin5.
Nessa reafirmação paradigmática, Dorst (1973) alerta que o mundo
moderno sofreu um grave desequilíbrio em conseqüência da ação do homem
dominador, que tende não só a eliminação da vida selvagem, como também da
destruição da harmonia do meio onde está destinado a viver.
A ação do homem dominador é reavaliada, também, por Capra (1982)
que introduz a noção do homem dominador da natureza e da mulher e a crença
459

no papel superior da mente racional foram apoiadas e encorajadas pela


tradição judaico-cristã, que adere à imagem de um deus masculino,
personificação da razão suprema e fonte do poder.
Nesse processo de personificação da razão suprema e fonte do poder, a
natureza torna-se, no pensamento moderno, uma coleção de coisas físicas,
como a rocha ou a chuva, que se interligam pelas relações espaciais externas,
de origem mecânica e matemática. Morin (1990) mostra que existem erros,
ignorância e cegueiras nessa visão e estes erros estão ligados ao próprio
desenvolvimento das ciências modernas. Estas ordenam o conhecimento de
forma particularizada, mecanicista e mutiladora e, portanto, incapaz de
reconhecer e apreender a complexidade do real e do todo interligado.
Portanto, para a ciência e para o projeto histórico de construção técnica
do capitalismo, a natureza é vista como uma engrenagem de movimentos
precisos e perfeitos, que o homem pode controlar, transformar em artefatos
técnicos e explorar para fins econômicos. Engerls (1979) considera que o
entendimento e a aceitação da natureza como um processo eternamente
reversível foi acompanhado por concepções como a externalidade e a
fragmentação do homem em relação ao meio ambiente. Nesse contexto, o
conceito social de natureza foi associado ao desenvolvimento do sistema
capitalista como forma de garantir uma ideologia que concebesse a natureza
como fonte inesgotável de recursos. A transformação do ambiente em
mercadoria pautado no ideal da maximização do lucro passa a permear a
lógica da acumulação do capital. Verifica-se, assim, que há uma relação de
apropriação que envolve o capitalismo e sua essência com o domínio da
natureza feita pelo homem.
Por isso, Engerls (1979) vê a externalidade como um processo que
impede a verdadeira relação dialética que envolve o homem e o meio natural,
ou seja, a questão ambiental não está apenas na depredação dos recursos
naturais, mas, também, em como nossa lógica de pensamento foi concebida e
construída. A visão e a ação humana em relação ao meio natural retrata uma
série de preconceitos e de processos ligados à forma de pensar e à prática
científica.
460

Assim, fazer uma sociedade funcionar economicamente passa a ser


fazer mobilizar os fatores de produção da natureza e trabalho sob o ponto de
vista do valor. É a racionalidade do preço do dinheiro que passa a comandar a
organização do espaço geográfico e a exploração do meio natural. Observa
Camargo (2005) que não conheceremos as reais dimensões das questões
ambientais, nem tampouco, perceberemos as possibilidades existentes na
natureza, se pensarmos o meio natural como um conjunto formado por
elementos que podem ser vistos isoladamente, sem interconectividade e
interdependência.
O pensamento racional da realidade, preso à concepção de linearidade
é revisto, também, por Russell (1982) que alerta para a visão de reversibilidade
do meio natural e para a concepção de que os problemas ambientais são
entendidos como processos momentâneos, que se instalam e podem ser
vencidos e resolvidos com a tecnociência.
Ao analisar o pensamento linear, Camargo (2005) diz que em uma
situação de depredação ambiental, por exemplo, o processo é analisado
isoladamente, cortado de sua verdade, dos seus fluxos sistêmicos,
apresentando distância do todo. Portanto, a consciência ecológica somente
surgirá quando aliarmos ao nosso conhecimento racional uma intuição da
natureza não-linear de nosso meio-ambiente. Capra (1982) afirma que a
consciência ecológica é, em parte, uma sabedoria intuitiva e esta é
característica das sociedades pré-científicas, das culturas místicas e das
culturas tradicionais, não-letradas, especialmente dos índios americanos, em
que a vida foi organizada em torno de uma consciência altamente refinada do
meio ambiente. Neste sentido Capra (1990, p. 39) concluiu que

A mente universal está presente na natureza. Portanto, a


natureza é inteligente. Porém, a inteligência não é
necessariamente um processo verbal. A compreensão que fica
presa às palavras é superficial. O conhecimento pode ocorrer
de modo direto, independente do acúmulo de informações.

Nesse sentido, é chegada a hora de repensar o pensamento e o


conhecimento. O declínio do patriarcado, o final da era do combustível fóssil e
a exaustão do planeta, tudo está contribuindo para o mesmo processo global. A
461

crise atual, portanto, não é apenas uma crise de indivíduos, governos ou


instituições. É uma transição de dimensões planetárias. Como indivíduos, como
sociedade, como civilização, chegamos ao crepúsculo da atual sociedade. É
necessário, também, repensar a ciência. Estamos, portanto, num tempo de
transição, um tempo que requer o resgate da capacidade de formular
perguntas simples, como no tempo precursor da ciência moderna, meados do
século XVIII, quando Rousseau se preocupava com a indagação das relações
entre ciência e virtude. Transcorridos quase três séculos, período de
nascimento, ascensão e crise do racionalismo científico, voltamos ao mesmo
ponto. Para que serviram a ciência e a técnica se não se conseguiu transformar
os conhecimentos em sabedoria de vida?
Como continuidade e decorrência lógica do tema proposto, Boff (1999)
considera a mitologia, a cosmologia e a física quântica para ilustrar a
necessidade e o surgimento de uma nova consciência e uma alternativa ao
realismo materialista: a filosofia holística. A perda de conexão com o todo seria
a falta de cuidado, falta da condição essencial humana. Um novo paradigma, a
“re-ligação”, “re-encantamento” pela natureza e a “com-paixão” por aquilo que
agoniza ou pelos que sofrem representa o surgimento de uma ética
civilizacional que nos permitirá dar um salto de qualidade de convivência e de
paz.
É oportuno, portanto considerar estas questões no contexto do atual
modelo agrário-agrícola movido pelo capitalismo neoliberal globalizado e trazer
algumas considerações reflexivas para a ecotoxicologia no sentido de repensar
o seu papel diante de uma nova concepção de vida para o planeta Terra. Como
ponto de conexão entre estes dois itens, nada melhor que expor o pensamento
de Morato Leite (2007, p. 137) quando afirma que “O economicocentrismo
reduz o bem ambiental a valores de ordem econômica, fazendo com que
qualquer consideração ambiental tenha como ‘pano de fundo’ o proveito
econômico pelo ser humano”.
462

3 A AGRICULTURA MODERNA E A PRESERVAÇÃO DA VIDA


A abordagem mecanicista e reducionista da ciência e tecnologia
moderna afetou, consideravelmente, a vida na Terra. A partir da Revolução
Industrial e desde o advento do automóvel, passando pelo avião, penicilina,
telefone, computador e tantos outros inventos, nunca a humanidade havia
experimentado oferta tão imensa de facilidades para sua vida. Porém,
paradoxalmente, vivenciamos um tempo de incertezas e pagamos o preço de
enxergar o mundo de forma fragmentária.
Além disso, Morin (1990) alerta que existe uma ignorância ligada ao
desenvolvimento da própria ciência e uma cegueira ligada ao uso degradado
da razão. Este autor comenta que as ameaças mais graves em que a
humanidade incorre estão ligadas ao progresso cego e descontrolado do
conhecimento, quando cita as armas termonucleares, manipulações das
espécies animais e vegetais e desequilíbrios ecológicos.
A modernização da agricultura tem sido um campo de grande avanço
científico e tecnológico. A indústria petroquímica permitiu, no mundo inteiro, o
desenvolvimento agrícola e passou a ter grande influência nas atividades
desenvolvidas no meio rural. A influência da indústria farmacêutica sobre a
prática médica oferece uma interessante comparação na influência da indústria
petroquímica sobre a agricultura e a lavoura. Os agricultores, tal como os
médicos, lidam com organismos vivos que são seriamente afetados pela
abordagem mecanicista e reducionista da ciência moderna. À semelhança do
organismo humano, o solo é um sistema vivo.
Na concepção de Azevedo e Dalmolin (2006) o solo como um sistema
“que pode ser decomposto em partes menores, e que para existir e funcionar,
depende da organização harmônica destas partes”.
Portanto, o solo é um sistema vivo que tem de permanecer em estado
de equilíbrio para ser saudável. Quando este equilíbrio é perturbado, ocorre um
crescimento desequilibrado de certos componentes (flora e fauna). Esses
desequilíbrios tornaram-se problemas graves na agricultura moderna por causa
da aplicação maciça de produtos químicos no processo produtivo agrícola. Em
463

decorrência, o solo é um sistema que sofreu profundas interferências e


desequilíbrios.
Um solo fértil é um solo vivo que contém bilhões de organismos vivos,
sendo, portanto, um complexo ecossistema em que as substâncias que são
essenciais à vida passam em ciclos, das plantas para os animais, depois para
as bactérias do solo e novamente para as plantas (CAPRA, 1981).
Assim, a natureza básica do solo vivo requer uma agricultura que, em
primeiro lugar, preserve a integridade dos grandes ciclos ecológicos. Esse
princípio, de certa forma, estava atrelado nos métodos tradicionais de lavoura,
os quais se baseavam em adubação com estrume, devolvendo assim matéria
orgânica ao solo para fortalecer o ciclo biológico. Os agricultores costumavam
desenvolver diferentes culturas a cada ano, alternando-as de modo que o
equilíbrio do solo fosse preservado.
Essa prática agrícola mudou drasticamente a partir da segunda metade
do século XX, quando os agricultores passaram dos produtos orgânicos para
os sintéticos que oportunizaram uma abertura globalizada de mercados para as
indústrias químicas. Nas palavras de Dorst (1973, p.171).

A revolução agrícola esboçada durante o século passado


determinou rapidamente modificações profundas.
Simultaneamente, o homem descobria a riqueza das vastas
extensões herbáceas de que se apodera pacífica ou
violentamente; aperfeiçoando o maquinário agrícola, lançou-se
à prática de culturas em escala industrial, abandonando o
velho artesanato camponês, fruto de longos séculos de
aperfeiçoamento e de tradições, mas que ele considerava inútil
ou ultrapassado.

O uso maciço de fertilizantes e agrotóxicos propiciou mudanças em toda


uma tecnologia voltada para a agricultura. A indústria “avançou” sobre o campo
com a idéia de mais lucro por meio do cultivo de uma única cultura altamente
lucrativa e o controle de espécies-praga com produtos químicos. Esse foi o
resultado da globalização, proposta pelos países do Norte.
Não resta dúvida de que o Brasil como um país em desenvolvimento e
que se fundamenta numa economia primária foi, de certa forma, absorvido pela
globalização. A cadeia produtiva primária foi, aos poucos, sendo globalizada
por oligopólios internacionais. O modelo agrícola brasileiro praticado, até então,
464

de forma “artesanal” ou “doméstica” passou a adotar um modelo tecnicista


transnacionalizado. Neste momento é importante salientar o que comenta
Veiga (2003, p. 200) sobre a questão em pauta, quando apropriadamente
relata que:
infelizmente essas conturbadas evoluções milenares dos
modos de produção primária ainda são muito pouco
conhecidas. Principalmente porque não fazem parte de
currículos universitários, mesmo das melhores escolas de
agronomia. E isso se deve essencialmente ao relativo atraso
do conhecimento científico sobre os chamados “sistemas
agrários.

Os resultados advindos de cultivos monoculturados seqüenciais


provocou a perda de variedade genética (erosão genética) que, em
conseqüência, trouxe altos riscos de grandes áreas de terras cultivadas serem
destruídas por uma única praga. As monoculturas também afetaram a saúde
das pessoas que vivem nestas áreas agrícolas, pois não tiveram mais acesso a
diversidade de alimentos, nem tampouco de obter uma dieta balanceada
através de alimentos cultivados nas imediações. Estas populações tornaram-se
propensas a enfermidades, por falta de vitaminas no organismo para ativar o
sistema imunológico (CAPRA, 1982).
Além da inovação com os produtos químicos para controle das pragas e
ervas daninhas, a lavoura tornou-se, também, mecanizada e passou a
consumir excessivamente energia e liberar demasiada mão-de-obra do campo
e disso decorrem inúmeros impactos ambientais, econômicos e sociais.
Se o monocultivo praticado de forma extensiva e com espécies exóticas
torna-se um processo extremamente agressivo a biodiversidade, na contra mão
veio o SPD trazendo um conjunto de vantagens beneficiando, de forma
inconteste os agro-ecossistemas. Nesta linha de raciocínio aponta-se para
algumas, das muitas, vantagens obtidas pela adoção desta técnica.
Segundo Dorst (1973),

A agricultura moderna transformou-se em indústria,


esquecendo, assim que depende de fenômenos biológicos
regidos por leis rigorosas e universais, às quais o homem não
pode fugir. Até mesmo a matéria-prima principal, o solo,
funciona como um ser vivo, sujeito a modificações em grande
465

parte incontroláveis. As grandes catástrofes que devastaram e


continuam devastando o mundo atual resultam desse
equívoco. A fome dos homens não se saciará com a violação
da terra. (p.179).

Registre-se que tais procedimentos foram viabilizados porque se


ignorava, até então, que os problemas ambientais globais, ora em constituição,
refletir-se-iam no tempo futuro. Neste contexto analítico podem-se pontuar,
ancorado pelo pensamento de Romeiro (2003, p. 24) quando afirma que: “[...]
existem limites absolutos à expansão da punção exercida pela espécie humana
sobre os recursos naturais do planeta, expresso pela noção de “capacidade de
carga”. Esses limites não são, entretanto, conhecidos e nunca poderão sê-lo de
modo preciso, por mais que a ciência avance o que exige a adoção de uma
postura de precaução. É incontestável, no entanto, que a globalização foi um
marco que determinou mudanças sociais, econômicas, culturais e políticas
porque se passou da adoção da idéia dos fisiocratas de séculos passados em
que havia a sustentação de que o elo divisor das fronteiras de produção estaria
restrito tão somente à agricultura, para novas idéias materializadas em sentido
global e holístico (YOUNG, 2003).
Este novo “estilo” de agricultura (agricultura de precisão/industrial)
favoreceu as megas empresas agrícolas e as indústrias multinacionais de
produtos químicos e mudou o “papel” dos agricultores. Sobre este novo “papel”
dos agricultores Capra (1982, p. 247) assim escreve: “de agricultores de
alimentos comestíveis, que se orgulhavam de alimentar os povos do mundo, os
agricultores converteram-se em produtores de matérias-primas industriais a
serem transformadas em mercadorias destinadas à comercialização em
massa”.
Assim, a soja é convertida em óleo, alimento para cachorros ou
concentrados de proteínas; o milho é convertido em amido ou xarope; a farinha
de trigo é convertida em massas ou misturas empacotadas, o feijão é enlatado.
Em função disso, para o consumidor o vínculo desses produtos com a terra
quase desapareceu. Nessa mesma vertente Capra (1982, p. 248) alerta que
“os efeitos a longo prazo da excessiva ‘quimioterapia’ na agricultura provaram
466

ser desastrosos para a saúde do solo e das pessoas, para as relações sociais
e para todo o ecossistema do planeta”.
Porto-Gonçalves (2004) alerta para soluções paliativas e, por vezes, até
mascaradas vindas do complexo oligárquico agroquímico, entre estas,
campanhas publicitárias e novos conceitos que mitigam o efeito psicológico
para o uso excessivo e predominante de agrotóxicos. Tomemos por exemplo
as empresas de agroquímicos chamadas, conforme seus critérios de
“defensivos agrícolas” o que legalmente são os agrotóxicos. O uso da palavra
defensivo procura inverter o significado. Assim, aquele que é acusado de
agressor do meio ambiente procura ser visto como defensor. Neste aspecto, a
ecotoxicologia também pode repensar o seu papel diante de uma nova
concepção de vida para a Terra. A ecotoxicologia estuda os efeitos causados
pelos agentes físicos, químicos e biológicos sobre organismos vivos,
particularmente, sobre populações e comunidade em seus ecossistemas.
Estudos toxicológicos são utilizados para detectar e avaliar a capacidade
inerente do agente tóxico em produzir efeitos deletérios nos organismos vivos e
objetivam permitir a avaliação ambiental de substâncias nocivas ao ambiente,
como por exemplo, agrotóxicos, preservativos de madeira, produtos biológicos,
dispersantes químicos, organismos geneticamente modificados. Por
conseguinte, combater os insetos, combater as ervas daninhas, combater as
doenças, implica, necessariamente, numa visão que há de se matar o inimigo
e, para isso, é preciso usar inseticidas, herbicidas e fungicidas entre outros
produtos que matam e, sabemos, não só os insetos, fungos, ervas daninhas,
mas também, pessoas, plantas, peixes, enfim o conjunto de elementos que
constituem o meio ambiente global.
Porto-Gonçalves (2004) comenta que combater ou matar é parte de uma
lógica técnico-produtiva que se funda na idéia de dominar, e mais numa
relação contra a natureza do que numa relação com a natureza. Neste
contexto, a ecotoxicologia surge como forma de estudar os efeitos causados
pelos produtos da indústria agroquímica e, possivelmente, indicar formas de
amenizar os efeitos e por sua vez, ratificando a visão fragmentada de ver e
estudar a vida no Planeta.
467

Repensar a ecotoxicologia no sentido de refletir sobre seu papel nessa


complicada equação, que combine a dimensão ecológica com a acumulação
de capital, não é tarefa fácil nem imediata. Repensar o pensamento e
reconstruir toda uma bagagem de conceitos e de verdades, bem como as
mudanças de paradigmas tem sido um processo lento, porém constante, no
contexto das ciências.
Camargo (2005) escreve sobre a perplexidade dos cientistas, nas
primeiras décadas do século XX, ao se depararem com o movimento quântico
do elétron: o movimento circular perfeito esperado foi substituído por um
elétron que fugia à previsibilidade não apenas em sua trajetória, mas também
em sua aparência e forma. Isso rompeu com toda a lógica conhecida até então.
A incerteza desse movimento trouxe às ciências a possibilidade de uma nova
visão e a superação do conceito clássico determinístico, em que, pela
concepção positivista e newtoniana, a ordem é a norma. Introduzir a incerteza
significou complexizar o pensamento e romper com velhas ordens e
paradigmas.
Da mesma maneira, repensar a ecotoxicologia e perceber a
mutabilidade não linear que envolve os sistemas agrícolas, é fugir de alguns
conceitos e reconstruir novas verdades, complexas, abrangendo os
mecanismos de conhecimento da totalidade, ou seja, a visão integrada do
espaço geográfico.

4 A GEOGRAFIA DOS INSUMOS


As estatísticas recentes acusam uma diminuição importante do uso de
insumos de capital como fertilizantes, herbicidas, inseticidas, praguicidas, na
Europa, nos Estados Unidos e no Canadá. Entretanto, a lógica moderno-
colonial manifesta-se nesse caso com toda força, na medida em que o uso
desses insumos se expande no mundo como um todo, sobretudo nos países
pobres, como assinala o Relatório do Pnuma (GEO 3, 2002, p. 63).
A diminuição do uso desses insumos nos países hegemônicos do atual
padrão de poder mundial e seu uso ampliado na América latina, África e Ásia
revelam, também, um limite das respostas às críticas que teimam em
468

permanecer prisioneiras da mesma racionalidade econômica mercantil que


comanda o atual modelo econômico. E neste aspecto é fácil detectar o
paradoxo: como pedir às empresas do setor agroquímico que contribuam para
a diminuição do uso do produto que fabricam? Além disso, as empresas do
setor agroquímico têm suas sedes, em sua quase totalidade, nos países
europeus, nos Estados Unidos e no Canadá e, assim, essa geografia desigual
do uso desses insumos no mundo revela o modo desigual como se valorizam
os lugares, as regiões, os países e seus povos e suas culturas. Há, portanto,
uma mesma lógica moderno-colonial que vem comandando o processo de
globalização desde 1400. Há, também desde então, uma injustiça ambiental
comandado pela geopolítica mundial. Até mesmo as grandes fábricas de
agroquímicos vem se transferindo para os países em desenvolvimento,
aproveitando leis ambientais frágeis ou até inexistentes e de fácil corrupção
para manipular interesses e, assim, manter a lógica técnico-produtiva que se
materializa na idéia de dominar a natureza.
A organização do espaço geográfico torna-se, dessa forma, o elo entre a
sociedade e sua dinâmica ambiental. Os países centrais comandam o processo
tecnológico e produtivo e definem as formas e as maneiras de como a natureza
é inserida no contexto da economia globalizada. Conseqüentemente, a
evolução ecológica funciona atrelada a esse grande mosaico de diferentes
lugares. O lugar é, assim, muito mais do que uma área geográfica, passando a
constituir-se em um objeto de reprodução do capital. Como o modelo técnico
iguala-se pelo globo, as respostas ambientais planetárias também reproduzem
as características negativas desse modo de produção, e na construção de uma
nova totalidade podem-se formar relações desarmônicas com os antigos
padrões de organização.
O atual padrão ecológico planetário é então, uma conseqüência direta
da evolução conjunta que a sociedade possui, dinamizando o seu ambiente e a
si mesmo. Desse modo, repensar cada subsistema ou região geográfica e suas
possibilidades é dinamizar a cultura e sua relação com o meio ambiente,
fazendo de cada lugar um elo com a vida e o seu futuro.
469

5 CONSIDERAÇÕES ARTICULADAS
O desafio ambiental coloca-se além das fragmentações geográficas,
histórias, políticas e econômicas, na medida em que implica uma verdadeira
renovação cultural. Caso contrário, sob o signo da incerteza se marchará
incontinente para o apocalipse ambiental, caso não haja um tropeço na
“história futura” do meio ambiente.
Resume a idéia de que há limites para a relação da humanidade com a
natureza e sugere que só poderá ocorrer melhoria, nessa relação, se houver a
efetivação da tutela jurisdicional ambiental.
Ademais, considerando que, a vida, tanto a do homem como a da Terra
só terá continuidade se, a sociedade, como um todo, tomar consciência da
forma desastrosa como está sendo proposto e conduzido o desenvolvimento
econômico na área da produção primária, quando para produzir
necessariamente se reduz a diversidade biológica, provocando
conseqüentemente a depredação dos vetores ambientais.
Nesse contexto, sustentado na teoria de Gaia, se propõe uma profunda
reflexão de caráter filosófico para o significado da vida numa visão holística.
Reafirma-se, porém que a Teoria de Gaia não evita ou suprime o desafio, pelo
contrário, certamente ajudará a revelá-lo e, por vezes, mesmo a ultrapassá-lo.

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472

ANÁLISE DE RISCO QUALITATIVA DE CEMITÉRIOS DA PALHOÇA (SC)

EMANUELE BONFANTI BEZERRA 1

1 INTRODUÇÃO
O sepultamento ou enterramento dos corpos humanos parece remontar
a 100 mil anos antes da nossa era. A partir dos 10 mil a.C., as sepulturas são
agrupadas e, assim, aparecem os primeiros cemitérios com túmulos individuais
e sepulturas coletivas.
Os cemitérios nada mais são do que depósito de corpos humanos, que
necessitam de uma destinação correta, pois a degradação dos mesmos pode
se constituir em focos de contaminação. A decomposição dos corpos depende
das características físicas do solo onde o cemitério está implantando ou será
implantado.
O crescimento populacional tem gerado a necessidade de construção de
mais cemitérios, sendo que existem locais totalmente inadequados utilizados
como tal finalidade. Devido à falta de planejamento e metodologia adequada,
cemitérios que se situavam em locais distantes das cidades, hoje fazem parte
dela, propiciando o aparecimento de áreas de risco potencial ao meio
ambiente.
No Brasil, quase sempre, a implantação dos cemitérios tem sido feita em
terrenos de baixo valor imobiliário, não garantindo condições geológicas,
hidrogeológicas e geotécnicas adequadas. Este cenário poderá propiciar a
ocorrência de impactos ambientais (alterações físicas, químicas e biológicas do
meio onde está implantado o cemitério) e fenômenos conservadores como a
saponificação.
A localização e operação de necrópoles em meios urbanos podem
provocar a contaminação dos mananciais. Podendo tornar-se fonte geradora

1
emanuelebb@hotmail.com Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL. Graduanda de
Engenharia Ambiental
473

de impactos ambientais. Os impactos são mais freqüentes nos cemitérios


públicos, os quais, em geral, são implantados e operados de forma negligente.
Recentemente entrou em vigor uma legislação federal sobre as
condições mínimas necessárias para o licenciamento ambiental de cemitérios
no Brasil, a Resolução 335 de 3 de abril de 2003 do Conselho Nacional do
Meio Ambiente (CONAMA), buscando evitar, mitigar e alertar para os
problemas advindos das necrópoles. Ainda existem muitas dúvidas, no entanto,
sobre o impacto efetivo deste serviço sobre o ambiente, o risco para a
população vizinha e as restrições e cuidados que podem ser exigidos para o
controle.
Este assunto tem gerado controvérsias não só no Brasil, mas em vários
outros países. Uma peculiaridade dos cemitérios em relação a outras
atividades urbanas potencialmente impactantes é que o sepultamento tem
conotações culturais e religiosas diversas que deve ser respeitadas,
dificultando a adoção de um padrão único por parte dos órgãos
governamentais.
Vários são os problemas que ocorrem quando um cemitério encontra-se
mal localizado.
O corpo humano, em sua constituição apresenta cerca de 65% de água
com relação ao peso. Com a decomposição dos corpos há a geração dos
chamados cadavéricos, gasosos e líquidos. Os primeiros que surgem são os
gasosos, seguindo-se dos líquidos.
Os efluentes líquidos chamados de necrochorume, que são líquidos
mais viscosos que a água, de cor acinzentada a acastanhada, com cheiro acre
e fétido, constituído por 60% de água, 30% de sais minerais e 10% de
substâncias orgânicas degradáveis, dentre os quais, duas diaminas muito
tóxicas que é constituída pela Putrescina (1,4-Butanodiamina) e a Cadaverina
(1,5-Pentanodiamina), dois venenos potentes para os quais não se dispõem de
antídotos eficientes.
Em determinadas condições geológicas, o necrochorume atinge o lençol
freático praticamente íntegro, com suas cargas químicas e microbiológicas,
desencadeando a sua contaminação e poluição. Os vetores assim introduzidos
474

no âmbito do lençol freático, graças ao seu escoamento, podem ser


disseminados nos entornos imediato e mediato dos cemitérios, podendo atingir
grandes distâncias, caso as condições hidrogeológicas assim o permitam.
Os organismos suscetíveis de transmitir doenças pela água são o
Clostridium (tétano, gangrena gasosa, toxi-infecção alimentar), Mycobacterium
(tuberculose), enterobactérias como a Salmonella (febre tifóide), Shigella
(disenteria bacilar) e o víruas da hepatite A, sendo que os indicadores de
contaminação mais usualmente utilizados são os coliformes, principalmente do
grupo dos coliformes fecais ou termotolerantes e os estreptococos.
Outra característica que se evidencia é a carência de dados de
monitoramento em quantidade e diversidade suficientes para uma análise mais
conclusiva, o que alimenta a polêmica sobre as restrições impostas pela
legislação ao setor.
Esta pesquisa visa contribuir para a discussão do impacto potencial dos
cemitérios no município da Palhoça (SC), alertando para a influência que a falta
de planejamento pode ter sobre este impacto em áreas urbanas. Para este
estudo será adotada a abordagem da Análise de Risco Ambiental. Segundo
esta abordagem, para que ocorra o risco de impacto, são imprescindíveis que
estejam presentes os três fatores intervenientes: a fonte da contaminação, o
alvo e os caminhos que podem levar a contaminação até o alvo. Na ausência
de qualquer um destes fatores, considera-se que não há risco.

2 DESENVOLVIMENTO
A análise dos riscos envolve metodologias de caráter qualitativo a fim de
identificar potenciais riscos à saúde e o meio ambiente devido à geração de
necrochorume dos cemitérios da Palhoça. Devido ao caráter exploratório do
trabalho, a análise consiste na realização de visitas exploratórias, realizar
entrevistas pré-estruturadas, registrar potenciais fontes de riscos por meio de
fotografias e filmagens, realizarem levantamentos de dados geológicos,
hidrogeológicas e geotécnicas da área dos cemitérios, elaborarem mapa de
risco ambiental para a região e recomendar medidas de redução ou eliminação
dos riscos observados.
475

Os cemitérios objeto de estudo estão localizados na Palhoça são os


seguintes:
• Cemitério Bom Jesus do Nazaré (Municipal) – Rua Prefeito Reinoldo
Alves – Passa Vinte (Figura1);
• Cemitério Barra do Aririú – Rua Menino Deus – Barra do Aririú
(Figura 2);
• Cemitério da Enseada – Rua Nossa Senhora do Rosário – Enseada
do Brito (Figura 3);
• Cemitério da Passagem do Maciambú – Rua Panorama – Passagem
do Maciambú (Figura 4).

Pode-se verificar nas figuras abaixo que os cemitérios da Palhoça estão


localizados numa área urbana o qual pode impactar o entorno, este é um dos
alvos do nosso estudo.

Figura 1: Vista aérea do cemitério Figura 2: Vista aérea do cemitério


Municipal Bom Jesus do Nazaré. da Barra do Aririú.
Fonte: Google Earth Fonte: Google Earth
476

Figura 3: Vista aérea do cemitério da Figura 4: Vista aérea do cemitério da


Enseada do Brito. Passagem do Maciambú.
Fonte: Google Earth Fonte: Google Earth
477

Para uma melhor análise de risco dos cemitérios estudados, foi


elaborado um “Roteiro de Avaliação de Cemitérios” a fim de obter dados
estratégicos sobre o estado ambiental de cada cemitério (Tabela 1).
O roteiro foi respondido pela funcionária pública Andréia C. Schmitt do
setor de obras da prefeitura de Palhoça e os coveiros responsáveis de cada
cemitério, onde as perguntas e respostas foram iguais para os quatro
cemitérios do município.

Roteiro de Avaliação dos Cemitérios da Palhoça

1. Nome do cemitério:
2. Localização:
3. Zoneamento conforme Plano Diretor:
4. Data de fundação:
5. Área do cemitério:
6. Número de túmulos:
7. Licença Ambiental:
8. Aprovação da autoridade de saúde:
9. Estudo topográfico, planialtimétrico e hidrogeológico:
10. Estudo demonstrativo do nível máximo do aqüífero freático:
11. Sondagem mecânica para caracterização do subsolo:
12. Distância entre a área de fundo das sepulturas e o nível do lençol
freático:
13. Drenagem e tratamento adequado de eventuais efluentes gasosos:
14. Drenagem dos percolados (necrochorume):
15. Recuo entre a área de sepultamento e o perímetro do cemitério (respeitar
a distância de 5m de afastamento):
16. Distância dos corpos d’água (córregos e mananciais de abastecimento):
17. Aspectos construtivos dos túmulos (horizontal/tradicional
vertical/gavetas):
a) Material utilizado na construção dos túmulos:
478

b) Como é feita a vedação (impedimento de vazamento do necrochorume):


c) Dimensões dos túmulos:

2 Estudo de Implantação de Cemitérios: Avaliação de Impacto

18. Perímetro do cemitério:


a) Vizinhança próxima:
b) Cercamento:
19. Resíduos sólidos resultantes de atividades humanas:
20. Destino dos resíduos resultantes das exumações:
21. Instalações do cemitério (sanitários...):
22. Área de arborização e ajardinamento (no mínimo 20% da área total):
23. Conservação dos vasos ornamentais:
24. Capela de Velório:
25. Ossuário:
Tabela 1: Roteiro de Avaliação de Cemitérios

Cerca de 80% das perguntas não obteve respostas, devido à má


administração dos locais pelo órgão responsável e pessoas despreparadas
nomeadas de coveiros.
Não existem registros da inauguração dos cemitérios, número de
túmulos ou cadáveres, padrão de sepulturas, instalações necessárias (capela,
ossuário, sanitários, etc), licença ambiental, aprovação da autoridade de saúde
e estudos topográficos.
Após revisão bibliográfica, reconhecimento dos locais dos cemitérios e
suas problemáticas, pode-se ter uma idéia dos riscos à saúde e ao meio
ambiente que há devido à geração de necrochorume dos cemitérios da
Palhoça, através da avaliação quantitativa realizada.
Com a ajuda do Centro de Geoprocessamento da Unisul, juntamente
com o aluno Johnny Rafael Lang, foi possível obter imagens satélites dos
quatro cemitérios estudados; levando em conta a data de cada local nem
sempre atualizado. As áreas, distâncias e número de túmulos apresentados
479

são valores aproximados e estimados utilizados para obter-se uma noção


próxima da real, já que não há registros oficiais.
1° Cemitério Municipal Bom Jesus do Nazaré (Foto 1): a imagem coletada
corresponde ao dia 9 de janeiro de 2009 onde constatamos uma área do
cemitério de 43.700 m² com uma distância do mar de aproximadamente 2,200
km. Levando em consideração a área de 1 (um) túmulo de 1,98 m² (0,90 x
2,20) e a distância entre eles de 20 cm, é possível chegar a um cálculo com
relação a área no número de 18.058 túmulos existentes no cemitério. O corpo
de um adulto de médio porte libera 40 litros de necrochorume durante os 2
(dois) primeiros anos após sepultamento; com base neste valor, a quantidade
de túmulos e considerando 1 (uma) pessoa por sepultura chegamos a 722.320
litros de necrochurme liberado desde a existência do cemitério. O cemitério
municipal em local plano e encontra-se lotado atualmente onde há muitos
mausoléus que abrigam muitas vezes mais 2 (dois) cadáveres. Estes dados
devem ser relevantes para o estudo.
2° Cemitério da Barra do Aririú (Foto 2): a imagem coletada corresponde ao
dia 14 de maio de 2006 onde constatamos uma área do cemitério de 4.950 m²
com uma distância do mar de aproximadamente 70 metros. Levando em
consideração a área de 1 (um) túmulo de 1,98 m² (0,90 x 2,20) e a distância
entre eles de 20 cm, é possível chegar a um cálculo com relação a área no
número de 2.045 túmulos existentes no cemitério. O corpo de um adulto de
médio porte libera 40 litros de necrochorume durante os 2 (dois) primeiros anos
após sepultamento; com base neste valor, a quantidade de túmulos e
considerando 1 (uma) pessoa por sepultura chegamos a 81.800 litros de
necrochurme liberado desde a existência do cemitério. Na foto observa-se uma
área considerável sem ocupação e também com muitas sepulturas além de
tradicionais (horizontal) são individuais. Cemitério localizado acima do nível do
mar. Dados relevantes ao cálculo acima.
3° Cemitério da Enseada do Brito (Foto 3): a imagem coletada corresponde
ao dia 14 de maio de 2006 onde constatamos uma área do cemitério de 3.890
m² com uma distância do mar de aproximadamente 330 metros. Levando em
consideração a área de 1 (um) túmulo de 1,98 m² (0,90 x 2,20) e a distância
480

entre eles de 20 cm, é possível chegar a um cálculo com relação a área no


número de 1.607 túmulos existentes no cemitério. O corpo de um adulto de
médio porte libera 40 litros de necrochorume durante os 2 (dois) primeiros anos
após sepultamento; com base neste valor, a quantidade de túmulos e
considerando 1 (uma) pessoa por sepultura chegamos a 64.280 litros de
necrochurme liberado desde a existência do cemitério. O local do cemitério
está em uma área inclinada, com a direção de seus líquidos ao mar, há
sepulturas tradicionais (horizontal) e individuais. Dados mais próximos ao real
cálculo acima.
4° Cemitério da Passagem do Maciambú (Foto 4): a imagem coletada
corresponde ao dia 14 de maio de 2006 onde constatamos uma área do
cemitério de 2.400 m² com uma distância do mar de aproximadamente 500
metros. Levando em consideração a área de 1 (um) túmulo de 1,98 m² (0,90 x
2,20) e a distância entre eles de 20 cm, é possível chegar a um cálculo com
relação a área no número de 992 túmulos existentes no cemitério. O corpo de
um adulto de médio porte libera 40 litros de necrochorume durante os 2 (dois)
primeiros anos após sepultamento; com base neste valor, a quantidade de
túmulos e considerando 1 (uma) pessoa por sepultura chegamos a 39.680 litros
de necrochurme liberado desde a existência do cemitério. Localizado m área
plana próxima ao nível do mar, onde há problemas de alagamento no período
de chuvas. Constam sepulturas tradicionais (horizontal) e individuais. Dados
mais próximos ao real cálculo acima.
Todos os valores apresentados foram estimados, para que se pudesse
ter a noção da problemática.
Os cálculos podem variar dependendo do número de túmulos,
cadáveres por túmulo, área exata, dimensão das sepulturas, distância entre
elas, etc. Até o momento não há registros reais destes dados junto ao órgão
responsável.
A partir dos dados, é possível providenciar medidas para corrigir e evitar
os riscos por vazamento de necrochorume existente.
481

3 CONCLUSÕES ARTICULADAS
No final deste projeto se desejou contribuir com a construção de um
documento que devesse constar de um mapa de risco para a região do entrono
dos cemitérios. Este documento deve conter a síntese dos dados coletados
durante as visitas exploratórias, a análise das respostas obtidas nas entrevistas
pré-estruturadas, registro fotográfico e filmagens, e o levantamento de dados
geológicos, hidrogeológicas e geotécnicas da área dos cemitérios junto aos
órgãos responsáveis pelos cemitérios (prefeitura e/ou particular). Porém não foi
obtido com sucesso devido à falta de muitos dados importantes para compor o
trabalho.
Seria possível obter tais dados faltantes, no caso do projeto ter mais
tempo para pesquisa, pois neste caso o estudo teve durabilidade de apenas 9
meses.
O documento visava compor de sugestões as quais podem servir para
tomada de decisões no sentido de iniciativas para minimizar os impactos e
riscos que o necrochorume pode vir a causar a população e o meio ambiente
em curto ou em longo prazo.
Com o pouco de informações coletadas, pode-se sugerir que se inicia
uma organização responsável da administração dos cemitérios. Pessoas
qualificadas no assunto que possam passar a frente um plano de trabalho de
recuperação e manutenção dos cemitérios.
Sugere uma padronização dos túmulos a fim de vedá-lo dificultando a
infiltração do necrochorume; junto ao órgão da saúde, regularizar as
instalações sanitárias dos cemitérios, tais como coleta e tratamento dos
líquidos e gases cadavéricos; e para novos cemitérios indica-se um estudo
prévio do local com dados topográficos, geológicos, hidrogeológicas e
geotécnicas além dos itens acima.
Já existe no mercado um produto feito de polietileno a base de celulose
e gel em formato de manta utilizada para forrar o caixão antes do depósito do
cadáver impedindo a infiltração do necrochorume absorvendo todo o líquido. O
produto não é biodegradável, garantindo sua resistência por bastante tempo,
onde pode ser descartado em lixo hospitalar.
482

Este produto é comercializado em mais de 15 cidades (entre RS, SC, PR


e SP), é oferecido pelas funerárias ou em alguns lugares, sendo
obrigatoriedade pelas prefeituras.
Em 18 de novembro de 2008 foi publicada uma nova Resolução do
CONAMA (402/2008) revogando a 368/2003 onde se define:

Art. 11. Os órgãos estaduais e municipais de meio ambiente


deverão estabelecer até dezembro de 2010 critérios para
adequação dos cemitérios existentes em abril de 2003.
Art. 12. O Plano de Encerramento das atividades deverá
constar do processo de licenciamento ambiental, nele
incluindo medidas de recuperação da área atingida e
indenização de possíveis vítimas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CONAMA. Resolição n° 335, de 3 de abril de 2003, Conselho Nacional do Meio


Ambientel.

CONAMA. Resolição n° 368, de 29 de março de 2006, Conselho Nacional do


Meio Ambientel.

CONAMA. Resolição n° 402, de 18 de novembro de 2008, Conselho Nacional


do Meio Ambientel.

CETESB. Norma n°.L1.040: Implantação de Cemitérios. São Paulo, 1999;

BARBOSA, M, Cláudi. Impacto Ambiental dos Cemitérios Horizontais e sua


Relação com o Controle Sanitário nas Áreas Urbanas. (Pesquisa) Programa de
Engenharia Civil, Universidade Federal do Rio de Janeiro – RJ, 2007.

PACHECO,A. Os cemitérios e o meio. 1986

MARTINS,M.T. Qualidade bacteriológica de águas subterrâneasem cemitério.


(Artigo) Ver. Saúde públi., São Paulo (SP), 1991.

SILVA, V.T.da. Um Olhar Sobre as Necrópoles e seus Impactos Ambientais.


(ARTIGO). Faculdade Estadual de Ciências e Letras de Campo Mourão, PR,
2006.

ROMANÓ, E.N.L. Cemitérios: Passivo Ambiental Medidas Preventivas e


Mitigadoras. (ARTIGO). Instituto Ambiental do Paraná, Ponta Grossa (PR).
483

FELICIONI, F; ANDRADE,F.F.A; BORTOLOZZO, N. A Ameaça dos Mortos. 1°


ed; Jundiaí (SP), 2007.

Público – Ecosfera. Já temos caixões que não matam o meio ambiente.


Citação de referências e documentos eletrônicos. Disponível em:
<http://ecosfera.publico.clix.pt/noticia.aspx?id=1326606>. Acesso em Maio de
2008.

SILVA, M.A. A influência dos Cemitérios no Meio Ambiente. I fórum SIMCEPAR


“Cemitérios – Impacto Ambiental”. Curitiba, 1999.

SILVA, M.A. Cremação: método alternativo para a disposição de cadáveres.


São Paulo: Universidade São Judas Tadeu, 1999.

SILVA,M.A. Cemitérios: fonte potencial de contaminação do aqüíferos livres.


Revista Saneamento Ambiental, São Paulo, n° 71, 2000.

TRIBUNA CATARINENSE. Projeto para evitar contaminação dos lençóis


freáticos pelos cemitérios. Edição n° 843 de 23/08/2005. Citação de
referências e documentos eletrônicos. Disponível em: <
http://www.jornaltribuna.com.br/geral.php?id_materia=6049>. Acesso em Maio
de 2008.
484

EXTRAFISCALIDADE TRIBUTÁRIA COMO INSTRUMENTO DE


PROTEÇÃO AMBIENTAL

ERIKA ARAÚJO DA CUNHA PEGADO 1


LÍLIA SILVA LUZ 2

1 INTRODUÇÃO
A estrutura do sistema econômico vigente, assentada na ultrapassada
idéia da infinitude dos recursos naturais, gerou, pode-se dizer assim, um
estágio em que, ou há uma mudança de postura por parte daqueles que dos
recursos naturais usufruem/dependem, ou a espécie humana estará à mercê
de uma insegurança, seja provocada por mudanças climáticas, seja originida
por disputas políticas cujas causas sejam os bens naturais.
Assim, cumpre observar o Direito Ambiental como o instrumento
balizador desse clima de incerteza, isto é, as normas ambientais tentam
colocar o homem dentro dos limites suportados pelo meio ambiente sadio, os
quais não se traduzem, de forma alguma, em abandono às práticas
econômicas de que o homem necessita para a sua sobrevivência, mas, de
outra sorte, em compatibilização dessas atividades à capacidade suportada
pela natureza, de forma a assegurar o desenvolvimento sustentável, por meio
da prevenção, que é o seu objetivo maior.
Na elaboração deste trabalho, utilizou-se como metodologia a revisão
bibliográfica dos autores especializados nas áreas do Direito Tributário, Direito
Econômico e do Direito Ambiental, bem como daqueles que já propõem o

1
Mestre em Engenharia de Produção pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (2004),
professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN) e
coordenadora da especialização em licenciamento ambiental on shore do Programa de Mobilização da
Indústria Nacional e do Petróleo – PROMINP e IFRN (erika@cefetrn.br).
2
Tecnóloga em Gestão Ambiental pelo IFRN (2009) e estudante de direito da Universidade Federal do
Rio Grande do Norte (lilisluz@gmail.com).
485

entrelaçamento dos ramos científicos, isto é, o Direito Tributário Ambiental e o


Direito Ambiental Econômico.

2 MEIO AMBIENTE COMO DIREITO FUNDAMENTAL


Na concepção constitucional vigente, o meio ambiente está inserido no
Título VIII - “Da ordem social”, no Capítulo VI – “Do meio ambiente”, sendo,
pois, alçado à condição de direito fundamental.
Direitos fundamentais, no dizer de Antônio Herman Benjamim (2005, p.
380), “[...] são aqueles protegidos pela Constituição ou por tratados
internacionais, assegurando ao indivíduo ou a grupos de indivíduos uma
garantia subjetiva ou pessoal”.
Segundo o mesmo autor, muitas são as implicações desta escalada por
que passou o meio ambiente. Entre elas estão “a formulação de um princípio
da primariedade do ambiente”, o que quer dizer que este não pode, sob
qualquer alegação, ser tratado de forma inferiorizada; e a “aplicação direta”,
isto é, a norma constitucional ambiental não pode ser considerada
programática, de aplicação futura, até que seja regulamentada em lei ordinária,
como ocorre com outras matérias, e, neste caso, a regulamentação futura
apenas endossará a sua “exeqüibilidade” (BENJAMIM, 2005).
Ademais, segundo Silva (2008), os direitos fundamentais têm em si as
características da “historicidade”, da “inalienabilidade”, da “imprescritibilidade” e
da “irrenunciabilidade” como marcantes de sua natureza.
Ainda, Silva (2008) afirma que os direitos fundamentais podem ser
classificados, segundo a vigente Lei Maior brasileira, em cinco grupos, os quais
são “direitos individuais (art. 5º)”; “direitos à nacionalidade (art. 12)”; “direitos
políticos (arts. 14 a 17)”; “direitos sociais (arts. 6º e 193 e ss.)”; “direitos
coletivos (art. 5º)” e, por fim, “direitos solidários (arts. 3º e 225)”.
Assim, enquanto direito fundamental, o meio ambiente é classificado
como um “direito solidário”, e de “terceira geração”, por estar inserido dentro do
rol dos novos direitos, dentre os quais se encontram o direito à paz, o direito ao
desenvolvimento, o direito à comunicação e o direito ao patrimônio comum da
humanidade (SILVA, 2008).
486

3 DIREITO AMBIENTAL CONSTITUCIONAL PÓS-1988


Apesar de recente, o tratamento constitucional dado pela Constituição
brasileira ao meio ambiente é louvável e a presença, na Constituição Pátria,
dos “fundamentos comuns às normas constitucionais ambientais” de vários
países, tais como, no dizer de Benjamim (2005): “compreensão holística do
meio ambiente”; “devido processo ambiental”; “compromisso ético de não
empobrecer a Terra e a sua biodiversidade”; “sustentabilidade” e, por fim,
“preocupação com a implementação” das normas ambientais – não
programaticidade das normas de direitos fundamentais.
Na interessante assertiva de Benjamin (2005, p. 359, grifo nosso), “[...]
saímos do estágio de miserabilidade ecológica constitucional, própria das
Constituições liberais anteriores, para um outro, que, de modo adequado, pode
ser apelidado de opulência ecológica constitucional”. Vale, a esse respeito,
a transcrição do comentário de Rodrigues (2002):

mais que isso, a CF/88 ocupou as lacunas e espaços


existentes nos elementos materiais de conteúdo geral de
proteção ao meio ambiente; formulou princípios fundamentais
do entorno e ratificou, agora com índole constitucional, alguns
institutos basilares do direito ambiental, tais como a
responsabilidade civil objetiva, a responsabilidade penal da
pessoa jurídica, o princípio da solidariedade, a visão
ecocêntrica e holística do meio ambiente, o EIA/RIMA, (sic) etc
(RODRIGUES, 2002, p. 109).

4 ATUAÇÃO ESTATAL NA ECONOMIA


O momento de crise por que passa a economia mundial, a qual está
fundada em sua maioria no modelo capitalista de cunho liberal, mostra a
necessidade premente da atuação do Estado.
Acerca do modo constitucional atual de atuação do Estado Brasileiro na
economia, pondera José Afonso da Silva (2008, p. 786): “a atuação do Estado,
assim, não é nada menos do que uma tentativa de pôr ordem na vida
econômica e social, de arrumar a desordem que provinha do liberalismo”.
Eros Grau (2007) faz fundamental diferenciação entre “intervenção” e
“atuação”. Segundo ele, a atuação diz respeito a qualquer ato do Estado dentro
487

da seara pública (atividade econômica em sentido amplo); a intervenção, por


sua vez, requer como pressuposto a transposição dos limites do espaço
público. Assim, quando o Estado intervém, necessariamente o faz dentro do
setor privado (atuação estatal em sentido estrito), e essa intervenção se dá
mais comumente na economia. Feita essa diferenciação, cumpre afirmar que o
tema deste trabalho diz respeito à intervenção estatal, quando o Estado atua
como regulador das forças econômicas, através do tributo, que ele pode forçar
determinadas condutas ambientalmente desejáveis.

5 A DEFESA DO MEIO AMBIENTE COMO PRINCÍPIO DA ORDEM


ECONÔMICA
Profundamente atrelado ao conceito de desenvolvimento sustentável, o
princípio da defesa do meio ambiente, da forma como está inserido na
Constituição, dentro da Ordem Econômica, preconiza uma grande mudança na
postura constitucional, que se espraia para o âmbito empresarial, diante do
meio ambiente. Da visão utilitarista, passa-se, através de arroubo ambiental da
Carta Magna – a chamada “opulência constitucional” (BENJAMIN, 2005) -, à
visão ecologista, a partir da qual o meio ambiente não é compreendido
isoladamente, longe dos processos econômicos, mas como um pressuposto
para que estes se realizem.
E não é só isso, já que esse princípio orienta a formulação de Políticas
Públicas Ambientais por parte do Estado, conforme enuncia Derani (2008):

a elaboração de políticas visando ao desenvolvimento


econômico sustentável, razoavelmente garantido das crises
cíclicas, está diretamente relacionada à manutenção do fator
natureza da produção (defesa do meio ambiente), na mesma
razão da proteção do fator capital (ordem econômica fundada
na livre iniciativa) e da manutenção do fator trabalho (ordem
econômica fundada na valorização do trabalho humano).
(DERANI, 2008, p. 228).

6 O TRIBUTO: CONCEITO, ESPÉCIES E FUNÇÕES


O tributo, segundo o Código Tributário Nacional (CTN), precisa ser
compulsório, expresso em moeda, não sancionador de ato ilícito, instituído em
488

lei e cobrado por atividade administrativa lastreada pela lei. Para este trabalho,
relevante é a discussão do seu aspecto não sancionador de ato ilícito, já que,
por vezes, o tributo ambiental é considerado sanção para os poluidores, o que
não pode ser verdade, até pela natureza do princípio do poluidor-pagador, a
qual será elucidada a seguir.
Quando se fala que a base da tributação ambiental reside no princípio
do poluidor-pagador, e na sua variante chamada usuário-pagador
(RODRIGUES, 2002), pensa-se de pronto na sanção por ato ilícito, tornando
tênue a linha diferenciadora entre multa e tributação ecológica. Mas, no
entanto, há que se ter em consideração, no dizer de Machado (2005), que

o princípio do usuário-pagador não é uma punição, pois


mesmo não existindo qualquer ilicitude no comportamento do
pagador ele pode ser implementado. Assim, para tornar
obrigatório o pagamento pelo uso do recurso ou pela sua
poluição, não há necessidade de ser provado que os usuários
estão cometendo faltas ou infrações (MACHADO, 2005, p. 60).

E mesmo que elas, as infrações ambientais, consubstanciadas no dano


ambiental, tenham ocorrido, isso não impede que se venha a cobrar o tributo
pelo uso do recurso natural. Saliente-se que, neste caso, não se trata de
escolher o ilícito como fato jurídico a ser tributado (NUNES, 2005), já que o fato
gerador do tributo não é o dano ambiental, no caso dos tributos ecológicos,
mas, de outra sorte, o “simples” uso do recurso, que culminou no dano.
Exemplificando: se uma empresa A, licitamente, utiliza o rio Doce, que
abastece determinada cidade, como corpo receptor para despejo de seus
efluentes e causa, por um despejo descontrolado não previsto por ela, um dano
ambiental àquele manancial, isso não impede que venha o tributo a incidir
sobre o uso que se fazia do rio, isto é, como corpo receptor de seus efluentes,
os quais eram normalmente tratados de modo a atender aos padrões
normativos e, por um erro de cálculo, ficaram acima dos padrões. A despeito
da cobrança pelo uso do rio como depósito de efluentes, também será cobrada
a multa pela, aí sim, transgressão – ilícito ambiental – ao meio ambiente, sendo
aquela cobrada pelo órgão ambiental competente para tal. Se o tributo tivesse
como fato gerador, nesse caso, o dano ambiental, portanto, aí sim o tributo
489

adquiriria a função de sanção, o que não é permitido pelo artigo 3º do CTN. O


que o tributo pode fazer, nesses casos, é forçar o dono da hipotética empresa a
diminuir a quantidade dos efluentes despejados no rio Doce.
Quanto aos instrumentos de política pública ambiental, segundo
Barbieri (2004), eles podem ser de três tipos: comando e controle; econômico e
outros. Dentre os instrumentos econômicos, o mesmo autor aponta como
exemplos o “sistema de depósito-retorno”, a “criação e a sustentação de
mercados de produtos ambientalmente saudáveis”, bem como “o poder de
compra do Estado”. Os instrumentos fiscais de que se trata neste trabalho são
enquadrados no tipo econômico, já que afetam diretamente o comportamento
dos agentes econômicos mediante a cobrança de tributos.
Pela experiência, tem-se demonstrado que os instrumentos econômicos,
especialmente os fiscais, são os mais eficazes no sentido da preservação
ambiental que se almeja (Barbieri, 2004). Neste sentido, esse autor aponta que
o imposto cuja cobrança é motivada pelas externalidades é chamado “imposto
pigouviano”, exatamente porque estes, ao comporem os “custos marginais
sociais”, segundo a ótica de Cecil Pigou, eram necessários à recuperação do
ponto ótimo de funcionamento do mercado, já que minavam o desequilíbrio
causado pela não cobrança de custos reais da produção. Como reitera Nunes
(2005, p. 91), “[...] o tributo, assim, passa a ser utilizado como instrumento de
cobrança de responsabilidades sociais e veículo condutor do interesse público
à justiça social”.
Partindo-se da assertiva de Nunes (2005, p. 142), quando diz que “[...] a
classificação não se presta para dizer o que é, mas como o que é se apresenta
no mundo”, proceder-se-á à classificação dos tributos, a qual pode ser feita
mediante o uso de várias teorias, muito embora aqui, para efeito de
objetividade, será mencionada aquela que adota as cinco espécies tributárias,
seguindo a lição de Machado (2002) a saber: impostos, taxas, contribuições de
melhoria, contribuições sociais e empréstimos compulsórios, sendo estes
últimos alvo de intensas discussões doutrinárias e, por este motivo, aqui não
serão tratados.
490

No que diz respeito às funções, o tributo pode ter função fiscal,


parafiscal e extrafiscal. A função fiscal é a mais perceptível e consiste na
arrecadação de recursos financeiros para que o Estado desempenhe suas
funções vitais; a função parafiscal diz respeito à arrecadação para a realização
de atividades não propriamente estatais, mas que são desenvolvidas por ele
através de entidades paraestatais; a função extrafiscal, a que mais interessa
neste trabalho, diz respeito ao uso do tributo com a função de estimular ou
desestimular determinados comportamentos na economia; trata-se, este último,
da regulação da economia por meios não propriamente impositivos, mas, de
outra sorte, incitativos, até porque, se fosse utilizada a imposição, a não
obediência configuraria ato ilícito, o que não diz respeito à seara tributária.

7 A FUNÇÃO EXTRAFISCAL COMO INSTRUMENTO DE PROTEÇÃO


AMBIENTAL
Segundo Shmlders (1962, apud MACHADO, 2003), a função extrafiscal
do tributo tem sido utilizada desde a Antigüidade, quando, por ocasião do
segundo Império Persa, a produção de vinho era tributada oito vezes mais do
que a de trigo. Fica claro, assim, que essa função do tributo não é nova, muito
embora a sua teorização não seja antiga (MACHADO, 2003).
Nunes (2005) aponta a chegada do Estado fiscal social, por volta da
segunda metade do século XX, como o marco inicial da verdadeira
preocupação com o uso da tributação com finalidade extrafiscal, isto é, utilizar
o tributo não somente com fins arrecadatórios, mas também com o objetivo de
estimular ou desestimular determinadas condutas desejáveis ou indesejáveis,
respectivamente. Neste momento, pode-se dizer que houve efetivamente o
entrelaçamento entre a norma tributária e o meio ambiente, aquela agindo
como protetor desta.
A extrafiscalidade surge, então, com a “queda” do Estado liberal, nos fins
da Segunda Guerra Mundial, e surgimento do pensamento keynesiano
(MACHADO, 2003), em que ao Estado é delegado o papel de suprir as
deficiências não cobertas pelos investimentos privados.
491

As medidas indutoras de comportamento, então, podem ser de estímulo


ou de desestímulo, conforme pontua Yoshida (2005, apud ENZWEILER, 2007,
p. 399): “[...] as medidas de desestímulo cumprem uma função
predominantemente de conservação social, enquanto as medidas de estímulo,
função predominantemente de mudança social.” Vê-se, assim, o que para
alguns parecia impensável, como o entrelaçamento da ordem tributária e do
meio ambiente, é possível e até mesmo mais eficaz do que os métodos
tradicionais, com resultados assegurados.
A extrafiscalidade consiste, portanto, em utilizar o tributo com finalidade
diversa da arrecadatória. Seu objetivo não é aparelhar o Estado, mas, de outra
sorte, induzir determinados comportamentos que lhes são convenientes e
interessantes para a consecução de seus ideais, os quais se encontram
traçados na sua Carta Política.
Não se trata, pois, de sanção de ilícito, mas de estímulo, de
incitatividade, isto é, uma forma não impositiva de que o Estado dispõe para
estimular ou acabar por forçar determinadas posturas que lhes são mais
interessantes do que outras. Segundo Cleucio Nunes, a função extrafiscal
tributária consiste de “[...] uma forma de revolução social por meio do Direito,
porquanto a intenção é obrigar ao pagamento de tributos para mudar os
modos-de-ser da sociedade, de modo que se encontre na somatória final mais
igualdade” (NUNES, 2005, p. 105).
Na verdade, no que diz respeito às questões ambientais, tem-se
observado que é muito mais eficiente o estímulo, através dos mecanismos
tributários, do que a penalização de determinadas condutas, pois o sujeito
passivo é estimulado constantemente a melhorar, a progredir, isto é, a
intensificar suas medidas de racionalização do uso dos recursos naturais
(inputs), bem como de produção de efluentes (outputs) da produção, no caso
da gradativa concessão de benefícios fiscais conforme o nível de poluição.
Além, a excessiva penalização feriria a subsidiariedade do direito penal, na
medida em que existiriam outros instrumentos que serviriam muito bem a esses
fins, os quais seriam desperdiçados, em prol da utilização dos mecanismos
penais.
492

No dizer de Nunes (2005):

no caso do meio ambiente, a imposição de tributos com


finalidade extrafiscal exerce um papel pedagógico
importantíssimo na mudança de comportamento dos
indivíduos, efeito que dificilmente a imposição de tipos penais
ou a reparação do dano cível são capazes de alcançar sem
graves perturbações na ordem social. (NUNES, 2005, p. 106)

Apesar de tantos fatores favoráveis à extrafiscalidade, o Sistema


Tributário Brasileiro manifesta clara tendência à fiscalidade, sendo poucas as
previsões extrafiscais dentro da Constituição, bem como no CTN. Na falta de
expressa previsão legal, cumpre notar que retirar a obrigação do atendimento
aos princípios da legalidade estrita e da anterioridade de alguns impostos é
revesti-los claramente de extrafiscalidade, pois torna a aplicação desses
tributos movida pela justificativa da regulação econômica. Ademais, na ação de
tributar está acoplada a ação de intervir. São esses motivos, portanto, que
tornam verdadeira a assertiva de “[...] que é inerente ao sistema de tributação a
adoção de medidas extrafiscais, independentemente de previsão expressa da
Constituição” (NUNES, 2005, p. 109).
A extrafiscalidade é, portanto, instrumento vital porque não paralisa o
sujeito econômico, não fixa um padrão, mas pode mudá-lo a qualquer instante -
respeitada a segurança jurídica do cidadão e, portanto, obedecendo a certos
critérios - e ainda oferece bonificação para aquele que assume posição
proativa, o que alguns chamam de “sanção premial”. Dessa maneira, premia
aquele que age por si e onera progressivamente aquele que permanece na
inércia.

8 OS TRIBUTOS EXTRAFISCAIS AMBIENTAIS: CONCEITO, ESPÉCIES E


FUNÇÕES
Tributos ambientais são aqueles cuja finalidade é promover um “meio
ambiente ecologicamente equilibrado”, seja tendo suas receitas vinculadas
diretamente à criação de fundos ecológicos, seja estimulando condutas
ambientalmente corretas.
493

Segundo Soares (2002), existem duas espécies de tributos ambientais,


os quais se diferenciam pelo elemento teleológico, sendo de uma espécie os
que têm finalidade extrafiscal e os de outra os que têm finalidade arrecadatória.
Define, ainda, a mesma autora os primeiros como impostos ambientais em
sentido próprio e os segundos como em sentido impróprio, sendo aqueles
inseridos “numa linha de prevenção (do dano ambiental)” e estes numa linha de
recuperação do equilíbrio ecológico (SOARES, 2002).
Na verdade, percebe-se que, quando a autora portuguesa explicitou a
função dos “impostos ambientais” em sentido impróprio, que é a vinculação de
suas receitas à criação de um fundo ecológico, destinado exclusivamente à
reparação do dano ambiental, ela mencionou o termo “impostos” em sentido
genérico, dando-lhes, na verdade, feição de “tributo”, pois sabe-se que aqueles
não podem ter suas receitas vinculadas, de acordo com a Constituição Federal
Brasileira.
Assevera Soares (2002):

entende-se, assim, por imposto ambiental todo o tributo que é


aplicado a bens que provocam poluição quando são
produzidos, consumidos ou eliminados ou a actividades que
geram um impacte ambiental negativo, visando modificar o
preço relativo daqueles ou os custos associados a estas e/ou
obter receita para financiar programas de protecção ou de
recuperação do equilíbrio ecológico. (SOARES, 2002, p. 12).

O que Soares (2002) definiu como impostos em sentido próprio e em


impróprio, Peralta Montero (2008) definiu como sendo tributos com “finalidade
extrafiscal” e com “efeitos extrafiscais”, respectivamente.
Costa (1998, apud ENZWILER, 2007), ao falar sobre tributação
ambiental, define-a como a aplicação de instrumentos tributários que propiciam
a geração de recursos necessários à prestação de serviços públicos de
natureza ambiental, e servem como orientação para o comportamento dos
contribuintes, no sentido de fazer com que estes protejam o meio ambiente.
Partindo desse conceito, é possível inferir, em decorrência do estudo da
tributação ecológica, três objetivos para este ramo do direito: econômico,
político e jurídico.
494

O objetivo econômico consistiria em “atribuir um preço ao que


anteriormente não tinha” (SOARES, 2002, p. 10), isto é, internalizar a
externalidade causada pelo uso do bem ambiental no processo produtivo,
atribuindo um preço a esse bem, que foi incorporado sem qualquer ônus, e que
gerou um lucro não compartilhado com os “donos” desse insumo, dos quais foi
tirada a oportunidade de desfrutar deste integralmente; ademais, o uso do bem
ambiental como fossa de rejeitos também gera ônus aos “donos” do recurso; o
objetivo político do tributo ecológico, por sua vez, é equalizar as condições
entre produtor e sociedade, na medida em que, a partir do uso de um bem
“essencial à sadia qualidade de vida”, aquele retira para si o seu lucro,
extraindo elementos qualificadores da vida, tão necessária a todos. Este
objetivo, portanto, realiza a justiça e a prevenção da desigualdade qualitativa,
já que incentiva o produtor a não utilizar irracionalmente os recursos vitais. O
objetivo jurídico, por fim, consiste em induzir a práticas ecologicamente
saudáveis, o que se traduz em fortalecer a condição de direito fundamental de
que é dotado o meio ambiente.
Assim, com relação aos tributos extrafiscais ambientais, cumpre
observar como eles podem ser utilizados pelo Poder Público de maneira eficaz,
conforme assertiva abaixo, que relata algumas das conclusões da Conferência
ECO-92:
a criação de tributos ambientais teria que respeitar os critérios:
i) eficiência no plano da prevenção aos danos ambientais e
exploração desequilibrada dos recursos naturais; ii) eficiência
do ponto de vista econômico, isto é, possuírem baixo custo; iii)
empreender poucos recursos administrativos para sua
apuração; e iv) não repercutirem negativamente no comércio
interno e externo. (NUNES, 2005, p. 145).

Quanto à vocação ecológica – “impostos” nos sentidos próprio e


impróprio – das espécies tributárias, é interessante notar que, das cinco
espécies existentes - impostos, taxas, contribuições de melhoria, contribuições
sociais e empréstimos compulsórios, as que têm maior tendência à proteção
ambiental são os impostos, as contribuições sociais e as taxas, não impedindo,
evidentemente, que as outras modalidades tributárias sejam usadas em prol da
causa ambiental.
495

Quanto à taxa, é visível que possui forte poder de estimular o uso


racional dos recursos naturais, principalmente por ter como fato gerador a
utilização efetiva ou potencial de determinados serviços públicos ou o exercício
regular do poder de polícia. Segundo Gusmão (2006, p. 15), “é por meio do
poder de polícia que o Estado estabelece limites à utilização do meio ambiente,
em prol da própria coletividade, com o escopo de evitar agressões
ambientais.”. Assim, utilizar taxas ambientais cujo fato gerador seja a produção
de resíduos acima de determinado valor poderia ser uma grande alternativa
para resolver o problema do acúmulo de lixo nas grandes cidades,
principalmente nestes tempos de especulação imobiliária, em que faltam
terrenos nos grandes centros para armazenamento dessa massa de resíduos
produzida diariamente.
As contribuições sociais, cujo fato gerador pode ser de qualquer
natureza, já que a finalidade e a compulsoriedade é que as traduzem, podem,
também, ser utilizadas em matéria ambiental, especialmente quando incidem
sobre o uso de recursos naturais e quando suas receitas são carreadas para a
formação de um fundo ecológico nacional. Não obstante não possuírem caráter
preventivo, podem gerar, por outro lado, a intervenção do Estado sobre a
atividade econômica como instrumento de política pública ambiental (NUNES,
2005). Ainda segundo Nunes (2005), elas seriam a espécie mais adequada
para a tributação verde, já que teriam a função de corrigir das externalidades
negativas e efetivar o princípio do poluidor-pagador (PPP).
Os impostos, na experiência brasileira, têm sido a modalidade de tributo
mais utilizada para proteção ambiental. Eles têm como característica
diferenciadora em relação às demais espécies a não vinculação de suas
receitas, o que fortalece a idéia da sua vocação extrafiscal, configurando-se,
portanto, como impostos ambientais em sentido próprio, classificação esta
mencionada no início deste tópico.
Nesse sentido, apesar de se atribuir às contribuições sociais o melhor
encaixe na tributação ecológica, percebe-se que a espécie mais alinhada ao
objetivo maior do direito ambiental, que é a prevenção, é o imposto, já que ele
estimula o produtor a inserir práticas tanto corretoras como preventivas na sua
496

cadeia produtiva. Ademais, ele faz com que o agente econômico seja
verdadeiramente induzido a melhorar sempre, já que o imposto, como não
possui sua receita vinculada, pode, a qualquer momento, respeitado o princípio
da legalidade estrita, ser suspenso ou ter sua alíquota minorada, o que
configuraria um ganho significativo para o sujeito passivo, tanto para a sua
imagem corporativa, quanto em termos de concorrência financeira. Ele é,
portanto, mais maleável, em termos de utilização com finalidade extrafiscal, do
que todas as outras modalidades, as quais atuam em momento específico e
determinado (contribuições de melhoria), possuem caráter corretivo
(contribuições sociais), além de se vincularem a um serviço público específico
(taxas). Atribui-se ao imposto, assim, a caracterização do tributo extrafiscal por
excelência, porque previne atitudes poluidoras, que é o objetivo do direito
ambiental.

9 CONCLUSÃO
Pelo exposto, verifica-se que aumentar a função arrecadatória dos
tributos não é o melhor caminho para promover a indução de comportamentos
desejáveis, principalmente em matéria de meio ambiente, mas, de outra sorte,
devem-se utilizar os instrumentos fiscais já existentes, ecológicos por natureza
ou não, através da função extrafiscal que deles pode ser extraída, com vistas à
consecução do direito ao desenvolvimento sustentável; o aparente conflito
“ecologia versus economia” há muito já foi superado pela noção real, gerada
pela experiência histórica, de que ambas as matérias se complementam, se
entrecruzam, com esta primando por aquela, porquanto a base da economia é
indubitavelmente ecológica. Essa superação, no direito brasileiro, está muito
bem demarcada quando da elevação da defesa do meio ambiente ao posto de
princípio da ordem econômica nacional.
A revolução social que poderá ocorrer por meio do tributo, cujos
resultados se evidenciam pela conscientização ambiental de todos os que
desfrutam/dependem do meio ambiente, não pode prescindir, portanto, da
extrafiscalidade tributária como um de seus principais instrumentos, mudando,
497

assim, “os modos de ser da sociedade, de modo que se encontre na somatória


final mais igualdade”, no dizer de Nunes (2005).

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498

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SOARES, Cláudia Dias. O imposto ambiental: direito fiscal do ambiente.


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499

A REPARAÇÃO DO DANO AMBIENTAL COMO COMPORTAMENTO


PÓS-DELITIVO POSITIVO

ÉRIKA MENDES DE CARVALHO 1

1 INTRODUÇÃO
A existência de um delito encontra-se condicionada à constatação de
uma conduta humana típica, antijurídica e culpável. O respeito aos direitos e
garantias fundamentais do homem impõe, em um Estado de Direito
democrático e social, a vinculação da lei penal às ações ou omissões regidas
pela vontade e orientadas à lesão ou perigo de lesão de bens jurídicos
essenciais. Além de atuar como um elemento de ligação entre as várias
categorias delitivas e de permitir a intervenção do Direito Penal quando viola as
regras de convívio social anteriormente fixadas, o comportamento humano
também desempenha um importante papel após o aperfeiçoamento da conduta
delitiva. Noutro dizer: além de motivar a atuação do Direito Penal através da
imposição de uma conseqüência jurídico-penal, o comportamento humano,
quando posterior ao delito, enseja ainda importantes conseqüências, a saber: a
atenuação, a diminuição da pena ou mesmo sua isenção total quando
presentes determinados requisitos.
O Código Penal brasileiro e a legislação penal extravagante consignam
várias hipóteses de atenuação e isenção de pena, estabelecidas em função da
realização de um comportamento pós-delitivo pelo sujeito ativo do delito. Esse
comportamento pós-delitivo penalmente relevante pode ocorrer antes ou
depois da consumação delitiva. São exemplos da primeira hipótese a
desistência voluntária e o arrependimento eficaz (art.15, CP), e da segunda,
diversos dispositivos previstos pelo legislador com fins de atenuação (art.65, III,
b, d, CP) ou isenção de pena (v.g. arts.143, 342, § 2º, CP, entre outros). Alguns
desses preceitos têm aplicação irrestrita a todos os delitos do Código Penal e
1
Doutora em Direito Penal pela Universidad de Zaragoza (Espanha). Professora Adjunta de Direito Penal
na Universidade Estadual de Maringá; erikamendes@terra.es.
500

da legislação especial, enquanto outros têm seu âmbito de atuação circunscrito


a certos delitos.
A investigação que aqui se realiza tem como objeto de estudo o
comportamento posterior à execução do fato delitivo – ainda que este não
tenha alcançado a consumação - merecedor de uma valoração positiva em
razão de sua utilidade para a vítima ou para a Administração de Justiça. Nessa
perspectiva, confere-se especial atenção à análise do conteúdo e fundamento
dos comportamentos posteriores à consumação delitiva ou à realização do
injusto da tentativa (acabada ou inacabada). Perfilha-se, portanto, uma noção
de comportamento pós-delitivo positivo em sentido amplo, que engloba a
conduta realizada pelo sujeito após os atos executórios com independência da
configuração plena da consumação do delito. A desistência voluntária e o
arrependimento eficaz figuram, nesse sentido, como formas de comportamento
posterior que se verificam depois do aperfeiçoamento do injusto da tentativa e,
por essa razão, não escapam ao objeto de estudo da presente investigação.
Entretanto, ademais dessas hipóteses de comportamento pós-delitivo
positivo constantes da Parte Geral do Código Penal e aplicáveis, por
conseguinte, aos tipos penais da legislação especial, opta-se aqui por um
estudo mais aprofundado de algumas das causas de atenuação ou isenção de
pena pelo comportamento pós-delitivo positivo que têm sua esfera de atuação
limitada aos delitos ambientais. Esse é o caso das atenuantes específicas
previstas no artigo 14, incisos II, III e IV, da Lei 9.605/98 (Lei dos Crimes
Ambientais) e da causa de isenção de pena constante do artigo 28, I, do
referido estatuto. A delimitação do objeto de estudo se justifica em virtude da
diversidade das causas específicas de isenção e atenuação de pena pelo
comportamento pós-delitivo e da escassez de estudos jurídico-penais dirigidos
a um exame exaustivo de tão importantes circunstâncias. 2
Na atualidade, a previsão de causas de supressão ou liberação total ou
parcial de pena em função da realização de um comportamento pós-delitivo

2
Sobre a reparação extrapenal do dano, vide, por exemplo, as obras fundamentais de LEITE, José
Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo, extrapatrimonial. São Paulo: RT, 2000;
BESALÚ PARKINSON, Aurora V. S. Responsabilidad por daño ambiental. Buenos Aires:
Hammurabi/Depalma, 2005; e PIGRAU SOLÉ, Antoni (Coord.). Nuevas perspectivas de la
responsabilidad por daños al medio ambiente. Madrid: Ministerio del Medio Ambiente, 2006.
501

positivo é feita freqüentemente com apoio em razões de ordem pragmática ou


utilitária, e nem sempre significa um menoscabo ou eliminação das exigências
de prevenção geral e/ou especial. Nesse contexto, torna-se preocupante a
consagração de causas de isenção ou atenuação de pena desconectadas dos
fins preventivos e orientadas unicamente à satisfação de interesses
oportunistas, o que evidencia a opção por um Direito Penal de caráter premial.
É oportuno observar que a previsão de hipóteses de atenuação ou supressão
de pena pelo comportamento pós-delitivo deve encontrar respaldo nos
princípios penais de garantia, pois o contrário poderia redundar em grave
prejuízo para o equilíbrio do sistema, sobretudo se através desse procedimento
são satisfeitos interesses puramente arbitrários e incongruentes com os fins da
sanção penal. De conseguinte, a busca de alternativas político-criminais à
aplicação integral da pena deverá ser efetuada de modo a assegurar um
exercício racional do ius puniendi estatal e a garantir a proteção de bens
jurídicos fundamentais, como é o caso do meio ambiente.

2 O COMPORTAMENTO PÓS-DELITIVO POSITIVO: ALCANCE E


SIGNIFICADO
Precisar os exatos contornos do comportamento pós-delitivo pressupõe,
de início, a elucidação de alguns conceitos relativos à teoria geral da
punibilidade. É usual a classificação doutrinária das escusas absolutórias em
sentido amplo em anteriores ou preexistentes e em posteriores ou
supervenientes à realização da conduta delitiva 3. Esse critério classificatório é
essencialmente de cunho cronológico, já que enquanto as primeiras antecedem
a prática da conduta típica, ilícita e culpável, as últimas a sucedem no tempo.
Nessa perspectiva, as escusas absolutórias preexistentes seriam determinadas
circunstâncias estabelecidas de antemão pela lei e que, portanto, seriam
preexistentes à realização da conduta delituosa; as escusas denominadas
posteriores, são circunstâncias que o legislador avalia ulteriormente, após o
injusto culpável.

3
Cf. CARVALHO, Érika Mendes de. Punibilidade e delito. São Paulo: RT, 2008, p.70 ss.
502

Um importante setor da doutrina alemã qualifica as escusas absolutórias


preexistentes como causas pessoais de exclusão de pena
(Strafausschließungsgründe), enquanto as escusas absolutórias posteriores
recebem a denominação de causas de supressão de pena
(Strafaufhebungsgründe) 4. Aquelas são circunstâncias legalmente previstas,
cuja existência produz desde um primeiro momento a impunidade, já que
antecedem o momento da prática do delito. Estas últimas apresentam-se
apenas após a comissão do fato delituoso, suprimindo de modo retroativo a
punibilidade já fundamentada. As causas de supressão da pena são hipóteses
de comportamento pós-delitivo positivo que anulam a punibilidade inicial.
Seriam, recorrendo à terminologia tradicional, escusas absolutórias posteriores.
Com relação ao conteúdo dessas circunstâncias eximentes, cumpre assinalar
que pressupõem um determinado comportamento – necessariamente positivo –
por parte do autor ou do partícipe. Esse comportamento geralmente consistirá
na reparação voluntária dos efeitos delitivos ou na colaboração igualmente livre
com a Administração de Justiça.
De fato, é possível vislumbrar três traços fundamentais que caracterizam
o comportamento pós-delitivo positivo que são, em síntese: a posterioridade, a
voluntariedade e o seu conteúdo positivo. Com efeito, o comportamento pós-
delitivo sucede a execução do fato delitivo, ainda que o delito não tenha
alcançado a consumação 5. Isto é, não é indispensável a consumação do delito
para a configuração do comportamento pós-delitivo, posto que é perfeitamente
admissível que ocorra após a realização do injusto da tentativa. É justamente o
que acontece com a desistência voluntária e o arrependimento eficaz (art.15,
CP), que têm lugar após o início de execução do comportamento delituoso,
mas se desenvolvem antes da consumação. O importante é que, embora

4
Vide JESCHECK, H-H. Tratado de Derecho Penal, PG, trad. José Luis Manzanares Samaniego.
Granada: Comares, 1993, p.500 ss.; ROXIN, Claus. Derecho Penal, PG, t. I, Fundamentos. La estructura
de la teoría del delito, trad. Diego-Manuel Luzón Peña, Miguel Díaz y García Conlledo e Javier de
Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 1997, § 23, nº 4, p.971-972; MAURACH/ZIPF, Derecho Penal. t. I.
Buenos Aires: Astrea 1994, § 35, V, p.594 ss.; WESSELS, J. Derecho Penal. Buenos Aires: Depalma,
1980, p.142-143.
5
Cf. DE VICENTE REMESAL, Javier, El comportamiento postdelictivo. León: Universidad de León,
1985, p.55; FARALDO CABANA, Patrícia, Las causas de levantamiento de la pena. Valencia: Tirant lo
Blanch, 2000, p.26 ss..
503

formalmente anteriores à consumação, tanto a desistência voluntária como o


arrependimento eficaz são, em termos materiais, posteriores à configuração do
injusto da tentativa.
Desse modo, o limite temporal mínimo para a realização do
comportamento pós-delitivo reside no aperfeiçoamento do injusto da tentativa,
enquanto o limite máximo pode ser extraído do exame circunstanciado dos
preceitos concretos encontrados na Parte Especial do Código Penal ou nas leis
extravagantes. Esse modo de proceder se justifica porque os tipos penais
costumam estabelecer determinados limites cronológicos – explícitos ou
implícitos (v.g. art.14, III, Lei 9.605/98) - dentro dos quais é possível a
atenuação ou a supressão da pena. Esgotado o limite temporal fixado pela
figura delitiva, o comportamento pós-delitivo deixa de apresentar eficácia
atenuante ou supressora de pena. Entretanto, esses limites temporais máximos
não são uniformes, e a sua exata determinação depende do exame dos tipos
penais que consagram essas eximentes.
O limite temporal máximo para a realização do comportamento posterior
positivo conecta-se ao segundo traço característico desse tipo de eximente, a
saber, a voluntariedade. Para que o sujeito ativo se beneficie da atenuação ou
supressão da pena exige-se que tenha atuado voluntariamente, isto é, faz-se
necessário que tenha agido livremente. Segundo um setor da doutrina, a
aferição da ausência de interferência externa deve ser feita de modo normativo,
isto é, para a constatação da voluntariedade é suficiente o respeito aos limites
cronológicos normativamente impostos de modo implícito (art.14, III, Lei
9.605/98) ou explícito (v.g. art.16, CP). Isso significa que não se exigiria uma
mudança da atitude interna do sujeito, mas apenas a realização do
comportamento posterior positivo dentro dos marcos cronológicos impostos
pelo legislador. No entanto, com freqüência o próprio legislador fixa como
requisito para a apreciação do comportamento pós-delitivo a sua realização
espontânea (art. 14, II, Lei 9.605/98), o que demonstra que a simples
obediência aos limites temporais implícitos não é o bastante para o que sujeito
se beneficie da supressão total ou parcial da pena.
504

Por derradeiro, a apreciação do comportamento posterior voluntário


encontra-se vinculada ao seu conteúdo positivo. Noutro dizer, a conduta que
provoca a atenuação ou a supressão da pena aplicável deve apresentar um
sentido positivo, o que geralmente pode ser observado quando há a reparação
ou diminuição das conseqüências do delito ou a colaboração com a
Administração da Justiça (v. g. art.14, II e IV, Lei 9.605/98). A supressão ou a
atenuação da pena pode exigir a completa reparação das conseqüências do
fato delituoso ou tão-somente sua diminuição (v. g. arts.14, II, e 28, I, Lei
9.605/98). Tanto a efetiva restituição ou indenização (art.15, CP, e 28, I, Lei
9.605/98), por exemplo, como a confissão do fato (art.65, III, d, CP, e 14, III, Lei
9.605/98) ou o esforço sério e firme no sentido de reparar as conseqüências da
infração (art.14, II, in fine, e IV, Lei 9.605/98) – desde que consubstanciado na
concreta reparação, total ou parcial, dos danos ocasionados – podem produzir,
conforme o caso, a supressão ou a atenuação da pena. É desnecessário que a
confissão leve, por exemplo, ao efetivo esclarecimento do delito perpetrado,
que conduza à captura dos eventuais partícipes ou co-autores ou mesmo que
evite a produção da lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado (v. g.
art.14, III, Lei 9.605/98). De modo geral, é bastante, para a produção da
atenuação da pena, que o sujeito tenha levado ao conhecimento das
autoridades os fatos ocorridos, ainda que a sua confissão não tenha
contribuído decisivamente com a atividade da Administração de Justiça.
O certo é que a exclusão da punibilidade pelo comportamento posterior,
positivo e voluntário tem seu âmbito de aplicação restrito ao sujeito que o
realiza, não afetando os demais intervenientes que não tenham colaborado, de
forma voluntária, com a realização da conduta positiva pós-delitiva.
Dentro das causas de supressão de pena é possível distinguir entre
aquelas que provocam a total isenção da pena e aquelas que conduzem
unicamente à atenuação da pena imposta. As primeiras podem ser
denominadas causas de supressão de pena e as segundas, causas de
supressão parcial de pena. Aquelas englobam, na Parte Geral, a desistência
voluntária e o arrependimento eficaz na tentativa, além de várias hipóteses
concretas previstas na Parte Especial do Código Penal (v. g. arts.143, 312, §
505

3º, 1ª parte, 342, § 2º, e 249, § 2º, CP) ou em leis especiais (v. g. arts.28, I, Lei
9.605/98, e 9º, § 2º, Lei 10.684/03). Por outro lado, figuram como causas de
suspensão parcial da pena, na Parte Geral do Código Penal brasileiro, as
circunstâncias atenuantes genéricas constantes do artigo 65, III, b e d. Na
Parte Especial do Código Penal, destaca-se a previsão constante do artigo
312, § 3º, 2ª parte e, na legislação especial, merece particular atenção o
disposto no artigo 14, II, III e IV, da Lei 9.605/98.
Todas as escusas absolutórias – anteriores ou posteriores – apresentam
um caráter pessoal, dado que a eventual extensão aos demais co-autores ou
partícipes da isenção de pena dependerá de que também reúnam as
características pessoais exigidas pelo preceito em questão – no caso das
causas de exclusão de pena – ou de que realizem pessoalmente um
determinado comportamento pós-delitivo positivo – no caso das causas de
supressão de pena. Daí que tanto nas hipóteses de supressão total de pena
como nos casos de isenção parcial os efeitos benéficos afetarão tão-somente
aqueles que tenham, com o seu comportamento pós-delitivo positivo e
voluntário, realizado a conduta capaz de exonerar a punibilidade delitiva ou
colaborado – direta ou indiretamente – nesse sentido. O próprio fundamento
das circunstâncias em apreço corrobora esse entendimento, visto que as
razões de prevenção geral e especial que freqüentemente abonam a
supressão total ou parcial de pena do sujeito que realizou o comportamento
pós-delitivo positivo não podem se projetar sobre aqueles que não tenham
decidido retornar à legalidade, de modo que cada interveniente “deve
conquistar por si mesmo a supressão de pena, embora, evidentemente, é
imaginável e admissível uma atuação conjunta de todos eles” 6.
Cumpre observar, no entanto, no que concerne à reparação do dano,
que o montante da reparação poderá ser integrado nos custos da atividade
empresarial, o que impede que seus efeitos recaiam diretamente sobre o
sujeito ativo do delito. Entretanto, isso não obsta que a atenuação da pena pela
reparação ou sua supressão tenha efeitos pessoais, isto é, que se aplique
unicamente ao responsável que tenha realizado atos de reparação. A

6
FARALDO CABANA, Patrícia, op.cit., p.192.
506

reparação é uma circunstância de natureza pessoal – e não objetiva –, de


maneira que se são vários os intervenientes, a reparação realizada por um
deles não beneficia necessariamente os demais. Portanto, as causas de
supressão de pena não se distinguem das causas de exclusão de pena em
função da pessoalidade de seus efeitos, visto que tanto umas como outras têm
a extensão dos efeitos atenuantes ou eximentes limitada aos sujeitos nos quais
concorram – no caso das escusas anteriores – ou que realizem o
comportamento pós-delitivo correspondente – no caso das escusas
posteriores.
A extensão dos efeitos atenuantes ou eximentes está condicionada à
anuência do sujeito frente à reparação realizada por terceiro – pessoa física ou
jurídica – ou pelos demais intervenientes, acompanhada da efetiva realização
da reparação ou do ressarcimento dos gastos 7. A realização desses atos,
porém, pode ocorrer sem uma intervenção direta do autor. Isto é, tanto uma
reparação direta – na qual intervenha pessoalmente o sujeito ativo do delito –
como indireta – quando o responsável coloca à disposição da administração
ambiental, por exemplo, os meios econômicos necessários – podem produzir a
atenuação (art.14, II, Lei 9.605/98) ou a supressão (art.28, I, Lei 9.605/98) da
pena. Ocasionalmente, inclusive a própria administração ambiental, através de
seus órgãos, por exemplo, poderá efetuar diretamente a reparação e
posteriormente contatar o sujeito para que proceda ao ressarcimento do dano
ambiental produzido. Daí que a mera intenção de reparar o dano ambiental ou
o esforço infrutífero não devam ser suficientes para a aplicação da atenuação
da pena ou para sua isenção, embora não seja esta a orientação seguida pelo
diploma ambiental. O partícipe não deve, necessariamente, realizar o mesmo
comportamento pós-delitivo do autor para lograr a supressão da pena,
bastando que colabore com este de modo direto ou indireto.

7
Daí que – diversamente do que opina SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. Delitos contra el medio
ambiente. Valencia: Tirant lo Blanch, 1999, p.180-181 – não é possível ‘presumir’ a anuência de todos os
intervenientes, sobretudo porque essa presunção contrariaria um dos fundamentos da atenuação –
concretamente, a satisfação parcial dos fins da pena – e tampouco é possível afirmar que a realização de
uma reparação significativa por um dos intervenientes impediria que os demais pudessem efetuar atos de
reparação, obstaculizando a aplicação da atenuação ou da isenção de pena, posto que sempre poderão
somar seus esforços à reparação alheia, mesmo que seja através da contribuição com o correspondente
valor econômico.
507

3 A REPARAÇÃO DO DANO AMBIENTAL COMO COMPORTAMENTO PÓS-


DELITIVO POSITIVO
Em matéria ambiental, as hipóteses mais relevantes de comportamento
pós-delitivo positivo são as representadas pela desistência voluntária,
arrependimento eficaz, arrependimento posterior, reparação do dano
ambiental, confissão da infração e colaboração com os agentes encarregados
da vigilância e do controle ambiental. A investigação aqui realizada busca
abordar os traços mais significativos da reparação do dano ambiental do ponto
de vista jurídico-penal, delimitando seu alcance, significado, conteúdo e
fundamento.
No que concerne à localização sistemática da circunstância atenuante
de reparação do dano, também há posicionamentos doutrinários divergentes. A
investigação que aqui se realiza assume como premissa que a atenuante de
reparação do dano – seja genérica (art.65, III, b, CP) ou específica (art.14, II,
Lei 9.605/98) – consiste em uma autêntica causa de supressão parcial de
pena. Todavia, ao contrário da desistência voluntária e do arrependimento
eficaz – que, embora anteriores à consumação delitiva, são ulteriores ao
aperfeiçoamento do injusto da tentativa, razão pela qual figuram como escusas
absolutórias posteriores – a reparação do dano é posterior à consumação
delitiva.
Indaga-se se a atenuação da pena pela reparação do dano poderia ser
aplicada também às hipóteses de arrependimento ineficaz, isto é, se a conduta
reparatória capaz de ensejar a atenuação da pena imposta poderia verificar-se
com anterioridade à consumação do delito. A admissibilidade ou não do
reconhecimento da atenuante com anterioridade à consumação do delito está
condicionada ao conteúdo conferido à efetividade da própria reparação. Em
outras palavras, quando se reconhece a tentativa de reparação do dano,
embora não eficaz, como hábil para a configuração da atenuante, então a
reparação do dano será aplicável também nas hipóteses de arrependimento
ineficaz, isto é, em seu âmbito de aplicação se enquadrariam condutas
anteriores à consumação. É o que poderia acontecer com a atenuante
específica constante do artigo 14, II, da Lei 9.605/98, que permite seu
508

reconhecimento ainda que não tenha sido constatada uma reparação completa
e efetiva do dano ambiental causado, mas apenas sua limitação ‘significativa’.
Entretanto, a atenuante genérica do artigo 65, III, b, do Código Penal, exige
que o sujeito efetivamente consiga reparar o dano ou diminuir suas
conseqüências com eficiência, o que significa que seu âmbito de aplicação
estará restrito aos fatos produzidos após a consumação. Em todo caso, a
circunstância atenuante em apreço não se relaciona com o injusto culpável,
visto que a reparação do dano ocorrerá após a configuração daquele. Essa
opinião, porém, não é unânime, já que alguns autores divisam na reparação do
dano uma atenuação da culpabilidade do agente. Desse modo, a atenuante em
questão importaria em uma menor reprovação pessoal da ação típica e
antijurídica, isto é, em uma menor gravidade da culpabilidade, ou pelo menos
em um indício desta. Não obstante, o injusto culpável se realiza plenamente
com a consumação delitiva ou com a configuração do injusto da tentativa, de
forma que a reparação do dano não pode repercutir sobre a magnitude da
culpabilidade ou funcionar como um indício ou presunção de uma menor
culpabilidade.
A reparação do dano é uma circunstância que sucede a consumação do
delito, e quando se exige sua efetividade – e não uma mera tentativa de
reparação – pode-se concluir que sua realização não fundamenta a exclusão
das categorias delitivas. Com efeito, com a consumação delitiva – isto é, com a
plena realização dos elementos objetivos do tipo – encerra-se o iter criminis, e
os juízos posteriores – a antijuridicidade e a culpabilidade – incidirão sobre a
conduta típica já realizada. A reparação do dano ocorre após a configuração
dos elementos essenciais do delito, de modo que não atua sobre nenhum
deles. Para uma parte da doutrina, porém, o fato de que a reparação não possa
se encaixar nessas categorias centrais não elide sua localização na teoria
jurídica do delito. Tudo isso dependeria da concepção sustentada a respeito do
conceito analítico de delito. Assim, quando se considera que o delito consiste
na ação ou omissão típica, antijurídica e culpável, está claro que a reparação
não teria qualquer repercussão na esfera da teoria do delito. Todavia, quando
se sustenta que o delito se configura tão-somente quando aos elementos
509

anteriores acrescenta-se também a punibilidade, como elemento essencial do


conceito de delito, então a reparação poderia ser localizada no âmbito da teoria
jurídica do delito.
Esta última postura é inaceitável. Argumenta-se – sem razão - que a
consumação atuaria como um limite não só formal, mas também material, que
fixaria uma fronteira entre os elementos do delito – entre os quais estaria a
punibilidade – e os comportamentos pós-delitivos positivos. Isto é, a reparação
do dano ocasionado ao ambiente, por exemplo, seria um caso de
comportamento pós-delitivo que, diversamente da desistência voluntária ou do
arrependimento eficaz, não poderia integrar a punibilidade como elemento do
delito, mas sim uma categoria denominada ‘outros pressupostos de pena’
distintos do delito 8, pertencente à teoria da pena. Entretanto, essa proposta
parte de uma premissa totalmente equivocada: o delito estaria constituído
também pela punibilidade. Daí que seria um erro, de acordo com seus
partidários, inserir em um elemento do delito (a punibilidade) circunstâncias que
se perfazem após sua configuração. Todavia, a punibilidade não desempenha
papel algum entre os elementos do delito. É, isto sim, uma categoria acidental,
integrada tanto pelas condições objetivas de punibilidade como pelas escusas
absolutórias em sentido amplo. Estas últimas englobam não apenas as causas
de exclusão de pena, mas também as causas de supressão de pena. Por
conseguinte, não se vislumbra aqui nenhum problema na localização
sistemática conjunta de todos os comportamentos pós-delitivos na categoria da
punibilidade, pois esta é uma categoria posterior à constituição dos elementos
centrais do delito, alheia ao mesmo, e sede adequada das circunstâncias que
condicionam a aplicação da pena por razões político-criminais ou relacionadas
com os fins da pena. Somente a adoção de um conceito amplo de punibilidade,
capaz de abarcar todas hipóteses de comportamento pós-delitivo, permite
conferir unidade às circunstâncias que integram essa categoria.
Em resumo, a reparação não influi na exclusão das categorias do delito.
A conduta reparatória não pode operar como excludente do injusto culpável
porque é uma circunstância completamente alheia a este. De seu fundamento
8
Nesse sentido, vide, por todos, DE VICENTE REMESAL, Javier, op.cit., p.337 ss., 344, 349, 352, e
385-386.
510

– eminentemente político-criminal – se deduz que sua localização sistemática


está na punibilidade, em concreto entre as causas de exclusão da punibilidade
(escusas absolutórias), dado que se parte aqui de uma postura que rechaça
que as categorias do delito se encontrem impregnadas por valorações político-
criminais. A reparação voluntária do dano ambiental ou a diminuição
significativa de seus efeitos é, efetivamente, uma causa de exoneração parcial
da pena, excluindo parcialmente a punibilidade da conduta típica, antijurídica e
culpável com relação ao sujeito que realiza a conduta de cunho reparatório.
A circunstância atenuante genérica (art.65, III, b, CP) e específica
(art.14, II, Lei 9.605/98) de reparação do dano são causas de isenção parcial
de pena, o que não impede que a reparação figure, em algumas oportunidades,
como causa de isenção total de pena, como ocorre no artigo 28, I, da Lei
9.605/98. A causa de isenção de pena prevista no artigo 28, I, da Lei 9.605/98
merece especial atenção. Seu perfil formal é o de uma causa de extinção de
punibilidade, como indica o referido preceito. No entanto, cumpre observar que
a reparação do dano constatada através de laudo técnico não se assemelha às
tradicionais causas extintivas de punibilidade elencadas no artigo 107 do
Código Penal. Na verdade, constata-se que essas últimas produzem como
efeito principal a cessação da obrigação abstrata (antes do pronunciamento de
uma sentença condenatória transitada em julgado) ou concreta (depois de
ditada a sentença condenatória transitada em julgado) que incide sobre o
sujeito ativo de assumir a responsabilidade que advém da prática do fato
delituoso através do cumprimento de uma pena. Essas causas não intervêm
sobre o aperfeiçoamento do delito – isto é, pressupõem a existência de todas
as categorias delitivas – e tampouco se projetam sobre a punibilidade – que
subsiste abstratamente na previsão da norma -, mas seu campo de atuação se
circunscreve à pena. Atuam, em síntese, sobre a obrigação abstrata e anterior
à imposição da pena de suportar pessoalmente as conseqüências penais que
derivam da prática do delito, isto é, o que se extingue é a responsabilidade
penal e não a pena propriamente dita.
511

4 CONCLUSÕES
1. O comportamento pós-delitivo positivo previsto no artigo 28, I, da Lei
9.605/98, não constitui uma autêntica causa extintiva de responsabilidade
penal – ou da punibilidade, como prefere a doutrina dominante -, mas sim uma
causa de supressão de punibilidade (ou uma escusa absolutória posterior),
visto que tem como pressuposto a punibilidade de um delito perfeitamente
estruturado em todos os seus elementos. Trata-se de uma hipótese específica
de reparação do dano comumente qualificada como “arrependimento
ecológico” ou “ambiental”, que tem seu âmbito de atuação circunscrito aos
delitos contra o meio ambiente.

2. A previsão dessa causa de supressão de pena – bem como da atenuante


específica pela reparação do dano (art.14, II, Lei 9.605/98) – é uma expressão
do princípio de cunho civilístico do ‘poluidor-pagador’ amplamente acolhido
pela doutrina ambiental. A doutrina costuma apoiar a previsão de
circunstâncias dessa natureza 9, posto que a recuperação – embora parcial –
do ambiente degradado é uma medida mais eficiente que o cumprimento
integral de uma pena privativa de liberdade, por exemplo. Todavia, cumpre
reconhecer que dificilmente será possível restabelecer as características
originais do objeto material lesado, de modo que a realização de atos dirigidos
à reparação do dano ambiental deveria ter apenas uma eficácia atenuante - e
não supressiva - da pena.

3. A legislação penal ambiental optou em algumas oportunidades por conceder


a isenção parcial da pena para determinadas hipóteses de comportamentos
pós-delitivos fundados na reparação do dano (art.65, III, b, CP, e art.14, II, Lei
9.605/98), na confissão (art.65, III, d, CP, e art.14, III, Lei 9.605/98) e na
colaboração com a Administração de Justiça em sentido amplo (art.14, IV, Lei
9.605/98). É recomendável que a previsão de escusas absolutórias posteriores
tenha como fundamento, ademais de considerações de caráter político-criminal

9
Assim, por exemplo, HIGUERA GUIMERÁ, Juan Felipe. Las excusas absolutórias. Madrid: Marcial
Pons, 1993, p.167.
512

– como ocorre com os preceitos examinados – uma diminuição da necessidade


de pena do ponto de vista preventivo-geral e/ou preventivo-especial.
É precisamente o que ocorre na circunstância do artigo 14, II, da Lei 9.605/98.
Ao requerer que a reparação seja motivada pelo arrependimento do agente, a
disciplina conferida à matéria pela Lei 9.605/8 corrobora que no fundamento da
atenuante também residem razões de prevenção especial. Cabe frisar, porém,
que apenas a reparação do dano ambiental realizada espontaneamente poderá
produzir efeitos atenuantes. E não poderia ser diferente. Afinal, se não fosse
exigida a voluntariedade, o sujeito ativo poderia valer-se da reparação como via
de escape para evitar a imposição de uma pena mais elevada – o que
impediria a satisfação das exigências preventivo-especiais – e, desse modo,
comprometer também a função de exemplaridade ou o efeito pedagógico da
pena. Ademais, uma reparação realizada sob coação ou motivada por
pressões externas jamais poderia implicar o reconhecimento, por parte do
agente, da validade da norma infringida, de maneira que sua conduta não
contribuiria à reafirmação do ordenamento jurídico ou, como se diz comumente,
à estabilização da norma infringida. Definitivamente, o reconhecimento de
efeitos atenuantes à reparação involuntária do dano – motivada, por exemplo,
pela descoberta do fato – não indicaria um menoscabo efetivo das exigências
preventivo-gerais ou especiais e também não contribuiria para a reafirmação do
ordenamento jurídico, daí a necessidade de exigência expressa da
voluntariedade – ou inclusive da espontaneidade, como preferiu o legislador –
como requisito indispensável para a atenuação da pena.

4. No entanto, se subsiste a necessidade de pena do ponto de vista da


prevenção geral ou da prevenção especial ou não se verifica seu menoscabo,
não se justifica a previsão de uma causa de supressão da pena total ou parcial.
A consecução meramente parcial dos fins de prevenção geral ou especial pelo
comportamento pós-delitivo positivo e voluntário do sujeito aconselha, isso sim,
a previsão de uma atenuação da pena, como fez o legislador no artigo 14, II, da
Lei 9.605/98.
513

No caso específico dos delitos ambientais, constata-se que há hipóteses de


atenuação da pena cujo fundamento radica basicamente em considerações
político-criminais. Esse é o caso da impropriamente denominada causa
extintiva da punibilidade prevista pelo artigo 28, I, da Lei 9.605/98, inspirada por
motivações de conveniência ou oportunidade, e não pela satisfação integral
dos fins preventivos da pena.
Isso é justamente o que pode ocorrer com a reparação do dano ambiental, que
nem sempre será indicativa de um menoscabo efetivo e significativo das
exigências de ordem preventiva e, de acordo com a orientação predominante
na Lei 9.605/98, é suficiente para ensejar a completa isenção de pena sem a
observância de qualquer requisito adicional (art.28, I), o que pode, inclusive,
contribuir para uma confusão valorativa que compromete os fins da pena.
Quando a legislação penal prevê causas de isenção total ou parcial da pena
fundadas no comportamento pós-delitivo positivo deve não apenas tratar de
estimular em maior medida a realização de condutas aptas para satisfazer
determinados interesses – como, por exemplo, a Administração de Justiça -,
mas também refletir uma eliminação ou diminuição das exigências de
prevenção geral ou especial, uma vez que a simples produção de um resultado
útil, se desacompanhada de um menoscabo ou eliminação das necessidades
preventivas e baseada exclusivamente na satisfação de propósitos utilitaristas,
pode gerar uma situação de incongruência do ponto de vista dos fins da pena.

5. O objetivo de fomentar a realização de condutas destinadas a evitar a


instalação de uma situação de perigo ou de lesão efetiva ao ambiente
impulsionou o legislador a prever determinados casos de atenuação ou de
isenção de pena pela realização de comportamentos pós-delitivos totalmente
desvinculados das exigências de ordem preventiva (art.28, I, Lei 9.605/98).
Esse modo de proceder não acarreta necessariamente a oposição de tais
cláusulas com os fins da pena, mas seria aconselhável que, na medida do
possível, a busca de determinados objetivos político-criminais fosse expressão
de uma diminuição da necessidade preventiva de pena. A satisfação parcial
dessas exigências preventivas poderia ser obtida, por exemplo, com a inclusão
514

de determinados requisitos como a exigência de voluntariedade na realização


da conduta, a eficácia da contribuição do sujeito e a fixação de um determinado
lapso temporal para a exteriorização do comportamento pós-delitivo. Se o
legislador se certifica de que os motivos de conveniência ou oportunidade que
motivam a concessão da atenuação da pena se encontram legitimados por um
menoscabo da necessidade de pena do ponto de vista da prevenção geral e/ou
especial, certamente contribuirá para uma tutela efetiva do bem jurídico
ambiente, para o reforço do efeito dissuasório das normas penais ambientais e
evitará o comprometimento da eficácia preventiva do Direito Penal. São, por
sem dúvida, razões suficientes para aconselhar uma previsão cuidadosa de
hipóteses de isenção total ou parcial da pena pela realização de
comportamentos pós-delitivos positivos.

BIBLIOGRAFIA

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Buenos Aires: Hammurabi/Depalma, 2005.

CARVALHO, Érika Mendes de. Punibilidade e delito. São Paulo: RT, 2008.

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Tirant lo Blanch, 2000.

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1993.

JESCHECK, H-H. Tratado de Derecho Penal, PG, trad. José Luis Manzanares
Samaniego. Granada: Comares, 1993.

LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo,


extrapatrimonial. São Paulo: RT, 2000.

MAURACH, R. / ZIPF, H. Derecho Penal. PG, t. I. Trad. Jorge Bofia Genzsch e


Enrique Aimone Gibson. Buenos Aires: Astrea, 1994.

PIGRAU SOLÉ, Antoni (Coord.) Nuevas perspectivas de la responsabilidad por


daños al medio ambiente. Madrid: Ministerio del Medio Ambiente, 2006.
515

ROXIN, Claus. Derecho Penal, PG, t. I, Fundamentos. La estructura de la


teoría del delito, trad. Diego-Manuel Luzón Peña, Miguel Díaz y García
Conlledo e Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 1997.

SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. Delitos contra el medio ambiente. Valencia:


Tirant lo Blanch, 1999.

DE VICENTE REMESAL, Javier. El comportamiento postdelictivo. León:


Universidad de León, 1985.

WESSELS, J. Derecho Penal, PG. Trad. Conrado A. Finzi, Buenos Aires:


Depalma, 1980.
516

RESPONSABILIDADE PENAL DAS PESSOAS JURÍDICAS POR CRIME


AMBIENTAL:
A evolução do entendimento do Tribunal de Justiça de Santa Catarina

FÁBIO LORENSI DO CANTO 1


FELIPE MOTTIN PEREIRA DE PAULA 2

1 INTRODUÇÃO
Com evidentes sinais de colapso, a questão ambiental tem ocupado
cada vez mais uma posição de destaque nas discussões sobre o futuro do
planeta e da sociedade, não apenas no âmbito interno, mas, sobretudo nas
discussões político-econômicas de relevo internacional. O atual modelo
capitalista de produção e desenvolvimento se mostra inadequado para
manutenção da vida que desejamos hoje e para as futuras gerações.
Nessa perspectiva, diversos setores da sociedade têm buscado
alternativas e soluções para os muitos problemas que se apresentam, exigindo,
principalmente do Poder Público, uma posição mais atuante em prol de um
desenvolvimento econômico aliado a preservação ou utilização racional do
meio ambiente, o chamado desenvolvimento sustentável.
Infelizmente, no entanto, o anseio pela extrema lucratividade por
determinadas empresas, somado a precariedade e ou a omissão dos órgãos
da administração pública responsável pela fiscalização ambiental, causam
prejuízos e, muitas vezes, danos irreparáveis ao meio ambiente.
Desta forma, com o objetivo de coibir e punir essas práticas, o legislador
constituinte de 1988 instituiu uma série de garantias ao meio ambiente,
destinando de forma inédita em nosso ordenamento jurídico, um capítulo
específico para regulamentação da matéria, elevando o meio ambiente à bem
jurídico constitucionalmente protegido. Entre essas garantias, destaca-se uma
1
Acadêmico da 7ª Fase do Curso de Graduação em Direito do Complexo de Ensino Superior de Santa Catarina -
CESUSC. <fabio@cesusc.edu.br>.
2
Acadêmico da 7ª Fase do Curso de Graduação em Direito do Complexo de Ensino Superior de Santa Catarina –
CESUSC. Estagiário do Ministério Público de Santa Catarina. <felipemottin@gmail.com>.
517

inovação: a possibilidade de se responsabilizar, na esfera criminal, as pessoas


jurídicas por danos causados ao meio ambiente.
Neste sentido, tendo em vista que as pessoas jurídicas são as maiores e
potenciais causadoras de danos ao sistema ecológico e, ainda, devido à
relevância normativa do meio ambiente, este trabalho objetiva analisar a
evolução do entendimento do Tribunal de Justiça de Santa Catarina sobre a
responsabilidade penal das pessoas jurídicas por crimes ambientais. Para isso,
inicialmente, faz-se necessário traçar uma breve revisão teórica, apontando os
principais argumentos das correntes doutrinárias favoráveis e não-favoráveis a
este instituto.

2 A RESPONSABILIDADE PENAL DAS PESSOAS JURÍDICAS NA


CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
A responsabilidade penal das pessoas jurídicas constitui tema de grande
polêmica no direito brasileiro e estrangeiro, despertando diversas discussões
doutrinárias e jurisprudenciais acerca de sua fundamentação dogmática e de
sua aplicabilidade no caso concreto.
Nos países que adotam o sistema da common law, esse instituto é
aceito sem divergências, a exemplo da Inglaterra, Canadá, Nova Zelândia e
Austrália. Já nos países com sistema jurídico de origem romano-germânica,
como nos paises da América Latina, o movimento nesse sentido surge com
maior resistência, devido à institucionalização e a codificação que configuram a
dificuldade de modificação dogmática 3.
No Brasil, o legislador constituinte de 1988 determinou a
responsabilidade penal das pessoas jurídicas em duas situações. A primeira se
refere aos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a
economia popular, conforme dispõe o art. 173, § 5º, da Constituição da
Federal:
Art. 173. § 5º - A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos
dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta,

3
FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza. 6. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2000. p. 60-61.
518

sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados


contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular.
A segunda situação se encontra no capítulo destinado ao meio
ambiente, no art. 225, § 3º, no qual se visualiza, de forma expressa, a intenção
do legislador de responsabilizar em âmbito penal, as pessoas jurídicas por
danos causados ao meio ambiente.
Art. 225. § 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio
ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções
penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos
causados.
Tal previsão, contudo, não é vista com bons olhos pela doutrina
penalista tradicional que, com fundamento no princípio societas delinquere non
potest, entendem que as pessoas jurídicas, sendo entes coletivos, não
possuem vontade própria, sendo a pessoa física que a representa detentora da
responsabilidade por seus atos 4.
Luiz Régis Prado, ao comentar o dispositivo supracitado, defende que,
“embora ambíguo o texto, não há falar aqui, porém, em previsão de
responsabilidade criminal das pessoas coletivas”, pois, segundo o notável
doutrinador, cuja referência é destacada entre aqueles contrários ao instituto,

a interpretação das regras constitucionais impõe o método


lógico-sistemático e se orienta por rigorosa congruência e
visão de conjunto. Não se pode descuidar, em absoluto, da
principiologia constitucional penal e da estrutura do
ordenamento jurídico-penal brasileiro, fundado em um Direito
Penal da conduta, da culpabilidade e da personalidade da
pena 5.

Em mesmo sentido, Cezar Roberto Bitencourt, afirma que a “obscura


previsão” do dispositivo constitucional em questão, “tem levado alguns
penalistas a sustentarem, equivocadamente, que a Carta Magna consagrou a
responsabilidade penal da pessoa jurídica”, no entanto, esta ainda “se encontra
limitada à responsabilidade subjetiva e individual 6.”

4
SANTOS, João R. F. Anotações sobre a responsabilidade penal da pessoa jurídica no direito ambiental brasileiro.
Revista Jurídica, Sapucaia do Sul, ano 53, n. 335, set. 2005. p. 95.
5
PRADO, Luiz Régis. Curso de direito penal brasileiro. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. v. 1. p. 289.
6
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. v. 1. p. 288.
519

Argumenta ainda o autor que, independentemente da teoria da Ação que


se defenda - social, causal ou final - a incapacidade subjetiva de idealização e
a impossibilidade de manifestação da vontade da pessoa jurídica, destituem a
possibilidade de se caracterizar a ação como ato de vontade e de consciência
própria para uma determinada finalidade. 7
Tal entendimento tem origem na Teoria da Ficção, desenvolvida por
Savigny, que aponta na atividade da pessoa jurídica, a ausência dos elementos
indispensáveis à configuração de uma responsabilidade penal subjetiva, como
a capacidade de ação no sentido penal estrito, a capacidade de culpabilidade e
a capacidade da pena 8.
Ainda sobre a óptica de não-responsabilização da pessoa jurídica a
partir de uma análise constitucional, Juarez Cirino dos Santos 9 defende que os
princípios constitucionais penais cristalizados pelo sistema jurídico-normativo,
especialmente o da responsabilidade penal pessoal, apenas poderiam sofrer
modificações sob determinações constitucionais que expressassem a vontade
clara e inequívoca do legislador constituinte, e não por um processo
hermenêutico sistemático para definição da natureza desta responsabilidade
(penal) e sobre a matéria em que se aplicaria essa responsabilidade (ambiental
ou econômico-financeira).
Tais autores sustentam, portanto, amparados nos princípios
constitucionais penais da personalidade ou responsabilidade penal,
individualização da pena e estrita legalidade - originários do sistema romano-
germânico -, que a conduta punível somente pode ser imputada às pessoas
naturais, haja vista que as pessoas jurídicas são consideradas entes irreais,
abstratos, desprovidos de vontade própria, ou seja, de capacidade jurídico-
penal.
No entanto, esta concepção jurídica-penalista essencialmente contrária
a responsabilização penal da pessoa jurídica tem sido gradativamente refutada
após a promulgação da atual constituição e da Lei 9.605 de 1998.

7
Ibid., p. 288-289.
8
PRADO, 2007, p. 271.
9
SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal: parte geral. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2007. p. 428.
520

Em uma força contrária, defensores de um Direito Penal Ecológico


sinalizam, com base em uma nova perspectiva interpretativa da Magna Carta 10,
a necessidade de adequação do posicionamento dos operadores do direito às
modificações da realidade econômico-social.
Essa perspectiva fundamenta-se, em nosso ordenamento jurídico, a
partir da elevação do direito ao meio ambiente equilibrado à status jurídico
constitucional, revestindo-se de força jurídica de direito fundamental (conforme
disposição do art. 225 da CF).
Assim sendo, condicionou a hermenêutica constitucional ao prisma de
proteção do meio ambiente - amplamente sistematizado no ordenamento –
estruturando, conforme define Luís Roberto Barroso, “a idéia de ativismo
judicial que está associada a uma participação mais ampla e intensa do
judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais." 11
Destarte, e como fundamento da doutrina jus-ambientalista, estrutura-se
uma tendência jurídica axiológica de proteção do meio ambiente com base nos
valores e interesses de ordem social de maior relevância. Dentre eles, o da
garantia à dignidade humana das presentes e futuras gerações - que está
estritamente condicionado ao ambiente saudável -, e requer, portanto, maior
segurança jurídica garantida pela extrema ratio à proteção ecológica.
Em consequencia, a lógica da aplicação do direito penal na
responsabilidade da pessoa jurídica é clara, em que pese à incidência reiterada
dos entes coletivos na prática de crimes desta natureza, mas que se justifica
"não apenas em razão do crescente número de delitos praticados no âmbito da
empresa", e sim "porque muitas vezes torna-se difícil encontrar o verdadeiro
causador do dano, considerando que tais delitos, frequentemente, são
executados por pessoas naturais que se ocultam atrás dela (da pessoa
jurídica).” 12

10
Luis Roberto Barroso insere nessa ordem de considerações, idéias como interpretação evolutiva, leitura moral e
interpretação pragmática da constituição. BARROSO, Luis Roberto. Curso de direito constitucional
contemporâneo. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 272.
11
BARROSO, 2009, p. 283-284.
12
VIVIANI, Rodrigo Andrade. Responsabilidade penal da pessoa jurídica. Curitiba: Juruá, 2008. p. 59.
521

Ainda, mesmo que o infrator natural - individual - seja localizado e a


empresa vincule-se a obrigação de reparação dos danos, a pena não atinge
proporcionalmente a pessoa jurídica com base em sua esfera patrimonial, pois

a empresa que ampliou seus rendimentos, e acabou


beneficiando-se com o cometimento do delito, permanece com
o patrimônio íntegro, de vez que a pena de multa aplicada ao
funcionário (ou mesmo contra o diretor), ainda que seja paga
pela pessoa jurídica, será fixada tendo em conta a fortuna da
pessoa física, e não tendo como referência a vantagem
auferida com o crime e o patrimônio da pessoa jurídica. 13

Outrossim, as pessoas jurídicas infratoras de atos ilícitos penais no


âmbito ambiental, não sofre os efeitos da pena. "Em outras palavras, a
prevenção geral é maior quando a empresa é punida, em face que a notícia do
crime pode ter na própria mídia", assim, "pode deixar de obter o lucro que
visava com o cometimento do crime e ainda sofrer algum prejuízo." 14
Desta feita, torna-se essencial a tipificação e o reconhecimento dos
crimes praticados pela pessoa jurídica, com base na insuficiência ou não-
efetividade da regulação e da sanção cível-administrativa, objetivando-se uma
coerção particularmente preventiva e reparadora para a efetiva paz social,
conferido pelos efeitos do direito penal.
Percebe-se, portanto, nesta moderna corrente doutrinária, uma nova
visão de aplicação do direito penal, voltada para proteção dos bens jurídicos
plurindividuais, entre os quais o meio ambiente desponta como o de maior
relevância na atualidade.

3 O ART. 3º DA LEI 9.605/98: LEI DOS CRIMES AMBIENTAIS


Buscando maior proteção ao bem jurídico meio ambiente e,
possivelmente, encerrar a discussão acerca da falta de regulamentação do art.
225, § 3º da Constituição, o legislador infraconstitucional instituiu a Lei 9.605/98
- Lei dos Crimes Ambientais. Assim, o art. 3º da referida Lei dispõe que:

13
SHECAIRA, Sérgio Salomão. A Responsabilidade Penal das Pessoas Jurídicas e o Direito Ambiental. In:
VARELLA, Marcelo Dias; BORGES, Roxana C. B. O novo em Direito Ambiental. Belo Horizonte: Del Rey,
1998. p. 133.
14
Ibid., 134.
522

As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa,


civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos
em que a infração seja cometida por decisão de seu
representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado,
no interesse ou benefício da sua entidade.

Esse dispositivo, portanto, trouxe força à doutrina penal ambiental, que


há muito afirmava que as empresas estavam se valendo, até o momento, “da
irresponsabilidade penal da pessoa jurídica para utilizar a diretriz de diluir a
responsabilidade por uma decisão poluidora, tudo com o fito de desviar a
responsabilidade penal ecológica.” 15
Destarte, conforme Ney de Barros Bello Filho, o dispositivo em tela é
“resultado de uma pressão histórica do mundo dos fatos sobre o universo
formal do direito”, representando um “avanço na utilização do direito como
técnica de preservação do ambiente.” 16
Valdir Sznick, por sua vez, entende que a “necessidade de punição da
pessoa jurídica tornou-se uma exigência da própria sociedade”, pois com a
ameaça constante ao meio ambiente, “coloca-se em risco a vida e a saúde o
indivíduo – e de gerações futuras – ameaçando, inclusive a própria espécie
humana, daí a relevância jurídica da punição nessa área.” 17
Percebe-se que a moderna doutrina ambiental baliza seus argumentos a
partir de uma ruptura com os antigos ideais conservadores e técnico-
dogmáticos do direito tradicional. Essa postura, segundo Carlos Alberto
Sanseverino e Débora Cardoso 18, é essencial em se tratando da proteção ao
meio ambiente, pois, na visão dos autores,

não é difícil notar que os delitos ambientais mais graves


normalmente têm suas práticas atribuídas às pessoas
jurídicas. Para chegarmos a tal conclusão, basta avaliarmos o
potencial destrutivo das indústrias petrolíferas, das usinas
siderúrgicas, das mineradoras, das indústrias químicas ou das
indústrias de fertilizantes versus o exclusivo interesse dessas

15
BELLO FILHO, Ney de Barros. A responsabilidade criminal da pessoa jurídica por danos ao ambiente. In: LEITE,
José Rubens Morato; BELLO FILHO, Ney de Barros (orgs.). Direito ambiental contemporâneo. Barueri:
Manole, 2004. p. 135.
16
Ibid., p. 128.
17
SZNICK, Valdir. Direito penal ambiental. São Paulo: Ícone, 2001. p. 57.
18
SANSEVERINO, Carlos Alberto Maluf; CARDOSO, Débora Motta. Peculiaridades do Direito Penal Ambiental no
mundo contemporâneo. Revista do Advogado, São Paulo, ano 29, n. 102, mar. 2009. p. 26.
523

empresas pela lucratividade, ainda que para tanto corram o


risco de destruir o meio ambiente.

Embora sejam muitos os argumentos favoráveis à responsabilização


penal da pessoa jurídica, destaca-se que até mesmo alguns de seus
defensores reconhecem que a Lei 9.605/98 “não garantiu somente elogios ao
legislador”, pois devido ao “número excessivo de tipos penais abertos e ao
grande número de normas penais em branco são motivos de constantes
críticas.” 19
Tais críticas se estendem ainda a real aplicabilidade desse instituto no
caso concreto, principalmente no que se refere às penas aplicáveis e, também,
a ausência de normas processuais próprias à pessoa jurídica. 20
Assim, passados mais de dez anos de vigência desta Lei e travadas
infindáveis discussões teóricas sobre o tema, a questão que ainda persiste é:
esse avanço legislativo é realmente efetivo para os fins a que se propõe?

4 O TEMA NA VISÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA


Após a breve revisão teórica sobre a responsabilidade penal da pessoa
jurídica na doutrina brasileira, passa-se agora ao objetivo principal deste
trabalho, qual seja, o de analisar este instituto segundo o entendimento do
egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina.
Para isso, realizou-se pesquisa jurisprudencial e, posteriormente,
selecionou-se os julgados que melhor representassem o desenvolvimento
progressivo do entendimento predominante do tribunal em cada período
analisado.
A primeira decisão envolvendo uma pessoa jurídica como ré em
processo por crime ambiental foi proferida pela Segunda Câmara Criminal, em
meados do ano de 2000, logo após a entrada em vigor da Lei 9.605/98.
Trata-se recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público
contra despacho do juízo a quo que rejeitou a denúncia contra a pessoa
jurídica por crime ambiental, conforme de depreende da ementa a seguir:

19
SANSEVERINO; CARDOSO, 2009, p. 25.
20
SHECARIA, Sérgio Salomão. A responsabilidade penal da pessoa jurídica e nossa recente legislação. In: GOMES,
Luiz Flávio. Responsabilidade penal da pessoa jurídica e medidas provisórias e direito penal. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1999. p. 140-141.
524

CRIME AMBIENTAL - DENÚNCIA NOS TERMOS DO ART. 3º


DA LEI N. 9.605/98 REJEITADA EM RELAÇÃO A PESSOA
JURÍDICA - PROSSEGUIMENTO QUANTO A PESSOA
FÍSICA RESPONSÁVEL - RECURSO DA ACUSAÇÃO
PLEITEANDO O RECONHECIMENTO DA
RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA -
AUSÊNCIA DE PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS -
ORIENTAÇÃO DOUTRINÁRIA - OBSERVÂNCIA DOS
PRINCÍPIOS DA PESSOALIDADE DA PENA E DA
IRRESPONSABILIDADE CRIMINAL DA PESSOA JURÍDICA
VIGENTES NO ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO -
RECURSO DESPROVIDO 21.

Em seu voto, o eminente Relator busca fundamentos em sede


doutrinária para manifestar-se contrário a possibilidade de responsabilizar a
empresa ré, pessoa jurídica, por crime ambiental, pois, em suas palavras,

[...] Esta orientação nos parece a mais razoável, pelo menos


até que se criem meios processuais adequados e coerentes
com os princípios constitucionais e penais vigentes em nosso
ordenamento jurídico [...].

Ressalta-se que tal decisão foi proferida a luz de um entendimento


tradicional e incontestavelmente majoritário na época, período em que a Lei
dos Crimes Ambientais suscitava um grande número de estudos e publicações
acerca de sua aplicabilidade e, também, de sua (in)constitucionalidade.
Esse posicionamento foi mantido irredutível na Segunda Câmara
Criminal durante, aproximadamente, os seis anos subsequentes, como se
observa no seguinte julgado:

AÇÃO PENAL - CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE -


REJEIÇÃO DA DENÚNCIA - RESPONSABILIDADE PENAL
DA PESSOA JURÍDICA - IMPOSSIBILIDADE - PRECEDENTE
DESTE TRIBUNAL - RECURSO MINISTERIAL NÃO
PROVIDO 22.
[...]
Dessarte, de tudo o que aqui ficou dito, portanto, conclui-se que o
instituto da responsabilidade penal da pessoa jurídica não pode ser introduzido
no sistema brasileiro sem que este, especificamente, passe por uma

21
SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Recurso Criminal n. 00.004656-6, de Descanso. Rel. Juiz Torres
Marques, Segunda Câmara Criminal, 12/09/2000.
22
SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Recurso criminal n. 2003.014959-7, de Videira. Rel. Des. Irineu João
da Silva, Segunda Câmara Criminal, 07/10/2003.
525

adaptação, pois está solidamente alicerçado em postulados que não o


admitem.
E, em mesmo sentido:

RECURSO CRIMINAL. CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE.


DENÚNCIA OFERTADA CONTRA PESSOA JURÍDICA. ENTE
QUE NÃO PODE SER RESPONSABILIZADO PELA PRÁTICA
DE CRIME. AUSÊNCIA DE VONTADE PRÓPRIA. REJEIÇÃO.
RECURSO DESPROVIDO 23.

Porém, tal entendimento não restou pacífico no Tribunal catarinense,


limitando-se aos julgados da Segunda Câmara Criminal. A divergência iniciou-
se com o primeiro precedente que reconheceu a legitimidade passiva da
pessoa jurídica pela prática de crime ambiental no Brasil 24, proferido pela
Primeira Câmara Criminal que, divergindo de majoritário posicionamento
contrário, proferiu decisão reconhecendo a aplicabilidade do art. 3º da Lei
9.605/98 em relação aos entes coletivos. Iniciava-se assim uma nova postura
dentro do egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina frente à questão
ambiental. Eis a ementa da inovadora decisão:

RECURSO CRIMINAL - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO -


CRIME AMBIENTAL - DENÚNCIA REJEITADA -
RECONHECIMENTO DA RESPONSABILIDADE PENAL DAS
PESSOAS JURÍDICAS - POSSIBILIDADE ANTE O ADVENTO
DA LEI N. 9.605/98 - AUSÊNCIA DE PRECEDENTES
JURISPRUDENCIAIS - ORIENTAÇÃO DOUTRINÁRIA -
RECURSO PROVIDO 25.

E, em seu voto, o relator afirma que é


Completamente cabível a pessoa jurídica figurar no pólo
passivo da ação penal que tenta apurar a responsabilidade
criminal por ela praticada contra o meio ambiente.

Concernente à possibilidade da pessoa jurídica vir a ser


responsabilizada, embora sejam escassas as decisões sobre a matéria,
encontro subsídio na doutrina; diga-se que há infindáveis obras dando conta de

23
SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Recurso criminal n. 2005.000496-2, de Joaçaba. Rel. Des. Sérgio
Paladino, Segunda Câmara Criminal, 29/03/2005.
24
CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (Orgs.). Direito Constitucional Ambiental
Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 390. e também VIVIANI, Rodrigo Andrade. Responsabilidade penal da
pessoa jurídica: aspectos controvertidos no Direito brasileiro. Curitiba: Juruá, 2008. p. 87.
25
SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Recurso Criminal n. 00.020968-6, de São Miguel do Oeste. Rel. Des.
Solon d'Eça Neves, Primeira Câmara Criminal, 13/03/2001.
526

que a pessoa jurídica pode ser responsabilizada penalmente quando vem


praticar agressões ao meio ambiente.
Esta foi, portanto, a primeira de uma série de decisões em mesmo
sentido proferida pela Primeira Câmara Criminal do tribunal catarinense, que
mantém este entendimento pacificado ainda hoje, conforme se observa nos
julgados abaixo:
CRIME AMBIENTAL - DENÚNCIA NOS TERMOS DO ART. 3º
DA LEI N. 9.605/98 REJEITADA EM RELAÇÃO À PESSOA
JURÍDICA - POSSIBILIDADE, APÓS O ADVENTO DA
LEGISLAÇÃO REFERIDA, QUE DISCIPLINOU O ART. 225, §
3º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988, DE A PESSOA
JURÍDICA FIGURAR NO PÓLO PASSIVO DA AÇÃO PENAL -
PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS - RECURSO
PROVIDO 26.

RECURSO CRIMINAL - CRIME AMBIENTAL - REJEIÇÃO DA


DENÚNCIA NA PARTE EM QUE FIGURAVA PESSOA
JURÍDICA COMO SUJEITO PASSIVO DE DELITO PENAL -
LEI DOS CRIMES AMBIENTAIS (LEI N. 9.605/98) QUE
ADMITE EXPRESSAMENTE A RESPONSABILIDADE PENAL
DA PESSOA JURÍDICA - RECURSO PROVIDO 27.

A Lei dos Crimes Ambientais inovou o Direito Brasileiro quando admitiu,


expressamente, a responsabilidade penal da pessoa jurídica para coibir e
penalizar os chamados crimes de dano ao meio ambiente cometido por
empresas.
A Segunda Câmara Criminal, por sua vez, decidia de forma unânime
contra a responsabilização penal das pessoas jurídicas.
No entanto, no ano de 2006, por ocasião do julgamento Recurso
Criminal 2006.022946-4, o Juiz José Carlos Carstens Köhler, em voto vencido,
abre a primeira divergência nesta câmara, com a seguinte opinião:

Ousei divergir da douta maioria porque, apesar das grandes


discussões acerca da responsabilidade penal da pessoa
jurídica, inclusive nesta Corte de Justiça, após amplo e

26
SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Recurso Criminal n. 2003.015432-9, de Videira. Rel. Des. José
Gaspar Kubic, Primeira Câmara Criminal, 16/09/2003.
27
SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Recurso Criminal n. 2005.007862-0, de Joaçaba. Rel. Des. Solon
d'Eça Neves, Primeira Câmara Criminal, 10/05/2005.
527

apurado estudo, entende esta relatoria que a atual legislação


brasileira admite a responsabilidade deste ente. 28

O Magistrado, com base nos argumentos de Luís Paulo Sirvinskas e


Paulo Affonso Leme Machado, afirma que a “doutrina moderna compreende
que os constituintes originários deram um grande passo ao responsabilizar a
pessoa jurídica por danos ambientais”. Além disso, o momento histórico
marcava as primeiras decisões sobre a matéria em um tribunal superior, pois
havia recentes decisões do Superior Tribunal de Justiça que acolhiam este
novo entendimento. 29
Aberta a divergência, a Segunda Câmara Criminal não tardou em rever
sua posição, inicialmente em 2007 em decisão por maioria 30, e, finalmente, no
ano de 2008, de forma unânime, pacificando definitivamente o entendimento
deste egrégio Tribunal, como se colhe da decisão abaixo:

CRIME AMBIENTAL (ART. 39 DA LEI N. 9.605/98). CO-


AUTORIA CARACTERIZADA EM RAZÃO DA
RESPONSABILIDADE CONJUNTA PELOS ATOS DE
ADMINISTRAÇÃO DA EMPRESA. RECONHECIMENTO DA
RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA.
CONDENAÇÃO QUE SE IMPÕE. PRECEDENTES
JURISPRUDENCIAIS. RECURSOS CONHECIDOS,
PROVENDO-SE APENAS O DO MINISTÉRIO PÚBLICO 31.

Nesta decisão, o Relator Desembargador Irineu João da Silva, “não


obstante convicção pessoal em contrário”, prima pelos princípios da eficiência e
da celeridade do Judiciário e acolhe a orientação do Superior Tribunal de
Justiça no sentido de reconhecer a responsabilidade penal do ente coletivo por
agressões ao meio ambiente.

28
SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Recurso Criminal n. 2006.022946-4, de Joaçaba. Rel. Des. Irineu
João da Silva, Segunda Câmara Criminal, 08/08/2006. Destaca-se que essa decisão foi objeto de recurso especial
ao Superior Tribunal de Justiça, que reformou a decisão do tribunal catarinense.
29
RMS 16696, Min. Hamilton Carvalhido, 09/02/06; REsp 610114, Min. Gilson Dipp, 17/11/05.
30
SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Recurso Criminal n. 2007.000868-1, de Joaçaba. Rel. Des. Jorge
Mussi, Segunda Câmara Criminal, 24/04/2007.
31
SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Recurso Criminal n. 2007.061969-7, de Seara. Rel. Des. Irineu João
da Silva, Segunda Câmara Criminal, 11/04/2008.
528

5 CONCLUSÕES ARTICULADAS
O Direito Penal Ecológico é uma área ainda recente no direito brasileiro,
e por conseqüência, depende de maior estudo, de avanço legislativo e
aplicação nos tribunais, pois se trata de um instrumento essencial para garantia
do meio ambiente, haja vista a sua eficácia na tutela dos bens jurídicos
essenciais à sociedade.
Nesse sentido, a Lei dos Crimes Ambientais, passados mais de dez
anos de vigência, embora seja um grande passo para evolução do direito
ambiental brasileiro, ainda está longe de alcançar os fins pretendidos, visto que
não regulamentou adequadamente a matéria, gerando sérias duvidas quanto a
sua aplicabilidade.
No entanto, apesar das omissões legislativas, a questão ambiental
demanda urgência na tutela jurisdicional, em que pese os graves efeitos
gerados pelos danos causados pela degradação ecológica. Outrossim, cabe ao
poder judiciário suprir tais lacunas e efetivar o direito fundamental ao ambiente
ecologicamente equilibrado, alicerce para a formação de um Estado de Direito
Ambiental, que constitui a nova tendência do direito constitucional.
Desta feita, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina, progressivamente,
vem reconhecendo a importância de sua atuação em defesa do meio ambiente.
Após anos de divergência entre a Primeira Câmara Criminal, que abriu o
primeiro precedente para reconhecimento da legitimidade passiva da pessoa
jurídica em tribunais brasileiros, e a Segunda Câmara Criminal, que se
mantinha irredutível em posição contrária, pacificou-se a possibilidade de se
responsabilizar criminalmente as pessoas jurídicas.
Percebe-se, portanto, a evolução do Tribunal catarinense no trato com o
Direito Penal Ambiental, uniformizando o seu entendimento e seguindo a
tendência do Superior Tribunal de Justiça, em prol da proteção ambiental.

REFERÊNCIAS

BARROSO, Luis Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo.


São Paulo: Saraiva, 2009.
529

BELLO FILHO, Ney de Barros. A responsabilidade criminal da pessoa jurídica


por danos ao ambiente. In: LEITE, José Rubens Morato; BELLO FILHO, Ney
de Barros (orgs.). Direito ambiental contemporâneo. Barueri: Manole, 2004.
p. 127-176.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. 10. ed. São Paulo:
Saraiva, 2006. v. 1.

______. Tratado de direito penal: parte especial. 5. ed. São Paulo: Saraiva,
2006. v. 2.

CANOTILHO, J. J. Gomes; LEITE, José Rubens Morato (Orgs.). Direito


Constitucional Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007.

FREITAS, Vladimir P. de; FREITAS, Gilberto P. de. Crimes contra a natureza.


6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

PRADO, Luiz Régis. Curso de direito penal brasileiro. 7. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2007. v. 1.

SANSEVERINO, Carlos A. M.; CARDOSO, Débora Motta. Peculiaridades do


Direito Penal Ambiental no mundo contemporâneo. Revista do Advogado,
São Paulo, ano 29, n. 102, p. 23-28, mar. 2009.

SANTOS, João R. F. Anotações sobre a responsabilidade penal da pessoa


jurídica no direito ambiental brasileiro. Revista Jurídica, Sapucaia do Sul, ano
53, n. 335, p. 95-101, set. 2005.

SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal: parte geral. 2. ed. Rio de Janeiro:
Lumen Júris, 2007.

SHECARIA, Sérgio Salomão. A responsabilidade penal da pessoa jurídica e


nossa recente legislação. In: GOMES, Luiz F. (coord.). Responsabilidade
penal da pessoa jurídica e medidas provisórias e direito penal. São Paulo:
RT, 1999. p. 131-142.

SZNICK, Valdir. Direito penal ambiental. São Paulo: Ícone, 2001.

VIVIANI, Rodrigo Andrade. Responsabilidade penal da pessoa jurídica:


aspectos controvertidos no Direito brasileiro. Curitiba: Juruá, 2008.
530

A QUESTÃO DA OBRIGATORIEDADE DO INDÍVÍDUO CONECTAR SEU


IMÓVEL À REDE DE COLETA DE ESGOTO DOMÉSTICO:
Um enfrentamento sob a ótica ambiental

FELIPE FRANZ WIENKE 1

RESUMO: Boa parte da poluição dos recursos hídricos o Brasil é causada pela remessa nas
águas de esgoto doméstico não tratado. Muito embora tenha ocorrido um recente incremento
de investimentos públicos na área de saneamento básico, um novo desafio tem sido enfrentado
pelos administradores, em decorrência da resistência dos indivíduos em conectar seus imóveis
à rede de coleta de esgotos. Tal fato gera consideráveis danos ao meio ambiente, razão pela
qual devem ser responsabilizados os agentes poluentes, no caso, os proprietários dos imóveis
não conectados à rede pública de esgoto, sendo-lhe possível, inclusive, a imposição judicial da
obrigação de realizar a ligação.
PALAVRAS CHAVES: SANEAMENTO BÁSICO – RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL –
COLETA DE ESGOTO

1 INTRODUÇÃO
O déficit de saneamento básico no Brasil constitui um dos grandes
causadores da poluição dos recursos hídricos e do solo. O enfrentamento
destes desafios exige investimentos do poder público, por intermédio de
políticas públicas estrategicamente articuladas com as necessidades de cada
região do país.
Os recentes investimentos observados no âmbito do Ministério das
Cidades trouxeram uma nova perspectiva para a amenização de um quadro
nacional crítico nesta área. Estudo realizado pela Fundação Getúlio Vargas,
publicado em novembro de 2007, indicava que seriam necessários cerca de 56
anos para que o déficit do acesso ao serviço de tratamento de esgoto ser
reduzido à metade (verificado o ritmo até 2006).

1
Advogado, especializando em direito ambiental pela Universidade Federal de Pelotas e mestrando em
Ciências Sociais pela mesma Universidade. Contato pelo e-mail felipefw@gmail.com.
531

Além de indicar que a universalização do acesso da população à rede de


esgoto somente ocorreria, nos ritmos de investimentos observados até então,
em 115 anos 2, o estudo também foi claro em demonstrar que os serviços de
saneamento básico avançavam mais lentamente quando comparado com os
demais serviços públicos 3.
Entretanto, em pesquisa realizada em novembro de 2008, novamente
pela Fundação Getúlio Vargas, constatou-se uma alteração considerável neste
cenário. Segundo o relatório do Programa Trata Brasil, observado o ritmo até
2007, o tempo necessário para se reduzir o déficit de saneamento pela metade
passou a ser de 45 anos 4.
Muito embora o cenário nacional ainda se mostre distante do ideal
(segundo as metas do milênio, até 2015, deveria ser reduzido pela metade o
patamar populacional sem acesso ao saneamento) os avanços brasileiros são
evidentes, havendo uma clara elevação da oferta deste tipo de serviço no ano
de 2007, quando comparado com os demais serviços públicos 5.
O desafio para o incremento do percentual de esgoto tratado no Brasil
não se limita, porém, aos investimentos públicos. Mesmo após a realização das
obras necessárias para o tratamento de resíduos domésticos, torna-se
fundamental a conexão, por parte dos proprietários, das suas residências às
redes locais de coleta de esgoto.
Não são raros os casos em que a participação da população é irrisória,
de modo que, muito embora sejam feitos investimentos públicos para a
construção de estações de tratamento de esgoto, ou obras com o mesmo fim,
as contribuições para o meio ambiente permaneçam insignificantes.
Apresentado este cenário, torna-se importante indagar acerca da
possibilidade de o Poder Público impor ao cidadão a ligação de sua residência
à rede de coleta de esgoto, mesmo contra a sua vontade, buscando-se assim
evitar e/ou diminuir um evidente dano ambiental, provocado pela remessa de

2
Trata Brasil: Saneamento Básico e Saúde. Coordenado por Marcelo Côrtes Neri. Rio de Janeiro:
GV/IBRE, CPS, 2007, p. 5.
3
Ibidem., p. 18.
4
Trata Brasil: Saneamento Básico e Saúde. Coordenado por Marcelo Côrtes Neri. Rio de Janeiro:
GV/IBRE, CPS, 2008, p. 51.
5
Ibidem., p. 17.
532

esgoto doméstico diretamente no lençol freático ou em cursos de água


localizados no interior ou proximidade do perímetro urbano.
Divide-se o presente trabalho em três capítulos. No primeiro abordar-se-
á a obrigação legal do particular conectar a sua residência à rede local. No
segundo ponto, analisa-se a caracterização do dano ambiental coletivo
causado pela emissão de esgoto in natura diretamente no meio ambiente e, por
fim, será averiguada a possibilidade de responsabilização do proprietário pelos
danos causados.

2 DA OBRIGATORIEDADE DO PARTICULAR CONECTAR SUA


RESIDÊNCIA À REDE DE COLETA DE ESGOTO DOMÉSTICO
Não é recente a disposição legislativa acerca da questão aqui suscitada.
A lei nº 2.312/1954, já revogada, cujo teor estabelecia normas gerais sobre
defesa da saúde e proteção da saúde, dispunha, em seu artigo 11, que toda
construção habitável deveria, obrigatoriamente, ser ligada à rede canalizada de
esgoto.
Mais recentemente, a lei nº 11.445/2007, cujas disposições
estabeleceram diretrizes nacionais para o saneamento básico, impõs, em seu
artigo 45, a obrigatoriedade de que toda edificação permanente urbana deverá
seja conectada às redes públicas de abastecimento de água e esgotamento
sanitário, quando disponíveis.
Deste modo, fica, teoricamente, afastada a possibilidade de um indivíduo
não realizar a ligação de sua residência à rede de coleta de esgoto quando a
mesma estiver disponível, sendo devido, inclusive, o pagamento de tarifas e
outros preços públicos decorrentes da disponibilização de tal serviço 6.
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, reconhecendo a
importância desta conexão para a manutenção da saúde e a defesa do meio
ambiente, impõe o pagamento da taxa em foco, independente da construção
estar, ou não, ligada à rede pública de coleta. Ou seja, ainda que o serviço de
coleta e tratamento de esgoto não esteja sendo efetivamente prestado, o mero

6
Muito embora a lei 11.445 refira-se à cobrança de tarifa para o serviço de coleta de esgoto, o Supremo
Tribunal de Justiça firmou entendimento de que tal remuneração é feito a título de taxa, tendo em vista a
sua compulsoriedade. Neste sentido: REsp 848287; REsp 818649 e Resp 665738.
533

oferecimento de tal serviço ao consumidor obriga este ao pagamento do tributo,


haja visto a compulsoriedade da conexão estabelecida por lei 7 8.
Entretanto, em que pese tal obrigatoriedade, o fato observado em
grande parte dos casos é que os proprietários resistem a realizar a ligação de
suas residências, buscando evitar os gastos com obras e o pagamento de
taxas pelo respectivo serviço. No Município de Pelotas, Rio Grande do Sul, por
exemplo, segundo dados Serviço Autônomo de Saneamento de Pelotas –
SANEP, das 1200 residências aptas à ligação com a rede de coleta de esgoto
nos Balneários Valverde e Santo Antônio, apenas 150 possuem a conexão 9.
Tal quadro não destoa do observado em outras regiões do Brasil, de
modo que se torna necessária a indagação acerca da possibilidade da
responsabilização civil pelos danos ambientais causados por aquele
proprietário que se nega a realizar a ligação de sua construção à rede de
esgoto.

3 DO DANO AMBIENTAL PROVOCADO PELA EMISSÃO DE ESGOTO NÃO


TRATADO DIRETAMENTE NO MEIO AMBIENTE
O lançamento de esgoto doméstico, sem qualquer tipo de tratamento,
diretamente nos recursos hídricos próximos às zonas urbanas causa
incontestável dano ambiental. É dever do Poder Público à realização de obras
que visem impedir ou amenizar a poluição de águas em decorrência de dejetos
não tratados, não sendo raras as oportunidades em que o Estado, através de

7
Neste sentido: Recurso Inominado nº 71001441393 TJ/RS, de cujo voto se transcreve o seguinte trecho:
(...) Assim, tratando-se de rede de esgoto posta à disposição dos usuários, visando a manutenção da
saúde pública, de utilização compulsória, há obrigatoriedade do pagamento, sendo irrelevante se há ou
não utilização do serviço prestado ou se o contribuinte requereu ou não a ligação à rede, sendo a taxa
devida, pela utilização efetiva ou potencial do serviço, que está a sua disposição. (...)
8
Em sentido contrário o posicionamento do Tribunal de Justiça de São Paulo: Apelação com Revisão nº
996.465-0/5, da qual se transcreve o seguinte trecho:
(...) É incontroverso que a autora não utiliza a rede de esgoto e que sua residência está em desnível com
a rua. Ou seja, não há ramal de ligação do imóvel com a rede pública.
Conclui-se que a apelante cobrou por serviços não prestados. Os limites da demanda se impõem, eis que
não se discute sobre a obrigatoriedade da autora de fazer a ligação da rede de esgoto, tampouco de
multa em caso de inércia. Logo, não há falar em serviços prestados1. Ademais, há uma questão técnica
alegada que inviabiliza a ligação direta e que a prestadora de serviços sequer contestou. (...) Repita-se:
se não há ligação interna, não se pode cobrar por um serviço inexistente.(...)
9
Informação retirada do site http://www.pelotas.rs.gov.br/noticia/noticia.htm?codnoticia=15631, na data
de 10 de fevereiro de 2009.
534

ações coletivas, é responsabilizado pelos danos ambientais causados pela sua


omissão, sendo, conseqüentemente, condenado a realizar as obras devidas.
Esta responsabilização parte da norma exposta no artigo 225 do
Constituição Federal, cujo teor impõe ao Estado, bem como a todos os
cidadãos, a responsabilidade pela manutenção do meio ambiente
ecologicamente equilibrado. Evidentemente, obras de grande monta não
podem ser dirigidas a um indivíduo ou pequeno grupo isoladamente. Cabe ao
Estado realizar os investimentos necessários para se dar efetividade ao
estatuído na norma constitucional mencionada.
No caso aqui debatido, não basta ao Estado realizar os investimentos
necessários para cessar o dano ambiental, sendo ainda fundamental que o
proprietário do imóvel realize a ligação da residência à rede local de coleta de
esgotos. Logo, da mesma forma que se defendia a responsabilização do
Estado pelo dano causado pela sua omissão, é possível se defender a
responsabilização do indivíduo que igualmente é omisso, não realizando a obra
necessária para cessar a poluição das águas, qual seja, a conexão da
habitação à rede pública de coleta.
Para tanto, inicialmente é importante uma revisitação ao conceito de
dano, principalmente de dano ambiental.
O dano ambiental não pode ser enfrentado apenas do ponto de vista do
interesse do indivíduo lesado. A análise do macro-bem meio ambiente exige
uma visão coletiva, pautada nos interesses de toda a sociedade, a qual possui
direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Deste modo, é
fundamental ir-se além da visão clássica de dano, atentando-se para a
complexidade dos problemas ambientais contemporâneos, os quais exigem
uma apreciação mais complexa e perspicaz dos operadores jurídicos 10.
Trata-se aqui o dano ambiental sobre duas perspectivas: a primeira
delas referente à alteração indesejável causada ao conjunto de elementos do
meio ambiente, ou seja, as conseqüências mais diretas da atividade

10
LEITE, José Rubens Morato. Dano Ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 103.
535

degradante. Numa segunda perspectiva, visualiza-se o dano ambiental a partir


dos efeitos que a degradação gera para a saúde das pessoas 11.
No caso aqui em análise, há que se indagar acerca da configuração de
algum dano ambiental provocado pelo indivíduo que lança seu esgoto
doméstico diretamente em córregos, rios e/ou outras fontes de recursos
hídricos.
Certamente não restam dúvidas de que a emissão de esgoto não tratado
gera impacto ambiental. Entretanto, há que se responder em que medida tais
fatos causam um dano ambiental cuja relevância exige a sua reparação.
Para se chegar ao limite da tolerabilidade, torna-se necessária a busca
de alguns parâmetros que indiquem até que ponto a emissão de esgoto in
natura é suportável pelo meio ambiente e pela sociedade, ou, ao contrário, a
partir de que momento, exige-se do agente poluente uma atitude reparadora.
Como sugestão para tal questão, poder-se-ia utilizar o critério fixado pelo
Conselho Nacional de Meio Ambiente, onde, em sua resolução de nº 274,
define como águas impróprias para banho aquelas que apresentem, em
amostras de 100 mililitros, um número superior a 1000 coliformes fecais, 800
Escherichia coli ou 50 enterococos, em mais de 20% das últimas cinco
amostras coletadas.
Não parece ser este, porém, um critério suficiente. Como se sabe, as
águas doces não têm por escopo apenas possibilitar a balneabilidade, sendo
também, em alguns locais, necessárias para o consumo humano, de animais,
para irrigação, etc.
Cada caso deve ser analisado isoladamente. Em espaços rurais, ás
margens de grandes cursos de água, não se mostra razoável imputar um dano
ambiental ao indivíduo que reside isoladamente ou em pequenas comunidades,
quando o dejeto de sua residência seja o único lançado diretamente nas águas.
Caso diverso, porém, ocorre em zonas urbanas, onde diversas residências são
responsáveis pelo lançamento de esgoto não tratado nas águas, situação na
qual, diante da alteração significativa nas características naturais dos recursos
hídricos, o dano observado não pode ser tolerado.

11
Ibid., p. 98.
536

A emissão do esgoto pode ser menos tolerada caso se trate de área de


proteção de mananciais, onde as águas são utilizadas para o consumo
humano, ou mais tolerada quando as mesmas não tenham qualquer proveito
para o homem 12.
Neste sentido, MIRRA adverte que o limite da tolerabilidade não pode
ser fixado a priori, com valor absoluto, por normas preestabelecidas, imposta
seja por leis e regulamentos administrativos, seja por organismos científicos
especializados, haja visto que tais parâmetros não garantem, definitivamente,
se uma atividade será ou não poluente 13.
No que se refere ao nexo causal, este elemento também se mostra
presente para a espécie de poluição aqui em debate. A doutrina mais
contextualizada com a complexidade ambiental, corretamente, vem
defendendo uma adaptação no conceito do nexo causal, principalmente
quando se trata de um dano ambiental coletivo. Tais danos caracterizam-se,
dentre outros aspectos, (a) pela dificuldade de se comprovar tecnicamente a
causalidade entre a ação ou omissão do agente e o resultado, (b) pela
possibilidade de que os danos se exteriorizem somente após o transcurso de
um longo período de tempo, (c) pela possibilidade do dano ser oriundo de
emissões indeterminadas e acumuladas e (d) pela possibilidade das ações e
omissões ser provocadas a grandes distâncias dos seus resultados 14.
Deste modo, tendo em vista que o dano ambiental coletivo pode ser
conseqüência de efeitos cumulativos (como por exemplo, no caso da emissão
contínua de esgoto doméstico sem tratamento nos cursos de água por diversos
indivíduos), fica inviabilizada a determinação de quem, concretamente, os
causou. Em decorrência disso, a doutrina sugere a criação de mecanismos
coletivos de responsabilização dos custos da restauração e a criação de
fundos, objetivando a indenização coletiva.
12
Mirra alerta para a necessidade de se relativizar a noção de limite de tolerabilidade. Segundo o autor,
merece atenção o fato de que alguns poluentes acumulam-se no meio ambiente sem que ocorra a absorção
destes. Nestes casos, por não haver um dano aparente, poderia ser criada a falsa idéia de que a poluição é
absorvida e que, conseqüentemente, a mesma pode ser tolerada. Neste sentido: MIRRA, Álvaro Luiz
Valery. Ação Civil Pública e a Reparação do Dano ao Meio Ambiente. 2ª Ed. atual. – São Paulo:
Juarez de Oliveira, 2004, p. 112-117.
13
MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Ação Civil Pública e a Reparação do Dano ao Meio Ambiente. 2ª Ed.
atual. – São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004, p. 108.
14
Ibid., p. 185.
537

Nasce aqui, porém, um conflito entre o direito à reparação e o direito dos


autores do dano atinente à cota de responsabilidade de cada um. A solução
apontada pela doutrina para este caso é a adoção da regra da solidariedade
passiva, decorrente do conceito de responsabilidade por risco 15.
Além do mais, é convenente anotar-se que a legislação ambiental
brasileira adotou a responsabilidade objetiva para os danos ambientais. Logo,
descabe qualquer debate acerca da culpa do agente poluente, sendo suficiente
a mera demonstração do dano causado e o nexo de causalidade, o qual, no
presente caso, resta relativizado. Ainda assim, no debate aqui proposto, a
responsabilidade objetiva poderia até mesmo ser dispensada, uma vez que é
fácil a comprovação da negligência do proprietário que não realiza a conexão
de sua residência (infringindo, inclusive, comando legal).

4 DA POSSIBILIDADE DE CONDENAÇÃO DO PROPRIETÁRIO PELOS


DANOS CAUSADOS
Demonstrada a possibilidade de responsabilização do proprietário pelos
danos ambientais, há que se indagar acerca de quais as formas de
condenação que o poluidor pode sofrer em decorrência de sua omissão em
conectar sua residência à rede local de esgoto.
Cabe inicialmente expor que, em tese, o agente poluente está sujeito a
sanções de ordem penal, civil e administrativa, sendo perfeitamente possível
que tais esferas se cumulem.
Porém, é na esfera cível que nosso estudo se detém. Os instrumentos
jurídicos processuais apresentados pela legislação brasileira estão a serviço da
coletividade no escopo de se preservar o meio ambiente ecologicamente
equilibrado e de se reparar os danos provocados.
No caso da poluição aqui abordada, necessário se questionar acerca da
possibilidade de reparação integral do dano provocado. Como se sabe, torna-
se inviável a adoção de um método de despoluição de águas, principalmente
quando se trata de grandes cursos. Tratando-se da poluição causada por
esgoto doméstico, onde geralmente não se observa a presença de uma carga

15
Ibid., p. 186-187.
538

considerável de elementos químicos, mas majoritariamente de resíduos


orgânicos, a mera cessação da atividade poluente é suficiente para a
reconstituição do espaço natural lesado 16.
Além do mais, eventuais métodos de despoluição de rios se mostram
excessivamente caros, inviáveis para ser financiados por particulares e até
mesmo para algumas esferas do poder público, que apresentam seu
orçamento integralmente comprometido com o suporte dos demais serviços
públicos. A razoabilidade exige que as medidas e técnicas de reparação do
meio ambiente lesado estejam ao alcance do proprietário poluidor. Não se trata
aqui de poluição causada por indústrias, onde, eventualmente, seria possível a
cessação da atividade da empresa poluente. Certamente o despejo dos
habitantes das residências que não realizam a conexão aqui em foco poderia
potencializar um dano ainda maior, além de acarretar uma série de problemas
de ordem social.
Deste modo, o dever do indivíduo que lesa o meio ambiente em
decorrência da não conexão de sua residência à rede local de esgoto pode
ficar limitada a imposição sobre este de realizar a imediata conexão (não se
afastando aqui a possibilidade de sanções administrativas e penais, as quais,
reitera-se, fogem ao objeto deste estudo).
Os instrumentos processuais mais adequados para a imposição aqui
referida são a ação civil pública e a ação popular, nestes casos com algumas
particularidades. Não se trata de uma ação ajuizada pela coletividade contra o
poder público, como se observa em diversas ocasiões em que a administração
se mantém inerte em seu dever de realizar investimentos públicos para evitar o
despejo de esgoto não tratado nos recursos hídricos. Aqui é o particular que se
mantém omisso e é contra este que a tutela jurisdicional será movida.
Para tanto, o rol de legitimados ativos será o mais amplo possível, de
modo que qualquer cidadão, entidade de classe (que preencha os requisitos do
artigo 5º da lei 7.346), partido político, etc., além do próprio Estado, podem
ingressar com a ação coletiva visando à preservação da qualidade ambiental.

16
Tal afirmação não pode ser tida de forma absoluta. Não descartamos a existência de elementos
químicos nos esgotos domésticos, porém entendemos ser insignificante tal presença, principalmente
quando comparadas com o patamar observado nas emissões de resíduos industriais.
539

Importante aqui expor a necessidade de que o poder público mantenha


atualizado e a disposição da coletividade informações acerca de quais
habitações estão conectadas à rede de esgoto. Por ser uma obra de infra-
estrutura subterrânea, não é fácil aos cidadãos constatar quais são os imóveis
que descumprem a determinação legal. Tais informações não exigem sigilo e a
sua divulgação à comunidade se adequa ao espírito democrático e participativo
do direito ambiental brasileiro e da Constituição Federal.
Por fim, enfrenta-se a questão do descumprimento da determinação
judicial eventualmente dirigida ao indivíduo, ordenando-o a realização da
conexão de sua residência à rede de coleta de esgoto. Esta ligação exige
obras que são realizadas no interior da propriedade do poluidor, sendo
necessária, em muitos casos, a destruição de parte das calçadas, jardins ou
até mesmo da própria residência.
Entendemos que constituiria um uso imoderado da força a realização da
obra sem o consentimento do proprietário. Meios menos ofensivos se mostram
mais adequados, como por exemplo, a fixação de multa para o
descumprimento voluntário ou até mesmo a revogação da autorização
administrativa dado pelo município para a habitação (habite-se).
Não se pode ignorar a situação de incapacidade financeira do
proprietário. Muito embora ao Estado não seja facultada a justificativa de
impossibilidade orçamentária em ações civis públicas que visem à imposição
do dever de construção de Estações de Tratamento de Esgoto (argüindo-se a
chamada “Reserva do Possível”), solução semelhante não pode ser imposta ao
particular. Evidentemente, o poder público possui a garantia de receitas,
através da arrecadação de tributos, o que não é assegurado ao cidadão, o qual
não possui uma garantia de renda. Devidamente averiguada a situação de
incapacidade financeira do proprietário, cabe ao poder público subsidiar, da
forma que lhe parecer mais conveniente, a realização desta obra.
A Constituição Federal, em seu artigo 225, traz a idéia de uma guarda
compartilhada dos bens ambientais entre o poder público e a coletividade.
Assim, parece razoável que ambos somem esforços na busca pela
manutenção da qualidade ambiental.
540

5 CONCLUSÃO
A questão do saneamento básico ainda se mostra crítica no Brasil. Muito
embora tenha ocorrido um aumento considerável de investimentos públicos
nesta área, estudos indicam que ainda estamos infinitamente distantes de um
quadro de universalidade destes serviços, como objetiva nossa legislação.
O percentual da população brasileira que possui acesso a este serviço
ainda é insignificante, de modo que a maior parte dos resíduos domésticos
produzidos pela população é remetida diretamente aos cursos de água ou no
solo.
Além do mais, a construção de estações de tratamento de esgoto e da
rede pública de coleta pelo poder público não significam uma garantia de que o
esgoto não será despejado diretamente no meio ambiente. Para que ocorra o
devido tratamento é necessário que o proprietário do imóvel realize a conexão
de sua habitação à referida rede, fato gerador de custos, os quais são supridos
pelo particular. Em razão disso, não são raros os casos em que, muito embora
esteja à disposição do indivíduo o serviço de tratamento de esgoto, o benefício
que tal investimento traz ao meio ambiente é insignificante, haja visto que a
maior parte da população não o utiliza.
A legislação brasileira impõe expressamente ao proprietário de imóvel a
ligação de sua propriedade à rede publica de coleta de esgoto doméstico
quando a mesma estiver disponível.
A omissão do indivíduo gera um dano ambiental de caráter coletivo, pelo
qual pode ser responsabilização todo aquele particular que se mostra omisso
em seu dever de realizar a conexão aqui em foco. Não devem ser acatadas as
alegações de ausência de nexo causal ou de resultado certo. A
responsabilização civil pelos danos ambientais não pode ser analisada apenas
pelos elementos tradicionais elencados pela doutrina, tendo em vista a
complexidade dos danos ambientais observada na sociedade contemporânea.
Constatado, portanto, o dano ambiental, a ação civil pública e a ação
popular se apresentam como os instrumentos jurídicos mais adequados para
fazer cessar a lesão ao meio ambiente. O rol de legitimados ativos é
extremamente amplo, de modo que deve o poder público disponibilizar à
541

coletividade informações acerca de quais residências estão ou não conectadas


à rede de coleta.
Entretanto, a medida mais eficaz para a resolução do problema exposto
neste trabalho continua sendo a educação ambiental. É através do constante
trabalho de conscientização da comunidade acerca da importância da
preservação dos recursos hídricos para o meio ambiente e para a saúde da
população que se alcançará a sua adesão voluntária.
A população não deve visualizar na coleta de esgoto mais um serviço
pelo qual o poder púbico pode arrecadar tributos, mas de forma diversa, deve
conceber este serviço como sendo tão fundamental como aqueles de água
potável ou energia elétrica. Esta modificação de concepção passa por uma
reeducação da coletividade e por um tratamento, por parte do Estado,
igualmente rígido, tanto em relação às regiões residenciais, como em relação
às áreas industriais e, inclusive, agrícolas, causadoras de grande parte da
poluição de nossas águas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

LEITE, José Rubens Morato. Dano Ambiental: do individual ao coletivo


extrapatrimonial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. – 15ª Ed. rev,
atual. e amp. – São Paulo: Malheiros, 2007.

MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Ação Civil Pública e a Reparação do Dano ao


Meio Ambiente. 2ª Ed. atual. – São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004.

Trata Brasil: Saneamento Básico e Saúde. Coordenado por Marcelo Côrtes


Neri. Rio de Janeiro: GV/IBRE, CPS, 2007. Disponível em
www3.fgv.br/ibrecps/CPS_infra/index_teste.htm. Acessado em 05/04/2009.

Trata Brasil: Saneamento Básico e Saúde. Coordenado por Marcelo Côrtes


Neri. Rio de Janeiro: GV/IBRE, CPS, 2008. Disponível em
http://www3.fgv.br/ibrecps/CPS_infra/index_teste.htm. Acessado em
05/04/2009.
542

RESÍDUOS SÓLIDOS TECNOLÓGICOS:


Gestão e Legislação para equipamentos eletro-eletrônicos descartados

FERNANDA DO NASCIMENTO STAFFORD 1


TATIANA DA CUNHA GOMES LEITZKE 2

1 INTRODUÇÃO
Apesar do amplo mercado representado pelo setor de eletro-eletrônicos,
não existe ainda, no Brasil, uma legislação efetiva que regulamente as
atividades de produção, comercialização, uso e descarte destes equipamentos,
como computadores, telefones celulares, televisores, rádios, lâmpadas, pilhas,
baterias e outros. Nenhum dispositivo legal estabelece responsabilidades
definindo a destinação adequada de sucatas eletrônicas.
Hoje, o chamado resíduo sólido tecnológico (RST) tem como destino
mais comum os lixões, aterros sanitários, ou ainda, é enviado a países
subdesenvolvidos como incentivo à inclusão digital. No entanto, estes resíduos
são classificados como perigosos (segundo a série NBR 10004:2004),
acarretando diversos riscos e até mesmo prejuízos para a saúde humana e
para o meio ambiente.
Neste contexto, este trabalho tem como objetivo expor a atual situação
dos pontos de vista ambiental e legal dos RST, além de alertar a comunidade
científica para este problema eminente.

2 REVISÃO DA LITERATURA
Após o seu descarte, os RST fluem em uma cadeia pós-consumo que se
estabelece espontaneamente a partir de uma demanda por serviços, materiais
recicláveis, componentes e produtos de segunda mão, mas a simples

1
Acadêmica de Eng. Ambiental da Universidade da Região de Joinville – nanda_staf@hotmail.com
² Doutoranda em Ciência e Engenharia de Materiais – PGMat/UFSC – tatiana.cunha@univille.net
2
543

existência dessa cadeia não garante que as atividades desenvolvidas dentro


dela ocorram de forma organizada, nem mesmo dentro dos padrões de
qualidade e segurança ambiental (RODRIGUES, 2007).
Durante a década de 80, as leis ambientais dos países industrializados
direcionavam para uma crescente internalização dos custos da disposição de
resíduos perigosos. Diante disto, era comum o comércio de lixo tóxico de
países industrializados para países em desenvolvimento e para a Europa
Oriental. Quando esta atividade tomou fluxo e trafegando por inúmeros países
sem nenhum controle, surgiu a Convenção de Basiléia (ZIGLIO, 2005).
A Convenção de Basiléia é um acordo internacional com 162 assinaturas
que entrou em vigência em 1992, no qual as transferências dos resíduos
perigosos ficam sujeitas a um consentimento prévio do país receptor, não
implicando, portanto, em uma proibição desses movimentos (RODRIGUES,
2007)
Seus objetivos são: a) minimizar a geração de resíduos perigosos
(quantidade e periculosidade); b) controlar e reduzir movimentos
transfronteiriços de resíduos perigosos; c) dispor os resíduos o mais próximo
possível da fonte geradora; d) proibir o transporte de resíduos perigosos para
países sem capacitação técnica, administrativa e legal para tratar os resíduos
de forma ambientalmente adequada; e) auxiliar os países em desenvolvimento
e com economias em transição na gestão dos resíduos perigosos por eles
gerados e; f) trocar informações e tecnologias relacionadas ao gerenciamento
ambientalmente adequado de resíduos perigosos (Instituto Brasil PNUMA,
2008).
Ainda assim, diversos autores (PUCKETT et al, 2005; VEIGA, 2005;
RODRIGUES, 2007) afirmam que a Convenção de Basiléia falha por não ter
uma definição clara do que é resíduo e do que é matéria-prima, então, ainda
que haja restrições para a exportação de resíduos, o mesmo não acontece
para matérias-primas, sendo assim, alguns países desenvolvidos ainda
exportam seus resíduos para países em desenvolvimento como matéria-prima,
burlando a referida Convenção.
544

Isto pode ser confirmado pelo artigo Lixo High-Tech, de Chris Carrol,
para a Revista National Geographic de janeiro de 2008, que retrata o que
acontece com os RST que sofrem este descarte transfronteiriço:

(...) o caminho enlameado passa por entre montes de até 3


metros de altura formados por televisores, gabinetes de
computador e monitores destroçados. Mais adiante começa
um campo recoberto de uma poeira fina com reflexos
esverdeados e cor de âmbar – são fragmentos de placas de
circuito impresso. (...) Ainda que alguns recicladores
processem o material com a preocupação de minimizar a
poluição e os riscos à saúde, a maioria costuma vendê-los a
intermediários que, por sua vez, o enviam a países em
desenvolvimento, onde as leis ambientais são inexistentes ou
pouco respeitadas.

Nos países em desenvolvimento as dificuldades de gestão destes


resíduos são amplificadas devido à inexistência de leis e/ou aplicabilidade
destas no setor de reciclagem e disposição final. Este fator combinado com a
existência de um criativo setor informal, aliado às carências sociais permite o
desenvolvimento de lucrativos negócios de reciclagem, com a utilização de
arriscadas técnicas de baixo-custo e sem controle, conforme figura 2. A maioria
dos participantes deste setor não está consciente dos riscos de saúde a
ambiental, não conhecem as melhores práticas, além de não ter acesso a
capital de investimento para financiar melhorias ou implementar medidas de
segurança (WIDMER et al, 2005).
545

Figura 2: a) Em Karachi, Paquistão, Salman Aziz, de 11 anos recolhe pedaços de


metal de computadores. b) Em Nova Dhéli, Índia, (...) um homem derrama o chumbo derretido
que extraiu de circuitos eletrônicos nas mesmas panelas em que cozinha. Fonte: Revista
National Geographic, Lixo High-Tech, jan/2008.

Em virtude disso, o Brasil aderiu à Convenção de Basiléia através do


Decreto 875/93. Ainda neste mesmo Decreto, o país manifesta sua
preocupação com relação às falhas supracitadas da Convenção e considera
que esta é a apenas um primeiro passo no sentido de se alcançarem os
objetivos propostos ao iniciar-se o processo negociador.
No entanto, apenas no ano 2000, é que a Lei 10.165 incluiu à Política
Nacional do Meio Ambiente (Lei n° 6938/81) o Anexo VIII, que classifica a
fabricação de pilhas, baterias e outros acumuladores, fabricação de material
elétrico e equipamentos para a telecomunicação e informática e fabricação de
aparelhos elétricos e eletrodomésticos como atividades de médio potencial
poluidor.
Sobre a destinação final desses resíduos, pode-se citar apenas a
Resolução CONAMA 401/08, que revoga a resolução 257/99 do mesmo órgão
e “Estabelece os limites máximos de chumbo, cádmio e mercúrio para pilhas e
baterias comercializadas no território nacional e os critérios e padrões para o
546

seu gerenciamento ambientalmente adequado”. Essa resolução representa um


grande avanço no sentido da coleta e destinação final de pilhas e baterias, uma
vez que obriga os pontos de venda a se tornarem também pontos de coleta
desses resíduos, e estimula as atividades de educação ambiental para os
recursos humanos envolvidos.
No entanto, essa resolução contempla apenas pilhas e baterias, então,
sobre os RST, pode-se enquadrá-los nas legislações pertinentes aos Resíduos
Perigosos, conforme foram classificados na dissertação de mestrado de VEIT
(2001), em que, submetidos ao teste de lixiviação proposto pela NBR 10.005,
apresentaram teores de chumbo maiores do que os permitidos pela referida
Norma.
Sendo assim, a disposição irregular de RST fica caracterizada como
crime na Lei n° 9605/98, Lei de Crimes Ambientais, em seu Art. 54, inciso V, e
em seu Art. 56, incorrendo em pena de reclusão de um a cinco anos e pena de
reclusão de um a quatro anos e multa, respectivamente.
Vale ressaltar a existência de um Projeto de Lei da Política Nacional de
Resíduo Sólidos, encaminhado para apreciação em 04 de julho de 2007, pela
então Ministra do Meio Ambiente Marina Silva. Esse projeto de Lei, se
aprovado, não deve resolver os problemas inerentes à disposição final dos
RST, mas é um grande passo na direção disto, uma vez que abrange temas
como a responsabilidade do gerador e a logística reversa.
No Estado de Santa Catarina, pode-se citar duas Leis que fazem
referências a Resíduos Perigosos, sendo elas a Lei Estadual n° 13.557/05 –
Política Estadual de Resíduos Sólidos – e a Lei Estadual n° 11.347/00 – Coleta,
Recolha e Destinação Final de Resíduos Sólidos Potencialmente Perigosos.
A Política Estadual de Resíduos Sólidos determina em seu Art. V, inciso
VII, a responsabilidade pós-consumo do fabricante e/ou importador pelos
produtos e respectivas embalagens ofertados ao consumidor final, em que
couber; reafirmando a responsabilidade das empresas fabricantes de aparelhos
elétricos e eletrônicos sobre estes quando se tornarem resíduos.
Já a Lei sobre Coleta, Recolha e Destinação Final de Resíduos Sólidos
Potencialmente Perigosos, ressalta em seu Art. 1°, parágrafo 2° que sua
547

abrangência é restrita à pilhas e baterias, bem como produtos eletro-eletrônicos


que as contenham de forma insubstituível.
Assim, conforme conclui RODRIGUES (2007), há uma carência no país
com relação à coleta destes resíduos, uma vez que não há legislação que
toque o assunto. Como conseqüência disto, as alternativas existentes para o
descarte dos resíduos tecnológicos são a disposição para coleta junto aos
resíduos domiciliares, as operações especiais dos serviços de limpeza urbana
para coletas de grandes volumes, a doação direta a catadores ou então a
disposição em pontos de entrega voluntária, quando estes existem.
Assim, BEIRIZ (2005) propõe um Sistema de Gestão para os RST,
composto de etapas estruturadas objetivando o tratamento adequado dos RST,
figura 3, com vistas a proteção do meio ambiente, preservando a saúde
humana e os recursos naturais.

Figura 3: Sistema de gestão para os RST.


Fonte: adaptado de BEIRIZ, 2005.
548

Vale explicar que a etapa de reaproveitamento dos RST selecionados


tem como característica a não utilização de energia para remanufatura dos
insumos, de forma que durante este processo os mesmos sofrem apenas uma
adequação funcional, podendo então voltar ao mercado como peças/aparelhos
de segunda mão.
Já na etapa de tratamento, os resíduos considerados aptos à reciclagem
são encaminhados para tal processo, enquanto os não aptos podem ainda
seguir dois destinos diferentes: a fração atóxica pode ser disposta em aterros
sanitários ou seguir para queima objetivando a geração de energia (que pode
ser realizada pela empresa responsável pela reciclagem dos mesmos, de
forma a diminuir custos operacionais), enquanto a fração tóxica deverá seguir
para aterro industrial sofrendo ainda um tratamento de inertização, que pode
ser, por exemplo, o encapsulamento.
No entanto, mesmo com um sistema de gestão formulado, tanto BEIRIZ
(2005) quanto RODRIGUES (2007) ressaltam a importância de uma estrutura
de coleta eficaz, uma vez que esta é a primeira etapa do sistema de gestão e
assim acaba por influenciar diretamente todas as outras etapas.

3 CONCLUSÃO
Os resíduos eletro-eletrônicos constituem uma ameaça real a qualidade
ambiental, bem como um nicho de mercado a ser explorado. No entanto, faltam
informações sobre procedimentos corretos e seguros para realizar a
reutilização/reciclagem dos destes, de forma que este tipo de resíduo acaba
entrando na zona da economia informal, onde é tratado sem qualquer medida
de segurança para os trabalhadores envolvidos e nenhum controle ambiental.
No caso das legislações nacionais vigentes, nota-se que há uma lacuna
a ser preenchida referente ao ciclo de vida desses produtos. Isso pode ser
facilmente notado quando da interpretação da Resolução 401 do CONAMA,
que trata de pilhas e baterias, mas não de eletro-eletrônicos em geral.
Para estes a situação é crítica, pois verifica-se apenas a Convenção de
Basiléia, que proíbe o transporte transfronteiriço de resíduos eletrônicos, mas
não refere-se sobre o que deve ser considerado resíduo ou não, tampouco
549

apresenta caráter de lei, sendo muito mais um acordo diplomático que uma
legislação a ser seguida.
Assim, observa-se uma grande carência no setor quanto as etapas finais
do ciclo de vida desses produtos, uma vez que governos, empresas e usuários,
que deveriam dividir a responsabilidade sobre esses resíduos, acabam por
esperar um pelo outro e, pela falta de uma legislação adequada, acabam por
apenas entulhar esses resíduos.

REFERÊNCIAS

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Proposta de modelo conceitual de gestão. Dissertação de Mestrado. Niterói,
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550

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ZIGLIO, Luciana. A Convenção de Basiléia e o destino dos resíduos industriais


no Brasil. Dissertação de Mestrado. USP, São Paulo, 2005.
551

O LICENCIAMENTO AMBIENTAL NAS ATIVIDADES DE EXPLORAÇÃO DO


PETRÓLEO E GÁS, O PROJETO MEXILHÃO DE GÁS, OS CONFLITOS
SOCIOAMBIENTAIS QUE SURGIRAM E A NEGOCIAÇÃO AMBIENTAL
COMO ESTRATÉGIA PARA A SUSTENTABILIDADE

FERNANDA GONÇALVES DE ANDRADE PENNAS 1

1 INTRODUÇÃO
O presente estudo faz uma análise crítica da figura do licenciamento
ambiental, como um instrumento de gestão ambiental que possui muitos pontos
que devem ser aprimorados. Com base no estudo de caso do Projeto Mexilhão
de Gás, da Petrobras, no Litoral Norte de São Paulo, os conflitos
socioambientais que surgiram, e uma inovação onde se estabeleceu um
processo de diálogo entre os diferentes atores envolvidos nos conflitos,
fazendo assim a negociação ambiental, como uma estratégia para a
sustentabilidade.

2 FERRAMENTAS CONCEITUAIS
A definição de licenciamento ambiental foi trazida pela resolução
CONAMA nº237 de 19 de dezembro se 1997, em seu artigo º1, inciso I:

Licenciamento ambiental é o procedimento administrativo pelo


qual o órgão ambiental competente licencia a localização,
instalação, ampliação e operação de empreendimentos e
atividades utilizadoras de recursos ambientais, consideradas
efetiva ou potencialmente poluidoras ou daquelas que, sob
qualquer forma possam causar degradação ambiental,
consideradas as disposições legais e regulamentares e as
normas técnicas aplicáveis ao caso.

O licenciamento ambiental é um dos instrumentos de gestão ambiental e


decorre do poder de polícia, pois é uma forma de controle.

1
Estudante de Direito da Unisantos- Universidade Católica de Santos. Vice-presidente do Grupo de
Estudos de Direito Ambiental – GEDA Unisantos. Endereço eletrônico: fernandapennas@hotmail.com.
552

Licenciamento nas atividades de EXPROPER – Exploração, Perfuração


e Produção de Petróleo e Gás Natural.
Para as atividades de exploração de petróleo e gás foram instituídos
procedimentos específicos para o licenciamento ambiental, segundo resolução
CONAMA, nº23 de 07 de dezembro de 1994.
O IBAMA e o órgão estadual competente, quando couber devem
fornecer as licenças que são:
• Licença prévia para perfuração: O empreendedor deve apresentar
Relatório de Controle Ambiental das atividades, e a delimitação da
área de atuação pretendida.
• Licença prévia de produção para pesquisa: Autoriza a pesquisa para
se verificar a viabilidade econômica da jazida, para isto deve
apresentar o Estudo de Viabilidade Ambiental.
• Licença de Instalação: Após a aprovação do EIA, ou RAA, e os demais
estudos contemplados, autoriza-se a instalação.
• Licença de Operação: Após o Projeto de Controle Ambiental, autoriza-
se a operação do empreendimento ou das unidades, instalações e
sistemas integrantes da atividade, na área de interesse.

Conflitos socioambientais são disputas entre diferentes grupos


humanos que utilizam de formas distintas os recursos
ambientais. São fenômenos complexos, envolvendo a esfera
dos fenômenos físicos e biológicos, as relações sociais, e a
interação entre estes dois campos. São mais freqüentes os
conflitos decorrentes dos impactos ambientais de uns usos
sobre outros, as disputas pela utilização de recursos, e os
conflitos pelo uso dos conhecimentos ambientais 2.

A Sustentabilidade tem como dimensões fundamentais o


atendimento das necessidades básicas das populações atuais
e futuras, revendo padrões de consumo acima do
ecologicamente razoável; o uso prudente dos recursos
naturais, desenvolvendo substitutos para os recursos não
renováveis antes de seu esgotamento e respeitando padrões

2
LITTLE, P. Os Conflitos Socioambientais: um Campo de Estudo e Ação Política. In Bursztin, M. (org.)
A difícil sustentabilidade - política energética e conflitos ambientais. Rio de Janeiro: Editora Garamond,
2001.
553

que permitam a perpetuação da oferta dos recursos


renováveis; uma revisão da técnica, evitando a poluição e os
riscos; a conservação da diversidade biológica e a renovação
dos processos ecológicos essenciais; a construção e
manutenção de uma relação equilibrada entre volume das
populações e as bases de recursos dos ambientes em cada
região 3

A negociação ambiental vem da abordagem de ganhos mútuos para


solucionar os conflitos, ou seja, devem se construir entendimentos que
beneficiem todos os atores envolvidos, construindo assim acordos. As
empresas podem negociar seus conflitos com os grupos que se relacionam
como a comunidade, ambientalistas, consumidores, etc...

3 DESENVOLVIMENTO

• Problemática ambiental no Litoral Norte de São Paulo:


A Região envolve quatro cidades: São Sebastião, Ilha Bela,
Caraguatatuba e Ubatuba
O litoral Norte de São Paulo possui características ambientais
peculiares, como mata atlântica, zona costeira, e estuário. Até os anos 80
existia um isolamento da região, após a melhoria do acesso rodoviário, os
grandes empreendimentos, como o porto de cargas, o terminal de
hidrocarbonetos, a migração, ocupação desordenada, o crescimento
imobiliário, surgiram uma série de conflitos socioambientais.
Com a chegada da Petrobras, suas operações com produtos perigosos
trouxeram uma grande vulnerabilidade aos ecossistemas locais, ocasionado
diversos acidentes e contaminações. A memória da sociedade local tem esse
paradigma de desconfiança, que traz uma grande dificuldade de
relacionamento da empresa, pois esta é vista como um predador do território.
Atualmente surgiram diversas ameaças ambientais para a região, como
por exemplo, a possibilidade de duplicação da Rodovia dos Tamoios, a
ampliação do porto de São Sebastião, o Projeto Mexilhão de Gás, entre outros.

3
SACHS, I. Estratégias de transição para o Século XXI – Desenvolvimento e Meio Ambiente. São Paulo:
Estudio Nobel / FUNDAP, 1993.
554

• O projeto Mexilhão de Gás


A Petrobras está instalando na Bacia de Santos a plataforma Mexilhão,
em 172m de lamina d’água, está será a maior estrutura metálica offshore já
erguida no Brasil. Esta plataforma estará interligada a um gasoduto de 145m
que levará a produção para a base terrestre, na Unidade de Tratamento de
Gás Monteiro Lobato (UTGCA), em Caraguatatuba, Litoral Norte de São Paulo.
Após isso um gasoduto de 100 km levará o gás tratado para o município de
Taubaté, São Paulo, onde será interligado a outro gasoduto, Campinas-Rio de
Janeiro. Este complexo constituirá o Projeto Mexilhão de Gás, que teve um
investimento de cerca de 2 bilhões de dólares.
Quando a Plataforma Mexilhão atingir sua capacidade operacional, a
produção será responsável por 20% de redução da dependência brasileira ao
gás estrangeiro, que passará de 50% para 30%.
A previsão é de que se inicie a produção com 8 a 9 milhões de metros
cúbicos por dia, e após um ano essa produção alcance o total esperado de 15
milhões de metros cúbicos por dia.

• Licenciamento Ambiental do Projeto Mexilhão de Gás: Uma eclosão de


conflitos
O IBAMA estipulou que se fizessem dois EIA/RIMA, um para a parte
marinha, de onde viriam os túneis para trazer o gás da plataforma, e outro da
parte terrestre, onde seria instalada a unidade de tratamento do gás.
O grande problema se iniciou com a má condução das audiências
públicas que não trouxeram abertamente o que estava contido nos EIA/RIMA.
A primeira audiência pública, realizada em 2006 pelo IBAMA, foi uma grande
decepção, fazendo com que as tensões aumentassem, pois não se possibilitou
um debate mais aprofundado do investimento. Não se controlava bem o tempo
e isto fez com que os debates não fossem realizados de maneira satisfatória,
os representantes da sociedade civil não tiveram oportunidade de se
manifestar e encaminhar críticas ou questionamentos.
555

Com isto deu a impressão que estavam apenas cumprindo-se as


formalidades, mas não garantindo a efetiva participação da sociedade na
tomada de decisões. Criou-se uma visão de que o licenciamento ambiental é
um procedimento viciado e sem efetividade.
Devido a esta situação a Petrobras resolveu organizar reuniões públicas
para debater o projeto, onde participaram o governo, legislativo, comerciantes,
pescadores e ambientalistas, estes confrontaram incisivamente com a dinâmica
de condução da empresa, exigindo esclarecimentos relativos aos estudos e
avaliações ambientais do projeto, e como as audiências públicas; as reuniões
também não foram bem sucedidas.
Exigia-se uma discussão franca dos impactos ambientais, acesso a
informação durante o licenciamento e implantação do projeto, discussão dos
programas ambientais (mitigações e compensações), influência na concepção
e formas de implantação, cuidados especiais com as Unidades de
Conservação, etc...

• Iniciativas voluntárias de negociação ambiental


Devido à limitação do licenciamento ambiental, não se pode restringir a
fazer apenas o que está estipulado em legislação, deve-se buscar o que está
além da lei, iniciativas voluntárias que serão mais eficazes. Neste conceito que
entra a negociação ambiental, abordagem de ganhos mútuos, que deveria
acontecer antes do processo de licenciamento para que este fosse realizado de
maneira adequada.
Com as iniciativas voluntárias pode se propiciar: um diálogo amplo,
esclarecimento de dúvidas, aproximação do público aos técnicos, fundação de
processo de prestação de contas e acompanhamento de planos de gestão da
empresa pelo público, entidades locais podem apresentar contribuições para
concepção e eventualmente para realização de atividades de parceria, UCs
são consolidadas e tem melhor plano de gestão, possibilidade de adesão e
apoio a avaliação ambiental estratégica, identificação de políticas públicas
adequadas, estímulo ao turismo sustentável, etc...
556

No caso levantado do Projeto Mexilhão de Gás, após todos estes


conflitos, surgiu uma idéia pioneira de um processo de diálogo entre empresa e
a sociedade civil, inclusive os ambientalistas. Foi criado um convênio, de um
lado a Petrobras, de outro a Real Norte que é um colegiado de ONGS
ambientalistas das quatro cidades do Litoral Norte, e a Unisantos –
Universidade Católica de Santos, que tem papel de mediadora no processo de
diálogo.

• Comitê de Promoção do Diálogo para a Sustentabilidade – COMDIAL


Composto pela Real Norte, Unisantos e Petrobras tem como objetivo
desenvolver uma matriz de desenvolvimento sustentável na região, que atenta
os interesses econômicos em sintonia e defesa dos interesses
socioambientais. Deve promover acesso às informações, esclarecimentos,
debates sobre os aspectos socioambientais do Projeto Mexilhão de Gás, seus
programas de gestão, medidas mitigatória e de compensação. Também deve
estender o processo de informação e esclarecimento ao conjunto de operações
da Petrobras na Região, apoiar e participar da Avaliação Ambiental estratégica
sobre projetos de grande porte e indutores de transformações, e analisar as
prioridades de ações para o desenvolvimento sustentável abrangendo as
questões ligadas as UCs.
Neste processo de diálogo para a sustentabilidade poderão ser incluídas
entidades governamentais, não governamentais, empresas, e a sociedade
como um todo, desde que haja o comprometimento com o desenvolvimento
sustentável da Região.

• Centro de Experimentação em Desenvolvimento Sustentável do Litoral


Norte de São Paulo – CEDS – LN
Reúne as atividades de suporte para o COMDIAL, está instalado em São
Sebastião, tem em seu espaço físico sala de aula para funcionamento de
oficinas, cursos, sala para projetos, para suporte a pesquisa, sala de reuniões,
e área administrativa para a gerência e secretaria.
557

Visa equacionar a visão integrada do território e suas transformações,


abriga um laboratório de práticas sustentáveis, que dão respostas as questões
resultantes dos trabalhos desenvolvidos, facilita a comunicação sobre a
proposta de diálogo, e também providencia documentações para a
comunicação deste processo para o restante da sociedade, traz as inovações
geradas através da convergência de esforços, e também promove
convergência de entendimentos, formula proposituras de modelos inovadores
de atividades econômicas. Visa também buscar ações e providências futuras
sempre em torno do desenvolvimento sustentável.
Uma das finalidades centrais do CEDS é criar modelos de eco-
empreendimentos, de acordo com a pauta do diálogo para sustentabilidade.
Isto será feito através dos eco-projetos que serão desenvolvidos por
pesquisadores, como experimentos de estratégias inovadoras para a
sustentabilidade.

4 CONCLUSÕES ARTICULADAS
De acordo com os dados levantados podemos verificar que os
instrumentos de comando e controle, como o licenciamento ambiental
associado às audiências públicas, oferecem grandes limitações para uma
gestão ambiental integrada e completa, falta esclarecimento ao público,
incorporação de propostas e reivindicações. Como existem diferentes
interesses e direitos, a burocracia ambiental aumenta os conflitos e não traz
instrumentos para a sustentabilidade.
Nas iniciativas voluntárias de negociação ambiental, com a criação do
processo de diálogo, as partes envolvidas tem ganhos mútuos e convergência
de interesses.
No Projeto Mexilhão de Gás, as partes envolvidas se propuseram a dar
prosseguimento à discussão extra-licenciamento, esta experiência só trouxe
bons resultados, superou as tensões iniciais e está desenvolvendo uma gestão
ambiental mais integrada, trazendo instrumentos para um posicionamento
empresarial em prol da sustentabilidade.
558

BIBLIOGRAFIA

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Fronteira, 2002.

CMMAD - COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E


DESENVOLVIMENTO. Nosso Futuro Comum. Rio de Janeiro: Editora da
Fundação Getúlio Vargas, 1988.

CUNHA, I. A Política Ambiental Local, Negociação de Conflitos e


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Gás Natural. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2003.
GONÇALVES, A, RODRIGUES, G (org) Direito do Petróleo e Gás – Santos:
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SACHS, I. Estratégias de transição para o Século XXI – Desenvolvimento e
Meio Ambiente. São Paulo: Estúdio Nobel / FUNDAP, 1993.
559

A CONSTRUÇÃO DE ÁREAS COMUNS SUBTERRÂNEAS EM CURITIBA:


Dano ao patrimônio hídrico e crítica ao permissivo legal concedido pelo Decreto
Municipal n.º 197/00

FERNANDO DO REGO BARROS FILHO 1

1 INTRODUÇÃO
A recente discussão acerca dos impactos ambientais causados pela
construção de garagens subterrâneas no Município de Curitiba 2 reafirma um
antigo embate: o objetivo de ordenamento das construções e preservação dos
recursos naturais locais e a possibilidade de aproveitamento econômico e
construtivo dos terrenos. Os empreendedores alegam que, para um maior
aproveitamento dos locais de construção, necessitam escavar para a
construção de garagens, já que a lei municipal permitiria tal prática sem o
cômputo no potencial construtivo do terreno. No entanto, devido à topografia e
hidrografia da região do município de Curitiba, as escavações causariam a
supressão de milhares de nascentes, o que ocasionaria um significativo dano
ambiental.
Se partirmos do pressuposto da existência de danos ambientais na
situação descrita, resta discutir o regime jurídico municipal destinado à
construção das ditas garagens subterrâneas. A análise deverá estar centrada
na ponderação entre os seguintes fatores: a) o dano ambiental que seria
causado pela eliminação das garagens no cômputo do potencial construtivo
permitido; b) os danos causados pela permissibilidade de garagens
subterrâneas sem o cômputo no respectivo potencial construtivo e c) o
cumprimento dos objetivos básicos da legislação municipal quanto à proteção
ao meio ambiente.

1 Advogado, Analista de Controle Externo do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR).


Especialista em Direito Ambiental e Desenvolvimento pela Universidade Estadual do Amazonas (UEA).
E-mail: fernando@fernandobarros.adv.br.
2 GAZETA DO POVO. Garagens causam dano ambiental. Disponível em
http://portal.rpc.com.br/gazetadopovo/vidaecidadania/conteudo.phtml?id=883680.
560

Para tanto, será analisada a legislação municipal acerca do tema (Lei


9.800/00 e anexos), para que seja possível uma observação clara do regime
jurídico destinado à construção de garagens subterrâneas. Após, será
verificada a literatura científica existente acerca da existência dos danos
ambientais descritos acima. Ao final, os dados obtidos serão comparados aos
objetivos prescritos na legislação, para que seja possível uma posição precisa
acerca do assunto.

2 A LEGISLAÇÃO MUNICIPAL ACERCA DO TEMA


A lei de zoneamento de Curitiba (Lei n.º 9.800/00) estabelece o conceito
de coeficiente de aproveitamento do solo, conforme pode ser observado no art.
42, II:

Art. 42. Para efeitos desta lei, em cada zona ou setor, os


critérios de assentamento e implantação da edificação no
terreno são estabelecidos pelos seguintes parâmetros de
ocupação:
(…)
II - coeficiente de aproveitamento - é o fator estabelecido para
cada uso nas diversas zonas, que multiplicado pela área do
terreno, define a área máxima computável admitida nesse
mesmo terreno;

O conceito acima é importante para que tenhamos a real dimensão do


que está sendo discutido. O coeficiente de aproveitamento é utilizado pela
legislação municipal como fator limitador e ordenador das construções
realizadas no município e é variável conforme o tipo de zona ou setor urbano,
relacionados no art. 5º da referida Lei. Os critérios para a variabilidade do
coeficiente são baseados na política municipal de destinação do terreno,
especialmente os relacionados à gestão da densidade demográfica na zona ou
setor urbano.
Desse modo, as várias regiões de Curitiba possuem a limitação
legislativa quanto à área construída no terreno. Situação jurídica diversa surge
com a edição do Decreto n.º 197/00, que dispõe sobre áreas não computáveis
e dá outras providências. Conceitua área não computável como a somatória
das áreas edificadas, que não serão consideradas no cálculo do coeficiente de
aproveitamento (Art. 1º) e enumera taxativamente o que são estas áreas,
561

conforme o art. 2º:

Art. 2º São consideradas áreas não computáveis:


(...)
IV - as áreas dos pavimentos situados em subsolo destinadas
ao uso comum dos usuários de edificação habitacional, desde
que atendidas as condições mínimas de habitabilidade e
conforto ambiental prevista na legislação em vigor;

V - as áreas dos pavimentos situados em subsolo destinados a


estacionamento exclusivo da edificação;

As duas alíneas transcritas acima representam o ponto central da


discussão, mais especificamente a alínea V, que se refere ao estacionamento
das edificações. Primeiro comentário deve ser realizado à natureza do
estacionamento dito não computável. Trata-se de espaço destinado à utilização
estrita da edificação, vedada, neste caso, a possibilidade de qualquer utilização
comercial do estacionamento, a qual deverá ser regida por regime jurídico
diverso neste sentido.
A partir da legislação urbanística de Curitiba, é possível a construção de
uma garagem subterrânea sem que haja prejuízo no cálculo do coeficiente de
aproveitamento do terreno. A motivação é simples: não haveria nenhum
impacto na densidade demográfica da zona ou área, conforme as
considerações contidas no Decreto n.º 197/00. Revela-se, então, como um
prêmio da legislação ao empreendedor que deseja aumentar a eficiência
econômica de seu empreendimento: constrói-se a garagem subterrânea para
haver mais área útil para venda de unidades e/ou outras facilidades da
construção.

3 O PERFIL DO SUBSOLO DE CURITIBA E A POSSIBILIDADE DE DANO


AMBIENTAL
O subsolo da região de Curitiba possui algumas particularidades que
impactam diretamente na gestão do solo urbano. A formação predominante da
chamada Bacia Sedimentar de Curitiba é constituída pela formação
Guabirotuba, constituída, por sua vez, por argilas cinzas, sobreadensadas e
562

fraturadas 3. Uma das características da formação Guabirotuba é a presença de


lençóis freáticos em profundidades não superiores a 10 (dez) metros,
especialmente entre 1 (um) e 5 (cinco) metros. O gráfico abaixo 4 demonstra
com maior clareza a intensidade da presença dos lençóis freáticos na região:

A partir dos dados acima, observa-se que há uma alta freqüência de


lençóis freáticos em baixa profundidade do solo da região. Significa dizer que
as construções subterrâneas dificilmente não atingirão nascentes ou
passagens de água, o que acarreta um desequilíbrio no regime hídrico local.
Dessa forma, embora as construções subterrâneas não representem um
aumento na densidade populacional das localidades determinadas na

3 TALAMINI NETO, Eduardo. Caracterização geotécnica do subsolo de Curitiba para o


planejamento de ocupação do espaço subterrâneo. Dissertação (Mestrado) – Escola de Engenharia de
São Carlos, Universidade de São Paulo, 2001. pg. 107.
4 TALAMINI NETO, Eduardo. Obra citada. Pg. 108.
563

legislação municipal, está presente a possibilidade de dano ambiental


significativo causado pelas escavações necessárias às obras.

4 OBJETIVOS DO ZONEAMENTO, PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO E A


PERMISSÃO DO ART. 2º, IV E V DO DECRETO MUNICIPAL N.º 197/00

A partir do contexto demonstrado nos itens anteriores, há a permissão


legislativa para a construção de garagens e áreas comuns subterrâneas sem
que estas sejam computadas no coeficiente de ocupação dos terrenos. Outro
fato importante é que o subsolo de Curitiba possui a característica de
apresentar uma grande quantidade de lençóis freáticos em baixas
profundidades, os quais podem ser permanentemente afetados pelas obras de
escavação subterrâneas.
Esses fatos devem ser conjugados com os princípios que regem a
gestão urbana no Município de Curitiba. A Lei 10.257/2001, como lei geral,
estabelece como objetivos do zoneamento ordenar o pleno desenvolvimento
das funções sociais da cidade e da propriedade urbana (Art. 2º, caput). Para
tanto, estabelece diretrizes básicas que deverão ser seguidas pela legislação
municipal ao tratar da gestão urbana. Dentre estas, o art. 2º, I estabelece a
garantia do direito a cidades sustentáveis, incluído o saneamento ambiental
neste conceito. Ainda dentro das mesmas diretrizes, o art. 2º, VI, g, determina
que a ordenação e o controle do uso do solo deverão evitar a poluição e a
degradação ambiental.
A Lei municipal n.º 9.800/00 segue a mesma linha. Define o conceito de
zoneamento como a divisão do território do Município visando dar a cada
região melhor utilização em função do sistema viário, da topografia e da infra-
estrutura existente (Art. 2º). Além disso, o art. 3º estabelece uma série de
objetivos do zoneamento, conforme pode ser visto no trecho transcrito abaixo:

Art. 3º. O Zoneamento e os critérios de Uso e Ocupação do


Solo atendem a Política Urbana para o Município, definida com
os seguintes objetivos:
(...)
VI - viabilização de meios que proporcionem
564

qualidade de vida à população, em espaço urbano


adequado e funcional e o planejamento integrado às políticas
públicas;
VII - preservação da escala da cidade e de seus
valores naturais, culturais e paisagísticos;
VIII - compatibilização das políticas de incentivos à
preservação do Patrimônio Cultural, Paisagístico e Ambiental;

Por fim, devemos lembrar de que as diretrizes e objetivos expostos


acima devem guardar relação tanto com o o direito a um meio ambiente
ecologicamente equilibrado (Art. 225, Constituição Federal) quanto com as
diretrizes constitucionais para a política urbana (Arts. 182 e 183, Constituição
Federal). Esses dispositivos, por sua vez, nada mais são do que a realização
da dignidade da pessoa humana, fundamento da República (Art. 1º, III), assim
como a promoção do bem de todos, objetivo desta (art. 3º, IV).
A partir de todas as normas expostas acima e das informações acerca
do subsolo da cidade de Curitiba, pode ser observada a total inobservância ao
princípio da precaução em direito ambiental. Previsto expressamente no caput
do artigo 225, determina como dever do Estado a defesa e a prevenção de
danos ao meio ambiente, para que seja possível a própria garantia de um meio
ambiente ecologicamente equilibrado a todos.
FIORILLO aponta como uma perspectivas deste princípio a punição
correta do poluidor, pois, dessa forma, ela passa a ser um estimulante negativo
contra a prátia de agressões ao meio ambiente 5. Outro ponto que podemos
destacar é que o dever estatal de preservação e proteção do meio ambiente
consiste também em não permitir que as políticas públicas urbanas
estabeleçam um contexto propício à prática de dano ambiental 6. Assim, não é
possível alegar a permissão determinada pelo art. 2º, IV e V do Decreto n.º
197/00 pela simples falta de influência no coeficiente de aproveitamento dos
terrenos de construção, pois há o dano ambiental envolvido e o dever do
Município em não expor os particulares a um contexto de destruição dos
recursos hídricos da região.

5 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 8ª ed. Rev. Atual. e
ampliada. São Paulo: Editora Saraiva, 2007. pág. 43.
6 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 14ª Ed. Rev. e atual. São
Paulo: Malheiros Editores, 2006. pág. 74.
565

Uma vez que não é possível a manutenção deste regime jurídico, é


dever da Municipalidade a promoção de uma nova discussão acerca da lei de
zoneamento, uma vez que a supressão deste importará em uma menor
eficiência da construção civil 7. No entanto, deverá haver alguns critérios base
para tanto. Deve-se levar em conta, por exemplo, que a preservação do meio
ambiente é um são princípio informativo da atividade econômica (art. 170, VI,
Constituição Federal). Além disso, a própria política urbana municipal deverá
garantir a sadia qualidade de vida a todos, o que inclui a realização de
condições favoráveis ao suprimento anual de unidades residenciais e
comerciais necessárias para o crescimento social e econômico da população.
Desta forma, a solução político-jurídica deve atingir o máximo
desenvolvimento econômico dos agentes e determinar a cultura da
incorporação das determinações ambientais como parte dos custos de
investimento 8. No caso específico, impedir a destruição do patrimônio hídrico
da cidade de Curitiba e região, assim como garantir que a diminuição de
unidades gerada pela eliminação das construções subterrâneas não impacte
negativamente nas necessidades anuais de novas habitações, o que deverá
ser suprido por políticas públicas voltadas para um ordenamento mais eficiente
da malha urbana da cidade.

5 CONCLUSÕES ARTICULADAS

5.1 Os incisos IV e V do Decreto municipal n.º 197/00 não estão em acordo


com a legislação ambiental vigente. Ferem o princípio da precaução,
determinado no art. 225, caput, da Constituição Federal ao expor a
coletividade a uma situação de dano ambiental decorrente do desequilíbrio
hídrico causado por construções subterrâneas para construção de espaços
comuns e estacionamentos;

7 O fim da possibilidade de construção de garagens subterrâneas forçará o empreendedor a


construí-las acima da superfície, o que diminuiria a capacidade global de construção de habitações.
8 NAPOLITANO, Ângela Aparecida. Relações entre o Direito Ambiental e o Direito Econômico.
Revista de Direitos Difusos – Direito Econômico e Meio Ambiente, vol. 24, Mar.-Abr./2004. São Paulo,
2004. Pág. 3367.
566

5.2 Diante da necessidade de supressão desta norma, a legislação urbanística


da cidade de Curitiba necessita ser rediscutida. No entanto, eventual
diminuição da oferta de imóveis decorrente do fim deste regime jurídico deve
ser acompanhada por políticas públicas que disponibilizem novas áreas para
satisfação da demanda econômica de imóveis. Somente desta forma, é
possível garantir a sustentabilidade da cidade de Curitiba e a viabilidade do
crescimento econômico e social.
567

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 8ª


ed. Rev. Atual. e ampliada. São Paulo: Editora Saraiva, 2007.

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atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2006.

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para o planejamento de ocupação do espaço subterrâneo. Dissertação
(Mestrado) – Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo,
2001.
568

CARACTERIZAÇÃO DE MICRORGANISMOS DEGRADADORES DO


NAFTALENO, ISOLADOS DE AMBIENTES IMPACTADOS PELA
MINERAÇÃO DO CARVÃO

GABRIELA SCHOLANTE DELABARY 1


MARCUS ADONAI CASTRO-SILVA 2

1 INTRODUÇÃO
O carvão mineral é proveniente de uma vegetação primitiva, oriunda de
locais pantanosos, os quais sofreram alterações bióticas e abióticas, como a
desidratação, pressão, calor e ação microbiana, proporcionando assim um
enriquecimento progressivo de carbono e empobrecimento de oxigênio, por um
processo de diagênese denominado de intracarbonização. A composição
orgânica do carvão é predominantemente carbono e hidrogênio e em menores
quantidades oxigênio, nitrogênio e enxofre e a inorgânica composta por
silicatos incorporados na fase de deposição do material vegetal (LENZ;
RAMOS 1984).
Segundo Abreu (1978) o principal atributo do carvão nacional é
principalmente na produção de energia termoelétrica (carvão a vapor) e de
coque (carvão metalúrgico). Para os fins comerciais, a finalidade de sua
utilização, bem como a procedência do carvão e a natureza de seu resíduo são
classificados quanto à produção de matéria volátil. Assim sendo, para a
produção de energia termoelétrica o carvão deve possuir um bom rendimento
térmico, contendo um baixo teor de cinzas e uma considerável quantidade de
matéria volátil. Já para a produção do coque metalúrgico, o carvão deve
apresentar propriedades aglomerantes, possuindo um teor não muito elevado
de matéria volátil, baixo teor de cinzas e de enxofre, além de produzir um
coque com propriedades mecânicas apropriadas ao seu uso nos altos-fornos.
A poluição ambiental resultante da produção dos efluentes ácidos,
resíduos provenientes da mineração afetam muitos países em todo o mundo. A

1
Graduando em Ciências Biológicas. E-mail: gabidelabary@hotmail.com
2
Doutorando em Microbiologia. E-mail: marcus.silva@univali.br
569

drenagem ácida de mineração (DAM) é um dos problemas ambientais dos mais


sérios associados com as atividades de minério. Esta atividade resulta da
dissolução da oxidação biológica acelerada dos minerais sulfídicos. Estes
minerais são os principais metais de importância comercial, tais como o cobre e
o zinco, que são associados freqüentemente com outros minérios, como o
carvão que em seu processo de mineração ocorre a deposição da pirita (FeS2),
que é oxidada na presença do ar e a água para formar o ácido sulfúrico
(NICOMRAT et al., 2006; TAN et al., 2006; JOHNSON et al., 2001). A
oxidação da pirita em águas de mineração é catalisada pela ação de bactérias
acidofílicas oxidantes do ferro e do enxofre, acelerando assim este processo,
que de outra maneira seria lento (BANKS et al., 1997).

2 FeS2 + 7 O2 + 2 H2O → 2 FeSO4 + 2 H2SO4

Segundo Tan et al. (2006), diversas pesquisas ocorreram para isolar e


caracterizar os microrganismos acidofilicos encontrados em diversos ambientes
de DAM. Bactérias e archaeas acidofílicas, tal como os Acidithiobacillus (At.)
ferrooxidans, Leptospirillum ferrooxidans e Ferroplasma acidiphilum, são
particularmente especializadas em explorar ambientes ricos em minerais
sulfídicos, em conseqüência da abundância do seu doador preliminar de
elétrons, o ferro ferroso. Outras bactérias acidofílicas quimiolitotróficas,
incluindo At. thiooxidans e At. caldus, vivem em locais onde se encontram
metais para oxidar e reduzir compostos sulfídicos inorgânicos. Com isso,
bactérias acidofílicas obrigatórias heterotróficas tem sido isoladas destes
ambientes (JOHNSON et al., 2001).
Na região sul do Brasil, especialmente em Santa Catarina (SC), a
contaminação dos recursos hídricos pelos rejeitos de carvão tem sido
considerada bastante crítica. FATMA-UFRGS (1978) realizou o primeiro
diagnóstico ambiental das três bacias hidrográficas da região carbonífera de
SC. Assim os subseqüentes trabalhos realizados por Marcomin (1996);
Alexandre & Krebs (1995); Veado, (1989); Bender et al., (1998) identificaram a
crescente acidez das águas dos rios como o principal processo de degradação
dos recursos hídricos em toda a região.
570

Por meio de estudos realizados em Criciúma, (SC), Alexandre & Krebs,


(1995), observaram a degradação do rio Criciúma desde as suas nascentes
provenientes das atividades de mineração de carvão, com pH ácido e níveis de
oxigênio dissolvido muito baixos. Concentrações elevadas de Fe, SO42- e
acidez também foram reportadas para os rios Maina e Sangão, receberam
intensa contribuição de despejos oriundos das atividades de mineração e
beneficiamento de carvão mineral, e para o rio Linha Anta, que drena efluentes
de área de mineração de carvão (TEXEIRA; PIRES, 2002).
Hidrocarbonetos poliaromáticos (HPA’s) constituem uma classe de
compostos orgânicos contendo um ou mais anéis benzênicos, arranjados de
forma angular ou linear. Esta classe pode apresentar substituições de um dos
carbonos dos anéis aromáticos por moléculas de enxofre, nitrogênio ou
oxigênio (MELO; AZEVEDO, 1997).
Estes compostos surgem no meio ambiente, devido aos processos
naturais e de natureza antropogênica, sendo que a concentração de HPA’s no
meio ambiente é proporcional ao nível de desenvolvimento industrial e da
contaminação por produtos petrolíferos (JONES et al. 1989), bem como
contaminação do solo decorrente da mineração do carvão. Estas moléculas
são componentes do petróleo, carvão, xisto, óleo e alguns também são
formados pela combustão incompleta de combustíveis fósseis (DORE et al.,
2003; JACQUES et al., 2007).
Dentre os compostos aromáticos, o naftaleno, composto poliaromático
constituído de dois anéis benzênicos, foi estudado como modelo por possuir
uma maior solubilidade que os outros compostos aromáticos, 31,7mg/L em
água, o que facilita o desenvolvimento do trabalho (MAGALHÃES; VALDMAN,
2004), sendo assim, amplamente difundido em técnicas de enriquecimento
para isolar bactérias degradadoras de HPA´s de solos e água (HEDLUND et
al., 1999).
Devido á essa persistência no ambiente, os HPA foram considerados
pelo Ato Americano “1976 Resource Conservation and Recovery” como
resíduos perigosos à saúde humana e ao ambiente e por isso devem ser
freqüentemente monitorados em efluentes, devido ao fato de serem
considerados carcinogênicos, mutagênicos, teratogênicos, além de possuírem
571

efeitos tóxicos aos seres vivos (LIJINSKY et al. 1963) e terem a capacidade de
se bioacumularem em diferentes cadeias alimentares (GODSY et al., 1983).
Para Rawlings e colaboradores (1999), bactérias quimiolitotróficas
de ambientes ácidos compreendem dois grupos: bactérias oxidantes do
ferro e oxidantes do enxofre. Algumas das bactérias quimiolitotróficas
fazem ambos os processos, outras se restringem a um dos dois tipos de
metabolismo. Das bactérias quimiolitotróficas, as espécies mais
comumente encontradas têm sido caracterizadas como Acidithiobacillus
ferrooxidans, A. thiooxidans, Leptospirillum ferrooxidans, Sulfolobus e
mais recentemente A. caldus. Existem ainda bactérias heterotróficas que
também podem oxidar os mesmos elementos citados anteriormente.
Devido a sua forma de metabolismo, estas bactérias têm sido
encontradas em ambientes de DAM (JOHNSON et al., 2001).
Em ambientes antropogênicos, como em águas provenientes de
processos de mineração, o microrganismo mais estudado é provavelmente o A.
ferrooxidans. Este microrganismo, além de oxidar ferro ferroso, também tem a
habilidade de oxidar enxofre e reduzir compostos ricos em enxofre, podendo
ainda usar o ferro férrico como aceptor de elétrons reduzindo novamente a
ferro ferroso, em ambientes sem oxigênio (GONZÁLEZ-TORIL, 2003).
Em 22 de junho de 2007, o Superior Tribunal Justiça (STJ) condenou a
União, bem como as mineradoras que degradaram áreas no sul de Santa
Catarina, a recuperar os ambientes impactados por duas décadas. O STJ
concluiu que houve responsabilidade solidária entre o poder público e as
empresas poluidoras, onde todos respondem pela ação. A decisão foi
argumentada na Lei n. 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional de Meio
Ambiente, estabelece que sócios e administradores respondam pelo
cumprimento da obrigação de reparação ambiental de forma solidária com as
empresas. O prazo para recuperação das bacias hidrográficas e lagoas foi de
10 anos e de três anos para a recuperação da área terrestre, a partir da liminar
concedida pelo juízo de primeiro grau, no ano 2000 (MESSERSCHMIDT,
2007).
Devido aos problemas causados pela mineração de carvão, existe um
interesse crescente em entender os destinos e as formas de desaparecimento
de todos os compostos provenientes desta atividade, incluindo compostos
572

tóxicos como o naftaleno, para que haja o desenvolvimento de métodos mais


eficientes de remoção, tais como a biorremediação (MELO; AZEVEDO, 1997).
Para isto é necessário o conhecimento dos microrganismos responsáveis pelos
processos de degradação destes compostos tóxicos. Levando em
consideração as condições que se extremas dos locais impactados pela
mineração, é fundamental para o aprimoramento de métodos de
biorremediação que se conheça e os organismos degradadores e assim os
identifique.
Para tanto, os objetivos propostos por este trabalho são isolar e
identificar bactérias degradadoras de naftaleno de locais impactados pela
mineração do carvão e caracterizar os organismos isolados, obtendo culturas
puras de microrganismos, capazes de degradar o naftaleno das amostras.
Assim características fenotípicas dos microrganismos obtidos servirão de
subsídio para a sua identificação.

2 DESENVOLVIMENTO
Coleta de amostras. As amostras de água e sedimento utilizadas para
o isolamento dos microrganismos foram coletadas em locais impactados pela
mineração do carvão, localizados no município de Criciúma no rio Sangão, e
em zonas de depósitos de rejeitos. Todas as amostras (seis no total) foram
coletadas em frascos previamente esterilizados em autoclave (121ºC, por 20
minutos). Após coletadas, as amostras serão mantidas refrigeradas até o
momento do processamento (APHA/AWWA/WEF, 1999).
Isolamento de bactérias degradadoras do naftaleno. As bactérias
degradadoras de naftaleno foram isoladas pela técnica de enriquecimento,
seguido de inoculação em meios sólidos. Para isto, 10g ou 10ml de amostra
foram inoculados em frascos do tipo Erlenmeyer contendo 90ml de Meio
Mineral (formulação em gramas por litro de água destilada: (NH4)2SO4, 0,15;
MgSO4*7H2O, 0,5; KCl, 0,1; Ca(NO3)2, 0,01; pH, 3,0; (JOHNSON, 1995).
Após inoculação, alguns cristais de naftaleno foram suspensos sobre o meio de
cultura líquido de maneira que se forme uma atmosfera saturada deste
composto no frasco de cultivo, essa atmosfera permitirá a seleção de
organismos degradadores deste composto. Os frascos inoculados foram
incubados por até um mês a 30ºC de forma estática. A cada semana, alíquotas
573

de 100 μL destes cultivos serão inoculadas pela técnica de espalhamento em


placas de Petri contendo Meio Mineral + Naftaleno. As placas inoculadas serão
incubadas em estufa (30ºC) por duas semanas.
Identificação das bactérias isoladas. As bactérias isoladas foram
identificadas segundo Garrity (2004) com base nas seguintes características:
morfologia das colônias, morfologia e arranjo das células, presença de esporos,
coloração de Gram, produção de citocromo oxidase, catalase, utilização de
diversos compostos como fonte de carbono e crescimento em anaerobiose. Os
métodos utilizados para a observação das características listadas acima estão
descritos em Smibert e Krieg (1994). Para a realização da identificação
segundo a utilização de fontes de carbono, foram escolhidos os compostos
orgânicos: Acetato (0,25mM), Lactato (2mM), Lactose (0,1%), Succinato
(2mM), Maltose (0,1%) e Surbitol (0,1 %). Para tal usou-se o meio mineral
(formulação em gramas por litro de água destilada: (NH4)2 SO4 2g; KCl 0,1g;
K2HPO4 0,5g; MgSO4. 7H2O 0,5g; TSB 0,1g + fonte de carbono) (HARRISON,
1984). Foram utilizados Erlenmyers de 250ml em que eram colocados 75 ml de
meio com 1% da cultura enriquecida com os microorganismos. Após a
inoculação era realizada a leitura da absorbância em espectrofotômetro com
600nm, os frascos foram mantidos em estufa à 30oC por 7 dias e
posteriormente foi realizada uma nova leitura para a verificação de
crescimento.
Resultados. Após esta incubação, colônias de diferentes morfologias
foram selecionadas e repicadas em novas placas de meio de cultura para o seu
isolamento. Este procedimento foi repetido até a obtenção de culturas puras. A
partir desta técnica foram isoladas quatro colônias denominadas, 1, 2, 3 e 4,
sendo que a cultura 1 foi perdida devido a problemas com contaminação,
sendo utilizados desta forma os isolados 2, 3 e 4 para a realização do trabalho
(Tabela 1). Considerando apenas as características analisadas em microscópio
óptico de contraste de fases foi possível determinar as bactérias isoladas como
bacilos isolados, com tamanho de aproximadamente 1,5 μm de comprimento e
um diâmetro menor que 1,0μm. Pelos testes enzimáticos e de utilização de
diferentes fontes de carbono, verificou-se que os três organismos estudados
compreendem duas espécies distintas.
574

3 CONCLUSÕES ARTICULADAS
Organismos dos gêneros Clavibacter, Arthrobacter e Acidocella são
capazes de crescerem em ambientes de baixo pH e solos contaminados por
naftaleno, segundo Dore e colaboradores, 2003, porém Harrison (1980 e 1981)
propuseram um novo gênero de bactérias heterotróficas acidofilicas
provenientes de ambientes contaminados pela mineração do carvão, o nome
escolhido foi Acidiphilium, sendo os membros deste grupo Gram-negativos
obrigatórios, não crescem em presença de metanol, normalmente as colônias
possuem pigmentação, embora colônias desprovidas desta já terem sido
encontradas e são aeróbios estritos (WAKAO, 1993).
Outro grupo de pesquisa realizou experiências em ambientes ácidos e
descreveu o gênero isolado e até então desconhecido, denominado Acidocella.
As descrições desde grupo são baseadas em trabalhos realizados Wichlacz et
al. 1986, Kishimoto et al. 1993 e Kishmoto et al.1995. Segundo estes, são
células gram- negativas, são estritamente aeróbios usando metabolismo com
oxigênio como aceptor final de elétrons, crescem em temperaturas de 25 a
37ºC e pH de 3 a 6, são catalase positiva e oxidase negativa (KISHMOTO et
al.1995)

Tabela 1- Características morfológicas e enzimáticas, e crescimento em diferentes fontes de


carbono, pelos microrganismos isolados no presente trabalho.

Organismo
Código
2 3 4
Morfologia Bacilo Bacilo Bacilo
Motilidade - - -
Coloração de Gram ND - -
Anaerobiose - - -
Oxidase - - +
Catalase + + +
Acetato - + -
Lactato - + -
Lactose - - -
Succinato - - -
575

Maltose - + -
Sorbitol - + -
ND- Não Determinada

Através dos experimentos realizados, pode-se inferir que as bactérias


isoladas corroboram com a descrição e as características fenotípicas do gênero
Acidocella, já que Acidiphilium normalmente possuem pigmentação em suas
colônias e não crescem com o metanol, embora esta fonte de carbono não
tenha sido utilizada como parâmetro para a identificação neste trabalho. Para
determinar efetivamente o grupo dos isolados seria preciso realizar o
seqüenciamento de 16 S rRNA, desta forma trabalhos subseqüentes de
biorremediação in situ poderiam ser desenvolvidas a fim de mitigar os efeitos
causados por anos de degradação ambiental em áreas de mineração de
carvão, como no sul do estado de Santa Catarina.

REFERÊNCIAS
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OS CONTORNOS DE UMA HERMENÊUTICA JURÍDICA AMBIENTAL

GERMANA PARENTE NEIVA BELCHIOR 1


JOÃO LUIS NOGUEIRA MATIAS 2

1 INTRODUÇÃO
A crise ambiental que ora se enfrenta acarreta o comprometimento da
própria sobrevivência humana. Assim, à medida que a sociedade reclama por
anteparos, em virtude dos problemas ecológicos, o Direito e o Estado precisam
se manifestar com o intuito de tentar resolver ou, pelo menos, elaborar
possíveis soluções, o que fundamenta a construção do Estado de Direito
Ambiental.
No entanto, ao adotar o referido paradigma estatal, é necessária uma
nova lente para ver a ordem jurídica, ou seja, uma Hermenêutica Jurídica
Ambiental.
A metodologia desta pesquisa é bibliográfica, descritiva e exploratória. O
objetivo deste artigo, portanto, é analisar a emergência do Estado de Direito
Ambiental, pautado em princípios e valores fundantes que se irradiam por toda
a ordem jurídica de forma holística. Pretende-se, ademais, investigar a
possibilidade de uma Hermenêutica Jurídica Ambiental com o intuito de auxiliar
o intérprete, em especial, o Judiciário, na construção de uma norma jurídica de
decisão que torne efetivo o meio ambiente sadio.
Por conta da limitação própria de um artigo científico, não se busca
abordar com profundidade a temática. A proposta é traçar elementos básicos

1
Mestranda em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Ceará – UFC. Professora do curso
de graduação em Direito da Faculdade Christus – Fortaleza, onde orienta o grupo de pesquisa “Meio
Ambiente e Direitos Humanos: desafios e perspectivas”. Pesquisadora do Projeto Casadinho (CNPQ),
desenvolvido entre o PPGD – UFC e o PPGD – UFSC. E-mail: germana_belchior@yahoo.com.br.
2
Doutor em Direito Constitucional pela Universidade Federal de Pernambuco – UFPE. Doutorando em
Direito Comercial pela Universidade de São Paulo – USP. Mestre em Direito Constitucional pela
Universidade Federal do Ceará – UFC. Professor e Coordenador do Programa de Pós-graduação em
Direito da UFC. Juiz Federal na Seção Judiciária do Estado do Ceará. Coordenador do Projeto Casadinho
(CNPQ), desenvolvido entre o PPGD – UFC e o PPGD – UFSC. E-mail: joaoluisnm@uol.com.br.
580

para a construção de uma Hermenêutica Jurídica Ambiental como forma de


concretizar o Estado de Direito Ambiental.

2 A CRISE AMBIENTAL E A EMERGÊNCIA DO ESTADO DE DIREITO


AMBIENTAL
Ao analisar a evolução do Estado, percebe-se que há sempre um marco
histórico que provoca a ruptura de um modelo anterior: as Revoluções Liberais,
na passagem do Absolutismo para o Estado Liberal; a Revolução Industrial que
marca o nascimento do Estado Social; o combate aos regimes totalitários e a
efetividade dos direitos sociais, que faz surgir o Estado Democrático de Direito,
assim como a dimensionalidade dos direitos fundamentais.
Um novo modelo de Estado implica, conseqüentemente, em um novel
papel do Direito. Mas o que, de fato, marca a passagem do Estado
Democrático de Direito para o Estado de Direito Ambiental é a crise ecológica
que ora se enfrenta devido ao processo da civilização hodierna, vinculado à
globalização e ao desenvolvimento em todas as esferas. Trata-se do que
Morato Leite intitula de sociedade de risco, no sentido de que

É inegável que atualmente estamos vivendo uma intensa crise


ambiental, proveniente de uma sociedade de risco, deflagrada,
principalmente, a partir da constatação de que as condições
tecnológicas, industriais e formas de organização e gestões
econômicas da sociedade estão em conflito com a qualidade
de vida. Parece que esta falta de controle de qualidade de vida
tem muito a ver com racionalidade do desenvolvimento
econômico do Estado, que marginalizou a proteção do meio
ambiente. 3

Vê-se, por conseguinte, que a crise se agrava com os efeitos do


desenvolvimento científico e tecnológico, ao aumentar os impactos ao meio
ambiente que acaba se revelando como condição para a própria existência
humana.
Em relação ao Direito, mister destacar que este não exerce tão-somente
a função tradicionalmente repressiva, mas também, como já defendido por
Bobbio 4, uma função promocional, em que o Estado assume o papel de

3
LEITE, José Rubens Morato. Estado de Direito do Ambiente: uma difícil tarefa. In: Inovações em
Direito Ambiental. LEITE, José Rubens Morato (org.). Florianópolis: Fundação Boiteaux, 2000, p.13.
4
BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: novos estudos de teoria do direito. Tradução de Daniela
Beccacia Versiani. São Paulo: Manole, 2007, p. 43-45.
581

encorajador (e premiador) ou desencorajador de condutas. Assim, o Estado e o


Direito precisam assumir um papel de estimular ou desestimular condutas
ambientalmente desejáveis na missão de combater a crise ambiental e lutar
pela sobrevivência da humanidade. 5
Diante da problemática ambiental suscitada, as Constituições modernas,
seguindo a tendência mundial após a Convenção de Estocolmo, passaram a
alocar o direito ao meio ambiente ecologicamente como um direito fundamental
na medida em que ele se torna imprescindível para a promoção da dignidade
da pessoa humana. O meio ambiente revela-se como complexo, possuindo a
natureza jurídica de um direito-dever fundamental.
Ao tratar dos direitos fundamentais de terceira geração, Bobbio ressalta
a importância do meio ambiente ao afirmar que “ao lado dos direitos, que foram
chamados de direitos de segunda geração, emergiram hoje os chamados
direitos de terceira geração [...] O mais importante deles é reivindicado pelos
6
movimentos ecológicos: o direito de viver num ambiente não poluído”.
Partindo da premissa de que o direito ao meio ambiente equilibrado é a
luz de todos os direitos fundamentais e da existência de uma nova ordem
pública ambiental, é que se defende o fenômeno da Ecologização do Direito,
fazendo com que “muitos institutos jurídicos (preexistentes) sejam renovados e
muitos institutos jurídicos (novos) sejam criados dentro do ordenamento”. 7Há,
por conseguinte, necessidade de reformulação da própria epistemologia
jurídica, do Estado e, conseqüentemente, da Hermenêutica Jurídica.
Nesse sentido, a cada dia aumenta o número de adeptos de um novo
modelo de Estado, que emerge a partir do redimensionamento do papel do
Estado na sociedade, em prol de um meio ambiente sadio. Destaca Canotilho
que o Estado Constitucional Ecológico foi defendido, inicialmente, pelo alemão
8
Rudolf Steinberg, em sua obra “Der Ökologische Verfassungsstaat”. No

5
MATIAS, João Luis Nogueira; BELCHIOR, Germana Parente Neiva. Direito, Economia e Meio
Ambiente: a função promocional da ordem jurídica e o incentivo a condutas ambientalmente desejadas.
In: NOMOS: Revista do Curso de Mestrado em Direito da UFC, v. 27, jul./dez., 2007, Fortaleza, p. 155-
176.
6
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus,
1992, p. 6.
7
NUNES JUNIOR, Amandino Teixeira. O Estado Ambiental de Direito. Revista de Informação
Legislativa, Distrito Federal: Senado Federal, p. 295-307, a. 41, n. 163, jul./set. 2004. p. 299.
8
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional Ambiental Português: tentativa de
compreensão de 30 anos das gerações ambientais no direito constitucional português. In: Direito
582

Brasil, o Estado de Direito Ambiental vem sendo fortemente sustentado por


9
Machado, Morato Leite, Benjamin, Morinaro, dentre outros.
Molinaro sustenta que é melhor caracterizá-lo como Estado
Socioambiental e Democrático de Direito 10, onde todos se obrigam, por conta
do art. 225, da Constituição Federal de 1988, em manter o equilíbrio e a
salubridade do ambiente, em prol de um mínimo existencial ecológico.
A formulação do Estado de Direito Ambiental, segundo Canotilho, impõe
que o Estado, “além de ser um Estado de Direito, um Democrático e um Estado
11
Social, deve também modelar-se como um Estado Ambiental.”
Há quem defenda, como Morato Leite, que o referido paradigma de
Estado é fictício e abstrato, sendo uma tarefa de difícil consecução. 12 No
entanto, a abstratividade que lhe é pertinente não pode diminuir a importância
da sua discussão. Afirma o autor que “a definição dos pressupostos de um
Estado de Direito do Ambiente serve como ´meta´ ou ´parâmetro´ a ser
atingido, trazendo à tona uma série de discussões que otimizam processos de
13
realização de aproximação do Estado ficto.”
Por mais que a Constituição Federal de 1988, em art. 1º, defina a
República Federativa do Brasil como um Estado Democrático de Direito,
referida norma precisa ser relida para atender aos atuais reclamos da
sociedade, ou seja, o Estado e o Direito devem se redimensionar e elaborar
possíveis soluções para lutar pela sobrevivência da humanidade.
A própria expressão da balança segurada pela deusa Thémis, símbolo
universal do Direito, reflete a fórmula do Estado de Direito Ambiental. De um
lado da balança, há o “Democrático”, que significa o princípio da legitimidade,
onde há o reconhecimento do poder pelos que estão sendo governados. Traz a
idéia de poder consentido, em prol do valor justiça. No outro, visualiza-se o “de
Direito”, já que é um Estado que deve respeitar o princípio da juridicidade (mais

Constitucional Ambiental Brasileiro. CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens
Morato (org.). São Paulo: Saraiva, 2007, p. 6.
9
CANOTILHO, op. cit., p. 149-154.
10
MOLINARO, Carlos Alberto. Direito Ambiental: proibição de retrocesso. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2007, p. 104-105.
11
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito público do ambiente. Coimbra: Faculdade de Direito de
Coimbra, 1995.
12
LEITE, José Rubens Morato. Sociedade de risco e Estado. In: Direito Constitucional Ambiental
Brasileiro. CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (org.). São Paulo: Saraiva,
2007, p. 49.
13
LEITE, op. cit., p. 151.
583

14
que legalidade), marcado pelo valor segurança jurídica. E o “Ambiental” é
visualizado no suporte da balança. Afinal, qual é a balança que pode ousar em
cumprir com seu objetivo, ou seja, equilibrar, se não tiver um suporte, uma
base fundante que a torna sólida e segura? Assim, o “Ambiental”, ao ser esse
suporte, traz o princípio da solidariedade, tendo como valor a sustentabilidade.
Em outras palavras, se o meio ambiente não for sadio e equilibrado haverá o
comprometido de toda a balança, e por que não dizer, de toda a ordem jurídica.
É interessante destacar que o Estado de Direito Ambiental continua
sendo um Estado de Direito e um Estado Democrático ao possuir três valores-
base: justiça, segurança jurídica e sustentabilidade. O que ocorre são
acréscimos de novo princípio e valor-base, implicando numa visão holística e
sistêmica, ou seja, partindo do todo, do “meio”, para buscar efetivar os demais
elementos.
Diante desse tripé axiológico fundamental (justiça, segurança jurídica e
sustentabilidade), é que se propõe a construção do Estado de Direito
Ambiental. O princípio da solidariedade e o valor sustentabilidade irradiam toda
a ordem jurídica por conta da Ecologização do Direito.
Como se vê, o princípio da solidariedade é o marco jurídico-
constitucional e o valor sustentabilidade o fundamento axiológico-constitucional
do Estado de Direito Ambiental, uma vez que se manifestam como um novo
viés normativo que estrutura o novel paradigma estatal, assim como iluminam
toda a ordem jurídica em um processo de dialética. Ambos são captados de
forma indutiva da crise ambiental, nascendo da realidade e penetrando em
todos os ramos de conhecimento, inclusive nas ciências jurídicas. A ordem
jurídica deve ser relida no sentido de efetivar o meio ambiente sadio,
demandando, por conseguinte, a necessidade de uma Hermenêutica
Ambiental.

14
O Direito não se limita apenas às regras, uma vez que o Pós-Positivismo traz à baila o caráter
normativo dos princípios, cujos conteúdos se manifestam por meio dos valores. É o Direito por regras e
princípios, defendido por Alexy, Dworkin, Canotilho e Bonavides.
584

3 A NECESSIDADE DE UM NOVO VIÉS HERMENÊUTICO

3.1 CONSIDERAÇÕES ACERCA DA HERMENÊUTICA FILOSÓFICA


Antes de ocorrer a interpretação, é necessário um ato de conhecimento,
formado por uma tríade: sujeito cognoscente, que é aquele que conhece ou
busca conhecer, dotado de racionalidade; atividade, que é toda ação que o
sujeito realiza para interagir com o objeto cognoscível, o ser que será
conhecido. Findo o ato de conhecimento, com a captação do sentido do objeto,
dá-se a interpretação.
No entanto, o sentido a ser captado pelo intérprete é filosoficamente
inesgotável, por conta da pré-compreensão e do círculo hermenêutico. Neste
diapasão, a hermenêutica tem como objetivo orientar o intérprete na busca de
um sentido (ou vários) que seja conveniente para o caso concreto.
O círculo hermenêutico se dá no instante em que o sujeito, por meio da
pré-compreensão, participa da construção do sentido do objeto, devidamente
moldado, ao passo que o próprio objeto, no desenrolar do processo
hermenêutico, modifica a compreensão do intérprete. Segundo Lamego, “a pré-
compreensão constitui um momento essencial do fenômeno hermenêutico e é
15
impossível ao intérprete desprender-se da circularidade da compreensão”.
Na verdade, trata-se mais propriamente de uma espiral hermenêutica,
na medida em que o movimento de compreensão formado por dita relação vai,
ao longo do processo, estabelecendo patamares mais corretos de
interpretação, que, por sua vez, exprimirão novas luzes sobre os preconceitos
em direção a um entendimento mais conveniente.
Interessante destacar que o significado da pré-compreensão assume
especial importância em Gadamer, após dar um outro viés para o
existencialismo de Heidegger, ao defender que pré-juízo funciona como
16
pressuposto que preside toda a compreensão.
A Hermenêutica, por conseguinte, é a ciência que estabelece as “regras”
de como interpretar, haja vista que a pré-compreensão e a circularidade
hermenêutica comprovam que podem existir infinitas interpretações. O

15
LAMEGO, José. Hermenêutica e jurisprudência. Lisboa: Fragmentos, 1990, p. 135.
16
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método II. Tradução de Enio Paulo Giachini. Petrópolis: Vozes,
2002, p. 74-81.
585

fundamento da hermenêutica, segundo Falcão, é o sentido ser inesgotável,


pois se ele fosse uno e fixo, não haveria motivo algum para se procurar, num
17
conjunto imenso de opções, a melhor alternativa, ou as melhores. A
inesgotabilidade do sentido é, assim, a base filosófica em que se assenta a
hermenêutica.

3.2 HERMENÊUTICA E DIREITO


Adequando os fundamentos filosóficos da hermenêutica ao Direito
(objeto cultural 18), constata-se que no processo de tomada de decisão jurídica,
a ação interpretativa parte de um conjunto de conceitos e conhecimentos
prévios (pré-compreensão) e que, de certa forma, sedimentados, possibilita
alcançar conclusões com um mínimo de previsibilidade.
Diante disso, extrai-se que a Hermenêutica Jurídica tem a tarefa de
auxiliar e guiar o intérprete por meio de instrumentos que lhe permitam captar
sentido que seja conveniente com os postulados básicos do Estado e da
própria essência do Direito.
Interessante destacar o entendimento de Grau, quando insiste em
afirmar que “a interpretação do Direito é constitutiva e não simplesmente
declaratória”. E, ainda, tratando da interpretação, discorre: “não se limita a uma
19
mera compreensão dos textos e fatos, vai bem além disso”.
Em outras palavras, pode-se dizer que o Direito pretende atender aos
anseios da sociedade, permitindo uma convivência pacífica entre os homens.
Seu conteúdo, por conseguinte, é dinâmico, estando em constante
transformação, devendo ocorrer o mesmo com o sentido captado pela norma,
sob pena de uma estagnação. É exatamente nesse conteúdo que se visualiza
a forma aponfântica, ou seja, do ser, da prática, do concreto, do que
efetivamente ocorre na realidade, o que nem sempre corresponde ao que está
previsto na forma deôntica (dever-ser).
O Judiciário assume especial importância no momento da aplicação do
Direito, pois cria uma norma de decisão, por meio do sentido que ele,

17
FALCAO, Raimundo Bezerra. Hermenêutica. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 57.
18
Objeto cultural é toda modificação que o homem faz na natureza, agregando-lhe um sentido. O Direito
é objeto cognoscível cultural, pois limita a liberdade humana (que é natural, o homem nasceu livre) em
níveis externos, por meio da conduta, para dar-lhe um sentido de convivência pacifica entre os homens.
19
GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. São Paulo:
Malheiros, 2002, p. 22.
586

magistrado, irá captar de acordo com o caso concreto. Ponto que precisa ser
observado é que quando a norma jurídica é criada pelo legislador, permanece
tão-somente no âmbito deôntico, sem uma força impositiva específica, como
uma espécie de moldura. No entanto, ela só irá modificar a realidade, de forma
coercitiva, no momento em que é aplicada pelo juiz, quando da criação de uma
norma de decisão que preenche essa moldura com os sentidos convenientes
de acordo a pré-compreensão de cada julgador.

4 A PROPOSTA DE UMA HERMENÊUTICA JURÍDICA AMBIENTAL


Como analisado anteriormente, o Estado de Direito Ambiental é um
paradigma possível, com metas e objetivos a serem perseguidos, construído
por meio de um raciocínio jurídico dialético com predominância indutiva. Tem
como premissa a crise ecológica que compromete a existência humana.
Diante da nova fórmula política do Estado de Direito Ambiental, é preciso
uma nova lente para ver a ordem jurídica, ou seja, é necessária uma
Hermenêutica Jurídica Ambiental que ofereça ao intérprete uma orientação
dogmático-teórica e pragmática, objetivando efetivar o meio ambiente sadio.
Para tanto, propõe-se que sejam utilizados os princípios fundantes e
estruturantes do Estado de Direito Ambiental, o princípio da proporcionalidade
como forma de solucionar o conflito entre direitos fundamentais (uma vez que o
meio ambiente é um direito fundamental), assim como os princípios de
interpretação especificamente constitucional de Konrad Hesse
(redimensionados para atender ao novo paradigma estatal).

4.1 PRINCÍPIOS FUNDANTES E ESTRUTURANTES DO ESTADO DE


DIREITO AMBIENTAL
Inicialmente, importa destacar que os princípios jurídicos no atual
contexto histórico do pós-positivismo são o espelho da ideologia da sociedade
e dos valores acolhidos na ordem jurídica. Ademais, são normas jurídicas,
juntamente com as regras. Objetivam dar unidade e harmonia ao sistema, além
de serem guias do intérprete.
Interessante, ainda, mencionar que os princípios não precisam estar
positivados de forma expressa na ordem jurídica para ter validade, como
acontece de forma demasiada com os princípios ambientais. Não há como o rol
587

dos princípios ser taxativo, na medida em que eles sinalizam os valores e


anseios da sociedade, que estão em constante transformação. Por
conseguinte, limitá-los à ordem jurídica positiva é impossível, pois não se tem
20
como engessar a sociedade.
Como o Estado de Direito Ambiental continua sendo um Estado
Democrático de Direito, apenas como novo valor e princípio base, o intérprete
deve estar pautado, inicialmente, no princípio da legitimidade, tendo como
objetivo maior a justiça (Estado Democrático), no princípio da juridicidade, ao
manifestar a segurança jurídica (Estado de Direito) e no princípio da
solidariedade (Estado Ambiental), ao conter o valor sustentabilidade. Estes
seriam os princípios fundadores do Estado de Direito Ambiental.
A doutrina vem apontando princípios estruturantes do Estado de Direito
Ambiental, ou seja, princípios que permeiam o meio ambiente sadio, como o
princípio da prevenção, princípio da precaução, princípio da responsabilização,
princípio da participação, princípio do desenvolvimento sustentável e princípio
21
do poluidor-pagador. No entanto, ao analisar todos esses princípios, percebe-
se que a solidariedade acaba estando inserida seja de forma transversal ou
direta em todos os demais. Por conta disso, é que o princípio da solidariedade
é o fundamento teórico-jurídico do Estado de Direito Ambiental, sem excluir os
outros.
Assim, o intérprete deve observar, no momento da aplicação do Direito e
da criação da norma de decisão, os princípios fundantes e estruturantes do
Estado de Direito Ambiental.

20
Os princípios nascem de um movimento jurídico de indução, ou seja, do individual para o geral,
emanando a justiça. A doutrina e, em especial, a jurisprudência realizam referido processo de abstração
na teorização e aplicação do Direito. Vê-se que, neste momento, eles já são normas jurídicas,
condensando valores e orientando o intérprete, uma vez que o Direito não só a lei, como queria o
Positivismo Jurídico. Com a sua reiterada aplicação e permanência no seio social, o legislador, a fim de
lhe garantir também segurança jurídica, ampara-o em uma lei, ou na própria Constituição, por meio de um
raciocínio jurídico por dedução.
21
Por conta da limitação do artigo, não se tem como abordar com afinco cada uns dos princípios
estruturantes. A idéia deste trabalho é tão-somente contatar, por meio de elementos básicos, a necessidade
de uma Hermenêutica Jurídica Ambiental como forma de efetivar o Estado de Direito Ambiental.
588

4.2 PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE E RESTRIÇÃO DE DIREITOS


FUNDAMENTAIS
O meio ambiente sadio possui natureza jurídica de direito e dever
fundamental, conforme preceitua o art. 225, da CF/88. No entanto, da mesma
forma que o meio ambiente é um direito fundamental, há um imenso rol de
direitos fundamentais eleitos pelo constituinte, estando todos no mesmo
patamar, uma vez que não existe hierarquia, a priori, entre eles, segundo
22
Alexy.
No caso de conflito, deverá ser utilizado o princípio da proporcionalidade
para fazer o sopesamento dos bens e valores envolvidos, respeitado o núcleo
essencial dos demais. O peso do meio ambiente é deveras elevado, pois, na
lição de Silva, “não há possibilidade da concretização dos demais direitos
fundamentais sem o direito ao meio ambiente, que se traduz em última análise
como o próprio direito à vida. [...] O direito ao meio ambiente configura-se,
23
portanto, como a matriz de todos os demais direitos fundamentais”.
Portanto, embora não haja hierarquia dos direitos fundamentais no
âmbito dogmático-jurídico, haverá uma ordenação relativa no caso concreto
tendo como peso maior o meio ambiente, o que não implica que referida
premissa irá obrigatoriamente se perpetuar ao final da resolução. Ou seja, no
campo pragmático, deverá ser verificado, no momento da aplicação, o peso
dos valores e bens envolvidos dentro de cada direito que estará em jogo no
caso concreto. E como não poderia deixar de ser, o meio ambiente tem (e deve
ter) influência na solução, uma vez que é a partir dele que surgem os demais
direitos fundamentais, como o direito à vida. A justificativa é simples: não há
vida (assim como os outros direitos) se não houver planeta.
Insta esclarecer que não se coaduna com a tese totalitária em prol do
meio ambiente, uma vez que o sopesamento deve ser feito no caso concreto,
dependendo dos outros direitos fundamentais envolvidos. O que se defende é
uma primariedade relativa, ou seja, inicial do meio ambiente, premissa esta que

22
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo:
Malheiros, 2008, p. 255.
23
SILVA, Solange Teles da. Direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado: avanços
e desafios. In: Revista de Direito Ambiental, a. 12, n. 48, out./dez., p. 225-245, Revista dos Tribunais:
São Paulo, 2007, p. 230.
589

deve estar obrigatoriamente na pré-compreensão do intérprete ao analisar o


caso concreto.
Uma teoria das restrições dos direitos fundamentais parte do
pressuposto de que os direitos fundamentais são restritos, limitados, que não
são absolutos. Assim, ante a limitação dos direitos, percebe-se que o caráter
restritivo é um dos traços característicos do próprio conceito de direito, e,
portanto, do conceito de direito fundamental.
No campo da restrição dos direitos fundamentais, o princípio da
proporcionalidade atua como critério interpretativo à otimização do arcabouço
sistemático de valores consagrados pela Constituição.
A doutrina e a jurisprudência do Tribunal Constitucional alemão,
segundo explica Cristóvam 24, estabeleceram três elementos que compõem a
máxima (princípio) da proporcionalidade, quais sejam: conformidade ou
adequação dos meios, exigibilidade ou necessidade e pela ponderação ou
proporcionalidade em sentido estrito.
Pelo princípio da conformidade ou adequação de meios (Geeignetheit),
Stumm entende que à medida que pretende realizar o interesse público, deve
ser adequada aos fins subjacentes a que visa concretizar. 25
O princípio da necessidade (Erforderlichkeit) assevera que a opção feita
pelo legislador ou Executivo no caso deve ser “a melhor e a única possibilidade
viável para a obtenção de certos fins e de menor custo ao indivíduo”. 26 A opção
escolhida deve ser aquela menos gravosa e que em menor dimensão restrinja
e limite direitos fundamentais. 27
Pelo princípio da proporcionalidade em sentido estrito ou da ponderação
(Verhältnismässigkeit), os meios utilizados devem guardar razoável proporção
com o fim almejado, demonstrando um sustentável equilíbrio entre os valores
restringidos e os efetivados pela medida limitadora.
In casu, o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado entrará em rota de colisão com outros direitos fundamentais como o
direito ao desenvolvimento econômico e o direito de propriedade, por exemplo.

24
CRISTÓVAM, José Sérgio da Silva. Colisões entre Princípios Constitucionais: razoabilidade,
proporcionalidade e argumentação jurídica. Curitiba: Juruá, 2006, p. 215.
25
STUMM, Raquel Denise. Princípio da Proporcionalidade no Direito Constitucional Brasileiro.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995, p. 79.
26
STUMM, op. cit., p. 79-80.
27
CRISTÓVAM, op. cit., p. 217.
590

Caberá ao Judiciário, portanto, o dever de examinar a situação concreta e


decidir por meio da ponderação os valores e interesses em conflito.
Para a moderna hermenêutica constitucional, não há que se ter,
obrigatoriamente, vencedores e vencidos em uma demanda judicial. Dessa
forma, o juiz, por meio de uma pré-compreensão ecológica (conhecimentos
prévios acerca da matéria ambiental), aplicando o princípio da
proporcionalidade, analisará qual direito fundamental deverá prevalecer na
situação fática, precedendo àquele outro direito efetivado, observando o núcleo
essencial.

4.3 PRINCÍPIOS DE INTERPRETAÇÃO ESPECIFICAMENTE


CONSTITUCIONAL
Interpretar a Constituição é diferente de interpretar as normas
infraconstitucionais. Os métodos dispostos pela hermenêutica jurídica clássica
são insuficientes para interpretar o Texto Constitucional, uma vez que o Pós-
Positivismo, por meio da doutrina de Dworkin e Alexy, aponta diferenças
estruturais e qualitativas das normas jurídicas em normas-regras e normas-
28
princípios.
29
Por conta disso, é que Konrad Hesse elaborou uma principiologia
clássica de interpretação especificamente constitucional. Referida teoria é
perfeitamente aplicada em uma Hermenêutica Ambiental na medida em que o
núcleo verde da tutela jurídica ambiental se encontra no art. 225, CF/88.
Ao adotar o paradigma do Estado de Direito Ambiental, necessário se
faz uma releitura dos sete princípios formulados por Hesse, como forma de
efetivar a Constituição Ecológica.
Inicialmente, tem-se o princípio da unidade da Constituição Ecológica,
que determina a observância das normas como um todo da ordem jurídica
constitucional, como forma de criar um sistema integrado. É a própria holística
da ordem jurídica ambiental.
Destaca-se o princípio do efeito integrador, que se encontra vinculado ao
princípio da unidade, orientando o intérprete que ao tratar de qualquer dilema

28
GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo Constitucional e Direitos Fundamentais. 3. ed. São
Paulo: Celso Bastos Editor, 2003, p. 50.
29
HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto
Alegre: SAFE, 2001.
591

jurídico-constitucional, dê preferência ao sentido que favoreça a integração


social, política e ecológica.
O princípio da máxima efetividade impõe que deve ser conferida à Carta
Magna a máxima eficácia possível, haja vista que a Constituição não é um
simples discurso ideológico e utópico. Isto é de suma importância,
principalmente quando hoje a doutrina vem caminhando no sentido de não
reconhecer mais normas programáticas, como Guerra Filho, Bonavides e
Canotilho. No Estado de Direito Ambiental, percebe-se que sempre haverá
normas a serem disciplinadas pelo legislador infraconstitucional. No entanto,
passados mais de 20 anos da atual Constituição, é inadmissível a alegativa de
omissão legislativa. Uma norma de direito fundamental, como no caso do meio
ambiente sadio, é auto-aplicável, nos termos do art. 5º, §1º, CF/88, cabendo ao
Judiciário sua efetivação in casu, quando da omissão do legislativo.
Menciona-se, outrossim, o princípio da força normativa da Constituição,
que defende que a Constituição é norma jurídica e não uma mera carta de
intenções. O intérprete constitucional deve analisar a evolução social, própria
da dialética do Direito.
O princípio da conformidade funcional impõe que o intérprete obedeça à
repartição de funções dos “poderes” estatais, estabelecido na Constituição. No
entanto, referida tripartição vem sendo rediscutida, haja vista que além da
independência, deve haver a harmonização dessas funções em prol do sistema
constitucional. Baseado nisso, caberá ao juiz realizar o controle de políticas
públicas (inclusive ambientais), observando as limitações políticas e jurídicas
previstas. É o ativismo judicial que deve ser visto com bastante cautela.
Já o princípio da interpretação conforme a Constituição permite
interpretações contrárias a alguma norma constitucional, desde que seja para
efetivar o cumprimento de outras, em prol da teleologia constitucional.
Por fim, propõe-se o principio da concordância prática ou da
harmonização, por meio da análise dos bens e valores jurídicos em conflito,
buscando efetivar ao máximo uns e sacrificar o mínimo possível os demais,
considerando um peso diferenciado ao meio ambiente.
592

5 CONCLUSÃO
A crise ambiental demanda de forma emergencial um novo papel do
Estado e do Direito. O fenômeno da Ecologização da ordem jurídica
fundamenta a tese do Estado de Direito Ambiental, por meio de um raciocínio
jurídico dialético com predominância indutiva. Ao adotar referido paradigma
estatal, é necessária uma nova lente para ver o Direito, ou seja, uma
Hermenêutica Jurídica Ambiental capaz de orientar o intérprete na busca de
captar um sentido da norma jurídica conveniente para efetivar o meio ambiente
sadio.
A especialização de varas ambientais é um movimento que já se iniciou
na Justiça brasileira. No entanto, é preciso ter cautela, uma vez que não são
todos os magistrados que têm uma pré-compreensão ecológica para tratar de
dissídios que envolvem a tutela ambiental. A educação e a ética ambiental são
instrumentos imprescindíveis para a reconstrução de valores que irão refletir
nos preconceitos dos julgadores.
Não há dúvida de que o dever ambiental efetivamente prestado implica
no direito ao equilíbrio ambiental concretizado. Se a sociedade (incluindo os
poderes públicos) tomasse a real consciência da importância da natureza,
refletindo sobre o descaso que lhe foi ofertado por tanto tempo, certamente
diminuiriam os impactos negativos ecológicos, além de amenizar o ajuizamento
de tantas demandas judiciais de natureza ambiental.
Em verdade, a tutela judicial acaba sendo a última saída, como se o
magistrado fosse o salvador do planeta, e porque não dizer, de todos nós.
Como o julgador é um ser humano, faz parte da sociedade, ele também tem a
obrigação não só de buscar a justiça – e por que não dizer justiça ambiental -
no caso concreto, mas ainda de promover a tutela ambiental por ser um dever
fundamental. Conclui-se, por conseguinte, que a proposta de uma
Hermenêutica Jurídica Ambiental é possível e adequada, a fim de proporcionar
aos julgadores cânones de interpretação que busquem concretizar o Estado de
Direito Ambiental.
593

REFERÊNCIAS

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595

ORGANISMOS TRANGÊNICOS E MEIO AMBIENTE:


A relevância do Princípio da Precaução no Estado de Direito Ambiental

HELINE SIVINI FERREIRA 1


GIOVANA BIASI LOCATELLI 2

1 INTRODUÇÃO
O presente artigo objetiva analisar a relevância do princípio da
precaução no processo de introdução de organismos transgênicos nos mais
variados ecossistemas, considerando que o meio ambiente ecologicamente
equilibrado, previsto no caput do artigo 225 da Constituição Federal de 1988, é
um direito difuso e fundamental que deve ser assegurado, através de um
sistema de responsabilidades compartilhadas, tanto para as presentes como
para as futuras gerações.
Parte-se inicialmente de uma breve análise da teoria da sociedade de
risco, formulada pelo sociólogo alemão Ulrich Beck, e dos riscos abstratos
associados à introdução de organismos transgênicos na natureza para, em
seguida, ressaltar a importância do princípio da precaução para a proteção do
direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado no contexto
do Estado de Direito Ambiental.

1
Pesquisadora Visitante da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR/Fundação Araucária);
Professora Colaboradora da Universidade Federal de Santa Catarina; Doutora em Direito pela
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), com estágio de doutoramento realizado na ‘Macquarie
University’, em Sidney, Austrália; Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina;
Pesquisadora do Grupo de Pesquisa sobre Direito Ambiental e Ecologia Política na Sociedade de Risco,
cadastrado junto ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e do Grupo de
Investigação Jurídica e Ambiental do Centro de Estudos Jurídicos, Económicos e Ambientais da
Universidade Lusíada de Lisboa; Membro do Instituto O Direito por um Planeta Verde, da ‘Commission
on Environmental Law’ (‘World Conservation Union’/IUCN) e do Conselho Editorial da Revista
Brasileira de Direito Ambiental; Autora de livros e artigos na área de Direito Ambiental.
2
Mestranda da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR)
596

2 A TEORIA DA SOCIEDADE DE RISCO E OS ORGANISMOS


TRANSGÊNICOS
A ‘era planetária’ tem início a partir das primeiras interações microbianas
e humanas. Após a disseminação de enfermidades como a gripe, a tuberculose
e a rubéola entre os ameríndios, e o deslocamento em massa dos negros
africanos, intensificaram-se os processos de troca entre a Europa e a América.
No dizer de Morin e Kern (1995): os “europeus introduzem em seu solo o milho,
a batata, o feijão, o tomate, a mandioca, a batata-doce [...]. Levam para a
América os carneiros, os bovinos, os cavalos, os cereais, a vinha, a oliveira
[...]”.
Essa é uma fase em que a Europa vivencia um intenso
desenvolvimento, o que promove mudanças substanciais no panorama sócio-
cultural e econômico existente. Surge a necessidade de aproximação entre os
vários continentes para que, assim, as necessidades de troca, especialmente
dos artigos de luxo, possam ser gradativamente supridas (MORIN; KERN,
1995).
Com a intensificação desse processo, a ocidentalização do mundo
ocorre gradativamente, acompanhada pelo avanço da tecnologia e do
conhecimento. A despeito desses avanços, assinalam Morin e Kern (1995), “a
era planetária se inaugura e se desenvolve na e através da violência, da
destruição, da escravidão, da exploração feroz das Américas e da África”.
Mas a ‘idade de ferro planetária’, mencionam os referidos autores, ainda
não foi ultrapassada pela humanidade, muito embora várias fases distintas
possam ser identificadas entre os séculos XVIII (Revolução Industrial 3) e o
século XX (Revolução do Silício 4). Com o passar dos anos, a economia se
tornou mundial e o comércio multinacional. A era da técnica, da indústria e da
ciência, revelou-se como o principal fundamento da noção de desenvolvimento
mais conhecida e difundida na sociedade moderna, qual seja: desenvolvimento
como sinônimo de crescimento econômico.

3
Iniciada na Inglaterra em meados do século XVIII, expandiu-se pelo mundo a partir do século XIX,
promovendo um conjunto de mudanças tecnológicas com profundo impacto no processo produtivo,
refletindo nos setores econômicos e sociais.
4
Essa nova fase, iniciada no final do século XX, apresenta processos tecnológicos decorrentes de uma
integração física entre ciência e produção, também chamada de revolução tecnocientífica.
597

No entanto, essa noção de desenvolvimento é demasiadamente


restritiva. Conforme assinala Sachs (1992):

[...] o conceito de desenvolvimento comporta um núcleo ético


que adota a forma de imperativo de solidariedade sincrônico
com nossos contemporâneos, e diacrônico com as gerações
futuras. Estamos, pois, no oposto da sociedade [...] do
economicismo míope que privilegia o crescimento na e pela
desigualdade social.

Na verdade, o crescimento econômico não deixa de ser necessário,


muito embora não seja suficiente para garantir o desenvolvimento. Seguindo
essa mesma linha de raciocínio, Sen (2000) considera que “a contribuição do
mecanismo de mercado para o crescimento econômico é obviamente
importante, mas vem depois do reconhecimento da importância direta da
liberdade [...]”.
A partir da Revolução Industrial, e tendo como noção de
desenvolvimento aquela que se vincula essencialmente ao crescimento
econômico, consolida-se uma nova fase da ‘idade de ferro planetária’: a
sociedade industrial. De acordo com Beck (1998a), a primeira modernidade se
caracteriza pela produção humana de riscos, ou seja, as ameaças deixam de
ter como causas únicas as manifestações da própria natureza para agregar
também uma dimensão artificialmente fabricada. Muito embora decorrente de
ações e decisões humanas, os riscos característicos da sociedade industrial
eram passíveis de previsão e controle (concretos) e, assim sendo, podiam ser
mantidos afastados do conhecimento da esfera pública.
A partir do final do século XX, tem-se início da Revolução do Silício, a
mais recente fase da ‘idade de ferro planetária’, também centralizada da noção
reducionista de desenvolvimento. De acordo com a teoria formulada por Beck
(1998b), é nesse momento que surge a sociedade de risco. Segundo Ferreira
(2008) o ponto de ruptura pode ser identificado quando se constata o estado de
auto-limitação a que chegou a sociedade industrial, ou seja, com o acelerado
avanço da técnica, da indústria e da ciência, surge uma nova modalidade de
riscos, agora imprevisíveis e incalculáveis (abstratos). Nessa perspectiva,
assinala a autora, a segunda modernidade tem início “quando os riscos
598

oriundos de ações e decisões humanas rompem os pilares de certeza


estabelecidos pela sociedade industrial, minando, como conseqüência, os seus
padrões de segurança”.
Tanto os riscos concretos como os riscos abstratos se encontram
relacionados a diversos aspectos da vida social. Nesse estudo, entretanto,
serão levados em consideração apenas os riscos ambientais abstratos,
particularmente em razão da crise ambiental que atualmente inquieta e
mobiliza vários setores da sociedade moderna.
De acordo com Leite (2003):

É inegável que atualmente estamos vivendo uma intensa crise


ambiental, proveniente de uma sociedade de risco, deflagrada,
principalmente, a partir da constatação de que as condições
tecnológicas, industriais e formas de organização e gestões
econômicas da sociedade estão em conflito com a qualidade
de vida. Parece que esta falta de controle da qualidade de vida
tem muito a ver com a racionalidade do desenvolvimento
econômico do Estado, que marginalizou a proteção do meio
ambiente.

Em meio à Revolução do Silício, convém ainda restringir a presente


pesquisa aos riscos abstratos decorrentes da introdução de organismos
transgênicos no meio ambiente, o que envolve a biotecnologia moderna, um
dos avanços da também denominada Terceira Revolução Industrial.
O termo biotecnologia pode ser compreendido como uma complexa rede
de saberes na qual a ciência e a tecnologia são aplicadas a agentes biológicos
com a finalidade de produzir conhecimentos, bens e serviços. Insere-se nessa
complexa rede de saberes a engenharia genética e, mais particularmente, a
tecnologia do DNA recombinante, abrangendo um conjunto de técnicas
utilizadas para identificar, isolar, multiplicar e transferir material genético entre
células e organismos (ALCAMO, 2000). Foram precisamente essas técnicas
que possibilitaram a recombinação de diferentes moléculas de DNA e sua
subseqüente introdução em organismos vivos com o propósito de que
determinadas características fossem artificialmente integradas ou eliminadas
do seu genoma. Assim surgiram os organismos transgênicos ou, em outras
palavras, organismos cuja constituição genética foi alterada pela introdução ou
eliminação de determinados genes.
599

A possibilidade de programar organismos para expressar características


que possivelmente não se manifestariam naturalmente representou uma
conquista ousada e controversa que revolucionou a história da biotecnologia.
Como enuncia Rifkin (1999), após milhares de anos fundindo, derretendo,
soldando, forjando e queimando a matéria inanimada, o homem passou a
juntar, combinar, inserir e costurar material vivo rompendo, inclusive, a fronteira
entre as espécies. Com a recém descoberta habilidade de identificar, estocar e
manipular as estruturas químicas dos organismos vivos, o homem desenvolve
ainda mais o seu potencial de interferir no curso da natureza. Pela primeira vez,
torna-se também engenheiro da própria vida e começa a reprogramar os
códigos genéticos dos organismos vivos para adaptá-los às suas necessidades
e aos seus desejos.
Parece interessante mencionar que um organismo transgênico, ou
geneticamente modificado, possui a capacidade de expressar novas
características e repassá-las aos seus descendentes sem, contudo, romper as
barreiras reprodutivas impostas pela natureza. Isso significa que o
entrecruzamento em condições naturais, um dos elementos inerentes ao
conceito de espécie, continua a ser uma prerrogativa exclusiva das
populações, ou seja, daqueles organismos que partilham o mesmo ou
semelhante acervo genético e que se encontram aptos a produzir
descendentes férteis. As barreiras naturais de acasalamento, portanto,
subsistem à tecnologia do DNA recombinante, muito embora a fronteira que
outrora existiu entre as espécies tenha sido artificialmente ultrapassada. E isso
ocorre porque a biotecnologia não atua diretamente sobre a espécie ou o
organismo, mas sim sobre a sua informação genética.
Além da transferência vertical de genes, assinala Ferreira (2008) a
modificação genética de seres vivos e sua posterior introdução no meio
ambiente constituem procedimentos associados a uma variedade de riscos
ambientais ainda pouco conhecidos 5. Ainda não é possível precisar aspectos

5
Outros exemplos de riscos ambientais associados à introdução de organismos transgênicos no meio
ambiente são: a transferência horizontal de genes; formação de plantas daninhas e insetos invasores
resistentes; efeitos nefativos sobre a microbiota do solo; redução ou perda da diversidade biológica;
ameaça ao bem-estar dos animais; riscos alimentares, dentre outros. Para mais detalhes, cf. FERREIRA,
Heline Sivini. A biossegurança dos organismos transgênicos no direito ambiental brasileiro: uma
600

como: a natureza dos riscos envolvidos, a possibilidade de que venham a se


materializar, os possíveis danos que causarão, os seres vivos que serão
prejudicados, a magnitude desses prejuízos, os espaços territoriais pelos quais
poderão se estender, assim como a forma que afetarão as gerações futuras.
Muito embora estes sejam apenas alguns dos vários pontos de interrogação
contrapostos à segurança biológica dos organismos transgênicos, parecem ser
suficientes para demonstrar a vulnerabilidade do macrobem ambiental diante
dos organismos geneticamente modificados.

3 ESTADO DE DIREITO AMBIENTAL: A RELEVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA


PRECAUÇÃO NOS PROCESSOS DE INTRODUÇÃO DE ORGANISMOS
TRANSGÊNICOS NO MEIO AMBIENTE
De acordo com Ferreira (2008), a complexidade dos problemas
ambientais emergentes tem compelido o Estado a promover mudanças
substanciais nas estruturas da sociedade organizada, apontando caminhos e
apresentando alternativas que sejam mais compatíveis com a preservação dos
valores ambientais. Nesse mesmo sentido, Leite (2003) assinala que a crise
ambiental torna cada vez mais aparente a necessidade de reformulação dos
pilares de sustentação do Estado, o que pressupõe inevitavelmente a adoção
de um modelo de desenvolvimento apto a considerar as gerações futuras e o
estabelecimento de uma política fundamentada no uso sustentável dos
recursos naturais.
Nesse contexto, surge o Estado de Direito Ambiental como proposta a
ser compreendida a partir de novas reivindicações fundamentais do ser
humano, particularizando-se pela ênfase que confere à proteção do meio
ambiente (FERREIRA; LEITE, 2009). De forma mais precisa, Capella (1994)
assinala que a construção do Estado de Direito Ambiental pressupõe a
aplicação do princípio da solidariedade econômica e social com o propósito de
se alcançar um modelo de desenvolvimento duradouro, orientado para a busca
da igualdade substancial entre os cidadãos mediante o controle jurídico do uso
racional do patrimônio natural.

análise fundamentada na teoria da sociedade de risco. 2008. Tese (Doutorado em Direito) – Universidade
Federal de Santa Catarina, Florianópolis.
601

O caput do artigo 225 da Constituição Federal de 1988, ao determinar


que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem
de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao
Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as
presentes e futuras gerações” (grifo das autoras) (BRASIL, 1988), estabeleceu
o núcleo normativo do direito ambiental brasileiro, instituindo, também, alguns
dos pressupostos essenciais para a construção do Estado de Direito Ambiental.
Dentre os referidos pressupostos, apontados por Canotilho (2004) no artigo
Estado Constitucional Ecológico e Democracia Sustentada, serão destacados
os seguintes: o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado e o sistema constitucional de responsabilidades compartilhadas.
Ao integrar no texto constitucional o direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado como norma fundamental, o constituinte
reconheceu que em seu conteúdo subjazem decisões essenciais sobre a
estrutura do Estado e da sociedade. Nesse sentido, Benjamin (2007, p. 98)
considera que o reconhecimento do meio ambiente como um direito
fundamental “leva à formulação de um princípio da primariedade do ambiente,
no sentido de que a nenhum agente, público ou privado, é lícito tratá-lo como
valor subsidiário, acessório, menor ou desprezível”. A autonomia do bem
ambiental, portanto, constitui um elemento inseparável do enfoque adotado
pela Constituição Federal de 1988.
De acordo com Ferreira (2008), no que se refere ao dever compartilhado
de defender e preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado, o
constituinte consolidou um sistema de responsabilidades compartilhadas
propício à atuação e à fiscalização mútuas, indicando que os maiores
responsáveis pela atual crise ambiental deveriam desenvolver um plano de
ação comum com vistas à manutenção da sustentabilidade ecológica. Ao
reconhecer o meio ambiente como um direito pertencente a todos e,
simultaneamente, instituir um dever de proteção compartilhado, o texto
constitucional abraçou uma formulação jus-fundamental perficiente, integrada
tanto pela sua dimensão subjetiva (direito) como pela sua dimensão objetiva
(dever). No entendimento de Leite (2007), essa conformação jurídico-
602

constitucional de natureza dúplice “é a mais avançada e moderna, porquanto


repele a proteção ambiental em função do interesse exclusivo do homem para
dar lugar à proteção em função da ética antropocêntrica alargada”. De fato, a
formulação subjetivo-objetiva do direito fundamental ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado harmoniza duas dimensões necessariamente
complementares, especialmente quando se considera as novas exigências
impostas pela sociedade de risco.
Considerando que o direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado possui titularidade difusa, inserir no sistema de responsabilidades
compartilhadas o dever de agir com precaução diante de riscos abstratos é
apenas uma forma de gerir adequadamente os efeitos adversos decorrentes da
Terceira Revolução Industrial ou, mais especificamente, da introdução de
organismos transgênicos em ecossistemas complexos e estáveis. Isso,
certamente, implica uma dupla vinculação, ou seja, tanto o Poder Público como
a coletividade se encontram incumbidos de resguardar a riqueza e diversidade
do meio ambiente para as gerações presentes e futuras
Dito isso, convém mencionar que, seja através da unificação de
enunciados ou da formulação de definições que não ressaltam suas
peculiaridades, é comum o emprego dos princípios da prevenção e da
precaução como se não houvesse, entre eles, qualquer distinção. Milaré
(2001), por exemplo, assinala que, embora não descarte a possibilidade de
haver diferenças entre os princípios referidos, prefere adotar aquele primeiro
como fórmula simplificadora, uma vez que a prevenção, pelo seu caráter mais
genérico, engloba a precaução, de caráter mais específico.
Considerando que as agressões ao meio ambiente são, em regra, de
difícil ou impossível reparação, pode-se afirmar que tanto a atuação preventiva
como a precaucional buscam remédios antecipatórios contra a degradação
ambiental. É dizer, ambos os princípios se encontram permeados pela idéia de
que o dano não deve se consumar, restando a reparação ou indenização como
recursos últimos a serem utilizados. Apesar desse ponto em comum é possível
estabelecer diferenças substanciais entre os princípios mencionados, que não
devem ser confundidos.
603

Partindo desse pressuposto, Leite (2003) observa que enquanto a


atuação preventiva exige que os riscos já conhecidos sejam eliminados, a
adoção de medidas precaucionais implica que possíveis riscos, ainda que
cientificamente não comprovados, sejam afastados. Trata-se, portanto, de uma
atuação anterior à certeza da possibilidade de concretização de um dano, o
que conduziria à adoção de medidas preventivas.
Machado (2001), por sua vez, considera que o termo prevenção significa
agir antecipadamente. Assim sendo, para que medidas preventivas sejam
adotadas, é essencial que haja o conhecimento do que prevenir, ou seja, é
necessário primeiramente conhecer o risco para, em seguida, evitar o dano por
meio de uma ação anterior à sua concretização. O termo precaução, em
contrapartida, significa cautela antecipada. Dessa forma, a adoção de medidas
precaucionais implica que os riscos, ainda não plenamente conhecidos no
plano científico, sejam antecipadamente gerenciados a fim de evitar possíveis
danos ao meio ambiente e à saúde dos seres vivos.
Segundo Leite e Ayala (2002), o princípio da prevenção e o princípio da
precaução estão associados, respectivamente, a duas modalidades de risco: o
risco concreto e o risco abstrato. Assim sendo, pode-se dizer que a prevenção
atua no sentido de inibir o risco da ocorrência de um dano potencial, ou seja,
procura-se evitar que uma atividade sabidamente geradora de riscos venha a
produzir efeitos secundários, comprometendo, assim, a qualidade ambiental. O
princípio da precaução, em contrapartida, é aplicável nos casos em que
existam evidências de que uma atividade é arriscada. Procura-se, dessa forma,
inibir o risco da sua nocividade. Age-se, portanto, diante de uma situação de
dúvida sobre a periculosidade de um determinado empreendimento.
Ao estabelecer tal distinção, Leite e Ayala (2002) advertem que “em
ambas as situações, não é o estado ou a situação de risco que é potencial. O
que é potencial é o perigo [risco] da atividade, ou o perigo [risco] produzido
pelos efeitos nocivos da atividade”. Logo, ou a própria atividade é
potencialmente arriscada, representando um risco abstrato, ou de uma
atividade reconhecidamente degradante decorre a possibilidade da ocorrência
de um risco de dano potencial, representando um risco concreto.
604

Diante do exposto, é possível estabelecer entre os princípios em estudo


a seguinte distinção: a prevenção consagra o dever jurídico de adotar as
medidas necessárias para evitar a consumação de danos – ou minimizar
significativamente seus efeitos – cujo risco é passível de previsão. A idéia de
agir antecipadamente pressupõe que haja conhecimento daquilo que se
pretende prevenir, no caso, a concretização de um dano que venha a interferir
no equilíbrio ambiental; a precaução, por sua vez, pressupõe que o meio
ambiente deve ter a seu favor o benefício da dúvida. Destina-se, portanto, à
limitação de riscos cuja probabilidade de ocorrência, ou mesmo a própria
existência, é ainda incerta. A compreensão dessa nova modalidade de risco
deve, além de se fundamentar em condições qualitativas, considerar os direitos
das gerações futuras e a necessidade de promover a sustentabilidade
ambiental.
Considerando-se as fases de evolução da sociedade moderna,
anteriormente analisadas, é também possível definir os princípios da precaução
e da prevenção sob outra perspectiva, muito embora não esteja ela
desvinculada da idéia de risco concreto ou risco abstrato. Com a pronunciada
interferência do homem sobre os processos naturais surgiram os riscos
característicos da primeira modernidade, ou seja, aqueles que, previsíveis,
eram passíveis de controle. A continuada ação humana sobre a natureza,
entretanto, gerou uma segunda modalidade de riscos que passou a
caracterizar a segunda modernidade. Estes são, por sua vez, riscos
imprevisíveis cujos possíveis efeitos secundários são, em regra, ainda
desconhecidos.
As ameaças decorrentes da introdução de organismos transgênicos no
meio ambiente correspondem, conforme mencionado, às ameaças que
caracterizam a sociedade de risco como produto da recente revolução
tecnocientífica. A ausência de previsibilidade e controle dessas ameaças
remete, por outro lado, ao princípio da precaução, enfatizando que a ausência
de certeza científica não pode ser utilizada como razão para postergar a
adoção de medidas adequadas capazes de evitar a significativa degradação do
meio ambiente como direito difuso e fundamental.
605

No Brasil, a Lei n. 11.105, de 24 de março de 2005, propõe-se a


regulamentar as atividades que envolvem organismos transgênicos. Dentre as
suas disposições gerais e preliminares, encontra-se previsto que as normas de
segurança e os mecanismos de fiscalização que regulam a pesquisa e o uso
comercial de organismos transgênicos foram estabelecidos “tendo como
diretrizes o estímulo ao avanço científico na área de biossegurança e
biotecnologia, a proteção à vida e à saúde humana, animal e vegetal, e a
observância do princípio da precaução para a proteção do meio ambiente”
(grifou-se) (BRASIL, 2005). Logo de início, percebe-se que o legislador não
fixou qualquer dever de agir com precaução diante de riscos capazes de
comprometer o meio ambiente. De forma bastante diversa, introduziu o
princípio da precaução como mero instrumento de orientação, sugerindo que
as normas reguladoras das atividades que envolvem organismos transgênicos
se encontram e devem permanecer em harmonia com o imperativo de agir
antecipadamente para evitar a materialização do dano ambiental.
Percebe-se, portanto, que quando exposta ao núcleo normativo do
direito ambiental brasileiro, a Lei n. 11.105/05 restringe e desvirtua
exacerbadamente o nível de proteção estabelecido e desejado pelo constituinte
para o meio ambiente. Nesse contexto, Canotilho (2007) adverte que “é
razoável convocar o princípio da proibição de retrocesso no sentido de que as
políticas ambientais [...] são obrigadas a melhorar o nível de proteção já
assegurado pelos vários complexos normativo-ambientais” (grifo do autor).
Com isso, não se pretende estabelecer uma proibição geral do retrocesso, o
que certamente enrijeceria o sistema jurídico-ambiental. Na verdade, procura-
se evitar o recuo injustificado de normas e medidas que estabeleçam um nível
de proteção jurídica adequado ao meio ambiente. É o que considera Aragão
(2007) nos seguintes termos:

[...] o princípio da proibição do retrocesso ecológico, espécie


de cláusula rebus sic stantibus, significa que, a menos que as
circunstâncias de facto se alterem significativamente, não é de
admitir o recuo para níveis de protecção inferiores aos
anteriormente consagrados. [...] As circunstâncias de facto às
quais nos referimos são, por exemplo, o afastamento do perigo
de extinção antropogénica, isto é, a efectiva recuperação
606

ecológica do bem cuja protecção era regulada pela lei vigente,


desde que cientificamente comprovada; ou a confirmação
científica de que a lei vigente não era a forma mais adequada
de protecção do bem natural carecido de protecção.

Pode-se afirmar, portanto, que a Lei n. 11.105/05 se encontra em total


dissintonia com o Estado de Direito Ambiental e seus pressupostos
estruturantes ao promover um retrocesso ecológico visivelmente nocivo ao
meio ambiente ecologicamente equilibrado. Esse fator aponta manifestamente
para uma sociedade de risco que se desenvolve através do crescimento
econômico e da revolução tecnocientífica, desconsiderando por completo
valores sociais e ambientais. Ao confrontar um direito fundamental de terceira
geração, no entanto, as conseqüências dessa dissintonia são ainda mais
graves, uma vez que se torna evidente que o legislador ordinário agrediu
frontalmente um direito fundamental consagrado pela Constituição Federal de
1988.

4 CONCLUSÕES ARTICULADAS
Diante do que foi exposto até o presente momento, pode-se concluir
que:
• A sociedade industrial, ou primeira modernidade, caracteriza-se por riscos
que são passíveis de previsão e controle (concretos). A contínua intervenção
do homem sobre a natureza, no entanto, transforma gradativamente esses
riscos, fazendo surgir uma nova fase da ‘idade de ferro planetária’: a
sociedade de risco;
• Distintamente da sociedade industrial, a segunda modernidade pode ser
particularizada pelo surgimento de riscos incalculáveis e imprevisíveis
(abstratos). Isso se deve ao fato de que, com o acelerado avanço da técnica,
da indústria e da ciência, as ameaças se tornaram demasiadamente
complexas para o tradicional conhecimento linear e fragmentado;
• Os riscos associados à introdução de organismos transgênicos no meio
ambiente decorrem propriamente da revolução tecnocientífica iniciada no final
do século XX. São potencias danos que não podem ser antecipados em sua
plenitude, mas cujos efeitos podem ser ilimitados em função do espaço e do
607

tempo, implicando degradações significativas e irreversíveis para o meio


ambiente;
• Nesse contexto, o princípio da precaução surge como um mecanismo
indispensável para a gestão dos riscos ambientais decorrentes da introdução
de organismos transgênicos em novos ecossistemas, assegurando a efetiva
proteção do meio ambiente ecologicamente equilibrado, um direito
fundamental e difuso reconhecido pela Constituição Federal de 1988;
• Ao prever o princípio da precaução como mero instrumento de orientação das
normas reguladoras das atividades que envolvem organismos transgênicos,
pode-se afirmar que a Lei n. 11.105/05 se encontra em total dissintonia com o
Estado de Direito Ambiental e seus pressupostos estruturantes, promovendo
um retrocesso ecológico visivelmente nocivo ao meio ambiente como bem
essencial à sadia qualidade de vida.

REFERÊNCIAS

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Academic Press, 2000.

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608

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e V do § 1o do art. 225 da Constituição Federal, estabelece normas de
segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam
organismos geneticamente modificados – OGM e seus derivados, cria o
Conselho Nacional de Biossegurança – CNBS, reestrutura a Comissão Técnica
Nacional de Biossegurança – CTNBio, dispõe sobre a Política Nacional de
Biossegurança – PNB, revoga a Lei no 8.974, de 5 de janeiro de 1995, e a
Medida Provisória no 2.191-9, de 23 de agosto de 2001, e os arts. 5o, 6o, 7o,
8o, 9o, 10 e 16 da Lei no 10.814, de 15 de dezembro de 2003, e dá outras
providências. Presidência da República, Casa Civil, Subchefia para Assuntos
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609

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SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia


das Letras, 2000.
610

NORMAS DE LICENCIAMENTO DO PLANTIO DE PINUS E EUCALIPTOS


EM MINAS GERAIS:
Análise Legal Desta Política Estrutural Crescente

GLADSTONE LEONEL DA SILVA JÚNIOR 1

1 INTRODUÇÃO
O presente estudo vem analisar a existência ou não de normas de
licenciamento ambiental, que regulam o plantio de árvores para o mercado,
mais especificamente, o pinus e o eucalipto. Ademais, busca-se avaliar as
conseqüências desta regulamentação, indo além desta, e ponderando
aspectos quanto á política agrícola e ambiental, atualmente implementada em
todo território nacional, sobretudo no Estado de Minas Gerais.
A pesquisa, em um primeiro momento, consistiu em uma busca por
normas de licenciamento através do órgão estadual e demais dispositivos
normativos, responsáveis pela regulamentação deste tipo de empreendimento
de acordo com a própria Resolução do CONAMA (Conselho Nacional de Meio
Ambiente) nº 001, de 23 de Janeiro de 1986, como assim está disposto;

Artigo 2º - Dependerá de elaboração de estudo de impacto


ambiental e respectivo relatório de impacto ambiental - RIMA,
a serem submetidos à aprovação do órgão estadual
competente, e do IBAMA em caráter supletivo, o licenciamento
de atividades modificadoras do meio ambiente, tais como:
(...)
XIV - Exploração econômica de madeira ou de lenha, em
áreas acima de 100 hectares ou menores, quando atingir
áreas significativas em termos percentuais ou de importância
do ponto de vista ambiental;

1
Advogado, graduado em Direito pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), especialista em Sociologia
Política pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), mestrando em Direito pela Universidade Estadual
Paulista (UNESP) e bolsista de mestrado sob o financiamento da CAPES/CNPQ. Endereço eletrônico:
gleoneljr@gmail.com.
611

O estudo apresenta um panorama de incidência e eficácia normativa


relacionada ás atividades de silvicultura 2 e a política estrutural de fomento
destes empreendimentos cada vez mais presente nos Estados brasileiros.

2 OS MARCOS REGULATÓRIOS DO TEMA NO ESTADO DE MINAS


GERAIS
No Estado de Minas Gerais a legislação que vigora e abarca o tema aqui
pontuado é a Deliberação Normativa do COPAM (Conselho de Política
Ambiental) nº 74, de 9 de Setembro de 2004, estabelecendo critérios para
classificação, segundo o porte e potencial poluidor de empreendimentos e
atividades modificadoras do ambiente.
Assim dispõe o texto normativo e respectivo anexo, com partes
destacadas para melhor compreensão;

Deliberação Normativa COPAM nº 74, de 9 de Setembro de


2004.

Art. 1º - Os empreendimentos e atividades modificadoras do


meio ambiente sujeitas ao licenciamento ambiental no nível
estadual são aqueles enquadrados nas classes 3, 4, 5 e 6 ,
conforme a lista constante no Anexo Único desta Deliberação
Normativa, cujo potencial poluidor/degradador geral é obtido
após a conjugação dos potenciais impactos nos meios físico,
biótico e antrópico, ressalvado o disposto na Deliberação
Normativa CERH n.º 07, de 04 de novembro de 2002.
(...)
Art. 2° - Os empreendimentos e atividades listados no Anexo
Único desta Deliberação Normativa, enquadrados nas
classes 1 e 2, considerados de impacto ambiental não
significativo, ficam dispensados do processo de
licenciamento ambiental no nível estadual, mas sujeitos
obrigatoriamente à autorização ambiental de
funcionamento pelo órgão ambiental estadual competente,
mediante cadastro iniciado através de Formulário Integrado de
Caracterização do Empreendimento preenchido pelo

2
Silvicultura é a ciência dedicada ao estudo dos métodos naturais e artificiais de regenerar e melhorar os
povoamentos florestais com vistas a satisfazer as necessidades do mercado e, ao mesmo tempo, é
aplicação desse estudo para a manutenção, o aproveitamento e o uso racional das florestas.Silvicultura
também está relacionada à cultura madeireira. Busca ainda auxiliar na recuperação das floresta através do
plantio de espécies nativas, preferencialmente de caráter regional, de forma a ampliar as possibilidades de
manutenção dos biomas locais visando a recuperação de recursos hídricos e manutenção de
biodiversidade, de forma a aumentar a eficiência do processo. Disponível em:
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Silvicultura> - Acesso em: 20 de Maio de 2009.
612

requerente, acompanhado de termo de responsabilidade,


assinado pelo titular do empreendimento e de Anotação de
Responsabilidade Técnica ou equivalente do profissional
responsável.
(...)
Art. 9º – Para os empreendimentos já licenciados, as
modificações e/ou ampliações serão enquadradas de
acordo com as características de porte e potencial
poluidor de tais modificações e/ou ampliações, podendo
ser objeto de autorização ou licenciamento, nos seguintes
termos:

I – se o empreendimento original enquadrar-se nas


classes 1 e 2 e a modificação e/ou ampliação enquadrar-se
nas classes 1 e 2, a análise caberá à Superintendência
Regional de Meio Ambiente em cuja jurisdição encontrar-
se o empreendimento;

II – se o empreendimento original enquadrar-se nas classes 1


e 2 e a modificação e/ou ampliação enquadrar-se nas classes
3 e 4, a análise caberá à Superintendência Regional de Meio
Ambiente em cuja jurisdição encontrar-se o empreendimento;

III – se o empreendimento original enquadrar-se nas


classes 1 e 2 e a modificação e/ou ampliação enquadrar-se
nas classes 5 e 6, a análise caberá à FEAM ou IEF,
conforme o caso;

IV – se o empreendimento original enquadrar-se nas classes 3


e 4 e a modificação e/ou ampliação enquadrar-se nas classes
1 e 2, a análise caberá à Superintendência Regional de Meio
Ambiente em cuja jurisdição encontrar-se o empreendimento;

V – se o empreendimento original enquadrar-se nas


classes 3 e 4 e a modificação e/ou ampliação enquadrar-se
nas classes 3 e 4, a análise caberá à Superintendência
Regional de Meio Ambiente em cuja jurisdição encontrar-se
o empreendimento;

VI – se o empreendimento original enquadrar-se nas


classes 3 e 4 e a modificação e/ou ampliação enquadrar-se
nas classes 5 e 6, a análise caberá à FEAM ou IEF,
conforme o caso;

VII – se o empreendimento original enquadrar-se nas


classes 5 e 6 e a modificação e/ou ampliação enquadrar-se
nas classes 1 e 2, a análise caberá à FEAM/IEF, conforme o
caso;

VIII – se o empreendimento original enquadrar-se nas


classes 5 e 6 e a modificação e/ou ampliação enquadrar-se
nas classes 3 e 4, a análise caberá à FEAM/IEF, conforme o
caso.
613

(...)
Art.16 - As normas estabelecidas pelo COPAM referentes à
classificação de empreendimentos conforme a Deliberação
Normativa n.º1, de 22 de março de 1990 passam a incidir
segundo a seguinte correspondência:

I – Pequeno porte e pequeno ou médio potencial poluidor:


Classe 1;

II – Médio porte e pequeno potencial poluidor: Classe 2;

III – Pequeno porte e grande potencial poluidor ou médio


porte e médio potencial poluidor: Classe 3;

IV – Grande porte e pequeno potencial poluidor: Classe 4;

V – Grande porte e médio potencial poluidor ou médio porte


e grande potencial poluidor: Classe 5;

VI – Grande porte e grande potencial poluidor: Classe 6.

(grifo nosso)

ANEXO ÚNICO 3
CLASSIFICAÇÃO DAS FONTES DE POLUIÇÃO

-03 Atividades Florestais e processamento de madeira

G-03-02-6 Silvicultura

Pot. Poluidor/Degradador: Ar: P Água: M Solo: M Geral: M

Porte:

3
O artigo 1° da Deliberação Normativa n°82, de 11 de maio de 2005, (Publicação - Diário do Executivo -
"Minas Gerais" - 31/03/2005), alterou alguns itens contidos nas listagens do Anexo Único desta
Deliberação Normativa. Posteriormente, o artigo 1° da Deliberação Normativa n°85, de 08 de junho de
2005 (Publicação - Diário do Executivo - "Minas Gerais" - 08/06/2005), alterou alguns dispositivos desta
Deliberação Normativa, que tinham sua redação determinada pela Deliberação Normativa n° 82, de 11 de
meio de 2005.
614

500 ha ≤ Área útil ≤ 2000 ha Pequeno

2000 < Área útil ≤ 10000 ha Médio

Área útil > 10000 ha Grande

Em suma, o quadro de classificação destes danos, com base nos dados


apresentados legalmente são os seguintes:

Minas • Classe 01 – Pequeno porte (500 < Área <


Gerais 2000 ha.) e médio potencial poluidor - autorização
ambiental de funcionamento pelo órgão ambiental estadual
competente;
• Classe 03 – Médio porte (2000 < Área <
10.000 ha.) e médio potencial poluidor - se a
modificação do empreendimento se manter na classe 03,
responsabilidade da Superintendência Regional de Meio
Ambiente; ou caso a modificação do empreendimento se
amplie a classificação 05, responsabilidade do
licenciamento pela FEAM ou IEF;
• Classe 05 – Grande porte (Área > 10.000
ha.) e médio potencial poluidor – licenciamento feito
pela FEAM e IEF;

(grifo nosso)

Com isso, se estabelece uma maneira característica de realizar os


cálculos para a regulamentação do plantio ligado à silvicultura. Os índices
recentemente modificados, no ano de 2008, beneficiam as empresas que
podem plantar cada vez mais com uma fiscalização mais branda em áreas que
até pouco tempo isto não era possível.
615

Os empreendimentos sujeitos ao licenciamento ambiental no nível


estadual são aqueles enquadrados nas classes 3, 4, 5 e 6. Classificação essa,
estabelecida no próprio Estado.
Para se admitir essa classificação, a atividade de silvicultura possui um
potencial poluidor variável (entre o pequeno e o médio), somando-se a esse, a
extensão da área utilizada, que tratará do porte do empreendimento.
Logo, nas atividades de silvicultura há possibilidade de serem
desenvolvidas classificações do tipo 01, 02, 03, 04 e 05. No entanto, as mais
prováveis de ocorrerem são do tipo 01 (pequeno porte e médio potencial
poluidor), passível meramente de autorização ambiental de funcionamento pelo
órgão ambiental estadual competente; 03 (médio porte e médio potencial
poluidor) e a 05 (grande porte e médio potencial poluidor).
Essas duas últimas classificações estão sujeitas ao licenciamento
ambiental, podendo a classificação 03 ser analisada pela Superintendência
Regional de Meio Ambiente, se a modificação do empreendimento permanecer
na classe 03; ou ser analisado o licenciamento pela FEAM (Fundação Estadual
do Meio Ambiente) ou IEF (Instituto Estadual de Florestas), caso a modificação
do empreendimento se amplie a classificação 05. No caso da classificação 05,
qualquer que seja a modificação do empreendimento, os órgãos prováveis de
efetuarem o licenciamento serão a FEAM ou o IEF, conforme o caso.

3 A SILVICULTURA COMO POLÍTICA ESTRUTURAL ATUAL


Indo além da análise meramente legal, se torna perceptível o
crescimento de atividades ligadas ao plantio de pinus e eucaliptos no país,
como política estrutural realizada e incentivada pelos governos.
A partir do momento que já está definido o papel do Brasil na Divisão
Internacional do Trabalho, como mero fornecedor de matéria-prima, as
instituições legislativas se aprimoram na forma de regulamentar a atividade
necessária ao “bem estar” do mercado, sem o risco de maiores turbulências.
Entre 1967 e 1968, a área plantada com eucaliptos e pinheiros no Brasil
era maior que 6,5 milhões de hectares. Desse total, cerca de 35% foram
plantados em Minas Gerais, que se tornou o pólo florestal do País. Minas
616

alcançou essa posição pelo fato de estarem lá instaladas as principais


empresas consumidoras de carvão vegetal. O Estado tem hoje 1,5 milhões de
hectares de plantios florestais. O consumo anual é de 120 mil hectares, quase
o dobro do plantio de florestas em 2002/2003, que foi de 68 mil hectares.
Observar, tabela abaixo;

Área Total de Plantações de Espécies Arbóreas em Minas Gerais e no Brasil, segundo a


finalidade – 2003 4.

Discriminação Área
Há %
Eucalyptus spp 1.08 93,1
0.000
Florestas para energia e 920. 79,3
termorredutor 000
Florestas para celulose 140. 12,1
000
Florestas para outros 20.0 1,7
usos 00
Pinus spp 80.0 6,9
00
Total em Minas Gerais 1.16 100,0
0.000
Total no Brasil 5.00 23,2 (em relação
0.000 a MG).
(grifo nosso)

Dessa forma, as grandes empresas instaladas no Brasil, ligadas ao ramo


da silvicultura, avançam cada vez mais, em sua tomada territorial. Prova disso

4
RELATÓRIO Sucinto: Ocupação na UFV. CMI- Vitória. 02 maio 2007. Disponível em:
<http://lists.indymedia.org/pipermail/cmi-vitoria/2007-May/0502-g8.html>, adaptado de Carvalho et al.
2005. Acesso em: 20 maio 2009.
617

é a matéria divulgada em pela Gazeta Mercantil tratando do avanço da


monocultura em Minas Gerais, conforme apresentado abaixo.

“2007-09-18 - Siderúrgicas investirão em reflorestamento em


Minas

A Associação Mineira de Silvicultura - entidade que reúne


quase 70 siderúrgicas e fábricas de papel e celulose que
utilizam madeira em suas atividades industriais - informou
ontem ao governo de Minas que irá investir R$1,5 bilhão por
ano, a partir de janeiro próximo, com o objetivo de tornar o
estado auto-suficiente na produção de florestas.
De acordo com o documento de 98 páginas entregue ao vice-
governador Antônio Anastasia, serão plantados 200 mil
hectares por ano num programa de reflorestamento sem
precedentes no País e, na sua avaliação, dentro de dez anos
a área coberta por eucaliptos, somada com a já existente, será
maior que a do Estado de Sergipe.
Minas Gerais é o maior produtor e consumidor nacional de
carvão vegetal em razão da imensa demanda do seu parque
siderúrgico, que necessita do carbono para produzir o ferro
gusa, o primeiro passo na caminhada industrial em direção ao
aço.
(...)
Cerca de 80% da área plantada em Minas é destinada à
produção de carvão para as siderúrgicas. Os industriais
reclamam de maltratos por parte do governo, que decorrem
sobretudo de um emaranho de leis punitivas, que
transformaram o eucalipto e seu produtor em vilões da
ecologia. Queixam-se também de impostos abusivos e de
ausência de financiamentos adequados para a produção de
uma matéria-prima que demora sete anos para se tornar
produtiva.
No ano passado o governo de Minas tomou uma iniciativa que
muito agradou aos reflorestadores: a transferência dessa
atividade para a Secretaria da Agropecuária, onde é tratada
como uma atividade agrícola como qualquer outra, tais quais
milho ou feijão.
A área existente hoje é de 1,2 milhão de hectares, que
corresponde a pouco mais da metade do Estado de Sergipe. A
média de plantio anual é de 50 mil, mas em 2006 o
reflorestamento alcançou 150 mil hectares. O presidente da
AMS acredita que será possível ampliar o plantio em mais 50
mil hectares em 2007 (...).” 5

5
SIDERÚRGICAS investirão em reflorestamento em Minas. Gazeta Mercantil, São Paulo, 18 set. 2007.
Disponível em: <http://indexet.gazetamercantil.com.br/arquivo/2007/09/18/88/Siderurgicas-investirao-
em-reflorestamento-em-Minas.html >. Acesso em: 20 maio 2009.
618

Dessa forma, se observa uma clara prática política de incentivo destes


empreendimentos, como pode ser observado na matéria jornalística. A
estrutura estatal dá sinais de incitamento concreto e aceleração deste tipo de
modelo agrícola-ambiental implementado denominando, inclusive, estas
monoculturas como florestas. Algo repudiado pelas Redes que combatem
estes empreendimentos 6.
Isto é conseqüência de uma relação institucional entre as empresas
beneficiadas por esses empreendimentos e a classe política mantenedora
desta estrutura. Prova disto, é o debate recentemente travado sobre a questão
das terras devolutas ocupadas pelas empresas ligadas aos empreendimentos
de Silvicultura.
As terras ocupadas pelas empresas, em grande parte, são devolutas, e
por isso pertencentes ao Estado. Contudo, as empresas (em Minas Gerais)
conseguiram arrendar essas áreas do governo ditatorial nos anos 70, através
de contratos com a agência estatal Ruralminas, por um prazo de 20 anos. Nos
últimos anos, estes contratos começaram a vencer, ameaçando a continuidade
da posse. Sendo que esta e outras empresas, como a ACESITA, pressionam o
governo e deputados para a aprovação de Emenda a Constituição Mineira que
resguarda como suas a posse dessas terras.
Sobre o assunto, terras devolutas em Minas Gerais, a revista ISTOÉ
produziu em 15 de julho de 1998 uma longa matéria sob o título “Uns sim,
outros não”. O artigo afirmou que “uma área de 265,1 mil hectares que deveria
ter sido devolvida ao Estado prova que política agrária no Brasil tem um peso
para sem-terra e outro para as empresas”. Segundo os jornalistas Alan
Rodrigues e Luiza Villaméa “Há dois anos (1996) o governo de Minas Gerais
deveria ter recebido de volta 23,6 mil hectares dos 265,1 mil que arrendou a
partir de 1975 para 19 reflorestadoras no norte de Minas e no Vale do
Jequitinhonha”. Boa parte dos contratos assinados entre as empresas e o
Estado Ditador ainda na década de 70 venceriam entre os anos de 1998 e
2002. Segundo ISTOÉ:

6
Fábricas de celulose – da monocultura à poluição industrial. Movimento Mundial pelas florestas
Tropicais (WRM), 2005, p. 84.
619

(...) As empresas ignoram o compromisso firmado de criar


distritos florestais em troca de incentivos fiscais. Não
cumpriram sua parte e além de não devolver as áreas que
exploraram por mais de 2 décadas, estão tentando incorporar
a propriedade ao seu patrimônio, com base na lei do
Usucapião, que dá direito ao imóvel àquele que explorar por
20 anos ininterruptos 7.

Logo, visualiza-se claramente o acesso e poder de influência destes


empreendimentos florestais junto ao Governo.
Outra estratégia destas empresas, vem sendo a de legitimar
legislativamente a permanência de suas atividades em terras devolutas
aumentando a concessão à iniciativa privada e ao capital internacional, tal
como prevista em projeto de Emenda à Constituição Mineira 8, proposta pelo
deputado estadual Jairo Lessa (DEM) e Gil Pereira (PP).
O governo Aécio e sua base vem sendo o maior receptor de
financiamentos dessas empresas para suas campanhas eleitorais. Como
mostra a tabela abaixo a ACESITA e a V&M são grandes credoras das
campanhas do governo estadual.

Credores da Campanha do Governador Aécio Neves 9: 2002


Nome CNPJ D Valor (em
ata Reais)
ACESITA AS 333901700001 02/10 200.00
89 /2002 0,00
V & M DO 171701500001 16/08 60.000
BRASIL AS 46 /2002 ,00
V & M DO 171701500001 16/09 90.000
BRASIL AS 46 /2002 ,00

7
UNS sim, outros não. Isto é. São Paulo, 15 jul. 1998. Disponível em:
<http://www.terra.com.br/istoe/politica/150213.chtm.>. Acesso em 20 de Maio de 2009.
8
PEC 75-100/04.
9
Informações obtidas e disponíveis em: <http://www.tse.gov.br/internet/index.html.>. Acesso em 20 de
Maio de 2009.
620

Credores da Campanha do Governador Aécio Neves: 2006


ACESITA AS 3339017 28/0 50.0
0000189 9/2006 00,00
VALLOUREC & 1717015 21/0 400.
MANNESMANN DO BRASIL 0000146 8/2006 000,00
S/A
SUZANO PAPEL E 1640428 23/0 100.
CELULOSE S/A 7003332 8/2006 000,00
CELULOSE NIPO 4227879 30/0 100.
BRASILEIRA CENIBRA 6000199 8/2006 000,00

No que tange a eleição do Presidente Lula, em 2006, a situação não é


diferente. Esses empreendimentos florestais também contribuíram de alguma
forma na última Campanha, comprovando a ligação destas empresas com os
políticos que estão nos cargos mais importantes do país.

Credor da Campanha do Presidente Lula: 2006

SUZANO PAPEL E 1640428 22/0 146.


CELULOSE S/A 7011602 9/2006 104,37

4 CONCLUSÃO
Certamente, este estudo vai além da mera análise, da existência ou não
de normas que regulamentassem o plantio de pinus e eucaliptos em Minas
Gerais. O Direito é mais amplo e apresenta-se sob várias facetas e muitas
vezes de forma desigual entre as partes, como disposto na obra de Bourdieu;
O conteúdo prático da lei que se revela no veredicto é o
resultado de uma luta simbólica entre profissionais dotados de
competências técnicas e sociais desiguais, portanto, capazes
de mobilizar, embora de modo desigual, os meios e recursos
jurídicos disponíveis, pela exploração das ‘regras possíveis’, e
de os utilizar eficazmente, quer dizer, como armas simbólicas,
para fazerem triunfar a sua causa (2007, p. 224).
621

Uma pesquisa em que a conjuntura fosse deixada de lado e não


apresentássemos algumas variantes da motivação do aumento destes
empreendimentos, geraria uma lacuna política e propositiva na análise feita. A
observância de uma ligação umbilical entre as empresas silvicultoras e o
Governo do Estado de Minas Gerais, certamente gera um ciclo de dependência
e uma crise nas estruturas de poder.
Isto tudo, expõe as instituições públicas, configurando-as como meros
gestores de negócios milionários, causando danos ambientais sérios e ferindo
princípios basilares do Direito Administrativo, como a finalidade pública, em
detrimento de uma política necessária e almejante do bem comum.

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em: 20 de maio de 2009.

______________ Deliberação Normativa COPAM nº 82, de 11 de maio de


2005. Diário do Executivo – Minas Gerais, 31 de Mar. 2005. Disponível em: <
www.siam.mg.gov.br/sla/download.pdf?id.Norma=5276 - 202k >. Acesso em:
20 de maio de 2009.
622

RELATÓRIO Sucinto: Ocupação na UFV. CMI- Vitória. 02 maio 2007.


Disponível em: <http://lists.indymedia.org/pipermail/cmi-vitoria/2007-May/0502-
g8.html>, adaptado de Carvalho et al. 2005. Acesso em: 20 de maio de 2009;

SIDERÚRGICAS investirão em reflorestamento em Minas. Gazeta Mercantil,


São Paulo, 18 de setembro de 2007. Disponível em:
<http://indexet.gazetamercantil.com.br/arquivo/2007/09/18/88/Siderurgicas-
investirao-em-reflorestamento-em-Minas.html >. Acesso em: 20 de maio 2009;

UNS sim, outros não. Isto é. São Paulo, 15 jul. 1998. Disponível em:
<http://www.terra.com.br/istoe/politica/150213.chtm.>. Acesso em 20 de Maio
de 2009.
623

PROTEÇÃO AOS CONHECIMENTOS TRADICIONAIS NO BRASIL:


Transindividualidade e Metatemporalidade

NIVALDO DOS SANTOS 1


HUGO CÉSAR DE OLIVEIRA E SILVA CURADO 2
VITOR SOUSA FREITAS 3

1 INTRODUÇÃO
Constitucionalmente a proteção das comunidades tradicionais se dá por
interpretação analógica e extensiva dos dispositivos de proteção aos indígenas
para dar-lhes a tutela da organização social, costumes, línguas, crenças e
tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam
(no caso dos que as possuem, tais quais os índios).
Como populações tradicionais, podemos entender as comunidades
locais distintas por suas condições culturais, que se organizam,
tradicionalmente, por gerações sucessivas e costumes próprios, e que
conservam suas instituições sociais e econômicas; aquelas com modo de vida
e inter-relações sociais e materiais indissociáveis à diversidade biológica e à
reprodução dos conhecimentos tradicionais a ela associados (pescadores
artesanais, seringueiros, quilombolas, indígenas e a população ribeirinha, são
exemplos de tais populações).
Os conhecimentos oriundos dessas comunidades, os conhecimentos
tradicionais, podem ser entendidos como patrimônio imaterial, que abrange
todas as formas tradicionais e populares de cultura, transmitido oralmente ou
por gestos, englobando manifestações eminentemente intangíveis, dotadas de
caráter processual e caracterizadas pela sensível fluidez, pluralidade de

1
Graduado em Direito pela Universidade Federal de Goiás (1985), mestre em História das Sociedades
Agrárias pela Universidade Federal de Goiás (1992) e doutor em Direito pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (1999). Professor titular da Universidade Católica de Goiás e Universidade Federal
de Goiás. Coordenador do Núcleo de Patentes e Transferência de Tecnologia do estado de Goiás. Email:
nivaldodossantos@bol.com.br;
2
Acadêmico de Direito da Universidade Federal de Goiás. Email: tjhugo@pop.com.br;
3
Acadêmico de Direito da Universidade Federal de Goiás. Email: vitorius.ufg@gmail.com
624

conformações e extrema oscilação temporal e espacial, que carregam traços


múltiplos da cultura de um povo.
Tais comunidades defendem que o seu trabalho ancestral consistiu no
tratamento adequado da diversidade, admitindo, contudo, que este conceito foi
cunhado fora da sua cultura. Sustentam que de forma diversa ao restante da
sociedade, têm sempre vivido em íntimo contato com a natureza, a harmonia
com a mesma. O conhecimento tradicional que possuem refere-se ao uso
medicinal, as variedades de semente para cultura, a caça, a pesca e quaisquer
outras atividades, como a realização de partos artesanais profícuos, no caso
das parteiras, sendo essencial para a configuração do mesmo apenas sua
origem decantada de séculos de história, tradição e cultura oral.
Assim, o direito arrogado em tal proteção tem características que
transitam entre as de direitos humanos de terceira e quarta dimensão, pois têm
autoria coletiva e meta-temporal, sendo oriundos de uma outra cultura que não
a ocidental, cujos valores não devem se submeter aos do nosso mundo.
Exigem da sociedade e da comunidade jurídica a admissão da pluralidade
cultural, em detrimento da cultura intervencionista típica da ocidentalidade,
prevalecendo a tolerância, rumo a consecução de uma sociedade pacífica e
que respeite todos os povos, protegendo-os da arbitrariedade e da exploração
indevida de sua cultura milenarmente construída.
As garantias oferecidas visam à preservação do potencial biológico e do
conhecimento acumulado para uso, não apenas da geração presente, mas
também da futura.
Pode-se perceber o caráter trans-individual e mesmo meta-temporal da
tutela, de terceira dimensão, ao conhecimento tradicional. “Reconhecer que a
liberdade de ação de cada geração é condicionada pelas necessidades das
gerações futuras e transmitir a essas valores tradições e instituições que
apóiam em longo prazo a prosperidade das comunidades humanas e
ecológicas da terra”; eis normativamente enunciadas as características em
foco.
625

2 DESENVOLVIMENTO
Tradicionalmente, no Brasil, a política oficial de preservação do
patrimônio cultural, revelou-se centrada na identificação de monumentos,
objetos e documentos tidos como verdadeiros ícones de uma identidade
histórico-cultural que se buscava erigir para a nação. Tal fez arraigar nos
brasileiros a idéia de que o patrimônio histórico e artístico a ser protegido eram
os edifícios ou as obras de arte pura e aplicada; bens, pois móveis e imóveis
ou, como comumente se convencionou chamar, “a pedra e o cal”, que ainda
hoje são o principal objeto de tombamento.
Entretanto, rompendo com a limitação da ordem pretérita, o constituinte
de 1988 amplia a idéia de patrimônio cultural, ao dizer que “Art. 216.
Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e
imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à
identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade
brasileira, nos quais se incluem: I - as formas de expressão; II - os modos de
criar, fazer e viver; III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV - as
obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às
manifestações artístico-culturais; V - os conjuntos urbanos e sítios de valor
histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e
científico” (Constituição da República Federativa do Brasil, 1988).
Entretanto, no ordenamento jurídico brasileiro, não há legislação
específica no que se refere à proteção dos conhecimentos tradicionais,
entendidos em sua totalidade. O que se figura em nossa ordem jurídica é a
Medida Provisória nº. 2.186-16, de 23 de Agosto de 2001, que “Regulamenta o
inciso II do § 1º e o § 4º do art. 225 da Constituição, os arts. 1º, 8º, alínea "j",
10, alínea "c", 15 e 16, alíneas 3 e 4 da Convenção sobre Diversidade
Biológica, dispõe sobre o acesso ao patrimônio genético, a proteção e o acesso
ao conhecimento tradicional associado, a repartição de benefícios e o
acesso à tecnologia e transferência de tecnologia para sua conservação e
utilização, e dá outras providências”(grifo nosso).
Referida legislação trata do conhecimento tradicional associado, ou seja,
aquela informação ou prática individual ou coletiva de comunidade indígena ou
626

de comunidade local, com valor real ou potencial, associada ao patrimônio


genético.
Seguiu-se, assim, orientação da Convenção supracitada, vez que essa é
o primeiro instrumento internacional a reconhecer a importância dos
conhecimentos tradicionais, em especial na proteção da biodiversidade;
reconhecida como condição essencial para manutenção da vida na Terra.
A Medida Provisória em questão regulamenta, pois, dispositivos
constitucionais que incumbem ao poder público a proteção à diversidade e
integridade do patrimônio genético do País.
Especificamente quanto aos conhecimentos tradicionais, traz o texto em
estudo a seguinte enunciação:

Art. 7o Além dos conceitos e das definições constantes da


Convenção sobre Diversidade Biológica, considera-se para os
fins desta Medida Provisória:
(...)
II - conhecimento tradicional associado: informação ou prática
individual ou coletiva de comunidade indígena ou de
comunidade local, com valor real ou potencial, associada ao
patrimônio genético;
III - comunidade local: grupo humano, incluindo
remanescentes de comunidades de quilombos, distinto por
suas condições culturais, que se organiza, tradicionalmente,
por gerações sucessivas e costumes próprios, e que conserva
suas instituições sociais e econômicas;
(...)
DA PROTEÇÃO AO CONHECIMENTO TRADICIONAL
ASSOCIADO
Art. 8o Fica protegido por esta Medida Provisória o
conhecimento tradicional das comunidades indígenas e das
comunidades locais, associado ao patrimônio genético, contra
a utilização e exploração ilícita e outras ações lesivas ou não
autorizadas pelo Conselho de Gestão de que trata o art. 10, ou
por instituição credenciada.
§ 1o O Estado reconhece o direito das comunidades indígenas
e das comunidades locais para decidir sobre o uso de seus
conhecimentos tradicionais associados ao patrimônio genético
do País, nos termos desta Medida Provisória e do seu
regulamento.
§ 2o O conhecimento tradicional associado ao patrimônio
genético de que trata esta Medida Provisória integra o
patrimônio cultural brasileiro e poderá ser objeto de cadastro,
conforme dispuser o Conselho de Gestão ou legislação
específica.
§ 3o A proteção outorgada por esta Medida Provisória não
poderá ser interpretada de modo a obstar a preservação, a
627

utilização e o desenvolvimento de conhecimento tradicional de


comunidade indígena ou comunidade local.
§ 4o A proteção ora instituída não afetará, prejudicará ou
limitará direitos relativos à propriedade intelectual.
Art. 9o À comunidade indígena e à comunidade local que
criam, desenvolvem, detêm ou conservam conhecimento
tradicional associado ao patrimônio genético, é garantido o
direito de:
I - ter indicada a origem do acesso ao conhecimento
tradicional em todas as publicações, utilizações, explorações e
divulgações;
II - impedir terceiros não autorizados de:
a) utilizar, realizar testes, pesquisas ou exploração,
relacionados ao conhecimento tradicional associado;
b) divulgar, transmitir ou retransmitir dados ou informações
que integram ou constituem conhecimento tradicional
associado;
III - perceber benefícios pela exploração econômica por
terceiros, direta ou indiretamente, de conhecimento tradicional
associado, cujos direitos são de sua titularidade, nos termos
desta Medida Provisória.
Parágrafo único. Para efeito desta Medida Provisória,
qualquer conhecimento tradicional associado ao patrimônio
genético poderá ser de titularidade da comunidade, ainda que
apenas um indivíduo, membro dessa comunidade, detenha
esse conhecimento.

Depreende-se, pois, que a lei protege o conhecimento tradicional das


comunidades indígenas e das comunidades locais, associado ao patrimônio
genético, contra a utilização e exploração ilícita e outras ações lesivas ou não
autorizadas. Ainda que reconhecendo às comunidades o direito para decidir
sobre o uso de seus conhecimentos tradicionais associados ao patrimônio
genético do País (direito político de gestão) fica claro que tais conhecimentos
integram o patrimônio cultural brasileiro (propriedade pública) e poderá ser
objeto de cadastro.
A titularidade do direito em questão é coletiva, pertencente à
comunidade indígena ou local, muito embora se distinga possibilidade de titular
individual na redação da norma.
Assim, reconheceu-se a titularidade plural, independente de ser
novidade o objeto em questão, desde que exista valor real ou potencial – há
que entender-se de mercado. A titularidade independe da autoria, certa,
incerta, singular ou plural.
628

Em duas importantes ressalvas, o texto legal assevera que a proteção


outorgada não poderá ser interpretada de modo a obstar a preservação, a
utilização e o desenvolvimento de conhecimento tradicional de comunidade
indígena ou comunidade local, e não afetará, prejudicará ou limitará direitos
relativos à propriedade intelectual. Quanto ao primeiro ponto, busca realizar
adequadamente o equilíbrio entre os interesses comunitários e da sociedade
em geral; quanto à independência da nova proteção em face à propriedade
intelectual, o próprio teor da norma se ocupa de negar mais abaixo.
O conteúdo de tal direito tradicional pode ser posto da seguinte forma:
I) direito moral de nominação: o de ter indicada a origem do acesso ao
conhecimento tradicional em todas as publicações, utilizações, explorações e
divulgações;
II) direito patrimonial exclusivo de impedir terceiros não autorizados de:
a) utilizar, realizar testes, pesquisas ou exploração, relacionados ao
conhecimento tradicional associado; b) divulgar, transmitir ou retransmitir dados
ou informações que integram ou constituem conhecimento tradicional
associado; c) perceber benefícios pela exploração econômica por terceiros,
direta ou indiretamente, de conhecimento tradicional associado, cujos direitos
são de sua titularidade.
Outra questão de relevância é a proteção dos elementos tradicionais da
cultura das comunidades, não abrangidos pelo cunho tecnológico a que se
refere à Convenção Sobre Diversidade Biológica.
As criações tradicionais do espírito coletivo indígena não recebem
proteção na forma do direito de autor. São obras desprotegidas desde sua
gênese, disponíveis para o público, mediante o instituto do domínio público,
conforme previsto pelo artigo 45, 11 da Lei 9.610, de 1998.
Alguns doutrinadores ainda não aconselhariam a aplicação das regras
pertinentes ao Direito de Autor a tais criações por entenderem que às mesmas
faltaria o pressuposto da individualidade, para efeitos de verificação da tutela
autoral.
Observe-se, no entanto, que o legislador de 1998, atento para o fato de
que não mais vigora entre nós a remuneração como restrição à liberdade de
629

uso de obras caídas em domínio público, e em virtude da atual postura


constitucional de preservação da cultura tradicional indígena, deixou em aberto
a possibilidade de novas providências legislativas, a fim de que se estabeleça
proteção ao que designou conhecimentos étnicos e tradicionais.
Verdade é que há bases constitucionais para uma proteção de tais
conhecimentos, conforme analisado acima.
Acerca da empresa de realizar entendimento sobre o que se tem
realizado no Brasil em favor da tutela de conhecimentos tradicionais, faz-se
necessário aludir a dois outros decretos regulamentares, quais sejam, 3.945/01
que “Define a composição do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético e
estabelece as normas para o seu funcionamento, mediante a regulamentação
dos arts. 10, 11, 12, 14, 15, 16, 18 e 19 da Medida Provisória no 2.186-16, de
23 de agosto de 2001, que dispõe sobre o acesso ao patrimônio genético, a
proteção e o acesso ao conhecimento tradicional associado, a repartição de
benefícios e o acesso à tecnologia e transferência de tecnologia para sua
conservação e utilização, e dá outras providências”; e o Decreto Lei 4339/02
que institui princípios e diretrizes para a implementação da Política Nacional da
Biodiversidade.
Acerca do primeiro é de se notar uma excessiva preocupação com os
aspectos técnicos, no que tange ao uso do conhecimento tradicional na
biotecnologia. Não se contemplam os aspectos mais importantes da proteção
ao conhecimento tradicional, quais sejam o respeito à vida alheia, sua forma de
organização e decantar de conhecimentos. Ante nossa tecnologia e produção
de conhecimento em massa, não dessa forma com o conhecimento tradicional,
fruto de uma cultura milenar, por isso a clamar por uma proteção meta-
temporal.
A natureza normativa e deliberativa do Conselho fica estabelecida.
Enquanto efeito, temos o estabelecimento de um órgão no qual reclamar
lacunas e pedir tutelas e posicionamentos. São funções essenciais do
conselho: coordenar a implementação de políticas para a gestão do patrimônio
genético; e estabelecer normas técnicas, pertinentes à gestão do patrimônio
630

genético, critérios para as autorizações de acesso e de remessa, diretrizes


para elaboração de Contrato de Utilização do Patrimônio Genético.
Sobre a necessidade de contratos reguladores e sua forma, Vidotte:

Em relação à problemática relativa à falta de instrumentos


normativos que regulem a relação entre os índios, a
biodiversidade e a propriedade intelectual de forma eficaz, há
duas visões antagônicas a respeito da proteção dos
conhecimentos tradicionais.
A primeira, adotada pelo Instituto Nacional de Propriedade
Intelectual (INPI), acredita que uma simples adaptação do
atual sistema patenteário atual, de forma a abranger, sob sua
proteção, os conhecimentos tradicionais. Nesta acepção,
serão utilizados os mesmos meios legais já existentes, como
as patentes, marcas comerciais, segredos industriais, sem
qualquer mudança significativa em seus fundamentos.
A segunda acepção, defendida por autores como Juliana
Santilli, a mais acertada entre as duas, implica na criação de
um regime legal específico, totalmente distinto do sistema
patenteário vigente, no que tange ao ponto de vista conceitual
e valorativo. Tal orientação baseia-se no fato de que o sistema
patenteário atual possui como critério o elemento da novidade,
na qual o conhecimento é individualmente produzido. Os
conhecimentos em comunidades indígenas são gerados de
forma que, no sistema vigente, integrariam o domínio público,
não havendo qualquer proteção patenteária. Isto porque tais
conhecimentos são transmitidos de uma geração para outra, e
criados coletiva e informalmente. Assim, o sistema de
propriedade intelectual brasileiro prejudica tal modo de
produção e utilização dos conhecimentos tradicionais
indígenas, sendo necessário um regime legal “sui generis”
(SANTILLI, 2002, p. 56) (TÁRREGA, OLIVEIRA, PÉREZ,
2005).

Acerca da repartição dos lucros ou benefícios aferidos, temos a


constatação legal, em prol de um regime governamental de fiscalização do
cumprimento de contratos, tais como os feitos entre comunidades tradicionais e
centros de pesquisa científica ou empresas.
Fica decretado o favorecimento à instituição que realize pesquisa, nas
áreas biológicas e afins, tendo como função precípua a utilização de
conhecimentos tradicionais em atividades conexas ao social, jungidas aos
anseios das comunidades não-tradicionais a elas adstritas. São também
necessários elementos técnicos e estruturais. Ainda necessário que se perceba
o planejamento prévio das atividades a serem implementadas com tais
631

conhecimentos, bem como os alvos, metodologias e fundamentações das


pesquisas. Preocupou-se também a lei com as fontes financiadoras da
pesquisa tendo em vista que a origem de tais dados pode significar muito
quanto a como os mesmos serão usados, se para fins de pesquisa pura,
aplicada ou para objetivos comerciais.
A sociodiversidade, tomando por base Maria Cristina Vidotte, também
recebe proteção do decreto em estudo, nos incisos XI, XII, XIII e XIV; do artigo
2°, que enunciam o conceito de ser humano enquanto parte da natureza
estando, o mesmo presente nos diferentes ecossistemas brasileiros há mais de
dez mil anos. A manutenção da diversidade cultural nacional tem sido julgada
como fundamental à pluralidade de valores na sociedade em relação à
biodiversidade. Dignos de especial tratamento são os povos indígenas, os
quilombolas e as outras comunidades locais visto que desempenham um papel
importante na conservação e na utilização sustentável da biodiversidade
brasileira.
O conhecimento tradicional também recebe o manto da proteção legal
nos incisos em estudo, ao disporem os mesmos sobre as ações, que deverão
transcorrer com consentimento prévio informado dos povos indígenas, dos
quilombolas e das outras comunidades locais, percebendo-se a volta a um
tema já dissertado neste, qual seja, o consentimento informado por parte dos
integrantes das comunidades tradicionais.
Acerca do valor de uso da biodiversidade, dispõe o inciso XIV, que o
mesmo “é determinado pelos valores culturais e inclui valor de uso direto e
indireto, de opção de uso futuro e, ainda, valor intrínseco, incluindo os valores
ecológico, genético, social, econômico, científico, educacional, cultural,
recreativo e estético”, sendo imperativo legal que o uso desses saberes
contribua para “desenvolvimento econômico e social e para a erradicação da
pobreza”, o que vem a ser compromisso constitucional da função social da
propriedade, mesmo sendo ela imaterial..
Os objetivos da exploração, claramente descritos em lei, são reduzir
distorções mercadológicas que afetam a biodiversidade, promover um sistema
de retro-alimentação, à medida que recursos hauridos do conhecimento
632

tradicional e da biodiversidade possam conferir meios de financiar sua própria


manutenção e preservação.
A preferência, nas pesquisas e explorações, ficou pelo aludido decreto,
para as empresas nacionais, respeitados os interesses e a coordenação
nacional. Ficam ainda incólumes as cooperações internacionais e os atos em
favor da manutenção da biodiversidade nacional, advindos de empresas e
Estados estrangeiros.
Os direitos à liberdade e a um meio ambiente saudável não se
restringem aos habitantes de comunidades tradicionais. Cabe a todos os seres
humanos trabalhar em prol de sua efetivação e concretude práticas. Nesse
sentido as ações de gestão da biodiversidade passam a ter “caráter integrado,
descentralizado e participativo, permitindo que todos os setores da sociedade
brasileira tenham, efetivamente, acesso aos benefícios gerados por sua
utilização”.
Caminhando para as diretrizes básicas da política nacional de proteção
ao conhecimento tradicional, o Decreto 4.339/02 impera que o esforço nacional
de conservação e a utilização sustentável da diversidade biológica passam a
ser integrados em planos, programas e políticas setoriais ou intersetoriais
pertinentes de forma complementar e harmônica; passarão a ser feitos
investimentos substanciais, necessários para conservar a diversidade
biológica, “dos quais resultarão, conseqüentemente, benefícios ambientais,
econômicos e sociais”.
Uma leitura extensiva sobre o artigo 4º inciso IV conduz-nos a
compreender que as causas, não apenas os efeitos das alterações na
biodiversidade e, por extensão, na sociodiversidade, são preocupações da lei.
Ipsis literis, “ é vital prever, prevenir e combater na origem as causas da
sensível redução ou perda da diversidade biológica”. Tal dispositivo permite
compreender melhor as inter-relações entre preconceito, egotismo e alterações
da biodiversidade e das sociedades tradicionais. Parece ser criada em nosso
tempo uma sociedade única que se sobreleva de uma única base ou substrato
ideológico, qual seja o capitalismo ocidental e sua promessa falsa de felicidade.
633

Talvez residam nessa apática mesmice as angustiantes doenças da pós-


modernidade, tais como depressão e ansiedade.
Preocupa-se, ainda, o Decreto em imperar, no sentido de que sejam
criadas condições “para permitir o acesso aos recursos genéticos e para a
utilização ambientalmente saudável destes por outros países que sejam Partes
Contratantes da Convenção sobre Diversidade Biológica, evitando-se a
imposição de restrições contrárias aos objetivos da Convenção”.
Poderia dizer-se que a Política Nacional da Biodiversidade tem como
objetivo geral a promoção, de forma integrada, da conservação da
biodiversidade e da utilização sustentável de seus componentes, com a
repartição justa e eqüitativa dos benefícios derivados da utilização dos recursos
genéticos, de componentes do patrimônio genético e dos conhecimentos
tradicionais associados a esses recursos.
Interessam-nos ainda os componentes da política da biodiversidade,
visto que os mesmos são essenciais na determinação da competência do
referido decreto e, logo da competência dos direitos que o mesmo tutela e
abarca. São eles: Conhecimento da Biodiversidade; Utilização Sustentável dos
Componentes da Biodiversidade; Acesso aos Recursos Genéticos e aos
Conhecimentos Tradicionais Associados e Repartição de
Benefícios; Educação, Sensibilização Pública, Informação e Divulgação sobre
Biodiversidade.
Em visão analítica, percebe-se a diretriz que apóia a promoção de
pesquisas sobre o conhecimento tradicional de povos indígenas, quilombolas e
outras comunidades locais. Favorece também a organização e sistematização
de informações e procedimentos relacionados ao conhecimento tradicional
associado à biodiversidade, com consentimento prévio informado das
populações envolvidas, conforme já exposto.
A elaboração e implementação de instrumentos econômicos e de um
regime jurídico específico que possibilitem a repartição justa e eqüitativa de
benefícios, compensação econômica e outros tipos de compensação para os
detentores dos conhecimentos tradicionais associados, segundo as demandas
por eles definidas, também se constitui em meta da legislação vigente.
634

Trabalhar a prospecção de conhecimentos, inovações e práticas dos povos


indígenas, quilombolas e outras comunidades locais, respeitando, resgatando,
mantendo e preservando os valores culturais agregados a estes
conhecimentos, inovações e práticas, e assegurando a confidencialidade das
informações obtidas, sempre que solicitado pelas partes detentoras destes ou
quando a sua divulgação possa ocasionar dano à integridade social, ambiental
ou cultural destas comunidades ou povos detentores destes conhecimentos.
O terceiro componente tem como cerne a elaboração e a implementação
de códigos de ética para a biotecnologia e a bioprospecção, de forma
participativa, envolvendo os diferentes segmentos da sociedade brasileira, com
base na legislação vigente. A consolidar e a regulamentação dos usos de
produtos geneticamente modificados, em conformidade com o princípio da
precaução e com análise de risco dos potenciais impactos sobre a
biodiversidade, a saúde e o meio ambiente, envolvendo os diferentes
segmentos da sociedade brasileira, garantindo a transparência e o controle
social destes e com a responsabilização civil, criminal e administrativa para
introdução ou difusão não autorizada de organismos geneticamente
modificados que ofereçam riscos ao meio ambiente e à saúde humana. De
outra ponta exigir o licenciamento ambiental de atividades e empreendimentos
que façam uso de Organismos Geneticamente Modificados - OGM e derivados,
efetiva ou potencialmente poluidores, criarão meios para o controle do uso do
conhecimento tradicional associado às pesquisas com fármacos e alimentos, já
referidas neste.
São contempladas ainda as ações que atendam as demandas de
comunidades tradicionais, tais como povos indígenas, quilombolas quanto às
prioridades relacionadas à conservação e à utilização sustentável dos recursos
biológicos existentes em seus territórios, salvaguardando os princípios e a
legislação inerentes à matéria e assegurando a sua sustentabilidade nos seus
locais de origem.
O Estado brasileiro assume como compromisso seu, no que tange à
institucionalização de meios jurídicos para a proteção das comunidades
tradicionais, “estimular a utilização sustentável de produtos não madeireiros e
635

as atividades de extrativismo sustentável, com agregação de valor local por


intermédio de protocolos para produção e comercialização destes produtos.”
Destaque-se o papel de apoiador do Estado às comunidades locais na
identificação e no desenvolvimento de práticas e negócios sustentáveis.
Quanto aos resultados hauridos com a pesquisa e os desenvolvimentos
cabe regulamentar e implementar mecanismos e instrumentos jurídicos que
garantam aos povos indígenas, aos quilombolas e às outras comunidades
locais a participação nos processos de negociação e definição de protocolos
para acesso aos conhecimentos, inovações e práticas associados à
biodiversidade e repartição dos benefícios derivados do seu uso. Contemplar
os aspectos sui generis de proteção do conhecimento tradicional e de
repartição proporcional, visando necessidade e adequação, de benefícios para
os povos indígenas, quilombolas, outras comunidades locais detentores de
conhecimentos associados à biodiversidade, com a participação destes e
resguardados seus interesses e valores, também se erige da norma em tela.
Como tutela transindividual e meta-temporal, encontra se o seguinte
dispositivo, in verbis: “Assegurar o reconhecimento dos direitos intelectuais
coletivos de povos indígenas, quilombolas e outras comunidades locais, e a
necessária repartição de benefícios pelo uso de conhecimento tradicional
associado à biodiversidade em seus territórios”.
Entretanto, além de tutelar, entende a norma que faz-se necessário que
a população, enquanto destinatária dos benefícios aferidos, nesta ou nas
próximas gerações, fique a par do significado de tais ações e possa se tornar
uma parceira em potencial na efetivação de tal proteção, conscientizando-se e
ajudando a divulgar a iniciativa.

3 CONCLUSÃO
Percebe-se o caráter transindividual e meta-temporal da tutela ao
conhecimento tradicional.
Entretanto, no ordenamento jurídico brasileiro, não há legislação
específica no que se refere à proteção dos conhecimentos tradicionais,
entendidos em sua totalidade, limitando-se essa apenas àquele tido por
636

associado, com valor econômico real ou potencial, ligada ao patrimônio


genético.
Ainda que reconhecendo às comunidades o direito para decidir sobre o
uso de seus conhecimentos tradicionais associados ao patrimônio genético do
País (direito político de gestão) fica claro que tais conhecimentos integram o
patrimônio cultural brasileiro (propriedade pública) e poderá ser objeto de
cadastro.
Os elementos tradicionais da cultura das comunidades, não abrangidos
pelo cunho tecnológico a que se refere à Convenção Sobre Diversidade
Biológica são obras desprotegidas desde sua gênese, sendo disponibilizadas
como de domínio público.
No Brasil o que se tem realizado em favor da tutela de conhecimentos
tradicionais faz-nos aludir aos decretos regulamentares 3.945/01, que define a
composição do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético, e o Decreto Lei
4339/02, que institui princípios e diretrizes para a implementação da Política
Nacional da Biodiversidade.
A manutenção da diversidade cultural nacional tem sido julgada como
fundamental à pluralidade de valores na sociedade em relação à
biodiversidade.
Os direitos à liberdade e a um meio ambiente saudável não se
restringem aos habitantes de comunidades tradicionais, cabendo a todos os
seres humanos trabalhar em prol de sua efetivação e concretude práticas. Por
isso as ações de gestão da biodiversidade passam a ter “caráter integrado,
descentralizado e participativo, permitindo que todos os setores da sociedade
brasileira tenham, efetivamente, acesso aos benefícios gerados por sua
utilização”.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Decreto Legislativo no. 2, de 5 de junho de 1992. Ministério do Meio Ambiente
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637

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639

CELEBRAÇÃO DO TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA


EXTRAJUDICIAL:
Um óbice à propositura da Ação Civil Pública Ambiental?

ISABEL KLUEVER KONESKI 1

1 INTRODUÇÃO
A degradação ambiental ganha contornos inquietantes, as catástrofes
ambientais tornam-se cada vez mais comuns e complexas. Atos que retiram o
equilíbrio natural do meio ambiente acontecem, simultaneamente, sobre várias
áreas: desmatamentos desenfreados, aquecimento global, poluição do ar,
perda da biodiversidade, caça e pescas predatórias etc. A resposta da
natureza, ainda que propositalmente ignorada pela sociedade, não poderia ser
diferente: chuvas torrenciais, secas, temperaturas extremas, derretimento de
geleiras e tantas outras.
Diante deste cenário, resta evidente a necessidade de estudar os
mecanismos processuais previstos pelo ordenamento jurídico para a proteção
ambiental. Entre eles estão a Ação Civil Pública Ambiental (ACPA) e o Termo
de Ajustamento de Conduta (TAC). Todavia, há que se considerá-los em
conjunto, há que se meditar sobre a implicação da existência de um na
possibilidade da utilização do outro, sem perder o foco do direito ambiental: a
preservação de um meio ambiente ecologicamente equilibrado.
No caso em tela, analisar-se-á se a existência de um TAC,
extrajudicialmente firmado, na seara ambiental, é um óbice à rediscussão da
matéria, via Ação Civil Pública Ambiental, por legitimados ad causam
descontentes com as soluções resultantes deste termo. Ou seja, aqueles que
não participaram da celebração do TAC e enxergam que o mesmo ficou aquém
das necessidades ambientais, têm espaço para propor uma ACPA sobre a

1
Graduanda do 5° ano de Direito da UFSC; Bolsista-pesquisadora do Pibic/CNPq em Direito Ambiental,
orientada pelo Prof. José Rubens Morato Leite; Membro do Grupo de Pesquisa de Dano Ambiental na
Sociedade de Risco. E-mail: belkoneski@hotmail.com
640

mesma questão? Para tanto, será analisado, de forma breve, antes de entrar
no mérito, os conceitos de TAC extrajudicial e da Ação Civil Pública Ambiental.
Ademais, não se pode estudar qualquer tentativa de controle dos riscos
e danos ambientais ignorando o estágio em que o desenvolvimento humano se
encontra: vive-se hoje, sob o prisma da Teoria da Sociedade de Risco proposta
por Ulrich Beck, a chamada Modernidade Reflexiva. Assim, a pesquisa parte da
premissa de que hoje se convive com riscos incalculáveis, danos irreversíveis e
catástrofes iminentes, conforme se verá.

2 SOCIEDADE DE RISCO
Conforme a Teoria da Sociedade de Risco proposta por Ulrich Beck em
1986 2, vive-se hoje a 'segunda modernidade', um estágio do desenvolvimento
humano, posterior ao período industrial clássico, no qual as consequências do
desenvolvimento humano desordenado passam a ser sentidas e a ameaçar
todo o planeta. O modelo adotado e exaustivamente praticado acabou por
colocar toda a coletividade à mercê de um permanente risco de desastres e
catástrofes (LEITE, 2003, p. 22). Para Beck (1997, p. 36) "A modernização não
entrou no seu próprio Pós, mas voltou-se contra si mesma".
Enquanto na primeira modernidade os riscos podiam ser taxados de
'calculáveis', na segunda modernidade, ou 'modernidade reflexiva', os riscos se
revestem de uma nova roupagem, tornando-se incalculáveis (LEITE et al., p.
150, 2009). Beck distingue risco e perigo. Para o pensador alemão, a
sociedade atual seria caracterizada pela existência de riscos, consequências
indesejadas produzidas pela atividade do homem, oriundos de seus processos
de decisões. Já o conceito de perigo se traduz por consequências indesejadas
produzidas não pelo homem, mas provenientes do próprio ambiente. (BECK,
1998, p. 21)
Quando se trata de riscos ecológicos o que está em pauta é o meio
ambiente e, consequentemente, a vida humana, a despeito de maiores
implicações. O problema desse tipo de risco é que os danos causados são,
muitas vezes, irreversíveis ou de difícil reparação, de modo que a única forma
2
Risikogesellschaft - Auf dem Weg in eine andere Moderne, de 1986, traduzida para o idioma espanhol
em 1998 – La sociedad del riesgo: hacia una nueva modernidad.
641

de efetivamente proteger o bem ambiental é evitando que tais danos ocorram


(FARIAS, 2008, p. 749). Assim, mecanismos como a ACP Ambiental e o TAC
se, corretamente utilizados, são capazes de dar uma grande contribuição para
a humanidade. Com efeito, passa-se a analisar a Ação Civil Pública.

3 BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA


O processo civil, como um todo, foi criado para viabilizar a solução de
lides que envolviam apenas direitos individuais. Com o a assimilação dos
direitos fundamentais de terceira geração 3, foi imprescindível que o legislador
equipasse instrumentalmente o ordenamento a fim de proporcionar a tutela
adequada destes direitos. Assim, ficam mais evidentes os motivos pelo qual a
Lei n° 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública - LACP) foi promulgada: ela veio para
suprir as necessidades de um tratamento específico para os conflitos de
massa, para os interesses transindividuais.
A noção completa de Ação Civil Pública abrange, além da defesa do
patrimônio público e cultural, do meio ambiente e dos direitos do consumidor,
conforme reza o preâmbulo 4 da LACP, a defesa de quaisquer interesses
difusos, coletivos ou individuais homogêneos. Sintetiza o art. 1º da LACP:

Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da


ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais
e patrimoniais causados:
l - ao meio-ambiente; II - ao consumidor; III – à ordem
urbanística; IV – a bens e direitos de valor artístico, estético,
histórico, turístico e paisagístico; V - a qualquer outro interesse
difuso ou coletivo. VI - por infração da ordem econômica.
(BRASIL, Lei n° 7.347/85)

Esta defesa dos direitos difusos e coletivos é decorrente das alterações


oriundas da promulgação do Código de Proteção e Defesa do Consumidor
(CDC), em 1990 (BRASIL, Lei n° 8.078/90). O CDC alterou a Lei n° 7.347/85 ao

3
“Ao lado dos direitos sociais, que foram chamados de direitos de segunda geração, emergiram hoje os
chamados direitos de terceira geração, que constituem uma categoria, para dizer a verdade, ainda
excessivamente heterogênea e vaga, o que nos impede de compreender do que efetivamente se trata, o
mais importante deles é o reivindicado pelos movimentos ecológicos: o direito de viver num ambiente
não poluído”. (BOBBIO, 1992, p. 5)
4
Preâmbulo da Lei n° 7.347/85: “Disciplina a Ação Civil Pública de responsabilidade por danos causados
ao Meio Ambiente, ao Consumidor, a Bens de Direitos do Valor Artístico, Estético, Histórico, Turístico e
Paisagístico e dá outras providências”.
642

acrescentar o termo “a qualquer outro direito difuso ou coletivo”, no inciso IV do


art. 1° da LACP. Ademais, a Constituição Federal de 1988, no Capítulo I do
Título II – “Dos direitos e Deveres Individuais e Coletivos”, efetivou,
constitucionalmente, o acesso á Justiça para a proteção de direitos coletivos.
Assim, hoje tem-se o seguinte panorama quanto ao objeto da ACP:
quanto ao pedido imediato, aduz o art. 3° da LACP: “A ação civil poderá ter por
objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou
não fazer” (BRASIL, Lei n° 7.347/85). Todavia, apenas quando a reparação do
dano mostrar-se inviável é que a solução será o pagamento do correspondente
em pecúnia (MANCUSO, 2007, p. 31). Já quanto ao pedido mediato, a ACP
protegerá justamente os citados, no art. 1° da LACP, direitos transindividuais.
Enquanto a Ação Civil Pública se presta à proteção dos interesses
difusos, coletivos e individuais homogêneos; a ACPA visa à proteção do meio
ambiente, que, sem muito esforço, se infere da leitura do art. 225 da CF/88, se
trata de interesse difuso. (SAMPAIO, 1999, p. 55)
Quanto aos direitos ou interesses difusos e coletivos, convém,
inicialmente, analisar o que preconiza o art. 81 do Código de Proteção e
Defesa do Consumidor (BRASIL, Lei nº 8.703/93):

Art. 81 - A defesa dos interesses e direitos dos consumidores


e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou
a título coletivo. Parágrafo único - A defesa coletiva será
exercida quando se tratar de:
I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para
efeitos deste Código, os transindividuais, de natureza
indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e
ligadas por circunstâncias de fato;
II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para
efeitos deste Código, os transindividuais de natureza
indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de
pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma
relação jurídica-base;
III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim
entendidos os decorrentes de origem comum.

Destarte, o artigo prevê a defesa de direitos transindividuais, os quais,


cumpre informar, também podem ser chamados de metaindividuais ou supra-
individuais, não fazendo diferença o uso de qualquer uma destas
643

denominações, já que todas elas se referem a interesses pertencentes a uma


pluralidade de titulares.
Já a conceituação legal de meio ambiente é encontrada no artigo 3º, I,
da Lei n° 6.938/81 - Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, que endossa a
concepção holística do termo: “Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por
[...] meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de
ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas
as suas formas”. (BRASIL, Lei 6.938/81)
Por fim, quanto à legitimidade ativa da ACP, o art. 5º da Lei n° 7.347/85
atribuiu legitimidade ao Ministério Público, à Defensoria Pública, à União, aos
Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios, às autarquias, à empresas
públicas, às fundações e às sociedades de economia mista 5. Todavia, qualquer
que seja o órgão legitimado, ele não aparecerá como vítima, e sim como tutor
ou representante dos interesses da coletividade. Esta coletividade sim á a
titular do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Disto decorre
que não pode o organismo que promover a ação ser o beneficiário de eventual
indenização obtida. (MIRRA, 2002, p. 193)

4 BREVE CONSIDERAÇÕES ACERCA DO TAC


O Compromisso de Ajustamento de Conduta 6 trata-se de um método
alternativo à solução de conflitos no qual estejam presentes interesses difusos,
coletivos e individuais homogêneos. Pode ser realizado em procedimento
avulso e extrajudicial, na fase pré-processual (inquérito civil) ou ainda na fase
processual, quando já existe uma ACP. (MILARÉ, 2004, p. 819)
O TAC destina-se a prevenir o litígio, quando a ACP ainda não foi
proposta, ou a extingui-lo, quando a ACP está em andamento. São
características do TAC: (a) é tomado por termo por um dos órgãos públicos

5
“Art. 5º. Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: I - o Ministério Público; II - a
Defensoria Pública; III - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; IV - a autarquia,
empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista; V - a associação que, concomitantemente: a)
esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil; b) inclua, entre suas finalidades
institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou
ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico”. (BRASIL, Lei n° 7.347/85)
6
O Compromisso de Ajustamento de Conduta é, necessariamente, tomado por termo. Daí o nome pelo
qual é muito conhecido: Termo de Ajustamento de Conduta, ou, simplesmente, TAC.
644

legitimados à ação civil pública 7; (b) dispensam-se testemunhas


instrumentárias; (c) forma um título executivo extrajudicial; (d) dispensa
homologação em juízo; (e) o órgão público legitimado pode tomar o
compromisso de qualquer causador do dano, ainda que este seja outro ente
público (só não pode tomar compromisso de si mesmo); (f) deve prever sanção
pecuniária para o caso de descumprimento (MAZZILI, 2007, p. 167). Conceitua
Rodrigues (2006, p. 207): “A existência do TAC certifica a responsabilidade civil
assumida pelo obrigado para prevenir o risco de dano ou reparar os prejuízos
já ocasionados ao meio ambiente. Não se traduz, todavia, em um
reconhecimento de culpa”.
A doutrina diverge quanto à natureza do TAC. Se, por um lado, é
pacífico que se trata de título executivo extrajudicial, por outro, caracterizá-lo
como uma transação ainda gera polêmicas. Evidente que os legitimados, ao
firmar o TAC, não estão legitimados a dispor do meio ambiente, interesse
transindividual. Todavia, por questões de praticidade o CDC (BRASIL, Lei n°
8.078/90) introduziu, na LACP, uma permissão para o compromisso de
ajustamento de conduta em matéria de defesa extrajudicial de interesses
transindividuais (art. 5º, § 6º, da LACP). (MANCUSO, 2007, p. 245 - 248).
Assevera Milaré (2004, p. 822):
O compromisso reclama sempre, dada a natureza indisponível do direito
violado, proposta de integral reparação do dano. O que seria objeto do pedido
na ação civil deve estar presente no compromisso. Admite-se convenção
apenas no tocante à forma de cumprimento das obrigações (modo, tempo,
lugar etc.), em atenção às peculiaridades do caso concreto.

5 IMPLICAÇÕES PROCESSUAIS DO TAC: CONSIDERAÇÕES INICIAIS


A presente pesquisa indaga quais são as decorrências processuais
advindas da celebração de um Termo de Ajustamento de Conduta extrajudicial,
existente e válido, indaga se há espaço para a propositura de uma Ação Civil
Pública Ambiental que verse sobre a mesma questão de um TAC existente.

7
“Art. 5° Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento
de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo
extrajudicial.” (BRASIL, Lei n° 7.347/85)
645

Grifaram-se os termos “extrajudicial”, “existente e válido”, “Ação Civil Pública” e


“Ambiental” porque estes delimitam o foco dos estudos: (i) o TAC extrajudicial
é que interessa ao cerne da questão, e não o judicial, já que a sentença dada
em se tratando de TAC judicialmente firmado é decisão de mérito e, portanto,
coberta pelo manto da coisa julgada material. Desta maneira, o ajuste só
poderá ser desfeito se presentes os requisitos da propositura da ação
rescisória e não é a intenção desta pesquisa discutir a relatividade da coisa
julgada; (ii) o TAC extrajudicial que importa é o acordo existente e válido, já que
os inexistentes e inválidos não demandam, necessariamente uma ação coletiva
para sua desconstituição (MAZZILLI, 2005, p. 371) (iii) um TAC traz
implicações processuais ao manejo de diversas ações, dentre as quais se
destacam as ações civis pública e as ações populares. Optou-se tratar das
primeiras no exame em questão, dada a limitação de sua legitimidade ativa e o
fato de serem, hoje, a mais utilizada e a melhor forma de proteção ambiental,
tanto sob o prisma repressivo, quanto sob o prisma preventivo; (iv) elegeu-se a
matéria ambiental justamente pela peculiaridade do bem jurídico tutelado – o
meio ambiente. A despeito dos demais interesses protegidos pela Lei da ACP
também trazerem a marca da transindividualidade, o meio ambiente apresenta
um plus: trata-se de direito desta e das futuras gerações.
Cumpre salientar também que a doutrina está longe de ser pacífica:
enquanto uma parcela afirma ser a existência de um Termo de Ajustamento de
Conduta extrajudicial um empecilho à propositura de uma ACPA que verse
sobre a mesma questão do TAC, por existir perda do interesse de agir e
violação ao Princípio da Segurança Jurídica, outra parcela entende que os co-
legitimados que não concordem que o TAC extrajudicialmente firmado trouxe a
melhor solução para o meio ambiente devem ter a oportunidade de se valer da
ACPA, dada a importância do meio ambiente e a violação do Princípio da
Inafastabilidade da Jurisdição.
646

6 CELEBRAÇÃO DO TAC E A PROPOSITURA DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA


AMBIENTAL
Conforme analisado, em sede de Ação Civil Pública, são legitimados a
figurar pólo ativo: Ministério Público, entidades estatais, autárquicas
paraestatais e algumas associações civis. Já em sede de TAC são legitimados,
os órgão públicos legitimados à propositura da ACP. Disto decorrem duas
implicações: (i) os entes legitimados à propositura do primeiro instituto não
coincidem, exatamente, com os mesmos legitimados à propositura do segundo;
(ii) no ordenamento jurídico pátrio a proteção dos direitos transindividuais é um
direito-dever de vários co-legitimados. Desta forma, a atuação destes co-
legitimados deve ser disjuntiva e concorrente, ou seja, compete a todos, de
forma separada, zelar pelos interesses transindividuais (DORNELAS, 2003, p.
1). Disto decorre que, comumente, o TAC é celebrado perante apenas um só
dos legitimados, de modo que convém indagar sobre possibilidade da
celebração de um TAC inibir a propositura, por outros co-legitimados, de ACPA
que verse sobre os mesmos fatos. (RODRIGUES, 2008, p. 209 – 210)
Apesar de a celebração do TAC extrajudicial não importar em renúncia
de direitos por parte do órgão público que desta participa, evidente que este
legitimado público, ao firmar o acordo com o compromitente, ainda que
implicitamente, se compromete a não promover a respectiva ação de
conhecimento acerca de tudo que foi solucionado no compromisso. Afinal, para
tanto lhe falta interesse de agir em eventual propositura de uma ação de
conhecimento, uma vez que já possui um título executivo constituído, ainda que
extrajudicial. Por outro lado, não é tão simples a questão dos co-legitimados
que não celebraram o TAC (MAZZILLI, 2006, p. 24). Neste caso, duas
questões não podem ser ignoradas: (i) a peculiaridade do bem jurídico tutelado,
ou seja, o fato de tratar-se o meio ambiente de um bem de titularidade difusa e
indisponível; (ii) o fato de que o co-legitimado não participou da formação do
TAC e, muitas vezes, sequer soube, em tempo, da celebração do mesmo.
Considerando estes dois pontos, tem-se que os co-legitimados não podem ser
impedidos de propor uma ACPA que verse sobre a mesma questão do TAC.
Em outras palavras: quem fez parte da elaboração do TAC extrajudicial está
647

vinculado, uma vez que já teve a oportunidade de estabelecer a solução


processual desejada, ao contrário dos demais co-legitimados que ficaram de
fora. Já há jurisprudência neste sentido:

3. Termo de Ajustamento de Conduta que, além de não


interferir no julgamento do processo, porque o julgador decide
a causa segundo o seu convencimento, não se encontra
assinado pelo Ministério Público Federal, um dos autores da
ação civil pública. Agravo regimental improvido. (TRF5, Agravo
Regimental no agravo de instrumento 48208, processo n°
200305000039977, Terceira Turma, Des. Geraldo Apoliano,
DJU 20/08/2003)

Afinal, beira ao absurdo o compromitente pactuar com um ente público


limitações de acesso de outros entes públicos ao Poder Judiciário. Compartilha
deste entendimento Abelha (2003, p. 84):

pretender fazer com que o acordo extrajudicial seja


condição negativa à propositura da demanda coletiva por
outro legitimado é negar o acesso à justiça do adequado
representante, na medida que se estaria atribuindo
eficácia de título executivo judicial a uma situação que
não teria ocorrido.

Conforme mencionado, a doutrina não é unânime. Sob os argumentos


de violação ao princípio da segurança jurídica há quem adote entendimento
diverso. Milaré (2001, p. 823):

O ajuizamento da ação civil pública por outro ente co-


legitimado, sob pena de se vulnerar o princípio da segurança
jurídica, só será possível para suprir omissão da transação
(por exemplo, prestação necessária, não incluída no
compromisso) ou em razão de vício propriamente dito (por
exemplo, estabelecimento de obrigações ou condições
atentatórias à finalidade da lei). Em qualquer dessas situações
não poderá o compromisso ser ignorado, pois a ação civil
pública ou visará ao fim supletivo ou será cumulada com o
pedido de desconstituição do compromisso. 8 (grifo nosso)

Todavia, entende-se que dada a marcante indisponibilidade do bem


jurídico tutelado, não há segurança jurídica que possa ser argumentada para

8
Neste mesmo sentido Chateaubriand: De nada serviria aquele instrumento extrajudicial se não tornasse
preclusa a rediscussão do mérito da situação jurídica acertada e, com maior razão, não se teria sequer
como justificativa a sua executoriedade que a lei somente vincula a documentos que atestam um estado de
satisfatória certeza. (CHATEAUBRIAND apud RODRIGUES, 2008, p. 212)
648

possibilitar que um título executivo extrajudicial que não traz a correta, ou


mesmo, a mais adequada, gestão dos riscos permaneça em vigência sem
alterações. Em sede de Direito Ambiental não há como afastar legitimados à
propositura de uma ACPA, quando existe um título executivo extrajudicial
firmado, do qual eles não participaram, que ficou aquém das necessidades do
meio ambiente.
O fato de a legitimidade para a propositura do TAC não coincidir com a
legitimidade para a propositura da ACPA só reforça a referida idéia de violação
do acesso à justiça dos adequados representantes na hipótese de eles serem
impedidos da propositura da ACPA nos casos elencados. Por exemplo, no
tocante às associações civis legitimadas à propositura da ACPA: caso se
admitisse que a existência do TAC extrajudicial impedisse que a questão fosse
re-discutida, quanto ao que o TAC “deixou a desejar”, em nenhum momento
teria sido oportunizado para este ente a defesa dos interesses de seus
membros. Afinal, a associação civil não se trata de órgão público que goza da
permissão de participar do acordo extrajudicial e tampouco poderia questioná-
lo em juízo.
Por fim, cumpre observar que os TACs extrajudicialmente firmados
gozam de um mínimo de estabilidade. Como se aborda aqui os casos em que
os TACs apresentam acordos que ficam aquém da necessária proteção ao
meio ambiente, ainda que atendam às regras legais, quando então as
obrigações precisarão ser adequadas ou substituídas, necessário que um dos
pedidos da ACPA seja a invalidação ou complementação do TAC. Ademais,
devem ser incluídos no pólo passivo todos os que participaram da sua
celebração: compromitentes e compromissários. (RODRIGUES, 2008, p. 212 –
213)

7 TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA: UMA GARANTIA MÍNIMA EM


PROL DA COLETIVIDADE
Conforme antecipado, a legitimidade para a celebração do TAC é
disjuntiva e concorrente. Disto decorre que, costumeiramente, um deles chega
a um acordo com o compromitente que entende satisfatório e adequado para a
649

solução da lide, mas os demais co-legitimados (à celebração do TAC


extrajudicial ou à propositura da ACPA) discordam desta adequação. Inúmeras
vezes entendem que a obrigação apontada no TAC não é suficiente ou
apropriada para a reparação ou prevenção do dano. Por exemplo, a Prefeitura
de uma cidade “x” estabelece com um loteador um TAC e o Ministério Público
considera o acordo insatisfatório, é preciso responder qual será o deslinde
desta questão (MAZZILLI, 2006, p. 26). De um lado, existe a opção de ignorar
a opinião do Parquet, com base na segurança jurídica e na economia
processual, encarando o TAC como um título executivo imutável quando não
está presente uma flagrante ilegalidade. De outro, existe a possibilidade de
averiguar as causas da insatisfação do Ministério Público, de decidir, através
de um processo de cognição, se a suspeita de que a adequada gestão
ambiental não está sendo feita tem fundamento. O segundo caso tem a
desvantagem de não conceder uma segurança absoluta ao TAC extrajudicial e
de ser a opção menos célere, mas o primeiro traz o risco do endosso de uma
obrigação que não condiz com a preservação do meio ambiente e que,
futuramente, pode gerar um irreversível dano ambiental. Pois bem, uma vez
que está intrínseca à idéia de meio ambiente um caráter transindividual e
indisponível, é a segunda opção que deve ser adotada.
Isto posto, nada impede que os legitimados ajuízem a correspondente
Ação Civil Pública para que a obrigação mais abrangente ou adequada 9 seja
imposta ao compromitente. E é assim porque o TAC extrajudicial é uma
‘garantia mínima’ (MAZZILLI, 2006, p. 26), e não máxima, em prol da
coletividade; não se trata de um passaporte para o compromitente, após a
celebração, fazer o que lhe aprouver. Doutrina Mazzilli (2006, p. 26):
Ora, o compromisso de ajustamento de conduta é uma garantia mínima
em prol da coletividade, e não um Bill de indenidade para fazer que o causador
do dano fique forrado do dever de responder em sua inteireza pelas
responsabilidades em que tenha incorrido [...] nada impede que os co-
legitimados ou os próprios indivíduos lesados ajuízem a correspondente ação
civil pública
9
Quando se fala em impor uma obrigação “mais adequada” ela engloba, inclusive, uma obrigação de
natureza diversa da prevista no acordo.
650

Com efeito, apenas duas situações não podem ocorrer nesta ACPA
proposta após o TAC celebrado: (i) que ela dispense ou diminua a abrangência
do TAC (ou seja, vedada uma reformatio in pejus contra o meio ambiente); (ii)
os co-legitimados não poderão ajuizar uma ACPA com um pedido que já foi
contemplado no TAC, no tocante àquilo que o termo assegura, por carência de
interesse de agir (MAZZILLI, 2006, p. 26).
Resta, portanto, evidenciado o árduo papel do Judiciário: não permitir
que o TAC extrajudicial frustre os objetivos constitucionais de preservação
ambiental e não tolher este mecanismo, possibilitando, ao máximo, que ele
cumpra sua função.

8 A QUESTÃO À LUZ DA CRISE AMBIENTAL


Dada a consciência de que se vive hoje a chamada “modernidade
reflexiva” e de que todo o planeta está à mercê de um permanente risco de
catástrofes, sempre que existir um dilema no tocante à gestão dos riscos
ambientais estas premissas devem ser consideradas. Assim, quando se está
diante de uma decisão como a de considerar, ou não, a arguição, de um
legitimado à propositura da ACPA, da necessidade de complementar ou de
substituir uma obrigação de um termo de ajustamento firmado, o fato de os
riscos serem hoje incalculáveis deve orientar o deslinde da questão. Desta
maneira, optar pela celeridade e por uma aparente segurança jurídica em
detrimento da possibilidade de entes legitimados terem acesso ao Poder
Judiciário para re-discutir uma solução dada ao meio ambiente que visualizam
como inadequada, é ignorar a imprevisibilidade dos riscos e as consequencias
nefastas e irreversíveis que os danos ambientais podem trazer.
As implicações mais nítidas da crise ambiental são as recentes
catástrofes que se multiplicam pelo mundo afora. Apesar de a humanidade,
comodamente, ignorar estas respostas da natureza, as mesmas atestam que,
do ponto de vista ambiental, o planeta se aproxima do seu limite. Aduz Milaré
(2005, p. 50)
Do ponto de vista ambiental o Planeta chegou quase ao ponto de não
retorno. Se fosse uma empresa estaria à beira da falência, pois dilapida seu
651

capital, que são os recursos naturais, como se eles fossem eternos. O poder de
auto purificação do meio ambiente está chegando ao limite.
Assim, se o atual sistema de desenvolvimento não for revisto, em um
futuro onde a água potável seja ainda mais escassa, onde as temperaturas
sejam insuportáveis de fato, onde a perda da biodiversidade seja a regra e
onde os recursos energéticos estejam esgotados, dilemas como os levantados
nesta pesquisa talvez já não sejam mais pertinentes.

10 CONCLUSÕES ARTICULADAS

10.1 Vive-se hoje, sob o prisma da Teoria da Sociedade de Risco, proposta por
Ulrich Beck, a chamada Modernidade Reflexiva. Nesta lida-se com riscos
incalculáveis, danos irreversíveis e catástrofes iminentes

10.2 Quanto ao pedido mediato da Ação Civil Pública, ele abrange, além da
defesa do patrimônio público e cultural, do meio ambiente e dos direitos do
consumidor, a defesa de quaisquer interesses difusos, coletivos ou individuais
homogêneos. Já quanto ao seu pedido imediato, tem-se que apenas quando a
reparação do dano mostrar-se inviável é que a solução será o pagamento do
correspondente em pecúnia.

10.3 O TAC destina-se a prevenir o litígio, quando a ACP ainda não foi
proposta, ou a extingui-lo, quando a ACP está em andamento. Ademais, a
existência do TAC certifica a responsabilidade civil assumida pelo obrigado
para prevenir o risco de dano ou reparar os prejuízos.

10.4 É discutível no TAC somente o tocante à forma de cumprimento das


obrigações, como tempo, modo e lugar de celebração, e nunca, o direito
material em si. Manifesta, portanto, a vedação da renúncia, disposição ou
concessão do direito transindividual.
652

10.5 Dada a marcante indisponibilidade do meio ambiente não há segurança


jurídica que possibilite que um TAC que não traz a correta, ou mesmo, a mais
adequada, gestão dos riscos permaneça em vigência sem alterações.

10.6 Os co-legitimados à propositura da ACP que não participaram da


celebração do TAC não podem ser impedidos de propor uma ACPA, ainda que
esta verse sobre a mesma questão do TAC, quando discordarem das soluções
trazidas pelo termo. Afinal, há a necessidade de preservar o meio ambiente e a
impossibilidade de o compromitente pactuar com um ente público limitações de
acesso, de outros entes públicos, ao Poder Judiciário.

10.7 O TAC extrajudicial é uma ‘garantia mínima’, e não máxima, em prol da


coletividade; não se trata de um passaporte para o compromitente, após a
celebração, fazer o que lhe aprouver.

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656

A PROBLEMÁTICA DAS HABITAÇÕES ILEGAIS NA LAGOA DA


CONCEIÇÃO

ISABEL PINHEIRO DE PAULA COUTO 1


PAULO RONEY ÁVILA FAGUNDEZ 2

RESUMO: O presente artigo faz uma análise sobre a eficácia dos métodos de fiscalização do
Ministério Público Federal diante da problemática da ocupação desordenada que ocorre na
Lagoa da Conceição. Estes mecanismos de fiscalização são eficientes diante do crescimento
desordenado na região? A hipótese sugere que os instrumentos de fiscalização não são
suficientes para assegurar o desenvolvimento sustentável no local, exigindo a necessidade de
se reavaliar os mecanismos atuais. Contudo, demonstra, também, que a educação é elemento
essencial para combater o avanço das habitações ilegais, mostrando a necessidade de
implementação de medidas sócio-educativas, considerando o problema de modo
multidisciplinar. Desta forma, faz-se necessário a conjugação dos mecanismos de fiscalização
com medidas educativas, analisando a questão de forma mais ampla e integrada.
Palavras-chave: Fiscalização, Ministério Público Federal, ocupações ilegais, desenvolvimento
sustentável, educação, multidisciplinar.

1 BREVE RELATO HISTÓRICO DOS DILEMAS URBANÍSTICOS NA LAGOA


DA CONCEIÇÃO
O Distrito da Lagoa da Conceição, em Florianópolis, teve origem a partir
da Previsão Régia de 07/06/1750. Sua área é estimada em 55,28 km². 3
Durante sua origem a Lagoa da Conceição esteve ligada a vários núcleos
próximos. Dentre estes, atualmente, alguns ainda preservam características
culturais típicas das comunidades de pescadores, como a Barra da Lagoa, a
Costa da Lagoa, Fortaleza, Retiro e o Canto da Lagoa.

1
Estudante da oitava fase do curso de graduação em direito da Universidade do sul de Santa Catarina e
bolsista de iniciação científica da Fapesc/PMUC, pesquisadora do grupo de pesquisa Direito Ambiental
na Sociedade de Risco, GPDA\UFSC. Email: bebel82floripa@gmail.com
2
Professor titular da Unisul, doutor em direito pela Universidade Federal de Santa Catarina e orientador
do projeto Fapesc/PMUC “A Problemática das Habitações Ilegais na Lagoa da Conceição”, pesquisador
do grupo de pesquisa Direito Ambiental na Sociedade de Risco, GPDA\UFSC. Email:
roney@pge.sc.gov.br
3
ACIF Ano da Ética e Participação Comunitária: Missão, Visão e Objetivos. Disponível
em:<http://www.acif.org.br/> Acessado em: 15/09/2008
657

O presente artigo tem como um de seus objetivos relatar, a partir da


análise de alguns destes núcleos, um breve histórico do local considerando,
principalmente, como se originou a sua ocupação, qual a realidade dos dias
atuais e quais as tendências para o futuro. Desta forma, visa demonstrar e
denunciar a problemática das habitações ilegais na Lagoa da Conceição. Nesta
esteira, a investigação inicia-se a partir da Barra da Lagoa.
A região da Barra da Lagoa foi considerada o maior reduto de
pescadores da ilha de Santa Catarina, em 1997, 4 contando com inúmeras
embarcações que no outono partiam em busca da Tainha. A pesca, embora
ainda persista, hoje é promovida para oferta de serviços com pouca
qualificação e baixa remuneração. Contudo, atualmente, em vista da transição
sócio-econômica que atravessa a Barra da Lagoa, a população tradicional foi
desviada de suas atividades histórico-culturais para o turismo e prestação de
serviços. Este processo, o qual mostra uma mudança de interesses
econômicos, denuncia alterações no modo de vida de seus moradores e uma
mudança de valores locais. Tal circunstância está relacionada a diversos
fatores. Uma análise histórica da região traz à tona diferentes episódios, os
quais propiciaram e impulsionaram transformações na economia local.
Assim, verifica-se que a partir dos anos 70, o incremento nas vias de
acesso aos balneários e a falta de fiscalização ou planejamento, permitiram o
aumento significativo de loteamentos e construções ilegais na Barra da Lagoa.
A ponte sobre o canal da Lagoa para passagem de automóveis foi reformada,
aumentando a especulação imobiliária, o crescimento populacional e o turismo.
Nos anos 90 foram feitas novas alterações no Plano Diretor dos Balneários,
que estabeleceu um Plano Específico da Barra da Lagoa, estabelecendo a
região como Unidade Especial de Planejamento 70. Tais alterações
transformaram significativas áreas verdes de lazer (AVL) em áreas residenciais
predominantemente e exclusivas (ARP e ARE), além de terem aumentado
também os índices de ocupação bem como os gabaritos das edificações locais.
Desta forma, percebe-se que com o passar do tempo o local está se
transformando em alvo de especulação imobiliária, visado principalmente para

4
BARBOSA, Tereza Cristina Pereira. Ecolagoa: Um breve documento sobre a Ecologia da Bacia
Hidrográfica da Lagoa da Conceição. Florianópolis: Editora Gráfica Pallotti, 2003, p.65.
658

o turismo e o lucro a partir de atrativos e construções indevidas no entorno da


Lagoa da Conceição.
A Costa da Lagoa, por sua vez, era uma comunidade que vivia da
agricultura chamada patriarcal, onde toda família trabalhava para a
subsistência doméstica, chegando a ter uma rica produção agrícola calcada na
mandioca, cana-de-açucar, feijão e banana. Aos poucos, a agricultura de
subsistência foi substituída pela pesca, atividade mais lucrativa. Percebe-se
que dentre os nativos, é comum os que foram em busca de empresas de pesca
e pesqueiros no Rio Grande do Sul. Após juntarem algum dinheiro, retornaram
e estabeleceram restaurantes ou casas de aluguel.
Atualmente, o turismo na região é conhecido pela sua famosa
gastronomia, sendo a maior fonte de renda do lugar. Desta forma, o local sofre
com a ocupação desordenada, tanto por novos moradores de outras cidades,
atraídos pela propaganda turística, como por parte dos mais antigos que
querem mudar seu status. Assim, surgem residências de pequeno, médio e
grande portes. Além disso, as residências mais antigas passam por
transformações estruturais com os denominados: “puxadinhos”, na busca de
aumentar terraços, banheiros, salas, etc para construir restaurantes ou casa de
comércio. Todas estas características desencadeiam problemas sanitários
tanto para a Lagoa como para a água de abastecimento. Por outro lado, soma-
se ainda o fato da descaracterização da paisagem histórica e cultural. Contudo,
está área foi tombada pelo Decreto Municipal 247/86, compreendendo quase
toda encosta da porção Norte, desde o cume dos morros até a Lagoa. 5
Dentre os habitantes, predominam ainda, hoje, os nativos que viviam da
pesca e da lavoura. Atualmente, estes trabalham prestando serviços de
transportes e em restaurantes de alimentação regional. Entretanto, constata-se
que embora a economia do local tenha sobrevivido com a cultura da pesca, os
produtos sugeridos na região, hoje em dia, não são completamente produzidos
na Lagoa.
Neste ponto, percebe-se que a Costa da Lagoa com o passar do tempo
vem sofrendo modificações em sua estrutura. Ao passar dos anos, não houve
planejamento adequado no local e as casas foram sendo construídas ou

5
Idem ibidem p. 58.
659

ampliadas de acordo com a chegada de turistas e moradores antigos que


buscavam ampliar seus negócios. Assim como na Barra da Lagoa, a região é
alvo da especulação imobiliária e turística, sofrendo um processo de
aculturação e perda de identidade, comprometendo a qualidade de vida na
região.
No Canto da Lagoa, os dados não são muito diferentes. A região passa
por um intenso processo de ocupação. O turismo trouxe crescimento de
restaurantes, pousadas, hotéis e residências fixas e de veraneio. A mata nativa
é praticamente inexistente nas margens da Lagoa e predomina a ocupação
desordenada, de classe média alta uni e multifamiliares, hotéis e restaurantes.
Estes conjuntos de construções formam um obstáculo à visão e o acesso à
Lagoa. Embora a área seja considerada, por lei municipal, Área Verde de
Lazer, em muitas locais, houve aterramento das margens para construção de
piscinas, marinas e trapiches.
Bem como nos outros locais, no Canto da Lagoa, as alterações de
zoneamento não foram acompanhadas de infra-estrutura sanitária e viária. Não
houve também avaliação ambiental do potencial hídrico para abastecimento
local e uso lagunar. Prevalece assim, o interesse de empresários do turismo e
construção civil, os quais se favoreceram com as mudanças que alteraram o
Plano Diretor dos Balneários, Lei Municipal 2193/85.
Os anos 90 foram marcados por alterações nesta lei e este artifício
legislativo e jurídico favoreceu a ocupação e permitiu o desaparecimento da
vegetação (restinga, floresta em regeneração) em favor de loteamentos, casas,
hotéis e pousadas.

2 ANÁLISE DAS HABITAÇÕES ILEGAIS NA LAGOA DA CONCEIÇÃO POR


MEIO DE ENTREVISTAS COM PROFISSIONAIS DAS ÁREAS ENVOLVIDAS
NA QUESTÃO
A investigação acerca das habitações ilegais na Lagoa da Conceição
também contou com a participação de diversos profissionais, os quais
indicaram uma realidade não muito diferente dos estudos bibliográficos.
De acordo com a posição de cientistas sociais, percebe-se que a Lagoa
da Conceição é um local no qual a taxa de crescimento populacional é
constante. Em função deste crescimento, construções clandestinas em áreas
660

de preservação e obras sem licença ambiental atingem diretamente a região.


Além da poluição causada pelo esgoto clandestino, a ocupação indevida e o
desmatamento que ocorrem no entorno da Lagoa tornam suas margens e
dunas vulneráveis. A degradação na Lagoa conta com alguns importantes
marcos: nos anos vinte (20), com a construção da Ponte Hercílio Luz, nos anos
setenta (70), após a inauguração da Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC), do aeroporto e da construção de melhores acessos rodoviários para o
local. Além disso, a falta de planejamento que respeitasse os procedimentos de
ocupação tradicional é o ponto mais importante na construção desta realidade
mal organizada. Foi constatado que como não havia respeito à cultura local as
pessoas foram se instalando de modo inadequado nesta região. Esta ocupação
conseqüentemente leva o aumento da pressão ao meio ambiente.
Os principais sujeitos responsáveis pelo crescimento urbano
desordenado na Lagoa da Conceição aparecem historicamente, com os efeitos
do império, na época da colonização açoriana, por meio do incentivo da vinda
de famílias. Esta ocupação açoriana conflitou e se articulou com movimentos
em direção ao litoral intensificado a partir da produção de mecanismos de
desenvolvimento na ilha, tais como a Ponte Hercílio Luz nos anos vinte (20),
gerando conflitos na medida em que os interesses territoriais tradicionais
divergem das ocupações mais recentes. Por outro lado, os efeitos da pressão
imobiliária sentidos até agora também se apóia em processos de compra e
venda de terra nos referidos espaços tradicionais, inclusive com a participação
de pessoas diretamente ligadas ao processo histórico de ocupação tradicional
açoriano. Em função do empobrecimento das famílias, os representantes
destas, vendem terra também porque não há incentivo do próprio Estado para
que se mantenha o domínio tradicional, considerando que a venda de terra é
uma forma de produzir riqueza.
Todo este processo, atualmente, traz conseqüências para a população
local. O que ocorre é que está havendo a exclusão dos habitantes tradicionais,
existindo uma forte tendência para que esta desapareça. A pressão imobiliária
está fazendo com que esta população saia da região dando espaço a um novo
perfil de moradores: veranistas, pessoas de outros estados, indivíduos de
outros países, etc.
661

Foi constatado que no morro da Galheta/Fortaleza, estrangeiros estão


produzindo outro efeito no lugar, tornando-o um local privado, de uso individual,
privatizando o espaço que era tradicional. A maioria dos habitantes da Lagoa
da Conceição é composta de pessoas que não fazem parte da cultura
tradicional.
Para reverter a situação, segundo cientistas sociais, é necessário fazer
valer os princípios constitucionais. O meio ambiente sendo um bem de todos,
não deve ser objeto da ação e restrito a determinados grupos. Por isso, é
necessário uma mudança de atitude cujo ponto de partida é o respeito a
legislação nacional que protege o meio ambiente, sem excluir o ser humano.
Para determinado procurador da república, profissional do Ministério
Público Federal, MPF/SC, a legislação ambiental existente sobre este tema não
é suficiente para que ocorra um crescimento ordenado na região. A mera
existência de um arcabouço jurídico, por melhor que seja, não é razão
suficiente para evitar a prática costumeira de tantos atos ilícitos ambientais
(civis e criminais). O enfoque para mudar o atual estado de coisas é o
investimento maciço, prioritário, constante e eterno em educação.
O Ministério Público Federal (MPF) é um dos órgãos responsáveis pela
tutela do meio ambiente. A ação civil pública (ACP) é um dos mecanismos
utilizados para fiscalizar situações ilegais relativas ao meio ambiente. Os bens
jurídicos tutelados pela ação civil pública estão enlencados no art. 129, III,
Constituição Federal CF; ou seja, a defesa de direitos transindividuais
relacionados com o meio ambiente, o consumidor, os bens e direitos de valor
artístico e paisagístico, as infrações à ordem econômica e à economia popular,
à ordem urbanística, a crianças e adolescentes, a idosos, a pessoas portadoras
de deficiência, e a qualquer outro interesse difuso e coletivo.

Tabela 1- Número de ações civis públicas em andamento, por região, na Lagoa da Conceição,
em março de 2009.

Região Número/ Porcentagem de ACP em


andamento
Costa da Lagoa 27 Ações 75%

Canto dos Araças 2 Ações/ 5,5%


662

Canto da Lagoa 2 Ações/ 5,5%

Margem da Lagoa 2 Ações/ 5,5%


Outros 3 Ações 8,5%
Fonte: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL DE SANTA CATARINA, Florianópolis, 2009.

As ações civis públicas promovidas pelo MPF para proteger a Lagoa da


Conceição do crescimento desordenado, ao total de 36, em fase de
andamento, atualmente, não estão conseguindo atingir resultados efetivos para
diminuir as ocupações ilegais. O MPF é apenas mais um “agente” na complexa
e delicada trama de relações sociais relativa ao tema.
Na seqüência, mapa com as regiões as quais possuem mais ocorrência
de ACP.
663

Figura 1 – Mapa das áreas legalmente protegidas, indicando as ocorrências de ACP


Fonte: Infoarq, Grupo de Pesquisa em Arquitetura da UFSC, 2001. Com conteúdo adaptado,
constando as regiões com mais ocorrência de ACP na Lagoa da Conceição. Isabel, 2009.

Para o procurador, o MPF deve exigir do poder público- o Municipal,


sobretudo- um profundo, minucioso e abrangente diagnóstico ambiental
multidisciplinar atualizado sobre a região que poderia ser coordenado por uma
instituição, por exemplo, a UFSC, em sintonia com as exigências legais mais
recentes (Plano de Gerenciamento Costeiro, Estatuto da Cidade, legislação de
proteção dos Povos Tribais e das Comunidades Tradicionais, etc.)
A sociedade, por sua vez, deve munir o MPF com informações
atualizadas sobre a região, noticiando-lhe fatos de suposto desrespeito à lei,
664

exigindo sua presença em audiências públicas, seminários, debates, reuniões,


discussões que tratem da área, exigindo-lhe respeito, em sua atuação, às
reivindicações das comunidades tradicionais da Lagoa, enfim, deve mobilizar-
se, não se omitindo, seja indo ao MPF, seja solicitando/exigindo sua presença
“in loco”, sempre que possível.
Quanto à fiscalização, foi constatado que é insuficiente para reverter a
situação atual. A educação e outras medidas mais profundas, porém, são
componentes mais fundamentais. Para o procurador, a melhor fiscalização é
aquela feita pela consciência das pessoas. Enquanto isso não ocorre, a
mobilização das comunidades (tradicionais ou não), via MPF ou não, é medida
imprescindível, para uma maior efetividade das medidas de salvaguarda
ambiental. O MPF deveria contribuir, sobretudo, na exigência daquele
diagnóstico, em se realizarem e respeitarem os estudos multidisciplinares
sobre a região, especialmente no que toca ao seu patrimônio cultural material e
imaterial.
No entanto, foi averiguado que se houver uma fiscalização mais intensa
por parte do Ministério Público Federal poderá, até certo ponto, haver uma
melhoria na região da Lagoa da Conceição no que concerne às ocupações
ilegais, tornando-a um local de crescimento sustentável. Contudo, é algo que
ainda está longe de ser por si só suficiente, havendo necessidade de se
priorizar, a educação e outros mecanismos, como formas mais adequada de
efetivação das normas.
Desta forma, pode-se concluir que a Lagoa da Conceição é um local que
requer atenção e cuidados múltiplos para que se possa reverter a situação em
que se encontra. O crescimento desordenado é fruto de todo um processo
histórico que não respeitou e priorizou o meio ambiente.
A necessidade de se buscar meios para subsistência dos povos antigos
deu início a transformação da economia local, que antes se baseava na cultura
da pesca, principalmente. Isto aliado a chegada e instalação incorreta de
turistas ao local foram a válvula precursora do processo de habitação ilegal na
Lagoa da Conceição.
Embora seja difícil a transformação do local em um lugar de crescimento
ordenado, existe a possibilidade de se obter resultados positivos. O MPF, por
meio de medidas de fiscalização, tais como a ação civil pública, pode ajudar na
665

recuperação do local. Contudo, para tanto, é necessário mais do que a


aplicação de tais mecanismos, mesmo porque quando são utilizados, o evento
danoso já ocorreu. A educação e a consciência de que é necessário modificar
este quadro são componentes mais essenciais e funcionam como métodos
preventivos e de recuperação daquilo que já foi feito de forma inadequada.
Desta forma, a pesquisa revelou que há formas para reverter a situação
atual. Se medidas sócio-educativas estiverem aliadas a mecanismos de
fiscalização e outros métodos democráticos de participação, tais como a
audiência pública e a operação urbana consorciada, poderá haver crescimento
sustentável na região.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Lagoa da Conceição como um estudo de caso faz parte de trabalho de
iniciação científica realizado desde agosto de 2008, por meio de bolsa de
pesquisa. Os resultados apresentados neste artigo são atuais e sinalizam a
necessidade de uma transformação na política de desenvolvimento da Lagoa
da Conceição. A especulação imobiliária e a ênfase no turismo tornam a região
vulnerável, fazendo com que o problema das ocupações ilegais persista.
Mais do que medidas de fiscalização, faz-se necessário investimentos
em atitudes que considerem o problema de forma multidisciplinar. Ou seja, que
sejam implementadas políticas sócio-educativas que ampliem a questão sobre
diferentes enfoques, abrangendo os dilemas sociais dos habitantes
tradicionais, o aspecto da cultura local, a necessidade de se respeitar os limites
da natureza e que seja cumprida e observada como dever, a legislação
urbanística e ambiental sobre o tema. A partir destas medidas, a fiscalização
tenderá a se tornar um instrumento que terá por função principal a averiguação
de que se está caminhando para a solução dos dilemas das ocupações ilegais
do que como um meio de se corrigir os danos advindos destes.
666

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Livros:

BARBOSA, Tereza Cristina Pereira. Ecolagoa: Um breve documento sobre a


Ecologia da Bacia Hidrográfica da Lagoa da Conceição. Florianópolis: Editora
Gráfica Pallotti, 2003.

BRASIL. Constituição (1988).Constituição da República Federativa do


Brasil. São Paulo, SP: Saraiva,2008.

MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005

MUKAI, Toshio. Temas Atuais de Direito Urbanístico e Ambiental. Belo


Horizonte: Fórun, 2004

Periódicos:

GRAJEW, Oded. “Desenvolvimento Sustentável”. Le Monde Diplomatique


Brasil. São Paulo, 9 set. 2007, p. 13-14.

Sites:

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Ética e Participação Comunitária: Missão, Visão e Objetivos. Disponível
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SENADO FEDERAL. O Estatuto da Cidade. Disponível


em:<http://www.senado.gov.br/sf/publicacoes/estatuto/> Acesso em: 13 ago.
2008

PREFEITURA DE ITAJAÍ. O Plano Diretor. Disponível em:


<http://plano.itajai.sc.gov.br/>. Acesso em: 15 set. 2008
667

PÓS-COLONIALISMO E CENA ECOLÓGICA LATINO-AMERICANA:


Possibilitando a complementaridade de saberes e evitando a apropriação da
biodiversidade

JERÔNIMO S. TYBUSCH 1
VINÍCIUS GARCIA VIEIRA 2
LUIZ ERNANI BONESSO DE ARAUJO 3

1 ASPECTOS INTRODUTÓRIOS
Em decorrência da “generalização discursiva” impressa ao modus
operandi da Globalização Econômica é necessária uma postura reflexiva frente
aos efeitos desta prática nas culturas, políticas, sistemas jurídicos e mercados
dos países da América Latina, Índia e África que sofreram processos de
“colonização” “assujeitadores” da sua organização Econômico-Política, seu
modo de vida e consumo. Tais práticas hegemônicas foram fundamentadas por
discursos filosóficos importados, na grande maioria das vezes, pelos setores
empresariais e de produção do conhecimento.
O conceito de Pós-Modernidade vai na esteira dessa definição. Sua
apologia à desestruturação e liquefação de centros constituídos como
referência na modernidade é interessante para uma reflexão da problemática
sistêmica atual. Porém, padroniza e desconsidera as diversidades locais e
diferenças culturais em todo o globo. Importar modelos construídos implica em
uma aceitação da ingerência de quem os constrói e gera, em contrapartida,
uma não adequação com a história e cultura dos povos envolvidos, cujas
conseqüências se revelam em problemas estruturais como fissuras nos

1
Doutorando da Universidade Federal de Santa Catarina, Programa de Pós-Graduação
Interdisciplinar em Ciências Humanas, PPGICH-UFSC. Professor dos Cursos de Direito da
Universidade Federal de Santa Maria – UFSM e Faculdade de Direito de Santa Maria –
FADISMA. E-mail: jeronimotybusch@yahoo.com.br.
2
Mestrando da Universidade Federal de Santa Maria, Mestrado em Integração Latino-
Americana, MILA-UFSM. E-mail: vigarciavieira@gmail.com.
3
Professor Doutor do Curso de Direito e do Mestrado em Integração Latino-Americana, MILA,
da Universidade Federal de Santa Maria - UFSM, Brasil. E-mail: ernani@smail.ufsm.br.
668

processos democráticos, apropriação da biodiversidade por parte de empresas


multinacionais, impactos ambientais negativos, desemprego e instabilidade
econômica. A proposta desta pesquisa vai ao encontro de uma percepção pós-
colonial que possa despertar percepções para os conhecimentos tradicionais
produzidos pelos povos que sofrem esses impactos, bem como encaminhar
uma reformulação contra-hegemônica para a emancipação através da
complementaridade de saberes e consciência nos atos de consumo.

2 A HEGEMONIA DA GLOBALIZAÇÃO ECONÔMICA NA PÓS-


MODERNIDADE
O fenômeno da globalização pode ser identificado como diversos
processos simultâneos de interconexão do mundo, que caracteriza o momento
histórico da pós-modernidade ou contemporaneidade. Entre muitas descrições
dessa época, Terry Eagleton identifica que a pós-modernidade “emerge da
mudança histórica ocorrida no Ocidente para uma nova forma de capitalismo –
para o mundo efêmero e descentralizado da tecnologia, do consumismo e da
indústria cultural, no qual as indústrias de serviços, finanças e informação
triunfam sobre a produção tradicional.” 4 Nesse sentido, a globalização não está
restrita ao âmbito econômico, mas avança para questões sociais, ambientais,
políticas, religiosas e culturais, favorecida por possibilidades de comunicação
ampliadas por fenômenos como a rede mundial de computadores e tecnologias
que tornam instantânea a relação espaço-temporal entre o fato e a propagação
da informação.
Esse processo se intensifica, notadamente, a partir da década de 1980.
Na análise de François Chesnais, o período é marcado por uma nova etapa,
totalmente distinta, de expansão do capitalismo sem precedentes na história.
Refere-se a esse período como a “mundialização do capital”, por entender que
guarda maior fidelidade ao termo inglês “globalização”, cujo sentido é a
capacidade de oligopólios adotarem enfoques e condutas globais. Em seu
trabalho destaca que a ideologia do discurso da irreversibilidade da
“mundialização do capital” é a liberalização e desregulamentação para permitir
4
EAGLETON, Terry. As Ilusões do pós-modernismo. Traduzido por Elisabeth Barbosa. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998. p. 7.
669

às empresas movimentação absoluta e submeter a vida social à valorização do


capital privado 5.
A pós-modernidade parece ter uma marca significativa, que é a
expansão do econômico como critério de valorização das ações humanas.
Nesse sentido, destacam-se dois campos de globalização, que Boaventura de
Sousa Santos identifica como hegemônico e contra-hegemônico. No campo
hegemônico, a globalização econômica se destaca, atuando com base no
consenso neoliberal entre os membros mais influentes, o Consenso de
Washington. A hegemonia da globalização econômica, segundo o autor, é
sustentada por esse consenso econômico neoliberal, cujas principais
inovações são as restrições à regulação estatal da economia; a afirmação de
direitos de propriedade internacional a investidores estrangeiros, notadamente,
a submissão das inovações à propriedade intelectual; e a subordinação dos
Estados-Nações às instituições de Breton-Woods: Banco Mundial, o Fundo
Monetário Internacional e a Organização Mundial do Comércio. Nesse
processo hegemônico, os países periféricos e semi-periféricos, entre os quais
os países da América Latina, são controlados pela aplicação do consenso
neoliberal, de eficácia controlada pelas agências financeiras internacionais 6.
A partir desses elementos, observa-se que os homens inventaram o livre
comércio revestido pelo discurso de ser o modelo através do qual as
sociedades poderiam maximizar o seu bem-estar. Contudo, o aspecto
interessante é que esse sistema adquiriu uma dinâmica autônoma,
independente das ações humanas e estruturas estatais, que não conseguem
impor-lhe meios de controle e direcionamento. Com isso, o sistema serve como
instrumento de dominação do humano pelo humano, com a privatização dos
benefícios e, conseqüentemente, o aprofundamento do abismo social que
separa o Norte do Sul. Impera, portanto, um único instrumento de valorização,
que é a possibilidade de conversão das ações humanas em dinheiro e a

5
CHESNAIS, François. A Mundialização do capital. Traduzido por Silvana Finzi Foá. São
Paulo: Xamã, 1996. p. 17-25.
6
SANTOS, Boaventura de Sousa. Os processos de globalização. In: ______(Org.). A
Globalização e as ciências sociais. 3. ed. São Paulo, Cortez, 2005. cap. 1. p. 25-31.
670

globalização econômica se constitui em modus operandi da expansão do livre-


comércio, que possibilita a sua manutenção e auto-reprodução.
Significa que a globalização econômica possui condições de hegemonia
garantida por uma dimensão epistemológica, na qual se estabelece o privilégio
do conhecimento científico, enquanto produtor de tecnologias que constituam
mercadorias, de forma a perpetuar o processo de acumulação capitalista. A
ciência e tecnologia passaram a ter papel preponderante na lógica da
globalização econômica, referindo Gilberto Dupas que as corporações ligaram
as pesquisas científicas às pesquisas industriais, à medida que a ciência e a
tecnologia seriam as maneiras de progresso e, com isso, transformaram-se em
fonte de produção de mais valia 7. Se a concepção capitalista de progresso
submeteu a ciência e a tecnologia aos interesses de valorização monetária das
práticas humanas, o processo de acumulação de riqueza na globalização
econômica depende de práticas discursivas de padronização do consumo.
Todavia o discurso encobre a dicotomia Norte-Sul, que se revela nas
disparidades entre a concentração dos recursos naturais nos países do Sul e a
riqueza econômica e industrial nos países do Norte. Esse contexto, portanto,
remete à caracterização da “cena ecológica” latino-americana.

3 A CENA ECOLÓGICA LATINO-AMERICANA: PERCEBENDO A


DICOTOMIA NORTE-SUL
Entende-se como “cena ecológica” o conjunto de práticas discursivas
produzidas na atualidade acerca da possível finitude humana em face da ação
degradante e insustentável dos sistemas de produção, lazer e consumo
mundial que, através dos meios de comunicação de massa, perpassam as
diferentes culturas no globo. Na esteira desta perspectiva analisa-se como o
discurso da Pós-Modernidade produz sentimentos específicos acerca deste
fenômeno. Podem-se vincular diversas comunicações acerca da problemática
ambiental, porém, optou-se pela seleção de duas que se constituem como
fundamentais para compreensão da dimensão ecológica repensando o

7
DUPAS, Gilberto. Propriedade intelectual: tensões entre a lógica do capital e os interesses
sociais. In: VILLARES, Fábio (Org.). Propriedade intelectual: tensões entre o capital e a
sociedade. São Paulo: Paz e Terra, 2007. p. 17.
671

conceito de “pós-moderno”: as idéias de risco e fluidez econômica e política.


Os mais sérios problemas globais de desenvolvimento e meio ambiente que o
mundo enfrenta decorrem de uma ordem econômica mundial caracterizada
pela produção e consumo sempre crescentes, o que esgota e contamina os
recursos naturais, além de criar e perpetuar desigualdades gritantes entre as
nações, bem como dentro delas. Essa situação leva as necessidades de
produção e consumo para além dos limites da capacidade de sustento da
Terra.
Ignacy Sachs lançou o argumento básico que se tornou clássico, e até
lugar-comum, ao apontar que os 20% da população mundial, composta
principalmente por habitantes dos países influentes do hemisfério Norte,
consomem 80% dos recursos naturais e energia do planeta e produz mais de
80% da poluição e da degradação dos ecossistemas. Enquanto isso, os 80%
da população mundial, que habitam principalmente os países pobres do
hemisfério Sul, utilizam apenas 20% dos recursos naturais. Esse autor
argumentou que a redução dessas disparidades sociais, para permitir aos
habitantes dos países do Sul atingirem o mesmo padrão de consumo material
médio de um habitante do Norte, seriam necessários, pelo menos, mais dois
planetas Terra 8.
Este dilema aponta para a percepção ética de que todos os países e
grupos sociais devem ter direitos proporcionais no acesso e utilização dos
recursos naturais, fortalecendo a equidade intrageracional, além da
intergeracional, ou seja, uma luta para que, além do nosso futuro, nosso
presente também seja comum. Em razão disso, para que o desenvolvimento
sustentável e uma qualidade de vida mais elevada para todos os povos
possam ser alcançados, os países devem reduzir e eliminar padrões
insustentáveis de produção e consumo, e promover políticas demográficas
adequadas, conforme consta no Princípio 8 da Declaração do Rio de 1992 9.

8
SACHS, Ignacy. Estratégias de transição para o século XXI: desenvolvimento e meio
ambiente. Traduzido por Magda Lopes. São Paulo: Studio Nobel e Fundação do
desenvolvimento administrativo, 1993. p. 15-18.
9
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento (Rio de Janeiro, 1992). Disponível em:
<http://www.interlegis.gov.br/processo_legislativo/copy_of_2
672

Assim, para reduzir a disparidade social e econômica, seria necessário tanto


um piso mínimo quanto um teto máximo de consumo, de forma a desenvolver
novos valores culturais e éticos, transformar estruturas econômicas e reorientar
nossos estilos de vida.
Todavia, idéias hegemônicas se apropriam do discurso ambientalista
para veicularem comunicações que caracterizam os países da América Latina
como propagadores de “práticas insustentáveis” em seus “processos de
industrialização tardia” que não prejudicam a ampla diversidade biológica
(biodiversidade) em seus ecossistemas. Esses discursos atribuem aos países
latino-americanos a responsabilidade pela não preservação de seus recursos
naturais (como florestas e recursos hídricos), que podem ser a salvação da
humanidade em um futuro próximo de degradação generalizada. Tais práticas
discursivas são carregadas de diversos sentidos e possuem no “universo
simbólico das relações internacionais” papel determinado por estratégias de
agência econômica e política específica.
Em outras palavras, é necessário compreender o simbólico na
linguagem ambiental. Conforme Cornelius Castoriadis, deve-se perceber que a
sociedade é instituída através de um processo imaginativo que se constitui
através do simbólico 10. Este pode ser utilizado de forma imediata (nas
instituições que representam práticas discursivas) ou, mais comum na
percepção pós-moderna, na utilização lúcida, refletida e pulverizada em
diversas comunicações que não necessariamente necessitam estar descritas
em centros polarizadores ou instituições definidas. A Cena Ecológica produz
uma reação à categoria de grupo sujeitado, enquanto grupo que sofre
hierarquização por ocasião de seu acomodamento aos outros grupos
(econômico/político). Um grupo sujeitado acredita que sua causa é ouvida, mas
não sabe onde nem por quem, numa cadeia serial indefinida recheada de
atitudes maquínicas e repetitivas 11.

0020319150524/20030625102846/20030625104533/>. Acesso em: 05 out. 2006.


10
CASTORIADIS, Cornelius. A Instituição Imaginária da Sociedade. 5ª ed. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 2000. p. 153.
11
GUATARRI, Felix. Revolução Molecular: pulsações políticas do desejo. São Paulo:
Brasiliense, 1985, p. 92.
673

Um dos movimentos sociais mais significativos da atualidade é o


movimento ambientalista. Isto não se deve meramente pela sua ampla
divulgação pelos meios de comunicação de massa, mas em face de sua
considerável capacidade de despertar diferentes percepções nas consciências
individuais (opinião pública) acerca de seus fenômenos complexos, bem como
de sua formação híbrida, sendo composto da iniciativa de diversos outros
movimentos (sindical, feminista, entre outros). Desta forma, buscamos analisar
a “cartografia” do movimento ambientalista enquanto “projeto” individual e
social. Projeto é em suma algo que pode ser comunicado. A possibilidade de
existência de projetos individuais está diretamente ligada com as realidades
sócio-culturais específicas aos quais estão mergulhados. Considerando o
indivíduo uma realidade complexa, ao mesmo tempo dado da natureza e
construto social e cultural que comunica, nomeando e sendo nomeado, em
interações com os seres à sua volta, os projetos são construídos em função de
experiências, de códigos de vivências e interações interpretadas.
Em sentido oposto às práticas discursivas hegemônicas, abordadas
anteriormente, e que podem ser difundidas por apropriação do discurso
ambientalista, busca-se a perspectiva pós-colonial para desvelar os interesses
com os quais esses discursos estão comprometidos. Com isso, pode ser
elucidada a cena ecológica, de forma a construir caminhos de emancipação
latino-americana.

4 A PERSPECTIVA PÓS-COLONIAL APLICADA À CENA ECOLÓGICA


LATINO-AMERICANA
Para perceber o conceito de “Pós-Colonial”, é necessário considerar, no
cenário abordado anteriormente, a idéia de contingência. Ou seja, nenhum
processo econômico, político, social, tecnológico e cultural é imutável na
atualidade. Não perceber a idéia de que estruturas podem ser modificadas de
forma rápida no contexto global é não permitir a produção de diferenças. Neste
sentido, são necessárias estratégias que transcendam a idéia de Estados-
Nação hegemônicos em termos econômicos e políticos. Todavia, no que tange
674

às práticas discursivas, deve-se buscar “estratégias contra-hegemônicas” e


“estratégias legitimadoras de emancipação” 12.
Desta forma, uma possibilidade diferenciada de práticas discursivas
encontra-se nas “perspectivas pós-coloniais”. Refere Homi Bhabha que estas
“emergem do testemunho dos países de Terceiro Mundo e dos discursos das
“minorias” dentro das divisões geopolíticas de Leste e Oeste, Norte e Sul” 13.
Buscam intervir na formação de discursos ideológicos da pós-modernidade que
tentam aferir uma “normalidade” hegemônica à irregularidade de
desenvolvimento e às histórias diferenciadas entre as nações, comunidades,
raças ou povos.
Na perspectiva pós-colonial a cultura é observada como estratégia de
sobrevivência tanto transnacional como tradutória. Tradução no sentido de que
as histórias espaciais de deslocamento (acompanhadas das disputas territoriais
e tecnologias globais e midiáticas) priorizam como a cultura significa e é
significada. Assim, os discursos naturalizados como “unificadores” de povos e
nações não podem ter referências imediatas. Tal perspectiva desperta
consciência acerca da “construção da cultura e da invenção da tradição” 14.
É necessário, portanto, buscar a percepção do lugar híbrido atribuído
aos valores culturais onde a “metáfora da “linguagem” traz à tona a questão da
diferença e incomensurabilidade culturais” 15. Tal compreensão possibilita o
(re)questionar das noções etnocêntricas e consensuais da existência pluralista
da diversidade cultural.
Assim, o Pós-Moderno aborda, principalmente, noções de valor como
desenvolvimento, velocidade, tecnologia. Por mais volátil e adaptável que
sejam as perspectivas dos discursos pós-modernos, todavia, não se
concentram no cerne da tradução dos processos culturais; suas trajetórias e
errâncias no âmago de seus processos construtivos. Desta forma, também não
percebe os tempos de transformação na própria prática discursiva. Tempo este
entre a proposição/emissão de discursos e a recepção dos mesmos. Nesta

12
BHABHA, Homi K. O Local da Cultura. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 1998. p. 240.
13
Idem, p. 238.
14
Idem, p. 241.
15
Idem, p. 247.
675

trajetória/deslocamento se modificam as estruturas, as instituições. O discurso


se auto-produz e se deixa atravessar em pequenas fissuras, produzindo outras
práticas oriundas de novas percepções e produções lingüísticas específicas em
dado espaço e tempo. Em outras palavras, o discurso da “cena ecológica”
assume diferentes roupagens de seu lugar inicial de hegemonia. “Assume
perspectivas no domínio da outridade e do social, onde a identificação se dá na
própria diferença” 16.
Tal concepção permite a construção de diálogos e processos
democráticos conscientes acerca da questão ambiental. Permite decidir com
“agência”. Capacidade de agir e vivenciar. Ação coletiva no sentido de
movimentação (movimentos sociais) que consigam perceber as diferenças e
rupturas entre as diversas concepções da “cena ecológica”. Na realidade,
diálogo de saberes em construção, o que leva a questionar a rivalização de
formas distintas de conhecimento, entre o conhecimento científico submetido
aos interesses hegemônicos da globalização e os saberes culturais das
populações tradicionais latino-americanas.

5 DISCURSO CONTRA-HEGEMÔNICO À GLOBALIZAÇÃO ECONÔMICA:


BUSCANDO A COMPLEMENTARIDADE DOS SABERES E EVITANDO A
APROPRIAÇÃO DA BIODIVERSIDADE
Na relação da ciência com a produção capitalista, o avanço das ciências
biológicas, com destaque à engenharia genética, ofereceu nova possibilidade
de mercado às corporações, mediante a aplicação da tecnologia à
biodiversidade, permitindo a obtenção de produtos e processos biotecnológicos
comercializáveis. Nesse caso, as corporações se lançam em processos de
etnobioprospecção 17, quando mantém contato com outras formas de saber
fundadas, inclusive, em noções de tempo e espaço distintos. Essa conexão
carrega um processo de dominação do conhecimento científico e submissão

16
BHABHA, Homi K. O Local da Cultura. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 1998. p. 257.
17
Etnobioprospecção é a prática de corporações multinacionais para investigação de
conhecimentos de povos autóctones, notadamente indígenas, sobre os usos que fazem da
fauna e flora em suas tradições culturais, de forma a identificar substâncias que possam ter
propriedades terapêuticas ou cosméticas para posterior extração e comercialização privada.
676

das formas de conhecer que não se enquadram nos pressupostos e lógica da


ciência.
Nesse cenário da pós-modernidade, marcada pelo critério de valorização
econômica, o embate entre o conhecimento científico e outras formas de saber
ocorre no contato dos laboratórios com as comunidades tradicionais. A
pesquisa para produção de medicamentos e cosméticos utiliza, em sua
maioria, estratos de ervas, plantas, ou substâncias encontradas na natureza,
que são concentradas por processos industriais. Na identificação das espécies
que tem potencial terapêutico ou propriedades para embelezamento físico, as
indústrias de remédios e cosméticos têm buscado junto às comunidades locais
indicações dos usos que fazem dos recursos naturais ao seu entorno em suas
práticas cotidianas e rituais próprios das suas etnias.
Após a industrialização da substância encontrada na natureza, as
empresas protegem o seu “empreendimento” com a propriedade intelectual
sobre o produto final, que, na verdade, é resultado de uma operação científica
de concentração do que a natureza já oferecia e era utilizada nas tradições das
comunidades locais, que acabam sendo privadas daquele uso que
costumeiramente faziam. Assim, há uma rivalização do conhecimento científico
com as formas de saber local.
Boaventura de Sousa Santos coloca a questão como um imperialismo
ecológico ou bioimperialismo. Conforme o autor, essa nova forma de
dominação está presente no discurso de cientistas do Norte, que reproduz as
relações coloniais, ao atribuir a redução da biodiversidade aos países do Sul,
cuja solução deveria ser a intervenção de instituições internacionais, que
implicaria em apropriação de conhecimentos locais e de saberes
indispensáveis à identificação de espécies e suas propriedades terapêuticas. 18
Como exemplo da rivalização do conhecimento científico com o
conhecimento cultural de povos indígenas, a Fundação de Pesquisa da
Universidade de Kentucky em conjunto com o laboratório ZymoGenetics obteve
do USPTO uma patente do método de tratamento de lesões hepáticas por
administração de deltorfinas. Conforme descrição detalhada da patente, as
18
SANTOS, Boaventura de Sousa. Semear outras soluções: os caminhos da biodiversidade
e dos conhecimentos rivais. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. p. 68.
677

deltorfinas são substâncias endógenas isoladas de secreção da pele da rã sul-


americana Phyllomedusa bicolor 19. Significa que as deltorfinas não foram
inventadas pelo intelecto humano, mas foram extraídas de uma substância
encontrada na pela de um animal, sem qualquer alteração na sua composição.
Nesse caso, a patente foi concedida sobre a descoberta de uma substância
que compunha a secreção natural de um ser vivo, privilegiando a atividade
humana limitada à aplicação de técnicas de extração das deltorfinas. Deve ser
destacado que povos tradicionais sul-americanos já conheciam as
propriedades terapêuticas da secreção da pela da rã Phyllomedusa bicolor. O
sapo é proveniente da Amazônia, podendo ser encontrado nas Guianas, na
Venezuela, na Colômbia, no Peru, na Bolívia e no Brasil. A sua secreção
cutânea é utilizada pelos povos da região como “vacina do sapo” que a
consideram um remédio para distintas doenças desde amarelão a dores em
geral. Moisés de Souza e outros pesquisadores referem que o povo Kaxinawá
o denomina sapo “kampu”, enquanto os Katukina o conhecem como sapo
“kambô” e os Ashaninka mencionam o nome do sapo “wapapatsi” 20. Esses
elementos revelam, então, que sequer as finalidades terapêuticas foram
inventadas, porque já havia o conhecimento popular sobre possíveis usos da
secreção do sapo pelos povos da região.
Os saberes locais são expressões culturais dos povos tradicionais,
ensinados de geração a geração como prática de vida e estão, por isso,
integrados na identidade comunitária desses povos. Nesse sentido, Vandana
Shiva afirma que “Existem dois paradigmas conflitantes da biodiversidade. O
primeiro é mantido pelas comunidades locais, cuja sobrevivência e
sustentabilidade estão ligadas ao uso e conservação da biodiversidade. O
segundo é mantido pelos interesses comerciais, cujos lucros estão ligados à
19
UKRF – UNIVERSITY OF KENTUCKY RESEARCH FOUNDATION; ZGEN -
ZYMOGENETICS, INC.. Peter R. Oeltgen et. al. Method for treating cytokine mediated
hepatic injury. US n. 6.380.164, 23 jan. 2001, 23 jan. 2021. Publicada 30 abr. 2002. Disponível
em: <http://patft.uspto.gov/netacgi/nph-
Parser?Sect1=PTO2&Sect2=HITOFF&p=1&u=%2Fnetahtml%2
FPTO%2Fsearch-
bool.html&r=3&f=G&l=50&co1=AND&d=PTXT&s1=6380164&OS=6380164&RS=
6380164>. Acesso em: 05 mai. 2009.
20
SOUZA, Moisés B. et al. Anfíbios. In: CUNHA, M. C. da; ALMEIDA, M. B. (Orgs.).
Enciclopédia da Floresta: O Alto Juruá: Práticas e Conhecimentos das Populações. São
Paulo: Companhia das Letras, 2002, p.608-610.
678

utilização da biodiversidade global como insumos de sistemas de produção


globais, centralizados e homogêneos.” 21 Assim, a rivalidade das formas de
conhecimento traz, na verdade, um entrechoque de valores e formas de vida,
baseadas em pressupostos distintos: de um lado, a vida contemporânea,
marcada pela expansão do consumo, diante da mercadorização dos desejos
do homem civilizado; de outro, o devir holístico, harmônico com a natureza,
ontologicamente sustentável, das comunidades tradicionais. Os conhecimentos
das comunidades tradicionais não podem ser titularizados por determinados
indivíduos seus. A única maneira de propriedade por elas conhecidas é a
coletiva. A partir desse dado, a sociedade contemporânea, cujas relações são
regidas por normas jurídicas que permitem a individualização de direitos a
pessoas determinadas, seja física ou jurídica, deve criar modos de inclusão do
Outro no ordenamento jurídico. Significa que a ordem jurídica inicialmente
pensada para uma sociedade uniforme, urbana, industrial e composta apenas
por um modo existencial, deve ser transformada para amparar a pluralidade da
existência humana, incluindo as comunidades tradicionais, constituídas por
valores, cultos, tradições, formas de conhecimento e noções de propriedade,
distintos daquela sociedade uniforme idealizada.
Para passarmos da rivalização do conhecimento científico com os
saberes tradicionais ao diálogo plural dessas distintas formas de saber e dar-
lhes um mesmo status de validade para a humanidade, precisamos buscar
uma mudança paradigmática cuja dificuldade é representada por dois fatores:
primeiro, o discurso dominante que apresenta a impossibilidade de quebra
paradigmática; segundo, a multiplicidade de idéias opostas que acabam por
caracterizar a pós-modernidade pela ausência de paradigma. Um primeiro
avanço deve ocorrer no reconhecimento dos saberes culturais das
comunidades autóctones para a preservação e desenvolvimento da
biodiversidade, bem como conferir a essas formas de saber a autonomia
necessária para a manutenção dos modos de conhecer distintos dos métodos
científicos. Vandana Shiva indica como alternativa a construção de estruturas
da biodemocracia, que reconhece valor intrínseco das diferentes formas de
21
SHIVA, Vandana. Biopirataria: A pilhagem da natureza e do conhecimento. Rio de Janeiro:
Vozes, 2001, p. 146.
679

vida e o direito das comunidades diversificadas em permanecer com seu


conhecimento cultural sobre a flora e fauna que os entorna 22.
Também nesse sentido, a proposta de Felix Guattari de uma nova
ecosofia parece ser uma perspectiva que busca construir novas formas de
valorização das atividades humanas, não circunscritas à lógica do mercado,
com a qual a ciência tem se aliado para subjugar os saberes tradicionais. A
atitude ecosófica passa por três dimensões com o objetivo de ressingularização
do homem para o pensar emancipatório, de forma que sua conduta individual
agregue valores não só econômicos, mas seja comprometida com o grupo
social. A busca por novas formas de pensar que garantam espaço para a
diversidade de formas de saber, leva à reflexão sobre a relação homem-
natureza na busca por um outro paradigma, com bases humanistas, que
provoque a abertura da ciência ao diálogo com outras formas de saber. Assim,
podem ser constituídas práticas contra-hegemônicas de emancipação que
garantam a complementaridade de saberes, identificada na diversidade de
formas de relação do indivíduo com a sociedade e seu locus existencial no
mundo, integrado ao meio ambiente.

6 DIGRESSÕES FINAIS
A Complementaridade de Saberes é essencial para uma compreensão
do modus operandi da globalização atual. É necessário identificar os discursos
de “assujeitamento” e padronização no que concerne à prática hegemônica de
grandes conglomerados empresariais e sua perspectiva transnacional
opressiva e dominante na apropriação de conhecimentos e recursos naturais.
Igualmente importante é perceber a dominação discursiva no “nível micro”, ou
seja, nas relações de consumo. É inegável que todo consumo produz
externalidades, reflexos e impactos ambientais negativos. Porém, algumas
correntes do pensamento pós-moderno, com embasamento filosófico, tornam a
visão da sociedade contemporânea como “coexistência errática de impulsos e

22
SHIVA, Vandana. Monoculturas da mente: perspectivas da biodiversidade e da
biotecnologia. São Paulo: Gaia, 2003. p. 114-115.
680

desejos” 23. Ora, se tal afirmação é levada à última conseqüência, todos os


impulsos de consumo são inevitáveis dentro de um esquema de produção da
desordem e do medo, onde os signos dispersos (dificuldades em estabelecer
sentidos e códigos compartilhados) impedem de estabelecer coerências
levando a uma instabilidade generalizada de mercado (ou da percepção do que
é o mercado) e também à dispersão dos sujeitos em suas escolhas e
“seguranças”.
Porém, este “fatalismo” pós moderno não compreende que o consumo é
parte da “racionalidade integrativa e comunicativa de uma sociedade” 24. A
racionalidade macrossocial, definida por grandes corporações, não é a única
que modela o conceito de consumo. Existem implicações políticas, simbólico-
sociais e ambientais no ato de consumo. Ninguém consome ao acaso. O
consumo é um elemento de distinção. É necessário pensar o consumo como
“um jogo entre desejos e estruturas, onde as mercadorias e o próprio consumo
servem também para ordenar politicamente cada sociedade. Assim, a
“Perspectiva Pós-Colonial” busca a percepção da “Cena Ambiental”
principalmente nos países catalogados pós-modernamente como “em
desenvolvimento” e que não podem ser enquadrados em uma lógica de
dispersão e impossibilidade de definição no momento em que mais precisam
pensar, ordenar e estruturar suas organizações políticas, democráticas e
econômicas de forma sustentável. É necessário, portanto, despertar
percepções em defesa dos saberes e culturas locais para emancipação e
autonomia de indivíduos e grupos “assujeitados” por padronizações que levam
a dependência e desconsideram as realidades locais presentes. Tal
perspectiva permite pensar o global sem perder de vista o local, abordando de
forma coerente temáticas tão controversas como o Consumo, Meio Ambiente e
Biodiversidade, Sustentabilidade, Autonomia e Emancipação.

23
CANCLINI, Néstor Garcia. Consumidores e Cidadãos. 6ª Ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ,
2006, p. 64.
24
Ibidem, p. 63.
681

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684

O DIREITO A INDENIZAÇÃO PELO CUMPRIMENTO DA ÁREA DE


PRESERVAÇÃO PERMANENTE NAS ÁREAS URBANAS

JÚLIO CÉSAR GARCIA 1

1 INTRODUÇÃO
O Brasil destaca-se no cenário internacional pelo caráter inovador e
rigoroso de sua legislação ambiental, especialmente a partir da previsão
expressa do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado no artigo 225
da Constituição Federal.
A necessidade de um controle rigoroso das intervenções humanas na
natureza exige uma participação cada vez maior dos mecanismos normativos e
coercitivos do Estado. Neste sentido, o Direito Ambiental tem evoluído muito
nas últimas décadas, não apenas quanto à tecnicidade de suas normas, mas
especialmente quanto à preocupação com sua efetividade.
As normas de proteção à flora, com destaque para as vegetações de
margens de rios – matas ciliares – e nascentes, sofreram várias alterações
desde sua criação pelo Código Florestal de 1965. Entre estas alterações, o
aumento da metragem das áreas de preservação permanente de acordo com a
largura do rio ou córrego é uma das que mais gerou conseqüências. Somente a
partir de 1989 a extensão mínima das áreas de preservação permanente
passou a ser de trinta metros.
Esta alteração do Código Florestal inseriu várias construções e lotes
urbanos numa situação de ilegalidade, apesar dos respectivos loteamentos
terem sido criados legalmente, com base na legislação então vigente.
Movidos pelo princípio da intervenção estatal obrigatória, os órgãos
ambientais de fiscalização e o próprio Ministério Público têm exigido o

1
O autor é advogado, Professor de Direito Ambiental do curso de Direito da Unioeste (Campus de Foz do
Iguaçu); atual coordenador do curso e pesquisador líder do Grupo de Pesquisas em Direito Ambiental e
Internacional da Unioeste (GEDAI); é mestre em Direitos Supraindividuais pela Universidade Estadual
de Maringá. Email: jcgconsultoria@gmail.com
685

cumprimento da legislação florestal, determinando demolições e


reflorestamentos de várias áreas urbanas e rurais.
Apesar da legalidade e justificativa ambiental destas medidas, que não
podem mais ser prorrogadas, fato é que muitos proprietários adquirentes de
boa fé de lotes urbanos estão sofrendo sérios prejuízos patrimoniais às custas
da evolução do tratamento legal das áreas de preservação permanente.
Cumpre analisar os fatos e o tratamento jurídico destes problemas, de
forma a apontar possíveis soluções mediadoras destes conflitos sociais,
econômicos e ambientais. Este estudo tem por objetivo iniciar esta discussão,
apresentando argumentos ao cabimento da indenização dos prejuízos
econômicos sofridos pelos proprietários de lotes urbanos regularmente
constituídos antes de 1989, a partir da alteração da extensão das áreas de
preservação permanente.

2 A ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE E SUA FUNÇÃO


ECOLÓGICA
As denominadas áreas de preservação permanente (APPs)
compreendem todas as áreas protegidas pela lei, necessárias a conservação
de funções e características de diversos ecossistemas brasileiros.
Tradicionalmente, as áreas de preservação permanente são associadas
às florestas e vegetações das margens dos córregos e rios, além das
nascentes de água. Entretanto, sua função é muito mais abrangente, incluindo
diversas outras áreas e ainda vários tipos de vegetação, conforme disposto no
artigo 2º da Lei Federal nº 4.771/65 (Código Florestal brasileiro).
No Brasil, o Código Florestal apresenta definição legal das áreas de
preservação permanente no artigo 1º, parágrafo segundo, inciso II, considerada
como a área “[...] coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental
de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a
biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o
bem-estar das populações humanas”.
Do conceito legal, destaca-se o detalhamento da chamada função
ambiental das áreas de preservação permanente. Esta função ecológica
686

compõe o ponto essencial ou nuclear da proteção constitucional,


estabelecendo verdadeiro limite e objetivo da criação de espaços territoriais
especialmente protegidos.
O artigo 225, parágrafo primeiro, inciso VI da Constituição Federal
brasileira, previu que, para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao
Poder Público “proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas
que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de
espécies ou submetam os animais a crueldade”.
De forma sucinta, a palavra “ecologia” deriva do grego oikos, com o
sentido de “casa”, e logos, que significa “estudo”. Literalmente, a ecologia é o
estudo do “lugar onde se vive”, com ênfase sobre “a totalidade ou padrão de
relações entre os organismos e o seu ambiente”, citando uma das definições
do Webster’s Unabridged Dictionary. 2
Valdovino Damásio Santos enumera aqueles fatores ecológicos que
possuem maior importância para a constituição de um ecossistema. Como
definição, refere-se aos fatores ecológicos como:

componentes do meio que podem agir diretamente sobre os


seres vivos, ao menos durante uma fase do seu ciclo de
desenvolvimento (exerce diversos efeitos nos seres vivos:
distribuição e redistribuição, sucessão, seleção, adaptação,
variação de densidade, freqüência, dominância, abundância,
etc.) 3

Como ressalta Eugene Odum, “os fatores ecológicos são também


denominados por alguns autores, como fatores limitantes da distribuição e
abundância dos seres vivos”. 4 Isto porque, em decorrência destes fatores,
determinada região pode mostrar-se viável ou não à manutenção da vida.
De acordo com os princípios elaborados por Darwin sobre a evolução
das espécies e sua luta pela sobrevivência, a vida é gerada e influenciada
diretamente pelos fatores naturais acima descritos, que são em suma os
grandes responsáveis pelo equilíbrio de um ecossistema. Cada uma das
2
Webster’s Unabridged Dictionary. Apud ODUM, Eugene P.; Ecologia. Rio de Janeiro: Guanabara,
1988, p. 01.
3
SANTOS, Valdovino Damásio dos. Introdução ao estudo da ecologia. Monografia – Departamento de
Biologia, Universidade Estadual de Maringá, 1999, p. 5.
4
ODUM, Eugene P.; Ecologia. Rio de Janeiro: Guanabara, 1988, p. 6.
687

espécies de seres vivos busca adaptar-se ao seu meio, de acordo com as


mudanças que ocorrem de forma incrivelmente dinâmica.
Portanto, o fato jurídico decorrente da previsão constitucional é o de que
o equilíbrio ecológico deve ser preservado e reconstituído, nos casos de
degradação, e todas as ações humanas, voluntárias ou não, lícitas ou não, que
possam interferir neste equilíbrio são proibidas e devem ser evitadas, sob pena
de sanções civis, criminais e administrativas.
Em outras palavras, também a falta de equilíbrio ambiental torna-se
suporte fático para a norma ambiental que exige a proteção da higidez do
ambiente.

3 BREVE HISTÓRICO DAS ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE NA


LEGISLAÇÃO BRASILEIRA
A primeira edição do Código Florestal brasileiro, Lei Federal Lei 4.771 de
15 de setembro de 1965, definia em seu artigo 2º as áreas de preservação
permanente ao longo dos rios ou qualquer outro curso de água nos seguintes
termos:

Art. 2° Consideram-se de preservação permanente, pelo só


efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação
natural situadas:
a) ao longo dos rios ou de outro qualquer curso d'água, em
faixa marginal cuja largura mínima será:
1 - de 5 (cinco) metros para os rios de menos de 10 (dez)
metros de largura:
2 - igual à metade da largura dos cursos que meçam de 10
(dez) a 200 (duzentos) metros de distancia entre as margens;
3 - de 100 (cem) metros para todos os cursos cuja largura seja
superior a 200 (duzentos) metros.

Cumpre destacar a metragem mínima estabelecida pela lei, ou seja,


cinco metros de vegetação permanente para os rios de menos de dez metros
de largura.
Posteriormente, com a Lei de Parcelamento do Solo, Lei Federal 6.766
de 19 de dezembro de 1979, foi criada uma faixa de quinze metros na qual
passou a ser proibida a instalação de qualquer construção, de acordo com os
termos do artigo 4º, inciso III:
688

Art. 4º. Os loteamentos deverão atender, pelo menos, aos


seguintes requisitos:
III - ao longo das águas correntes e dormentes e das faixas
de domínio público das rodovias, ferrovias e dutos, será
obrigatória a reserva de uma faixa non aedificandi de 15
(quinze) metros de cada lado, salvo maiores exigências da
legislação específica;

A Lei Federal nº 10.932, de 03 de agosto de 2004 alterou a redação do


citado artigo 4º, basicamente retirando os dutos da previsão do inciso III, e
traduzindo a redação dos termos latinos para o português, especialmente a
faixa não-edificável.
A partir da Lei de Parcelamento do Solo, conclui-se que os proprietários
de áreas que continham rios e lagos eram obrigados a manter uma faixa não-
edificável de quinze metros, dos quais cinco metros contíguos ao córrego ou rio
deveriam manter a vegetação nativa inalterada, em atendimento ao Código
Florestal.
Somente com as alterações da Lei Federal nº 7.803 de 18 de julho de
1989, o Código Florestal passou a ter a redação atual, qual seja:

Art. 1º A Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965, passa a


vigorar com as seguintes alterações:
I - o art. 2º passa a ter a seguinte redação:
"Art. 2º [...]
a) ao longo dos rios ou de qualquer curso d'água desde o
seu nível mais alto em faixa marginal cuja largura mínima seja:
1) de 30 (trinta) metros para os cursos d'água de menos de
10 (dez) metros de largura;
2) de 50 (cinqüenta) metros para os cursos d'água que
tenham de 10 (dez) a 50 (cinqüenta) metros de largura;
3) de 100 (cem) metros para os cursos d'água que tenham
de 50 (cinqüenta) a 200 (duzentos) metros de largura;
4) de 200 (duzentos) metros para os cursos d'água que
tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de
largura;
5) de 500 (quinhentos) metros para os cursos d'água que
tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros.

Portanto, é apenas após a publicação no Diário Oficial da União em 20


de julho de 1989 da Lei Federal nº 7.803 que para as áreas de preservação
permanente nas margens dos córregos com até dez metros de largura passou-
se a exigir trinta metros de vegetação nativa.
689

Cumpre ressaltar que o Código Florestal brasileiro de 15 de setembro


de 1965 não determinava a metragem para as nascentes, sendo somente a
partir da Lei 7.803 de 18 de julho de 1989 que a metragem passou a ser de
cinqüenta metros.
A última alteração do Código Florestal brasileiro foi realizada pela
Medida Provisória em sua versão de nº 1.956-50, de 26 de maio de 2000
(última versão pela MP nº 2.166-67, de 24 de agosto de 2001), que
basicamente inseriu a definição legal da área de preservação permanente.
Também o Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA,
estabeleceu normas florestais complementares, por meio da Resolução nº 302
de 20 de março de 2002, dispondo sobre os parâmetros, definições e limites de
Áreas de Preservação Permanente de reservatórios artificiais e o regime de
uso do entorno e criação das áreas urbanas consolidadas, a Resolução nº 303
também de 20 de março de 2003 em que dispõe sobre parâmetros, definições
e limites de Áreas de Preservação Permanente, e a Resolução nº 369 de 28 de
março de 2006, em que dispõe sobre os casos excepcionais, de utilidade
pública, interesse social ou baixo impacto ambiental, que possibilitam a
intervenção ou supressão de vegetação em Área de Preservação Permanente.

4 SITUAÇÕES URBANAS DECORRENTES DAS ALTERAÇÕES LEGAIS


A partir da evolução do tratamento das áreas de preservação
permanente pela legislação florestal, de 1965 até a atualidade, constatam-se
situações jurídicas diversas dos imóveis obrigados ao reflorestamento ou
conservação das matas ciliares nas margens dos rios e córregos.
As áreas urbanas são aquelas que merecem maior atenção devido ao
fato de ser nestes locais que se encontram os maiores conflitos entre a
proteção ambiental e a ocupação das margens de rios e córregos.
Apesar da existência de ocupações ilegais e irregulares das áreas de
fundo de vale ou margens de córregos e rios na maioria das grandes cidades
brasileiras, existem também muitos loteamentos urbanos regularmente
aprovados de acordo com a legislação em vigor na época de sua instalação.
690

Desta forma, podem ser identificadas três situações básicas, gerais,


quanto aos loteamentos urbanos:
a) Loteamentos aprovados na década de 60 e 70: no período
compreendido entre 1965 a 1979, a exigência florestal para as áreas de
margem de rios e córregos era de apenas cinco metros em cada lado, com
fundamento na versão original do Código Florestal brasileiro, Lei Federal nº
4.771/65.
b) Loteamentos aprovados na década de oitenta: no período
compreendido entre 1979 e 1989, a exigência florestal para as áreas de
margem de rios e córregos manteve-se em apenas cinco metros em cada lado,
porém, passou-se a exigir uma faixa complementar de dez metros (totalizando
quinze metros) não-edificável, com fundamento na versão original do Código
Florestal brasileiro, Lei Federal nº 4.771/65 combinado com a Lei de
Parcelamento do Solo Urbano, Lei Federal nº 6.766 de 19 de dezembro de
1979.
c) Loteamentos aprovados após 1989: a partir da Lei Federal nº 7.803
de 18 de julho de 1989, o Código Florestal brasileiro passou a estabelecer as
medidas em vigor até a presente data, iniciando pelos trinta metros para os
córregos com até dez metros de largura.

5 LIMITAÇÃO ADMINISTRATIVA
As áreas de preservação permanente possuem a natureza jurídica de
limitações administrativas, na medida em que impõem limitações de uso, de
forma genérica, aos proprietários de áreas no território brasileiro que
contenham córregos, rios e nascentes.
Vários autores brasileiros apresentam conceitos da limitação
administrativa. Para Diógenes Gasparini, considera-se limitação administrativa
“toda imposição do Estado de caráter geral, que condiciona direitos dominiais
do proprietário, independentemente de qualquer indenização”. 5
No entendimento de Maria Sylvia Zanella:

5
GASPARINI, Diógenes; Direito administrativo; 3.ed.; São Paulo: Saraiva, 1993.
691

As limitações podem, portanto, ser definidas como medidas de


caráter geral, impostas com fundamento no poder de polícia
do Estado, gerando para os proprietários obrigações positivas
ou negativas, com o fim de condicionar o exercício do direito
de propriedade ao bem-estar social. 6

De forma objetiva e esclarecedora, Hely Lopes Meirelles conceitua a


limitação administrativa como sendo “toda imposição geral, gratuita, unilateral e
de ordem pública condicionadora do exercício de direitos ou de atividades
particulares às exigências do bem-estar social”. 7
Diferente do que ocorre com a servidão, o tombamento, a requisição, a
ocupação temporária (em especial quando verificado dano) e a
desapropriação, que são as outras modalidades de intervenção do estado na
propriedade, as limitações administrativas não admitem indenização
exatamente por seu caráter genérico e representante de interesses públicos
que se sobrepõem aos interesses particulares.
A principal condição para a criação de uma limitação administrativa é
estabelecida pelo princípio constitucional da reserva legal. De acordo com o
Art. 5º, inciso II, da Constituição Federal, “ninguém será obrigado a fazer ou a
deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Portanto, as limitações
administrativas somente podem ser instituídas por lei formal, aprovada de
acordo com o processo legislativo constitucional.
Por fim, as limitações administrativas devem se adequar ao princípio da
razoabilidade, na medida em que não podem interferir de tal forma na
propriedade que retirem os atributos econômicos da mesma.

6 DIREITO ADQUIRIDO
A Constituição Federal brasileira garantiu em seu artigo 5º, inciso
XXXVI, que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito, e a
coisa julgada.
Para Celso Bastos, o direito adquirido:
Constitui-se num dos recursos de que se vale a Constituição
para limitar a retroatividade da lei. Com efeito, esta está em

6
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella.; Direito administrativo; 8. Ed.; São Paulo: Atlas, 1997.
7
MEIRELLES, Hely Lopes; Direito administrativo brasileiro; 22. ed.; São Paulo: Malheiros, 1997.
692

constante mutação; o Estado cumpre o seu papel exatamente


na medida em que atualiza as suas leis. No entanto, a
utilização da lei em caráter retroativo, em muitos casos,
repugna porque fere situações jurídicas que já tinham por
consolidadas no tempo, e esta é uma das fontes principais de
segurança do homem na terra. 8

Também a Lei de Introdução ao Código Civil, em seu art. 6º, § 2º,


descreve os direitos adquiridos como os “direitos que o seu titular, ou alguém
que por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha
termo prefixo, ou condição preestabelecida inalterável, a arbítrio de outrem”.
Apesar da clareza da definição legal, cumpre distinguir o direito
adquirido, do direito consumado e da expectativa de direito. Enquanto o
primeiro é a conseqüência de fato aquisitivo realizado por inteiro, o direito
consumado é aquele que já produziu todos seus efeitos concretos. Por fim, a
expectativa de direito é a simples esperança, resultante do fato aquisitivo
incompleto.
A dúvida acerca da evolução do tratamento legal das áreas de
preservação permanente no Brasil incide exatamente na discussão do direito
adquirido dos proprietários que adquiriram suas áreas antes das alterações
legais.
A solução se encontra na natureza dos direitos e interesses, que são
privados ou individuais para os proprietários e coletivos ou públicos para o
Estado.
Neste sentido, José Afonso da Silva esclarece a prevalência do
interesse coletivo, ao discutir a defesa do consumidor:

O que se diz com boa razão é que não corre direito adquirido
contra o interesse coletivo (qual o dos consumidores, seja-nos
permitida a ênfase), porque aquele é manifestação de
interesse particular que não pode prevalecer sobre o interesse
geral. 9

Portanto, identificando-se o interesse coletivo e difuso presente na


proteção das áreas de preservação permanente, resta clara a obrigação dos

8
BASTOS, Celso. Dicionário de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 1994; p. 43.
9
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 13. ed.; São Paulo: Malheiros, 1997;
p. 414.
693

proprietários, independentemente da data de aquisição, preservar estas áreas


como única forma de cumprir com a função sócio-ambiental de sua propriedade
nos termos constitucionais.
Apesar disto, outro questionamento merece atenção: verificar a
existência de algum direito a indenização por parte dos proprietários das áreas
que, de acordo com a nova legislação, passaram a ser obrigados a reflorestá-
las ou destruir suas benfeitorias, incluindo residências urbanas.

7 INDENIZAÇÃO PELO CUMPRIMENTO DA ÁREA DE PRESERVAÇÃO


PERMANENTE
A previsão legal de indenizações no Brasil segue a lógica da
responsabilidade civil. Isto significa que a indenização é cabível nos casos em
que se pratique algum ato ilícito que cause dano a outrem, nos termos dos
artigos 927, 186 e 187 do Código Civil Brasileiro:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar
dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária,
negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a
outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que,
ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo
seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons
costumes.

A rigor, a criação das áreas de preservação permanente a partir do


Código Florestal de 1965 não gera direito a indenização na medida em que não
corresponde a ato ilícito, nem mesmo a geração de algum dano. A ilicitude
possível no caso seria do vício da inconstitucionalidade da lei, o que não se
justifica. Já o dano também resta impossível de ser demonstrado, na medida
em que a criação das áreas de preservação permanente serve exatamente
para evitar um dano ambiental maior, qual seja a destruição de ecossistemas a
partir de danos aos recursos hídricos, à flora e à fauna.
A natureza jurídica de limitação administrativa das áreas de preservação
permanente corrobora o fato da inexistência de um direito de indenização.
A situação, porém, é diferente, na análise da evolução do tratamento
legal das áreas de preservação permanente, em especial quanto aos casos de
694

proprietários de lotes urbanos residenciais adquiridos com boa-fé, com estreito


cumprimento da legislação vigente, e que a partir da alteração legal de 1989
passaram a ser obrigados a deixar de utilizar suas áreas.
Quando a limitação administrativa ultrapassa o razoável quanto à
restrição do uso econômico da propriedade, identifica-se situação diferente, em
que a supremacia do interesse público sobre o interesse privado gera um
desequilíbrio injusto das atribuições de cada sujeito.
Os proprietários que passaram a ser obrigados a demolir suas
residências para realizar no local o reflorestamento das áreas de preservação
permanente, e cujos lotes possuem metragem insuficiente para manter o
aproveitamento residencial do mesmo, passarão a sofrer graves prejuízos
individuais, sob a justificativa de estarem gerando importantes benefícios para
a coletividade.
Este é o mesmo caso, a contrario sensu, dos poluidores que
monopolizam todos os ganhos e vantagens da atividade poluidora e socializam
todos os problemas e danos ambientais. Da mesma forma que o princípio do
poluidor-pagador surgiu para exigir a internalização dos custos ambientais para
as atividades privadas, corrigindo as distorções econômicas e ambientais
provocadas por esta situação, o caso das áreas de preservação permanente
que impedem qualquer aproveitamento econômico da propriedade deve ser
enfrentado pelo Direito.
A finalidade econômica de uma propriedade urbana, integrante de um
loteamento residencial, é exatamente a de abrigar uma residência. Para tanto,
é natural que a metragem destinada a esta função seja suficiente para a
edificação de uma residência com o número mínimo de cômodos e espaços
correspondentes a sua natureza residencial, atendido o princípio da dignidade
da pessoa humana.
O principal critério para a caracterização da responsabilidade de
indenizar, no caso das áreas de preservação permanente localizadas em áreas
urbanas, é o da existência de um dano econômico demonstrável. Além disto, a
regularidade do loteamento quando de sua criação, bem como o critério
temporal devem ser observados, ou seja, o lote deve ter sido criado
695

necessariamente sob a vigência do Código Florestal em sua versão original de


1965.
A questão temporal é demonstrável por meio dos alvarás de construção,
habite-se expedidos pelos órgãos municipais, ou ainda pelo documento que
aprovou a instalação do loteamento na cidade, todos acessíveis usualmente
nos órgãos competentes da Prefeitura Municipal.
O dano econômico será demonstrável pela perda real e irreparável do
aproveitamento do lote residencial. Isto pode se dar pela insuficiência de área
útil para construção após a adequação da metragem da área de preservação
permanente, ou ainda, pela necessidade de demolição de alguma benfeitoria
regularmente construída dentro da área de preservação permanente.
Cumpre destacar que, de acordo com o Art. 182, parágrafo segundo da
Constituição Federal, a propriedade urbana cumpre sua função social quando
atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no
plano diretor. Portanto, o lote urbano residencial ocupa uma posição essencial
dentro das funções urbanísticas, sociais, culturais, econômicas e ambientais de
uma cidade.
O foco da verificação do dano deve estar na data da criação do
loteamento e não da aquisição do lote pelo atual proprietário e, no caso de
construções, o foco está na data da autorização ou aprovação das mesmas
pelo órgão competente e não da sua efetiva construção, devido às diferenças
entre direitos adquiridos e meras expectativas de direito.
Recentemente, o CONAMA aprovou a Resolução nº 369 de 28 de março
de 2006, em que especifica os casos de regularização fundiária urbana em que
será permitida a supressão da vegetação das margens dos córregos e rios com
base em vários critérios. Apesar de ser uma iniciativa que poderia solucionar
muitos dos conflitos gerados pela alteração da legislação florestal de 1989, os
critérios apresentados são questionáveis quanto a legalidade e
constitucionalidade. Isto porque, limitam a regularização das áreas apenas às
ocupações de baixa renda residenciais, com densidade demográfica superior a
cinqüenta habitantes por hectare, e com infra-estruturas instaladas que
dependem exclusivamente da iniciativa do Poder Público (nem sempre
696

presentes). Além disto, é necessário um projeto público que contemple todas


as alterações e que seja aprovado em procedimento administrativo próprio que
verifique a utilidade pública ou interesse social e a inexistência de alternativa
técnica para o empreendimento.
A Resolução do CONAMA nº 369/2006 margeia a discussão da retirada
da utilidade econômica de diversas propriedades urbanas, independentemente
da existência de ocupação por residências e de sua classe social, a partir da
mudança legal de 1989. Também ignora a exigência constitucional de que toda
área de preservação permanente cumpra com sua função ecológica e que,
portanto, permitir a manutenção da ocupação destas áreas por residências
implicará num reconhecimento da falência e omissão do Estado na garantia da
qualidade ambiental e na preservação dos ecossistemas essenciais.
Se esta “moda pegar”, novas leis poderão ser criadas para “regularizar”
as diversas infrações, crimes e degradações instaladas de forma ilegal e que
comprometem a manutenção do meio ambiente ecologicamente equilibrado,
direito fundamental de todos os seres humanos.
Não se trata de permitir ou chancelar as ocupações irregulares, sob o
manto hipócrita da “regularização fundiária”, mas sim de retirar estas
ocupações das margens dos córregos e corrigir uma distorção histórica do
planejamento urbano brasileiro que permitiu e agravou a degradação ambiental
da flora e dos recursos hídricos.

8 SUJEITO PASSIVO DA AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR CUMPRIMENTO


DA ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE
Constatado o dever de indenizar os proprietários de áreas urbanas, com
ou sem edificações, prejudicadas pelo aumento da metragem das áreas de
preservação permanente nas margens dos córregos e rios, resta identificar o
sujeito passivo desta obrigação entre os entes da federação brasileira.
Considerando-se a necessidade de demonstrar o nexo causal entre um
ato ou fato e o correspondente dano, é na alteração da legislação federal, por
meio da Lei Federal nº 7.803 de 18 de julho de 1989, que se encontra o fato
gerador dos danos a diversos proprietários de áreas urbanas.
697

A competência executiva constitucional comum entre todos os entes da


federação prevista no artigo 23, incisos VI e VII da Constituição Federal, impõe
o dever da proteção ambiental a todos. Portanto, os Municípios e Estados
devem exercer o poder de polícia que lhes é atribuído por lei, no caso,
notificando e autuando os proprietários para que promovam a adequação do
uso e ocupação das áreas de preservação permanente. Apesar disto, é a
União o ente federado responsável pela imposição da limitação administrativa
ambiental, considerando-se a natureza federal da legislação que a criou.
Enquanto a obrigação de recuperação das margens dos córregos e rios
estiver no plano abstrato e formal da lei, não haverá ainda a configuração de
algum interesse ou utilidade em provocar o Poder Judiciário, salvo para alegar
a inconstitucionalidade da lei pela ausência da previsão de um mecanismo de
indenização prévia dos proprietários, como ocorre com as desapropriações por
utilidade pública ou interesse social.
No momento em que qualquer um dos órgãos ambientais integrantes do
Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA) materializar os termos da lei,
seja por meio de uma notificação ou autuação administrativa, haverá um efetivo
dano ou prejuízo aos interesses e direitos dos proprietários, que deverão exigir
o pagamento da respectiva indenização pelas perdas econômicas decorrentes
do cumprimento da legislação ambiental. O mesmo se aplica quando o
Ministério Público ou algum dos demais legitimados propor ação civil pública de
responsabilização dos proprietários.
Na medida em que a limitação administrativa extrapola a razoabilidade
da intervenção do Estado na propriedade privada, muito se assemelha a
desapropriação indireta e, por analogia, merece o mesmo tratamento legal
concedido às desapropriações por utilidade pública ou interesse social.
Destaca-se aqui, a previsão do Art. 182, parágrafo terceiro da Constituição
Federal, ao determinar que “as desapropriações de imóveis urbanos serão
feitas com prévia e justa indenização em dinheiro”.
Por fim, caso o efetivo prejuízo para o proprietário seja decorrente de
ação judicial proposta perante a Justiça Estadual, os autos deverão ser
remetidos para a Vara da Justiça Federal da Comarca mais próxima,
698

independentemente de requerimento das partes, em virtude da existência do


interesse da União no feito.

9 CONCLUSÕES
a. A falta de uma política ambiental nacional efetiva, a despeito da
existência da Lei Federal nº 6.938/81, conjugada com a omissão histórica do
Estado brasileiro no tratamento da flora nacional, em especial das áreas de
preservação permanente criadas pela Lei Federal nº 4.771/65, resultaram em
várias situações de conflitos evitáveis entre os direitos fundamentais da
propriedade privada e do meio ambiente ecologicamente equilibrado.
b. Os proprietários e adquirentes de lotes urbanos localizados em
loteamentos regularmente instalados e aprovados antes da publicação da Lei
Federal nº 7.803 de 18 de julho de 1989, e que passaram a ser obrigados a
demolir construções localizadas a pelo menos quinze metros da margem do
córrego ou ainda impedidos de construir nestas áreas, sofreram verdadeiro
ataque ao direito constitucional da propriedade privada.
c. Estes proprietários adquiriram suas áreas com estrita observação dos
princípios da boa-fé e da legalidade, investindo muitas vezes durante toda uma
vida no pagamento de prestações para a aquisição da única propriedade para
passar os últimos anos da vida com um mínimo de dignidade. São estes
mesmos proprietários que passaram, de uma hora para a outra, a serem
considerados ocupantes ilegais de áreas de interesse ambiental e mesmo
infratores e criminosos ambientais, ameaçados de despejo por uma ordem
judicial.
d. Deve ser demonstrada, obrigatoriamente, a retirada do valor e uso
econômico de toda a área, no caso dos lotes urbanos, com função residencial
ou comercial. É irrelevante a existência de algumas permissões da legislação
florestal para o aproveitamento econômico das áreas de preservação
permanente pelos pequenos proprietários, até mesmo porque a previsão legal
se restringe aos proprietários de pequenas áreas rurais.
e. Antes de qualquer ordem ou pedido de demolição e reflorestamento
destas áreas de preservação permanente, deve ser precedido o devido
699

processo de indenização da área comprometida e das benfeitorias


regularmente construídas. Esta indenização deve ser paga em dinheiro, por
analogia a previsão constitucional das desapropriações de áreas urbanas no
artigo 182, parágrafo terceiro da Constituição Federal.
f. Os proprietários prejudicados por medidas administrativas ou judiciais
que exijam a adequação das áreas de preservação permanente regularmente
ocupadas, conforme legislação prévia, têm o direito a exigir indenização, em
que pese não possuírem direito adquirido a manutenção do status quo, devido
ao caráter público desta proteção legal.
g. Por se tratar de limitação administrativa imposta por lei federal, e por
ser esta lei a responsável direta pelos prejuízos causados aos proprietários dos
lotes urbanos comprometidos, é a União o ente federado responsável por arcar
com o pagamento das indenizações.
h. Por fim, no caso dos loteamentos aprovados após o dia 18 de julho de
1989, os loteamentos e as construções irregulares nos termos da legislação
anteriormente em vigor, e ainda, dos lotes urbanos que pela sua extensão
continuem a permitir a ocupação residencial ou comercial, ainda que em menor
tamanho, não dão ensejo a indenização, seja pela ilegalidade do ato ou pela
inexistência de dano econômico apreciável.

REFERÊNCIAS

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DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella.; Direito administrativo; 8. Ed.; São Paulo:


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Malheiros, 1997.

ODUM, Eugene P.; Ecologia. Rio de Janeiro: Guanabara, 1988.


700

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Monografia – Departamento de Biologia, Universidade Estadual de Maringá,
1999.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 13. ed.; São
Paulo: Malheiros, 1997.
701

CONSIDERAÇÕES SOBRE A ESCASSEZ QUANTI-QUALITATIVA DA


ÁGUA SOB O PRISMA DA MODERNIDADE E DA PÓS-MODERNIDADE

KAREN MÜLLER FLORES 1


MICAEL MEURER 2

1 INTRODUÇÃO
O intuito do presente artigo é estimular as reflexões sobre a importância
da água para a sobrevivência dos seres bióticos, buscando aproximar a
sociedade dos debates ecológicos. A utilização consciente e racional dos
recursos hídricos, no futuro, poderá fazer a diferença entre a vida e a morte.
Inicialmente abordar-se-ão questões atinentes à relevância dos recursos
hídricos para a sobrevivência dos seres bióticos e a possibilidade de adaptação
destes à escassez hídrica. Num segundo momento, versar-se-á acerca da
escassez quanti-qualitativa da água e os rumos da humanidade, sob o prisma
da modernidade. Por fim, estudar-se-á a escassez hídrica na ótica da pós-
modernidade, onde a única constância é a incerteza do futuro.

2 DA IMPORTÂNCIA DA ÁGUA À SOBREVIVÊNCIA DOS SERES BIÓTICOS


A água é bem essencial à sobrevivência dos seres bióticos, estando
intrinsecamente ligada à saúde e a dignidade da pessoa humana. De vital
importância à sobrevivência dos seres vivos a água é denominada, por muitos,
como “ouro líquido” (SEED, 1994, p.58) em razão de sua escassez quanti-

1
Advogada. Bacharel em Direito, Pós-Graduada em Direito Ambiental e Mestranda em Direito
Ambiental e Sociedade, na linha de pesquisa: Direito Ambiental e Novos Direitos -, ambos pela
Universidade de Caxias do Sul (UCS), Rio Grande do Sul. Bolsista da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES. Pesquisadora do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPQ, Direito Meio Ambiente e Desenvolvimento
(Ecologia jurídica e legislação ambiental). Contato: kmflores@terra.com.br.
2
Advogado. Pós-Graduando em Direito Tributário e Mestrando em Direito Ambiental e Sociedade, na
linha de pesquisa: Direito Ambiental, Trabalho e Desenvolvimento-, ambos pela Universidade de
Caxias do Sul (UCS), Rio Grande do Sul. Pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico – CNPQ, Direito Meio Ambiente e Desenvolvimento. Contato:
micaelmeurer@hotmail.com.
702

qualitativa.
A dependência humana para com a água inicia antes mesmo do
nascimento, no período gestacional com o desenvolvimento do feto no saco
amniótico. 3 O corpo humano é constituído em grande parte por água, apenas
variando sua quantidade de indivíduo para indivíduo, enquanto os recém são
formados por 78% de água, na fase adulta esse percentual se reduz a 60%
(SEED, 1994). 4
O ser humano obtém água necessária à sua sobrevivência através do
consumo direto (47%), por meio do próprio organismo com a respiração celular
(14%) e alimentação (39%); sendo eliminada pela respiração (15%),
transpiração (20%), urina e fezes (65%). Quando o corpo humano perde 2% de
água o mesmo sinaliza, por vezes, através da sede que precisa de reposição;
quando atinge o percentual entre 6% e 10% o volume sangüíneo diminui e a
temperatura pode subir de forma perigosa, causando a desidratação; por fim,
atingindo 15% o ser humano não sobreviverá por muito tempo (BEI, 2003).
Os que mais sofrem com escassez quanti-qualitativa da água são os
seres humanos, vez que, as plantas e animais se adaptam mais facilmente. Os
animais que vivem no deserto, podem passar semanas sem água e para não
desidratarem muitos se escondem em tocas durante o dia. Outros, fisicamente
adaptados ao clima, como a raposa e o coelho do deserto possuem orelhas
enormes que irradiam calor, evitado à transpiração e, portanto, perda de água.
Há, ainda, os camelos, campeões em armazenar água, que chegam a beber 80
litros de água de uma só vez, ou, o correspondente a um terço do seu peso,
podendo, inclusive engolir suas próprias secreções nasais e excrementos e
transformar parte de sua gordura em líquido, evitando assim a perda de água
(SEED, 1994).
Outrossim, as plantas do deserto desenvolvem mecanismos de
proteção. Os caules impermeáveis impedem a perda de água, como nos

3
O líquido amniótico é composto de células epiteliais fetais descamadas, sais orgânicos e inorgânicos e,
aproximadamente, 99% de água - podendo variar de acordo com o tempo de gestação
(GINECOLOGIA E OBSTETRÍCIA. Disponível em: <http://gineco.amerhuec.org.br/html/
patologia_do_liquido_amniotico.html>. Acesso em: 27 jan. 2009).
4
Importante salientar que tal índice refere-se a um homem adulto magro, sendo menor entre mulheres,
obesos e idosos (BEI (coord). Como cuidar da nossa água. Coleção entenda e aprenda. São Paulo: Bei
Comunicação, 2003, p.64).
703

cactos; as plantas, que contém folhas são recobertas com uma espécie de cera
para evitar que a água evapore. Curiosamente, muitas destas plantas passam
grande parte da vida em forma de sementes a espera de água para germinar,
quando a chuva cai, transforma a paisagem colorindo o deserto; porém,
quando a seca retorna, as plantas morrem e as sementes voltam a ficar
adormecida a espera da próxima chuva (SEED, 1994).
Dos bens ambientais, somente o ar compara-se a sua importância, por
serem ambos essenciais à sobrevivência dos seres bióticos. O ser humano,
racional e capaz de identificar suas ações e omissões possui maior grau de
responsabilidade na preservação e conservação do meio ambiente, ainda mais
num período de incertezas como é a transição entre modernidade e pós-
modernidade.

3 DA ESCASSEZ QUANTI-QUALITATIVA DA ÁGUA NA MODERNIDADE


O planeta Terra tem 77% de sua superfície coberta por água, razão pela
qual, também, chamado de planeta azul. Entretanto, 97,5% é de água salgada
(mares e oceanos), o restante é de água doce, donde 2,5% são calotas polares
e geleiras, 29,9% são águas subterrâneas, 0,9% corresponde a outros
reservatórios (pântanos, vapor de atmosfera, umidade do solo etc), somente
0,3% da água é consumível. De modo que, a abundância dos recursos hídricos
é aparente (BEI, 2003).
A quantidade de água existente no planeta é a mesma há centenas de
anos, alternando-se em termos de distribuição e estado (evaporação,
transpiração, precipitação e infiltração, respiração e combustão). Isso porque a
água é um recurso natural reciclável por excelência, (BARROS, 2005)
fenômeno esse conhecido como o Ciclo Hidrológico (LIMA, 2007).
Quando se fala em água como recurso limitado tem-se que ter em mente
não apenas a escassez quantitativa, mas, também, qualitativa principalmente
no que se refere ao uso humano e a dessedentação de animais (BARROS,
2005).
Informações do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
(PNUMA, 2007 apud POLIDO, 2005) apontam que mais de 80 países,
704

equivalente a 40% da população mundial, sofre com a escassez da água


potável. Estimativa da Organização das Nações Unidas anotam que, mais de
2,2 milhões de pessoas por ano são vítimas do consumo de água contaminada
e falta de saneamento básico (PNUMA, 2007 apud POLIDO, 2005).
Na África e na Ásia um cidadão tem direito a no máximo oito litros de
água por dia, para ingestão, preparo de alimentos, diluição de esgoto e higiene
pessoal (BEI, 2003). No entanto, dados da Organização das Nações Unidas
(ONU) apontam que um homem adulto necessita, aproximadamente, de 50
litros por dia; isso sem contar os inúmeros litros utilizados na agricultura,
pecuária e indústria (BEI, 2003).
O consumo de água destinada à agricultura chega a 70%, sendo que,
para produzir um quilo de arroz são gastos 2.400 litros de água, segundo a
média global; enquanto, na Índia os gastos podem chegar na marca de 3.700
litros (O MOVIMENTO GAIA, 2008). A Organização das Nações Unidas para
Agricultura e Alimentação (FAO, 2008) alerta que, nos próximos 50 anos se
não forem tomadas medidas para diminuir os gastos com a agricultura, as
nações enfrentarão uma série de problemas na produção de alimento. Com
efeito, esclarece Koichiro Matsuura, direito-geral da UNESCO, que “nenhuma
região será poupada do impacto dessa crise que afeta todos os aspectos da
vida, da saúde das crianças à capacidade das nações de providenciar comida”
(BEI, 2003).
Dados da Organização da Saúde (OMS) assinalam que até 2020 mais
de 76 milhões de pessoas serão vitimas de doenças de veiculação hídrica,
onde as crianças menores de cinco anos as maiores vítimas, em razão de sua
vulnerabilidade (BEI, 2003). No Brasil, 65% das internações hospitalares são
decorrentes das doenças de veiculação hídrica (TUNDISI, 2005).
Por certo, que as relações econômicas industriais sempre geraram
danos ambientais, porém, a globalização intensificou demasiadamente o
alcance e extensão desses danos (GIDDENS, O debate global sobre a terceira
via, 2007, p.448). A sociedade moderna não consegue equilibrar exploração
econômica, tecnologia e meio ambiente, de modo a alcançar o
desenvolvimento durável. Isso porque a ciência e a tecnologia encontram-se
705

defasadas em relação à proteção dos recursos naturais e, consequentemente,


de próprio homem (BECK, 1998).
É preciso reverter esse quadro com urgência, sob pena de extinção da
espécie humana. Com efeito, necessárias atitudes pró-ativas, tanto do estado
quanto da sociedade, o que requer atitudes e projetos conjuntos entre famílias,
escolas, governos, e, coletividade, na busca de um único objetivo: a
conscientização da sociedade da importância da preservação e conservação
do meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras
gerações.

4 DAS ESTIMATIVAS SOMBRIAS DA ÁGUA NA PÓS-MODERNIDADE


Imagine um mundo praticamente sem água. A revista Crónica de los
Tiempos assumiu esse desafio, publicando em abril de 2002 uma carta fictícia
escrita em 2070, reconhecida mundialmente como alerta à escassez quanti-
qualitativa da água em um futuro breve (APORREA, 2009).
A carta seria escrita por um homem de cinqüenta anos, com aparência
de um senhor de oitenta e cinco anos em decorrência da falta de água. Ele
relata os diversos problemas de viver em uma sociedade sem água. Nessa
sociedade poucas são as pessoas que vivem tanto, a idade média de vida é de
35 anos, em razão dos inúmeros problemas de saúde provenientes da falta
de água (APORREA, 2009).
Em um tom de despedida, o homem recorda quando tinha cinco anos e
tudo era muito diferente. Havia parques com muito verde e jardins repletos de
flores. Hoje o que se tem são desertos por todos os lados, e em razão disso o
oxigênio está degradado. Os banhos que levavam quase uma hora foram
substituídos por toalhas umedecidas em azeite mineral. As mulheres que antes
ostentavam longos cabelos tiveram de cortá-lo para economizar água
(APORREA, 2009).
Inúmeros eram os avisos de que se deveria preservar a água para as
presentes e futuras gerações, mas não se acreditava que a escassez poderia
chegar a tal ponto. Os cientistas procuram uma solução em laboratório, mas
não há como produzir água sintética (APORREA, 2009).
706

As indústrias, também, sofreram com a escassez de água, gerando um


alto número de desempregos; as empresas de dessalinização são as que mais
empregam, retribuindo seus funcionários com água potável ao invés de salário.
Os furtos de água são constantes (APORREA, 2009).
A alimentação é 80% sintética. Recomendava-se que um adulto tomasse
dois litros de água por dia, mas em 2070 só se pode beber meio copo. As
roupas são descartáveis, o que aumenta muito a quantidade de lixo
(APORREA, 2009).
Não existe mais rede de esgoto, pela falta de água voltou-se a utilizar as
fossas sépticas, como antigamente. No futuro a falta de água potável será a
principal causa de mortes (APORREA, 2009).
Melancolicamente, o homem conta à sua filha as recordações de sua
infância, quando a água era abundante. Os parques e bosques eram repletos
de árvores e os jardins floridos. As pessoas eram saudáveis. Porém, lembra
que fora por causa dos desperdícios que a água se tornou um tesouro mais
cobiçado que ouro ou diamante, culpando-se pelas atitudes irresponsáveis do
passado e lamentando que a degradação tenha chegado a tal ponto, não
havendo mais possibilidade de vida no planeta terra (APORREA, 2009).
Imprescindível que se mudem os rumos da sociedade, independente da
nomenclatura que se prefira utilizar. No entanto, lembra Zygmunt Bauman
(2007, p.287): “nada na história simplesmente termina, nenhum projeto jamais
é concluído e descartado”, de forma que, “a modernidade ainda está conosco.
Ela vive como pressão de esperança e interesses não satisfeitos sedimentados
em instituições que se auto-reproduzem” (BAUMAN, 2007, p.287). Na mesma
linha, assevera Eduardo Carlos Bittar (2005, p.100):
Obviamente, nenhum processo histórico instaura uma nova ordem, ou
uma nova fonte de inspiração de valores sociais, do dia para a noite, e o viver
transitivo é exatamente um viver intemporal, ou seja, entre dois universos de
valores, enfim, entre passado erodido e presente multifário.
A pós-modernidade surge da mudança de valores, costumes, hábitos
sociais, instituições, conquistas e desestruturação social, como um movimento
natural em busca de novas alternativas de futuro. Onde, quem sabe, a carta
707

2070 não passe um reflexo das inseguranças da modernidade, sem jamais


ultrapassar a seara do imaginário.
Para que isso se torne possível, algumas medidas simples se fazem
necessárias, tais como: prevenção de vazamentos, instalação de sistemas de
controle da quantidade de água nos chuveiros, fechamento dos registros em
períodos de férias ou quando a casa estiver desabitada, isolamento de
tubulações de água quente, diminuir a quantidade de água nas descargas
sanitárias, não utilizar as pias como cestos de lixo, esperar encher
completamente a máquina de lavar roupas antes de acioná-la, tomar banhos
rápidos, desligar a água do chuveiro enquanto estiver se ensaboando, para ter
água quente, primeiro ligar a água quente, e só depois a fria, ao lavar louça
utilizar duas esponjas, uma só para detergente e outra só para água e planejar
os gastos de água com jardinagem (TUNDISI, 2000, p.135).
Imprescindíveis atitudes concretas a respeito da escassez quanti-
qualitativa da água, a fim de exercitar a ética do cuidado de Leonardo Boff
(1999), preservando os recursos hídricos para as presentes e futuras gerações.
De forma que, “a sociedade deve mostrar-se capaz de assumir novos hábitos e
de projetar um tipo de desenvolvimento que cultive o cuidado com os
equilíbrios ecológicos e funcione dentro dos limites impostos pela natureza”
(BOFF, 1999, p.137).
Nesse momento olhar a modernidade sob um novo ângulo é imperativo,
sob pena da extinção do próprio homem. É hora de analisar e refletir sobre
modernidade, sopesando os prós e contras da sociedade moderna. Assim,
optando por continuar num círculo vicioso de insegurança e instabilidade das
relações humanas ou seguir por um novo caminho, onde a natureza não seja
expropriada como uma coisa, mas cuidada como patrimônio comum da
humanidade.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo do presente estudo procurou-se de forma clara e objetiva trazer
à baila a essencialidade dos recursos hídricos, tanto no que se refere aos seres
humanos, como aos animais e vegetais.
708

O estudo foi pautado sob a ótica da modernidade e pós-modernidade.


Onde, a modernidade representou a incerteza e instabilidade das relações
humanas e a pós-modernidade uma busca por alternativas de um futuro, em
que a sociedade não seja tão vulnerável.
Nesse contexto, necessária a reflexão sobre o futuro dos recursos
hídricos e as conseqüências nefastas de sua escassez, principalmente diante
da falta de conscientização da sociedade atual, pois quando a escassez atingir
números alarmantes, como na Carta escrita em 2070 será tarde demais.

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711

A TRANSDISCIPLINARIDADE DOS PARECERES TÉCNICOS AMBIENTAIS


E A PARTICIPAÇÃO DO TERCEIRO SETOR

KARINA DE VASCONCELOS VIEIRA 1


RENATO MIRANDA PELLEGRINI 2

1 INTRODUÇÃO
Os conflitos ambientais vêm ganhando destaque em diversos processos
administrativos e judiciais, onde se observa um número crescente de pessoas
físicas e jurídicas interessadas na apropriação dos bens ambientais, muitas
vezes provocando degradação ambiental, ou ainda, pondo em risco o meio
ambiente e a saúde pública. Neste contexto, o terceiro setor ambientalista,
essencialmente através das ONGs, entra com uma atuação cada vez mais
sólida no que diz respeito a tais conflitos, até mesmo assumindo funções que
seriam de atribuição original do Estado, como a fiscalização.
Recentemente, verifica-se que o conhecimento e a prática acumulados
pelos trabalhos das entidades sem fins lucrativos, através da experimentação
de formas inovadoras de enfrentamento dos problemas ambientais constituem
uma fonte de aprendizagem para toda sociedade. Diversas experiências bem
sucedidas merecem destaque, através da divulgação que busca multiplicar
seus resultados por meio de estímulos sistemáticos para o estabelecimento de
relações de parceria com órgãos públicos, visando a sustentabilidade
ambiental e a prevalência da legislação ambiental em face dos interesses
particulares.
A tutela eficaz do meio ambiente esbarra em inúmeras dificuldades,
especialmente aquelas relacionadas à compreensão de relações ambientais
que envolvem conhecimentos científicos complexos, fator fundamental para a
tomada de decisões, e o direcionamento do desenvolvimento humano. Ao

1
Bióloga, Especialista em Direito Público, Mestranda Gestão do Conhecimento da Sustentabilidade na
Universidade Federal de Santa Catarina (EGC-UFSC) - karinavasco@hotmail.com
2
Administrador, Mestre em Engenharia Ambiental, Doutorando em Gestão do Conhecimento da
Sustentabilidade na Universidade Federal de Santa Catarina (EGC-UFSC) - renatop@egc.ufsc.br
712

tratarmos da politização e da judicialização destes conflitos, a elaboração de


pareceres técnicos em caráter transdisciplinar aparece como elemento
importante de construção deste conhecimento necessário. Contudo, nem o
Estado nem a Sociedade demonstraram ter a maturidade e a eficiência
desejável para satisfazer esta demanda.
No que tange aos órgãos de controle ambiental e a legislação ambiental
brasileira, embora bastante abrangente e restritiva, observa-se uma dificuldade
na concretização das normas, ou seja, no plano da aplicabilidade. Não
obstante ao recente desenvolvimento da justiça ambiental no país, é fato que
os avanços conquistados não tem sido capazes de transformar a realidade de
“apatia, passividade e desorganização dos movimentos sociais especializados
na proteção judicial do meio ambiente” (Aguiar, 2002). Considerando que “a
desigualdade ambiental é, sem dúvida, uma das expressões da desigualdade
social que marca a história do nosso país”, onde não somente os pobres estão
mais expostos aos riscos ambientais ligados à saúde e saneamento, mas é
latente a concentração de decisões sobre a “privatização do uso dos recursos
ambientais coletivos - água, ar e solo” nas mãos de interesses políticos e
econômicos hegemônicos (Accelrad, 2002)..
Este artigo busca trazer algumas reflexões acerca desta questão dos
conflitos ambientais sob os aspectos técnicos, abordando a importância da
transdisciplinaridade, com ênfase na contribuição cada vez mais eficiente das
entidades do terceiro setor na tutela do meio ambiente, como no auxílio ao
Ministério Público em sua função de custus legis, e na atividade autônoma das
associações ambientalistas como proponentes de audiências públicas
participativas. Nas palavras de Bodnar (2007) “A possibilidade de convocação
de audiências públicas, para a discussão de importantes temas de interesse
coletivo, passou a ganhar especial atenção do legislador” o que tem sido de
suma importância para diversas decisões em matéria de meio ambiente.

2 ASSOCIATISMO CIVIL E CIDADANIA AMBIENTAL


O preâmbulo da Constituição Federal de 1988, que expressa a intenção
de um Estado Democrático “destinado a assegurar o exercício dos direitos
sociais, individuais, a segurança, o bem estar, o desenvolvimento, a igualdade
e a justiça como valores de uma sociedade fraterna, pluralista e sem
713

preconceitos”, contrasta com a real efetividade dos sistemas públicos de


educação, de saúde, seguridade social e o aparato do judiciário que se
encontra supersaturado. Ao formalizar os direitos, a Lei gera expectativas de
avanços democráticos, que muitas vezes acabam não produzindo efeitos
práticos, ou seja, constituem normas ineficazes. As tradicionais “leis que não
pegam” sugerem a ocorrência de “situações nas quais fracassam esforços de
incorporação de cidadania” e “projetos de inclusão frustrados” (Schwartzman,
2004).
É possível, contudo, ampliar a perspectiva da discussão sobre exclusão
social para além da formulação de políticas governamentais, centradas
exclusivamente na publicação de normas. Para tanto, voltando atenção para a
dinâmica do processo que gera e alimenta formas de exclusão, a intenção é
apontar no horizonte das possibilidades não só os mecanismos através dos
quais o setor público busca confrontá-la, mas também as formas que a
sociedade organizada tem buscado pra reiterar esses esforços. A literatura
elege como “canais clássicos” de acesso a cidadania os mecanismos de
representação político-partidária, a atividade sindical e, principalmente as
práticas associativas voluntárias, este último um dos temas centrais deste
artigo.
Para Schwartzman (2004), o associativismo constitui o
“microfundamento da democracia”. O referido autor ainda atenta para o
pensamento de Cohen e Rogers (1995), defensores da democracia
participativa que “vêem o associatismo contemporâneo como uma forma de
adequar e revitalizar a democracia tocquevilliana”. 3 A proliferação de
associações poderia, em tese, ser comparada a um “antídoto para a
oligarquização do poder”. Além de compensar uma possível fragmentação de
demandas sociais, cuja contribuição potencial de grupos de interesses comuns

3
“A obra de Alexis de Toqcqueville (1979), A Democracia na América é considerada um clássico da
análise do papel da Sociedade Civil Organizada e do processo de formação das associações civis.
Segundo o autor, associações têm importância singular no processo de fortalecimento da Sociedade Civil,
uma vez que elas rompem com o individualismo, não só presente nas sociedades democráticas, mas
também originário destas formas de governo. Na explicação do autor, as sociedades aristocráticas
baseavam-se na permanência, durante séculos, das gerações em suas posições sociais. Os indivíduos eram
ligados por seus vínculos familiares que os tornavam equivalentes entre si. Já nas sociedades
democráticas, houve um rompimento dessa lógica. As famílias mudam de face, de espaço social, de
acordo com o passar de gerações. O tempo rompe com os vínculos sociais, com a hereditariedade das
posições políticas e sociais, fazendo com que os precedentes de uma geração e os que seguirão não
interfiram na realidade dos que vivem o presente” (VIANA, 2003)
714

residiria, sobretudo, na disseminação de informações, fomentam possibilidades


de educação popular não formal, estimulam “uma alternativa de governança
que envolveria os cidadãos na condução das atividades públicas” e, no caso
brasileiro especificamente, também amenizaria a gritante percepção de que
uma má distribuição de renda possui reflexos no âmbito do judiciário,
ocasionando por diversas vezes uma má distribuição dos direitos e igualdades.
Sem dúvida “crescem as pressões pela participação da sociedade civil
na regulação da vida coletiva” e “emerge um espaço plural onde os direitos de
participação ou comunicação política são enfatizados, sede de relações entre
atores com identidades, valores, representações e interesses divergentes e
conflitantes” (Horoschwski, 2003). Não é possível, então, dissociar o processo
democrático ao fortalecimento da sociedade civil e da esfera pública não-
estatal, traduzida no aparecimento de uma extensa rede de organizações
ligadas ou não à movimentos sociais e com tendência expansionista. Pelo
pensamento de De Giorgi (1998), encontra-se “obsoleta” a representação que
distingue a sociedade civil, como o “universo das necessidades” e Estado,
como o “lugar da centralização das decisões”. É assim que emerge a discussão
sobre a importância do terceiro setor, onde a sociedade organizada passa a
exercer co-responsabilidade pela proteção, defesa e construção efetiva de
direitos.
Portanto, tem-se observado que a sociedade organizada pode contribuir
significativamente na redução do “déficit democrático” (Leite & Ayala, 2004), no
que diz respeito ao acesso à justiça ambiental, participação popular nos
processos de licenciamento, e implementação de políticas públicas ambientais.
Como bem define Leff (2002), “isto implica em uma nova ética e uma cultura
política que irão legitimando os direitos culturais e ambientais dos povos,
constituindo novos atores e gerando movimentos sociais pela reapropriação da
natureza”. E Aguiar (2002) complementa esta idéia com as seguintes palavras:
“para tratarmos juridicamente dos problemas do meio ambiente, é preciso (...)
assumir o entendimento segundo o qual o direito se manifesta plural nas
sociedades, isso sem negar que existe um ordenamento hegemônico estatal,
mas ele não é a absoluta fonte de direito”. Esta afirmação faz pensar que a
questão ambiental não somente pelo viés do cumprimento de normas, mas se
estende à construção de novos direitos e novos sujeitos.
715

3 O PAPEL DOS PARECERES TÉCNICOS TRANSDISCIPLINARES NO


DIREITO AMBIENTAL
Quando se busca aprofundar o debate sobre a crise ambiental global,
questionam-se os modelos de produção e difusão de todo conhecimento
acerca do mundo natural e do mundo construído pelos homens (as ciências
jurídicas incluídas neste). A maior parte do conhecimento científico acumulado
até hoje é fruto da disciplinaridade, modelo que vêm sendo aplicado e
aperfeiçoado desde o surgimento das primeiras ciências modernas, e que
culminou no modo de vida da sociedade industrial, com base no conhecimento
técnico especializado, através da organização das ciências em áreas de
conhecimento compartimentalizadas.
Leff (2006, p.191) coloca muito bem os conflitos ambientais no centro de
um processo de ressignificação e reorientação do desenvolvimento humano,
envolvendo uma mudança de paradigmas em busca da sustentabilidade
ecológica, em detrimento do pensamento determinista e da racionalidade
científico-instrumental baseada na fragmentação do conhecimento. A visão de
mundo fragmentada provocou o ocultamento de muitos aspectos relevantes do
mesmo, em especial as relações que existem naturalmente entre as diversas
áreas do conhecimento, e tudo o que delas decorre.
No caso do direito ambiental, que envolve conhecimentos jurídicos
somados aos conhecimentos das ciências ambientais, para estabelecer os
parâmetros de ocupação do solo, uso dos recursos naturais e elaboração de
políticas públicas nesta matéria, torna-se fundamental a responsabilidade dos
respectivos operadores para que conheçam e discutam os valores ecológicos
destes bens. Da mesma forma, para os contribuem com as informações
técnicas relativas ao meio ambiente, não é razoável ignorar o valor econômico
e social do seu objeto de estudo, nem tampouco os referidos parâmetros
normativos e políticos.
Morin (2002, p.91) enfatiza que a complexidade das relações de causa e
efeito não pode ser detectada pela racionalidade cartesiana e mecânica, uma
vez que esta reduz os fenômenos às suas partes ou etapas, devidamente
segregadas pelo método científico. A questão ganha força sob o argumento de
que os próprios técnicos ou cientistas passariam a perceber a necessidade de
716

incorporar uma visão mais ampla das disciplinas tradicionais, para atingirem
resultados mais eficientes.
Morato Leite & Ayala (2004, p.117) defendem a transdisciplinaridade no
Direito Ambiental como uma alternativa para a organização jurídica do futuro,
pois, diante dos efeitos negativos do desenvolvimento econômico e
tecnológico, percebe-se a impossibilidade de atingir uma compreensão integral
ou suficiente de conflitos tão complexos, que envolvem as escolhas que a
sociedade precisa fazer, relativas a problemas para os quais a perspectiva
disciplinar não encontra soluções satisfatórias.
Vale lembrar que quando se trata de ações judiciais relacionadas a
danos ambientais a instrução torna-se delicada, pois envolve comprovação de
lesão atrelada a dados técnicos, muitas vezes dotados de margem de erro ou
de incertezas científicas, e pode haver uma dificuldade em se apontar o nexo
causal quando os danos ambientais se perdem em complexidades ou dúvidas
técnicas, além de implicações espaço-temporais, do que decorre alguma
insegurança para o julgamento adequado (Leite, 2000).
O parecer técnico requisitado pelo juiz no processo, sendo então
denominado laudo pericial, tem como finalidade apurar as circunstâncias
relativas a fatos sobre os quais o magistrado não é capaz de emitir opinião
técnica, com vistas ao esclarecimento da verdade. Sobre a perícia judicial
Almeida et. al., (2000 pp. 41-42) esclarece: “O laudo se destina, em última
análise, à leitura de juízes e advogados, desconhecedores da matéria
ambiental” e continua “O laudo deve ser o mais abrangente possível dentro do
objeto da perícia, e para ser eficaz tem que ser bem fundamentado, em face
dos fatos observados, pesquisas, informações, princípios e normas
pertinentes”.
Para Lazzarini (2005), a perícia ambiental é dotada de relevante
interesse social, dando suporte ao Poder Judiciário, possuindo natureza
complexa que exige a prática multidisciplinar de profissionais qualificados, e
havendo necessidade de estudos dos aspectos jurídicos, técnicos e
metodológicos envolvidos. Araújo (1998) ainda enfatiza que a função de perito
judicial exige a soma dos conhecimentos específicos da atividade pericial a
conhecimentos básicos do processo de jurisdição civil.
717

4 PARTICIPAÇÃO DAS ENTIDADES AMBIENTALISTAS NA PRODUÇÃO


DE PARECERES AMBIENTAIS
A ocupação de espaços de participação surge como oportunidade para
que as entidades ambientalistas e associações de moradores incrementem a
própria cidadania pelo reconhecimento, criação e utilização de canais e
instrumentos disponíveis. Manifestando-se através destas práticas sociais, as
organizações têm muito a contribuir para a qualidade de vida da coletividade,
tanto no sentido pedagógico, como na concretização da tutela do meio
ambiente. Em especial, os últimos anos propiciaram uma maior
institucionalização do terceiro setor como neste sentido, mas ainda nota-se a
falta de capacidade técnica para uma melhor participação na dinâmica de
condução das políticas públicas na área ambiental.
Uma grande parcela das entidades do terceiro setor no Brasil ainda tem
como características a intermitência de suas ações, dependendo do trabalho
de voluntários, muitas vezes sem profissionais especializados, além de outras
deficiências que dificultam uma atuação mais expressiva, dada a magnitude
das demandas soció-ambientais não atendidas pelo Estado. Pelo fato de serem
instituições sem fins lucrativos, o problema de captação de recursos é um dos
maiores desafios que se apresentam a manutenção destas entidades, bem
como sua aplicação eficiente. Dados apresentados pela Comunidade Solidária
(Ferrarezi, 2001) apontavam que o terceiro setor no Brasil movimentava um
volume de recursos significativamente menor do que a média internacional, em
relação percentual ao PIB, a saber: 1,5% contra 4,7%. Esses números tendem
a ser distorcidos, por falta de confiabilidade nas fontes ou registros de
movimentação financeira, mas mesmo assim demonstram existir possibilidades
de avanço na movimentação de recursos como um todo.
Segundo Yoffe (2005), as organizações da sociedade civil “precisam de
recursos tanto para ser efetivas quanto para ser sustentáveis. A existência, ou
não, desses recursos expressa o enraizamento dessas organizações na
sociedade, manifestando o grau de articulação que as organizações mantém
com o seu entorno” e continua “Quando uma organização consegue obter uma
fonte de financiamento, produz-se um fenômeno de validação social e
legitimação de sua causa. Por isso, quando a concepção da ação é reduzida
unicamente a um de seus aspectos – a obtenção do dinheiro – ela trai sua
718

razão de ser”. Há autores que desenvolvem diversas soluções para esta


questão financeira com destaque para o financiamento público disponível,
como no caso do Fundo Nacional de Meio Ambiente (FNMA - criado pela lei
7.797/89) e também do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos (FDDA – criado
pelo art. 13 da Lei da Ação Civil Pública, 7.347/85).
Seja pelo trabalho de voluntários, seja através de profissionais
contratados (o que garantiria uma participação mais constante e consistente), o
fato é que os Pareceres Técnicos são mais uma arma que as organizações
podem utilizar na tutela do meio ambiente, sabendo que muitas batalhas são
perdidas pelo argumento da incerteza. Isto significa a possibilidade de impedir
aquela degradação do meio ambiente que se aproveita do
desconhecimento dos danos, utilizando em especial o princípio da
precaução: Basta que os pareceres comprovem o risco! Para tanto é
fundamental que não se perca de vista a transdisciplinaridade e a visão
sistêmica da complexidade ambiental, articulando conflitos pontuais com o seu
entorno e contexto social, inclusive com a perspectiva de usos futuros dos
recursos naturais, em respeito às futuras gerações como rege o Art. 225 da
Constituição Federal de 1988.

5 CONCLUSÕES
A crise ambiental em que se encontra a humanidade está diretamente
relacionada com a crise da racionalidade cartesiana que dominou a ciência de
forma geral até o presente momento, e a transdisciplinaridade aparece cada
vez mais como uma das soluções possíveis para os problemas complexos que
envolvem esta crise, exigindo mais do que o diálogo, uma associação e soma
de conhecimentos.
O direito ambiental é, certamente, um dos ramos jurídicos que mais se
identifica com esta constatação na medida em o meio ambiente é um sistema
complexo onde se verifica aquela interdependência dos conhecimentos,
técnicos e jurídicos, desde a formulação das normas até sua aplicação e
solução de conflitos.
Muitos são os segmentos da sociedade que têm interessa na utilização
do espaço natural e dos recursos naturais. As organizações, associações e
outros tipos de entidades ambientalistas têm ganhado força no papel de
719

fiscalizar e concretizar a aplicação das normas ambientais, como se verifica na


sua participação em audiências públicas e também na legitimidade ativa para
ajuizar Ação Civil Pública.
Quando se trata de conflitos, é notável a necessidade de obter-se o
conhecimento técnico ou científico dos fatos, onde se verifica então a
possibilidade de produção de pareceres por parte das entidades ambientalistas
(terceiro setor), com vistas a fornecer conhecimentos necessários à tomada de
decisão, seja no âmbito administrativo, seja pela via judicial, promovendo a
transdisciplinaridade jurídico-ambiental, ao mesmo tempo em que consolida a
cidadania.
Por fim, constata-se que para uma participação mais efetiva do terceiro
setor na produção de pareceres, ainda falta alguma maturidade social que
permita-lhes capacidade de organização e mobilização, o desenvolvimento dos
meios para obtenção de recursos, e acesso aos profissionais que possam
realmente colaborar com estes conhecimentos transdisciplinares .
Identificar essas estratégias, bem como sua instrumentalização,
possibilitará uma atuação mais expressiva da sociedade organizada que se
apresente apta a debater publicamente pontos de vista conflitantes na área
ambiental. Com este exercício torna-se possível finalmente concretizar
algumas normas ambientais brasileiras, e com isso ganham o meio ambiente e
a coletividade.

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722

UMA PROPOSTA CRÍTICO-REFLEXIVA FRENTE À CRISE GLOBAL


AMBIENTAL E ECONÔMICA

LARISSA LAUDA BURMANN 1


PAOLA MARDINI LOPES 2

RESUMO: o presente artigo objetiva explanar uma visão critica reflexiva da realidade de
questões relacionadas ao meio ambiente e a economia - a crise ambiental e a crise econômica
– bem como, as conseqüências daquelas sobre a vida do nosso planeta, quais tem gerado
sérias preocupações, tendo em vista que o progresso econômico sob perspectiva ecológica
está sujeito aos condicionamentos e limites impostos pelas leis da natureza. Vale dizer que
existe ou já existiu uma determinada suportabilidade de recursos naturais para realização do
processo/progresso econômico, entretanto, as vidas dos ecossistemas estão ameaçadas. Não
está mais havendo equidade entre as condições econômicas e ambientais, ou seja, a natureza
não responde mais de forma sustentável às exigências da economia. Primordial redefinir os
conceitos de progresso e desenvolvimento sob a égide de qualidade de vida sustentável.
Palavras-chave: Consumo. Globalização. Meio ambiente.

1 INTRODUÇÃO
Este estudo tem como objetivo geral demonstrar um desenvolvimento
em fase embrionária e percepção da problemática crise global ambiental e
econômica, identificando a necessidade de desenvolvimento de novos modelos
de compreensão do meio ambiente sustentável, para se resgatar um meio
ambiente sadio.
Ao se falar do confronto da relação entre homem e natureza, realça-se a
noção de uma economia da (in) sustentabilidade. Uma análise multidimensional
sobre esta relação ou globalização x natureza, consumo x natureza e etc., nos
remete a idéia de dar ênfase ao compromisso com a preservação do meio

1
Autora. Graduada em Direito pelo Centro Universitário Franciscano. Especialista em Direito Contratual
e Responsabilidade Civil. Advogada e professora universitária das disciplinas de Direito de Família e
Sucessões na Universidade Luterana do Brasil. Mestranda em Direito Ambiental pela Universidade de
Caxias do Sul. Pesquisadora do CNPq. Grupo de Pesquisa: Direito, Meio ambiente e Desenvolvimento.
2
Co-autora. Graduada em Direito pela Universidade Luterana do Brasil. Especialista em Direito
Ambiental e Agrário. Advogada.
723

ambiente. Assim como o homem integra a natureza, os efeitos da economia, da


globalização não podem ser verificados de forma dissociada daquela,
entretanto, não é o que tem ocorrido nas sociedades contemporâneas, visto o
desejo pelo desenvolvimento econômico, a natureza tem sido percebida como
uma fornecedora de recursos inexaurível. Entretanto, nem todos os recursos
naturais são renováveis, a natureza possui limites, assim como a vida humana
e por mais que possamos nos questionar acerca dos problemas ambientais,
estes não podem ser respondidos de forma conclusiva haja vista a
imprevisibilidade e incertezas científicas e tecnológicas associadas aos
problemas sociais.
Tanto como a globalização levanta a bandeira do mundo sem fronteiras,
os problemas ambientais, igualmente, não “respeitam” fronteiras nacionais. As
mudanças ambientais globais ameaçam nossa existência e não há como
dissociar a perda de ecossistemas das sobrecargas econômicas causados pela
degradação ambiental.

2 NECESSIDADE DE NOVA PERCEPÇÃO FRENTE Á CRISE GLOBAL


AMBIENTAL E ECONÔMICA
Hoje a natureza é apresentada como um paradoxo conflituoso em nosso
mundo, pois no mesmo momento que serve como fonte de bem estar,
igualmente, serve como base de produção e reprodução econômica,
inexistindo um denominador comum entre ambos e sim um sistema inclusão e
exclusão, ou seja, ambas não coexistem, levando-se em consideração a atual
necessidade humana de expansão produtiva.
Embora a crise econômico-financeira atual motive preocupação, as
crises ocasionadas pela reação da natureza – denominada crise ambiental 3 -
aumentam na mesma freqüência, sendo que suas conseqüências por muitas
vezes são irreversíveis, ao contrário daquela, como podemos observar com a
recente tragédia ocorrida em Santa Catarina ou mesmo a de Nova Orleans.
Lembre-se que para haver economia, primeiramente necessitamos ter

3
A crise ambiental apresenta-se a nós como um limite real que ressignifica e reorienta o curso da história:
limite de crescimento econômico e populacional; limite dos desequilíbrios ecológicos e das capacidades
de sustentação de vida; limite de pobreza e da desigualdade social [...] (LEFF, 2002, p.191)
724

recursos, ou seja, matéria prima e energia e como bem observamos, ambos


originam-se da natureza e por assim ser, o suprimento é finito 4. Dessa forma,
não há como separar a crise econômica da ambiental.
O professor José Rubens Morato Leite (2004, p. 205-246), indaga que
há muita invisibilidade e imprevisibilidade nas questões ambientais, pois nem
sempre se sabe quais serão as conseqüências e a extensão de um dano
ambiental, enfatizando que a crise ambiental é incontestável e é a
conseqüência da sociedade de risco 5 na qual se vive.
Nesse sentido, a crise ambiental tem por bases anseios de
indeterminações e constantes mutações, quais por muitas vezes não são
vislumbradas pelo homem, ou seja, ele apenas sofre as conseqüências
ocasionadas por suas atitudes, substituindo, assim, seu questionamento ou
mesmo reflexão por idéias absolutas e práticas sobre seu eu e a natureza,
agindo como uma máquina de consumo.
Jacobs (2007, p 455) ao comentar as novas teorias da modernidade,
descreve três tendências socioeconômicas que a alicerçam: “globalização e a
emergência da economia “movida pelo conhecimento”, a “individualização e a
ascensão da “reflexibilidade”; e o crescimento da desigualdade” A primeira ele
classifica como sendo uma tendência que está intimamente relacionada ao
“saber” que gera o poder econômico; a segunda tendência relacionada ao
“homem máquina”, na qual a relações estabelecidas entre as pessoas são
práticas e instrumentais, adquirindo sentimento de autonomia em relação ao
que podem ou não fazer; e a terceira tendência, que está implicitamente

4
Como refere Leonardo Boff , “há sinais inequívocos de que a Terra não agüenta mais esta sistemática
exploração de seus recursos e a ofensa continuada da dignidade de seus filhos e filhas, os seres humanos,
excluídos e condenados, aos milhões, ao morrer de fome” [...] “A mãe Terra é um ser vivo que vibra,
sente, intui, trabalha, engendra e alimenta a todos os seus filhos e filhas” (BOFF, 2008)
5
No sentido de uma teoria social e de um diagnóstico de cultura, o conceito de sociedade de risco designa
um estágio da modernidade em que começam a tomar corpo as ameaças produzidas até então no caminho
da sociedade industrial. (BECK, 1997, p.17).
No mesmo sentido, “Ainda que Beck não se detenha em definições detalhadas do que se entende por
risco, com este conceito ele abrange os ecológicos, químicos, nucleares e genéticos, produzidos
industrialmente, externalizados economicamente, individualizados juridicamente, legitimados
cientificamente e minimizados politicamente (BECK, 1992). Eles podem trazer conseqüências
incontroláveis, sem limites espaciais, temporais ou sociais, apresentando, assim, sérios desafios às
instituições dedicadas a seu controle. Em síntese, trata-se de riscos com efeitos globais, invisíveis e, às
vezes, irreversíveis” (GUIVANT, 1998, p. 20)
725

relacionada às demais, refere-se às desigualdades apresentadas entre regiões,


em face da internacionalização da economia.
A discussão mundial se restringe a seguinte questão: que correções
importam fazer para manter as bases fortes do capitalismo e regular os
mercados? Quanto podemos ganhar com o menor investimento e no lapso
temporal mais curto? Muito bem, mas isso tudo tem um preço ou a natureza
financia? Sim, estamos na era dos financiamentos, créditos facilitados e com
longo prazo para quitação, porém, o débito vem sendo pago com vidas. A crise
é terminal e não possui sequência cíclica. O credor é cruel!
Nossas futuras gerações sofrerão conseqüências da atitude capitalista?
Estas questões, com certeza não integra o discurso dos principais atores
econômicos mundiais. Nas sociedades contemporâneas já se percebe a
instauração de um processo de fungibilidade do homem, ou seja, este está se
tornando objeto de consumo “em face de uma potencialização cada vez maior
de transformação da condição humana em condição inumana” (BITTAR, 2005,
p.338 – 339) derivado de um jogo de interesses materiais imposto por estas
socidades – hoje também conhecidas como de hiperconsumo 6 – e aceitas pelo
homem.
Nesse sentido:

As sociedades modernas vêm passando por um período de


rápida mudança social e econômica – devido a globalização,
ao desenvolvimento de tecnologias, da informação, ao
individualismo crescente na sociedade, às cresentes
desigualdades, e assim por diante (JACOBS, 2007, p. 443 e
444).

6
A sociedade do hiperconsumo é o império narcíseo da amplificação do “self”. As necessidades pela
eterna jovialidade presente nas propagandas publicitárias de diversos meios midiáticos sugerem que a
felicidade somente é possível quando se é jovem e, portanto, deverá ser vivida a exaustão com a “total
liberdade possível”. Novamente, o tempo é o agora, ou seja, “não deixe de fazer agora o que você só
poderá fazer agora”! A vida cotidiana luta contra o relógio e a excelente performance física se postulam
como uma outra face da escravidão pelo imaterial consumista. Nesta batalha pela supremacia do “self”, o
“outro” deverá vir a se constituir no encontro frenético do próprio espelho moldado pelo “eu”. E esse
“outro” somente terá interesse se for constituído pelo próprio “eu”. Quando o “eu” não é previamente
reconhecido no semblante alheio, o “outro” é esvaziado e descartado. Portanto, é urgente a necessidade
imperiosa e angustiada do “par perfeito”, o descarte da rapidez dos “refugos” transitórios e a permanente
busca pelo “elemento encantado” que brotará e fertilizará a felicidade por toda a longa curtíssima
existência. (MENEZES, 2008)
726

Vale ressaltar outro fato que vem ocorrendo e merece destaque que é a
manipulação da atenção da população global – propulsionada por uma mídia
medíocre comandada por líderes políticos/chefes de Estado – apenas para
aspectos econômicos da crise atual, ou melhor, para o fantasma da recessão e
da queda no consumo, ansiado pelo capitalismo incutido pela globalização 7
que nada mais originou senão um estreito relacionamento de dependência
entre os Estados e econômia estrangeira, em um sistema de fluxo/ refluxo de
capital, em que se pode verificar uma subordinação da ordem política-social
interna à internacional.
No âmbito de uma economia transnacionalizada, as relações entre os
problemas internos de cada país vão sendo progressivamente invertidas, de tal
forma que os primeiros já não são mais apenas parte dos segundos; pelo
contrário, os problemas internacionais não só passam a estar acioma dos
problemas nacionais, como tambeém a condicioná-los (FARIA, 1999, p. 32)
Quem dita as ordens não é mais o Estado, a economia interna, e sim um
mercado sem fronteiras quem levanta a bandeira do consumo exacerbado, da
livre circulação de capital, com consequências imprevisíveis e incalculáveis
para o planeta. Os Estados, com seu poder de soberania infraquecido, são
apenas “marionetes” utilizadas pelas grandes potências mundias que
exercerem os seus objetivos de expansão econômica. Entretanto, as bases de
fundamentação da soberania não deixarão de ser lembradas e revividas na pós
modernidade, pelo simples fato de uma ordem cronológica: modernidade/pós
modernidade 8, qual não foi estabelecida por ninguém.

7
O termo ”globalização da economia mundial” tem sido utilizado para contextualizar uma multiplicidade
de fenômenos que,sobretudo a partir da década de 1970, estariam configurando uma redefinição nas
relações internacionais em diferentes áreas da vida social, como a economia, as finanças, a tecnologia, as
comunicações, a cultura, a religião etc. Em termos organizacionais, de acordo com as escolas de
administração norte-americanas, o qualificativo global significaria que os grandes grupos empresariais
multinacionais deveriam aproveitar as oportunidades surgidas com a liberalização e a desregulamentação
das economias nacionais; para tanto, seria necessária a reformulação de suas estratégias internacionais a
partir de uma reorganização produtiva e comercial de suas organizações. (CATTANI, 1997)
8
Pós-modernidade é a condição sócio-cultural e estética do capitalismo contemporâneo, também
denominado pós-industrial ou financeiro. O uso do termo se tornou corrente, embora haja controvérsias
quanto ao seu significado e pertinência. Tais controvérsias possivelmente resultem da dificuldade de se
examinarem processos em curso com suficiente distanciamento e, principalmente, de se perceber com
clareza os limites ou os sinais de ruptura nesses processos. Segundo um dos pioneiros no emprego do
termo, o francês François Lyotard, a "condição pós-moderna" caracteriza-se pelo fim das metanarrativas.
Os grandes esquemas explicativos teriam caído em descrédito e não haveria mais "garantias", posto que
727

A globalização que possui apenas mera perspectiva econômica, é a


potencialização mundial das instabilidades de mercado necessária para a
construção de status favorável à hegemonia econômica por parte dos líderes
do mercado (de acordo com a lógica neoliberal). Esta globalização é a mera
exacerbação da lógica moderna (individualista, capitalista, liberal) imposta ao
mundo. (BITTAR, 2005, p. 334)
Com efeito, a globalização possui uma essência muita mais econômica
do que cultural, social e etc., pois do contrário, as consequências do mundo
globalizado – genocídidos, iminências de guerras e etc - enfrentadas hoje pela
população seriam totalmente diferentes. Logicamente não há qualquer
integração cultural e sim uma integração de interesses econômicos e políticos,
quais impõem como garantia de sucesso e satisfação humana – a
sobreposição do capital sobre o físico.
Sem dúvida, os sentidos da globalização religiosa, cultural, educacional,
cultural etc. estão sendo negligenciados em face de um outro sentido oculto a
todos os demais, a saber, a globalização como processo de expansão de
mercados consumidores [...] Acentua-se o fato de que a globalização ganha um
acentuado sentido financeiro (de acordo com a lógica do neoliberal), e muito
menos cultural, na ênfase dada à mercantilização, à difusão de merecadorias,
à propagação de métodos comerciais e de integração financeira e comercial, à
difusão de técnicas de facilitação de trânsito de mercadorias...dentro da própria
lógica de maximização de lucros e vendas. (BITTAR, 2005, p. 332)
Portanto, o que nos é apresentado é senão a soberania da ciência, da
tecnologia e do consumo e não mais dos Estados, face os benfícios que ambos

mesmo a "ciência" já não poderia ser considerada como a fonte da verdade. Para o crítico marxista norte-
americano Fredric Jameson, a Pós-Modernidade é a "lógica cultural do capitalismo tardio",
correspondente à terceira fase do capitalismo, conforme o esquema proposto por Ernest Mandel. Outros
autores preferem evitar o termo. O sociólogo polonês Zygmunt Bauman, um dos principais
popularizadores do termo Pós-Modernidade no sentido de forma póstuma da modernidade, atualmente
prefere usar a expressão "modernidade líquida" - uma realidade ambígua, multiforme, na qual, como na
clássica expressão marxiana, tudo o que é sólido se desmancha no ar. O filósofo francês Gilles
Lipovetsky prefere o termo "hipermodernidade", por considerar não ter havido de fato uma ruptura com
os tempos modernos - como o prefixo "pós" dá a entender. Segundo Lipovetsky, os tempos atuais são
"modernos", com uma exarcebação de certas características das sociedades modernas, tais como o
individualismo, o consumismo, a ética hedonista, a fragmentação do tempo e do espaço. Já o filósofo
alemão Jürgen Habermas relaciona o conceito de Pós-Modernidade a tendências políticas e culturais
neoconservadoras, determinadas a combater os ideais iluministas. Disponível em
http://pt.wikipedia.org/wiki/P%C3%B3s-modernismo. Acesso em 10 jan. 2009
728

demonstram e, assim, se infiltram na ilusão da mente humana manipulada e


estimulada pela globalização, pelo consumo como forma de satisfação de
desejos humanos.
Com efeito, a medida que aumenta o poder ilimitado do mercado,
valores e princípios éticos resurgem em meio aos conflitos que se equivalem a
um dualisamo:

[...] de um lado, assite-se ao enfraquecimento do poder da


democracia sobre si própria, do outro, ao coroamento da
vontade da sociedade e dos indivíduos de responsabilizar-se
pelas regras que fundamentem suas ações [...] A sociedade
hiperindividualista não se reduz ao culto obsessivo dos
prazeres privados, é também aquela em que cabe ao indivíduo
determinar-se quanto ao que deve fazer, inventando regras de
sua própria conduta (LIPOVETSKY, 2007, p.359)

De nada valem argumentações, teorias, normas e etc, se o homem -


cidadão do mundo globalizado - não tiver presente em sua consciência e atitute
o fato de que no planeta a natureza sobrevive sem a presença da espécie
humana, porém, o mesmo não ocorre de forma contrária.
Edgar Morin (1995, p. 184-5), através de uma advertência em sua obra
“Terra-pátria ”, sustenta, perfeitamente, a idéia de que o homem integra e
jamais irá conseguir dominar a natureza, ou melhor, sobreviver sem ela:
Dominar a natureza? O homem é ainda incapaz de controlar a sua
própria natureza, cuja loucura o impele a dominar a natureza perdendo o
domínio de si mesmo. Dominar o mundo? Mas ele é apenas um micróbio no
gigantesco e enigmático cosmos. Dominar a vida? Mas mesmo se pudesse um
dia fabricar uma bactéria, seria como copista que reproduz uma organização
que jamais foi capaz de imaginar. E acaso ele saberia criar uma andorinha, um
búfalo, uma otária, uma orquídea? O Homem pode massacrar bactérias aos
milhares, mas isso não impede que bactérias resistentes se multipliquem. Pode
aniquilar vírus, mas está desarmado diante de vírus novos que zombam dele,
que se transformam, que se renovam...Mesmo no que concerne às bactérias e
aos vírus, ele deve e deverá negociar com a vida e com a natureza.
729

Observada a crise ambiental e ecômica na modernidade ou na pós


modernidade 9 – este fato fica a critério de cada um – apresentado está o
homem “ objeto de consumo” ou “ objeto de seus desejos” que prefere o lucro
à sua própria vida, que prefere seu bem estar individual ao bem geral de toda a
comunidade de vida, que prefere aparecer como uma vítima de seu egoísmo
do que um ser solidário e íntegro.
A natureza como objeto do homem, seu consumo – muitas vezes
realizados e satisfeitos através de produtos – abstrai uma enorme variedade de
recursos extraídos, servindos os referidos como feitches a serem saciados
pela mente e pelo ego guloso humano.
Sob uma ótica mais “ progressista”, Lipovetsky (2007, p. 334) afirma
que o homem já foi considerado vítima do consumo:

[...]agora está no banco dos réus e é designado como um


sujeito a ser informado e educado, investido que está de uma
missão de primeiríssimo plano: salvar o planeta, mudando
seus gestos de todos os dias e “consumindo de maneira
durável.

Realmente este egoísmo e o sentimento pelo individualismo


estabelecidos no mundo permitem a destradicionalização e novamente
reafirma-se que a globalização possui essência muito mais econômica do que
cultural. Lipovetsky com bastante propriedade atribui estas ansias como
busca humana de felicidade, como um ideal a ser alcançado no mundo
capitalista, embora sendo paradoxal, pois de um lado vislumbra-se como
condição para a realizaçãos dos desejos individuais através do mercado de
consumo e de outro estão os obstáculos que se contrapõem esse desejo.
A ideologia do capitalismo de consumo constitui uma figura tardia de fé
otimista na conquista de felicidade pela técnica e a profusão dos bens
materiais. Simplesmente, a felicidade não é mais pensada como futuro
9
Portanto pode-se dizer que a pós- modernidade vem acompanhada pelo processo de expansão dominial
do capitalismo, este é um fato inegável, destacando-se sobretudo a partir de 1973 um aumento gradativo
da participação dos Estados na dependência econômica estrangeira (...) mas a galope vêm consequências
deste íntimo e nefasto relacionamento, que mais acentua os gravames sociais e perpetua a dimensão dos
conflitos sociais existentes”[...] “A transição do Estado nacional ( Estado de direito europeu moderno
ocidental) em direção a um Estado pós nacional, num mundo globalizado de francas transformações pós-
modernas, importa na análise dos próprios elementos formadores do Estado, quais sejam, território (1),
povo (2), soberania (3) e governo autônomo (4)”. (BITTAR, 2005, p. 320, 343-4)
730

maravilhoso, mas como presente radiante, gozo imediato sempre renovado


(BITTAR, 2005,p.335)
E assim caminha a humanidade, quanto maior a internacionalização da
economia, maior é a desigualdade e disparidade em áreas estratégicas dos
grandes líderes e atores econômicos do mundo como bem podemos observar
10
nas disparidades entre oriente e ocidente 11.
Neste sentido, “os incapazes de participar do grande circuito social [...]
experimentam uma espécie de ‘exclusão ambiental’. Infelizmente, esse
também parece ser um dos aspectos da nova modernidade” (JACOBS, 2007,
p. 457). As desigualdades sociais, políticas e econômicas são claras nas
favelas, nas áreas de degradação ambiental, nos benefícios coletivos, na
violência social e etc., são fatores inspiram nos pessoas uma busca
sobrevivência e aí resurge novamente o egoísmo e o individualismo
fundamentos sob valores descartáveis e é assim que “ a crescente
desigualdade social se manifesta na desigualdade ambiental” (JACOBS, 2007,
p. 457)
Mundo sem fronteiras? Pois bem, a degradação ambiental e seus efeitos
– como a poluição, efeito estufa, descongelamento de geleiras – não
encontram fronteiras, são efeitos e consequências globais em natureza,
mesmo sendo percebidas certas disparidades por alguns momentos. Por
exemplo, se medirmos e o indicie do grau de poluição retirado do local em que
uma fábrica está instalada e compararmos ao indíce de poluição em uma
casa localizada no campo, com certeza verificaremos diferenças, entretanto, os

10
“[...] a iniquidade da distribuição da riqueza mundial se agravou nas duas últimas décadas: 54 dos 84
países menos desenvolvidos viram o seu PNB per capita decrescer nos anos 80; em 14 deles a diminuição
rondou os 35%; segundo as estimativas das Nações Unidas, cerca de 1 bilhão e meio de pessoas (1/4 da
população mundial) vivem na pobreza absoluta, ou seja, com um rendimento inferior a um dólar por dia e
outros 2 bilhões vivem apenas com o dobro desse rendimento. Segundo o Relatório do Desenvolvimento
do Banco Mundial de 1995, o conjunto dos países pobres, onde vivem 85,2% da população mundial,
detém apenas 21,5% do rendimento mundial, enquanto o conjunto dos países ricos, com 14,8% da
população mundial, detém 78,5% do rendiemento mundial”. (SANTOS, 2002, p. 33-4)
11
Sobre as divergências apresentadas entre o mundo oriental e ocidental no mundo pós moderno,
constata-se prevalência em relação aos motivos de integração: “ enquanto os afluxos dos valores que
medram no cenário das relações internacionais continuar situado no âmbito das diferenças, certamente, as
oposições serão maiores que os motivos de integração, o que trará a desagregação, a discriminação, a
exploração, entre outros fatores de exclusão” (BITTAR, 2005, p.350)
731

efeitos da poluição largada no meio ambiente, serão recebidos pela população


mundial.
Como podemos observar as questões ambientais estão intimamente
ligadas à sociedade contemporânea, ou melhor, uma sociedade de consumo
que se representa na globalização que nada mais está senão integrada por
“questões” que permitem a degradação ambiental. A sucitada sociedade de
consumo aumenta da mesma forma que aumenta o desenvolvimento
tecnológico/ científico que por sua vez implicam no aumentos dos riscos
ambientais. Com efeito, o pensamento coletivo da luta por um meio ambiente
saudável e sustentável materializa-se através de medidas contedoras de riscos
e de degradação, sendo muitas postas em agendas políticas em empresariais,
entretanto, ineficazes perante a ambiação humana.
O meio ambiente e a globalização estão ligados em um sentido mais
forte. A nova economia global aumentou simultaneamente o alcance e a
extensão da degradação ambiental; e começou a desenvolver respostas para
ela (JACOBS, 2007, p. 448)
A globalização e as crises enfrentadas hoje importam em questões
altamente complexas, quais colocam em confronto: ciência, tecnologia,
consumo e meio ambinte e a mente humana, restando imperioso a interação
de certezas com incertezas, eis a problemática instaurada pelo pensamento
metafísico e a racionalidade científica, como bem observa LEFF (2002, p. 192)

Se o que caracteriza o homem é esta ambivalência entre o ser e o


pensar, a questão da complecidade não se reduz ao reflexo de uma realidade
complexa. A complexificação do mundo é o encontro do ser, em via de
complexificação, com a construção de pensamento complexo. Isto implica
repensar toda a história do mundo a partir da cisão entre o ser e o ente, do
“erro platônico” que ofereceu fundamentos falsos à civilização ocidental: que
engendrou a ciência moderna como dominação da natureza; que produziu a
economização do mundo e implantou a lei globalizadora e totalizadora do
mercado.
732

De onde viemos e para onde vamos? – perquirição filosófica utilizada


pelo doutrinador Édis Milaré (2001) - explanando que não há resposta
permanente sobre a questão ambiental neste momento, visto que o planeta
Terra e a raça humana encontram-se em um estágio de evolução impreciso, do
qual há razoáveis informações retrospectivas sobre o caminho percorrido e
com meras hipóteses de prospectivas sobre um futuro ambíguo e de horizonte
curtíssimo. Se para onde devemos ir não se configura numa exatidão, mais
prático e fácil é sabermos para não devemos nos dirigir.

3 CONCLUSÃO
É bem verdade que nunca consumimos tanto, nunca tivemos tanto
acesso ao ter. Passamos por aprovoções diárias na ansia pelo encontro da
felicidade que não mais se encontra exclusivamente no consumo e sim no
poder, na conquita. Com certeza, mais cedo ou mais tarde isso tudo terá um
fim e um novo repensar será imprencíndivel à luz das consequências oriundas
de prazer = consumo para que novos conceitos de felicidade ou gozo de uma
boa vida orientem a humanidade. Assim, podemos partir da idéia de que
reduzindo a necessidade de satisfação dos desejos de consumo, reduz-se
também a necessidade de dinheiro para adquiri-los, o que casa perfeitamente
com uma distribuição mais eqüitativa da riqueza.
Trata-se sem mais nem menos de articular um novo padrão de produção
e de consumo com uma repartição mais equânime dos benefícios naturais e
tecnológicos, respeitando a capacidade de suporte de cada ecosistema, do
conjunto do sistema-Terra, buscando-se uma vida harmonioza com base na
instauração de um processo de re-introdução do homem à natureza, debate já
bastante desenvolvido pelos Ambientalistas, uma vez que o homem é a
Natureza, como explanada pelo renomado François Ost (2005) .
Deveria se ter como regra a visão de que a crise ambiental é uma
oportunidade da humanidade parar, pensar e perceber onde se cometeram
erros, como evitá-los e que rumos novos devemos conjuntamente construir
para sair da crise, preservando a natureza e projetando um horizonte de
733

esperança, promissor para toda a comunidade de vida. Afinal, somos os seres


racionais que integram a natureza 12.
Não podemos esperar apenas atitudes da coletividade para conter
impactos ou as degradações, mas ter a consciência de que cada um de nós é
responsável pelo “todo” e que atitudes individuais – em prol do meio ambiente
– são tão essenciais quanto as coletivas.
Com efeito, não nos cabe supor que o mercado, a economia, a
tecnologia e a globalização sejam vistas como questões estáticas e isoladas,
considerando que suas expansões não são capazes de solucionar os
problemas da insustentabilidade da produção e do consumo, convencionados
pelas sociedades contemporâneas. Nosso grande desafio é promover uma
economia da sustentável a partir de meios eficazes, capazes de integrar
princípios ecológicos com os princípios econômicos prevalecentes.
Uma mudança no desejo de satisfação humana para atender suas
necessidades – hoje oriundas dos efeitos da globalização – deve ocorrer de
forma a que não prejudiquem mais o planeta. Deve haver uma nova
perspectiva gerida pela possibilidade de quebra do consenso pró econômico
que circula entre os discursos construídos em torno da questão da crise
ambiental.
Certo ou não, afinal, integramos uma sociedade incerta, com futuro
incerto, primordial agirmos "pró-Terra", equilibrando a satisfação de nossas
necessidades de consumo com aquelas que podem ser necessários para a
vida da família global. Evolução ou retificação em nossas atitudes devem
contrabalancearem com sentido ético de responsabilidade compartilhada
humanitária e de ecossistemas em escala local e global, sendo que aqui a
vítima não será a natureza e sim a mente humana.

12
A concepção de sistemas vivos como redes fornece uma nova perspectiva sobre as chamadas
hierarquias da natureza. Desde os sistemas vivos, em todos os níveis, são redes, devemos visualizar a teia
da vida como sistemas vivos (redes) interagindo à maneira de rede com outros sistemas (redes). Por
exemplo, podemos descrever esquematicamente um ecossistema como uma rede com alguns nodos. Cada
nodo representa um organismo, o que significa que cada nodo, quando amplificado, aparece, ele mesmo
como uma rede. Cada nodo na nova rede pode representar um órgão, o qual, por sua vez, aparecerá como
uma rede quando amplificado, e assim por diante. (CAPRA, 2001,p 44-45)
734

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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GUIVANT, Julia. A trajetória das análises de risco: da periferia ao centro da


teoria social. Revista de Informações Bibliográficas – ANPOCS, n. 46, 1998

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LEFF, Enrique. Episteomologia ambiental. Trad. de Sandra Valenzuela. 2. ed.


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LEITE, José Rubens Morato;. BELLO FILHO, Ney de Barros (org.). Direito
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LIPOVETSKY, Gilles. A felicidade paradoxal São Paulo: Ed. Schwarcz


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Disponível em http://panspermia.blogs.sapo.pt/tag/sociedade. Acesso em 10
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735

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2. ed. rev at. – São Paulo: RT, 2001

MORIN, Edgar & Kern, Anne Brigitte. Terra-pátria. Trad. Paulo Azevedo Neves
da Silva, Porto Alegre: Sulina, 1995

OST, François.O tempo do direito. Bauru: Edusc, 2005

SANTOS, Boaventura de Souza (Org.). A globalização e as ciências sociais.


São Paulo: Cortez, 2002.
736

O DIREITO FUNDAMENTAL AO SANEAMENTO BÁSICO COMO


CONDIÇÃO PARA CIDADE SUSTENTÁVEL E A REPARTIÇÃO DE
COMPETÊNCIAS LEGISLATIVAS E ADMINISTRATIVAS

LUCIANA COSTA DA FONSECA 1

1 INTRODUÇÃO
O acesso ao saneamento básico é essencial para a construção das
cidades sustentáveis. Especificamente a ausência de saneamento básico é
apontada como o fator de maior impacto na qualidade de vida da população. O
IBGE divulgou, em maio de 2005, o primeiro levantamento ambiental, em nível
de Municípios, a Pesquisa de Informações Básicas Municipais – MUNIC,
realizada em parceria com o Ministério do Meio Ambiente, em 2002. 2 A
pesquisa revela que, dentre os problemas de degradação ambiental, a falta de
saneamento básico é o que mais afeta a qualidade de vida das pessoas, no
maior percentual de Municípios, 46%. A notícia não causa nenhuma surpresa,
mas inacreditável é a informação de que nove dos 33 Municípios com mais de
500 mil habitantes informaram não ter alterações ambientais afetando a
população: Belém, Campo Grande, Cuiabá, Curitiba, Guarulhos e Porto Alegre.
O saneamento ambiental refere-se ao saneamento do meio,
considerando-o como um todo integrado, compreendendo atividades que
considerem as especificidades do ambiente a ser saneado 3. Muito embora
parte da ciência jurídica se refira ao saneamento ambiental como um sinônimo
de saneamento básico, esse entendimento não considera a composição

1
Mestre e Doutora em Direito das Relações Sociais, Sub-área Direitos Difusos e Coletivos – pela PUC/SP. Especialista em Direito
Sanitário pela Faculdade de Direito e pela Faculdade de Saúde Pública da USP. Professora do Programa de Mestrado em Direito e
do Programa de Mestrado em Meio Ambiente Desenvolvimento Urbano da Universidade da Amazônia - UNAMA.
2
Todas as informações constantes da pesquisa estão divulgadas no site do IBGE, www.ibge.gov.br. Acesso em 15 de maio de 2005.
3
Na pesquisa Direito Fundamental ao Saneamento Básico na Região Metropolitana de Belém, desenvolvida na Universidade da
Amazônia-UNAMA, com o financiamento da FIDESA, analisaremos os aspectos jurídicos referentes ao desenvolvimento das
políticas públicas de saneamento básico na Região Metropolitana de Belém e o cumprimento da legislação ambiental, urbanística e
sanitária pertinente e a atuação Ministério Público Estadual e do Poder Judiciário do Estado do Pará.
737

atribuída a cada um dos conceitos técnicos advindos da engenharia sanitária,


nem ao conceito jurídico atribuído pela legislação específica sobre o tema.
O saneamento básico é também saneamento ambiental, mas o
saneamento ambiental não é apenas o saneamento básico. No quadro a
seguir, é possível observar as medidas necessárias para implementação do
saneamento ambiental e do saneamento básico, onde fica clara a distinção:

2.1.1 SANEAMENTO BÁSICO 2.1.2 SANEAMENTO AMBIENTAL


Abastecimento de água Saneamento Básico (todas as
medidas de saneamento básico)
Tratamento da água Saneamento dos corpos
hídricos (medidas de combate à
poluição das águas)
Coleta de esgoto e Saneamento do solo
tratamento do esgoto (medidas de combate à poluição do
solo)
Coleta e adequada Saneamento do ar (medidas
disposição dos resíduos sólidos de combate à poluição do ar)
Drenagem urbana Saneamento do meio artificial
(medidas de mitigação dos
problemas do meio urbano)

O saneamento ambiental envolve o saneamento básico e todas as


ações necessárias para sanear o meio em que o homem está inserido,
devendo ser executadas segundo um planejamento que considere o meio de
forma integral, uma vez que as medidas relacionam-se, refletindo umas nas
outras, de forma que a inexistência ou insucesso de algumas compromete a
eficácia das demais.
A divergência sobre as medidas consideradas como integrantes do
saneamento básico se dão não só no âmbito técnico da engenharia sanitária,
mas também no âmbito da própria conceituação jurídica do termo. A
Constituição Federal dispõe sobre as ações de saneamento básico, mas não
desce à minudência de discriminar as medidas que o compõem. É a legislação
738

infraconstitucional que, constantemente, faz referência às atividades que


compõem os serviços designados sob a expressão saneamento básico, como
define a Lei 11. 445/2007, que dispõe sobre a Política Nacional de Saneamento
Básico.
O saneamento básico é um instrumento de concretização da saúde
pública, em virtude da repercussão direta na prevenção e controle das DRSAI -
Doenças Relacionadas ao Saneamento Ambiental Inadequado. Assim como, é
fator de promoção da qualidade ambiental, destacando-se o impacto nos
recursos hídricos, no solo e meio ambiente urbano como um todo. Dessa forma
merece tratamento especial na Política de Desenvolvimento Urbano executada
pelos Municípios ( art. 182 da CF).
As políticas públicas devem ser devolvidas conforme a repartição de
competências legislativas e Administrativa prevista na Constituição Federal.

2 O SANEAMENTO BÁSICO E AS CIDADES SUSTENTÁVEIS 4


O cidadão brasileiro habita na zona rural ou urbana. São meios distintos
que merecem condutas, projetos e legislações que respeitem suas
diversidades. A qualidade do ambiente depende do seu equilíbrio como um
todo, espaço urbano e rural, uma vez que o dano ambiental produz reflexos no
meio ambiente, sem respeitar divisões entre zonas e sequer fronteiras entre
países.
O Brasil chegou ao século XX com uma população de 169,6 milhões de
pessoas, sendo que 81,25% dessa população vive no espaço urbano, em um
meio ambiente extremamente alterado pelo homem e por isso chamado de
artificial ou complexo. Mas o que é o espaço urbano e de que forma se
organiza é uma pergunta que deve considerar a diversidade econômica, social,
cultural e a origem de cada agrupamento humano.
O espaço urbano está intimamente relacionado ao conceito de cidade
que, mesmo diante de todas as peculiaridades possíveis, desenvolveram-se no
mundo segundo alguns padrões, dentre os quais destacam-se: a proximidade
das bacias hidrográficas; e, segundo fatores históricos determinantes, como a
Revolução Industrial e a Revolução tecnológica.

4
FONSECA. Luciana Costa da. Tese de Doutorado “O Direito Fundamental ao Saneamento Básico”
defendida em junho de 2006 na Pontifícia Universidade de São Paulo.
739

A definição de cidade pode ser oferecida segundo critérios históricos,


geográficos ou sociais. Segundo a definição sob o critério histórico, as cidades
surgiram desde o III milênio a.C. na Suméria 5 e, àquela época, cidade era um
Estado constituído por um núcleo urbano e o território que o cercava, onde a
população se organizava política e economicamente. As cidades gregas
chamadas polis, surgidas a partir dos séculos XII ou XI a.C. são consideradas
as cidades por excelência, constituídas em torno de um ponto fortificado;
atingiram seu ápice sob o regime oligárquico e, posteriormente, a democracia
que, alcançava somente determinada parcela da população, chamada de
cidadãos.
Sob o critério geográfico cidade é:

complexo demográfico, social e econômico que se traduz no


plano espacial por uma concentração de população dedicada
exclusivamente (ou quase) às atividades industriais e,
sobretudo, terciárias (comerciais e de serviços) e de
equipamentos destinados à moradia, trabalho e circulação
(habitações, edifícios, ruas, etc.) 6

O critério sociológico destaca as distinções entre as cidades; as


metrópoles, que são grandes cidades com fatores identificadores de
desenvolvimento superiores às das cidades e, das megalópoles, que são
identificadas como uma grande aglomeração populacional polinuclear,
constituída pela reunião articulada de áreas metropolitanas cujos limites se
interpenetram, redistribuindo as atribuições urbanas num território muito mais
extenso. 7
É a Lei Municipal que estabelece os limites da zona rural e urbana, até
porque, a cidade se desenvolve e a organização espacial se altera
necessitando de adequações periódicas. A legislação brasileira não define um
conceito de espaço urbano, mas o Código Tributário Nacional estabelece
alguns requisitos mínimos para que seja assim considerado, quando disciplina
acerca do IPTU (Imposto Territorial e Predial Urbano). Segundo o art. 32,

5
Suméria era a parte meridional da Mesopotâmia antiga, onde floresceu, durante o IV e o II milênios a.C.
uma das mais importantes civilizações da antiguidade. Algumas de suas Cidades-estados, como Erech,
Uruk, Kish, Nipur e Ur, foram grandes centros políticos e comerciais, possuindo, inclusive, canais de
irrigação. Grande Enciclopédia Larousse Cultural. Vol. 22. São Paulo. Ed. Nova Cultural Ltda., 1998.
6
Grande Enciclopédia Larousse Cultural. Vol. 6. São Paulo. Ed. Nova Cultural, 1998, pág. 1401.
7
Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 2ª edição. Rio de Janeiro. Ed. Nova Fronteira, pág.
1111.
740

parágrafo 1º, do CTN, entende-se como zona urbana, aquela definida em Lei
Municipal, observados os requisitos mínimos da existência de melhoramentos,
indicados em pelo menos dois dos requisitos indicados, construídos ou
mantidos pelo poder público.
O meio ambiente urbano, disciplinado, principalmente pelo art. 225, da
CF, consagra do direito ao meio ambiente equilibrado e essencial à sadia
qualidade de vida, e pelos arts. 182 e 183, que dispõem acerca da política
urbana.
O meio ambiente onde habitam 81,25% da população brasileira é o
espaço urbano. Portanto, proporcionar a sadia qualidade de vida para as
presentes e futuras gerações, através do desenvolvimento sustentável,
significa implementar uma cidade sustentável: uma cidade capaz de se
desenvolver organizadamente, de forma a atender a sua população em suas
necessidades básicas, através dos 8.514.876,599 km2, sem esgotar os
recursos para tanto.
As cidades têm crescido de forma desordenada, tomando o meio
ambiente natural rapidamente como uma “mancha urbana” 8 que se desenvolve
segundo interesses distintos dos interesses e objetivos ambientais. 9 Fatores
como loteamentos clandestinos e invasões em áreas de mananciais, além dos
riscos concernentes à segurança e à saúde da população, comumente
apresentam um prejuízo ambiental em função do incremento da poluição dos
recursos hídricos, assoreamentos, etc.; e, geram uma considerável elevação
nos custos das obras de saneamento básico.
A ausência de saneamento básico nas cidades acarreta graves danos à
saúde pública, meio ambiente e organização da cidade como um todo, além de
riscos referentes à segurança pública, gerados pela ineficiência ou ausência de
drenagem urbana e infra-estrutura para o desenvolvimento. As desejadas

8
A expressão “mancha urbana” é utilizada pelos profissionais do setor como uma referência aos mapas
acerca da urbanização nas cidades que identificam as áreas urbanizadas no espaço territorial,
demonstrando o seu desenvolvimento. Nas cidades de maior desenvolvimento, quando comparados os
mapas atuais com mapas de 5 a 10 anos anteriores, verifica-se o avanço da mancha identificadora do
espaço urbanizado. A movimentação da mancha urbana no Estado de São Paulo é algo de impressionante
e, extremamente preocupante. Especificamente acerca da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê, a
movimentação da mancha urbana aproxima-se rapidamente de toda a sua extensão.
9
Marcelo Lopes de Souza desenvolveu uma profunda pesquisa acerca da problemática socioespacial das
metrópoles brasileiras, em especial, nas cidades do Rio de Janeiro, São Paulo, Recife e Curitiba,
abordando diversos problemas sociais, além da questão ambiental. O Desafio Metropolitano. Rio de
Janeiro. Ed. Bertrand Brasil, 2000.
741

cidades sustentáveis pretendem proporcionar qualidade de vida a seus


habitantes e para isso devem oferecer acesso ao saneamento básico.
A noção de cidades sustentáveis pode ser construída a partir da Agenda
Habitat, os princípios de política urbana, ambiental e sanitária previstos na
Constituição Federal e as diretrizes firmadas na Lei nº 10.257, Estatuto da
Cidade, como o direito a uma cidade que proporcione o acesso à terra urbana,
à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte,
aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer para todos os que habitam, assim
como para as futuras gerações de forma eqüitativa. 10

3 A COMPETÊNCIA LEGISLATIVA E ADMINSITRATIVA PARA TRATAR DO


SANEAMENTO AMBIENTAL
A competência exclusiva é atribuída a apenas uma entidade, com
exclusão das demais. Assim ocorre no Art. 21, da Constituição Federal, que
relaciona as matérias que são de competência exclusiva da União, isto é,
aquelas que não são passíveis de delegação para outros entes da Federação.
Dentre elas destacam-se duas competências determinantes para
regulamentação do saneamento básico.

a) Competência para instituir o sistema nacional de gerenciamento


de recursos hídricos e critérios de outorga do direito de uso (Art. 21, XIX)
No exercício dessa competência, através da Lei nº 9.433/97, de 8 de
janeiro de 1997, a União estabeleceu a Política Nacional de Recursos Hídricos
e criou o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos com os
seguintes órgãos de âmbito Federal: a) O Conselho Nacional de Recursos
Hídricos dos Estados e do Distrito Federal; b) os Comitês de Bacia
Hidrográfica; e, c) as Agências de Água. A participação da sociedade civil foi
amplamente assegurada nos Comitês da Bacia Hidrográfica e na Agência de
Águas, criada pela Lei nº 9.984/2000, com a finalidade de implementar a
Política Nacional de Recursos Hídricos.

10
Sobre o tema ver Simone Wolff. O Direito a Cidades Sustentáveis: Breve Análise da Lei 10.257/2001.
In: Fórum de Direito Urbano e Ambiental. Editora Fórum. Ano 3, nº 13, jan./fev. 2004. pág. 1.354.
742

b) Competência para instituir diretrizes para o desenvolvimento


urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos
(Art. 21, XX)
A União é competente para instituir as diretrizes para o saneamento
básico. Entretanto, é importante delimitar a noção de diretriz para aferir o
alcance dessa competência constitucional.
Isso não significa que a União pode exaurir o tema disciplinando
questões específicas, que não se incluem na noção de diretrizes, o que poderia
interferir na competência concorrente para legislar sobre proteção e defesa da
saúde (Art. 24, XII), por exemplo, que reserva aos Estados a competência para
suplementar as normas gerais fixadas pela União acerca do tema, assim como
aos Municípios (Art. 30, II).
No exercício dessa competência a Lei Federal nº 11.445/2007 instituiu a
Política Nacional de Saneamento (PLANASA).
A Constituição Federal atribuiu aos Municípios, competência para
organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os
serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem
caráter essencial ( art. 30, V, da CF).
A doutrina e a jurisprudência têm afirmado que o serviço público de
saneamento básico está inserido na competência do Art. 30, inciso V, da CF,
uma vez que se refere a um serviço predominantemente de interesse local.
Ressalta-se, ainda, a competência constitucional dos Municípios para prestar o
serviço público de saneamento básico, refere-se à operacionalidade do serviço,
posto que, a definição das diretrizes do setor faz parte da competência
exclusiva da União (Art. 21, XX), regulamentada através da Lei nº 11.445/2007.
O Art. 24 da Constituição Federal estabelece as competências
legislativas concorrentes da União, dos Estados e do Distrito Federal. O § 1º do
mesmo artigo formula um pequeno esclarecimento acerca do assunto quando
estabelece que, no âmbito da legislação concorrente, a União limitar-se-á a
estabelecer normas gerais. Assim, a competência dos Estados é para editar as
normas particulares.
743

Dentre as matérias do Art. 24 referentes ao saneamento básico,


destaca-se a competência pra legislar concorrentemente sobre as seguintes
competências:

a) Inciso VII− sobre florestas, caça, pesca, fauna,


conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos
minerais, proteção do meio ambiente e controle da
poluição
b) Responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao
consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético,
histórico, turístico e paisagístico

As normas gerais sobre responsabilidade por danos ambientais estão


previstas em diversas Leis Federais como a própria Lei nº 6.938/81 – Política
Nacional de Meio Ambiente, Código de Caça, Pesca e Código Florestal. Deve-
se aqui fazer destaque à Lei de Crimes Ambientais, Lei nº 9.605/98, que
estabelece as sanções penais e administrativas relativas a atividades lesivas
ao meio ambiente; e; a Lei de Ação Civil Pública, Lei nº 7.347/85.

c) Inciso XII – Competência sobre previdência social, proteção e defesa da


saúde
No exercício dessa competência constitucional, deve-se apontar as leis
de proteção e defesa da Saúde, Leis nº 8.080/90 e nº 8.142/90, que
estabelecem as normas gerais acerca da Saúde Pública, no Brasil. Ressalta-se
que Estados e Municípios podem criar a sua regulamentação especifica.
O Artigo 23, da CF, estabelece as matérias cuja competência é comum a
todos os entes da Federação, referentes ao saneamento básico: Competência
para cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das
pessoas portadoras de deficiência (Art. 23, I); competência comum para
proteção do meio ambiente e do combate à poluição em todas as suas formas
(Art. 23, VI); competência para promover programas de construção de
moradias e melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico (Art.
23, IX).
Muito acertadamente, a Constituição Federal atribuiu a responsabilidade
pela promoção da saúde, moradia, melhoria das condições habitacionais e
saneamento básico a todos os entes da Federação. Dessa forma, eles podem
744

desenvolver programas de implementação das políticas relativas a essas


demandas.
Observa-se que a União possui a competência exclusiva para instituir os
Planos Nacionais de Moradia e Saneamento Básico, entretanto, todos os entes
da Federação possuem competência para promover programas de melhoria
das condições habitacionais e de saneamento básico. Os programas devem
ser implementados respeitando o rol das demais competências constitucionais,
como por exemplo, a competência municipal para prestação do serviço publico
de saneamento básico.
Acerca da competência comum, vale a conclusão feita por Marçal Justen
Filho, sobre a comunhão de interesses e autonomia de cada ente da
Federação:
As diversas ordens são co-titulares dos diversos interesses, ainda que
se possa reconhecer a uma delas a privatividade no exercício de determinadas
competências. Ainda quando exista uma competência privativa para um
determinado ente federado, deverá dita competência ser exercitada de modo a
assegurar a realização dos interesses conjuntos a todos os demais entes
federados. 11

3.1 AS REGIÕES METROPOLITANAS


O saneamento básico nas metrópoles, assim como diversas outras
medidas, requer uma articulação integrada por todos os Municípios e Estados
envolvidos, e essa realidade foi retratada no Art. 25, § 3º, da CF, que concede
aos Estados a competência para criar, através de Lei Complementar Estadual,
regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas
por agrupamentos de Municípios limítrofes, para integrar a organização, o
planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum.
O referido Artigo Constitucional é claro ao estipular a necessidade de
integração de competências e atuação coordenadas entre os entes Federados.
Existe polêmica doutrinária sobre a titularidade da prestação do saneamento
básico quando o Município faz parte de uma Região Metropolitana.

11
Marçal Justen Filho. Parecer fornecido à Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental, acerca da
conformidade jurídica do anteprojeto de lei da Política Nacional de Saneamento Básico, disponível no site
do Ministério das Cidades www.cidades.gov.br. Acesso em 4 de junho de 2005.
745

Uma vez criada a região metropolitana pela Lei Complementar, a


autonomia dos Municípios fica condicionada ao planejamento integrado das
funções públicas específicas.
No mesmo sentido, afirma Alaôr Caffé Alves:

A autonomia dos Municípios destas regiões já não é vista


exatamente como a dos municípios isolados. Pode-se dizer,
então, que a autonomia dos municípios ‘se quebra’ nesse
caso, pelo menos no que se refere às funções públicas de
interesse comum, como é o caso do saneamento básico,
transportes metropolitanos, do controle ambiental, dos
recursos hídricos, etc. 12

Deve-se aqui ressaltar que, a distinta perspectiva da autonomia


municipal, no que se refere ao planejamento integrado de determinadas
funções, em nada compromete ou altera a repartição de competências
constitucionais, uma vez que os Municípios continuam sendo os titulares dos
serviços públicos, mas eles serão executados segundo um planejamento
conjunto dos Municípios da região, assim como deverão atender ao estipulado
nos Planos Nacionais e Regionais de Recursos Hídricos, quando for o caso,
em prol da maior eficiência para todos.
Na prática, a questão não é nada simples. Não obstante a racionalidade
da implementação de medidas integradas, inclusive através do planejamento
das regiões metropolitanas, um dos instrumentos da política urbana (Art. 4º, II,
da Lei nº 10.257/2001), cada um dos Municípios possui seu próprio Plano
Diretor, a respectiva disciplina do Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo
Urbano (Art. 30, VIII, da CF), Zoneamento Ambiental, Plano Plurianual, Lei de
Diretrizes Orçamentárias e orçamentos anuais. Compor todas essas
especificidades é uma tarefa de grande habilidade técnica e política.

Especificamente, acerca da captação da água e despejo do esgoto, é


necessário a adequação do planejamento, tanto das regiões metropolitanas,
quanto dos Municípios isolados ao disposto na Política Nacional de Recursos
Hídricos, Lei nº 9.433/97, no Art. 31, que determina que na implantação da
Política Nacional de Recursos Hídricos, o Distrito Federal e os Municípios

12
O meio ambiente urbano e a proteção ambiental. A questão metropolitana. In: Fórum de
Direito Urbano e Ambiental. Ano 1, n. 2, pág 107.
746

promoverão a integração das políticas locais de saneamento básico, de uso,


ocupação e conservação do solo, e de meio ambiente, com as políticas Federal
e Estadual, de Recursos Hídricos.
Em estudo sobre o tema, Alaôr Caffé Alves ressalta a
imprescindibilidade da formação de um Conselho de Desenvolvimento
metropolitano, constituído por uma entidade intergovernamental, de caráter
administrativo, estabelecendo a relação entre Municípios e Estados e, quanto à
questão do saneamento básico, nas regiões metropolitanas de São Paulo,
sugere:
Os Municípios deverão participar, portanto, dos
conselhos de desenvolvimento, aos quais se
vincularia a Companhia de Saneamento Básico de
São Paulo-Sabesp, resolvendo questões referentes
a planos, programas, investimentos, prioridades,
devendo tudo ser decidido em conjunto com os
municípios metropolitanos e não simplesmente pelo
estado isoladamente. É interessante porque as
bases devem participar de forma decisiva e
decisória, ou seja, devem ter condições de prover
os seus destinos em conjunto, estando todos
reunidos numa discussão constante e contínua a
respeito das funções públicas. 13

4 CONCLUSÃO
O Direito ao Saneamento Básico tem natureza de direito fundamental
prestacional, na medida em que deve ser concretizado através de políticas
públicas.
O saneamento básico deve ser executado e regulamentado de forma a
atender aos princípios de direito ambiental, em especial os princípios da
prevenção, da precaução e do desenvolvimento sustentável, considerando o
impacto causado, não só em virtude da ausência de saneamento básico, mas
também em virtude da própria implantação do mesmo.
A Constituição Federal disciplinou o saneamento básico de forma a
possibilitar a sua execução integrada aos princípios, programas e ações de
saúde e princípios e ações de proteção ambiental.

13
Op. Cit., pág. 108.
747

As políticas públicas de saneamento básico devem ser desenvolvidas


pelos três entes federais, segundo a repartição das competência legislativas e
administrativas referentes ao setor.
Concluímos que a competência para prestação do serviço público de
saneamento básico é dos Municípios e, aos Estados, e à União, cabem a
elaboração e execução de programas para o setor. O Saneamento Básico
pode ser prestado diretamente pelo poder público ou por particulares, através
da concessão, permissão ou parceria público – privada. Em relação às regiões
metropolitanas, a titularidade da competência para prestação do serviço é
ampliada para incluir os Estados, mas os Municípios continuam titulares do
serviço.

BIBLIOGRAFIA

ALVES, Alaôr Caffé. Meio ambiente urbano e a proteção ambiental. A questão


metropolitana. In: Fórum de Direito Urbano e Ambiental. Ano 1, n. 2.

JUSTEN FILHO, Maçal. Parecer fornecido à Secretaria Nacional de


Saneamento Ambiental, acerca da conformidade jurídica do anteprojeto de lei
da Política Nacional de Saneamento Básico, disponível no site do Ministério
das Cidades www.cidades.gov.br.

FONSECA, Luciana Costa da. Tese de Doutorado “O Direito Fundamental ao


Saneamento Básico” defendida em junho de 2006 na Pontifícia Universidade
de São Paulo.

Grande Enciclopédia Larousse Cultural. Vol. 6. São Paulo. Ed. Nova Cultural,
1998

SOUZA, Marcelo Lopes. O Desafio Metropolitano. Rio de Janeiro. Ed. Bertrand


Brasil, 2000.

WOLF, Simone. O Direito a Cidades Sustentáveis: Breve Análise da Lei


10.257/2001. In: Fórum de Direito Urbano e Ambiental. Editora Fórum. Ano 3,
nº 13, jan./fev. 2004. pág. 1.354.
748

NUTRIGENÔMICA:
Efeitos do Ácido Fólico e Vitamina B12 nas Frequências de Micronúcleos em
Células da Medula Óssea de Camundongos Expostos a Ação Genotóxica

LUCIANA FARIAS MEZZOMO 1


VALQUÍRIA MACHADO CARDOSO 2

1 INTRODUÇÃO
A espécie humana tem atravessado sua evolução sendo exposta a uma
infinidade de genotóxicos pela ingestão de alimentos e bebidas (contaminantes
naturais da dieta), pela inalação de fumaças e irradiações diversas do meio
ambiente. A exposição a agentes genotóxicos pode ser natural e ambiental, por
contaminação não específica ocupacional ou por acidentes industriais.
A exposição ocupacional a vários tipos de agentes cancerígenos, como
exposição à radiação ionizante, fertilizantes, praguicidas, fungicidas, herbicidas
e outros produtos químicos, têm contribuído para que esse seja um dos
principais problemas de saúde pública nos países pouco desenvolvidos
(Paumgartten et al., 1998). Populações de centros industriais são expostas
intensivamente a substâncias químicas. Em alguns lugares, na produção de
grãos (trigo, soja), grandes quantidades de agroquímicos (fungicidas,
inseticidas e herbicidas) são utilizadas. Em muitas partes do mundo alguns
processos industriais ainda fazem uso controlado do benzeno ou usam-no em
uma mistura, por exemplo, em gasolina e como solvente adesivo em fábricas
de colagem e de sapato, sendo que a população geral é exposta ao benzeno
das emissões automotrizes.
A região amazônica, onde há extração de ouro, é o alvo do
monitoramento dos níveis de mercúrio na água, terra, atmosfera, alimentos e

1
Mestre em Genética e Toxicologia Aplicada pela Universidade Luterana do Brasil/ULBRA. E-mail:
lucianamezzomo@hotmail.com.
2
Bacharel em Biologia pela Universidade Luterana do Brasil/ULBRA . E-mail:
valquiria.m.cardoso@hotmail.com.
749

nas populações. Cerca de três mil toneladas de mercúrio utilizados nos


garimpos de ouro da Amazônia, ao longo dos últimos 20 anos, foram
despejados na natureza. (Azevedo, 2003). O mercúrio é descartado nas
margens e nos leitos dos rios, no solo, ou é lançado na atmosfera durante o
processo de queima da amálgama. Uma das formas que o mercúrio pode
chegar ao ser humano, é pela contaminação ambiental provocada pelo
descarte inadequado desse metal, intoxicando o homem através da dieta
alimentar, pela ingestão de peixes contaminados (os organismos aquáticos são
os maiores bioconcentradores deste metal). A poluição ambiental é provocada
pelas ações humanas associadas à urbanização, à agricultura e à indústria,
sem observância das normas ambientais. Em conseqüência dessas ações, têm
ocorrido mudanças climáticas, diminuição da camada de ozônio, eutrofização
das águas, extinção de seres vivos de determinadas áreas, além de colocar em
risco a qualidade de vida de todos os seres vivos, causando, também, a
diminuição da biodiversidade e a variabilidade das espécies naturais (AMARAL,
2001).
A poluição aquática está associada com a descarga de efluentes
domésticos, industriais ou agrícolas (MANSON, 1996). Entretanto, algumas
outras formas de poluição surgem a partir de fontes difusas, que ocorrem
quando o poluente não entra no corpo de água a partir de um único ponto. Nas
áreas agrícolas, por exemplo, a lixiviação de águas superficiais e a infiltração
da água intersticial para rios e lagos podem introduzir nutrientes (a partir dos
fertilizantes) e agrotóxicos, em quantidades substanciais (MARTINEZ e
CÓLUS, 2002). O lançamento de efluentes industriais em curso hídrico impõe
significativo risco aos ecossistemas, devido principalmente à sua composição
química, contendo, em alguns casos, toxinas, que pode ser genotóxicas
(VARGAS et al., 2001).
A qualidade do ar atmosférico nos centros urbanos está freqüentemente
comprometida por diversos fatores, implicando diretamente na qualidade de
vida das pessoas que vivem nestas áreas. A emissão de gases pelas
descargas de veículos automotores que liberam para o ambiente, poluentes
como o dióxido de enxofre (SO2), monóxido de carbono (CO), óxido de
750

nitrogênio (NO2), diversos hidrocarbonetos (HC) e material particulado (MP).


Estudos epidemiológicos apontam sistematicamente para o aumento na
freqüência de tumores de pulmão em habitantes das áreas urbanas, sendo a
poluição atmosférica a possível responsável por essa diferença (BATALHA et
al., 1999).
A exposição a agentes genotóxicos em nosso ambiente pode causar
uma variedade de efeitos sobre a saúde humana, dentre eles, a indução de
leucemias, câncer e defeitos congênitos. Danos ao DNA são considerados os
principais eventos causados por agentes genotóxicos, que levam às mudanças
hereditárias e ao desenvolvimento de doenças. Estes danos podem induzir à
morte celular ou a eventos mutacionais e, também, iniciar uma transformação
maligna (MOUSTACCHI, 2000).
Com o aumento de estudos que documentam a existência de
xenobióticos perigosos por todo o mundo, e com o aumento da introdução, no
ambiente, de agentes químicos fabricados pelo homem, a população e as
agências governamentais estão se tornando cada vez mais preocupadas com o
impacto de contaminantes ambientais para as populações humanas. Para
diminuir essas preocupações, as populações expostas estão sendo
monitoradas a fim de determinar se uma exposição pode ou não causar
problemas na saúde. A informação obtida pode ser usada como um aviso
precoce do risco potencial para desenvolver a longo prazo problemas de
saúde.
Nos últimos anos, diversos estudos foram realizados com o objetivo de
avaliar a genotoxicidade de poluentes do meio ambiente. O uso de
biomarcadores em ecotoxicologia pode resolver alguns problemas, como o de
estabelecer os efeitos de compostos químicos existentes no ambiente sobre
organismos individuais, tanto em termos populacionais quanto de
comunidades. Segundo MATSUMOTO e CÓLUS (2000), os métodos
citogenéticos são provavelmente os mais sensíveis e eficientes para a
detecção de efeitos de genotoxicidade. Os testes genotóxicos detectam
mutações, tanto a nível cromossômico quanto a nível gênico.
751

O Teste do Micronúcleo tem se mostrado eficaz na detecção de efeitos


genotóxicos provocados por vários agentes químicos e físicos, podendo ser
utilizado para avaliação das condições ambientais; O Teste do Micronúcleo in
vitro é um método simples para a avaliação de vários tipos de danos
citogenéticos, com aplicação na área de ecotoxicologia, nutrição, avaliação de
risco para o câncer, biomonitoramento de populações humanas, epidemiologia
molecular e como teste para a identificação do potencial genotóxico de novos
produtos farmacêuticos, agroquímicos ou agentes físicos e químicos em geral.
Para avaliação do potencial mutagênico da atmosfera, se faz o Teste de
Micronúcleo em vegetais.
A técnica de micronúcleos com o bloqueio da citocinese celular (CBMN)
detecta quebras cromossômicas e perdas de cromossomos inteiros, e mostrou-
se capaz de detectar aumento nas freqüências de dano de DNA, apresentadas
como micronúcleos (MN), indicando danos no DNA causados principalmente
por clastogênese; pontes nucleoplasmáticas (PN) refletindo o índice de
aneugênese; O Teste de Micronúcleos em eritrócitos policromáticos da medula
óssea de camundongos tem a vantagem de ser mais rápido e econômico do
que a análise de aberrações cromossômicas, este teste é realizado in vivo e é
o teste de genotoxicidade mais utilizado. Ele é amplamente aceito pelas
agências internacionais e instituições governamentais, como parte da bateria
de testes para se estabelecer a avaliação e o registro de novos agentes
químicos e farmacêuticos que entram anualmente no mercado.
O Teste do Micronúcleo já revelou, em todos esses casos de exposição
citados anteriormente, números significativamente mais elevados de
micronúcleos em expostos do que em não expostos a agentes genotóxicos.
Tendo em vista esses estudos e baseado numa nova colocação, feita por
Fenech (2002-b; 2005), onde ele destaca a necessidade da determinação do
estado nutricional quando são realizados estudos dos efeitos genotóxicos em
exposição ocupacional a agentes mutagênicos e carcinogênicos, os conceitos
tradicionais sobre mutagenicidade que focalizavam apenas a interação
genetoxina devem ser ampliados de modo que também seja considerada a
dieta nesta relação (gene-toxinadieta). Este novo conceito propõe que a dieta
752

recomendada deve ser baseada na prevenção da instabilidade genômica e


enfatiza a relevância da concentração de micronutrientes como um importante
modificador, não só das anomalias cromossômicas espontâneas, mas também
de danos ao genoma induzidos por agentes químicos ou radiações. Nos
últimos anos, tem aumentado significativamente o número de publicações
destacando a importância de micronutrientes, principalmente folato e vitamina
B12, na estabilidade do genoma. Poucas alterações nas concentrações
recomendadas foram efetuadas ao longo dos anos. Apenas na década
passada, a necessidade de acido fólico para prevenção de defeitos no tubo
neural foi revista para mais do que o dobro do RDA original (CDC MMWR,
1992).
Esta nova linha de pesquisa é conhecida como Nutrigenômica (a ciência
que explica como os genes interagem com os nutrientes), e atualmente
diversas pesquisas estão sendo realizadas em diferentes países, envolvendo
redes de pesquisadores.

2 OBJETIVOS
Este trabalho tem por objetivo avaliar o papel da dieta suplementada
com os micronutrientes folato e vitamina B12 em relação aos danos
espontâneos que ocorrem no genoma, analisar a resposta à ação de agentes
alquilantes monofuncional metilmetanossulfonato (MMS) e bifuncional,
cisplatina à condição micronutricional, baseadas nas diferentes dietas
propostas, através do teste de micronúcleos em células da medula óssea de
camundongos, e incentivar pesquisadores a buscar na nutrigenômica
alternativas para a prevenção de doenças causadas pela exposição a agentes
genotóxicos.

3 MÉTODOS
Foi avaliado o efeito modulador sobre a ação genotóxica de agentes
alquilantes mono e bifuncionais na freqüência de micronúcleos da medula
óssea de camundongos submetidos a dieta com diversos tipos de rações
(comercial, deficiente e suplementadas com folato e vitamina B12).
753

Entre os micronutrientes, os níveis de folato e vitamina B12 são


considerados importante na manutenção da estabilidade do genoma. O ácido
fólico na sua forma ativa é denominado ácido tetraidrofólico, e é essa forma
ativa que se faz necessária para a síntese de DNA, RNA, metionina, glutamato
e serina. A vitamina B12 é indispensável na espécie humana para a
proliferação dos glóbulos do sangue e para a manutenção da integridade das
células nervosas. A interação do ácido fólico com a vitamina B12 é
indispensável para a proliferação dos glóbulos do sangue. O ácido fólico e a
vitamina B12 têm participação importante na metilação do DNA e na conversão
do uracil em timina (FENECH, 1999; 2001; 2002; 2002a; 2005; FENECH et al.,
1997; 1998; 1999; 2001; 2005; CROTT et al., 2001; 2001a). O ácido fólico é
necessário à síntese de desoxitimidina monofosfato (dTMP) a partir de
desoxiuridina monofosfato (dUMP). Em caso de deficiência de ácido fólico, há
acúmulo de dUMP e como resultado disto, uracil é incorporado ao DNA durante
a replicação em vez de timina.
Existem evidências sugerindo que a incorporação excessiva de uracil ao
DNA pode resultar em mutações de ponto, quebras de cadeias simples e
duplas de DNA, quebras cromossômicas e formação de MN. Mesmo que haja
disponibilidade de folato como doador de grupos metil, a conversão de dUMP
para dTMP fica comprometida quando o teor de vitamina B12 é limitado
(FENECH, 2001a).
Alterações na metilação do DNA desempenham um papel central no
desenvolvimento e na progressão de vários tipos de câncer em humanos,
principalmente por estarem associadas à repressão transcricional de vários
genes que atuam como controladores negativos do crescimento e
desenvolvimento tumoral.
A avaliação dos danos genotóxicos foi realizada em eritrócitos da
medula óssea de camundongos. suíços albinos, com idade entre 8 e 10
semanas, com peso médio de 35 g (machos) e 30 g (fêmeas). Os animais
foram mantidos em gaiolas de propileno, em temperatura ambiente e 52% de
umidade, água ad libitum e expostos a um ciclo de 12 horas escuro e 12 horas
claridade. Cada grupo de tratamento foi composto de 6 camundongos machos
754

e 6 fêmeas. O uso dos dois sexos tem sido recomendado devido à diferença de
sensibilidade entre machos e fêmeas para diferentes tipos de drogas. O
protocolo utilizado foi de acordo com as normas do Comitê de Ética, aprovado
pela Universidade Luterana do Brasil.
As rações preparadas no laboratório estão baseadas numa dieta
normoproteica, ou seja, a 25% de proteína. Foram consideradas as
concentrações padrões de ácido fólico de 0,20 mg/100g e vitamina B12 de
0,003 mg/100g. No caso da ração deficiente, o ácido fólico e a vitamina B12
não foram adicionados e eventuais traços de folato e vitamina B12 foram dados
como contaminantes. A ração comercial utilizada (NUVILAB) apresenta
concentrações de ácido fólico de 1,00 mg/Kg e vitamina B12 de 20µg/Kg.
As composições das diferentes dietas utilizadas no experimento:

4 PREPARO DAS RAÇÕES


- Pesagem dos ingredientes secos
- Mistura dos ingredientes secos até completa homogenização
- Adição do ácido fólico e vitamina B12, nas rações
suplementadas
755

- Adição do óleo de soja e da água em quantidade suficiente para


formação da massa úmida
- Confecção de tabletes
- A ração era disponibilizada diariamente para os animais e
substituida em caso de contaminação.
Os agentes alquilantes mono e bifuncionais utilizados nos experimentos
foram respectivamente, metilmetanossulfonato (MMS, Sigma Aldrich) e a
cisplatina (Incel – Darrow).
As camundongas mães receberam dieta baseada em ração comercial,
durante todo o período gestacional e lactacional. Os filhotes foram
amamentados por 4 semanas. Após desmame foram introduzidos diretamente
aos diferentes tipos de ração e tratados por 6 semanas. Todos os animais
utilizados eram da mesma linhagem e grupo.
Os animais foram separados em grupos de machos e fêmeas e
alimentados com os 4 diferentes tipos de dietas. Após 6 semanas, a toxicidade
às células da medula foram induzidas pelos agentes alquilantes
metilmetanossulfonato = 50 mg/Kg de peso corporal e 25 mg/Kg de peso
corporal, e cisplatina = 7,0 mg/Kg de peso corporal e 3,5 mg/Kg de peso
corporal, administrados via intraperitoneal.
Os animais tratados com as rações deficiente, comercial, suplementada
15 vezes e 30 vezes foram sacrificados por decapitação; pelo soro foi feita a
determinação do nível de folato e vitamina B12, realizada pela metodologia de
imunoensaio quimioluminescente, sendo realizada no Laboratório de
Biomedicina da FEEVALE, e as células da medula dos fêmures de cada animal
foram usadas para a preparação de lâminas. Foram preparadas 2 lâminas por
animal (fêmur direito e esquerdo). O método de coloração das lâminas incluiu a
utilização da solução combinada de corantes May-Grünwald/Giemsa. A análise
foi realizada em microscópio Zeiss, modelo Axiolab, utilizando-se a objetiva de
imersão de 100 vezes. As lâminas foram analisadas por teste-cego. Foram
contados 500 EPCs e ENCs por lâminas, totalizando 1000 por camudongo, as
quais foram utilizadas para determinar a relação EPC/ENC.
756

A relação entre as freqüências EPC/ENC foi usada para estimar a


toxicidade dos produtos utilizados à medula óssea. Foram analisados um total
de 2000 eritrócitos policromáticos (EPC) por camundongo, quanto a presença
ou ausência de MNs. Os resultados foram expressos como média ± desvio
padrão da média (epm) e analisados estatisticamente. Os dados foram
analisados pelo teste não paramétrico de Mann-Whitney. Valores de p < 0,05
foram considerados estatisticamente significativos. Usou-se o pacote SPSS.

5 RESULTADOS
Resultados da determinação de folato e vitamina B12 no soro dos
diferentesgrupos de camundongos, machos e fêmeas, nutridos com diferentes
tipos de ração:
Os animais, machos e fêmeas, nutridos com ração deficiente em folato e
vitamina B12, apresentaram níveis séricos destas vitaminas significativamente
menores do que os encontrados nos grupos que receberam ração comercial,
suplementada 15 vezes e 30 vezes com folato e vitamina B12. Embora os
grupos nutridos com ração deficiente apresentem um nível menor de folato no
soro do que os nutridos com ração comercial, considerados níveis normais,
verificou-se que este nível de folato foi suficiente para a manutenção da
estabilidade do genoma, uma vez que a freqüência de micronúcleos não foi
alterada, sendo da mesma ordem de grandeza do que aquela observada após
tratamento com ração comercial; esses resultados demonstram claramente que
estes animais não podem ser classificados como severamente deficientes.
Comparando os grupos, machos e fêmeas, alimentados com ração
comercial com os grupos suplementados 15 e 30 vezes com folato e vitamina
B12, observa-se que, nestes últimos, os níveis de folato no soro foram
significativamente maiores. No entanto, em relação à vitamina B12, não se
encontra diferenças significativas. Os grupos suplementados 15 e 30 vezes
com folato e vitamina B12 também não mostram diferenças estatisticamente
significantes em relação ao teor de vitamina B12. Estes dados sugerem
claramente que o teor de vitamina B12 encontrado na ração comercial já
contempla o máximo de absorção aproveitável. Os níveis de folato nos grupos
757

de machos suplementados com 15 e 30 vezes com folato e vitamina B12 não


apresentam diferenças significativas, sugerindo que o nível de absorção desta
vitamina já foi estabilizado com suplementação de 15 vezes. Entretanto, entre
as fêmeas o grupo suplementado 15 vezes mostrou um nível inferior de folato
no soro em relação ao grupo suplementado 30 vezes, quando atingiu nível
similar ao encontrado nos machos.
Para os animais nutridos com ração deficiente, o nível de folato no soro
do grupo das fêmeas é significativamente maior do que o encontrado no grupo
dos machos. Entretanto, para os animais submetidos a uma dieta
suplementada 15 vezes com folato, o nível sérico desta vitamina foi
significativamente maior no grupo dos machos. Nos demais grupos, tratados
com os diferentes tipos de dieta, não se encontrou diferenças significativas
quando se comparou machos e fêmeas. Este resultado poder ser explicado
pelas diferentes velocidades do metabolismo do folato entre machos e fêmeas.
Em relação ao conteúdo de vitamina B12 no soro, não se observou
diferenças significativas entre machos e fêmeas alimentados com os diferentes
tipos de ração.
A freqüência de EPCsMN e as porcentagens de EPCs em relação ao
número total de eritrócitos da medula de camundongos submetidos aos
diferentes tipos de dietas e doses de tratamento com MMS (50 mg/Kg de peso
corporal e 25 mg/Kg de peso corporal) e cisplatina (7,0 mg/Kg de peso corporal
e 3,5 mg/Kg de peso corporal):
Os grupos não tratados com MMS e cisplatina alimentados com os
diferentes tipos de dieta não mostraram diferenças significativas em relação à
porcentagem de EPCs e freqüências de micronúcleos espontâneos.
Tanto em fêmeas como em machos, as diferentes dietas (ração
deficiente em folato e vitamina B12, ração comercial e rações suplementadas
com 15 e 30 vezes os níveis normais de folato e vitamina B12) não foram
capazes de alterar as porcentagens de EPCs quando os animais foram
tratados com MMS (50 mg/Kg de peso corporal e 25 mg/Kg de peso corporal) e
cisplatina (7,0 mg/Kg de peso corporal e 3,5 mg/Kg de peso corporal). Estes
dados indicam que os níveis de folato e vitamina B12 nas diferentes
758

concentrações utilizadas não alteram a porcentagem de EPCs, um indicativo


da toxicidade induzida nas células da medula óssea pelos agentes alquilantes
MMS e cisplatina.
Observa-se uma diminuição significativa de micronúcleos em machos
tratados com 25 mg/Kg de peso corporal de MMS e sujeitos a uma dieta
suplementada 30 vezes com folato e vitamina B12, quando comparados com
as freqüências de micronúcleos dos grupos submetidos a uma dieta deficiente
ou a uma dieta com ração comercial. O grupo constituído por machos nutridos
com ração suplementada 15 e 30 vezes com folato e vitamina B12, e tratados
com 3,5 mg/Kg de peso corporal de cisplatina também mostrou uma redução
significativa nas freqüências de micronúcleos em relação às encontradas no
grupo que recebeu ração deficiente e tratados da mesma forma. Entretanto,
quando a comparação é feita em relação à ração comercial, a diferença é
significativa apenas com os animais nutridos com ração suplementada 30
vezes.
Nos grupos constituídos por fêmeas, a suplementação com folato e
vitamina B12 (15 e 30 vezes) não foi capaz de alterar as freqüências de
micronúcleos induzidos por agentes xenobióticos como MMS (50 mg/Kg de
peso corporal e 25 mg/Kg de peso corporal) e cisplatina (7,0 mg/Kg de peso
corporal e 3,5 mg/Kg de peso corporal).
Os resultados obtidos neste trabalho reforçam as informações sobre a
capacidade da dieta suplementada com folato e vitamina B12 ser capaz de
atenuar os danos induzidos por agentes xenobióticos.
No entanto, baseados em outros estudos apresentados, vários aspectos
toxicológicos, incluindo fatores metabólicos, devem ser cuidadosamente
considerados antes da suplementação de folato em ensaios de
quimioprevenção. Além disto, as quantidades seguras e eficientes de folato
necessitam ser cientificamente estabelecidas através de experimentos em
animais e de modelos clínicos.
Apesar da ciência continuar admitindo até hoje muitas das vantagens a
respeito da suplementação e utilização deste micronutriente, recentemente tem
aparecido indicações de advertência para que o uso do folato seja cercado de
759

mais cuidado e sinalizando sobre a necessidade de investigações a respeito


dos danos potenciais resultantes da sua absorção.
Fenech et al. (1997), por exemplo, em seus inúmeros estudos, não só
deixa de

discutir, mas até mesmo de citar os possíveis efeitos deletérios


do folato, descreveram experimentos nos quais suplementam
indivíduos idosos com níveis de folato que poderiam induzir
declínio cognitivo rápido, de acordo com os achados do
“Chicago Health and Aging Project” (ULRICH & POTTER,
2006).

Evidências crescentes também sugerem que o folato desempenha um


papel duplo na carcinogênese, envolvendo a prevenção de lesões iniciais e de
danos, caso as lesões préneoplásicas tenham aparecido anteriormente à
suplementação. Considerando que o risco de ocorrência de câncer aumenta
com a idade, ao suplementar os indivíduos idosos, Fenech et al. (1997)
sugerem que, possivelmente, também estaria aumentando a velocidade de
desenvolvimento de câncer nestes indivíduos, pois alguns já poderiam
apresentar algum foco de neoplasia anterior à suplementação. Mais
recentemente, Fenech (2008) considera que o real desafio é estabelecer doses
individuais de modo que o benefício seja maximizado e qualquer dano
potencial por excesso de suplementação seja eliminado.
Este é, com certeza, um campo com uma vasta possibilidade de novos
estudos e descobertas. Mais recentemente, Fenech (2008) considera que o
real desafio é estabelecer doses individuais de modo que o benefício seja
maximizado e qualquer dano potencial por excesso de suplementação seja
eliminado. Intervenções dietéticas, baseadas no conhecimento do requerimento
nutricional, do estado nutricional e do genótipo (isto é, nutrição individualizada),
podem ser usadas para prevenir, atenuar ou curar doenças crônicas.
Desta forma, continua incerto se os efeitos deletérios do folato superam
em valor os conhecidos e potenciais benefícios. Além das razões descritas
acima, este equilíbrio pode diferir entre indivíduos e populações devido a
características genéticas (polimorfismo do gene da dihidrofolatoredutase) e
pelo estágio da vida em cada pessoa se encontre.
760

6 CONCLUSÕES

6.1 CONCLUSÃO GERAL


Podemos afirmar que o presente estudo reforça as informações
existentes sobre a capacidade da dieta suplementada com folato e vitamina
B12 ser capaz de atenuar os danos induzidos por agentes alquilantes
monofucional (MMS) e bifuncional (cisplatina).

6.2 CONCLUSÕES ESPECÍFICAS


Níveis séricos significativamente menores de folato e vitamina B12
foram encontrados nos animais, machos e fêmeas nutridos com ração
deficiente em folato e vitamina B12 do que os determinados nos grupos que
receberam ração comercial, suplementada 15 vezes e 30 vezes com folato e
vitamina B12.
O grupo de machos suplementados com 15 e 30 vezes de folato e
vitamina B12 não apresenta diferenças significativas nos níveis de folato no
soro, sugerindo que o nível de absorção desta vitamina é estabilizado com a
suplementação de 15 vezes.
Os valores de vitamina B12, determinados no soro de animais
alimentados com ração comercial, não apresentaram alterações significativas
em relação aos animais nutridos com rações suplementadas 15 e 30 vezes,
indicando que a quantidade de vitamina B12 presente na ração comercial já
contempla o máximo de absorção aproveitável.
O nível de folato no soro do grupo das fêmeas é significativamente maior
do que o encontrado no grupo dos machos, quando nutridos com ração
deficiente. Entretanto, para os animais submetidos a uma dieta suplementada
15 vezes com folato, o nível sérico desta vitamina foi significativamente maior
no grupo dos machos. Não se verificou diferenças significativas nos níveis
séricos de vitamina B12 nos grupos de camundongos machos e fêmeas
nutridos com os diferentes tipos de ração.
761

Não se observou efeito citotóxico e nenhuma alteração significativa nas


freqüências de micronúcleos espontâneos nos grupos de camundongos
machos e fêmeas submetidos aos diferentes tipos de rações.
O nível de folato no soro do grupo das fêmeas é significativamente maior
do que o encontrado no grupo dos machos, quando nutridos com ração
deficiente. Entretanto, para os animais submetidos a uma dieta suplementada
15 vezes com folato, o nível sérico desta vitamina foi significativamente maior
no grupo dos machos. Não se verificou diferenças significativas nos níveis
séricos de vitamina B12 nos grupos de camundongos machos e fêmeas
nutridos com os diferentes tipos de ração.
Não se observou efeito citotóxico e nenhuma alteração significativa nas
freqüências de micronúcleos espontâneos nos grupos de camundongos
machos e fêmeas submetidos aos diferentes tipos de rações.
A diminuição significativa da freqüência de micronúcleos no grupo de
camundongos machos tratados com 25 mg/Kg de peso corporal de MMS e
sujeitos a uma dieta suplementada 30 vezes com folato e vitamina B12 em
relação àquela observada nos grupos submetidos a uma dieta deficiente ou a
uma dieta com ração comercial, demonstra claramente a capacidade destes
nutrientes modular o efeito genotóxico provocado pelo agente alquilante
monofuncional MMS.
O efeito atenuador da genotoxicidade (modulador) observado nos
grupos constituído por machos nutridos com ração suplementada 15 e 30
vezes com folato e vitamina B12, e tratados com 3,5 mg/Kg de peso corporal
do agente alquilante bifuncional cisplatina é dependente do tipo de ração que
os animais são nutridos.

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764

A OBRIGATORIEDADE DA AUDIÊNCIA PÚBLICA AMBIENTAL


COMO INSTRUMENTO PARA UMA GESTÃO DEMOCRÁTICA DOS RISCOS
AMBIENTAIS

LUIZA LANDERDAHL CHRISTMANN 1


LUIZ ERNANI BONESSO DE ARAUJO 2

1 INTRODUÇÃO
Vive-se numa sociedade marcada pela existência de riscos mundiais
que interferem no dia-a-dia das comunidades, ainda que as mesmas não
percebam. Nesse contexto, a ciência e as instituições que lhe deram origem
perderam a capacidade de gerir os riscos criados pelas decisões humanas,
adentrando-se numa era de incertezas. A questão ambiental é uma das esferas
dessa realidade, a qual se mostra agravada, tendo em conta a
indispensabilidade do meio ambiente para a sobrevivência da vida na terra.
Diante disso, impõe-se a criação de novas ferramentas que busquem o
tratamento dessa questão de forma mais eficaz. Nesse contexto, este trabalho
procura salientar a indispensabilidade da participação comunitária no processo
de decisão que consistir na assunção de riscos ambientais, trazendo como
instrumento para tal a obrigatoriedade da audiência pública existente no
processo de licenciamento ambiental.

2 O DIREITO À PARTICIPAÇÃO POPULAR NO DOMÍNIO DO MEIO


AMBIENTE
A questão ambiental ganha relevância cada vez maior nos debates
acadêmicos em razão de comprovações paulatinamente mais concretas dos
resultados danosos da ação humana ao meio ambiente. Como exemplo, tem-
se os resultados apresentados pelo Relatório do Painel Intergovernamental

1
Acadêmica / Curso de Direito da Universidade Federal de Santa Maria. Bolsista Pibic/CNPq.
2
Prof. Doutor / Curso de Direito da Universidade Federal de Santa Maria.
765

sobre Mudança Climática (conhecido como IPCC) 3 e a abordagem do tema em


questão no Relatório Estado do Mundo 4. Assim, além das Conferências
Internacionais de Estocolmo, do Rio e de Johanesburgo – sempre muito
lembradas pela doutrina – que impulsionaram o início da discussão sobre o
problema ambiental e levaram à instituição do direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, observa-se que o século XXI começa com a
produção de novos documentos que testemunham a seriedade da realidade
mundial atual.
Este contexto de crise ambiental é um dos aspectos que conformam a
chamada sociedade de risco – concepção de sociedade existente na
atualidade que se configura como a conseqüência a que o desenvolvimento
tecnológico e científico conduziu a humanidade, tendo sido este baseado no
paradigma cartesiano-mecanicista 5. Conforme Beck, “a transição do período
industrial para o período de risco da modernidade ocorre de forma indesejada,
despercebida e compulsiva no despertar do dinamismo autônomo da
modernização, seguindo o padrão dos efeitos colaterais latentes” 6. Além dos
riscos conhecidos, resultantes da sociedade industrial, é necessário conviver
com a verdade assustadora de não ser possível determinar exatamente as

3
Destaca-se o seguinte trecho: “O aquecimento do sistema climático não é um equívoco, sendo agora
evidente de acordo com as observações de aumento global do ar e das temperaturas dos oceanos,
derretimento de gelo e neve em larga escala, e aumento global do nível dos oceanos”. ONU, Grupo de
Trabalho I. Relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática - Mudança climática
2007: a base da ciência física, Paris, 2007. Disponível em: www.ecolatina.com.br. Acesso em: 12 fev
2009, p. 5. E, relacionando a atuação humana com tais alterações climáticas: “A maioria dos aumentos
das temperaturas médias globais observadas desde a metade do século 20 é provavelmente devido à
concentração de gás estufa antropogênico. (...) As influências humanas perceptíveis agora se estendem a
outros aspectos do clima, incluindo o aquecimento dos oceanos, as temperaturas médias continentais, as
temperaturas extremas e os padrões de vento”. ONU, Op. cit, 2007, p. 9.
4
Ao abordar a temática paz versus guerra, o documento traz a questão da disputa pela água – recurso
natural em paulatina escassez no mundo: “Agricultores, geradores hidrelétricos, usuários recreativos e
ecossistemas freqüentemente competem por mananciais finitos, tanto intra quanto inter nações. Apesar
disto, a água raramente é a única – e quase nunca a principal – causa de conflito violento. Porém pode
agravar tensões existentes e, assim, deve ser considerada dentro do contexto macro de guerra e paz”.
ONU. Capítulo 5: Gerindo Disputas e Cooperação Hídricas. In: Estado do Mundo 2005. Disponível em:
http://www.wwiuma.org.br/edm2005.htm. Acesso em: 20 mar 2009.
5
Renè Descartes preconiza a construção de um pensamento filosófico cuja essência foi extraída de um
método matemático, o qual busca explicações empíricas para os fatos. Este previa o desmembrando do
objeto de análise em suas partes com o intuito de analisá-las. O resultado dessa concepção foi a visão
mecanicista de mundo: este passa a ser um conjunto de matéria que funciona com base em leis naturais
para domínio humano. Para saber mais, ver: CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação. São Paulo: Cultrix,
2006.
6
GIDDENS, Anthony; BECK, Ulrich; SCOTT, Lash. Modernização Reflexiva. São Paulo: UNESP,
1995, p. 16.
766

ameaças que assolam o mundo. Dessa forma, a concepção de que a ciência


era capaz de produzir certezas começou a ruir, diante do que o homem e o
Estado se mostraram despreparados para atuar nesse novo contexto social.
Assim, essencialmente, a sociedade de risco é marcada por riscos
mundiais, de difícil percepção pelos indivíduos: “... la muerte actual de los
bosques sucede globalmente, y en concreto como consecuencia implícita de la
industrialización, con repercusiones sociales y políticas completamente
diferentes” 7. Portanto, sendo riscos específicos da modernidade, “...los riegos
civilizatorios hoy se sustraen a la percepción y más bien residen en la esfera de
las fórmulas químico-físicas (por ejemplo, los elementos tóxicos en los
alimentos, la amenaza nuclear)” 8. Por fim, possuem causas modernas porque
“son producto global de la maquinaria del progreso industrial...” 9 e suas
instituições, além de estarem associados às decisões humanas – e não mais a
eventos naturais – justificadas com base na racionalidade científica industrial 10.
Então, tal realidade conduziu à ineficiência do controle institucional dos
perigos 11, de modo que “... as instituições não apenas produzem, como
também, legitimam os perigos que já não podem controlar... ” 12. Diante disso,
estabelece-se a racionalidade da irresponsabilidade organizada, a qual “...
representa justamente a forma pela qual as instituições organizam os
mecanismos de explicação e justificação dos riscos...” 13, de maneira a
aumentar os graus de tolerabilidade da insegurança, legalizando os efeitos
colaterais dessas decisões baseadas na incerteza: tem-se os organismos
geneticamente modificados regularizados, a tolerância da realização de
empreendimentos potencialmente poluidores, a aceitação do uso da energia
nuclear.

7
BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo. Barcelona: Paidós, 2002, p. 27, grifos do autor.
8
Idem, p. 28.
9
Ibidem, p. 28.
10
AYALA, Patryck de Araujo; LEITE, José Rubens Morato. Direito ambiental na sociedade de risco.
Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p. 12-13. Surgem, portanto, da transformação das incertezas
e dos perigos em decisões.
11
Antes da sociedade de risco, “as formas de reação perante as ameaças sempre estiveram vinculadas a
processos dependentes da definição de padrões, de programas e políticas eminentemente institucionais, de
restrita participação e publicidade”. AYALA & LEITE, Op. cit., p. 16.
12
AYALA & LEITE, Op. cit., p. 17.
13
AYALA & LEITE, Op. cit., p. 22.
767

Nesse contexto, mostra-se indispensável, portanto, que as sociedades e


suas instituições encontrem novas maneiras para lidar com tais riscos, de
realizar a gestão desses riscos – no caso, em especial, dos riscos ambientais.
Foi, justamente, diante de tal realidade, que o direito ao meio ambiente surgiu,
tendo sua defesa orientada por princípios como o da Prevenção 14 e da
Precaução 15.
Assim ocorreu pelo fato de que o nascimento de novos direitos dá-se em
razão da transformação social; ou seja, os direitos humanos são historicamente
concebidos 16, de acordo com as exigências sociais, não sendo aceitável a
concepção da existência de direitos naturais. Tanto os direitos de liberdade
como os direitos sociais surgiram e foram reconhecidos devido às
circunstâncias sociais, políticas e econômicas que os circundaram
historicamente: aqueles, como enfrentamento ao absolutismo monárquico;
estes, como resistência à opressão praticada pelas classes dominantes sobre
os assalariados. Da mesma forma ocorreu com o direito do meio ambiente,
visto que

… são precisamente certas transformações sociais e certas


inovações técnicas que fazem surgir novas exigências,
imprevisíveis e inexeqüíveis antes que essas transformações e
inovações tivessem ocorrido. Isso nos traz uma ulterior
confirmação da socialidade, ou da não-naturalidade, desses
direitos 17.

É partindo dessa concepção histórica da construção dos direitos


humanos que se passa a defender aqui a emergência 18 do direito à

14
A aplicação do princípio da prevenção dá-se diante de situações em que as conseqüências das ações
(riscos) são conhecidas, de modo que se impõe a atuação de modo a evitar a ocorrência dos mesmos.
MACHADO, Op. cit.
15
“Quando houver ameaça de danos graves ou irreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta não
será utilizada como razão para o adiamento de medidas economicamente viáveis para prevenir a
degradação ambiental”. ONU. Declaração do Rio sobre meio ambiente e desenvolvimento, 1992,
princípio número 15. Disponível em:
http://www.mma.gov.br/sitio/index.php?ido=conteudo.monta&idEstrutura=18&idConteudo=576. Acesso
em: 16 mai 2009.
16
BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.
17
BOBBIO, Op. cit., p. 90-91.
18
Ao defender a participação popular no domínio do meio ambiente não se tem a pretensão de afirmar
qualquer ineditismo no reconhecimento da importância desse fator, mas buscar um novo status para a
participação popular, de modo que ela passe de princípio orientador das políticas ambientais (art. 2º, X,
Lei 6938/81) para direito subjetivo, alvo de uma principiologia e de uma legislação própria que o
regulamente, de modo a estabelecer instrumentos específicos a sua implementação.
768

participação popular no domínio do meio ambiente como uma premissa e uma


consequência ao direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. É uma
premissa e uma consequência – o que pode parecer um paradoxo – pelo
mesmo motivo: é premissa porque para a consolidação do direito ao meio
ambiente é indispensável a participação popular, já que é dever da comunidade
atuar em defesa do meio ambiente; é conseqüência porque a necessidade de
implementar o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado conduz à
conclusão de que a comunidade deve ser ouvida 19 quando da implementação
de políticas públicas ambientais. Nesse sentido, observa-se que

... é necessário um novo modelo de organização estadual, que


seja constituído pela integração de novos elementos ao
Estado de direito, elementos que sejam próximos de
dimensões de participação no espaço público, e que
evidenciem uma funcional e crescente interação com as
necessidades ecológicas, que por ele devem ser não só
realizadas, mas produzidas 20.

Dessa forma, tem-se que diante do caráter do bem ambiental – o qual


não pertence nem ao Poder Público, nem aos particulares, mas a todos, por
isso qualificado como res communes – torna-se indispensável a atuação de
todos quando da tomada de decisão nesta seara. Nesse sentido, observa-se
que “... a multiplicação nos últimos anos das controvérsias ambientais tem
evidenciado as insuficiências, quer no plano da eficiência, quer da
aceitabilidade social, de processos de gestão do risco centralizados... ” 21.
Assim, não basta a previsão da participação como princípio orientador das
políticas públicas na seara ambiental, sendo premente a criação e/ou o
melhoramento do funcionamento de instrumentos aptos a propiciar a
participação popular 22.

19
Reconhecendo o déficit de legitimidade do poder na atualidade, defende o alargamento das
possibilidades de participação popular, citando algumas: “a instituição de órgãos de decisão popular fora
dos institutos clássicos do governo parlamentar (...); a democracia direta ou assembleísta (...); o controle
popular dos meios de informação e de propaganda”. BOBBIO, Op. cit., p. 159.
20
AYALA & LEITE, Op. cit., p. 25.
21
GONÇALVES, Maria Eduarda. Europeização e direitos dos cidadãos. In: SANTOS, Boaventura de
Sousa (org.). A Globalização e as Ciências Sociais. São Paulo: Cortez, 2002, p. 358.
22
Destaca-se, também, que a implementação satisfatória de tais instrumentos está relacionada com a
possibilidade de uma participação autônoma e bem fundamentada por parte da população, ganhando
relevo para tal intento o direito à informação ambiental e o direito à educação ambiental. Vide:
CHRISTMANN, Luiza Landerdahl; ARAUJO, Luiz Ernani Bonesso de. Direito à informação e direito à
769

Corrobora-se tal pensamento, ainda que se dirigindo mais


23
especificamente à temática do desenvolvimento sustentável , ao se observar a
necessidade da atuação da comunidade para a implementação de uma nova
racionalidade (ambiental) 24, quando através da gestão da produção pelos
próprios grupos, torne-se possível a consideração da finitude dos recursos
ambientais e a valorização da diversidade étnica e cultural humana. Nesse
sentido,

a gestão ambiental do desenvolvimento sustentável exige


novos conhecimentos interdisciplinares e o planejamento
intersetorial do desenvolvimento; mas é sobretudo um convite
à ação dos cidadãos para participar na produção de suas
condições de existência e em seus projetos de vida 25.

Demonstrando a importância da participação popular no domínio do


meio ambiente, tem-se a Convenção sobre o Acesso à Informação, a
Participação do Público no Processo de Tomada de Decisões e o Acesso à
Justiça no Domínio do Ambiente, assinada no âmbito da Comissão Econômica
para a Europa, em Aarhus – Dinamarca, no ano de 1998, que consiste em um
documento que busca estabelecer para todos os países que o ratificarem o
dever de zelar pela participação da população quando da tomada de decisão
na seara ambiental. Assim, prevê-se as condições de participação quando das
decisões relativas à autorização de atividade que possa causar impacto
significativo ao meio ambiente; no momento da elaboração de planos,
programas e ações relativos à questão ambiental – portanto, na construção de
políticas públicas ambientais – e quanto à participação do público durante a

curiosidade: um dueto em prol do meio ambiente. In: I SEMINÁRIO NACIONAL DE EDUCAÇÃO


BÁSICA. Lajeado: UNIVATES, 2008.
23
Não se pretende abordar a referida temática neste artigo; no entanto, utiliza-se a mesma como fator
fortalecedor do argumento da importância da participação democrática: seja na gestão dos riscos, seja na
gestão do desenvolvimento – considerando que ambos estão interligados.
24
Toda sua teoria baseia-se na busca pela construção de uma nova racionalidade (ou epistemologia),
diferente da atualmente vigente que se estrutura na lógica de mercado: “Este movimento de resistência se
articula à construção de um paradigma alternativo de sustentabilidade, no qual os recursos ambientais se
convertem em potenciais capazes de reconstruir o processo econômico dentro de uma nova racionalidade
produtiva, propondo um projeto social baseado na produtividade da natureza, nas autonomias culturais e
na democracia participativa”. LEFF, Enrique. Globalização, ambiente e sustentabilidade do
desenvolvimento. In: LEFF, Enrique. Saber ambiental: sustentabilidade, racionalidade, complexidade,
poder. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 31.
25
LEFF, Enrique. Democracia ambiental e desenvolvimento sustentável. In: LEFF, Op. Cit., p. 57.
770

preparação de regulamentos de execução e/ou de instrumentos normativos


juridicamente vinculativos de aplicação correta 26.
Sem adentrar na normatização realizada pela Convenção, impõe-se
observar que os considerandos traçados em seu início esclarecem
perfeitamente o papel da participação popular, conforme defendido até o
momento: propicia a conscientização popular no que concerne à crise
ambiental, fortalece a legitimidade da decisão realizada e vai ao encontro das
necessidades locais de desenvolvimento. Nesses termos:

Reconociendo que, en la esfera del medio ambiente, un mejor


acceso a la información y una mayor participación del público
en la toma de decisiones permiten tomar mejores decisiones y
aplicarlas más eficazmente, contribuyen a sensibilizar al
público respecto de los problemas ambientales, le dan la
posibilidad de expresar sus preocupaciones y ayudan a las
autoridades públicas a tenerlas debidamente en cuenta, (...) 27

Diante do exposto, resta clara a indispensabilidade de instrumentos que


auxiliem na gestão dos riscos – neste contexto, especificamente ambientais –
mediante a participação efetiva da comunidade, os quais devem se constituir
em alternativas para a realização da tutela preventiva e cautelar do meio
ambiente. Por tal motivo, refletindo essa orientação, nota-se inclusive no Direito
Administrativo a existência do Princípio da Participação Popular a referenciar a
atuação da Administração, o qual está inserto no artigo 1º da Constituição
Federal e relacionado em muitos dispositivos constitucionais, nos mais diversos
setores em que se exige a ingerência governamental 28. Tal princípio orienta os
processos e procedimentos administrativos, de modo a instituir a possíbilidade
de realização de consultas públicas, audiências públicas e quaisquer outras
maneiras de efetivar a participação dos administrados 29.

26
COMISIÓN ECONÓMICA PARA EUROPA. Convención sobre el acceso a la información, la
participación Del público en la toma de decisiones y el acceso a La justicia en asuntos ambientales,
1999. Disponível em: http://www.unece.org/env/pp/documents/cep43s.pdf. Acesso em: 15 mai 2008.
27
COMISIÓN ECONÓMICA PARA EUROPA, Op. cit.
28
Como exemplo, tem-se a gestão democrática do ensino público (art. 206, VI, CF/88) e a colaboração da
comunidade na proteção do patrimônio cultural (art. 216, § 1º, CF/88). Para saber mais: DI PIETRO,
Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2008.
29
Assim dispõe a legislação sobre processo administrativo. BRASIL. Lei sobre o processo
administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, 1999. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/LEIS/L9784.htm. Acesso em: 14 mai 2009.
771

Tais dispositivos constitucionais e infraconstitucionais refletem a


capacidade que os riscos tem de “... facilitar a politização da vida social e
económica, conduzindo ao questionamento das formas centralizadas e
hierarquizadas de exercício do poder típicas da administração tradicional, bem
como à reclamação de processos de decisão mais negociados e participados
pelos cidadãos” 30. É, portanto, nesse contexto que se destaca o procedimento
do licenciamento ambiental e a previsão da audiência pública ambiental, de
modo que se impõe a análise dos mesmos.

3 A AUDIÊNCIA PÚBLICA NO PROCESSO DE LICENCIAMENTO


AMBIENTAL
A Constituição Federal de 1988 inicia definindo o país como uma
República Federativa que se constitui em um Estado Democrático de Direito.
Isso significa 31 que o Estado brasileiro, além de se balizar em leis positivadas,
é orientado para a organização de uma sociedade baseada no ideal
democrático, de forma a englobar tanto os direitos civis e políticos, como os
direitos econômicos e sociais 32. Assim, o Estado “... deve tomar decisões que o
encaminhe na busca da ‘justiça social’, isto é, a participação efetiva de todos os
cidadãos nos diversos níveis de desenvolvimento econômico, social e
cultural” 33. É em razão de assumir tal projeto de sociedade, que a Constituição
fixa como fundamentos a cidadania, a dignidade da pessoa humana e o
pluralismo político. Dessa forma, o Estado brasileiro deverá buscar propiciar o
acesso de todos às condições mínimas de vida, para que os indivíduos possam
atuar como cidadãos, participando da vida política nacional 34.

30
GONÇALVES, Maria Eduarda. Europeização e direitos dos cidadãos. In: SANTOS, Op. cit., p. 347.
31
Não cabe, nos limites desse trabalho, abordar profundamente a temática do significado completo do
termo “Estado Democrático de Direito”, trazendo-se apenas alguns elementos indispensáveis ao
desenvolvimento do objeto de estudo.
32
Nesse sentido, entre um dos elementos essenciais à configuração do Estado Democrático de Direito,
tem-se: “(6) Realização da democracia – além da política – social, econômica e cultural, com a
conseqüente promoção da justiça social”. SILVA, Enio de Morais. O Estado Democrático de Direito.
Revista de Informação Legislativa. Ano 42, número 167, 2005. Disponível em:
http://www.senado.gov.br/web/cegraf/ril/Pdf/pdf_167/R167-13.pdf. Acesso em: 26 mar 2009.
33
ARAUJO, Luiz Ernani Bonesso de. O acesso à terra no Estado Democrático de Direito. Frederico
Westphalen: URI, 1998, p. 34.
34
Outro elemento indispensável ao Estado Democrático de Direito, é a participação efetiva da população:
“(2) A necessidade de providenciar mecanismos de apuração e de efetivação da vontade do povo nas
772

É nesse contexto de progressiva democratização – que implica também


o reconhecimento de novos direitos aos cidadãos 35 – que a Lei da Política
Nacional do Meio Ambiente, de 1981, vai estabelecer o Sistema Nacional do
Meio Ambiente, criando uma política nacional para a proteção do meio
ambiente. Nessa esteira, em seu artigo 2º, X, fixou como princípio a promoção
da educação ambiental com o fim de capacitar a população para a participação
ativa na proteção ambiental; também definiu no artigo 4º, V, o objetivo de
divulgar informação sobre o meio ambiente com o fim de conscientizar a todos
sobre a seriedade da questão ambiental.
Dessa forma, com o intuito de assegurar o direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, mostrou-se necessário regulamentar a realização
de empreendimentos potencialmente poluidores, diante do que a Lei 6938/81,
no artigo 9º, IV, fixou como instrumento o licenciamento ambiental 36. Este
consiste em uma forma de intervenção do Poder Público nas atividades
econômicas, com o fim de assegurar o equilíbrio ambiental, por meio da
exigência de realização de uma série de estudos prévios para a implantação de
atividades que possam vir a gerar significativo impacto ambiental 37. Assim, “a
construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e
atividades utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva e
potencialmente 38 poluidores, (...) dependerão de prévio licenciamento...” 39.

decisões políticas fundamentais do Estado, conciliando uma democracia representativa, pluralista e livre,
com uma democracia participativa efetiva”. SILVA, Op. cit., 2005.
35
Não é possível democracia sem direitos humanos e vice-versa. BOBBIO, Op. cit.
36
O licenciamento ambiental, ainda que em sede administrativa, configura-se um instrumento de tutela
ambiental: “assim, EIA/RIMA, licenças e autorizações ambientais, auditorias ambientais, manejo
ecológico, zoneamento, tombamento, ação civil pública, ação penal pública, ação popular, direito de
antena, etc., estariam, inexoravelmente, formando o ‘continente’: instrumentos de tutela ambiental”.
FIORILLO, Celso Antonio; RODRIGUES, Marcelo Abelha; NERY, Rosa Maria Andrade. Direito
Processual Ambiental Brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 1996, p. 53. Grifos do autor.
37
“... estamos perante um Impacto Ambiental quando as estruturas e os fluxos do sistema ecológico,
social ou econômico são alterados profundamente no decorrer de um espaço de tempo muito reduzido. O
termo ‘reduzido’ deve ser analisado em função da escala temporal e das dimensões ou grandezas das
alterações ocorridas.” MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Impacto Ambiental: aspectos da legislação
brasileira. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002, p. 31.
38
O licenciamento ambiental, ao ser exigido também para atividades “apenas” potencialmente poluidoras,
institui-se como um instrumento de efetivação do princípio da precaução. Assim, “a palavra
‘potencialmente’ abrange não só o dano de que não se duvida, com o dano incerto e o dano provável”.
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: MALHEIROS, 2007, p. 81.
39
BRASIL. Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, 1981. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/LEIS/L6938.HTM. Acesso em: 28 jan 2009.
773

Para tal, a Resolução 1/86-CONAMA, no art. 1º define a categoria “impacto


ambiental”, sendo esta o parâmetro para fixar a exigência de atendimento ao
procedimento, listando-se as atividades que deverão realizá-lo (art. 2º da
Resolução).
Tal procedimento administrativo inicia-se pela realização do Estudo de
Impacto Ambiental – também instrumento da política ambiental, conforme art.
9º, III, da Lei 6938/81 – que devido a sua importância, se configura em
elemento de legalidade e constitucionalidade 40 do licenciamento ambiental. O
Estudo de Impacto Ambiental deverá avaliar as condições de viabilidade da
implantação do projeto, sendo indispensável 41 para a expedição da Licença
Prévia 42 – aquela que determina a possibilidade de elaboração do Projeto
Executivo, o qual, sendo aprovado, permite a instalação do empreendimento
(Licença de Instalação).
O Estudo de Impacto Ambiental, o qual será fonte para elaboração do
Relatório de Impacto Ambiental, precisará abordar alguns aspectos
essenciais 43: primeiramente, definirá a área de influência do projeto e a
caracterizará segundo seu meio físico, seu meio biológico e seu meio sócio-
econômico; deverá avaliar os impactos ambientais que são possíveis de
ocorrer, considerando suas variações temporais, as possibilidades de reversão
e as condições de distribuição dos ônus e bônus sociais; terá o condão de
estabelecer as possíveis medidas mitigadoras dos ônus, os equipamentos de
controle e os sistemas de tratamento de resíduos; por fim, terá a obrigação de
elaborar o programa de acompanhamento de impactos, definindo fatores e
parâmetros de avaliação 44. Destaca-se, no entanto, que no contexto da
sociedade de risco nem sempre é possível determinar as conseqüências de

40
O art. 225, §1º, IV, exige para instalação de obra ou atividade potencialmente poluidora a realização de
estudo prévio de impacto ambiental.
41
MIRRA, Op. cit.
42
Definida nos termos do artigo 19, I, do Decreto 99274/90. BRASIL. Decreto sobre a criação de
Estações Ecológicas e Áreas de Proteção Ambiental, 1990. Disponível em:
http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/109146/decreto-99274-90. Acesso em: 12 mai 2009.
43
Caso o estudo não contemple algum desses aspectos ou o faça de forma inadequada, haverá uma
irregularidade de natureza substancial que acarretará a invalidade do licenciamento ambiental concedido.
MIRRA, Op. cit.
44
Conteúdo definido pelo artigo 6º. CONAMA. Resolução 1, 1986. Disponível em:
http://www.mp.ro.gov.br/c/document_library/get_file?p_l_id=49484&folderId=153723&name=DLFE-
37752.pdf. Acesso em: 20 mar 2009.
774

uma decisão humana, de modo que a ciência se mostra incapaz de produzir


somente certezas. Nesse sentido, o estudo poderá trazer somente alguns dos
possíveis efeitos, reconhecendo-se a impossibilidade de determinar todos eles.
Posteriormente, sendo realizado o Estudo de Impacto Ambiental, será
elaborado o Relatório de Impacto Ambiental, que conterá as conclusões do
estudo realizado, devendo ser redigido de forma objetiva e em linguagem
acessível 45. Será objeto do mesmo todas as vantagens, desvantagens e
possíveis/prováveis consequências ambientais. Nesse estágio, mediante a
publicação de edital na imprensa local indicando o recebimento do Relatório de
Impacto Ambiental pelo órgão público, faz-se possível a divulgação 46 do
mesmo e abre-se prazo para recebimento de comentários 47, “... de modo que
não se concebe EPIA sem a possibilidade de serem emitidas opiniões por
pessoas e entidades que não sejam o proponente do projeto, a equipe
multidisciplinar e a Administração” 48. Nesse momento, nos termos do art. 11,
§2º, da Resolução 1/86 e do art. 2º, §1º, da Resolução 9/87, abre-se prazo de,
no mínimo, 45 dias para solicitação de audiência pública – o que pode ser feito
por entidade civil, Ministério Público, cinqüenta ou mais cidadãos e o órgão de
meio ambiente licenciador, nos termos do artigo 2º, caput, da Resolução
9/1987. Nota-se, portanto, que a legislação ambiental federal não tornou
obrigatória a realização de audiência pública para discussão do projeto.
Diante do exposto, ressalta-se que é no momento da audiência pública
que se estabelece a chance da sociedade conhecer o empreendimento a ser
licenciado, realizar críticas e sugestões e – ainda que somente com poder
consultivo – influenciar a decisão a ser tomada pelo órgão responsável. Por
esse motivo, tem-se a obrigação de conduzir-se a audiência pública com
seriedade e de forma democrática, propiciando a facilidade da atuação de
45
Destaca-se que tal formalidade deve ser cumprida; do contrário, se “... impede o acesso da população à
adequada informação sobre as características e repercussões econômicas, sociais e ambientais do
empreendimento, condição essencial para a participação da coletividade no processo de licenciamento
sujeito ao EIA”. MIRRA, Op. cit., p. 78.
46
Ressalte-se que a publicidade dos requerimentos e concessões de licenças ambientais e da realização de
estudos de impacto ambiental é requisito indispensável para que o licenciamento ambiental possa
produzir efeitos. MIRRA, Op. cit.
47
Os comentários devem ser feitos por escrito, sendo realizáveis por qualquer pessoa ou entidade:
associações ambientais e não ambientais, sindicatos, universidades, tribos indígenas, entre outros.
MACHADO, Op. cit.
48
MACHADO, Op. cit., p. 248.
775

todos e evitando que a mesma se transforme “... em simples arena de disputas


entre torcidas oganizadas que se posicionam contra ou a favor do
empreendimento” 49. É por meio dessa oportunidade que a comunidade pode
analisar as possíveis/prováveis consequências do empreendimento, exercendo
seu direito de participar diretamente da tomada de decisão e, portanto, opinar a
respeito da assunção – ou não – dos riscos que ela mesma poderá sofrer. Este
instrumento, portanto, vai ao encontro do defendido anteriormente: não basta
mais que os tecnocratas afirmem a existência ou não de riscos (representados,
no caso, pela equipe multidisciplinar); faz-se indispensável a atuação da
comunidade em busca de uma gestão de riscos mais eficaz.
É possível observar, dessa forma, que a audiência pública se constitui
em um instrumento que pode vir a ser bastante eficiente no objetivo de integrar
os cidadãos no processo de decisão que envolve a temática ambiental, de
modo que se torne viável a realização da gestão dos riscos com base na
perspectiva da comunidade envolvida. Assim, inobstante o fato de o
licenciamento ambiental ser tido tradicionalmente como um instrumento de
tutela preventiva do meio ambiente – o que efetivamente é – considerando a
incapacidade da ciência determinar todos os efeitos que a atividade econômica
pode causar, nota-se que o mesmo – mediante a participação da população
abrangida pela mesma, através da audiência pública – pode se tornar também
uma ferramenta para a gestão do risco ambiental.
Diante disso, defende-se o estabelecimento da obrigatoriedade de
realização da audiência pública para todo e qualquer licenciamento ambiental,
o que teria o condão de ressaltar a relevância da mesma nesse processo,
facilitando a publicidade da atividade a ser licenciada e a participação da
população, que não precisaria enfrentar a burocracia exigida para a solicitação
formal de realização de audiência pública. Por meio dessa obrigatoriedade,
dificultar-se-ia a expedição de licenças às pressas, tendo em vista a
necessidade de aguardo do prazo para sua realização. Por fim, assim se
pleiteia devido à perspectiva de que, a longo prazo, a participação da

49
MIRRA, Op. cit., p. 81.
776

população nesse instrumento torne-se uma prática reiterada e, assim, uma


atividade corriqueira no contexto do dia-a-dia dos cidadãos 50.

4 CONCLUSÕES ARTICULADAS
1. A realidade da sociedade de risco ambiental demanda uma nova
forma de gestão dos riscos baseada na participação da comunidade envolvida
por meio de instrumentos que possibilitem essa atuação, visando à promoção
do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
2. A audiência pública ambiental existente no âmbito do procedimento de
licenciamento ambiental de atividades potencialmente poluidoras é um
instrumento que possibilita a participação da população na tomada de decisões
na seara ambiental, de forma a ser realizada uma gestão democrática dos
riscos ambientais.
3. Diante do exposto, defende-se o estabelecimento da obrigatoriedade
da audiência pública ambiental a fim de converter tal ferramenta em prática
corriqueira na vida dos cidadãos, de forma a se alcançar uma atuação
contundente por parte dos mesmos na administração dos riscos ambientais.

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50
Certamente, não se ignora as imensas dificuldades que existem na implementação de tal objetivo,
considerando como premissa para tal a efetivação do direito à informação ambiental e do direito à
educação ambiental para a capacitação da participação da comunidade. Para saber mais: CHRISTMANN
& ARAUJO, Op. cit.
777

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779

AS INCONSTITUCIONALIDADES DECORRENTES DO ARTIGO 114 DO


CÓDIGO AMBIENTAL CATARINENSE

MARCELA VIRÍSSIMO MACIEL 1

1 INTRODUÇÃO
A degradação do meio ambiente devido à exploração desordenada dos
recursos naturais é um grave problema contemporâneo em todo o mundo. Com
o recente advento do Código Ambiental Catarinense, reforçou-se esta
discussão especialmente em Santa Catarina - Estado brasileiro ultimamente
em constante conflito entre a preservação de seu rico bem ambiental e um
pretenso crescimento econômico.
Neste trabalho, a análise proposta é acerca dos novos limites que o
novo Código Catarinense institui para as áreas de preservação permanente ás
margens de rios. Neste contexto, primeiramente far-se-á uma analise da
entrada em vigor da referida legislação, bem como das discussões acerca de
sua legalidade e constitucionalidade. Estudar-se-á também os conflitos de
competência entre do Código Ambiental Catarinense com outras legislações
brasileiras, mormente o Código Florestal e a Constituição Federal. Por fim, se
analisar-se-á as possíveis conseqüências a longo prazo da aplicação da
legislação catarinense, sob o prisma dos princípios dos princípios de Direito
Ambiental, com ênfase na proibição do retrocesso ecológico e no direito
fundamental intergeracional do meio ambiente ecologicamente equilibrado.

2 CÓDIGO AMBIENTAL CATARINENSE


O Código ambiental Catarinense foi aprovado através do Projeto de Lei
n º 238/08, que tramitou na Assembléia Legislativa em 31 de marco deste ano,
com 31 votos a favor e 7 abstenções. Posteriormente, em 13 de abril de 2009,

1
Graduanda do Curso de Direito da Universidade Federal de Santa Catarina, membro do Grupo de
Estudos de Direito Ambiental da UFSC, bolsista da FAPESC. E-mail: cecelam@hotmail.com
780

tal projeto foi sancionado pelo atual governador de Santa Catarina, Luiz
Henrique da Silveira, sem nenhum veto em quaisquer dos seus artigos 2.
Deste modo, passou a vigorar recentemente a polêmica lei estadual n º
14.675/09, que alterou de forma menos restritiva disposições presentes em
outras legislações acerca de áreas ambientalmente protegidas, bem como
desafiou normas de competência entre os entes federativos.
Mesmo antes de sua entrada em vigor, existiram diversos embates entre
entidades ambientalistas e grupos ligados à agricultura de Santa Catarina, em
virtude de tal lei contrariar legislações anteriores com o claro escopo de
favorecer a atividade agrícola no Estado. Ambientalistas e estudiosos jurídicos
alertam sobre a inconstitucionalidade do Código Ambiental Catarinense, ao
permitir uma proteção ao meio ambiente de forma menos restritiva do que a
anteriormente prevista. Por sua vez, agricultores catarinenses alegam que a
aplicação da legislação federal (Código Florestal) dificulta em demasia a sua
atividade econômica, por restringir grande parte das terras utilizáveis para a
atividade.
Neste contexto, após a sanção do Governador, o Ministério Público de
Santa Catarina encaminhou uma representação pedindo o ajuizamento de uma
Ação Declaratória de Inconstitucionalidade, além de pedir cautela ao governo
de Santa Catarina em aplicar o Código Ambiental Catarinense enquanto não
fosse legitimada a sua constitucionalidade nos tribunais superiores. Contudo, o
Poder Executivo de Santa Catarina mostrou-se irredutível ao negar tal, e
defendeu integralmente a aplicação do Código Ambiental Catarinense.
A principal mudança instituída pelo Código Ambiental Catarinense está
prevista em seu art. 114, ao diminuir drasticamente áreas de preservação
permanente nas margens dos rios. Assim, grande parte do que é considerado
pela norma federal como matas ciliares, áreas de preservação permanente
com especial importância na proteção dos recursos hídricos; passam a ser
área possível de exploração econômica, sem nenhuma proteção específica.

2 Código Estadual do Meio Ambiente é aprovado na Assembleia Legislativa. Diário Catarinense,


Florianópolis, 7 mai. 2009. Disponível em
<http://www.clicrbs.com.br/diariocatarinense/jsp/default.jspuf=2&local=18&section=Geral&newsID=a2
460062.xml>. Acesso em 25 mai 2009.
781

2.1 REPERCUSSÃO JURÍDICA


Mesmo em vigor há pouco mais de um mês, já existem embates
jurídicos acerca das contradições criadas pelo Código Ambiental Catarinense,
como ações judiciais de pleiteantes que pretendem de beneficiar com a nova
legislação, Ações Declaratórias de Inconstitucionalidade, bem como
declarações polêmicas e protestos sociais.
Ilustrativamente, possuidores de terras localizadas em São Miguel do
Oeste, requereram através de uma ação judicial que fossem suspensas as
multas aplicadas pelo IBAMA por terem desrespeitado os limites impostos pelo
Código Florestal (Lei n 4.771/65), de preservar o patamar de 30 metros de
distância a partir da margem do Rio das Antas. O argumento dos pleiteantes foi
no sentido de que, com a entrada do Código Ambiental Catarinense em vigor,
deverá ser aplicado para o referido caso a distância de apenas 5 metros,
tornado assim a multa anteriormente aplicada pelo IBAMA inválida. O juiz
federal, neste caso, julgou improcedente o pedido, por entender que o IBAMA
deve respeitar a lei vigente da época do fato e que o Código Catarinense não é
aplicável, pois este deveria apenas suplementar a lei federal, e não contrariá-la
3.
Assim justificou sua decisão:

“Mais do que isso, é patente a inconstitucionalidade do inciso I


do artigo 114 do Código Ambiental de Santa Catarina [que
estabeleceu a faixa de cinco metros], uma vez que a Lei
Federal nº 4.771/65 [Código Florestal], em seu artigo 2º,
dispõe ser de 30 metros a largura mínima para fins de aferição
da área de preservação permanente”.

Além deste caso concreto, o Ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc,


asseverou que o IBAMA do Estado de santa Catarina não irá seguir o Código
Ambiental Catarinense, além de afirmar que quem desrespeitar o Código

3 S.Miguel do Oeste: juiz federal nega aplicação do Código Ambiental de SC. Portal da Justiça
Federal da 4 º Região, Florianópolis. Disponível em
<http://www.jfsc.gov.br/index.php3?vtitulo=Notícias&varquivo=http://certidao.jfsc.gov.br/jfsc2003/coms
oc/noticias_internet/mostranoticia.asp?vcodigo=13552>. Acesso em 23 mai 2009.
782

Florestal estará sujeito ás penas de embargo e até mesmo de prisão, no caso


de insistência em contrariar a lei federal 4.
O Ministério Público de Santa Catarina também se posicionou contra o
Código Ambiental Catarinense. Primeiramente, pediu ao Governador que
vetasse parcialmente o projeto de lei, sendo que tal medida encontra-se
amparada na Lei Orgânica do MPSC, já que, no exercício de suas funções, o
Ministério Público pode sugerir ao Poder competente a edição de normas e
alterações na legislação em vigor e a adoção de medidas cabíveis (art. 83,
inciso VIII, da Lei Complementar Estadual n. 197/2000) 5. Entretanto, como a
referida legislação entrou em vigor sem nenhuma das alterações propostas, os
promotores recomendaram a aplicação do Código Florestal (lei federal n º
4.771/65) em detrimento a aplicação do Código Catarinense 6.

3 CONFRONTOS NORMATIVOS

3.1 CÓDIGO FLORESTAL


A promulgação do Código Ambiental Catarinense possibilitou a violação
de uma legislação brasileira primordial para proteção do bem ambiental – o
Código Florestal, instituído através da lei n º 4.771/65. Tal confronto refere-se
principalmente em relação aos recuos instituídos por esta lei, que foram
consideravelmente minorados no art. 114 do Código Ambiental Catarinense.
A lei federal, em seu artigo 2°, considerou como sendo área de
preservação permanente todas as formas de vegetação natural situadas ao

4 Ministro do Meio Ambiente vai invalidar Código Ambiental de Santa Catarina. Diário
Catarinense, 13 abr. 2009. Disponível em
<http://www.clicrbs.com.br/diariocatarinense/jsp/default.jsp?uf=2&local=18&newsID=a2474963.htm>.
Acesso em 25 mai 2009.

5 Ministério Público de SC sugere ao Governador veto parcial ao projeto que institui o Código
Ambiental. Ministério Público de Santa Catarina, 8 abr. 2009. Notícias do MPSC. Disponível em
<http://www.mp.sc.gov.br/portal/site/portal/Portal_detalhe.asp?campo=8991&secao_id=369>. Acesso
em 29 abr. 2009.

6 Órgãos ambientais devem seguir a legislação federal e não o Código Estadual, recomenda
MPSC. Ministério Público de Santa Catarina, 13 abr. 2009. Notícias do MPSC. Disponível em
<http://www.mp.sc.gov.br/portal/site/portal/Portal_detalhe.asp?campo=8995&secao_id=369>. Acesso
em 30 abr. 2009.
783

longo dos rios ou de qualquer curso d’ água desde o nível mais alto em faixa
marginal, variando de 30 metros até 500 metros em função da largura dos
cursos d’água. Por sua vez, a lei estadual estabeleceu recuos de apenas 5 a
10 metros para as mesmas situações.
Deste modo, pressupondo a aplicação do Código Ambiental
Catarinense, será possível a minoração de certas áreas consideradas de
preservação permanente pela lei federal em até 495 metros. Neste contexto,
APP’s anteriormente de 500 e 30 metros (de acordo com a lei federal n.
4.771/65), passarão a ter a distância de apenas 10 e 5 metros, conforme o
numero de hectares do terreno e a largura do rio que o imóvel margear.
Contudo, uma simples análise dos dispositivos da Lei n º 4.771 basta
para encontrar na própria legislação o porquê dos recuos do art. 2 º, bem como
o motivo de tais áreas serem consideradas de preservação permanente. Tais
regras não foram criadas ao arbítrio do legislador com o intuito de obstar o
desenvolvimento de atividades econômicas, mas visam a proteção de algo
imensamente mais importante, expresso no art. 1, parágrafo 2, inc. II:

“II - área de preservação permanente: área protegida nos


termos dos arts. 2o e 3o desta Lei, coberta ou não por
vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os
recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a
biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo
e assegurar o bem-estar das populações humanas” (sem grifo
no original).

7
Segundo Fiorillo, alguns dos incisos do art. 2 º da Lei n º 4771/65
visam proteger além da vegetação ao redor, outros recursos naturais vitais
para o ser humano, como o ar ou água. Neste ínterim, o Código Florestal
prescreve tais limites tendo como escopo a adequada preservação de bens
ambientais necessários para a manutenção de toda a vida na Terra.
Ademais, a referida faixa de proteção serve também para espraiamento
das águas nos tempos de cheia, protegendo o homem e suas casas de
eventuais alagamentos e inundações. Esta última função torna-se

7 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 5 ed. São Paulo:
Editora Saraiva, 2004. p. 88.
784

especialmente relevante para o estado de Santa Catarina, em virtude das


enchentes ocorridas no fim do ano de 2008, acontecimento que marcou a
8
maior tragédia já ocorrida no Estado , de proporções catastróficas, com
centenas de mortes em virtude principalmente dos desabamentos de terra.
Desta forma, traduz-se em um grande contra-senso a promulgação do Código
Ambiental Catarinense logo após todo o sofrimento vivenciado em Santa
Catarina, em um lapso temporal inferior a um ano. Ao invés de serem tomadas
medidas com o fim de prevenir que desastre semelhante jamais aconteça
novamente, o Poder Executivo do Estado de Santa Catarina fez exatamente o
oposto, sob o argumento de um pretenso desenvolvimento sustentável. Neste
sentido, Hugro Nigro Mazzili cita alguns dos prováveis efeitos do uso irregular
dos bens ambientais, vários deles desastrosamente comprovados durante as
enchentes em Santa Catarina 9:

“O uso irresponsável ou irregular dos recursos naturais


destruirá ou contaminará os mananciais, promoverá a erosão,
eliminará espécies vegetais e animais, poluirá a atmosfera,
alterará o clima. Teremos danos incalculáveis com a
degradação do habitat, em prejuízo de todos”.

Assim, a proporção estabelecida pela norma federal é adequada, haja


vista que os meios, no caso, a proibição de construção em área de
preservação permanente através dos recuos estabelecidos, são proporcionais
ao fim destinado à norma, qual seja, a manutenção do meio ambiente
ecologicamente equilibrado, erigido pela Lei Fundamental como direito e dever
de todos, bem como a proteção do homem.
Ressalta-se que o direito de propriedade deve ser assegurado ao
particular, contudo, não pode ignorar sua simultânea função social. Defender o
contrário implicaria o caos, já que seria permitido a cada qual agir em seu
próprio benefício, sendo que tal conduta é incompatível com o interesse
coletivo. Pequenos sacrifícios individuais são imprescindíveis em favor da

8 Entenda o que causou a as enchentes no estado. Revista Veja, São Paulo, 29 nov. 2008.
Disponível em <http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/entenda-causou-enchentes-estado-405921.shtml>.
Acesso em 25 mai. 2009.
9 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 14 ed São Paulo: Editora
Saraiva, 2004. p. 150.
785

preservação um bem coletivo, conforme leciona Paulo Affonso Leme Machado


10
: “é um ônus social a restrição de ser conservado esse ou aquele bem (por
exemplo: uma duna, uma restinga, etc.), limitando-se, por exemplo, o direito de
construir. Mas outros direitos (por exemplo, o de colher frutos) persistem”.

3.2 CONSTITUIÇÃO FEDERAL


A Carta Magna dispõe sobre a competência concorrente entre União,
Estados, e Municípios em seu art. 24, em legislar acerca de “florestas, caça,
pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos
naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição”. Tal preceito legal
também dispõe que:

“§ 1º - No âmbito da legislação concorrente, a competência da


União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.
§ 2º - A competência da União para legislar sobre normas
gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.
§ 3º - Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados
exercerão a competência legislativa plena, para atender a
suas peculiaridades.
§ 4º - A superveniência de lei federal sobre normas gerais
suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.”

Através dos dispositivos citados, denota-se que é vedado em matéria de


competência legislativa concorrente norma estadual contrariar norma federal,
em virtude de uma hierarquia entre as normas existentes. Neste sentido, a
Constituição Federal é visa impedir a promulgação de legislação estadual que
venha permitir o uso do solo de seus territórios de forma menos restritiva que a
então vigente.
Como expressa Alexandre de Moraes 11, é necessário proporcionalidade,
justiça e adequação entre os meios utilizados pelo Poder Público no exercício
de suas atividades e os fins por ela almejados, levando-se em conta critérios
racionais e coerentes. Entretanto, fica clara a incoerência e a falta de

10 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros Editores,
12ª ed., 2004, p. 264.

11 MORAES, Alexandre. Direito Constituicional Positivo. São Paulo: Editora Atlas, 2002.
786

adequação quando se observa legislação estadual contrária à lei federal,


quando deveria legislar suplementá-la.
Ressalta-se, entretanto, que o contrário é permitido. Não existe este
confronto quando a lei hierarquicamente inferior é mais restritiva que a
12
hierarquicamente superior. De acordo com Paulo Afonso Leme Machado :
"As normas estaduais e municipais também poderão planejar o uso e a
ocupação desses bens, como expressamente prevê o art. 5°, § 2°, da Lei
7.661/88, prevalecendo sempre as disposições de natureza mais restritivas".
Em relação ao caso específico em estudo, reforça-se a proibição de lei
estadual contrariar a Lei federal n º 4.771, pois esta estabelece de forma
expressa que a supressão de APP's só é possível com autorização do Poder
Público Federal, conforme seu art. 3:
“§ 1° A supressão total ou parcial de florestas de preservação
permanente só será admitida com prévia autorização do Poder
Executivo Federal, quando for necessária à execução de
obras, planos, atividades ou projetos de utilidade pública ou
interesse social.”

Deste modo, através das regras de competência constitucionais, é


vedado ao Estado contrariar norma federal em vigor, especialmente quando
conter regras menos restritivas do que as já existentes em matéria de direito
ambiental. Portanto,a promulgação do Código Ambiental Catarinense
configurou uma óbvia violação á regras de competência constitucionalmente
previstas, ao contrariar legislação superior hierarquicamente de forma direta.
Neste caso, frisa-se que a aplicação da legislação menos protetiva poderá
causar uma série de prejuízos ao Estado de Santa Catarina, especialmente por
permitir a supressão de áreas remanescentes de Mata Atlântica e a redução
das matas ciliares.
Além disso, ressalta-se que o pequeno agricultor familiar possui
autorização legal, pelo próprio Código Florestal (Lei n. 4.771/1965), consoante
o art. 4 e seus incisos, para, utilizar as áreas de preservação permanente para

12 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros
Editores, 12ª ed., 2004, p. 638.
787

fins econômicos, desde que o faça mediante um sistema de manejo


agroflorestal sustentável.

3.3 INSEGURANÇA JURÍDICA


Entre os problemas que a atual redação do Código Ambiental poderá
ocasionar, acrescenta-se, segundo o estudo técnico-jurídico efetuado pelo
Ministério Público, a insegurança jurídica em razão do já citado conflito às
normativas federais. Isso porque, diversos Termos de Ajustamento de Conduta
foram celebrados com agricultores, sob a égide do Código Florestal, para quem
descumpriu os limites impostos por esta legislação.
Segundo o Procurador-Geral de Justiça, o Ministério Público de Santa
Catarina vem, há muitos anos, atuando na solução de conflitos que
contemplem a sustentabilidade da atividade da agricultura em consonância
com princípios ambientais. Esse trabalho foi realizado em parceria com
organismos públicos e privados, e teve como resultados diversos termos de
ajustamentos de condutas firmados em âmbito regional. Dessa forma, com a
promulgação do Código Ambiental Catarinense, todo o esforço do parquet em
compatibilizar e Lei n º 4.771/65 com a atividade agrícola no Estado poderá ser
severamente prejudicado, pois muitos poderão questionar a validade desses
TAC’s firmados, já que para os aplicadores da lei estadual os limites eu deram
ensejos a esses termos de ajustamento de conduta não mais existem ou forma
13
consideravelmente minorados .

4 CONSEQUENCIAS PARA O BEM AMBIENTAL

4.1 VIOLAÇÃO AO DIREITO INTERGERACIONAL


O direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado das
futuras gerações está previsto na parte final do art. 225 da constituição federal
ao estabelecer que: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente

13 Ministério Público de SC sugere ao Governador veto parcial ao projeto que institui o Código
Ambiental. Ministério Público de Santa Catarina, 8 abr. 2009. Notícias do MPSC. Disponível em
<http://www.mp.sc.gov.br/portal/site/portal/Portal_detalhe.asp?campo=8991&secao_id=369>. Acesso
em 29 abr. 2009.
788

equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,


impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações., e é um direito fundamental”.
14
Consoante Fiorillo , o direito intergeracional é o fim do desenvolvimento
sustentável:
“Dessa forma, o principio do desenvolvimento sustentável
tem por conteúdo a manutenção das bases vitais da
produção e reprodução do homem e de suas atividades,
garantindo igualmente uma relação satisfatória entre os
homens e destes com o seu ambiente, para que as futuras
gerações também tenham oportunidade de desfrutar dos
mesmos recursos que temos hoje à nossa disposição”

Caso o Código Ambiental Catarinense venha a ser efetivamente


aplicado pelos operadores jurídicos, as conseqüências mais significativas
certamente virão a longo prazo, quando o passar do tempo acumular anos
de devastação da mata ciliar. Além de possibilitar tragédias como a ocorrida
no ano passado em Santa Catarina, tal negligenciamento do bem ambiental
comprometerá severamente o direito das futuras gerações.
Hans Jonas afirma que sempre se deve dar preferência ao
prognóstico do desastre do que o da felicidade quando se tratar de questões
irreversíveis, mesmo que este seja mais provável do que aquele. Isto porque
o que se pode perder é infinitamente maior do que um possível ganho. Além
disso, justifica de forma simples e incontestável as bases do nosso dever
para com as futuras gerações ao asseverar que “Aquilo que não existe não
faz reivindicações, e nem por isso pode ter seus direitos lesados” 15.
Neste sentido, sendo o meio ambiente um bem no qual a vida desta e
das futuras gerações são dependentes, certamente pode ser considerado
um dos bens contidos no “núcleo” citado por Hans Jonas, e sobre os quais
qualquer melhora hipotética que possa trazer algum risco relevante de
destruição deveria ser descartada. Jonas assevera sobre esta importância
destes bens fundamentais:

14 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 5 ed. São Paulo:
Saraiva,2004. p 25.

15 JONAS, Hans. O Princípio da Responsabilidade. Rio de Janeiro: Contraponto Editora, 2006. p.


89
789

“Para esse fenômeno central, cuja integridade se deve


manter a qualquer preço e que não deveria sofrer nenhum
aperfeiçoamento no futuro, pois sua essência já é completa,
deveria ser mais decisivo o prognóstico do desastre, desde
que suficientemente plausível, do que um prognóstico
alternativo de felicidade, ainda que este seja tão ou mais
plausível que o anterior, pois se situa em um nível
essencialmente inferior”16.

Notadamente, tal pensamento é diametralmente oposto ao que


estabelece o Código Ambiental Catarinense, que visa solucionar problemas
complexos com uma solução simplista. É necessário compreender o meio
ambiente como um todo interconectado, não sendo possíveis interpretações
restritivas. As conseqüências do dano ambiental se acumulam não só
quantitativamente, como também ao longo do tempo. Sobre este assunto,
17
Mazzilli leciona :“Causa-nos extrema preocupação descuidos com o zelo
ao meio ambiente, pois a soma de pequenas infrações ambientais, alias,
algumas nem tão pequenas assim, leva sem duvida a danos ecológicos
extremamente graves”.
A prática corriqueira imposta pelo Código Ambiental Catarinense em
sacrificar o meio ambiente em favor de um suposto desenvolvimento; terá
resultados nefastos no futuro, pois irá gerar um dano ambiental acumulado
irreparável, comprometendo severamente o direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado das futuras gerações. Acerca desse assunto,
18
Paulo Affonso Leme Machado consigna que : “nenhum dos poderes da
República, ninguém, está autorizado, moral e constitucionalmente, a
concordar ou a praticar uma transação que acarrete a perda de chance de
vida e de saúde das gerações(...)”.

4.2 RETROCESSO ECOLÓGICO

16 Idem. p. 80 e 81.
17 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 14 ed, Editora Saraiva,
2004. p. 151.

18 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros
Editores, 12 ed., 2004, p. 326-327.
790

Consoante Tiago Fensterseifer, o caminho da humanidade é sempre


no sentido de ampliar os direitos humanos já existentes, em homenagem ao
árduo processo histórico percorrido que resultou na consagração dos
direitos fundamentais. Em decorrência da conquista dos direitos
fundamentais de terceira dimensão, o direito do meio ambiente
ecologicamente equilibrado restou inserido entre os mais recentes direitos
19
fundamentais conquistados .
A doutrina e a jurisprudência brasileiras são pacíficas em reconhecer
o o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como integrante do
rol dos direitos e garantias fundamentais, mesmo estando situado fora do
Título II do texto constitucional. Conforme Fensterseifer, este direito é
considerado fundamental por um critério material, que visa analisar o
conteúdo e a sua importância na composição dos valores constitucionais
fundamentais, bem como pela sua vinculação com a dignidade humana. Tal
decisão foi tomada pelo legislador brasileiro quando afirmou ser o meio
ambiente “essencial á sadia qualidade de vida” 20 .
Neste contexto, o direito ao meio ecologicamente equilibrado
expresso no art. 225 da CF é um direito tão fundamental quanto aos
insculpidos no art. 5 º, merecendo a mesma proteção diferenciada.
Constituem-se inclusive, em cláusulas pétreas constitucionais, não sendo
passíveis de modificação por emenda constitucional, conforme o art. 60, §
4º, inc. IV.
Desta forma, resta configurado o principio da proibição do retrocesso
ambiental (ou ecológico), que dispõe que a tutela normativa ambiental deve
operar de modo progressivo nas relações jurídicas, nunca retrocedendo a
um nível de proteção inferior ao observado atualmente. Tiago Fenterseifer
21
detalhe este princípio :

“A proibição do retrocesso ambiental, da mesma forma


como ocorre com a proibição do retrocesso social, está
relacionada ao princípio da segurança jurídica, da proteção

19 FENSTERSEIFER, Tiago. Direitos Fundamentais e Proteção do Ambiente. Porto Alegre:


Livraria do Advogado, 2008. p. 144.
20 Idem. p. 167.
21 Ibidem. p. 258.
791

da confiança ou mesmo de previsibilidade no


enquadramento normativo das relações jurídicas (as
garantias constitucionais de direito adquirido, do ato jurídico
perfeito e da coisa julgada, bem como os limites materiais à
reforma constitucional são expressão do principio
constitucional da segurança jurídica), o que se apresenta
como um traço característico da conformação do Estado de
Direito”.

Ademais, o direito fundamental insculpido no art. 225 pode ser


considerado pressuposto para todos os outros direitos fundamentais, pois,
segundo Reinaldo Pereira e Silva “o reconhecimento da fundamentalidade
do ambiente natural para o resguardo e promoção da dignidade decorre da
própria condição humana de não poder desenvolver-se nas nuvens. O
22
desenvolvimento humano ocorre ambientalmente” . Partindo desta
premissa, sabendo que os homens não podem se desenvolver nas nuvens,
pode-se concluir que para sua própria existência existe o pressuposto do
meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Neste sentido, o direito fundamental ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado é pressuposto para efetivação de todos os
outros direitos fundamentais. Ora, sem a idéia inicial da corporificação do
ser humano, não há propósito para a existência dos demais direitos
fundamentais, já que estes são destinados essencialmente aos humanos.
Portanto, sendo o direito ecologicamente equilibrado
indubitavelmente um direito fundamental, podendo inclusive ser considerado
um pressuposto para a existência dos demais direitos humanos, resta
configurada a proibição do retrocesso ecológico, princípio amplamente
ignorado na edição do Código Ambiental Catarinense.
Em consonância com o direito intergeracional ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, constitui-se em um direito das futuras gerações
de não receberem o planeta e os recursos ambientais em condições piores
do que as recebidas pela geração anterior, e desta maneira se proíbe o
retrocesso em termos de qualidade ambiental.

22 SILVA. Reinaldo Pereira e. O direito fundamental ao ambiente natural. In:Ingo Wolfgang


Sarlet e George Salomão Leite (Organizadores), Direitos Fundamentais e Biotecnologia . São Paulo:
Editora Método, 2008. p. 18.
792

Assim, deve-se buscar o desenvolvimento sustentável como meio de


23
proibição do retrocesso ecológico da sociedade, que, segundo Fiorillo ,
“tem por conteúdo a manutenção das bases vitais da produção e reprodução
do homem e de suas atividades, garantindo uma relação satisfatória entre
os homens e entre homem e ambiente, para que as futuras gerações
também tenham oportunidade de desfrutar os mesmos recursos que temos
hoje à nossa disposição”.

5 CONCLUSÕES ARTICULADAS
O Código Ambiental Catarinense, aprovado recentemente pelo
Governo de Santa Catarina, foi questionado acerca de sua
constitucionalidade e legalidade por diversas autoridades especializadas no
assunto, como o Ministério Público e o Ministro do Meio Ambiente.
Restou consignado que o Código Ambiental Catarinense, lei estadual,
dispôs contrariamente ao Código Florestal, lei federal e hierarquicamente
superior. Tal conduta é vedada expressamente em matéria de competência
constitucional, consoante o art. 24 da Carta Magna. Tal dispositivo expressa
que, em se tratando de competência concorrente, cabe ao ente federativo
hierarquicamente inferior apenas suplementar o que está instituído pela
União. Entretanto, a lei estadual foi de encontro a tal preceito constitucional
e confrontou diversos artigos da Lei n º 4.771/65, salientando as minorações
propostas em relação ás áreas de preservação permanente nas margens
dos rios.
Neste norte, o Código Florestal constitui-se no instrumento adequado
para preservação das matas ciliares, pois, além se ser a lei correta do ponto
de vista formal, consoante os preceitos constitucionais de competência; seu
conteúdo visa a proteção de uma necessária porção de terra da intervenção
humana, com o fim de resguardar o bem ambiental em si mesmo e a vida
humana, prevenindo desastres como as recentes enchentes de Santa
Catarina.

23 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Dto Ambiental Brasileiro. 5 ed. São Paulo:
Saraiva, 2004, p. 25.
793

O princípio de proibição do retrocesso ecológico prescreve que os


direitos ambientais devem ser tratados como quaisquer direitos
fundamentais conquistados ao longo da história, ou seja, uma vez
conquistas, não é possível a supressão destes direitos.
Neste ínterim, percebe-se que a recente aprovação do Código
Ambiental Catarinense contrariou o direito fundamental ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado para esta e para as futuras gerações. Ademais,
a presença deste direito fundamental expresso de forma clara na Carta
Magna brasileira, bem como operacionalizado no Código Florestal
(legislações que o Código ambiental Catarinense contrariou diretamente),
torna a existência da lei catarinense uma aberração jurídica que deve ser
combatida, por permitir o retrocesso ecológico e a perda de qualidade de
vida das futuras gerações.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FENSTERSEIFER, Tiago. Direitos Fundamentais e Proteção do Ambiente.


Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 258-294.

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 5


ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

JONAS, Hans. O Princípio da Responsabilidade. Rio de Janeiro:


Contraponto Editora, 2006.

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo:


Malheiros Editores, 12ª ed., 2004.

MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 14 ed,


Editora Saraiva, 2004.

MELARÉ, Edis. Direito do Meio Ambiente. 3. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004, p. 626.

MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 8 ed.,


São Paulo:Malheiros Editora, 1996.
794

SILVA. Reinaldo Pereira e. O direito fundamental ao ambiente natural.


In:Ingo Wolfgang Sarlet e George Salomão Leite (Organizadores), Direitos
Fundamentais e Biotecnologia . São Paulo: Editora Método, 2008
795

O COMBATE À POLUIÇÃO SONORA EM VITÓRIA COMO CONTRIBUIÇÃO


PARA SE ALCANÇAR À SUSTENTABILIDADE URBANA

MARCELO FRANCO DE ALMEIDA 1

1 INTRODUÇÃO
No alvorecer do Século XXI, um novo desafio se impõe não só as
cidades brasileiras, mas as cidades de todo o mundo: o de conciliar
crescimento urbano, desenvolvimento econômico sustentável e a proteção ao
meio ambiente. A isso chamamos de sustentabilidade urbana.
Dentre os problemas ambientais que podem impedir o desenvolvimento
desta sustentabilidade urbana é a poluição sonora que afeta de um modo geral
os grandes urbanos.
A idéia do presente trabalho é apresentar o serviço desenvolvido pela
Secretaria do Meio Ambiente de Vitória no tocante combate à poluição sonora
através de uma Coordenadoria específica (chamada Disque Silêncio), como
fator fundamental para tornar Vitória uma cidade sustentável, apresentar os
problemas enfrentados e buscar soluções. Mostrar que os problemas
enfrentados em Vitória são comuns a todos os centros urbanos brasileiros e
que, com a experiência desenvolvida ao longo de mais de uma década,
podemos tentar apresentar soluções que podem ser aplicadas, respeitando-se
as características específicas de cada uma. Não temos a pretensão de
tornarmos modelo, mas que a nossa experiência possa servir de base para que
cada uma possa desenvolver um modelo próprio.

1
Marcelo Franco de Almeida, graduado em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo em 2006,
pós-graduado nos cursos de especialização em Direito Público e no curso de especialização de
Hermenêutica Jurídica e Prática Judicial, e, atualmente, servidor público municipal de Vitória, Espírito
Santo. Telefones: (27) 3241 8245, (27) 9977 2154. Endereço eletrônico: marfral@hotmail.com
796

2 CARACTERÍSTICAS DA CIDADE DE VITÓRIA


No Brasil, o desenvolvimento urbano aconteceu de forma abrupta e em
saltos. Após a 2ª Guerra Mundial, com a crescente industrialização do país, a
população começou a se concentrar nos principais centros urbanos do país,
sobretudo Rio de Janeiro e São Paulo, cujas regiões metropolitanas hoje
possuem respectivamente 19,6 e 11,8 milhões de habitantes 2, enquadrando-se
3
no conceito de megacidades.
No estado do Espírito Santo, o crescimento urbano ocorreu de forma
vertiginosa a partir de final da década de 60 e início da década de 70 por dois
fatores: o primeiro foi o programa de erradicação do café que provocou um
forte êxodo rural, tornado insustentável a manutenção a manutenção do
homem capixaba no campo que vivia basicamente da cultura do café em
pequenas propriedades; e os grandes projetos industriais pelo qual recebeu o
estado entre os anos 70 e início dos anos 80, atraindo não só pessoas do
interior do estado, mas de outros estados. Isso fez com que Vitória e os
municípios no seu entorno crescessem urbanamente de forma desordenada.
De um estado rural baseado na monocultura cafeeira ao final da década de 50,
passamos a ser um estado industrial, fortemente voltado para o comércio
exterior e essencialmente urbano em apenas 50 anos.
Vitória é a capital do Espírito Santo e o centro econômico, financeiro,
cultural e político do estado do Espírito Santo e principal pólo da aglomeração
urbana denominada de Grande Vitória e da recém criada Região Metropolitana
de Vitória (formado pela capital e outros seis municípios), uma região que
contém cerca de 1,6 milhões de habitantes. 4 É um município de área pequena,
com 93,381 quilômetros quadrados 5 e densamente povoado, possuindo,
segundo estimativa do IBGE para 2007, 314.042 habitantes (3.363 habitantes
por quilometro quadrado) 6.

2
Estimativa do IBGE para 2008. Dados disponíveis no site do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística – IBGE: www.ibge.gov.br. Acesso em 09 de abril de 2009.
3
Megacidade é um termo empregado para aglomerações urbanas com mais de 10 milhões de habitantes.
4
Dados disponíveis no site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE: www.ibge.gov.br.
Acesso em 09 de abril de 2009.
5
Ibid.
6
Ibid.
797

A capital capixaba possui outras características importantes a serem


destacadas: 1) a maior parte do município está no Arquipélago de Vitória
formado por 55 ilhas, sendo Vitória a maior e a sua principal ilha; 2) muitas das
pequenas ilhas que formam o Arquipélago de Vitória foram incorporadas a Ilha
de Vitória por meio de aterros; 3) 40% do município são formados por
elevações montanhosas; 4) uma outra parte significativa do município são
áreas de manguezais; 5) não existe área rural em Vitória: ou a área é urbana
ou são áreas de proteção ambiental, parques ou reservas ecológicas; 6) fazem
parte do ainda do município de Vitória as ilhas oceânicas de Trindade e Martim
Vaz, distantes 1100 km. Ou seja, a cidade de Vitória cresceu entre o mar e os
morros e cercado por manguezais em seu entorno. Além disso, a maior parte
das áreas urbanas do município é constituída por aterros que começaram a ser
construídos há mais de 200 anos. Não há mais espaço físico para que haja
expansão da área urbana no município, há tão somente poucos lotes vagos em
áreas específicas da cidade, o que está ocasionando nos últimos anos, uma
7
crescente verticalização.

3 RUÍDO: QUESTÕES PERTINENTES


O conceito de ruído pode ser apresentado da seguinte forma: “Som
constituído por grande número de vibrações acústicas com relações de
8
amplitude e fase distribuídas ao acaso”.
O ruído é medido em uma unidade chamada bel. Essa é uma unidade
com progressão logarítmica. Ou seja, se a intensidade de nível sonoro é
aumentada em dez vezes, aumenta-se em uma unidade bel. Porém, na prática,
9
utiliza-se a décima parte dessa grandeza, denominada de decibel.

7
Disponível no site da Prefeitura Municipal de Vitória: www.vitoria.es.gov.br. Acesso em 09 de abril de
2009.
8
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. p. 1252 apud
MACHADO, 2003. p. 615.
9
GERGES, 1992. p. 6
798

A medição de ruído é feita segundo os procedimentos técnicos da


Norma da Associação Brasileira de Normas Técnicas – NBR 10151:2000 10,
seja para a fonte emissora estacionária, seja o ruído intermitente.
Os efeitos da poluição sonora sobre a saúde humana são conhecidos:
perda de audição, interferência com a comunicação, dor, interferência no sono,
11
dentre outros. Esses efeitos do ruído sobre a saúde humana são seguidos
dos seguintes sintomas: grande fadiga, lassidão, fraqueza, dilatação da pupila,
aceleração do ritmo cardíaco e aumento da pressão arterial, e as glândulas
encarregadas de fabricar e regulamentar o equilíbrio humano são atingidas
12
(como por exemplo, as supra-renais, a tireóide e a hipófise).
O ruído como poluição sonora ainda não é prioridade no contexto
ambiental brasileiro. Apenas na cidade de Curitiba (onde já existe uma
legislação específica para o assunto e realizado o mapeamento sonoro da
cidade), e da criação de um setor dentro da Secretaria de Meio Ambiente de
Vitória para a sua fiscalização e controle, existe uma política de controle à
poluição sonora.

4 O SERVIÇO DISQUE SILÊNCIO


Dentre os problemas existentes em Vitória que põe em risco a
sustentabilidade urbana podemos incluir a poluição sonora. Em nosso
município essa questão começou a discutido com a criação da Secretaria do
Meio Ambiente em 1996. Posteriormente, em 07 de maio de 1997, foi criado o
Disque Silêncio pela Lei Municipal n° 4429 e logo em seguida, foi aprovado o
Código Municipal de Meio Ambiente, Lei n° 4438, de 28 de maio daquele
mesmo ano 13.
Ao longo destes últimos 12 anos de existência da Secretaria de Meio
Ambiente e de seu setor responsável pelo combate a poluição sonora no
município, verificamos que as reclamações de poluição sonora acompanha a

10
Cf. o tópico três e seus sub-tópicos da NBR 10151:2000 que fixa os procedimentos para a medição de
ruído.
11
OMS apud MACHADO, p. 616-617.
12
GERGES, p. 51.
13
Leis disponíveis em: http://sistemas.vitoria.es.gov.br/webleis/busca.cfm. Acesso em 09 de abril de
2009.
799

dinâmica e o desenvolvimento da cidade, seja em sua totalidade 14, seja


setorizada em cada uma das oito regionais existentes apresenta um problema
específico, um bairro pode apresentar uma característica distinta, grupos com
maior escolaridade 15, maior renda e idade maior costumam fazer um maior
16
número de reclamações e ter um menor índice de satisfação. Regiões mais
carentes costumam ter muito menos reclamações do que os bairros de classe
média e alta. Tudo isso, todos esses dados ajudam a criar um mosaico de
problemas setorizados que exigem uma solução comum em nosso município.
Nossa legislação ambiental de combate a poluição sonora é uma das
pioneiras no país. Desde 1998, com a publicação da Resolução 10/98 do
Conselho Municipal do Meio Ambiente de Vitória (COMDEMA), há um
documento específico que determina os limites de ruído toleráveis durante o
período diurno e noturno, por zonas urbanas baseadas no Plano Diretor
Urbano aprovado em 1994 17, especificação de atividades permitidas e
proibidas, além de elencar um rol numerus clausus de exceções, como, por
exemplo, dos festejos constantes no calendário oficial da cidade.
No último ano, o Disque Silêncio de Vitória recebeu cerca de 5.700
denúncias de poluição sonora. Desde 2005 foram cerca de 20.000
reclamações. Dessas reclamações, aproximadamente 29% são provenientes
de ruído de som instalados em veículos automotores; 21% são de ruídos
provenientes de residências e condomínios (apartamentos ou na área comum),
geralmente festas com música ao vivo ou mecânica; ruídos provenientes de
bares, restaurantes e quiosques por 13%; e obras na construção civil são

14
Em Vitória 11% das denúncias são realizadas por menores de 25 anos, 41% são feitas por pessoas entre
26 e 40 anos e 48% das reclamações são feitas por pessoas de mais de 40 anos. Todos os dados
relacionados a faixa etária, escolaridade e o índice de satisfação são referentes às denúncias realizadas
desde 18 de outubro de 2007 até 31 de dezembro de 2008.
15
8% dos usuários possuem até o ensino fundamental completo, 28% possuem o ensino médio e 64%
possuem ensino superior completo.
16
O índice de satisfação com o serviço varia com a faixa etária e com o nível de escolaridade. O serviço
possui aprovação de 88% na faixa etária inferior a 25 anos. 83% entre 26 e 40% e acima de 40 anos, 81%.
Quanto a escolaridade, quem tem até o ensino fundamental completo, o índice de satisfação é de 90%,
quem possui o ensino médio o índice é de 84% e a aprovação por quem tem o ensino superior completo é
de 81%.
17
Lei Municipal n° 4.167, de 27 de dezembro de 1994, publicado em 06 de janeiro de 2005. Porém, há
um novo Plano Diretor Urbano vigente no município de Vitória desde 2006, instituído pela Lei Municipal
n° 6.705, de 13 de outubro de 2006, publicado em 16 de outubro do mesmo ano. Disponível em:
http://sistemas.vitoria.es.gov.br/webleis/busca.cfm. Acesso em 09 de abril de 2009.
800

responsáveis por 12% das reclamações. As demais reclamações são cerca de


25% das denúncias e são dos mais variados tipos: reclamações por alarme,
5%; festas realizadas em logradouro público e manifestações, 4%; clubes e
casas de festas, outros 4%; por cultos religiosos com som amplificado, 3%;
som proveniente de máquinas e equipamentos de serralheria e outras
atividades do gênero, 2%; estabelecimentos comerciais, estabelecimentos de
ensino, ensaios de blocos carnavalescos e escolas de samba, trios elétricos e
ruídos não identificados são responsáveis por 1% cada, demais ruídos não
18
especificados, 2%.
Ao longo destes anos percebemos uma cerca homogeneização dos
ruídos em determinadas zonas da cidade. Como por exemplo, a verticalização
urbana, as obras de construção civil, de construção de grandes
empreendimentos, condomínios residenciais e empresariais atingem
basicamente áreas determinadas da cidade. Veículos automotores com
aparelhos produtores ou amplificadores de som instalado é outro problema
comum em todo município que se agrava no verão com o fluxo de turistas de
outros estados que desconhece a legislação e neste período, as principais
constatações são ocasionadas na orla e na proximidade de bares e
restaurantes de determinadas áreas da cidade, áreas que costuma ser
predominante residencial, apesar dos estabelecimentos. Outro problema
específico que poderia ser citado seria as reclamações provenientes do
comércio no Centro de Vitória, onde grande parte das reclamações são
advindas de caixas amplificadoras de som voltadas para o logradouro público
existentes nas lojas com intuito de chamar a atenção dos pedestres.
Com os dados existentes das denúncias podemos esboçar um perfil dos
problemas de poluição sonora no município. Porém, somente poderíamos
tornar concretos esse perfil e direcionar as ações de combate e controle ao
ruído no município de Vitória com a criação da carta acústica e delimitar as
19
zonas sensíveis a ruído conforme Código Municipal de Meio Ambiente.

18
Os dados referentes as reclamações de poluição sonora de Vitória são referentes aos dados existentes
no banco de dados existente no Disque Silêncio, onde, no período 01/01/2005 até 31/12/2008 foram
registradas 19.906 denúncias.
19
Cf. o artigo 110, I e V do Código Municipal de Meio Ambiente (Lei Municipal 4438/1997). Disponível
em: http://sistemas.vitoria.es.gov.br/webleis/busca.cfm. Acesso em 09 de abril de 2009.
801

5 A AGENDA 21 NA CIDADE DE VITÓRIA: O COMBATE À POLUIÇÃO


SONORA COMO UM DOS OBJETIVOS
A Agenda 21 instituiu metas para a cidade de Vitória com intuito de
promover a sustentabilidade urbana do município. Com relação a poluição
sonora há dois tópicos neste documento:

1 – Delimitar as zonas sensíveis a ruído, previstas no Código Municipal


de Meio Ambiente e incorporá-las ao Zoneamento do Plano Diretor Urbano
(PDU);

2 – Aperfeiçoar a legislação e elaborar instruções técnicas para controle


da poluição sonora de atividades que gerem ruídos causadores de incômodo.
20

Quanto ao primeiro tópico, o artigo 110, I do Código Municipal de Meio


Ambiente de Vitória (Lei Municipal n° 4438/1997) estabelece como
21
competência da SEMMAM elaborar a carta acústica do município. A carta
acústica aliada ao Plano Diretor Urbano será um importante passo para tornar
22
a enquadrar a cidade de Vitória no conceito de “Cidades Sustentáveis” ,
através do zoneamento urbano adequado. Todo e qualquer estabelecimento
comercial, industrial ou qualquer outra que possa a vir produzir poluição sonora
teria que se adequar ao Plano Diretor Urbano que agora, levar-se-ia em conta

20
VITÓRIA, 2003, p. 109
21
A carta acústica ou mapeamento sonoro é um mapa acústico baseado em um levantamento dos níveis
de ruído de uma cidade através da medição ou do uso de método predicional, sendo representadas por
meio de curvas isofônicas (pontos de ruído com a mesma intensidade) de uma determinada área
geográfica, sendo mapeamento um ferramenta fundamental para o estudo do ruído ambiental. Interessante
trabalho apresentado no XXII Encontro da Sociedade de Acústica (realizado em Belo Horizonte nos dias
26 a 29 de novembro de 2008) aborda o mapeamento sonoro como importante instrumento para o estudo
do ruído ambiental nas cidades, demonstrando através do projeto-piloto realizado em Florianópolis, a
necessidade de se adequar a gestão de ruídos urbanos com a legislação ambiental das cidades. Cf.
VENTURA, 2008
22
O Professor Paulo de Bessa Antunes faz interessante conceituação de cidade sustentável, o qual a
coloca como princípio da política urbana e que o mesmo seria “entendido como direito à terra urbana, à
moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao
trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações” (CF. BESSA, p. 303). Interessante estudo de
cidade sustentável também pode ser encontrado na publicação do Ministério do Meio Ambiente, “Cidades
Sustentáveis: subsídios à Agenda 21 Brasileira”. BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Cidades
Sustentáveis: Subsídios à Elaboração da Agenda 21 Brasileira. Brasília: Ministério do Meio
Ambiente, 2000.
802

agora também o que estaria na carta acústica. A criação desta ferramenta seria
condição para a implementação também no disposto no primeiro tópico acima
e no artigo 110, V do Código de Meio Ambiente local, ou seja, delimitar as
chamadas zonas sensíveis a ruído, o qual impediria a localização de
estabelecimentos industriais, fábricas, oficinas ou outros que produzam ou
possam vir a produzir ruídos nestas áreas e nas áreas denominadas “unidades
23
territoriais residenciais”. De certo modo, isso acabará por tornar mais
rigoroso o processo de licenciamento ambiental para implementação de
qualquer estabelecimento comercial ou industrial no município, pois agora se
levaria em conta se tal estabelecimento poderia ou não ser instalado em
determinada área, sendo a zona sensível à ruído a mais restritiva. Com a carta
acústica, isso já estaria pré-definido, pois os estudos prévios para a sua
elaboração já levariam em conta os impactos que a poluição sonora provoca
em toda a área territorial municipal. Portanto, as limitações definidas e
compiladas em seu zoneamento seria pré-requisito essencial para a obtenção
do licenciamento ambiental.
Já com relação ao segundo tópico é necessário fazer as atualizações e
adaptações necessárias da legislação existente com a atual realidade,
incluindo o zoneamento da Carta Acústica e suas especificações nela.
Transformar a Resolução 10/98 do COMDEMA em lei municipal seria um
passo importante, tal como fez a cidade de Curitiba ao aprovar em 2002 a Lei
Municipal 10.625, onde está disposto o controle e o combate à poluição sonora
daquele município.

6 CONCLUSÃO
Portanto, o combate à poluição sonora é uma das formas de se
conseguir a tão almejada sustentabilidade urbana e Vitória, através do serviço
Disque Silêncio possui um dos melhores projetos de combate à poluição
sonora do país. Diante desse quadro, impõe necessário o zoneamento urbano

23
Interessante como o professor Paulo de Bessa Antunes coloca o papel do município no estabelecimento
do seu zoneamento urbano através do Plano Diretor Urbano, sendo este para o autor “o instrumento
básico da política de desenvolvimento e da expansão urbana. É através do plano diretor que as cidades
podem planejar o seu desenvolvimento e fixar critérios jurídico-urbanísticos para a correta ocupação do
solo e do território”. Cf. ANTUNES, 2002, p. 322.
803

com base nos dados aferidos e representados na carta acústica do município,


para ajudar a administração municipal a evitar o caos urbano. A Agenda 21 do
Município prevê isso. O artigo 110, I e V do Código Municipal de Meio
Ambiente também. Sem contar que a Constituição Federal nos seus artigos
182 e 183 que traçaram a política urbano-ambiental (preceitos constitucionais
regulamentados infraconstitucionalmente pelo Estatuto das Cidades 24), criou
normas e institutos que possibilita para alcançarmos a sustentabilidade urbana.
Então, não nos falta instrumento legal para tornar cada vez mais eficiente o
combate ao ruído e isto é somente um de vários outros passos que o município
tem que realizar para tornar real a idéia, tão em voga nos tempos atuais, de
Cidade Sustentável.

BIBLIOGRAFIA

ANTUNES, Paulo Bessa. Direito Ambiental. 6ª Edição. Rio de Janeiro: Lúmen


Júris. 2002.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 10151. Brasília:


ABNT, 2000.

BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Cidades Sustentáveis: Subsídios à


Elaboração da Agenda 21 Brasileira. Brasília: Ministério do Meio Ambiente.
2000.

GERGES, Samir N. Y. Ruído: Fundamento e Controle. Florianópolis: UFSC.


1992.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. IBGE Cidades.


Disponível em http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1. Acesso em
09 de abril de 2009.

MACHADO, Paulo Affonso Leme Machado. Direito Ambiental Brasileiro. 11ª


ed. São Paulo: Malheiros. 2003.

PREFEITURA MUNICIPAL DE VITÓRIA. Agenda 21 da Cidade de Vitória –


um sonho em construção. Vitória: Prefeitura de Vitória. 2003.

24
Cf. Lei Federal n° 10.257, de 10 de julho de 2001.
804

_________________. Informações Municipais. Disponível em:


http://www.vitoria.es.gov.br/regionais/geral/geograficos.html. Acesso em 09 de
abril de 2009.

VENTURA, A, N. et al. Uma contribuição para o aprimoramento do Estudo de


Impacto de Vizinhança: a gestão do ruído ambiental por mapeamento sonoro.
In: XXII ENCONTRO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE ACÚSTICA. 2008.
Belo Horizonte. Disponível em:
www.gaama.ufsc.br/articles/Especializadas/26_11_2008.pdf. Acesso em abril
de 2009.
805

AÇÃO CIVIL DE RESPONSABILIDADE POR IMPROBIDADE


ADMINISTRATIVA EM MATERIA AMBIENTAL

MÁRCIO JOSÉ TOPOLSKI

1 INTRODUÇÃO
Pretende-se, a partir da análise das normas e princípios relacionados à
responsabilidade civil e improbidade administrativa, estabelecer uma ligação
entorno dos danos causados ao meio ambiente, a responsabilização e eficácia
da reparação de danos ambientais por parte das condutas praticadas por
agentes públicos, verificando o emprego da responsabilização objetiva do
degradador ambiental, se ela é realmente eficaz para se estabelecer o statu
quo ante, para que se tenha um meio ambiente reequilibrado em sua forma
natural.
Nota-se que evolução da sociedade juntamente com o avanço
tecnológico e o aumento do poder econômico da sociedade, causando um
consumismo desenfreado, faz com que passamos a viver em uma sociedade
de risco onde indústrias trabalham com sua produção máxima,
conseqüentemente poluindo mais, porque passam a produzir em grande escala
para satisfazer as novas necessidades da população, que passa a ser
extremamente consumista, faz ainda com que ao pé desta evolução, surjam
problemas causados ao meio ambiente, e além dos causados ao meio
ambiente, traz consigo um descompasso com os meios de proteção ambiental
que evoluem a passos lentos. O dever do Estado como responsável em
relação a tudo isso parte desde a educação do individuo até a fiscalização e
implementação de projetos que garantam um meio ambiente ecologicamente
equilibrado, sob pena da improbidade administrativa por meio de ação de
responsabilidade civil para que assim sejam apurados os responsáveis na
tentativa de se estabelecer o Statu quo ante.
806

2 DESENVOLVIMENTO
O mundo em que vivemos assim como a ciência do Direito vive em
constante transformação e com um eterno problema, a velocidade da evolução
da sociedade aliado a necessidade de um constante aperfeiçoamento do
mundo jurídico, para regular as relações e conflitos daí advindos. Esta
transformação tem-se mostrado cada vez mais célere, na medida em que a
cada dia nos são apresentadas novas tecnologias, sem, contudo, haver uma
prévia regulamentação sobre o seu uso. Dessa forma, verifica-se a
necessidade de adaptação de normas e princípios frente às constantes
mudanças de valores adotados pela sociedade atual que ao deparar-se com
ditas novidades tecnológicas, esquece de seus deveres e direitos básicos para
uma vida digna e saudável.
Nesse sentido a Constituição Federal Brasileira de 1988 foi expressa, no
art. 225 ao determinar que direitos e deveres do Poder Público e da
coletividade: Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,
bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se
ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para os
presentes e futuras gerações.
Diante da necessidade de uma regulamentação acerca dos danos
causados ao meio ambiente vem à Lei nº 6.938/81, a chamada Lei de Política
Nacional do Meio Ambiente estabelecer a responsabilidade objetiva do
poluidor. Portanto se o Estado, “Agente Público” ou terceiros, na medida em
que tem o Estado o dever de fiscalização, vierem a causar qualquer dano ao
meio ambiente, sua responsabilidade independe de culpa.
Partindo da fundamentação constitucional disposta no artigo 225 caput e
parágrafos, da Constituição Federal de 1998 , fica caracterizado o supracitado
sobre a violação ao direito a um meio ambiente equilibrado que constitua uma
qualidade de vida sadia a todos, e as futuras gerações, também fica claro a
responsabilização pelos danos ao meio ambiente, assunto que se desenvolve
ao longo desta pesquisa. Faz-se necessário estabelecer um debate crítico a
entorno do assunto, de modo a delimitar a aplicação da reparação e da
responsabilização dos agentes públicos frente ao Direito Ambiental.
807

O conceito de meio ambiente e sua proteção pelo direito, que logo mais
seria incorporado pela constituição Federal de 1988, surge juridicamente em
1981 com a lei 6.938 em seu artigo 3º inciso I, que dispõe:

Art 3º - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:


I - meio ambiente, o conjunto de condições, leis,
influências e interações de ordem física, química e biológica,
que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas;
Para Hely Lopes Meirelles (2001, p.543), Direito Ambiental é o
estudo dos princípios e regras tendentes a impedir a
degradação dos elementos da natureza [...]

Segundo Leite (2003, p. 71) Qualquer que seja o conceito a se adotar, o


meio ambiente engloba, sem dúvida, o homem e a natureza, com todos os
seus elementos. Desta forma, se ocorrer uma danosidade ao meio ambiente,
esta se estende à coletividade humana, considerando tratar-se de um bem
difuso interdependente.
Quanto à administração pública muitas vezes negligente quanto ao meio
ambiente, deixa de prestar seu dever de fiscalização exercendo seu poder de
polícia, e outras autorizando obras ou licenciamentos que venham a degradar
diretamente o meio ambiente como um todo, estamos diante então da
conhecida improbidade administrativa por ação ou omissão.
Já a ação civil pública por improbidade administrativa, surge com a idéia
de cobrar das autoridades públicas a efetivação da proteção ao meio ambiente
que são impostas a estes, como por exemplo o plano diretor de um
determinado município.
No ano de 1981 nasce em nosso ordenamento jurídico com a Lei
6.938/81 que ante veio a Constituição Federal de 1988, a determinação de
responsabilidade civil objetiva que dispensa de culpa a obrigação de indenizar,
podendo os responsáveis serem pessoas físicas ou jurídicas.
Na Constituição Federal a responsabilidade objetiva por danos
ambientais está descrita em seu artigo 225 §3º - “As condutas e atividades
consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas
ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independente da obrigação de
reparar os danos”(grifo nosso).
808

Nesse sentido, Antunes, afirma:

Merece ser ressaltado que, no caso brasileiro, a


responsabilidade ambiental é objetiva e, cronologicamente,
antecede à própria Constituição de 1988. O sistema vigente no
Brasil foi introduzido em nosso ordenamento jurídico pela Lei
6.938 de 31 de agosto de 1981[...]. (1998, p. 138).

Assim, tem-se que a proteção ao meio ambiente se dá mediante três


tipos de responsabilidade: a administrativa, a civil e a penal.
No que diz respeito ao princípio da responsabilidade, mais conhecido
como princípio do poluidor pagador, é tratado pela maioria de nossos
doutrinadores, e assim adotado pelo artigo 16 da Declaração do Rio de janeiro
que assim dispõe:

As autoridades nacionais devem esforçar-se para promover a


internalização dos custos de proteção do meio ambiente e o
uso de instrumentos econômicos, levando-se em conta o
conceito de que o poluidor deve, em princípio, assumir o custo
da poluição, tendo em vista o interesse do público, sem
desvirtuar o comércio e os investimentos internacionais.

Em suma, o princípio do poluidor pagador vem acrescentar uma defesa


econômica ao sujeito sofredor de dano ambiental e reafirmar a obrigação do
sujeito ativo, degradador do meio ambiente, de efetuar a reparação ao dano
causado sem causar ônus ao sujeito passivo do dano sofrido, mas em
contrapartida não quer dizer que o poluidor pagador tem o direito de poluir, e
depois apenas efetuar a compensação dos danos causados como se fossem
créditos para poder poluir. A função deste princípio é criar uma consciência
com a finalidade de impedir novos danos ao meio ambiente.
Dessa forma, as autorizações de funcionamento de empresas que
emitem resíduos tóxicos funcionam como uma regulamentação do que elas
podem e não podem fazer, do volume de resíduos que elas poderão emitir, e
não de quanto elas terão de pagar para poder poluir mais do que o permitido e
que possa degradar o meio ambiente.
E neste sentido da responsabilidade civil, que encontramos o verdadeiro
objetivo da reparação ao meio ambiente degradado, sendo o agente causador
809

do dano pessoa física ou jurídica, agindo por ação ou omissão. Segundo Rui
Stoco:

[...] na medida em que havendo condenação em obrigação de


fazer, consistente em recompor a área atingida, a fixação de
valor a título de indenização não se justifica, nem encontra
supedâneo jurídico.
Mas, se impossível essa recomposição, então impõem-se a
aplicação subsidiária do mecanismo da reparação em espécie,
se comprovado o dano ecológico ou ao meio ambiente. (2005,
p. 662)

Demonstra-se aqui, que a reparação ao meio ambiente, ou seja, sua


readequação ao estado anterior ao da degradação, que nem sempre é
possível. Então temos a reparação em espécie que nada mais é que uma
indenização destinada a amenizar os danos causados ao meio ambiente.
Quando falamos em Improbidade Administrativa, falamos do ramo do
direito administrativo que nasce juntamente com a sociedade e a necessidade
de organização do meio em que se vive e a administração da máquina estatal,
governo, criando direitos e deveres do estado com o cidadão.
Podemos conceituar a improbidade administrativa como a ação ou
omissão contrária a probidade, a integridade de caráter e honradez da
administração pública, a violação de princípios constitucionais, prejuízo ao
erário público e enriquecimento ilícito, praticados por ente dotado de poder
público. Artigo 14 da Lei 8.429/92 1.
Atos de improbidade administrativa devem ser processados através de
ação civil pública, sua origem com se deu com a Lei nº 7.347/85 que assim a
regulamenta, mas acredita-se que a sua verdadeira origem, segundo Abelha
(2004), deve-se a uma lacuna deixada pelo Artigo 14, parágrafo 1º 2 da Lei nº
6.938/81 que dava a possibilidade ao Ministério Público ajuizar ação de

1
Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou não, contra a administração
direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos
Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação
ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da
receita anual, serão punidos na forma desta lei.
2
§ 1º - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da
existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua
atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e
criminal, por danos causados ao meio ambiente.
810

reparação pelos danos causados ao meio ambiente. Já em um segundo


momento a referida Lei 7.347/85 sofre nova redação determinada pela lei
8.884/94 definindo em seu artigo 1º e incisos, “Regem-se pelas disposições
desta lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por
danos morais e patrimoniais causados: I – ao meio ambiente; II – ao
consumidor; III – a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico
e paisagístico; IV – a qualquer outro interesse difuso ou coletivo; [...]”.
Esta ação sempre que proposta, não causa prejuízo à ação penal se
esta for cabível, visto que seu objetivo é a suspensão dos direitos políticos, a
perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao
erário.
Quanto a competência para a promoção desta ação, a Constituição
Federal de 1988 conferiu em seu Artigo 129, III, ao Ministério Público enquanto
função, promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção do
patrimônio público e social, que devemos aqui entender como meio ambiente e
demais interesses coletivos e difusos.

3 CONCLUSÃO
Diante do estudo realizado podemos afirmar que nosso meio ambiente
muitas vezes é deixados de lado, sendo priorizados interesses econômicos
esquecendo-se de direitos e deveres fundamentais, garantias da dignidade
humana. Poderes Públicos e coletividade, ambos degradadores do meio
ambiente devem ser responsabilizados por suas ações ou omissões.
Não obstante o desrespeito a nossa lesgislação, ainda temos o
desrespeito de agentes públicos com a coletividade, afetando assim direitos
fundamentais como a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, a saúde
e a dignidade humana.

BIBLIOGRAFIA

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812

AVALIAÇÃO MICROBIOLÓGICA DA INFLUÊNCIA DO DESPEJO DE


EFLUENTES DE UMA ESTAMPARIA SOBRE UM ECOSSISTEMA LÓTICO

PÂMELA CATIÚSCIA FELIPIM DA SILVA 1


MARCUS ADONAI CASTRO-SILVA 2
THIAGO MEINICKE DE MELO 3

1 INTRODUÇÃO
Nos ambientes aquáticos os nutrientes orgânicos e inorgânicos estão em
uma forma solúvel, facilitando a absorção pelos organismos, principalmente os
autotróficos. Estes ecossistemas, nas regiões lóticas, são constituídos por
plâncton e nécton, sendo a comunidade planctônica formada por bactérias, algas
e invertebrados que são capazes de flutuar na água, ao contrário do nécton, que
possui movimentos próprios representado principalmente por peixes e crustáceos
(ESTEVES, 1998).
O metabolismo em sistemas aquáticos compreende três etapas: produção,
consumo e decomposição. Bactérias e fungos desempenham um papel
fundamental como organismos decompositores e remineralizadores. Estes
organismos convertem fibras e paredes celulares em matéria saprofítica e gás
carbônico (PINTO-COELHO, 2000; SUREN & LAKE, 1989).
Os ecossistemas de rios e riachos estão sofrendo intervenções e
modificações em suas paisagens, decorrentes de ações antropogênicas,
principalmente pela urbanização e atividades industriais. O uso incorreto dos
recursos hídricos modifica as características físico-químicas e ambientais destes
ecossistemas, sendo poucos os rios e riachos que mantêm preservadas e
íntegras suas condições naturais (ALLAN, 1995).
As estamparias são caracterizadas como indústrias têxteis de
beneficiamento que produzem no material têxtil, cores ou desenhos localizados,
diferindo do tingimento. É a técnica têxtil que mais se aproxima da arte. Para

1
Graduanda em Ciências Biológicas. e-mail: pamy_felipim@hotmail.com
2
Doutorando em Microbiologia. e-mail: marcus.silva@univali.br
3
Bacharel em Ciências Biológicas. thiago.melo@univali.br
813

estampar um tecido, seguem-se as seguintes etapas, conforme descrito por


Rogério, através de comunicação verbal.
Preparação da pasta de estampar, com alta viscosidade, para que não
ocorra o alastramento do desenho. Para diminuir a viscosidade pode ser
adicionado um amaciante para diluição.
Estampagem, que consiste na aplicação da pasta em uma tela. Esta tela
geralmente é feita de poliéster ou nylon para facilitar a lavagem e reter a menor
quantidade possível de pasta. A pasta de estampar é espalhada sobre a tela com
um rodo, fazendo pressão para que ela atravesse os orifícios do tecido, colorindo-
o nas regiões desejadas. Como cada tela só pode estampar uma determinada
cor, é utilizado um número de telas igual ao número de cores.
Secagem, para evitar o alastramento da pasta.
Fixação do corante, através de calor seco. Permite que o corante penetre
no interior da fibra.
Após a estampagem a pasta das telas deve ser removida com querosene,
e as telas são lavadas com água abundante e detergente para retirar os
resquícios de querosene. Nessa etapa é que são gerados os maiores resíduos da
produção da estamparia. Estes resíduos são captados por um sistema composto
por seis filtros, com diferentes camadas, contendo pedra brita, macadame, areia
e serragem. Depois desta filtragem a água é despejada em um riacho próximo à
estamparia.
A pasta utilizada pela estamparia é um produto à base de resina de PVC
(Policloreto de Vinila), plastificantes: Bis (2-etilhexil) ftalato (DEHP); bis (2-
etilhexil) 1,2 Bezenodicarboxilato poliuretânica e corantes orgânicos.
Dentre os ftalatos existentes, o DEHP é um dos mais difíceis de serem
biodegradados e faz parte da lista dos 126 poluentes prioritários da Agência de
Proteção Ambiental (Environmental Protection Agency - EPA) dos Estados
Unidos. No Brasil, ainda não existem leis que regulamentem o lançamento dos
ftalatos no meio ambiente. Devido à baixa solubilidade em água os ésteres de
ácidos ftálicos tendem a acumular nos sedimentos e no solo. O nível de acúmulo
depende da solubilidade, do coeficiente de partição e das taxas de degradação
de cada um dos ftalatos (GIAM et al, 1980 apud MORITA et al. 2005). Estes
compostos são lentamente degradados no solo por microrganismos que habitam
814

o local e os mecanismos que regulam tal degradação ainda não são bem
entendidos (ROSLEV et al, 1998).
Querosene é um líquido resultante da destilação do petróleo, com faixa de
ebulição entre 175°C e 325°C, formada por uma combinação de alcanos,
cicloalcanos, benzenos e naftalenos (SOLOMONS & FRYHLE, 2005). Esta
substância apresenta alto poder de solvência sendo comumente utilizada como
solvente de resinas. Segundo BENTO (2005), constituintes de petróleo
apresentam baixa solubilidade em água, contribuindo para sua persistência no
meio ambiente, a bioacumulação nas cadeias alimentares e têm um grande efeito
sobre as propriedades do ambiente contaminado, com processos de toxidade
sobre os microrganismos e mortandade de alguns organismos.
Já foi constatado por Buckley et al, (1976), a habilidade dos
microrganismos degradarem os hidrocarbonetos naturais e derivados do petróleo.
Uma das possibilidades de tratamento seria a biorremediação, que, segundo
Baird (apud BENTO, 2005), é “o uso de microrganismos vivos para degradar ou
eliminar resíduos ambientais”, processo que aumenta a biodegradação de
substâncias no meio ambiente.
Seabra (2001) verificou que em uma mistura complexa de
hidrocarbonetos, são biodegradados por culturas microbianas mistas, de maneira
simultânea, com taxas que variam em função do desaparecimento de certos
componentes e conseqüentemente a mudança da biota. Porém, o sucesso do
tratamento por biorremediação depende de inúmeros fatores como a
característica e concentração do resíduo, temperatura, umidade, pH, salinidade e
nutrientes do meio, e a distribuição e presença dos microrganismos do meio.
Outra opção de tratamento seria a produção de biossurfactantes. Estas
são moléculas com porções hidrofóbicas e hidrofílicas, produzidas por
microrganismos, que são capazes de reduzir a tensão superficial e interfacial de
compostos insolúveis, aumentando a mobilidade, a biodisponibilidade e a
biodegradação. (BANAT, MAKKARN e CAMEOTRA, 2000 apud PIRÔLLO, 2006).
Consequentemente, a capacidade do biossurfactante emulsificar misturas de
hidrocarboneto/água tem sido muito bem documentada. Esta propriedade é
demonstrada pelo aumento significativo de degradação de hidrocarbonetos e por
isso é utilizado na biorremediação de solos e mananciais contaminados
(LOBATO, 2000; CRAPEZ et al, 2002 apud BENTO, 2005).
815

De acordo com Cameotra & Bollag (2003) e Pirôllo (2006) os


biossurfactantes podem ser utilizados “in situ” para emulsificar e aumentar a
solubilidade de contaminantes hidrofóbicos, como a querosene, e desta maneira,
facilitam o acesso dos microrganismos naturalmente presentes no ambiente para
que ocorra a degradação dos compostos hidrofóbicos, auxiliando a
biodegradação.
As comunidades heterótrofas dominam a maior parte de ambientes
aquáticos e terrestres. Uma análise da distribuição e presença de diferentes
comunidades microbianas pode proporcionar uma compreensão sobre o
funcionamento ecológico do ambiente. A caracterização das comunidades
heterotróficas pode ser realizada através de um ensaio simples da utilização de
diferentes fontes de carbono (Garland e Mills, 1991).
Estes ensaios são adequados para o acompanhamento de impactos
gerados por estresses sobre as comunidades microbianas. Podem indicar a
forma como toda a comunidade responde a interações tóxicas através da análise
da presença e, ou, ausência de alguns grupos no microambiente (Engelen et al,
1998; Garland e Mills, 1991). Neste sentido, o presente trabalho teve como
objetivo avaliar a influência do despejo de efluentes de uma estamparia
localizada em Brusque-SC, sobre as bactérias heterotróficas de um riacho.

2 DESENVOLVIMENTO

2.1 ÁREA DE ESTUDO


A área de estudo deste projeto compreende o curso de um riacho
localizado em Brusque-SC, entre as coordenadas 27°03’11” latitude Sul e
48°52’14” longitude Oeste. Este riacho segue seu curso, sentido leste à oeste,
até desembocar no Rio Itajaí-Mirim que banha todo o município. Não possui
descarga fluvial e dimensões determinada.

2.2 COLETA E PROCESSAMENTO DE AMOSTRAS


Para a realização deste trabalho foram coletadas amostras na área de
estudo em dois pontos distintos, um a montante do ponto de despejo de efluentes
e outro no ponto de despejo. Para as análises microbiológicas, as amostras foram
816

coletadas em frascos esterilizadas em autoclave a 121ºC por quinze minutos, e


mantidas refrigeradas até sua análise.

2.3 ANÁLISES MICROBIOLÓGICAS


a) Contagem e isolamento de bactérias heterotróficas
A contagem de bactérias heterotróficas foi realizada por métodos de cultivo
segundo APHA/AWWA/WPCF (1999). Para isto foram inicialmente preparadas
diluições decimais seriadas em água peptonada (0,1% de peptona de caseína)
até 10-4. Posteriormente alíquotas de 100µl das diluições 10-2 a 10-4 foram
inoculadas em placas de Ágar R2A, em triplicata, e incubadas em estufa a 30ºC
por sete dias. Transcorrido o tempo de incubação o número de colônias nas
placas que apresentarem de 30 a 100 colônias foi registrado. Para o isolamento
foram selecionadas de forma aleatória 10 colônias de bactérias de cada amostra
analisada para sua caracterização, descrita abaixo. As colônias selecionadas
foram repicadas em novas placas de Agar R2A para seu isolamento. Este
procedimento será repetido várias vezes até a obtenção de colônias purificadas.
Depois de purificados, os organismos receberam um código único, e foram
armazenados em tubos com ágar inclinado a 4ºC.
Após a verificação do crescimento das colônias microbianas, nas
diferentes diluições das amostras, foi possível verificar o número de colônias da
segunda série de diluição de cada ponto amostral. O ponto a montante do
despejo do efluente apresentou 20000 UFC/ml, enquanto o ponto no local do
despejo apresentou 52000 UFC/ml. Com este resultado pode-se constatar o
aumento no número de colônias presentes no ponto amostral onde está
ocorrendo o despejo do efluente.

b) Caracterização das bactérias isoladas


As bactérias isoladas foram caracterizadas quanto à utilização de quinze
fontes distintas de carbono. O intuito desta análise é verificar a influência do
efluente sobre os grupos funcionais de microrganismos heterotróficos. Para isto
foram realizadas pré-culturas dos organismos a serem estudados em tubos de
ensaio contendo 10ml de caldo nutriente, incubados a 30ºC por 48 horas. A partir
destas pré-culturas foram inoculadas microplacas contendo meio M9
suplementado com vitaminas e uma das fontes de carbono a serem testadas,
817

sendo que foram colocados meios com diferentes fontes de carbono em cada
poço. Foram feitos controles não inoculados para cada fonte de carbono, controle
negativo (Meio M9 sem nenhuma fonte de carbono) e controle positivo (caldo
nutriente). As microplacas inoculadas foram incubadas por 1 semana.
Transcorrido o tempo de incubação, a densidade óptica de cada cultura será
determinada e comparada em relação com o controle para verificar o
crescimento, sendo registrado positivo ou negativo, de acordo com o resultado
obtido. A partir dos resultados obtidos, as bactérias isoladas foram avaliadas pela
análise de agrupamentos, para verificar a existência de grupos de similaridade
presentes, buscando estabelecer diferenças entre as amostras coletadas antes e
depois do ponto de despejo do efluente.
Os organismos formaram três grupos distintos que apresentam 70% de
similaridade entre eles conforme a utilização das fontes de carbono (Figura 1). O
primeiro grupo é composto somente por organismos do ponto a montante do
despejo, o que pode estar indicando que são organismos que não resistiram à
influência do efluente no ecossistema. O segundo grupo é formado por
organismos do ponto amostral onde ocorre o do despejo do efluente. Estes
organismos podem ocorrer no local devido à presença do efluente no ambiente. E
por fim, o terceiro grupo é formado por organismos encontrados em ambos os
pontos amostrais, podendo ser considerados organismos que não sofreram
influência da presença do efluente no ambiente, sendo comuns aos dois pontos
amostrais.
Testes de monitoramento como utilizado no presente trabalho, fornecem
detalhes sobre a mudança na diversidade funcional e composição estrutural das
comunidades microbianas. Demonstram-se adequados para a detecção de
efeitos espaciais em alguns casos de contaminação, caracterizando uma
resposta da comunidade ao estresse sofrido (Engelen et al, 1998; Garland e Mills,
1991).
818

Figura 1 – Agrupamento dos organismos conforme a coincidência da utilização das fontes de


carbono.

c) Contagem e isolamento de bactérias degradadoras de querosene


A contagem de bactérias degradadoras de querosene foi realizada pela
técnica de número mais provável (NMP) utilizando o meio de cultura de Bushnell-
Haas (BUSHNELL e HAAS, 1941) suplementado com querosene a 1% (meio
BHQ). Para isto foram inoculadas três séries de três tubos de ensaio contendo
meio de cultura. Para a primeira série foram inoculados 10ml de amostra não
diluída em três tubos contendo 10ml de meio BHQ com concentração dobrada.
Para a segunda séria foi inoculado 1ml de amostra em três tubos de ensaio
contendo meio BHQ em concentração normal, e para última série três tubos de
ensaio contendo meio BHQ em concentração normal foram inoculados com 1ml
de amostra diluída a 10-1. Após inoculação os tubos de ensaio foram incubados a
30ºC por duas semanas. Transcorrido o tempo de incubação os tubos foram
examinados visualmente pela turbidez, e microscopicamente para a detecção de
crescimento microbiano. A partir da combinação de tubos positivos, o NMP de
bactérias degradadoras de querosene foi calculado, com o auxílio de uma tabela
de NMP (APHA/AWWA/WPCF, 1999). Os tubos com crescimento microbiano
foram repicados para placas de Petri contendo meio BHQ solidificado (ágar a
819

1,5%), utilizando alça de platina, e as placas inoculadas foram incubadas em


estufa a 30ºC até o aparecimento de colônias. Posteriormente, colônias de
diferentes morfologias foram purificadas através de repiques sucessivos até o seu
isolamento. Estando isoladas, as bactérias foram identificadas (ver abaixo) e
armazenadas em tubos de ensaio contendo Ágar Nutriente inclinado, a 4ºC.

d) Identificação bioquímica das bactérias isoladas degradadoras de


querosene
As bactérias isoladas foram identificadas segundo Sneath et al, (1994).
Para isto foram realizados os seguintes testes bioquímicos e morfológicos:
morfologia e motilidade celular, coloração de Gram, metabolismo oxidativo ou
fermentativo, produção de citocromo oxidase e catalase, crescimento em
anaerobiose, produção de ácido a partir da glucose, arabinose, manitol e xilose,
utilização citrato como fonte de carbono, produção das enzimas amilase,
protease, uréase e gelatinase, redução do nitrato e teste de Vorges-Proskauer.
Os testes foram realizados segundo Smibert e Krieg (1994).
Foi possível isolar doze colônias que apresentavam morfologia diferente.
No decorrer do trabalho, oito colônias isoladas perderam sua viabilidade,
restando apenas quatro colônias para a realização dos testes de identificação. A
partir do testes bioquímicos realizados (Tabela 2), foi possível verificar que todos
os organismos são bacilos Gram-positivos, com metabolismo fermentativo,
capazes de produzir ácido a partir de glucose, xilose e manitol. Edmonds e
Cooney (1966) já constataram a predominância de bacilos Gram-positivos,
fermentadores em sistemas com a presença de querosene.
Comparando os resultados dos testes bioquímicos com as tabelas de
identificação de Funke e Bernard, (1999) foi verificado que os quatro organismos
pertencem provavelmente ao gênero Microbacterium sp.. Porém não podem ser
considerados da mesma espécie já que diferem em alguns resultados dos testes
de identificação. Para confirmação da sua posição taxonômica seriam
necessários outros métodos de análise molecular, mas com os resultados
obtidos, pode-se afirmar que os organismos degradadores de querosene
presentes nas amostras coletadas compreendem pelos menos duas espécies
distintas.
820

O possível gênero identificado difere dos gêneros relatados em outros


trabalhos. Os gêneros Sphingomonas, Pseudomonas, Rhodococcus,
Acinetobacter e Mycobacterium, por exemplo, já se mostraram abundantes na
degradação de querosene em ambientes extremos como nas superfícies de gelo
na Antártica (Alekhina et al, 2007). Por outro lado, Edmonds e Cooney (1966)
verificaram a presença de bactérias do gênero Bacillus e Pseudomonas em
sistemas de degradação de querosene.

Tabela 2 – Resultado dos testes morfológicos e microbiológicos das bactérias degradadoras de


querosene:

A 1-1 A 2-1 D 1-1 D 1-2


Morfologia B B B B
Coloração de Gram + + + +
Motilidade - + - -
Citocromo Oxidase - + - -
Catalase - + - -
Metabolismo F F F F
Redução do Nitrato + - + +
Teste MR – VP - - - -
Amilase + + + +
Protease - + - -
Urease - - - -
Gelatinase - + - -
Ácido da Glucose + + + +
Ácido da Xilose + + + +
Ácido da Arabinose + - + +
Ácido da Manitol + + + +
Utilização do Citrato - - + +
Crescimento Anaeróbio + - + +
Símbolos: +, reação positiva; -, reação negativa; B, bacilos; F, metabolismo fermentativo.
821

3 CONCLUSÕES ARTICULADAS
A análise dos organismos heterotróficos mostrou que o efluente não
exerce grande efeito sobre os grupos funcionais, já que o maior grupo com
similaridade é formado por organismos de ambos os pontos amostrais. Os grupos
que apresentaram alterações supostamente pela presença do efluente são
formados por poucos indivíduos, não podendo ser considerado uma grande
alteração das comunidades que compõe o ambiente.
As amostras apresentaram bactérias capazes de degradar a querosene, e
através dos testes morfológicos e bioquímicos foi possível identificar que existem
duas espécies, pertencentes provavelmente ao mesmo gênero Microbacterium.

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824

O DIREITO AO DESENVOLVIMENTO (SUSTENTÁVEL) E AS MUDANÇAS


NO PERFIL DO ESTADO:
Pela (re) afirmação de um Estado Socioambiental de Direito

Mª BEATRIZ OLIVEIRA DA SILVA 1

1 NOTA INTRODUTÓRIA
Pretende-se com este texto um breve exame de como o “direito ao
desenvolvimento” evoluiu para um “direito ao desenvolvimento sustentável”
operando mudanças no perfil do Estado que também evoluiu de um “Estado
Social” para um “Estado Socioambietal de Direito” e, ao mesmo tempo, (re)
afirmar a necessidade desse Estado Socioambietal - garantidor do direito a um
desenvolvimento sustentável balizado pela Constituição - a despeito da atual
crise engendrada pelo capitalismo e pelos defensores do“Estado mínimo”.

2 O DIREITO AO DESENVOLVIMENTO NO CONTEXTO DOS DIREITOS


HUMANOS
A evolução do direito humano ao desenvolvimento está ligada a diversos
fatores, entre eles, ao processo de descolonização nos meados do século XX
fundamentado, principalmente, no direito à autodeterminação dos povos.
O processo de descolonização trouxe mudanças no ordenamento
jurídico internacional contribuindo para o reconhecimento de uma categoria
especial de sujeitos – os países em desenvolvimento – e também para o início
de um processo de reconhecimento de novos direitos (de terceira dimensão)
cuja palavra chave é a solidariedade. 2
As disparidades no acesso aos frutos do desenvolvimento e a luta por
auto-determinação, está na origem do direito dos povos ao desenvolvimento –

1 Doutora em Direito Ambiental pelo CRIDEAU-Univesidade de Limoges - França, e professora da


Universidade de Santa Cruz do Sul ( RS) - UNISC. bia@unisc.br
2 OLIVEIRA, Silvia Menicucci de. Barreiras não-tarifárias no comércio internacional e direito ao
desenvolvimento. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.
825

direito que irá se inserir no conjunto dos direitos humanos- e, em 4 de


dezembro de 1986 , gerará uma declaração específica , visto que nessa data a
ONU adotará, pela resolução 41/128, a Declaração sobre o Direito ao
Desenvolvimento que declara em seu artigo 1º que :

O direito ao desenvolvimento é um direito humano inalienável


em virtude do qual toda pessoa humana e todos os povos
estão habilitados a participar do desenvolvimento econômico,
social, cultural e político, a ele contribuir e dele desfrutar, no
qual todos os direitos humanos e liberdades fundamentais
possam ser plenamente realizados.

Pode-se observar que o caráter pluridimensional do desenvolvimento


refletir-se-á no «direito ao desenvolvimento» já que ele está, de forma
interdependente, relacionado ao exercício de um conjunto de outros direitos:
direito à participação, direito ao desenvolvimento econômico, ao
desenvolvimento social e cultural, ao desenvolvimento político e a todas as
liberdades fundamentais – reafirmando a proclamação de Teerã de 1968 3, que
dispõe sobre a indivisibilidade dos direitos fundamentais, determinando que os
direitos humanos e as liberdades fundamentais são indivisíveis e que a
realização plena dos direitos civis e políticos sem o gozo dos direitos
econômicos, sociais e culturais, é impossível.
É importante observar a presença da dimensão individual e, ao mesmo
tempo coletiva, de «toda pessoa humana e de todos os povos». Dessa forma, o
direito ao desenvolvimento é, concomitantemente, um direito individual,
inerente a todo ser humano e, também, um direito de todos os povos.
Também é importante remarcar que, na sua trajetória de afirmação e
consolidação, o “direito ao desenvolvimento”avançou para um “direito ao
desenvolvimento sustentável”.

3 Nas palavras do Professor Antônio Augusto Cançado Trindade "Muito significativamente, a


universalidade dos direitos humanos resultou fortalecida na I Conferência Mundial de 1968 sobre a
matéria, sendo, 25 anos depois, reafirmada na II Conferência Mundial. Há, ademais, que ter presente que,
já em 1948, a Declaração Universal, além de proclamar direitos, conclamou a transformação da ordem
social e internacional de modo a assegurar o gozo dos direitos proclamados na prática. Na projeção
histórica do legado da Declaração Universal, as duas Conferências Mundiais de Direitos Humanos – a de
Teerã (1968) e a de Viena (1993) – na verdade, fazem parte de um processo prolongado de construção de
uma cultura universal de observância dos direitos humanos. " ver TRINDADE, Antônio Augusto
Cançado. O legado da Declaração Universal e o futuro da proteção internacional dos direitos humanos.
In: JÚNIOR, Alberto do Amaral, MOISÉS, Cláudia Perrone (org). O cinqüentenário da declaração
universal dos direitos do homem. São Paulo: Edusp, 1999.
826

3 DO DIREITO AO DESENVOLVIMENTO RUMO AO DIREITO A UM


DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
A institucionalização de forma positiva por meio da Declaração sobre o
Direito ao Desenvolvimento não significa que o processo de elaboração desse
direito tenha sido concluído, ao contrário, ele adquiriu contornos mais precisos
e mais contemporâneos e um alcance muito mais amplo nos documentos,
posteriormente aprovados, no âmbito da Organização das Nações Unidas 4.
Acreditamos que, mais do que uma demarcação de contornos do
desenvolvimento, a Declaração o Rio em 1992, ao adicionar a variável
ambiental às demais variáveis do desenvolvimento, operou uma verdadeira
mudança de paradigma, na medida em que, a questão do desenvolvimento
passa, necessariamente, pela questão da sustentabilidade ambiental, 5
confirmando as palavras do professor Marcel Burstyn de que «não existe
desenvolvimento se ele não for sustentável». 6
Assim, o direito ao desenvolvimento passou a estar indissoluvelmente
ligado à variável ambiental da sustentabilidade, ou seja, o direito ao
desenvolvimento passou a significar, necessariamente, direito ao
desenvolvimento sustentável já que seria um contra-senso admitir qualquer
modalidade de desenvolvimento, sem atentar que a qualidade de vida do ser
humano no planeta depende de um meio ambiente sadio e ecologicamente
equilibrado. 7
Reafirma-se, então, o desenvolvimento como um direito, mas como um
«direito ao desenvolvimento sustentável» pois, conforme o princípio 4 da

4 BEDIM, Gilmar Antônio. Direitos humanos e desenvolvimento - algumas reflexões sobre a


constituição do direito ao desenvolvimento. In: Desenvolvimento em questão, editora do Unijui, ano 1 n.
1, jan/jun 2003, p.123-149.
5 Mas é importante observar que a Carta Africana dos Direitos do Homem de 27de junho de 1981, é o
primeiro documento a consagrar um direito ao meio ambiente. Segundo o seu artigo 24, todos os povos
têm o direito a um ambiente satisfatório e global, propício ao seu desenvolvimento. Disponível em:
http://www.droitshumains.org/Biblio/Txt_Afr/instr_81.htm acesso em 6/5/2006
6 BURSZTYN, Marcel. Um desenvolvimento sustentável é possível. Entrevista ao Instituto Humanitas da
UNISINOShttp://www.unisinos.br/ihu/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=14
6 acesso em 06/11/2006.
7 ANDRADE, Roberto de Campos. O princípio do desenvolvimento sustentável no Direito Internacional
do Meio Ambiente. Dissertação de Mestrado em Direito Internacional - Departamento de Direito
Internacional da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2003.
827

Declaração do Rio, para alcançar o desenvolvimento sustentável, a proteção


ambiental deve constituir parte integrante do processo de desenvolvimento, e
não pode ser considerada isoladamente deste.
Antes mesmo da Declaração do Rio, o Protocolo de São Salvador, de 17
de novembro de 1988, adicional à Convenção Americana sobre os direitos
humanos em matéria de direitos econômicos sociais e culturais já dispunha, no
seu artigo 11, sobre o direito a um meio ambiente sadio, declarando que “ toda
pessoa tem direito a viver em meio ambiente sadio e a contar com os serviços
públicos básicos” e que “os Estados Partes promoverão a proteção,
preservação e melhoramento do meio ambiente”. 8
Após a Declaração do Rio, intensifica-se a afirmação de um direito ao
desenvolvimento sustentável, visto que os documentos internacionais que
reafirmam o direito ao desenvolvimento o fazem agregando a dimensão
ambiental à dimensão econômica e social.
E esse processo de afirmação do “direito a um desenvolvimento
sustentável” vai operar mudanças no constitucionalismo moderno e no próprio
perfil do Estado.

4 O DIREITO AO DESENVOLVIMENTO E AS MUDANÇAS NO PERFIL DO


ESTADO
A trajetória do desenvolvimento para obter um estatuto de «direito ao
desenvolvimento» é longa e de motivações variadas. Essa busca de
consolidação do desenvolvimento no campo jurídico está associada a diversos
fatores de ordem econômica e social que trarão importantes reflexos no
constitucionalismo ocidental.
Se partirmos do princípio que a Declaração sobre o Direito ao
Desenvolvimento é uma espécie de síntese dos direitos humanos, já que o
exercício desse direito implica o exercício de um conjunto de outros direitos
(civis, econômicos sociais, culturais e ambientais), podemos dizer que o
processo de constitucionalização do direito ao desenvolvimento foi sendo
construído histórica e socialmente movido pela necessidade de «ampliação» do

8 CIDH. http://www. cidh. org/Basicos/Portugueses?e. Protocolo_de_San_Salvador. htm acesso em


05/05/2006.
828

conceito de desenvolvimento que trouxe reflexos, não apenas no campo


jurídico internacional mas, paralelamente, operou mudanças do perfil
constitucional e, conseqüentemente, no perfil do Estado.
Antes mesmo da promulgação da Declaração do Direito ao
Desenvolvimento, a adoção dos direitos econômicos e sociais já havia gerado
um novo perfil de Estado – o Estado Social de Direito – que nasce como fruto
da necessidade de constitucionalização das novas realidades econômico-
sociais e da necessidade de implementação de técnicas planificadoras por
parte do Estado. Isso muda o eixo do Estado burguês-liberal que, mesmo
conservando sua adesão à ordem capitalista, avança de uma democracia
política para uma democracia social. 9
A proteção do meio ambiente e a implementação do desenvolvimento
sustentável exigem uma nova postura do Estado que, dentro de uma
responsabilidade compartilhada com a cidadania, deve construir os rumos da
boa governança. Mas é impossível discutir esse papel do Estado sem observar
o significado que teve, concretamente, a inserção subordinada de países como
o Brasil na chamada “nova” ordem internacional globalizada.

4.1 O PAPEL DO ESTADO NA IMPLEMENTAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO


(SUSTENTÁVEL) NA «NOVA» ORDEM GLOBAL
O Estado é o principal ator na implementação do desenvolvimento e é
dele a responsabilidade primeira na criação das condições nacionais e
internacionais favoráveis à realização do direito ao desenvolvimento, segundo
a Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, que também afirma que não
existe um modelo de desenvolvimento que se aplique a todos os países.
Mas não se pode perder de vista que no quadro da chamada
«globalização» assistiu-se (e assiste-se) a luta do Mercado contra o Estado, do
setor privado contra os serviços públicos, do indivíduo contra a coletividade,

9 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 19ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2006
829

dos egoísmos contra as solidariedades, e os mercados financeiros estão em


condições de ditar suas leis aos Estados. 10
Essa é uma das razões pelas quais, em tempos de neoliberalismo, a
questão do desenvolvimento nacional saiu da pauta. Se de um lado, não existe
desenvolvimento sem a presença do Estado (especialmente em países com as
características do Brasil) de outro, o neoliberalismo tem por princípio a
ausência de Estado, a privatização do setor público e o livre agir do mercado -
nascendo daí uma grande contradição: a exigência da presença do Estado em
termos constitucionais, de uma lado, e a exigência da ausência do Estado(ou
de um Estado mínimo) por parte do mercado, de outro.
No Brasil, essa contradição fica bem marcada: no final da década de 80
uma Assembléia Nacional Constituinte promulga uma Constituição que institui
um Estado Democrático de Direito, que eleva o desenvolvimento nacional a
objetivo da República e o desenvolvimento sustentável a princípio
constitucional e, já no início da década de 90, o país ingressa na chamada
«nova ordem » (que atualmente dá provas de velhice esclerosada) neoliberal,
que nega esses princípios.
De qualquer sorte, dentro do processo de globalização pode-se
distinguir, conforme Shalini Randeria 11, três tipos de Estado: os que
permaneceram fortes; os que, praticamente, perderam a autonomia; os que
ainda possuem uma certa independência.

4. 1. 1 Os diferentes perfis de Estado na ordem globalizada


Na classificação de Randeria, acima apresentada, o Brasil (e os grandes
Estados do Sul) estaria na categoria dos países que possuem uma
independência não negligenciável, mas que, «não assumem suas reais
responsabilidades, refugiando-se atrás de escusas da globalização para abrir o

10 RAMONET Ignacio. Le marché contre l’Etat. In: “Les dossiers de la mondialisation”, Manière de voir
de Le Monde Diplomatique – janeiro-fevereiro de 2007 também disponível em http://www.monde-
diplomatique.fr
11EBERHARD, Christoph. Droit, gouvernance et développement durable- quelques réflexions
préliminaires In: Revue Interdisciplinaire d’Études Juridiques, n° 53, dezembro de 2004, p 81-12. Apud
RANDERIA Shalini. Protecting the Rights of Indigenous Communities. In:The New Architecture of
Global Governance : The Interplay of International Institutions and Postcolonial States- PRADHAN
Rajendra (ed. ), Legal Pluralism and Unofficial Law in Social, Economic and Political Development.
Volume III, ICNEC, Kathmandu, p.175-189, 2002.
830

país ao mercado global e agir fragilizando as próprias populações que são


sacrificadas no altar do desenvolvimento macroeconômicos normalmente
contrários ao desenvolvimento e auto-suficiência». 12
Entendemos que a questão não é simplesmente «refugiar-se atrás da
desculpa da globalização», pois não há como negar que o processo de
globalização, com a sua financeirização da economia e exigência de ajustes
macroeconômicos, trouxe graves e reais conseqüências aos Estados
dificultando a ação, mesmo de governos comprometidos com o
desenvolvimento de seus países.
É bem verdade que a globalização não pode servir de desculpa para que
o Estado deixe de cumprir as funções constitucionais que lhe são impostas. E,
no caso do Brasil, dentre essas funções, está a implementar o desenvolvimento
sustentável já que, o direito ao meio ambiente equilibrado agregou uma nova
dimensão jurídico-política no horizonte do Estado Democrático de Direito.

4. 1 .2 Dimensão social +dimensão ambiental = Estado socioambiental


Ao analisar-se o caráter histórico dos direitos fundamentais pode-se ver
que o Estado vêm passando por um dialético e evolutivo processo (sujeito a
retrocessos) de reconhecimento de novas dimensões político-jurídicas no seu
horizonte constitutivo, na medida em que, novas dimensões de direitos foram
surgindo e alterando o próprio perfil do Estado liberal-burguês.
Pode-se dizer que, nesse processo de ampliação de direitos também
vai-se ampliando a tarefa do Estado na garantia dos mesmos. Assim, no
momento em que os direitos da dimensão social (de segunda dimensão)
«somam-se» 13 aos direitos da dimensão individual-liberal (de primeira
dimensão), o Estado liberal, mesmo conservando sua adesão à ordem
capitalista, assume os contornos de um Estado social.
Essa mudança de eixo do Estado liberal ganhará, ainda, novos
contornos ao incorporar ao Estado Social a tutela dos novos direitos

12 idem
13 Empregamos a expressão «somam-se» justamente no sentido de recapitular o tema já abordado da
indivisibilidade e interdependência dos direito fundamentais.
831

transindividuais – os direitos de terceira dimensão - nos quais se incluem os


direitos ao desenvolvimento e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Talvez porque, dentre todos os direitos considerados como de terceira
dimensão, seja o direito ao meio ambiente equilibrado o que possua um caráter
mais expressivo, já que a sustentabilidade ambiental impõe uma mudança de
paradigma, é que muitos autores defendam a emergência de um novo tipo de
Estado nomeando-o de diferentes formas : Estado Ambiental de Direito 14 ou
Estado de Direito Ambiental 15; Estado de Bem-Estar Ambiental 16, Estado
Constitucional Ecológico 17, chegando-se mesmo a falar em um «Estado pós-
social» 18, para denominar este Estado que incorpora a sustentabilidade
ambiental como princípio.
Se reafirmarmos a tese de que os direitos humanos e as liberdades
fundamentais são indivisíveis torna-se difícil defender um Estado “pós-social” já
que os direitos de terceira dimensão não substituem ou excluem os direitos
sociais de segunda. E, trazendo este debate para o campo do
desenvolvimento, sabemos que a variável ambiental é apenas um dos três
pilares, ou vértices do triângulo “econômico-social-ambiental” que compõem o
desenvolvimento sustentável.
Assim, se tivéssemos que nomear esse Estado que agregou a dimensão
ambiental às dimensões econômica e social, seria mais adequado nomeá-lo
“Estado Socioambiental”, pois o termo socioambiental melhor se ajusta ao
preceito constitucional que, no campo jurídico, passa a exigir uma
convergência das agendas social e ambiental na implementação de políticas.

14 NUNES JUNIOR, Amandino Teixeira. Estado ambiental de Direito In: Jus Navigandi, n. 589,
fevereiro/2005. Disponível em: http://www1. jus. com. br/doutrina/texto Acesso: 31/01/2008.
15 MORATO LEITE, José Rubens. Estado de Direito do Ambiente: uma difícil tarefa. In: MORATO
LEITE, José Rubens (Org. ). Inovações em Direito Ambiental. Florianópolis:Fundação Boiteux, 2000,
p.13-40.
16 PORTANOVA, Rogério. Direitos humanos e meio ambiente: uma revolução de paradigma para o
Século XXI. In: BENJAMIN, Antônio Herman (Org.). Anais do 6º Congresso Internacional de Direito
Ambiental (10 anos da ECO-92: o Direito e o desenvolvimento sustentável). São Paulo: Instituto O
Direito por um Planeta Verde/Imprensa Oficial, 2002, pp.681-694.
17 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estado Constitucional Ecológico e Democracia Sustentada. In:
SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Direitos Fundamentais Sociais: estudos de Direito Constitucional,
Internacional e Comparado. Rio de Janeiro/São Paulo: Renovar, 2003, pp.493-508.
18 Expressão adotada por PEREIRA DA SILVA, Vasco. Verde Cor de Direito: lições de Direito do
Ambiente. Coimbra: Almedina, 2002, p.24.
832

Em outras palavras, poder-se-ia dizer que, no Brasil, ao agregar a


dimensão ambiental às dimensões econômica e social do desenvolvimento (e o
direito ao meio ambiente aos demais direitos), a Constituição de 1988 instituiu,
mais do que um Estado de bem-estar social, um Estado de bem-estar social e
ambiental – socioambiental – que exige a integração da dimensão ambiental no
planejamento das políticas de desenvolvimento, objetivando um
desenvolvimento sustentável capaz de compatibilizar a conservação ambiental
com a justiça social e o crescimento econômico.
De qualquer sorte, não podemos perder de vista que estamos tratando
de um Estado que, nos marcos do capitalismo, foi tendo o seu perfil alterado
em função do surgimento de novas dimensões de direitos, mas que se
manteve em permanente conflito com a idéia de “supremacia do mercado” e de
“Estado mínimo”.

5 A CRISE CAPITALISTA E O “RESSURGIMENTO” DO ESTADO


A supremacia do mercado, se deu , inclusive, às custas da redução do
papel do Estado e do uso crescente de parcela do fundo público para a
alimentação do circuito especulativo que acabou redundando na atual crise do
capitalismo e desmantelando a crença da suposta “racionalidade autônoma do
mercado, que assegurou a hegemonia ideológica do chamado pensamento
único por mais de 30 anos”, como assevera Marilena Chauí 19.
E, diante dessa crise sistêmica que começou no setor financeiro, atingiu
a economia real e está contaminando a sociedade, os defensores do “Estado
mínimo”, mais uma vez, dão provas de que o Estado só deve ser mínimo
quando se trata da garantia dos direitos fundamentais da cidadania pois,
quando se trata de tentar sair da crise engendrada pelo próprio capitalismo, o
Estado ressurge com força total e, nesse caso, deve ser máximo.

19 CHAUI, Marilena .A paciência do pensament.Entrevista à revista CULT edição nº 133, disponível em


http://revistacult.uol.com.br/website/entrevista acesso em 21/04/2009
833

6 PELA (RE)AFIRMAÇÃO DO ESTADO SOCIOAMBIENTAL E DO DIREITO


AO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
Não cabe nos marcos deste artigo fazermos uma análise das relações
existentes entre a crise do capitalismo e a crise ambiental, mas o certo é que a
acumulação capitalista está tanto na origem da degradação social, como
ambiental. 20
Por isso, mesmo que nos marcos do capitalismo, é preciso reafirmar o
papel do Estado como indutor e garantidor de um direito ao desenvolvimento
sustentável, sem perder de vista as contradições e “ elasticidade” do conceito
de “desenvolvimento sustentável”, que não é neutro, pois incorpora ao debate
do desenvolvimento a problemática ambiental que também não é neutra nem
alheia aos interesses econômicos e sociais, visto que sua gênese dá-se num
processo histórico dominado pela expansão do modo de produção capitalista,
pelos padrões tecnológicos gerados por uma racionalidade econômica guiada
pelo propósito de maximizar os lucros e os excedentes econômicos (a curto
prazo) numa ordem econômica mundial marcada pela desigualdade entre
nações e classes sociais, como adverte Leff. 21
Mas, conforme já remarcado, foi nesse contexto de contradições que foi
se desenhando o perfil de um Estado Social que, com o surgimento dos novos
direitos, foi evoluindo, pelo menos nos preceitos jurídico-constitucionais, para
um Estado Socioambiental de Direito que precisa ser reafirmado contra essa
(antiga) apropriação do Estado pelos defensores do “Estado mínimo”.
Merece destaque a observação do economista Márcio Pochmann ao
falar da tarefa dos progressistas neste momento de crise do capitalismo “a
crise do capitalismo global colocou em xeque o receituário até então adotado.
A presente possibilidade de maior libertação do pensamento liberal-

20 Essa é também a opinião de HARRIBEY, Jean-Marie em Rapports sociaux et écologie: hiérarchie ou


dialectique? Congrès Marx International IV: Guerre impériale, guerre sociale Université de Paris-X
Nanterre – Sorbonne du 30 au 2 octobre 2004. Atelier Écologie: Capitalisme, environnement,
développement. Conferência disponível em http://www.canalc2.tv/video.asp?idvideo acesso em
10/11/2007.
21 LEFF, Enrique. Epistemologia Ambiental 4 ed. São Paulo:Cortez, 2006.
834

conservador coloca novas tarefas aos defensores do desenvolvimento


socioeconômico-ambiental.” 22

7 CONCLUINDO
- O direito ao desenvolvimento e o direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado são direitos fundamentais de terceira dimensão que
se cruzam no domínio do desenvolvimento sustentável e constroem um
dialético e inseparável caminho, especialmente, a partir do momento em que a
Declaração do Rio adicionou a variável ambiental às demais variáveis do
desenvolvimento, operando uma verdadeira mudança de paradigma, visto que
a questão do desenvolvimento passa, necessariamente, pela sustentabilidade
ambiental;
- Esse processo de ampliação de direitos amplia também a tarefa do
Estado na garantia dos mesmos e renova o constitucionalismo. Assim, o
Estado Liberal, mesmo conservando sua adesão à ordem capitalista, assume
os contornos de um Estado social no momento em que os direitos da dimensão
social somam-se aos direitos da dimensão individual-liberal e, ao incorporar a
tutela dos direitos de terceira dimensão – nos quais se incluem os direitos ao
desenvolvimento e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado – o Estado
assume os contornos de Estado Sociambiental;
- Em tempos de crise do capitalismo, quando os ferrenhos defensores do
“Estado mínimo” servem-se do Estado para tentar salvar a crise sistêmica por
eles criada , é preciso reafirmar o papel desse Estado Socioambiental como
indutor do desenvolvimento e garantidor do direito a um desenvolvimento
sustentável balizado pela Constituição.

REFERÊNCIAS

ANDRADE, Roberto de Campos. O princípio do desenvolvimento sustentável


no Direito Internacional do Meio Ambiente. Dissertação de Mestrado em Direito

22 POCHMANN, Marcio. A tarefa dos progressistas In: Agência Carta Maior disponível em
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reflexões sobre a constituição do direito ao desenvolvimento. In:
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Malheiros, 2006.

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http://www.unisinos.br/ihu/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=det
alhe&id=146 acesso em 06/11/2006

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Democracia Sustentada. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Direitos
Fundamentais Sociais: estudos de Direito Constitucional, Internacional e
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quelques réflexions préliminaires. In: Revue Interdisciplinaire d’Études
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Université de Paris-X Nanterre – Sorbonne de 30 de Setembro a 2 de outubro
de 2004. Atelier Écologie: Capitalisme, environnement, développement.
Conferência disponível em http://www.canalc2.tv/video.asp?idvideo acesso em
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Amaral, MOISÉS, Cláudia Perrone (org). O cinqüentenário da declaração
universal dos direitos do homem. São Paulo: Edusp, 1999
837

BREVE ANÁLISE ACERCA DO PROCEDIMENTO DE REGISTRO DE


AGROTÓXICOS NO BRASIL

MARIA LEONOR PAES CAVALCANTI FERREIRA 1

1 INTRODUÇÃO
O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado foi consagrado
constitucionalmente, atribuindo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de
defender e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Além do sistema
de responsabilidades compartilhadas, alguns deveres foram incumbidos
especificamente ao Poder Público. Dentre eles, destaca-se o de controlar a
produção, a comercialização e o emprego de substâncias que comportem risco
para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente.
Os agrotóxicos são substâncias que devem ser controladas pelo Poder
Público em virtude da magnitude dos danos que podem ocasionar a exemplo
dos prejuízos causados pela ampla e antes irrestrita utilização do inseticida
dicloro-difenil-tricloro-etano (DDT), substância, hoje, sabidamente considerada
carcinogênica.
O procedimento do registro de agrotóxicos, estabelecido pela Lei n.
7.802, de 11 de julho de 1989, é o ato através do qual o Poder Público libera a
produção, exportação, importação, comercialização e utilização dessas
substâncias, uma vez cumpridas as exigências dos órgãos federais
responsáveis pelos setores da saúde, do meio ambiente e de agricultura. Em
virtude dos riscos que os agrotóxicos podem gerar, urge verificar se o
procedimento do registro tem sido realizado de maneira a se garantir que as
substâncias liberadas para uso comercial no Brasil sejam seguras para o meio
ambiente e para a saúde humana. Igualmente, faz-se necessário averiguar
quais as falhas da legislação brasileira no tocante ao procedimento de registro
desses produtos químicos, uma vez que se trata de instrumento indispensável

1
Mestranda em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina. Membro do Grupo de Pesquisa de
Direito Ambiental na Sociedade de Risco. Endereço eletrônico: marialeonorf@hotmail.com.
838

à garantia do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado


das presentes e futuras gerações.

2 UMA ANÁLISE DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA SOBRE O REGISTRO DE


AGROTÓXICOS NO BRASIL
Os agrotóxicos podem ser definidos como produtos e agentes de
processos físicos, químicos ou biológicos, cuja finalidade seja alterar a
composição da flora ou da fauna, a fim de preservá-las da ação danosa de
seres vivos considerados nocivos, além de controlar processos específicos, a
exemplo dos reguladores de hormônio 2.
Os agrotóxicos são criados para atuar sobre um ou alguns seres vivos,
não necessariamente da mesma espécie. No entanto, vale registrar que essa
atuação nem sempre é atingida pela maioria desses insumos químicos, sendo
que a segurança dessas substâncias depende da quantidade do produto
utilizado e do método de aplicação 3.
Segundo Lutzenberger, a criação da grande indústria química de
agrotóxicos não foi desencadeada por pressão da agricultura, mas foi
conseqüência do esforço bélico da Segunda Guerra Mundial 4. No decorrer do
desenvolvimento de agentes utilizáveis durante a guerra, algumas das
substâncias criadas em laboratório revelaram efeitos letais para os insetos.
Essa descoberta não ocorreu por acaso, pois os insetos já vinham sendo
amplamente utilizados nas experiências realizadas para testar agentes
químicos capazes de causar a morte de seres vivos 5.
Inicialmente, os agrotóxicos foram denominados de defensivos
agrícolas. Atualmente, não há como se manter a referida nomenclatura em
virtude dos riscos que causam para a saúde do homem e para todo o meio
ambient, uma vez que a aplicação dessas substâncias deve ser realizada com
maior cuidado e prevenção 6. Na realidade, a maior parte dos princípios ativos
utilizados nas diferentes formulações de agrotóxicos possui propriedades
2
Conforme o art. 2°, da Lei 7.802, de 12 de julho de 1989.
3
RODGERS, Kathleen E. Immunotoxicity of Pesticides. In: KRIEGER, Robert. Handbook of pesticide
toxicology principles. Vol. 1. San Diego: Academic Press, 2001. p. 769.
4
LUTZENBERGER, José. A problemática dos agrotóxicos. Disponível em:
<http://www.fgaia.org.br/texts/s-problematica.html>. Acesso em 25 de fev. 2009.
5
CARSON, Rachel. Primavera silenciosa. São Paulo: Melhoramentos, 1964. p. 26.
6
BERGAMIN FILHO, Armando; KIMATI, Hiroshi; AMORIM, Lilian. Manual de Fitopatologia. 3.
ed. São Paulo: Agronômica Ceres, 1995. p. 762.
839

denominadas genotóxicas, causando alterações permanentes no patrimônio


genético dos seres vivos 7.
Recente estudo científico concluiu que a exposição ao contaminante
ambiental dieldrin, inseticida pertencente ao grupo dos organoclorados,
aumentou o risco tumoral em camundongos geneticamente predispostos 8. Os
inseticidas do grupo dos fosfatos orgânicos, por sua vez, figuram entre as
substâncias químicas mais tóxicas do mundo. O risco mais significativo é o do
envenenamento agudo das pessoas que aplicam o borrifo ou a pulverização ou
que acidentalmente entram em contato com a parte da substância que é levada
pelo vento ou com a vegetação revestida pela substância 9. Os inseticidas
desse grupo atacam o sistema nervoso ao destruírem a enzima colinesterase,
responsável por controlar a quantidade do transmissor químico denominado
acetilcolina.
Além de causar inúmeras doenças para os homens e animais, os
agrotóxicos alteram o equilíbrio da natureza. O DDT, por exemplo, foi utilizado
como inseticida no combate ao mosquito anófeles, que transmite a malária. No
entanto, verificou-se que o mosquito havia se tornado resistente ao DDT. Como
resposta, os seres humanos introduziram no ecossistema um novo inseticida, a
dieldrina, substância que causou envenenamentos entre os homens,
resultando em convulsões e mortes 10.
Convém registrar que a elasticidade e a adaptabilidade da natureza são
as principais causas do fracasso dos inseticidas de largo espectro, tais como
os organoclorados da geração do DDT e dos organofosforados. Com
freqüência, os insetos desenvolvem resistência imunológica e acabam por se
tornar mais abundantes após as aplicações de venenos. A tal fato soma-se a
morte dos inimigos naturais, agravando sobremaneira o problema 11.
No tocante aos herbicidas, destruidoras de ervas daninhas, também
podem causar inúmeros prejuízos para o meio ambiente e para a saúde

7
FERRARI, Antenor. Op. cit. p. 42.
8
CAMERON, Heather L.; FOSTER, Warren G. Developmental and Lactational Exposure to Dieldrin
Alters Mammary Tumorigenesis in Her2/neu Transgenic Mice. Disponível em:
<http://www.plosone.org/article/info%3Adoi%2F10.1371%2Fjournal.pone.0004303>. Acesso em: 10 de
mar. de 2009.
9
CARSON, Rachel. Op. cit. p. 38.
10
CARSON, Rachel. Op. cit. p. 35.
11
Fischer, Gert Roland. Menos veneno no prato: alternativas aos agrotóxicos. Florianópolis: Paralelo
27, 1993. 2. ed. p. 20.
840

humana. Alguns são venenos de ordem geral; outros são poderosos


estimulantes do metabolismo, podendo ocasionar elevações fatais de
temperatura; outros, ainda, induzem tumores malignos; enquanto alguns
prejudicam os materiais genéticos da raça pela provocação de mutações dos
genes 12. O herbicida glifosato, amplamente utilizado hodiernamente,
principalmente em virtude da ampla comercialização da soja transgência round
up ready, organismo transgênico criado justamente para ser resistente a esse
agrotóxico, apresentou estudos recentemente alertando para a sua toxidade.
Verificou-se através de pesquisas em laboratório que esse herbicida causa
necrose e morte das células humanas umbilicais, embrionárias e
13
placentárias . Em outra pesquisa realizada, Rick A. Relyea, biólogo e
professor da Universidade da Pensilvância, constatou que o herbicida roundup
causa impacto letal em anfíbios aquáticos e terrestres 14.
Um outro problema causado pela utilização dos agrotóxicos diz respeito
a alterações verificadas no sistema endócrino dos seres vivos. Em reportagem
recente da Revista Veja, foi relatado que na cidade de Jardim Olinda, situada
no norte do Paraná, a maior parte das famílias tem mais mulheres do que
homens. Na média dos últimos sete anos, 61% dos partos foram de bebês do
sexo feminino 15. Deve-se destacar que esse predomínio de nascimentos de
crianças do sexo feminino decorre da contaminação da população por
agrotóxicos, conforme comprovou estudo elaborado pela Escola Nacional de
Saúde Publica 16. No referido estudo, verificou-se que algumas substâncias
presentes nesses produtos são confundidas com hormônios pelo organismo,
desequilibrando o sistema endócrino e favorecendo a fecundação por
espermatozóides com carga genética feminina.

12
CARSON, Rachel. Op. cit. p. 45.
13
BENACHOUR, Nora; SÉRALINI, Gilles-Eric. Glyphosate Formulations induce apoptosis ande
necrosis in human umbilical, embryonic and placental cells. Chemical research in toxicology.
Washington: American Chemical Society, 2008. p. 97-105. Disponível
em:<http://pubs.acs.org/doi/full/10.1021/tx800218n?cookieSet=1>. Acesso em: 24 de abril de 2009.
14
RELYEA, Rick A. (2005) The lethal impact of roundup on aquatic and terrestrial amphibians.
Ecological Applications. Ecological Society of America: Washington,, 2005. Vol. 15, No. 4, p. 1118-
1124.
15
NARLOCH, Leandro. Revista Veja. 07 de janeiro de 2009. Editora Abril. Edição 2094. Ano 42. n° 1.
p. 62.
16
GIBSON, Gerusa; KOIFMAN, Sergio. Consumo de agrotóxicos e distribuição temporal da
proporção de nascimentos masculinos no Estado do Paraná, Brasil. Rev Panam Salud Publica
[online]. 2008, v. 24, n. 4, pp. 240-247. ISSN 1020-4989. Disponível em:
<http://www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S102049892008001000003&lng=en&nrm=i
so&tlng=pt>. Acesso em: 10 de mar. de 2009.
841

No Brasil, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado


encontra-se previsto na Constituição Federal de 1988 (CF/88). Trata-se de
direito difuso, pois pertencente a todos os cidadãos, inclusive às gerações
futuras. Com o objetivo de se garantir a efetividade desse direito, a CF/88
elencou uma série de deveres constitucionais a serem cumpridos pelo Estado,
entre eles o de “controlar a produção, circulação, comercialização e o emprego
de técnicas, métodos e substâncias que comportem riscos para a vida, a
qualidade de vida e o meio ambiente” 17(grifou-se).
Entre as substâncias produzidas pela indústria química que causam
riscos para a saúde humana e para o meio ambiente, encontram-se os
agrotóxicos. No Brasil, a primeira legislação que regulamentou a matéria tinha
como base o Decreto n. 24.114, de 14 de abril de 1934, época em que os
produtos organossintéticos, hoje largamente empregados, sequer eram
utilizados como agrotóxicos.
Vinte anos depois, surgiu a n. Lei 2.312, de 03 de setembro de 1954,
que fixou normas gerais sobre proteção da saúde e estabeleceu, no artigo 1°,
que os Estados seguiriam diretrizes fixadas pela União, cabendo-lhes legislar
supletiva e complementarmente. No que se refere à legislação sobre
agrotóxicos, verificou-se que, por muito tempo, predominou o recurso
recorrente às portarias e resoluções, com base no poder conferido ao
Ministério da Agricultura pelo artigo 143, do Decreto n. 24.114/ 34 18.
Muito embora a Constituição Federal de 1946 tenha determinado que
caberia ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República,
legislar sobre matérias de competência da União, entre as quais encontravam-
se as normas gerais de proteção à saúde, a edição de portarias intensificou-se
na década de 1970, coincidindo com o aumento do consumo de agrotóxicos no
Brasil. Configurou-se, assim, uma maneira inconstitucional de se legislar, além
de amplamente incompatível com o necessário controle de agrotóxicos. Por
consequência, decorreram evidentes prejuízos à saúde pública e ao meio
ambiente de um modo geral 19.

17
Conforme art. 225, § 1°, inc. V, da Constituição Federal.
18
FERRARI, Antenor. Op. cit. p. 51 e 52.
19
FERRARI, Antenor. Op. cit. p. 52.
842

Após muitos protestos de entidades de defesa da saúde pública e do


meio ambiente, foi promulgada a Lei n. 7.802/89, em substituição ao Decreto n.
24.114/34. No § 6°, do seu art. 3°, a Lei de Agrotóxicos, como também é
referida, proibiu o registro de agrotóxicos, seus componentes e afins nos casos
abaixo relacionados:

a) para os quais o Brasil não disponha de métodos para


desativação de seus componentes, de modo a impedir que os
seus resíduos remanescentes provoquem riscos ao meio
ambiente e à saúde pública; b) para os quais não haja antídoto
ou tratamento eficaz no Brasil; c) que revelem características
teratogênicas, carcinogênicas ou mutagênicas, de acordo com
os resultados atualizados de experiências da comunidade
científica; d) que provoquem distúrbios hormonais, danos ao
aparelho reprodutos, de acordo com procedimentos e
experiências atualizadas na comunidade científica; e) que se
revelem mais perigosos para o homem do que os testes de
laboratório com animais tenham podido mostrar, segundo
critérios técnicos e científicos atualizados.

O primeiro documento que regulamentou a referida Lei foi o Decreto n°


98.816/90, de 11 de janeiro de 1990. De acordo com essa norma, a validade do
registro dos agrotóxicos deveria ser de cinco anos. Após esse prazo, fazia-se
necessária uma reavaliação do produto a fim de se renovar o registro. Em
seguida, o Decreto n° 991, de 24 de novembro de 1993, alterou o Decreto n°
98.816/90, eliminando a validade de cinco anos para o registro de agrotóxicos.
No tocante a essa alteração legislativa, Paulo Affonso Leme Machado ensina:

Com a abolição da renovação obrigatória do registro de


agrotóxicos, a Administração Federal concedeu um salvo-
conduto perene para o produto. A possível reavaliação a ser
determinada pelos órgãos federais, na prática, ocorrerá
somente quando os danos à saúde humana e ao meio
ambiente já tiverem ocorridos e tais danos tenham sido
noticiados. Se os fatos não vierem a público teremos a
omissão do Poder Público Federal na reavaliação periódica
desses produtos. Se depender da rotina administrativa, sem
que haja solicitação fora dos quadros da Administração não
ocorrerá a chamada reavaliação do registro de agrotóxicos,
mesmo porque as pressões econômicas serão no sentido da
eternização do registro20.

20
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 10. ed. Malheiros: São Paulo, 2002.
p. 560.
843

Por fim, houve a edição do Decreto n° 4.074, de 04 de janeiro de 2002,


atualmente em vigor, que revogou o Decreto n° 98.816/90 e o Decreto n°
991/93, incorporando a modificação estabelecida por este último. Além disso, o
Decreto n° 4.074/02 introduziu o registro por equivalência do ingrediente ativo
do produto técnico, simplificando o sistema de registro. Observa-se, contudo,
que os agrotóxicos por equivalência podem não ser idênticos e apresentar
riscos e níveis de segurança diferentes. Por essa razão entende-se que o
referido Decreto representa um retrocesso no que se refere à proteção do meio
ambiente e à saúde da população 21.
Houve ainda um novo documento que alterou a regulamentação dos
agrotóxicos no Brasil, respondendo a pressões decorrentes do setor ruralista.
Publicado em 06 de dezembro de 2006, o Decreto n° 5.981, estabeleceu que o
registro de produtos técnicos por equivalência seria realizado em três fases. O
produto técnico candidato ao registro por equivalência que conseguisse
enquadrar-se em uma das três fases, nos intervalos de segurança aceitos,
obteria o registro. Se, por ventura, não conseguisse comprovar a equivalência
em nenhuma das três fases, o produto passaria pelo registro de produto
técnico tradicional.
Registra-se que, antes da Lei 7.802/89, vários Estados brasileiros
haviam disciplinado a matéria, através de leis estaduais, devendo-se destacar
o pioneirismo do Estado do Rio Grande do Sul, que, em 22 de dezembro de
1982, promulgou a Lei 7.747. Essa norma apresentou uma série de dispositivos
considerados bastante avançados para a época, destacando-se os seguintes
pontos:
1) a proibição da distribuição e comercialização dos produtos
agrotóxicos que, resultantes de importação, não tivessem uso autorizados nos
países de origem;
2) a distribuição e comercialização dos agrotóxicos no Rio Grande do
Sul estaria condicionada a prévio cadastramento dos mesmos junto ao
Departamento de Meio Ambiente da Secretaria Estadual de Saúde e Meio
Ambiente;

21
TERRA, Op. cit. p. 13.
844

3) as entidades associativas, legalmente constituídas, teriam o direito de


solicitar a impugnação do cadastramento dos agrotóxicos, mediante
argumentos fundamentados e analisados por laudo técnico;
4) ampliar a abrangência do receituário agronômico para os produtos
biocidas e de outra natureza, utilizados em zootecnia, pecuária e silvicultura; os
receituários só teriam validade se expedidos por técnicos não vinculados a
estabelecimentos produtores, manipuladores ou comercializadores de
agrotóxicos e outros biocidas.
5) as Comissões Técnicas da Assembléia Legislativa tinham o direito de
solicitar a realização de análises físicas, químicas e biológicas, de parte dos
laboratórios do Estado, visando detectar contaminação por qualquer das
substâncias em águas e alimentos, além de cópias de análises já efetuadas 22.
Com relação ao primeiro ponto acima destacado, convém registrar que a
Lei do Rio Grande do Sul incorporou uma das mais antigas reivindicações dos
movimentos ecológicos do Estado ao evitar que as multinacionais de
agrotóxicos, face às restrições e proibições impostas pela legislação dos
países de primeiro mundo, despejassem nos países subdesenvolvidos dezenas
de produtos cancerígenos e mutagênicos, não levando em consideração os
efeitos para a saúde pública 23.
Insatisfeita com as modificações introduzidas pela Lei 7.747/82, a
Associação Nacional de Defensivos Agrícolas (ANDEF) ingressou com uma
representação de inconstitucionalidade, sustentando, em síntese, que a norma
estadual, ao tratar de normas gerais de defesa e proteção da saúde, invadiria o
campo da competência legislativa da União. O Supremo Tribunal Federal, após
mais de um ano, decidiu por declarar parcialmente constitucional a Lei do
Estado do Rio Grande do Sul. Apesar de alguns retrocessos, permaneceu em
vigor o dispositivo que impede a comercialização e o uso de agrotóxicos
importados sujeitos a proibições ou restrições nos países de origem. Entende-
se que um dos grandes retrocessos provenientes desse julgamento tenha sido
a declaração de inconstitucionalidade do Decreto-lei n° 30.811/82, incorporado

22
FERRARI, Antenor. Op. cit. p. 54 e 55.
23
FERRARI, Antenor. Op. cit. p. 55.
845

no artigo 5°, da Lei n° 7.747/82. O referido Decreto proibia a comercialização e


uso dos organoclorados no território do Estado do Rio Grande do Sul 24.
Observa-se que diante dos graves problemas que os agrotóxicos podem
causar à saúde humana e ao meio ambiente, nada mais prudente do que a
legislação que regulamenta a matéria seja o mais rígida possível, a fim de
evitar que substâncias tóxicas sejam liberadas para o plantio, comercialização
e consumo pelos seres vivos. No entanto, essa não parece ser a realidade
brasileira. Além das falhas existentes na legislação, observa-se que as normas,
quando rígidas, não são cumpridas. Nesse sentido, o § 4º, do art. 3º, da Lei
de Agrotóxicos determina que:

§ 4º Quando organizações internacionais responsáveis pela


saúde, alimentação ou meio ambiente, das quais o Brasil seja
membro integrante ou signatário de acordos e convênios,
alertarem para riscos ou desaconselharem o uso de
agrotóxicos, seus componentes e afins, caberá à autoridade
competente tomar imediatas providências, sob pena de
responsabilidade.

Sobre esse dispositivo, Paulo Affonso Leme Machado argumenta que o


posicionamento dos organismos internacionais poderá ser manifestado não
apenas através de acordos internacionais como também através de
declarações, de congressos ou simpósios promovidos por essas organizações
internacionais. Assim, não se trata de posicionamento necessariamente
endereçado ao Brasil e nem que o Brasil tenha necessariamente votado de
acordo. Nesse sentido, valem as considerações do autor:

O avanço da Lei de Agrotóxicos é no sentido de colocar os


pontos de vista dos Organismos pertencentes à Organização
das Nações Unidas, como a FAO (alimentação e agricultura),
OMS (saúde) e PNUMA (meio ambiente), obrigatoriamente em
análise e com conseqüências concretizadoras em um dos sete
incisos do art. 19 do Decreto 4.047/200225. As medidas

24
FERRARI, Antenor. Op. cit..p. 73.
25
Dispõe o art. 19, do Decreto 4.047/2002: “Quando organizações internacionais responsáveis pela
saúde, alimentação ou meio ambiente, das quais o Brasil seja membro integrante ou signatário de acordos
e convênios, alertarem para riscos ou desaconselharem o uso de agrotóxicos, seus componentes e afins,
caberá aos órgãos federais de agricultura, saúde e meio ambiente, avaliar imediatamente os problemas e
as informações apresentadas. Parágrafo único. O órgão federal registrante, ao adotar as medidas
necessárias ao atendimento das exigências decorrentes da avaliação, poderá: I - manter o registro sem
alterações; II - manter o registro, mediante a necessária adequação; III - propor a mudança da formulação,
dose ou método de aplicação; IV - restringir a comercialização; V - proibir, suspender ou restringir a
produção ou importação; VI - proibir, suspender ou restringir o uso; e VII - cancelar ou suspender o
registro”.
846
preconizadas nesses incisos pressupõem que o registro de
agrotóxico já tenha sido feito. Contudo, poderá ocorrer que o
pedido de registro esteja ainda sendo processado. A
suspensão do procedimento deverá ser efetuada26.

Não obstante o disposto na legislação de agrotóxicos, em 2008,


verificou-se que o Brasil importou mais de 6.000 toneladas de substâncias que
foram vetadas pelos próprios países que as produzem. Entre os possíveis
efeitos decorrentes da ingestão dessas substâncias, apontados pela
Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelas Agências da União Européia e
dos Estados Unidos, estão problemas no sistema nervoso, câncer e danos ao
sistema reprodutivo. Os mais atingidos por esses produtos são os agricultores,
mas os consumidores também podem ser prejudicados, embora muitas vezes
seja difícil estabelecer um nexo causal entre a substância e a doença. Entre as
substâncias indevidamente importadas, encontram-se: paraquate, paration
metílico, endossulfam, carbofuran e metamidofós 27. Diante dos retrocessos
verificados, é possível verificar que os interesses econômicos têm prevalecido
em face dos direitos indisponíveis à vida e ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado.

3 CONCLUSÕES ARTICULADAS
1. Os agrotóxicos são substâncias que possuem incrível potência para
produzir danos, pois se acumulam nos tecidos dos seres vivos, penetrando,
inclusive, nas células germinativas e, por conseguinte, provocando alteração do
próprio material genético cuja hereditariedade se consubstancia e de que
depende a forma do futuro.
2. Embora exista uma lei no Brasil obrigando as autoridades
competentes a levarem em consideração os posicionamentos das
organizações internacionais responsáveis pela saúde, alimentação ou meio
ambiente e proibindo o registro de substâncias que revelem características
teratogênicas, carcinogênicas ou mutagênicas, substâncias com essas
características estão sendo importadas pelo Brasil, colocando em risco a
população brasileira.

26
MACHADO, Op.cit. p. 561.
27
PINHO, Angela. Brasil importa agrotóxico vetado no exterior. Folha de São Paulo. Seção Cotidiano.
São Paulo, 22 de agosto de 2008.p. C1.
847

3. Os interesses econômicos têm prevalecido em face dos direitos


indisponíveis à vida e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Reverter
esse quadro parece uma tarefa utópica diante de um mundo em que a
maximização do lucro tornou-se premissa imperativa. Faz-se necessário o
desenvolvimento e a incorporação de novos valores ambientais a fim de que,
em pleno século XXI, os países considerados desenvolvidos parem de exportar
para países emergentes e subdesenvolvidos substâncias consideradas
cancerígenas pela OMS.
4. Como sugestão para a legislação brasileira federal que regulamenta a
comercialização dos agrotóxicos, poder-se-ia incluir um dispositivo proibindo a
importação de agrotóxicos sujeitos a proibições ou restrições nos países de
origem. Tal dispositivo já existe na Lei do Estado do Rio Grande do Sul desde
1982 e parece fundamental para proteger a população brasileira dos efeitos
mais nefastos de certos agrotóxicos.

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Press, 2001.
849

FORMAÇÃO PARA A CIDADANIA SOCIOAMBIENTAL E OS DIREITOS DA


CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

MARIANA FLORES 1
VANESSA MORAES GOUVEA 2
RICARDO STANZIOLA VIEIRA 3

1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho faz parte do projeto de pesquisa básica da
FAPESC, “ Direitos da criança e do adolescente e desenvolvimento social
sustentável: uma análise desde uma perspectiva socioambiental para uma
proposta teórico-prática de cidadania e novos direitos.” Uma das etapas do
projeto foi a elaboração do curso de formação para a cidadania socioambiental
e os direitos da criança e do adolescente. O objetivo do curso é fomentar o
conhecimento em prol da formação do cidadão, criança e adolescente, os quais
são parte, consideravelmente, vulneráveis no meio ambiente. Para isto, o curso
foi direcionado aos professores da rede regular de ensino, pois estão
diretamente ligados á formação da criança e do adolescente e, aos lideres
comunitários do município de São José, já que tem participação direta nos
problemas enfrentados por suas comunidades. Para atingir o objetivo proposto,
o curso foi dividido em quatro sábados, em período integral. O primeiro
encontro dedicou-se a introdução da cidadania socioambiental, situando a
questão relacionada ao ser cidadão de maneira participativa. Já, no segundo
encontro, abordou-se a temática dos direitos da criança e do adolescente numa

1
Graduanda do Curso de Direito – UNIVALI/SJ, colaboradora do projeto de pesquisa básica da
Fundação de Apoio à pesquisa científica e tecnológica - FAPESC: Direitos da criança e do adolescente e
desenvolvimento social sustentável: uma análise desde uma perspectiva socioambiental para uma
proposta teórico-prática de cidadania e novos direitos, e-mail: floresmari@ig.com.br.
2
Bacharel em Direito pela UNIVALI/ São José, e em História pela UDESC, mestranda do Programa de
pós- Graduação em História pela UDESC, colaboradora do projeto de pesquisa básica da Fundação de
Apoio à pesquisa científica e tecnológica - FAPESC: Direitos da criança e do adolescente e
desenvolvimento social sustentável: uma análise desde uma perspectiva socioambiental para uma
proposta teórico-prática de cidadania e novos direitos. E-mail: moraesgouvea@gmail.com
3
Bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo; Mestre em Filosofia do Direito pela Universidade
Federal de SantaCatarina; Doutorando em Ciências Humanas (Universidade Federal de Santa Catarina);
Professor da Universidade do Valedo Itajaí (Direito Ambiental e Prática em Direitos Metaindividuais).
850

perspectiva da justiça ambiental. E, nos dois últimos dias de curso, tentou-se


fazer uma integração de políticas públicas e práticas jurídico políticas da
cidadania socioambiental e dos direitos da criança e do adolescente.
Com base nisso, pretendemos discorrer ao longo desse trabalho, sobre
as interfaces entre a questão da cidadania socioambiental, frente aos direitos
das crianças e dos adolescentes na perspectiva da Justiça ambiental e a
necessidade de integração, por meio de políticas públicas e práticas jurídico-
políticas da cidadania socioambiental e dos direitos da criança e do
adolescente.

2 INTRODUÇÃO À CIDADANIA SOCIOAMBIENTAL


A cidadania ambiental refere-se ao conjunto de condições que permitem
cada sujeito, enquanto cidadão, atuar efetivamente em defesa da vida no
planeta, na preservação do meio ambiente, principalmente, em nível local, ou
seja, no ambiente de sua comunidade.
A educação para a cidadania representa a possibilidade de motivar e
sensibilizar as pessoas para transformar as diversas formas de participação em
potenciais caminhos de dinamização da sociedade e de concretização de uma
proposta de sociabilidade baseada na educação para a participação.
O primeiro passo para educar e conscientizar a população é a inserção
da cidadania ambiental em todos os níveis de ensino, uma vez que, a
cidadania aqui é entendida como envolvimento individual na esfera pública.
Sendo assim, ao assumir este pressuposto, a educação ambiental participativa
tem como premissa básica criar as condições para o diálogo, a percepção de
direitos e deveres e a intervenção consciente na realidade.
A própria Lei de Diretrizes e Bases tratou de colocar no conteúdo
curricular os diretos e deveres do cidadão (criança e adolescente):

Os conteúdos curriculares da Educação Básica observarão: a


difusão de valores fundamentais ao interesse social, aos
direitos e deveres do cidadão, de respeito ao bem comum e a
ordem democrática.

Apesar de, a escola carregar consigo o peso de uma estrutura


desgastada e pouco aberta às reflexões relativas a dinâmica ambiental, a
851

mesma apresenta-se como um espaço de trabalho fundamental para desvelar


o sentido da luta ambiental e fortalecer as bases da formação para a cidadania.
Neste sentido, evidente que as escolas tem um papel importante, em
promover a educação ambiental. Mas não são as únicas responsáveis, posto
que o artigo 225, caput, da CF 4 dispõe que incumbe ao poder público e a
coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente para as
presentes e futuras gerações, sendo que:

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente


equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à
coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as
presentes e futuras gerações.

Sob essa ótica, o ordenamento jurídico brasileiro prevê alguns


mecanismos de participação direta da população na proteção ao meio
ambiente, tais como:
a) A Constituição Federal, em seu art. 61, § 2º, autoriza a iniciativa de
leis complementares e ordinárias aos cidadãos, nas formas e nos casos,
previstos por ela;
b) A sociedade pode atuar diretamente na defesa do meio ambiente
participando na formulação e na execução de políticas ambientais por
intermédio da atuação de representantes da sociedade civil em órgãos
colegiados responsáveis pela formulação de diretrizes e pelo acompanhamento
da execução de políticas públicas como, por exemplo, no Conselho Nacional
do Meio Ambiente (conforme art. 6º, II, da Lei 6.938/81), e por ocasião de
discussão de estudos de impactos ambientais em audiências públicas (art. 11,
§2º, da Resolução 001/86 do Conama) e, nas hipóteses de realização de
plebiscitos (art. 14, I, CF);
c) Outro mecanismo de participação popular direta na proteção ao meio
ambiente por intermédio do judiciário, com a utilização de instrumentos
processuais que permitem a obtenção da prestação jurisdicional na área
ambiental, destacando-se entre eles, os instrumentos jurídicos, como a ação
civil pública ambiental ( Lei 7.347/85) e a ação popular (Lei 4.717/65).

4
Disponível em, www.planalto.gov.br, acesso em 15.05.09.
852

Todavia, trazer a baila tais direitos, responde a um dos principais


desafios do Direito ambiental, pois a maioria da população não têm ciência, ou
mesmo acesso, a informação desses direitos elencados acima, sendo de se
ressaltar que a participação política depende, significativamente, do pronto
acesso a informação. Diante dessa perspectiva, a educação ambiental deve
ser reconhecida como essencial a integrar a educação geral, posto que fornece
as presentes e futuras gerações conhecimentos e informações sobre a
importância do ambiente diante da vulnerabilidade à degradação e os meios
possíveis de preservá-lo.
Dessa forma, a educação ambiental deve ser incluída de maneira
transdisciplinar, ao lado da educação formal, como elemento básico de
conscientização e estímulo à efetiva participação pública nas decisões
ambientais em prol da recuperação de áreas degradadas, bem como em prol
da preservação, visto que, a formação educacional da infância e da juventude
de hoje reverberará na formação das futuras gerações.

3 DIREITOS DA CRIANÇA DE DO ADOLESCENTE NA PERSPECTIVA DA


JUSTIÇA AMBIENTAL
Recuperando-se historicamente, a questão da infância e da juventude, a
partir do panorama do direito tradicional, tem-se que, os mesmos, não eram
tidos como sujeitos de direitos, ou seja, não se percebia a criança e o jovem
como indivíduos, assim como no direito moderno, o tratamento dispensado era
apenas em relação a denominação de “menores incapazes” e, portanto, objeto
de manipulação dos adultos. Já, na era chamada “pós moderna”, com o
advento da Declaração Universal dos direitos da Criança e do Adolescente,
adotada pela ONU em 1959, esses indivíduos passam a ser tratados como
sujeitos de direitos, carecedores de proteção e cuidados especiais 5.
Com isso, tem-se que ao analisar a Doutrina da proteção integral
estabelecida no artigo 227 da Constituição Federal de 1988, entendemos que,
o mesmo vem romper ou substituir à doutrina irregular, oficializada pelo código
de menores, no qual a Criança e o Adolescente eram objetos de proteção,
destacando que o código identificava quem eram os menores considerados em

5
MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade (coordenadora). Curso de Direito da Criança e do
Adolescente: aspectos teóricos e práticos, 3º ed, lúmen júri, 2008, p. 11.
853

situação irregular: empobrecidos, negros, os vindos do interior e das periferias.


Assim, para regularizar a situação dos menores infratores, estes eram, tão
somente, levados aos institutos de detenção, mantidos pela FEBEM.
Já, a Doutrina da Proteção integral, por outro lado, rompe com o padrão
pré-estabelecido e absolve os valores previstos na Convenção dos Direitos da
Criança e do Adolescente. Deste modo, pela primeira vez, a criança e o
adolescente passam a ser considerados titulares de direitos fundamentais,
compreendidos enquanto cidadãos, como qualquer outro indivíduo.
Com isso, apesar da Constituição Federal em seu art. 227 definir e taxar
os direitos fundamentais, os quais são de aplicação imediata, coube ao
Estatuto da Criança e do Adolescente, (ECA) a construção sistemática da
doutrina da proteção integral.
Neste diapasão, o Estatuto da criança e do adolescente visa garantir os
direitos infanto-juvenis como direitos fundamentais, ultrapassando o paradigma
do menor e da situação irregular para a construção da criança e do
adolescente como sujeitos autônomos, com a possibilidade de criar, criticar e
de transformar.
Cabe ressaltar que, os direitos humanos ou fundamentais são os
interesses ou bens básicos e tutelados pela ordem jurídica, como os referentes
à vida, à liberdade, à participação política ou social, ou a qualquer outro
aspecto fundamental que afeta ao desenvolvimento integral das pessoas em
uma comunidade de homens livres 6.
Coaduna-se, dessa forma, que no plano de direitos fundamentais,
estabelecidos para criança e o adolescente, a Constituição Federal estabelece
em seu art. 227: o direito a vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer,
à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e a
convivência familiar.
Diante disso, o direito a vida e a saúde destacam-se pelo fato da criança
e do adolescente estarem em fase de desenvolvimento e, por isso, afetos as
fragilidades do meio que os circunda, necessitando da proteção da família, da
sociedade e do poder público.

6
SAMPAIO, José Adércio Leite. Direitos Fundamentais: retórica e historicidade. Belo Horizonte: Del
Rei, p. 23, 2004.
854

Dessa forma, se uma criança ou um adolescente estiver à beira da


morte, deve-se buscar minimamente, assegurar os recursos para tentar mantê-
lo vivo. Como também se não possui as duas ou umas das pernas, cabe aos
autores da rede protetiva assegurar-lhes dignidade nesta forma de viver, uma
vez que, a vida e a saúde da criança e do adolescente devem ser tratadas com
absoluta prioridade.
No que diz respeito aos demais direitos fundamentais como, o direito a
liberdade, ao respeito e a dignidade, tem-se nos dizeres de Liberati 7, que são
valores intrínsecos que asseguram e determinam o desenvolvimento da
personalidade infanto-juvenil.
É de se salientar que o direito a liberdade é, normalmente, traduzido
como o direito de ir e vir, contudo, recuperando o entendimento do artigo 16 do
ECA, sabemos que o conceito de tal direito mostra-se mais amplo,
compreendendo, também, a liberdade de expressão, crença, e culto religioso,
liberdade de brincar, praticar esportes, divertir-se, participar da vida em família,
na sociedade e vida política, assim como buscar refúgio e auxílio e orientação 8.
Neste tocante, o direito ao respeito e a liberdade estão intrinsecamente
ligados ao direito da dignidade, pois, uma vez violados qualquer um dos
direitos à liberdade e ao respeito, viola-se conseqüentemente, a dignidade.
Vale, mais uma vez, lembrar que para o desenvolvimento completo e
harmonioso da personalidade da criança e do adolescente, estes precisam de
amor e compreensão, sendo que diante dessa constatação acerca da
importância dos laços de afetividade significados e significantes em qualquer
relação humana, destaca-se o fato de que os infanto-juvenis têm direito á
convivência familiar e comunitária.
Contudo, nosso trabalho visa contribuir e ensejar a idéia de que a
educação é o caminho para emergir nos espaços públicos e privados,
indivíduos conscientes e, conseqüentemente, um Estado que viabilize
condições melhores para seus cidadãos, vivenciarem e experimentarem o meio
ambiente seja ele natural e/ou artificial. Neste ponto, o Estado tem papel

7
LIBERATI, Wilson Donizete, Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. São Paulo:
Malheiros Editores LTDA, 2002, p. 21.
8
MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade (coordenadora). Curso de Direito da Criança e do
Adolescente: aspectos teóricos e práticos, 3º ed, lúmen júri, 2008, p. 42.
855

fundamental, pois tem o dever de assegurar a todos o acesso a educação, para


o desenvolvimento da pessoa, do exercício da cidadania e a inserção no
mercado de trabalho.
Tecidas estas breves considerações sobre os direitos fundamentais da
criança e do adolescente, podemos ainda, verificar algumas relações dos
mesmos frente à perspectiva da “justiça ambiental”. Para tanto, faz-se
necessário identificar, em um primeiro momento, em que consiste o termo
cunhado como, justiça ambiental.
Tem-se, dessa forma, que a Justiça ambiental é um novo conceito, uma
nova percepção sobre as questões ambientais, que tem muita similaridade com
o socioambientalismo e uma relação muito forte com a cidadania ambiental.
Por isso, é importante ter-se uma noção sobre o seu significado.
Entende-se por justiça ambiental 9 como sendo um conjunto de princípios
e práticas que:
a) asseguram que nenhum grupo social, sejam eles éticos,
raciais ou de classe, suporte uma parcela desproporcional das
conseqüências ambientais negativas de operações
econômicas, de decisões de políticas e de programas federais,
estaduais, locais, assim como a ausência ou omissão de tais
políticas;
b) asseguram acesso justo e eqüitativo, direto e indireto, aos
recursos ambientais do país;
c) asseguram amplo acesso a informações relevantes sobre o
uso dos recursos ambientais e a destinação de rejeitos e
localização de fontes de riscos ambientais, bem como
processos democráticos e participativos na definição de
políticas, planos, programas e projetos que lhe dizem respeito;
d) favorecem a constituição de sujeitos coletivos de direitos,
movimentos sociais e organizações populares para serem
protagonistas na construção de modelos alternativos de
desenvolvimento, que assegurem a democratização do acesso
aos recursos ambientais e a sustentabilidade do seu uso”.

Ou seja, a perspectiva da Justiça ambiental abarca um conjunto amplo


de relações que quando associados aos direitos das crianças e dos
adolescentes, faz-nos pensar nos meios capazes de se garantir que estes
indivíduos em formação, não sejam obliterados diante do descaso do poder

9
OLIVEIRA, Ana Claudia Delfin Capistrano de. Diretrizes teóricas do caderno de cidadania: cidadania e
direitos humanos, estatuto da criança e do adolescente e cidadania ambiental. Florianópolis: ALESC,
2008, p. 110.
856

público e das ações degradantes, por parte das empresas poluidoras e da


omissão daqueles considerados civilmente capazes.
Diante de todo o exposto, verifica-se que a criança e o adolescente, os
quais eram tidos como coisas, hoje são sujeitos de direitos, são cidadãos que
fazem parte do meio ambiental, da justiça ambiental, e como conseqüência,
alvos primordiais de políticas públicas, em complemento a política educacional.
Com base nisso, é que adiante pretendemos tratar a questão da criança e do
adolescente não somente de forma disciplinar e compartimentada, mas sim,
comprometida com uma análise socioambiental, destacando a importância da
participação da sociedade na determinação das ações cujos resultados estão a
ela própria dirigidos.

4 INTEGRAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS E PRÁTICAS JURÍDICO-


POLÍTICAS DA CIDADANIA SOCIOAMBIENTAL E DOS DIREITOS DA
CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
Sabemos que, o socioambientalismo se estabelece com base na idéia
de que as políticas públicas devem incluir e envolver as comunidades locais
detentoras de conhecimentos e práticas especificas. E, mais do que isso,
desenvolve-se na concepção de que em um país pobre e com tantas
desigualdades sociais, um novo paradigma de desenvolvimento deve promover
não só a sustentabilidade estritamente ambiental, ou seja, a sustentabilidade
de espécies, ecossistemas e processos ecológicos, como também a
sustentabilidade social, deve reduzir a pobreza, e não só mitigar a miséria, bem
como deve, no mínimo tentar reduzir as desigualdades sociais, corroborando,
deste modo, para um ambiente ecologicamente equilibrado.
Além disso, o novo paradigma de desenvolvimento deve promover e
valorizar as diversidade cultural e a consolidação do processo demográfico no
país, com ampla participação social na gestão pública. No tocante ao presente
artigo, o acesso à educação é reconhecido como fundamental á formação e a
capacitação para participação consciente, efetiva e eficaz na gestão
socioambiental da criança e do adolescente.
Como exemplificado no item “2” a Constituição Federal e o Estatuto da
Criança e do Adolescente consagram um verdadeiro “sistema” de garantias de
direitos, os quais são organizados a partir da promoção de políticas de
857

atendimento. Cabe, neste sentido, a sociedade como um todo, bem como ao


poder público, promover o diálogo entre as interfaces dessas garantias
asseguradas em lei, com as demais leis emergentes no país, que apontam
para temáticas ambientais e urbanas, sendo de se citar, sobre esta última a
criação do Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001), o qual tem por intuito
nortear a elaboração do Planos Diretores participativos do municípios
brasileiros.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Vislumbra-se que o Direito das Crianças e Adolescentes consiste em
uma boa alusão para a prática do Socioambientalismo, uma vez que, a fim de
propiciar a devida qualidade de vida, às crianças e adolescentes, antes se faz
necessário zelar pelo ambiente que as circuncreve. Nota-se que a realidade tal
como nos é colocada, atualmente, demonstra que a necessidade constante de
grande parte da população está focada na sua própria subsistência e as
consequências oriundas a partir disso, aliadas muitas vezes à ignorância
(deficiência educacional) e a forte influência dos meios de comunicação de
massa, são fatores que influenciam, diretamente e negativamente, nas suas
capacidades físicas, mentais e políticas. Reforçando, novamente, a
necessidade de se pensar e implementar políticas públicas capazes de dar
conta dos anseios sociais, de forma coletiva e difusa, e não tão somente,
destinadas a atender a viciada lógica assistencialista e paternalista, vivenciada
em toda sua dialogicidade pela sociedade brasileira .

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CARVALHO, Edson Ferreira de. Meio Ambiente e Direitos Humanos.


Curitiba: Juruá, 2008.

LIBERATI, Wilson Donizete, Comentários ao Estatuto da Criança e do


Adolescente. São Paulo: Malheiros Editores LTDA, 2002.

MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade (coordenadora). Curso de


Direito da Criança e do Adolescente: aspectos teóricos e práticos, 3º ed,
lúmen júri, 2008.
858

OLIVEIRA, Ana Claudia Delfin Capistrano de. Diretrizes teóricas do caderno


de cidadania: cidadania e direitos humanos, estatuto da criança e do
adolescente e cidadania ambiental. Florianópolis: ALESC, 2008.

SAMPAIO, José Adércio Leite. Direitos Fundamentais: retórica e


historicidade. Belo Horizonte: Del Rei, 2004.
859

CÓDIGO AMBIENTAL CATARINENSE OU EXEMPLO DE


IRRESPONSABILIDADE ORGANIZADA?

MATHEUS ALMEIDA CAETANO 1

1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho parte de um resumo histórico da legislação
ambiental brasileira, demonstrando alguns dos avanços/retrocessos
enfrentados pelo Estado brasileiro no processo de construção e evolução de
um Estado de Direito Ambiental. A constante tensão entre os valores
desenvolvimentistas e os valores ecológicos acirra-se na sociedade de risco,
provocando situações de insegurança não só jurídica como vital. Nesse modelo
social de riscos é que surgem as várias materializações da irresponsabilidade
organizada, cujo Código Ambiental Catarinense é exemplo cristalino. Assim,
através de uma sucinta análise de alguns pontos deste diploma normativo
estadual, pretende-se demonstrar o longo caminho a ser percorrido para que o
Estado de Direito Ambiental possa atingir níveis satisfatórios de efetividade,
tanto no âmbito político quanto jurídico.

2 BREVE HISTÓRICO DO DIREITO AMBIENTAL NO BRASIL


A legislação brasileira teve duas fases normativas bem claras: uma em
que as leis portuguesas eram aplicadas em território nacional (época em que o
Brasil era colônia de exploração de Portugal), e outra após a promulgação do
Código Civil de 1916 (Período Republicano), caracterizada por normas
eminentemente brasileiras, já que conforme a Lei de 20 de outubro de 1823, a
legislação lusa continuava em vigor até que alguma lei a revogasse. Conforme
magistério de Carvalho, “a primeira preocupação especificamente jurídica com

1
Mestrando em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), da área de concentração
“Direito, Estado e Sociedade”, com ênfase na área de Direito Ambiental. O presente trabalho foi realizado
com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES-Brasil. E-mail
para contato: matheusmillencolin@yahoo.com.br .
860

a natureza surge no século XVII com as Ordenações Manuelinas e Filipinas,


estas a partir de 1650” 1, entretanto, destaca-se que as Ordenações Afonsinas
já se preocupavam:

(...) em propor meios que evitassem a escassez e a falta de


alimentos (através da proibição de transporte de certos
gêneros alimentícios), proteger os animais através da
proibição, v.g., de furto de aves, e a proteção dos recursos
florestais mediante a proibição do corte deliberado de árvores
frutíferas. 2

Já nas Ordenações Filipinas, época em que Portugal estava sob o


domínio da Espanha, perceptível fora uma expansão das normas de proteção
aos animais e aos recursos naturais 3, assim como uma incipiente ordenação do
território urbano 4. Resumindo este período colonial, pode-se afirmar que a
mens das normas supramencionadas era a de preservar os recursos naturais
em razão de seu caráter econômico e indispensável ao Estado português,
inexistindo uma consciência ambiental propriamente dita 5.
O Brasil Imperial destacou-se por algumas peculiaridades na proteção
do meio ambiente como a tipificação do corte ilegal de madeiras como crime no
primeiro Código Penal (Código Criminal de 1830), mas não destoou do fim
terminantemente econômico que estava atrás dessas “normas ambientais”.
Como se sabe, a extração de pau-brasil foi a principal atividade da época,
1
CARVALHO, Carlos Gomes de. Introdução ao Direito Ambiental. Cuiabá: Edições
VerdePantanal,1990, p.94-95.
2
LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Direito Ambiental na Sociedade de Risco.
Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002, p.112.
3
MILARÉ, Édis, Direito do Ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glosário. 3ªed.ª São Paulo, RT,
2004, p.115-116: “Avançadas para a época, vamos encontrar nessas Ordenações o conceito de poluição,
uma vez que elas vedavam a qualquer pessoa jogar material que pudesse matar os peixes e sua criação ou
sujar as águas dos rios e das lagoas. A tipificação do corte de árvores de fruto como crime é reiterada,
prevendo-se para o infrator o cumprimento de pena de degredo definitivo para o Brasil. Ganhou relevo a
proteção dos animais, cuja morte ‘por malícia’ acarretava ao infrator cumprimento de uma pena também
‘para sempre’ no Brasil. Ademais, as Ordenações Filipinas proibiam a pesca com determinados
instrumentos e em certos locais e épocas estipulados, a exemplo do que determinava até recentemente a
Lei 7.679/88, hoje substituída pela Lei 9.605/98 ”.
4
LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Direito Ambiental na Sociedade de Risco.
Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002, p.113: “(...)que inauguraram possivelmente o espaço às
aspirações da ordenação do território urbano(...)”.
5
LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Direito Ambiental na Sociedade de Risco.
Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002, p.114: “Todas essas normas eram orientadas por uma
concepção clara do legislador perante o ambiente, baseada na identificação do ambiente como
simplesmente um bem, e que, para a preservação do conteúdo liberal de seu conceito civilístico, deveria
ter seu potencial de utilização econômica preservado em face de condutas lesivas a esses interesses
(individual e econômico)”.
861

razão pela qual foram editados inúmeros atos normativos sobre a exploração
madeireira. Em resumo, esta época destacou-se pela impunidade 6.
Já o Período Republicano deu início à fase eminentemente brasileira de
uma legislação ambiental com a promulgação do Código Civil de 1916, no qual
foram regulamentados por ricochete alguns temas ambientais. Isso se deu
porque na realidade envolviam temas de direito privado, eminentemente sobre
conflitos de vizinhança como mau uso da propriedade, utilização da água,
dentre outros. Ora, ao fazer das riquezas naturais brasileiras um mero depósito
de matérias-primas portuguesas, notável fora a grande devastação das matas
brasileiras, e o pior, a nefasta herança deixada pelos portugueses ao povo
brasileiro: a idéia de abundância e indiferença com o meio ambiente natural.
Arruda e Piletti, dois estudiosos da História do Brasil, afirmam que:

A forma predatória de exploração, com interesse imediatista e


sem preocupação com o futuro, seria depois empregada em
relação a todos os recursos brasileiros – minerais, vegetais e
animais. Grandes áreas se tornariam improdutivas, como o
Nordeste e outras regiões do País, e muitas espécies animais
seriam extintas. O Brasil foi descoberto em 1500 e só na
década de 1930 foi criado um Código Florestal 7.

Desta forma, apenas em 23 de janeiro de 1934, por meio do Decreto n.º


23.793/1934, nasceu o primeiro Código Florestal brasileiro. O tratamento
destinado ao meio ambiente, desde os primórdios do Estado brasileiro teve um
caráter secundário. Prova inequívoca disso são as declarações do General
Costa Cavalcanti (integrante da comissão brasileira enviada à Estocolmo), na
primeira Convenção mundial que abordava as questões ambientais
(Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano de 1972):

Ficou famosa a frase do Gen. COSTA CAVALCANTI, chefe da


delegação brasileira:‘Um país que não alcançou o nível
satisfatório mínimo para prover o essencial não está em

6
MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glosário. 3ªed.ª São Paulo, RT,
2004, p.118: “Nossa história, infelizmente , é de uma depredação ambiental impune. Na prática, somente
eram punidos os delitos que atingissem a Coroa ou os interesses fundiários das classes dominantes. O
patrimônio ambiental coletivo, como o conhecemos hoje, era inimaginável.Não por falta de doutrina que
se encontrava alhures, mas por força do estreito e fechado círculo dos interesses familiares, feudais ou
oligárquicos”.
7
ARRUDA, José Jobson de A.; PILETTI, Nelson. Toda a História: História Geral e História do Brasil.
7ªed. São Paulo: Ática, 1997, p.149.
862

cndições(sic) de desviar recursos consideráveis para a


proteção de meio ambiente’ 8.

Diante desse quadro, perceptível era a quase indiferença com o meio


ambiente por parte do Estado brasileiro, contudo, assinava-se a Declaração de
Estocolmo Sobre Meio Ambiente Humano de 1972. Esta Conferência
influenciou o legislador nacional a promulgar a Lei 6.938/1981, que instituiu a
Política Nacional do Meio Ambiente. Tal diploma legal foi o marco do Direito
Ambiental no Brasil, agora sim como um real matiz ambiental, entretanto a
prática ou o sistema político não o enxergasse dessa forma:

Em regimes ditatoriais ou autoritários, a norma ambiental não


vinga, permanecendo, na melhor das hipóteses, em processo
de hibernação letárgica, à espera de tempos mais propícios à
sua implementação, como se deu com a Lei da Política
Nacional do Meio Ambiente, de 1981, até a consolidação
democrática (política e do acesso à justiça) do país, em 1988 9.

Posteriormente, com a edição da Lei 7.347/1985 (Lei da Ação Civil


Pública), o meio ambiente passou a ser uma questão de justiça, pois se
permitiu que algumas associações, fundações, empresas públicas, sociedades
de economia mista e ao Ministério Público (tanto Federal quanto Estadual)
acionassem a Justiça para tutelar o meio ambiente.
O marco foi sem sombra de dúvidas a promulgação da Constituição de
1988, por inúmeros motivos. Pela primeira vez na historia do constitucionalismo
brasileiro, a Carta Mãe designou um capítulo específico para o Meio Ambiente
(Capítulo VI do Título VIII), transformando-o em direito indisponível na
confluência do artigo 5º com o artigo 225, já que não se deve interpretar o
direito em tiras ou pedaços 10. Inclusive, exemplo expresso dessa mudança de

8
FELDMANN, Fábio José; CAMINO, Maria Ester Barreto. O direito ambiental: da teoria à prática.
Revista Forense, Rio de Janeiro, v.317, jan./mar.1992, p.92.
9
BENJAMIN, Antônio Herman. Direito Constitucional Ambiental brasileiro. In: CANOTILHO, José
Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (Orgs.). Direito Constitucional Ambiental Brasileiro. São
Paulo: Saraiva, 2007, p.67.
10
GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito do direito. 2ªed.
São Paulo: Malheiros, 2003, p. 40; IDEM. A ordem econômica na Constituição de 1998. 11ªed. São
Paulo: Malheiros, 2006. p.166; ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios:.da definição à aplicação dos
princípios jurídicos. 6ªed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 30. Para compreender a interpretação
sistemática: CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na Ciência do
Direito. Introdução e tradução de A. Menezes Cordeiro. 3ªed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,
2002, especialmente p. 157 a 167.
863

parâmetros está na modificação de um dos requisitos da função social da


propriedade, pois antes da Charta Magna de 1988, a função social tinha
somente como um dos seus elementos, a conservação dos recursos naturais 11,
pura e simplesmente. Notava-se, portanto, uma preocupação meramente
econômica, mantendo uma mentalidade utilitarista do meio ambiente, arrastada
desde o Período Colonial brasileiro, e representativa de uma mínima
preocupação ambiental. Com a atual Constituição, revogou-se este artigo da
Lei 4.504/64, de forma a estabelecer no artigo 186, II a “utilização adequada
dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;”. Em
síntese, a Constituição Verde é “o verdadeiro núcleo de fundamentalidade do
Direito Ambiental brasileiro” 12.
Estabelecido esse breve histórico da legislação ambiental brasileira,
importante trazer à baila uma breve abordagem do Estado de Direito Ambiental
brasileiro, instituído com a Charta Magna de 1988.

3 O ESTADO DE DIREITO AMBIENTAL


A Constituição de 1988 “efetivamente desenhou um modelo de Estado
de Direito Ambiental ao adotar princípios como o da precaução, por exemplo, e
ao proteger o meio ambiente não apenas em virtude de sua utilidade para a
espécie humana” 13. Em que pese ser uma categoria abstrata que perpassa o
âmbito jurídico, o Estado de Direito Ambiental fornece balizas para alcançar os
seus desideratos, ou, ao menos aproximar-se o máximo destes. Além disso, a
sua discussão acaba por promover uma funcionalização dos instrumentos
jurídicos existentes no ordenamento jurídico brasileiro, de forma a otimizar a
proteção e a preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Alguns elementos desse modelo ideal serão mencionados aqui, sem qualquer
intenção de exaustividade em razão do corte metodológico e dos limites deste

11
Art.2º, §1º, alínea “c” do Estatuto da Terra: “c) assegurar a conservação dos recursos naturais;”.
12
LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Direito Ambiental na Sociedade de Risco.
Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002, p.116.
13
LEITE, José Rubens Morato; FERREIRA, Maria Leonor Paes Cavalcanti. As novas funções do Direito
Administrativo em face do Estado de Direito Ambiental. In: CARLIN, Volnei Ivo (Org.). Grandes Temas
de Direito Administrativo. Florianópolis: Conceito Editorial; Millennium Editora, 2009, p.430.
864

trabalho. Destacam-se dois deles: a democracia ambiental e a justiça


ambiental.
A democracia ambiental é indispensável ao modelo de Estado de Direito
do ambiente, sendo a própria fonte de sua legitimação. Neste aspecto,
Canotilho diz que:

Em primeiro lugar, o Estado de ambiente é um Estado aberto


aos problemas do ambiente procurando a cooperação de
todos os cidadãos e participando activamente no cumprimento
e elaboração de normas sobre ambiente produzidas por
instancias internacionais 14.

Ainda sobre a democracia ambiental é de se destacar que a Constituição


Federal de 1988 é estimuladora das práticas democráticas, pautando pela
participação popular na proteção do meio ambiente, como se abstrai de seu
contexto normativo, mais precisamente do artigo 1º, parágrafo único 15 e do
16
artigo 225 .
O Estado também precisa incorporar uma verdadeira Justiça Ambiental,
o que implica “em que sua realização deve ser compartilhada por todos os
componentes da sociedade, exigindo-se o exercício da responsabilidade
compartilhada na gestão ambiental e que pressupõe uma unidade de ação de
multi-atores” 17. Canotilho defende que: “Para o Estado de ambiente constituir
um Estado de direito necessário é ser materialmente conformado como um
Estado de justiça ambiental” 18.
Além disso, inúmeros princípios jurídico-ambientais informam esse
modelo de Estado, destacando-se: os princípios da prevenção e da precaução,

14
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Juridicização da ecologia ou ecologização. Revista Jurídica do
Urbanismo e do Ambiente. Coimbra: Almedina, n.4, dez.1995, p.75.
15
“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e
do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos: I - a
soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da
livre iniciativa; V - o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce
por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.
16
“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do
povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de
defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
17
LEITE, José Rubens Morato. Estado de Direito do Ambiente: uma difícil tarefa. In: LEITE, José
Rubens Morato (Org.). Inovações em Direito Ambiental. Florianópolis: Fundação José Arthur Boiteux,
2000, p.21.
18
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Juridicização da ecologia ou ecologização. Revista Jurídica do
Urbanismo e do Ambiente. Coimbra: Almedina, n.4, dez.1995, p.74.
865

os princípios das eqüidades intra e intergeracional, o princípio da cooperação,


o princípio da responsabilização, o princípio integrativo, dentre outros. Todo
esse aparato do Estado de Direito Ambiental deve fazer frente à sociedade do
risco em que estamos inseridos, tema do próximo tópico.

4 A SOCIEDADE DE RISCO E A “IRRESPONSABILIDADE ORGANIZADA”


A Teoria da Sociedade de Risco foi criada pelo sociólogo alemão Ulrich
Beck, em 1986 com a publicação de sua obra “Risikogesellshaft: Auf dem Weg
in eine andere Moderne” (Sociedade de Risco – rumo a uma nova Modernidade
– sem tradução para o português) 19. Trata-se de uma leitura sobre a sociedade
contemporânea (sociedade de risco) e suas mudanças em relação à sociedade
industrial. Diante da influência cada vez mais direta do sistema capitalista sobre
todos os setores da sociedade, o meio ambiente acaba sendo a principal vítima
da gana e da fúria da economia globalizada. A sociedade de risco é marcada
por uma desenfreada produção social de riquezas que acaba por provocar uma
infinidade de riscos, os quais são socializados. Este modelo social tem gerado
uma verdadeira sensação de insegurança nos indivíduos, de forma muito
intensificada, sendo um dos fatos ímpares das sociedades da era pós-
industrial. Inaugura-se, desta forma, um novo e marcante período na história do
homem, denominado: a sociedade de risco.
A produção desses riscos, frutos tardios que são da modernidade, e,
simultaneamente, conseqüências da globalização e do progresso da ciência,
provêem das mais diversificadas fontes, dando origem a uma verdadeira
multidimensionalidade, o que torna algumas situações insustentáveis para que
as instâncias de organização normativa administrem os danos causados ao
meio ambiente (“irresponsabilidade organizada”). Tal conceito parece resumir
esse paradigma de frustração, impunidade, alívio e mal de Pilatos que ocorre
na sociedade, conseqüência da falência do modelo de Estado de bem-estar
social, baseado na certeza do paradigma de segurança gerado pela tecnologia
infalível e perfeita. As tecnologias e os desequilíbrios trazidos pelas conquistas
da modernidade são as provas desta sociedade de risco atual, sucedânea da
19
Cf. versão espanhola: BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo. Traducción Daniel Jiménez, Jorge
Navarro e Mª Rosa Borras. Barcelona: Paidós, 1998.
866

sociedade industrial. A pós-modernidade trouxe consigo a certeza de que nada


é seguro, destarte tudo possa ser realizado e divulgado dentro de parâmetros
de segurança. Este é o paradoxo de viver concomitantemente na mais segura
sociedade de todos os tempos e na primeira sociedade de risco da história. O
grande avanço tecnológico presenciado recentemente, fruto da certeza
científica tão em voga nos séculos XVIII, XIX e XX, acabou dando origem a
novos riscos e incrementando os já conhecidos. Evidente a falência do grau de
segurança dos conhecimentos científicos, tanto que Beck (1998) afirma: “Los
edifícios científicos de racionalidad se vienen abajo” 20. Sobre isto, Bourg e
Schlegel (2004) afirmam: “Cuanto más extendemos nuestra influencia sobre la
natureza, más incertidumbres creamos” 21.
A sociedade de risco inaugura a civilização dos riscos inevitáveis, pois o
surgimento de novos riscos são conseqüências diretas da modernização,
processo que continua sendo indiferente aos perigos e prejuízos trazidos ao
homem e ao meio ambiente.
A expressão “irresponsabilidade organizada” é importante para se
compreender a forma e as razões pelas quais as instâncias de poder e
regulamentação da sociedade moderna (industrial) admitiram o surgimento dos
riscos e as degradações ambientais, enquanto, simultaneamente, negavam a
sua existência, omitindo as suas origens e obstruindo os meios de controlá-los.
Pode-se aferir como conseqüência dessa irresponsabilidade organizada que:

Por outras palavras, as sociedades de risco são atormentadas


pelo paradoxo de quanto maior for a degradação ambiental,
observada e possível, maior é o peso de leis e normas
ambientais. Contudo, simultaneamente, nenhum indivíduo nem
instituição parecem ser responsabilizados especificamente por
alguma coisa 22.

Viver já pressupõe um risco, mas a vida pós-moderna envolve muitos


riscos invisíveis; visíveis mais não conhecidos; conhecidos, porém,
modificados; portanto, é um ninho de incertezas a atual sociedade. Convive-se

20
BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo. Traducción Daniel Jiménez, Jorge Navarro e Mª Rosa Borras.
Barcelona: Paidós, 1998, p.13.
21
BOURG, Dominique; SCHLEGEL, Jean-Louis. Anteciparse a los riesgos: el principio de precaución.
Barcelona: Ariel, 2004, p.59.
22
GOLDBLATT, David. Teoria social e ambiente. Lisboa: Piaget,1996, p.241.
867

com muitos riscos atualmente, exemplificando-os: as inúmeras antenas de


radiobase que emitem poluição eletromagnética no meio urbano, as poluições
provenientes das indústrias e a situação preocupante das áreas de
preservação permanente, muitas das vezes ocupadas de forma irregular,
promovendo deslizamentos e tragédias. Mesmo cientes da existência de todo
um aparato estatal dirigido a responsabilizar os agentes e difusores desses
riscos e danos ao meio ambiente, nada parece surtir efeito, isso é a sociedade
de risco. Ainda, sobre a irresponsabilidade organizada importante salientar que
“este conceito designa uma fase no desenvolvimento da sociedade moderna,
em que os riscos sociais, políticos, econômicos e individuais tendem cada vez
mais a escapar das instituições para o controle e a proteção da sociedade
industrial” 23.
Estabelecidos os contornos do Estado de Direito Ambiental e da
irresponsabilidade organizada que afeta o Estado brasileiro como veremos
abaixo, a otimização dos postulados do Estado de Direito do Ambiente serve:

[...]como transição da irresponsabilidade organizada


generalizada para uma situação em que o Estado e a
sociedade passam a influenciar nas situações de risco,
tomando conhecimento da verdadeira situação ambiental e se
municiando de aparatos jurídicos e institucionais capazes de
fornecer a mínima segurança necessária para que se garanta
qualidade de vida sob o aspecto ambiental 24.

5 ALGUMAS INCONSTITUCIONALIDADES DO CÓDIGO AMBIENTAL


CATARINENSE
Neste tópico, serão contrapostos alguns pontos (sem qualquer objetivo
de exaustividade) comuns entre duas leis estaduais: a Lei 14.309/02 do Estado
de Minas Gerais 25 e a Lei 14.675/09 do Estado de Santa Catarina. Buscar-se-á

23
BECK, Ulrich. A reinvenção da política: rumo a uma teoria da modernização reflexiva. In: BECK,
Ulrich; GIDDENS, Anthony; LASH, Scott. Modernização Reflexiva: política, tradição e estética na
ordem social moderna. Tradução de Magda Lopes. São Paulo: UNESP, 1997, p.15.
24
LEITE, José Rubens Morato; FERREIRA, Maria Leonor Paes Cavalcanti. As novas funções do Direito
Administrativo em face do Estado de Direito Ambiental. In: CARLIN, Volnei Ivo (Org.). Grandes Temas
de Direito Administrativo. Florianópolis: Conceito Editorial; Millennium Editora, 2009, p.439.
25
Salienta-se que esta lei mineira teve os artigos julgados inconstitucionais pelo TJMG em ação direta de
inconstitucionalidade proposta pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais (Procurador Geral de
Justiça) em face do Governo do Estado de Minas Gerais e a Assembléia Legislativa do Estado de Minas
Gerais. “EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 17, INCISOS V, VI
868

dar ênfase ao Código Ambiental do Estado de Santa Catarina, demonstrando


suas incongruências em face do direito ambiental brasileiro, e as razões que o
tornam exemplo límpido de uma irresponsabilidade organizada, obstáculo ao
Estado de Direito Ambiental.
Recentemente, no Estado de Santa Catarina fora promulgado o Código
Estadual do Meio Ambiente – Lei 14.675, de 13 de abril de 2009. Rapidamente,
salienta-se que em seu artigo 122, III 26 ocorre a mesma inconstitucionalidade
declarada para a lei mineira, ora, permite-se uma compensação da área de
reserva legal na mesma bacia hidrográfica, quando a lei federal fala em
microbacia. A competência sobre o tema estabelece uma concorrência entre a
União, os estados membros e o Distrito Federal para legislar (Artigo 24,VI da
Constituição Federal de 1988). Tal competência caracteriza-se por uma
hierarquia federativa, em outras palavras, a norma estadual não poderá
regulamentar de forma diversa matérias já regulamentadas por uma norma
federal: “Sabe-se (e já o demonstramos) que no âmbito da legislação
concorrente (ou vertical) há uma hierarquia de normas, no sentido de que a lei

E VII E PARÁGRAFO 6º DA LEI ESTADUAL Nº 14.710/2004. POLÍTICA FLORESTAL E DE


PROTEÇÃO À BIODIVERSIDADE NO ESTADO. ARTIGO 19, INCISOS V E VII, E PARÁGRAFO
6º, DO DECRETO ESTADUAL Nº 43.710/04. REGULAMENTO. RESERVA LEGAL.
INCONSTITUCIONALIDADE MANIFESTA. EXTRAPOLAÇÃO DE COMPETÊNCIA
SUPLEMENTAR. DISCIPLINA CONTRÁRIA À LEGISLAÇÃO FEDERAL DE REGÊNCIA.
OFENSA AO ARTIGO 10, INCISO V, E PARÁGRAFO 1º, I, DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL.
REPRESENTAÇÃO ACOLHIDA. VÍCIO DECLARADO. - A RECOMPOSIÇÃO DA RESERVA
LEGAL EM IMÓVEIS RURAIS A SER IMPLEMENTADA MEDIANTE COMPENSAÇÃO,
CONSOANTE A LEGISLAÇÃO FEDERAL DE REGÊNCIA, SOMENTE É POSSÍVEL SE SE DER
POR OUTRA ÁREA EQUIVALENTE EM IMPORTÂNCIA ECOLÓGICA E EXTENSÃO, DESDE
QUE PERTENÇA AO MESMO ECOSSISTEMA E ESTEJA LOCALIZADA NA MESMA
MICROBACIA. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE (ADI) - RESERVA LEGAL - LEI
ESTADUAL Nº 14.309/02, ART. 17, INCISOS V, VI E VII; DECRETO ESTADUAL Nº 43.710/2004,
ART. 19, INCISOS V E VI E PARÁGRAFO 6º - SUPOSTA INCONSTITUCIONALIDADE -
ALEGADA EXORBITÂNCIA DA NORMA ESTADUAL EM RELAÇÃO À NORMA FEDERAL QUE
TRATA DA MESMA MATÉRIA - LEI Nº 4.771/65, ART. 44, INCISOS I, II E III - COMPETÊNCIA
CONCORRENTE - SUPOSTA INFRAÇÃO À CR/88, ART. 24, 'CAPUT', INCISO VI E
PARÁGRAFOS; E, CEMG/89, ART. 10, 'CAPUT', INCISOS V E VI, E PARÁGRAFOS 1º E 2º, E,
ART. 11, 'CAPUT' E INCISOS II E VI - INOCORRÊNCIA - NORMAS ESTADUAIS QUE SE
LIMITAM A REGULAMENTAR A NORMA FEDERAL, RESPEITANDO AS DIRETRIZES
DITADAS PELA UNIÃO E ATENDENDO ÀQUELAS ESTABELECIDAS PARA A PRESERVAÇÃO
E CONSERVAÇÃO DO MEIO AMBIENTE - PRELIMINARES REJEITADAS E REPRESENTAÇÃO
JULGADA IMPROCEDENTE” (ADI N° 1.0000.07.456706-6/000, Corte Superior, Tribunal de Justiça
de Minas Gerais, Relator Desembargador Herculano Rodrigues, julgado em 27/08/2008, publicado em
07/11/2008, grifo nosso).
26
Artigo 122, III: “(...) III - compensar a reserva legal por outra área equivalente em importância
ecológica e extensão, que pertença ao mesmo ecossistema e esteja localizada na mesma bacia
hidrográfica;”.
869

federal tem prevalência sobre a estadual e municipal, e a estadual sobre a


municipal” 27. Cabe a União, portanto, estabelecer normas gerais, aos estados
membros normas específicas e aos municípios normas de interesse local 28.
Nota-se de uma análise dos parágrafos do artigo 24 que a União fica a
prevalência legiferante, pois cabe a ela o estabelecimento de normas gerais
(§1º), somente cedendo aos estados membros tal função quando inexistente
legislação federal sobre determinado tema (§3º). E quando a legislação
estadual for única, esta terá suspensa a sua eficácia com o advento de
legislação federal, no que for contrária (§4º).
29
O artigo 123 permite a utilização de Reservas Particulares do
Patrimônio Natural (RPPN) ou de qualquer outra modalidade de Unidade de
Conservação para fins de compensação da área de reserva legal florestal. Tal
autorização já é inconstitucional por permitir uma substituição da área de
reserva legal não autorizada pela lei federal, rasgando a mens legis do artigo
24 da CF. Além disso, desatende o pressuposto trazido pela lei federal como:
área de reserva legal localizada na mesma microbacia (Artigo 44, III da Lei
Federal 4.771/65). A lei estadual atropelou o pressuposto (federal) de
localização da nova área de reserva legal na mesma microbacia, pois
estabeleceu ab initio a localização na mesma bacia hidrográfica (conforme
inciso III do artigo 122), desconsiderando a ordem estabelecida no Código
Florestal que pressupõe que somente na impossibilidade de instituir a reserva
legal na mesma microbacia (inciso III do artigo 44) deverá passá-la a mesma
bacia hidrográfica (§4 do artigo 44). Ora, além da lei federal ser mais protetiva
(microbacia) que a estadual (bacia), a escolha pela microbacia é sempre
residual (tratando-se de exceção, e não a regra como o fez o Legislativo
Catarinense), razão pela qual esta deve ser expurgada do sistema normativo
catarinense. Os mesmos comentários valem para o artigo 124 que permitiu a

27
MUKAI, Toshio. Direito ambiental sistematizado. 5ªed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005,
p.21.
28
Assim estabelece o §2º do art. 24 da CF: “§ 2º A competência da União para legislar sobre normas
gerais não exclui a competência suplementar dos Estados”.
29
“Art. 123. No caso de área de terra existente no meio rural tornar-se uma Reserva Particular do
Patrimônio Natural - RPPN ou outra Unidade de Conservação, 100% (cem por cento) dessa área poderá
ser utilizada para fins de compensação da área exigida de reserva legal”.
870

instituição de reserva legal em regime de condomínio entre mais de uma


propriedade.
Já nos artigos 114, 115 e 118 são disciplinadas as Áreas de
Preservação Permanente(APPs) de forma diversa ao estabelecido no Código
Florestal. Ora, a lei catarinense, em seu artigo 114 restringe as APPs das
margens dos rios e demais cursos de água às medidas de 5 e 10 metros
apenas, enquanto o Código Florestal estabeleceu de 30 a 500 metros. Os
artigos 115 e 118 permitiram utilizações das APPs que não foram
estabelecidas pela Lei Federal. Novamente, assim como mencionado
anteriormente na legislação mineira, há flagrante ofensa ao artigo 24 da
Constituição Federal por extrapolar sua competência complementar. Ora,
desde que fosse mais benéfica – que não é o caso - ao meio ambiente seria a
mesma constitucional. Além disso, a composição das Juntas Administrativas
Regionais de Infrações Ambientais (JARIAs) acabam por reduzir a sociedade
civil catarinense a “três representantes do setor produtivo do Estado de Santa
Catarina, e seus respectivos suplentes” – inciso IV do artigo 18. Isto inviabiliza
uma democracia ambiental (elemento do Estado de Direito Ambiental), tal qual
é pautada por nossa Carta Magna, tolhendo a participação popular nos
assuntos de interesse difuso. Nesse aspecto, importante são as palavras de
Leite e Ferreira:

Com efeito, através da participação, observa-se uma via de


mãe dupla: Administração e Sociedade Civil, considerando
que o meio ambiente não é propriedade do Poder Público,
exigindo máxima discussão pública e garantia de amplos
direitos aos interessados 30.

Por fim, restam outros pontos criticáveis desse diploma estadual


catarinense, os quais só poderão ser objetos de análise em outra oportunidade.

6 CONCLUSÕES ARTICULADAS
6.1 O estudo histórico da legislação ambiental brasileira permite
compreender a forma pela qual a natureza foi relegada a segundo plano pelos

30
LEITE, José Rubens Morato; FERREIRA, Maria Leonor Paes Cavalcanti. As novas funções do Direito
Administrativo em face do Estado de Direito Ambiental. In: CARLIN, Volnei Ivo (Org.). Grandes Temas
de Direito Administrativo. Florianópolis: Conceito Editorial; Millennium Editora, 2009, p.440.
871

diplomas normativos nacionais, estimulando uma exploração infinita e


mecânica dos recursos ambientais. Ora, instituiu-se um perverso “costume” de
apenas sugar os recursos da natureza;
6.2 Assim, após 1988, o Estado assume o compromisso inadiável e
insubstituível de proteger o meio ambiente por meio de suas três funções
típicas, concomitantemente, aos cidadãos também fora colocado tal dever de
proteção, formalizando uma responsabilidade compartilhada de proteção ao
meio ambiente. Embora cumpra ao Poder Legislativo a confecção de normas
ambientais eficazes que não propiciem lacunas aos destruidores do verde da
bandeira nacional e a não submissão aos lobbies, o Estado de Direito
Ambiental avança vagarosamente, já que é, também, um processo de
amadurecimento civilizacional;
6.3 Sendo um processo em construção, sujeito está o Estado de Direito
Ambiental às constantes afrontas pelos Poderes Legislativos dos Estados
membros (como demonstraram as duas legislações estaduais
supramencionadas) numa manifesta irresponsabilidade organizada;
6.4 Tendo em vista a declaração de inconstitucionalidade da Lei mineira
14.309/02, a qual continha vícios semelhantes ao do Código Ambiental
Catarinense, espera-se por uma mesma solução, em respeito aos princípios
jurídico-ambientais do Estado de Direito Ambiental e a um futuro
ambientalmente mínimo para as futuras gerações.

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___________. A reinvenção da política: rumo a uma teoria da modernização


reflexiva. In: BECK, Ulrich; GIDDENS, Anthony; LASH, Scott. Modernização
872

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873

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MILARÉ, Édis, Direito do Ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glosário.


3ªed.ª São Paulo, RT, 2004.

MUKAI, Toshio. Direito ambiental sistematizado. 5ªed. Rio de Janeiro: Forense


Universitária, 2005.
874

O MUNICÍPIO DE BLUMENAU E A TUTELA JURÍDICA AMBIENTAL DO


DESASTRE NATURAL OCORRIDO EM NOVEMBRO DE 2008

MAURÍCIO DUARTE DOS SANTOS 1

Resumo: O presente trabalho tem como objetivo apresentar consequências jurídicas e


políticas ambientais decorrentes do desastre natural ocorrido em novembro de 2008 na Região
do Vale do Itajaí em Santa Catarina, Brasil. Será dado enfoque ao município de Blumenau, por
ter sido um dos mais atingidos, possuir considerável número de habitantes, aparecer como um
dos mais importantes municípios do Estado de Santa Catarina assim como apresentar
legislação divergente ao que estabelece o Código Florestal em relação às áreas de
preservação permanentes (APP).

1 INTRODUÇÃO
O município de Blumenau está localizado na região do Vale do Itajaí no
Estado de Santa Catarina e ao longo de sua história foi palco de desastres
naturais onde restam como incalculáveis os prejuízos (sentido amplo)
adquiridos pela população.
No ano de 2008, especificamente no mês de novembro, ocorreu o maior
desastre natural de sua história 2. Além das fortes e constantes chuvas,
deslizamentos e inundações trouxeram, além de prejuízos materiais, elevado
número de óbitos e pessoas feridas.
Ocorre que o município, por meio de sua defesa civil, estava preparado
apenas para ocorrências de inundações, comuns para essas épocas. Porém,
infelizmente não foram somente as enchentes que causaram os mencionados
prejuízos, mas sim a ocorrência de fortes deslizamentos.
A grande discussão que paira sobre o caso diz respeito às reais causas
do desastre. Á que considerar que o território do município de Blumenau
1
Advogado, professor universitário, mestrando em Direito Ambiental pela Universidade Católica de
Santos, especialista em Direito do Estado pela Universidade Cândido Mendes-RJ e especialista em
Direito Civil e Processo Civil pela Universidade Gama Filho-RJ.e-mail:duartesantista@hotmail.com.
2
Jornal Zero Hora, “A pior tragédia de Blumenau”: “(...) Não identifiquei nada igual nos arquivos da
cidade. É a pior situação de toda história – avalia Sueli Petri, diretora do arquivo histórico”; matéria
veiculada no dia 28 de novembro de 2008, pag. 3.
875

compreende muitas Áreas de Preservação Permanente - APP e a omissão do


Poder Público, na proteção desses espaços, por anos a fio pode ter contribuído
para as dimensões atingidas pelo desastre.
A região do Vale do Itajaí fica localizada ao norte/noroeste do estado de
Santa Catarina e uma de suas principais características é a de ser uma área
com ampla influência do remanescente do bioma de Mata Atlântica naquele
estado. Outrossim, a região é cercada pelo bioma e este por sua vez é
banhado por uma importante rede hidrológica que estabelece o espaço
ecológico-geográfico daquela região. O principal rio, que corta a cidade, é o rio
Itajaí-Açu.
Além disso, Santa Catarina é rota da zona de convergência do atlântico
sul 3, o que resulta em ser uma área com características muito propícias às
ocorrências de desastres naturais, com ou sem participação antrópica, devido à
ocorrência de fortes chuvas.
Blumenau se tornou, ao lado de Itajaí e do complexo do morro do baú 4,
os pontos que mais despertaram a atenção da mídia quanto ao recente
desastre ocorrido no Vale do Itajaí.
Muitas questões foram e ainda serão levantadas acerca das verdadeiras
causas das conseqüências drásticas apresentadas com as fortes chuvas
ocorridas no Vale. Logo não está ainda cientificamente definido se o desastre
ocorreu simplesmente por fenômeno natural, pela atividade de ocupação
desordenada, pela omissão do poder público quanto à não aplicação de
políticas de prevenção a desastres, desrespeitando a legislação ambiental

3
Cf. CPTEC. Climanálise. Boletim de Monitoramento e Análise Climática. Vol. 19 - N.12 -
Dezembro/2004. Disponível em http://www.cptec.inpe.br/products/climanalise/1204/zcas.html Acesso
em 09 de março de 2009.
4
Uma das regiões mais afetadas por enchentes e deslizamentos foi o complexo do Morro do Baú, situado
no triângulo formado pelos municípios de Ilhota, Luiz Alves e Gaspar. Trata-se de uma área estritamente
rural, onde se concentram produtores de arroz, banana, algumas granjas de aves e propriedades com
florestas plantadas de pinheiro e eucalipto. Cf. SOUZA, Juliana Mio de; VIANNA, Luiz Fernando de
Novaes. Relatório sobre o levantamento dos deslizamentos ocasionados pelas chuvas de novembro de
2008 no complexo do morro do baú municípios de Ilhota, Gaspar e Luiz Alves. Empresa de Pesquisa
Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina S.A.: Florianópolis, 2009. Disponível em
http://ciram.epagri.sc.gov.br/portal/website/arquivos/areas_risco/Relatorio_Morro_Bau.pdf Acesso em 04
de março de 2009.
876

pertinente, ou se por um conjunto de acontecimentos relacionados com todas


5
estas hipóteses.
Em relatório oficial, elaborado pela Empresa de Pesquisa Agropecuária
e Extensão Rural de Santa Catarina S.A. 6, sobre as causas dos deslizamentos,
foi apontado que a atividade antrópica no complexo do morro do baú foi a
principal causa das conseqüências catastróficas naquela região. O desrespeito
à Constituição, à legislação e ao Código Florestal foram ignorados pelo
documento apresentado.
Antes do desastre, o município de Blumenau já contava com um plano
de desenvolvimento urbano chamado “BNU2050”, que apresenta cinco eixos
temáticos diferentes. Vale destacar que, após as ocorrências de dezembro de
2008, esses eixos foram alterados no que se refere à sua ordem de
prioridade 7.

2 CÓDIGO FLORESTAL BRASILEIRO E O CÓDIGO DE DIRETRIZES


URBANÍSTICAS DE BLUMENAU
Desde 1937 o Código Florestal apresentou-se como instrumento
normativo visando a proteção das matas no Brasil, logo alguns de seus artigos
perduram até hoje e servem como fundamento jurídico contrário ao
crescimento desordenado estabelecido por muitos municípios brasileiros.
O direito de propriedade aparece em nosso ordenamento como direito
fundamental, porém deve ser considerado como tanto desde que a propriedade
atenda sua função social. Faz-se lembrar que a própria constituição dedicou
uma parte a política urbana objetivando além do ordenamento, a efetivação da
função sócio-ambiental da propriedade.
Mesmo o artigo 182 da Lei Maior não fazendo menção direta ao meio
ambiente ecológico em seus parágrafos, cumpre atentar a importância da urbis
em seu contexto, pois é nela que a maioria maciça da população brasileira

5
Cf. SWISSINFO, Geraldo Hoffmann. A culpa não é só da mudança climática. Disponível
http://www.swissinfo.ch/por/capa/A_culpa_nao_e_so_da_mudanca_climatica.html?siteSect=105&sid=10
072413&cKey=1229081299000&ty=st Acesso em 15 de março de 2009.
6
Ibidem.
7
Disponível em www.blumenau.sc.gov.br/bnu2050. Material adquirido junto ao secretário adjunto de
planejamento do município de Blumenau no dia 23/02/2009.
877

encontra-se e não há como falar em meio ambiente como direito humano


ignorando o meio ambiente artificial. 8
Com a exorbitante taxa populacional nas cidades, o meio ambiente
ecológico tem sido cada vez mais afetado, ao passo que para compatibilizar-se
com o crescimento, principalmente econômico, foi criado em 1985 documento
internacional que trouxe a expressão desenvolvimento sustentável. 9
A lei nacional de 2001 10 decorrente do capítulo que trata da política
urbana absorveu tal expressão quando estabeleceu no inciso I do artigo 2º o
termo cidades sustentáveis que coaduna à idéia da necessidade de serem
elaborados mecanismos pelo Poder Público na busca da dignidade de seus
cidadãos.
A importância do Código Florestal frente ao Poder Público e a toda
sociedade blumenauense nos parece indiscutível para o cumprimento do que
estabeleceu nossa Lei Maior e consequentemente o Estatuto das Cidades.
Logo, devido sua localização, o município de Blumenau está sujeito a diversos
resultados em caso de desequilíbrio ecológico decorrente de atividade
antrópica. 11
Um dos assuntos de repercussão que se graduou com a ocorrência dos
desastres diz respeito ao confronto existente entre o Código Florestal e a Lei
de Diretrizes Urbanísticas de Blumenau 12, pois o legislador municipal trouxe no
artigo 60, medidas quanto às áreas não edificáveis e não aterráveis.
Ocorre que a Lei Nacional (Código Florestal) já dispõe sobre a matéria, o
que por si só levanta questionamentos acerca da competência legislativa.
Tratemos, inicialmente, de apresentar resumidamente o que se discute sobre
ambos os ordenamentos, pois o Código Florestal dispõe:

8
SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional 6ªed. São Paulo, 2007, p. 21.
9
Relatório “Nosso Futuro para Todos”. Documento elaborado na Assembléia Geral das Nações Unidas
também denominado com relatório Brundtland.
10
Lei 10.257 de 10.07.2001
11
A mais alta ocorrência de chuvas acontece historicamente na região central que possui o maior índice
de densidade populacional do município diante de estudos apresentados pelo Instituto de Pesquisas
Ambientais da Universidade Regional de Blumenau Estudo das correlações entre precipitações e os
escorregamentos em áreas de risco em Blumenau – SC; disponível em
http://www.blumenau.sc.gov.br/novo/site/imagens/conteudo/file/defesacivil/risco.pdf consulta realizada
em 13/03/2009.
12
Lei Complementar nº 142, de 04 de março de 1997.
878

Art. 2º. Consideram-se de preservação permanente, pelo só


efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação
natural situadas:
a) ao longo dos rios ou de qualquer curso d'água desde o seu
nível mais alto em faixa marginal cuja largura mínima será:
1 - de 30 (trinta) metros para os cursos d'água de menos
de 10 (dez) metros de largura;
d) no topo de morros, montes, montanhas e serras;
e) nas encostas ou partes destas, com declividade superior a
45°, equivalente a 100% na linha de maior declive (...) (grifo
nosso)

E o Código de Diretrizes Urbanísticas do município de Blumenau dispõe:


Art. 60. Serão consideradas áreas não edificáveis e não aterráveis
(ANEA), as seguintes faixas marginais mínimas ao longo das águas dormentes
e correntes, conforme a área da bacia de contribuição a qual pertencem,
tomada como referência o nível médio do escoamento na estação fluviométrica
da ponte Adolfo Konder:

Área da bacia hidrográfica............ANEA


* Até 1,0 km2..................5,00 metros
* De 1,1 a 5,0 km2.............8,00 metros
* De 5,1 a 25,0 km2...........12,00 metros
* De 25,1 a 125,00 km2........16,00 metros
* Maior que 125,00 km2........20,00 metros
* rio Itajaí-Açú..............45,00 metros (grifo nosso)

Há de verificar imediatamente a incompatibilidade normativa existente


entre o Código de Diretrizes Urbanísticas Blumenauense e a Lei Nacional, pois
ambas as normas se divergem quanto ao limite de faixa mínima de proteção
dos cursos d’água. 13
A primeira estabelece um limite mínimo de 30 metros 14, no entanto a
segunda reduz significativamente esta medida a 5 metros nos termos que
estabelecia a redação original do Código Florestal de 1965.

13
Foi interposta pelo Ministério Público Estadual Ação Direta de Inconstitucionalidade perante o
Tribunal de Justiça de Santa Catarina (n.º 2009.008941-2)
14
Redação dada pela Lei nº 7.803 de 18 de julho de 1989.
879

Tal divergência é clara à luz do que estabelece a hierarquização das


normas do Estado Brasileiro, tendo que uma legislação que trate de normas
gerais 15 e abranja todo território nacional deverá prevalecer a uma que trate de
assuntos locais.
Porém, cabe apresentar interpretação que se dá ao artigo 23, III, IV, VI e
VII no que estabelece sobre a participação dos municípios na proteção
ambiental. Afirma José Afonso da Silva que a competência municipal fica mais
no âmbito da execução das leis protetivas ao que legislar sobre o assunto,
outorgando a ação material do município. 16
A mesma lei que instituiu o que vigora atualmente sobre a faixa mínima
de proteção dos recursos hídricos em área urbana incluiu um parágrafo único
ao artigo 2º:

“No caso de áreas urbanas, assim entendidas as


compreendidas nos perímetros urbanos definidos por lei
municipal, e nas regiões metropolitanas e aglomerações
urbanas, em todo o território abrangido, observar-se-á o
disposto nos respectivos planos diretores e leis de uso do solo,
respeitados os princípios e limites a que se refere este artigo”.

Inclusão esta que deu margem a uma interpretação favorável ao


município, ao passo que seja realizada de forma sistêmica ao que estabelece a
Lei Maior em seu artigo 30, VIII.
Edis Milaré entende neste sentido, senão vejamos:

“A preservação de áreas verdes no perímetro urbano dos


Municípios tem o objetivo de ordenar a ocupação espacial,
visando a contribuir para o equilíbrio do meio em que mais
intensamente vive e trabalha o homem. As normas que
disciplinam, no ambiente urbano, a preservação de áreas
verdes, são as contidas no Plano Diretor, na lei de uso de solo,
seja municipal, seja metropolitana, e em outras editadas
especialmente para tal fim”.17

Paulo Afonso Leme Machado afirma que ao introduzir este parágrafo


único, quis o legislador deixar claro que os planos e leis de uso do solo do

15
Artigo 24 da Constituição Federal.
16
SILVA, José Afonso da. ob. cit. p. 79.
17
MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente. 2ª edição, RT, 2001, p. 170.
880

Município tem que estar em consonância com as normas do mencionado artigo


2º. 18
Outra dúvida que paira sobre a discussão: além da interpretação
favorável ao inciso I do artigo 60 da citada lei de Blumenau, existe a Lei
6.766/79 (esta com aplicação nacional) que estabelece limite de 15 metros
19
trazendo novamente uma divergência ao Código Florestal.
A legislação de 1979 abre oportunidade para discussão, pois, no que
preceitua o parágrafo único do artigo 2º do Código Florestal, a lei que dispõe
sobre Parcelamento do Solo Urbano induz uma ressalva quando traz em seu
escopo que o limite exigido será passível de mudança diante do advento de
legislação específica. Resta claro que a legislação brasileira específica neste
caso é o Código Florestal.
Granziera discorre sobre o tema de forma sintética e clara, senão
vejamos:
“O entendimento é que a faixa mínima a ser mantida para a
proteção dos recursos hídricos em área urbana é de 30 m,
pois a Lei nº 6.766/79 ressalva que o limite por ela
estabelecido será modificado “por maiores exigências de
legislação específica” que no caso, consiste no Código
Florestal. Tampouco ficam as leis municipais autorizadas a
diminuir a largura da faixa de 30m, pois o § 2º do art. 2º do
Código Florestal é claro ao mencionar que devem ser
“respeitados os princípios e limites a que se refere” o
dispositivo”.20

Diante desta situação deve ser dada interpretação cautelosa ao Código


Florestal, pois o mesmo é fundamental para a proteção do ambiente natural e
urbano.
A substituição radical da legislação constitucional e da “Lei das
Florestas”, neste caso, certamente abriria precedentes para que outros
municípios brasileiros legislassem a favor do afastamento de órgão federal de
fiscalização (IBAMA), fomentaria a produção imobiliária incontrolável com

18
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 11 edição. São Paulo: Malheiros.
2003 p. 385-386.
19
Inciso III do artigo 4º da Lei nº 6.766 de 19 de dezembro de 1979.
20
GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Direito Ambiental. São Paulo: Atlas 2009 p. 336.
881

intuito de arrecadação tributária, assim como aumentaria consideravelmente a


incidência de desastres naturais. 21
Fica a indagação: até onde os municípios, ao legislarem em
discordância com as legislações supra municipais e se omitirem quanto a
fiscalização rigorosa das APP, poderiam chegar quanto sua responsabilidade?

3 A RESPONSABILIDADE DO MUNICÍPIO DE BLUMENAU DIANTE DOS


DESASTRES NATURAIS E O “PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO
URBANO BLUMENAU 2050”
O caso do desastre de Blumenau, aliado a outros acontecimentos do
mesmo nível e forma ocorridos em território brasileiro desperta atenção para
um assunto muito complexo: poder-se-ia responsabilizar o município em virtude
da ocorrência de desastre natural que compromete diretamente a vida de seus
habitantes? Vejamos como as coisas se colocam.
O índice pluviométrico para o mês dos acontecimentos (novembro/2008)
teve extraordinário aumento, pois choveu na região do Vale muito mais do que
a população esperava àquela época de acordo com que apresentou os estudos
do EPAGRI. 22 Em geral, danos provenientes de forças da natureza não
caracterizam culpa pelos danos ocorridos.
Porém, quando se trata de matéria ambiental, há que considerar esse
argumento com cautela, pois não se descarta a hipótese dos prejuízos sofridos
pela sociedade de Blumenau terem decorrido, também, de uma omissão do
Poder Público quanto a fatores relativos à ocupação irregular e desordenada
do solo, à falta de fiscalização posterior às licenças ambientais concedidas e à
falta de compatibilidade das normas municipais com o Código Florestal.

21
FIGUEIREDO, Guilherme José Purvim de. Função Ambiental da Propriedade Urbana in Paisagem,
Natureza e Direito; org. ed. BENJAMIN, Antonio Herman; Instituto o Direito por um Planeta Verde 9º
Congresso Internacional de Direito Ambiental, 2006 pag. 315.
22
A empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina-EPAGRI apresentou estudos
onde apontam que em outubro choveu 275, 3 mm sendo que a média nos últimos 25 anos era de 151,7
mm e em novembro choveu o equivalente a 725,1 mm sendo que a média daquele mês era de 144, 8mm
também nos últimos 25 anos. Informação adquirida junto à secretaria de planejamento de Itajaí; visita
realizada em 25 de fevereiro de 2009.
882

A decretação de estado de calamidade pública 23 e o recente decreto que


delimita áreas de risco no território do município e estabelece medidas para
prevenção de desastres naturais 24 podem ser considerados como atos que
servirão como instrumentos de mitigação para futuras consequências
negativas.
O decreto que trata de áreas de risco e prevenção de acidentes discorre
em seu artigo 2º:

Os imóveis localizados em Áreas de Risco somente poderão


ser reocupados mediante parecer técnico da Defesa Civil do
Município, que, considerando a urgência e prioridade das
soluções, indicará as condições geológicas e estruturais de
cada edificação e, dependendo do grau de risco verificado,
determinará a adoção de medidas necessárias para garantia
da segurança do imóvel.

Continua o decreto relacionando a possibilidade de futuras construções


com base no artigo supramencionado senão vejamos:

Art. 5º. A resposta a consultas de viabilidade e a análise de


novos projetos de construção pela Secretaria Municipal de
Planejamento Urbano relativas a imóveis localizados nas
Áreas de Risco fica condicionada a prévia liberação por parte
da Defesa Civil, observado o disposto no art. 2º deste Decreto.

Não sabemos como estes órgãos (secretaria de planejamento e defesa


civil) decidirão acerca de novas liberações, pois como visto no presente artigo o
município legisla de forma diversa a legislação supra municipal.
Todo e qualquer sujeito poderá ser responsabilizado por danos
ambientais desde que tenha contribuído comissivamente ou omissivamente
para construção do dano. Basta este ter produzido o prejuízo à coletividade
para figurar como sujeito passivo de processo ambiental. E o Estado
certamente figura entre estas pessoas apresentadas.
A responsabilidade correspondente ao Poder Público pode ser
visualizada por aspectos antagônicos quando se falar em Direito Ambiental. E

23
Decreto Municipal 8.820 de 23 de novembro de 2008.
24
Decreto municipal 8.902 de 08 de abril de 2009.
883

este aliado à ocorrência de desastre natural não pode simplesmente ser


discutido pela ótica do Direito Administrativo.
O Estado ao poluir o meio ambiente terá responsabilidade por este dano
diante do que preconiza o § 6º do artigo 37 da Lei Maior combinado com o § 3º
do artigo 225.
O dano ao meio ambiente por si só configura a aplicação do instituto da
responsabilidade civil ambiental, pois pela Constituição de 88 ficou preconizado
25
o direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
A correlação de dano ambiental com a ocorrência de desastres naturais
deve ser analisada de forma atentatória, pois os indivíduos, (destinatários
exclusivos do direito) além de sofrer com prejuízos imediatos somente pelo
impacto ao meio ambiente (sentido amplo), podem se tornar em curto, médio
ou longo prazo vítimas diretas de desastres naturais.
A licença ou quaisquer outros instrumentos de uso e ocupação de solo
permissivos disponíveis para Administração Pública podem figurar como
pontos na divisão dos critérios estabelecidos à mesma quanto a
responsabilidade ambiental.
A Administração Pública de Blumenau ao permitir que seja ocupada
áreas de forma ilegal pode contribuir objetivamente ou solidariamente com a
incitação de condições propícias a ocorrência de desastres naturais, portanto
falar-se somente em responsabilidade por omissão (subjetiva) pode ser
insuficiente para eficácia na aplicação de princípios como prevenção 26,
precaução e recomposição.
A recomposição normalmente se faz com base no prejuízo patrimonial,
porém atualmente a doutrina jurídica discorre sobre a possibilidade da

25
Vale lembrar que a expressão ecologicamente equilibrado é voltada para própria convivência
harmoniosa entre os indivíduos e figura desde a promulgação da Declaração Universal de Direitos
Humanos de 1947.
26
“Quando a Constituição Federal impõe a proteção ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem
de uso comum do povo, a mensagem subjacente consiste no dever de prevenir a ocorrência de qualquer
fato que venha causar dano a esse macro bem, considerando o interesse público nele contido” cf.
GRANZIERA. Ob. Cit. p. 589.
884

responsabilidade pelo dano ambiental também incorrer de forma moral 27, e não
seria controverso levantar tal possibilidade ao caso trazido no presente artigo.
O intuito aqui não é a imputação de culpabilidade ao município de
Blumenau, mas sim fomentar a reflexão para algumas atitudes que tanto o
município em tela quanto outros da federação podem adotar para que seja
evitado desastres naturais decorrentes de danos ambientais.
Neste passo, cumpre apresentar em conjunto no presente tópico a
relação atual do projeto “BNU2050” com a responsabilidade do município.
O projeto corresponde a um planejamento que infelizmente não se faz
comum na realidade dos municípios brasileiros, pois visa estruturar e
estabelecer um plano de diretrizes e projetos para o município, no que diz
respeito ao planejamento territorial, com previsão de implantação até 2050.
Pretende-se que seja a agenda do planejamento territorial e o documento-base
para os próximos governantes 28.·.
O BNU2050 foi dividido em cinco eixos: uso e ocupação do solo; sistema
de circulação e transporte; intervenções para o desenvolvimento econômico, o
turismo e o lazer; habitação e regularização fundiária; saneamento e meio
ambiente.
Documentos como este figuram como instrumentos de prevenção a
desastres e consequentemente podem isentar o Poder Público (desde que
aplicado de forma eficaz) de sua responsabilidade direta por prejuízos
decorrentes de desastres naturais.
Tendo a participação de 19 entidades distribuídas em 75 partcipantes 29,
o projeto foi desenvolvido através de um seminário que enfatizou
resumidamente a pertinência do planejamento, a experiência sobre

27
“Atualmente, ainda que de forma discreta, vem sendo admitida a possibilidade de configuração de um
dano moral afeto à coletividade como um todo ou mesmo a um grupo de indivíduos determinados ou
determináveis. Neste sentido, Paccagnella argumenta ‘ Em resumo, sempre que houver um prejuízo
ambiental objeto de comoção popular, com ofensa ao sentimento coletivo, estará presente o dano moral
ambiental. A ofensa ao sentimento coletivo se caracteriza quando o sofrimento é disperso, atingindo
considerável numero de integrantes de um grupo social ou comunidade’” LEITE,José Rubens Morato.
Dano Ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial- São Paulo: Editora Revista dos Tribunais.
2000. p. 300.
28
BLUMENAU, Prefeitura de, BNU2050 CIDADE DE BLUMENAU; Revista de divulgação do
Programa de Desenvolvimento Urbano de Blumenau: ano 1-junho 2008. p. 5. Material adquirido junto ao
secretário adjunto de planejamento urbano do município de Blumenau no dia 23/02/2009.
29
Idem. p. 11.
885

desenvolvimento sustentável de cidades européias em ralação aos problemas


atualmente presentes na sociedade de Blumenau, o resgate pela busca de
investimentos nas áreas ao redor do rio Itajaí-Açu e importância de ter sido
construído um documento que, mesmo sendo passiveis de revisões, seja
adotado como prioridade no planejamento município. 30

4 CONCLUSÕES
1. A Constituição Federal de 1988 e o Código Florestal aparecem como
normas norteadoras para proteção das Áreas de Preservação Permanente no
município de Blumenau.
2. O município de Blumenau ao estabelecer legislação contrária a estes
regramentos pode incorrer em consequências prejudiciais a seus cidadãos,
pois quando tratamos de meio ambiente ecologicamente equilibrado devemos
respeitar prioritariamente o desenvolvimento sustentável;
3.No conflito de competência normativa quanto a prevenção de
desastres naturais nos municípios deverá sempre prevalecer a legislação que
trate de normas gerais sobre as de interesse local.
4. O instituto da responsabilidade civil ambiental acerca de danos
ambientais causadores de desastres naturais não poderá ser interpretado de
forma absoluta quanto a responsabilidade subjetiva do Poder Público. Esta
interpretação poderá acarretar acomodamento às pessoas jurídicas de direito
público à necessidade de estabelecerem planejamentos que evitem desastres
naturais decorrentes de atividade antrópica.
5. O projeto BNU2050 tem como fundamento estabelecer uma cidade
sustentável, pode controlar o intuito de se legislar contrariamente a
Constituição Federal e o Código Florestal, pode impedir que o município de
Blumenau incorra em erros passíveis de condenação por dano ambiental e
desastres naturais e certamente deverá servir como exemplo para outros
municípios brasileiros.

30
Ibidem. p. 42.
886

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

BLUMENAU, Prefeitura de, BNU2050 CIDADE DE BLUMENAU; Revista de


divulgação do Programa de Desenvolvimento Urbano de Blumenau: ano 1-
junho 2008;

DA MATA, Luiz Roberto. O Estatuto da cidade à Luz do Direito Ambiental.


COUTINHO Ronaldo e ROCCO, Rogério. O direito Ambiental das cidades. Rio
de Janeiro: DP&A editora, 2004.

FIGUEIREDO, Guilherme José Purvim de. Função Ambiental da Propriedade


Urbana in Paisagem, Natureza e Direito; org. ed. BENJAMIN, Antonio Herman;
Instituto o Direito por um Planeta Verde; 9º Congresso Internacional de Direito
Ambiental, 2006;

-----------------------------------------------------. Código Florestal Aspectos Polêmicos.


Revista de Direitos Difusos, v. 33, 2005;

FREITAS, Vladimir Passos. A Constituição Federal e a efetividade das normas


ambientais. 3ª edição; São Paulo: RT, 2005;

GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Direito Ambiental. São Paulo: Atlas 2009;

LEITE, José Rubens Morato. Dano Ambiental: do individual ao coletivo


extrapatrimonial - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2000;

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 11ª edição. São
Paulo: Malheiros. 2003;

MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente. 2ª edição; São Paulo: RT, 2001;

SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional 6ªed., São Paulo,
Malheiros, 2007;

SILVA, Solange Teles da, “Responsabilidade civil ambiental”, in Phillipi Jr,


Arlindo e Alves, Alaor Caffé. Curso Interdisciplinar de Direito Ambiental, São
Paulo, Manole, 2005.
887

O TRÁFICO DE ANIMAIS SILVESTRES:


Crueldade e tolerabilidade na ameaça à Biodiversidade

MERY CHALFUN 1

1 INTRODUÇÃO
Fauna, flora, minerais, recursos naturais, cada grupo, e todos juntos
desempenham papel fundamental para o equilíbrio do ecossistema, formando
uma estruturada cadeia capaz de manter a vida e futuro do planeta. Entretanto,
apesar de toda importância desempenhada por cada um destes grupos,
diversos são os abusos, práticas cruéis e exploratórias, que por interesses
econômicos, desnecessários, ignorância, colocam em risco a vida planetária, a
sustentabilidade do planeta e de toda vida que nela habita.
O presente artigo destaca a problemática dos animais na prática do
tráfico, atividade ilegal que ameaça suas vidas, o equilíbrio do meio e a
existência da biodiversidade.
O respeito pela vida animal tanto no aspecto ético como para o meio
ambiente é fundamental. Além da questão da preservação das espécies e
respeito pela vida, cada animal desempenha uma atividade que acaba por
torná-lo responsável pela existência de outras espécies, sejam as vidas
humanas, dos próprios animais ou vegetais. Juntos com toda natureza e vida
existente formam uma rede complexa e bem estruturada, de modo que cada
espécie retirada da natureza ou extinta provoca graves riscos a todo sistema,
ao ecossistema, a biodiversidade, acarretando prejuízos que talvez não
possam ser recuperados.
No entanto, apesar de toda sua importância, seja em decorrência de
suas próprias vidas, que merecem e devem ser respeitadas em visão que
ultrapassa o antropocentrismo, ainda que alargado, para alcançar uma visão

1
Advogada. Graduada pela PUC-RJ, Mestre em direito pelo programa de Pós Graduação em Direito na
Universidade Estácio de Sá – RJ, na linha de pesquisa Direitos Fundamentais e Novos Direitos, bolsista
CAPES Mestrado. e-mail: merychalfun@hotmail.com
888

biocêntrica, ou em decorrência de sua importância para o equilíbrio do meio


ambiente, os animais não- humanos são constantemente desrespeitados e
explorados. Entre as diversas formas existentes de desrespeito e crueldade
animais, se destaca, no presente artigo, o tráfico de animais silvestres, pois
além de ser uma atividade ilícita e cruel, põe em risco toda a biodiversidade.
Ocorre que, o tráfico de animais silvestres é atualmente uma das
principais formas de falta de respeito pela vida animal, com acentuado grau de
crueldade, é também uma das principais formas de ameaça a biodiversidade.
No entanto, observa-se, ainda hoje, certa tolerabilidade em relação a esta
prática, tanto do Judiciário, que constantemente julga tais crimes com base em
princípio da insignificância, seja da sociedade, que constantemente compra
animais provindos do tráfico, alimentando e incentivando o prosseguimento
deste crime, que ameaça a existência de diversas espécies, a biodiversidade, a
preservação e direitos das futuras gerações.

2 RISCO À BIODIVERSIDADE
A biodiversidade ou diversidade biológica 2 definida pela Convenção da
Biodiversidade como “a variabilidade de organismos vivos de todas as origens
e os complexos ecológicos de que fazem parte: compreendendo ainda a
diversidade dentro das espécies, entre espécies e de ecossistemas” 3 é
essencial para que haja o equilíbrio do meio ambiente, do ecossistema, e vida
de todas as espécies.
O ecossistema brasileiro rico em animais e vegetais é formado por
unidades como a Floresta Amazônica, o Pantanal Mato-Grossense, a Mata
Atlântica, o Cerrado, a Caatinga, Domínio das Araucárias entre outras
fundamentais ecologicamente e para vida do planeta, constituem-se em

2
Normalmente os termos biodiversidade e diversidade biológica são usados como sinônimos ou
indistintamente, no entanto, como esclarece Èdis Milaré a palavra biodiversidade traduz melhor a
vinculação profunda entre todos os seres, indivíduos, espécies na unidade, pluralidade e teia da vida em
que estão inseridos, demonstra não apenas uma pluralidade aritmética de animais e vegetais como parece
estar mais ligada a expressão diversidade biológica, mas sim um caráter essencial de unidade entre as
espécies que demonstram um ecossistema.
MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 173.
3
Esta definição foi proposta pela Convenção sobre Diversidade Biológica em 05 de junho de 1992, no
Rio de Janeiro – ECO-92. Assinada por vários países, inclusive o Brasil, a Convenção foi ratificada pelo
Decreto legislativo n. 2 em 1994, promulgada pelo Decreto n. 2.159 em 1998.
889

patrimônio nacional que devem ser protegidos e amparados amplamente, no


entanto, apesar de alguns esforços do Brasil em cumprir com a Convenção,
estes ainda não foram suficientes para proteção efetiva da biodiversidade, para
preservação da fauna ou da flora.
No Brasil, um dos países mais ricos no que tange a variedade de plantas
e animais, segundo informações do IBAMA através da Conservation
International (CI), estima-se que haja aproximadamente 70% das espécies de
vegetais e animais do planeta, por exemplo; calcula-se que na Mata Atlântica
existam 1.361 espécies da fauna brasileira, sendo que destes, 567 espécies
ocorrem apenas neste bioma. Na Amazônia, maior floresta tropical do planeta,
existe algo em torno de três mil espécies de peixes, 950 tipos de pássaros,
além de insetos, répteis, anfíbios e mamíferos. No Pantanal conforme dados da
WWF 4 existem aproximadamente 650 espécies de aves, 80 de mamíferos, 260
de peixes e 50 de répteis. Tais estimativas realizadas há alguns anos
demonstra uma grandiosa riqueza faunística no Brasil, uma biodiversidade que
deve ser protegida e preservada sob o risco de provocar um total desequilíbrio
ecológico.
Entretanto, o homem ameaça constantemente o equilíbrio, e riqueza
ecológica, provocando a extinção e ameaça a diversas espécies de animais.
Ignora ou não reflete que, a retirada ou extinção de uma espécie pode
acarretar danos irreparáveis a todo ecossistema, desequilíbrio ambiental e na
cadeia alimentar, pois cada animal possui um papel a cumprir, de forma a
manter uma estrutura harmônica e ecologicamente equilibrada.
Diversos são os exemplos e casos a serem citados, seja a nível mundial
ou nacional, já que a ausência de um elemento da fauna rompe de tal forma o
equilíbrio da cadeia alimentar, que acaba por gerar um desequilíbrio ecológico,
e risco a biodiversidade se não no presente, com certeza para as futuras
gerações. Por exemplo:

4
WWF - (World Wildlife fund) Fundo Mundial para vida selvagem, criado em 1961 e juntamente UICN
(União Internacional para a Conservação da Natureza e dos seus recursos) criada em 1948 pela UNESCO
como organização científica não-governamental, monitoram sobre o ritmo de desaparecimento de várias
espécies, possuindo projetos importantes neste campo.
890

(...) a destruição de cobras, que muito prejudicam os


trabalhadores das lavouras, leva a um aumento populacional
de ratos, vetores biológicos patogênicos além de ocasionar
uma diminuição no número populacional de animais que se
alimentam de cobras” (...) “Nos estados Unidos, em
decorrência de uma campanha feita para acabar com os
pumas e coiotes que atacavam os veados em determinadas
regiões, ocorreu uma grande proliferação dessa espécie, que
passou então a morrer por falta de recursos vegetais. 5

Outros casos de desequilíbrio provocado pelo próprio homem podem ser


citados; como o desequilíbrio na floresta Amazônica em decorrência da caça
do peixe-boi. Este animal herbívoro alimenta-se de plantas aquáticas (aguares,
murerus, e outros capins), a retirada deste mamífero da floresta pode acarretar
o desequilíbrio da cadeia alimentar que se forma na água atingindo peixes,
plantas e o próprio homem. Ocorre que, este animal chega a consumir 20
quilos de vegetais por dia, com sua retirada, o excesso de plantas não é
eliminado, acarretando o impedimento da passagem de luz para dentro da
água, o que provoca a morte de peixes, que são consumidos pelos próprios
caçadores, constituídos muitas vezes de ribeirinhos do Tapajó. 6
Outro exemplo de desequilíbrio, mas também, de desrespeito e
crueldade é o caso da matança de focas no Canadá. Neste o governo tem
autorizado a matança de focas, sendo que, a maioria filhotes em decorrência
de sua pelagem branca são vítimas de caçadores oportunistas que aproveitam
a pele desses animais para ganhar dinheiro. Apesar da Europa e Estados
Unidos ter proibido a importação da pele de foca, a prática de forma cruel, (os
animais indefesos são mortos a pauladas, e suas peles arrancadas muitas
vezes quando ainda vivos) continua sendo praticada. Tal prática, permitida pelo
governo do Canadá demonstra uma tentativa cruel de proteger os estoques
naturais de peixes em conformidade com a pressão exercida pela indústria
pesqueira. Ocorre que em decorrência do desequilíbrio ambiental provocado
pelo próprio homem, houve redução drástica da população de ursos polares,
gerando o aumento da população de focas e em conseqüência o bacalhau do

5
BECHARA, Érika. A proteção da fauna sob a ótica constitucional. São Paulo: Juarez de Oliveira,
2003. p. 47.
6
Disponível em <http://noticias.ambientebrasil.com.br/noticia/?id=7938> Acesso em 06.04.09.
891

atlântico norte vem sendo consumido pelas focas em números insustentáveis.


Entretanto, a eliminação das focas, além de cruel, acabará por gerar
conseqüências imprevisíveis, já que o número de animais eliminados alcança
níveis alarmantes, em torno de 300 mil em cada temporada. 7
Não existem dúvidas de que diversas são as ameaças a biodiversidade,
as origens são tanto globais como locais, como o efeito estufa, ruptura da
camada de ozônio, a erosão do solo, o desmatamento, queimadas, a caça e a
pesca predatória, o comércio ilegal ou ilícito de espécimes vivos, etc. A
destruição da biodiversidade possui como uma das causas principais a
destruição dos habitats, mas também o tráfico de animais, com conseqüente
caça e pesca predatória, atos estes gerados por interesses econômicos,
problemas sociais, ações mal orientadas, falta de consciência ética e científica,
falta de respeito e ganância que acarretam a extinção de vários animais, além
de crueldade, falta de consciência ecológica dos caçadores, da sociedade que
compra e consome estes animais, e também do judiciário já que o princípio da
insignificância e tolerabilidade é algo comum nos julgados envolvendo os
animais.

3 TRÁFICO DE ANIMAIS
O tráfico de animais silvestres, ou seja, a retirada ilegal desses animais
de seus habitats, para posterior negociação seja no mercado interno ou
internacional, para colecionadores, consumo de carnes raras, para
domesticação, zoológicos particulares, multinacionais da indústria química e
farmacêutica, etc., através de caça e também da pesca predatória põe em risco
a sobrevivência de muitas espécies e o equilíbrio da biodiversidade.
Segundo a ONU (Organização das Nações Unidas), e a Renctas (Rede
Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres) esta prática ilegal é a
terceira atividade ilícita mais lucrativa do planeta, estando atrás apenas do
tráfico de armas e drogas, movimentando o valor aproximado de 20 bilhões de
dólares por ano, sendo que 15% desta participação é do Brasil.

7
SZPILMAM, Marcelo. Disponível em <http://noticias.ambientebrasil.com.br/noticia/?id=18657>
Acesso em 06.04.09.
892

Em decorrência da rica biodiversidade no Brasil, o país é um dos


principais alvos do tráfico, representando um alto risco a sobrevivência de
muitas espécies. Estima-se que somente na Mata Atlântica, um dos principais
ecossistemas do país, tenha se perdido em menos de 500 anos, 94% de sua
mata original, com desaparecimento em torno de 50% das espécies em
decorrência das alterações dos habitats, da caça e pesca predatória.
As estimativas prevêem que somente o tráfico seja responsável pelo
desaparecimento de aproximadamente 12 milhões de espécimes no planeta.
No Brasil, o IBAMA possui uma lista elaborada conjuntamente com
comitês e grupos de trabalho de cientistas especializados, que elaboram uma
lista oficial de animais ameaçados de extinção. Esta lista praticamente triplicou
nos últimos 15 anos, ou seja, de 217 espécies em 1989 passaram para 627 em
2004, sendo que desta lista somente 79 deixaram de ser considerada
ameaçada, ameaça que ocorre, em parte, devido ao tráfico, caça e pesca.
Deste total, 380 animais estão na Mata Atlântica, conforme dados e
informações contidas no livro vermelho da fauna brasileira ameaçada de
extinção 8, apresentada em 2008.
Entretanto, esta prática não é recente, desde o descobrimento a fauna e
a flora do Brasil são exploradas por outros países, com extinção e exploração
de diversas espécies, e hoje o tráfico internacional movimenta milhares de
dólares. Para citar como exemplo, somente o mico-leão é vendido para Europa
por US$ 15.000,00 e o pássaro melro por R$ 13.000,00 para os Estados
Unidos. Este comércio internacional é altamente organizado com destinos para
Europa, Ásia, América do Norte, Uruguai e Argentina.
O tráfico nacional em rotas como região Sul e Sudeste é mais
desorganizado, mas não menos lesivo, causando também graves prejuízos às
espécies além do alto grau de crueldade. Acentuado por problemas sociais
como pobreza e falta de informação, é comum a presença de pessoas pobres

8
Entre os animais ameaçados estão o peixe-boi da Amazônia, a jaguatirica, o lobo-guará, o cairara, o
Tatu-bola, Mãe-de-taoca-pintada, besouro-de-chifre, verme-de-fogo, carangueijo.
O livro vermelho classifica os animais em risco de extinção em três categorias: vulnerável, em perigo e
criticamente em perigo. Entre os animais incluídos no livro estão animais como a baleia azul, cachalote e
albatroz. No rol dos mamíferos permanecem o tamanduá-bandeira, o mico-leão-dourado, o lobo-guará e a
onça pintada. Entre as aves, a ararinha-azul também permaneceu, além de diversos tipos de lagartixas,
lagartos, cobras e tartarugas.
893

nas margens das rodovias comercializando estes animais, sem que as


autoridades tomem efetivas medidas para modificar este quadro.
Transportados em ônibus, caminhões, carros particulares de forma
inadequada, a maioria chega morta ao seu triste destino, estima-se que de dez
filhotes arrancados de seu habitat natural nove morrem antes de chegarem ao
seu destino. Ocorre que, normalmente os animais são escondidos em caixotes
ou malas sem iluminação e ventilação, sem alimento e água, muitos são
obrigados pelos traficantes a ingerir bebidas alcoólicas, de forma que pareçam
mansos e comercializáveis, além disso, muitos são cegos e mutilados.
Pássaros têm as asas cortadas de forma que não possam fugir, capturados de
forma cruel, como através de cera, na qual permanecem presos, causando sua
retirada brusca, com penas e até mesmo pés arrancados, já que permanecem
colados. Outros animais têm suas garras e dentes cerrados de forma a
tornarem-se menos perigosos.
A questão social agrava o problema, já que moradores próximos das
matas conhecem os animais, sabem seus hábitos, retirando os com facilidade
de seus ninhos e entregando aos comerciantes, quanto mais raro o animal
maior o seu valor, o que muitas vezes acarreta situações cruéis e inusitadas,
como por exemplo, o caso do filhote de papagaio que por ser menos
abundante, vale mais do que um de periquito ou maritaca, assim os caçadores
vendem os filhotes destes como se fossem de papagaio, e para isso pintam
suas penas e bico com tinta tóxica, além de arrancar suas caldas.
Não há qualquer respeito pela natureza ou especificamente pelos
animais, valendo apenas interesses próprios e econômicos, o caçador não
possui qualquer preocupação com a função ecológica do animal, não respeita
os ciclos de reprodução ou etapas de seu desenvolvimento, impedindo
consequentemente a renovação da espécie e provocando sua extinção.
No Rio de Janeiro, por exemplo, uma das Reservas mais importantes é
a Reserva Biológica do Tinguá, um verdadeiro santuário de conservação da
fauna da Floresta Atlântica do Rio, um dos maiores índices de biodiversidade
do estado localizado na Baixada Fluminense, abriga em suas terras cerca de
60 espécies de mamíferos, 300 de aves e 52 de anfíbios, além de milhares de
894

insetos, no entanto, muitos dos animais do Tinguá estão sendo extintos por
ação de caçadores. Animais como o porco do mato, a cutia, paca, tatu, onça
parda estão entre os animais caçados, além disso, animais como a onça
pintada, a anta, a jacutinga (ave preta de grande porte) estão sendo
consideradas extintas por ação dos traficantes.
Além dos requintes de crueldade, em que são usados trabucos para
captura dos animais, espécie de armadilha com efeito semelhante a uma mina,
que são espalhadas pela reserva, soma-se à problemática, a extinção das
espécies e desequilíbrio da cadeia alimentar, já que muitas vezes as onças
concorrem com os caçadores pelas mesmas presas; por exemplo. Some-se a
estes fatos que a reserva é fundamental para conservação de mananciais
responsáveis pelo abastecimento de parte do Rio de Janeiro e de cerca de
40% da Baixada Fluminense. A reserva foi criada para proteger uma área de
grande representatividade da mata atlântica, rica em recursos naturais, flora e
fauna, porém, está sendo devastada pelos caçadores que vendem para
consumo de carnes exóticas, mas também em feiras que ocorrem em alto
número no Rio de Janeiro.
O IBAMA e a Renctas apontam o Rio de Janeiro como um dos estados
com maior grau de tráfico de animais, com a ocorrência de cerca de 100 feiras,
como as de Caxias, Honório Gurgel e São Gonçalo. A cada 12 minutos, um
animal é retirado das matas das regiões Nordeste, Norte, Centro-Oeste ou
Sudeste, para serem revendidos nas feiras.
As pessoas que realizam estes crimes em geral são reincidentes, e
apesar de algumas constantes blitz nos locais, a ação policial ainda não é
suficiente para acabar com esta prática que põe em risco milhares de vidas e o
equilíbrio da natureza.

4 PROTEÇÃO NORMATIVA
No aspecto normativo, a Constituição Brasileira pode ser considerada
como uma das mais avançadas, com capítulo específico dedicado ao meio
ambiente, observa-se a preocupação do legislador em proibir qualquer prática
que coloque em risco a preservação da fauna, sua função ecológica, além de
895

vedar crueldade contra os animais e buscar manter o equilíbrio ambiental e


biodiversidade do ecossistema.
O artigo 225 da Constituição Federal em seus parágrafos e incisos, mais
especificamente os incisos I, II, III e VII não deixa dúvidas quanto ao dever do
Poder Público, mas também de toda a sociedade de preservar e proteger toda
fauna de qualquer ação que coloque em risco o meio ambiente e também
exponha o animal a qualquer tipo de crueldade, devendo, portanto, combater a
prática cruel e ilícita do tráfico de animais, da caça e pesca predatória.
Algumas leis esparsas também podem ser mencionadas, já que
limitaram a exploração dos animais em atividades com fins econômicos, e
consequentemente protegem a fauna e sua função ecológica.
O Código de Pesca (Decreto-lei nº 221/1967) alterado posteriormente
em parte pela Lei Federal nº 7.679/1988, impôs restrições à pesca predatória,
ou seja, aquelas realizadas com armadilhas, redes, tarrafas, explosivos e
substâncias tóxicas ou em período de reprodução e desova dos peixes.
A caça primeiramente permitida de forma indiscriminada pelo Decreto-lei
nº 5.894/1943, foi substituída pela Lei nº 5.197/1967, proibindo a caça
profissional como forma de frear a exploração da fauna silvestre, sendo ainda,
alterada pela Lei nº 7.653/1988 que conceituou a fauna silvestre como
propriedade do estado e aboliu a concessão de fiança nos crimes cometidos
contra os animais.
Há ainda proibição da caça de baleias e golfinhos, através da lei dos
Cetáceos (Lei 7.643/1987).
A Lei de crimes ambientais é outro importante instrumento normativo
Nacional no combate contra o tráfico de animais, pois em seu art. 29 tipifica
todas as etapas do tráfico, tornando esta prática um crime. Este artigo, no
entanto, poderia ser mais eficaz se as penas não fossem tão brandas, além
disso, não há diferenciação quanto ao traficante profissional e aquele que o
pratica pela primeira vez, ou ainda aumento de pena em decorrência do
número de animais apreendidos. Atualmente, porém, existe um projeto de lei
em trâmite na Casa Civil para alterar o artigo 29 da Lei de Crimes Ambientais,
896

equiparando o tráfico de animais silvestres com o de armas e drogas, além


disso, com previsão de uma punição específica para os traficantes de animais.
Importante destacar ainda que o Brasil é signatário da Convenção sobre
o Comércio internacional de espécies da flora e fauna selvagem em perigo de
extinção (CITES), elaborada em Washington no ano de 1973. Sua finalidade foi
impedir o comércio ilegal de animais, um dos principais crimes contra os
animais e meio ambiente, tendo sido ratificada no Brasil pelo Decreto
Legislativo nº 54 de 24.06.1975 e promulgada pelo decreto nº 76.623/1975.

5 TOLERÂNCIA DO JUDICIÁRIO
O meio ambiente; bem difuso de interesse de toda coletividade, deve ser
protegido pelo poder público, pelo judiciário, órgãos competentes, ONGs, bem
como por toda sociedade, não há dúvidas de que a biodiversidade que integra
o ecossistema, o meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito e
dever fundamentais, intimamente ligados ao direito à vida digna e sadia tanto
do homem como dos animais, direito este não apenas das presentes gerações,
mas também das futuras, a ser protegido de forma ampla pelo direito
ambiental.
Ao direito ambiental torna-se imprescindível uma consciência ecológica,
caráter de multidisciplinaridade com íntima relação com outras áreas da
ciência, sejam exatas, humanas ou biológicas, portanto, um caráter mais
complexo, que ultrapassa a mera interpretação legal, para alcançar conotações
morais, a ética da vida, parâmetros que ultrapassam o mero antropocentrismo
legal. Em conseqüência, as decisões judiciais envolvendo práticas que afetam
o meio ambiente, necessitam mais que o simples critério subjetivo do juízo, de
forma a se auferir o real prejuízo para natureza, para toda sociedade, para vida
do planeta atual, bem como futura.
Assim para que a prática do tráfico, caça e pesca predatória possam ser
efetivamente combatidas nas decisões judiciais, por exemplo, é preciso que se
ultrapasse os constantes julgamentos com base no princípio da insignificância.
A tolerabilidade da sociedade e principalmente do judiciário em relação a
certas práticas tidas como crimes de bagatela, insignificantes e sem efetivo ou
897

maior prejuízo para natureza, é constante, no entanto, não é possível ao


judiciário auferir com precisão os reais prejuízos que um aparente ato simples
pode causar ao meio ambiente, ainda que não no presente, talvez no futuro.
O juízo de ponderação adotado nos julgados que recaem sobre o bem
ambiental, não poderia jamais adotar como referência valores, interesses,
necessidades e juízos relacionados a interesses atuais, particulares, critérios
que considerem apenas o presente, na verdade é preciso considerar que na
proteção ambiental deve-se adotar um comportamento que considere os
interesses ambientais como autônomos, e fundamentais não apenas para o
presente, mas também para o futuro, além disso, há que se mudar o paradigma
de que a natureza, e mais especificamente a fauna são objetos a disposição do
homem, é preciso ultrapassar visões antropocêntricas.
Não obstante, é comum a tolerabilidade em relação aos crimes contra os
animais, o princípio da insignificância ainda é uma constante, o que agrava os
maus tratos, crueldade e o tráfico de animais, acentuando o problema,
dificultando seu combate e reincidência da prática.
As seguintes decisões exemplificam tal problema:

“Princípio da insignificância. Crime de bagatela. Exclusão da


tipicidade . O fato de o denunciado ter abatido somente uma
ave, que não está ameaçada de extinção (bem-te-vi),
apresenta-se como indiferente para o direito penal. Aplicável o
princípio da insignificância, por se tratar de crime de bagatela,
devendo ser excluída a tipicidade.” (TRF 4ª região – AC
4.283.990 – APN 428.399/93 – PR – rel. juiz Vilson daros – DJ
6.9.95 – p. 58.206”

“Penal. Crime contra a fauna. Erro de proibição.


Inadmissibilidade. Princípio da Insignificância. Recurso
Provido. 1.A preservação dos animais silvestres e a atividade
policial nessa área é tema constante dos meios de
comunicação, de modo que não há como se tratar de pessoas
possuidoras de nível de escolaridade básica. 2. Aplica-se,
entretanto, ao caso o princípio da insignificância, uma vez que
a conduta dos apelantes não alcançou relevância jurídica,
portanto não afetou potencialmente o meio ambiente, nem
colocou em risco a função ecológica da fauna. 3. Recurso a
que se dá provimento para absolver os réus da prática de
crime.” (TRF 3ª região – 1ª turma – ACR 3.027.195/95-SP –
rel. Sinval Antunes – DJ 10.1.95 – p. 68.890)
898

Mesmo após a Lei 9.605/98, ainda permanece um olhar de tolerância do


judiciário em relação aos crimes e maus tratos contra a fauna, não obstante,
algumas batalhas estão sendo travadas, através do Ministério Público, bem
como através de ONGs, IBAMA, Renctas, etc..
Exemplos desta batalha podem ser citados; como a operação Oxóssi no
Rio de Janeiro que através do Ministério Público Federal denunciou
recentemente 69 integrantes de uma quadrilha que traficava animais de Paraty
e outros estados e vendia-os na feira de Duque de Caxias e no exterior.
Outra vitória é a do Instituto Sea Shepherd, que após grande pressão e
batalha judicial conseguiu que o Ministério Público Federal denunciasse à
Justiça os envolvidos no massacre de 83 golfinhos no Amapá. Dois anos após
os atos, os envolvidos tiveram o pedido de prisão recomendado pelo MPF.
Na verdade vitórias e derrotas são observadas, mas é certo que as
dificuldades enfrentadas pela luta em favor dos animais, do meio ambiente, da
biodiversidade, contra a tolerância e impunidade são imensuráveis e ainda
estão longe de acabar:

Há um “complexo quadro de colisões e conflitos de interesses,


valores e princípios, vale registrar a aguda advertência do
professor Canotilho...’ O direito deveria, de acordo com as
suas posses, assumir a responsabilidade pela defesa da vida
na terra – e não apenas do homem. Para os fundamentalistas
ecológicos seria de olhar com desconfiança para os juristas,
mesmo para os juristas com alguma consciência ecológica.
Estes não conseguem abandonar, não obstante as suas juras
ambientais, o mito de Adão fora do paraíso. Os perigos
estariam à vista: quando os juristas se interessam pelo
ambiente, deveremos estar sempre de vigília, pois existirá
sempre o risco de, em vez de se conseguir a ecologização do
direito, se terminar encapuçadamente na juridicização da
ecologia. Daí as propostas e desafios fractais das correntes
ecológico-quimicamente puras: só uma visão ecocêntrica – a
defesa da vida, a salvação do planeta terra – constituirá um
ponto de partida satisfatório para um Direito do Ambiente
ecologicamente amigo. Os desafios aí estão: para quando um
sistema jurídico reconhecedor de direitos fundamentais da
natureza? Enquanto não se consagrarem, em termos jurídicos,
direitos dos animais e direitos das plantas – direitos ao lado
dos direitos do homem, os ecologistas continuam a olhar para
899

o Direito do Ambiente como a expressão mais refinada da


razão cínica”. 9

6 CONCLUSÃO
1. A retirada de animais silvestres de seu habitat, das reservas
ambientais, áreas de proteção, constitui-se como um dos crimes mais graves
contra a natureza, prática cruel que coloca em risco a vida de diversas
espécies e da biodiversidade;
2. Dada as previsões legais, notadamente a determinação constitucional
de proteção a fauna (art. 225, § 1º, inciso VII) e a Lei 9.605/98 (art. 29 e 32)
não restam dúvidas do dever de proteção aos animais e conseqüente combate
ao tráfico, como forma de preservação da vida tanto das presentes como das
futuras gerações, seja vida humana ou não-humana;
3. Os animais merecem e devem ser respeitados, livres de maus tratos e
crueldade, é preciso que se adote uma ética biocêntrica, respeito pela vida de
todas as espécies, ultrapassando antigos paradigmas antropocêntricos.
4. A ignorância, miséria, interesses econômicos não devem servir como
desculpa para prática de crimes contra os animais, contra a natureza,
colocando em risco a vida de todo planeta.
5. O Poder Judiciário juntamente com a sociedade deve ultrapassar a
posição de tolerabilidade que permeia o tratamento conferido aos animais, os
crimes que os envolve, a concepção de que a natureza e os animais são meros
objetos a disposição do homem. Esta tolerabilidade ameaça a vida de todas as
espécies, se não no presente, com certeza no futuro.
6. Compete ao homem, seja individualmente ou em sociedade, um
comprometimento com a natureza e sua conservação, assegurando a
preservação das demais espécies, da biodiversidade, o respeito a todas as
espécies.
7. O direito e todos os ramos do saber devem atuar conjuntamente, de
forma a alcançar a efetiva proteção ambiental, assegurando o habitat das
demais espécies, ultrapassando visões que consideram apenas a atualidade,

9
LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Direito Ambiental na sociedade de risco. 2ª
ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p. 240.
900

para prever também o futuro e a vida de todos no planeta, afastando os riscos


que comprometem toda a natureza e suas formas de vida.

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903

IMPRESCRITIBILIDADE DA REPARAÇÃO AMBIENTAL:


Uma das formas de proteção de um meio ambiente saudável para as hodiernas
e futuras gerações

MYRTHA WANDERSLEBEN FERRACINI *

1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho busca apresentar, em um primeiro momento, como
se procede a reparabilidade do dano ambiental por meio dos pressupostos da
responsabilidade civil, e dos preceitos inseridos no Código Civil, para que a
seguir, seja enfocado o assunto principal, ou seja, a prescrição no direito
ambiental, mesmo que o entendimento sobre essa questão não esteja
pacificado, embora presente na legislação brasileira.

2 RESONSABILIDADE CIVIL – CARACTERÍSTICAS E PRESSUSPOSTOS


É do conhecimento de todos que a degradação ambiental é um mal real,
complexo e aparentemente sem solução. A questão transpassa os limites
nacionais, alcançando os internacionais, completando assim, um contexto de
ordem mundial. Diante disso, deve ser estudado a respeito de um dos modos
de amenizar a situação acenada, sendo um deles, a reparação do dano
ambiental. Esta que apresenta um retalhamento repressivo de uma lesão
consumada ou preventiva de sua realização iminente, e:
Ao iniciarmos o tratamento deste tema, importa, desde logo,
ter presente que reparar significa consertar, refazer, restaurar,
restabelecer, retornar, remediar, corrigir. Por sua vez,
reparação é o ato ou efeito de reparar. A reparação do dano
visa repor o patrimônio do prejudicado na mesma posição em
que se achava, na reconstituição ou na recuperação do meio
ambiente, fazendo cessar a atividade lesiva e revertendo-se a
degradação ambiental. (FREITAS, 2005, p. 67).

*
Mestranda em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), área de concentração
Direito, Estado e Sociedade; especialista em Direito Ambiental pela UFSC; myrthaf@bol.com.br
904

Entretanto, para a reparação do dano ambiental são utilizadas as regras


da responsabilidade civil. Assim sendo, imprescindível é o seu estudo, e ao
iniciarmos a matéria em anotação, assevera-se que esta pode ser dividida em:

[...] subjetiva, ou seja, dependente de culpa lato sensu (dolo e


culpa estrito sensu), e responsabilidade objetiva, que não
depende de culpa e que é fundada na teoria do risco (em
Direito Ambiental a responsabilidade objetiva é a regra).
(DESTEFENNI, 2005, p. 79).

Contudo, a responsabilidade civil, igualmente apresenta outros tipos de


subdivisões, como: a responsabilidade direta (responsabilidade do próprio
causador do dano), e indireta (alguém responde por fato de terceira pessoa),
comum no Direito Ambiental. (DESTEFENNI, 2005, p. 79). A responsabilidade
em estudo também pode ser coletiva ou individual, contratual (o dever de
indenizar é procedente de um contrato) ou extracontratual (a obrigação é
imposta pela lei). E há autores que a dividem em responsabilidade civil e penal.
Contudo, não há como ser estudada a reparação ambiental, sem antes
ser abordado a respeito dos pressupostos da responsabilidade civil, ou seja, a
conduta (no caso da responsabilidade subjetiva, culposa), o dano (resultado),
quando agasalhado de dano ambiental e dos seus efeitos colaboradores da
degradação ambiental, e a relação de causalidade (ou nexo de causalidade).
Então, iniciando-se pela conduta, essa condiz do comportamento
espontâneo, positivo (ação) ou negativo (omissão). E, sendo uma
responsabilidade civil subjetiva, existe uma conduta culposa.
Afirma-se que não há um significado objetivo para definição de culpa,
mas pode ser explicada como sendo aquela que, em sentido amplo, abrange a
culpa em sentido estrito e o dolo. Desta maneira, a culpa em sentido estrito
exprime-se pela imperícia, imprudência ou negligência, e o dolo pela pretensão
de causar o resultado, ou seja, pelo querer. (DESTEFENNI, 2005, p. 83).
Prosseguindo na análise dos pressupostos da responsabilidade civil,
chegamos ao dano, e, de acordo com o entendimento de Sílvio de Salvo
Venosa:
Dano consiste no prejuízo sofrido pelo agente. Pode ser
individual ou coletivo, moral ou material, ou melhor, econômico
e não econômico. A noção de dano sempre foi objeto de muita
905

controvérsia. Na noção de dano está sempre presente a noção


de prejuízo. Nem sempre a transgressão de uma norma
ocasiona o dano. Somente haverá possibilidade de
indenização, como regra, se o ato ilícito ocasionar dano.
(VENOSA, 2006, p. 29).

Portanto, como o presente trabalho aventa a responsabilidade


ambiental, importa ser abordado a respeito do dano ambiental, porque,
tratando-se de meio ambiente, este assume uma dimensão difusa, podendo se
prolongar no tempo, não dizendo mais respeito somente ao individual, mas à
coletividade, de forma indeterminada. E o pior, danos esses que na sua maioria
apresentam um grau de complexidade com agressões ao meio ambiente que
levam a resultados praticamente irreversíveis.
Destarte, destaca-se que a legislação brasileira não nos fornece um
conceito de dano ambiental, entretanto, pode ser colhido o seguinte
entendimento:
Dano ambiental significa, em uma primeira acepção, uma
alteração indesejável ao conjunto de elementos chamados
meio ambiente, como, por, exemplo, a poluição atmosférica;
seria, assim, a lesão ao direito fundamental que todos têm de
gozar e aproveitar do meio ambiente apropriado. Contudo, em
sua segunda conceituação, dano ambiental engloba os efeitos
que esta modificação gera na saúde das pessoas e em seus
interesses. (LEITE, 2003, p. 94).

Dando continuidade ao estudo dos danos ambientais, importante é


serem mencionadas algumas classificações destinadas a estes que nos
importam no estudo em questão. Ou seja, o dano ambiental pode ser
classificado em dano ambiental de interesse da coletividade ou de interesse
individual. Podem ser patrimoniais (provenientes das perdas e danos
decorridos da lesão, como o custo da reparação) ou extrapatrimoniais (que diz
respeito à privação sentida e suportada pela coletividade quanto ao
arrefecimento da qualidade de vida). (FREITAS, 2005, p. 53/54).
E, tratando-se de reparação ambiental, o dano pode ter uma
reparabilidade direta (a mais importante, consistente na renovação,
recomposição, ou recuperação do meio ambiente danificado) ou indireta
(quando de uma recomposição inviável, com uma reparação pecuniária).
906

Por fim, finalizando o estudo dos danos ambientais e, tratando do


terceiro pressuposto da responsabilidade civil - do nexo causal - lembra-se que
para que exista a responsabilidade em explanação é imprescindível o vínculo
entre a conduta do agente e o dano. E, antes de se decidir se o agente agiu ou
não com culpa deve ser apurado se ele deu causa ao resultado, assim, por
meio da apreciação da relação causal (elemento indispensável da
responsabilidade civil) conclui-se quem foi o causador do dano.
Ressalta-se que, em se tratando de reparabilidade ambiental, mais
especificamente, de responsabilidade objetiva, prescinde-se a culpa, tendo
como fundamentos o dano e o nexo causal. Entretanto, na responsabilidade
aludida pode ser dispensada a culpa, mas jamais o nexo causal.
Lembra-se que existem excludentes do nexo causal, como o caso
fortuito e a força maior, porque o cerceiam ou o interrompem, inexistindo
relação de causa e efeito entre a conduta do agente e o resultado danoso.
Observa-se que ocorre a ruptura do nexo causal no caso de culpa exclusiva da
vítima. (VENOSA 2005. p. 42).
Na identificação do nexo causal devem ser analisadas as dificuldades
em sua prova e o problema da identidade do fato que constitui a exata causa
do dano, sobretudo quando este decorre de causas múltiplas.
É assinalada a teoria da equivalência das condições ao se tratar do nexo
causal. Esta é admitida pelo Código Penal, pela qual não se distingue causa,
condições ou ocasião, de modo que tudo que convergir ao evento deve ser
registrado como nexo causal (VENOSA, 2005, p. 42).
De outro entendimento, tem-se a teoria da causalidade adequada,
melhor dizendo, a causalidade predominante que deflagrou o dano. De tal
modo, causa será só o precedente indispensável que ocasionou o dano.
Dessa maneira, mesmo diante das vastas divergências doutrinárias,
foram apresentados os pressupostos da responsabilidade civil, de modo a se
fazer com que estes possam igualmente ser aplicados à reparabilidade do
dano ambiental.
907

3 RESPONSABILIZAÇÃO AMBIENTAL
A reparação do dano ambiental é peça fundamental, quando da
conscientização e preservações das questões ambientais. A responsabilidade
civil ambiental busca delinear um ponto de equilíbrio que permita gerar bens
para o homem e, concomitantemente, resguardar os recursos naturais para as
atuais e futuras gerações.
Desta forma, tratando-se de legislação, mais nomeadamente, da
brasileira, a responsabilidade civil em termos ambientais ganhou guarida no
plano infraconstitucional, com o art. 14, §1167, da Lei 6.938de 1981, e,
destaque com o art. 225, § 3º, da Constituição Federal. Igualmente deve ser
observado que a Carta Magna faz incidir sobre o causador de determinada
ação danosa ao meio ambiente, a obrigação de restaurá-lo (§1º, I) e recuperá-
lo (§2º).
Destaca-se que a reparabilidade do dano ambiental também se encontra
nas seguintes leis esparsas:

[...] na Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347, 24.07.1985, art.


1º); Dec. 99.274/1990 (regulamenta a Lei 6.902, de
27.04.1981 e a Lei 6.938, de 31.08.1981); Lei dos Crimes
Ambientais (Lei 9.605, de 12.02.1998, arts. 14, II, 17, 27 e 28)
e Dec. 3.179, de 21.09.1999, que dispõe sobre a
especificação das sanções aplicáveis às condutas e atividades
lesivas ao meio ambiente (arts. 2º, XI, §§ 4ºe 5º, e 60, I)
(FREITAS, 2005, p. 66).

Lembra-se que a reparação do meio ambiente se dá de duas formas, ou


seja, in natura ou reparação indenizatória, e a respeito destas duas leciona
Antonio Lindbrgh C. Montnegro apud FREITAS (2005, p.68):
A primeira, que se apresenta como a mais adequada, “se
constitui na reconstituição, recuperação ou recomposição do
bem lesado, ou seja, a volta à situação primitiva. O ideal é que
a reparação do dano ecológico se faça de forma específica:
despoluição das águas, reflorestamento das terras, adoção de
meios técnicos para eliminação da fumaça, do ruído, dos
gases. Só assim se reconstitui o meio ambiente”.
908

Deste modo, adverte-se que o objetivo da reparação do dano ambiental


não implica unicamente na indenização relativa a dinheiro, mas, na medida do
possível, na recuperação das qualidades ambientais anteriores, estas que
realmente importam.
Deve ser entendido que o importante é que a reparação do dano
ambiental seja de forma integral, que retorne ao estado anterior em que se
encontrava o meio ambiente antes de ser danificado.
Assim, reparar o dano consiste em reintegrar ao estado precedente o
bem que foi lesionado. Mas esta modalidade nem sempre é possível, e se
possível é insuficiente. Daí a reparação indenizatória que consiste na fixação
de uma indenização e terá cabimento apenas na impossibilidade da
reconstituição ou recuperação do meio ambiente lesado. Somente se deverá
recorrer à fixação de uma indenização ou à realização de obras necessárias
para minimização das conseqüências provocadas, quando não for possível a
reconstituição anterior (FREITAS, 2005, p. 69)
Infelizmente, muitas reparações naturais são praticamente impossíveis e
um meio ambiente ecologicamente equilibrado não pode ser medido, não pode
ser quantificado para nenhum tipo de pagamento. Por isso, a responsabilidade
ambiental contém um importante aspecto de prevenção, pois:
Se fizéssemos uma comparação do tipo “antes e depois” para
descrever como era e como está a preocupação (prevenção) e
a repressão (retratação) dos aspectos normativos diretamente
ligados ao direito do ambiente, certamente que se notaria uma
sensível melhora no que se refere à política de proteção
(RODRIGUES, 2005, p. 243).

O afirmado leva a refletir que o ordenamento jurídico, a educação


ambiental, e toda formação de uma consciência ecológica em relação ao
desenvolvimento dos movimentos de repressão tiveram uma considerável
evolução no trato dos aspectos ambientais, e até mesmo o incremento de uma
ótica preventiva, com uma nova face de responsabilidade civil na matéria
ambiental, que se trata de reparar prevenindo. Mesmo porque, o art.225 da
Constituição Federal já nos assegura um meio ambiente ecologicamente
equilibrado.
909

Desta maneira, diante de tudo o que foi exposto podemos concluir que a
reparabilidade do dano ambiental é indispensável, não somente em termos de
reparação, como igualmente em aspectos e objetivos de prevenções e
conscientizações que velam pelo meio ambiente.

4 A REPARAÇÃO OBJETIVA
A responsabilidade civil na legislação brasileira tem por fundamento a
culpa do causador do dano, conforme a regra do art. 927 do Código Civil. No
entanto, essa norma não se aplica quando se trata de direito ambiental, pois a
responsabilidade tradicional subjetiva, baseada na culpa, é insuficiente para a
proteção do meio ambiente.
Sabe-se que os danos ambientais atingem diretamente uma
coletividade, e somente em alguns casos se resumem em dano individual,
sendo que muitas vezes são de difícil reparação, e o simples pagamento de
uma soma em dinheiro não pode suprir o estrago que já foi feito. Todavia,
infelizmente, esse falso entendimento ainda impera na sociedade, ou seja, toda
obrigação não cumprida se restringe, ao final, em dinheiro.
Assim, para a reparação ambiental interessa o retorno ao estado anterior
e uma condenação em dinheiro (uma não exclui a outra), pois, não basta
indenizar, mas recuperar aquele bem natural que foi danificado. Lembra-se que
somente se recorrerá exclusivamente à indenização quando não há
perspectivas de recuperação.
A Lei 6.938, de 31.08.1981 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente)
inovou a legislação brasileira ao tratar da responsabilidade objetiva, sendo que
no seu art. 3º, IV, traz o conceito de poluidor a pessoa física ou jurídica, de
direito público ou privado, responsável direta ou indiretamente por atividade
causadora da degradação ambiental. Assevera-se que o Estado igualmente
pode ser responsabilizado, respondendo toda a sociedade com o ônus que isso
ocasiona.
A Lei em anotação é de suma importância na preservação do meio
ambiente porque traz como um dos seus objetivos a “imposição ao poluidor e
ao predador da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados” (art.
910

4º, VII, da Lei mencionada). Desta forma, possibilita o reconhecimento da


responsabilidade do poluidor em indenizar e/ou reparar os danos causados ao
meio ambiente e aos terceiros afetados por sua atividade, independentemente
da existência de culpa (art. 14, § 1º, da Lei aludida) (LEME MACHADO, 2004,
p326).
Destaca-se que a Lei 6.938/81 foi a primeira legislação que se
preocupou com o meio ambiente como um direito próprio e autônomo. Antes
disso, a proteção do meio ambiente era feita de modo indireto, prestando tutela
a direitos como o direito de vizinhança, ocupação do solo, propriedade e
outros.
Annelise Monteiro Steigleder igualmente leciona a respeito da importante
Lei acenada:
A responsabilidade objetiva volta-se para o resultado, o qual é
reputado lesivo ao ordenamento jurídico, não indagando sobre
a previsibilidade da conduta e se esta foi ou não desejada, ou
se foi acidental. O elemento antijuridicidade desloca-se,
portanto, da atividade para o resultado, o qual é considerado
ilícito, porque intolerável ao convívio social. Por este motivo, o
dano deve ser reparado, não cabendo investigar se a atividade
foi culposa ou dolosa ( 2004, p. 155).

Todavia, foi com o advento da Constituição Federal de 1988 que a


proteção do meio ambiente ganhou destaque, já que nela se encontram
burilados os princípios do Direito Ambiental, dando além do status
constitucional de ciência autônoma, o remate de tutela material necessário à
proteção sistemática do meio ambiente. Desta forma, não restam dúvidas de
que a Lei 6.938/81 foi recepcionada pela Lei Maior que constitui norma geral
ambiental.
A responsabilidade objetiva no caso de degradação ambiental também
foi inserida na Constituição Federal (art. 225, § 3º). Assim, basta ser
evidenciada a conduta e a atividade do transgressor, não se discutindo se essa
é lícita ou não, se o ato é legal ou ilegal, importando exclusivamente a
reparação do dano. E, os que participaram da conduta que causou o dano ao
meio ambiente devem ser responsabilizados.
E mais:
911

Verifica-se, portanto, que, em matéria de dano ambiental, foi


adotada a teoria da responsabilidade objetiva sob a
modalidade de risco integral. Desse modo, até mesmo a
ocorrência de caso fortuito e força maior é irrelevante. A
responsabilidade é lastreada tão-só no fato de existir atividade
da qual adveio o prejuízo. (VENOSA, 2006, p. 208).

Finalizando o assunto em questão, acrescenta-se que no Direito


Ambiental há um vasto campo preventivo, de medidas que visam evitar o dano.
E, a violação de normas ambientais pode ocasionar reprimendas de ordem
penal, civil e administrativa.

5 O DANO AMBIENTAL E O TEMPO


Neste tópico será analisado o dano ambiental no tempo, período este
que compreende as mutações ecológicas.
Os danos ambientais, em relação aos seus efeitos, em alguns casos, se
exteriorizam certo período depois da ação, podendo se prolongar no tempo, em
um futuro incerto, dificultando a prova e a quantificação em relação à sua
reparação.
Esses danos, ou melhor, riscos invisíveis, previsíveis, mas muitas vezes
incomensuráveis, rompem com qualquer atualidade em relação à lesão. Ou
seja, não há como ser avaliado de forma precisa, certo dano ambiental que se
propagará no tempo, causando efeitos e deixando sua herança de degradação
em um momento posterior. E o pior, quando esses danos abarcam, além de um
indivíduo determinado, mas uma coletividade.
Por isso é que deve haver a valorização do futuro, pois esses danos,
que emanam de riscos invisíveis, nem sempre podem ser perceptíveis agora,
mas depois, pelas futuras gerações.
Então, de acordo com o estudado até aqui, se há dano, deve haver
reparação. Mas, os danos futuros, que ainda não se concretizaram, pois
somente podem ser previsíveis por meio de conhecimento técnico e científico
acabam, muitas vezes, sendo negligenciados, para somente serem avaliados
no futuro quando os seus efeitos já causam desconforto e a degradação é
evidente, podendo alcançar grandes proporções.
912

Essa é uma discussão que surge, ou seja, a altercação do caso da


reparação ambiental no caso dos danos futuros. É aí que se evidencia que se
busca alcançar no presente trabalho, ou seja, de que a reparabilidade do dano
ambiental deve ser imprescritível, por vários motivos que podem ser
nominados, mas que inicialmente se processa com os riscos invisíveis.
Ora, um ou vários indivíduos cometem danos ambientais que são
conhecidos na atualidade, mas somente serão perceptíveis e demonstrarão
realmente os seus efeitos no futuro, daí não podem sofrer as sanções da
reparabilidade ambiental porque estão protegidos pela prescrição? Isso é algo
a se pensar, e muito.
Tudo isso sem serem mencionados os danos progressivos, já que:
Ademais, o dano ambiental poderá se um dano “progressivo”,
que se caracteriza por uma sucessão de atos, de iniciativa de
um ou mais agentes, que isoladamente, não tem
potencialidade lesiva, mas cujo acúmulo acaba se tornando
insustentável. Ou seja, é o efeito acumulativo das emissões,
no decorrer do tempo, que gera o dano ambiental. Por isso é
que a visão global jamais pode ser desprezada, percebendo-
se a emissão de poluentes de uma determinada fonte sempre
em termos amplos, no contexto espácio-temporal em que se
situa (STEIGLEDER, 2004, p. 145).

Porém, não podemos somente tratar dos danos futuros, pois existem os
passados também, estando estes relacionados ao passivo ambiental, que
surge pelo uso de uma área, lago, rio, mar ou outros espaços do meio
ambiente, inclusive o ar que respiramos, e que de alguma forma estão sendo
degradados. “A ocorrência de passivo ambiental assume relevância especial
diante da contaminação do solo por resíduos industriais”. (STEIGLEDER, 2004,
p. 149). Esse o passivo aludido corresponde ao investimento que uma empresa
deve fazer para conseguir endireitar os impactos ambientais adversos
suscitados em decorrência de suas atividades e que não tenham sido
controlados ao longo dos anos.
Entretanto, essas lesões pretéritas apresentam algumas dificuldades
quando da sua reparação, pois algumas degradações ocorreram antes da
entrada da Lei 6.938/81 em vigor, que prevê a responsabilidade civil objetiva.
Daí a defesa de muitos “degradadores” afirmando que não podem ser
responsabilizados, mesmo sendo os danos atuais, com o argumento de que a
913

legislação que prevê tal sanção ainda não vigorava. Igualmente surge a
discussão se a lei deve ou não retroagir no tempo.
Desta forma, vê-se que os danos, tanto passados como futuros, de certa
forma, muitas vezes encontram-se interligados, já que o dano pretérito que teve
início há um tempo pode continuar se propagando por muitos anos mais,
tornando-se futuro e até se qualificando em danos progressivos.

6 PORQUE A REPAÇÃO AMBIENTAL DEVE SER IMPRESCRITÍVEL


A Constituição Federal contém um importante capítulo sobre a proteção
ambiental, e, qualquer oposição ao seu texto pode ser censurada
inconstitucional, o que confere complicada contradição e ameaça à proteção
ecológica. Um exemplo são as defesas de “degradadores” ambientais,
baseadas no direito adquirido. Ora, esta garantia deve ser considerada com
ressalva em matéria de proteção ao meio ambiente. Ou seja, não pode
prevalecer o direito adquirido que coloque em risco o direito à vida e à saúde
de número indefinido de pessoas. (VENOSA, 2006, p. 204). Assim, quando a
utilização da propriedade e o interesse individual conflitarem com o interesse
difuso, devem ser reprimidos.
Infelizmente, há danos causados em que a sua recuperação se mostra
materialmente impossível, como no caso da extinção de uma espécie animal
ou vegetal, ou tão onerosa que não há como agente causador repará-la. Existe
o grande problema da prova do dano, já que muitos destes simplesmente se
externam posteriormente à ação ou omissão, sendo complicado prová-lo ou
mesmo quantificá-lo. E, há também os danos, que de acordo com as suas
particularidades, tornam-se intricada a sua constatação concreta, juntamente
com a determinação da sua expansão e amplitude para uma possível
reparação.
Tudo isso, aliado ao ponto de vista biológico, que qualifica os danos
ambientais como aqueles que são sempre progressivos ou continuados, que
permanecem se agravando e se conservam na atualidade, forte motivo este
que impõe ao “degradador” o dever imprescindível de fazê-lo parar e reparar as
lesões que cometeu.
914

Destaca-se que em relação ao bem ambiental, o próprio legislador


constitucional definiu a sua natureza jurídica, como um bem de uso comum ao
povo, sendo que a sua titularidade é difusa, não havendo meios de se
identificar cada um dos indivíduos que compõe a coletividade.
Destarte, não há como a reparabilidade do dano ambiental ser
determinada, quantificada a 03 (três) anos! Ou seja, elucidando o assunto e,
tratando-se dos prazos da prescrição, no Código Civil brasileiro, esta ocorre
para a pretensão de reparação civil – categoria esta em que se encontra a
reparação do dano ambiental – no prazo de 03 anos (art. 206, § 3º, inc.V).
Portanto, assegura-se que a legislação brasileira já evoluiu com a Lei da
Política Nacional do Meio Ambiente e um retrocesso na lei só vem em prejuízo
da coletividade, em detrimento de todo o meio ambiente. Não é certo ser
estipulado um prazo tão curto para que seja aplicada reparação do dano
ambiental
E, se o dano ocorreu porque faltou uma política preventiva, deve-se
buscar o máximo de eficiência, precisamente para se efetivar o mais rápido
possível, com menor custo e maior aproveitamento, a recuperação da lesão
ambiental. (RODRIGUES, 2005, p. 244).
Ora, não estão sendo tratados de danos que atingem somente um
indivíduo, mas uma coletividade. Estão, sendo abordados danos de cunho
difuso, a quem não pode ser atribuída uma responsabilidade que se conferiria a
um ser, a um indivíduo.
Tudo isso, porque estamos tratando de bens ambientais, bens estes que
não podem ser substituídos, porque mesmo que assim o tentem e até o façam,
ninguém pode suprir aquele período de tempo em que uma sociedade, ficou
sem os benefícios daquele bem.
Bem estes que permitem o cotidiano, a sobrevivência, a vida das
espécies animais e vegetais numa rede de trocas mútuas, que com a
degradação se perturbam e até se desintegram em certos pontos. Então, como
pode ser correto atribuir um tempo específico para a reparação desses danos,
que em muitos casos se projetam para o futuro, se prolongam através do
915

tempo e mostram os seus efeitos negativos, devastadores ou mesmo


catastróficos somente no futuro?
Não é surpresa para ninguém que há certos danos que não mostram os
seus resultados de imediato, mas sim, em um tempo posterior, sendo uma
ingênua ilusão entender que uma vez ocorrido o dano, não há mais pressão ou
razão para sua reparação. Então se frisa, que a prescrição, descrita Código
Civil, no caso da reparação ambiental não pode imperar, não deve ser
considerada como regra e muito menos sopesada válida, principalmente, com
o objetivo de defesas frias, inconscientes e irresponsáveis de indivíduos que
somente se preocupam com o capitalismo, com toda essa gama de
consumismo desenfreado.
Destarte, importante é ser mencionada a orientação do Superior Tribunal
de Justiça a respeito da imprescritibilidade da reparação ambiental:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. POLUIÇÃO
AMBIENTAL. EMPRESAS MINERADORAS. CARVÃO
MINERAL. ESTADO DE SANTA CATARINA. REPARAÇÃO.
RESPONSABILIDADE DO ESTADO POR OMISSÃO.
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. RESPONSABILIDADE
SUBSIDIÁRIA.[...] 7. A ação de reparação/recuperação
ambiental é imprescritível. [...] (BRASIL. Superior Tribunal de
Justiça. Recurso Especial n. 647.493/SC. Segunda Turma.
Relator Ministro João Otávio de Noronha. 29 janeiro 2008.
Disponível em:
http://www.stj.gov.br/webstj/Processo/Justica/detalhe.asp
?numreg=200400327854&pv=000000000000).

Assim, pode ser afirmado, com veemência, que pior do que um dano
ambiental é um dano ambiental que não foi revertido, retificado ou
compensado, conquanto a partir desta inércia é que novos danos virão, sempre
mais graves e “mais irreversíveis”. (RODRIGUES, 2005, p, 244).
Pois, qualquer tentativa de se dar um cunho egoístico ao bem ambiental
seria golpear mortalmente o princípio da igualdade e, por outro lado, seria
impedir que outros possam exercer o mesmo direito de uso e gozo desses
bens. De outra maneira, não é à toa que o legislador fala em “bem de uso
comum”. (RODRIGUES, 2005, p. 83).
Na legislação, infelizmente, não existem normas específicas à prescrição
do dano ambiental, gerando certa insegurança em relação à aplicabilidade
916

desta. Assim, cabe aos operadores do direito solucionar as diversas situações


que surgem hodiernamente, encontrando e aplicando a melhor sanção em
busca da preservação do meio ambiente.
Lembra-se que há danos que são continuados, que se propagam no
tempo e por isso não podem ser passíveis de reparação somente no curtíssimo
prazo de 03 (três) anos que antecede à prescrição, a partir do conhecimento do
dano e da identidade do explorador, ou seja:
O novo Código Civil, em seu art. 206, §3º, inciso V, prevê a
prescrição, em 3 (três) anos, da pretensão de reparação civil
e, desta forma, incide sobre o dano ambiental reflexo e ligados
a direitos individuais. Observe-se, entretanto, que a incidência
da nova regra de prescrição sobre dano ambiental reflexo
deve ser contada a partir do conhecimento da lesão ambiental,
que em muitas hipóteses pode se postergar no tempo em caso
de dano ambiental continuado, como exemplo. (LEITE, 2003,
p. 203).

Ressalta-se que a legislação não trata da prescrição de direitos difusos,


mas tão somente de direitos destinados a titulares determinados. Assim, esta
escapatória (prescrição) não pode ser levada em consideração quando
referente a danos ambientais que atingem o meio ambiente, bem de todos.
Bem de toda coletividade, diga-se universal.

7 CONCLUSÃO
Diante de tudo o que foi explanado, devemos ponderar e chegar à
incontestável conclusão da imprescritibilidade da pretensão à reparação dos
danos ambientais, já que todos têm direito a um meio ambiente equilibrado,
bem comum de todos. Bens estes que são indisponíveis, indivisíveis e não
devem ter natureza patrimonial, mesmo que os danos ora acenados sejam
passíveis de reparação por meio de valoração econômica.

REFERÊNCIAS

CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato. Direito


constitucional ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007.
917

DESTEFENNI, Marcos. A responsabilidade ambiental e as formas de


reparação do dano ambiental: aspectos teóricos e práticos. Campinas:
Bookseller, 2005.

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GIDDENS, Anthony. As conseqüências da modernidade. Tradução de Raul


Fiker. 2. ed. São Paulo: Unesp, 1991.

LEFF, Enrique. Epistemologia Ambiental. Tradução de Sandra Valenzuela. 4.


ed. São Paulo: Cortez, 2006.

LEFF, Enrique. Saber ambiental: sustentabilidade, racionalidade,


complexidade, poder. Tradução de Lúcia Mathilde Endlich Orth. 4. ed.
Petrópolis:Vozes, 2001.

LEITE, Carlos Henrique Bezerra et al. Direitos metaindividuais. São Paulo: Ltr,
2004.

LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo


extrapatrimonial. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

LEITE, José Rubens Morato; BELLO FILHO, Ney de Barros. Direito ambiental
contemporâneo. Barueri: Manole, 2004.

LEME MACHADO, Paulo Affonso. Direito ambiental brasileiro. 12. ed. São
Paulo: Malheiros, 2004.

MILARÉ, Edis. Direito do ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário.


São Paulo: RT, 2000.

MONBIOT, George. Heat. How to stop the planet burning. London: Allen Lane,
2006

MORAIS, Alexandre de. Direito constitucional. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2004.
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RODRIGUES, Marcelo Abelha. Elementos de direito ambiental: parte geral. 2.


ed. São Paulo:Revista dos Tribunais, 2005.
918

STEINGLEDER, Annelise Monteiro. Responsabilidade civil ambiental: as


dimensões do dano ambiental no direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2004.

VENOSA, Silvio Salvo. Direito Civil: responsabilidade civil. 6. ed. São


Paulo:Atlas, 2006. 4 v.
919

A AMBIVALÊNCIA DO PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO E O INTERESSE


ECONÔMICO NO CASO DA SOJA ROUND UP READY

NATACHA BUBLITZ CAMARA 1

1 INTRODUÇÃO
Os organismos geneticamente modificados (OGM) foram apresentados no
cenário brasileiro com a entrada ilegal da soja transgênica, round up ready
(resistente ao herbicida Roundup, à base de glifosanato), no Rio Grande do Sul
vinda da Argentina, gerando um posicionamento jurídico quanto a sua autorização
para a comercialização da soja transgênica plantada na safra do ano de 2002/2003,
assim seguindo pela aprovação da Lei 11.105/2005 quanto à finalidade de
comercialização da safra ilegal. Aprovado o comércio desta safra, foram dados os
primeiros passos da demonstração da necessidade de uma análise mais abrangente
dos efeitos do OGM.
Tal procedência levou em consideração os efeitos para o meio ambiente e
para a saúde humana ou foi norteada por motivos econômicos, evitando que
houvesse o prejuízo dos agricultores e, por conseguinte das empresas que
investiram no mercado de sementes transgênicas? Resta a dúvida, portanto quanto
à observância do princípio da precaução, tendo em vista que visa garantir de uma
vida digna e saudável aos cidadãos diante dos avanços da biotecnologia. Enquanto
os aspectos econômicos provocam a violação de princípios do Direito Ambiental,
logicamente, às empresas que lideram o mercado de manipulação genética apenas
interessa destacar os aspectos positivos dos OGMS.

2 DESENVOLVIMENTO
A soja é uma planta originária da Ásia que pode ser utilizada na alimentação
humana, bem como na alimentação de animais. Destarte, devido ser a única
matéria-prima oleaginosa produzida no Brasil encontra franca colocação no mercado
internacional. Não deve ser olvidado a importância do cultivo da soja para o Brasil,

1
Acadêmica de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. E-mail:
natachabublitz@gmail.com
920

eis que compõe como matéria prima para a industria de produtos alimentícios,
consistindo em produto de exportação. 2
Não por acaso, a soja foi uma das primeiras culturas geneticamente
modificadas a ser comercializada. Posto o interesse das empresas transnacionais,
em desenvolver novas técnicas que ajudassem a população e gerassem lucros.
Fruto de transgenia, a soja transgênica round up ready, da Monsanto, foi
comercializada pela primeira vez por agricultores dos Estados Unidos e da
Argentina, em meados de 1996, 3 sendo introduzida no país, pela Argentina, através
do contrabando. Conforme esclarece Luciana da Silva Pacheco Perry, em sua
dissertação do programa de pós-graduação em extensão rural: “embora oficialmente
proibido o cultivo da soja transgênica no Brasil correspondia a 20% da safra
nacional, sendo que de 70% do cultivo ilegal estava no Rio Grande do Sul.” Gerando
assim, uma necessidade de manifestação do ordenamento jurídico quanto à
liberação e comercialização da safra de 2003/2004, tendo em vista a pressão dos
produtores e o peso da soja na exportação brasileira. 4
É notório que o direito surge de uma sucessão de fatos, onde a norma jurídica
será criada de acordo com estes fatos que sucedem. Não tendo sido diferente com a
liberação e comercialização da soja transgênica round up ready. Onde, somente
posterior ao contrabando das sementes e da expansão das lavouras ilegais foi
criada a discussão da finalidade desta safra ilegal e a necessidade de uma nova Lei
no ordenamento jurídico, disciplinando os organismos geneticamente modificados.
A soja transgênica round up ready produzida pela Monsanto é tolerante a
herbicida à base de glifosato, usado para dessecação pré e pós-plantio, conhecido
por sua eficiência em eliminar qualquer tipo de planta daninha. O que significa, o
agricultor poder livremente eliminar as ervas daninhas sem afetar a soja, fazendo
com que ao aplicar apenas esse herbicida sobre a soja, reduza seus custos de
produção e o número de aplicações. Outros benefícios prometidos são o aumento

2
FREDO. Domingos José. Produção e Comercialização de Soja na Região Sul do Brasil. Soja. Secretaria de
Coordenação e Planejamento: Departamento Estadual de Estatística: Rio Grande do Sul. Rio de Janeiro:
28 de novembro de 1969.
3
GREENPEACE. Soja um tesouro nacional chinês ameaçado pela engenharia genética. Disponível em:
<http://www.greenpeace.org/raw/content/brasil/documentos/transgenicos/greenpeacebr_040830_transgenicos_d
ocumento_soja_china_port_v1.pdf>. Acesso em: 23 março 2009.
4
PERRY, Luciana da Silva Pacheco. Novas tecnologias e percepção do risco: análise da opiniões sobre os
transgênicos publicadas na imprensa brasileira. 2007, f. 111. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal
de Viçosa. 2007.
921

da produtividade, a eliminação eficiente da matocompetição e a redução no teor de


impureza e unidade nos grãos colhidos. 5
Ademais, a soja round up ready é composta de diferentes matérias genéticas,
quais são vírus-do-mosaico-da-couve-flor, petúnia e duas sequências genéticas
derivadas de agrobacterium. 6
Em seus estudos Bianca Scarpeline Castro, 7 relata que a motivação dos
agricultores para uso de organismos geneticamente modificados se dá devido a
crença no menor custo do cultivo da soja transgênica em relação a soja
convencional. Apesar disso, não se comprovou tal crença. Com a soja round up
ready passou a ser necessário o uso de apenas um herbicida, o glifosato. Induzindo
a idéia do menor custo tanto no produto como no maquinário para o cultivo. 8 No
entanto, foi analisado que o custo do cultivo não importa somente nos gastos com
herbicida, tendo em vista que com o direito de propriedade intelectual, os
agricultores têm de pagar os royalties das sementes, as quais não podem ser
aproveitadas na safra seguinte. A Monsanto assim agregou valor a soja round up
ready, em virtude dos prometidos benefícios, sendo então superior o custo ao da
soja convencional.
Nesta mesma linha, estudos demonstraram queda na produtividade da soja
round up ready devido ao diferencial genético dos cultivares e parte devido ao gene
ou processo da sua inserção. Podendo-se concluir que a produtividade não está
associada à aplicação do glifosato. 9 Diferente do que foi exposto, o consumo de
herbicida roundup aumentou mais de cinco vezes no período de 1998 a 2005. 10

5
MONSANTO. Disponível em: <http://www.monsanto.com.br/sementes/monsoy/soja_rr/soja_rr.asp>. Acesso
em 23 março 2009.
6
GUERRA, Miguel Pedro; NODARI, Rubens Onofre. Impactos ambientais das plantas transgênicas: as
evidências e as incertezas. Agroecol. E Desenv. Rur. Sustent. Porto Alegre. v. 2, n. 3, p. 30-41. jul/set, 2001.
7
CASTRO, Bianca Scarpeline. O processo de institucionalização da soja transgênica no Brasil nos anos de
2003 e 2005: A partir da perspectiva das redes sociais. Dissertação (mestrado) f. 152. Universidade Federal
Rural do Rio de Janeiro, 2006.
8
ANDRIOLI, Antonio Inácio. Transgênicos: As sementes do mal: a silenciosa contaminação de solos e
alimentos. São Paulo: Expressão popular, 2008.
9
GREENPEACE. Soja Transgênica Roundup Ready da Monsanto. O que mais pode dar errado?
Disponível em:
<greepeace.org/raw/content/brasil/documentos/transgenicos/greenpeacebr_040716_transgenicos_documento_ro
undup_port_v1.pdf>. Acesso em 23 março 2009.
10
NODARI, Rubens Onofre. Biossegurança, Transgênicos e Risco ambiental: os Desafios da Nova Lei de
Biossegurança. In: LEITE, José Rubens Morato; FAGÚNDEZ, Paulo Roney Ávila (Org.). Biossegurança e as
Novas Tecnologias na Sociedade de Risco: aspectos jurídicos, técnicos e sociais. Florianópolis: Conceito
Editorial, 2007. p. 17-44.
922

Cumpre mencionar que na década de 90 expirou a patente do glifosato, ocasião em


que a Monsanto deixou de ser a única produtora do agrotóxico. Assim, além de
produzir o herbicida glifosato denominado de “roundup”, passou a comercializar a
soja round up ready. 11
Posteriormente, no decorrer de oito anos do cultivo da soja, ocorreu o
aumento do uso do agrotóxico, resultando em ervas daninhas mais resistentes, bem
como, pelo fato do roundup possuir tóxicos que destroem inclusive plantas
inofensivas verifica-se uma diminuição da diversidade das plantas silvestres.
Ademais, outro efeito do cultivo consiste na extinção das espécies raras, em virtude
do fluxo de genes de plantas transgênicas. 12
A soja transgênica round up ready foi o primeiro alimento geneticamente
modificado a obter da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança parecer
favorável a sua comercialização no país. O parecer aduziu não existir nenhuma
evidência que o cultivo gerasse alguma alteração significativa para a dinâmica da
população e insetos, afirmou ainda, que se houvesse alterações significativas para a
biossegurança poderiam resultar na imediata suspensão do plantio. Por fim, o
parecer dispensou o estudo de impacto ambiental do OGM baseado em um estudo
de análise de risco, em razão de entender a análise de risco ser mais adequada. 13
O Estudo de Impacto Ambiental possui a função de prever e deste modo vir a
prevenir eventual dano, devendo ser elaborado antes do começo de obras ou
atividades potencialmente poluidoras. 14
Por outro lado, a análise de risco consiste em avaliar o risco ao meio
ambiente. Utiliza como particularidade de seu processo de avaliação, as
características do organismo geneticamente modificado, seu efeito e estabilidade no
meio ambiente combinados com as características do meio ambiente que o

11
GREENPEACE. Soja Transgênica Roundup Ready da Monsanto. O que mais pode dar errado?
Disponível em:
<greepeace.org/raw/content/brasil/documentos/transgenicos/greenpeacebr_040716_transgenicos_documento_ro
undup_port_v1.pdf>. Acesso em 23 março 2009.
12
Op. Cit. GREENPEACE.
13
FERREIRA, Maria Leonor Paes Cavalcanti. O direito à informação e a liberação comercial da soja
transgênica round up ready no Brasil: um breve estudo de caso. In: LEITE, José Rubens Morato; FAGÚNDEZ,
Paulo Roney Ávila (Org.). Aspectos Destacados da Lei da Biossegurança na Sociedade de Risco.
Florianópolis: Conceito Editorial, 2008. p. 529-562.
14
MILARÉ, Edis. Direito do ambiente: Doutrina, Jurisprudência, Prática, Glossário. São Paulo: RT, 2000.
923

receberá. Analisando, também os efeitos não desejáveis que pudessem resultar na


inserção de um novo gene. 15
A CTNBIO tem como sua finalidade na averiguação dos impactos e dos riscos
dos produtos criados pela biotecnologia. Cumpre diferenciar biotecnologia de
biossegurança. Enquanto a biotecnologia utiliza a manipulação genética como
potencial de melhoramento, a biossegurança irá prevenir, minimizar ou eliminar os
riscos ou danos oriundos da primeira.
Nesta linha Pedro Teixeira e Silvio Valle definem biossegurança como:

O conjunto de ações voltadas para a preservação minimização ou


eliminação dos riscos inerentes às atividades de pesquisa,
produção, ensino, desenvolvimento tecnológico e prestação de
serviços, riscos estes que podem comprometer a saúde humana,
dos animais, das plantas, do meio ambiente. 16

A convenção da Biodiversidade diz que: “Biotecnologia significa qualquer


aplicação tecnológica que utilize sistemas biológicos, organismos vivos, ou seus
derivados para fabricar ou modificar produtos ou processos para utilização
específica.” 17 Neste segmento, Délton Winter Carvalho vai mais além e caracteriza a
biotecnologia como uma incerteza científica acerca de seus riscos. 18
A revolução biotecnológica em que pese auxilie tanto a agricultura, como na
medicina, é recente e suas descobertas e seus efeitos somente aparecerão a longo
prazo. Muito embora os organismos sejam testados antes de serem
comercializados, estes testes muitas vezes se dão em ambientes diferentes dos
quais serão expostos os organismos geneticamente modificados. Assim pode-se
concluir que os efeitos no meio ambiente são imprevisíveis, uma vez que os
cientistas têm poucas condições de prever o comportamento do novo gene no

15
WHO. 20 Questions On Genetically Modified (Gm) Foods
Disponível em: <http://www.who.int/foodsafety/publications/biotech/20questions/en/>. Acesso em: 01 abril
2009.)
16
TEIXEIRA, Pedro; VALLES, Silvio. Biossegurança: Uma abordagem multidisciplinar. Rio de Janeiro: Fio
Cruz, 1996. p. 313-327.
17
Artigo 2°, §2°, Convenção da Biodiversidade, Rio de Janeiro, 1992.
18
CARVALHO, Délton Winter de. As Novas Tecnologias e os riscos ambientais. In: LEITE, José Rubens
Morato; FAGÚNDEZ, Paulo Roney Ávila (Org.). Biossegurança e as Novas Tecnologias na Sociedade de
Risco: aspectos jurídicos, técnicos e sociais. Florianópolis: Conceito Editorial, 2007. p. 71-90.
924

organismo hospedeiro. 19 Portanto, mais uma vez, destaca-se a importância do


estudo de impacto ambiental.
Dessa forma, em razão da dispensa do estudo de impacto ambiental, foi
ajuizada ação civil pública que pugnava a suspensão da comercialização da soja
transgênica round up ready. Embora o Poder Judiciário tenha aplicado o princípio da
precaução e suspendido a comercialização da soja transgênica, o Poder Executivo,
via medidas provisórias, liberou a comercialização da safra de 2003, 2004 e 2005.
Após a promulgação em 24 de março de 2005 da Lei de Biossegurança, nada foi
alterado em relação às medidas provisórias editadas, autorizando a liberação
comercial dos organismos geneticamente modificados que tivessem decisão técnica
favorável obtida até 28 de março de 2005, o que era o caso concreto da soja
20
transgênica round up ready.
A ação civil pública cabe sempre que atuar na esfera jurisdicional, visando
a tutela de interesses da sociedade. 21 Esta ação é um importante instrumento na
tutela do meio ambiente em razão de terem legitimação para propor, além do
Ministério Público, a União, os Estados, os Municípios, as autarquias, as sociedades
de economia mista, as fundações, as empresas públicas e as associações, desde
que constituídas há pelo menos um ano e com finalidades de proteção ecológica e
ao patrimônio histórico, artístico e cultural. A ação civil pública discute a
potencialidade do dano referente ao ato legalizado, e não o ato legalizado em si. 22
Além de ser uma tutela jurisdicional de direitos, cumpre também o papel de
prevenção, trazendo em seu caráter preventivo procedimentos importantes para a
coletividade. Assim, gerando intervenções significativas na alteração do mundo
físico e na convivência coletiva humana. 23

19
NODARI, Rubens Onofre. Biossegurança, Transgênicos e Risco ambiental: os Desafios da Nova Lei de
Biossegurança. In: LEITE, José Rubens Morato; FAGÚNDEZ, Paulo Roney Ávila (Org.). Biossegurança e as
Novas Tecnologias na Sociedade de Risco: aspectos jurídicos, técnicos e sociais. Florianópolis: Conceito
Editorial, 2007. p. 17-44.
20
FERREIRA, Maria Leonor Paes Cavalcanti. O direito à informação e a liberação comercial da soja transgênica
round up ready no Brasil: um breve estudo de caso. In: LEITE, José Rubens Morato; FAGÚNDEZ, Paulo Roney
Ávila (Org.). Aspectos Destacados da Lei da Biossegurança na Sociedade de Risco. Florianópolis: Conceito
Editorial, 2008. p. 529-562.
21
MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: Doutrina, Jurisprudência, Prática, Glossário. São Paulo: RT, 2000.
22
PEDRO, Maria de Fátima Alves São. Meio ambiente: o respaldo constitucional para políticas públicas de
desenvolvimento sustentável. In: SILVA. Bruno Campos (Org.) Direito Ambiental: Enfoques Variados. São
Paulo: Lemos e Cruz, 2004. p. 83-100.
23
Ibidem.
925

Nesta senda, o IDEC e o Greenpeace propuseram uma medida cautelar e


uma ação civil pública, em face da União Federal, exigindo o estudo de impacto
ambiental. Utilizando o princípio de acesso ao Judiciário pleitearam o estudo da
repercussão dos organismos geneticamente modificados no meio ambiente e na
saúde humana. Os pedidos foram deferidos e foi aplicado expressamente o princípio
da precaução na decisão.
Como bem analisa a Procuradoria Regional da República:

Acima de qualquer interesse econômico, mormente quando


interessar a poucas pessoas, deve prevalecer a proteção à vida e à
integridade física da pessoa humana. Assim, o emprego indevido e
indiscriminado de agrotóxicos compostos do princípio ativo glifosato
na agricultura, inclusive no cultivo da soja transgênica resistente a
esse princípio ativo, traz e pode continuar trazendo, como
demonstrado, prejuízos irreparáveis tanto aos consumidores dos
produtos submetidos a esses agrotóxicos, quanto ao meio ambiente,
na medida em que contaminam não apenas o resultado da
produção, como também o solo, a água, o ar, os aqüíferos, a fauna
e a flora, conduzindo a um cenário de destruição generalizada. Em
face da potencial amplitude devastadora, e por conseguinte, da
grande importância que merece o tema, o legislador constituinte
elevou a nível de princípio constitucional a proteção aos interesses
do consumidor e ao meio ambiente. 24

No que tange ao princípio da precaução assim se manifesta:

Os danos à saúde e ao meio ambiente são, em regra, cumulativos e,


quase sempre, irreversíveis. Portanto, é, obviamente, fundamental
adotar uma postura preventiva no que tange à proteção desses
bens. Daí falar-se no princípio da precaução. "Precaução quer dizer
cuidado - in dubio pro securitate -, está diretamente ligada aos
conceitos de afastamento de perigo e segurança das gerações
futuras. É a partir desta premissa que deve não só se considerar o
risco iminente de uma determinada atividade, mas também os riscos
futuros decorrentes de empreendimentos humanos, jamais captados
pela nossa compreensão e pelo atual estágio de desenvolvimento
em toda intensidade. O alcance deste princípio depende, portanto,
substancialmente, da forma e da extensão da cautela econômica: a
tarefa do Poder Público é a de prevenir danos ambientais antes
mesmo que eles aconteçam, devido a sua essência irreversível. 25

Percebe-se o bom senso da Procuradoria Regional da República em ponderar


os interesses econômicos e a proteção à vida e à integridade física da pessoa
humana, utilizando o princípio da precaução para prevenir eventuais danos à vida
24
TRF1. APELAÇÃO CÍVEL Nº 2003.34.00.034026-7/DF. Processo na Origem: 200334000340267
Disponível em: <http://4ccr.pgr.mpf.gov.br/institucional/grupos-de-trabalho/gt-transgenicos/acps/relatorio.pdf >.
Acesso em: 20 maio 2009.
25
Ibidem.
926

humana e ao meio ambiente. Ambos são importantes para a sociedade, no entanto


é necessário pesar quais são os interesses econômicos e quem será beneficiado,
bem como analisar os riscos decorrentes da predominância dos interesses
econômicos.
Em agosto de 2000, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região julgou a
apelação cível interposta pela Monsanto e a União Federal contra a decisão cautelar
julgada em agosto de 1999. A segunda turma do Tribunal decidiu, por unanimidade,
manter proibidas a produção e a comercialização da soja transgênica round up
ready no Brasil, fundamentando a decisão no princípio da precaução.
Dessa decisão, a União opôs embargos de declaração com caráter
infringente, qual não foi conhecido, ante à sua intempestividade. A União opôs
embargos de declaração, novamente, qual também não foram conhecidos.
Posteriormente, interpôs, Recurso Especial, que foi admitido e aguarda distribuição
no Superior Tribunal de Justiça. Cumpre destacar que o apelo especial interposto
refere-se, exclusivamente, a matéria processual, qual seja, a tempestividade dos
embargos declaratórios apresentados. 26
A edição da Medida Provisória nº 113 de 26 de março de 2003, surge para
solucionar o conflito, visando uma alternativa equitativa, apesar disso é guiada por
interesses econômicos no momento em que libera a comercialização da safra de
2003/2004 para evitar o prejuízo de diversos agricultores, bem como o prejuízo de
da economia agrícola. Como bem analisa Maria Leonor Paes Ferreira 27 o Governo
Federal foi guiado por interesses econômicos na oportunidade em que ignorou as
decisões judiciais proferidas e editou a Medida Provisória, sustentando que os
agricultores brasileiros já estavam com as sementes geneticamente modificadas
para iniciar o cultivo da safra e que a mudança para sementes tradicionais resultaria
em prejuízos tanto para os agricultores como para o governo, que iria financiá-las,

26
IDEC. Relatório Transgênicos. Disponível em: <www.idec.org.br/files/relatorio_transgenicos.doc>. Acesso
em: 12 de abril de 2009.
27
FERREIRA, Maria Leonor Paes Cavalcanti. O direito à informação e a liberação comercial da soja
transgênica round up ready no Brasil: um breve estudo de caso. In: LEITE, José Rubens Morato; FAGÚNDEZ,
Paulo Roney Ávila (Org.). Aspectos Destacados da Lei da Biossegurança na Sociedade de Risco.
Florianópolis: Conceito Editorial, 2008. p. 529-562.
27
DOCUMENTO enviado pela central de associações da agricultura familiar do oeste do Paraná – a CTNBio e
ministérios do conselho nacional da biossegurança. Coexistência impossível: contaminação transgênica na
produção de soja no Brasil. Disponível em: <transgenicosnao.blogspot.com/2008_04_01_archive.html>. Acesso
em: 10 março 2009.
27
Op. Cit. FERREIRA.
927

vindo assim a liberar a comercialização sem averiguar possíveis danos ou risco que
pudessem ocorrer.
O Governo desconsiderou que não havia preparação por parte dos
agricultores de separar a soja transgênica da produção convencional conforme a
exigência da liberação comercial. Nesse sentido:

Após dois anos da liberação definitiva da soja transgênica round up


ready a contaminação genética tem inviabilizado a atividade
econômica de agricultores orgânicos e feito com que produtores
convencionais percam o percentual – que varia de 3% a 8% -pago
por empresas interessadas em adquirir grãos convencionais. 28

Não se busca a paralisação dos avanços tecnológicos, mas que estes


avanços levem em consideração que não havendo a comprovação de risco não
significa, por si só, que o risco ou dano não exista ou venha a existir. Como bem
desenvolve Maria Leonor Paes Calvancant Ferreira, 29 o princípio da precaução não
deve ser encarado como um obstáculo ao desenvolvimento técnico-científico,
devendo ser encarado como um instrumento que assegura a cautela na aplicação
dos conhecimentos técnico-científicos visando proteger o meio ambiente e a saúde
humana. Ressalta ainda, a autora, que no caso da soja transgênica round up ready,
a aplicação do princípio da precaução buscava garantir o estudo de impacto
ambiental com o referido transgênico, sem que com isso fosse necessário a não
utilização de uma nova tecnologia. Neste sentido:

As incertezas nesta área devem encontrar guarida no princípio da


precaução, cujo postulado principal nos lembra que a falta de
evidências científicas não deve ser usada como razão para
postergar a tomada de medidas preventivas, ou que, a ausência de
evidência não pode ser tomada como evidência da ausência. Não se
pautar por este princípio significa aceitar sua outra face, o princípio
da familiaridade que gerou, entre outros, os danos ambientais e da
saúde causados pelos pesticidas e a doença da vaca louca. 30

28
DOCUMENTO enviado pela central de associações da agricultura familiar do oeste do Paraná – a CTNBio e
ministérios do conselho nacional da biossegurança. Coexistência impossível: contaminação transgênica na
produção de soja no Brasil.
29
FERREIRA, Maria Leonor Paes Cavalcanti. O direito à informação e a liberação comercial da soja transgênica
round up ready no Brasil: um breve estudo de caso. In: LEITE, José Rubens Morato; FAGÚNDEZ, Paulo Roney
Ávila (Org.). Aspectos Destacados da Lei da Biossegurança na Sociedade de Risco. Florianópolis: Conceito
Editorial, 2008. p. 529-562.
29
GUERRA, Miguel Pedro; NODARI, Rubens Onofre. Impactos ambientais das plantas transgênicas: as
evidências e as incertezas. Agroecol. E Desenv. Rur. Sustent. Porto Alegre. v. 2, n. 3, p. 30-41. jul/set, 2001.
29
Op. Cit. FERREIRA.
30
Op. Cit. GUERRA; NODARI. p. 30.
928

Em setembro de 2004, a 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª


Região deu provimento à Apelação Cível da Monsanto e da União, reconhecendo a
competência da CTNBio para identificar caso a caso, as atividades causadoras de
significativo impacto ambiental. O Tribunal entendeu que o princípio da precaução
não implica na proibição de se utilizar nova tecnologia, pois a Constituição Federal
estabeleceu que a política agrícola leve em conta, principalmente, o incentivo à
pesquisa e à tecnologia. 31
Posteriormente, com a criação da Lei da Biossegurança, que regulamenta os
organismos geneticamente modificados e as células troncos, foi incorporado em seu
primeiro artigo a observância ao princípio da precaução.
O princípio da precaução de acordo com Miguel Pedro Guerra e Rubens
Onofre Nodari enfatiza que a ausência de evidências científicas que comprove
ameaça ao meio ambiente ou risco à saúde não tem o condão de postergar a
tomada de medidas preventivas. Ainda que, os autores reconheçam a ambiguidade
do princípio, salientam que os princípios da familiaridade e da gestão de risco
resultam em danos à saúde humana e animal, bem como ao meio ambiente. 32
Foi bem abordado por João Carlos de Carvalho Rocha ao afirmar que,
relações entre ecologia e economia são complexas e tendem a abordar litígios entre
concepções diversas sobre a organização da espécie humana em sociedade.
Anteriormente o estudo do meio ambiente ficava restrito ao campo da ecologia, um
ramo da biologia, enquanto, o ambiente era tratado como conjunto de recursos
naturais, sendo recentemente objeto de investigações econômicas. O autor define o
ambiente primeiramente como um fator limite para o desenvolvimento econômico,
seguido de um desenvolvimento sustentável. 33
Nesta senda, Miguel Pedro Guerra e Rubens Onofre Nodari defendem que os
organismos geneticamente modificados necessitam ser analisados sob diversos
aspectos: como saúde, segurança alimentar, aspectos ecológicos, econômicos e
sociais, afirmando que a complexidade aumenta proporcionalmente, conforme o
caso concreto. 34

31
Op. Cit. FERREIRA.
32
Op. Cit. GUERRA; NODARI.
33
ROCHA, João Carlos de Carvalho. Direito Ambiental e Transgênico: Princípios Fundamentais da
Biossegurança. Belo Horizonte: Del Rey, 2008.
34
GUERRA, Miguel Pedro; NODARI, Rubens Onofre. Impactos ambientais das plantas transgênicas: as
evidências e as incertezas. Agroecol. E Desenv. Rur. Sustent. Porto Alegre. v. 2, n. 3, p. 30-41. jul/set, 2001.
929

Cumpre ressaltar, que o caso da round up ready envolve a complexidade


mencionada pelos autores, tendo em vista ensejar a dualidade entre o setor
econômico e a dúvida acerca dos efeitos ao meio ambiente e saúde humana. Não
tendo sido uma decisão imparcial a sua liberação, uma vez em que os prejuízos em
relação à economia eram claros e certos enquanto os efeitos da liberação dos
transgênicos ainda não passavam de meras hipóteses.
Conclui Maria Leonor Paes Cavalcanti Ferreira, que os interesses econômicos
prevalecem diante dos direitos fundamentais, onde para reverter esse quadro
constitui-se um desafio para a sociedade que vive em um sistema capitalista e deve
se conscientizar de seu importante papel na defesa do meio ambiente, lutando para
garantir que os interesses econômicos e políticos não prejudiquem a defesa e
preservação do mesmo. 35
Neste mesmo sentido Lígia Dutra Silva afirma que “os interesses da indústria
de alimentos em maximizar os lucros, normalmente desconsideram os riscos à
saúde que seus produtos podem oferecer aos consumidores.” 36 Assim defendendo
que é imprescindível avaliar os riscos dos organismos geneticamente modificados
em relação não somente ao meio ambiente, mas também, com as implicações
técnicas, econômicas, sociais, culturais e políticas. 37
A Revolução Biotecnológica vem marcada pelas pesquisas desenvolvidas por
empresas transnacionais 38 que alcançam lucro em face da Lei de Propriedade
Intelectual e de direito de melhoristas. O que auxilia na compreensão da existência
da ambivalência entre os interesses econômicos e o princípio da precaução. Uma
vez que, as empresas fabricantes de organismos geneticamente modificados
buscam lucro e assim acabam escondendo suas reais intenções atrás de promessas
de uma agricultura melhor que tem como frutos produtos cada vez mais eficazes e
completos. O que se vê, é que os ambientalistas não são contra o lucro, apenas
visam a garantia de que os efeitos dessa nova tecnologia não vá prejudicar a

35
FERREIRA, Maria Leonor Paes Cavalcanti. O direito à informação e a liberação comercial da soja transgênica
round up ready no Brasil: um breve estudo de caso. In: LEITE, José Rubens Morato; FAGÚNDEZ, Paulo Roney
Ávila (Org.). Aspectos Destacados da Lei da Biossegurança na Sociedade de Risco. Florianópolis: Conceito
Editorial, 2008. p. 529-562.
36
SILVA, Lígia Dutra. A Biotecnologia Agrícola e o Discurso da Superação da Pobreza. In: LEITE, José
Rubens Morato; FAGÚNDEZ, Paulo Roney Ávila (Org.). Biossegurança e as Novas Tecnologias na
Sociedade de Risco: aspectos jurídicos, técnicos e sociais. Florianópolis: Conceito Editorial, 2007. p.45-70. p.
59.
37
Ibdiem.
37
Op. Cit. GUERRA; NODARI.
38
Op. Cit. DUTRA.
930

população, embasado no princípio da precaução para postular estudos de impacto


ambiental referentes as sementes modificadas.
Como bem conclui Lígia Dutra Silva:

As pesquisas em biotecnologia agrícola estão se desenvolvendo em


meio a um cenário de intensas disputas econômicas e políticas, que
influenciam diretamente os seus resultados. O foco dessas
pesquisas, especialmente as que envolvem sementes
geneticamente modificadas, é a procura por novos produtos,
passíveis de patenteamento, que assegurem vantagens comerciais
aos seus financiadores. A maior parte dos investimentos nessa área
é proveniente de grandes empresas tradicionalmente produtoras de
insumos agrícolas e as sementes mais pesquisadas são aquelas
utilizadas em cultivos de alto valor econômico, como a soja e o
algodão. 39

Assim, no caso da round up ready pode-se dizer que o estado violou princípio
da precaução na medida administrativa da CTNBio que libera a comercialização das
sementes de soja round up ready ao não aplicar o referido princípio tendo em vista
haver incerteza científica acerca dos danos ocasionados pelos organismos
geneticamente modificados. De modo, que a não aplicação do princípio da
precaução no referido caso implica na preponderância dos interesses econômicos.
O novo milênio trouxe juntamente com os avanços científicos e tecnológicos
os riscos para os quais o conhecimento científico existente ainda não tem o alcance
de sua previsibilidade, gerando a necessidade de critérios específicos para a tomada
de decisões em razão do contexto de incerteza científica. Decisão esta que deve ser
imparcial. 40
Nas palavras de Délton Winter Carvalho: “Na era da globalização (pós-
industrialismo), tanto as consequências positivas, quanto às negativas
desencadeiam efeitos de dimensões globais.” 41 Desta maneira, a necessidade da
criação de uma consciência social acerca da irreversibilidade dos danos ambientais
fortalece e legitima a exigência da análise quanto aos riscos, bem como pressiona
os processos de tomada de decisão antes da ocorrência dos danos.

39
SILVA, Lígia Dutra. A Biotecnologia Agrícola e o Discurso da Superação da Pobreza. In: LEITE, José
Rubens Morato; FAGÚNDEZ, Paulo Roney Ávila (Org.). Biossegurança e as Novas Tecnologias na
Sociedade de Risco: aspectos jurídicos, técnicos e sociais. Florianópolis: Conceito Editorial, 2007. p.45-70. p.
59.
40
CARVALHO, Délton Winter de. As Novas Tecnologias e os riscos ambientais. In: LEITE, José Rubens
Morato; FAGÚNDEZ, Paulo Roney Ávila (Org.). Biossegurança e as Novas Tecnologias na Sociedade de
Risco: aspectos jurídicos, técnicos e sociais. Florianópolis: Conceito Editorial, 2007. p. 71-90. p. 76.
41
Ibidem.
931

3 CONCLUSÃO
1. A liberação ao meio ambiente da soja round up ready foi permitida pela
CTNBio mesmo contrariando decisões que utilizam o princípio da precaução como
diretriz para as tomadas de decisões. Evidenciando a ambivalência nas tomadas de
decisões para liberação dos organismos geneticamente modificados entre os
interesses econômicos e a aplicação do princípio da precaução, ambos assegurados
pela Constituição Federal.
2. Os interesses econômicos, normalmente centralizados mãos de poucos,
como as empresas e os agricultores, utilizam o discurso que privilegia os avanços da
ciência, destacando sua importância para a vida em sociedade, uma vez que
aumentam a qualidade de vida dos cidadãos. Entretanto, é de se questionar se
realmente a produção de transgênicos é imperiosa para aumentar a qualidade de
vida e se todos terão acesso aos alimentos ou se estamos diante de uma questão
com fundo econômico.
3. Por fim, o princípio da precaução é fundamental em todas as ações,
principalmente nas que envolvam a engenharia genética, como garantia de vida
saudável não só para as atuais gerações, mas também para as gerações vindouras.
Quando se fala em proteção ao meio ambiente, não se deve pensar em economia
como fim, mas na conjunção desta com a proteção da vida.

REFERÊNCIAS

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Acesso em: 01 abril 2009.)
934

IMPACTOS DOS OGMS NA AGRICULTURA, ESTRUTURA AGRÁRIA E


SOBERANIA ALIMENTAR

NATACHA BUBLITZ CAMARA 1

1 INTRODUÇÃO
A tecnologia e a ciência têm avançado em um ritmo desenfreado nas
últimas décadas, criando a necessidade de um limite para suas descobertas. O
avanço exacerbado da ciência impulsiona a evolução técnico-científica, tendo
sua utilização imediata pelo sistema econômico. Gerando uma sociedade de
risco em que a explosão evolutiva da ciência, não é acompanhada por uma
compreensão segura acerca das consequências nocivas de sua utilização
massificada. Compreendendo a liberação e comercialização dos organismos
geneticamente modificados, onde embora o avanço possa trazer benefícios à
sociedade, ainda traz a dúvida de seus reais efeitos a longo prazo. O desafio
do presente trabalho é apresentar impactos dos ogms na agricultura, estrutura
agrária e soberania alimentar, para o despertar da consciência quanto a
incertezas decorrente desta nova tecnologia.

2 DESENVOLVIMENTO
Os organismos geneticamente modificados surgem com a promessa de
benefícios para humanidade como o combate à fome, às doenças e à
desertificação. Contíguo com os benefícios surgem os riscos quanto à
introdução dos OGM no meio ambiente, uma vez que são desconhecidos os
seus efeitos sobre a biodiversidade e no ambiente. 2
Embora, a biotecnologia seja reconhecida como uma nova tecnologia
que possibilita grandes avanços para a humanidade, ainda é incerta quanto
aos resultados. Portanto, é imprescindível a avaliação dos riscos dentro do

1
Acadêmica de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. E-mail:
natachabublitz@gmail.com
2
ROCHA, João Carlos de Carvalho. Direito ambiental e transgênico: princípios fundamentais
da biossegurança. Belo Horizonte: Del Rey, 2008.
935

contexto geral, e não somente por uma vertente, evitando que os resultados
sejam prejudiciais para a sociedade.
Os impactos negativos dos OGM podem ser de âmbito ecológico, devido
a redução da biodiversidade e a contaminação 3 do solo ou de aquíferos, bem
como no âmbito sanitário, em razão do surgimento de efeitos alérgicos e
difusões de novas infecções. 4 No entanto, cabe ressaltar que tantos os
impactos negativos como positivos não são unânimes na doutrina como em
outros campos da sociedade.
Diferente de João Carlos de Carvalho Rocha que caracteriza as alergias
e difusões de novas infecções como uma possibilidade de impacto negativo,
segundo Denise Hammerschmidt a utilização dos OGM na produção de
fármacos elimina os riscos de alergias e de infecções. Neste sentido a autora
afirma que as aplicações dos OGM são mais puras e seguras por serem
provenientes de um gene humano, assim eliminando os riscos de alergias e
rejeições, sustenta ainda, que por serem provenientes de bactérias cultivadas
em condições idôneas é eliminado o risco de infecções. 5
Entretanto, Denise Hammerschmidt também denomina os efeitos
alérgicos e de alteração do metabolismo humano como um potencial risco
decorrente dos organismos geneticamente modificados. Aduz que a toxidade e
alergicidade dos alimentos transgênicos podem ser causadas por um novo
gene acrescentado, que seja em si mesmo tóxico ou alérgico, ou ser derivada
dos efeitos provocados na inserção no genoma receptor. 6
Além dos potencias riscos a saúde humana, não deve ser olvidado “os
efeitos relativos à liberdade de escolha do consumidor, a dependência
tecnológica, e ao aumento das desigualdades no comércio internacional e nas
7
relações Norte Sul.”

3
A contaminação genética é causada por pólen transgênico que se transferem para espécies
não alvo. (GUERRA, Miguel Pedro; NODARI, Rubens Onofre. Impactos ambientais das plantas
transgênicas: as evidências e as incertezas. Agroecol. e Desenv. Rur. Sustent., Porto
Alegre, v. 2, n. 3, p. 30-41, jul/set, 2001.)
4
ROCHA, João Carlos de Carvalho. Direito Ambiental e Transgênico: Princípios
Fundamentais da Biossegurança. Belo Horizonte: Del Rey, 2008.
5
HAMMERSCHMIDT, Denise. Transgênicos e Direito Penal. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2006.
6
HAMMERSCHMIDT, Denise. Transgênicos e Direito Penal. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2006.
7
ROCHA, João Carlos de Carvalho. Direito Ambiental e Transgênico: Princípios
Fundamentais da Biossegurança. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 127.
936

Os organismos geneticamente modificados podem retirar a liberdade de


escolha do produtor, uma vez que com contaminação de safras de variedades
não transgênica, pertencentes a pequenos produtores, estes acabam perdendo
o direito de escolha e são obrigados a pagar royalties. A contaminação ocorre
inesperadamente e não possui um controle efetivo para evita - la.
Para Rubens Onofre Nodari e Miguel Pedro Guerra as consequências da
contaminação são, além dos conflitos judiciais pelo direito de propriedade,
entre os agricultores e as empresas, também os conflitos entre os agricultores
e a própria natureza, podendo resultar em prejuízos econômicos e biológicos. 8
Percebe-se que com a contaminação estaremos comprometendo a
diversidade biológica do ecossistema, e ainda vivendo um monopólio
dependente das sementes transgênicas, que são produzidas por apenas cinco
empresas privadas – Syngenta, Monsanto, Dupont, Aventis/Bayer Cropsciense
e Dow AgroScienses –- presentes no setor de sementes, farmacêutico e no de
agroquímicos. Segundo Denise Hammerschmidt, existe uma tendência à
integração da cadeia produtiva de alimentos e de fármacos, gerando a
concentração desses mercados nas mãos de poucas multinacionais. Estes,
assegurados pelo direito de propriedade, marketing de promoção de produtos e
aquisição de concorrente e de fornecedores mediante integração entre as
transnacionais. 9
Nesta linha João Carlos de Carvalho Rocha aduz que a concentração
das patentes das sementes transgênicas em países desenvolvidos e a
equivalente redução do plantio de espécies nativas podem contribuir para uma
dependência dos países do sul em relação aos países desenvolvidos do norte,
gerando uma instável segurança alimentar para os povos subdesenvolvidos. 10
De modo que, as empresas que dominam o mercado de sementes
transgênicas possuem garantia de direito de propriedade sobre o gene e
qualquer uso que dele se faça por meio das patentes. Assim, é assegurado
juridicamente o devido pagamento dos royalties pela utilização dos produtos

8
GUERRA, Miguel Pedro; NODARI, Rubens Onofre. Impactos ambientais das plantas
transgênicas: as evidências e as incertezas. Agroecol. e Desenv. Rur. Sustent., Porto
Alegre, v. 2, n. 3, p. 30-41, jul/set, 2001.
9
HAMMERSCHMIDT, Denise. Transgênicos e Direito Penal. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2006.
10
ROCHA, João Carlos de Carvalho. Direito Ambiental e Transgênico: Princípios
Fundamentais da Biossegurança. Belo Horizonte: Del Rey, 2008.
937

biotecnológicos. Além disso, é utilizada a proteção biológica, para a “criação de


sementes das quais irão germinar plantas que produzirão sementes estéreis ou
11
dependentes de produtos químicos específicos para germinarem.”
Segundo Lígia Dutra Silva “as patentes sobre os organismos vivos são o
novo instrumento de dominação econômica do Terceiro Mundo, perpetuando a
sua condição de comprador de tecnologias desenvolvidas no primeiro mundo.”
12
Assim, percebendo-se que os interesses econômicos que impulsionam o
desenvolvimento e o avanço da biotecnologia, especialmente das empresas do
agronegócio sobrepõem-se ao princípio da precaução.
Em entrevista à Revista Greenpeace, o autor Jeffrey Smith assevera os
riscos dos organismos geneticamente modificados e sustenta que estes devem
ser congelados enquanto a manipulação desta nova genética ainda gera
incertezas. Para Jeffrey Smith:

Diferentemente da poluição química, os transgênicos se auto-


propagam e podem se tornar elementos fixos de nosso meio
ambiente. Com tamanha herança, me parece razoável e
prudente congelar qualquer novo lançamento de transgênicos
até que tenhamos uma melhor compreensão do DNA, e as
ramificações de nossa intervenção. 13

O autor ressalta ainda, que as empresas não tem conhecimento


suficiente acerca dos organismos geneticamente modificados e que liberar o
consumo é um erro ante a possível alteração permanente no ecossistema.
Eu me especializei nos perigos à saúde dos organismos geneticamente
modificados (OGMs), que hoje estão ligados a milhares de doenças, casos de
esterilidade e morte, milhares de reações tóxicas e alérgicas em humanos, e
danos a virtualmente todo órgão e sistema estudados em animais de
laboratórios. Esses perigos, no entanto, ganham ainda mais força pelo fato dos

11
SILVA, Lígia Dutra. A Biotecnologia Agrícola e o Discurso da Superação da Pobreza. In: LEITE,
José Rubens Morato; FAGÚNDEZ, Paulo Roney Ávila (Org.). Biossegurança e as Novas Tecnologias
na Sociedade de Risco: aspectos jurídicos, técnicos e sociais. Florianópolis: Conceito Editorial, 2007.
p.45-70. p. 57.
12
SILVA, Lígia Dutra. A Biotecnologia Agrícola e o Discurso da Superação da Pobreza. In:
LEITE, José Rubens Morato; FAGÚNDEZ, Paulo Roney Ávila (Org.). Biossegurança e as
Novas Tecnologias na Sociedade de Risco: aspectos jurídicos, técnicos e sociais.
Florianópolis: Conceito Editorial, 2007. p. 45-70. p. 57-58.
13
GREENPEACE. Transgênicos são inseguros e têm que ser banidos. Disponível em:
<http://www.greenpeace.org/brasil/transgenicos/entrevistas/transg-nicos-s-o-inseguros-e>.
Acesso em: 11 maio 2009.
938

OGMs contaminarem as plantações não-transgênicas e as espécies selvagens,


permanecendo no meio ambiente por muito tempo. 14
Por outro lado, os impactos positivos constituem no desenvolvimento de
novos fármacos, avanços em transplantes de órgãos e tecidos, a redução da
fome e o fornecimento de alimentos mais nutritivos e duráveis e mais
resistentes a agrotóxicos. 15
Para Jeffrey Smith a promessa que os organismos geneticamente
modificados são capazes de reduzir a fome é uma falácia.
Alimentos transgênicos não contribuem para combater a fome no
mundo. Se os transgênicos fossem uma solução verdadeira para a fome, todas
as cinco afirmações abaixo deveriam ser verdadeiras. Então, os transgênicos
deveriam ser seguros, produzir colheitas maiores, promover colheitas
consistentes, confiáveis e ser melhores que as opções concorrentes e a fome
solucionada pelo aumento da produtividade nas colheitas. Todas as cinco
afirmações são falsas. Os alimentos transgênicos não são seguros. As
colheitas de transgênicos podem ser perigosas inconsistentes. Milhares de
agricultores de algodão Bt endividados na Índia cometeram suícidio. Outros
métodos são bem melhores para melhorar as colheitas e a vida dos
agricultores. O aumento na produtividade da plantação não erradica, por si só,
a fome. Especialistas e organizações mundo afora condenam as empresas de
biotecnologia por afirmarem que as plantações de transgênicos resolverão a
fome no mundo. Um relatório da ActionAid concluiu que em vez de aliviar a
fome no mundo, a tecnologia dos transgênicos “pode exarcebar a insegurança
16
alimentar, aumentando o número de pessoas com fome.”
Deste modo, a indústria alimentícia não possui interesse em acabar com
a fome, e sim em aumentar os lucros. Neste sentido Lígia Dutra Silva defende
que existe alimento suficiente para a população do mundo, no entanto sustenta

14
GREENPEACE. Transgênicos são inseguros e têm que ser banidos. Disponível em:
<http://www.greenpeace.org/brasil/transgenicos/entrevistas/transg-nicos-s-o-inseguros-e>.
Acesso em: 11 maio 2009.
15
ROCHA, João Carlos de Carvalho. Direito Ambiental e Transgênico: Princípios
Fundamentais da Biossegurança. Belo Horizonte: Del Rey, 2008.
16
GREENPEACE. Transgênicos são inseguros e têm que ser banidos. Disponível em:
<http://www.greenpeace.org/brasil/transgenicos/entrevistas/transg-nicos-s-o-inseguros-e>.
Acesso em: 11 maio 2009.
939

que ocorre a falta de interesse político e econômico, que acaba desviando o


destino do alimento. 17
No mesmo sentido Denise Hammerschmidt observa que a fome é
resultado da má distribuição de renda, assevera que para combater a fome
basta uma distribuição de alimentos justa e a melhora do sistema agroalimentar
tradicional dos países pobres, negando assim que o fator gerador da fome seja
a insuficiência da produção agrícola. 18
É imperioso que o objetivo das empresas privadas na manipulação dos
OGM é o lucro. Destarte, para alcançar o lucro, utilizam de supostas vantagens
para convencer a população da necessidade das novas técnicas. No entanto,
como bem menciona Lígia Dutra Silva “os interesses da indústria de alimentos
em maximizar os lucros, normalmente desconsideram os riscos à saúde que
seus produtos podem oferecer aos consumidores,” 19 assim é indispensável a
aplicação do princípio da precaução para evitar o prejuízo da saúde do
consumidor, bem como os danos ao meio ambiente oriundos destas novas
técnicas genéticas.
Outros benefícios destacados são o favorecimento à resistência das
plantas às condições climáticas e de solo adversas, gerando tolerância à seca,
acidez do solo e a temperaturas elevadas, 20 aumentando a produtividade para
o agricultor e, por conseguinte para a economia.
No entanto, estudos verificam que não são atingidos os benefícios
supramencionados. Segundo Rubens Onofre Nodari e Miguel Pedro Guerra a
introdução dos organismos geneticamente modificados no meio ambiente pode
levar ao aumento de pragas no solo. 21

17
SILVA, Lígia Dutra. A Biotecnologia Agrícola e o Discurso da Superação da Pobreza. In:
LEITE, José Rubens Morato; FAGÚNDEZ, Paulo Roney Ávila (Org.). Biossegurança e as
Novas Tecnologias na Sociedade de Risco: aspectos jurídicos, técnicos e sociais.
Florianópolis: Conceito Editorial, 2007. p. 45-70.
18
HAMMERSCHMIDT, Denise. Transgênicos e Direito Penal. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2006.
19
SILVA, Lígia Dutra. A Biotecnologia Agrícola e o Discurso da Superação da Pobreza. In:
LEITE, José Rubens Morato; FAGÚNDEZ, Paulo Roney Ávila (Org.). Biossegurança e as
Novas Tecnologias na Sociedade de Risco: aspectos jurídicos, técnicos e sociais.
Florianópolis: Conceito Editorial, 2007. p. 45-70 p. 59.
20
HAMMERSCHMIDT, Denise. Transgênicos e Direito Penal. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2006.
21
GUERRA, Miguel Pedro; NODARI, Rubens Onofre. Impactos ambientais das plantas
transgênicas: as evidências e as incertezas. Agroecol. E Desenv. Rur. Sustent., Porto Alegre,
v. 2, n. 3, p. 30-41, jul/set, 2001. p. 35.
940

Dois exemplos ilustram que a transgenia também pode levar ao aumento


de pragas de solo. No primeiro, houve um aumento na suscetibilidade de uma
cultivar transgênica de algodoeiro ao nematóide-das-galhas(Meloidogyne
incógnita) comparativamente ao cultivo com não transgênicos (Colyer et . al.,
2000). No segundo exemplo, o uso do glifosato combinado ou não com outros
herbicidas, aplicado nas doses recomendadas, na Soja RR, resultou numa
maior incidência de fusariose nas raízes uma semana após a aplicação,
comparativamente à soja não trangênica (Kremer et . al., 2000). 22
Ressaltam ainda os autores que entre os potenciais riscos estão, além
do aumento de pragas no solo, o aumento da população de pragas resistentes
o aumento de plantas daninhas resistentes a herbicidas e a contaminação de
produtos naturais como o mel. 23
Enfim, diante da ausência de conhecimento acerca dos efeitos e
impactos dos organismos humanos no meio ambiente e na saúde humana, e a
imprevisibilidade dos resultados dessa nova biotecnologia, resta a dúvida da
liberação e comercialização dos organismos geneticamente modificados. Nas
palavras de Rubens Onofre Nodari e Miguel Pedro Guerra “é melhor errar
perdendo os benefícios potenciais, visando a evitar danos potenciais ou
24
arriscar-se aos danos para realizar os benefícios?”
Marijane Lisboa conclui que é necessário utilizar a democracia como
diretriz para as tomadas de decisões em relação aos organismos
geneticamente modificados. Nesse sentido:

A tendência a desqualificar as preocupações da opinião


pública como anti-científicas e infundadas só fará ampliar o
fosso que está sendo cavado entre Estado e sociedade no que
tange a questões tecnológicas. Como definitivamente estamos
em uma Era Tecnológica, só há duas maneiras de enfrentá-la:
autoritária e a democrática. Foi possível a Hitler desenvolver
os gases tóxicos e os fornos crematórios porque ele havia
criado um Estado totalitário. É possível à China construir a
represa de Three Gorges, deslocando milhões de indivíduos,
22
GUERRA, Miguel Pedro; NODARI, Rubens Onofre. Impactos ambientais das plantas
transgênicas: as evidências e as incertezas. Agroecol. E Desenv. Rur. Sustent., Porto Alegre,
v. 2, n. 3, p. 30-41, jul/set, 2001. p. 35.
23
GUERRA, Miguel Pedro; NODARI, Rubens Onofre. Impactos ambientais das plantas
transgênicas: as evidências e as incertezas. Agroecol. E Desenv. Rur. Sustent., Porto Alegre,
v. 2, n. 3, p. 30-41, jul/set, 2001.
24
GUERRA, Miguel Pedro; NODARI, Rubens Onofre. Impactos ambientais das plantas
transgênicas: as evidências e as incertezas. Agroecol. E Desenv. Rur. Sustent., Porto
Alegre, v. 2, n. 3, p.30-41, jul/set, 2001. p. 38.
941

porque a China é uma ditadura odiosa Mas nossas sociedades


democráticas só poderão trafegar de forma suave e segura na
Era Tecnológica se souberem desenvolver processos
decisórios participativos, através dos quais Estado, Sociedade
Civil e Mercado assumam consciente e coletivamente perante
o planeta e às futuras gerações e responsabilidade pelas
decisões que hoje tomem em relação à pesquisa e
desenvolvimento de novas tecnologias.25

Por fim, entende-se que a complexidade e variabilidade do mundo real


limitam a habilidade do conhecimento cientifico de fazer previsões, visto que
muitas vezes são embasadas em um pano teórico ou em testes feitos em
ambientes diferenciados do qual serão eventualmente expostos os organismos
geneticamente modificados. Portanto há de ser analisado por todos os ângulos,
fazendo uma análise das justificativas e dos benefícios, bem como dos riscos e
dos custos.

3 CONCLUSÃO
1. É papel fundamental do direito na proteção ambiental, sendo de suma
importância principalmente para controlar os avanços tecnológicos
desenfreados, que por vezes acarretam danos irreversíveis à natureza.
2. Conforme o artigo 225 §1º, inciso V, é evidente a importância do
Estudo de Impacto Ambiental para as atividades que possam causar
degradação ao meio ambiente, bem como a análise dos riscos para evitar
danos à saúde humana.
3. Embora o princípio da precaução conste em documentos
internacionais, bem como na legislação pátria a sua imperatividade jurídica
ainda é colocada em xeque. Sendo necessário o surgimento de uma nova
consciência mundial que passa a considerar o homem parte do meio ambiente
e não mais externo. Devendo serem analisadas todas as vertentes para
descobrir a solução mais coerente para os organismos geneticamente
modificados, desta maneira visando o bem coletivo.
Nascendo assim, a preocupação com a garantia do meio ambiente e a
saúde do homem para as presentes e futuras gerações, junto com uma
mudança de paradigma a nível global.

25
LISBOA, Maijane. Transgênicos no Brasil: O Descarte da Opinião Pública. In: DERANI.
Cristiane. (Org.). Transgênicos no Brasil e Biossegurança. Porto Alegre: Sergio Antonio
Fabris Ed, 2005. p. 55-78. p. 78.
942

REFERÊNCIAS

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as incertezas. Agroecol. E Desenv. Rur. Sustent., Porto Alegre, v. 2, n. 3,
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Pobreza. In: LEITE, José Rubens Morato; FAGÚNDEZ, Paulo Roney Ávila
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943

POR UMA COMPATIBILIZAÇÃO ENTRE O DIREITO À MORADIA E O


DIREITO AMBIENTAL NO SISTEMA NACIONAL DE UNIDADES DE
CONSERVAÇÃO ∗

NATALIA SCHUL PACHECO 1

Resumo: A presente tese aborda o conflito entre o direito à moradia e o direito ambiental na
Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação. Após uma breve abordagem dos
direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988, analisa a presença das comunidades
tradicionais nas áreas protegidas. Ao final, propõe um modo de compatibilização dos direitos.

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O presente trabalho trata do conflito existente entre os direitos sociais e
ambientais, dentro das áreas protegidas, qual seja a preservação do meio
ambiente em conflito com o direito à moradia das populações tradicionais que
habitam essas áreas. Para isso, analisaremos, em um primeiro momento, como
são tratados os direitos fundamentais na nova Constituição Federal de 1988,
em especial os dois direitos, à moradia e ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, e qual a relevância dada a esses princípios no patamar
constitucional.
Em um segundo momento, estudaremos os conflitos entre direitos
fundamentais para a compreensão da questão estudada, já buscando algumas
formas de resolução dos conflitos em geral. Assim, chegamos à análise da Lei
do Sistema Nacional de Unidades de Conservação, em que vamos estudar as
suas características gerais e posteriormente faremos uma breve analise das
suas categorias.
Em um terceiro momento, verificaremos a presença das comunidades
tradicionais nas áreas protegidas, trazendo à discussão qual o valor dos seus
conhecimentos e práticas para a preservação do meio ambiente. Por fim,

Este trabalho foi realizado com a orientação da Professora Me. Caroline Vieira Ruschel.
1
Estudante da graduação de direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
Endereço eletrônico: nataliaschul@hotmail.com.
944

iremos propor uma forma de compatibilização desses direitos de modo a evitar


os conflitos, proteger a biodiversidade e a sociodiversidade.
A escolha do tema pesquisado se justifica diante do contexto
socioambiental que vivemos no Brasil atualmente, quando o nosso
ordenamento jurídico exclui o homem do conceito de meio ambiente, de modo
que, ao proteger o mesmo, gera exclusão social, sendo observada, assim, a
necessidade emergente de uma mudança de paradigma da visão do direito,
para se tornar mais solidária e perder o seu caráter individualista e patrimonial.

1.1 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL


A Constituição Federal de 1988 foi um grande passo para os
ambientalistas, quando a proteção ao meio ambiente ganhou um artigo próprio
e, também, um grande passo para os socialistas, com o enorme rol de direitos
fundamentais sociais elencados, sendo adotado pela Constituição o paradigma
socioambiental.

“Os direitos fundamentais estão vivenciando o seu melhor


momento na história do constitucionalismo pátrio, ao menos no
que diz com seu reconhecimento pela ordem jurídica positiva
interna e pelo instrumentário que se colocou à disposição dos
operadores do Direito” [...]. 2

Esta Constituição Federal se mostra de maior importância pelo fato de


ela ter sido precedida de um período marcado por forte autoritarismo que
caracterizou a ditadura militar, regime político que vigorou no Brasil por 21
anos. Assim, a relevância atribuída aos direitos fundamentais, o reforço de seu
regime jurídico e até mesmo a configuração de seu conteúdo, representam a
reação do Constituinte, das forças sociais e políticas, ao regime anterior de
total privação e violação das liberdades fundamentais. 3
Outra novidade, referente aos direitos fundamentais nesta Constituição
Federal, foi o uso da terminologia “direitos e garantias fundamentais”, já que
nas constituições anteriores foi utilizada “direitos e garantias individuais”,
denominação claramente ultrapassada e atrasada em relação à evolução do

2
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais. 9. ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado Editora, 2007. p. 80.
3
Ibidem, p . 76.
945

direito constitucional e internacional. Os direitos fundamentais são tratados na


nova Constituição como “cláusulas pétreas” do artigo 60, §4º, da Constituição
Federal, fortalecendo a sua proteção e relevância constitucional.
Estudaremos, então, esses dois direitos protegidos pela nossa
Constituição, o direito à moradia e o direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado. Ambos são necessários à sadia qualidade de vida e à dignidade da
pessoa humana, o que lhes confere importância e os torna indispensáveis a
todos.

1.1.1 O direito à moradia


Na Constituição Federal de 1988, as garantias fundamentais sociais
aparecem em capítulo próprio no catálogo dos direitos fundamentais,
mostrando assim a sua condição de autênticos direitos fundamentais, já que
nas constituições anteriores os direitos sociais encontravam-se no capítulo da
ordem econômica e social, obtendo caráter meramente pragmático. O direito à
moradia entrou no rol dos direitos fundamentais sociais através da Emenda
Constitucional n.º 26/2000, incluído como direito de segunda dimensão no
artigo 6º da Constituição Federal.
Não é possível separar a questão do direito à moradia da falta de acesso
à terra pelas populações pobres, resultado da concentração e especulação
imobiliárias nas mãos de poucos proprietários, da ausência das reformas
agrárias e urbanas e de uma cultura de desperdício da terra disponível.
O Brasil ocupa o 10º lugar onde há mais desigualdade social, em uma
lista com 126 países e territórios, segundo o índice da desigualdade mundial de
2006, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD. 4 O
fator que apresenta maior contribuição para essa extrema desigualdade é a
desigual distribuição de terras: “Nas regiões não urbanizadas, a desigualdade
no acesso à terra e aos serviços essenciais de infra-estrutura tem contribuído

4
SOCIOAMBIENTAL, Instituto. Almanaque Brasil Socioambiental. São Paulo: Editores Gerais Beto
Ricardo e Maura Campanili, 2007. p. 69.
946

para a proliferação dos assentamentos precários e irregulares em áreas


inadequadas ou impróprias à moradia”. 5
A taxa de crescimento das populações que residem em assentamentos
irregulares representa quase o dobro da taxa de crescimento total da
população da respectiva cidade. Consideram-se assentamentos informais,
conforme o conceito da autora Letícia Marques Osório, as ocupações de terras
sem condições urbanas e ambientais para serem usadas como moradia, tais
como terras inundáveis, contaminadas, próximas a lixões, sem infra-estrutura,
com difícil acesso a transporte público, centros de emprego, educação,
serviços de saúde, com construções de moradias sem condições de
habitabilidade, com densidades extremas. 6

1.1.2 O direito ambiental


O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado pode ser
classificado dentro da Constituição Federal como um direito de terceira
dimensão, também denominados direitos de fraternidade ou solidariedade.
Esses direitos se caracterizam por ter uma titularidade coletiva ou difusa,
protegendo grupos humanos como família, povo ou nação, se distinguindo da
maioria dos direitos que protegem um indivíduo ou o seu patrimônio.
A titularidade dos direitos de solidariedade, por ser coletiva, muitas
vezes aparece indefinida, esses direitos possuem implicação transindividual,
exigindo esforços de todos para a sua efetivação. Mostram-se como novas
faces do princípio da dignidade da pessoa humana, são reivindicações de
novas liberdades fundamentais.
Como todo direito fundamental, o direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado é indisponível, é considerado bem de uso comum
do povo e acima de tudo, é um bem necessário à sadia qualidade de vida. O
direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado do artigo 225 da

5
OSÓRIO, Letícia Marques. Direito à moradia adequada na América Latina. In: ALFONSIN, Betânia;
FERNANDES, Edésio (orgs.). Direito à Moradia e Segurança da Posse no Estatuto da Cidade: Diretrizes,
Instrumentos e Processos de Gestão. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2004. p. 18.
6
OSÓRIO, Letícia Marques. Direito à moradia adequada na América Latina. In: ALFONSIN, Betânia;
FERNANDES, Edésio (orgs.). Direito à Moradia e Segurança da Posse no Estatuto da Cidade: Diretrizes,
Instrumentos e Processos de Gestão. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2004. p. 31.
947

Constituição Federal está sendo considerado neste trabalho como um direito


fundamental. Alguns autores, como o já citado Ingo Wolfgang Sarlet,
compartilham deste entendimento.
Verificados ambos os direitos, à moradia e à proteção ambiental,
trataremos dos conflitos existentes entre essas garantias. Para isso,
estudaremos a natureza dos conflitos entre princípios constitucionais, adotando
o posicionamento mencionado, de que se tratam de dois direitos fundamentais.

1.2 CONFLITOS ENTRE GARANTIAS CONSTITUCIONAIS


Os conflitos entre direitos fundamentais reconduzem-se a um conflito de
princípios. Os princípios são como determinações para que um bem jurídico
seja satisfeito e protegido o máximo possível, por isso, é viável que um
princípio seja aplicado em graus diferenciados, de acordo com o caso que os
atrai.

“No conflito entre princípios, deve-se buscar uma conciliação


entre eles, uma aplicação de cada qual em extensões
variadas, conforme a relevância de cada qual no caso
concreto, sem que um dos princípios venha a ser excluído do
ordenamento jurídico por irremediável contradição com
outro”. 7

Em um caso concreto conflitante devem-se pesar os interesses em


conflito, de modo a buscar estabelecer qual princípio deve prevalecer; a
solução deverá ser encontrada a partir da consideração das circunstâncias do
caso, segundo um critério de justiça prática.
Ao fazer a ponderação no caso concreto, deve-se levar em consideração
o princípio da proporcionalidade, ou seja, o benefício ganho na solução do
conflito deverá ser maior que o malefício obtido da supressão do outro
princípio. Os direitos devem ser comprimidos ao menor grau possível, de modo
a preservar a sua essência.
Mesmo com ambos os direitos, à moradia e à proteção ambiental,
estando garantidos constitucionalmente, freqüentemente se observa conflitos

7
BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Aspectos de teoria geral dos direitos fundamentais. In: MENDES,
Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Hermenêutica
Constitucional e Direitos Fundamentais. 1. ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2002. p. 182.
948

entre essas duas garantias constitucionais. São conflitos entre os direitos


sociais e os direitos ambientais, dois ramos que podem existir ao mesmo
tempo, se forem harmonizados.
Muitos desses conflitos decorrem do fato de que estamos vivenciando
uma crise de percepção, como chama François Ost, uma crise do vínculo e do
limite, crise da nossa representação da natureza, da nossa relação com ela.
Trata-se de uma questão de paradigma, uma crise do vínculo, já não
conseguimos discernir o que nos liga ao animal, ao que tem vida, à natureza;
uma crise do limite, já não conseguimos discernir o que deles nos distingue. 8
Deve-se tentar harmonizar direitos sociais e ambientais, com uma visão
socioambiental, que traga valores e ideais como o de que as políticas públicas
ambientais devam incluir e envolver as comunidades tradicionais locais, as
quais possuem conhecimentos e técnicas de manejo ambiental.
Como diz Juliana Santilli, em um país pobre e com tantas desigualdades
sociais, um novo paradigma de desenvolvimento deve promover não só a
sustentabilidade estritamente ambiental – ou seja, a sustentabilidade de
espécies, ecossistemas e processos ecológicos – como também a
sustentabilidade social – ou seja, deve contribuir também para a redução da
pobreza e das desigualdades sociais e promover valores como justiça social e
equidade, valorizando a diversidade cultural e a consolidação do processo
democrático no país, com ampla participação social na gestão ambiental. 9
Como podemos observar até este momento, de fato esses dois direitos
constitucionais podem se mostrar conflitantes. Vamos analisar, a seguir, a Lei
do Sistema Nacional de Unidades de Conservação, para verificarmos se há
mesmo o conflito entre o direito à moradia das comunidades tradicionais nas
áreas protegidas por interesse ambiental e qual a possibilidade de serem
compatibilizadas essas garantias.

8
OST, François. A Natureza à Margem da Lei: a ecologia a prova do direito. Lisboa: Instituto Piaget,
1995. p. 09.
9
SANTILLI, Juliana. Socioambientalismo e Novos Direitos: Proteção jurídica à diversidade biológica e
cultural. São Paulo: Peirópolis, 2005. p. 34.
949

2 O SISTEMA NACIONAL DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO


A crise da nossa sociedade chegou a um ponto de destruição da
natureza em que se não forem protegidas essas áreas, irão se perder milhares
de espécies em extinção de fauna e flora. É um problema territorial, porque
essas áreas são importantes de serem preservadas, entretanto, a crise social
exclui tanto as populações pobres, que estas acabam não tendo alternativa, a
não ser ocupar as áreas preservadas, para morar.
A partir da instituição da Política Nacional do Meio Ambiente começa a
se falar em áreas de preservação ambiental; a Constituição Federal de 1988
traz em seu artigo 225 a expressão espaços territoriais especialmente
protegidos. Em 18 de julho de 2000 foi instituída a Lei do Sistema Nacional de
Unidades de Conservação (SNUC), Lei n.º 9.985, para regular o artigo da
Constituição Federal e posteriormente, em 22 de agosto de 2002, a Lei foi
parcialmente regulada através do Decreto n.º 4.340.
Nesse sentido, os espaços territoriais especialmente protegidos ou
unidades de conservação (UC’s), em sentido estrito, são os elencados na Lei
do Sistema Nacional das Unidades de Conservação; aquelas áreas que não
estão elencadas na Lei, mas apresentam características similares ao conceito
apresentado no SNUC, são chamadas de unidades de conservação atípicas.
A Lei do SNUC apresenta um caráter conservacionista da natureza, o
que está em consonância com a Constituição Federal de 1988 que expandiu os
sujeitos do direito ambiental para as gerações futuras, inovando e
apresentando, assim, uma necessidade de preservação em longo prazo.
Quanto aos seus objetivos e diretrizes, a Lei se mostra aberta ao
socioambientalismo e com visões de conciliar os dois campos. O artigo 5º
apresenta as diretrizes do Sistema, incluindo as populações locais nos
processos de criação, implementação e gestão das unidades e, ainda, abre a
possibilidade de participação das Organizações da Sociedade Civil de
Interesse Público (OSCIP’s) e de Organizações Não Governamentais (ONG’s).
Visa garantir às populações tradicionais meios de subsistência alternativos e
métodos de uso sustentável dentro das UC’s.
950

As unidades de conservação do SNUC se dividem em duas categorias,


Unidades de Proteção Integral e Unidades de Uso Sustentável. O grupo das
Unidades de Proteção Integral se encontra no artigo 8º da Lei e é composto
pelas seguintes categorias: Estação Ecológica, Reserva Biológica, Parque
Nacional, Monumento Natural e Refúgio de Vida Silvestre.
O significado para proteção integral se encontra nas denominações do
artigo 2º, que define como “manutenção dos ecossistemas livres de alterações
causadas por interferência humana, admitido apenas o uso indireto dos seus
atributos naturais”. Passamos a uma breve análise de cada uma das categorias
de Unidade de Conservação de Proteção Integral.
A Estação Ecológica se encontra no artigo 9º e tem como objetivo a
preservação da natureza e a realização de pesquisas científicas. Trata-se de
área de posse e domínios públicos, de modo que as áreas particulares que se
encontrarem em seus limites serão desapropriadas. É proibida a visitação
pública, exceto quando com objetivo educacional e a pesquisa científica
depende de autorização do órgão responsável pela administração da unidade.
Segundo o IBAMA existem 32 Estações Ecológicas Federais.
A Reserva Biológica aparece no artigo 10º e tem por objetivo a
preservação integral da biota e demais atributos naturais existentes em seus
limites, sem interferência humana direta ou modificações ambientais,
excetuando-se as medidas de recuperação de seus ecossistemas alterados e
as ações de manejo necessárias para recuperar e preservar o equilíbrio
natural, a diversidade biológica e os processos ecológicos naturais. Assim
como a Estação Ecológica, trata-se de área de posse e domínio público,
devendo ser desapropriadas as áreas particulares de seus limites. A visitação
pública só é permitida com objetivos educacionais e a pesquisa científica
depende de autorização do órgão responsável pela administração da unidade.
Nos dados do IBAMA se encontram 29 Reservas Biológicas Federais.
O Parque Nacional está no artigo 11º e tem como objetivo básico a
preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza
cênica, possibilitando a realização de pesquisas científicas e o
desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, de
951

recreação em contato com a natureza e de turismo ecológico. Como as


categorias anteriores, sua área é de posse e domínio público e as áreas
particulares devem ser desapropriadas. A visitação pública está sujeita às
normas do plano de manejo e a pesquisa científica depende de autorização.
Existem, segundo o IBAMA, 62 Parques Nacionais Federais.
O Monumento Natural encontrado no artigo 12º objetiva preservar sítios
naturais raros, singulares ou de grande beleza cênica. Diferenciando-se das
demais, essas unidades podem ser constituídas por áreas particulares, desde
que seja possível compatibilizar os seus objetivos com a utilização da terra e
dos recursos naturais do local, pelos proprietários. A visitação pública dessas
áreas também está sujeita às normas do plano de manejo.
O Refúgio de Vida Silvestre aparece no artigo 13º e tem como objetivo
proteger ambientes naturais onde se asseguram condições para a existência
ou reprodução de espécies ou comunidades da flora local e da fauna residente
ou migratória. Quanto às suas áreas, se igualam ao monumento natural,
podendo ter áreas particulares, se for possível compatibilizar os objetivos da
unidade com a utilização dos proprietários. Essas unidades possuem regime de
visitação pública e de pesquisa científica iguais aos previstos para as Estações
Ecológicas. Encontram-se 03 Refúgios de Vida Silvestre Federais, de acordo
com o IBAMA.
As Unidades de Uso Sustentável se encontram no artigo 14º da Lei e
constituem as seguintes categorias: Área de Proteção Ambiental, Área de
Relevante Interesse Ecológico, Floresta Nacional, Reserva Extrativista,
Reserva de Fauna, Reserva de Desenvolvimento Sustentável.
O significado para uso sustentável se encontra definido, em seu artigo
2º, como “exploração do ambiente de maneira a garantir a perenidade dos
recursos ambientais renováveis e dos processos ecológicos, mantendo a
biodiversidade e os demais atributos ecológicos, de forma socialmente justa e
economicamente viável”. Passamos a breve análise das categorias de Unidade
de Conservação de Uso Sustentável.
A Área de Proteção Ambiental aparece no artigo 15º e objetiva proteger
a diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação e assegurar a
952

sustentabilidade do uso dos recursos naturais. Constitui-se de terras públicas


ou privadas. Nas áreas públicas, o órgão gestor da unidade deve estabelecer
as condições para a realização de pesquisa científica e visitação pública, e nas
áreas privadas cabe ao proprietário. O seu Conselho deve ser presidido pelo
órgão responsável por sua administração e constituído por representantes dos
órgãos públicos, de organizações da sociedade civil e da população residente.
De acordo com o IBAMA, existem 31 Áreas de Proteção Ambiental Federais.
A Área de Relevante Interesse Ecológico está no artigo 16º e objetiva
manter os ecossistemas naturais, de importância regional ou local, e regular o
uso admissível dessas áreas, de modo a compatibilizá-lo com os objetivos de
conservação da natureza. Essas unidades também podem ser constituídas de
áreas públicas ou privadas. Encontram-se 17 Áreas de Relevante Interesse
Ecológico, pelos dados do IBAMA.
A Floresta Nacional que aparece no artigo 17º é uma área com
cobertura florestal de espécies predominantemente nativas, objetiva o uso
múltiplo sustentável dos recursos florestais e a pesquisa científica, com ênfase
em métodos para exploração sustentável de florestas nativas. Diferenciando-se
das unidades anteriores, é de posse e domínio público e as áreas particulares
que se encontram em seus limites devem ser desapropriadas. É permitida a
visitação pública, condicionada às normas estabelecidas para o manejo da
unidade pelo órgão responsável pela sua administração e a pesquisa é
permitida com prévia autorização do órgão responsável administrativamente. A
Floresta disporá de um Conselho Consultivo, presidido pelo órgão responsável
pela sua administração e constituído por representantes de órgãos públicos, de
organizações da sociedade civil e das populações tradicionais residentes,
quando for o caso. Segundo o IBAMA, existem 74 Florestas Nacionais
Federais.
A Reserva Extrativista que está no artigo 18º é uma área utilizada por
populações extrativistas tradicionais, cuja subsistência baseia-se no
extrativismo e, complementarmente, na agricultura de subsistência e na criação
de animais de pequeno porte. Tem como objetivos proteger os meios de vida e
a cultura dessas populações, e assegurar o uso sustentável dos recursos
953

naturais da unidade. Essas unidades são de domínio público, com uso


concedido às populações extrativistas tradicionais conforme o disposto no
artigo 23 da Lei 9.985/00 e em regulamentação específica, sendo que as áreas
particulares incluídas em seus limites devem ser desapropriadas. A visitação
pública é permitida, desde que compatível com os interesses locais e de
acordo com o disposto no plano de manejo da área e a pesquisa científica
depende de autorização do órgão administrativo. Deve possuir um Conselho
Deliberativo, presidido pelo órgão responsável pela sua administração e
constituído por representantes de órgãos públicos, de organizações da
sociedade civil e das populações tradicionais residentes na área. Existem 50
Reservas Extrativistas Federais, de acordo com o IBAMA.
A Reserva de Fauna encontrada no artigo 19º é uma área natural com
populações animais de espécies nativas, terrestres ou aquáticas, residentes ou
migratórias, adequadas para estudos técnico-científicos sobre o manejo
econômico sustentável de recursos faunísticos. A Reserva de Fauna, assim
como a Floresta Nacional, é de posse e domínio público, devendo ser
desapropriadas áreas particulares que se encontrem em seus limites. Nessas
áreas é permitida a visitação pública, desde que compatível com o manejo da
unidade e de acordo com as normas estabelecidas pelo órgão responsável
pela sua administração.
A Reserva de Desenvolvimento Sustentável que se encontra no artigo
20º é uma área natural que abriga populações tradicionais, cuja existência
baseia-se em sistemas sustentáveis de exploração dos recursos naturais,
desenvolvidos ao longo de gerações e adaptados às condições ecológicas
locais, que desempenham um papel fundamental na proteção da natureza e na
manutenção da diversidade biológica. Essas unidades objetivam preservar a
natureza e, ao mesmo tempo, assegurar as condições e os meios necessários
para a reprodução e a melhoria dos modos e da qualidade de vida e
exploração dos recursos naturais das populações tradicionais, bem como
valorizar, conservar e aperfeiçoar o conhecimento e as técnicas de manejo do
ambiente, desenvolvido por estas populações. Trata-se de área de domínio
público e as áreas particulares que se encontrem em seus limites, devem,
954

quando necessário, ser desapropriadas. A posse e o uso das Reservas de


Desenvolvimento Sustentável são regulados por contrato de concessão de
direito real de uso, conforme o artigo 23 da Lei e são permitidas a visitação
pública e a pesquisa científica. Nos dados do IBAMA, se encontra 01 Reserva
de Desenvolvimento Sustentável Federal.
Ainda, existem outros espaços territoriais protegidos que não estão
contemplados na Lei do SNUC, como as Áreas de Preservação Permanente e
as Reservas Florestais Legais do Código Florestal (Lei n.º 4.771/65) ou as
Áreas de Proteção Especial disciplinadas pela Lei de Parcelamento do Solo
Urbano (Lei n.º 6.766/79), que não se encontram previstas na Lei n.º 9.985/00.
O artigo 225 da Constituição Federal, por sua vez, traz outras áreas que devem
ser preservadas, como a Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a
Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira, que são
patrimônio nacional.
Cabe mencionar também que já existem alguns regramentos que tentam
relativizar a presença humana dentro de áreas protegidas, como a Resolução
CONAMA n.º 369 de 2006, que define os casos excepcionais, em que o órgão
ambiental competente pode autorizar a intervenção ou supressão de vegetação
em Área de Preservação Permanente para a implantação de obras, planos,
atividades ou projetos de utilidade pública ou de interesse social, ou para a
realização de ações consideradas eventuais e de baixo impacto ambiental. Do
mesmo modo, na área urbana temos o Estatuto da Cidade de 2001 trazendo,
entre outros, o direito à cidade, à segurança da posse e à moradia, buscando
compatibilizar o direito à moradia com o direito ao ambiente equilibrado,
trazendo o conceito de cidades sustentáveis.

3 COMUNIDADES TRADICIONAIS E ÁREAS PROTEGIDAS


A Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação data do ano de
2000, desse modo a maioria das unidades, quando instituídas, já eram
habitadas por uma população tradicional. Entretanto, conforme já visto, a
presença humana é incompatível com algumas dessas categorias de unidades
de conservação, chegando a causar o conflito de direitos fundamentais.
955

Nesses casos, o que costuma ocorrer são ações de despejo, com


milhões de famílias desabitadas, ou áreas com moradias precárias, sem plano
de manejo ou regularização fundiária. E ainda, no caso de realocação em outra
área por parte do Poder Público, essas populações costumam perder suas
culturas e formas de subsistência, que necessitavam das características do
local antes habitado.
Tratam-se de discriminações sociais engendradas por políticas de
conservação, que desconsideram o papel das populações tradicionais na
manutenção de seus habitats naturais. Simplesmente promovem a sua
expulsão para criar unidades de conservação, prática que se baseia em um
total desrespeito e na ausência de reconhecimento de quaisquer direitos
dessas populações sobre as áreas que tradicionalmente ocupavam e
manejavam, considerando-as como um entrave e uma ameaça à
10
conservação.
Todavia, estamos considerando neste trabalho que essas comunidades
tradicionais, ao contrário do que muitos pensam, não destroem o meio
ambiente, elas possuem conhecimentos e práticas de manejo para o convívio
sustentável com a natureza.
Conforme Joan Martínez Alier, estamos a defender um ecologismo dos
pobres, definido assim pelo autor “Os movimentos sociais dos pobres são lutas
pela sobrevivência, sendo, portanto, movimentos ecológicos [...] porquanto
seus objetivos são as necessidades ecológicas para a vida: energia (as
calorias da comida para cozinhar e aquecer), água e ar limpos, espaço para
abrigar-se”. 11 O autor ainda refere que a “história está repleta de movimentos
ecológicos dos pobres, ou seja, de conflitos sociais com conteúdo ecológico
cujos atores tinham uma percepção ecológica”. 12
As comunidades pobres possuem as técnicas de manejo para proteger o
meio ambiente e usufruir dele, entretanto o que lhes faltam são os recursos

10
SANTILLI, Juliana. Socioambientalismo e Novos Direitos: Proteção jurídica à diversidade biológica e
cultural. São Paulo: Peirópolis, 2005. p . 155.
11
ALIER, Joan Martínez. Da Economia Ecológica ao Ecologismo Popular. Blumenau: Editora da FURB,
1998. p. 37.
12
ALIER, Joan Martínez. Da Economia Ecológica ao Ecologismo Popular. Blumenau: Editora da FURB,
1998. p. 31.
956

financeiros para fazê-lo; é nesse ponto que entra a necessidade do poder


público, da regularização fundiária e da participação da comunidade com a
busca de formas alternativas de incentivo financeiro para as práticas
sustentáveis. É um dever comum, entre todos os agentes do povo.

“Apesar dos camponeses poderem ter uma percepção a longo


prazo das melhorias na terra, estas não podem ser
empreendidas sem a coordenação das famílias de
camponeses. As instituições comunais podem ajudar, porém
mesmo assim, para financiar o trabalho, fazem falta fundos
públicos, o que acrescenta uma preocupação com os custos,
que normalmente se manifesta na avaliação dos projetos de
melhoria na terra em termos de análise de custo-benefício”. 13

Conforme menciona o autor Carlos Frederico Marés de Souza Filho, é


necessário construir um direito que possibilite à civilização ocidental garantir a
vida, o mais próximo possível das formas culturais dessas populações, para
que elas, vivendo suas formas culturais, possam sobreviver mantendo o que
consideramos necessário preservar. 14
O que se deve buscar é uma tutela ambiental que se paute na proteção
dos ecossistemas e das populações tradicionais, suas culturas, gêneros de
vida, elementos importantes de defesa da dignidade da pessoa humana, a
partir do fato de que essas comunidades tradicionais têm garantido a
diversidade biológica, estabelecendo formas de apropriação comum dos
recursos naturais e respeito à manutenção do equilíbrio ecológico. Inclusive, o
papel desempenhado pelas populações tradicionais pode ser considerado
essencial para o êxito das áreas naturais protegidas, possibilitando que, desde
a elaboração do plano de manejo, essas comunidades possam participar da
gestão das áreas, o que é importante para a conservação da biodiversidade. 15
Desse modo, a partir da inserção das comunidades tradicionais,
valorização de seus conhecimentos e participação ativa de todos na efetivação
desses direitos fundamentais, acreditamos na possibilidade de compatibilizá-
13
ALIER, Joan Martínez. Da Economia Ecológica ao Ecologismo Popular. Blumenau: Editora da FURB,
1998. p. 120-121.
14
SOCIOAMBIENTAL, Instituto. Aspectos Jurídicos da Proteção da Mata Atlântica. André Lima (org.).
São Paulo: Editor da Série Beto Ricardo, 2001.
15
ROCHA, Julio Cesar de Sá. Unidades de Conservação e Populações Tradicionais: por uma ecologia
humana. CONFERÊNCIA NACIONAL DOS ADVOGADOS: Cidadania, Ética e Estado, XVIII, 2003,
Brasília. Anais. Brasília: OAB, Conselho Federal, 2003. 1 v. p. 279.
957

los, de modo a que um não impeça a existência do outro, a partir de uma visão
do meio ambiente, englobando o homem e suas culturas.
Conforme ressalta a autora Juliana Santilli, esses novos direitos
socioambientais impõem a superação de conceitos velhos, como o direito de
propriedade, absoluto e ilimitado, impõem a superação do paradigma
individualista e economicista, rompendo com as dogmáticas jurídicas
tradicionais, contaminadas pelo apego ao excessivo formalismo, pela falsa
neutralidade política e científica e pela excessiva ênfase nos direitos
individuais, de conteúdo patrimonial e contratualista, de inspiração liberal.
Assim, esses novos direitos conquistados têm natureza emancipatória,
pluralista, coletiva e indivisível. 16
Para que essas idéias socioambientalistas, nas quais o homem faz parte
do meio ambiente e com ele convive sem o destruir, é necessária uma
mudança de paradigma. Mudança nos valores da sociedade, no modo de
pensar e se organizar socialmente, de modo que se comece a pensar no
coletivo e não só no individual, a valorar os direitos difusos e sociais, além dos
patrimoniais. Está claro que o sistema anterior não funciona, a natureza está
sendo destruída e a exclusão social chegou a um nível de miséria que não se
pode mais ignorar; mostra-se urgente a mudança no paradigma, para dar
eficácia a esses novos direitos.

4 CONCLUSÕES
A partir dos estudos feitos, retiram-se as seguintes conclusões:

4.1 Na possibilidade de haver sobreposição de presença humana e


proteção ambiental em uma área, ou seja, nas quais é permitido o uso direto
dos recursos naturais com regras restritas, o Estado deverá promover o plano
de manejo, realizando a regularização fundiária com a participação
comunitária.
4.2 Nos casos em que a presença humana não é permitida, ou seja, nas
quais não é permitido o uso direto dos recursos naturais, o Estado deverá
16
SANTILLI, Juliana. Socioambientalismo e Novos Direitos: Proteção jurídica à diversidade biológica e
cultural. São Paulo: Peirópolis, 2005. p. 248.
958

promover a realocação dos moradores com a devida inserção da comunidade,


mediante o fornecimento de moradias dignas e condições de trabalho no novo
local de habitação.
4.3 Para que não haja conflitos dessa natureza, as políticas públicas
ambientais devem incluir os conhecimentos e práticas de manejo das
comunidades locais, a partir da valorização da diversidade e da participação
social, mostrando-se relevante a necessidade de uma mudança de paradigma,
com novos valores e visão solidária do direito e das relações.
959

A GESTAO DE ÁGUAS TRANFRONTEIRIÇAS E A POSSIBILIDADE DE


DANO AMBIENTAL

PATRÍCIA GRAZZIOTIN NOSCHANG 1

1 INTRODUÇÃO
O dano ao meio ambiente está cada vez mais freqüente em nossa
sociedade global, que pode ocorrer tanto em âmbito nacional quanto
internacional. O dano transfronteiriço é aquele em que há o envolvimento de
dois Estados ou mais, sendo um Estado causador do dano e o outro ou demais
Estados os atingidos pela conduta negligente ou dolosa do primeiro.
O objetivo desse trabalho é abordar dois aspectos do dano ambiental
transfronteira, o primeiro quanto à possibilidade de dano ambiental na fronteira
de dois Estados delimitada com águas fluviais, e o segundo quando o dano
pode ocorrer em águas subterrâneas transfronteiriças. Desta forma,
utilizaremos dois exemplos para ilustrar essas hipóteses, na primeira “o caso
das papeleras” onde já existe discussão sobre a gestão dos recursos hídricos,
levantando a possibilidade de um dano acontecer e, para segunda hipótese, o
aqüífero guarani, procurando abordar a legislação para esse caso e algumas
considerações atuais sobre o aqüífero.

2 GESTÃO CONJUNTA DE RECURSOS HÍDRICOS


É comum aos Estados que possuem rios como forma de delimitar suas
fronteiras firmem tratados objetivando a gestão conjunta dessas águas
limítrofes. Nesses tratados é praticamente de praxe constar alguns princípios a
serem respeitados tais como: o principio da notificação, da prevenção, da
precaução e da cooperação. Desta forma, o que se busca com esses acordos
é garantir o desenvolvimento sustentável e a cooperação na administração das

1
Mestranda em Direito- UFSC, Especialista em Comércio Exterior e Negócios Internacionais - FGV e
Direito Internacional Público, Privado e da Integração - UFRGS. Professora e pesquisadora da
Universidade de Passo Fundo- UPF. E-mail: pgnoschang@hotmail.com.
960

águas transfronteiriças. Os Estados normalmente elegem uma comissão mista,


composta por representantes de todos os envolvidos, para administração do
curso fluvial.
Além dos princípios contidos nesses acordos existem deveres que os
Estados se dispõem a cumprir. Um dos deveres de maior importância é o da
informação, também conhecido como prior notification, ou seja, qualquer
atitude que um Estado irá tomar em relação ao uso das águas ou obra
ribeirinha deve ser notificada previamente.
Segundo Guido Soares,

Os deveres de os Estados informarem-se mutuamente têm


uma importância particular no caso de águas doces
compartidas, ou seja, os rios transfronteiriços, o lagos
internacional e os lençóis freáticos comuns a vários Estados.
[...] parece ter sido na regulamentação dos denominados rios
internacionais, como Reno e o Danúbio, que algumas das
primeiras normas sobre a qualidade e níveis da água,
associados a deveres de notificações sobre obras de
engenharia, encetadas no território de cada Estado, que
pudessem causar danos ao regime do rio, em particular, no
que respeita a sua navegabilidade. 2

O caso das papeleras, acima mencionado, trata-se de uma reivindicação


argentina, na Corte Internacional de Justiça (CIJ) 3, contra o Uruguai pela
violação do Estatuto do Rio Uruguai. Tal documento estabelece a gestão
conjunta dos dois Estados na administração do Rio Uruguai e, ainda, criou a
Comissão para Administração do Rio Uruguai (CARU), órgão responsável por
essa missão. A Argentina alega que os uruguaios violaram o tratado de
administração do rio quando não informaram que pretendiam estabelecer duas
fábricas de celulose nas margens do rio. Os argentinos também requereram à
CIJ medidas provisórias para barrar a construção das empresas devido ao
provável, futuro dano ambiental que as fábricas poderiam causar, e invocando

2
SOARES, Guido Fernando Silva. Direito Internacional do Meio Ambiente: emergência, obrigações e
responsabilidades. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2003. p.575
3
A demanda foi protocolada na CIJ em 04 de maio de 2006. O Estatuto do Rio Uruguai prevê a jurisdição
obrigatória da CIJ no art. 60.
961

também o princípio da precaução. O pedido foi indeferido pela Corte, no


entanto, a demanda ainda não teve julgamento. 4
Nesse sentido Francesco Francioni menciona que para garantir um
sistema de proteção e cooperação com a finalidade de prevenir ou ”[...]
minimizar dano ao meio ambiente, o primeiro passo é certamente aquele que o
Estado agente notifica sobre a natureza do perigo envolvido no projeto ou
atividade empreendida.”. 5 O autor Também ressalta que os países
desenvolvidos ao exportarem tecnologias aos países em desenvolvimento
devem informar o perigo de dano ao meio ambiente que esses produtos podem
causar, tendo em vista a disparidade de tecnologias e conhecimento desses
dois mundos. 6
No caso das papeleras o Uruguai alega ter cumprido com o dever de
notificação e comprovou que nenhum dano seria causado ao meio ambiente
com documentos de avaliação realizados por uma empresa de consultoria
canadense. O governo uruguaio, também, garantiu que a tecnologia utilizada
estava de acordo com os padrões e normas internacionais em matéria
ambiental.
Nota-se que além do dever de informação na gestão conjunta, o mais
importante ainda é a cooperação entre os Estados. Sem a cooperação entre os
Estados não há diálogo e de nada adianta notificar, pois a comunicação cairá
no vazio. Urge que os Estados caminhem na direção comum para garantir o
desenvolvimento saudável prevenindo de todas as formas os danos possíveis
e/ou prováveis ao meio ambiente.
Desenvolvimento sustentável”é condição sine quan non para a vida
humana no planeta. Essa e a razão para outras conciliações legais deveriam
estar a altura do principio. Sustanbabilidade deveria salvaguardar não
simplesmente interesses individuais do Estado mas reter os atos no mais alto

4
CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA. Pulp Mills on the River Uruguay (Argentina v.
Uruguay). Disponível em: < http://www.icj-cij.org >. Acesso em: 19 de mai. 2009
5
FRANCIONI, Francesco. International co-operation for de Protection of the Environment: The
Procedural Dimension. Environmental protection and international law. I. Title. II London: Graham &
Trotman/Martin Nijhoff, 1991. p. 205
6
FRANCIONI, Francesco. International co-operation for de Protection of the Environment: The
Procedural Dimension. Environmental protection and international law. p.220
962

interesse de toda a comunidade internacional na preservação ecologia para a


civilização humana. 7
Ocorre que os interesses econômicos normalmente sobrepõem-se a
todos os outros. Princípios não faltam para garantir a proteção ao meio
ambiente, principalmente porque eles aparecem tanto nos documentos
(tratados, convenções, protocolos) internacionais de direito ambiental quanto
no comércio internacional, basta aplicá-los.

3 GESTÃO DE ÁGUAS SUBTERRÂNEAS TRANSFRONTEIRIÇAS


Conhecidos também pela denominação de aqüíferos, a utilização e/ou
gestão das águas subterrâneas transfronteiriças está prevista em tratados
multilaterais firmados principalmente no âmbito das Nações Unidas (ONU).
Ressalta-se que os princípios acima mencionados aplicam-se na preservação
do direito ambiental em geral, garantindo da mesma forma a proteção contra
dano ambiental também nas águas subterrâneas.
Os aqüíferos são águas subterrâneas que possuem áreas de recarga e
descarga. A preservação dessas águas é deveras complicada, pois a
contaminação poderá ocorrer tanto com perfurações no solo sem autorização e
devidas precauções, como nas áreas de recarga. A contaminação nas áreas de
recarga é comum pelos agrotóxicos e outros produtos tóxicos utilizados no solo
que poderão atingir as águas subterrâneas.
A probabilidade de dano ambiental aumenta quando o aqüífero é
transfronteiriço, pois dependerá, como no caso acima mencionado, da gestão
conjunta dos Estados envolvidos e novamente do – princípio da cooperação.
O Aqüífero Guarani é um exemplo do caso acima mencionado, pois está
presente em quatro Estados: Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai,
coincidentemente os Estados-membros que formam o Mercosul. A maior parte
das águas do aqüífero está em território brasileiro, ou seja, 70% do total.
Embora o aqüífero seja transfronteiriço não há, até o presente momento,
nenhum tratado de gestão conjunta entre os Estados, nem mesmo no âmbito

7
HANDL, Güther. Environmental Security and Global Change: The Challenge to Internacional Law.
Environmental protection and international law. I. Title. II London: Graham & Trotman/Martin
Nijhoff, 1991. p. 80
963

do Mercosul. Desta forma, a gestão dessas águas é realizada por cada país,
tornando ainda mais provável a possibilidade de contaminação e o dano
ambiental.
No Brasil as águas subterrâneas pertencem, segundo a Constituição
Federal, à União que não fiscaliza com afinco sua utilização, até porque a
Carta Magna não prevê expressamente, as águas subterrâneas. A organização
político-administrativa é exercida nas esferas nacional, estadual e municipal,
cada uma com sua autonomia e independência. Em 1997 foi promulgada a Lei
da Política Nacional de Recursos Hídricos, demonstrando a preocupação com
as próximas gerações.
No Brasil a quantidade de poços artesianos perfurados no interior das
propriedades é imensa e a maioria o faz sem o devido cuidado, para não haver
futuro dano ambiental. Mas isso também depende de uma consciência do
individuo em preocupar-se com o meio ambiente, sendo raros os casos em que
isso ocorre.
Estudos demonstram que o Aqüífero Guarani não se encontra
contaminado. Ainda, eis que se estima que 15 milhões de pessoas vivam em
cima do Aqüífero Guarani, expondo-o ao risco de contaminação através do uso
de pesticidas e da construção de poços artesianos. Dada a baixíssima
velocidade de fluxo das águas do aqüífero, acredita-se que uma eventual
poluição transfronteiriça leve anos ou até mesmo décadas para se concretizar.
De qualquer forma, deve-se ter em mente que a despoluição de um aqüífero é
um processo extremamente complicado. 8
A preocupação da sociedade internacional em regulamentar o uso das
águas subterrâneas é recente, visto que o conhecimento sobre elas era pouco
explorado e disso decorria também a falta de informação se eram fronteiriças
ou não. A iniciativa em regulamentar da Comissão de Direito Internacional da
ONU – (CDI), durou mais de duas décadas e “[...] consiste no único tratado
internacional (embora ainda não em vigor) aplicável a águas subterrâneas. [...]

8
BENJAMIN, Antonio Herman; MARQUES, Claudia Lima; TINKER, Catherine. Symposium of
Waterbanks, Piggybanks, and Bankruptcy: Changing Directions in Water Law: VII. Transformative
Politics, Alternative Policy Regimes: The Water Giant Awakes: An Overview of Water Law in
Brazil. Texas Law Review, June, 2005, p. 2.185-2.244.
964

O texto da convenção sugere que às águas superficiais e às águas


subterrâneas se aplicam as mesmas regras.” 9 Devido a não entrada em vigor
ainda da Convenção da ONU sobre Cursos de Água de 1997, a sua aplicação
fica apenas com o caráter de soft law 10, como a maioria dos tratados sobre
direito ambiental, consideradas normas costumeiras.
Na opinião de Salem Nasser o soft law faz parte da transformação da
nova ordem internacional do direito o qual está ganhando espaço surgindo
cada vez mais instrumentos de soft law. O autor ainda questiona se esses
instrumentos “constituem novos modos de criar direito diferente, ou dão
criadores de regulação não-jurídica que virá ocupar espaços exclusivos do
direito?” 11.
Urge que os países responsáveis pelo Aqüífero Guarani estabeleçam,
através da cooperação internacional, normas de administração conjunta dessas
águas subterrâneas. Essas normas somente poderão advir por um tratado, o
qual deverá observar e respeitar todos os princípios de direito ambiental
previstos na Declaração do Rio – 92 e nos demais documentos no plano
ambiental. Um tratado unificaria as legislações de todos os países e inclusive
surtiria efeito na legislação interna brasileira unificando-a da mesma forma.
Conforme Antonio H. Benjamin, a gestão conjunta dos Estados nos
recursos naturais transfronteiriços, observando o desenvolvimento sustentável,
é de vital importância para toda América Latina, pois o que se refere ao meio
ambiente não deve ser encarado como “questão interna” de cada Estado. “A
partir do reconhecimento de que a proteção ao meio ambiente interessa a
todas as nações indistintamente é possível se imaginar – os tratados e

9
BENJAMIN, Antonio Herman; MARQUES, Claudia Lima; TINKER, Catherine. Symposium of
Waterbanks, Piggybanks, and Bankruptcy: Changing Directions in Water Law: VII. Transformative
Politics, Alternative Policy Regimes: The Water Giant Awakes: An Overview of Water Law in
Brazil. Texas Law Review, June, 2005, p. 2.185-2.244.
10
Segundo grande parte da doutrina, não há uma definição determinada para o que seja o soft law. Os
autores traduzem como direito “fluído”, ligado aos compromissos políticos internacionais firmados entre
os Estados, podendo ser reconhecido até mesmo na forma de gentlemen’s agreements. A efetividade
desses compromissos, por vezes, não tem um caráter impositivo nem aplicação direta ou exigibilidade de
cumprimento pelas partes
11
NASSER, Salem Hikmat. Soft Law e a transformação do Direito Internacional. Estudos de direito
internacional: anais do 2o. Congresso Brasileiro de Direito Internacional. Wagner Menezes (Org).
Curitiba: Juruá, 2004. p.253-258.
965

convenções internacionais assim demonstram – uma ‘ordem ambiental


internacional’ crescente e poderosa” 12.
Como direito comparado os Estados poderiam utilizar as diretivas já em
vigor da União Européia e a Proposta de Diretiva sobre a proteção das águas
subterrâneas da contaminação. Ressalta-se que a UE já possui desde o ano
2000 a águas subterrâneas.

[...] la preocupación comunitária por las águas subterrâneas no


ES nueva. Desde La década de los 80 se legisla y se
estabelecen medidas para su protección. Mucho se há
avanzado, gracias sobre todo a esse “nuevo paradigma del
água” que surge com la Directiva 2000/60/CE. Pero em puridad
queda mucho pó hacer. 13

Sem regulação o aqüífero está exposto a todos os tipos de danos


possíveis e imagináveis, ou seja, solto ao mar com um barco a deriva. Há um
tesouro em baixo da terra que precisa ser tratado com muito cuidado e
atenção, pois nele provavelmente está o futuro da humanidade que não
sobreviverá sem água potável.

4 CONCLUSÕES ARTICULADAS
A gestão conjunta dos Estados para evitar a possibilidade de dano
ambiental é notável tanto em águas que estão na superfície quanto nas
subterrâneas. No entanto, são necessários dois requisitos para que isso ocorra,
a cooperação entre os Estados envolvidos, esquecer o lado econômico e
pensar em desenvolvimento sustentável para as próximas gerações e, a
elaboração de normas que também dependerá da vontade dos Estados para
confeccioná-las e cumpri-las primando sempre por um meio ambiente saudável
para todos.

12
BENJAMIN, Antonio Herman. A Proteção do Meio Ambiente nos países menos desenvolvidos: O caso
da América Latina. Revista de Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais. v.1, n 0, out-dez
.1995. p.83-105.
13
BRAVO, Alvaro A. Sánchez. La protección legislativa de las aguas subterrâneas em la Unión Europea.
Seqüência, n°56. jun. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2008. p.115-116
966

REFERÊNCIAS

BENJAMIN, Antonio Herman. A Proteção do Meio Ambiente nos países menos


desenvolvidos: O caso da América Latina. Revista de Direito Ambiental. São
Paulo: Revista dos Tribunais. v.1, n 0, out-dez .1995. p.83-105.

BENJAMIN, Antonio Herman; MARQUES, Claudia Lima; TINKER, Catherine.


Symposium of Waterbanks, Piggybanks, and Bankruptcy: Changing Directions
in Water Law: VII. Transformative Politics, Alternative Policy Regimes: The
Water Giant Awakes: An Overview of Water Law in Brazil. Texas Law
Review, June, 2005, p. 2.185-2.244.

BRAVO, Alvaro A. Sánchez. La protección legislativa de las aguas


subterrâneas em la Unión Europea. Seqüência, n°56. jun. Florianópolis:
Fundação Boiteux, 2008. p.101-122.

CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA. Pulp Mills on the River Uruguay


(Argentina v. Uruguay). Disponível em: <http://www.icj-cij.org>. Acesso em:
19 mai. 2009.

FRANCIONI, Francesco. International co-operation for de Protection of the


Environment: The Procedural Dimension. Environmental protection and
international law. I. Title. II London: Graham & Trotman/Martin Nijhoff, 1991.

HANDL, Güther. Environmental Security and Global Change: The Challenge to


Internacional Law. Environmental protection and international law. I. Title. II
London: Graham & Trotman/Martin Nijhoff, 1991. p. 59 – 89.

NASSER, Salem Hikmat. Soft Law e a transformação do Direito Internacional.


Estudos de direito internacional: anais do 2o. Congresso Brasileiro de
Direito Internacional. Wagner Menezes (Org). Curitiba: Juruá, 2004. p.253-
258.

SOARES, Guido Fernando Silva. Direito Internacional do Meio Ambiente:


emergência, obrigações e responsabilidades. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2003.
967

NANOTECNOLOGIA E AMBIENTE: DO PASSADO AO PRESENTE –


os desafios para a sociedade contemporânea

RAQUEL FABIANA SPAREMBERGER 1


RAFAEL LUIZ FERRONATTO 2

1 INTRODUÇÃO
O presente artigo discute os aspectos que constituem e norteiam a
nanotecnologia e o mercado consumidor, demonstrando benefícios e impactos
sociais nas mais diversas áreas.
Destaca que a humanidade produz continuamente novos conhecimentos
científicos, com a intenção marcante de tentar melhorar seu bem-estar, mas
sempre com fulcro em conhecimento científico que seja economicamente
viável, principalmente na contemporaneidade.
Enfatiza algumas preocupações com as pessoas que serão diretamente
atingidas por esse “tsunami” tecnológico, pois a exemplo desse fenômeno
natural, o mercado encontra-se inundado de produtos que contenham
nanotecnolgia envolvidos, no entanto, a população encontra-se a margem
desse acontecimento. Dessa forma, indaga-se como amenizar tal efeito e
principalmente tornar pública a discussão, que ainda encontra-se no meio
acadêmico, em torno dos benefícios e precauções acerca dessa nova
tecnologia.

1
Pós-Doutora em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina, Doutora em Direito pela
Universidade Federal do Paraná, professora no Departamento de Estudos Jurídicos da Unijuí e no
Departamento de Direito Público do Centro de Ciências Jurídicas e Sociais da Universidade de Caxias do
Sul e nos programas de Mestrado em Desenvolvimento Gestão e Cidadania da Unijuí e no Mestrado em
Direito da Universidade de Caxias do Sul, professora pesquisadora no CNPq.
2
Graduado em Direito pela Universidade de Caxias do Sul (UCS) – Núcleo Universitário de Guaporé/RS,
Mestrando em Direito pela UCS, membro do Grupo de Pesquisa Direito, Meio Ambiente e
Desenvolvimento, certificado pela UCS e inserido no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq.
968

2 DEFINIÇÕES E IMPACTOS DA NANOTECNOLOGIA


A tarefa de analisar a nanotecnologia a partir do campo das ciências
sociais exige o estabelecimento de uma base de impulsão político-
epistemológica, “uma vez que a fecundidade teórica de progresso do espírito
científico depende da criação de novos métodos” 3
O prefixo nano deriva do vocabulário grego e significa “anão”. Na
concepção moderna, é um termo técnico usado em unidades de medidas
equivalente a um bilionésimo de unidade, por exemplo, um nanômetro equivale
a um bilionésimo de um metro.
Como ressalta o Grupo de Ação sobre Erosão, Tecnologia e
Concentração, 4 a nanotecnologia é um conjunto de técnicas usadas para
manipular a matéria na escala de átomos e moléculas, assim, o termo “nano”
se refere a uma medida, a uma escala e não a um objeto. Embora não se
esteja habituado com esta nova tecnologia, o mercado já se encontra inundado
de produtos aos quais tem se acrescentado nanopartículas.
Antes de adentrar na seara das novas tecnologias envolvendo a
nanotecnologia e a sua utilização nas mais diversas áreas do mercado, se faz
necessário uma análise dos potenciais impactos na economia mundial, uma
vez que as inovações nanotecnológicas, isoladas ou em conjunto com
inovações biotecnológicas e tecnologias de informação, requerem novos
princípios norteadores de seu desenvolvimento de modo a permitir de fato
evoluções positivas à humanidade.
O Grupo ETC 5 pesquisou três grandes grupos de impacto na economia
global:
O primeiro refere-se às mudanças quânticas, que estão diretamente
ligadas com as leis da física quântica, onde substâncias comuns podem exibir
novas propriedades, como resistência extraordinária, mudanças de cores,
aumento de reatividade química ou de condutividade elétrica – características
que essas mesmas substâncias não têm quando em escalas maiores. Novos
materiais com propriedades específicas significam o aumento exponencial de

3
ROCHA, PÊPE, 2007, p. 35.
4
2005, p.13
5
2005, p.16
969

possibilidades para o mercado. O segundo, se refere às mudanças


quantitativas, pois a nanotecnologia permite a fabricação de qualquer coisa a
partir da base, começando a partir de átomos que se combinam para formar
moléculas e todas as estruturas maiores, verifica-se assim que essa
possibilidade de construção de “baixo para cima” reduz drasticamente a
quantidade de matéria-prima necessária. O último grupo, diz respeito às
mudanças qualitativas e caracterizam à fusão da matéria animada com a
inanimada na escala nano, que juntamente com a montagem de baixo para
cima, significa novas plataformas para a indústria manufatureira, tornando
irrelevante a geografia, as matérias-primas, bem como o trabalho em si.
Pode-se afirmar que a nanotecnologia é o poder real de convergência de
diversas tecnologias, é o possibilitador chave, no que se refere à biotecnologia,
ciências cognitivas, robótica, nanomedicina, entre outras, pois o alicerce de
tudo o que existe esta amparado pela escala do “nano”.

3 NANOTECNOLOGIA: CAMPOS DE AÇÃO


Os possíveis benefícios da nanotecnologia são impossíveis de calcular.
Dessa forma, Lopes 6, afirma que práticas cujos temas e produtos são sempre
auto-referenciais, fazem com que as ciências sociais sintam-se ameaçadas por
realidades nas quais a complexidade que se avizinha não é mais apreendida
por meio dos esquemas mentais aos quais fomos nos conformando pela força
inercial do habitus acadêmico.
Assim, quando nos aproximamos do emergente campo da
nanotecnologia, não raro queremos enfrentar o desafio de produzir narrativas
significativas recorrendo aos velhos instrumentos. Desse modo, produzem-se
questões sobre efeitos, impactos e riscos, como se fosse possível mobilizando
o idioma social para tratar dessa nova tecnologia.

6
apud MARTINS, 2006, p. 148.
970

4 NANOTECNOLOGIA E A QUESTÃO MILITAR


Aduzindo a respeito da utilização da nanotecnologia na área militar,
Altmann 7 estabeleceu diretrizes a serem analisadas.
Inicialmente discorre sobre a diferença entre inovação militar e civil,
afirmando que os militares são fortes em alta tecnologia e por meio da alta
tecnologia, o que vem ocorrendo é que a passagem da tecnologia militar para a
civil esta diminuindo e assumindo o caminho oposto. O Departamento de
Defesa dos Estados Unidos é o segundo maior beneficiário do financiamento
do governo para a pesquisa em nanociência 8. Hoje em dia os militares estão
mais “dependentes” de tecnologias já desenvolvidas, se aplicado,
principalmente na área da computação. Esse efeito decorre do fato dos
militares exigirem requisitos extremos em seus desenvolvimentos: aviões que
tem que fazer curvas rápidas, que tem que sobreviver contra tiros, ter assento
ejetável para o piloto. Nada disso é necessário à aviação civil, daí o alto custo
do desenvolvimento tecnológico militar.
Posteriormente a análise refere-se a uma visão sobre pesquisa e
desenvolvimento na área da nanotecnologia, que vem se desenvolvendo
principalmente em faculdades americanas e pelo ISN (Institute for Soldier
Nanotechnologies), criado pelo exército americano no MIT (Massachusetts
Institute of Technology), em 2002.
Segundo o Grupo ETC 9, o exército americano vem trabalhando com
parceiros na indústria de defesa, realizando pesquisas atômicas principalmente
para melhorar a proteção e sobrevivência dos soldados em campo de batalha.
Visando além da saúde, melhorar o desempenho e a performance dos
soldados. Eles seriam nanoequipados, com habilidades, por exemplo, de pular
por cima de grandes obstáculos (sapatos equipados com “pacotes” de força
embutidos), de lutar com membros artificiais que serão mais fortes do que os
músculos humanos, usar uniformes que os tornarão “invisíveis” (Nanocamo:
uniformes tipo camaleão, feitos com nanomateriais para deixar os soldados na

7
apud MARTINS, 2006, p35-41
8
GRUPO ETC, 2004, p. 120.

9
2004, p. 120.
971

textura do ambiente). O desenvolvimento de uma armadura denominada


“exoesqueleto”, que não é somente a prova de balas, como também se
transforma num gesso rígido para tratar fraturas.
Pode-se citar ainda as “venezianas” em escala molecular, feitas para
proteger os olhos dos soldados da cegueira por laser; sensores miniaturizados
para detecção de armas químicas, biológicas ou explosivas em campo de
batalha.
No que se refere aos nanosensores 10, o governo americano tem um
projeto denominado “SensorNet”, que tem por objetivo lançar uma rede de
sensores através de todos os EUA, que funcionará como um sistema rápido de
alertas ante ameaças químicas, biológicas, radiológicas, nucleares e
explosivas. A SensoNet integrará sensores nano, micro e convencionais em
uma única rede, que dará feedback dos dados a uma rede existente de 30 mil
antenas de telefones celulares, formando a estrutura de uma rede nacional de
inteligência de vigilância sem precedentes. De acordo com a Oak Ridge
National Laboratory a rede já esta em fase de teste de campo, sob a
supervisão dos laboratórios de defesa americanos, tais como Los Alamos e
Sandia.
Altmann 11, assevera que se deve dizer que a eficiência desses
mecanismos militares ainda não esta clara, pois talvez sejam frágeis demais,
talvez não dêem respostas esperadas, mas pelo menos a pesquisa já esta
avançada e em fases de testes em muitas áreas. E continua, aduzindo que
existem também problemas com implantes e manipulação de corpos, pois o
uso militar pode criar um precedente para que implantes sejam feitos. Dessa
forma é necessário que a sociedade venha, a saber, e debater o que permitir
ou não permitir, podendo acontecer o mesmo com pequenos satélites ou
pequenos lançadores de foguetes por exemplo, tudo isso podendo gerar uma
grande desestabilidade global.

10
GRUPO ETC, 2005, p. 79.
11
Apud MARTINS, 2006, p. 37.
972

5 NANOTECNOLOGIA E A MEDICINA
Como anteriormente foi citado, são impossíveis de calcular os benefícios
da nanotecnologia, principalmente na “nanomedicina”. Reportando algumas
referências na área da saúde, pode-se aduzir o aumento da qualidade de vida
e sua duração, através de nanosensores incorporados ao próprio organismo, e
viajando pelo organismo como se fossem vírus pelo sangue, poderão detectar
doenças antes que se expandam e combatê-las eficazmente. As drogas
deixariam de ser genéricas para assumirem fins específicos contra
enfermidades, de acordo com a composição genética individual, o sexo, a
idade, entre outras características. Com sensores artificiais a pessoa passará a
ter características biônicas, melhorando suas capacidades biológicas e
desenvolvendo outras.
As expectativas são, segundo o Grupo ETC 12, de poder desenhar
partículas e dispositivos em nanoescala, que interagem com materiais
biológicos de forma direta, eficiente e preciso. Com a vantagem de ter o seu
tamanho diminuto, com acesso a qualquer parte do organismo vivo, e no ser
humano inclusive, em áreas como células do cérebro, ou qualquer outra célula
em particular, que a tecnologia atual não tem acesso.
Ainda de acordo com o Grupo ETC 13, a nanotecnologia permite que a
indústria da saúde manipule as propriedades do envoltório exterior de uma
cápsula, a fim de controlar o momento exato da liberação de substâncias
ativas. Essas formas de liberação controlada são altamente valorizadas na
medicina, pois proporcionam que os fármacos sejam absorvidos mais
lentamente, em locais específicos do corpo. Exemplos de nano e
microcápsulas:
Liberação lenta, a cápsula libera sua carga lentamente por um período
mais prolongado (por exemplo, para a liberação lenta de uma substância no
corpo).
Liberação específica, o envoltório é projetado para se abrir quando um
receptor molecular liga-se a um químico específico (por exemplo, ao encontrar
um tumor ou proteína no corpo).
12
2006, p.15.
13
2006, p. 15.
973

Liberação por calor, o envoltório somente libera os ingredientes


quando o ambiente se aquece acima de uma determinada temperatura.
Liberação por PH (Potencial de Hidrogênio), a nanocápsula rompe-se
somente em ambiente ácido ou alcalino específico (por exemplo, no estômago
ou dentro de uma célula).
Nanocápsula de DNA, a cápsula contrabandeia uma seqüência curta de
DNA estranho para dentro de uma célula viva que, uma vez liberada, seqüestra
mecanismos da célula para expressar uma proteína específica (usado em
vacinas de DNA). Como resultado, elas devem ser cuidadosamente
monitoradas como uma potencial tecnologia de guerra biológica.
Além de cápsulas, outros nanomateriais utilizados para a liberação de
fármacos incluem 14: Nanomateriais baseados em sílica, “BioSilicon”, altamente
poderosos, que podem liberar lentamente um medicamento durante um
período de tempo. Desenvolvido pela companhia australiana pSivida, que usa
sua tecnologia conhecida como BioSilicon para moldar minúsculas cápsulas
(para serem ingeridas) e também diminutas agulhas que podem ser
construídas como um esparadrapo para, de forma invisível, perfurar a pele e
liberar fármacos. Os “fulerenos”, denominados buckyballs, que correspondem a
gaiolas ocas de sessenta átomos de carbono, com menos de dois nanômetros
de largura, que por serem ocas, as companhias farmacêuticas estão utilizando-
os como “veículos” para transporte de fármacos. As moléculas ramificadas,
chamadas “Dendrímeros”, que possuem estruturas em forma de árvore, estão
se tornando umas das mais populares ferramentas na nanotecnologia. Devido
a sua forma e tamanho nanoscópico, os dedrímeros têm três vantagens na
liberação de fármacos: primeiro, podem reter moléculas de fármacos em sua
estrutura e servir de veículo de liberação; segundo, podem penetrar nas células
com mais facilidade e liberar fármacos nos alvos; terceiro, o sistema
imunológico não os reconhece, dado o seu tamanho, o que traz a enorme
vantagem de não serem atacados pelo sistema de defesa de organismos vivos.

14
GRUPO ETC, 2005, p. 109-110.
974

Outras variedades de nanoestruturas segundo Poletto, Pohlmann e


Guterres 15 : nanopartículas poliméricas, desenvolvidas na década de 1990,
podem ser divididas em nanoesferas, compostas por uma rede de polímeros, e
nanocápsulas, que nada mais são do que gotículas de óleo envoltas por um
filme fino de polímero; nanoemulsão, equivalente a nanocápsula sem a parede
polimérica ao seu redor, podendo apresentar moléculas em sua superfície que
alteram suas características físico-químicas e biológicas.
Recentemente foi anunciado por uma equipe de cientistas da
Universidade de São Paulo, a pomada inteligente, um remédio feito com a
ajuda de nanomateriais e luz vermelha, que esta se mostrando eficaz para
eliminar 95% de células tumorais da pele. Nesse caso a nanotecnologia utiliza
moléculas fotossensíveis, conduzidas por veículos em nanoescala. Sendo que
o fármaco é liberado de forma progressiva e seletiva, poupando os tecidos
sadios 16.
Outro caso de grande repercussão 17, é o exemplo de implante artificial
de neurônios aprovado pelos Estados Unidos, através da FDA (Food and Drug
Administration), para uso clínico em pessoas portadoras do Mal de Parkinson.
O dispositivo permite descarregar programas atualizados diretamente de um
computador para o implante no corpo. Por enquanto esse dispositivo se
reserva a quem sofre dessa enfermidade, no entanto, será inevitável seu
prolongamento para melhoramento de performance em soldados e atletas, por
exemplo.
Outra área em que dispositivos nano-estruturados vem de destacando é
no tratamento de câncer, de acordo com Durán, Mattoso e Morais 18, uma vez
que a alteração na estrutura química de fármacos tem levado a excelentes
resultados quanto à seletividade e atividade biológica de tais moléculas frente
aos sistemas biológicos pré-determinados. Porém, com o desenvolvimento nos
últimos anos de fármacos altamente sofisticados e sítios específicos, sua

15
2008, p. 30.
16
VIDA e SAÚDE, 2009.
17
GRUPO ETC, 2006, p. 21-22.
18
2006, p. 183/190.
975

administração e biodistribuição nos tecidos tornam indispensáveis o uso de


sistemas de liberação especiais.
Atualmente os lipossomas vem sendo utilizados como veículos de
transporte de fármacos - cuja raiz grega significa corpos de gordura, sendo
estruturas constituídas principalmente de moléculas de fosfolipídios,
organizados em bicamadas, tendo um espaço central aquoso, que permite a
permeação dos pontos encapsulados – no entanto, por serem um sistema
instável em organismos vivos, além de terem uma eliminação muito rápida, a
comunidade científica tem trabalhado muito no desenvolvimento de
formulações nanoestruturada, dentro da nanobiotecnologia.
O desenvolvimento de sistemas miniaturizados de liberação de drogas
tem demonstrado que tais formulações apresentam estabilidade adequada,
aumento de absorção e sitio-especificidade pelos tecidos alvos, liberação
controlada, transferência quantitativa e atividade farmacodinâmica dentro do
esperado.
Uma das grandes vantagens na utilização de nanopartículas
biodegradáveis sobre outros sistemas de liberação clássicos reside no fato de
que estes sistemas não precisam ser removidos quando o fármaco é
completamente liberado, uma vez que eles são reabsorvidos pelo organismo
na forma de produtos atóxicos. Além de que as formulações nanoparticuladas
têm ampla aplicabilidade, sendo utilizadas sempre com baixos índices de
efeitos colaterais.

6 APLICAÇÕES DA NANOTECNOLOGIA NA AGRICULTURA


De acordo com o Grupo ETC 19, a nanotecnologia está convergindo
rapidamente com a biotecnologia e tecnologia de informação para alterar
radicalmente os sistemas de alimentação e agricultura, sendo que os impactos
da convergência da escala nanométrica sobre os agricultores e alimentos serão
maiores que os da mecanização agrícola ou Revolução Verde.
Antes de ingressar na discussão acerca do que a nanotecnologia vem
“transformando” no campo, é necessário esclarecer o que seriam as

19
2005, p. 39.
976

tecnologias convergentes que acompanham essa “onda” tecnológica que


estamos vivenciando. O Grupo ETC 20 refere-se a essas tecnologias
convergentes como “BANG”, um acrônimo derivado de bits (unidade
operacional na informática), átomos (manipulados pela nanotecnologia),
neurônios (ciência cognitiva) e genes (explorada pela biotecnologia), uma vez
que elas correspondem às unidades básicas das tecnologias transformativas.
Sendo que o Grupo ETC vem alertando que o BANG afetará profundamente as
economias, o comércio e os modos de vidas das nações, inclusive a produção
agrícola e de alimentos, além de que permitirá que a segurança e a saúde
humanas estejam asseguradas nas mãos de grandes corporações que
detenham as técnicas dessas novas tecnologias convergentes.
Grande parte das atividades desenvolvidas pelo homem ao longo de sua
história teve ou tem como finalidade a melhoria do seu bem estar, segundo
Durán, Mattoso e Morais 21. Conseqüentemente não é difícil prever que a
nanotecnologia contribuirá diretamente para avanços novos e significativos no
campo da agricultura.
Alguns setores já estão sendo afetados direta ou indiretamente, no
agronegócio, por essas tecnologias. Senão vejamos o forte desenvolvimento
de defensivos agrícolas, melhoramento genético de animais e plantas, redução
local e ambiental da emissão de poluentes por meio de conversão eficiente de
energia, desenvolvimento de novos materiais e dispositivos que combinem
funções biológicas com outras propriedades desejáveis dos materiais sintéticos
e desenvolvimento de sistemas integrados de sensoriamento, monitoramento e
controle de doenças, pragas da qualidade de alimentos e bebidas, entre outros.
22
De acordo com o Grupo ETC , os agrotóxicos contendo ingredientes
ativos em escala nanométrica já estão no mercado. A BASF da Alemanha, a
quarta maior corporação mundial de agroquímicos, reconhece a utilidade
potencial da nanotecnologia na formulação de agrotóxicos. A vantagem da
nanoformulação é que os agrotóxicos se dissolvem mais facilmente na água,
simplificando a sua aplicação em áreas cultivadas.

20
2005, p. 48.
21
2006, p. 195-200.
22
2005, p. 59
977

A Bauer Crop Science também da Alemanha, a segunda maior


companhia de agrotóxicos do mundo, requereu patente de agroquímicos na
forma de emulsão, em que o ingrediente ativo é composto por gotículas em
escala nanométrica. Sendo considerada pela transnacional como um
“concentrado de microemulsão”, com vantagens tais como redução da
quantidade aplicada, atividade mais rápida e confiável e atividade de longo
prazo prolongada.
Por sua vez a Syngenta, com sede na Suiça, e a maior companhia de
agroquímicos mundial, já vende agrotóxicos formulados como emulsões,
contendo gotículas em escala nanométrica. Por exemplo, o regulador de
crescimento de Plantas Primo MAXX, desenvolvido para evitar que o gramado,
em campos de golfe cresça rapidamente, e seu fungicida Banner MAXX, são
agrotóxicos com base oleosa, misturada com água e depois aquecida para
criar uma emulsão.
Para se ter uma noção do que essa emulsão em escala nanométrica
representa, o fungicida Banner MAXX da Syngenta não se separa da água por
um período de até um ano, enquanto fungicidas convencionais devem ser
agitados a cada duas horas para evitar aplicação incorreta e entupimento em
mecanismos de aspersão.
Sendo que a Syngenta ainda afirma que o tamanho das partículas de
sua fórmula é até 250 vezes menor do que as de um agrotóxico comum, sendo
absorvido ainda de forma sistêmica pela planta, ou seja, não pode ser
arrastado pela chuva ou irrigação posterior a aplicação.
A norte-americana Monsanto afirma ser a pioneira na utilização de
microcápsulas em agrotóxicos 23, onde cada litro de formulação
microencapsulada Zeon, da própria empresa, contém cerca de 50 trilhões de
cápsulas especialmente desenvolvidas para “liberação rápida”, abrindo-se em
contato com a folha da planta.

23
GRUPO ETC, 2005, p. 63.
978

Vários projetos ao redor do mundo exploram o uso de nanopartículas


nos cultivos para fins que não o desenvolvimento de agrotóxicos – da
intensificação de fotossíntese à melhor germinação e manejo do solo 24 .
Pesquisadores da Universidade de Kyoto (Japão) desenvolveram um
método de produzir amônia utilizando fulerenos (buckyballs), sendo que a
amônia é um componente-chave dos fertilizantes.
Por sua vez os cientistas da Universidade da Coréia requereram patente
para uma mistura líquida constituída por nanopartículas de dióxido de titânio
que eles alegam que destruirá pragas nocivas, intensificará a fotossíntese e
estimulará o crescimento quando aplicada em arrozais.
A academia Russa de Ciências relata que foram capazes de melhorar a
germinação de sementes de tomate, aspergindo uma solução de
nanopartículas de ferro nos cultivos.
Em 2003 o Grupo ETC informou sobre um aglutinante de solo baseado
em nanotenologia chamado de “SoilSet”, desenvolvido por Sequoia Pacific
Research, dos Estados Unidos. O produto é uma cobertura de solo de
colocação rápida que se baseia em reações químicas em escala nanométrica
para aglutinar o solo. Ela foi pulverizada sobre 1.400 acres na montanha de
Encebado, Novo México, para evitar a erosão após incêndios florestais, bem
como em áreas menores afetadas por queimadas de florestas no Condado de
Mendecino, Califórnia.
Várias perspectivas estão sendo trabalhadas para aplicar a
nanotecnologia direcionada para a limpeza de solos contaminados de metais
pesados. Os testes mostram que o ferro em escala nanométrica permanecerá
ativo no solo entre seis e oito semanas, tempo após o qual se dissolverá nas
águas subterrâneas, tornando-se indistinguível do ferro que ocorre
naturalmente na natureza.
No que se refere ao melhoramento genético de animais e plantas, os
processos vitais basilares na agricultura 25 são explorados a partir de pesquisas
em biologia celular e molecular. Sendo necessário, portanto, novas ferramentas

24
GRUPO ETC, 2005, p. 100.
25
DURÁN, MATTOSO E MORAES, 2006, p. 196.
979

especialmente projetadas para separação, identificação e quantificação de


moléculas individuais.
Por meio de técnicas de manipulação em escala nano, os
nanobiocentistas já estão desenvolvendo variedades de plantas que se
adaptam às condições climáticas do local da cultura, sendo mais produtivas e
menos suscetíveis a pragas e doenças. Este procedimento consiste geralmente
na modificação do patrimônio genético de variedades de plantas menos
resistentes a um determinado tipo de doenças usando-se variedades mais
resistentes.
Segundo o Grupo ETC 26, com o desenvolvimento de sistemas integrado
de microsensoriamento (nanotecnológico), monitoramento e controle de
doenças, pragas e qualidade de alimentos, os microsensores encolhem em
tamanho enquanto expandem sua capacidade de monitoramento.
Os nanosensores feitos de nanoturbos de carbono são pequenos o
bastante para detectar e medir as proteínas individualmente, ou mesmo
moléculas. nanopartículas ou nanosuperfícies, podem ser construídas para
acionar um sinal elétrico ou químico em presença de um agente contaminante
como por exemplo, uma bactéria. Outros nanosensores funcionam disparando
uma reação enzimática ou utilizando moléculas nonofabricadas, denominadas
dendrímeros, que se ramificam como sondas para se ligarem a substâncias
químicas e proteínas-alvo.
Atualmente o “pó inteligente” (nanosensores) está disponível pelas
empresas, Crossbow Technologies, Dust inc., Ember, Millenial Net. Os
nanosensores da Crossbow têm o tamanho de uma tampa de garrafa, sendo
que, nos próximos anos espera-se que o tamanho encolha ao de uma aspirina
ou até mesmo um grão de arroz. Seu valor varia entre U$$ 40 e U$$ 150,
dependendo da quantidade encomendada. Tem-se notícia de sua utilização em
várias frentes.
Os navios petroleiros operados pela BP (British Petroleum) no Atlântico
Norte, foram equipados com 160 nanosensores sem fio, para medir as
vibrações no motor do navio a fim de prever falhas em equipamentos.

26
2005, p. 78/79.
980

No que se refere aos habitats naturais na ilha Great Duck, na costa


americana, está sendo utilizado uma rede de 150 nanosensores sem fio para
monitoramento dos microclimas dentro e ao redor de tocas utilizadas como
ninhos pelas aves marinhas.
Em San Francisco (EUA) foram instalados em pontes uma rede de
nanosensores para medir a vibração e estresse estrutural, como forma de
manutenção proativa.
Em Sonoma, Califórnia (EUA), os pesquisadores fixaram 120
nanosensores em sequóias, a fim de monitorarem remotamente o microclima
ao redor das árvores a partir de Berkeley, a mais de 70 km de distância.
O Grupo ETC 27, ainda firma que a agricultura de precisão conta com o
sensoriamento intensivo das condições ambientais e com o processamento
computadorizado dos dados, fornecendo informações à tomada de decisão e
controle do maquinário agrícola. As tecnologias de agricultura de precisão
normalmente conectam-se a sistemas de posicionamento global (GPS) com
imagens das áreas de cultivo via satélite.
Dessa forma percebe-se pragas ou evidências de seca na lavoura à
distância. Monitores de produção ajustados em colheitadeiras medem a
quantidade e os níveis de umidade dos grãos à medida que são colhidos,
gerando modelos computadorizados que orientarão as decisões sobre a forma
ou cronograma de aplicação dos insumos.
Durán, Mattoso e Moraes 28, afirmam que em se tratando da qualidade
de alimentos os métodos de avaliação inicialmente se baseiam em inspeções
visuais. Como nem sempre é possível detectar essas mudanças visuais nas
propriedades organolépticas (propriedades sentidas pelos sentidos humanos)
dos alimentos, são realizadas medidas de suas propriedades através de um
painel de provadores. O uso de sensores especialmente desenvolvidos
utilizando materiais nanomanipulados poderá ser de grande valia no
monitoramento dessas variações.

27
2005, p. 72.
28
2006, p. 199.
981

Para solucionar tais problemas, sensores de líquidos e gases


denominados vulgarmente de língua e nariz eletrônicos, vem sendo
desenvolvidos por vários grupos de pesquisa ao redor do mundo (no Brasil a
Emprapa de São Paulo desenvolveu uma língua eletrônica para análise de
bebidas como café, sucos e vinhos). Os sinais gerados por esses sensores
nanoestruturados geram uma espécie de impressão digital das substâncias em
análise.
De acordo com Dulley 29, a literatura brasileira sobre nanotecnologia e
agricultura é muito escassa, razão pela qual consultou um documento muito
amplo denominado “Nanoscale science and engeneering for agriculture and
food systems”, do Coperative State Recearch, Education and Extension Service
do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos. Nele é apresentado uma
relação de produtos potenciais que pode ser submetida ao debate com os
especialistas e público, e servir de referência para pesquisadores e agricultores
brasileiros.
Esses produtos seguem dois horizontes de tempos que foram pré-
estabelecidos. O primeiro período refere-se ao período de cinco anos que
começou a contar a partir de 2006 e prevê entre outros potenciais:
Identificação e controle de patógenos, contaminantes e toxinas por meio
das cadeias produtivas (pontos críticos de controle).
Sensoriamento remoto e contínuo dos produtos agrícolas durante a sua
produção em vários cenários ambientais.
Biossensores mais rápidos para detectar a presença de patógenos ou
materiais estranhos durante o processamento de alimentos, além de patógenos
ainda nas fazendas (vírus e químicos) e detectar proteínas e organismos
geneticamente modificados.
Kits miniaturizados para testes de determinação de patógenos no
campo, além de monitores para melhoria de recursos de armazenamento de
grãos e rações.

29
Apud MARTINS, 2006, p. 229.
982

Detectores baseados em proteínas ou micróbios em um chip, com o


desenvolvimento de dispositivos de monitoramento para animais de grande
porte utilizando a saliva como indicador não-invasivo.
Desenvolvimento de algoritmos de controle para integração do
sensoriamento, informação, localização, tratamento, em um sistema de
controle por meio de dispositivos que aperfeiçoem a agricultura e pecuária
inteligentes.
No que se ao segundo perídio, que compreende de 5 a 15 anos, as
previsões se referem à análise de animais e plantas em tempo real.
Rápida resposta nos sistemas de produção por meio de sistema de
sensores implantados, além de sensores portáteis para detecção de
patógenos, vírus, químicos, proteínas e organismos geneticamente modificados
durante o processamento dos produtos nas fazendas.
Proteção aos consumidores para identificar a qualidade dos produtos,
juntamente com sensores biodegradáveis para histórico de temperatura e
umidade em alimentos armazenados, além de rastrear parâmetros físicos e
biológicos de culturas de alguns tipos de alimentos processados.
Monitoramento da saúde e intervenção terapêutica em animais de
pequeno ou grande porte, com o desenvolvimento de dispositivos não-
invasivos para identificação precoce, em cultivos no solo, de suas alterações
no metabolismo, respiração, e ecologia microbial nas zonas das raízes.
Com certeza o potencial da nanotecnologia vem revolucionando as mais
diversas áreas do conhecimento, sendo que na agricultura a sua utilização já é
destacada.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
No decorrer deste artigo tratou-se da importância do estudo minucioso
da nanotecnologia nas mais diversas áreas, passando pelos seus possíveis
impactos sociais e precauções a serem exaustivamente estudadas e
publicamente expostas. Mas também restou claro que a humanidade sempre
está em movimento e dessa forma sempre haverá novas tecnologias a serem
estudadas.
983

Importante ressaltar as recomendações do Grupo ETC, sobre a


nanotecnologia, uma vez que afirma que ao permitir que produtos da
nanotecnologia cheguem ao mercado na ausência de debate público e sem
regulamentação, os governos, o agronegócio e as instituições científicas já
comprometeram o potencial das tecnologias em escala nanométrica de serem
utilizadas de forma benéfica, um vez que pelo fato de não haver, no mundo
normas de regulamentação para avaliar os novos produtos na escala “nano” na
cadeia alimentar representa uma inaceitável e culposa negligência (Grupo
ETC, 2005, p. 157).
Se verifica, portanto, a emergente necessidade de debate em torno do
tema, dadas as dimensões que a nanotecnologia vem tomando nos mais
diversos campos de atuação e a preocupação que ela representa, pois atinge
diretamente a cadeia alimentar e dessa forma a todos nós. Sendo que por
outro lado, se bem utilizada poderá revolucionar o nosso padrão de vida,
melhorando muito o bem-estar humano.
Por fim, apesar de a nanotecnologia estar somente em seus estágios
iniciais, quanto mais tarde forem debatidas suas implicações socioeconômicas,
menores serão as chances de que realmente essa nova tecnologia possa
atingir a todos, trilhando assim, o caminho de outras revoluções tecnológicas
que acabaram por beneficiar somente um classe hegemônica, alargando ainda
mais as desigualdades sociais mundiais.

BIBLIOGRAFIA

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Tradução: Guido Antonio de Almeida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1985.

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Tradução: Elisa Schreiner. São Paulo: Expressão Popular, 2004.
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Nanotecnologia, uma revolução na saúde. Revista Ciênciahoje. Revista de
Divulgação Científica da SBPC, 255. Volume 43. Rio de Janeiro: Editora
Ediouro, dezembro/2008.
985

MOVIMENTO S.O.S. GRAVATÁ:


uma Experiência de Participação Cidadã na Tutela Jurisdicional do Meio
Ambiente Local no Município de Florianópolis/SC

RENATO MIRANDA PELLEGRINI, MSC. 1


ROGÉRIO PORTANOVA, DR. 2
ROBSON CORREA 3

1 INTRODUÇÃO
O processo democrático no Brasil vivenciado pelo Brasil nas últimas 3
décadas, entre avanços e retrocessos, inegavelmente vem abrindo
oportunidades de participação popular na tentativa de garantir a seus cidadãos
a possibilidade de discutir assuntos relacionados a interesses meta-individuais,
incluindo temas ligados a questão ambiental, ou mesmo reivindicar seus
direitos seja contra seus concidadãos, pessoas jurídicas ou contra o próprio
Estado. Sendo a valorização da Política Local e a Descentralização tendências
irreversíveis, transferindo gradualmente atribuições e competências para os
Municípios, aumenta a responsabilidade deste ente federativo e sua gestão
pública. A fim de garantir a constante evolução do processo democrático cabe,
então, aos Poderes, Servidores e Agentes Públicos Municipais envidarem
esforços para que tornem-se claros à sociedade os procedimentos tomados por
estes e que estejam direta, ou mesmo indiretamente, ligados ao processo de
licenciamento ou autorizações urbanísticas/ambientais de atividades
potencialmente degradadoras. Estas possibilidades são, nas palavras de
Bodnar (2007) 4, “formalmente garantidas ao cidadão” e representam
mecanismos de transparência administrativa, controle social, plena efetividade
do conceito de “função social da propriedade”, além de fomentar a percepção

1
Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Engenharia e Gestão do Conhecimento da Universidade
Federal de Santa Catarina – EGC/UFSC
2
Professor do Centro de Pós-Graduação em Direito da UFSC
3
Estudante de Direito da UNISUL
4
BODNAR, Zenildo. Audiência Judicial Participativa como Instrumento de acesso à Justiça Ambiental.
in Anais do 12º Congresso Brasileiro de Direito Ambiental. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de
São Paulo, 2007.
986

de que o direito urbanístico e ambiental muitas vezes estão intimamente


conectados. Por outro lado, a não participação representaria “a mutilação do
homem social” (MASSON, 2004) 5, abrindo espaço para que as contradições e
os conflitos entre as elites político-partidárias, juntamente aos interesses
econômicos, permaneçam como balizadores de determinações no que se
refere às políticas ambientais de nível local.
Em relação a Florianópolis, capital do estado de Santa Catarina, estudo
elaborado pelo Centro de Estudos Cultura e Cidadania 6 no ano de 1996 já
apontava que, embora exista uma co-responsabilidade de toda a sociedade no
que se refere à destruição do meio ambiente, “certamente alguns setores que,
pelo papel desempenhado na economia e política local, têm que ser
especialmente responsabilizados pela situação atual e pelas conseqüências
negativas no futuro da cidade, no espaço natural da ilha e na qualidade de vida
de seus habitantes”. Cerca de 13 anos depois esta afirmação soa
extremamente atual e nos faz perceber como “as classes empresarial e política
agem em nome do progresso, associado, na maioria dos casos, explicitamente
ao crescimento urbano”, literalmente ignorando a Constituição Federal,
Legislação Ambiental infra-constitucional e, em muitos casos, a própria Lei do
Município. Como decorrência desse processo, o contexto das decisões na
esfera dos poderes legislativo e executivo municipal tem favorecido a
prevalência de interesses particulares que traduzem uma clara afronta ao
Princípio da Proibição do Retrocesso Ecológico 7 na gestão pública ambiental
em nível local. Nas últimas duas décadas foram realizadas diversas
modificações casuísticas no Plano Diretor do Município, concedidas
“Viabilidade de Construção” para terrenos claramente caracterizados como
APP – Área de Preservação Permanente pela Legislação Ambiental Federal,

5
MASSON, Ivanete. A Gestão Ambiental Participativa: Possibilidades e Limites de um Processo de
Múltiplas Relações. Dissertação de Mestrado. Departamento de Engenharia de Produção e Sistemas,
Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2004
6
CECCA – Centro de Estudos Cultura e Cidadania. Uma cidade numa ilha: relatório sobre os problemas
sócio-ambientais da Ilha de Santa Catarina. Ed. Insular. Florianópolis, 1996
7
“Tem sido aceita pela doutrina constitucional a existência de um principio de proibição do retrocesso no
que pertine aos direitos fundamentais que, apesar de não ser expresso, decorre do sistema jurídico-
constitucional. Este princípio vincula o legislador infraconstitucional, impedindo que a norma
infraconstitucional possa retrogredir em matéria de direitos fundamentais declarados pelo poder
constituinte” - SANTOS, Janaina de C. dos S. e FICHTNER, Cláudio S. A Aplicação do Princípio da
Proibição do Retrocesso na Tutela Ambiental in Anais do 12º Congresso Brasileiro de Direito Ambiental.
São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2007.
987

abertura de ruas em áreas impróprias para ocupação imobiliária, concedidas


autorizações para a remoção de vegetação nativa protegida por Lei,
viabilizando assim a destruição de paisagens naturais, a especulação
imobiliária e o crescimento desordenado da cidade.
A notória ineficiência dos mecanismos de comando e controle a
disposição do Poder Público Municipal em Florianópolis, permite perceber a
ocorrência, do que Benjamin (2006) 8 aponta como as “três formas de
participação estatal na destruição ambiental”. A primeira delas se dá através do
Poder Público Municipal empreendedor na denominação de “degradador-
agente” quando, sozinho ou em parceria com a iniciativa privada se envolve em
empreendimentos, muitas vezes essenciais para a infra-estrutura de
desenvolvimento, mas que notadamente geram impactos ambientais em
escalas diversas. Em outra perspectiva sendo “mais discreta e na maioria dos
casos”, o Estado aparece como “degradador-indireto” legitimando, apoiando,
autorizando ou mesmo licenciando indevidamente, atuando assim de maneira
comissiva e conivente com iniciativas particulares que venham a causar danos,
até mesmo irreversíveis, a natureza. Finalmente a terceira modalidade seria o
Estado degradador-omisso quando “despreza ou cumpre insatisfatoriamente
suas obrigações de fiscalização e aplicação da legislação ambiental,
fraquejando na exigibilidade de instrumentos preventivos (EPIA-RIMA p. ex) ou
na utilização de mecanismos sancionatórios e reparatórios”. Este artigo busca
fazer uma breve investigação deste cenário com o auxílio de analogias,
comparações e referências a atuação do denominado Movimento S.O.S.
Gravatá na luta pela preservação do cenário natural de um dos mais belos
cartões postais da Ilha de Florianópolis: o Canto do Gravatá na Praia Mole.
Trata-se de um Movimento Social composto por Associações de Moradores,
Associações de Surf e Entidades Ambientalistas de Florianópolis que uniram-
se em torno dos interesses da comunidade e, através da busca e utilização de
“oportunidades estratégicas de participação cidadã na tutela do meio ambiente
local”, trouxeram a público o debate sobre uma tentativa de ocupação espacial
onde havia claro choque entre direitos de propriedade e o direito ambiental.

8
BENJAMIM, Antônio Herman. Constitucionalização do Ambiente e Ecologização da Constituição
Brasileira in Direito Constitucional Ambiental Brasileiro. José Joaquim Gomes canotilho, José Rubens
Morato Leite (Orgs.). São Paulo: Saraiva, 2007.
988

2 ACESSO A JUSTIÇA AMBIENTAL E CONSIDERAÇÕES ACERCA DO


PRINCÍPIO DA PARTICIPAÇÃO CIDADÃ
Referindo-se a todas as camadas da população sem restrição, para
Oliveira (2005) “acesso à justiça significa a compreensão de acesso ao sistema
de justiça como um todo, pois não é certo falar em uma sociedade
contemporânea realmente democrática que não esteja baseada nisso”.
Tratando-se de Brasil, país de tantos outros contrastes sociais e onde
claramente “é sabida a crise que atravessa o Sistema Judiciário pátrio”
(BERNARDES, 2006) 9, seria inútil reforçar ilusões quanto a factibilidade deste
ideal. No entanto, há consenso de que sua compreensão tem como norte a
expectativa de que o Estado deve garantir a seus cidadãos a possibilidade de
reivindicar seus direitos, seja contra seus concidadãos, pessoas jurídicas ou
mesmo contra o próprio Estado. O próprio conceito “acesso à justiça” nos
remete ao fato de que a justiça é distribuída de forma desigual entre pessoas e
instituições. No que se refere ao campo de aplicação, para Benjamin (1995) 10
essa expressão nos remete a três enfoques básicos. “Em sentido restrito, no
universo do processo, refere-se apenas ao acesso a tutela jurisdicional, ou
seja, a composição de litigioso pela via judicial. Já em sentido mais amplo,
embora ainda insuficiente, quer significar acesso à tutela de direitos ou
interesses violados, através de mecanismos jurídicos variados, judiciais ou
não”. Em ambos os casos os instrumentos de acesso à justiça “podem ter
natureza preventiva, repressiva ou reparatória”. O magistrado conclui que,
“numa acepção integral, é acesso ao Direito, vale dizer, a uma ordem jurídica
justa (= inimiga dos desequilíbrios e destituída de presunção de igualdade),
conhecida (= social e individualmente reconhecida) e implementável (= efetiva),
contemplando a um só tempo, um rolo apropriado de direitos, acesso aos
tribunais, acesso a mecanismos alternativos (principalmente os preventivos),
estando os sujeitos titulares plenamente conscientes de seus direitos e
9
BERNARDES, Juliano Taveira. Novas perspectivas de utilização da ação civil pública e da ação
popular no controle concreto de constitucionalidade. Jus Navegandi, 2003. Disponível na Internet:
http://jus2.uol.com.br/Doutrina/texto.asp?id=4484 . Acesso em 28/03/2009.
10
BENJAMIM, Antônio Herman. A insurreição da aldeia global contra o processo civil clássico.
Apontamentos sobre a opressão e a libertação judiciais do meio ambiente e do consumidor in Ação Civil
Pública: Lei 7.347/85 - Reminiscências e reflexões após dez anos de aplicação. MILARÉ, Édis (Org.).
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.
989

habilitados, material e psicologicamente a exercê-los, mediante a superação de


barreiras objetivas e subjetivas”, sendo “nessa última acepção dilatada que
acesso a justiça significa acesso ao poder”.

O acesso a justiça ambiental começa a ser reconhecido no âmbito


internacional a partir da declaração do Rio, proveniente da ECO-92, no
princípio 10 do documento, considerando que a “justiça ambiental” possui três
elementos: o direito ao acesso a informação ambiental, a participação popular
na tomada de decisões e o acesso aos procedimentos judiciais e
administrativos. Tais aspectos foram consagrados pela Convenção de Aarhus
em 1998, que comporta esses três preceitos fundamentais. Monediaire
(1998) 11, com propriedade afirma que são “indissociáveis a participação e a
informação” e, de modo sarcástico, atenta que “a participação dos ignorantes é
um álibi ou uma idiotice”. Sem o conhecimento de seus direitos os cidadãos
não usufruirão da garantia formal do acesso aos tribunais, sendo que no Brasil
ainda ressentimos de mecanismos que levem a sociedade a reconhecer o
direito a ter direitos. Quanto mais avançarmos nessa direção, mais estaremos
nos aproximando de um pleno acesso a justiça ambiental e não faltam Leis que
a assegurem. Fica então evidente a necessidade de um amplo trabalho
pedagógico motivado não só pelo Estado, através de estímulos a educação
ambiental formal e não formal, mas também de esforços provenientes do seio
das sociedades em busca de uma participação mais ativa dos cidadãos.
Bodnar (2007) 12 também afirma que o acesso a justiça ambiental deve estar
amparado no tripé “educação, informação e participação” e no “pleno exercício
da cidadania ambiental enquanto dever”.

“A história das idéias sobre a democracia moderna é uma história de


promessas não cumpridas, de ideais suspensos, de expectativas insatisfeitas,
de princípios frustrados, de contratos sociais estipulados e não respeitados”
(DE GIORGI, 1998) 13. A afirmação do jurista italiano, embora dotada de
pessimismo, encontra eco na realidade brasileira quando constatado o “déficit

11
MONEDIAIRE, Gérard. A Propos de la Dècision Publique en Matière Environnementale in Les
Transformations de la Reglémentation Juridique, v5, Paris, Recherches et Travaux du RED&S à la
Maison des Sciences de L’Homme/ Libraire Génerale de Droit et Jurisprudence, 1998.
12
Notas de aula
13
DE GIORGI, Raffaele. Problemas da Governabilidade Democrática in Direito, Democracia e Risco:
Vínculos com o Futuro. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1998
990

democrático” (LEITE E AYALA, 2004) 14 no acesso à justiça ambiental,


participação popular nos processos de licenciamento e implementação de
Políticas Públicas Ambientais. Neste momento, torna-se fundamental uma
reflexão sobre a questão dos Princípios. A doutrina jurídica busca realçar
distinções entre dispositivos normativos e princípios, geralmente dando a estes
últimos “apenas uma função retórico-argumentativa” (ALVARENGA, 2005) 15. O
referido autor busca abandonar essa distinção apoiando-se no notório saber de
Canotilho (2002) para quem regras e princípios, embora possuam diferenças
conceituais e práticas, são duas espécies de normas. “Os princípios são
normas jurídicas impositivas de uma optimização, compatíveis com vários
graus de concretização, consoante os condicionalismos fácticos e jurídicos; as
regras são normas que prescrevem imperativamente uma exigência (impõem,
permitem ou proíbem) que é ou não é cumprida (nos termos de Dworkin:
applicable in all-or-nothing fashion); a convivência dos princípios é conflitual
(Zagrebelsky), a convivência de regras é antinômica; os princípios coexistem,
as regras antinômicas excluem-se. Consequentemente, os princípios, ao
constituírem exigências de optimização, permitem o balanceamento de valores
e interesses (não obedecem, como as regras, à “lógica do tudo ou nada”),
consoante o seu peso e a ponderação de outros princípios eventualmente
conflituantes; as regras não deixam espaço para qualquer outra solução, pois
se uma regra vale (tem validade) deve cumprir-se na exacta medida das suas
prescrições, nem mais nem menos. [...] em caso de conflito entre princípios,
estes podem ser objecto de ponderação e de harmonização, pois eles contêm
apenas “exigências” ou “standards” que, em “primeira linha” (prima facie),
devem ser realizados; as regras contêm “fixações normativas” definitivas,
sendo insustentável a validade simultânea de regras contraditórias. Realça-se
também que os princípios suscitam problemas de validade e peso (importância,
ponderação, valia); as regras colocam apenas questões de validade (se elas
não são correctas devem ser alteradas)”. Isto não significa, no entanto que a

14
LEITE, José Rubens Morato, AYALA, Patrick. Transdisciplinariedade e a Proteção Jurídico-
Ambiental em Sociedades de Risco: Direito, Ciência e Participação in Direito Ambiental
Contemporâneo. LEITE, José Rubens Morato e Bello, Ney de Barros Filho (Orgs.). São Paulo: Manole,
2004.
15
ALVARENGA, Luciano José. Participação Cidadã e Justiça Ambiental: um Estudo sobre as Tensões
entre Regulação e Emancipação na Distribuição dos Riscos Ecológicos no Espaço Social in Anais do 10º
Congresso Brasileiro de Direito Ambiental. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2005.
991

negação de um princípio não possa ser considerado como uma transgressão


anti-democrática. Para Celso Bandeira de Melo (2006) 16, "violar um princípio é
muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A negligência ao
princípio implica ofensa não a um específico mandamento obrigatório, mas a
todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou
inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque
representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores
fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão da
sua estrutura mestra"

Dentre os considerados “princípios estruturantes do Estado de direito


ambiental”, elencados por Leite (2002) 17, encontra-se o Princípio da
Participação Popular como valor fundamental para orientar a manutenção do
foco na utopia da democracia social e ambiental. Não nos interessa neste
momento traçar as nuances que separam os conceitos de participação popular,
participação social e participação comunitária. Todos estes são encontrados na
literatura para ressaltar diretrizes que deveriam nortear a forma pela qual a
proteção ambiental deveria ser compreendida pela sociedade e pelo
ordenamento jurídico. Ressalta-se também o significado implícito em todos
estes do caráter plural no ato de participar e na divisão coletiva de direitos e
obrigações na sociedade. Alvarenga (2005) 18, por influência de Boaventura de
Souza Santos, insere o conceito “Participação Cidadã” no contexto acima
exposto e também dentro da perspectiva de que o mesmo não trata de
indivíduos isolados nem tampouco exclusivos de uma única classe social. No
direito brasileiro esse princípio “constitui expressão de um dos fundamentos da
República Federativa do Brasil, previsto no art. 1º, II, do texto constitucional: a
cidadania”. O autor acrescenta ainda uma espécie de condição sine qua non
para a efetiva manifestação desse princípio que os Estados devem facilitar e
estimular a conscientização e a participação pública, colocando a informação à
disposição de todos. Deve ser propiciado “acesso efetivo a mecanismos
judiciais e administrativos, inclusive no que diz respeito à compensação e

16
MELLO, Celso A. B. de. Curso de Direito Administrativo. 23ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006.
17
LEITE, José Rubens Morato. Direito Ambiental na Sociedade de Risco. Florianópolis: UFSC, 2002
18
ALVARENGA, Luciano José. Participação Cidadã e Justiça Ambiental: um Estudo sobre as Tensões
entre Regulação e Emancipação na Distribuição dos Riscos Ecológicos no Espaço Social in Anais do 10º
Congresso Brasileiro de Direito Ambiental. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2005.
992

reparação de danos”. Percebe-se uma imposição ativa para a Sociedade que,


através da mediação do Estado, se manifestaria de diversas formas.

3 O MOVIMENTO S.O.S. GRAVATÁ E A AUTILIZAÇÃO DE


OPORTUNIDADES ESTRATÉGICAS DE PARTICIPAÇÃO CIDADÃ NA
TUTELA DO MEIO AMBIENTE LOCAL: UM BREVE ESTUDO DE CASO
Conforme argumenta Campomar (1991) 19 o “uso de estudos de caso em
pesquisa tem sido apresentado de várias formas”, porém uma definição de Yin
(1990) 20 soa extremamente alinhada com as intenções do presente trabalho: “o
estudo de casos é uma forma de se fazer pesquisa social empírica ao
investigar-se um fenômeno atual dentro do seu contexto de vida-real, onde as
fronteiras entre o fenômeno e o contexto não são claramente definidas e na
situação em que múltiplas fontes são usadas”. O estudo de caso do Movimento
S.O.S. Gravatá demonstrou-se uma oportunidade única para contextualizarmos
uma experiência prática da vida-real, realizada através da observação de um
legítimo movimento social/comunitário de “participação cidadã na tutela
jurisdicional do meio ambiente local através de entidades do Terceiro Setor”.
Importante também ressaltar que uma observação crítica sobre o tema
requer uma análise integrada ao papel dos demais poderes do Estado, não
somente a Justiça, bem como ao importante papel do Ministério Público
Estadual e Federal. A função constitucional deste último ente do Estado na
atuação de “fiscal da Lei” pode e deve ser foco de contribuição da Sociedade
Organizada, através do trabalho das Associações Comunitárias e Entidades
Ambientalistas do Terceiro Setor. Da mesma forma, a estreita relação, muitas
vezes conflituosa, entre Judiciário, Executivo e Legislativo no que diz respeito a
decisões de interesse ambiental em nível local é abordada no presente
trabalho. Tenta-se chamar a atenção para a necessidade de uma maior
aproximação entre Coletividade e Poder Público, estimulando que o poder-
dever de preservar e defender o Meio Ambiente, imposto a ambos pela
Constituição Federal, seja efetivamente realizado de maneira conjunta e
compartilhada.

19
CAMPOMAR, Marcos Cortez. Do uso de “estudo de caso” em pesquisas para dissertações e teses em
Administração. Revista de Administração v. 26. São Paulo: FEA, 1991.
20
Yin, Robert. Case Study research: design and methods. EUA: Sage Publications, 1990.
993

O Movimento Social S.O.S. Gravatá, composto por Associações de


Moradores, Associações de Surf e Entidades Ambientalistas de Florianópolis,
foi formado com o intuito de defender o interesse público, colocado em cheque
pela tentativa de ocupação espacial de uma área costeira da parte insular de
Florianópolis conhecida como Canto do Gravatá. Embora de propriedade
privada, a área possui características ambientais, culturais e arqueológicas que
permitem invocar sua preservação jurisdicional e a sua consolidação como
área non aedificandi. Trata-se de um caso clássico de conflito entre direito de
propriedade vs. direito ambiental que será brevemente descrito a seguir.
Conforme mencionado anteriormente, a atuação do Movimento S.O.S.
Gravatá entre os meses de maio e setembro de 2009 representou um claro
exercício do Princípio da Participação Cidadã, possibilitando a clara percepção
no seio da sociedade de que seus pontos de vista em relação às ilegalidades
do referido projeto de ocupação espacial eram extremamente consistentes,
além de expor todas as fragilidades e desacordos no que diz respeito ao
atendimento da Legislação Ambiental Federal. Nesse pequeno espaço de
tempo, as entidades do Terceiro Setor que integram o Movimento conseguiram
trazer o debate a público, informar e esclarecer a população como o processo
de tentativa de ocupação espacial da área é uma afronta a Legislação
Ambiental Federal, motivar manifestações espontâneas contrárias a
construções na área, atuar conjuntamente ao Ministério Público Estadual e
Federal em sua função constitucional de custus legis, impedindo assim, pelo
menos momentaneamente, a concretização de um projeto imobiliário que
estaria totalmente à margem da lei e jamais contou com a aprovação dos
moradores de Florianópolis ou freqüentadores daquela área. Evidentemente
trata-se de um caso complexo e que já havia iniciado há muito tempo antes do
início do Movimento, envolvendo a atuação de diversas Entidades do Terceiro
Setor, Poder Judiciário, Ministério Público, Executivo e Legislativo Municipal,
cuja totalidade dos fatos que envolveram a questão impedem uma descrição
mais detalhada nesse artigo. Dessa forma, a breve narrativa do Estudo de
Caso S.O.S. Gravatá se concentrará apenas nas “oportunidades estratégicas
de participação cidadã na tutela jurisdicional do meio ambiente local”
exploradas pelo Movimento, no período de maio a setembro de 2009.
994

3.1 REALIZAÇÃO DE AUDIÊNCIAS PÚBLICAS PARTICIPATIVAS


As audiências públicas participativas surgem como oportunidade para
que os cidadãos efetivamente colaborem na construção de uma decisão
administrativa, ou judicial, em seu aspecto formal ou procedimental. Pode-se
afirmar que o Movimento S.O.S. Gravatá nasceu no dia 13 de maio de 2009,
em audiência pública realizada no Distrito da Lagoa da Conceição onde se
discutia o Plano Diretor Participativo de Florianópolis. Nessa ocasião, foi trazido
o debate a público já que os esforços dos empreendedores para levar
construções ao Canto do Gravatá estavam para surtir efeito. A Prefeitura
Municipal de Florianópolis, que no ano anterior já havia se envolvido na famosa
Operação Moeda Verde 21, estava prestes a conceder a chamada “Viabilidade
de Construção” para os terrenos da referida região. Poucas pessoas na cidade
estavam a par do projeto imobiliário que estava para sair do papel e mesmo
aqueles que o conheciam não estavam cientes das contradições envolvidas no
que diz respeito ao atendimento a Legislação Ambiental Federal, a drástica
interferência que o referido projeto imobiliário causaria na paisagem, o
significativo impacto que a magnitude da ocupação espacial proposta para
aquela área traria para o trânsito da região e adjacências, além do fato que os
empreendedores ardilosamente estavam tentando transformar um trilha
centenária de valor histórico/cultural em acesso público oficial (rua) para o
empreendimento. Sem dúvida essa audiência pública serviu como espaço de
manifestação onde uma multiplicidade de pontos de vista foram trazidos à
discussão, servindo como mecanismo estratégico de sensibilização e formação
de consciência individual dos cidadãos interessados na discussão. A partir
deste encontro, os empreendedores se viram forçados a “colocar as cartas na
mesa” e oficialmente discutir o projeto com a participação da comunidade.
Passados 3 meses deste primeiro fórum de discussão, em 14 de agosto uma
nova audiência pública foi realizada exclusivamente para debater o tema, onde
os empreendedores teriam a oportunidade de expor detalhadamente o projeto
e colocá-lo em discussão pública na presença de representantes do IBAMA;

21
A chamada Operação Moeda Verde foi deflagrada em maio de 2007 pela Polícia Federal, por
determinação da Justiça Federal, para combater uma quadrilha de que praticava crimes ambientais,
incluindo venda de licença para construções em Áreas de Preservação Permanente em Florianópolis.
Dentre os investigados estavam funcionários do primeiro escalão de órgãos ligados ao Executivo
Municipal de Florianópolis, incluindo a SUSP - Secretaria de Urbanismo e Serviços Públicos, IPUF -
Instituto de Planejamento Urbano e FLORAM - Órgão Municipal de Meio Ambiente.
995

FATMA – Órgão Ambiental estadual de SC; FLORAM – Órgão Ambiental


Municipal de Florianópolis; IPUF – Instituto de Planejamento Urbano de
Florianópolis; SUSP – Secretaria de Urbanismo e Serviços Públicos do
Município de Florianópolis; Ministério Público Federal e Estadual; vereadores;
Associações Ambientalistas, Associações de Moradores, Associações de Surf
que integravam o Movimento S.O.S. Gravatá e demais cidadãos interessados.
Essa audiência, solicitada pela Comissão de Meio Ambiente da Câmara
Municipal a pedido do Movimento, também seria a oportunidade para que o
S.O.S. Gravatá expusesse seus argumentos contrários ao projeto de ocupação
em ambiente neutro. Realizada no Plenário da Câmara de Vereadores
Municipal, esse encontro foi um marco histórico em termos de controle social e
gestão participativa em Florianópolis, pois foi a sessão plenária que contou
com o maior número de cidadãos presentes em toda a história desta casa.
Nesse momento, o S.O.S Gravatá já estava suficientemente organizado
enquanto Movimento Social, tinha uma estratégia bem definida em termos de
discurso, reunia-se periodicamente para discutir estratégias de atuação,
conseguindo expor claramente a todos os presentes, com o auxilio de estudos
técnicos de credibilidade comprovada, que seus argumentos eram
suficientemente consistentes ao afirmar que o projeto de ocupação espacial
estava a margem da Legislação Ambiental Federal. Vale ressaltar também que,
na ocasião desta segunda Audiência Pública, o Movimento S.O.S. Gravatá se
articulava junto ao Ministério Público Estadual de SC, fornecendo subsídios
suficientes para que uma investigação fosse realizada a fim de apontar
irregularidades claras na retrospectiva sucessória dos terrenos de propriedade
dos responsáveis pelo projeto de ocupação espacial da região. Na
oportunidade dessa Audiência, o representante do MP SC trouxe a
conhecimento do público presente que, além da inconsistência legal, existem
indícios suficientes de que houve parcelamento irregular do solo por parte dos
empreendedores. Sem dúvida a realização das Audiências Públicas no caso
apresentado constituíram um pleno exercício de “negociação democrática” e
uma forma de concretização dos princípios do tão decantado “Estado
democrático e de direito” (BODNAR, 2007) 22. É impossível desvincular esse ato

22
BODNAR, Zenildo. Audiência Judicial Participativa como Instrumento de acesso à Justiça Ambiental.
in Anais do 12º Congresso Brasileiro de Direito Ambiental. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de
996

de temas como a “moralidade administrativa” e “transparência na gestão


Pública”, levando-se em consideração que o Brasil é um país que tem a
corrupção como uma característica marcante. Surge como oportunidade para
que os cidadãos efetivamente colaborem na construção de uma decisão
administrativa, ou judicial, em seu aspecto formal ou procedimental, que trazido
à discussão pública remonta importante fórum de aprendizado para os
cidadãos.

3.2 UTILIZAÇÃO DE TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO


NO PROCESSO DE DEMOCRATIZAÇÃO DA INFORMAÇÃO AMBIENTAL A
NÍVEL LOCAL
Segundo Barros (2004) 23, “após ser aprovada pelo Congresso Nacional,
o Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, sancionou, em 16 de abril
de 2003, juntamente com os Ministros Marina Silva, do Meio Ambiente e Álvaro
Augusto Ribeiro Costa, Advogado-Geral da União, a Lei no 10.650 – Lei do
Direito à Informação Ambiental –, que dispõe sobre o acesso público aos dados
e informações existentes nos órgãos e entidades integrantes do Sistema
Nacional de Informações sobre o Meio Ambiente - SISNAMA”. Apesar dos
esforços democráticos proporcionados pela Lei 10.650, o objetivo maior seria
que o Estado viesse proporcionar o “acesso prévio” a essas informações
atendendo a critérios de disponibilidade, integridade e confiabilidade da
informação. Resgatando as palavras de Paulo Afonso Leme Machado, Barros
(2004) 24 nos lembra que “a informação pública, não só a do meio ambiente,
tem seus inimigos”, mas que seu acesso ao cidadão obviamente proporciona
transparência e controle social. A disponibilização de informações ambientais
“ainda é um tabu para muitos agentes públicos” e só o fortalecimento dos
canais de comunicação, principalmente aqueles que permitem interatividade,
como a internet, poderão “reduzir a distância do cidadão para o acesso a
informações ambientais”. Além do mais quando se trata de informações

São Paulo, 2007.


23
BARROS, Lucinaldo V. A Nova Lei do Direito a Informação Ambiental in Revista Sociedade
Paranaense de Ensino e Informática, 5(1) pages 7-13, SPEI, 2004. Disponível na Internet em
http://dici.ibict.br/archive/00000979/01/A_Nova_Lei_Dt_Inform.pdf. Acesso em 29/03/2009.
24
BARROS, Lucinaldo V. A Nova Lei do Direito a Informação Ambiental in Revista Sociedade
Paranaense de Ensino e Informática, 5(1) pages 7-13, SPEI, 2004. Disponível na Internet em
http://dici.ibict.br/archive/00000979/01/A_Nova_Lei_Dt_Inform.pdf. Acesso em 29/03/2009.
997

urbanísticas e/ou ambientais em nível local, os esforços de positivação do


acesso a informações públicas impostos pela lei 10.650 perdem efetividade,
pois as informações se encontram em Secretarias Municipais que não fazem
parte do SISNAMA, não sendo disponibilizadas publicamente a contento. Pode-
se concluir, também, que existe uma grande diferença entre “estar disponível
para o público” e “efetivamente chegar ao conhecimento do público”.
No caso do referido projeto de ocupação espacial este fato ficou
bastante evidenciado, pois as informações detalhadas sobre o mesmo
concentravam-se nas mãos dos empreendedores ou em órgãos municipais.
Havia um projeto arquitetônico de ocupação espacial cuja tramitação se dava
em gabinetes do Poder Público sem que a sociedade tomasse conhecimento,
ou mesmo tivesse acesso a oportunidades de manifestar-se a respeito. Para
que o Movimento S.O.S. Gravatá pudesse disseminar informações sobre o
caso, foi necessária a elaboração de um portal na web que levasse o
conhecimento do caso ao maior número de pessoas possíveis. Utilizando-se de
um extenso mailing-list e da criação do site www.sosgravata.org, o Movimento
pode atingir um público considerável independente de sua localização física,
agregando cidadãos simpatizantes a sua causa, formando opiniões e
mantendo viva a chama pela preservação ambiental do Canto do Gravatá. O
portal era sempre atualizado com novos textos e registros de imagens para que
os usuários pudessem ser ao mesmo tempo “provedores e consumidores” de
informação. Através do site novos parceiros foram seduzidos pelo Movimento
como, por exemplo, integrantes da Comunidade Científica Arqueológica que, a
partir da divulgação do site, passaram a apoiá-lo. O portal web serviu também
para que o Movimento não dependesse da mídia convencional (TVs e jornais
de grande circulação) que não dava à causa sua relevância devida, além de
chamar a atenção da Sociedade para as estratégias nefastas dos
empreendedores e sua intenção de impor seus interesses particulares em
detrimento do interesse público. Enfim, a utilização de Tecnologias de
Informação e Comunicação democratizou de maneira extremamente
significativa a disseminação do S.O.S. Gravatá, potencializou seu alcance de
atuação, influência, representatividade, isenção política e sua consolidação
como um legítimo Movimento Sócio-ambiental pela preservação de um dos
cenários naturais mais belos do Município de Florianópolis.
998

3.3 APROXIMAÇÃO E AUXÍLIO DAS UNIVERSIDADES PARA A


ELABORAÇÃO DE PARECERES TÉCNICOS COM CREDIBILIDADE
Muitos Movimentos Sociais e Comunitários surgem com o intuito de lutar
pela tutela do meio ambiente porém, em sua maioria, estes têm como
características a intermitência de suas ações, participação de voluntários,
carência de profissionais especializados e outras deficiências que dificultam
uma atuação mais efetiva, em função dos já mencionados déficits democrático
de participação popular. Em suma, os Movimentos Sociais caracterizam-se
pelo ativismo cru e simples, tendo muito a dizer, mas pouco a mostrar. Devido
a esta realidade, sem dúvida as instituições de ensino e pesquisa,
principalmente Universidades Públicas, têm muito a contribuir para uma
atuação mais efetiva da Sociedade Organizada frente a esse desafio. Este
papel cooperativo também se insere no contexto da tão sonhada
democratização da Educação Superior em nosso país, que não seria
legitimada somente por um maior nível de acesso, mas também pela qualidade
e relevância social do que é produzido na academia, em termos de ensino,
pesquisa e extensão.
Como um exemplo clássico dessas possibilidades, destaca-se a
experiência do Programa de Assessoria Jurídica Ambiental Transdisciplinar
para Entidades Comunitárias e Ambientais da Ilha de Santa Catarina -
Florianópolis/SC, coordenado pelo Grupo de Estudos em Direito Ambiental -
GEDA/CPGD/UFSC, sob a supervisão do Prof. José Rubens Morato Leite, do
Depto. de Direito. Sob inspiração e influência de uma experiência prática do
GEDA no Município de Florianópolis, conhecida como Caso Santa Mônica 25, o
Movimento S.O.S. Gravatá buscou apoio de profissionais nas área de
Biologia/Botânica, Geografia e Engenharia para produzir pareceres técnicos
que pudessem sustentar os argumentos de que a área que seria ocupada pelo
projeto de ocupação espacial no Canto do Gravatá na Praia Mole caracteriza-
25
No decorrer do ano de 2007, através da parceria do Projeto junto a ALIANÇA NATIVA, organização
da sociedade civil de interesse público, de direito privado e sem fins lucrativos, com sede na Servidão
Sodré, nº 119, em Florianópolis, Santa Catarina, foi proposta uma Ação Civil Pública Ambiental em face
do MUNICÍPIO DE FLORIANÓPOLIS, com o auxílio de laudos elaborados por pesquisadores de
diversas áreas do conhecimento, vinculados a Universidade Federal de Santa Catarina, e no intuito de
defender os interesses ambientais da Comunidade afrontados devido mudança de zoneamento de uma
região do Bairro Santa Mônica na mesma cidade para parâmetros menos restritivos do que o anterior.
Todas as demandas da ACP foram acatadas pela Justiça Federal.
999

se como APP – Área de Preservação Permanente, portanto non aedificandi.


Tais estudos foram elaborados sob a responsabilidade técnica de profissionais
com credibilidade comprovada, vinculados a UFSC, UDESC e UFRGS,
gerarando relatórios com profundidade e consistência suficientes para ser
apresentados na ocasião da referida Audiência Pública realizada na Câmara de
Vereadores de Florianópolis. A idéia inicial era confrontá-los na ocasião com o
projeto de ocupação espacial proposto pelos empreendedores, entregá-los aos
representantes do Parquet presentes e sedimentar os pontos de vista do
Movimento entre todos os demais. O objetivo foi plenamente atendido, gerando
convicção generalizada a respeito das conclusões dos pareceres.
O Movimento S.O.S. Gravatá tem plena consciência de que seus
esforços pela preservação do interesse público, prevalência da Lei, incremento
da qualidade de vida no Município de Florianópolis não garantem que o referido
projeto de ocupação espacial destrua uma das paisagens mais belas estado de
Santa Catarina. O empreendedores continuarão tentando viabilizar seu
interesses imobiliários e a Prefeitura Municipal de Florianópolis pode ser
motivada a dar continuidade ao trâmite de licenciamento do projeto em
questão. No entanto a experiência do Movimento serviu como um laboratório,
onde exercitou-se o controle social, a participação cidadã e uma incessante
busca por transparência nas decisões envolvendo interesses coletivos de
preservação ambiental. Entre conquistas, desilusões e desafios que ainda
virão, a experiência pode servir como caixa de ressonância, para que novos
Movimentos Sócio-ambientais sintam-se encorajados a também lutar pela
tutela jurisdicional do meio ambiente local.

4 CONCLUSÕES ARTICULADAS

4.1 O Brasil enfrenta o grande desafio de reduzir o déficit democrático


em relação ao acesso à justiça ambiental, participação popular nos processos
de licenciamento e elaboração de políticas ambientais;

4.2 Os Movimentos Ambientais, Entidades Ambientalistas e Associações


Comunitárias necessitam de estímulos para contribuir com a disseminação da
informação ambiental de interesse público em nível local;
1000

4.3 Uma maior aproximação entre as Universidades e os Movimentos


Ambientais de nível local é crucial para o seu fortalecimento, aumento de
credibilidade de seus argumentos e incremento da tutela jurisdicional do meio
ambiente.

4.4 A realização de audiências públicas, a utilização de Tecnologias de


Informação e Comunicação e a aproximação com Universidades para a
elaboração de pareceres técnicos com credibilidade na área ambiental
representam oportunidades estratégicas de participação cidadã na tutela
jurisdicional do meio ambiente local;
1001
1002

O RISCO À MARGEM DO DIREITO AMBIENTAL:


Um estudo a partir da nanotecnologia

ROBERTO DE OLIVEIRA ALMEIDA 1

1 INTRODUÇÃO
A partir do desastre da usina nuclear de Chernobyl, em 1986, a
sociedade se viu às voltas com um mundo que oferece mais riscos à medida
que se moderniza. O projeto de uma sociedade controladora dos efeitos
colaterais oriundos do processo de industrialização é frustrado na Segunda
Modernidade. Foi a partir desta constatação, extraída do acidente em
Chernobyl, que o sociólogo alemão Ulrich Beck elevou o risco para o centro da
teoria social. Com efeito, em sua construção teórica, Beck considera o risco
como um elemento-chave para o entendimento do mundo contemporâneo.
Além de transformações políticas, sociais e econômicas, os riscos
engendraram mudanças jurídicas. Os instrumentos tradicionais de imputação
de responsabilidade, por exemplo, foram modificados substancialmente com
vistas a acompanhar as novas propriedades dos riscos oriundos do processo
de radicalização da modernização. Os princípios da precaução e da prevenção
tornaram-se vetores interpretativos imprescindíveis para a aplicação da
legislação ambiental. A inclusão dos leigos no debate acerca dos riscos
também foi ampliada através da possibilidade de participação em audiências
públicas, conselhos e comitês e enquanto legitimados para propor ação
popular.
Em que pese esta mudança ontológica por que passou o Direito
Ambiental – do dano ao risco – ainda existem riscos desconhecidos oriundos
de novas tecnologias que permanecem à sua margem. O presente artigo tem
como escopo analisar os riscos advindos da nanotecnologia e as
conseqüências que sua permanência à margem do debate jurídico traz para os
fundamentos do Direito Ambiental contemporâneo.

1
Acadêmico do décimo período do Curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco
(UNDB), em São Luís (MA). e-mail: roberto.almeida@msn.com
1003

2 MODERNIDADE E RISCO
A modernização impõe o confrontamento das premissas fundamentais
do sistema social e político da sociedade industrial. Esse choque não se
constitui uma revolução ou crise. Em verdade, o sucesso da modernização
inicia um processo de destruição criativa da civilização industrial, o que Beck
denomina de modernização reflexiva, que provoca uma dissolução das
premissas e dos contornos da sociedade, abrindo sendas uma nova
modernidade.
Por reflexividade deve-se entender uma autoconfrontação com os efeitos
da sociedade de risco. Isto se deve pelo fato de que a transição da sociedade
industrial para o período de risco da modernidade ocorre de maneira
despercebida, não constituindo uma opção que se possa escolher ou rejeitar
no decorrer dos processos de disputas políticas. Assim, diante dessa transição
autônoma, despercebida e indesejada, são verificados efeitos da sociedade de
risco que não são assimilados pelos padrões institucionais da sociedade
industrial. Nesta, os conflitos acerca da distribuição de bens (empregos, renda,
seguridade social) constituíam um tema central. Na sociedade do risco, ao
contrário, surgem conflitos de responsabilidade distributiva, isto é, conflitos
acerca da distribuição, controle, prevenção e legitimação dos riscos
decorrentes do avanço tecnológico e científico. 2
O processo de modernização torna-se um problema na medida em que
as instabilidades e riscos são oriundos das novidades tecnológicas e
organizacionais introduzidas de forma não refletida na sociedade. Começam a
tomar corpo, na sociedade de risco, as ameaças produzidas no desenvolver da
sociedade industrial, levando ao surgimento da necessidade de redefinir os
padrões relativos à responsabilidade, segurança, controle e distribuição das
conseqüências dos danos. Nesta nova época, devem ser levadas em conta
também as ameaças potenciais, que escapam à percepção sensorial e não
podem ser determinadas pela ciência.

2
BECK, Ulrich. A reinvenção da política: rumo a uma teoria da modernização reflexiva. In: BECK,
Ulrich; GIDDENS, Anthony; LASH, Scott. Modernização Reflexiva: política, tradição e estética na
ordem social moderna. Trad. Magda Lopes. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1997.
p. 17.
1004

O risco, para Ulrich Beck 3, é um conceito relativamente novo. Em que


pese a possibilidade de se entender a sociedade como uma resposta a todos
os perigos possíveis, é só com a modernidade que nasce o conceito de risco.
Em épocas mais remotas, em que a humanidade se via à mercê de catástrofes
naturais ou intervenção dos deuses, estar-se-ia diante de perigos. Estes
compreendem todas as ameaças que não são interpretadas como
condicionadas pelos seres humanos. O conceito de risco, por outro lado, surge
com as decisões humanas, isto é, são originados pelo processo civilizacional e
modernização progressiva. A civilização – que busca tornar previsíveis as
imprevisíveis conseqüências das suas decisões, que busca controlar o
incontrolável e sujeitar os efeitos colaterais a medidas preventivas – acaba por
criar o risco. 4
Na sociedade contemporânea, contudo, esta lógica do seguro privado é
confrontada pela mudança substancial nas qualidades dos riscos. Isto porque o
cálculo do risco pressupõe um acidente, isto é, um acontecimento delimitado
social, espacial e temporalmente. Na atualidade, os riscos oriundos das novas
tecnologias presentes na Segunda Modernidade fazem com que já não seja
possível determinar o grupo de pessoas afetadas, tampouco delimitar
territorialmente as conseqüências e muito menos precisar até quando estas
perdurarão. 5 O imprevisível já não pode ser antecipado e não há respostas
institucionalizadas para os riscos.
São inúmeros os riscos advindos da radicalização do processo de
modernização. Podem ser citadas a energia nuclear, o plantio e consumo de
organismos geneticamente modificados, o uso de agrotóxicos e a utilização de
células-tronco pela medicina. Tais riscos têm várias características em comum:
não podem ser limitados em espaço e tempo, não existem certezas científicas
acerca das suas possíveis conseqüências ao meio ambiente e são objeto de
debate jurídico. Contudo, há riscos advindos de novas tecnologias que ainda
estão à margem do Direito Ambiental, não sendo por ele regulamentados e
cujo debate acadêmico ainda é incipiente. É o caso da nanotecnologia.

3
Cf. BECK, Ulrich. La Sociedad del Riesgo: hacia una nueva modernidad. Ed. Paidós Ibérica:
Barcelona, 1998.
4
BECK, Ulrich. Liberdade ou capitalismo: Ulrich Beck conversa com Johannes Willms. Trad. Luiz
Antônio Oliveira de Araujo. São Paulo: Editora UNESP, 2003, p. 115.
5
LEITE, José Rubens Morato, AYALA, Patryck de Araújo. Direito ambiental na sociedade de risco. 2.
ed. rev. atual. ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 13.
1005

3 NANOTECNOLOGIA E RISCOS DE GRAVES CONSEQUÊNCIAS


As possibilidades de manipulação de materiais em escala nanométrica
foram aventadas em 1959, a partir da apresentação do físico Richard
Feynman, no encontro anual da Sociedade Americana de Física. Em sua
palestra intitulada “Há mais espaço lá embaixo” (There’s plenty of room at the
bottom), Feynman defende a ausência de quaisquer obstáculos teóricos à
construção de dispositivos bastante pequenos, compostos por elementos
igualmente diminutos. O termo “nanotecnologia”, contudo, veio a ser utilizado
somente em 1974, quando Norio Taniguchi, pesquisador da Universidade de
Tokyo, se referiu à habilidade de engendrar materiais precisamente ao nível
nanométrico. 6
Os termos “nanotecnologia” e suas demais variações são derivados da
palavra grega “nano”, que significa “anão”. Um nanômetro (1nm) é o
equivalente a um bilionésimo de um metro. Medidas nessa escala são difíceis
de imaginar. A título de comparação: uma pulga possui 1.000.000nm (um
milhão de nanômetros); um fio de cabelo humano, por sua vez, possui
80.000nm (oitenta mil nanômetros); um glóbulo vermelho possui cerca de
7.000nm (sete mil nanômetros); bactérias possuem 1.000nm (mil nanômetros). 7

3.1 NANOPARTÍCULAS NATURAIS E ARTIFICIAIS


Partículas em nanoescala não são novas e sempre estiveram presentes
na natureza. Contudo, há uma diferença substancial entre estas e as
artificialmente manufaturadas. Partículas de sal, por exemplo, são solúveis em
água. Se inaladas, ao entrarem em contato com o tecido, imediatamente se
dissolvem e perdem a sua forma. Partículas oriundas de processos de
combustão, apesar de insolúveis, têm uma grande tendência à aglomeração,
formando micropartículas de diferentes propriedades. Nanopartículas
artificialmente manufaturadas possuem propriedades bem diferentes das
naturais e isso constitui o seu grande atrativo. Ao contrário das naturais, elas

6
THE ROYAL SOCIETY AND THE ROYAL ACADEMY OF ENGINEERING. Nanoscience and
nanotechnologies: opportunities and uncertainties. Plymouth: Latimer Trend Ltd., 2004. p. 5. Disponível
em: http://www.nanotec.org.uk/finalReport.htm. Acesso em: 25/03/2009.
7
SWISS REINSURANCE COMPANY. Nanotechnology: small matter, many unknowns. Zurich:
SwissRe, 2004. p. 5. Disponível em:
http://www.swissre.com/INTERNET/pwsfilpr.nsf/vwFilebyIDKEYLu/ULUR-
5YNGET/$FILE/Publ04_Nanotech_en.pdf. Acesso em: 25/03/2009.
1006

têm tendência à dispersão, dado o seu revestimento peculiar. A lógica é


simples: a fim de evitar que nanopartículas se aglomerem e formem
micropartículas – o que geraria uma perda de propriedades alcançadas com a
miniaturização – estas são revestidas de maneira especial. Assim, não
importando quanto tempo passe, as nanopartículas artificiais continuam
reativas e bastante móveis. 8

3.2 NANOMATERIAIS NA INDÚSTRIA


Nanomateriais interessam à indústria por vários motivos. Partículas
menores do que 50nm já não são regidas pelas clássicas leis da física, mas da
física quântica. Isso significa que nanopartículas podem assumir diferentes
propriedades óticas, magnéticas e elétricas, o que as distingue
substancialmente das partículas maiores da mesma família. Também, devido à
dimensão reduzida, a razão entre massa e superfície é diferenciada. Quanto
menor um corpo, maior é a superfície em relação a sua massa, o que significa
dizer que, quanto menor a partícula, mais átomos existirão na sua superfície e
menos átomos em seu interior. 9 Por exemplo, uma partícula de 30nm possui
somente 5% dos seus átomos na sua superfície, enquanto uma partícula de
3nm possui 50%. Pelo fato de reações químicas catalíticas e de crescimento
ocorrerem nas superfícies, os nanomateriais se tornam bem mais reativos do
que os mesmos materiais em largas partículas. 10
Nanomateriais já são utilizados em larga escala pela indústria. Na
medicina, os avanços em nanoescala podem ser vislumbrados quando
nanomateriais passivos ou ativos são utilizados para aplicar drogas em locais e
momentos desejados, reduzindo efeitos colaterais, levando a uma melhor
resposta do organismo e à utilização de menores dosagens. Substâncias como
beta-ciclodextrina ou HDL sintético (High Density Lipoprotein) – o colesterol
bom – são utilizadas em antiinflamatórios, antialérgicos, antiácidos e no
tratamento de determinados tipos de câncer. 11 A indústria de protetores solares

8
Ibid., p. 13.
9
Ibid., p. 12.
10
THE ROYAL SOCIETY AND THE ROYAL ACADEMY OF ENGINEERING, 2004, op. cit., p. 7.
11
GREENPEACE ENVIRONMENTAL TRUST. Future Technologies, Today’s Choices:
Nanotechnology, Artificial Intelligence and Robotics; A technical, political and institutional map of
emerging technologies. Londres: Greenpeace Environmental Trust, 2003, p. 28. Disponível em
http://www.greenpeace.org.uk/MultimediaFiles/Live/FullReport/5886.pdf. Acesso em: 25/03/2009.
1007

utiliza dióxido de titânio e óxido de zinco, cujo principal atrativo é a


possibilidade de absorver e refletir raios ultra-violetas ao mesmo tempo em que
são transparentes à luz visível. 12
No ano de 2002, a instituição ETC Group, por ocasião da publicação de
um estudo, afirmou que em 2012 todo o mercado de informática (eletrônicos,
magnéticos e óticos inclusos) seria dependente de nanomateriais. 13 Tal
previsão vem se mostrando acertada na medida em que os recentes
lançamentos da área da informática, em sua grande maioria, utilizam a
nanotecnologia. Modernos microprocessadores, memórias flash, microchips e
monitores em LCD (cristal líquido), atualmente, dependem de nanotubos de
carbono para que sejam produzidos.
Nanomateriais também são utilizados pela indústria na produção de
revestimentos e superfícies. Nanopartículas de dióxido de silício são
largamente utilizadas em vidros, dada a sua capacidade de absorver a luz,
gerando, assim, propriedades anti-reflexos. Vidros revestidos por dióxido de
titânio ativado possuem propriedades auto-limpantes e anti-bacterianas. 14
No setor energético, o armazenamento e a geração de energia também
se tornaram mais eficientes a partir da utilização da nanotecnologia.
Nanopartículas de íon lítio contribuíram para a redução no tamanho e aumento
da capacidade dos dispositivos de armazenamento. Na fabricação de células
fotoelétricas – capazes de gerar energia a partir da luz do Sol – polímeros e
células nanocristalinas aumentam a eficiência e redução de custos dos
materiais. Por conta da grande área de superfície, possibilitam o aumento da
absorção de energia a partir da utilização de menor espaço. 15

3.3 NANOMATERIAIS E O CORPO HUMANO


O contato das partículas com os seres humanos ocorre, essencialmente,
de três maneiras: se inaladas, engolidas ou absorvidas pela pele. Para essas
três vias, o organismo humano possui defesas naturais contra matérias a ele
estranhas. A despeito do funcionamento de tais mecanismos e da prévia
existência de nanopartículas naturais, novos questionamentos devem ser feitos

12
THE ROYAL SOCIETY AND THE ROYAL ACADEMY OF ENGINEERING, 2004, op. cit., p. 10.
13
GREENPEACE ENVIRONMENTAL TRUST, 2003, op. cit., p. 22.
14
THE ROYAL SOCIETY AND THE ROYAL ACADEMY OF ENGINEERING, 2004, op. cit., p. 11.
15
GREENPEACE ENVIRONMENTAL TRUST, 2003, op. cit., p. 30.
1008

quando da absorção de nanopartículas artificiais. Com o tamanho reduzido,


alto grau de reatividade e grande área de superfície, materiais que seriam
considerados inofensivos podem representar um grande perigo para os seres
humanos.
Nanopartículas, se inaladas, podem causar danos completamente
diferentes dos causados por partículas de maiores dimensões. Em primeiro
lugar, dado o seu tamanho reduzido, nanopartículas podem penetrar mais
profundamente nos pulmões. Existem evidências científicas de que
determinadas partículas escapam à defesa do sistema respiratório e, ao
atingirem os alvéolos (onde ocorrem as trocas gasosas), penetram na corrente
sanguínea. Além da possibilidade de penetração de nanopartículas na corrente
sanguínea e do acesso irrestrito aos demais órgãos, o sistema respiratório
pode ser danificado pela simples presença das mesmas.
Tal nocividade é conseqüência direta de dois fatores. O primeiro, relativo
à sobrecarga dos fagócitos (células encarregadas de eliminar matéria estranha
ao sistema respiratório). Isto ocorre quando os “invasores” excedem a
capacidade de defesa das células. Como conseqüência, há inflamações nos
tecidos pulmonares e o enfraquecimento do seu sistema imunológico, o que
deixa o organismo mais propenso a infecções. 16
A reatividade dos nanomateriais, a depender do seu revestimento, pode
causar danos químicos ao tecido que com eles estiver em contato. Tal
reatividade é devida à presença de radicais livres, que são átomos que
possuem um número reduzido de elétrons. Estes átomos “furtam” elétrons de
células vizinhas para aperfeiçoar sua própria estrutura, criando, assim, outro
radical livre. Este novo radical livre também irá “furtar” elétrons das outras
células, e assim por diante, gerando uma reação em cadeia. A formação de
radicais livres é comum em um organismo saudável, onde existem, inclusive,
enzimas responsáveis pela sua eliminação. Porém, tais processos ocorrem
localmente e em um ambiente quimicamente equilibrado. Os radicais danosos,
cujos efeitos são intensificados por fatores exógenos (nanopartículas reativas,
radiação, raios solares, e.g.), prejudicam tal equilíbrio químico do organismo e
podem contribuir para a formação de tumores. 17

16
SWISS REINSURANCE COMPANY, 2004, op. cit., p. 16.
17
Idem.
1009

Outra via de acesso ao corpo humano é o trato intestinal. O sistema


digestivo possui duas funções básicas: ingestão de alimentos e expulsão de
matérias indesejadas pelo organismo. As substâncias “desejadas” são
digeridas por enzimas e absorvidas pelo intestino, enquanto as nocivas são
mantidas no trato intestinal e eliminadas na forma de fezes ou pela via dos
nódulos linfáticos.
Nanopartículas são absorvidas pelas placas de Peyer, que são nódulos
de tecidos linfáticos associados ao intestino. Tais nódulos absorvem partículas
maiores em bolhas e as transporta aos vasos linfáticos, onde são eliminadas
pelo organismo. O problema relacionado aos nanomateriais é que estes, ao
penetrarem no sistema linfático, podem chegar à corrente sanguínea. 18
Quando as nanopartículas transpõem a barreira de tais órgãos de
acesso ou quando são inseridas deliberadamente na corrente sanguínea
(medicamentos e contrastes), uma nova série de questionamentos emerge. Em
regra, partículas estranhas, quando presentes no sistema circulatório, são
absorvidas por fagócitos e são expulsas do organismo. Nanopartículas de
tamanho inferior a 200nm não são absorvidas por fagócitos, mas,
surpreendentemente, por células que sequer desempenham a função de
defesa. Uma vez absorvidas por tais células (glóbulos vermelhos, e.g.), podem
transitar pelo organismo. Coração, medula, ovários, fígado, músculos e até
mesmo o cérebro – o mais protegido órgão do corpo humano – são
penetrados, sem maiores dificuldades, por nanopartículas presentes no
sangue. 19
Nanomateriais que atingem a corrente sanguínea se acumulam,
principalmente, no fígado. A sua presença pode desencadear processos
inflamatórios, lesões ao seu tecido e, a depender do grau de reatividade das
nanopartículas, também é possível que se formem tumores.

3.4 NANOMATERIAIS E O MEIO AMBIENTE


Por conta das técnicas de produção e da grande disseminação dos
nanomateriais, estes podem ser despejados na água ou no ar e, em última
instância, o solo e os lençóis freáticos podem ser atingidos. Além disso,

18
Ibid., p. 20.
19
Ibid., p. 22.
1010

nanopartículas vêm sendo utilizadas, cada vez mais, em materiais


descartáveis, o que torna inevitável o seu contato com o meio ambiente quando
estes são reciclados ou eliminados como lixo. Por constituírem uma nova
classe de materiais não-biodegradáveis, as conseqüências para o meio
ambiente e o seu comportamento a longo prazo são difíceis de prever.
Ao contrário das partículas oriundas da combustão de diesel,
nanopartículas artificiais não tendem a se agregar, permanecendo e se
espalhando pela atmosfera por muito mais tempo, o que aumenta
significativamente a possibilidade de inalação por seres humanos e animais.
Nanopartículas também podem contribuir para o aumento da distribuição
de poluentes no solo. Esta conclusão foi obtida através da observação dos
colóides, cujas propriedades permitem a sua união com poluentes insolúveis
em água e metais pesados. Por serem menores e apresentarem maior área de
superfície, uma maior quantidade de poluentes pode se unir às nanopartículas,
sendo absorvidos em maior quantidade e em maior velocidade pelo solo. 20
A partir das incertezas científicas, emergem cenários mais pessimistas.
O que aconteceria se nanopartículas altamente tóxicas fossem espalhadas
pelo meio ambiente? Seria possível retirá-las de circulação? Haveria alguma
possibilidade de removê-las da água, solo ou ar? A eliminação de
nanopartículas do meio ambiente constitui um desafio aos cientistas, já que os
procedimentos até então estudados são de alto custo e inadequados para a
utilização em larga escala. Na remoção das partículas de líquidos, os
procedimentos mais utilizados são a centrifugação e ultrafiltragem. 21 Quando
se trata da purificação do ar, filtros atualmente utilizados em prédios e fábricas
possuem poros grandes demais para a retenção de nanopartículas. Questões
relativas à pressão do ar e ao bloqueio dos poros por partículas maiores são
alguns problemas que devem ser superados para que os nanomateriais
possam ser retidos.
Neste cenário de ausência de certeza científica (ou, pelo menos, de
certezas científicas contraditórias) em torno dos riscos relacionados à
nanotecnologia, emerge o debate sobre a invisibilidade do tema para o
discurso jurídico, anonimato este parcialmente resultante das lacunas de

20
Ibid., p. 29.
21
Ibid., p. 30.
1011

conhecimento quanto às tecnologias infinitesimais. Este é o nó górdio do


trabalho que ora se apresenta, ponto que se objetiva discutir no item
subseqüente.

4 A NANOTECNOLOGIA À MARGEM DO DIREITO


O desenvolvimento econômico e industrial ocorre de maneira cíclica.
Uma análise histórica dos dados demonstra que este é marcado por grandes
“picos” e “vales”, que representam momentos de grande expressão econômica
acompanhados por momentos de recessão. A partir dos estudos de
Schumpeter, foi possível verificar a existência de ciclos econômicos
consubstanciados em processos de destruição criativa, que consistem em
períodos cujas ondas de inovações revolucionam a estrutura econômica
vigente. Impulsionadas pela concorrência, estas ondas fazem com que os
novos produtos, processos e métodos de organização industrial se
sobreponham aos antigos. 22
Nas décadas de 1970 e 1980, Freeman e Perez notaram que tal
processo inovativo não modifica somente as estruturas econômicas vigentes,
mas todo o aparato institucional estabelecido, mudando a forma do progresso
tecnológico em um sentido amplo e construindo um novo paradigma técnico-
econômico. Para que um novo paradigma técnico-econômico desloque o antigo
completamente, tornando-se dominante, é necessário que satisfaça três
condições: custos decrescentes, incremento na oferta e aplicações
penetrantes. 23
Este novo paradigma técnico-econômico inaugurado pela sociedade de
risco – onde a modernização, em seu sucesso, ameaça a existência humana –
inicia um processo de destruição criativa cujas conseqüências institucionais
são bem mais profundas. Por conta da insuficiência dos instrumentos (ou
procedimentos) ora instituídos para a proteção ambiental, surge a necessidade
de correção deste quadro. Para Morato Leite, o Direito Ambiental
contemporâneo orbita ao redor de três eixos de argumentação: a necessidade

22
SANTOS JUNIOR, J. L.; SANTOS, W. L. P.. Nanotecnologia e riscos ambientais: uma reflexão
sobre a ingerência das ciências humanas sociais na construção de um debate crítico. In: Anais do IV
Encontro da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Ambiente e Sociedade. Brasília-DF:
Anppas, 2008, p. 6.
23
Ibid., p. 8.
1012

de adequação aos novos direitos ambientais, a revisão da forma de


funcionamento dos tradicionais processos de decisão e quais as perspectivas
acerca deste novo Direito. 24
Os novos direitos ambientais a que se refere Morato são caracterizados,
agora, pela recuperação dos ideais éticos do meio ambiente, bem como uma
perspectiva do mundo e da natureza enquanto ecossistema, dando-se ênfase
aos ideais de solidariedade e responsabilidade no trato do bem ambiental. Para
que haja o desenvolvimento e organização destes instrumentos de
planejamento e gestão dos ecossistemas complexos, deve-se considerar,
assim, o elemento risco. 25
O risco, por sua vez, desafia o Direito Ambiental, levando-o a se
questionar sob que condições esta salvaguarda coletiva e transgeracional pode
ser concretizada. Para Benjamin, o Direito do Ambiente passa de um direito de
danos (preocupado em reparar ou quantificar os prejuízos ao meio ambiente)
para um direito de riscos, cuja principal preocupação é evitar a degradação
ambiental. Para que o Direito se ajuste às incertezas e para que sejam
corrigidas as suas desfuncionalidades e deficiências, deve lançar mão de um
sistema de avaliação integral dos riscos. 26
Para que o Direito do Ambiente compreenda os problemas ambientais e
ofereça soluções viáveis e suficientes, este deve recorrer, inevitavelmente, ao
conhecimento científico. Entretanto, no quadro de incertezas produzidas pela
própria ciência, para que haja a caracterização do risco ambiental – que já não
é mais prévia ou previsível – mandados de proporcionalidade e complexos
julgamentos políticos e sociais se tornam extremamente necessários. 27
Indo além, Portanova entende que as novidades do Direito Ambiental
contemporâneo não se restringem às ampliações na abordagem do tema, mas
também na mudança de atitude e comportamento que este conjunto de
normas, princípios e valores tem imposto sobre a própria ciência jurídica,
questionando os seus fundamentos epistemológicos. Esta mudança nos
paradigmas nas ciências jurídicas leva a uma abordagem epistemológica do

24
LEITE e AYALA, 2004, op. cit., p. 202-203.
25
Ibid., p. 204.
26
BENJAMIN, Antonio Herman de V. e SICOLI, José Carlos Meloni. (Orgs.). Anais do 5º Congresso
Internacional de Direito Ambiental, de 4 a 7 de junho em 2001. O futuro do controle da poluição e da
implementação ambiental. São Paulo: IMESP, 2001, p. 61.
27
LEITE e AYALA, 2004, op. cit., p. 209.
1013

direito que confronta o próprio comportamento da sociedade. Não estão em


xeque, tão somente, os princípios ortodoxos que fundamentam a atual ciência
jurídica. Há a necessidade, para a civilização, que haja uma mudança de
atitude com vistas a estabelecer um ordenamento jurídico que tenha como
norte a sustentabilidade das atuais e futuras gerações. 28
Um quadro representativo desta virada epistemológica por que passa o
Direito do Ambiente pode ser vislumbrado na esfera da tutela jurídica do dano
ambiental, onde já não se exige que este se enquadre na moldura
convencional de imputação da responsabilidade. A percepção da existência
dos riscos invisíveis da Segunda Modernidade também leva à ruptura com os
requisitos da certeza e atualidade do dano, passando o Direito Ambiental a ser
guiado pela aplicação das suas normas à luz do princípio da precaução, onde a
dúvida e a incerteza possuem um papel determinante no atuar preventivo. 29
Porém, lembra De Giorgi, tais princípios consistem em premissas que
adquirirão realidade somente quando da sua aplicação, isto é, através da sua
construção na práxi decisória. 30 Enquanto existirem riscos, como a
nanotecnologia, que passam ao largo do debate jurídico, tais princípios
consistirão, somente, em premissas.
Atualmente, a nanotecnologia carece de regulamentação. Não há
legislação federal que verse sobre a matéria, restando arquivada a única
tentativa nesse sentido, referente ao Projeto de Lei nº. 5.076/2005. Os
regulamentos do Ministério da Ciência e Tecnologia contemplam, tão somente,
questões relativas ao desenvolvimento econômico e tecnológico, omitindo-se
nas questões relativas aos riscos. Também não há precedentes
jurisprudenciais e o debate acadêmico ainda é incipiente. Estes fatores
demonstram o desafio imposto ao Direito quando da necessidade de
concretização de instrumentos de proteção em face de ameaças que sequer
por ele foram reconhecidas. Num retorno à perspectiva construtivista proposta
por Beck: se o reconhecimento dos riscos corresponde à institucionalização

28
PORTANOVA, Rogério. Direitos Humanos e Meio Ambiente: Uma Revolução de Paradigma para o
século XXI. In: LEITE, José Rubens Morato, BELLO FILHO, Ney de Barros. (Orgs.). Direito
Ambiental Contemporâneo. Barueri: Manole, 2004, p. 622-623.
29
STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Responsabilidade civil ambiental: as dimensões do dano
ambiental no direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 142.
30
GIORGI, Raffaele de. Direito, Democracia e Risco: vínculos com o futuro. Porto Alegre: Sergio
Antonio Fabris Editor, 1998, p. 158.
1014

dos perigos e oferecimento de respostas para estes, isto significaria dizer,


diante da inexistência destas, que os riscos não são reconhecidos pelo Direito
como tais. Apesar de oferecerem ameaças à sociedade.
Os riscos da Segunda Modernidade, quando assim reconhecidos,
impõem ao Direito a necessidade de apresentar respostas em contextos de
incerteza. A nanotecnologia, por outro lado, faz transparecer a já obsolecência
dos instrumentos de que lança mão o Direito quando da tentativa de oferecer
respostas à Segunda Modernidade e seus desdobramentos. Esta ameaça aos
pilares da lógica e racionalidade sobre os quais repousa o Direito denota a
necessidade de elaboração de um novo paradigma que, eficientemente, seja
capaz de regular a sociedade global do risco e assegurar uma nova segurança
jurídica e social. 31

5 CONCLUSÕES ARTICULADAS
1. O processo de modernização reflexiva, além de engendrar mudanças
políticas e sociais, tem como conseqüência a necessidade de adequação dos
instrumentos jurídicos ortodoxos à nova realidade dos riscos ambientais.
2. A nanotecnologia, a despeito da potencialidade de causar danos à
saúde humana ou ao meio ambiente, ainda é pouco debatida não é objeto de
lei federal ou regulamento do Ministério da Ciência e Tecnologia, o que denota
a invisibilidade do tema para o discurso jurídico.
3. A permanência da nanotecnologia à margem do debate jurídico e o
seu não reconhecimento enquanto risco demonstram a obsolescência dos
instrumentos de proteção ora estabelecidos, impondo, ao Direito, a
necessidade de revisão dos seus paradigmas epistemológicos de racionalidade
com vistas a uma nova segurança jurídica e social.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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modernização reflexiva. In: BECK, Ulrich; GIDDENS, Anthony; LASH, Scott.

31
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1017

O ESTADO DE DIREITO AMBIENTAL E A EFICÁCIA DE SEUS INSTITUTOS


CONTRA O ESTADO DE RISCO

RUAN ESPÍNDOLA FERREIRA 1

Resumo:O presente trabalho percorre três caminhos complementares, tendo, sempre o meio
ambiente como pano de fundo: de início o estado de risco, focado no risco ambiental, que é
algo inerente às sociedades modernas; como tentativa de diminuir os riscos ou colocá-los sob
uma margem permitida, a importância de mecanismos estatais para a sua prevenção e
previsão; por fim, ante a tentativa de otimização da eficácia de diversos mecanismos estatais
para controlar o estado de risco, somado à importância da participação efetiva da sociedade
para o maior controle, versa sobre o Estado de direito ambiental.

1 INTRODUÇÃO
Pretender falar sobre o meio ambiente hodiernamente não é uma
questão meramente jurídica. A necessidade de um estudo em consonância
com as demais ciências do conhecimento se faz necessário para entender
esse todo complexo ambiental, sobretudo quando em crise. De modo que a
análise técnica e dogmática não se demonstra suficiente e requer a análise sob
a ótica multidisciplinar do risco, importado das demais ciências do
conhecimento.
Depois de reconhecido o objeto, no entanto, se faz necessário o máximo
empenho jurídico para a preservação ambiental, por se tratar de um direito
fundamental indispensável à vida. Entretanto, devido à complexidade inerente
ao Estado de Risco, é necessária a mobilização social, científica e jurídica para
a sua consecução, de modo a modificar paradigmas e a amplitude desses
conceitos. Da crescente mobilização somada ao profundo respeito aos valores
ético-ambientais, eis que surge, na teoria política, a idéia do Estado de Direito
Ambiental.

1
Acadêmico da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Uberlândia; bolsista da FAPEMIG sob
orientação do professor Doutor Edihermes Marques Coelho. e-mail: ruanespindolaferreira@yahoo.com.br
1018

2 ESTADO DE RISCO
Da obsolescência da sociedade industrial, apontamos duas
características fundamentais: I - de um lado a modernização 2 caracterizada
como um processo de inovação autônoma, II - de outro, a emergência do
estado de risco 3. Ambos os conceitos são as duas faces da pós-modernidade.
A sociedade de risco, objeto mais pormenorizadamente debatido neste artigo,
representa “a tomada da consciência do esgotamento do modelo de produção,
sendo esta marcada pelo risco permanente de catástrofes” 4.
O risco é algo decorrente, portanto, da própria sociedade, inerente a ela.
Noutras palavras, é a “[...] expressão característica das sociedades que se
organizam sob a ênfase da inovação, da mudança e da ousadia” 5, ou seja, das
sociedades que buscam evoluir social, jurídica e economicamente. Por ser
inerente, no entanto, não quer dizer que não se deve preocupar, pois, além da
sua complexidade, o risco, também, carrega consigo o agravante da
imprevisibilidade.
O conceito de sociedade de risco designa um estágio da modernidade
em que começam a tomar corpo as ameaças produzidas até então no caminho
da sociedade industrial. Isto [...] [leva à] questão de redeterminar padrões [...]
atingidos até aquele momento, levando em conta as ameaças potenciais.
Entretanto, o problema que aqui se coloca é o fato de estes últimos não
somente escaparem à percepção sensorial e excederem à nossa imaginação,
mas também não poderem ser determinados pela ciência. A definição do
perigo é sempre uma construção cognitiva e social. Por isso, as sociedades
modernas são confrontadas com as bases e com os limites do seu próprio

2
Modernização, nesse ponto, traz em seu bojo a idéia de modernização reflexiva, que “significa a
possibilidade de uma (auto)destruição criativa para toda uma era: aquela sociedade industrial. O ‘sujeito’
dessa destruição criativa não é a revolução, não é a crise, mas a vitória da modernização ocidental.”
GIDDENS, Anthony; BECK, Ulrich; LASH, Scott. Modernização Reflexiva: política, tradição e estética
na ordem social moderna. São Paulo: Unesp, 1997. p. 12.
3
Ibidem. p. 15.
4
LEITE, José Rubens Morato . In: Sociedade de Risco e Estado. CANOTILHO, José Joaquim Gomes;
LEITE, José Rubens Morato (Orgs). Direito constitucional ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva,
2007. p. 131
5
GIDDENS, Anthony. Apud: LEITE, José Rubens Morato. Op. Cit. p. 132.
1019

modelo até o grau exato em que eles se modificam, não refletem sobre seus
6
efeitos e dão continuidade a uma política muito parecida.
Não obstante essa imprevisibilidade dos riscos que permeiam a
sociedade, José Rubens Morato Leite 7, com apoiado em Ulrich Beck, distingue
duas formas de riscos ecológicos possíveis, que o Estado busca atuar, de
forma paliativa, são elas: I- Risco concreto ou parcial (visível e previsível
pelo conhecimento humano); II - Risco abstrato (invisível e imprevisível pelo
conhecimento humano). Referente a este último, se percebe que, mesmo com
a sua invisibilidade e imprevisibilidade, o risco existe via verossimilhança,
justificando, assim, a necessidade de atuação positiva do poder público para a
tentativa de determinar o indeterminado.
É justamente nessa possibilidade, embora defeituosa, que deve o direito,
também, atuar no sentido de melhorar e fiscalizar as políticas públicas. No
escopo de otimizar a previsibilidade tanto dos riscos concretos quanto
abstratos, o Estado agirá de acordo com o princípio da eficiência 8 que lhe é
inerente.
Embora a necessária intervenção estatal, Ulrich Beck nos atenta ao fato
de que:
Pode-se demonstrar que não somente as formas e medidas
organizacionais, mas também os princípios e categorias éticos e legais, [...] não
são adequadas para compreender ou legitimar este retorno da incerteza e da
falta de controle. 9
De modo que o ordenamento jurídico bem como o uso de medidas
políticas para tanto não são considerados suficientes. Entretanto, para outra
corrente, o uso dessas ferramentas para a consecução desse objetivo
fundamental à manutenção da ordem deve ser feito de modo que “os
processos de análise, avaliação e decisão sobre risco têm sido continuamente
transferidos para agências executivas, que assumem essa competência

6
GIDDENS, Anthony; BECK, Ulrich; LASH, Scott. Op. cit. p. 17.
7
LEITE, José Rubens Morato. Op. Cit. p. 133
8
Nesse sentido, Cf. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de
Janeiro: Lumen & Juris, 2009. p. 27-30
9
GIDDENS, Anthony; BECK, Ulrich; LASH, Scott. Op. Cit. p. 22.
1020

decisória e regulatória buscando a legitimação através de [...] determinismo


científico”. 10
Mais do que o exposto, a preservação do meio ambiente frente ao
Estado de Risco, não se dá somente pelo seu caráter jurídico, nem mesmo
perante o seu caráter jusfundamental. Deve-se, para a sua otimização, garantir
a plena eficácia da democracia, a participação popular, através de mecanismos
constitucionais, para a tomada de consciência da grande importância
ambiental. Ora, democracia, no exposto, é um fator político, de modo que não
se reduz à democracia formal - trata-se, portanto, de democracia como um
fator transpolítico, uma democracia radical:
He aqui lo proprio de la tranpolitica: trancender los limites
estatales de la definición de lo político para incluir toda relación
social politicamente significante. la democarcia redical es
transpolítica, porque organiza democráticamente al poder
político allá donde este se da: en el seno de las relaciones
sociales y, por tanto [...] supone que la democracia no es sólo
aunque también lo sea un sinple método de toma de
decisiones colectivas, ni sólo um conjunto de derechos y
libertades, sino que es también una auténtica ‘forma de vida’.
[...] De ahí que la democracia radical comporte la assunción y
la prática de uma serie de valores, actitudes, ideas, principios,
práticas sociales, instituiciones, creencias compartidas. [...] La
democracia no es una asociación vinculada sólo ética y
juridicamente. La legitimidad Del vínculo proveniente más de la
fraternidad que de la asociación. La forma de la vinculación es
esencialmente política o, lo que es igual, uma hermandad que
comparte uma mista forma de goce en el amor político. 11

2.1 TERRORISMO ECOLÓGICO


Uma das características da sociedade Pós Moderna é a tentativa de
constante otimização da ciência enquanto instrumento capaz de perceber as
tendências sociais, e, assim, criar políticas públicas eficazes para a
manutenção da coesão. Entretanto, o grau de confiabilidade na capacidade da
ciência em prever os arranjos sociais é limitado quando comparado à
velocidade com que esses arranjos se modificam, a qual é outra característica
da sociedade atual. Assim, na sociedade de risco

10
MAURÍCIO JÚNIOR, Alceu. O Estado de risco e a burocratização do Espaço democrático.
Disponível em: < http://estadoderisco.org/artigos/> Acesso em: 01/05/2009
11
PEÑA, Francisco Garrido. La ecologia política como política Del tiempo. Granada: Comares, 1996.
p. 329.
1021

O estado continua com suas funções anteriores [Estado de


Direito anterior ao conhecido Estado de risco], mas agora
precisa lidar com os riscos produzidos pela tecnologia. Mais do
que isso, esse Estado perde o amparo do determinismo e da
previsibilidade conferidos pelo paradigma moderno, tendo que
conviver com sistemas complexos que interagem de forma
dinâmica. 12

Quando o Estado possui controle ínfimo dos arranjos sociais ou não o


possui, e, com isso, abre espaço para acontecimentos imprevistos, o risco
socialmente permitido é maior. Nesse passo se encontra o terrorismo, ou seja:
momentos de alastramento do medo imaginário que o Estado 13 não consegue
conter, acabando em coadunar no questionamento perante a ordem
estabelecida, seja ela política ou não. Perceba que, embora o terrorismo seja
um método, ele é proveniente de uma incapacidade estatal de não conseguir
prever aqueles atos, bem como, na pior das hipóteses, de insatisfação e
questionamento popular.
Por ser fruto também de uma ineficiência estatal é perceptível a grande
força que possuem as políticas públicas como instrumento fundamental à
preservação do status quo. De modo que da sua inobservância resultaria: i- o
alargamento do risco não permitido à determinada sociedade; e ii - por falta da
segurança oferecida pelo Estado, o surgimento do “medo geral” entre os
indivíduos, que legitimaria a prática de atos terroristas.
É como conseqüência desses fatos que surge o terrorismo ecológico. O
resultado do pavor social com o objeto concentrado no meio ambiente. Quando
o Estado é incapaz de criar políticas públicas suficientes para a preservação
ambiental e, de maneira reivindicatória, o meio natural é utilizado como objeto
por determinados grupos para pressionar ou modificar a ordem preestabelecida
pelo Estado.
Há de se notar que, diferentemente do terrorismo comum, ou seja,
ataques, explosões, enfim, os que questionam a ordem estatal de maneira
mais precisa na segurança e, conseqüentemente, na preservação à vida; o
terrorismo ecológico vai adiante, no sentido de que: I - o seu alcance é muito

12
MAURÍCIO JÚNIOR, Alceu. Op. Cit.
13
O termo “Estado” aqui deve ser visto sob o enfoque mais amplo possível, de modo que se refere tanto
ao Estado independente, quanto a comunidades menores e, inclusive, a ordem internacional.
1022

mais amplo, uma vez que o meio ambiente é um sistema, e, por assim ser, a
modificação de uma pequena parte carrega efeitos a outras maiores e ao todo
ecológico, e II – a ameaça à vida é direta, uma vez que a preservação ao meio
ambiente, por se tratar de um direito fundamental à vida, é diretamente
relacionado à preservação da espécie humana.
Há de se frisar, ademais, que a presença do terrorismo ecológico é
conseqüência direta da ausência de políticas públicas eficientes e do ineficaz
jogo político existente para a manutenção da ordem entre grupos que adotam
política radical. Sempre, para diferenciar, com o objeto focado no meio
ambiente.

2.1 IRRESPONSABILIDADE DESORGANIZADA


A questão ambiental não tem como única solução a gestão pública, visto
que o Estado de Risco não é meramente um problema ambiental fruto de maus
gestores, entretanto, a gestão pública tenha papel de extrema relevância. Muito
mais que a sua possível solução hodierna, a sociedade de risco é um fator
histórico que se expande constantemente. Dessa forma, percebe-se que:

a evolução e o agravamento dos problemas, seguido de uma


evolução da sociedade (da sociedade industrial para a
sociedade de risco), sem, contudo, uma adequação dos
mecanismos jurídicos de solução dos problemas dessa nova
sociedade. Há consciência da existência dos riscos,
desacompanhada, contudo, de políticas de gestão, fenômeno
denominado irresponsabilidade organizada. 14

Ademais, partindo-se do pressuposto de que a garantia de um meio


ambiente harmônico e equilibrado seja fundamental à vida, portanto, direito
garantia fundamental, deve-se analisar de maneira mais ampla possível as
responsabilidades do Estado, visto que se trata de um interesse coletivo.
Assim, a irresponsabilidade organizada não se restringe à má gestão, deve-se
ampliá-la a qualquer ato que interfira negativamente na coletividade no que
tange ao assunto jusfundamental do meio ambiente.

14
LEITE, José Rubens Morato. Op. Cit. p. 132
1023

3 DIREITO À PROTEÇÃO EM FACE AO ESTADO DE RISCO


Do binômio princípios/regras que compõe as normas jurídicas 15,
percebemos que as regras, sozinhas, não são suficientes para a proteção do
indivíduo frente ao Estado e às demais adversidades, mais que isso, cumpre
enaltecer a importância dos princípios. 16 Em assim sendo, o Estado se reveste
de princípios que darão base ao ordenamento jurídico, bem como serão de
relevância decisiva frente aos possíveis choques entre as normas. 17Entre os
vários que limitam a arbitrariedade do Estado, ressalta-se o Direito à proteção,
que “devem ser aqui entendidos os direitos do titular de direitos fundamentais
18
em face do Estado a que este o proteja contra intervenções de terceiros” . De
modo que não se restringem “apenas a vida e a saúde os bens possíveis de
serem protegidos, mas tudo aquilo que seja digno de proteção a partir do ponto
de vista dos direitos fundamentais.” 19
No contexto do artigo, então, percebe-se a necessidade de prestação do
Estado frente ao Estado de Risco, sob dois aspectos principais: I - combater os
riscos existentes que causem malefícios aos indivíduos e II - lhes prestar
proteção decorrentes da omissão ou insuficiência frente ao risco.
Nesse sentido, direitos à proteção são “direitos constitucionais a que o
Estado configure e aplique a ordem jurídica de uma determinada maneira no
que diz respeito à relação dos sujeitos de direito de mesma hierarquia entre
si” 20. Dois princípios corolários advindos do direito à proteção são o princípio da
precaução e da prevenção.

3.1 PRINCÍPIOS DA PREVENÇÃO E PRECAUÇÃO


Os princípios da precaução e prevenção estão muito ligados, o que torna
difícil a sua diferenciação. No entanto, é possível se entender pelo primeiro
deles: “o princípio constitucional [que] [...] impõe ao poder público
diligências não-tergiversáveis com adoção de medidas antecipatórias e

15
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Op. Cit., p. 18
16
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 85-144.
17
CANOTILHO. José Joaquim Gomes. Apud: LEITE, José Rubens Morato. Op. Cit. p. 154
18
ALEXY, Robert. Op. Cit. p. 450
19
Ibidem. p. 450
20
Ibidem. p. 451
1024

proporcionais, ainda nos casos de incerteza quanto à produção de danos


21
fundadamente temidos” O princípio da prevenção, por seu turno, estatui que
o “Poder público, na certeza de que determinada atividade futura implicará
dano injusto, encontra-se forçado a coibi-la, desde que no rol de suas
atribuições e possibilidades orçamentárias [...].” 22
Ambos os princípios aludem na gestão a priori do risco eminente. De
modo
que é possível afirmar que ambos atuam na gestão
antecipatória, inibitória e cautelar dos riscos, sendo ambos
similares no gênero. Contudo a atuação preventiva é mais
ampla e genérica; já a precaução, mais específica e conecta
com o momento inicial do exame do risco. 23

Para Juarez Freitas, por seu turno, “a diferença reside apenas no grau
estimado de probabilidade da ocorrência do dano irreversível ou de difícil
24
reversibilidade (certeza versus verossimilhança).”
A importância dos princípios da prevenção e da precaução se avulta
quando, frente aos riscos previsíveis, são utilizados pelo poder público como
mecanismos para evitá-los, ou seja, são institutos estatais fundamentados
constitucionalmente com o escopo de assegurar confiança ao ordenamento
jurídico decorrente da incerteza frente à imprevisão inerente ao Estado de
risco. Em assim sendo, são instrumentos extremamente importantes para
proteger a segurança jurídica e manter o Estado de Direito.
Ademais, nas sociedades modernas, consubstanciada pela sociedade
de risco, “nada passou a ser mais importante do que a previsão e
monitoramento, até mesmo para que se torne possível uma aplicação dos
instrumentos de prevenção e de controle proporcionados pela política e pelo
direito.” 25 Decorrente disso, o ator social que garantirá a sua execução, uma
vez que o direito ambiental está incluído no ramo de direito difuso, será a
coletividade em consonância com o poder público. Em outras palavras, as
21
FREITAS, Juarez. Princípio da precaução e o direito fundamental à boa administração pública. In:
CARLIN, Volnei Ivo (org.) Grandes Temas de Direito Administrativo: Homenagem ao Professor
Paulo Henrique Blasi. Florianópolis: Conceito Editorial Millennium, 2.009. p. 450
22
FREITAS, Juarez. Op. Cit. p. 451
23
LEITE, José Rubens Morato. Op. Cit. p.172
24
FREITAS, Juarez. Op. Cit. p. 453
25
MOREIRA NETO, Diego de Figueiredo. O paradigma do resultado. In: CARLIN, Volnei Ivo (org.)
Op. Cit. p. 227.
1025

ações para consecução dos objetivos, requerem ação conjunta da coletividade


com o Estado, não se restringindo, portanto, a uma ação isolada. 26 Por isso a
importância instrumental de quesitos tais como a comunicação, a publicidade
dos atos estatais, a educação, dentre outros.

3.2 MECANISMOS CONSTITUCIONAIS PARA A PRESERVAÇÃO DO MEIO


AMBIENTE SADIO
O Professor José Rubens Morato Leite descreve três mecanismos de
participação popular na tutela do meio ambiente, são elas: a “participação de
criação de direito ambiental, via participação da formulação e execução das
políticas ambientais, e, ainda por meio da participação via acesso ao poder
judiciário” 27
Brevemente, percebemos: I - importância da iniciativa popular (Art. 61,
caput e §2°, CF/88) para que se possa conseguir a criação de uma legislação
ambiental específica; II - não obstante isso, avulta a importância da sociedade
civil “em órgãos responsáveis pela formulação de diretrizes e pelo
acompanhamento de execução de políticas públicas” 28; III - O último
mecanismo é o acesso amplo ao Poder Judiciário para a discussão de
controvérsias acerca do meio ambiente.
É importante ressaltar que a presença de tais institutos referentes ao
Estado Democrático de Direito, não garante a sua plena efetividade. Para que
qualquer um deles seja eficiente, é necessário que haja mobilização social, no
sentido político da palavra, além é claro de educação para que as pessoas
tenham consciência, obtenham informação e participem para a melhor
efetivação dos institutos. Não se deve esquecer, ademais, que tais
mecanismos integram um quadro de políticas públicas internacionais, que
ganham paulatinamente mais força em virtude dos chocantes acontecimentos
ambientais.

26
LEITE, José Rubens Morato. Op. Cit. p.158
27
Ibidem. p. 165
28
LEITE, José Rubens Morato. Op. Cit. p. 165
1026

4 ESTADO DE DIREITO AMBIENTAL


Uma das possíveis armas para a consecução de todos os objetivos que
coadunam em um respeito profundo ao meio ambiente equilibrado e saudável,
e, mais proximamente, com a integração social com o meio ambiente, poderá
ser conquistado, com o que, de início, ganha força na doutrina política alemã,
que é o Estado de Direito Ambiental.

4.1 CONCEITO
Cabe citar a definição de Capella acerca do Estado ambiental:

[...] poderíamos definir como a forma de Estado que se propõe


a aplicar o princípio da solidariedade econômica e social, para
alcançar um desenvolvimento sustentável orientado a buscar a
igualdade substancial entre os cidadãos mediante o controle
jurídico do uso racional do patrimônio natural. 29

O Professor Canotilho, ao discorrer sobre o Estado Ambiental, assegura


que “Esta expressão dá guarda às exigências de os Estados e as comunidades
políticas conformarem as suas políticas e estruturas organizatórias de forma
ecologicamente auto-sustentada” 30. Obviamente que por não se separar
radicalmente do Estado de direito, “afasta-se qualquer fundamentalismo
ambiental que, por amor ao ambiente, revelasse para formas políticas
autoritárias e até totalitárias com desprezo das dimensões garantísticas do
Estado de direito.” 31
Desse modo se percebe que a concepção de Estado Ambiental trata de
um projeto fictício na doutrina política, que traz em seu bojo todos os anseios e
aspirações para a proteção não só do meio ambiente, mas de todos os demais
direitos e garantias fundamentais não efetivados por inércia ante a necessidade
de participação popular -decorre daí a idéia de que não se pode desligar do
Estado de Direito.

29
CAPELLA, Vicente Bellver. Apud: LEITE, José Rubens Morato; AYALÁ, Patrick de Araújo. Novas
tendências e possibilidades do direito ambiental no Brasil. In: WOLKMER, Antônio Carlos; LEITE, José
Rubens Morato (Orgs.). Os “novos” direitos no Brasil; natureza e perspectivas – uma visão básica
das novas conflituosidades jurídicas. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 189.
30
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estado de Direito. Lisboa: Gradiva, 1999. p. 44
31
Ibidem.
1027

4.1.1 Estado de Direito e Estado de Direito Ambiental


É interessante notar que o Estado Ambiental nasçe na literatura com o
objetivo de ser o lado positivo do Estado de Direito. Em outras palavras: é a
parte “que deu certo” do Estado de Direito acrescentado de uma profunda ética
ecológica e participação popular, não se esquecendo de aplicar o princípio da
solidariedade na busca pelo desenvolvimento sustentável; otimizando, assim, a
tentativa de erradicação dos males econômicos e sociais que perseguem o
Estado 32.
Obviamente que, por ser uma face do Estado de Direito, carrega consigo
o garantismo decorrente deste, bem como guarda toda a estrutura de proteção
aos direitos e garantias individuais em seu cerne. A diferença se dá no que
tange à maior participação social, “na busca de uma solidariedade coletiva
ambiental e maior efetividade da gestão dos riscos ambientais.” 33, não se
olvidando, em momento algum, da necessidade da busca eterna à justiça
ambiental.
Em assim sendo, não é somente a mudança no ordenamento jurídico
que trará as conseqüências pretendidas, e, num passe de mágica, haverá
segurança social em relação ao meio ambiente como um todo. Mais que isso,
trata-se de uma ruptura de paradigmas, trata-se de dar o devido caráter político
ao ordenamento jurídico no que tange aos direitos e garantias fundamentais.
Somente assim, enxergando a política como “transpolítica” 34 e a democracia
como enraizada a todas as nossas atitudes políticas, é que haverá a
possibilidade da proteção dada pelo estado às ações particulares.
Soma-se a isso a importância adquirida pela cidadania participativa,
como tomada de consciência global da crise ambiental, a qual requer ação
conjunta entre Estado e coletividade para a proteção ambiental. 35
Enaltece-se também o fato de que a proposição, inicialmente teórica, de
um estado de direito baseado em valores ambientais, tem por finalidade a

32
LEITE, José Rubens Morato. Op. Cit. p. 150
33
LEITE, José Rubens Morato. Op. Cit. p.172
34
Transpolítica, neste sentido, utilizado como “uma representação conceitual do ‘poder político’ com um
conjunto de práticas descentralizadas, transversais, plurais e relativistas”. PEÑA, Francisco Garrido. Op.
Cit.. p. 15
35
LEITE, José Rubens Morato. Op. Cit. p.153
1028

justiça ambiental, de modo a diminuir os riscos permitidos encontrados na


dualidade desenvolvimento econômico / exploração do meio ambiente, além de
obedecer à estrutura lógica e moral de conservação dos meios de vida
necessários às gerações futuras. 36

4.2 EFETIVIDADE DO ESTADO DE DIREITO AMBIENTAL E O ESTADO DE


RISCO
O Estado de Direito Ambiental, visto como um instrumento – aparato
jurídico estatal - a conseguir algum fim – justiça ambiental – tem algumas
vantagens não conseguidas em outros modelos. Ora, é de extrema
importância, para a defesa democrática de determinados bens, valores
capazes de condicionar ao próprio povo a consciência de sua importância e aja
para a sua preservação. Percebe-se, portanto, que o modelo estatal citado,
embora ainda considerado uma utopia democrática 37, possui, em tese, os
meios necessários para diminuir tanto a alienação quanto para inserir o caráter
político na política social 38. A partir daí não é difícil perceber que, embora não
se possa acabar com o risco, a mobilização social para diminuir a sua
incidência ou para anuá-lo, será considerável.
A consciência ambiental deve estar integrada com o restante do
ordenamento jurídico para a formação de um bem ambiental, como objeto de
estudo. Para tanto, perde a importância considerá-lo como um bem público ou
privado, independentemente, deve ser considerado um
“macrobem que além de bem incorpóreo e imaterial, configura-
se como bem de uso comum do povo. Isso significa que o
proprietário, seja ele público ou particular, não poderá dispor
da qualidade do meio ambiente ecologicamente equilibrado,
devido à previsão constitucional. 39

36
Para Peña, possuímos sete obrigações moral de garantir condições minimamente dignas para as
gerações futuras. Em assim sendo, pautados nessa obrigação moral, teríamos os seguintes deveres: “a)
Las generaciones futuras desean recibir unas condiciones de vida que le garanticen la superveniência; b)
las generaciones futuras desean recibir unas condiciones más cómodas posibles; c) las generaciones
futuras desean recibir um patrimônio natural mayor y mejor conservado. De esse conjunto de preferências
se derivan La obrigatoriedad moral y biológica, biológica y moral de eligir estratégias de desarrollo que
garanticen La satisfacción de estas preferências. El cumplimento de estas obligaciones es La condición
posible Del futuro”. PEÑA, Francisco Garrido. Op. Cit. . p. 6,7.
37
SANTOS, Boaventura de Sousa. Apud: LEITE, José Rubens Morato. Op. Cit. 149
38
Cf., nesse sentido, LECHNER, Norbert. Os novos perfis da política: um esboço. Disponível em http://
www.scielo.br/scielo .php?pid=S0102-6445200400200002&script=sci_arttext. Acesso em 07/04/09.
39
LEITE, José Rubens Morato. Op. Cit. p. 146
1029

O referido autor também atenta ao fato de que:

Não se deve aceitar, dessa forma, a qualificação do bem


ambiental como patrimônio público, considerando ser o
mesmo essencial à sadia qualidade de vida e, portanto, um
bem pertencente à coletividade. Nesses termos conclui-se que
o bem ambiental (macrobem) é um bem de interesse público,
afeto à coletividade, entretanto, a título autônomo e como
disciplina autônoma. 40

Ademais, com a participação direta da população nas decisões sobre


determinados assuntos, e, sob sua titularidade de preservação, a
irresponsabilidade organizada será diminuída, uma vez que o povo-fiscalizador
inibirá a prática de determinados atos. De modo que será um instrumento direto
utilizado para a reprimenda da irresponsabilidade organizada, que, por sua vez,
é um fator que castra a ação efetiva das políticas públicas.

5 CONCLUSÃO
O Estado, ao optar de institutos que tragam justiça social, não está se
referindo a instrumentos que virem as costas para o indivíduo de modo que o
Estado faria o papel interveniente para a regulação do campo político. A justiça
social deve servir de base a todo o campo político e jurídico para que sejam
asseguradas, aos cidadãos, garantias mínimas de vida digna.
Nesse diapasão, percebe-se a relação existente entre o Estado de risco,
fato notório e palpável nas sociedades modernas, e princípios adotados pelo
Estado para diminuírem a incidência desses riscos, ou, no máximo, colocá-los
dentro de um padrão aceitável. A exaltação dos princípios resulta no Estado de
Direito ambiental.
A preservação ao meio ambiente é um valor intrínseco à vida e sua
preservação. É inconcebível pensar no ser humano desarraigado da natureza.
Não obstante isso, deve se levar em conta que a preservação ambiental não se
justifica somente perante uma óptica antropocêntrica, pois restringiria um todo

40
Ibidem. p. 146
1030

complexo ao homem; ao contrário, deve ser visto em sua mais ampla forma e
conceituação.
Embora ainda sejam projetos políticos tímidos, é notório na doutrina que,
nos últimos anos, está ganhando corpo o fortalecimento dos institutos
normativos em preservação ambiental. Para tanto, o direto ambiental é visto
como um direito fundamental, que é “resultado de fatores sociais que
permitiram e até mesmo impuseram a sua cristalização sob forma jurídica,
explicitando a sua relevância para o desenvolvimento das relações sociais.” 41.
Portanto, fruto de uma adoção política de garantia e preservação da vida em
suas mais diversas formas.

BIBLIOGRAFIA

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2008.

BONAVIDES, Paulo. A Constituição Aberta: Temas políticos e constitucionais


da atualidade, com ênfase no Federalismo das regiões. São Paulo: Malheiros,
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______. Estado de Direito. Lisboa: Gradiva, 1999

CARLIN, Volnei Ivo (org.) Grandes Temas de Direito Administrativo:


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1032

SERVIDÃO AMBIENTAL NO DIREITO BRASILEIRO E COSTARRIQUENHO

SÔNIA LETÍCIA DE MELLO CARDOSO 1

1 INTRODUÇÃO
A servidão ambiental no Brasil está regulada pela Lei n. 11.284 de 2 de março
de 2006, que dispõe sobre a Gestão de Florestas Públicas para a Produção
Sustentável no Brasil, e acrescentou alguns dispositivos nas Leis n. 6.938/1981 e
6.015/1973.
Essa possui semelhanças com as servidumbres ecológicas da Costa Rica,
porém, dessa distingue em classificação, características e efeitos jurídicos, diante do
que, busca-se adentrar com o presente estudo na análise das afinidades dessas
duas categorias jurídicas de conservação ambiental no sentido de fazer surgir a
discussão doutrinária, contribuindo assim, com a melhoria da capacidade de
preservação do Patrimônio Ambiental.

2 SERVIDUMBRES ECOLÓGICAS NA COSTA RICA


As servidumbres ecológicas na América Latina foram implantadas a partir de
1992, na Costa Rica, por meio de uma organização privada sem fins lucrativos,
chamada Centro de Derecho Ambiental y de los Recursos Naturales – Cedarena. 2
Contudo, nesse país, a servidumbre ecológica é simplesmente uma extensão das
servidões tradicionais, pois resulta do aperfeiçoamento dos instrumentos legais já
existentes no Direito Civil para fins de conservação ambiental. 3
Cumpre destacar que o Direito Ambiental busca dar respostas jurídicas aos
problemas relacionados com o meio ambiente, criando novos mecanismos e

1
Doutora e Mestre em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professora da
graduação e pós-graduação em Direito da Universidade Estadual de Maringá. Procuradora Geral da
Universidade Estadual de Maringá/UEM. E-mail: sl@wnet.com.br
2
A implantação da servidão ecológica ou ambiental na Costa Rica ocorreu graças aos estudos e análises de um
grupo de advogados da organização privada sem fins lucrativos, Centro de Derecho Ambiental y de los Recursos
Naturales - CEDARENA - que contou com a iniciativa e apoio da organização norte-americana The Nature
Conservancy (TNC), e tem por finalidade proteger terras privadas por seu valor natural, recreativo, cênico,
histórico ou produtivo. Disponível em: <http://www.cedarena.org>. Acesso em: 20 out. 2007.
3
O direito real de servidão, consoante o Código de Napoleão, foi adotado na Espanha e também na Costa Rica.
E nesta, por meio do Código Civil de 1885. Código Civil da Costa Rica. Ley n. 30, de 19 de abril de 1885,
entrou em vigência a partir de 1º de janeiro de 1888, mediante Ley n. 63 de 28 de setembro de 1887.
1033

princípios que possam substituir ou prevalecer sobre muitos dos modelos existentes,
regulados e tutelados pelo Direito. 4
Tem-se, portanto, que servidumbre ecológica é um acordo legal e voluntário
firmado entre dois ou mais proprietários de terras, segundo o qual ao menos um
deles decide limitar o uso de sua propriedade em favor de outro ou outros imóveis.
Esse ajuste tem por finalidade a preservação dos atributos naturais, as belezas
cênicas, os aspectos históricos, arquitetônicos, arqueológicos ou culturais dos
imóveis, para as atuais e futuras gerações. O contrato que cria a servidão ecológica,
como direito real, deve ser inscrito no registro de imóveis e obriga os subseqüentes
adquirentes da propriedade aos seus termos. Registre-se que a servidumbre
ecológica pode ser perpétua ou temporária. 5
Embora o Código Civil da Costa Rica não estabeleça uma definição expressa
do direito de servidão, o aproveitamento de todo o potencial de aplicação à
servidumbre ecológica é delimitado pelo Código Civil, que, em seu art. 370 e
seguintes 6, apresenta as servidões prediais, ou seja, aquelas que têm, como um de

4
CRUZ, Agustín Atmetlla; QUESADA, Silvia E. Chaves. Manual de Servidumbres Ecológicas (principalmente
para abogados y notarios). Costa Rica: CEDARENA, 1997. p. 5.
5
Nesse sentido: MACK J. D., Stephen A. Conservación de tierras privadas: las servidumbres ecológicas. In:
CHACÓN MARÍN, Carlos M.; CÓRDOBA, Rolando Castro (Ed.). Conservación de tierras privadas en
América Central. Utilizando herramientas legales voluntarias. Iniciativa Centroamericana de Conservación
Privada-Centro de Derecho Ambiental y de los Recursos Naturales (CEDARENA). San José, Costa Rica:
CEDARENA, 1998. p. 3; CRUZ, Agustín Armella; QUESADA, Silvia E. Chaves. Manual de Servidumbres
Ecológicas (principalmente para abogados y notarios). Costa Rica: CEDARENA, 1997. p.5.
6
CAPÍTULO I. Disposiciones generales. Artículo 370. - Las servidumbres no pueden imponerse en favor ni á
cargo de una persona, sino solamente en favor de un fundo o a cargo de él. Artículo 371.- Las servidumbres son
inseparables del fundo a que activa o pasivamente pertenecen. Artículo 372.- Las servidumbres son indivisibles.
Si el fundo sirviente se divide entre dos o más dueños, la servidumbre no se modifica, y cada uno de ellos tiene
que tolerarla en la parte que le corresponde. Si el predio dominante es el que se divide, cada uno de los nuevos
dueños gozará de la servidumbre, pero sin aumentar el gravámen al predio sirviente. Artículo 373.- El dueño del
predio sirviente no puede disminuir, ni hacer más incómoda para el predio dominante, la servidumbre con que
está gravado el suyo; pero respecto del modo de la servidumbre, puede hacer a su costa cualquiera variación que
no perjudique los derechos del predio dominante. Artículo 374.- El que tiene derecho a una servidumbre, lo tiene
igualmente a los medios necesarios para ejercerla, y puede hacer todas los obras indispensables para ese objeto,
pero a su costa, si no se ha estipulado lo contrario; y aun cuando el dueño del predio sirviente se haya obligado a
hacer las obras y reparaciones, podrá exonerarse de esa obligación, abandonando la parte del predio en que
existen o deban hacerse dichas obras. Artículo 375.- La extensión de las servidumbres se determina por el título.
CAPÍTULO II - .De la constitución y extinción de las servidumbres. Artículo 376.- Los predios todos se
presumen libres hasta que se pruebe la constitución de la servidumbre. Artículo 377.- El propietario de un fundo
no puede constituir servidumbre alguna sobre éste, sino en cuanto ella no perjudique los derechos de aquel a
cuyo favor esté limitada de algún modo su propiedad. Artículo 378.- Las servidumbres que son continuas y
aparentes á la vez, pueden constituirse por convenio, por última voluntad o por el simple uso del uno y paciencia
del otro. Artículo 379.- Las servidumbres discontinuas de toda clase y las continuas no aparentes, sólo pueden
constituirse por convenio o por última voluntad. La posesión, aun la inmemorial, no basta para establecerlas.
Artículo 380.- La existencia de un signo aparente de servidumbre continua entre dos predios, establecido por el
propietario de ambos, basta para que la servidumbre continúe activa o pasivamente, a no ser que al tiempo de
separarse la propiedad de los dos predios, se exprese lo contrario en el título de la enajenación de cualquiera de
ellos. Artículo 381.- Las servidumbres se extinguen:1º.- Por la resolución del derecho del que ha constituido la
1034

seus requisitos essenciais, a existência de dois fundos: o dominante e o serviente.


Além desses elementos, as servidumbres ecológicas apresentam duas
características principais: a voluntariedade e a flexibilidade. É voluntária, porque
depende do desejo, da vontade do proprietário em instituir a servidão, e é flexível,
porque permite alcançar os diversos fins escolhidos pelo dono do imóvel e pelas
peculiaridades apresentadas pela propriedade. 7
Como as propriedades são diferentes e cada proprietário tem interesses
diversos uns dos outros, conseqüentemente às servidumbres ecológicas são
distintas, únicas e peculiares, de acordo com as características de cada terreno e
dos fins eleitos pelos referidos donos.
Por esse motivo, na Costa Rica, parte da doutrina sustenta que as
servidumbres ecológicas se diferenciam das outras servidões por seu conteúdo e
por seus fins. Mas, uma vez instituídas, aplicam as mesmas regras comuns a todas
as servidões, assim enumeradas: a) autolimitação; b) propriedade privada; c) direito
real; d) inseparabilidade do fundo a que pertencem; e) indivisibilidade; f) utilidade. 8
O proprietário que institui uma servidumbre ecológica permanece com o título
de propriedade do imóvel. Destarte, as servidões são direitos reais 9, pois referem-
se, exclusivamente, a imóveis e o seu exercício se estabelece corporalmente sobre
o terreno. 10 Assim, são inseparáveis do fundo a que, ativa ou passivamente,

servidumbre.2º.- Por la llegada del día o el cumplimiento de la condición, si fue constituida por determinado
tiempo o bajo condición. 3º.- Por la confusión, o sea la reunión perfecta é irrevocable de ambos predios en
manos de un solo dueño.4º.- Por remisión o renuncia del dueño del predio dominante.5º.- Por el no uso durante
el tiempo necesario para prescribir.6º.- Por venir los predios a tal estado que no pueda usarse de la servidumbre;
pero ésta revivirá desde que deje de existir la imposibilidad, con tal que esto suceda antes de vencerse el término
de la prescripción. Artículo 382.- Se puede adquirir y perder por prescripción un modo particular de ejercer la
servidumbre, en los mismos términos que puede adquirirse o perderse la servidumbre.
TÍTULO V. De las cargas o limitaciones de la propiedad impuestas por la ley. CAPÍTULO I. Disposiciones
generales. Artículo 383.- La propiedad privada sobre inmuebles está sujeta a ciertas cargas ú obligaciones que la
ley le impone en favor de los predios vecinos, o por motivo de pública utilidad. Artículo 384.- Las obligaciones a
causa de utilidad pública, se rigen por los reglamentos especiales. También se rigen por leyes especiales las que
se refieren al ramo de aguas, aunque se establezcan en interés o beneficio directo de particulares. Artículo 385.-
Lo dispuesto en el título de servidumbres se aplicará a las limitaciones de la propiedad impuestas por la ley, en
cuanto no se oponga a las prescripciones especiales sobre dichas cargas.
7
CHACÓN MARÍN, Carlos M.; CÓRDOBA, Rolando Castro (Ed.). Conservación de tierras privadas en
América Central. Utilizando herramientas legales voluntarias. Iniciativa Centroamericana de Conservación
Privada-Centro de Derecho Ambiental y de los Recursos Naturales (CEDARENA). San José, Costa Rica:
CEDARENA, 1998. p. 7-8.
8
CRUZ, Agustín Atmetlla; QUESADA, Silvia E. Chaves. Manual de Servidumbres Ecológicas (principalmente
para abogados y notarios). Costa Rica: CEDARENA, 1997. p. 5-9.
9
Cf. Código Civil da Costa Rica, “Artículo 370.- Las servidumbres no pueden imponerse en favor ni á cargo de
una persona, sino solamente en favor de un fundo o a cargo de él”.
10
CRUZ, Agustín Atmetlla; QUESADA, Silvia E. Chaves. Manual de Servidumbres Ecológicas (principalmente
para abogados y notarios). Costa Rica: CEDARENA, 1997. p. 6.
1035

pertencem 11 e, por isso, são indivisíveis. 12 Desse modo, se existir uma propriedade
com servidumbre ecológica e for dividida em várias partes, cada uma tem o dever de
cumprir a referida servidão.
A servidumbre ecológica deve, necessariamente, ter alguma utilidade, como a
de proporcionar vantagem ao fundo dominante por meio do fundo serviente. A
utilidade recai sobre o fundo, nunca sobre uma pessoa, e deve ser real e objetiva,
entendendo-se que tem que ser uma vantagem que não poderia ser conseguida
senão por meio da servidão. A utilidade é uma qualidade do fundo e está unida à
propriedade. O Código Civil da Costa Rica não contém nenhuma norma que
estabeleça a utilidade como uma característica da servidão. No entanto, no caso das
servidumbres ecológicas, sua utilidade se apresenta como um meio de obter o
equilíbrio entre a proteção e a conservação dos recursos ambientais, e a produção e
o desenvolvimento socioeconômico. Com a instituição da servidão ecológica, é
possível a criação de corredores biológicos, a conservação de parques e bosques
que servem também de habitat às diversas espécies de animais, dentre outros
valores ecológicos. 13
Convém, a propósito, salientar que na Costa Rica a melhor forma de constituir
as servidumbres ecológicas seja por meio de uma organização especializada em
conservação perpétua de recursos naturais, denominada Organização para
Conservação de Terras (OCT). Esta organização tem por finalidade assessorar e
prestar informações científicas e legais aos proprietários privados, bem como
recomendar a melhor forma de atividades sustentáveis pertinentes a propriedade. 14
Tem-se, portanto, que este tipo de organização é a responsável, o garantidor, do
contrato de servidumbres ecológicas, pois tem a função de verificar o cumprimento
dos termos do contrato.
Cumpre ressaltar a importância dos objetivos das Organizações para
Conservação de Terras (OCT), termo adotado para a versão latino-americana dos

11
Cf. Código Civil da Costa Rica, em seu “Artículo 371.- Las servidumbres son inseparables del fundo a que
activa o pasivamente pertenecen”.
12
Cf. Código Civil da Costa Rica, “Artículo 372.- Las servidumbres son indivisibles. Si el fundo sirviente se
divide entre dos o más dueños, la servidumbre no se modifica, y cada uno de ellos tiene que tolerarla en la parte
que le corresponde. Si el predio dominante es el que se divide, cada uno de los nuevos dueños gozará de la
servidumbre, pero sin aumentar el gravámen al predio sirviente”.
13
CRUZ, Agustín Atmetlla; QUESADA, Silvia E. Chaves. Manual de Servidumbres Ecológicas (principalmente
para abogados y notarios). Costa Rica: CEDARENA, 1997. p. 6-8.
14
CHACÓN, Carlos Marin; MEZA, Andrea. Servidumbres ecológicas para la protección ambienta en tierras
privadas costarricenses. Disponível em: <http://www.una.ac.cr/ambi/Ambien-Tico/90/cchacon.htm. Acesso em
20 jan. 2008.
1036

Land Trust norte-americanos. As OCT são organizações não-governamentais


(ONGs) que trabalham junto aos proprietários de terras para implementar
perpetuamente a conservação dos recursos naturais em seus imóveis. Essas
entidades recebem doações e compram terras, quando as mesmas são de altíssimo
valor de biodiversidade, fomentam a educação ambiental, dentre outros mecanismos
eficazes e necessários à tutela ambiental. Portanto, tem por finalidade preservar
tanto a biodiversidade de ecossistemas de flora e fauna quanto a beleza cênica,
além de combater a especulação imobiliária e fomentar o turismo, entre outras
finalidades de conservação da natureza.
A instituição de servidumbres ecológicas resulta em benefícios para a
sociedade e para os proprietários privados, que conservam de forma espontânea,
sem a interferência do Estado, os recursos naturais, além de auferirem benefícios
financeiros, por meio de serviços ambientais, isenções fiscais, e ainda, a valorização
das propriedades, por estarem conservadas ambientalmente.

3 SERVIDÃO AMBIENTAL NO BRASIL


A servidão ambiental surgiu com o advento da Lei n. 11.284 de 2 de março de
2006, que dispõe sobre a Gestão de Florestas Públicas para a Produção
Sustentável no Brasil. 15 Esse diploma acrescentou, por meio do seu art. 84, à
Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n. 6.938/1981) dois dispositivos sobre a
servidão ambiental: o art. 9º, XIII, que a trata como instrumento econômico e o art.
9º-A, que a disciplina tendo em vista a tutela dos recursos naturais.
A mesma norma (art. 85 da Lei n. 11.284/2006) também acrescentou a
servidão ambiental ao art. 167, II, item 23, da Lei de Registros Públicos (Lei n.
6.015/1973). 16
A servidão ambiental possui como uma de suas características ser um
instrumento econômico, que tem por objetivo melhorar e assegurar a qualidade
ambiental e as condições ao desenvolvimento socioeconômico para a proteção da
vida humana. Nesse sentido, o art. 9º, I a XII da Lei n. 6.938/1981 enumera os
15
A Lei n. 11.284, de 2 de março de 2006, dispõe sobre a gestão de florestas públicas para a produção
sustentável; institui, na estrutura do Ministério do Meio Ambiente, o Serviço Florestal Brasileiro – SFB; cria o
Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal – FNDF; altera as Leis ns. 10.683, de 28 de maio de 2003, 5.868,
de 12 de dezembro de 1972, 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, 4.771, de 15 de setembro de 1965, 6.938, de 31
de agosto de 1981, e 6.015, de 31 de dezembro de 1973; e dá outras providências.
16
Lei n. 11.284/2006 “Art. 85. O inciso II do caput do art. 167 da Lei n. 6.015, de 31 de dezembro de 1973,
passa a vigorar acrescido dos seguintes itens 22 e 23: “Art. 167. [...] II – [...] 22. da reserva legal; 23. da servidão
ambiental”. (NR).
1037

instrumentos referentes à política do meio ambiente. 17 A esse dispositivo foram


acrescentados os seus instrumentos econômicos, como a “concessão florestal,
servidão ambiental, seguro ambiental e outros” (art. 9º, XIII).
A servidão ambiental também tem essa característica em relação à política do
meio ambiente e não como figura jurídica do Código Florestal, como é o caso da
servidão florestal. Frise-se, a servidão florestal foi instituída no Brasil mediante
Medida Provisória n. 2.166/01-67, de 24 de agosto de 2001, com prazo de validade
estendido pelo art. 2º da Emenda Constitucional n. 32/2001, encartada no art. 44-A
da Lei n. 4.771/1965, denominada Código Florestal.
A Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n. 6.938/1981) abarca o
desenvolvimento sustentável e a dignidade da pessoa humana, portanto tem um
alcance muito maior do que o apresentado pelo Código Florestal (Lei n. 4.771/1965),
que trata exclusivamente da flora existente nas propriedades públicas e privadas.
Ressalte-se que o art. 85 da Lei de Gestão de Florestas Públicas (Lei n.
11.284/2006) inclui a servidão ambiental e a reserva legal na denominada Lei de
Registros Públicos (Lei n. 6.015/1973). Desse modo, além da matrícula, serão feitos
os registros da servidão ambiental e da reserva legal no registro de imóveis. 18
No final de seu texto, no último dispositivo, a Lei de Gestão de Florestas
Públicas (art. 86, da Lei n. 11.284/2006) foi omissa, pois não revogou
expressamente nenhuma norma jurídica. 19 Essa falta de clareza e precisão traz
problemas de segurança jurídica dos atos normativos. É a segurança jurídica que
confere aos indivíduos a certeza e a estabilidade na forma de agir conforme o que
está prescrito nas regras jurídicas. Desse modo, a norma jurídica deve ser clara e

17
Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981. “Art. 9º. São instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente: I –
o estabelecimento de padrões de qualidade ambiental; II – o zoneamento ambiental; III – a avaliação de impactos
ambientais; IV – o licenciamento e a revisão de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras; V – os
incentivos à produção e instalação de equipamentos e a criação ou absorção de tecnologia, voltados para a
melhoria da qualidade ambiental; VI – a criação de espaços territoriais especialmente protegidos pelo Poder
Público federal, estadual e municipal, tais como áreas de proteção ambiental, de relevante interesse ecológico e
reservas extrativistas; VII – o sistema nacional de informações sobre o meio ambiente; VIII – o Cadastro
Técnico Federal de Atividades e Instrumentos de Defesa Ambiental; IX – as penalidades disciplinares o
compensatórias ao não-cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção da degradação
ambiental; X – a instituição do Relatório de Qualidade do Meio Ambiente, a ser divulgado anualmente pelo
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis – IBAMA; XI – a garantia da prestação
de informações relativas ao Meio Ambiente, obrigando-se o Poder Público a produzi-las, quando inexistentes;
XII – o Cadastro Técnico Federal de atividades potencialmente poluidoras e/ou utilizadores dos recursos
ambientais”
18
Lei n. 11.284/2006: “Art. 85. O inciso II do caput do art. 167 da Lei n. 6.015, de 31 de dezembro de 1973,
passa a vigorar acrescido dos seguintes itens 22 e 23: “Art. 167. [...] II – [...] 22. da reserva legal; 23. da servidão
ambiental”.(NR)
19
Lei n. 11.284/2006. “Art. 86. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação”
1038

precisa e não omissa como a lei em análise. Nesse diapasão, questiona-se se foi ou
não revogada a servidão florestal, prevista no art. 44-A da Lei 4.771/1965. 20
Diante desse quadro, entende-se que houve a revogação da servidão
florestal, mais precisamente a derrogação do art. 44-A, pois o dispositivo que se
refere à servidão ambiental compreendeu a servidão florestal. Basta comparar
ambos (art. 9º-A da Lei n. 6.938/2006 e art. 44-A do Código Florestal
respectivamente). 21 Note-se que foram utilizados termos distintos: “servidão
florestal” e “servidão ambiental”.
Portanto, constata-se que a servidão ambiental é extremamente similar à
florestal, com alguns avanços para a servidão ambiental, pois, em vez de proteção à
“vegetação nativa”, trata da proteção dos “recursos naturais”. No entanto, deveria ter
abarcado a proteção dos “recursos ambientais”, proporcionando um maior alcance e
englobando todos os bens ambientais, naturais e artificiais. Logo, outra não pode ser
a conclusão de que realmente houve a revogação da servidão florestal pela servidão
ambiental.

20
A Lei n. 11.284/2006, por meio do seu art. 84, acrescenta a servidão ambiental à Lei n. 6.938/1981, nos
seguintes termos: “Art. 9º - A. Mediante anuência do órgão ambiental competente, o proprietário rural pode
instituir servidão ambiental, pela qual voluntariamente renuncia, em caráter permanente ou temporário, total ou
parcialmente, a direito de uso, exploração ou supressão de recursos naturais existentes na propriedade. § 1º. A
servidão ambiental não se aplica às áreas de preservação permanente e de reserva legal. § 2º. A limitação ao uso
ou exploração da vegetação da área sob servidão instituída em relação aos recursos florestais deve ser, no
mínimo, a mesma estabelecida para a reserva legal. § 3º. A servidão ambiental deve ser averbada no registro de
imóveis competente. § 4º. Na hipótese de compensação de reserva legal, a servidão deve ser averbada na
matrícula de todos os imóveis envolvidos. § 5º. É vedada, durante o prazo de vigência da servidão ambiental, a
alteração da destinação da área, nos casos de transmissão do imóvel a qualquer título, de desmembramento o de
retificação dos limites da propriedade”. Por sua vez o Código Florestal (Lei 4.771/1965) prevê a servidão
florestal com esse teor: “Art. 44-A. O proprietário rural poderá instituir servidão florestal, mediante a qual
voluntariamente renuncia, em caráter permanente ou temporário, os direitos de supressão ou exploração da
vegetação nativa, localizada fora da reserva legal e da área com vegetação de preservação permanente. § 1º. A
limitação ao uso da vegetação da área sob regime de servidão florestal deve ser, no mínimo, a mesma
estabelecida para a Reserva Legal. § 2º. A servidão florestal deve ser averbada à margem da inscrição de
matrícula do imóvel, no registro de imóveis competente, após anuência do órgão ambiental estadual competente,
sendo vedada, durante o prazo de sua vigência, a alteração da destinação da área, nos casos de transmissão a
qualquer título, de desmembramento ou de retificação dos limites da propriedade”. Redação dada pela Medida
Provisória n. 2.166/01-67, de 24 de agosto de 2001, com prazo de validade estendido pelo Art. 2º, da Emenda
Constitucional n. 32/2001.
21
Segundo Maria Helena Diniz “a revogação é o gênero, que contém duas espécies: ab-rogação e a derrogação.
A ab-rogação é a supressão total da norma anterior, e a derrogação torna sem efeito uma parte da norma. Logo,
se derrogada, a norma não sai de circulação jurídica, pois somente os dispositivos atingidos é que perdem a
obrigatoriedade” (Curso de Direito Civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 79). No mesmo sentido:
TELLES JÚNIOR, Goffredo. Iniciação na ciência do Direito. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 205. RÁO, Vicente.
O direito e a vida dos direitos. 5. ed. anotada e atual. por Ovídio Rocha Barros Sandoval. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1999. p. 338.
1039

4 CONCLUSÕES
A servidão ambiental decorre dos princípios consagrados na Constituição
Federal de 1988 e dos que são responsáveis pelo fundamento do direito ambiental,
compreendendo os seguintes: princípio do direito fundamental da pessoa humana;
princípio do meio ambiente ecologicamente equilibrado; princípio da função
socioambiental da propriedade; princípio do desenvolvimento sustentável; princípio
da prevenção ou precaução; princípio do poluidor-pagador; princípio da participação
da coletividade; princípio da cooperação internacional em matéria ambiental; e
princípio da natureza pública da proteção ambiental.
Ela tem como um de seus paradigmas as servidumbres ecológicas, do Direito
costarriquenho que deriva da servidão civil e exigem um fundo serviente e um imóvel
dominante resultado de acordo legal, voluntário, firmado entre dois ou mais
proprietários de terras, mediante o qual, ao menos um deles decida limitar o uso de
sua propriedade em favor de outro ou de outros imóveis, por período temporário ou
permanente.
As servidumbres ecológicas costarriquenhas têm aplicabilidade em
decorrência de seus inúmeros benefícios, tais como vantagens econômicas ao
proprietário que a institui mediante o recebimento de valores pagos pelo proprietário
do imóvel dominante ou de ONGs, ou ainda em razão de incentivos fiscais do
Estado; aumento do valor econômico da terra, na medida em que os espaços com
florestas se tornam mais escassos; possibilidade de estabelecimento de
servidumbres ecológicas recíprocas; proteção de pequenos bosques de significativa
importância ecológica, além de não depender, para seu cumprimento, da
administração pública e de poder ser constituída como mecanismo para a mitigação
ou compensação de impacto ambiental. Enfim, o maior benefício é a garantia da
proteção dos recursos naturais das terras privadas e a contribuição para o
desenvolvimento sustentável do país.
No caso específico do Brasil, a servidão ambiental deverá ser instituída,
mediante anuência do órgão ambiental competente, somente por proprietário rural,
que renuncia voluntariamente a seus direitos de uso, exploração ou supressão de
recursos naturais existentes em sua propriedade, por período temporário ou
permanente, sobre a área total ou parcial da propriedade, devendo ser averbada na
matrícula do título de propriedade no cartório de registro de imóveis. Cumpre
1040

destacar que as restrições impostas pela lei e a falta de incentivos econômicos


impedem a evolução das servidões ambientais no Brasil.
Enfim, na continuidade do sistema de analogia e adaptação dos institutos
jurídicos a legislação pátria poderia adotar algumas das características das
servidumbres ecológicas da Costa Rica para fins de efetivação e realização concreta
como forma de proteção e conservação ambiental.

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1042

GESTÃO AMBIENTAL NA SOCIEDADE DE RISCO:


Notas sobre a apropriação do discurso ecológico pela empresa

THAÍS EMÍLIA DE SOUSA VIEGAS 1

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A paulatina consideração do tema ambiental pela indústria refletiu a
consolidação do processo de construção social que redundou na inserção dos
problemas ecológicos na agenda pública. De fato, o reconhecimento social e a
existência de certo consenso científico em torno dos problemas ambientais
compeliu a indústria a pensar o processo produtivo a partir de uma exigência
até então inédita: a de considerar os custos ambientais no balanço de sua
atuação empresarial.
Partindo-se de uma perspectiva analítica construtivista, tem-se que os
problemas ambientais são formulados socialmente e sua legitimação resulta de
um processo de definição social que se desenvolve nas esferas pública e
privada.
Sob tal viés, os chamados riscos de graves conseqüências, de que são
exemplos os riscos ambientais, são tecidos no contexto de complexas e
intricadas redes de negociação social, que definiram e articularam as
condições ambientais como sendo inaceitavelmente arriscadas.
A percepção teórica de que os problemas ambientais alcançaram
proporções de crise foi conduzida pelo trabalho do sociólogo alemão Ulrich
Beck, cuja teoria da sociedade de risco dá lastro às reflexões ora
apresentadas.
Dentre as diversas abordagens teóricas possíveis, a sociologia dos
riscos apresenta uma análise novidadeira da sociedade contemporânea, por

1
Graduada em Direito pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Mestre em Direito pela
Universidade Federal de Santa Catarina (USFC). Professora dos Cursos de Graduação em Direito e de
Pós-Graduação lato sensu em Direito Ambiental da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco (UNDB),
em São Luís (MA). Assessora no Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão.
1043

centrar suas observações no protagonismo do tema dos riscos em face da


necessária releitura da modernidade.
Assentado este referencial teórico, de que se ocupará o item inaugural
do trabalho, discute-se, no tópico seguinte, a assunção de responsabilidades
ambientais pela indústria. Nesse ponto, o intento é traçar um perfil da
ecologização do processo produtivo, a partir da máxima do desenvolvimento
sustentável, sedimentada na Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente
e Desenvolvimento, a Rio 92.
Após, aborda-se a apropriação do discurso ambientalista pelo marketing,
expondo à debate os limites e possibilidades de se imprimir um sentido
ecológico à propaganda e à publicidade institucional das empresas.
Em seguida, discute-se de que maneira a crise ambiental, engendrada
no contexto de uma sociedade de risco, fomentou e incentivou iniciativas da
indústria e dos consumidores voltadas a desenhar estratégias de consumo
verde.
Busca-se analisar, nos estritos limites consentidos pela extensão e
propósitos deste trabalho, a inserção do consumidor no debate sobre o sistema
de co-responsabilidades ambientais, problematizando-se, ainda, o
deslocamento da discussão da crise ambiental da produção para o consumo.
Cumpre registrar que as reflexões ora apresentadas são, em parte,
frutos dos debates havidos durante o Módulo Direito Ambiental Empresarial,
ministrado aos alunos do Curso de Especialização em Direito Ambiental da
Unidade de Ensino Superior Dom Bosco (UNDB), aos quais deixo consignado
sincero agradecimento.

2 A PERSPECTIVA CONSTRUTIVISTA DOS PROBLEMAS AMBIENTAIS E


A TEORIA DA SOCIEDADE DE RISCO
A abordagem construtivista defende que a ordenação dos problemas
ambientais pelos atores sociais não se dá de maneira automática e nem
sempre depende da deterioração ambiental real. Aqui, frise-se, não se nega
aos problemas ambientais uma realidade objetiva, mas pondera-se que a
1044

percepção pública de que se vive uma crise ecológica 2 é modelada por outras
considerações como, por exemplo, a extensão da cobertura dos meios de
comunicação social (HANNIGAN, 1995).
Tal perspectiva centra-se, portanto, nos processos sociais, políticos e
culturais por meio dos quais uma questão ambiental alcança a agenda pública,
tornando-se objeto de políticas institucionais, de preocupação legislativa e de
inquietação jurídica. Contudo, até atingirem a arena política e serem
legitimados em amplas sendas, as exigências ambientais precisam vencer uma
série de etapas. Assim é que a formulação social dos problemas ambientais
abrange as tarefas de reunião, apresentação e contestação das exigências
(HANNIGAN, 1995).
Reunir exigências ambientais envolve a descoberta e a elaboração de
um problema inicial. Aqui, a ciência aparece como foro central, sem se
descurar, obviamente, das experiências de vida, do conhecimento prático e do
cotidiano.
A tarefa seguinte é apresentar a exigência, quer dizer, tornar o problema
ambiental, ainda em estado latente, em algo novo e compreensível, chamando
atenção para sua importância e legitimando-o em amplas frentes, como nos
meios de comunicação social, por exemplo.
Finalmente, para que um acontecimento origine um problema ambiental,
é necessário transportar a questão para o âmbito institucional, promovendo
ações e políticas de implementação, ao mesmo tempo em que se produz um
arsenal normativo voltado ao problema (HANNIGAN, 1995).
Na condição de problema ambiental, o desastre de Chernobyl, em 1986,
tornou inelutavelmente visíveis os riscos nucleares. Apoiado em sólida
constatação empírica, o evento logrou exitosa construção social, pelo que foi

2
Para fins deste estudo, consideram-se sinônimas as expressões “crise ambiental” e

“crise ecológica”, que se definem como a “escassez de recursos naturais e as diversas

catástrofes em nível planetário, surgidas a partir das ações degradadoras do ser humano na

natureza” (LEITE & AYALA, 2004, p. 1).


1045

validado científica, ambiental e socialmente. Foi a partir dessa catástrofe, que o


sociólogo alemão Ulrich Beck edificou sua teoria da sociedade de risco.
Trata-se de uma mirada nova sobre a sociedade, a ciência e a técnica,
reunidas e engendradas na produção, predição e controle de ameaças inéditas
e irreversíveis, resultantes da radicalização da modernização. Aliás, é do
sucesso da modernidade, do conhecimento científico e do desenvolvimento
técnico que emergem os riscos de graves conseqüências, caracterizados pela
invisibilidade, aterritorialidade e incomensurabilidade (GIDDENS, 1991).
Esse novo modelo de organização social qualifica-se a partir de riscos
criados pela crescente modernização, que escapam do controle e dos limites
protetivos da sociedade industrial. Estão além dos sistemas de securitização,
pois não são passíveis de limitação temporal ou espacial, tampouco
submetem-se a regras de causalidade e responsabilidade (BECK, 1996).
Confrontada com incertezas inéditas e premida pelo reconhecimento da
imprevisibilidade das ameaças provocadas pelo desenvolvimento técnico-
industrial, a sociedade de risco torna-se um tema e um problema para si
própria: questiona as suas convenções e os fundamentos de sua racionalidade.
Torna-se reflexiva, enfim (BECK, 1997).
Esta reflexividade caracteriza uma fase da sociedade de risco em que os
efeitos da sociedade industrial deixam de ser riscos residuais para ocuparem a
arena política e privada, envolvendo diferentes setores sociais (GUIVANT,
2000).
O movimento de inserção de amplos segmentos sociais no debate
reflexivo acerca dos riscos ambientais conduziu a uma espécie de
ecologização do processo produtivo, quer dizer, consideração da variável
ambiental pela indústria.
Nesse sentido, a Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e
Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro, em 1992, figura como
importante referencial para a abordagem das implicações e conseqüências
práticas associadas à inclusão da variável ambiental como balizamento para o
exercício de atividades econômicas das empresas.
1046

3 A ECOLOGIZAÇÃO DO PROCESSO PRODUTIVO: GESTÃO AMBIENTAL


EMPRESARIAL NA SOCIEDADE DE RISCO
É certo que muitas resmas de papel já foram consumidas para o
tratamento jurídico do desenvolvimento sustentável, hoje erigido à condição de
princípio do Direito Ambiental (COSTA NETO, 2003). De igual modo, a Rio 92 é
evento repetidamente mencionado nos manuais e artigos que se ocupam da
análise das questões ambientais, no Brasil e no mundo.
Aqui, no entanto, e em respeito a numerosos trabalhos anteriormente
publicados e certamente melhor alinhavados que este, não se intenta recobrar
as inúmeras definições de desenvolvimento sustentável.
Para fins deste estudo, é suficiente compreender que o desenvolvimento
sustentável implica “no ideal de um desenvolvimento harmônico da economia e
ecologia que devem ser ajustados numa correlação de valores onde o máximo
econômico reflita igualmente um máximo ecológico” (DERANI, 2001: 132).
Esta é a premissa que sustenta a idéia de que o setor produtivo, ao lado
do Estado, doravante, há de pautar sua atuação mercadológica a partir de
padrões de sustentabilidade ambiental. Considera-se, assim, a assunção de
responsabilidades ecológicas pela indústria. A partir daí, situa-se um processo
de paulatina percepção dos riscos ambientais pelo empresariado, o que
desemboca, em última análise, na implementação de esquemas de gestão
ambiental na indústria.
Alguns fatores podem ser apontados como decisivos na fixação de
metas de desempenho empresarial sustentável. Além da amplitude que tomou
a noção de desenvolvimento sustentável, a necessidade de mitigação dos
chamados custos punitivos (relacionados ao tríplice sistema de
responsabilização pelos danos ambientais), a influência exercida pela pressão
promovida por organizações ambientalistas, bem como a emergência de
códigos internacionais pró-desempenho ambiental e de investidores
“conscientes” foram fatores decisivos à introdução da variável ecológica na
agenda empresarial (CARVALHO, 2009).
No ponto, a Rio 92 representou um importante marco na apropriação da
idéia de desenvolvimento sustentável pelo setor produtivo (LUCENA &
1047

RIBEIRO, 2005). Com efeito, a Conferência das Nações Unidas sobre


Ambiente e Desenvolvimento conduziu a percepção do empresariado em torno
da necessidade de práticas institucionais que busquem soluções para, ao
menos, minimizar os efeitos nocivos das atividades industriais. 3
Inserida a questão ecológica na agenda empresarial, o passo seguinte
foi a constituição de sistemas de gestão ambiental, instrumentos voluntários de
auto-regulação que preconizam aliar os lucros das atividades econômicas, cuja
exploração tem por base material os recursos naturais, à melhoria da qualidade
de vida da comunidade. A reunião desses elementos representa, em verdade,
para além da idéia de que o desenvolvimento sustentável nada mais é que um
óbice ao crescimento econômico, uma nova trincheira de negócios e, mesmo,
uma estratégia de marketing.
De fato, a assunção de responsabilidades ambientais pela empresa
transmutou-se de mera obrigação legal (em face dos, em tese, rígidos
esquemas legais de responsabilidade civil objetiva pelos danos ambientais) a
verdadeiro nicho de criação de vantagem competitiva ao setor privado
(HAWKEN et. al.,1999).
Sob esse prisma, a implantação de sistemas de gestão ambiental e a
busca da certificação de qualidade ambiental pelas empresas justifica-se em
virtude da necessidade de manutenção e conquista de novos mercados,
transmissão de maior confiança ao público quanto ao gerenciamento dos
impactos ambientais gerados pela atividade produtiva e mitigação dos custos
punitivos (advindos, dentre outros, da imposição de severas multas pelos

3
Pondere-se que este esforço de contingenciamento de danos ambientais aparta-se da idéia de precaução
dos riscos, os quais se constituem ameaças que nem a ciência, tampouco o empresariado, consegue
mensurar ou compensar. A rigor, os sistemas de gestão empresarial não contemplam os riscos de graves
conseqüências, aqueles que qualificam a sociedade contemporânea. O referencial teórico da sociedade de
risco, contudo, não se torna imprestável a uma análise crítica da gestão ambiental empresarial, na medida
em que retrata um complexo e intrigado sistema de acordos sociais em torno da formulação das
exigências ambientais a serem consideradas pelo setor produtivo. De igual modo, serve para retratar que,
nada obstante o discurso de legitimação da responsabilidade ambiental das empresas, seus sistemas de
controle e gestão ainda estão deveras vinculados a danos cuja limitação territorial, ainda que
reconhecidamente dificultosa, é plausível, bem como mensurável e passível de contrato de seguro. Tudo
isso respalda a marginalização, no âmbito das empresas, da consideração dos riscos ambientais de sua
atuação. Aqui, apresentam especial relevância as atividades empresariais relacionadas a nanotecnologia,
agrotóxicos e organismos geneticamente modificados.
1048

órgãos ambientais fiscalizadores, além de condenação em ações civis públicas


e mesmo em processos penais).
O cerne da questão orbita, enfim, na consideração de que, a rigor, a
inserção de preocupações ambientais na agenda das empresas remete, antes,
a uma demanda de ordem pragmática que a um sentido ambiental das
atividades produtivas. É dizer, a questão imposta às empresas reside em
imprimir um sentido ambiental aos resultados econômicos alcançados. Ao
público, por seu turno, a questão é discutir e identificar um sentido econômico
às políticas empresariais de gestão ambiental.
Em socorro desta perspectiva tem-se a paulatina e progressiva
apropriação do discurso ambientalista pelo marketing das empresas. Não é
bastante implementar sistemas de controle ambiental ou alcançar a certificação
ISO 14001, é preciso dar visibilidade midiática ao comprometimento da
indústria com o equilíbrio ambiental.
Assim é que, especialmente, as grandes indústrias têm investido em
propaganda massiva voltada à divulgação de suas políticas ambientais. A
publicidade remete tanto ao respeito aos padrões ambientais (a que a indústria
é compelida por uma plêiade de normas jurídicas obviamente cogentes) quanto
às iniciativas de responsabilidade ambiental (tais como a manutenção de
programas de reflorestamento ou de educação ambiental).
Em uma nova frente de atuação, a publicidade ecológica das empresas,
por assim dizer, tem avançado sobre propostas de estratégias voltadas para a
esfera do consumo, considerando o papel dos indivíduos, enquanto
consumidores, no contexto de uma crise ambiental de amplas proporções. A
inserção desses atores sociais na equação ecológica será objeto do tópico
seguinte.
1049

4 DA GESTÃO AMBIENTAL EMPRESARIAL AO CONSUMO VERDE: O


DESLOCAMENTO DA QUESTÃO ECOLÓGICA DA PRODUÇÃO PARA O
CONSUMO
A Rio 92, além de ter demarcado a inserção do setor empresarial, agora
na condição de “amigo do verde”, no esforço de proteção ambiental, conduziu
ao debate propostas de políticas ambientais que consideram o consumo como
relevante elemento de gestão ambiental e os consumidores como atores
sociais de fundamental importância neste contexto.
Trata-se de uma forma de percepção da crise ambiental que estimulou o
surgimento de uma série de estratégias voltadas para uma reflexão acerca do
papel dos indivíduos comuns em face da crise ambiental (PORTILHO, 2005).
Os consumidores são chamados a assumirem co-responsabilidade pela
progressiva degradação, em nível mundial, do meio ambiente. Tem-se um
empoderamento do consumidor, que sai da condição de mero sujeito que
adquire bens no mercado de consumo, para ser agente de decisão ambiental.
O consumidor, então, assume posição de destaque quando, por meio de suas
escolhas, é capaz de afetar a qualidade do meio ambiente e, por conseguinte,
a condição de bem-estar humano.
Envolver o consumidor em estratégias voltadas à sustentabilidade é o
retrato do gradativo deslocamento do eixo de discussão dos problemas
ambientais da produção para o consumo. Aponta-se, dentre os fatores que
justificam tal movimento, o reconhecimento da insuficiência de se regular a
produção, a conclusão de que tal regulação já foi suficientemente
implementada e, por fim, a consideração de que o problema reside no
consumo, na medida em que a demanda do consumidor teria o condão de
mudar o sistema produtivo (PORTILHO, 2005).
A consideração da co-responsabilidade dos consumidores em face da
crise ambiental nada mais é que o envolvimento de todos os sujeitos titulares
do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado na tarefa de tutela da
qualidade de vida. Contudo, é preciso deixar o alerta de que o simples
deslocamento da problemática ambiental para o consumo não é o bastante
para se fazer frente aos riscos ambientais.
1050

É que os consumidores não são atores singulares portadores da história


e, nessa medida, não contemplam, per si, todas as alternativas minimamente
plausíveis à chamada crise ambiental. Suas ações podem e devem ser
consideradas como mais um elemento na complexa teia de relações sociais em
torno das quais são engendrados os conflitos ambientais.
Portanto, os consumidores não são atores sociais privilegiados que
guardam em si todas as possibilidades de estratégias voltadas à
sustentabilidade. Do mesmo modo, não podem ser concebidos enquanto
vítimas passivas e objeto de manipulação pelo setor produtivo (PORTILHO,
2005). Assim, considerá-los na equação ambiental não pode excluir a
necessária problematização dos limites do sistema produtivo gerador de riscos
ambientais inéditos, aqueles que caracterizam e qualificam a sociedade
contemporânea como sociedade de risco.

5 CONCLUSÕES

1. Os problemas ambientais, em que pese terem uma realidade objetiva,


resultam de processos sociais, políticos e culturais por meio dos quais
alcançam a agenda pública.
2. A teoria da sociedade de risco apresentou uma análise novidadeira da
sociedade contemporânea, por centrar suas observações no protagonismo do
tema dos riscos em face da necessária releitura das instituições da
modernidade.
3. A apropriação do discurso ambientalista pelo setor empresarial, ao
tempo em que representa a inserção da temática ambiental na lógica interna do
setor produtivo, não retrata uma autêntica preocupação ambiental solidária,
senão uma possibilidade de obtenção de vantagem competitiva no mercado.
4. A inserção dos consumidores na condição co-responsáveis pela crise
ambiental não pode excluir da análise da idéia de gestão ambiental a efetiva
contribuição do setor produtivo na produção e reprodução de riscos ambientais.
1051

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A SOCIEDADE DE RISCO E O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL – A


EDUCAÇÃO AMBIENTAL COMO PARADIGMA DE AÇÃO NA GESTÃO
URBANA

VIVIAN C. K. DOMBROWSKI 1

1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho será pautado na crise ambiental que assola a
sociedade, já denominada de risco, do séc. XXI, a qual requer a elaboração de
novos modelos de ação na prevenção do dano ecológico.
Tendo por base o início da referida crise, já no séc. XVIII, com a
revolução industrial, estudar-se-á a influência do capitalismo e da economia na
eclosão do problema ambiental, bem como na evolução da sociedade moderna
para a sociedade de risco.
A partir da conceitualização da sustentabilidade, procurar-se-á visualizar
sua importância e sua aplicação no cenário atual, bem como a sua
necessidade de se tornar o pilar basilar de proteção ambiental.
Ainda, abordar-se-á a educação ambiental não formal, como viés
essencial para se buscar a sustentabilidade, a partir de considerações sobre a
importância da interdisciplinaridade desse tema.
Por fim, será estudada a questão da construção da racionalidade
ambiental, a qual aliada a metodologias de educação ambiental, poderá servir
para a criação de novos paradigmas para a solução dos conflitos ambientais
atuais, bem como a prevenção de futuros danos, a partir da adoção da
sustentabilidade como requisito imprescindível para a ambiência urbana.

1
Bel. em Direito e especialista em Direito Sócioambiental pela PUC-PR; mestranda em Direito pela Universidade
Federal de Santa Catarina – UFSC. Bolsista CAPES.
Contato: vivian.dombrowski@hotmail.com
1055

2 A CRISE AMBIENTAL E A SOCIEDADE DE RISCO – A BUSCA PELA


SUSTENTABILIDADE
A crise ambiental foi o marco que ensejou uma maior preocupação com
meio ambiente e uma desaceleração da produção econômica e comercial.
Pode-se dizer que tal crise foi um freio à produção exarcebada de bens e
serviços do mundo globalizado, ou, nas palavras de LEFF “a marca de uma
crise de civilização, de uma modernidade fundada na racionalidade econômica
e científica como os valores supremos do projeto humanizatório da
humanidade, que tem negado a natureza como fonte de riqueza [...]” (LEFF,
2006, p.223).
A degradação da natureza em face dos anseios econômicos já podia ser
visualizada no período do Iluminismo, onde a razão cartesiana e a física
newtoniana já separavam o homem da natureza (LEFF, 2006),
desconsiderando a importância desta sobre aquele e ilimitando a sua
utilização. Na valorização das necessidades burguesas e da felicidade dos
homens do mercantilismo da época, a natureza serviria apenas como fonte de
riqueza, seja a agricultura, a mineração ou a pecuária (PEDRO, 2005). Com a
consolidação do capitalismo na Europa, surge uma demanda ainda maior de
exploração dos recursos ambientais em função da produção industrial.
Impulsionados pelos ideais otimistas da economia política de Adam Smith, que
pregavam que “o valor de um produto é dado pela quantidade de trabalho
social gasto para produzi-lo” (PEDRO, 2005, p.307), a população da época
pôs-se em choque com as argumentações de Ricardo e Malthus, os quais
defendiam a idéia de que com o aumento da população para atender às
exigências industriais e comerciais, a humanidade seria levada à uma fome
permanente, uma vez que “o crescimento da população esgotaria e limitaria o
solo, encarecendo os alimentos e provocando aumentos salariais” (PEDRO,
2005, p.307).
Foi somente com o socialismo científico de Marx e Engels, ou o
marxismo, que a produção capitalista desenfreada passou a encontrar alguma
resistência. Leff salienta, nesse sentido, que “desde o socialismo utópico e o
marxismo [...], a racionalidade econômica foi criticada por fundar-se na
1056

exploração da natureza e do trabalhador, por seu caráter concentrador do


poder que [...] subordina os valores humanos ao interesse econômico e
instrumental” (2006, p. 227). Contudo, com a Revolução Industrial retomou-se a
produção em massa, unindo a ciência à tecnologia, principalmente na
exploração de novos recursos naturais, como a borracha e o petróleo (PEDRO,
2005), ensejando o surgimento da sociedade de risco.
Com o estopim da crise ambiental, passou-se a questionar a
racionalidade econômica até então vigente. A degradação ecológica, o uso
indiscriminado de matérias primas pelas grandes indústrias, enfim, ações de
destruição do meio ambiente fez com que despontassem movimentos
ecológicos que buscavam uma nova doutrina ideológica na busca da
sustentabilidade.
Surgem então, principalmente como o advento da Conferência de
Estocolmo (1972), a Rio-92 e o Protocolo de Quioto (2002), políticas de
prevenção do dano ao meio ambiente, priorizando o desenvolvimento
sustentável. Contudo a tônica da questão econômica é trazida à baila
novamente, uma vez que a recusa de países desenvolvidos em aderir a acordo
e tratados de proteção ambiental demonstrou que tais nações ainda defendem
que um novo modelo econômico que “passasse a priorizar a problemática
ambiental, exigiria alteração nos padrões de extração de recursos naturais,
produção de mercadorias e de geração de energia. Essa mudança demandaria
grandes investimentos” (LUCCI, 2004, p. 293).
O conceito da sociedade de risco, trazido por Ulrich Beck, é de relevante
importância no contexto da degradação do ecossistema e da crise ambiental.
Torna-se imprescindível mencioná-la nesse estudo uma vez que:
A obra de Beck tem uma particular importância para qualquer
pessoa interessada na resposta da teoria social à degradação
do ambiente e à política de ambiente. O aspecto característico
de sua obra consiste em localizar as origens e conseqüências
da degradação do ambiente precisamente no centro de uma
teoria da sociedade moderna, em vez de considerá-la um
elemento periférico ou uma reflexão teórica posterior. A
sociologia de Beck e as sociedades que ela descreve são
dominadas pela existência de ameaças ecológicas e pela
forma como as entendemos e reagimos. Na realidade,
podemos ser levados ao ponto de afirmar que a sociedade de
risco é firmada e definida pela emergência destes perigos
1057

ecológicos, caracteristicamente novos e problemáticos.


(GOLDBLAT, 1996, p. 288)

A sociedade de risco pode ser conceituada, para um primeiro


entendimento, como “uma fase do desenvolvimento da sociedade moderna
onde os riscos sociais, políticos e ecológicos e individuais, criados pelo
momento da inovação, iludem cada vez mais as instituições de controle e
proteção da sociedade industrial” (LASH apud LEITE, 2003, p.25).
Segundo Beck (2002), a sociedade de risco teria iniciado com a
Revolução Industrial, momento este em que uma série de eventos de graves
conseqüências se instalaria no mundo, causando tais ameaças, uma
preocupação global. Anterior a referida revolução ter-se-ia o período de pré-
modernidade, aonde ameaças e catástrofes naturais sempre existiram, contudo
eram independentes da ação humana.
Desta sorte, se faz necessário traçar uma diferenciação entre “ameaça”
e “risco”. A ameaça, já mencionada anteriormente, baseia-se no acaso, na
força natural. O risco, por sua vez, remonta à ação humana, decorrente do
progresso técnico e científico, como um fator inerente à civilização atual.
Assim, insta ressaltar o que Leite ensina a respeito:

[...] o risco é um conceito que tem origem na modernidade,


dissociando-se de uma dimensão de justificação mítica e
tradicional da realidade, relacionada com a verificação de
contingências, eventos naturais e catástrofes, atribuídos a
causas naturais e à intervenção divina, para se aproximar de
uma dimensão que seleciona como objetos as conseqüências
e resultados de decisões humanas (justificadas, portanto,
racionalmente), e que se encontram associadas ao processo
civilizacional, à inovação tecnológica e ao desenvolvimento
econômico gerados pela industrialização.
[...] Os riscos na modernidade sempre pressupõem e
dependem de decisões, sendo exatamente o resultado e o
efeito dessas decisões nos vários domínios em que a
intervenção humana se dá sob contextos de imprevisibilidade
e incalculabilidade. Surgem, portanto, da transformação das
incertezas e dos perigos de em decisões (LEITE, J.R.M.;
AYALA, P.A., 2004, p. 12-14)

O risco adotado por Beck surge após a Revolução Industrial, como um


produto do modo industrial, sendo fabricado pelo homem e não mais
1058

determinado pela natureza. Com o advento do progresso científico, o autor “vê


uma dimensão perigosa para o desenvolvimento, especialmente considerando
a função da ciência e do conhecimento”. Ainda, acrescenta que “as
conseqüências do desenvolvimento científico e industrial são o perigo e o risco,
trazendo a possibilidade de catástrofes e resultados imprevisíveis na dimensão
estruturante da sociedade” (LEITE, 2003, p. 25).
Consoante ao exposto verifica-se a necessidade de se repensar e
aplicar um modelo de desenvolvimento que tenha como objetivo a preservação
dos recursos ambientais em longo prazo e que vise salvaguardar as gerações
futuras (LEITE, 2003). Nesse sentido complementa Ost:

A enormidade das questões em jogo, a irreversibilidade dos


processos em curso e o constrangimento, quase irreversível,
de um movimento de desenvolvimento que arrasta as nações
num consumo sempre acrescido, de que sabemos, contudo,
conduzir a uma ruptura de carga do sistema ecológico. E,
como na tragédia, os alertas não faltam, com vista, se ainda
há tempo, a inverter o movimento e inventar outra origem para
esta moderna história do dilúvio. (OST apud LEITE, 2003, p.
26).

Um modelo de desenvolvimento que busque a proteção do meio


ambiente para o futuro pode ser vislumbrado na sustentabilidade. O
desenvolvimento sustentável, tratado a primeira vez na década de 70, com a
Convenção de Estocolmo, atingiu projeção internacional apenas em 1987, com
a publicação do Relatório de Brundtland pela Comissão Mundial sobre Meio
Ambiente da Organização das Nações Unidas.
O conceito de sustentabilidade baseia-se no princípio de que “o
atendimento às necessidades básicas das populações no presente, não deve
comprometer os padrões de vida das gerações futuras. A utilização de recursos
deve ocorrer de acordo com a capacidade de reposição da natureza [...]”
(LUCCI, 2004, p. 286). Corrobora nesse sentido a definição de Seiffert: “a
expressão desenvolvimento sustentável estabelece que o atendimento às
necessidades do presente não deve comprometer a capacidade de as futuras
gerações atenderem às suas” (SEIFFERT, 2007, p. 20).
Ainda, no que tange ao desenvolvimento sustentável, Fiorillo manifesta:
1059

O princípio possui grande importância, porquanto numa


sociedade desregrada, à deriva de parâmetros de livre
concorrência e iniciativa, o caminho inexorável para o caos
ambiental é uma certeza. Não há dúvida que o
desenvolvimento econômico também é um valor precioso da
sociedade. Todavia, a preservação ambiental e o
desenvolvimento econômico devem coexistir, de modo que
aquela não acarrete a anulação deste ( 2006, p. 28).

Entretanto, ressalta Sachs que o conceito de desenvolvimento só


poderia ser alcançado através do equilíbrio integrado entre cinco pressupostos
básicos: econômico, ecológico, social, geográfico e cultural (apud SEIFFERT,
2007, p. 20). A afirmação do referido autor remonta ao que estabelece Leff,
quando diz que “a questão ambiental é uma problemática [...] social, gerada por
processos econômicos, políticos, jurídicos, sociais e culturais”. Dessa maneira,
para haver a concretização do desenvolvimento sustentável, deve haver a
integração de políticas governamentais, ações empresariais, da sociedade civil;
modificação dos padrões de consumo, principalmente dos países
desenvolvidos; e a diminuição da demanda por recursos naturais.
As conseqüências trazidas pela crise ambiental vão muito além da
relação direta com o meio ambiente, tratando-se também de uma questão de
direitos humanos, haja vista que a relação “poder x escassez de recursos”
acarreta danos, principalmente, para a população menos favorecida, como
observa Layrargues:
[...] a repartição dos benefícios (a geração de riqueza) e
prejuízos (a geração de danos e riscos ambientais) do
acesso, apropriação, uso e abuso da natureza e recursos
ambientais em geral, através do trabalho na sociedade
capitalista, é sempre mediada por relações produtivas e
mercantis, e como tal, está sujeita à assimetria do poder
nas relações sociais, expondo ao risco ambiental os
grupos sociais vulneráveis às condições ambientais em
processo de degradação (como as populações
marginalizadas nos centros urbanos), ou dependentes de
recursos naturais em processo de exaustão (como as
populações indígenas e extrativistas) [...]. É nessa
perspectiva que emerge a concepção da questão
ambiental como uma questão também de justiça
distributiva, tornando a gestão dos conflitos
socioambientais democrática e participativa a maior
1060

bandeira de luta ecologista libertária e progressista


(LAYRARGUES, 2002, p. 81-82).

Quando se aborda o tema da sustentabilidade há que se ter em mente


que a prevenção do dano ambiental deve ser feita hoje, para garantir um
ecossistema saudável para as gerações futuras. No entanto, é sabido que tal
prevenção, na visão capitalista, muitas vezes não atende aos seus anseios,
isto é, o retorno do investimento é em longo prazo, o que acaba pro causar
ameaças ainda maiores aos ecossistemas, sendo os atores sociais
responsáveis por dar suporte aos ecossistemas os principais agentes danosos.
Assim, pode-se verificar que há a necessidade de se considerar não só as
questões socioeconômicas e ambientais, como também biológicos e
geográficos, que garantam a manutenção do patrimônio natural.

3 ASPECTOS GERAIS DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL – HISTÓRICO,


CONTEÚDO E METODOLOGIAS
Quando se busca colocar a sustentabilidade na prática, deve-se partir do
princípio que a educação, o ensino, o saber é a melhor ferramenta a ser
utilizada para a consecução dos objetivos. A educação ambiental vem
ganhando destaque na sociedade do séc. XXI, a qual já considera sua
metodologia como um importante instrumento de proteção ao meio ambiente,
atuando no contexto formal ou não formal, haja vista que ela deve ser
entendida como “uma miríade complexa, constituída por sujeitos ecológicos
com visões paradigmáticas de natureza e sociedade, numa rede de interesses
e interpretações em permanente conflito e diálogo” (LOUREIRO, 2004, p. 69).
A idéia de unir a educação com o ambiente surgiu na Conferência de
Estocolmo (1972), quando foi trazida para a discussão mundial, tornando-se
um assunto oficial. Porém, foi em 1975, com o Seminário Internacional de
Educação Ambiental que ela tornou-se um campo de estudo
internacionalmente reconhecido. Insta ainda mencionar a Conferência
Intergovernamental de Tbilisi (1977), na qual foi definida a Educação Ambiental
como “o meio educativo pelo qual se podem compreender de modo articulado
1061

as dimensões ambiental e social, problematizar a realidade e buscar as raízes


da crise civilizatória” (LOUREIRO, 2004, p. 71).
No Brasil a educação ambiental demorou para se estabelecer e somente
adquiriu espaço no final da década de oitenta, com a promulgação da
Constituição federal, e na década de noventa, com a RIO-92.Na seqüência, o
Programa Nacional de Educação Ambiental (1994) estabeleceu sete linhas de
ação, sendo as principais: educação ambiental no ensino formal e educação no
processo de gestão ambiental (não formal). Com os Parâmetros Curriculares
Nacionais, baseados na LDB (Lei de Diretrizes e Bases), a questão ambiental
como um todo foi transformada em um tema transversal, em função da
relevância social, urgência e universalidade, porém continuou a ser
secundarizada ao não ser definida como uma disciplina, mas sim como um
tema atrelado a diversas disciplinas. Contudo, foi somente com a Lei n.º 9.795
de 27 de abril de 1999, ou a Política Nacional de Educação Ambiental, que ela
encontrou bases mais fortes, ao serem estabelecidos conceito, princípios e
objetivos fundamentais acerca do tema.
Desta sorte, percebe-se que “nesse processo contraditório [...] que
caracteriza a história da Educação Ambiental no Brasil, o poder público ao
estabelecer suas políticas, explicita o caráter da sustentabilidade que assume
em relação [...] a gestão do ambiente em sentido amplo” (LOUREIRO, 2004, p.
87).
Em que pese o contexto histórico da educação ambiental,
doutrinariamente, Antunes salienta que a educação ambiental deve ter por
objetivo a plena capacitação do indivíduo para compreender adequadamente
as implicações ambientais do desenvolvimento socioeconômico (2006, p. 240).
Nessa esteira, Fiorillo complementa a conceituação:
Educar ambientalmente significa: a) reduzir os custos
ambientais á medida que a população atuará como guardiã do
meio ambiente; b) efetivar o princípio da prevenção; c) fixar a
idéia de consciência ecológica, que buscará sempre a
utilização de tecnologias limpas; d) incentivar a realização do
princípio da solidariedade [...]; efetivar o princípio da
participação, entre outras finalidades.” (2006, p. 44).
É pertinente ressaltar que a educação ambiental adquire duas vertentes:
a formal e a não formal. A educação formal é aquela desenvolvida “no âmbito
1062

dos currículos” (ANTUNES, 2006), isto é, que ocorre no ensino escolar, seja
público ou privado. Por sua vez, a educação ambiental não formal aborda as
práticas e ações de natureza educativa que visam sensibilizar a comunidade
sobre as questões ambientais e a sua organização e participação na defesa do
meio ambiente (ANTUNES, 2006), ou seja, vai atuar na coletividade, agente
responsável na defesa dos ecossistemas, fazendo com que a população
contribua na gestão do meio urbano, permitindo que a cidade se torne
sustentável a partir da educação para a sustentabilidade fornecida aos
cidadãos. A educação ambiental não formal, acrescenta Fiorillo, “porquanto
realizada fora do âmbito escolar e acadêmico, o que, todavia, não exclui a
participação das escolas e universidades na formulação e execução de
programas e atividades vinculadas a esse fim” (FIORILLO, 2006, p. 45).
No entanto, trazer a temática ambiental para o contexto não escolar,
implica em um grande esforço intelectual (BARCELOS, 2008). Embora já se
tenha evoluído consideravelmente quando se trata da produção de
conhecimentos acerca da questão ecológica, é necessário haver a ruptura com
os antigos paradigmas educacionais para haver a criação de um novo modelo,
uma vez que “nossa tradição filosófica de copiar, ao invés de criar, não mais
consegue dar conta dos desafios contemporâneos” (BARCELOS, 2008, p. 25).
Para se romper os velhos paradigmas educacionais, seja na aplicação
formal ou não formal, Barcelos propõe a criação não apenas de uma
metodologia, mas sim de metodologias, as quais deveriam promover a ruptura
com as visões dogmáticas e cristalizadas de uma metodologia única, tida como
verdadeira (BARCELOS, 2008). Na seqüência, o referido autor argumenta:

[...] o trabalho com as questões ambientais está a exigir um


grande esforço intelectual no sentido de repensarmos alguns
de nossos modelos de pensar e agir. Modelos estes que têm
se mostrado insuficientes para tratas das questões ecológicas
contemporâneas nas suas mais diversas formas de
apresentação. Por outro lado, as questões ambientais, em
muitos casos, têm se apresentado como problemas novos, até
há pouco tempo desconhecidos de nossos estudos e
pesquisas. Assim sendo, nada mais sensato que adotarmos
idéias e alternativas novas quando estamos frente a
problemas, também, novos. Emergentes. (BARCELOS, 2008,
p. 35).
1063

É sabido que os problemas ambientais são problemas complexos, seja


por sua origem, por interesses ou pelos atores envolvidos, os quais muitas
vezes se encontram em situações paradoxais. Contudo, as questões
ecológicas não podem ser tratadas isoladamente, por agentes individualizados.
Há a necessidade de inter-relacionar as questões locais e as globais, bem
como os agentes sociais. Todavia, Barcelos ressalta: “na busca de alternativas
metodológicas de educação ambiental não podemos descuidar da necessidade
de evitar agravar ainda mais os processos de aniquilamento e destruição de
saberes e culturas” (2008, p. 68).
Desta sorte, verifica-se que o pilar basilar de qualquer metodologia em
educação ambiental, para a construção de um novo paradigma de ação,
consiste na construção do conhecimento pautada na tolerância, no diálogo, na
justiça, na solidariedade e no compromisso de repensar os velhos costumes,
hábitos e atitudes. Através do amplo debate poderá chegar-se a “pontos de
consenso” (BARCELOS, 2008, p. 87), uma vez que a discordância é um dos
maiores entraves para a implantação de modelos e metodologias educacionais
na sociedade atual. Em consonância, insta ressaltar que:

[...] ao buscarem-se soluções para os problemas ecológicos


defrontamo-nos com tantas e tão grandes dificuldades. São
dificuldades que em muitos casos não decorrem da falta de
vontade sincera de resolução destes problemas por parte
daqueles e daquelas que estão envolvidos com a questão.
São dificuldades e impasses que nem sempre estão
relacionadas a discordâncias aos fins a serem atingidos, nem
mesmo quanto aos métodos a serem utilizados [...]. As
representações que formam por cada pessoa podem ser
bastante diferentes, embora, aparentemente, o problema seja
o mesmo. (BARCELOS, 2008, p. 88-89).

Assim sendo, entende-se que as metodologias a serem construídas na


seara ambiental deverão ser construídas a partir de um intenso e justo diálogo,
considerando sempre que as questões ecológicas estão sempre inter-
relacionadas com outras esferas do conhecimento, e que as mesmas devem
ser observadas tanto na ótica local quanto global. Ao aplicá-las no âmbito
urbano, as metodologias de educação ambiental não formal permitirão que o
meio ambiente urbano possa ser protegido pela própria população, responsável
1064

por grande parcela da poluição ambiental. Ao estabelecer-se um paradigma de


ação, ou vários paradigmas, pautado na educação ambiental coletiva, deve-se
levar em conta atingir não só os cidadãos, mas também industriais,
comerciários, empresários, enfim, pessoas que estão envolvidas no contexto
urbano e na poluição ambiental e que podem garantir a sustentabilidade das
cidades.

4 A RACIONALIDADE AMBIENTAL E A EDUCAÇÃO AMBIENTAL - OS


NOVOS PARADIGMAS DE AÇÃO NA GESTÃO DAS CIDADES
Uma vez entendida a necessidade da construção de novos paradigmas
educacionais em matéria ambiental, se faz imprescindível relacioná-los à
sociedade de risco da atualidade, bem como viabilizar soluções para os
problemas destas, a partir de novos modelos de ação, principalmente no
âmbito não formal aplicado ao gerenciamento das cidades.
Ao se elaborar novas metodologias, Barcelos (2008) propõe que as
mesmas sejam criadas a partir de problemas atuais, não apenas “copiadas” ou
“adaptadas” de problemas anteriores, uma triste herança arraigada na cultura
brasileira. Tal pensamento vislumbra o que Leff (2006) já ensinava acerca da
adoção da racionalidade ambiental, isto é, ele defendia a construção de uma
nova racionalidade, haja vista a contradição entre economia e ecologia,
imposta pelos próprios homens.
A construção de uma racionalidade ambiental é um processo de
produção teórica e de transformações sociais, o qual orienta para uma
economia global sustentável (LEFF, 2006). Tal processo, “gera novas
perspectivas epistemológicas e métodos para a produção do conhecimento,
bem como para a integração prática de diversos saberes no tratamento de
problemas socioambientais” (LEFF, 2002, p. 162).
A elaboração de um saber ambiental requer, como já fora mencionado
na questão da educação ambiental, o rompimento com antigos paradigmas em
busca de um novo conhecimento que objetive, principalmente, o
desenvolvimento sustentável. Isto “implica um processo de ‘desconstrução’ do
pensado para se pensar o ainda não pensado, para se desentranhar o mais
1065

entranhável dos nossos saberes e para dar curso ao inédito” (LEFF, 2002, p.
196).
Quando se estuda uma nova construção de saber ambiental, ou, a
efetiva construção do saber ambiental, é inevitável a tentativa de visualização
de tal conceito na prática, de aventurar-se além da teoria. Uma vez que a
questão ambiental é gerada por processos econômicos, políticos, jurídicos,
sociais e culturais, a sua interdisciplinaridade é obrigatória, o que,
conseqüentemente, permite que suas metodologias possam ser aplicadas a
todas as áreas que com ela se relacionem.
Ao se abordar a temática da educação ambiental não formal, temos
como escopo de estudo o universo não escolar, o que inclui empresas e
indústrias, principais agentes causadores da crise ambiental. Entretanto, ao se
mencionar comércio e indústrias, remonta-se à temática abordada inicialmente:
economia e capitalismo. Considerando que ambos são os propulsores da
evolução da sociedade moderna, como realizar a desconstrução da
racionalidade econômica moderna para a construção da racionalidade
ambiental, sem ir de encontro aos resistentes princípios capitalistas?
Primeiramente, se faz essencial mencionar o que observa Layrargues:

[...] ainda não chegamos ao fim das ideologias, porque trilhar


rumo do ‘desenvolvimento sustentável’, incorporar sistemas de
gestão ambiental nas empresas, ou adotar um comportamento
individual ‘ecologicamente correto’ não significa estar imune às
clássicas doutrinas político-ideológicas [...] mas sim, significa
ser declaradamente eco-capitalista, eco-socialista, eco-
anarquista [...]. Um cidadão ‘ecologicamente correto’,
preocupado com a construção da sustentabilidade planetária,
pode ser um cidadão que adote comportamentos que
favorecem o capital ou o trabalho, o mercado ou a sociedade,
as forças sociais progressistas ou conservadoras, as elites ou
os grupos sociais vulneráveis, os princípios liberais ou o ideal
da justiça distributiva (LAYRARGUES, 2006, p. 74).

Assim, pode-se perceber que embora ainda não se tenha uma


consciência da real necessidade de uma nova metodologia em educação
ambiental, de uma racionalidade ambiental efetiva, a implementação das
mesmas é possível de ser realizada pelo cidadão preocupado com a
sustentabilidade.
1066

No âmbito governamental, a racionalidade ambiental implicaria na


“necessidade de introduzir uma reforma no Estado, de incorporar normas ao
comportamento econômico, de produzir técnicas para controlar os efeitos
contaminantes e dissolver as externalidades sociais e ecológicas geradas pela
racionalidade do capital” (LEFF, 2006, p.243). Ainda, discorrer o referido autor
que tal construção requer:

[...] a administração transversal do Estado e a gestão


participativa da sociedade para o desenvolvimento
sustentável, a construção de um saber ambiental
interdisciplinar, a incorporação de normas ambientais e
comportamento dos agentes econômicos, as condutas
individuais e as organizações sociais (LEFF, 2006, p. 247).

Ainda, fala-se da gestão participativa da população na gestão dos


recursos naturais como pressuposto imprescindível na reforma do Estado, para
se alcançar uma racionalidade ambiental. A atuação dos agentes é de
fundamental importância no contexto socioambiental de preservação do meio
ambiente, bem como na observação da aplicação dos instrumentos necessário
para tal fim, dentre os quais pode-se destacar: plano diretor; estudo de impacto
de vizinhança (EIV); inventários e indicadores de sustentabilidade e patrimônio
natural; licenças ambientais; lei de uso e ocupação do solo, entre outros.
Em contrapartida, há que se mencionar a esfera privada e o seu papel
na construção do saber ambiental e na responsabilidade de elaboração e
aplicação de metodologias ambientais. Leff salienta que a efetivação dos
princípios ambientais requer instrumentos eficazes na gestão ambiental (2006).
Dentre tais instrumentos pode-se citar o sistema de gestão e a auditoria
ambiental; o estudo de impacto ambiental (EIA); licenças ambientais; reserva
legal florestal e plano de manejo; entre outros largamente estudados e
debatidos na esfera jurídico-ambiental.
Contudo, a eficácia de tais instrumentos, em ambos os segmentos do
vertente não formal, está condicionada a uma conscientização da necessidade
de aplicação dos mesmos. Tal consciência passa a ser adotada com a
construção de uma racionalidade ambiental, a qual poderá guiar a formulação
1067

de novas metodologias, que atendam às necessidades comerciais, culturais,


sociais, biológicas, políticas e ambientais (LEFF, 2006).
Ao se mencionar a ‘desconstrução’ da racionalidade econômica para
haver a construção da racionalidade ambiental, não se está negando ou
anulando qualquer postulado comercial ou tentando aplicar uma ideologia
ecológica radical. Visa-se apenas construir um saber baseado nas
necessidades atuais, porém interligado com os demais setores. Assim também
busca-se construir metodologias de educação ambiental, isto é, inter-
relacionando as esferas do conhecimento a partir do diálogo entre os diversos
atores sociais, é possível chegar-se a um “ponto de consenso” (BARCELOS,
2003), que beneficie todos os agentes envolvidos.
Novos paradigmas são essenciais na construção da sociedade moderna,
quando se trata de solucionar a crise ambiental e partir para pressuposição da
sustentabilidade como pilar basilar do futuro das gerações. Meios e
instrumentos de adequação entre a economia, política e meio ambiental, em
uma sociedade cultural paradoxal, deverão ser encarados como requisitos
essenciais a salvaguarda das cidades e da população que nelas habita.

5 CONCLUSÕES ARTICULADAS
O trabalho em análise foi baseado no estudo da construção de novos
paradigmas educacionais como vetores de proteção ambiental, na construção
de uma racionalidade ambiental a ser aplicada na sociedade de risco moderna.
É sabido que a crise ambiental sofrida na atualidade tem como ponto de
origem a Revolução Industrial, ocorrida no séc. XVIII. Com o crescente avanço
tecnológico e a produção em série de artigos manufaturados, a utilização dos
recursos naturais, na forma de matéria prima, foi sendo brutal e ilimitado.
Com o advento da sociedade moderna, arraigada pelos princípios
capitalistas de consumismo, a natureza foi sendo degradada, até se instaurar a
crise ambiental que assola o Planeta e cujo meio de reparação vem sendo
buscados, haja vista à proporção que as conseqüências da industrialização
efervescente provocaram.
1068

Nesse contexto caótico, surge como uma alternativa de prevenção de


conseqüências futuras, o conceito de desenvolvimento sustentável, o qual
acabou se tornando a bandeira de luta na proteção do meio ambiente.
Juntamente com a idéia de sustentabilidade, veio sendo desenvolvida a
necessidade de políticas educacionais, que atuassem no contexto desse
cenário.
Com a educação ambiental, permitiu-se iniciar uma conscientização
tanto na esfera formal (escolar) quanto não formal (não escolar). A busca de
metodologias que permitam a construção de um saber ambiental, fortemente
desejado, em contrapartida à racionalidade econômica até então prevalecente,
é uma das possíveis soluções entendidas para a prevenção de danos
ambientais urbanos que comprometam as gerações futuras.
Desenvolver novos paradigmas de ação, que envolvam toda a
sociedade, nos seus mais diversos setores, é o que se concluiu ser necessário
como um pressuposto para se buscar a sustentabilidade. É uma tarefa árdua,
que somente será alcançada com sucesso, se houver um amplo debate,
tolerância, justiça entre os agentes responsáveis por essa mudança, bem como
a integralização de todas as disciplinas que circundam a temática transversal
do meio ambiente urbano.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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