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© do autor

l' edição: 2000

Direitos reservados desta edição:


Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Capa: Paulo Antonio da Silveira


Fotos: Stephen R. Gliessman
Revisão: Maria da Glória Almeida dos Santos
Cláudia Bittencourt
Ilustrações: Rubens Renato Abreu, a partir de originais de Eric Engles
Editoração eletrônica: Cláudia Bittencourt
Escritor colaborador: Robin Krieger

Stephen R. Gliessman. Formado em Botânica, Biologia e Ecologia de Plantas


pela Universidade da Califórnia, Santa Bárbara, acumulou mais de 25 anos de
ensino, pesquisa e experiência de produção no campo da agroecologia. Diretor
fundador do Programa de Agroecologia da Universidade da Califórnia, Santa Cruz,
um dos primeiros programas de agroecologia formais no mundo, ocupando a
cátedra Alfred Heller de Agroecologia, no Departamento de Estudos Ambientais
na UCSC. Também cultiva, sem irrigação, uvas para vinho e azeitonas orgânicas
ao norte de Santa Bárbara, Califórnia.

Maria José Guazzelli é integrante do Centro Ecológico - Ipê/RS.

G559a Gliessman, Stephen R.


Agroecologia: processos ecológicos em agricultura susten-
tável/ Stephen R. Gliessman. -Porto Alegre : Ed. Universida-
de/UFRGS, 2000. Este livro é dedicado a Alf Heller,
cuja visão do amanhã alimentou
1. Agricultura- Ecologia. I. Título. o surgimento da agroecologia
e o movimento da agricultura
CDU 631.58/584.9:634.0.1 na direção da sustentabilidade.

Catalogação na publicação: Mônica Ballejo Canto. CRB 10/1023

ISBN 85-7025-557-8
Sumário

Prefácio ...................................................................................................... 13

Apresentação .............................................................................................. 15

Introdução .................................................................................................. 19

Recomendações para usar este livro-texto .................................................. 27

Seção I
Introdução à agroecologia

1 A necessidade de sistemas sustentáveis de produção de alimentos .......... 33


Práticas da agricultura convencional ............................................... ............ 34
Por que a agricultura convencional não é sustentável ................................. 40
Ficando sem soluções ................................................................................. 50
O caminho na direção da sustentabilidade .................................................. 52
Tópico especial: A história da agroecologia ................................................ 55
e,~
" ~\) ~ 2 O conceito de agroecossistema ................................................................ 61
\...,v A estrutura de ecossistemas naturais .......................................................... 61
O funcionamento de ecossistemas naturais ................................................. 67
Agroecossistemas ....................................................................................... 74

Seção II
Plantas e fatores ambientais
(/
f' ~j ~ 3 A planta ................................................................................................... 85
1 Nutrição da planta ...................................................................................... 85
~ · A planta em sua interação com o ambiente ................................................ 98

,J
4 Luz .. .. ............................... ..................................................................... 103 9 Água no solo ......................................................................................... 243
Radiação solar .......................................................................................... 103 Movimento de água para dentro e para fora do solo ................................ 244
A atmosfera como filtro e refletor ............................................................ 104 Disponibilidade de umidade no solo ..................... .. .................................. 246
A importância ecológica da luz na Te1Ta ................................................... 106 Absorção da umidade do solo pelas plantas .. .................. .......................... 249
Tópico especial: A redução do ozônio ...................................................... 106 Excesso de água no solo ........................................................................... 251
Características da exposição à luz visível ................................................. 109 Estudo de caso: Sistemas pré-hispânicos
Detenninantes de variações no ambiente luminoso .................................. 112 de campos elevados em Quintana Roo, México ....................................... 256
Taxa fotossintética .................................................................................... 118 Deficiência de água no solo ...................... ................................................ 257
Outras formas de resposta à luz ............................................................... 120 A ecologia da irrigação ............. .................... .. .......... .. ..... ................... .. ..... 258
Manejo do ambiente luminoso em agroecossistemas ................................ 124 Otimizando o uso do recurso água ....... ....... ........... ........................ .......... 261

5 Temperatura .. ............................................................. ........................... 135 10 Fogo ................................................................................................... 273


O Sol como a fonte de energia calorífica na Terra ......... .......................... 135 O fogo em ecossistemas naturais ................... .'................................. .. ....... 274
Tópico especial: Causas e conseqüências do aquecimento global ............. 137 Efeitos do fogo no solo ............ .............. .......................................... .. ..... .. 277
Padrões de variação de temperatura na superfície da Terra ..................... 138 Adaptações das plantas ao fogo ......................................... ....................... 280
Respostas das plantas à temperatura ............................... .. .......... .. ........... 144 O fogo em agroecossistemas .................... ...................... .......................... 281
Microclima e agricultura .............. .......................................... ................... 148
(0 11 Fatores bióticos .................................................................................... 299
6 Umidade e chuva ................................................................................... 159 A perspectiva organismo-organismo ......................................................... 300
O vaoor, 1·~(1"11::: r::, atmosfera ....................................................... ............ 159 A perspectiva organismo-ambiente-organismo ....... ............................. .. .. .. 303
1',ecip:~aii..iü .......................... .......... .. ......... .................... ................. .......... 161 Modificação alelopática do ambiente ................................. .... ................... 314
Tópico especial: Chuva ácida .................................................................. . 167 Tópico especial: A histó1ia do estudo da alelopatia ..... .. .......... .................. 315
Agroecossistemas alimentados por chuvas .................. ................... ..... ..... 168 Conclusões .......................... .................................................. .... ............... 326
Estudo de caso: A agricultura hopi ........................................................... 180
0 12 O complexo ambiental ........................................................................ 329
7 Vento ..................................................................................................... 185 O ambiente como um complexo de fatores .............................................. 329
O movimento atmosférico ............................................. .. ...... .. ................. 185 Heterogeneidade do ambiente .......... ..................... ..... ............................... 332
Ventos locais ........................................................................................... .. 188 Interação de fatores ambientais .... ............................................................ 336
Efeitos dire tos do vento nas plantas ......................................................... 189 O manejo da complexidade ..................................................................... . 338
Outros efeitos do vento ................................................. ........ .. ................. 192 '
Modificando e utilizando o vento em agroecossistemas ........... ...... ........... 196 Seção III
..J Interações em nível de sistema
8 Solo ....................................................... ................................................ 209
Processos de fom1ação e desenvolvimento do solo .... ........... .. ................. 210 ~ 3 Processos populacionais na agricultura:
Horizontes do solo ............................................ :....................................... 214 ·dispersão, estabe lecimento e o nicho ecológico ........................................ 343
Características do solo ....................................... .............................. ......... 217 Princípios de ecologia populacional e demografia de plantas .................... 344
N utrientes do solo ................................... ... ............................................... 224 Tópico especial: Desenvolvendo uma cultura perene de grãos .. .. ............. 355
Matéria orgânica do solo ............ ...................................... ......................... 227 Nicho ecológico ... .......................................................................... ... ........ 358
Manejo do solo .................................................. ....................................... 230 Aplicações da teoria de nicho à agricultura ............................................... 362
Estudo de caso: Manejo do solo Estudo de caso: Cultivo consorciado de brócolis e alface ......................... 366
em sistemas de terraço de encosta em T laxcala, México .......................... 239 Ecologia de população - uma perspectiva agrícola .................................. . 368
~ 14 Recursos genéticos em agroecossistemas ............................................ 373
Modificação genética na natureza e a produção da diversidade genética .. 375
Estudo de caso: A energética da produção
de morangos em Santa Cruz, Califórnia, e Nanjing, China .......... ........... .. 533
Seleção dirigida e domesticação .. ..... ....... ................................. ................. 379
Tópico especial: As origens da agricultura ...... ........ .......... ................. ....... 381 'll> 19 A interação entre agroecossistemas e ecossistemas naturais ................ 539
Tópico especial: Benefícios e riscos da engenharia genética ..................... 390 A paisagem agrícola ............ ..................................... ........ ......................... 540
\ Melhoramento para a sustentabilidade ...................................................... 401 Manejo em nível de paisagem .......... ................................................... .. ... 545
Estudo de caso: A diversidade da paisagem em Tlaxcala, México ............ 548

•~1:: : :es~~~s~:ie:·~~~~~~~;~,~~:~~ ~~I;~,~:••·· · · · · · ···········:


~ terferências em nível da comunidade ............ ........................................ 412
Tópico especial: A histó1ia do estudo do mutualismo ............................... 418
O papel da agricultura na proteção da biodiversidade regional e global .... 555 '
Tópico especial: A iniciativa de uma biosfera sustentável ... ...................... 557

Seção IV
A influência de interferências Fazendo a transição para a sustentabilidade
mutuamente benéficas nos agroecossistemas ............................................ 420
Estudo de caso: Cultivo de cobe1tura com centeio e fava ......................... 424 20 Alcançando a sustentabilidade ........ ............................. ........................ 565
Estudo de caso: Cultivo de cobertu ra Aprendendo a partir de sistemas sustentáveis existentes ....... .................... 566
de mostarda em pomar de maçãs fuji .... ................................................... 425 Conversão para práticas sustentáveis ........................................................ 571
Uso das interações de espécies pat'a a sustentabilidade ............. ............... 433 Estudo de caso: A conversão para a produção orgânica de maçãs ........... 577
Estabelecendo critérios para a sustentabilidade agrícola ... ........................ 579
1:\6 Di ver.sidade e estabilidade do agroeco~si~te~a .................................... 437 Estudo de caso: Sustentabilidade
~ portunidades geradas pela abordagem s1stem1ca ............ .......... .............. 438 do agroecossistema de uma aldeia chinesa ............................ ............. ...... 589
Tópico especial: O gênero
Rhizabium, as leguminosas e o ciclo do nitrogênio ..... .............. ..... ........... 442 21 Da agricultura sustentável a sistemas alimentares sustentáveis ............ 593
Diversidade ecológica ................ ..... ............... ....................................... .... 443 Uma agenda mais ampla ......................... ....... .. ..................... .................... 593
Avaliando a diversidade de culturas e seus benefícios ........................... ... 459 Rumo à sustentabilidade dos sistemas alimentares ..... .............................. 600
Colonjzação e di versidade ........................................................................ 466
Estudo de caso: O efeito de borda de ervas adventícias Referências bibliográficas .................. ...................................... ................. 613
sobre a colonização por insetos em uma área de couve-flor ..................... 470
Glossário .... ... ................................... ................... .................... ................ .. 629
Diversidade, estabilidade e sustentabilidade .............................................. 472
Índice ........... ............................................................................................. 639
17 Perturbação, sucessão e manejo do agroecossistema .......................... 475
Perturbação e recuperação em ecossistemas naturais ... ...... ...................... 475
Aplicações no manejo de agroecossistemas .............................................. 482
Sistemas agroflorestais .............. .. .. ................... .. ....................... ....... ......... 490
Estudo de caso: Efeitos das árvores sobre o solo em Tlaxcala, México ...... 494
Perturbação, recuperação e sustentabilidade ..... ..... ................ .................. 504

~ 18 A energética dos agroecossistemas ......... .. ... ........................................ 509


Energia e as leis da termodinârruca ..................................... ...................... 51 O
Captação da energia solar .............................. ... ............ ..... .............. ......... 512
Aportes de ene rgia na produção de alimentos .................... ....................... 514
Em direção ao uso sustentável de energia nos agroecossistemas .............. 528
,

Prefácio

Em meados dos anos 80, Steve Gliessman e eu organizamos um


intercâmbio de seminários: ele veio à Geórgia para revisar seus estu-
dos de práticas agrícolas tradicionais antiqilíssimas no México e expli-
car como as mesmas relacionavam-se com o desenvolvimento de uma
agricultura sustentável. Na seqilência, fui a Santa Cruz para apresentar
minhas idéias de aplicar princípios ecológicos básicos à agricultura.
Em Santa Cruz, fiquei especialmente impressionado com os métodos de
ensino de Steve. A cada estudante era designada uma pequena área de
campo para que fossem realizados experimentos sobre a mesma. Eu,
posteriormente, usei uma foto aérea do seu laboratório de ensino ao ar
livre em um artigo intitulado "O Mesocosmo".
Enquanto estava em Santa Cruz, sugeri que Steve escrevesse um
livro-texto sobre agroecologia. Na época, esse era um novo campo de.
estudo interdisciplinar que estava atraindo um interesse crescente. Sin-
to-me gratificado com o fato de que, após uns vinte anos de ensino da
matéria, ele tenha preparado tal livro-texto. Torna-se evidente, a cada
ano que passa, que o uso corrente e excessivo de produtos químicos e
de água para irrigação não apenas contribui intensamente para a polui-
ção dispersa, mas é, a longo prazo, insustentável. Portanto, é urgente o
desenvolvimento de uma abordagem mais ecológica na produção de ali-
mentos. Tenho certeza de que esse texto é uma introdução estimulante
para a realização dessa meta.

Eugene P. Odum
Diretor emérito do Instituto de Ecologia,
Universidade da Geórgia, Atenas

rt

13
Apresentação

O exercício das nossas perplexidades é fundamental para identificar os


desafios a que merece a pena responder. Afinal todas as perplexidades e
desafios resumem-se num só: em condições de aceleração da história como
as que hoje vivemos é possível por a realidade no seu lugar sem correr o
risco de criar conceitos e teorias fora do lugar? 1

No período recente, particularmente na década de 1990, simboli-


zada pela emblemática reunião mundial sobre meio ambiente (a "Rio-
92") que iluminou novas veredas e desafios, o debate em torno das al-
ternativas ao padrão de agricultura e desenvolvimento "modernos" se
intensificou no Brasil. Embora às vezes acirrado, esse debate não foi
acompanhado por esforços analíticos, concorrútantes e continuados, que
analisassem as diferentes facetas deste influente movimento de contes-
tação e protesto, bem como poucos dedicaram-se à investigação cientí-
fica que enfocasse suas capacidades potenciais ou reais de transformar
realidades agrárias. Menos ainda foram discutidas as experiências que,
no período, têm promovido a tão esperada "transição à sustentabilida-
de", com vistas a substituir a agricultura industrial convencional.
Desta forma, os principais trabalhos realizados sobre a agricultu-
ra, enfocados por diferentes abordagens, circunscreveram-se aos pro-
cessos econômico-produtivos próprios dos estabelecimentos agrícolas
e à dinârrúca mais geral da agricultura fundada no ideário da Revolução
Verde e apenas marginalmente analisaram processos não inspirados pela
compreensão dorrúnante sobre tais campos produtivos. Entretanto, no
que se refere às novas práticas agrícolas "alternativas", estas começa-
ram a surgir no Brasil em meados da década de 1970, influenciadas pela
onda de contestação nascida na mesma época nos países mais avança-
dos, indicando, desde o seu início, a riqueza que representavam tais
contrapontos nas formas de pensar, de moldar e de viver a agricultura.

1 Santos, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice. O social e o político na pós-modernidade.

São Paulo: Cortez Editora, 1995, p.22.

15
Na ocasião, essas experiências foram realizadas, principalmente, por Este livro é fruto de árdua e duradoura atividade científica- teó-
organizações não-governamentais, e tais práticas foram diferentemente rica, mas também experimental e/ou empírica - do professor Gliess-
denominadas segundo o período e a ótica daqueles que as praticavam man, realizada não apenas nos Estados Unidos, mas em diversos países
bem como seus variados ideais e/ou projetos sociais. Assim surgiram da América Central, México, China continental e Taiwan, entre outros.
as agriculturas "alternativa", "orgânica", "ecológica" e, mais recente- Suas áreas de interesse de pesquisa situam-se no contexto da agroeco-
mente, a "agroecológica". Verdadeiros "conceitos-idéias", por vezes logia, buscando definir a aplicação de conceitos e princípios no mane-
imprecisos e mal definidos, ainda conquistaram gradualmente um espa- jo e no desenho de agroecossistemas sustentáveis. Centra-se também na
ço considerável no debate social; todas essas perspectivas tinham em identificação, mensuração e monitoramento de componentes ecológicos
comum o fato de repensarem a relação da agricultura com o espaço ru- de padrões sustentáveis na agricultura, bem como na relação desses
ral - e daqueles que nele vivem e trabalham - assim como com o componentes com os aspectos econômicos e so'ciais de longo termo nos
meio ambiente natural e seus recursos. Esta interconexão e interdepen- sistemas agroalimentares. O autor interpreta a notável complexidade e
dência de processos e atividades geraram idéias e princípios gerais que concretude dos sistemas agrícolas agroecológicos, verdadeiros sinali-
passaram a orbitar compreensões sobre a maneira de utilizar, de forma zadores dos caminhos do futuro, bem como os projetos e experiências
sustentável, tais recursos no meio agrícola e rural; o benefício à diver- que perseguem a direção de uma modernidade refratária à forçada ho-
sidade social, ecológica, econômica e cultural; a criação e gestão de mogeneização que o presente parece nos impor, enfocando, também, a
agroecossistemas com crescente engajamento social, com vistas a con- diversidade das situações np meio agrícola e rural, o que entreabre a
tribuir para o desenvolvimento de potencialidades societárias verda- possibilidade concreta de consolidação de "outras agriculturas", sus-
deiramente autônomas e democráticas. cetíveis de tomarem mais autônomos grupos sociais e indivíduos em
As experiências alternativas ao padrão convencional de agricultura ambientes de vida e de trabalho plenamente sustentáveis.
foram-se acumulando em diferentes regiões no decorrer dos últimos anos. Agroecologia: processos ecológicos em agricultura sustentável
E embora alguns esforços analíticos no campo das ciências sociais pro- agrega-se aos demais títulos já publicados na "Série Estudos Rurais"
curassem apreender o sentido social de tais iniciativas que se opuseram do PGDR/Editora da Universidade e, sem nenhuma dúvida, representa-
ao padrão dominante, poucos, no entanto - o que não deixa de ser para- rá um divisor de águas no debate nacional sobre a agricultura, suas po-
"
doxal - , investigaram, sob o ponto de vista técnico e prático, essa agri- tencialidades e formas de estruturação socioambientais. Neste sentido,
cultura reconstruída sob novas bases. Eliminando tal lacuna, é com imen- representa um marco de excelência que coroa as iniciativas editoriais
sa satisfação que o Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento do Programa, voltado à pesquisa e ensino em pós-graduação sobre de-
Rural, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, associado à Edi- senvolvimento rural. Por sua relevância e expressiva contribuição nes-
tora da Universidade/UFRGS, e através da "Série Estudos Rurais", ofe- ta direção, esta publicação honra e orgulha a Universidade Federal do
rece ao grande público o livro Agroecologia: processos ecológicos em Rio Grande do Sul, e, nesta apresentação, desejamos compartilhar com
agricultura sustentável, obra referencial e inegável marco na discussão os leitores este sentimento.
acerca dos fundamentos científicos das altemati vas agroecológicas ao
· padrão de agricultura industrial dominante, de autoria de Stephen Gliess- Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural
man, renomado pesquisador da Universidade da Califórnia, nos Estados Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Unidos. Um livro caracterizado por incontrastável legitimação científica,
que vem possibilitar uma melhor interpretação das diversas (e que se mul-
tiplicam) iniciativas de famílias rurais, em diversos rincões agrários, re-
construindo os agroecossistemas e instituindo novas potencialidades pro-
dutivas no mundo rural brasileiro.

16 17
Introdução

Se o processo que conduziu à publicação deste texto teve um co-


meço, ele ocorreu numa encosta de morro da Costa Rica, no início dos
anos 70. Eu tinha acabado de completar dois meses de pesquisa de dou-
torado na área ao redor da pequena cidade de Santa Maria de Dota e
estava dizendo, silenciosamente, meu adeus pessoal ao lugar e a seu
povo, pensando sobre como eles tinham me inspirado a olhar a ecolo-
gia de uma maneira diferente.
Era de manhã cedo, e um cobertor de fumaça dos fogões pairava
sobre o pequeno vale, encobrindo parcialmente a praça da cidade. O
hotel onde eu estivera morando ficava numa esquina da praça. Podia
ver as janelas de meus dois aposentos, no andar de cima do pequeno
restaurante. Eu tinha convertido um daqueles aposentos em laboratório
improvisado para estudar interações planta/planta. Ainda hoje, sorrio
ao relembrar os olhares estranhos da família que administrava o hotel
quando eu fazia uma de minhas muitas viagens ao andar de baixo, pas-
sando pela cozinha, até uma torneira de água corrente no pátio atrás do
prédio, onde podia lavar meus Becker, placas de Petri e pipetas.
Meu projeto de tese tinha por objetivo entender o mecanismo eco-
lógico de dominância da samambaia (Pteridium aquilinum), uma plan-
ta adventícia, especialmente danosa, que invade terras após a derruba-
da e queima de florestas em muitas partes do mundo. Essa planta, muito
agressiva, parecia ser capaz de tirar grande vantagem do distúrbio cri-
ado pelos seres humanos em sua cruzada buscando produtos florestais
ou agrícolas. Com o passar dos anos, identifiquei que a habilidade da
planta para produzir compostos que inibiam o crescimento de outras
plantas, combinada com diversos outros fatores, permitia que ela fosse
a invasora bem-sucedida em tantos lugares, incluindo essa região de
terras altas dos trópicos.
Mas, enquanto estava em Santa Maria de Dota, comecei a compre-
ender que, embora o conhecimento que tinha adquirido sobre as habili-
dades da samambaia pudesse fornecer novas informações aos ecolo-

19
/

gistas, ele não ajudava, necessariamente, aos agricultores locais. Estes, ao mercado nas terras baixas tropicais, por várias horas de estradas ruins.
na maior parte dos casos, não tinham outra alternativa que não se mudar Adquiri grande respeito pelo cabedal de conhecimento e visão de Dar-
para as terras novas e "limpar" mais floresta, uma vez que a samambaia ryl, e sinto-me gratificado pelo que ele compartilhou comigo.
se tivesse estabelecido. Me preocupou o fato de que, se meu conheci- Durante essa época, Loma Linda também tomou-se um campo de
mento ecológico não se tomasse útil ao povo que tinha o maior impacto• teste para pesquisas iniciais na ecologia da agricultura. Estudantes e
sobre a terra, então ele pouco estaria servindo, afora produzir mais co- a faculdade da Organização de Estudos Tropicais-incluindo Ron Car-
nhecimento acadêmico. Assim, lá na encosta do morro, decidi que estu- roll, John Vandermeer, Chuck Schnell, Barbara Bentley, Steve Risch e
daria ecologia, não somente para aprender sobre como plantas e ani- Leslie Real, para citar apenas uns poucos - usaram Loma Linda como
mais interagem com o ambiente, mas para propiciar ferramentas úteis um local de estudos de campo, permitindo-me compartilhar com eco-
aos agricultores no melhor manejo de suas unidades produtivas. logistas o conhecimento que havia acumulado e beneficiar-me, por
Quando trouxe esta idéia de volta para meu orientador de tese, C. outro lado, das suas perspectivas. Em resumo, nós estávamos estabe-
H. Muller, na Universidade da Califórnia, Santa Barbara, ele ficou um lecendo as fundações da agroecologia, na medida em que testávamos
tanto cético em relação à minha tentativa de fazer uma ponte sobre o técnicas diferentes de cobertura de solo, usávamos diferentes corre-
vazio existente entre a pesquisa básica e a aplicada em ecologia. Foi, ções orgânicas de solo, mapeávamos a distribuição de insetos a partir
em parte, sua influência que me empurrou nessa direção. Durante oito da borda da floresta e fazíamos cultivas comparativos de repolho na
desafiadores anos eu havia realizado estudos de graduação e pós-gra- floresta e em terras agrícolas vizinhas. Desta forma, a pesquisa em
duação com o doutor Muller, e recebido a orientação adicional de pro- nível de unidade produtiva tornou-se um componente inicial impor-
fessores como Bob Haller, Maynard Moseley, Dale Smith e Wally Mul- tante da ecologia de sistemas agrícolas, começando a se formar, as-
ler. Um grupo encorajador e desafiador de colegas estudantes da pós- sim, a estrutura sobre a qual este livro seria construído.
graduação compartilhou essa experiência, incluindo Jim McPherson, Minha experiência com ecossistemas manejados expandiu-se quan-
Roger dei Moral, Bob Tinnin, Dave Bell, C. H. Chou, Himayet Naqvi, do me mudei para Guadalajara, México, e tornei-me o gerente geral de
Nancy Vivrette, Norm Christensen e Jim Hui!. De todos esses colegas, um grande viveiro comercial, que produzia uma variedade ampla de
ganhei uma visão de sistemas integrais de plantas no ambiente e uma árvores frutíferas e plantas ornamentais para o comércio horticultor lo-
preocupação pelo mundo em que vivemos. cal e regional. A propagação, manutenção das plantas, projetos paisa-
Completei meus estudos de pós-graduação praticamente na mesma gísticos e gerenciamento comercial faziam parte de meu novo treina-
época do primeiro Dia da Terra. A ecologia estava ante o desafio de mento em mais uma área da ecologia aplicada. Meus professores eram
ajudar a curar a Terra do impacto dos seres humanos e restaurar o equi- os dedicados funcionários do negócio - Martin Mufioz, Jose Ruiz, Joa-
líbrio do mundo natural que havíamos aprendido a respeitar. Mas, em quin Guzman, Agustin Mufioz, e outros; o seu amor pelas plantas for-
vez de perseguir tais metas a partir de um ambiente acadêmico, aceitei mou a essência tanto de um modo de vida como de um modo de ganhar a
um tipo diferente de desafio. Juntei-me a Darryl Cole e sua família na vida. Por quase três anos, trabalhamos juntos em uma parceria dedica-
Finca Loma Linda, no planalto do sul da Costa Rica, onde adentrei ao da a fornecer aos clientes plantas que acrescentavam tanto beleza quan-
campo da ecologia aplicada, ao tornar-me um produtor de hortaliças e to utilidade ao ambiente no qual eles vi viam.
café. Por dois anos e meio, trabalhei ao lado de Darryl, lidando com Talvez a etapa-chave em meu desenvolvimento como um agroeco-
uma gama de problemas que se apresentam a produtores em toda parte logista tenha ocorrido quando deixei o viveiro e ingressei no corpo do-
- pragas, doenças, manejo de fertilidade, erosão, tempo imprevisível, cente do Colégio Superior de Agricultura Tropical (CSAT), em Cárde-
mercados difíceis. O pagamento das contas tinha que ser equilibrado nas, Tabasco, México. O CSAT foi projetado para treinar agrônomos dos
com a prática ecológica, e nós tínhamos muito tempo para discutir o trópicos nos trópicos, e a visão do diretor, Angel Ramos Sanchez, era
potencial de combinar ecologia e agricultura quando voltávamos de idas evidente na diversidade de programas desenvolvidos para dar apoio a

20 21
essa meta. Ricardo Almeida Martinez, um agrônomo com uma visão de logia e agricultura nos trópicos. Agricultores que, por gerações, tinham
como a abordagem de sistemas da ecologia poderia proporcionar solu- sustentado suas produções sem o uso de mecanização, sementes híbri-
ções de longo prazo para os problemas enfrentados pela agricultura tro- das, fertilizantes químicos sintéticos ou agrotóxicos tomaram-se nos-
pical, tinha criado o Departamento de Ecologia na escola. Outra pessoa- sos professores. Projetos de pesquisa visando testar princípios ecoló-
chave foi Roberto Garcia Espinosa, um patologista de plantas que se deu gicos em um ambiente agrícola começaram a acontecer, e foi iniciada a
conta de que, em vez de focalizar tanta atenção em se livrar de doenças análise de sistemas agrícolas como ecossistemas, ou agroecossistemas.
quando elas viravam problemas, nós precisávamos ver a doença como Os primórdios do conceito de sustentabilidade foram lançados. Cole-
um problema inerente ao desenho de sistemas agrícolas. Seu conhecimento gas-chave durante esse tempo emocionante foram Moises Amador Alar-
e respeito pelos tradicionais sistemas agrícolas de pequena escala, prati- cón, Angel Martinez Becerra, Radaméz Bermudez, Juan Carlos Chacón,
cados pelos produtores descendentes dos maias, que circundavam os sis- Rosalinda dei Valle, Judith Espinosa, Fausto Inzunza, David Jimenez,
temas agrícolas convencionais altamente modificados nos campos expe- Silas Romero, Francisco Rosado-May e Octavio Ruíz Rosado. Muito
rimentais do colégio, encorajaram-nos a pensar localmente. do que está neste texto começou já nas discussões com esses colegas.
Um dia, Roberto e eu estávamos dirigindo no km 21, subindo a Fora do CSAT, os escritos do ecologista Dan Janzen sobre agroe-
estrada de Cárdenas para o colégio. Ele apontou para uma plantação de cossistemas tropicais e a insistência do mestre Efraím Hemández Xo-
milho em uma área que, poucos meses antes, tinha sido um pântano inun- locotzi acerca do valor do conhecimento agrícola tradicional e a im-
dado com, pelo menos, um metro de água e coberto com plantas típicas portância de se usar uma abordagem interdisciplinar no estudo desses
dos alagados da região. O milho parecia extremamente sadio e produti- agroecossistemas proporcionaram um ímpeto adicional na expansão da
vo e, então, resolvemos parar. Conversamos com os agricultores que nossa pesquisa e dos programas de treinamento do CSAT no campo da
cuidavam do campo e, para nossa surpresa, a história de um agroecos- ecologia. O ecologista tropical Arturo Gomez-Pompa começou a exe-
sistema sustentável, baseado no conhecimento local, começou a apare- cutar testes importantes de modelos de agricultura sustentável, e a an~
cer. Esse sistema está descrito mais adiante, neste livro, mas a parte tropóloga e ecologista cultural Alba Gonzalez Jacome forneceu orien-
mais notável da história é que agrônomos do colégio passavam dirigin- tação essencial sobre como incluir o componente cultura em nossa aná-
do pela plantação há anos, sem parar uma única vez para investigar, em lise. Outros colegas mexicanos que desempenharam papéis importantes
ptimeiro lugar, por que os agricultores plantavam em tal área, e sem durante esta época são Miguel Angel Martinez Alfaro, Rodolfo Dirzo,
descobrir que estes eram capazes de obter, ano após ano, no mesmo solo, Epifania Jimenez, Ana Luisa Anaya e Sílvia Dei Amo. Eles todos con-
cinco a dez vezes a média convencional de rendimento do milho, sem tribuíram significativamente na delimitação das implicações mais am-
nenhum outro insumo além da semente local, facões e seu próprio tra- plas do trabalho apresentado ao longo deste texto.
balho. Sentar-me com Roberto e escutar um homem com mais de 100 Em 1980, vim para a Universidade da Califórnia, em Santa Cruz,
anos de idade descrever o manejo intrincado do sistema, como ele o onde ingressei no corpo docente do Quadro de Estudos Interdisciplina-
tinha aprendido quando criança, e seu papel como o "mantenedor da res em Estudos Ambientais. Encontrei um grande número de estudantes
semente" para o sistema teve um impacto dramático no meu pensamento ansiosos por abraçar a agroecologia e aplicar os conceitos e princípios
sobre agroecologia. de ecologia no desenho e manejo de agroecossistemas sustentáveis.
Por cinco anos trabalhei com um grupo incrível de novos agroeco- Também achei uma notável área física para o trabalho de campo na
logistas no CSAT, funcionando como uma equipe para construir o que "Farm and Garden" 1 da UCSC, estabelecida muitos anos antes pelo
chamamos de agroecologia. Foi estabelecido um programa de mestra- excêntrico horticulturista e dramaturgo Alan Chadwick. Suas hortas,
do em agroecologia tropical. Fizeram-se parcerias entre estudantes,
pesquisadores e professores, e, especialmente importantes, os produto- 1 Área de produção agrícola e de cultivo de flores. (N. T.)
res locais, para compartilhar conhecimentos sobre como integrar eco-

22 23
pomares e jardins serviram como local de treinamento para diversos nosso sucesso. Seu encorajamento, questionamento e apoio financeiro
7
aprendizes que adquiriram conhecimento das técnicas e do espírito da permitiram que nos movêssemos além dos limites institucionais normais
agricultura e horticultura orgânicas. Dediquei-me a conectar as instala- e asseguraram que a agroecologia pudesse crescer e se desenvolver
ções da "Farm and Garden" com os programas acadêmicos no campus, sobre uma base firme. Quando agendamos nosso primeiro encontro no
fazendo com que o ensino e a pesquisa em agroecologia e agricultura Clube da Bolsa de Valores de São Francisco, para discutirmos o finan-
sustentável fossem parte de nosso currículo interdisciplinar. ciamento de nossas atividades iniciais, o mestre-de-cerimônias não me
O entusiasmo, interesse e vibração dos estudantes de graduação da deixou entrar porque eu estava sem gravata. Graças a algumas gravatas
UC em Santa Cruz tomaram-se um grande estímulo para que eu pudesse guardadas em uma gaveta para essas ocasiões, conseguimos nos encon-
completar este livro-texto. Aprecio profundamente o desafio e a motiva- trar e iniciar o que se tomou uma parceria notável para o desenvolvi-
ção que eles me deram. Os alunos de pós-graduação que vieram à UCSC mento da agroecologia.
antes de termos um programa oficial de pós-graduação em Estudos Am- Ao longo de minha carreira, especialmente durante esses últimos
bientais (e que realizavam uma gama de projetos de mestrado e doutora- anos em que venho escrevendo este livro, membros de minha fanu1ia
do através dos conselhos de estudos em Biologia e Educação) também têm sido uma crucial fonte de apoio e encorajamento. Estendo meus agra-
influenciaram significativamente na evolução deste texto, contribuindo para decimentos e apreço a todos eles. Minha primeira esposa, N annette, deu
a base de pesquisa em agroecologia. Esse grupo inclui J an Allison, Rich seu apoio e companheirismo na Costa Rica e no México; meus filhos
Berger, Marc Buchanan, Judith Espinosa, Roberta Jaffe, Juan Jose Jime- Erin e Alex compartilharam comigo essa volta de montanha-russa que é
nez-Osomio, Rob Kluson, Leslie Linn, Jim Paulus, Francisco Rosado- crescer; minha mãe Mary e minha irmã Leslie deram sua compreensão e
May, Martha Rosemeyer, Octavio Ruíz Rosado e Hollis Waldon. amor; meu irmão Eric encorajou-me a pôr minhas crenças à prova e jun-
Conectar a "Farm and Garden" com os programas acadêmicos na tar-me a ele em nosso atual empreendimento agrícola; meu falecido pai
UCSC provou ser tanto uma chave para o desenvolvimento do livro Lester deu um exemplo de como fazer diferença no mundo; e, de forma
quanto um desafio constante. Sem a ajuda de um grande número de pes- mais importante, minha mulher Robbie deu seu amor e ânimo especiais,
soas ele não teria acontecido. Meu principal mentor neste processo em principalmente durante as épocas de crescimento. Meu grupo de apoio,
movimento foi Ken Norris, colega e professor de História Natural, que Superglue, tem continuamente dado a confiança e encorajamento que
sempre entendeu o valor das conexões entre os seres humanos e a natu- preciso para cumprir meus compromissos.
reza. Kay Thomley, amigo e colega produtor, foi ponta-de-lança dos Muitas outras pessoas merecem agradecimentos e apreço. Destaco,
esforços organizativos e de busca de financiamentos que auxiliaram a dentre eles, Eugene Odum, que sempre exerceu forte influência sobre mim,·
)-
estabelecer o Programa de Agroecologia na UCSC. Muitas outras pes- começando com o livro-texto que li em meu primeiro curso de ecologia
soas e organizações desempenharam um papel importante de apoio ao na graduação, e continuando com seu mais recente livro-texto de ecolo-
Programa de Agroecologia e, conseqüentemente, à redação deste texto; gia, que uso para dar um curso de ecologia geral, fazendo uma ponte entre
entre eles Janie Scardina Davis, Kima Muiretta Fenn, Sharon Omellas, a ciência e a sociedade. Foi Eugene quem sugeriu, há muitos anos, que eu
Louise Cain, Marc Buchanan, Sean Swezey, Matt Wemer, funcionários escrevesse este livro, e quem me deu o ímpeto para realmente começar a
do Programa de Agroecologia, o corpo docente e funcionários do Pro- escrevê-lo. Também devo muito a meu amigo e colega Miguel Altieri,
grama de Estudos Ambientais, Huey J ohnsonm, a Fundação Colômbia, cuja escrita prolífica na área de agroecologia serve como excelente moti-
o Fundo Goldman, o Fundo Heller de Caridade e Educação, o Trust de vação para muitos de nós que trabalham neste campo.
Caridade de Clarence E. Heller, a Fundação Educacional da América, A redação deste livro não poderia ter acontecido sem a assistên-
a Fundação W. K. Kellog e, mais recentemente, John Halliday. cia de Michael Arenson, que me ensinou sobre computadores e ajudou-
Desde 1982, o apoio de Alf Heller para o desenvolvimento do me a conseguir um rascunho inicial do livro para uso imediato nas mi-
Programa de Agroecologia na UCSC tem sido uma parte essencial do nhas aulas. No ano que passou, beneficiei-me muito das revisões espe-

24 25
r
1
cializadas e acuradas do todo ou de partes do livro, feitas por Alba
Gonzalez Jácome, David Dumaresq, Diane Gifford-Gonzalez e Ken
Nonis. Estou profundamente endividado com meus alunos doutorandos
e pós-doutorandos, que revisaram meticulosamente todos os rascunhos, Recomendações
capítulo a capítulo, em nossas reuniões semanais de seminário de labo-
ratório, contribuindo muito significativamente para a precisão e facili- para usar este livro-texto
dade de leitura do livro. Esse grupo inclui Erle Ellis, Phillip Fujiyoshi,
Carlos Guadarrama, Eric Holt-Jimenez, Robin Krieger, Gabriel Labba-
te, Marc Los Huertos, Joji Muramoto, Ricardo Santos, Claudia Schmitt Refletindo as migens da agroecologia em ambos os campos, o da ci-
e Laura Trujillo. ência pura da ecologia e o da ciência aplicada da agronomia, este texto tem
Não poderia ter acabado o manuscrito sem a assistência de Eric uma dupla identidade: num sentido, ele é projetado para ensinar ecologia
Engles, meu competente editor, que, pacientemente, me ajudou a orga- no contexto da ag!icultura; em outro, ele ensina agricultura a pattir de uma
nizar meus pensamentos, idéias e experiências, e transformou minha prosa perspectiva ecológica.
em um formato trabalhável. Skip De-Wall Jr., da Ann Arbor Press, e Apesar de sua atenção à prática de cultivar alimentos, este não é
Lynne Sterling, da Sleeping Bear Press, fizeram um trabalho notável ao um livro sobre como fazer agricultura. Nem todos os cultivas estão re-
transformar nosso manuscrito num livro-texto em tempo recorde. presentados, e a produção animal é apenas ocasionalmente menciona-
A rede agroecológica continua a se expandir. Minha esperança é da. A produção agrícola é uma atividade que deve ser adaptada às con-
que esse livro-texto acelere essa expansão e, no processo, ajude a pa- dições particulares de cada região do mundo, e a missão deste texto é
rar e reverter a perda das comunidades agrícolas e dos produtores fa- criar a compreensão de conceitos que são de aplicabilidade universal.
miliares, que fonnam a base da agricultura sustentável mundialmente. O texto foi escrito para acomodar uma gama de níveis de experi~
Se pudermos usar a agroecologia para estabelecer os fundamentos eco- ência e conhecimento tanto em ecologia quanto em agricultura. As se-
lógicos da sustentabilidade, o resto dos componentes encontrarão o ções I e II pressupõem somente um conhecimento básico de ecologia e
seu lugar. biologia, e mesmo aqueles alunos com treinamento em ciência de grau
universitário mínimo deverão ter pouca dificuldade em compreender
Santa Cruz, Califórnia o material, se forem dedicados. O estudo intensivo dos capítulos 1 a
junho de 1997 12 preparará qualquer aluno para os capítulos mais complexos das
seções III e IV.
Leitores com históiico extensivo em ecologia se beneficiarão mais
das duas últimas seções. Eles podem querer dar uma olhada no capítulo
2 para revisão, e então ler os capítulos 3 a 12 seletivamente, antes de
voltar sua atenção para as seções III e IV. Leitores com treinamento avan-
çado tanto em ecologia quanto em ag!icultura, incluindo alunos de gra-
duação, podem querer seguir essa estratégia também, suplementando o
texto com materiais adicionais que forneçam revisão bibliográfica mais
extensa e artigos sobre novas descobertas de pesquisas.
Este texto pode ser usado tanto em um curso de um tiimestre quan-
to de um semestre, mas a velocidade com que o material é trabalhado
dependerá grandemente do instrutor, dos estudantes e do currículo. O

26 27
ideal é que uma prática de laboratório acompanhe uma aula teórica em
qualquer curso que use este livro-texto, permitindo a testagem de con-
ceitos ecológicos na agricultura e a demonstração de como as ferramentas
da ecologia podem ser aplicadas ao estudo de agroecossistemas.
Leituras sugeridas no final de cada capítulo fornecem material adi-
cional para o leitor curioso. As questões que seguem cada capítulo são
abertas, desenhadas para encorajar.o leitor a considerar as idéias e con-
ceitos apresentados no contexto mais amplo da sustentabilidade.
Os conceitos e princípios deste texto podem ser aplicados a agro-
ecossistemas em qualquer lugar do mundo. Exatamente como um agri-
cultor deve ajustar-se a condições locais e variáveis, os leitores deste
livro são desafiados a fazer as adaptações necessárias para aplicar o
conteúdo a seus próprios contextos de atuação -encontrando exemplos
e estudos de caso apropriados na literatura de pesquisa e trabalhando
com agricultores locais para conectar os princípios com práticas reais.
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1

A necessidade de sistemas
sustentáveis de produção de alimentos

_Em escala global, a agricultura tem sido muito bem-sucedida, sa-


tisfazendo uma demanda crescente de alimentos durante a última meta-
de do século XX. O rendimento de grãos básicos, como trigo e arroz,
aumentou enormemente, os preços dos alimentos caíram, a taxa de au-
mento da produção de alimentos excedeu, em geral, à taxa de cresci-
mento populacional, e a fome crônica diminuiu. Esse impulso na produ-
ção de alimentos deveu-se, principalmente, a avanços científicos e ino-
vações tecnológicas, incluindo o desenvolvimento de novas variedades
de plantas, o uso de fe1tilizantes e agrotóxicos, e o crescimento de grane
des infra-estruturas de irrigação.
A despeito de seus sucessos, contudo, nosso sistema de produ-
ção global de alimentos está no processo de minar a própria fundação
sobre a qual foi construído. As técnicas, inovações, práticas e políti-
cas que permitiram aumentos na produtividade também minaram a sua
base. Elas retiraram excessivamente e degradaram os recursos natu-
rais dos quais a agricultura depende - o solo, reservas de água e a
diversidade genética natural. Também criaram dependência de com-
bustíveis fósseis não renováveis e ajudaram a forjar um sistema que
cada vez mais retira a responsabilidade de cultivar alimentos das mãos
de produtores e assalariados agrícolas, que estão na melhor posição
para serem os guardiões da terra agricultável. Em resumo, a agricul-
tura moderna é insustentável - ela não pode continuar a produzir co-
mida suficiente para a população global, a longo prazo, porque dete-
riora as condições que a tornam possível.

33
Práticas da agricultura convencional vo das máquinas. A perda de matéria orgânica reduz a fertilidade do
solo e degrada sua estrutura, aumentando a probabilidade de mais com-
A agricultura convencional está construída em torno de dois obje- pactação e tomando o cultivo e suas melhorias temporárias ainda mais
tivos que se relacionam: a maximização da produção e a do lucro. Na necessários. O cultivo intensivo tmnbém aumenta acentuadamente as taxas
busca dessas metas, um rol de práticas foi desenvolvido sem cuidar suas de erosão do solo por água e vento.
conseqüências não intencionais, de longo prazo, e sem considerar adi-
nâmica ecológica dos agroecossistemas. Seis práticas básicas - cultivo MONOCULTURA
intensivo do solo, monocultura, irrigação, aplicação de fertilizante inor-
gânico, controle químico de pragas e manipulação genética de plantas Nas últimas décadas, agricultores voltarmn-se de forma crescente
cultivadas - formam a espinha dorsal da agricultura moderna. Cada uma para o monocultivo -plantando apenas um tipo de cultura em uma área,
é usada por sua contribuição individual à produtividade, mas, como um freqüentemente em escala muito extensa. As monoculturas permitem um
todo, formam um sistema no qual cada uma depende das outras e refor- uso mais eficiente da maquinaria agrícola para preparo de solo, semea-
ça a necessidade de usá-las. dura, controle de ervas adventícias e colheita, e podem criar economi-
Essas práticas são, também, integradas em uma estrutura com sua as de escala em relação à compra de sementes, fertilizantes e agrotóxi-
lógica particular. A produção de alimentos é tratada como um processo cos. A monocultura é uma excrescência natural de uma abordagem in-
industrial no qual as plantas assumem o papel de fábricas em miniatura: dustrial da agricultura, em que os insumos de mão-de-obra são mininú-
sua produção é maxinúzada pelo aporte dos insumos apropriados, sua zados e os insumos baseados em tecnologia são maxinúzados com vis-
eficiência produtiva é aumentada pela manipulação dos seus genes, e o tas a aumentar a eficiência produtiva. Em muitas regiões, monoculturas
solo simplesmente é o meio no qual suas raízes ficam ancoradas. para exportação substituíram os policultivos da agricultura tradicional
de subsistência. As técnicas de monocultivo casam-se bem com outras
CULTIVO' INTENSIVO DO SOLO práticas da agricultura moderna: a monocultura tende a favorecer o cul-
tivo intensivo do solo, a aplicação de fertilizantes inorgânicos, a irriga-
A agricultura convencional há muito se baseia na prática de cultivar ção, o controle químico de pragas e as variedades especializadas de
o solo completa, profunda e regulmmente. O propósito desse manejo in- plantas. A relação com os agrotóxicos é particularmente forte; vastos
tensivo é afofar sua estrutura para pernútir melhor drenagem, o cresci- cultivos da mesma planta são mais suscetíveis a ataques devastadores
mento mais rápido de raízes, a aeração e semeadura mais fácil. Também de pragas específicas e requerem proteção quínúca.
é usado para controlar ervas adventícias e incorporar os resíduos das
colheitas. Em práticas típicas - ou seja, quando o preparo intensivo do APLICAÇÃO DE FERTILIZANTES SINTÉTICOS
solo é combinado com rotações de curta duração-, as áreas são aradas
ou cultivadas diversas vezes durante o ano e, em muitos casos, isto o dei- Os aumentos espetaculares de produção nas últimas décadas de-
xa sem qualquer cobertura por longos períodos. Também significa que vem-se, em grande parte, ao uso difundido e intensivo de fertilizan-
maquinaria pesada passa regular e freqüentemente sobre ele. tes químicos sintéticos. Nos Estados Unidos, a quantidade de ferti-
Ironicamente, o cultivo intensivo tende a degradar a qualidade do 1 lizante aplicada a cada ano nas lavouras aumentou rapidamente após
solo de diversas maneiras. A matéria orgânica é reduzida, como resul- a Segunda Guerra Mundial, de 9 milhões de toneladas, em 1940, para
tado da falta de cobertura, e o solo é compactado pelo trânsito repeti ti- mais de 47 milhões de toneladas, em 1980. Mundialmente, o uso de
fertilizante aumentou dez vezes entre 1950 e 1992.
Produzidos em grandes quantidades, a um custo relativamente bai-
2
"Tillage", no original. xo, a partir de combustíveis fósseis e da extração de depósitos núnerais,

34 35
os fertilizantes podem ser aplicados fácil e uniformemente nas cultw-as,
CONTROLE QUÍMICO
fornecendo amplas quantidades dos nutrientes mais essenciais às plantas. DE PRAGAS E DE ERVAS ADVENTÍCIAS
Por satisfazerem as necessidades de nutrientes das plantas a crnto prazo,
os fertilizantes permitiram que os agricultores ignorassem a fertilidade Após a Segunda Guen-a Mundial, os agrotóxicos foram amplamente
do solo a longo prazo, bem como os processos pelos quais ela é mantida. vangloriados como a nova e científica arma na gue1Ta da humanidade
Os componentes minerais dos adubos sintéticos são, no entanto, contra pragas e patógenos de plantas. Esses agentes químicos tinham o
facilmente lixiviados do solo. Em sistemas irrigados, o_ problema da atrativo de oferecer aos produtores uma maneira de livrar suas lavou-
limIBÇão__p_ode ser wirticularmente agudo; uma grande q_uantidade de
fertilizantes aplicª-dos às lavouras, na verdade, termina em cón-egos,
lagos e rios~dQeutr.of.i.zaçã~. Tambéf!l pode serlixiviadQ_Q_ara a
j ,/·y
~
.
ras, de uma vez por todas, de organismos que, continuamente, ameaça-
vam seus cultives e, literalmente, consumiam seus lucros. Mas essa pro-
messa provou ser falsa. Agrotóxicos podem baixar dramaticamente a
? ( água subterrânea, u~a~a 2ara beber, provocando danos significativos à população de pragas a curto prazo, mas, como também matam seus preda-
saúde. Além disso, o custo dos fertilizantes é uma variável sobre a qual dores naturais, essas populações podem, com freqüência, recuperar-se
os agricultores não têm controle, uma vez que acompanha os aumentos e alcançar números ainda maiores do que antes. O agricultor é, então,
do custo do petróleo. forçado a usar mais agentes químicos. A dependência resultante do seu
uso foi chamada de "a rotina dos agrotóxicos". Ao problema da depen-
IRRIGAÇÃO dência soma-se o fenômeno de aumento da resistência: as populações
de pragas expostas continuamente são submetidas a uma intensa sele-
O fornecimento adequado de água é o fator limitante para a produ- ção natural de resistência aos agrotóxicos. Quando a resistência das
ção de alimentos em muitas partes do mundo. Assim, ter água a partir pragas aumenta, os agricultores são forçados a aplicar quantidades mai-
de lençóis subtetTâneos, reservatórios e rios desviados tem sido chave ores ou a usar princípios ativos diferentes, contribuindo, assim, para as
para aumentar o rendimento geral e a quantidade de terra que pode ser condições que promovem maior resistência.
cultivada. Embora somente 16% da terra cultivável se·1Ulligada,._ela ~ Embora o problema da dependência de agrotóxicos seja ampla-
j produz 40% do alimento e_m nível mundíal (Sêrageldin, 1995). Infeliz- ,
mente, a agricultura é_um...usuário_t_i'i_o pnidigQ de água_q_qe, em muitas ~
mente reconhecido, muitos agricultores - especialmente aqueles de pa-
íses em desenvolvimento-não usam outras opções. As vendas globais /2
áreas onde h_á_irrigaç_ão--l.2filª_fins _agric.olas, tem efeito significativo_na ~ de agrotóxicos têm continuado em uma tendência ascendente, alcançan- ~ '/
hidrografia r gional. Um problema é que a água subterrânea com fre- do um recorde de 25 bilhões de dólares em 1994. Ironicamente, as per-
qüência é bombeada mais rapidamente do que renovada 2ela chuva. Esse ({!: das totais de colheitas por pragas permaneceram razoavelmente cons-
gasto excessivo pode causar rebaixamento da terra e, se próximo à cos- tantes, a despeito do aumento no uso de agrotóxicos (Pimentel e cola-
ta, levar à intrusão de água salgada. Ademais, gastar excessivamente a boradores, 1991).
água subten-ânea é. em essência, o mesmo ue ~ar em12restada a água Além de custarem uma grande quantia de dinheiro aos agriculto-
do_futuro~Quando a água é bombeada de rios 2ara inigação, a ag1icul- res, os agrotóxicos - incluindo herbicidas - podem ter um efeito pro-
tura, freqüentement~tá-G01-r1petiF1d - om as áreas urbanas e com a vida fundo no ambiente e, freqüentemente, sobre a saúde humana. Agrotóxi- J /
selvagem que dela depende. Onde foram construídas represas para for- cos aplicados a lavouras são facilmente lavados e lixiviados 2ara~ água 1/
mar reservatórios, geralmente há efeitos dramáticos na ecologia dos dos, ~' ) superficial e subterrânea, onde entram na cadeia alimentar, afetando
a jusante. A irrigação também tem um outro tipo de impacto: aumenta a ✓f
possibilidade de lixiviação de fertilizantes das lavouras para dentro dos ti'
1
populaçoes
'----:'._
ammais em todos os níveis e, normalmente, persistindo por
décadas.
córregos e rios locais e pode aumentar acentuadamente a taxa de erosão
do solo.

36
37
Figura 1.2- Pulv~rização generalizada para controlar a traça da maçã,3 em um pomar de maçãs
no Yale Pajaro, Califórnia. ·

MANIPULAÇÃO DE GENOMAS DE PLANTAS

Por milhares de anos, os seres humanos têm feito seleção, buscan-


do características específicas nas plantas cultivadas; na realidade, tal
manipulação de espécies silvestres foi uma das bases do início da agri-
cultura. Em décadas recentes, entretanto, avanços tecnológicos causa-
ram uma revolução na manipulação dos genes das plantas. Primeiro,
avanços nas técnicas de cruzamento permitiram a produção de semen-
tes híbridas, que combinam as características de duas ou mais linha-
gens de plantas. Variedades de plantas híbridas podem ser muito mais
produtivas do que suas vari~daae_§J,~melhantes nãn lnDridas_~_têmJ,ido,
consequentemente, um dos fatores rinci ais or_trás__dos_aumentos..de-
. ~ ( rendimento obtidos durante a assim chamada "revolução. ~ - A s va- ( f
~ riedades híbridas, contud~, requerem, com freqüência_, condições óti-
Figura 1.1 - Inigação por valas, com distJ.ibuição por canos regulados por compottas, na costa da mas ~cluindo a aplicação intensivJ de fertilizante inorgânico - a fim
Califórnia central. O consumo excessivo de reservatórios subterrâneos, pelo bombeamento de
água, causou intrusão de água salgada, ameaçando a sustentabilidade da ag1icultura na região.
3 Refere-se à espécie Cydia pomonella. (N. T.)

38 39
de atingir seu potencial produtivo. Muitas requerem a aplicação de agro- 1 a produção agrícola per capita estagnou nos anos 90. Esta situação é 0
~ / tó 1cos para pro ege-las- de ataques de pragas, porque a elas falta are- ,. resultado de aumentos menores de produtividade anual, combinados com
/ sistêpcia às pragas que têm suas parentes não híbridas. Além disso, as '-- um crescimento populacional contínuo em escala logarítmica.
plantas híbridas não podem produzir sementes com o mesmo genoma São muitas as maneiras pelas quais a agricultura convencional afeta
que seus pais, tornando os agricultores dependentes de produtores co- a produtividade ecológica futura. Os recursos agrícolas, corno solo, água
merciais. e diversidade genética, são explorados demais e degradados; proces-
Mais recentemente, avanços na engenharia genética permitiram a sos ecológicos globais, dos quais a agricultura essencialmente depen-
produção "por encomenda" de variedades de plantas, através da habi- de, são alterados; e as condições sociais que conduzem à conservação
lidade de recombinar com seu genoma, os genes oriundos de diversos de recursos são enfraquecidas e desmanteladas.
organismos. Plantas criadas por engenharia genética ainda serão usa-
das amplamente na agricultura, mas há pouca dúvida de que prevalece-
) Índice de produção
rão se o rendimento e o retorno do investimento continuarem a ser os
únicos critérios de avaliação. 101 ~ -- - - - - - - - - - - - - -- --
100+-- - - - - - - --
99 -·l-c--- - - - - -- -t?-2'-
98+----- - - -------jf--------~'----------
Por que a agricultura 97--1--- - - - - - - ---1-+-l-------- -
convencional não é sustentável 96 1-- - -- ---~ - •
95+----- - - •
Todas as práticas da agricultura convencional tendem a compr~ - 94+--- - - -- •-- - - - - - - - - - - --
er a produtividade futura em favor da alta produtividade no presen- 93 - - -- -, -- - -- - - - - - - -- -
ortanto, sinais de que as condições necessárias para sustentar a pro- • 92+-~--l""-F--- - - - - - - - - - - - -- -
91 ---1-J--\-- l - - -- -- - - - - - - - - - - - -
dução estão sendo erodidas devem ficar cada vez mais evidentes com o
91 --1 - - \-1----- - - - - - - - - - - - - --
tempo. Hoje, na verdade, há um grande cabedal de evidências de que 89-t-i---r-"'T"'"'"ir-T"-,-,-,--,--,--,---,--,-r-T'"-,-,-,--,-,-,---,---r--r~ /
essa erosão está ocorrendo. Na última década, por exemplo, todos os 1970 1994
países nos quais práticas da "revolução verde" foram adotadas em lar-
ga escala experimentaram declínios recentes na taxa de crescimento anual
Figura 1.3 - Índice de produção agrícola líquida anual per capita, em nível mundial. Dados da
do setor agrícola. Ademais, em muitas áreas onde as práticas modernas FAO (banco de dados FAOSTAT).
foram instituídas para cultivar grãos na década de 1960 (sementes me-
lhoradas, monocultura e aplicação de fertilizantes), os rendimentos co- DEGRADAÇÃO DO SOLO
meçaram a se manter no mesmo nível e, até, decaíram após os espetacu-
lares aumentos iniciais. Globalmente, aumentos de rendimento têm-se De acordo com um estudo das Nações Unidas, em 1991, 38% da
mantido no mesmo nível para a maioria das culturas, as reservas de grãos terra hoje cultivada havia sido danificada, em algum nível, por práticas
estão encolhendo e, na realidade, a produção de grãos por pessoa de- agrícolas desde a Segunda Guerra Mundial (Olderman e colaborado-
clinou desde meados dos anos 80 (Brown, 1997). res, 1991 ). A degradação do solo pode envolvg_.salinizaçãQ,-alagamentQ,
A figura 1.3 mostra o índice de produção agrícola anual per capi- compactação, contamina ão or gro1óxicos, declini-G-na.qualidade...da.--
ta, em nível mundial, de 1970 até 1995, segundo cálculo da Organiza- sua estrutura, perda de fertilidade e erosão. Embora todas essas formas
ção de Agricultura e Alimento das Nações Unidas -FAO. Esses dados de degraâação sejam problemas severos, a erosão é o mais difundido.
indicam que, após apresentar uma tendência ascendente por muitos anos,

40 41
O solo é perdido por erosão, devido ao vento e à água, a uma taxa de 5- J_j_,,
10 toneladas por he~tare por ano na África, América do Sul, e América ~
do Norte, e quase 30 toneladas_Qor hectareLanualmente, na Asia. Como
'cõrripãraçâo, o solo se fo!:!Jla à razão d~erca de umaUmelada por hec-
tare por ano, o que significa que, em apenas um curto período de tem~
o~ seres humanos despfü.diçaram recursos que levaram milhares de anos
-12ara se acumularem.
~ A relação causa-efeito entre agriçJ.iliuracoJ]_Yencional e erosão d_o_ ~
Also!o é direta_e.não ambígua.Preparo intensivo de solo, combinado com
monocultivo e rotações curtas, deixa-o exposto aos efeitos erosivos do
vento e da chuva. O solo perdido através deste processo é rico em ma-
téria orgânica, seu componente mais valioso. De fonna similar, a irri-
gação é causa direta de muita erosão de solo agrícola pela água.
Combinadas, a erosão e outras formas de degradação tornam gran-
de parte do solo agrícola mundial cada vez menos fértil. Áreas de terra
- severamente erodidas ou demasiadamente salinizadas devido à eva-
poração da água irrigada - são totalmente perdidas para a produção. A
terra que ainda pode ser usada é mantida produtiva por meios artifici- ~
ais, adicionando-se fertilizantes sintéticos. Embora os fertilizantes pos- ~
~ 1sam repor temporariamente os nutrientes perdidos, eles não podem re-
construir ~ ~ertilidade e__~est~urar a s_aúde do sol?; al~m diss~, seu uso ~
· tem uma sene de consequencias negativas, como d1scut1do anteno1mente.
Uma vez que o estoque de solo agrícola é finito e como os proces-
sos naturais não alcançam renová-lo ou restaurá-lo na rapidez com que
é degradado, a agricultura não pode ser sustentável até que consiga re-
verter o processo de degradação do solo. As práticas agrícolas corren-
tes devem sofrer uma ampla mudança, caso se queira que os recursos
preciosos de solo que nos restam sejam conservados para o futuro.

DESPERDÍCIO E USO EXAGERADO DE ÁGUA

A água doce está se tornando cada vez mais escassa em muitas


partes do mundo, à medida que a indústria, cidades em crescimento e a
agricultura competem por recursos limitados. Alguns países têm pou-
quíssima água para suportar qualquer desenvolvimento agrícola ou in- Fig ura 1.4 - Erosão se vera de solo em uma encosta, após chuvas intensas de inverno. Nesta re-
dust1ial. A fim de satisfazer as demandas, em muitos lugares, a água ~ / gião de cultivo de morangos, no divisor de águas de Elkhom Slough, na Califórnia central, as per-

~ está sendo bombeada de aqüíferos subterrâneos mais rapidamente do Y das de solo podem exceder 150 toneladas/acre.

que estes podem ser recan-egados pela chuva, e rios estão sendo drena- ,

42 43
'
dos, em detrimento de ecossistemas aquáticos e ribeüinhos e da vida Os agrotóxicos (inclusive herbicidas)- aplicados regularmente em l f
1

selvagem que deles depende. ) ~ Jrand~s quantidades, muitas vezes_por aviões :-- são facilmente espalha-
A agricultura é responsável por aproximadamente dois terços do / tios alem de seus alvos, matando diretamente msetos benéficos e a vida
~ \l--S.Q.$1obal de água e é uma das principais causas de s u a ~ / ...:::t- selvagem, e envenenando trabalhadores agrícolas. Os agrotóxicos que
~ , mas regiões.Ela usa tanta água, em parte, porque a desperdiça. Mais da seguem para córregos, rios e lagos - e, finalmente, para o oceano - po-
· metade da água aplicada nas culturas nunca é absorvida pelas plantas dem ter efeitos deletérios graves sobre os ecossistemas aquáticos. Po-
às quais se destina (Van Tuijl, 1993). Em vez disso, evapora ou é dre- dem, também, afetar indiretamente outros ecossistemas. Predadores d~ ✓,,,
nada para fora da área. Algum desperdício de água é inevitável, mas
'> peixes, por exemplo, podem comê-los com alta contaminação por agro /)<-
grande parte dele poderia ser eliminado se as práticas ag1ícolas fossem
orientadas para sua conservação, e não para a maximização da produ-
ção. _Por exemplo, as plantas poderiam se_r irrig_adas c~m sistemas por fi1 - ~
j tóxicos, que acabam reduzindo sua capacidade reprodutiva, atingind
ecossistemas terrestres. Embora agrotóxicos organoclorados persisten-
tes, corno o DDT - conhecidos por sua habilidade de pennanecerem
goteJamento, e c ulturas que requerem uso mtens1vo de agua, como o ar- . . nos ecossistemas por várias décadas-, estejam sendo menos usados
roz, poderiam ser deslocadas de regiões com recursos limitados. em diversas partes do mundo, seus substitutos, menos persistentes, em
Além de usar uma parcela grande demais da água doce, a agricul- geral têm toxicidade muito mais aguda. Os agrotóxicos também pene-
tura convencional tem impacto nos padrões hidrográficos regionais e tram na água subte1Tânea, contaminando r~servatórios de água 291.ável.
-~ globais. Ao bombear quantidades tão grandes de reservatórios naturais
~ no s~bsolo, a agricultura provoca uma transferência ma.ciça de água dos
contmentes para os oceanos. Um estudo de 1994 concluiu que essa trans-
/4 > sse tipo de contaminação-tem ocorriclo em pelo menos 26 estados. Um/ /
studo da ?PA,4 de 19:~• veiificou que, de 29 c idades testadas no meio-
este, 28 tmham herbicidas presentes na água da torneira.
~
fer~ncia envolve, anualmente, cerca de 190 bilhões de metros cúbicos f O fertilizante lixiviado de áreas agrícolas tem toxicidade direta
d~ agua, e estima-se que tenha ele:ado o nível do mar ~m 1, 1cm (Saha- ) menor do que os agrotóxicos, mas seus efeitos podem ser igualmente
( danosos do ponto de vista ecológico. Em ecossistemas aquáticos e ma-
_gtan e colaboradores, 1994). Regionalmente, onde a uTigação é prati-
cada em larga escala, a agricultura traz mudanças na hidrografia e no rinhos, promove o crescimento excessivo de algas, causando eutrofiza-
microclima. A água é transferida de cursos naturais para a supeifície e ção e a ~Olte_de muitos ti~os de organi_smos. Os nitratos dos fertilizan-tv
para o peifil do solo de áreas cultivadas, e um aumento na evaporação \ ~ 1 tes tambem sao um dos mar ores contammantes de água potável, em mui-~
/ muda os níveis de umida~e, _Podendo ~fe~a~· os _padrões de c~uva. Essas ) t
tas ár~as. Completando a l_ista de poluentes da agricultura estão os sais
( mudanças, por sua vez, tem impacto sigrnf1cattvo nos ecossistemas na- e sedimentos que, em muitos locais, degradaram riachos, ajudaram a
turais e na vida selvagem . destruir c1iadouros de peixes e tomaram banhados imprestáveis para a
Se a agricultura con vencional continuar a usá-la da mesma roa-- vida de aves.
' ) ne_ira, cri~es regionais por água tornar-se-ão_cada vez mais comuns, Fica claro que as práticas da agricultura convencional estão de-
seJa por lesarem o arnb1ent¼_as...populações marginalizadas e as gera- gradando globalmente o ambiente, conduzindo a declínios na biodiver-
ções futuras, ou por limitarem a produção de alimentos que dependem sidade, perturbando o equilíbtio natural dos ecossistemas e, em últi ma
da irrigação. instância, comprometendo a base de recursos naturais da qual os seres
humanos - e a agricultura -dependem.
POLUIÇÃO DO AMBIENTE

A agricultura polui a água mais do que qualquer outra fonte indivi-


dual. Poluentes agrícolas incluem agrotóxicos (inclusive herbicidas), 4
Environment Protection Agency - Agência para Proteção do Ambiente, do governo dos Esta·
fertilizante e sais. dos Umdos. (N. T.)

44 45
DEPENDÊNCIA DE INSUMOS EXTERNOS A perda da diversidade genética ocorre principalmente por causa l
da ênfase da agricultura convencional em ganhos de produtividade a cmto
A ag1icultura convencional alcançou seus altos rendimentos prin- I
prazo. Quando variedades altamente produtivas são desenvolvidas, elas
cipalmente por aumentar o uso de insumos agrícolas. Estes compreen- tendem a ser adotadas em detrimento de outras, mesmo quando as que
dem substâncias como água para irrigação, fertilizantes e agrotóxicos; são deslocadas têm muitas características desejáveis ou potencialmen-
a energia usada para fabricá-las e para operar maquinaria agrícola e te desejáveis. A homogeneidade genética entre as plantas cultivadas tam-
bombas de irrigação; e tecnologia, na fo1ma de sementes híbridas, no- bém é compatível com a maximização da éficiência produtiva, porque
vos agrotóxicos e maquinarias_ agrícolas. Todos_ esses insumos ~~m _de] permite a padronização de práticas de manejo.
fora do agroecossistema em s1; seu uso extensivo tem consequencias O problema é que a uniformidade genética crescente de plantas do-
sobre o lucro dos produtores, sobre o uso de recursos não renováveis e mesticadas deixa a cultura como um todo mais vulnerável ao ataque de
/ sobre quem controla a produção agrícola.
pragas e patógenos que adquirem resistência a agrotóxicos e aos com-
Quanto mais tempo as práticas convencionais forem usadas em\ postos de defesa da própria planta; também a torna mais vulnerável a
solos ,agrícolas, mais o sistema_ se tor~ia dependente de_ insumos exter-J
I nos. A medida que o trabalho mtens1vo e o monocullivo degradam o
mudanças de clima e a outros fatores ambientais. Este problema agra-
va-se pela diminuição concomitante do tamanho do reservatório genéti-
solo, a fertilidade depende mais e mais do aporte de fertilizantes nitro- co de cada planta domesticada: há cada vez menos variedades a paitir
genados derivados de combustível fóssil , além de outros nutrientes. das quais se pode retirar genes resistentes ou adaptativos. A importân-
A agricultura não pode ser sustentável enquanto permanecer essa cia de se ter um reservatório genético amplo pode ser ilustrada com um
( dependência de insumos. P1imeiro, os ~ec~rsos naturais dos q_uai~ ~ui- exemplo. Em 1968, insetos5 atacaram plantações de sorgo nos Estados ] ~
tos insumos derivam-se não são renovave1s e suas reservas sao f1mtas. ' ' )f Unidos, causando um prejuízo estimado de 100 milhões de dólares. No
Segundo, a dependência de insumos externos deixa produtores, regiões ano seguinte, foram usados inseticidas para controlá-los, a um custo de
e países inteiros vulneráveis à falta de fornecimento, flutuações de mer- 50 milhões. Pouco tempo depois, entretanto, os pesquisadores desco-
cado e aumento de preços. briram uma variedade de sorgo p0rtadera de resistência a este i-nseto.
. Ninguém sabia destaJ:esis.tência, mas, não obstan~,__§la est_ava lá.Essa
PERDA DA DIVERSIDADE GENÉTICA "'---'> f--
variedade foi usada para criaIJ:Jm híbrid..9 gue foi cultivado extensivª-
m~nte e não foi atacado or es~_inseto, tornando desnecessário o uso
Ao longo da maior parte da história da agricultura, os seres hu-
de agrotóxicos. Tal resistência a pragas é comum em Jantas domesti-
manos aumentaram a diversidade genética das plantas cultivadas, em cadas, "escondendo-se" no genom~ mas ag.um:çl_ando ara ser usada p~
nível mundial. Temos sido capazes de fazer isso tanto através do cru- mel]Qris_a_s de plantas.,-Entretanto, quando as variedades são per was, ( /
zamento de plantas, ao selecionar variedades de características espe- \_ reduz-se o tamanho do valioso reservatótio genético de características,
cíficas e com freqüência adaptadas localmente, quanto ao introduzir e algumas, potencialmente de valor incalculável para cruzamentos futu- ;
continuamente espécies silvestres e seus genes para dentro do acervo ros, são perdidas para sempre. .
de plantas domesticadas. Nas últimas décadas, contudo, a diversida-
) de genética geral das plantas domesticadas caiu. M uitas variedades
foram extintas, e muitíssimas outras estão caminhando nesta direção.
Enquanto isso, a base genética da maioria ela~ principais plarítãsc -

1 ---- --
ti vadas tornou-se cada vez mais uniforme) Apenas seis variedades de
-
milho, por exemp lo;-são responsáveis- por mais de 70% da produção
ndial deste grão. 5
"Greenbugs", no original.

----------
46 47
PERDA DO CONTROLE LOCAL
SOBRE A PRODUÇÃO AGRÍCOLA

Acompanhando o aumento de monoculturas de larga escala, tem 1 100 --,-.---= ------..,....,...---:-:,-::-a


havido um declínio dramático no ~úmero de unid~des produtivas e d~ 80 Par ela de comercializa
1 produtores, especialmente em pa1ses desenvolvidos, onde o uso da
mecanização e de altos níveis de insumos externos é a norma. Desde 60 --r- - - - - - - - - - ~2.'..J
%
1920 até o presente, o número de unidades de produção agrícola nos 40 Parcela do produtor
Estados Unidos caiu de mais de 6,5 milhões para menos de 2 mdhões,{
1e a percentagem da população que mora e trabalha nestas umdades 20 - Custos de produção
( caiu para menos de 2%. Tamb~m _nos países em d~senvolvime~to, a / o 1
população rural que trabalha pnnc1palmente na agncultura c_o~tmua a 1910 1920 1930 1940 195019601970 1980 1990
abandonar a terra e a se mudar para áreas urbanas e mdustnais.
Além de encorajar o êxodo das áreas rurais, o cultivo em larga es-
cala voltado para a produção de commodities tende a tomar das comuni- Figura 1.5 - Parcela decrescente recebida pelos agricultores, em percentuais de dólar por alimen-
dades rurais o controle da produção de alimentos. Esta tendência é preo- to-consunúdor. Dados de Smith ( 1992).
cupante para o tipo de manejo requetido na produção sustentável, no qual
o controle e o conhecimento locais são cruciais. A produção de alimen-
nado de terra urbana. Por causa d~ssa ~in~mic_a, o Grande Vale Central
tos, feita de acordo com os ditames do mercado global e através de tec-
nologias desenvolvidas em outros lugares, inevitavelmente, toma-se des-
conectada dos princípios ecológicos. A perícia do manejo baseado na
l da Califórnia, rico em solos agncultave1s, vm a perda, entre 1950 e
1990 de centenas de milhares de hectares de ten-a (Amelican Farmland
'
Trust, 1995).
experiência é substituída por insumos comprados que requerem mais ca- Em países menos desenvolvidos, o crescimento da agricultura d~
pital e energia e o uso de recursos não renováveis. larga escala para exportação tem um efeito ainda mais ameaçador. A
A agricultura familiar parece ter pouco poder contra o avanço daj _ medida que a população rural - que, antes, era capaz de se alimentar
agticulturá industrial. Cultivas em pequena escala não podem bancar 0 1 l_ adequadamente e vender o excedente à população urbana - é empurra-
1custo de atualizarseu e uipamento e tecnolo_gia agrícola para competir, da para fora da terra, migra para cidades, onde se torna dependente para
de maneira bem-sucedida, com as operações dª produção em grande es- a sua alimentação. Já que a maior parte do alimento produzido na área
cala. Além disto, o aumento da parcela do dólar por alimento, que é des- rural é destinado à exportação, quantidades crescentes devem ser im-
tinada aos distlibuidores e vendedores, associado às políticas de alimen- portadas para as áreas urbanas em expansão. Devido a esta djnâmica, o
tos baratos, que têm mantido os preços agrícolas relativamente estáveis,
montante das exportações de alimentos para países em desenvolvimen-) ·
deixou muitos produtores bastante espremidos entre os custos de produ- to, por parte dos países desenvolvidos, aumentou cinco vezes entre 1970
ção e de comercialização. Hoje, sua parcela no dólar por alimento-con- e 1990, ameaçando sua segurança alimentar e tornando-os ainda mais
sumidor é menor que 9%, conforme mostrado na figura 1.5 (Smith, 1992). ( dependentes dos países desenvolvidos.
Confrontados com tal incerteza econômica, os produtores têm pou- A
cos incentivos para permanecerem na te1~a._ Há, então, tendência de pro- 'j
(:dutores maiores comprarem-na de seus v1z1 nhos menores. Mas, quando 1 DESIGUALDADE GLOBAL

'a área fica próxima a centros urbanos em rápida expansão, como na { A despeito dos aume~tos na prod~tividade e pro~uçã~, a fome p~r- /
Califórnia, a tendência é a venda da ten-a agrícola pelo valor inflacio- /siste em todo o globo. Existem, tambem, enormes d1spandades na m-

48 49
gestão de calorias e na segurança alimentar entre pessoas de nações / vertida ao uso humano e, desta porção, a proporção que pode ser culti- \
desen, olvidas.e aquelai.das_uações em desenvolvimento. Gom freqüên- vada está, na verdade, encolhendo devido à expansão urbana, degrada- '
cia, as nações em desenvolvimento produzem principalmente para ex- ção do solo e desertificação. Nos anos vindouros, o crescimento das
portação para países desenvolvidos, usando insumos externos compra- . cidades e a industrialização continuarão a reivindicar mais terra agrí-
dos destes. Enquanto os lucros da venda dos produtos de exportação cola - e, freqüentemente, também a melhor.
emiquecem um número reduzido da elite de proprietários de te1Tas, A figura 1.6 mostra graficamente o problema. Desde o final dos anos
muitas pessoas, nas nações em desenvolvimento, passam fome. Além 80, os aumentos anuais regulares na área de solo cultivável em nível mun-
disto, aqueles com pouca terra são deslocados à medida que a elite pro- dial, observados durante os anos 70 (e antes disso), estagnaram, e a quan-
cura mais área para culturas de exp011ação. tidade de terra arável, na realidade, diminuiu durante os anos 90. /
Além de causar sofiimento humano desnecessátio, as relações de Mesmo com irrigação não é possível aumentar muito mais a área
desigualdade tendem a promover políticas e práticas agrícolas que são de te1Ta cultivável. Na maioria das regiões secas, a água já é escassa e
diligidas mais por considerações econômicas do que pela sabedoria eco- [
não existem reservas adicionais disponíveis para ampliar seu uso na
lógica e pensamento a longo prazo. Por exemplo, agricultores de subsis- agricultura. O desenvolvimento de novas fontes de fornecimento de água,
tência nas nações em desenvolvimento, deslocados pela crescente produ- l
ção para exportação dos grandes proprietátios de te1Tas, são freqüente-
mente forçados a cultivar teITas marginais. Os resultados são desmata- Milhões de hectares
mento, erosão severa e dano social e ecológico sério. 1360
Embora a desigualdade sempre tenha existido entre países e entre
grupos dentro dos países, a modernização da agricultura tendeu a acen- 1350.J....-- -
tuá-la, porque seus benefícios não são distribuídos uniformemente. Aque-
1340-l------ - - -
les com mais terTa e recursos têm tido maior acesso às novas tecnologi-
as. Conseqüentemente, enquanto a agricultura convencional estiver ba- 1330
seada em tecnologia de primeiro mundo e os insumos externos forem
acessíveis a tão poucos, a prática da agricultura perpetuará a desigual- 1320 ·-
dade, que pe1manecerá como uma barreira à sustentabi lidade.
1310 .,___ _

1300-i...::~~--,----~ ~--,--~~~,~ ,~ , ~ ,--,----,----~,-,.--,----,------r--,r -


Ficando sem soluções 1970 1994

Durante o século XX, a produção de alimentos aumentou de duas ma-


neiras: incorporando maior área de produção e aumentando a produtivida-
l
. Figura 1.6 - Área mundial de terra arável. À medida que a quantidade total de terra arável dimi-
1
de - a quantidade de alimento produzido por unidade de ten-a. Como já nui, o crescimento populacional continua 'sua tendência ascendente. Ao mesmo tempo, a produ-
ção por hectare estabilizou-se num platô. Dados do Banco de Dados da FAO - FAOSTAT.
exposto, diversas técnicas usadas para aumentar a produtividade têm mui-
tas conseqüências negativas que, a longo prazo, trabalham para minar a pro-
dutividade da te1Ta agrícola. Por1anto, não podemos confiar nos meios con- ademais, tem conseqüências ambientais cada vez mais severas. Em al-
vencionais de aumentar a produtividade para ajudar a satisfazer as necessi- gumas áreas que dependem de água subte1Tânea para irrigação, como a
dades crescentes de alimentos de uma população global em expansão. Arábia Saudita e partes dos Estados Unidos, a quantidade de água dis-
Contudo, aumentar a produção de alimentos cultivando mais terra ponível, na verdade, diminuirá no futuro, por causa do excesso de reti- {
também é problemático. A maior pa11e da terrn agricultável já foi con- rada e do aumento da demanda não agrícola.

50 51
Permanecem pequenas, porém significativas, áreas de terra que po- Como a "perpetuidade" nunca pode ser demonstrada no presen-
deriam ser cultivadas, mas estão atualmente cobertas por vegetação natu- te, a prova da sustentabilidade permanece sempre no futuro, fora do
ral. Parte delas está no processo de ser convertida para uso agrícola, mas alcance. Assim, é impossível se saber, com certeza, se uma determi-
esta forma de aumentar a quantidade de terra cultivada tem, também, seus nada prática é, de fato, sustentável ou se um determinado conjunto de
limites. Primeiro, em grande parte, são florestas tropicais úmidas, cujo práticas constitui sustentabilidade. Contudo, é possível demonstrar que
solo não sustenta produção agrícola contínua. Segundo, estão sendo cada uma prática está se afastando da sustentabilidade.
vez mais reconhecidas por seu valor para a diversidade biológica global,
para o equilíbrio de dióxido de carbono na atmosfera e para a manuten-
ção dos padrões climáticos da terra. Por causa disto e dos esforços de
j Com base no nosso conhecimento presente, podemos sugerir que
uma agricultura sustentável, pelo menos:
/ - teria efeitos negativos mínimos no ambiente e não liberaria subs-

I grupos ambientalistas, grande parte das terras virgens restantes do plane-


. ta ficarão fora dos limites para conversão agrícola.
tâncias tóxicas ou nocivas na atmosfera, água superficial ou subterrânea;
1 - preservaria e recomporia a fertilidade, preveniria a erosão e
manteria a saúde ecológica do solo;
/ - usaria a água de maneira que pennitisse a recarga dos depósitos aqü-
O caminho na direção da sustentabilidade íferos e satisfizesse as necessidades hídricas do ambiente e das pessoas;
\ - dependeria, p1incipalmente, de recursos de dentro do agroecos-
A única opção que nos resta é preservar a produtividade, a longo sistema, incluindo comunidades próximas, ao substituir insumos exter-
prazo, da superfície mundial cultivável, enquanto mudamos os padrões nos por ciclagem de nutrientes, melhor conservação e uma base ampli-
de consumo e de uso dela para beneficiar a todos, tanto produtores quanto ada de conhecimento ecológico;
consumidores, de forma mais eqüitativa. A primeira parte deste desafio \ - trabalharia para valorizar e conservar a diversidade biológica,
futuro define o assunto do livro; a segunda, embora além do objetivo do tanto em paisagens silvestres quanto em paisagens domesticadas; e
livro, dependerá, em parte, das reconceptualizações da agricultura, aqui \ - garantiria igualdade de acesso a práticas, conhecimento e tecno-
oferecidas. logias agrícolas adequados e possibilitaria o controle local dos recur-
A preservação da produtividade da terra agrícola, a longo prazo, sos agrícolas.
requer a produção sustentável de alimentos. A sustentabilidade é alcan-
çada através de práticas agrícolas alternativas, orientadas pelo conhe- O PAPEL DA AGROECOLOGIA
cimento em profundidade dos processos ecológicos que ocorrem nas
áreas produtivas e nos contextos mais amplos dos quais elas fazem par- A agricultura do futuro deve ser tanto sustentável quanto J
te. A partir desta base, podemos caminhar na direção das mudanças so- altamente produtiva para poder alimentar a crescente população humana.
cioeconômicas que promovem a sustentabilidade de todos os setores Esse duplo desafio significa que não podemos simplesmente abandonar
do sistema alimentar. as práticas convencionais como um todo e retornar às práticas
tradicionais ou indígenas. Embora a agricultura tradicional possa
O QUE É SUSTENTABILIDADE? fornecer modelos e práticas valiosos para desenvolver uma agricultura
sustentável, não pode produzir a quantidade de comida requerida para
A sustentabilidade significa coisas diferentes para distintas pesso- abastecer centros urbanos distantes e mercados globais, pelo seu enfoque
as, mas há uma concordância geral de que ela tem uma base ecológica.
de satisfazer necessidades locais e em pequena escala.
No sentido mais amplo, a sustentabilidade é uma versão do conceito de
O que se requer, então, é uma nova abordagem da agricultura e do
produção sustentável - a condição de ser capaz de perpetuamente colher
desenvolvimento agrícola, que construa sobre aspectos de conservação
biomassa de um sistema, porque sua capacidade de se renovar ou serre-
de recursos da agricultura tradicional local, enquanto, ao mesmo te1r
novado não é comprometida.

52 53
po, se exploram conhecimento e métodos ecológicos modernos. Esta
abordagem é configurada na ciência da agroecologia, que é definida 7:Jlgpicq êspecial
como a aplicação de conceitos e princípios ecológicos no desenho e
manejo de agroecossistemas sustentáveis. "I,ttfij~Jitfo~~l)A;GRôECô~OGÍA•
A agroecologia proporciona o conhecimento e a metodologia ne-
cessários para desenvolver uma agricultura que é ambientalmente con- :.{i{ii~:aajo~cofogiaJerÍ~ii\tt
sistente, altamente produtiva e economicamente viável. Ela abre a por- aíl11JIIlft5l~9i<.>,nall}e11to. ten$0 . 4N~~~·
ta para o desenvolvimento de novos paradigmas da agricultura, em par- f}ip;s~RP~•s5 pri~9iR<1ltnente (io·•e~tuqe,~~
te porque corta pela raiz a distinção entre a produção de conhecimento 9{~.ªr;111°.~a~atpJJ dtt apli9aç~Pill-)"íí.~
e sua aplicação. Valoriza o conhecimento local e empírico dos agricul- .~~a~pt11i°'a ~~J~cµltut.i.~f2!,íf •·
tores, a socialização desse conhecimento e sua aplicação ao objetivo lN½7;tffl\1r~.l.a(io,e ª•ciên9tallp~/
comum da sustentabilidade. •ri\i!Y.ti.:?\IIlf~nl9Y\J•ªs iU<1f •·qis9ipJ;/11ªS'{t\']~
Os princípios e métodos ecológicos formam a base da agroecologia. ; !liª~~~IÍJt}]Jªf~lii~al!O dq~tt•~a·ll~Cl~•·
Eles são essenciais para detenninar: a) se uma prática, insumo ou decisão ~~'?~,~fl?~tt;,s; ªfl\J11.as;receµtemeµf~fqf;1~~i
de manejo agrícola é sustentável, e b) a base ecológica para o funciona- . ális'.e•~it!t~ica 4'1;"llg!'Í9í,füt11:a.. t•· , )• ··•••.
mento, a longo prazo, da estratégia de manejo escolhida. Uma vez que esses ~1;1Za.rp9tt$iÕ<lr.45 eí~aíll~nt(if~ftt~
. estejam identificados, podem ser desenvolvidas práticas que reduzam os ·. p~p~~JJl19;fiir~•.dosanqs2Ç,c9IIlf~
~~t~:~~~~9lpgia(de9µItiyo~.Aose9qlp~tsf
J~~f!1 ª. •·o_11f5fram·fe~t9s os pl(llltio~;~t~;
insumos externos comprados, diminuam os impactos de tais insumos quan-
do usados e estabeleçam uma base para desenhar sistemas que ajudem os
produtores a sustentar seus cultivas e suas comunidades produtoras. ~,~W. elet~f~seiaínIIlff~9\\~9s•an.9~.}~~
Embora a abordagem ecológica comece focalizando componentes ~~fª•··•····· . ·<··<. J\Jflfll}·qt~~~·1tf~~°'~/ftf~:~
•~it,~~tt\~t;wwental'lf?; µm:r.y~3qµe,~~~
particulares de um sistema de cultivo e a ecologia de estratégias alter-
nativas de manejo, ela estabelece, no processo, a base para muito mais. .9~E,~3/.~~9119~all1ai~ e'!(periuJellt~z4~.~~ •.•
Aplicada mais amplamente, pode nos ajudar a examinar o desenvolvi- 1~~1~9e}~~aíll(l''e<,Ologia.apliCâ~f/,àà~~i~
mento histórico de atividades agrícolas em uma região e a determinar a ·;.ll~'.l-'yflll?s~gr9ecologia p~ecete1síd.~\~~.
base para selecionar práticas mais sustentáveis adaptadas àquela re- ;.,~9,!;~fyffª~~dia1;.5nquanto>ª ~<r?!~~
gião. Também pode averiguar as causas de problemas que resultaram :l~~í911crt~,r~ª\ª <191"()U()rniatorno11-se c~f-ª;~e~P
de práticas insustentáveis. De forma mais ampla ainda, ajuda-nos a ex- ;~~s~;t_lld.Pste,IIlf p~e Pºf causada 1necani3*~(i·.·,
plorar a base teórica para desenvolver modelos que podem facilitar o ·. . )~.Ryl()IlSCJ}llili.sçlif~fklodeprodutoS;~}!Í~~~fc
desenho, teste e avaliação de agroecossistemas sustentáveis. Em última · ·.¼~~~~fyS:t5~5~daárea, ficaram meno,sflr°'flens
instância, o conhecimento ecológico da sustentabilidade dos agroecos- : .$}m~~~S/lii~~ip/J!1:rs,ea~~tância.eµtreel
sistemas deve dar nova forma à perspectiva que a humanidade tem da 0~.~s{~ps8~?f;(J~ina1µf~cimento.dCJ{~ . . .·.,.,,<
produção vegetal e animal, a fim de que seja alcançada, em nível mun- %f9Il;~",fy~?;1ntt)resserenoyado. naec°'1g~~~J.
dial, a produção sustentável de alimentos. .· ~~~~9119i~11e,;f?i.4e,11otniI1ada·ecolCJ%1\%f,ª~'
;~$~~s_i:st.e,111afefllr9e,u,pela;primeira:vyz;_cµ~~.(
Cf)~~st~~ª~Il'IJ"a ll~Cultµra ap!lrtjt1~,~/-t
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54 55
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$'.í()l1a1".()5()1;'K;Yem]:974, . Jlº···Primeiro·· Col)gfySS()hlt~IIlllÇiCJ11ll}c;d~·· 1938 · J,l'apàdíiklI S~'!l/!ên~t-~---H~:. .1F;°-~1if~:;:-P:~;t~Ati¾:iJi::
>«Jxt>lôgià n[agticulttú:ir'U ;. • · ··
~çqJojll1<IllJ111<i()u111·grl!PO ·de·.trab!lfüodKse11volyeu.l1J?:1 rylítt~~Q 1939 JI, fla9s9n .
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Mem,or_i~s :ãrf.:~~Wi~if:~f!:J~_~gi~IJ1~f;
' êl~;e~~V()/de.maf~es etn,desenvolvjl:Ilento,.q11s c0rrieg~í!Ill}!'~$t,fK'f
!~~td~Sc.J10l?tn~tospesquisad9res.como ex.çi.mp\t15,~~g~\'11Í$~X~$'·
-~~-,b,_~e.:_'~:1f1-ii:_~l~~rl/1:1{'f~l4_:trf3t/"
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. l"JiffÇ1'.$~c~ento.desuainlfoência,aaey9.$e$lOsill~~l1~~11i11 1981 ' $1<'.lli~sslllim\ '"Aifiast; edo(õ~i'éa'parãia'âp~J~?~~
R H_~cia:.asg~~Sá _trádicional a(} manejtY.de{igtoéç·"
tly~$!1YºtY~entodo.concei~o·.de systsntaliiJ.iciade,~~Jªg)%Ç11f~J ·:e:M,-Ànlador, z -,.: -·.,,,,,---·,> .<:·> ·>----:<,.> · ,.;:.,.·
· .·.·lJ:lliº.ªSllste11tabilidadeforne.cia.t11?:1~111$t!lpllt~!?~ali~~.t, 19ss ···•···,11,A1tieri Á.lfi-d;'êcJ1iJ~,/Z.
.
g$\···•···<•}ll~P~C0.11~9ª•·.ª abondagenrdesiste~a;int~i!l/'<lf:llgí;g~Jy , '.t9&4:: -:·/R.J;;c,.Wrané:e,,- fif_Of~is}é,nt,a-:'S, ·çtg_;fj(Çbl~r4n)jtffj!J~
•··•.9?~?gf~f'0/9Cl!lh.$ci!11elltPde ·.equilíbi;io dinâ!llicQ/PtOíl.~l;<~icipll~~ B}StinÍlêr, Gifld.üsê
.~~abt~$/~i,gt'i9a•e çq11ceitulltconsist~nte pataa ~ •·· ·. !)bi~d
;,t~~4i<li~ers0taiitores~stabelecerll1?:1a base e.col •·· ·. ª~ªf. . . . .·
tq•
'\bili!í!:~gllg$• lll1lliS, ele um simp6si9. ·.(Dqugl!)SS;/t.f&4M,$s111.,~11b.tt~ijl
·· 1984 G:DôtÍg!as(ed:J . ¼1usíeniqbilld~1•ªgtlc?lâ'êlli;/Í<
m,u,ndia(ettt'.tta_n,sforma_Çfãétt · ·

• .g~BJ:,~f~$Y'11fªP$ldestacado nas9Jidifiçaçãqda•ri,lªg~Q.$~Í~${1íg~~~"i Para ajudar a pensar


.•(].\ítsa agf?Cf()11gi,ça e a protnoÇ~O daagric11ltura~11tt$11fá.V$I;,J.g;tt;;.
•.·,,.)0}.~~i~fa!!gr9yCülpgia··contil)Uaafü~ei:.ç0netíl0$11~r'ift~~f$~ª§/. 1. Como a abordagem holística da agrnecologia permite a integração dos ·
a
:,.$sf~!$1$~fdlls,;~cir :iirri laêlo,.·. ªgí;Oecología·.~. () t>S~.~.9 ·•cl$1R~~~f~~ó~•···
'rS~g119~~gs ~ de agrn~cossisteillaS, por OUtit'..()(~ :iirrill~~llf[ •. .·•. •. ·•·. · três componentes mais importantes da sustentabilidade: fundamentação
em princípios ecológicos, 6 viabilidade econômica e eqüidade social?
'~Il,,~~ª~?~oc11s.e·.ecológicas··•co1nplexªs.CjUçljt~Ãli;lltií;ll$~6;~%.. ,•.. 2. Por que tem sido tão difícil para os seres humanos ver que muita da
;..4efJ~~~:'fri~Qft1türó.•af~de leyat•aagtjcultt1ra,píírí!t1l:nlt§~~$:,~irf degradação ambiental causada pela agricultura convencional é conse-
; gãdeiramentesustentá;vel. · ··· ··
qüência da falta de uma abordagem ecológica da agricultura? ·
6 "Ecological soundness", no original.

56 57
3. Que terreno comum existe entre a agronomia e a ecologia, em relação NATIONAL RESEARCH COUNCIL. Problems in U.S. agriculture.In: Alternative
agriculture. Washington, D.C.: National Academy Press. 1989. p.89-134.
à agricultura sustentável?
Um marco na revisão da situação atual da agricultura nos Estados Unidos e da viabi-
4. Quais os pontos de maior importância que ameaçam a sustentabilida- lidade de alternativas para o futuro. Apoiado por um excelente conjunto de estudos
de da agricultura na cidade ou região em que você vive? de casos de manejo agrícola alternativo bem-sucedido dos Estados Unidos.
PRETTY, N. Jules. Regenerating agriculture: policies and practicefor sustaina-
bility and self-reliance. Washington. D. C.: Joseph Henry Press, 1995.
Leitura recomendada Uma revisão extensa da necessidade de redirecionar as políticas e práticas agríco-
las, e das etapas que estão acontecendo para criar esta mudança.
ALTIERI. M. A. Agroecology: the science of sustainable agriculture. 3.ed. Boul-
der, Colorado: Westview Press. 1995.
Um trabalho pioneiro sobre a necessidade da sustentabilidade e uma revisão dos ti-
pos de agroecossistemas, que nos ajudarão a dar um salto nessa direção.
BROWN, Lester. Facing the prospect of food scarcity. ln: STARKE, L. (ed.). State
ofthe world. New York/London:W. W. Norton & Co, 1997. p.23-41.
Análise de amplo espectro das causas subjacentes à iminente crise no sistema mun-
dial de produção de alimentos.
DOUGLASS, G. K. Agricultura! sustainability in a changing world order. Boul-
der, Colorado: Westview Press, 1984.
Anais de um simpósio marco que ajudou a definir a trajetória para trabalho futuro na
natureza interdisciplinar da sustentabilidade agrícola.
EDWARDS, C. L. La!; MADDEN, P. R.; MILLER. R. H.; HOUSE, G. (eds.). Sus-
tainable agricultura/ systems. Ankeny, Iowa: Soil and Water Conservation
Society, 1990.
Os anais de um simpósio importante que reuniu pesquisadores e praticantes de agri-
cultura sustentável do mundo todo para compartilhar experiências e perspectivas.
GLIESSMAN, S. R. Agroecology: researching the ecological basis for sustainable
agriculture. New York: Springer-Verlag. 1990. Ecological Studies Series; 78.
Uma excelente visão geral do tipo de pesquisa necessária para identificar a base
ecológica para agroecossistemas sustentáveis.
JACKSON, Wes. New roots for agriculture. San Francisco: Friends of the Earth,
1980.
Uma visão excelente das bases ecológicas e culturais de uma agricultura renovável
que usa a natureza como o modelo para desenvolver manejo sustentável.
JACKSON, W.; BERRY, W.; COLMAN, B. Meeting the expectation ofthe land.
Berkeley, Califórnia: Northpoint Press, 1986.
Uma coletâne]a de contribuições de um conjunto diversificado de especialistas,
desenhada para informar o público em geral sobre elementos culturais e sociais
necessários para fazer a transição a uma agricultura sustentável.
MILLER, G. T. Jr., Living in the environment: principies, connections, and solu-
tions. 8 ed. Belmont, Califórnia: Wadsworth. 1994.
Livro-texto dos mais atualizados no campo da ciência ambiental, com enfoque
na solução de problemas.

58 59
2

1 O conceito de agroecossistema
l
Um agroecossistema é um local de produção agrícola - uma pro-
priedade agrícola, por exemplo - compreendido como um ecossistema.
O conceito de agroecossistema proporciona uma estrutura com a qual
podemos analisar os sistemas de produção de alimentos como um todo,
incluindo seus conjuntos complexos de insumos e produção e as inter-
conexões entre as partes que os compõem.
Como o conceito de agroecossistema baseia-se em princípios ecoló-
gicos e na nossa compreensão dos ecossistemas naturais, o primeiro tópico
de discussão deste capítulo é o ecossistema. Examinamos os aspectos es-
truturais dos ecossistemas - suas partes e as relações entre elas - e, então;
nos voltamos para seus aspectos funcionais - como funcionam os ecossis-
temas. Os agroecossistemas são, então, descritos em termos de como eles
se comparam, estrutural e funcionalmente, com ecossistemas naturais.
Os princípios e termos apresentados neste capítulo serão aplicá-
veis à nossa discussão de agroecossistemas ao longo de todo o livro.

A estrutura de ecossistemas naturais


Um ecossistema pode ser definido como um sistema funcional de
relações complementares entre organismos vivos e seu ambiente, deli-
mitado por fronteiras escolhidas arbitrariamente, as quais, no espaço e
no tempo, parecem manter um equilíbrio dinâmico, porém estável. As-
sim, um ecossistema tem partes físicas com suas relações particulares -
a estrutura do sistema-, que juntas participam de processos dinâmicos
- a função do sistema.
Os componentes estruturais mais básicos dos ecossistemas são fa-
tores bióticos, organismos vivos que interagem no ambiente, e fatores

61
abióticos, componentes químicos e físicos não vivos do ambiente, como biente, além das comunidades de organismos que ocorrem em uma área
solo, luz, umidade e temperatura. específica. Uma intrincada teia de interações acontece dentro da estru-
tura do ecossistema.
NÍVEIS DE ORGANIZAÇÃO Estes quatro níveis podem ser diretamente aplicados a agroecos-
siseemas, como mostrado na figura 2.1. Ao longo deste texto, serão fei-
Os ecossistemas podem ser examinados em termos de uma hierar- tas referências a estes níveis: plantas cultivadas individuais (o nível do
quia de organização das partes que os compõem, exatamente como o organismo), populações de espécies cultivadas ou outros organismos,
corpo humano pode ser examinado em nível de moléculas, células, te- comunidades de áreas cultivadas e agroecossistemas como um todo.
cidos, órgãos ou sistemas de órgãos. No nível mais simples está o or-
ganismo individual. O estudo deste nível de organização é chamado auto-
ecologia, ou ecologia fisiológica. Ele se ocupa de como um único indi-
víduo de uma espécie se comporta em resposta aos fatores do ambiente
e como o grau de tolerância particular do organismo a estresses no am-
biente determinará onde o mesmo viverá. As adaptações da bananeira,
A unidade produtiva
por exemplo, a restringem a ambientes tropicais, úmidos, com um con-
no contexto
junto particular de condições, enquanto pés de morango são adaptados
de sua bacia hidrográfica
a um ambiente bem mais temperado.
No próximo nível de organização ficam grupos de indivíduos da
Comunidade~
mesma espécie. Tal grupo é chamado de população. O estudo delas é
chamado de ecologia de populações. É importante entender de ecologia
de populações para determinar os fatores que controlam seu tamanho e \/1
Policultura de plantas ·
crescimento, especialmente com relação à capacidade do ambiente de
sustentar uma determinada população ao longo do tempo. Os agrôno-
1 1 intercaladas
r e outros organismos

mos aplicaram os princípios da ecologia de populações na experimen- População


tação que levou ao aumento do rendimento pelo adensamento e arranjo
de espécies cultivadas.
Populações de espécies diferentes sempre ocorrem juntas, mistu-
radas, criando o próximo nível de organização, a comunidade. Uma
1111111111 Monocultura

comunidade é um conjunto de várias espécies vivendo juntas em um Organismo Planta cultivada


determinado lugar e interagindo. Um aspecto importante deste nível é individual
como as interações de organismos afetam a distribuição e abundância
das diferentes espécies que constituem uma comunidade particular. A
competição entre plantas em um sistema de cultivo ou a predação de Figura 2.1 - Níveis de organização do ecossistema aplicados a um agroecossistema. O diagrama
poderia ser estendido para cima, para incluir níveis de organização regional, nacional e global, que
pulgões por joaninhas são exemplos de interações neste nível em um envolveriam coisas como mercado, política agrícola e mesmo modificação climática global. Para
agroecossistema. O estudo do nível de organização da comunidade é baixo, o diagrama poderia incluir os níveis de organização celular, químico e atômico.
conhecido como ecologia de comunidade.
O nível mais abrangente de organização de um ecossistema é o ecos-
sistema propriamente dito, que inclui todos os fatores abióticos doam-

62 63
Uma característica importante dos ecossistemas é que cm cada ní- o ambiente luminoso para todas as outras espécies ali presentes, a es-
vel de organização emergem propriedades que não estavam presentes péci~ da árvore é dominante na comunidade do jardim ainda que possa
no anterior. Essas propriedades emergentes são o resultado da intera- não ser a espécie mais abundante. Os ecossistemas naturais são nor-
ção das "partes" componentes daquele nível de organização do ecos- malmente batizados de acordo com sua espécie dominante. A comuni-
sistema. Uma população, por exemplo, é muito mais do que uma cole- dade da floresta de sequóias da costa da Califórnia é um bom exemplo.
ção de indivíduos da mesma espécie e tem características que não po-
Estrutura vegetativa
dem ser compreendidas em termos de organismos individuais sozinhos.
No contexto de agroecossistema, este princípio significa, em essência, Comunidades terrestres são freqüentemente caracterizadas pela es-
que a unidade agrícola é maior do que a soma de seus cultivas indivi- trutura de sua vegetação. Isso é determinado sobretudo pela forma da
duais. A sustentabilidade pode ser considerada a qualidade emergente espécie dominante, mas também pela forma e abundância de outras es-
maior de uma abordagem de ecossistema à agricultura. pécies de plantas e seu espaçamento. Assim, a estrutura vegetativa tem
um componente vertical (um perfil com diferentes camadas) e um com-
PROPRIEDADES ESTRUTURAIS DE COMUNIDADES ponente hmizontal (agrupamentos ou padrões de associação), e apren-
demos a reconhecer como espécies diferentes ocupam lugares distintos
Uma comunidade existe, por um lado, como resultado das adapta- nesta estrutura. Quando as espécies que compõem a estrutura vegetativa
ções das espécies que a compõem aos gradientes de fatores abióticos assumem formas semelhantes de crescimento, nomes mais gerais são
que ocorrem no ambiente. E, por outro, como resultado das interações dados a esses conjuntos (por exemplo, pradaria, floresta, capoeira).
entre populações dessas espécies. Uma vez que a estrutura da comuni-
dade desempenha um papel tão importante na determinação da dinâmi- Estrutura trófica
ca e estabilidade do ecossistema, é valioso examinar-se mais detalha-
damente diversas propriedades das comunidades, que aparecem como Cada espécie em uma comunidade tem necessidades nutritivas.
resultado de interações neste nível. Como essas necessidades são satisfeitas ante outras espécies, determi-
na a estrutura de relações alimentares. Essa estrutura é chamada estru-
Diversidade das espécies tura trófica da comunidade. As plantas são a base da estrutura trófica
de cada comunidade devido à sua habilidade de captar energia solar e
Compreendida em seu sentido mais simples, a diversidade das
convertê-la, através da fotossíntese, em energia química armazenada na
espécies é o número de espécies existentes em uma comunidade. Algu- forma de biomassa, que pode, então, servir como alimento para outras
mas comunidades, como aquela de um açude, são extremamente diver-
espécies. Devido a esse papel trófico, as plantas são conhecidas como
sas; outras são constituídas de número reduzido de espécies. produtoras. Fisiologicamente, as plantas são classificadas como auto-
Dominância e abundância relativa tróficas porque satisfazem suas necessidades de energia sem serem pre-
dadoras de outros organismos.
Em qualquer comunidade, algumas espécies podem ser relativa- A biomassa produzida pelas plantas torna-se disponível para uso
mente abundantes, e outras, menos. A espécie com maior impacto tanto pelos consumidores da comunidade. Os consumidores incluem os her-
nos componentes bióticos quanto nos abióticos da comunidade é referi- bívoros, que convertem a biomassa das plantas em biomassa animal,
da como a espécie dominante. A dominância pode ser resultado da re- predadores e parasitas, que atacam os herbívoros e outros predadores,
lativa abundância do organismo, seu tamanho, seu papel ecológico, ou e parasitóides, que atacam predadores e parasitas. Todos os consumi-
de quaisquer desses fatores combinados. Por exemplo, uma vez que, num dores são classificados como heterotróficos, porque suas necessida-
jardim, algumas poucas árvores grandes podem alterar dramaticamente des nutritivas são satisfeitas consumindo outros organismos.

64 65
Cada nível de consumo é considerado como um nível trófico dife- O funcionamento de ecossistemas naturais
rente. As relações tróficas entre as espécies de uma comunidade podem
ser descritas como uma cadeia alimentar, dependendo de sua complexi- A função dos ecossistemas refere-se aos processos dinâmicos que
dade. Veremos adiante que as relações tróficas podem se tomar bastan- ocorrem dentro deles: o movimento de matéria e energia e as intera-
te complexas e são de importância considerável nos processos de agro- ções e relações dos organismos e materiais no sistema. É importante
ecossistemas, como o manejo de pragas e doenças. entender esses processos a fim de tratar dos conceitos de dinâmica,
eficiência, produtividade e desenvolvimento de ecossistemas, espe-
Estabilidade cialmente de agroecossistemas, onde a função pode determinar a di-
Normalmente, a diversidade das espécies, a estrutura de domi- ferença entre o fracasso e o sucesso de um cultivo ou de determinada
nância, a vegetativa e a trófica de uma comunidade permanecem razo- prática de manejo.
avelmente estáveis ao longo do tempo, embora organismos individu- Os dois processos mais fundamentais em qualquer ecossistema são
ais morram e deixem a área, e o tamanho relativo das populações mude. o fluxo de energia entre suas partes e a ciclagem de nutrientes.
Em outras palavras, se você visitasse e observasse uma comunidade
natural e, então, a visitasse novamente vinte anos depois, ela parece- O FLUXO DE ENERGIA
ria relativamente inalterada em seus aspectos básicos. Mesmo se al-
gum tipo de perturbação - como fogo ou enchente - matasse muitos Cada organismo individual, em um ecossistema, está constante-
membros de muitas espécies na comunidade, ela finalmente se recu- mente usando energia para executar seus processos fisiológicos, e suas
peraria, ou retomaria a algo próximo da condição e composição ori- fontes de energia devem ser reabastecidas regularmente. Assim, a ener-
ginal de espécies. gia num ecossistema é como a eletricidade numa casa: ela flui cons-
tantemente de fontes externas para dentro do sistema, abastecendo seu
Tabela 2.1 funcionamento básico. O fluxo de energia num ecossistema está dire~
Níveis tróficos e papéis em uma comunidade tamente relacionado à sua estrutura trófica. Contudo, pelo exame do
fluxo de energia, focalizamos mais as fontes de energia e seu movi-
Tipo de organismo Papel trófico Nível trófico Classificação fisiológica mento dentro da estrutura, do que a estrutura propriamente dita.
A energia flui para dentro de um ecossistema como resultado
Plantas Produtores P:timeiro Autotrófico
Herbívoros Consumidores Segundo Heterotrófico da captação da energia solar pelas plantas, as produtoras do siste-
de primeiro nível ma. Essa energia fica armazenada nas ligações químicas da biomas-
Predadores e Parasitas Consumidores Terceiro Heterotrófico
de segundo nível e mais alto
sa que as plantas produzem. Os ecossistemas variam em sua habili-
(eillais altos) dade de converter energia solar em biomassa. Podemos medir o to-
tal de energia que as plantas trouxeram para dentro do sistema, num
dado momento no tempo, pela determinação da quantidade de bio-
Devido a essa habilidade de resistir à mudança e de ser resiliente massa viva neste período ou a biomassa das plantas no sistema. Tam-
em resposta a perturbações, as comunidades - e os ecossistemas dos quais bém podemos medir a taxa de conversão de energia solar em bio-
elas fazem parte - são, às vezes, considerados possuidores da proprieda- massa: a chamada produtividade primária bruta, que é expressa
de de estabilidade. A estabilidade relativa de uma comunidade depende usualmente em termos de quilocalorias por metro quadrado, por ano.
enormemente do seu tipo e da natureza das perturbações às quais ela está Quando a energia que as plantas usam para manter a si mesmas é
sujeita. Os ecologistas discordam sobre se a estabilidade deve ou não ser subtraída da produtividade primária bruta, é obtida a produtividade
considerada uma característica inerente de comunidades ou ecossistemas. primária líquida do ecossistema.

66 67
CICLAGEM DE NUTRIENTES
Os herbívoros (consumidores primários) consomem a biomas-
sa das plantas e a convertem em biomassa animal, e os predadores e Além da energia, os organismos requerem entrada de matéria para
parasitas (consumidores secundários e de nível mais alto), que ata- manter suas funções vitais. Esta matéria - na forma de nutrientes que
cam herbívoros ou outros consumidores, continuam o processo de
contêm uma variedade de elementos e compostos cruciais - é usada para
conversão de biomassa entre os níveis tróficos. Apenas um pequeno
rnnstruir células e tecidos e as moléculas orgânicas complexas reque-
percentual da biomassa de um nível trófico, contudo, é convertido
ndas para o funcionamento das células e do corpo.
em biomassa no próximo nível. Isto porque uma grande quantidade
A ciclagem de nutrientes nos ecossistemas está obviamente relaci-
de energia é gasta na manutenção dos organismos em cada nível (cerca
onada ao fluxo de energia: a biomassa transferida entre níveis tróficos
de 90% da energia consumida). Além disto, uma grande quantidade
contém tanto energia em ligações químicas quanto matéria servindo como
de biomassa em cada nível nunca é consumida (e parte da que é con-
nutrientes. A energia, no entanto, flui apenas numa direção, através dos
sumida não é totalmente digerida); esta biomassa (na forma de orga-
ecossistemas - do Sol para os produtores, daí para os consumidores e
nismos mortos e matéria fecal) é posteriormente decomposta por
deles para o ambiente. Os nutrientes, por outro lado, movem-se em ci-
detrit{voros e decompositores. O processo de decomposição libera j
clos - através dos componentes bióticos de um ecossistema para os
(na forma de calor) muita da energia que entrou na produção da bio-
componentes abióticos e, novamente, para os bióticos. Uma vez que tanto
massa, e a biomassa remanescente é devolvida ao solo como maté-
os componentes bióticos quanto os abióticos do ecossistema estão en-
ria orgânica. volvidos nesses ciclos, eles são referidos como ciclos biogeoquími-
Em ecossistemas naturais, a energia deixa o sistema principalmente
cos. Como um todo, os ciclos biogeoquímicos são complexos e interco-
na forma de calor, gerado tanto pela respiração dos organismos, nos
nectados; além disto, muitos ocorrem em um nível global que transcen-
vários níveis tróficos, quanto pela decomposição de biomassa. Outras
de ecossistemas individuais.
formas de emissão de energia são muito pequenas. A emissão total de
Muitos nutrientes são ciclados através de ecossistemas. Os mais
energia (ou perda) de um ecossistema é usualmente equilibrada pela
importantes são carbono (C), nitrogênio (N), oxigênio (0), fósforo
entrada, através das plantas que captam a energia solar.
(P), enxofre (S) e água. Com exceção da água, cada um destes é co-
nhecido como macronutriente. Cada nutriente tem uma rota especí-
fica através do ecossistema, dependendo do tipo de elemento e da
estrutura trófica do ecossistema, mas dois tipos principais de ciclos
§"§ (calor) biogeoquímicos são geralmente identificados. Para o carbono, oxi-
Respiraç:~ /
gênio e nitrogênio, a atmosfera funciona como o reservatório abióti-
ivoros :~.:- -- - - - · - - · -
arnívoros •,, Carnívoros superiores co principal, de forma que podemos visualizar ciclos que assumem
ecomposi .
dejetos ~-~~~ D_ecompos1tor, um caráter global. Como um exemplo, uma molécula de dióxido de
Decompositor, biomassa e calor
biomassa e calor
carbono respirada para o ar por um organismo em um local pode ser
absorvida por uma planta do outro lado do planeta. Elementos que
são menos móveis, como o fósforo, enxofre, potássio, cálcio, e a
maior parte dos micronutrientes, são ciclados mais localmente e o
solo é seu reservatório abiótico principal. Esses nutrientes sã; ab-
Figura ~.2 - O flux~ de energ_ia no ecossistema. O tamanho de cada caixa representa a quantida-
de relativa de energia que flm através daquele nível trófico. No ecossistema médio, somente cer- sorvidos pelas raízes das plantas, armazenados por um período de
ca de 10% da energia de um nível trófico é transfetida para o seguinte. Quase toda a energia que tempo como biomassa, e retornados finalmente ao solo, dentro do
entra em um ecossistema é, no final, dissipada como calor.
mesmo ecossistema, por decompositores.

68 69
Alguns nutrientes podem existir em formas que estão prontamen- molecular (N 2) em amônia (NH 3), através da fixação biológica por
te disponíveis para os organismos. O carbono é um bom exemplo de microrganismos, começa o processo que torna o nitrogênio disponí-
tal material, movendo-se facilmente entre sua forma abiótica, no re- vel para as plantas. Uma vez incorporado à biomassa das plantas,
servatório atmosférico, e uma forma biótica em matéria de planta ou este nitrogênio "fixado" pode, então, se tornar parte do reservatório
animal, à medida que circula entre a atmosfera, como dióxido de car- do solo e, finalmente, ser absorvido novamente pelas raízes das plan-
bono, e a biomassa, como carboidratos complexos. O carbono gasta tas como nitrato (NOJ Desde que este nitrogênio ciclado no solo
períodos de tempo variáveis na matéria orgânica, viva ou morta, ou não seja transformado de volta em N 2 gasoso ou perdido como amô-
mesmo em húmus no solo, mas retorna ao reservatório atmosférico nia volátil ou óxidos gasosos de nitrogênio, ele pode ser ciclado ati-
como dióxido de carbono antes de ser reciclado novamente. A figura vamente dentro do ecossistema. A importância agroecológica das
2.3 é uma representação simplificada do ciclo do carbono, enfocando interações bióticas envolvidas neste ciclo é discutida mais detalha-
sistemas terrestres e deixando de fora o reservatório de carbono en- damente no capítulo 16.
contrado em rochas de carbonato.
i

Nitrogênio atmosférico (N 2 )
Carbonp atmosférico\
Erutção Fix ção
lntemperização vulcânica bi ·gica
F go
Com stão F o i
D nitrificação ,
M
1m
i
\ Fi ção
Herbívoros Plantas
1 ,;-
e seus or
Herbívoros 1 verdes elâ pag s
\ predadores
e seus Plantas V<i)rdes
predadores D /imposição '
1
e M e
Combustíveis Sedimentos jetos
fósseis Abs
Morte ' dejetos

Nitrogênio do solo
Matéria orgânica NH ➔ NH ➔ NH 2 ➔ N? 3 ➔ NO2 1
4 3
morta e não viva

Figura 2.4 - O ciclo do nitrogênio.


Figura 2.3 - O ciclo do carbono.

Os nutrientes, no reservatório atmosférico, podem existir sob O fósforo, por outro lado, não tem forma gasosa significativa. Ele
formas muitos menos prontamente disponíveis e devem ser transfor- é adicionado vagarosamente ao solo pela intemperização de rochas. Uma
mados em alguma outra forma antes de poderem ser usados. Um bom vez lá, pode ser absorvido por plantas como fosfato e, então, fazer par-
exemplo é o nitrogênio atmosférico (N 2). A conversão de nitrogênio te delas ou retornar ao solo, por excreção ou decomposição. Esta cicla-

70 71
gem entre organismos e o solo tende a ocorrer nos ecossistemas, exceto tidade grande demais de um nutriente for perdida ou removida de um
para os fosfatos, que podem ser lixiviados para fora desses através da determinado sistema, ele pode se tornar limitante para crescimento e
água subterrânea (se não forem absorvidos ou quimicamente ligados) e desenvolvimento posteriores. Os componentes biológicos de cada sis-
terminar nos oceanos. Uma vez depositado no mar, o período de tempo tema são muito importantes para determinar a eficiência com que os
requerido para que o fósforo esteja de novo em ciclos de sistemas ter- nutrientes se movem, assegurando que o núnimo seja perdido e o máxi-
restres entra no donúnio geológico, daí a importância dos ciclos locali- mo seja reciclado. A produtividade pode tornar-se intimamente relaci-
zados que o mantêm no ecossistema. onada às taxas de reciclagem dos nutrientes.

REGULAÇÃO DE POPULAÇÕES
Herbívoros
e seus Plantasyerdes As populações são dinâmicas: seu tamanho e os organismos indi-
predadores
viduais que as compõem mudam com o tempo. A demografia de cada
população é função das taxas de nascimento e mortalidade daquela es-
Morte '- ejetos pécie, das taxa de aumento e decréscimo da população, e da capacida-
de de carga do ambiente em que vive. O seu tamanho em relação a ou-
Lixo mano tras populações do ecossistema também é determinado pelas interações
Fósforo do solo daquela população com as outras e com o ambiente. Uma espécie com
um amplo conjunto de tolerâncias às condições ambientais e uma ampla
Fabricação
Erosão "'?ixiviação de fertilizantes habilidade de interagir com outras espécies será relativamente comum
em uma grande área. Por outro lado, uma espécie com um conjunto re~
<luzido de tolerâncias e uma função muito especializada no sistema será
Fósforo Fósforo em rochas comum apenas localmente.
nos sedimentos oceâílícos
Conforme o conjunto real de características adaptativas de cada
Processos espécie, irá variar o resultado de sua interação com as outras. Quando
geológicos as adaptações de duas espécies forem similares, e os recursos forem
de longo prazo
insuficientes para manter as populações de ambas, poderá ocorrer com-
petição. Uma espécie pode começar a dominar outra através da remo-
Figura 2.5 - O ciclo do fósforo. ção de materiais essenciais do ambiente. Em outros casos, uma espécie
pode adicionar materiais ao ambiente, modificando as condições que
Em adição aos macronutrientes, uma série de outros elementos quí- auxiliam a sua própria habilidade de ser dominante em detrimento de
micos deve estar presente e disponível no ecossistema para que as plan- outras. Algumas espécies desenvolveram maneiras de interagir umas com
tas cresçam. Embora sejam necessários em quantidades muito peque- as outras que podem beneficiar a ambas, conduzindo a relacionamentos
nas, ainda assim são de grande importância para os organismos vivos. de mutualismo, em que recursos são compartilhados ou divididos (a
Entre eles estão o ferro (Fe ), o magnésio (Mg), o manganês (Mn), o coe importância do mutualismo na agroecologia está discutida no capítulo
balto (Co), o boro (B), o zinco (Zn) e o molibdénio (Mo). Cada um des- 15). Em ecossistemas naturais, a seleção, no tempo, tendeu a resultar na
ses elementos é conhecido como micronutriente. estrutura biologicamente mais complexa possível, dentro dos limites
Macro e micronutrientes são absorvidos por organismos e arma- impostos pelo ambiente, permitindo o estabelecimento e a manutenção
zenados na biomassa viva, morta ou na matéria orgânica. Se uma quan- de populações dinâmicas de organismos.

72 73
MUDANÇA NO ECOSSISTEMA sistemas muito diferentes dos ecossistemas naturais. Ao mesmo tempo,
contudo, os processos, estruturas e caracte1isticas dos ecossistemas
Os ecossistemas estão num constante estado de mudança dinâmi- naturais podem ser observados nos agroecossistemas.
ca. Organismos surgem e morrem, a matéria é reciclada através das par-
tes componentes do sistema, populações aumentam e encolhem, o ar- ECOSSISTEMAS NATURAIS
ranjo espacial dos organismos desloca-se. Apesar deste dinamismo in- E AGROECOSSISTEMAS COMPARADOS
terno, os ecossistemas são notavelmente estáveis em sua estrutura e fun-
cionamento geral. Essa estabilidade se deve, em parte, à complexidade· Um ecossistema natural e um agroecossistema estão diagramados,
dos ecossistemas e à diversidade das espécies. respectivamente, nas figuras 2.6 e 2.7. Em ambas, os fluxos de energia
Um aspecto da estabilidade do ecossistema, anteriormente dis- estão mostrados como linhas sólidas, e o movimento de nutrientes, como
cutido em termos de comunidades, é sua habilidade de resistir à mo- linhas tracejadas.
dificação que é introduzida por perturbação ou de se recuperar da per- Uma comparação entre as figuras revela que os agroecossistemas
turbação, depois que ela acontece. A recuperação de um sistema após diferem de ecossistemas naturais em diversos aspectos-chave.
uma perturbação, processo chamado de sucessão, permite o restabe-
lecimento de um ecossistema similar àquele que ocorria antes da per- 1. Fluxo de Energia
turbação. Este "ponto final" da sucessão é chamado de estado clímax O fluxo de energia em agroecossistemas é bastante alterado pela
do ecossistema. Desde que a perturbação não seja por demais intensa interferência humana. Insumos derivam principalmente de fontes hu-
ou freqüente, a estrutura e a função que caracterizavam um ecossiste- manas e, freqüentemente, não são auto-sustentáveis. Assim, os agroe-
ma antes da perturbação são restabelecidas, mesmo que a comunida- cossistemas tomam-se sistemas abertos, onde parte considerável da
de de organismos que posteriormente venha a assumir a dominância energia é dirigida para fora do sistema na época de cada colheita, em
seja ligeiramente diferente. vez de ser armazenada na biomassa que poderia, então, se acumular
Mas os ecossistemas não se desenvolvem em direção à estabi- dentro do sistema.
lidade ou entram em um estado estável. Em vez disso, devido à per-
turbação natural constante, permanecem dinâmicos e flexíveis, resi- 2. Ciclagem de Nutrientes
lientes ante as forças perturbadoras. A estabilidade geral, combina- A reciclagem de nutrientes é mínima na maioria dos agroecossis-
da com a transformação dinâmica, é captada no conceito de equilí- temas, e o sistema perde quantidades consideráveis com a colheita ou
brio dinâmico. O equilíbrio dinâmico dos ecossistemas tem impor- como resultado de lixiviação ou erosão, devido a uma grande redução
tância considerável em um ambiente agrícola. Ele permite o estabe- nos níveis de biomassa permanente mantidos dentro do sistema. A ex-
lecimento de um "equilíbrio" ecológico, funcionando com base no posição freqüente de solo nu entre plantas cultivadas e, temporariamente,
uso sustentável de recursos, que pode ser mantido indefinidamente, entre épocas de cultivo também cria "vazamentos" de nutrientes do sis-
a despeito de mudança continuada e regular na forma de colheita, tema. Para repor essas perdas, ultimamente, os produtores têm contado
cultivo do solo e replantio. intensamente com nutrientes de insumos externos, fabricados a partir do
uso de petróleo.

Agroecossistemas 3. Mecanismos Reguladores de População


Devido à simplificação do ambiente e redução nas interações tró-
A manipulação e a alteração humanas dos ecossistemas, com o ficas em agroecossistemas, raramente populações de plantas cultivadas
pro pó si to de estabelecer uma produção agrícola, tomam os agroecos- ou de animais são auto-reprodutoras ou auto-reguladoras. Os insumos

74 75
humanos, na forma de sementes ou agentes de controle, freqüentemente

Nutrientes
Sol
dependem de grandes subsídios de energia, detenninando o tamanho das ◄~----hn Energia
populações. A diversidade biológica é reduzida, as estruturas tróficas
tendem a se tornar simplificadas, e muitos nichos não são ocupados. O
perigo de praga catastrófica ou erupção de doença é alto, apesar da in- Consumidores ·;+ Consumidores
tensiva interferência humana. Produtores primários herbívoros ►~-ºª-rn,ív_o_ro_s_~

4. Estabilidade
Os agroecossistemas, se comparados aos ecossistemas naturais, têm ,:
muito menos resiliência, devido à sua reduzida diversidade funcional e
estrutural. Quando a colheita é o enfoque plincipal, há perturbação em ' - -_sº_'º___.~-
1
qualquer equilíbrio que se tenha estabelecido, e o sistema só pode ser
mantido se a interferência externa - na forma de trabalho humano e in- Perda Perda
sumos humanos externos - for mantida.
As diferenças ecológicas-chave entre ecossistemas naturais e agro- Figura 2.6 - Componentes funcionais de um ecossistema natural. Os componentes identificados
como atmosfera e chuva e sol estão fora de qualquer sistema específico e fornecem insumos
ecossistemas estão resumidas na tabela 2.2. naturais essenciais.

Tabela 2.2
Sol
Diferenças estruturais e funcionais importantes
entre ecossistemas naturais e agroecossistemas Insumos
Atmosfera humanos
e chuva
Ecossistemas naturais Agroecossistemas

Produtividade líquida Média Alta


Interações tróficas Complexas Simples, lineares ► Animais e
Diversidade de espécies Alta Baixa Cultivas ·+ produtos animais
Diversidade genética Alta Baixa
Ciclos de nutrientes Fechados Abertos
Estabilidade (resiliência) Alta Baixa
Controle humano Independente Dependente Consumo + Perda
Pennanência temporal Longa Curta e mercados •► Perda
Heterogeneidade do habitat Complexa Simples Solo

Adaptado de Odum (1969). V Decompositores Nutrientes

....
Perda Energia
Embora tenham sido apontados contrastes agudos entre ecossiste-
mas naturais e agroecossistemas, sistemas reais de ambos os tipos exis-
Perda
tem num contínuo. Por um lado, poucos ecossistemas "naturais" são
verdadeiramente naturais, no sentido de serem completamente indepen-
Figura 2.7 - Componentes funcionais de um agroecossistema Além dos insumos naturais forne-
dentes da influência humana; por outro, os agroecossistemas podem va- cidos pela atmosfera e pelo Sol, um agroecossistema tem todo um conjunto de insumos humanos,
riar bastante em sua necessidade de interferência humana e insumos. De que vêm de fora do sistema. Um agroecossistema tem, também, um conjunto de saídas aqui iden-
tificadas como "Consumo e Mercados".

76 77
'I

fato, através da aplicação dos conceitos apresentados neste texto, os dentes na unidade produtiva. Há também insumos naturais, sendo os mais
agroecossistemas podem ser desenhados para se aproximarem de ecos- importantes a radiação solar, a precipitação, o vento, sedimentos depo-
sistemas naturais, em termos de características como diversidade de sitados por enchentes e os propágulos das plantas.
l
espécies, ciclagem de nutrientes e heterogeneidade de habitats.
AGROECOSSISTEMAS SUSTENTÁVEIS
O AGROECOSSISTEMA COMO UMA UNIDADE DE ANÁLISE
O desafio de criar agroecossistemas sustentáveis é o de alcançar ca-
Até agora descrevemos agroecossistemas conceitualmente; falta racterísticas semelhantes às de ecossistemas naturais, mantendo uma pro-
explicar o que eles são fisicamente. Em outras palavras, o que é a coisa dução para ser colhida. No trabalho em direção à sustentabilidade, ores-
sobre a qual estamos falando quando discutimos o manejo de um agroe- ponsável por qualquer agroecossistema se esforça, tanto quanto possível,
cossistema? Esta é, em primeiro lugar, uma questão de fronteiras espa- para usar o conceito de ecossistema no desenho e manejo do agroecos-
ciais. De forma abstrata, os limites espaciais de um agroecossistema, sistema. O fluxo de energia pode ser desenhado para depender menos de
como aqueles de um ecossistema, são algo arbitrários. Na prática, po- recursos não renováveis, alcançando-se um equilíbrio melhor entre o uso
rém, um "agroecossistema" é, em geral, equivalente a uma unidade pro- de energia para manter os processos internos do sistema e aquele dispo-
dutiva rural individual, embora pudesse facilmente ser uma lavoura ou nível para a exportação, na forma de produtos que podem ser colhidos. O
um conjunto de unidades vizinhas. produtor pode esforçar-se para desenvolver e manter ciclos de nutrientes
Outro aspecto envolve a relação entre um agroecossistema abstra- que sejam tão "fechados" quanto possível, a fim de reduzir as perdas de
to ou concreto e sua relação e conexão com os mundos social e natural nutrientes do sistema e buscar maneiras sustentáveis de fazer retomar, para
circundantes. Por sua própria natureza, um agroecossistema faz parte a unidade produtiva, os nutrientes exportados. Mecanismos reguladores
de ambos. Uma teia de conexões se espalha a partir de cada agroecos- de população podem depender mais da resistência do sistema a pragas·,
sistema para dentro da sociedade humana e de ecossistemas naturais. através de uma bateria de mecanismos que variam desde aumentar adi-
Bebedores de café em Seattle estão conectados a agroecossistemas pro- versidade do habitat até assegurar a presença de inimigos naturais e an-
dutores de café na Costa Rica; a taiga siberiana pode sofrer impactos tagonistas. Finalmente, um agroecossistema que incorpore as qualidades
de sistemas convencionais de produção de milho dos Estados Unidos. de ecossistema natural de resiliência, estabilidade, produtividade e equi-
Em termos práticos, contudo, devemos distinguir entre o que é ex- líbrio assegurará melhor a manutenção do equilíbrio dinâmico necessá-
terno a um agroecossistema e o que é interno. Em agroecossistemas, esta rio para estabelecer uma base ecológica de sustentabilidade. À medida
distinção torna-se necessária quando se analisam os insumos, uma vez que se reduz o uso de insumos humanos externos no controle dos proces-
que algo não pode ser um insumo a menos que venha de fora do sistema. sos do agroecossistema, podemos esperar uma mudança de sistemas de-
A convenção seguida neste texto é usar a fronteira espacial de um agro- pendentes de insumos artificiais para sistemas desenhados para usar pro-
ecossistema (explícita ou implícita) como a linha divisória entre o in- cessos e interações de ecossistemas naturais, além de materiais deriva-
terno e o externo. Em termos de insumos fornecidos pelo homem, por- dos de dentro do sistema. Todos esses aspectos de agroecossistema sus-
tanto, qualquer substância ou fonte de energia de fora das fronteira es- tentável serão explorados detalhadamente em capítulos posteriores.
paciais do sistema é um insumo humano externo. Embora a palavra
externo seja redundante com insumo, ela é usada nesta frase para enfa-
tizar origens de fora da propriedade. Insumos humanos externos típicos
incluem agrotóxicos, fertilizantes inorgânicos, sementes híbridas, com-
bustíveis fósseis usados nos tratores, os próprios tratores, a maioria dos
tipos de irrigação e o trabalho humano fornecido por pessoas não resi-

78 79
Uma revisão meticulosa e atualizada do campo da ecologia fisiológica do ponto de
Para ajudar a pensar vista da planta.
GLIESSMAN, S. R. Agroecology: researching the ecological basis for sustainable
1. Que tipo de mudanças precisam ser feitas no desenho e manejo da
agriculture. New lork: Springer-Verlag, 1990. Ecological Studies Series; 78.
agricultura, de forma que possamos nos aproximar da produção à "ima- Um levantamento de abordagens de pesquisa na busca das bases ecológicas para o
gem da natureza"? desenho e manejo de agroecossistemas sustentáveis.
2. Parece que, para a agricultura moderna ser sustentável, ela tem de re- GOLLEY, F. B. A history ofthe ecosystem co11cept in ecology. New Haven, Con-
solver o problema de como retornar os nutrientes para as unidades pro- necticut: Yale University Press: 1993.
dutivas de onde se miginam. De que maneira isso poderia ser feito em A revisão essencial de como o conceito de ecossistema foi desenvolvido e aplicado
como um conceito central na ecologia.
sua própria comunidade?
3. Atualmente, em ecologia, o conceito de estabilidade de ecossistema LOWRANCE, R; STINNER, B. R; HOUSE, G. J. Agricultura/ ecosystems: uni-
fying concepts. New York: John Wiley and Sons, 1984.
está sendo muito discutido. Alguns ecologistas afirmam que não existe Uma conceptualização da aplicação de conceitos ecológicos ao estudo de sistemas
algo como a estabilidade em ecossistemas, uma vez que a transforma- agrícolas.
ção é constante e a perturbação inevitável. Mesmo assim, na ecologia, ODUM, E. P. Ecology: a bridge between science and society. Sunderland, Massa-
nos esforçamos pela estabilidade da estrutura e pelo funcionamento dos chusetts: Sinauer Associates, 1997.
agroecossistemas. Como o conceito de estabilidade está sendo aplica- Um texto introdutório que abrange os princípios da ecologia moderna em sua rela-
ção com a ameaça aos sistemas de sustentação da vida na Terra.
do de forma diferente nesses distintos contextos?
RICKLEFS,R E. The economyofnature. 3.ed. New York: W. H. Freeman and Com-
pany, 1993.
Um livro-texto muito completo de ecologia, para o estudante empenhado em enten-
Leitura recomendada der de que maneira a natureza funciona.
SMITH, R L. Elements of ecology. 4.ed. New York: Harper & Row, Publishers, 1990.'
ALTIERI, M. A. Agroecology: the science of sustainable agriculture. 2.ed. Boul- Um livro-texto de ecologia comumente usado, para o estudante aplicado em biolo-
der, Colorado: Westview Press, 1995. gia ou estudos ambientais.
Um livro pioneiro sobre as bases da agroecologia, com ênfase em estudos de casos
e sistemas de cultivo de todo o mundo.
BREWER, R. The science of ecology. 2.ed. Philadelphia: W. B. Saunders, 1973.
Um texto popular sobre os conceitos e princípios da ecologia.
CARROLL, C. R.; VANDERMEER, J. H.; ROSSET, P. M. Agroecology. New York:
McGraw-Hill, 1990.
Urna visão geral da agroecologia que apresenta ao leitor muitas das principais cor-
rentes de pensamento sobre o assunto, em um contexto interdisciplinar.
COX, G W.; ATKINS, M. D. Agricultura/ ecology. San Francisco: W. H. Freeman, 1979.
Um trabalho pioneiro que aponta os impactos ecológicos da agricultura e a necessi-
dade de uma abordagem ecológica para resolver os problemas por eles criados.
DAUBENMIRE, R. F. Plants and environment. 3.ed. New Iork: John Wiley and Sons,
1974.
O principal trabalho na área da auto-ecologia, enfatiza a relação entre uma planta
individual e os fatores do ambiente no qual ela deve desenvolver-se.
ETHERINGTON. J. R Environment and plant ecology. 3.ed. New Iork: John Wi-
ley and Sons, 1995.

80 81
3

A planta

Entender como as plantas crescem, se desenvolvem e, finalmen-


te, se tornam o material de origem vegetal que usamos, consumimos
ou com o qual alimentamos nossos animais é um dos fundamentos
básicos no desenho e manejo de agroecossistemas sustentáveis. Este
capítulo revisa alguns dos mais importantes processos fisiológicos
da planta, que permitem que ela viva, converta luz solar em energia
química e armazene essa energia em partes e em formas que possa-
mos usar. São retomadas também algumas das principais necessida-
des nutricionais das plantas. Finalmente, a título de introdução aos
demais capítulos desta seção, são revisados alguns dos mais impor-
tantes conceitos e termos empregados para descrever as formas como
as plantas respondem e se adaptam à gama de fatores ambientais que
estaremos examinando.

Nutrição da planta
As plantas são organismos autotróficos (auto-alimentadores) em
virtude de sua habilidade de sintetizar carboidratos usando somente água,
dióxido de carbono e energia oriunda do Sol. A fotossíntese, o proces-
so pelo qual essa captação de energia acontece, é, portanto, a base da
nutrição da planta. Ainda assim, a produção de carboidratos é somente
_) uma parte de seu processo de crescimento e desenvolvimento. É neces-
sário um conjunto de nutrientes essenciais,juntamente com a água, para
formar os carboidratos complexos, os aminoácidos e as proteínas que
constituem o tecido da planta e servem a funções importantes nos seus
processos vitais.

85
FOTOSSÍNTESE
7
Através do processo de fotossíntese, as plantas convertem a energia
solar em energia química armazenada nas ligações químicas das moléculas
de açúcar. Uma vez que este processo captador de energia é tão importante
para o crescimento e sobrevivência das plantas, e é o que as toma úteis aos
seres humanos, é importante entender como a fotossíntese funciona.
As descrições dos processos da fotossíntese, que se seguem, são bem Fotofosforilação
simplificadas. Para nosso objetivo, é mais importante entender as conse-
qüências agroecológicas dos diferentes tipos de fotossíntese do que co- ADP
p
nhecer suas rotas químicas completas. Caso se queira uma explicação mais NADP
detalhada, é aconselhável consultar um texto de fisiologia de plantas.
Como um todo, o processo de fotossíntese é a produção de gluco-
se, desencadeada pela energia solar a partir de água e dióxido de car-
bono, como resumida nesta simples equação:
Figura 3.1 - Processos básicos da fotossíntese. A fotofosforilação é outro nome para o que ocor-
6C0 2 + 12H20 + energia luminosa~ re durante as reações luminosas; o Ciclo de Calvin é a base das reações de escuro.
C 6H 120 6 + 60 2 + 6H20
Numa perspectiva agroecológica, é importante entender como a fo-
A fotossíntese _é, de fato, composta por dois processos distintos, tossíntese pode sofrer limitações. A temperatura e a disponibilidade de água
cada um com múltiplas etapas. Esses dois processos, ou estágios, são são dois fatores importantes. Se, durante o dia, as temperaturas forem altas
chamados de reações luminosas e reações de escuro. demais ou o estresse de umidade demasiado grande, as aberturas na super-
As reações luminosas funcionam para converter a energia lu- fície da folha, através das quais passa o dióxido de carbono, começam a se
minosa em energia química na forma de ATP e num composto cha- fechar. Como resultado do fechamento dessas aberturas - chamadas estô-
mado NADPH. Essas reações usam água e liberam oxigênio. As re- matos-, o dióxido de carbono toma-se limitante, desacelerando o proces-
ações de escuro (que ocorrem independentemente da luz) tomam áto- so de fotossíntese. Quando a concentração interna de C02 na folha cai abai-
mos de carbono do dióxido de carbono na atmosfera e os usam para xo de uma concentração limite crítica, a planta alcança o chamado ponto de
formar compostos orgânicos; este processo é chamado de fixação compensação de CO 2, em que a fotossíntese iguala-se à respiração, não
de carbono e é desencadeado pelo ATP e NADPH produzidos pelas rendendo nenhum ganho de energia para a planta. Para piorar as coisas, o
reações luminosas. O produto final direto da fotossíntese, freqüen- fechamento dos estômatos por estresses de calor ou água também elimina o
temente chamado fotossintato, é basicamente composto do açúcar processo resfriador de evapotranspiração da folha, aumentando, nela, a
simples glucose. Essa serve como uma fonte de energia para o cres- concentração de 0 2 • Essas condições estimulam o desperdício energético
cimento e metabolismo tanto de plantas quanto de animais, porque é gerado pelo processo de fotorrespiração, no qual o 0 2 é substituído por
prontamente reconvertida em energia química (ATP) e dióxido de CO2, nas reações de escuro da fotossíntese, resultando em produtos inúteis
carbono pelo processo da respiração. A glucose também é o bloco que demandam mais energia para serem metabolizados.
de construção de muitos outros compostos orgânicos das plantas. Alguns tipos de plantas desenvolveram diferentes formas de fixar
Entre eles, a celulose, o material estrutural principal da planta, e o o carbono, que reduzem a fotorrespiração. As formas alternativas de
amido, uma forma de armazenamento da glucose. fixação do carbono constituem rotas fotossintéticas distintas. Ao todo,

86 87
sabe-se da existência de três tipos de fotossíntese. Cada um tem vanta- que torna muito mais difícil para o 0 2 competir com o CO nas reações
gens em determinadas condições e desvantagens em outras. de escuro. Assim, a fotossíntese em plantas C4 pode ocorr!r sob condi-
ções de estresse de umidade e temperatura, quando a fotossíntese em
Fotossíntese C3
plantas C3 seria limitada. Ao mesmo tempo, as plantas C4 geralmente
O tipo de fotossíntese mais comum é conhecido como fotossíntese têm uma temperatura ótima mais alta para a fotossíntese.
C3. O nome vem do fato de que o primeiro composto estável formado nas Plantas C4, portanto, usam menos umidade durante períodos de po-
reações de escuro tem três átomos de carbono. Nas plantas que utilizam tencial fotossintético elevado e, sob condições quentes e secas, têm uma
esta rota, o dióxido de carbono é absorvido durante o dia, através dos fotossíntese líquida e um acúmulo de biomassa mais altos do que as
estômatos abertos, e usado nas reações de escuro para formar glucose. plantas C3. A fotossíntese C4 envolve uma etapa bioquímica extra, mas,
Plantas com fotossíntese C3 dão-se bem em condições relativa- sob condições de intensa luz solar direta, temperatura mais quente e
mente frias, já que sua temperatura ótima para fotossíntese é relativa- estresse por umidade, ela fornece uma nítida vantagem.
mente baixa (ver tabela 3.1). Contudo, como seus estômatos devem fi- Algumas plantas cultivadas bem conhecidas que usam a fotossín-
car abertos durante o dia para absorver dióxido de carbono, as plantas tese C4 são o milho, o sorgo e a cana-de-açúcar. Uma cultura C4 menos
C3 estão sujeitas a limitação na fotossíntese durante períodos de calor conhecida é o amaranto. 8 As plantas C4 são mais comuns em áreas tro-
ou estresse por seca: o fechamento dos estômatos, para prevenir perdas picais, especialmente nos trópicos mais secos. Plantas que se origina-
de umidade, também limita a absorção de dióxido de carbono e aumen- ram em regiões desérticas mais secas ou pradarias de climas tempera-
ta a fotorrespiração. Espécies cultivadas comuns que usam a fotossínte- do quente e tropical têm maior probabilidade de serem plantas C4.
se C3 são feijões, morangas e tomates.
Fotossíntese MAC
Fotossíntese C4
Um terceiro tipo é chamado de fotossíntese do metabolismo do
Uma forma de fotossíntese descoberta mais recentemente é conhecida ácido crassuláceo (MAC). Ele é similar à fotossíntese C4. Durante a
como do tipo C4. Neste sistema, o C02 é incorporado em compostos de noite, quando os estômatos podem ficar abertos sem causar perda de
quatro átomos de carbono antes de entrar nas reações de escuro. Esse pro- quantidades impróprias de umidade, o dióxido de carbono é absorvido
cesso inicial de fixação do carbono ocorre em células especiais da folha, e o maiato do composto de quatro átomos de carbono é formado e ar-
que contêm clorofila. O composto de quatro átomos de carbono é transpor- mazenado em organelas celulares chamadas vacúolos. O maiato arma-
tado para células especiais, conhecidas como células âa bainha vascular,' zenado serve, então, como uma fonte de C0 2 durante o dia para suprir
agrupadas ao redor de veias nas folhas, onde enzimas rompem ligações, as reações de escuro. As plantas que usam a fotossíntese MAC podem
deixando os carbonos extras soltos, na forma de C02 • Esses são, então, manter seus estômatos fechados durante o dia, absorvendo todo o CO 2
empregados para formar os compostos de três átomos de carbono usados de que precisam durante a noite. Como seria de se esperar, as plantas
nas reações de escuro, exatamente como na fotossíntese C3. MAC são mais comuns em ambientes quentes e secos, como desertos;
Em comparação à rota C3, a rota C4 permite que a fixação de car- elas incluem muitas suculentas e cactos. As bromélias que vivem como
bono aconteça em concentrações muito menores de C02• Isso possibili- epífitas (plantas apoiadas em outras plantas e não enraizadas no solo)
ta que a fotossíntese ocorra enquanto os estômatos estão fechados, cap- também são plantas MAC; seu habitat, na copa das florestas úmidas, é
turando o C02 liberado pela respiração interna em vez de C0 2 do ar muito mais seco do que o resto da comunidade desta floresta. Uma planta
externo. A rota C4 também evita que a fotorrespiração aconteça, por- cultivada importante que usa a fotossíntese MAC é o abacaxi, um mem-
bro da família Bromeliaceae.
7
"Bundlc sheaths", no original.
8
Planta cultivada pelas populações andinas, semelhante ao caruru. (N. T.)

88 89
Comparação entre as Rotas Fotossintéticas Tabela 3.2
Comparação de taxas fotossintéticas líquidas, entre plantas C3 e C4
Uma comparação das diferentes rotas fotossintéticas é apresenta-
da na tabela 3.1. Os diversos an-anjos de cloroplastos nas folhas de cada Tipo de Cultura Taxa fotossintética líquida (mg CO/dm2 de área de folha/hora)*
tipo são con-elacionados a distintas respostas à luz, temperatura e água.
Plantas C3
As plantas C3 tendem a ter sua taxa de pico de fotossíntese em intensi- Espinafre 16
dades de luz e temperatura moderadas, enquanto são, de fato, inibidas Fumo 16-21
Trigo 17-31
por excesso de exposição à luz e a altas temperaturas. As plantas C4 Arroz 12-30
são melhor adaptadas às condições elevadas de luz e temperatura. Sua Feijão 12-17
habilidade de fechar os estômatos durante as horas de luz diurna, em Plantas C4
Milho 46-63
resposta à alta temperatura e estresse de evaporação, toma o uso da Cana-de-açúcar 42-49
água mais eficiente sob essas condições. As plantas MAC podem resis- Sorgo 55
Grama bermuda 35-43
tir a condições constantes de calor e secas, mantendo os estômatos fe- Caruru (Amaranthus) 58
chados durante as horas de luz diurna, mas sacrificam o crescimento e
taxas fotossintéticas em troca de tolerância a condições extremas. *Determinada sob alta intensidade de luz e temperaturas quentes (20-3Cl"C)
Dados de Zelitch (1971) e Larcher (1980).
A despeito da maior eficiência fotossintética das plantes C4, plantas
C3, como o arroz e o trigo, são responsáveis pelo grosso da produção mun-
PARTIÇÃO DO CARBONO
dial de alimentos. A superioridade da fotossíntese C4 faz diferença somen-
te quando a habilidade da planta cultivada de converter luz em biomassa é Os compostos de carbono produzidos pela fotossíntese desempe-
o único fator limitante, uma situação que raramente ocorre a campo. nham papéis críticos no crescimento e respiração das plantas devido à
sua dupla função como fonte de energia e como estrutura para a constru-
Tabela 3.1 ção de outros compostos orgânicos. O modo como uma planta distribui
Comparação entre as três rotas fotossintéticas os compostos de carbono derivados da fotossíntese, alocando-os em
diferentes processos fisiológicos e em partes distintas da planta, é cha-
C3 C4 MAC mado de partição do carbono. Como cultivamos plantas por sua habi-
lidade de produzir biomassa capaz de ser colhida, a partição do carbo-
Ponto de saturação de luz
(candelas-pés) 3.000-6.000 8.000-10.000 ? no é de considerável interesse agrícola.
Temperatura ótima (ºC) 15-30 30-45 30-45 Embora a fotossíntese tenha uma eficiência de absorção de ener-
Ponto de compensação de CO2 30-70 0-10 0-4 gia de cerca de 20%, o processo de conversão do fotossintato em bio-
(ppmde CO,) massa tem uma eficiência que raramente excede a 2%. Esta é baixa, prin-
Taxa fotossintética máxima 15-35 ~0-45 3-13
cipalmente, porque a respiração interna (oxidação do fotossintato para
(mg CO/dm'ih)
Taxa de crescimento máxima 4 0,02 manutenção da célula) usa muito do fotossintato, e a foton-espiração li-
(gidm'/dia) mita a produção fotossintética quando o potencial fotossintético é mais
Fotorrespiração alta baixa baixa alto. Boa parte da pesquisa direcionada para aperfeiçoar o rendimento
Comportamento dos estômatos Abertos de dia, Abertos Fechados de dia, das culturas teve como foco o aumento da eficiência da fixação fotos-
fechados à noite ou fechados de abertos à noite
dia, fechados à noite
sintética de carbono, mas esse trabalho foi totalmente malsucedido. A
principal base para o aumento do rendimento através do cruzamento de
Dados de Larcher (1980); Loomis e Conner (1992); Etherington (1995). plantas, tanto tradicional quanto moderno, é o favorecimento da bio-
massa a ser colhida em relação à biomassa total da planta.

90 91
te. Um conjunto complexo de localizadores químicos e enzimas é ativo
Fonte no processo. Uma vez no floema, o carbono se move através do caule
até o grão, flores, frutos, tubérculos, ou outras partes, que são os dre-
nos. Neste ponto, há a "descarga" do floema e recebimento pelo dreno.
A transferência real das faixas vasculares para o tecido de dreno é, fre-
qüentemente, baseada em um gradiente de concentração de açúcar.
Os produtos da fotossíntese são compostos de carbono, oxigênio e
hidrogênio, que constituem em média 90% da matéria seca da planta.
Há, portanto, uma íntima relação entre a fotossíntese total e a produtivi-
dade total da planta. As taxas fotossintéticas totais estão relacionadas a
taxas por unidade de área foliar, bem como à produção de nova área
foliar, mas também dependem da taxa de transferência da fonte para o
Depósito dreno. O carbono é mantido na área de desenvolvimento foliar enquan-
to novas folhas estão-se formando; somente após todas as folhas terem
sido formadas, pode ocorrer a transferência para outros drenos. Após a
copa fechar-se, a fotossíntese e o crescimento da planta dependem prin-
cipalmente na fixação líquida de C0 2 por unidade de área foliar.
Durante o ciclo de crescimento, os vários drenos da planta compe-
tem uns com os outros pelo suprimento de carbono produzido pelas fo-
lhas, tendo como resultado que algumas partes da planta acumulam mais ·
biomassa do que outras. Os mecanismos que regulam essa partição do
Figura 3.2 ~ Partição do carbono. fotossintato dentro da planta não são bem compreendidos, embora esteja
claro que o processo é dinâmico e relacionado tanto com condições am-
Uma vez que a habilidade das plantas de criar biomassa é limita- bientais quanto com padrões de desenvolvimento determinados genetica-
da, a forma como estas alocam o carbono fixado é de fundamental im- mente pela planta. Formas de modificar a partição de carbono nas plantas
portância na agricultura. Os seres humanos selecionam plantas que des- cultivadas estão sendo exploradas pelos pesquisadores; um exemplo diz·
viam mais fotossintato para a parte que deve ser colhida, às expensas respeito ao desenvolvimento de culturas perenes de grãos, em que o de-
das outras partes da planta. safio é equilibrar a paitição de carbono entre o corpo vegetativo da plan-
A parte colhida, ou passível de ser colhida, da maioria das plantas ta perene (especialmente as raízes e caules) e os grãos.
cultivadas, usualmente tem capacidade fotossintética limitada. Portan-
to, os rendimentos dependem, em grande parte, do carboidrato que é NECESSIDADES NUTRICIONAIS
transportado, através das células do floema, para as partes que podem
ser colhidas, a partir de partes fotossinteticamente ativas das plantas. A fotossíntese fornece à planta uma grande parte de suas neces-
Em termos ecológicos, freqüentemente nos referimos à partição do sidades nutricionais - energia, carbono e oxigênio, para construir im-
carbono como um fenômeno de "fonte, rota e dreno". Usualmente, a fonte portantes compostos estruturais e funcionais. Juntamente com o hidro-
é a folha, em particular, os cloroplastos. Muitas pesquisas detalhadas gênio - derivado da água que entra nas raízes da planta como resulta-
têm sido feitas sobre a fisiologia e bioquímica da transferência real de do da transpiração-, o carbono e o oxigênio constituem aproximada-
carbono para fora dos cloroplastos e para dentro das rotas de transpor- mente 95% do peso médio de massa verde das plantas.

92 93
Os elementos que formam os outros 5% precisam vir de algum poucas famílias de plantas, e passado para as plantas hospedeiras numa
outro lugar, ou seja, do solo. Esses elementos são os nutrientes essen- forma utilizável é exceção. A maioria das plantas obtém seu nitrogênio
ciais, necessários para que a planta forme suas estruturas, para os áci- a partir da troca de íons com a solução do solo como NO 3· ou a partir de
dos nucléicos, que dirigem vários de seus processos, e para as enzi- NH; adsorvido ao húmus ou minerais argilosos. Formas disponíveis
mas e catalisadores, que regulam seu metabolismo. Eles também aju- de nitrogênio no solo geralmente são mantidas em níveis baixos, devi-
dam a manter o equilíbrio osmótico interno e têm um papel na absor- do à sua rápida absorção quando disponíveis, fenômeno aliado ao alto
ção de íons a partir da solução de solo. Se um nutriente essencial não potencial de perda por lixiviação, na percolação da água da chuva ou
estiver disponível na quantidade adequada, a planta sofre e não se de irrigação.
desenvolve corno deveria. Na agricultura, aprendemos corno ajustar o
fornecimento desses nutrientes no solo para satisfazer as necessida- Fósforo
des de nossas culturas. O fósforo é um componente importante de ácidos nucléicos, nucle-
Os três nutrientes requeridos em quantidades relativamente grandes, oproteínas, fitina, fosfolipídios, ATP e diversos outros tipos de com-
e que têm tido um papel tão importante na agricultura, como fertilizantes postos fosforilados, incluindo alguns açúcares. O fósforo é usado na
inorgânicos, são o nitrogênio, o fósforo e o potássio. Esses são classifi- construção do DNA dos cromossomos e no RNA dos núcleos e ribos-
cados como macronutrientes. As quantidades reais exigidas desses nutri- somas. As membranas celulares dependem de fosfolipídeos para are-
entes variam conforme a planta. Já que cada variedade de planta tornou- gulação dos movimentos dos materiais para dentro e para fora das célu-
se adaptada a diferentes habitats, com condições ambientais distintas, faz las e organelas. O fósforo, na forma de fosfatos, ocorre em certas enzi-
sentido haver tais variações nas exigências de nutrientes. Uma revisão de mas que catalisam reações metabólicas. O metabolismo do açúcar nas
algumas dessas variações nutricionais pode nos dizer muito a respeito da plantas, por exemplo, depende da fosfoglucomutase. O fósforo também
seleção de culturas e manejo de fertilidade adequados. ocorre em paredes ptimárias de células, na forma de enzimas que afe-
tam a sua permeabilidade. As reações iniciais de fotossíntese também
Nitrogênio
envolvem o fósforo; ele é encontrado no açúcar de cinco carbonos com
O nitrogênio é requerido em grandes quantidades pelas plantas os quais o CO 2 inicialmente reage.
mas, ao mesmo tempo, é o nutriente mais universalmente deficiente. O fósforo é absorvido como fosfato a partir da solução de solo,
Ele aparece em todos os aminoácidos e, como resultado, é um compo- pelas raízes das plantas. Os fosfatos, na solução, estão prontamente
nente maior das proteínas. O nitrogênio está, portanto, envolvido de disponíveis para serem absorvidos. Exceto em solos cujo material
alguma forma em até 50% da biomassa da planta seca. É requerido na de origem tinha alto teor de fósforo ou onde os níveis deste elemen-
síntese de enzimas, e sua deficiência afeta quase todas as reações en- to acumularam-se com o tempo, devido a muitos anos de fertiliza-
zimáticas. Já que o nitrogênio faz parte da clorofila e é exigido em sua ção, o fósforo disponível na maioria dos solos é bastante baixo. As
síntese, não é de se admirar que plantas deficientes em nitrogênio plantas absorvem grandes quantidades desse nuttiente quando ele está
mostrem amarelamento, indicador de quantidades limitadas deste nu- disponível, acumulando cerca de 0,25% do peso seco, mas mostram
triente no solo. Fornecimentos adequados de nitrogênio são, também, sinais rápidos de deficiência quando ele falta. As folhas tomam uma
necessários para a floração e frutificação normais de todas as espéci- aparência azulada ou permanecem verde-escuras, e pigmentos roxos
es vegetais. As plantas geralmente têm de 1 a 2% de nitrogênio no (antocianinas) tornam-se proeminentes no lado de baixo das folhas
peso seco, mas conteúdos acima de 5% não são incomuns. e ao longo das veias, ou próximos à ponta da folha. O desenvolvi-
O nitrogênio capturado diretamente do ar por microrganismos sim- mento das raízes e frutos fica severamente reduzido quando o fósfo-
bióticos, que vivem nas raízes da maior parte das Fabaceae e de outras ro é limitante.

94 95
Potássio osamente como um ânion (SO/) de locais com ligações orgânicas no solo
O potássio não é um componente da estrutura da planta, nem de en- ou mediante a dissociação de sulfatos de Ca, Mg ou Na.
zimas ou proteínas. Sua função parece ser p1incipalmente reguladora: ele Micronutrientes
está envolvido, por exemplo, na regulação osmótica (movimento estoma-
tal) e é um co-fator para muitos sistemas enzimáticos. Sabemos muito so- O feJTo (Fe), o cobre (Cu), o zinco (Zn), o manganês (Mn), o moli-
bre onde o potássio ocoJTe na planta, mas bem menos sobre o que ele bdénio (Mo), o boro (B) e o cloro (Cl) constituem o que é chamado de
realmente faz. A maior parte dos processos metabólicos que foram estu- micronut1ientes ou elementos-traço. Cada um desempenha uni papel vi-
dados é afetada pelo potássio. No metabolismo de proteínas, por exem- tal nas plantas mas, usualmente, em quantidades extremamente peque-
plo, parece que o potássio ativa certas enzimas responsáveis pela síntese nas. Na verdade, a maioria desses elementos é tóxica para as plantas
de ligação de peptídeos e pela incorporação de aminoácidos à proteína. quando ocorrem em grandes quantidades no solo. Todos são absorvi-
O potássio precisa estar presente para a formação de amidos e açúcares, dos da solução do solo através de troca de íons na superfície da raiz.
bem como para seu ulterior transporte através da planta. Foi mostrado O papel que cada um dos micronutrientes desempenha nos pro-
que ele é necessário para a divisão e o crescimento das células e está, de cessos vitais das plantas está delineado na tabela 3.3. Obviamente,
alguma forma, ligado com sua hidratação e permeabilidade. As plantas qualquer um dos processos fisiológicos importantes listados poderia
mostram melhor resistência a doenças e a estresses ambientais quando há ser inibido ou alterado por uma deficiência do micronutriente consi-
fornecimento adequado de potássio. derado. Muitos fertilizantes inorgânicos contêm pequenas quantida-
As plantas obtêm potássio na forma de cátion K+, absorvendo-o des desses elementos, como contaminantes, e misturas deles são ago-
como íons intercambiáveis, através das raízes, a partir de locais de ra adicionadas comumente a solos que sofreram um longo período de
adsorsão na matriz do solo, ou dissolvido na solução do solo. Quando manejo convencional. Os fertilizantes orgânicos, especialmente aqueles
há deficiência, as plantas mostram principalmente quebra de equilí- oriundos da compostagem de restos de plantas e estercos, são ricos
brio hídrico, que inclui pontas secas ou bordas de folhas crespas e, às em micronutrientes.
vezes, uma predominância mais alta de apodrecimento de raízes. Ge-
ralmente, o potássio é bem abundante nos solos, e os tecidos das plantas Tabela 3.3
contêm até 1-2% na matéria seca, sob condições ótimas, mas a remo- Micronutrientes e os processos nos quais eles estão envolvidos
ção excessiva por colheitas ou lixiviação do solo pode acaJTetar sua
deficiência. Nutriente Processo

Boro (B) Transporte e metabolismo de carboidratos, metabolismo do fenol, ativação


Outros macronutrientes dos reguladores de crescimento
Cloro (CI) Hidratação das células, ativação de enzimas na fotossíntese
Três outros nutrientes - cálcio (Ca), magnésio (Mg) e enxofre (S) -
Cobre (Cu) Metabolismo basal, do nitrogênio e secundário
são também considerados macronutrientes, mas essa classificação ocoJTe
Ferro (Fe) Síntese da clorofila, enzimas para transporte de eléu·ons
mais em função dos níveis relativamente altos com que se acumulam nos Manganês (Mn) Metabolismo basal e do nitrogênio, estabilização da estrutura de cloroplastos
tecidos das plantas, e menos pela sua importância em diferentes processos Molibdênio (Mo) Fixação do nitrogênio, metabolismo do fósforo, absorção
e estruturas. Isto não significa que não desempenhem papéis valiosos, por- e translocação do ferro
que, quando qualquer um deles está faltando no solo, o desenvolvimento da Zinco (Zn) F01mação da clorofila, ativação de enzimas, metabolismo basal,
quebra de proteínas, biossíntese de hormônios
planta sofre e rapidamente aparecem sintomas de deficiência. O cálcio e o
magnésio são absorvidos prontamente pelas raízes das plantas através da Adaptado de Treshow (1970).
troca de cátions (como Ca2+ e Mg 2+), mas o enxofre é absorvido parcimoni-

96
97
TRANSPIRAÇÃO ções ambientais. Esse inclui a interação de urna espécie com as outras do
habitat. Dentro de seu habitat, a espécie desempenha um papel ou função
Todos os processos vitais das plantas, incluindo a fotossíntese, ecológica determinada, conhecida corno o nicho ecológico daquela espé-
partição do carbono e metabolismo, dependem do fluxo contínuo de água cie. Por exemplo, as sequóias (Sequoia sempervirens) ocupam um habitat
a partir do solo até a atmosfera, por um caminho que se estende do solo específico na costa nmte da Califórnia, caracterizado por um clima maríti-
para dentro das raízes e para fora das folhas, através dos estômatos. mo moderador e pela ocorrência de nevoeiro no verão, que compensa a
Este processo de fluxo é chamado de transpiração. falta de chuvas nessa época. Ao mesmo tempo, ocupam o nicho ecológico
A perda de água pelas folhas cria um gradiente de concentração, ou de produtores autotróficos, capazes de modificar o microclima sob suas
um potencial mais baixo de água na folha, que, então, por capilaridade, copas emergentes, e são a espécie dominante na sua comunidade.
movimenta mais água para dentro da planta e para as folhas, a fim de com-
pensar a perda. A quantidade real de água que fica ligada quimicamente
RESPOSTAS A FATORES AMBIENTAIS
em tecidos das plantas, ou que está ativamente envolvida em processos
corno a fotossíntese, é muito pequena em comparação à perda diária de Cada planta, durante seu ciclo de vida, atravessa estágios distintos
água por transpiração. O movimento da água através das plantas é muito de desenvolvimento, incluindo a germinação da semente, estabelecimen-
importante nos ciclos de nutrientes e sob condições de disponibilidade to inicial, crescimento, florescimento e dispersão das sementes. Cada um
limitada no solo, corno veremos nos próximos capítulos. desses estágios envolve algum tipo de transformação fisiológica, oures-
posta, na planta. A maioria das respostas da planta está diretamente rela-
cionada às condições ambientais.
A planta em sua interação com o ambiente
Respostas desencadeadas
Cada um dos processos fisiológicos anteriormente desctitos permi-
Muitas respostas das plantas são desencadeadas por algum estí-
te que a planta responda ao ambiente em que vive e nele sobreviva. En-
mulo externo. Elas acontecem como resultado de uma determinada con-
tender corno as plantas e sua fisiologia sofrem impactos de diferentes fa-
dição, mas aquela condição externa não precisa ser mantida para ares-
tores do ambiente é um componente essencial no desenho e manejo de
posta continuar. Por exemplo, a semente do fumo requer exposição à luz
sistemas sustentáveis de cultivo.
para germinar, mas aquela exposição precisa durar apenas urna fração
O estudo ecológico da resposta da planta individual aos diversos
de segundo. Após urna breve exposição à luz, a semente germinará,
fatores do ambiente-denominado auto-ecologia ou ecologia fisiológi-
ca, no seu sentido puro, e ecologia de culturas, no sentido aplicado - é, mesmo se for plantada em total escutidão.
portanto, um dos fundamentos para compreender a agroecologia. Algu- Respostâs dependentes
mas das bases conceituais da auto-ecologia são revisadas na próxima
seção. Cada fator do ambiente e seus efeitos sobre as plantas cultivadas Algumas respostas de plantas dependem da presença contínua de
é explorado em um capítulo distinto, corno preparação para expandir uma dete1minada condição externa. A resposta é tanto induzida quanto
nossa visão até o nível de agroecossisterna. mantida pela condição. A produção de folhas nos caules espinhentos de
Fouquieria splendens, no deserto de Sonora, é um exemplo deste tipo
O LUGAR DE UMA PLANTA NO AMBIENTE de resposta. Após chuvas significativas, as folhas aparecem nos caules
em um ou dois dias; desde que o nível de umidade seja suficiente no
Cada espécie ocupa um lugar particular no ecossistema, conhecido solo, as folhas são mantidas, mas, imediatamente após alcançar o ponto
como habitat, que é caracte1izado por um conjunto determinado de condi- de murcha, elas caem.

98 99
Respostas independentes um conjunto estreito de tolerâncias e um nicho muito especializado (uma
especialista) será menos comum em grandes áreas e somente vista como
Por fim, ceitas respostas ocorrem independentemente das condições
comum num nível muito localizado. A Oxalis oregana, uma especialista
no ambiente imediato e são resultado de um conjunto de fatores interna-
ecológica das florestas de sequóia, pode cobrir densamente áreas nas quais
mente controlado e fisiologicamente determinado. Por exemplo, um pé de
é a planta local dominante, mas fica restrita às condições específicas en-
milho começa a florescer porque um determinado estágio no crescimento contradas no estrato inferior da floresta, parcialmente sombreado. Se a som-
e desenvolvimento foi alcançado. As condições externas podem forçar bra for densa demais, a atividade fotossintética não será suficiente parasa-
um florescimento precoce ou tardio ao afetar o crescimento, mas a mu- tisfazer as necessidades respiratórias da planta e, se o sol for intenso de-
dança real na fenologia da planta é controlada internamente. mais, a Oxalis oregana é incapaz de tolerar os efeitos secantes da radiação
solar direta. Seu nível ótimo de luz é intermediário a esses dois extremos.
LIMITES E TOLERÂNCIAS Em resumo, cada espécie individual ocupa um habitat particular
como resultado do desenvolvimento, ao longo do tempo, de um conjun-
A habilidade de uma espécie individual de ocupar seu habitat to particular de respostas adaptativas ao ambiente no qual ela vive. Os
particular é o resultado de um conjunto de adaptações que evoluí- 1,
limites de tolerância da espécie restringem os indivíduos daquela espé-
ram ao longo do tempo para aquela espécie. Essas adaptações per-
cie a um determinado habitat, dentro do qual ocorrem interações com
mitem que a planta lide com certos níveis de disponibilidade de
outras espécies. Este é o caso tanto em agroecossistemas quanto em ecos-
umidade, temperatura, luz, vento e outras condições. Para cada um
í sistemas naturais. O desempenho de cada planta em um agroecossiste-
desses fatores que delimitam o habitat da espécie, há um nível má-
ma depende de como cada fator do ambiente causa impacto nela. Ex-
ximo e um nível mínimo de tolerância, além dos quais aquela espé-
ploraremos esses fatores, detalhadamente, nos capítulos seguintes.
cie não pode agüentar. Entre esses dois extremos, existe um ótimo,
no qual a espécie desempenha ou funciona melhor. Por exemplo, a
bananeira tropical tem uma temperatura média mensal ótima de 27ºC; Funcionamento ótimo
acima de 50°C, ela sofre queimaduras solares e pára de crescer; abai-
xo de 21 °C, o seu crescimento é ameaçado pela redução na produ-
ção de folhas e brotação retardada dos cachos. _ _ . ...
o
Para uma determinada espécie, o ótimo e a amplitude dos hm1tes J§
de tolerância a um fator ambiental são, em última análise, o resultado o
ro
de como aquele fator afeta cada um dos processos fisiológicos da plan-
ta. A tolerância de uma espécie a uma faixa de temperaturas, por exem-
plo, está ligada a como a temperatura afeta a fotossíntese, transpiraçã_o
-ro
( /)
o
a.
\
(/)
e outros processos fisiológicos da planta. Quando todos os fatores ab1-
óticos e bióticos do ambiente são incluídos na equação da tolerância, a
&! Nível mínimo \ Nível máximo
de tolerância "'- de tolerância
abrangência total da adaptabilidade de uma espécie torna-se evidente.
O habitat e o nicho de um indivíduo tornam-se plenamente integrados.
Uma espécie com um amplo conjunto de tolerâncias a condições am-
bientais (conhecida como generalista) e com uma grande habilidade de Fator intensidade
interagir com outras espécies (freqüentemente referida como uma espécie
com nicho amplo ou com a capacidade de considerável sobreposição de Figura 3.3 - A amplitude de tolerância de uma planta a um fator ambiental.
nicho) será mais comum em grandes áreas. Em contraste, uma espécie com

100 101
Para ajudar a pensar
1. Como podem ter surgido as diferentes formas de fotossíntese que ocor-
rem nas plantas? Que condições específicas do ambiente selecionariam 4
para cada tipo e como podemos usar este conhecimento na agricultura?
2. O que você consideraria ser uma "nutrição equilibrada da planta" e
como você tentaria mantê-la em um contexto de agroecossistema? Luz
3. Por que uma planta faz a partição do carbono para diferentes compo-
nentes de sua estrutura?
4. Quantos fatores precisam ser incluídos para termos a capacidade de
A luz do Sol é a fonte primária de energia para os ecossistemas. Ela
compreender detalhadamente a amplitude total das condições que de-
é captada pelas plantas através da fotossíntese e sua energia armazenada
terminam o habitat de uma planta individual?
nas ligações químicas dos compostos orgânicos. A luz do Sol também
dete1mina o clima da Terra: a energia luminosa transformada em calor
afeta padrões de precipitação, temperatura da superfície, ventos e umida-
Leitura recomendada de. A forma como esses fatores do ambiente estão distribuídos pela su-
CAMPBELL, Neil. Biology. Menlo Park: Benjamin Cummings, 1987.
perfície terrestre determina o clima e é de considerável importância na
Um dos mais completos e respeitados livros-texto em biologia geral. agricultura. Todos esses fatores relacionados com a luz serão revisados
EPSTEIN, E. Mineral nutrition of plants: principies and perspectives. New York: mais detalhadamente nos capítulos subseqüentes.
John Wiley and Sons, 1972. Este capítulo focaliza o ambiente luminoso,jáque ele afeta direta,
Um trabalho detalhado sobre o importante campo da nutrição de plantas. mente os agroecossistemas. O ambiente de luz inclui a parte do espec-
LARCHER, W. Physiological plant ecology. 3.ed. Berlim: Springer, 1995. tro eletromagnético a partir do ultravioleta invisível, passando pelo es-
Um livro-texto bem conhecido que focaliza a ciência da função da planta em intera- pectro de luz visível, até o infravermelho invisível. Também discute
ção com o ambiente. como o ambiente luminoso pode ser manejado para canalizar essa fonte
LOOMIS, R. S.; CONNOR, D. J. Crop ecology: productivity and management in. renovável de energia de fotma mais eficiente através do sistema, como
agricultural systems. Cambridge: Cambridge University Press, 1992.
ele pode ser usado para manter as mui tas e diversas funções do sistema
Um livro-texto que enfatiza a ecologia fisiológica e como ajustar o ambiente de
cultivo para satisfazer as necessidades da planta cultivada, e, por fim, como converter parte dele em colheitas sustentáveis.
TAIZ, L.; ZEIGER, E. Plant physiology. Menlo Park: Benjamin Cummings, 1991.
Urna revisão muito meticulosa no campo da fisiologia da planta; equilibra especifi-
cidade molecular e química com as aplicações ecológicas mais amplas. Radiação solar
TRESHOW, M. Enviromnent and plant response. New York: McGraw-J-Iill, 1970.
Ecologia fisiológica a partir da perspectiva da resposta da planta a fatores limitantes A energia que a Terra recebe do Sol chega na forma de ondas ele-
no ambiente. tromagnéticas que variam de comprimento, desde menores que 0,001 na-
nômetros (nm) até maiores que 1.000.000.000nm. Essa energia forma o
que é conhecido como o espectro eletromagnético. A parte do espectro
eletromagnético entre 1nm e 1.000.000nm é considerada como luz, em-
bora nem toda ela seja visível. Luz com um comprimento de onda entre
1nm e 390nm é luz ultravioleta. A luz visível é o próximo componente,

102 103
constituído de comprimentos de onda entre 400nm e 760nm. Luz com um maior. Quase toda a luz UV, com comprimento de onda de 300nm ou
comprimento de onda maior do que 760nm e menor do que 1.000.000nm menos, é absorvida pela atmosfera da Terra antes de tocar na superfí-
é conhecida como luz infravermelha e, assim como a luz ultravioleta, é cie. (A luz UV com comprimento de onda abaixo de 200nm é potenci-
invisível ao olho; quando o comprimento de onda da luz infravermelha se almente letal a organismos vivos.) A luz que não é refletida para fora,
estende além de 3.000nm, porém, ela é sentida como calor. A figura 4.1 pela atmosfera, ou absorvida, é transmitida e alcança a superfície.
mostra como o espectro eletromagnético é dividido em tipos de energia. Essa energia é, na maior parte, luz visível, mas também inclui alguma
luz ultravioleta e infravermelha.
Na superfície da Terra, esta luz transmitida é absorvida pelo solo,
Comprimento de ondas em nanômetros
água ou organismos. Parte da energia absorvida é refletida de volta para
10 100 1000 10,000 100 000 1,000,000-+
a atmosfera, e alguma é re-irradiada como calor. O que nos interessa aqui
Raio X e gama Luz ultravioleta Luz infravermelha
é a absorção da luz visível pela plantas e seu papel na fotossíntese.
Luz visível (390-760nm)

Ili Faixa de radiação solar pouco filtrada pela atmosfera

Figura 4.1- O espectro eletromagnético. O Sol emite o espectro total da energia eletromagné-
tica, porém a atmosfera reflete e filtra a maior parte da radiação de onda curta, boa parte da
infravermelha e as ondas de rádio, de comprimento mais longo. Uma faixa de energia, relativa-
mente estreita, centralizada no espectro da luz visível alcança, na maior parte sem filtragem, a
superfície da Terra.
Refleti.dá j Re,lrradiada

· A atmosfera como filtro e refletor


Atmosfera
Quando a luz do Sol chega à borda externa da atmosfera da Terra,
ela é composta de aproximadamente 10% de luz ultravioleta (UV), 50%
de luz visível e 40% de luz infravermelha (IV) ou energia térmica. À
medida que essa luz interage com a atmosfera terrestre, diversas coisas
podem acontecer com ela, conforme apresentado na figura 4.2.
Parte da luz é dispersada ou difundida- seu caminho em direção
à superfície é alterado, devido à interferência de moléculas na atmos-
fera, mas seu comprimento de onda não é alterado no processo. A
maior parte da luz dispersada alcança a superfície e, no processo, dá
à atmosfera sua cor azul única. Parte da luz é refletida da atmosfera
de volta para o espaço exterior; seu comprimento de onda também fica
inalterado no processo. Finalmente, alguma luz é absorvida pela água,
poeira, fumaça, ozônio, dióxido de carbono, ou outros gases na atmos-
fera. A energia absorvida é armazenada por um período de tempo e, Figura 4.2 - O destino da luz ao alcançar a Terra. A luz transmitida do Sol está, em sua maioria,
na faixa de luz visível; a energia re-irradiada está, na maior parte, na faixa infravermelha.
então, re-irradiada como energia calorífica, de comprimento de onda

104 105
A importância ecológica da luz na Terra
Quand9aluz~~â~9ÍetithâteJtiiii~~f t~
Todos os comprimentos de onda da luz que alcança a superfície da é quebrada e a ene,gi.<l dâJ% ln; f ab~orvicla,•~
Terra são significativos para os organismos vivos. Ao longo do tempo de nio (02) e 1llil á~otpo livre de ?~g~ni?•?~â1~~;
evolução, os organismos desenvolveram diferentes adaptações para se criados .•.Q~adi9.at.livredo9~gêniq,9011rudo,;,,e~p"e;1'1;1
acomodarem aos vários espectros. Essas adaptações variam da captação prontamente secombínacolllU!lllt'~l~tJ!it1e;,i~~~~~
ativa de energia até evitar deliberadamente a exposição à energia solar. nova molécula de ozôniod::/l1ll.fldo º?º~e tiSSll.rti~~\1~
gia nafonnll. de 9aior,AssU11; a ~lisorção.d~lp~,~~~~!
de.ozônio·envolve.actestrniçãoeac~ll.Çã?cün~}'l-l~díl
LUZ ULTRAVIOLETA
fotmaçãodaluz.UYe111• íl~ergill.Cfllp~c,€l~~~y
Apesar da luz UV não ser vista, ela pode ser bem ativa em certas quantidades suficientes•det.uolé.911J,as•n~t;~a~
reações químicas nas plantas. Juntamente com os comprimentos de onda ceptar quase toda a l1Jz.:Qyqllepl,ISS1ta~~Y:~t~
mais curtos da luz visível, a radiação UV tende a promover a formação A .camada .de. oz~11i,o•fka 11~ e~?"stt?s,fti!l¼'j.•.••. ; ;;:;;
de pigmentos das plantas, conhecidos como antocianinas, e pode estar cerca de vinte·qlliJômtittos ac~ado wye,1.do~j~f~(
envolvida na inativação de certos sistemas hormonais importantes para mais .• outros ttinta.quilô1'1;1e?°osn~dire;çijq d?\~P~~P/é//;. ,,
o alongamento dos caules e fototropismo. fiça bem acinra .da região de,nslt e t:urb.ul~nt~~.~lttl~!;f~t1,: fll~J.'O
Em geral, contudo, porque a radiação UV pode ser prejudicial aos vel pelo 11osso clima, btim âfasta1st dt1Hual.~}l!lt1t~Jfd~df 11 ·
de fontes de. poluição da sup.erfít1it1, ~e.s~>di'~tqfµl-\\ré.
tecidos das plantas e o nível geral de energia UV que alcança a superfí-
cie é altamente reduzido, as plantas não desenvolveram muitas adapta-
seres humanos afetam ó pzônio,i ·.>. ! : . . :·· :f;'.N
Por muitas décadas; P~Odf~Í111(.)*rg!$e;s ~fi
ções para o seu uso. Em vez disso, a radiação UV é evitada: a epiderme
roffoorc1trbonos, . para US!tf tJ(.)ll;l(.) re,s.f;i~d~tíl~0~···
opaca da maioria das plantas impede que a maior parte da radiação UV
lhos dear·condicionadqçc?lllºfrppe;1e,1;~i~r ..•.·
prejudicial penetre no tecido sensível ou nas células. A redução da ca-
fazet espur\íaplástica.Esses g!sti~for~~~~f~!
mada de ozônio da atmosfera superior é causa de preocupação, devido
at!'.ílosfeta e vazaram desiste111as de;ref;i~ti~~ç!P·
aos efeitos potencialmente negativos que o excesso de UV pode causar,
enttall): na atrnosfef~•·llliramvs1g1tros~e,~te,r~~~<·· .
tanto em plantas quanto em animais. Na estratosfe;<l, ll.1% tJ/Vbptp1)~de,IstásJtP ' · ••. ·
,,,,-:-,;, , , / :,:,,
orc1trbono, finâlme,ntll se;f1trl-ln1o }'W0ff?lllP~f ct
·rópicp ~~pàJr~1·· . . . .
1
../·x.·•··•··· ·•·, forma deum.radic.al. liyre,.?e,.9l9rp;;l<?~ ~acli~~s~ . .
dos attavés. dessegrot1€l~f?de,f?tpdi~sp9i~!<>'ílll!
D,i\t;/"C'rt1ld wtti3JJçíoriti~õwit llft. · ,:· tii::1:,·•·: moléculas de·ozônío;·fotmll.lldo.óxidodeçlorq.(
lecular (Oz).
>t·~.~t;eiltftêr fÍJ~ít'lµ;:~~11; • tollô~~al~g;i;~,
f~~i~é.n'.f)!Fe;itllller .•.·.•·•· .·.• ç1t"~ªlt s~P:e1fíc é.itbsoryi.d9'Por• ó. óxíd◊ decloro{!~sít.f'6r!Ílâdct;~~é
ir~~~ija4a te•gfs ozônio,líltânaâtrn •• · ·.·• •... •; • .§J~;:ôsBrg~~~qs
~.\i~t~~lli)'YJetallie;"te; depe;11~entes 49efeitq<;li,;filtto.•d?ozôi;of'~º!""·•
reagir com o ozônio. e 1t1~1et1((, i ~c,
. CIOtOi=;.ÇlÇ)z*Q~;;c
~t
j.• 0

9.}ly;i1<~ªi?rilt1l~cYtetp!lléÍfJS•desegrotege~9911~1toirefeífisprej~'"[···
'iéf~ei.tf.s,qâ't.adfaçí\tl;tJ.Vtqueinclue!'.ílzquei.rnad:uras;eãnçtir.eillluta,1 ; Pior ainda;c~ci!i;~i~é~â.~&~~~&•1~~{ .
4~~1·:t~râifit•'·••··•··..·· · · · • ··• . . ..... ... . • • .. . . . . • .• . ··•··••·. agir comuma qosradicai~liYl'.e.s/de.oxigilnior ·

106 107
A RADIAÇÃO FOTOSSINTETICAMENTE ATIVA

A energia luminosa, no espectro visível, é da maior importância


para os agroecossistemas. Dependendo das condições climáticas locais,
ela forma 40-60% da energia total da radiação solar que alcança a su-
perfície da Terra. Também conhecida como radiação fotossinteticamente
ativa (RFA), esta é a luz com comprimentos de onda entre 400 e 760nm.
As plantas verdes não crescem sem uma combinação da maior parte dos
comprimentos de onda de luz no espectro visível.
Entretanto, neste espectro, nem toda a luz é de igual valor para a
fotossíntese. Os fotorreceptores na clorofila absorvem mais luz viole-
ta-azul e alaranjada-vermelha; luz amarela e verde não são tão úteis.
Uma vez que a clorofila não pode absorver muito bem a luz verde, a
maior parte dela é refletida de volta, fazendo as plantas parecerem ver-
des. A figura 4.3 mostra como a absorção da clorofila varia com o com-
primento de onda. Os comprimentos de onda de luz que a clorofila ab-
sorve melhor c01Tespondem, grosso modo, aos comprimentos de onda
nos quais a fotossíntese é mais eficiente.

LUZ INFRAVERMELHA

A energia da luz infravermelha, com um comprimento de onda de


800nm a 3.000nm - por vezes referida como a faixa infravermelha pró-
xima-, tem um papel importante, influenciando os hormônios envolvi-
dos na germinação, as respostas das plantas a mudanças na duração do
dia e outros processos. Na faixa além de 3.000nm, a luz infravermelha
torna-se calor, e impactos ecológicos diferentes são evidentes. (A tem-
peratura como um fator ecológico será discutida no próximo capítulo.)

Características da exposição à luz visível


A energia luminosa na faixa visível ou RFA é convertida, pela fo-
tossíntese, em energia química e, finalmente, na biomassa que impulsi-
ona o resto do agroecossistema, incluindo a parte que colhemos para
nosso próprio uso. Para aumentar a eficiência desse processo, é impor-
tante entender como pode variar a luz à qual as plantas são expostas.

108 109
portanto, tornar-se um fator limitante para plantas sob a copa, embora a
Alaranjada quantidade total de luz pareça ser adequada.
Violeta Verde

INTENSIDADE
Azul Amarela ·vermelha
cu
.;:::: O total de energia de toda a luz na faixa RFA que alcança a su-
eo perfície de folh a é a intensidade daquela luz. A intensidade da luz
ê3 pode ser expressa em uma vari edade de unidades de energia, mas as
cu
"O mais comuns são a l_g_ngley calorias por cm:), o watt Uoules por se-
o
tCU gundo), e o einstein (6 x 1023 fótons). Todas essas unidades de medi-
,_
(.),

o da expressam a quantidade de energia que cai sobre uma superfície,


CI)
.o em algum período de tempo. Em intensidades de luz m uito altas, os
<(
pigmentos fotossintéticos ficam saturados, sigmficando ~ l uz adi-
cional naoãumenta,efetivamente, a taxa de fotossíntese. Esse nível
de inten sidade luminosa é c hamado de ponto de saturação. A luz
excessiva pode conduzir à degradação dos pigmentos de clorofila e
400 500 600 700 até causar danos ao tecido da planta. No outro extremo, níveis bai-
Comprimento de onda da luz (nm) xos de luz podem levar uma planta ao ponto de compensação de luz,
ou o nível de intensi dade luminosa em que a quantidade de fotossin-
Figura 4.3 - Luz absorvida pela clorofila, e m relação ao comprimento de onda. A clorofila ab-
tato produzida é igual à necessária para a respiração. Quando a in-
sorve sobretudo a luz violeta-azul e alaranjada-vermelha; portanto, as folhas refletem a luz verde tensidade de luz desce abaixo do ponto de compensação, o saldo
e a amarela. energético da planta é negati vo . Se o saldo negativo não for com-
QUALIDADE
pensado por um período de tempo de fotossíntese ativa e ganho de
energia, a planta pode morrer.
A luz visível pode variar nas quantidades relativas das cores que
a compõem - isto é referido como a qualidade da luz. A proporção DURAÇÃO
maior de luz solar direta na superfície da Terra está no centro do es-
pectro da luz visível, caindo ligeiramente em ambas as bordas, viole- O período durante o qual , diariamente, a superfície das folhas
ta e vermelha. A luz difusa que vem do céu - assim como aquela que fica exposta à luz do Sol pode ter um impacto sobre as taxas fotos-
ocorre na sombra de um prédio - é relativamente mais alta em luz azul · sintéticas, bem como aumentar o tempo de desenvolvimento e cres-
e violeta. Uma vez que diferentes partes do espectro da luz visível c imento da p lanta. A duração da exposição à luz também é uma vari-
podeni ser usadas para a fotossíntese de forma mais eficiente dó que ável importante de como a intensidade ou qualidade da luz pode afetar
outras, a qualidade da luz pode ter um efeito importante na eficiência uma planta. A e,ZUJ~ãOJ!JJÍVeis excessivos_de luz p...9r um cur_to tem-
po, por exemplo, pode ser tolerada, enquanto um p.esíodo mais l9n-
fotossintética.
Diversos fatores podem causar variação da qualidade da luz. No gÕ e_ode ser prejud~ ial. Ou , um período c_urto de luz_i_n_tens~, que
interior de alguns sistemas de cultivo, por exemplo, as espécies na copa possibilite à p anta produzir um excesso de fotossintato, pode então
removem a maioria da luz azul e vermelha permitindo, principalmente, permitir a tolerância de um período mais longo abaixo do _2onto de
a transmissão da luz verde e vermelha distante . A qualidade da luz pode, compensação de luz. -

11 1
110

1
1 - --- - - - - - - - - - - - ~ -- - --
LATITUDE
O número total de horas de luz diurna - o fotoperíodo - também é
um aspecto imp01iante da duração da exposição à luz. Uma variedade Quanto mais próximo de ~ualq~er UTl}._doê.,_pg,los, maior a variaçãg
~e 1:espostas das plantas, como veremos adiante, tem gatiThos quími~ os sazonal no com__2r1mento do dia. Acima do círculo ártico, períodos de
específic os ou mecanismos â e controle que podem ser ativados ou de - 24 horas de luz diurna, no verão, são compensados por períodos de 24
sativados, dependendo do número de horas de luz diurna, ou, em alguns horas de noite, no inverno. Próxi.mQ_do equador, a cons@ncia de dias de
casos, ao número de horas de escuro, sem luz do sol. 12 horas~urante todo o ano, fo1ma um ambiente luminoso que propor-
ciona uma elevadª-f>rodutividade primária lí uida o ano inteiro. Tam-
bém permite uma agricultura caracterizãda tanto por E_lantios múltiplos,
Determinantes de variações no ambiente luminoso durante o calendário agrícola anual, quanto pela abundâncíã de culturas
peren~s_, _que propiciam uma mistura ou uma sucessão de colheitas du-
A quantidade e a qualidade da luz recebida por uma planta, em rante todo o ano.
um local específico, e a duração de sua exposição à luz são função de
diversos fatores importantes, que incluem: a) sazonalidade, b) latitu- ALTITUDE
de, c) altitude, d) topografia, e) qualidade do ar e f) a estrutura do
dossel 9 vegetal. À medida que al!_menta a elevaçªo, a intensidade luminosa também
a,urnenta, porque a atmosfera, mais rarefeita, absorve e dispersa menos
SAZONALIDADE luz. A~ plantas que crescem em elevaçõ~s_mais altas, portanto , ficam
mais sujeitas a condições de saturação de luz e enfrentam um erigo
E~ o~ o equador, as horas de luz diurna são mais longas no maior de degradação da clorofila do ue plantas ao nível do mar. Mui-
~ . . - ---
v.~ra.9 e mais ~urtas no___!.12.Verno, alcançando seus extremos no solstí- tas plantas dealtitude desenvolveram coloração reflexiva, ou pêlos ou·_
cio correspondente. Durante o inverno, como o ângulo do Sol em re- escamas rotet es sobre as cutículas das folhas, para reduzir a quanti-
lação à superfície é muito mais baixo na direção dos pólos, a luz dade de luz que penetra nelas.
solar que fica disponível tem que passar através de mais atmosfera
antes de alcançar a planta, tornando-se muito menos intensa. Portan- TOPOGRAFIA
to, tanto a duração quanto a intensidade da luz são afetadas pel a sa-
zonalidade. Muitas plantas adaptaram-se às variações sazonais no A inclinação e a direção da superfície do solo podem criar varia-
comprimento do dia e intensidade da luz através da seleção de adap- ções localizadas na intensidade e duração da exposição à luz do sol.
tações. Essa seleção ou prepara a planta para o inverno vindouro, Embora os efeitos de temperatura dessa variação possam ser de grande
ou a apronta para tirar vantagem de condições mais favoráveis de importância, inclinações íngremes voltadas para os pólos podem rece-
crescimento e desenvolvimento, à medida que a primavera avança ber insolação direta significativamente mais baixa do que outros locais.
em direção ao verão. O sincronismo de muitas atividades agrícolas A orientação da encosta geralmente torna-se mais importante durante
- como plantio e poda - corresponde à mudança de horas de luz do os meses de inverno, quando um morro ou outra característica topográ-
dia e m épocas específicas do ano. fica pode projetar uma sombra sobre a vegetação. Em sistemas de culti-
vos , variações topográficas menores podem criar diferenças sutis de
microclima que afetam o desenvolvimento das plantas, especialmente
quando ainda são muito pequenas.
9"Canopy", no original. Traduziu-se como "copa", quando se refere a árvores, e "dossel" , quan-
do se refere a outras plantas, como no caso do consórcio milho/feijão/moranga. (N. T.)

113
112
QUALIDADE DO AR

Materiais suspensos na atmosfera podem ter uni significativo efei-


to de filtro. Fumaça, poeira e outros poluentes, quer naturais, quer pro-
duzidos por seres humanos, podem interferir bastante na atividade fo-
tossintética, seja pela redução da quantidade de energia luminosa que
alcança a folha, seja pelo seu revestimento e conseqüente redução da
quantidade de luz que penetra a cutícula. Tais problemas de qualidade
do ar são, usualmente, mais comuns dentro e ao redor de regiões urba-
nas ou industriais, mas a qualidade pobre do ar também pode estar as-
sociada a atividades agrícolas como queimadas e perturbações no solo.
A horticultura em es_n.ifa é especialmente afetada pela.deposição de par-
tículas Q.riundas do ar sujo; mesmo quando o vidro é limpo, ele reduz a
passagem da luz em cerca de 13%.

Figura 4.5 - Smog 11 no Vale do México. O alto nível de poluição neste vale cercado de montanhas
Figura 4.4 - Crescimento de ervas adventícias, concentrado no lado virado para o norte de uma causa impacto na quantidade de luz ao nível da superfície. Um dos picos do vulcão Jxtacihuatl
vala. Como este lado recebeu menos luz do que o voltado para o sul, ficou mais frio e úmido, estende-se acima do smog.
favorecendo o crescunento destas ervas específicas. 10
11Mistura de fumaça (smoke ), resultante de poluentes produzidos pelo homem, e neblina
10
No hemisfério norte. (N. T.) (jog) . (N. T.)

114 115
ESTRUTURA DO DOSSEL DA VEGETAÇÃO tidade relativamente grande de luz verde e infravermelha (IV). Esse
· -- - - - -
efeito é particularmente pronunciado sob copas de perenes de folhas
Uma folha média permite a transmissão de cerca de 10% da luz
largas. As florestas de coníferas, por outro lado, têm muito mais luz
que bate em sua superfície. Dependendo d~~ tura do dossel, as
vermelha e azul no chão, por causa da estrutura das folhas (acículas)
folhas vão se sobrepor umas às outras em maior ou menor intensida-
e por serem muito mais reflexivas do que absorventes e transmissoras
de, aumentan_çl.9_a d~nsidade da copa e reduzindo tanto a quantidade
de luz visível.
quanto_a qualidade da luz que, finalmente,-alcança a superfície _do
Dada a diversidade extrema da estrutura do dossel nas vegetações
solo. Ao mesmo tempo, entretanto, uma quantidade considerável de
naturais e sistemas de cultivo, os níveis de luz dentro das copas também
luz solar pode passar entre as folhas ou através dos espaços que se
são altamente variáveis. Eles podem ter desde um percentual muito pe-
tornam disponíveis entre elas, quando o vento move a copa e à me-
queno de luz solar plena no nível do solo, em uma floresta densa, até
dida que o Sol se move durante o dia. Parte dessa luz adicional en-
quase 100% em um sistema de cultivo nas fases iniciais do desenvolvi-
tra como luz indireta, enquanto outra entra diretamente do Sol, for-
mento das plantas. A intensidade da luz em uma plantação de algodão
mando manchas pequenas de luz desobstruída, usualmente móveis.
totalmente madura é reduzida a-3O% do total, num ponto a meio cami-
Numa perspectiva~ é importante entender como a IL!_z varia_
nho entreª-copa..e_a s~per~ do solo aí atingindo menos do-que_i%.
dentr.o_da_cg.pa-\legetal.. especialmente quando se lida com sistemas
Como uma plantação de moranga, uma de milho e uma consorciada de
consorciados diversificados, sistemas agrofJorestais, e mesmo no
milho e moranga modificam o ambiente luminoso sob suas copas está
manejo deespécies de plantas que não são as cultivadas no interior
ilustrado na figura 4.6.
de um sistema de cultivo.
- A ;;;;;;_ relativa de transmissão de luz de um c;lossel é expressa
- --
como a uantidade média de luz capaz de penetrar na cop~, numa per- M~o~llu,!!I d,! m~a~a % _ ~on~u~ra~e ~ lh2_ _ _ % Consórcio milho/moranga _ %
100 100 100
centagem da luz total incidente disponível no topo desta ou sobre a su-
perfície de uma área adjacente sem vegetação. Já que também sabemos
que modificações na penetração média de luz dependem da densidade
da folhagem e do arranjo das folhas, outra maneira de dete1minar o po- ,
4
tencial de absorção de luz de um determinado dossel é medindo o índi- t
1cede área foliar (IAF). Isto é feito pelo cálculo da área total de super-
fície das folhas em relação a uma detemtinada área de solo; uma vez
que as unidades de ambas são idênticas (m2 ), o IAF torna-se uma medi-
da de cobe1tura sem unidade. Por exemplo, se o IAF é determinado como
3,5, a área escolhida está coberta pelo equivalente a 3,5 camadas de
folhas no dossel, implicando que a luz terá de viajar através destas tan-
tas camadas antes de alcançar o chão. A altura de cada camada, entre-
tanto, é um determinante importante da redução seqüencial da luz quan-
do se desloca através da copa.
Não apenas o teor da intensidade de luz total é, obviamente, mais
reduzido à medida que avançamos para dentro da cobertura vegetal, Figura 4.6- A redução da luz sob o dossel de uma monocultura de moranga, uma de milho e um
mas a sua qualidade também muda. A 'J.uz..da.scm::i-0.i:a", usu.~lmente, consórcio milho/moranga. Para cada sistema de cultivo os dados mostram o percentual de luz
solar plena que permanece em cada um de seis níveis horizontais. Dados de Fujiyoshi (1997).
tem uma quantidade muito e uena de luue.rmelh9 e azul, e uma_quan-

116 117
Taxa fotossintética DIFERENÇAS NAS ROTAS FOTOSSINTÉTICAS

Uma vez que a luz é absorvida pela folha e ativa os processos no O mesmo tipo de pesquisa que nos aj udou a entender os diferentes
cloroplasta que, finalmente, conduzem à produção de açúcares ricos em tipos de rotas fotossintéticas e suas condições para o ótimo funciona-
energia, dife;-~nças na taxa real de fot9ssínt~se tomam-se importantes. mento, também auxiliou a refinar nossa seleção de plantas cultivadas
A taxa fotossintética é, principalmente, determinada por três conjuntos para distintos locais. As taxas fotossintética~ mais altas, a virtual au-
diferentes de fatores: a) o es0gio de desen..y__uiv.im~nto da planta (a ser sência de fotorrespiração e as adaptações morfológicas_ (células da ba-
discutido na próxima seção}, b) as condições ambientais que circun- inha vascular) em planÍ:asC4 combin am-se para dar vantagens às plan-
dam a planta, incluindo o ambiente luminoso, e c) o tipo de rota fotos- tas s"ob condiçõesoe-intensidade elevada de luz e temperatura. Essas
sintética (C3, C4 ou MAC) usada pela planta. É importante sab"ero que duas condições, freqüentemente, também estão associadas à umidade
detennina variações na taxa fotossintética quando se maneja o ambiente limitada. Portanto, mesmo sob estresse de umidade e conseqüente fe-
luminoso em agroecossisternas. chamento dos estômatos, as plantas C4 podem continuar a fotossíntese,
através da remoção do dióxido de carbono produzido internamente e
por uma habilidade de manter o processo mesmo m_níveis baixos de
EFICIÊNCIA FOTOSSINTÉTICA E FATORES DO AMBIENTE
compensação de dióxido de carbono. s plantas C4,po entanto, ficam
Como qualquer resposta da planta, a fotossíntese é bastante afetada de certa fo1ma r~stritas a ambient~ com essas conâições de alta inten-
pelas condições ambientais. Essas incluem a t~mperatura, a intensidade e sidade de luz e cal_or. A{ Q!_antas C3tên:1 uma distribuição muito mais
a qualidade da luz, a duração da exposição a esta, a disponihilidade de ampla e urna hab1ltdade meTfiõrae unc1onar sob condições de tempe-
dióxido de carbono e de umidade e o vento. Para cada um desses fatores , raturas mai aixas, sombreamento e variação cl imática. Atualmente,
uma planta tem tolerâncias mínima e máxima, bem como urna condição os pesquisadores estão buscando formas de combinar plantas C3 e C4 1
ótima que toma a fotossíntese mais efetiva. Os efeitos desses fatores se- simultaneamente, no mesmo sistema de cultivo, bem como desenvolver ·
rão tratados com mais detalhe em capítulos posteriores. rotações C3-C4 que refli_!am as distintas condições de crescimento que
Em geral, pode-se dizer que muito da estrutura e função de uma podem ocon-er sazonalmente.
planta individual evoluiu com o tempo, buscando maior eficiência fo-
tossintética. Mas, apesar de um grande número de adaptações, que vão MEDINDO A TAXA FOTOSSINTÉTICA
da estrutura das folhas a rotas químicas, apenas uma pequena percenta-
gem da energia solar disponível é capturada no processo. A maior par- Medir as taxas fotossintéticas a campo permite-nos mon itorar a
te das folhas atinge a saturação com somente 2_0 % de luz sol ar plena. eficiência da captação de energia de diferentes cultivas. A medida mais
Da energia solar absorvida pelas folhas, somente 20% é convertida em precisa é a de troca real de gás realizada pela planta. Uma folha indivi-
energia química nas moléculas de açúcar. Isto dá à fotossíntese uma efi- dual, parte da planta ou a planta inteira é fechada em uma câmara trans-
ciência teórica de cerca de. ~que pode ser reduzida ainda mais, à parente, onde as condições são monitoradas e mantidas tão próximas
medida que o dióxido de carbono ao redor da folha é consumido. Além quanto possível das condições ambientais. O ar passa, através da câ- \
disto, somente parte da energia no fotossintato é realmente convertida
em biomassa, reduzindo a eficiência do processo todo entre_1% e 3%.
O fato de termos de encontrar maneiras de alterar o processo fotossin-
tético em si torna fundamental a manutenção de condições ambientais
l mara, para ~entro de m,:i analisa~o~- inf~avermelho d~ gás (AI~~), tor-
nando poss1vel determrnar mod1f1caçoes no contendo de d10x1do de
carbono, provocadas pelo equilíbrio da fotossíntese-respiração.
A outra fo1ma de medir é baseada no ganho de peso em biomassa
seca da planta inteira, ou na determinação da correlação entre o ganho de
tão próximas quanto possível do ótimo, bern..cJ)mG c_o di~ es de seleci-;:.
o.~ulturas coma rota apropriada para um detenninado ambiente. peso de partes específicas da planta e a planta inteira, ao longo do tempo.

118 119
Para uma planta anual, que começa como uma semente e completa seu processo, a intensidade da luz ou a duração da exposição à mesma po-
ciclo de vida em um único período, a atividade fotossintética líquida é dem controlar a resposta da planta, tanto como um estímulo quanto corno
diretamente relacionada ao peso seco da planta na colheita. Para as pere- um fator limitante.
nes, algumas partes da planta devem ser colhidas, e, pelo uso de modelos
do desenvolvimento total da planta e disttibuição de biomassa, é possí- Estabelecimento
vel detenninar valores aproximados de atividade fotossintética líquida.
O estabelecimento inicial da muda pode ser muito afetado por dife-
O IAF, desctito anteriormente, também pode ser usado para se estimar a
rentes níveis de luz, especialmente quando a germinação da semente ou o
área foliar potencial de um sistema de cultivo disponível para fotossínte-; desenvolvimento imediato da muda oco1Tem sob a copa de plantas já exis-
/ se. A partir deste cálculo, baseados em nosso conhecimento de taxas fo- tentes. Algumas mudas são menos tolerantes à sombra do q ue outras, e
~, tossintéticas aproximadas para plantas individuais ou partes de plantas, 1
têm mais dificuldade de se estabelecerem quando há falta de luz sufic1ên-
podemos fazer estimativas da taxa para o sistema completo. '
te para manter o desenvolvimento subseqüente da planta. Um exemplo da
importância de diferenças de tolerância à sombra é visto na comparação
entre mudas de pinheiro 12 e de bordo açucareiro 13 em florestas do leste
Outras formas de resposta à luz dos Estados Unidos. As mudas do pinheiro experimentam um déficit fo-
tossintético com 10% da-luz total do Sol e o bordo- o alcança com 3%.
As plantas respondem à luz de outras maneiras além de usá-Ia para
Essa diferença no ponto de compensação de luz significa que o bordo é
produzir açúcares ricos em energiá. Ela tem uma influência sobre a planta
mais tolerante à sombra do que o pinheiro, de forma que, numa floresta
desde a germinação da semente até a produção de novas sementes.
densa, com níveis de luz permanentemente abaixo dos 10%, somente as
mudas do bordo irão reproduzir-se. A maior tolerância do bordo à som-.
GERMINAÇÃO bra pode ser um fator importante na sucessão vegeta a floresta. Após o
corte, os pinheiros se estabelecem primeiro, mas, à medida que a floresta
A~_sementefl, de muitas pl@ta.s..requer.em luz Q_fila..germinar..e, quando
se fecha e a sombra se aprofunda, os bordos começam a se estabelecer e,
enterradas no solo, têm um desempenho fraco. Contudo, uma única e breve
posteriormente, tomam o lugar dos pinheiros.
exposição à luz pode ser suficiente para induzir a germinação, como, por
exemplo, durante o cultivo do solo, quando uma semente de erva é trazida à Crescimento das Plantas
superfície, mas imediatamente enterrada de novo pelo revolvimento. Chi.=_
tras sementes exigem exQosição repetida, ou até constante, à luz para ger- Quando uma planta está no meio de outras, a quantidade de luz que
minar. A alface é, talvez, um dos exemplos mais bem conhecidos de cultura alcança suas folhas pode tomar-se limitante, e a competição por este
deste tipo - sem~x2osição à luz, a germina ão é reduzida em_70% ou mais. fator começa a oco1Ter. Este tipo de competição tem uma grande proba-
As sementes de outras plantas, tais como muitas cucurbitáceas, têm a exi- bilidade de se manifestar em populações constituídas de espécies mui-
gência oposta: a semente tem de ser enterrada totalmente para poder germi- to semelhantes, com necessidades bastante similares de luz. O cresci-
nar, pois a luz, na verdade, inibe a ~rminação. Em todos esses casos, um mento de caules e folhas pode ser severamente limitado, se a competi-
hÕrmônio sensível à luz é que controla a resposta. ção alcançar o ponto em que a planta fica completamente sombreada
por suas vizinhas. Se parte da planta for capaz de emergir da sombra e
CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO alcançar a luz plena do Sol, a fotossíntese naquela paite pode conseguir

Estando a semente genninada, a planta recém-emergida começa o


""White pine", no original.
processo de crescimento e desenvolvimento. Em qualquer estágio do 13
"Sugar maple", no original.

120 121
compensar o sombreamento que ocoffe no resto da planta, permitindo Durante o dia, a forma de luz vermelha é convettida, rapidamente, para a
um desenvolvimento adequado. forma de luz vennelha distante, e, no escuro, a fotma vermelha distante va-
Muitas plantas desenvolvem folhas anatomicamente diferentes, de- garosamente conve1te-se de volta à forma ve1melha. O fitocromo vermelho
pendendo do nível de sombra ou sol. As folhas de sombra são mai s fi- distante é biologicamente ativo e responsável pelas respostas básicas das
nas e têm uma SIJ.perfície maior por unjdade de peso, uma epiderme mais plantas ao número de horas de luz ou de escuridão.
fim., menos pigmento fotossintético, uma estrutura de folha mais espon- Pela manhã, após apenas alguns minutos de exposição à luz, o fito-
josa e mais estômatos do que as folhas de sol. É interessante ver que, cromo ve1melho distante torna-se a forma dominante e permanece as-
freqüentemente, as folhas de sombra parecem ser adaptadas ao ambien- sim durante o dia. Essa dominância é também mantida à noite, pois a
te de luz mai s baixa, sendo capazes de fotossintetizar acima do ponto de conversão de volta a fitocromo vermelho durante a escuridão é vagaro-
compensação, em parte devido à maior área de superfície para capta- sa. Po1tanto, quando o comprimento da noite é relativamente curto, não
ção de luz. Mas é importante que as folhas de sombra sejam protegidas há tempo suficiente para o fitocromo vermelho di stante converter-se na
dos efeitos prejudiciais de luz em demasia. forma vermelha, e a forma vermelha distante permanece dominante.
Contudo, à medida que aumenta o número de horas de escuridão, é al-
Fototropismo
cançado um ponto no qual a noite é longa o suficiente para permitir uma
A luz pode induzir uma planta a sintetizar clorofila e antocianinas, troca de dominância para a forma verme lha. Mesmo quando este perío-
que estimulam o crescimento de certas partes da planta, tais como o do de dominância é curto, ocorrem modificações na resposta da planta.
pecíolo da folha ou o pedúnculo da flor, causando o fenômeno de cres- Nos crisântemos, por exemplo, o fim da dominância contínua do
cimento em direção à luz ou de afastamento da mesma. Em alguns ca- fitocromo vermelho distante, no outono, deflagra o crescimento de ge-
sos, esse padrão de crescimento é desencadeado por um hormônio que mas florais. Este tipo de resposta é conhecido como de "dia curto",
é ativado pela luz azul. A,s folhas Q_QQe~ ser orientadas na_direção qo embora, na realidade, seja ativado pelas horas noturnas mais longas. Á
S011- ara ca~r_piais J4z, ou afastadas ~o mesmo, em ambientes de alta importância do período escuro é acentuada pelo fato de que mesmo um
luminosidade. Os girassóis recebem se_Q__nome pela 01ien~ção caracte- curto período de luz attificial, durante a noite, petmite a conversão su-
rística do disco da inflorescência na direção do sol matinal. ficiente de fitocromo vermelho di stante para suprimir o florescimento
em crisântemos cultivados em estufa.
Fotoperíodo Os morangos têm o tipo de resposta oposto. Na primavera, as noites
mais curtas petmitem que o fitocromo vermelho distante recupere a domi-
Devido à inclinação da Terra sobre seu próprio eixo, a proporção
nância contínua, provocando uma troca da produção vegetativa para a pro-
relativa de horas de luz diurna e noturna varia de uma época do ano
dução de flores. As plantas com este tipo de resposta são chamadas de plan-
para outra. Pela con-elação das horas de luz ou escuridão com outros
tas de "dia longo", embora sejam as noites mais curtas que, na verdade,
fatores climáticos, especialmente temperatura, as plantas desenvolve-
deflagrem a mudança. As assim chamadas variedades de morangos de dia
ram respostas adaptativas aos regimes de luzLe~curidão, modificando-
se no tempo. Processos imp01tantes como fl~rescimento, germinação da_ neutro foram desenvolvidas para estender o florescimento até mais tarde
semente, queda de folha~ mudanças de pigmentação são alguns exern- no verão e início do outono, quando os morangos normais passam pela
plos."1Jm pigmento de plantas conhecido corno fitocromo é o maior agen- mudança para o crescimento vegetativo característico de plantas de dia longo.
te fotorrecepti vo, responsável por regular essas respostas.
O pigmento fitocromo tem duas formas: urna tem um pico de absorção PRODUÇÃO DA PARTE DA PLANTA A SER COLHIDA
de luz vermelha com um comprimento de onda de 600nm, e a outra, um pico
As condições do ambiente luminoso têm um papel crucial na pro-
de absorção de luz ve1melha distante com um cornp,i.mento de onda de 730nm.
dução da parte da planta que queremos colher. Em geral, os cultivas

122 123
foram selecionados para desviar uma grande quantidade de fotossintato Em sistemas florestais e agroflorestais, por exemplo, as mudas dases-
para as partes da planta que são colhidas. Em outras palavras, as partes pécies do estrato superior freqüentemente não ge1minam bem no ambi-
colhidas são drenas maiores na partição do carbono. Mas a habilidade ente sombreado do chão da floresta, fato que deve ser levado em conta
da plânta de produzir a quantidade desejada de biomassa em suas par- no manejo da diversidade do sistema.
tes colhidas depende das condições de seu ambiente luminoso. Confor-
me já foi visto, ao entendermos as relações complexas entre a resposta SELEÇÃO DA CULTURA
da planta e a quantidade, qualidade e duração da exposição à luz, pode-
. mos manipular o ambiente luminoso e selecionar as plantas, a fim de Um aspecto do manejo do ambiente luminoso é casar a disponibilida- \
otimizar a produção do agroecossistema. de de luz no sistema à resposta da planta à luz. A exigência de luz das plan-
1 tas, bem como suas tolerâncias, é fator importante no processo de seleção.
O tipo de rota fotossintética das plantas culti vadas é o determinan-
Manejo do ambiente te mais básico das exigências de luz. Como discutido anteriormente as
luminoso em agroecossistemas plantas com fotossíntese do tipo C4 exigem alta intensidade de lu~ e
longa duração de exposição à mesma para produzirem de forma ótima,
Existem duas abordagens ptincipais no manejo do ambiente lumino- além de não serem bem adaptadas a áreas com condições mais frescas
so de um agroecossistema. Geralmente, onde a luz não é um fator limitan- e úmidas, especialmente noites mais frescas. Em contraste, muitas plantas
te, o manejo é orientado para acomodar o sistema ao excesso que possa C3 não crescerão bem nas mesmas condições de luz favoráveis às C4.
ocoITer; onde ela é, provavelmente, um fator limitante, o foco é como ter No litoral central da Califórnia, por exemplo, onde as co1Tentes oce-
luz suficiente disponível para todas as plantas presentes no sistema. ânicas frias n01malmente mantêm as temperaturas noturnas de verão em
Regiões onde a luz não é um fator limitante são geralmente secas. •, níveis baixos a moderados e produzem nevoeiro matinal regular, plantas
Nestes locais, o ponto-chave para determinar a estrutura da vegetação e C4, como o milho doce, desenvolvem-se muito devagar e raramente ob-
a organização de um sistema de cultivo é , normalmente, a disponibili- têm os rendimentos ou doçura das espigas cultivadas nos vales interiores
dade c!_e água, e não a de luz. Geralmente, as plantas são mais distantes ~o estado, a apenas cinqüenta milhas ao leste. Em contraste, diversos cul-
umas das outras, as relações de luz são menos importantes, pois existe, )ttvos C3, como a alface, crescem muito bem no clima litorâneo.
usualmente, superabundância de energia solar, e muitos organismos de- A cªna-de-açúcar é um bom exemplo de planta C4 que exige alta
vem apresentar adaptações para "evitar" a luz em vez de captá-la. As intensidade de luz. Quando plantada em áreas com luz e umidade adequa-
folhas são, com freqüência, orientadas verticalmente para evitar expo-
sição direta do sol; têm um conteúdo de clorofila menor, de maneira a
ab~rver menos energia luminosa e, assim, m~l~r; e contêm pro-
das, alcança uma das taxas mais altas de eficiência fotossintética conhe-
cidas para plantas cultivadas. A seleção da variedade, atrnnjo em linhas,
densidade de plantio, manejo da fe1tilidade e outros fatores foram com-
j
porções mais altas de pigmentos ve1melhos, a fim de refletir a luz ver- binados com a taxa de conversão de 4% de RFA em biomassa, para pro-
melha normalmente absorvida na fotossíntese. d_uzir dos reton~os ma~s altos de matéria seca líquida conhecidos para um
A luz tende a ser um fator mais limitante em regiões úmidas, onde \ -~)_gema de cultivo (ate 78 toneladas de matéria seca/ha/ano).
tanto a vegetação natural quanto os agroecossistemas têm muito mais · Seleções podem ser feitas mesmo errtre cultivas com a mesma
camadas ou estratos. A quantidade e a qualidade da luz são alteradas rota fotossintética. Pontos diferentes de compensação de luz, por exem-
quando ela passa através das camada, em seu caminho até a superfície plo, poderiam dete1minar que plantas selecionar para ambientes mais
do solo. Nessas regiões, o manejo da luz pode ser um fator importante sombreados.
na otimização da produtividade dos agroecossistemas: quanto mais es- ~/
tratificada a estrutura da vegetação, maiores são os desafios no manejo. ~

124
' 125
DIVERSIDADE DE CULTURAS E ESTRUTURA DO DOSSEL nas camadas do dossel; a alta absorção de luz pela folhagem (90-95% ); e
a estrutura holizontal in-egular, 14 devido à sucessão natural ou à interven-
O ambiente luminoso no interior de um sistema de cultivo varia ção humana intencional. Conseqüentemente, formam ambientes lumino-
consideravelmente. Sistemas podem ser desenhados para criar zonas sos bastante variados, que propiciam uma das mais altas diversidades
onde o ambiente luminoso seja mais apropriado para uma determinada que se conhece num agroecossistema, no que se refere ao número de es-
planta. Nos trópicos, por e~emplo, produt~res fazem pleno_uso doam- pécies de plantas. Ainda se precisa saber muito mais sobre exigências e
biente alterado de luz debaixo da copa de arvores para cultivar plantas tolerâncias específicas de luz de cada componente de um sistema desses.
como~ café, o cacau e a baunilha. O cacau e a baunilha não toleram sol Um estudo dos ambientes luminosos de nove agroecossistemas di-
direto por qualquer pe1iodo considerável de tempo e , freqüentemente, ferentes no México e na Costa Rica dá uma idéia da possível variação
precisam ter uma copa produtora de sombr~ no lu~ar, antes de s:rem nas suas estruturas e características. Os dados deste estudo são apre-
plantados. Só recentemente foram desenvolvidas vanedades de cafe que sentados na tabela 4.1.
podem ser plantadas sob a luz solar direta.
Em consórcios anuais, o ambiente luminoso dentro do seu dossel muda Tabela 4.1
conforme o sistema amadurece, com o IAF e a intensidade da luz em dife- Medidas do ambiente luminoso em diversos agroecossistemas
rentes níveis sofrendo variações consideráveis ao longo do tempo. Os pro- e ecossistemas naturais na Costa Rica e México
dutores aprenderam a tirar vantagem dessas condições variáveis. Um exemplo
bem conhecido é o tradicional plantio consorciado de 11).ilho-feijão-mo- Espécies IAF Cobertura Transmissão
ranga da América Central. Numa forma particular deste sistema múltiplo (%) (%)

de prõdução no sudoeste do México (Amador e Gliessi_nan, 199?), as três Monocultura de milho, com dois meses, 7 1,0 56 35
culturas são plantadas ao mesmo tempo; assim, o ambiente lummoso en- manejada de forma convencional
contrado por cada uma é muito semelhante quando da emergência. Porém, Monocultura de milho, com três meses 20 2,6 88 12
e meio, manejada de forma tradicional
o componente milho logo domina a estruturado dossel, sombreando os fei-
Batata-doce, capinada e tratada com inseticida 8 2,9 100 11
jões e morangas abaixo. Quando a copa do milho se fecha, os feijões trepa-
Consórcio, com dois anos e meio, de cacau, 4 3,4 84 13
dores ocupam da metaae inferior a dois terços do colmo do milho. A mo- banana e a espécie nativa de árvore
ranga fica confinada ao nível de baixo, mais escuro, ela própria sombrean- para madeira Confia alliodora
do ainda mais profundamente a superfície do solo e propiciando o controle Horto doméstico" antigo, com plantas lenhosas, 18 3,9 100 10
contendo uma mistura diversificada de plantas {1teis
de ervas no sistema de cultjvo (Gliessman, 1988a). Embora tanto o feijão
Plantação de café com um dossel superior 7 4,0 96 4
como a moranga recebam exposição de luz menoulQ__gue a ótima, ambos de árvores do gênero Erythrina
recebem o suficiente para produzir adequadamente e não interferem com as Áreas cultivadas com plantas úteis, 27 4,2 98 7
necessidades de luz do milho, muito altas. O milho é uma planta C4, en- imitando a sucessão natural,
11 meses após a derrubada
quanto o feijão e a moranga são C3. Um agroecossistema assim é uma ev!-
Plantação de árvores do gênero Cmelina 8 5,1 98 2
dência de que plantas de rotas fotossintéticas diferentes podem ser combt- (para madeira e polpa, com plantio
nadas em sistemas consorciados, e pesguisas voltadas nessa direção ce~a- intercalado de feijão e milho)
\ mente poderiam mostrar outras possibilidades. Áreas em processo de sucessão natural, 35 5,1 96 <I
' Hortos domésticos diversificados, em sistemas agroflorestais, tal- 11 meses após a derrubada

vez sejam os exemplos mais complexos do manejo do ambiente luminoso Dados de Ewel e colaboradores ( 1982).
em agroecossistemas (Ewel e colaboradores, 1982; Gliessman, 1990a);
estes sistemas serão discutidos mais detalhadamente no capítulo 17. Têm 14
"Patchy", no original. Traduzida como irregular, manchada ou diversificada. (N. T.)
como características um IAF alto (3,5-5,0); a diversidade de distribuição 15
"Home garden", no original. Refere-se aos sistemas tropicais de policultivo. (N. T.)

127
126
Em geral, no estudo, as policulturas foram mais efetivas em inter-
ceptar a luz do que as monoculturas, embora a monocultura da batata-
doce, com suas folhas largas, interceptasse a luz tão efetivamente quan-
to o h0110 doméstico e o sistema de café sombreado. Esses resultados
mostram a dificuldade de se determinar a eficiência de uso da luz de um
sistema. Simplesmente medir a cobertura vegetal, o IAF e a transmis-
são da luz até a superfície não elucida, em si , como essa é usada pelos
componentes do sistema. Nem mostra como um sistema bem desenhado
pode criar um ambiente de luz que satisfaça, ao mesmo tempo, as ne-
cessidades de distintas plantas.

MANEJO NO TEMPO

Com o tempo, o ambiente luminoso em um agroecossistema


muda, como resultado do crescimento das plantas no sistema ou das
transformações sazonais. Ambas as mudanças podem ser aproveita-
das, modificadas ou usadas como indicadores para iniciar técnicas
específicas.
Um tipo de manejo temporal para aproveitar as mudanças no Figm}t 4.7 - Trevo em ~obre-semeadura, exposto após colheita da camada suped or da aveia, feita
ambiente luminoso, que ocorrem à medida que a plantação amadure- no 1mc10 de J_ulho, na area de p~squ1sa de R_odale, Kutztown, Pensilvânia. O trevo estará pronto·
para ser colhido para fonagem ou incorporado como adubo verde, em menos de dois meses.
ce, é a "sobre-semeadura" de uma cultura sobre outra. Isto é feito,
por exemplo, para produzir feno de aveia/leguminosa: em vez de to de considerável volume de pesquisa aplicada em manejo de som-
semear a aveia, colhê-la e, então, plantar a cobertura de leguminosa bra - oferecem um bom exemplo desta forma de manejo de luz tem-
(trevo ou ervilhaca), a semeadura pode ser feita quando a aveia atinge poral (Lagemann e Heuveldop, 1982). Como discutido anteriormen-
um determinado estágio de desenvolvimento em que o ambiente lu- te; ~ café é cult~vado sob a sombr_a_de árvores, com freqüência es-
. i~oso está mais pro?ício ~o estabele~ime~to da leguminosa. Espe- pec1es de ~egummosas do gênero Erythrina. Embora o café seja uma
1f1camente, a legummosa e plantada imediatamente antes das espi- ·1 planta mmto tolerante à sombra, ele sofre quando essa se torna mui-
as da aveia começarem a se formar, quando os nívei s de luz, três t~ densa . Isto é especialmente verdadeiro durante a época da esta-
[
olegadas acima do solo, atingem cerca de 40% da luz solar total. çao de chuvas, quando a umidade relativa dentro do sistema de cul-
Como o trevo parece se estabelecer melhor com cerca de 50% de tivo de café se aproxima dos 100% na maior parte do tempo, provo-
luz solar total , a sobre-semeadura que ocorre imediatamente antes cando doenças fúngicas que podem causar a queda das folhas e fru-
das espigas começarem a se formar proporciona um bom início para tos ,do café. Por essa razão, uma e rática comum é p,odar severamente
a leguminosa. Após a colheita da aveia, os níveis de luz que alcan- as ~rvores de ~~mbra no começo da estação úmida (durante junho),
çam as plantas estabelecidas de trevo aproximam-se novamente da a fim de permitir mais luz no interior, promovendo condições mais
luz solar total, promovendo o crescimento rápido desta espécie, como secas e, ~onseqüentemente, reduzindo as chances de doenças. A 1.!!_aior .
uma planta de cobertura fixadora de nitrogênio. nebulosidade dui:ante a_estação úrnida diminui a necessidade de som-
O manejo de variações sazonais da luz é comum em sistemas br~ sobre o café. Perto do fim da estação úmida (habitualmente em
perenes e agroflorestai s. Os sistemas de café na Costa Rica - assun-

128 129
novembro ou dezembro), é feita outra poda menos intensa, que abre nejado para aumentar o tamanho deste dreno deve, também, levar em
mais uma vez a copa da plantação, possivelmente provocando o de- consideração quais seriam os impactos, a longo prazo, da colheita e
senvolvimento de brotos de flores que se abrem mais tarde, na esta- remoção desta biomassa do agroecossistema.
ção seca, mas também estimulando a reciclagem da biomassa, rica A experiência de produtores de milho em Puebla, Méxic~ferece
em nitrogênio , que ajuda no crescimento mais rápido das plantas de um exem_12lo interessante de como não é, necessariamente, 129sitivo au-
café durante este período. mentar a proporção de carbono alocado no material a ser colhido. Mui-
tos dos pequenos produtores tradicionai s da região trocaram para as
variedades de milho da "revolução verde", de rendimento mais alto, no
final dos anos 60 e início dos 70. Elas tinham sido desenvolvidas para
produzirem mais grãos às custas da biomassa notmalmente armazenada
em outras paites da planta - em especial os colmos e as folhas. Após
plantarem essas variedades durante alguns anos, eles voltaram às tradi-
cio!,illis.--Como esses camponeses faziam uso intensivo de animais em
seus sistemas de produção (especialmente para cultivo do solo e para
transp01te), e porque a palha do milho era um alimento suplementar im-
portante, a grande redução dos colmos e folhas das novas variedades
não pennitia ter uma quantidade adeguª da d~ forragem. Neste caso,
concentrar o dreno de carbono nos grãos não levou em consideração a
sustentabilidade de todos os componente~ do agroecossistema.
-O m~smo pro"c;esso pode estar acontecendo com outras culturas.
Vaiiedades de affoz tradicionais, por exemplo, aimazenam mais de 90%
do seu carbono nas folhas , colmos e raízes, enquanto as novas varieda-
des aumentaram a parte de carbono armazenada nos grãos ara mais de
20% (Gliessman e Amador, 1980). Em c~lturas onde a p;:ilha doaffÕ z-
tem papel im 01tante em outros componentes do agroecossistema, como
Figura 4.8 - Árvores de sombreamento podadas, numa plantação de café em Turrialba, Costa mate1ial de construção, combustível e fÕrragem, as necessidades huma-
Rica. As árvores comuns de sombreamento (Erythrina. poeppigia.na.) são severamente poda- nas ditariam a n~ssidade <k c uidado na transição para variedades gl!_e

l
das no começo da estação úmida, para abrir a plantação de café, facilitando a penetração de luz
durante a época mais nublada e chuvosa do ano.
sacrificam algumas formas de biomas_§a em_prol dos grãos de arroz.
Dentro do próp1io agroecossistema, também devemos entender os pos-
síveis impactos dessa "pe ·da" de matéria orgânicisobre componentes
PARTIÇÃO DO CARBONO E SUSTENTABILIDADE ecológicos tais como a manutenção de maté~ rgânica no solo, estabi-
lidade dos seus agregados e adição de nutrientes, q ue são essenciais
Como foi discutido no capítulo 2, uma percentagem relativamente para a sustentabilidade a longo prazo do agroecossistema.
pequena do carbono que é fixado pela fotossíntese na forma de carboi-
drato é, posteriormente, transformada em biomassa. Para a agricultura,
o mais importante é a parte daquela biomassa que encontra seu "drenq"
na for~a de matéria orgânica a ser colhida,_çonsumida e.!S}_u comerci-
alizada. Toda a discussão de como o ambiente luminoso pode ser ma-

130 13 1
PESQUISA FUTURA Leitura recomendada
É necessá1io que muitos estudos sejam feitos sobre o manejo do BAINBRIDGE, R.; EVANS, G. C.; RACKHAM, O. Light as an ecologicalfactor.
Oxford: Blackwell Scientific, 1968.
ambiente luminoso em agroecossistemas. Recentemente, aprendemos
Anais de um simpósio internacional que abrange uma ampla variedade de tópicos
muito sobre rotas fotossintéticas, partição do carbono e formas de au- relacionados à luz como um fator importante no ambiente.
mento no rendimento de biomassa possível de ser colhida em sistemas
EVANS, G. C.; BAINBRIDGE, R.; RACKHAM, O. Light as an ecologicalfactor:
de cultivo. Precisamos, também, compreender que o 111anejo de agroe- li. Oxford: Blackwell Scientific, 1975.
cossistemas exig~ gue retornemos ao sistema, especialmente ao solo, a Uma con tinuidade do simpósio realizado em 1968, com uma gama mais ampla de
m~ ntidade de matéria orgânica que deleremoyemos. A energia tópicos abrangidos.
que é captada do SoTaeve contribuir tanto para a sustentabilidade de HALL, D. O.; RAO , K. K. Photosynthesis. 5.ed. New York: Cambridge University
longo prazo do agroecossistema como para as colheitas de curto prazo. Press, 1995.
Um excelente livro-texto introdutório sobre o processo fotossintético nos níveis
A pesquisa sobre como equilibrar essas necessidades é chave para de- macro e molecular, com enfoque especial no papel da fotossíntese como fonte de
senvolver os agroecossistemas sustentáveis do futuro. alimento e combustível.
VINCE-PRUE, D. Photoperiodism in plants. New York: McGraw-Hill, 1975.
Uma revisão completa da importância da luz em termos de duração do dia.
Para ajudar a pensar
1. Quais são as diferenças básicas entre pouca luz ou excesso, em ter-
mos de resposta da planta? Cite algumas das maneiras que compensam
ambos os extremos no desenho de um agroecossistema?
2. Nossa compreensão dos diferentes tipos de rotas fotossintéticas nas
plantas veio principalmente da pesquisa básica de laboratório, mas este
conhecimento ajudou de forma considerável no manejo do ambiente lu-
minoso em agroecossistemas. Quais outras questões básicas de pesqui-
sa, bastante isoladas do campo, poderiam ser de grande significado para
a sustentabilidade?
3. Quais são as maneiras mais significativas pelas quais os seres huma-
nos e as atividades humanas causam impacto no ambiente luminoso? Que
conseqüências poderão ocotTer no futuro?
4. A energia luminosa é considerada uma de nossas fontes de energia
renovável mais disponíveis e mais facilmente usáveis. Que fatores atra-
saram o desenvolvimento de melhores maneiras de tirar vantagem des-
sa fonte de energia na agricultura?

132 133
5

Temperatura

O efeito da temperatura sobre o crescimento e desenvolvimento de


plantas e animais é bem conhecido e facilmente demonstrado. Cada orga-
nismo tem certos limites de tolerância para altas e baixas temperaturas, de-
terminados por suas adaptações particulares a temperaturas extremas. Tam-
bém, cada organismo tem uma faixa ótima de temperatura, que pode variar
dependendo do estágio de desenvolvimento. Devido às suas diferentes rea-
ções à temperatura, os mamães não são plantados no ambiente temperado
frio do litoral da Baía de Monterey da Califórnia, e as maçãs não se dariam
bem se plantadas nas planícies tropicais úmidas de Tabasco, México.
Assim, a faixa de temperatura e seu grau de flutuação numa área ,
podem estabelecer limites para as espécies e variedades que um produ-
tor pode plantar e provocar variações na qualidade e rendimento médio
das culturas. É necessário considerar o fator temperatura na seleção das
culturas que são apropriadas às variações de condições de temperatura
que podem ocorrer de um dia para outro, entre o dia e a noite, e de uma
estação para outra. Temperaturas acima da superfície do solo e ne le
próprio são igualmente importantes.
Quando medimos a temperatura do ar, solo ou água, estamos me-
indo o fluxo de calor. Para que se entenda mais plenamente a temperai
ura como um fator, é útil que se pense nesse fluxo de calor como part
~ o orçamento energético do ecossistema, cuja base é a energia solar.

O Sol como a fonte de energia calorífica na Terra


A energia que flui do Sol é predominantemente radiação de ondas
cmtas, usualmente considerada como energia luminosa, constituída tan-
to do espectro visível quanto do invisível. Relembre que o destino des-

135
1

sa energia, uma vez que ela alcança a atmosfera da Terra, foi discutido
no capítulo anterior e diagramado na figura 4.2. Para revisar, a radia- Tópico especial
ção solar advinda é refletida, dispersada ou absorvida pela atmosfera e
o que está nela. A energia refletida e dispersada pouco muda, mas a CAUSAS E CONSEQÜÊNCIAS DO AQUECIMENTO GLOBAL ..
:-,~_,_-,;
energia absorvida é convertida para uma f01ma de onda longa, manifes-
tada como calor.-Similatmente, a energia de onda curta que alcança a O aquecimento .global.é um fenômeno relativamente recente, 1.n:ti;
superfície da Terra é refletida ou absorvida. O processo de absorção produto da . era industrial. Nossas usinas elétricas, fábricas· e auto~
na superfície, pelo qual a energia luminosa de onda curta é convertida móveis liberam imensas quantidades de dióxido de carbono e d~
em energia calorífica de onda longa, é conhecido como insolação. O outn)s gases .qúe aprisionam a radiação solar na atmosfera da Terra:
calor formado pela insolação pode ser a1mazenado na superfície, ou Até agora, o efeito cumulativo de um século de queima intensiva de
irradiado de volta para a atmosfera. Parte do calor re-irradiado para a combustível fóssil é um leve aumento na temperatma média da su-
atmosfera pode ser também refletido de volta para a superfície. perfície global nos últimos cinqüenta anos. Devido à vasta comple-
Como resultado destes processos, a energia calorífica é aprisiona- xidade da dinâmica da atmosfera global, é difícil para os cientistas
da na superfície da Terra e próxima a ela, e a temperatura ali permanece preverem, com certeza, o que ocorrerá no futuro, mas há uma preo-
relativamente alta, comparada com o füo extremo do espaço exte1ior. No cupação substancial na comunidade científica sobre as conseqüên:
sentido geral, esse processo de aquecimento é denominado efeito estufa. cias de se continuar despejando dióxido de carl:tono e outros gases·
As temperaturas na superfície da Terra variam de lugar para lugar, de estufa na atmosfera. _ _ _ _ __ ;
da noite para o dia, e do verão para o inverno; mas é mantido um equi- JA quantidade de carbono na atmosfera aumentou 30% desdecil
líb1io geral entre a energia calorífica ganha pela Terra e sua atmosfera começo da era industrial. Tal aumento deve-se, principalmente,-à'
e a energia calorífica perdida. Esse equilíb1io entre aquecimento e res- queima de combustíveis fósseis na fabricação índusttial e produção •
friamento é representado pela seguinte equação: de energia e ao desmatamento. Este último é duplamente prejudicial, ·
S(l-a)+Lb -Le -+C ar -+C cvapornçllo -+C solo =0 não apenas porque a vegetação derrubada é geralmente queimáda.,
onde liberando mais carbono, mas, também, porque plantas que antes afi:
S = ganho solar, sorviam dióxido de carbono foram perdidas.
a= o albedo da supe1fície da TctTa (com um valor entre O e 1), Embora as práticas agrícolas modernas sejam responsáveis pêít
Lb = o fluxo de energia calorífica de onda longa para a superfície, apenas urna pequena parte da liberação anual de gases de estúfa 11a ate
L, = o fluxo de energia caloríficá de onda longa se afastando da mosfera, elas são uma causa indireta de muito mais. A abertura de. cla-
superfície, e reiras em florestas para finalidades agrícolas (incluindo pastagens}, por
C = o ganho ou perda de energia calorífica do ar, solo e água (eva- exemplo, é uma causa significativa de desmatatnento. Além disso, com~
poração). bustíveis fósseis são queií:nados para produzir a energia necessária pa.ra
a síntese de agrotóxicos e ferti!izantes.Tatnbém o frete de produtos agrí-
Esse equilíbrio pode estar, atualmente, sofrendo um deslocamento
colas ao redor do mundo exige mais consumo de combustívelfóssil. •.
em resposta a transfo1mações induzidas pelo ser humano na atmosfera.
Efü médiá, a Terra está, agora, 0,5°C mais quente do que êra!Ilt
Essas transformações incluem uma elevação nos níveis de dióxido de
ci11qüentaahos. Muitos na comunidade científica estão preocupado~
carbono oriundo da queima de combustíveis fósseis. Quanto mais dióxi-
com o fato de que as temperatmas globais tendem a continuar subi~+;
do de carbono e outros "gases de estufa" são adicionados à atmosfera,
mais calor é aprisionado entre a atmosfera e a superfície. Estudos estão
do, e que os efeitos podem s.er extremamente sérios. Estudos re~e11;
tes sugerem que um.clima em aquecimento causará maisextrem,o~
cm andamento para determinar os possíveis impactos na agricultura, tan-
climáticos locais, tais como enchentes e secas. Enquanto algumas áril,.-·:
to positivos quanto negativos, de uma elevaç.ão global de temperatura.

136 137
'/

perda de energia para a reflexão e dispersão por materiais na atmosfe-


~sp9?~?~ni~ecê~eriiliaisc.li~y!\l··qs"iirtoi~Ji1,ã~~~l'l
ra, tais como gotículas de água e poeira. O efeito conseqüente é um de-
\i~-A\,~t ·
.·q11tOllJ;t~S rfgi~7s, . in~llli11?p <Js~l e~.11\Í~Slf clínio regular da intensidade da radiação solar por unidade quadrada
ti11~é~.~ça.sllb:sa.ajima,p1yvayfltíie11ty SilfI~~. de superfície à medida que se afasta do equador. Esta variação latitudi-
9~ca.Jét•e·.tomchuvagirf~gul•ares ... (}llt1-i1prf1,c;~····
nal de ganho solar é uma das maiores causas das variações latitudinais
t~a..ttgricültáv~l de·.pri~eiJ"afica, e~r,egi3f~;~ · de temperatura.
·. tod<10 lliun\Ío, e sei:iltinundada se atc;mp~~a.,~,f.;
sufisientt: para derreter ap1:1na.s uma peq111:11ii..p~p~
polares.

Padrões de variação Atmosfera


de temperatura na superfície da Terra
Existem diversos aspectos ecológicos da distribuição de tempera-
tura que são úteis para entender a variação e dinâmica das condições
de temperatura na superfície. Precisamos conhecer essas informações,
sobretudo, para fazer a seleção adequada das nossas culturas, mas tam-
bém para adaptar agroecossistemas às condições de temperatura e alte-
rar essas condições, quando possível.
A variação de temperatura ocorre em escala mais ampla quando
consideramos climas mundiais, formados pelos padrões sazonais de tem-
peratura, chuvas, ventos e umidade relativa. Na outra ponta da escala,
uma variação importante também ocorre em nível micro, quando consi-
deramos as condições de temperatura dentro do dossel de uma cultura Equador A1
ou imediatamente abaixo da superfície do solo.

VARIAÇÃO NA LATITUDE

A quantidade de radiação solar realmente absorvida pela superfí-


Figura 5.1 - O efeito da latitude no ganho solar. Quanto mais elevada a latitude,, maior a distâ~c~a
cie ao longo de um determinado período de tempo é bastante afetada que a radiação solar precisa viajar através da atmosfera (D 2 > D 1) e maior a areada superf1c1c
pela latitude. No equador, ou próximo dele, a radiação que chega bate sobre a qual uma determinada quantidade de radiação solar é distribuída (A 2 > AJ
na superfície da Terra em um ângulo vertical. A distâncias crescentes
do equador, contudo, os raios do Sol batem na superfície em planos cada VARIAÇÃO NA ALTITUDE
vez mais rasos. À medida que esse ângulo torna-se menor, a mesma quan'.
Em qualquer latitude, a temperatura diminui com o aumento da alti-
tidade de radiação solar que chega é distribuída sobre uma área cada
tude. Em média, para cada 100m de elevação, a temperatura ambiente
vez maior da superfície da Terra, como mostrado na figura 5.1. Além
cai, aproximadamente, 0,5°C. Eln locais onde uma cobertura de nuvens
disso, em latitudes mais elevadas, os raios do Sol têm de passar através
mais espessa, durante o dia, está associada com esse aumento de eleva-
de uma camada atmosférica cada vez mais espessa, resultando em uma

138 139
ção, as diferenças de temperatura podem ser ainda maiores, devido ao
ganho solar reduzido. Ao mesmo tempo, em altitudes maiores, a atmosfe-
ra cada vez mais rarefeita resulta em maior perda de calor da superfície
do solo e do ar imediatamente acima dela, pela re-itradiação noturna. Este
fenômeno contribui significativamente para baixar as temperaturas notur-
nas em elevações muito acima do nível do mar. Em regiões montanhosas
dos trópicos, nas elevações acima de 3.000m e em elevações progressi-
vamente mais baixas, à medida que se desloca na direção dos pólos, are-
irradiação, à noite, é tão intensa, que condições de temperaturas de inver-
no são encontradas em quase todas as noites de céu limpo.

VARIAÇÃO SAZONAL

As diferenças sazonais de temperatura sobre a superfície da Terra são


resultado de modificações na sua orientação em relação ao Sol, à medida
que ela gira ao redor deste sobre seu eixo inclinado (ver figura 5.2). No Inverno no hemisfério norte
decorrer do ano, um cinturão de ganho solar máximo ou insolação move-se Verão no hemisfério sul
para frente e para trás através do equador, relacionado ao ângulo de inci-
dência dos raios do Sol e à duração do dia. Dias mais longos conduzem a
mais ganho solai: Essas diferenças na insolação são a causa direta da osci-
lação sazonal de temperatura. O grau de variação sazonal nas temperaturas
médias aumenta com a maior distância do equador.

INFLUÊNCIA MARÍTIMA VERSUS CONTINENTAL

Grandes massas de água, especialmente os oceanos, afetam enor-


memente a temperatura de massas adjacentes de terra. Como a água re-
flete uma proporção maior de insolação em relação à terra, perde calor
imediatamente através de evaporação de superfície, tem um calor espe-
cífico alto e, rapidamente, mistura camadas verticalmente, a temperatu-
ra de grandes massas de água é mais vagarosa para mudar do que aque-
la de massas de terra. A terra aquece-se mais durante o verão, porque
todo o calor absorvido permanece no horizonte superficial e na atmos-
fera próxima a ele, e esfria até uma temperatura mais baixa durante o Verão no hemisfério norte
inverno por causa da re-irracliação e perda de calor. As massas de água Inverno no hemisfério sul
são, portanto, moderadoras da flutuação ampla de temperatura, tenden- FIGURA 5.2 - Variação sazonal do ângulo de incidência do sol. A inclinação na direção do Sol,
do a baixar temperaturas no verão e elevá-las no inverno. Esse efeito que ocorre no verão, aumenta tanto a duração do dia quanto a intensidade da radiação solar que
chega à superfície.
mediador da água ou marinho sobre a temperatura é chamado injluên-

140
141

li
eia marítima, em contraste com as variações amplas de temperatura 100 -- - --
r 1-
90 - t--- - . - - - - - - - - - - - -
encontradas a distância da água, sob uma influência continental. As
80 .--- - - f---
influências marítimas ajudam a criar os climas mediterrâneos especiais
,- -- - ~e"'----

em lugares como a costa da Califórnia e o Chile, onde a emergência de


correntes frias próximas acentua as influências moderadoras durante a F"
70-. -
60- t -
50-
-

1-
- - t - - t----
~

estação seca do verão.

2~-
40
30

lil
10 - -
o
Jan.
., -., - - - - -
Fev. Mar. Abr. Maio Jun. Jul. Ago. Sei. - - -
Out. Nov. Dez.

D Stockton, Califórnia (37" 54' N) li São Francisco, Califórnia (37" 37' N)


Figura 5.4 - Médias mensais das temperaturas diárias mais altas em São Francisco e Stockton,
Califórnia. Ambas ficam quase na mesma latitude e altitude, mas a São Francisco, litorânea, tem
um clima marítimo e Stockton, 1001cm a leste, sofre influência mais continental. Dados de Conway
eListon(1990).

Vales circundados por montanhas também criam microclimas úni-


cos. Em muitas partes do mundo, o ar que se desloca encosta abaixo,
devido aos ventos ou diferenças de pressão, pode se expandir rapida"
mente e se aquecer à medida que desce, um processo conhecido como
aquecimento catabático. (O vento associado a este fenômeno será dis-
cutido no capítulo 7.) Quando o ar é aquecido, sua capacidade de reter
umidade na forma de vapor (umidade relativa) sobe, aumentando o po-
tencial de evaporação do ar mais quente.
Os vales também estão sujeitos à variação de microclima noturno.
Figura 5.3 - Alface cultivada o ano todo em um clima marítimo temperado. No litoral central da
Califórnia, a neblina resfriadora do verão e o efeito aquecedor do oceano próximo, no inverno, Nas encostas altas de um vale, are-irradiação ocorre mais rapidamen-
permitem a produção de hortaliças e frutas durante todo o ano. te; uma vez que o ar resfriado resultante é mais pesado do que o ar mais
quente abaixo, o ar mais frio começa a descer pela encosta, um fenôme-
VARIAÇÃO TOPOGRÁFICA no conhecido como drenagem de ar frio. Freqüentemente, esse ar mais
frio passa sob ar mais quente, empurrando-o para cima e formando uma
A orientação da encosta e a topografia também produzem varia- inversão, na qual uma camada de ar mais quente fica "em sanduíche"
ções na temperatura, especialmente em nível local. Por exemplo, en- entre duas camadas de ar mais frio. Em alguns locais, a bolsa de ar frio
costas que ficam voltadas para a direção do Sol, como resultado da in- pode provocar a formação de geada e danos às plantas, enquanto a in-
clinação da Terra sobre seu eixo, experimentam mais ganho solar, es- versão de ar quente imediatamente acima dela permanece com tempe-
pecialmente nos meses de inverno. Assim, uma encosta voltada para o ratura significativamente mais elevada. Esse padrão de variação de tem-
equador é significativamente mais quente do que uma encosta voltada peratura local está ilustrado na figura 5.5. O plantio de citros, sensíveis
para o pólo - se todos os outros fatores forem iguais - e oferece micro- à geada, entre 500 e 1.000 pés de altitude, nas encostas mais baixas das
climas únicos para manejo de culturas.

142 143
montanhas de Serra Nevada, no Vale Central da Califórnia, é um bom !acionados com a temperatura e as respostas particulares de culturas
exemplo de como os produtores aprenderam a tirar vantagem, no inver- específicas à temperatura. Na Califórnia, por exemplo, os produtores
L no, da camada de inversão de ar mais quente que é forçado para cima, mudam para variedades de clima fiio, tais como brócolis, para O plan-
1
pela drenagem de ar mais frio para o fundo do vale. tio de inverno; plantam espécies de cobertura durante o período úmido
e fresco do ano, quando muitas culturas de hortaliças não se dariam bem;

t Resfriamento
~ noturno rápido
1 plantam pés de abacate próximos da costa, em áreas que são livres de
geadas devido à influência marítima; e plantam alface, durante o inver-
no, nos vales desérticos interiores do sul da Califórnia. Outras regiões
produtoras oferecem exemplos semelhantes.
A temperatura também pode ser usada como uma ferramenta para
\ Ar frio flui
encosta abaixo provocar mudanças desejadas nas plantas. Por exemplo, produtores no
litoral central da Califórnia resfriam mudas de morangos, a fim de in-
duzir o crescimento vegetativo e o bom desenvolvimento da coroa.

ADAPTAÇÕESATEMPERATURASEXTREMAS
1 Os ecossistemas naturais são feitos de plantas e animais que passa-
ram por um processo de seleção natural. Extremos periódicos de tempe-
ratura são um dos fatores que eliminaram aquelas espécies não tolerantes
às condições locais. Portanto, podemos esperar que as faixas de tempe 0
ratura toleradas pelas espécies dos sistemas naturais locais nos dêem uma
Figura 5.5 - Drenagem de ar frio e camada de inversão. O ar frio pode ser drenado para o fundo indicação dos extremos que podemos esperar quando tentamos cultivar
do vale à noite e retido abaixo de uma camada de ar mais quente.
uma área. Reconhecer esses indicadores bem como selecionar nossas
espécies cultivadas para adaptações aos extremos são medidas que po-
dem ajudar no desenvolvimento de sistemas de produção que reduzam o
Respostas das plantas à temperatura
risco associado à variabilidade natural de temperaturas extremas.
Todos os processos fisiológicos nas plantas - incluindo a germi-
Calor
nação, florescimento, crescimento, fotossíntese e respiração - têm li-
mites de tolerância a extremos de temperatura e uma faixa de tempera- Os efeitos de altas temperaturas nas plantas cultivadas são o re-
tura relativamente estreita na qual o funcionamento é otimizado. Assim, sultado de uma interação complexa entre a perda de água por evapora-
o regime de temperatura ao qual uma planta fica exposta está, em última ção, alterações no estado interno de água e em outros processos fisioló-
instância, conectado ao seu potencial de produtividade. Por exemplo, gicos. O estresse por calor provoca um declínio na atividade metabóli-
condições de temperatura podem permitir que uma planta se estabeleça ca, que se pensa ser resultante da inativação de enzimas e outras prote-
e cresça, mas uma mudança súbita de clima (por exemplo, um frio pas- ínas. O calor também aumenta a taxa de respiração, que pode, posteri-
sageiro) pode impedi-la de florescer e produzir sementes. ormente, ultrapassar a taxa de fotossíntese, detendo o crescimento da
Os produtores devem adaptar, cuidadosamente, suas práticas ao planta e, em última análise, matando o seu tecido.
regime de temperatura local, levando em consideração variações diur- Plantas nativas de áreas temperadas geralmente têm limites mais
nas e sazonais, influências moderadoras, microclima, outros fatores re- baixos ao estresse por temperatura do que plantas de áreas mais tropi-

144 145
cais. Em todos os casos, porém, as funções da folha ficam prejudicadas pode ter passado antes da ocotTência do frio. Algumas adaptações es-
a cerca de 42ºC, e temperaturas letais para o tecido ativo da folha são truturais específicas também proporcionam resistência, tais como co-
!
alcançadas na faixa de 50°C a 60ºC. berturas de cera ou pubescência, que permitem que as folhas resistam
}i Adaptações morfológicas comuns das plantas ao excesso de calor ao frio prolongado sem congelamento do tecido interior, ou a presença
incluem: de células menores na folha, que resistem ao congelamento.
- um ponto de compensação alto de CO 2 para a relação fotossíntese/ Uma resistência temporária ao frio pode ser induzida em algumas
respiração, freqüentemente ajudado por mudanças na estrutura de folha; plantas por exposição, de curto prazo, a temperaturas de alguns graus
- folhas brancas ou cinzentas, que refletem a luz e, assim, absor- acima do congelamento ou deixando-as alguns dias sem água. Tais plan-
vem menos calor; tas sofrem um endurecimento, que lhes dá resistência limitada ao frio
- pêlos (pubescência) sobre as folhas, que isolam seus tecidos; extremo, quando ele ocorre. Mudas produzidas' em estufa podem ser
- folhas pequenas, com menor superfície de área exposta à luz do sol; condicionadas para o frio se expostas a temperaturas mais frias em uma
- folhas com uma relação superfície/volume menor, para ganhar área coberta com tela e tiverem a irrigação cortada durante alguns dias,
menos calor; antes do transplante para o campo.
- orientação vertical das folhas, para reduzir ganho de calor; Muitas plantas são adaptadas ao frio extremo através de mecanis-
- raízes mais extensas, ou uma relação maior de raiz/brotação, a mos que permitem evitá-lo. Árvores ou arbustos perenes decíduos, que
fim de absorver mais água para compensar a perda pelas folhas ou para perdem suas folhas e ficam dormentes durante o período frio; plantas
manter mais absorção de água em relação à área foliar; de bulbo que morrem, ficando somente com suas partes subterrâneas
- casca espessa, do tipo cortiça ou fibrosa, que isola o câmbio e o vivas; e plantas anuais que completam seu ciclo de vida e produzem
floema no tronco da planta; sementes são exemplos de plantas que evitam o frio.
- conteúdo de umidade mais baixo do protoplasma e concentração
osmótica mais alta no tecido vivo. TERMOPERÍODO NAS PLANTAS
Essas características podem ser incorporadas em sistemas de pro-
dução, em que a disponibilidade de água é limitada e as temperaturas Algumas plantas precisam de variação diária de temperatura para
são altas, tanto pelo uso de plantas cultivadas com essas características um ótimo crescimento ou desenvolvimento. Em um ensaio clássico so-
quanto cruzando as variedades que as mostram. bre ecofisiologia (Went, 1944), foi demonstrado como os tomateiros que
cresceram com temperaturas diurnas e noturnas iguais não se desenvol-
Frio veram tão bem quanto plantas que cresceram com temperaturas diurnas
normais e temperaturas noturnas mais baixas. Esta resposta ocorre quan-
Quando as temperaturas caem abaixo do mínimo requerido para o
do a temperatura ótima para o crescimento - que acontece principal-
crescimento, uma planta pode entrar em dormência, embora a atividade
mente à noite - é substancialmente diferente da temperatura ótima para
metabólica possa continuar vagarosamente. É possível a ocorrência de
a fotossíntese - que ocorre durante o dia.
clorose, seguida de morte posterior do tecido. A morte em baixa tempe-
A variação diária de temperatura é encontrada em diversos ecos-
ratura se deve à precipitação de proteína (que pode ocorrer em tempe-
sistemas naturais e agroecossistemas de campo aberto, mas em agroe-
raturas acima do congelamento), ao an·aste de água para fora do proto-
cossistemas bem controlados, tais como estufas, essa variação é muito
plasma (quando a água intercelular congela) e à formação de cristais de
menos pronunciada. Em outras situações, plantas de climas com noites
gelo danosos dentro do próprio protoplasma.
frias não se dão bem em regiões com temperaturas diurnas e noturnas
A resistência a extremos de frio depende bastante do grau e dura-
relativamente constantes, tais como os trópicos úmidos, ou em regiões
ção da baixa temperatura, do quão rapidamente a temperatura fria se
continentais temperadas, durante o verão.
manifesta, e do complexo das condições ambientais pelo qual a planta

146 147
VERNALIZAÇÃO nições, o microclima é formado pelas condições de uma zona quatro
vezes a altura do organismo considerado. Embora o microclima inclua
Algumas plantas precisam passar por um período de frio, chamado outros fatores além da temperatura, os produtores provavelmente se pre-
vemalização, antes de certos processos de desenvolvimento acontece- ocupam mais com esta quando modificam um microclima ou tiram van-
rem. Por exemplo, nas pradarias da Califórnia, muitas espécies herbáce- tagens de variações microclimáticas.
as nativas não germinarão antes de um pe1iodo de frio durante diversos
dias, embora tenha chovido. Uma vez que a ocoffência da primeira chuva
PERFIL MICROCLIMÁTICO
da estação, nesta área, é altamente variável, e a chuva precoce geralmen-
te é seguida por um período muito seco antes de começar a precipitação Num sistema de cultivo, as condições de temperatura, umidade, luz,
mais consistente, se ocoffesse a germinação com a chuva inicial, a maio- vento e qualidade atmosférica variam com o local específico. As con-
ria das mudas provavelmente não sobreviveria. Há, portanto, uma vanta- dições imediatamente acima do dossel do sistema de cultivo podem ser
gem seletiva em retardar a germinação até a ocoffência da vemalização. muito diferentes daquelas no interior, na superfície do solo e abaixo
Muitas plantas ag1icolas e hortícolas respondem à vemalização. desta, na zona das raízes. As condições microclimáticas específicas, ao
Bulbos de lírio, por exemplo, são tratados com frio na época apropria- longo de um corte transversal vertical dentro de um sistema de cultivo,
da, antes do plantio, de maneira que possam estar florescendo na Pás- formam o chamado perfil microclimático do sistema. Tanto a estrutura
(1 coa, em áreas temperadas do hemisfério norte. Em outros casos, semen- do sistema quanto as atividades das partes componentes têm um impac-
V tes de espécies agrícolas são tratadas com frio, antes do plantio, asse- to sobre este perfil. Ele também muda conforme a composição das es-
/\ gurando uma germinação mais uniforme. pécies de plantas que se desenvolvem.
A tabela 5.1 mostra, esquematicamente, o perfil microclimático de
um sistema de cultivo consorciado de milho, feijão e moranga, com cada
Microclima e agricultura fator medido em termos relativos em cinco camadas da copa. Nesse tipo
de sistema, o perfil microclimático é muito diferente a cada estágio de
A temperatura foi bastante discutida como um fator do clima. O desenvolvimento, desde a germinação inicial até o crescimento pleno.
clima é formado de padrões razoavelmente previsíveis, porém altamente O perfil microclimático dentro do solo também é importante; ele
variáveis, das condições atmosféricas que ocoffem a longo prazo, em se estende da superfície do solo até uma pequena distância abaixo das
uma determinada área geográfica. A climatologia, ou o estudo dos pa- raízes mais profundas das plantas cultivadas. Sob certas condições, os
drões climáticos, é capaz de fornecer as temperaturas médias em qual- microclimas do solo e atmosférico de uma cultura podem ser tão dife-
quer parte específica da Teffa bem como o grau de variação que pode rentes, a ponto de causar problemas. Por exemplo, correntes de vento
ser esperado. Há pouca chance, num futuro próximo, dos seres humanos quente, quando o solo está muito frio, podem causar dessecação da par-
serem capazes de qualquer tipo de modificação de larga escala no cli- te da planta acima do solo, porque as raízes são incapazes de absorver
ma. Isso é especialmente verdadeiro para a temperatura. Os aspectos água rápido o suficiente para compensar a sua perda.
de escala ampla do clima, tais como frentes frias, -tempestades de vento
e padrões de chuvas, são melhor enfrentados pela seleção de culturas MODIFICANDO A TEMPERATURA
adaptadas à gama de condições climáticas esperadas. EM NÍVEL DE MICROCLIMA
Mas, em nível do organismo individual ou da área de cultivo, há
um aspecto do clima que pode ser manejado, o microclima. O microcli- Através de desenho e manejo adequados, o microclima de um sis-
ma são as condições localizadas de temperatura, umidade e atmosfera tema pode ser modificado. Tal modificação é especialmente importante
na vizinhança imediata de um organismo. De acordo com algumas defi- se o produtor tem como meta criar ou manter condições microclimáti-

148 149
casque favoreçam a sustentabilidade do sistema de cultivo. Neste caso, Vegetação do classe/
cada modificação deve ser avaliada tanto por sua contribuição no ren-
Árvores ou espécies altas que formam um dossel sobre as outras
dimento a curto prazo e retomo comercial quanto pela sustentabilidade
plantas de um sistema podem modificar significativamente as condições
de longo prazo do sistema.
de temperatura sob a copa. A sombra reduz o ganho solar na superfície
Embora o microclima inclua muitos fatores, com freqüência sua
do solo, bem como o ajuda a reter umidade. Sistemas agroflorestais nos
modificação é focalizada especificamente na temperatura. Práticas e
trópicos são um bom exemplo deste tipo de prática.
técnicas usadas para modificá-la estão descritas abaixo. Embora a mo-
Os dados de um estudo em Tabasco, México (Gliessman, 1978c ),
dificação da temperatura seja o propósito principal dessas práticas, elas
mostram claramente os efeitos modificadores das árvores sobre a tem-
também terão impacto sobre outros fatores do microclima, tais como
peratura. Neste estudo do microclima, a temperatura de um pomar de
luz e umidade.
cacau coberto com árvores foi comparada com aquela de uma pastagem
aberta próxima. Como mostrado na figura 5.6, as mudanças de tempera-
Tabela 5.1
tura num período de 24 horas, em vários níveis na plantação de cacau,
Esquema do perfil microclimático de um sistema maduro de cultivo
foram muito mais moderadas do que nos mesmos níveis no sistema de
consorciado de milho/feijão/moranga, mostrando os níveis relativos
pastagem. Esse tomou-se mais quente do que o sistema de cacau, du-
de cinco fatores, em cada camada do dossel, ao meio-dia
rante o dia, e mais frio, acima da superfície, durante a noite.

Vapor d' água Luz co, Dossel artificial

Acima do
Existem outros meios de criar um dossel em um sistema de cultivo.
milho Por exemplo, coberturas com faixas flutuantes de fibra de náilon são usa"
das sobre morangos orgânicos, na Califórnia, durante o início do inver-
Na parte
superior do no, numa tentativa de propiciar maior insolação na superfície do solo e,
milho ainda, produzir um efeito localizado de estufa com o calor re-irradiado.
Interior médio A figura 5.7 mostra os resultados de um estudo desta prática, no qual as
temperaturas nos 5cm superiores do solo foram elevadas significativa-
Abaixo das
folhas de
mente durante o período crítico de desenvolvimento da coroa e raízes
moranga para a planta do morango (Gliessman e colaboradores, 1996).
Tem havido também considerável pesquisa e experimentação práti-
Superfície do
solo ca no uso de túneis plásticos baixos para produção de verduras, na Cali-
fórnia, Espanhà e outros lugares (Illic, 1989). Arcos de arame ou plástico
nível mais alto nível baixo são colocados sobre canteiros feitos no campo e, então, cobertos com
plástico ou pano (ver figura 5.8). O efeito localizado de estufa dessas
nível alto nível mais baixo estruturas aprisiona e retém calor adicional durante o dia, e a cobertura
reduz a perda de calor durante a noite. Essas estufas podem permitir o
túvelmédio plantio precoce de culturas de clima mais quente, como tomates ou pi-
mentões, ou extensão do período de cultivo até o outono ou início do in-
verno, quando a geada leve toma possível. Devido a seu alto custo, essas
estruturas ficam restritas ao uso em culturas de alto valor.

150 151
Sem cobertura flutuante

::ir-'-----··~
10cm acima da superf/cie do solo Na superfície do solo Com cobertura flutuante, em tratamento orgânico

"r,
(1987·1988) (1988-1989)

'
20 -----
J7.;:.:'-_ _ _\,P_as_ta_g_em
__ 20
34
-, -
Faixas removidas
em2o"i2·-
Convencional ,
18 18-1--------- -,-

-- Pastagem
30,+--,-----------,--
C' -------- .A,,. C' ·+}
26 16 --~ --. -- ---A-/___
J ~.. . . /
16 --1-~
-------",,.·---------1'· ---- - - - - - - - - - - ·/-~----+-
22 t - - - - / V Convencional ; 1/
14 +----,~-- 14 - --.-..:é~
·-.,; --- . .,,,,&-,:." - ;/ :
1s+,--,--rr,-,-r,-rr-rn-TTTT-·,-TTTTr 181+rrTTT777rTrTTTTTT7--rrTTT~
- , -,i,, ✓ Orgânico 1
Noon 4:00 8:00 12:00 4:00 8:00 Noon 4:00 8:00 12:00 4:00 8:00 ,t
PM - ----+- AM PM ---+- AM ---+- 12 121=--=-=c--=-=---:::r=---:-::r:-:---:c-
1
Dez. 28Jan. 22 Jan. 29'Fev. 12'Fev. 19' Mar. 5
Jan. 12 Jan. 27 Fev. 23 Mar. 8 Mar. 22

2cm abaixo da superfície do solo 5cm abaixo da superfície do solo


Figura 5. 7 _Efeito de coberturas flutuantes sobre a temperatura do solo, em um sistema orgânico
de cultivo de morangos. Quando os morangos são cultivados com métodos convenciona~s, é pos-
sível usar plástico claro como cobertura de solo para elevar sua temperatura durante o m~erno,
porque as ervas adventícias foram mortas por fumigação prévia do solo. Em morangos cultlvados
organicamente, o plástico preto deve ser usado no lugar do claro, para prevenir o crescimento de
28
e· ervas. O preto, contudo, é menos eficiente do que o claro para elevar a temperatura do solo, como
mostrado no gráfico à esquerda. Numa tentativa de compensar essa diferença, coberturas flutu-
26
antes de náilon foram colocadas sobre os morangos orgânicos, durante o segundo ano do estudo.
Como é visto no gráfico à direita, estas cobe1turas foram bem-sucedidas ao diminuir as diferen-
24
ças de temperatura do solo entre os tratamentos convencionais e orgânicos, durante o período em
que permaneceram nos canteiros. Dados de Gliessman e colaboradores (1996).
Noon 4:00 8:00 8:00 Noon 4:00 8:00 12:00 4: O 8:00
PM~ AM~ PM AM---+-
menos reflexivo, e elevar a temperatura do ar imediatamente acima da
Figura 5.6 - Mudanças da temperatura, num período de 24 ho:as, em quatro diferentes ~íveis,
plantação. Pode também ter o efeito oposto na temperatura, ao aumentar
numa pastagem e numa plantação de cacau com cobertura de arvores, em Tabasco, México. J:- a evaporação da vegetação.
presença de árvores no sistema do cacau modera as mudanças de temperatura em todos os m- Coberturas mortas, tanto de materiais orgânicos como inorgânicos,
veis, mantém as temperaturas abaixo da superfície mais baixas do que aquelas no pasto ab~rto e
as temperaturas acima do chão mais altas, à noite. Um padrão similar é mostrado para a urmda~e também podem mudar a temperatura do microclima; seus efeitos depen-
relativa: no sistema de pastagem, a umidade flutua mais num período de 24 horas do que no sis- dem da cor, textura e espessura do material. A palha de trigo, aveia e
tema do cacau. Note-se que as escalas nos eixos verticais não são todas idênticas. Dados de
Gliessman ( 1978c).
cevada é usada comumente como cobertura seca, e existem muitos ou-
tros tipos de resíduos de culturas ou gramas recolhidos de parcelas em
Cobertura da supe,fície do solo pousio, jardins ou áreas não cultivadas próximas. Plantas aquáticas,
como o jacinto d' água (Eichomia crassipes) ou Lemna spp., geralmen-
Mudanças na temperatura do microclima do solo podem ser indu- te consideradas um problema em vias aquáticas, especialmente em áre-
zidas pela cobertura da superfície. O cultivo de plantas de cobertura é as tropicais, podem ser tiradas da água e aplicadas como cobertura.
um método bem reconhecido para modificar a temperatura do solo. A Coberturas derivadas de plantas, posteriormente, são incorporadas ao
planta de cobertura sombreia o solo, baixando sua temperatura, e tem solo, beneficiando o conteúdo de matéria orgânica. Em tempos recen-
impactos positivos adicionais no seu conteúdo de matéria orgânica, na tes, alguns materiais de cobertura não vegetal tornaram-se populares;
germinação de sementes de ervas adventícias e na conservação da umida- esses incluem jornal, tecidos e folhas plásticas. Foram desenvolvidos
de. Quando uma planta de cobertura é semeada entre culturas que estão papéis especiais para uso hortícola, que se biodegradam após um perí-
se desenvolvendo, freqüentemente é chamada de cobertura viva. Uma odo de tempo e podem ser reciclados no solo.
cobertura viva pode mudar o albedo da superfície do solo, tomando-o

152 153
Uma prática com efeitos similares àqueles de adicionar cobertura As estufas, por outro lado, são mais freqüentemente usadas para con-
é deixar uma cobertura acumular naturalmente. Isso é realizado através servar e annazenar calor. Como descrito anteriormente, o efeito estufa
do uso de sistema de plantio direto. Os resíduos das colheitas são dei- bem conhecido permite que a energia luminosa penetre na cobertura de
xados na superfície do solo, formando uma cobertura que modifica a vidro ou plástico, onde pode ser absorvida e re-irradiada como energia
temperatura do solo e previne a perda de umidade. calorífica de onda longa. Essa energia re-irradiada fica, então, aprisiona-
Um tipo final de prática é mudar a cor da superfície do solo para da dentro da estufa. Durante extensos períodos frios ou nublados, os pro-
alterar seu albedo e, assim, a quantidade de energia solar que ele absor- dutores podem aquecer o inte1ior de suas estufas a partir de muitas fontes
ve. Queimar resíduo de colheita é uma maneira de fazer isso. O resíduo diferentes. A recirculação de água quente é usada com freqüência para
queimado até a cor negra de carvão absorverá uma quantidade maior de aquecer o chão de estufas ou, pelo menos, fornecer calor nas bancadas
calor, enquanto o queimado até cinzas brancas absorverá menos calor. em estufas para germinação ou desenvolvimento inicial de plantas.
Em certas épocas do ano ou em zonas climáticas particulares, pode
haver calor em excesso numa estufa, exigindo ventilação e resfriamento
de ar. Outra maneira de reduzir as temperaturas da estufa é através de
bloqueio de parte da radiação solar que chega, com tecido sombreante
ou outros materiais. O manejo sofisticado de estufa emprega, hoje, tec-
nologia e automação computadorizada para atingir níveis notáveis de
controle do microclima.

Métodos para prevenir danos por geada

Nas regiões temperadas do mundo, especialmente em altitudes e lati-


tudes mais elevadas, danos por geadas, cedo ou tarde, podem ser um perigo
constante. Coberturas mortas e com faixas são formas importantes de for-
necer alguma proteção contra geada, mas existem também outros meios.
Elevar a umidade do solo por irrigação, quando se espera geada,
pode ajudar a aumentar as temperaturas próximas da superfície, porque
a evaporação da umidade transfere calor do solo para o vapor d' água
que, então, circunda as plantas cultivadas. A umidade atmosférica au-
mentada também fornece, por si própria, alguma proteção às plantas.
Em áreas baixas, sujeitas à drenagem de ar frio à noite, produtores
Figura 5.8 - Túneis plásticos protegendo culturas sensíveis à geada. Agindo como um dossel não-
vivo, são postos no lugar no fim do dia, para reter calor e reduzir sua perda noturna; pela manhã, há muito empregam meios relativamente simples de elevar a temperatu-
são removidos para permitir que a luz alcance a cultura. A geada ainda é visível no chão bem ao ra aos poucos graus necessá1ios para evitar danos da geada. Uma técni-
lado da sombra do túnel central.
ca é fazer fumaça, queimando algum tipo de combustível - tal como óleo
diesel, lixo, pneus velhos ou material de plantas - que aprisiona calor
Estufas e te lados
ou cria turbulência de ar suficiente para impedir que o ar frio se acomo-
Hoje, telados e estufas são maneiras comuns de modificar a tem- de em depressões durante uma noite calma. Contudo, preocupações re-
peratura do ambiente, em nível de microclima. Os telados bloqueiam centes com os riscos à saúde e com a poluição do ar reduziram o uso da
uma parte da radiação solar, baixando o ganho solar e a temperatura. fumaça e levaram os produtores a usar grandes ventiladores para man-
ter o ar movendo-se em áreas sujeitas a geadas. Obviamente, tais técni-

154 155
cas funcionam somente sob certas condições e quando uns poucos graus
de alteração na temperatura fazem a diferença.

TEMPERATURA E SUSTENTABILIDADE

A temperatura é um fator de considerável importância agroecoló-


gica. Uma fonna de se lidar com este fator é entender os padrões locais
e climáticos e como os padrões de escala maior podem afetá-los. Ou-
tra, é conbecer como conu·olar e modificar o microclima. Há muito tempo
os produtores têm empregado técnicas para modificar o microclima, e
o conhecimento científico moderno trnuxe muitas outras novas. Ainda
assim, a agricultura enfrenta o desafio de encontrar mais e melhores
maneiras de desenhar agroecossistemas que modifiquem, por si própri-
os, o microclima, em vez de depender de insumos externos caros e fre-
qüentemente não renováveis.

Para ajudar a pensar


1. Descreva diversos exemplos de produtores capazes de cultivar em'
uma área sujeita a extremos de temperatura maiores do que os níveis de
tolerância para determinada cultura. Qual é a base ecológica para o su-
cesso em tais situações?
2. Quais são alguns exemplos de alimentos que você agora consome du-
rante uma época do ano na qual, normalmente, os regimes de temperatu-
ra em sua região não permitiriam que crescessem?
3. Como pode o aquecimento global mudar nossos padrões de produ-
ção e consumo de ali mentas?
4. Embora, provavelmente, nunca sejamos capazes de controlar as con-
dições de temperatura em nível climático, podemos controlar atempe-
ratura em nível microclimático. Como é possível modificar o microcli-
ma para estender o período de cultivo de uma planta? Para permitir plan-
tio mais no cedo? Para pennitir plantio em altitudes mais elevadas? Para
proteger uma cultura de temperaturas excessivamente altas?.
Figura 5.9 ~ Controle preciso do microclima em uma estufa. A água quente, circulando em uma
tubulação abaixo das bandejas de germinação, mantém temperaturas mornas no solo para mudas
de verduras destinadas ao transplante no cedo.

156 157
Leitura recomendada
CRITCHFIELD, H. General climatology. New Jersey: Prentice-Hall, Inc., 1974.
Um dos textos de referência sobre padrões, processos e dinâmica do clima em es-
cala global. 6
GEIGER, R. The climate near the ground. Cambridge, Massachusetts: Harvard
University Press, 1965.
O tratamento mais cuidadoso no campo de micrometeorologia, ou o estudo do mi-
croclima até 2m da superfície, onde vive a maioria dos organismos cultivados.
Umidade e chuva
HELLMERS, H. Warrington, I. Temperature and plant productivity. ln: RECHEIGL
Jr., M. (ed.). Handbook of agricultura[ productivity. Boca Raton, Flórida: CRC
Press, 1982. v.l, p.11-21. A vegetação natural de um lugar é, geralmente, um indicador cone
Uma revisão das relações complexas entre temperatura e crescimento e desenvolvimento (iável de seu regime de chuvas.lDesertos, com sua vegetação esparsa,
da planta, com enfoque particular em plantas cultivadas.
de crescimento lento, contam ao observador que a precipitação anual é
WALKER, B.; STEFFEN, W. Global change and terrestrial ecosystems. New York: mínima. O crescimento de vegetação exuberante de florestas úmidas tro-
Cambridge University Press, 1996.
Uma coleção de ensaios que tratam do conhecimento atual sobre a extensão e o im-
picais e temperadas aponta para precipitação abundante, pelo menos
pacto da mudança global do clima, no que afeta ecossistemas naturais e manejados. durante a maior parte do ano. Qt1antidades de chuva e vegetação têm
essa relação direta porque, para a maioria dos ecossistemas terrestres,
a iígtia é o fator limitante mais importante ..
(4 água é, também, um fator limitante significativo em agroecossis-
temas. A agricultura pode ser praticada somente onde há chuva adequa-
da ou onde é possível superar, através de irrigação, os limites impostos
por um clima seco.
Neste capítulo discutimos o significado agroecológico da água na
atmosfera, tanto como umidade quanto como precipitação. O leitor deve
ter em mente que a água na atmosfera é somente um aspecto de um con-
junto maior de fatores ambientais que afetam as plantas - aqueles que
envolvem a atmosfera como um todo. Padrões de movimento e mudança
na atmosfera influenciam não apenas os padrões de precipitação mas
também o vento e variações na temperatura. Combinados, os fatores at-
mosféricos constituem o clima, quando nos referimos às condições mé-
dias anuais, e o tempo, quando estamos nos refe1indo às condições cli-
máticas em um determinado momento.

O vapor d' água na atmosfera


A água pode existir na atmosfera em forma gasosa (comova-
por) ou em forma líquida (como gotículas). Em pressão constante, a

158 159
quantidade de vapor d' água que o ar pode reter, antes de se tornar tores de culturas como a couve-de-bruxelas, alface e alcachofras
saturado e o vapor começar a se condensar e formar gotículas, de- usam menos água por conta disso.
pende da temperatura. À medida que a temperatura do ar diminui, a
quantidade de água que pode ser retida na forma de vapor também
decresce. Devido a essa dependência da temperatura, a umidade - a Precipitação
quantidade de água no ar - é geralmente medida em termos relati-
vos, e não de acordo com a quantidade absoluta. A umidade relati- Embora o orvalho e o nevoeiro póssam contribuir com quantidades
va é a razão entre o conteúdo de vapor d' água do ar e a quantidade significativas de umidade em algumas regiões, a principal fonte (natural)
de vapor d' água que o ar pode reter naquela temperatura. A uma de água para agroecossistemas é a precipitação, usualmente na forma de
umidade relativa de 50%, por exemplo, o ar está retendo 50% do chuva ou neve. A precipitação conl!ibui diretamente com umidade para o
vapor d'água que ele poderia reter naquela temperatura. Quando a solo e, em agroecossistemas irrigados, o faz, indiretamente, ao ser, em
umidade relativa é de 100%, o ar está saturado de vapor d'água. última instância, a fonte da maior parte da água de irrigação.
Neste nível, o vapor d'água condensa-se para formar névoa úmida,
nevoeiro e nuvens. O CICLO HIDROLÓGICO
A umidade relativa pode mudar como resultado de mudanças
na quantidade absoluta de vapor d' água e na temperatura. Se a quan- A precipitação é parte do ciclo hidrológico, um processo global
tidade absoluta de vapor d'água no ar for alta, pequenas variações que movimenta água da superfície da terra para a atmosfera e de volta
de temperatura podem influenciar significativamente a umidade re- para a terra. Um diagrama do ciclo hidrológico está apresentado na fi-
lativa. Uma queda de poucos graus de temperatura nas horas do iní- gura 6.1. O núcleo do ciclo hidrológico é constituído pelos dois pro-
cio da noite ou da manhã, por exemplo, pode empurrar a umidade cessos físicos básicos de evaporação e condensação. A evaporação
relativa para 100%. Uma vez alcançados os 100% de umidade rela- ocorre na superfície da terra, quando a água evapora do solo, de mas-
tiva, o vapor d'água começa a se condensar em gotículas e mostra- sas d' água e de outras superfícies molhadas. A evaporação de água de
se como orvalho. A temperatura na qual essa condensação começa é dentro das plantas também ocorre na superfície das folhas. Este tipo de
chamada ponto de orvalho. evaporação, chamada transpiração, é parte do mecanismo pelo qual as
Em sistemas naturais, a interação da temperatura e do conteúdo plantas puxam água do solo para dentro de suas raízes (ver capítulo 3).
de umidade do ar pode ser um fator muito importante na determina- A evaporação de todas essas fontes é denominada coletivamente eva-
ção da estrutura de um ecossistema. A comunidade de floresta de potranspiração.
sequóias, ao longo da costa da Califórnia, é um bom exemplo. Cor- Quando a quantidade absoluta de vapor d' água no ar é suficiente
rentes frias oceânicas condensam o ar carregado de umidade sobre para se aproximar ou exceder os 100% de umidade relativa, ocorre a
o oceano, formando nevoeiro. A ocorrência de nevoeiro quase to- condensação. Pequenas gotículas d' água formam-se e agregam-se para
das as noites durante os meses quentes de verão compensa a falta de criar nuvens. A precipitação ocorre quando as gotículas nas nuvens
chuvas e acredita-se ser a principal razão das sequóias ainda existi- tornam-se pesadas o suficiente para cair. Isso geralmente acontece
rem onde estão. Alguns estudos estimam que o nevoeiro e o orvalho quando o ar úmido se eleva (sendo forçado para cima de uma monta-
adicionam pelo menos uns(10% extras à precipitação total efetiva nha p~r ventos ou subindo em correntes de ar quente) e começa a es-
para a região das sequóias.\ · friar. A medida que o ar esfria, começa a diminuir sua habilidade de
Por razões similares, a umidade pode afetar agroecossistemas. reter umidade em forma de vapor ou como gotículas muito pequenas
As culturas na região das sequóias, por exemplo, podem se benefi- · de nuvem, resultando em mais condensação e agregação de gotículas.
ciar de umidade extra que o nevoeiro e o orvalho fornecem; produ- Este processo de esfriamento e condensação é chamado de _resfria-

160 161
Chuva convectiva

A chuva convectiva oco!Te quando ~íveis altos de ganho solar aque-


Transporte cem o ar próximo do chão, fazendo-o subir rapidamente, esftiar e con-
densar a umidade que ele contém. Com freqüência, o ar ascendente ar-
rasta com ele o ar carregado de umidade, oriundo de uma fonte distante,
tal como um lago, golfo ou oceano. A chuva associada a nuvens de tro-
vões no verão é um exemplo de chuva convectiva. Ventos altos e até
tomados podem acompanhar essas tempestades, assim como relâmpa-
gos e incêndios localizados. Em muitas regiões, tais como o meio-oeste
norte-americano, os agroecossistemas dependem desse tipo de chuva,
pelo menos em certas épocas do ano. A tradicional agricultura hopi, no
sudoeste dos Estados Unidos, depende por completo da chuva convec-
tiva. A torrente que freqüentemente acompanha essas tempestades é con-
duzida, com sedimentos, montanha abaixo e, então, espalhada sobre cam-
pos plantados nas bocas dos cânions.

Chuva oro gráfica

Figura 6.1- O ciclo hidrológico. A chuva orográfica ocorre quapdo uma massa de ar carregada de
umidade encontra uma cadeia de montanhas que a força para cima, para·
dentro de camadas mais frias da atmosfera. Tal precipitação.ocorre nos
mento adiabático. A precipitação formada por resfriamento adiabáti- flancos do oeste da Serra Nevada, na Califórnia~ como chuva no pé da
co cai na Terra, penetra nas bacias hidrográficas ou no oceano e, pos- serra e como neve em altitudes mais elevadas. Essa precipitação é um
teriormente, retorna à atmosfera. restaurador importante de correntes e aqüíferos que, mais tarde, tomam-
se fontes de água para iITigação mais abaixo, em locais mais secos. Em
TIPOS DE CHUVA uma região como o Grande Vale Central da Califórnia, a agricultura não
seria possível sem a precipitação orográfica nas ~ontanhas próximas.
A parte da precipitação no ciclo hidrológico é altamente variá-
vel. Massas de ar carregadas de umidade estão sendo constantemente Chuva ciclônica
movidas sobre a superfície da Terra pelos complexos movimentos da
atmosfera. A chuva (e outras formas de precipitação) ocorre local- Este tipo de chuva é associado a áreas de baixa pressão atmosférica
mente de maneiras diferentes, dependendo da latitude, estação, tem- que se formam sobre o oceano. O ar quente catTegado de umidade sobe,
peratura, topografia e movimento das massas de ar. Em geral, contu- criando uma área de baixa pressão. À medida que esse ar sobe, se resfria,
do, a chuva pode ser classificada em três tipos, dependendo do meca- forma precipitação e, então, cai de volta na superfície do oceano, onde pode
nismo que produz o resfriamento adiabático da massa de ar úmido. coletar mais umidade. Além disso, as co1Tentes de ar desse sistema auto-
perpétuo começam a se revolver no sentido anti-horário, em volta da área
de baixa pressão, e todo o sistema começa a se movimentar. As co1Tentes
circulantes de ar formam as tempestades ciclônicas características e siste-
mas frontais que podemos ver nos mapas meteorológicos. Quando um des-

162 163
Tabela 6.1
Totais mensais e sazonais de precipitações, em polegadas,
em Swanton, Condado de Santa Cruz, Califórnia

Período Out. Nov. Dez. Jan. Fev. Mar. Abr. Maio Total

1990-91 0,50 0,50 2,55 0,60 3,95 11,60 0,90 0,20 20,80
1991-92 1,55 1,30 5,10 2,88 11,20 2,40 0,30 0,00 24,73
1992-93 2,00 0,35 6,60 11,50 12,80 3,40 1,65 0,25 38,55
1993-94 0,50 3,10 3,10 3,50 7,23 1,00 2,55 2,00 22,98
1994-95 0,40 6,25 4,90 16,95 0,70 8,85 5,70 3,2* 46,95
1995-96 0,00 0,30 9,25 7,35 10,00 3,20 1,00 3,46 34,56
Médias 0,83 1,97 5,25 7,13 7,65 5,08 2,02 1,52 31,43

*inclui 1,5 polegadas de junho. .


Notas: A chuva de junho a setembro é desprezível, exceto pelo nevoeiro de verão, não medido,
que é característico desta região. A precipitação anual média, para este local, é aproximadamen-
te 36 polegadas. 16

- Total da precipitação média anual. A quantidade total de preci-


pitação que cai em uma área durante ,um ano médio é um bom indicador
da umidade do clima daquela área. Numa perspectiva ecológica, contu,
do, também é importante conhecer que variabilidade pode haver nessa
quantidade de chuva de um ano para o outro. Extremos em ambos os
Figura 6.2 - Um sistema de tempestade ciclônica sobre o Pacífico oriental. limites da média podem ter impacto negativo significativo sobre um sis-
tema agrícola, mesmo ocon-endo raramente. A tabela 6.1 mostra que,
em Swanton, o total anual é altamente variável: durante o período de
ses sistemas ciclônicos movimenta-se para a terra, as massas de ar carre- coleta de dados houve três anos de seca, dois anos de precipitação qua-
gadas de umidade podem ser forçadas para cima contra massas de monta- se normal e um ano excessivamente úmido.
nhas, criando chuva com causas tanto orográficas quanto ciclônicas. - Distribuição e periodicidade. Isto se refere a como a precipita-
ção é distribuída ao longo do ano, e se há algum tipo de pico em que ela
oc01re. O aspecto mais evidente da distribuição de chuvas em Swanton
DESCREVENDO OS PADRÕES DE CHUVAS é que a precipitação é bastante confinada ao período de outubro a maio.
Porém, não parece haver padrões anuais regulares de distribuição den-
Cada região da Terra tem seus padrões característicos de precipita-
tro dessa estação "úmida": se esses dados fossem apresentados como
ção. A quantidade total de precipitação recebida em um ano típico, sua
gráficos, não haveria correspondência entre os pontos altos e baixos
distribuição ao longo deste período, sua intensidade e duração, sua regu-
em cada ano. Por outro lado, as médias mensais mostram um pico na
laridade e previsibilidade de padrões são determinantes importantes das
distribuição da chuva em janeiro e fevereiro.
oportunidades e resttições para a agricultura em uma determinada região.
Essas facetas de padrão de precipitação são descritas usando dados
coletados pelo autor em Swanton, Califórnia, apresentados na tabela 6.1. 16
Cerca de 915mm. (N. T.)

164 165
- Intensidade e duração. A quantidade absoluta de chuva em
um longo período de tempo, tal como um mês ou mesmo um dia, não Tópiéô especial
descreve plenamente a relevância ecológica da chuva. Quão mtensa
é a chuva e por quanto tempo ela cai são aspectos importantes. Duas CHUVAÁCIDA
polegadas de precipitação em menos de uma hora podem ter impac-
tos ecológicos muito diferentes do que uma chuva de duas polega-
!\,ó~~Yaé UlTICO)llpónênte vitáltanto dos ecossistêln(l$.;~~,1
das durante 24 horas.
irâl)!ci dallla!c?tiados (lgt()epossistemas, Apesardis((); elil:llJ; ..
_Disponibilidade.É também importante conhecer o quanto da chuva
. . . áii~asg()lllpljd(), 91a está envenenando omesmo sistema 4lJC~ll
toma-se disp6nível na forma de umidade do solo. Ela penetra na zona ~i ~ ~~p.J.~l$• a.n~Y:e)!;qp.t (;~ nessas áteas é ·áfid~o baf;t ; .·
.4~fi$~/~f~R\~~tlS+C #fgres.ta~, matitr.peixes.. e()utr()s ()f
de raízes? Quais foram as condições climáticas imediatamente segum-
tes ao evento de chuva? Qual era a temperatura e quais eram as condi- {tgqáµq()S Cacifdificar P S()l(), / . . . . !< < ;<"?\,
ções de vento? , .
!\. chµya ácida ésomente !llaiS uma das muitas conseqüência,,.••;
JjolJHQã()liulll~ ga atmosfera . A queima de combustfveisfós~eis9~
- Previsibilidade. Todas as regiões têm um grau caractenst1co
de variabilidade em seus padrões de chuvas. Quanto mais alta ava-
ant())TIQfCI~ etel'lilelçtricas .libera grandes. quantidades.de .4149~Ae
riabilidade, menos previsível é a chuva em um determinado período !littSg~aj9e,g~~~cifrenaatwosferapró~oa áteasurbaIIasei . ii
. milis,Es~es cQmpgstossã() denominados J;)recursores de áqiclo .. }
de tempo. Os dados na tabela 6.1 mostram, por exemplo, que Swan-
ton tem uma variabilidade razoavelmente alta. Baseado nesses da- 9g~l?/ila1Il-sefaei!ni(lnte coma .água.atmosférica para fol'lilar .• ?.,
I!ímtci e ácido sulftír\co, Esses ácidos são, então, dissolyido~na~~º?~
dos, um produtor não poderia contar com pelo menos duas poleg:-
tf<.Iulas\lfágqa da.atmosfera, qqepcorrem naturnlniente. AJ:lê/~Y,~~
das de chuva em abril, embora a média de seis anos para aquele mes
J?Of âlg1111iadistâµcia,as gotículas caem como precipitação ácida.Çq~:
seja de 2,02 polegadas. . . . .. dgsge!Útr!ígênipe ellltpfre podem, também, formar nitratos esu~~'Rf
Numa perspectiva ecológica, aspectos ad1c10nms de prec1p1ta-
na al!no~fora e '"chover"na forma de partículas sólidas; ao sen.iµi C()~~tr
ção também podem ser relevantes. Por exemplo, pode ser importan-
nafü,1s com água, são convertidas em ácidos e têm o mesmo ef!li\~~ª.
te conhecer quanta umidade havia no solo quando ocorreu a chuva,
chuva ~9i9:a-) . . . ... . . . . . .··. >t '> , .
bem como em que estágio de desenvolvimento encontrava-se a cul-
tura. Em 1994, durante a colheita da uva vinífera, nas regiões de Paso
Achuva, e!n um ambiente não poluído, é, natural!nente, !tYt
m,ente áci9:a - eµquaIIt() a água pura tem um pH 7,0,o pH d.a 9ljnya
Robles e Santa Maria, na Califórnia, três tempestades com precipi-
tação total de até três polegadas ocorreram no final de setembro e
5,
~iitljfâJ é cerqa de 7.; Ilsta acidez nol'lilal é; o resultago di~S()!\l? ?ª
no início de outubro. Como as uvas ainda estavam na parreira, as
qa
ç[\Q d() ,diól\idQ de c'1!boµo atmosfora elll gQtícula, 4t ~gµ~," '
chuvas danificaram severamente a produção (na maioria dos anos IX\l'{e¼!is;tfopnand(),Jcig() C'1Ib(\~co fraco,. Assi1I1.SelJ9Q1 (l ,Çl'\tiyà
não ocorrem chuvas significativas até o início de novembro, após as . qa~Qrílê~}~ ~.~111, grC\bltln'\(l quaIIdo precursores••de . ái;i?osgr. /·'•i• .
uvas terem sido colhidas). ·•1!l@J:?9l9~.~KfCf ljulllitn9t?ªixatn; º. pI:Ida ,preci];)itafí\?. R'.11'ª tn,:;~~~J
· dé5,7(~íírêvis~p paraqpeiss;oQçorradepende dospaâtõe~ .?~;~~~~ ·
e vento e dos locais de fontes àntropogênicas sígnificatiyasd,eRt~r
cursor.es deJfidos. Os padrões ge ventos dominantes, por exelllpl~,
téndem a transportar os precursores de ácidos de áreas U~Rª~ªr~
tepnelémcas do nprdeste dos Estados UnidQS p'11'<1 as 1110\lt~~~.
1\dif!índacfr no estado de Nova Yor~. Ali, a chuya t<?m ~!)1 J?l-lnfé,sl!Q•
de cerda de 4,1. Qutras átea.s
',; '-;:'' <-:> :,-,," ,--,·· ,,_ '.' ' '' '
onde
'
a chuva ácida é:.um probiemaJµ'f
'_, " ', ' ' '' ,:,,·" --:,,,;1

166 167
ses exemplos foram escolhidos por abrangerem uma ampla faixa de
agricultura alimentada por chuvas, desde muito úmida até muito seca.
Como manejar a umidade quando ela chega ao solo será descrito em
mais detalhes no capítulo 9.

AGROECOSSISTEMAS ADAPTADOS
A UMA ESTAÇÃO ÚMIDA LONGA

Em regiões muito úmidas, com chuvas prolongadas, os produtores


preocupam-se mais com o excesso do que com o déficit de água. Chuva
freqüente e pesada cria problemas de saturação de água, doenças de raí-
zes, lixiviação de nutrientes, crescimento abundante de ervas adventícias
e.·.•·. llYll i~titê~térisãgd(ii;illi~qtt e complicações para a maioria das operações agrícolas. Mesmo planta-
.· . . 11s1êiltiiéf&&•m&strár··• ções adaptadas a solos encharcados, tais como o arroz ou o inhame (Co-
locasia esculenta), são difíceis de manejar em regiões com estação úmi-
[.i••f••.··. ··· .••·· ~,f!•nd··•y ~ . •. .mf~S.
~~;~~t
···.•.t.f~x.•··
da longa. As abordagens convencionais à precipitação em excesso vi-
·. ?);~~1°. •. . . •. ····•1·.•··••···•.;~ ft~Ot◊,t~tn.~~ll~?~I1~Cta.
•11
sam, na maioria das vezes, algum tipo de modificação maior do habitat,
/.·1
· f~~P:i~es;,n,?~Y~!~fi~iffga?lío di•.te;IT~•·.e.!ll~er,~i~.~ .r!í.·. tais como projetos de drenagem e controle de enchentes. Uma abordagem
·...g~9.~.~~~ll~?:~tes-:E,,qor,.,~i~~~~iç~?·9~,~P~Yª·*'Bi~ agroecológica a uma estação úmida prolongada, em contraste, visa ma-
· ·. º~ftl().cult~as•es()l()s.ilifereiitettep1i~mdi~~~tôs~Y~!$ neiras de acomodar o sistema ao excesso de umidade.
Hil~ge;, este éu~ proNemaglel)al;C()m potencíais. efe{t<1&Í Um uso muito interessante e produtivo de te1Ta que é inundada du-
tiyos diretos e indiretos sobre .a agricultura. · ·· rante toda a estação úmida é visto em Tabasco, México (Gliessman,
1992a). Essa região recebe mais de 3.000mm de precipitação, distribu-
Agroecossistemas alimentados por· chuvas ídos numa estação úmida longa, que se estende de maio a fevereiro do
próximo ano. O alimento básico local, o milho, é plantado em solos mais
Na maior parte do mundo, a agricultura usa a precipitação natu- altos ao redor de banhados rasos, alagados durante a maior parte do
ral para satisfazer a necessidade de água das culturas. Esses agroe- ano. Em março, contudo, a redução nas chuvas permite o plantio de ou-
cossistemas devem ajustar-se à distribuição, intensidade e variabili- tra safra de milho. As áreas mais baixas secam o suficiente para que a
dade da chuva característica do clima local. O d~safio é manter um superfície do solo fique exposta. Nesse plantio de milho especial, co-
equilíbrio entre a precipitação (l') e a evapotranspiração potencial nhecido localmente como o plantio de março ou marceíio, os produto-
(ETP) pela manipulação da evapotranspiração ou, de alguma manei- res seguem o nível da água que retrocede.
ra, trabalhar em torno de um tléficit de água (P - ETP < O) ou um su- Durante a maior parte do ano, a chuva constante mantém as áreas
perávit de água (P - ETP > O). baixas inundadas numa profundidade que varia de poucos centímetros
Diversos exemplos de como agroecossistemas funcionam com até um metro. A vegetação de banhado, que cobre densamente essas áreas
restrições locais em seu regime de chuvas são apresentados abaixo. durante a estação úmida, é ceifada rapidamente com facões, assim que
Eles mostram outra maneira de examinar os aspectos de sustentabili- o nível d' água baixa. Uma camada muito densa de matéria orgânica, com
dade inerentes a abordagens de produção agrícola que trabalham com 10-20cm, é obtida nesse processo. A semente é plantada em furos feitos
condições ecológicas, em vez de forçar sua alteração ou controle. Es- neste "colchão" com uma vara pontuda. Cerca de uma semana após a

168 169
semeadura, usa-se fogo para queimar parte da camada orgânica, bem
como para matar quaisquer mudas de ervas ou rebrotes das plantas do
banhado. A queimada deve ser calculada de forma a destruir somente
as folhas secas na superfície do colchão e não as camadas infe1iores
úmidas ou o solo. A semente de milho, plantada a 10-lScm abaixo da
superfície, não é prejudicada pelo fogo. Variedades locais de milho, de
ciclo curto (2-3 meses do plantio à colheita), são mais freqüentemente
usadas. A prática de usar as sementes da colheita anterior para o plan-
tio subseqüente favorece o uso de variedades locais e dispensa a com-
pra de sementes híbridas ou "melhoradas", produzidas em locais dis-
tantes. O nome de uma variedade de milho - mején, de uma palavra
maia que quer dizer "precoce" ou de "maturação no cedo" - mostra a
ligação que este sistema pode ter com o passado.
Neste sistema, o milho cresce muito rapidamente, e, quando o fogo
não é usado de forma excessiva e permite-se a ocorrência da enchente a
cada ano, a capina usualmente não é necessária. Após cerca de dois
meses e meio de crescimento, os colmos do milho maduro são "dobra-
dos" logo abaixo da espiga, facilitando a secagem final do grão por
outras 2 a 4 semanas antes da colheita. Rendimentos de 4 a 5 toneladas/
ha de grão seco são comuns, chegando a alcançar 10 toneladas/ha. Isto
é bem maior do que o rendimento médio de I a 1,5 toneladas/ha, obtido
na produção mecanizada, em terras que foram limpas e drenadas, na
mesma região. Esses rendimentos maiores são obtidos com uma fração
dos custos de insumos e mão-de-obra investidos em sistemas de produ-
ção mecanizados (Amador, 1980).
Após a colheita, todos os resíduos da cultura e das ervas ficam na
supelfície do solo. Isso contribui com um elemento-chave na produtivi-
dade do sistema - a manutenção da matéria orgânica no solo. Perfis
demonstram a presença de um solo espesso, rico em matéria orgânica,
até uma profundidade de 30-40cm abaixo da superfície. Durante a inun-
dação de nove meses, a matéria orgânica produzida pelas plantas do
banhado ou deixada pelo ciclo da cultura anterior é incorporada ao solo
e conservada em condições anóxicas, sob a água. Além disso, os nutri-
entes minerais que entram no sistema pela drenagem da superfície são
capturados no setor aquático altamente produtivo do ecossistema. Es- Figura 6.3 - A variedade local de milho chamada mején, perto da maturidade, 1Osemanas após o
plantio em Cárdenas, Tabasco, México. Este local é um banhado, normalmente alagado durante
ses fatores resultam na formação de um solo que tem níveis de matéria 8 a 9 meses por ano.
orgânica acima de 30%, nitrogênio total tão alto quanto 3% e níveis
elevados de outros importantes nutrientes de planta. Assim, o elemen-

170 171
to-chave no manejo deste sistema é a maneira pela qual se tira vanta- trole das ervas adventícias. A fertilidade do solo também é mantida
gem da inundação durante a estação das chuvas. Quando o sistema é com aplicações freqüentes de estercos animais cornpostados e resí-
drenado artificialmente, numa tentativa de estender a estação de culti- duos de culturas. Urna boa parte da ração para os animais vem da al-
vo, a camada orgânica do solo pode ser reduzida a 5cm em menos de fa_fa cultivada nas plat_aformas ou de resíduos de outras plantas que
dois anos, e os rendimentos caem dramaticamente. nao podem ser consumidos d1retarnente por seres humanos (por exem-
plo, colmos de milho). Urna ração suplementar é derivada da vegeta-
AGROECOSSISTEMAS NOS TRÓPICOS ção não cultivada (por exemplo, ervas adventícias) que é removida
ADAPTADOS A PERÍODOS ALTERNADOS DE CHUVA E SECA
seletivamente da área de cultivo, ou pelo recolhimento periódico das
plantas invasoras e nativas que crescem ao longo dos canais, ou dire-
No mundo existem muitos lugares com clima do tipo monções,
no qual a precipitação média anual é relativamente alta, mas quase tamente neles, corno espécies aquáticas. Esta última fonte de ração
toda a chuva cai durante um período médio de duração. Produtores pode constituir um componente muito significativo nas dietas das cri-
ações durante a estação seca.
nessas áreas têm de lidar com chuva em excesso em urna época e falta
dela em outra. . Um aspecto muito importante deste agroecossistema tradicional é
Um agroecossisterna muito interessante e produtivo em regime de o manejo do conjunto complexo de canais. Além de servir, originaria-
mente, como a fonte principal de solo para elevar a superfície das pla-
chuvas alternadas foi observado no estado de Tlaxcala, México (Gon-
zalez, 1986; Anaya e colaboradores, 1987; Crews e Gliessrnan, 1991; taformas, também serve como um reservatório importante de água du-
Wilken, 1969). Em urna área conhecida como a bacia de Puebla, uma rante a estação seca. Nos canais, matéria orgânica acumula-se quando
planície triangular de inundação de cerca de 290krn2 é formada onde os as plantas aquáticas mo1Tem, folhas das árvores ao longo das margens
rios Atoyac e Zahuapan encontram-se, na parte sul do estado. A preci- caem dentro d' água e ervas adventícias das áreas cultivadas são joga-
pitação média anual é de cerca de 700mm. Urna grande parte da bacia das dentro deles. O solo das encostas circundantes e das plataformas
tem uma lâmina d' água a menos de três pés abaixo da superfície durante também é lavado para dentro dos canais pelas chuvas pesadas. A cada
boa parte do ano, com solos pobremente drenados e pantanosos. Para dois ou três anos, a te1Ta e a lama de matéria orgânica acumuladas são
tornar uma te1Ta desse tipo agricolamente produtiva, a maioria dos agrô- retiradas dos canais e aplicadas sobre as plataformas, numa cobertura
nomos de hoje provavelmente recomendaria a drenagem da região, de de superfície do solo rica em nutrientes.
forma que práticas mecanizadas de cultivo em grande escala pudessem Assim, os canais desempenham um papel muito importante na sus-
ser introduzidas. Porém, os sistemas locais tradicionais de cultivo for- tentabilidade deste agroecossistema. Funcionam como um depósito de
necem uma alternativa que faz uso da lâmina alta d'água e da distribui- nutrientes para o produtor e são manejados de maneira que permitem a
ção de chuvas na bacia hidrográfica. captação da maior quantidade possível de material orgânico. A água
Usando um sistema de origem pré-hispânica, plataformas eleva- para inigação suplementar pode ser retirada dos canais na estação seca,
das (chamadas localmente de camellones) foram construídas com solo e as plantas dependem grandemente da umidade que se desloca através
escavado de suas bordas, criando um sistema de plataformas e canais do solo, a partir da lâmina d' água, por capilaridade. As plataformas
(chamados zanjas). As plataformas individuais têm de 15 a 30m de elevadas proporcionam uma superfície de plantio adequada, mesmo
largura, 2 a 3m de altura e 150 a 300m de comprimento. Urna diversi- durante o pico das chuvas. Os níveis d'água são controlados por um
dade de plantas é cultivada nas plataformas, incluindo milho, feijão e sistema intrincado de canais interconectados que desembocam, final-
rnoranga consorciados, verduras, alfafa e outras anuais. As rotações mente, nos rios da bacia. O fluxo nos canais é muito limitado e fre-
de culturas com leguminosas, tais corno alfafa ou fava, ajudam a man- qüentemente, é bloqueado pelos produtores, ao longo de seus pla~tios,
ter a fertilidade do solo, e a própria mistura de plantas ajuda no con- durante a estação seca, a fim de manter uma lâmina d'água mais alta;
mesmo na estação chuvosa, o fluxo de água para fora do sistema é míni-

172
173
mo. Somente em épocas de chuva excessiva, quantidades apreciáveis Este tipo de cultivo de estação chuvosa assume muitas formas. Em
de água são realmente drenadas da área. A chuva é, ao mesmo tempo, boa pmie do interior, no meio-oeste dos Estados Unidos, por exemplo, 0
um insumo e uma ferramenta no manejo do sistema, e permite cultivos o trigo da primavera, o milho e a soja são plantados no final da primavera e
ano todo. dependem da chuva convectiva de verão para se desenvolver. Ao redor
da mundo, os invernos úmidos e temperados e os verões secos dos cli-
mas mediterrâneos são apropriados para culturas de grãos como aveia,
cevada e centeio durante o inverno, com a ten-a sendo deixada em pousio
ou pastoreio durante o verão, a menos que se possa irrigar.
Um sistema muito imp01iante alimentado por chuvas sazonais é a
policultura mesoamericana de milho/feijão/moranga. Adaptado a uma
ampla faixa de intensidade e quantidade de chuvas, este sistema con-
sorciado é encontrado em boa parte da América Latina (Pinchinat eco-
laboradores, 1976; Davis e colaboradores, 1986; Laing e colaborado-
res, 1984). Essas três culturas são plantadas em muitos arranjos, se-
qüências e padrões diferentes: às vezes, somente dois deles juntos ou
todos os três. Mas, independentemente da combinação, é a chegada da
estação chuvosa que determina o plantio.
Se práticas de ag1icultura de roçado forem usadas, a derrubada e a
queimada acontecem durante a estação seca. Algumas vezes, os produ-
tores esperam para queimar após as primeiras chuvas da estação úmida'
terem molhado as camadas mais baixas da vegetação de1TUbada, Consi-
derando que as primeiras chuvas são mais freqüentemente intercaladas
com períodos de sol, a camada supe1ior do material orgânico está seca
o suficiente para pegar fogo, enquanto a umidade recentemente adquili-
Figura 6.4 - Um camellón (parcela elevada) perto de Ixtauixtla, Tlaxcala, México. A área é
plantada em faixas numa rotação de alfafa e milho/feijão consorciados; árvores 17 assinalam a da abaixo impede que o calor excessivo alcance o solo, As sementes
borda dos canais cavados para elevar a plataforma. O composto, no primeiro plano, é usado são, então, plantadas numa cobertura morta formada de cinzas ricas em
como fertilizante.
nutrientes e uma camada protetora de maté1ia orgânica não queimada,
AGROECOSSISTEMAS ADAPTADOS A CHUVAS SAZONAIS Essa prática alcança o duplo objetivo de fornecer nutrientes e proteção
contra a erosão do solo. A proteção do solo é importante em muitas
Fora dos trópicos úmidos, é comum o regime de chuvas em que áreas onde este sistema de cultivo é usado, já que as precipitações pre-
uma ou mais estações chuvosas são intercaladas com estações secas coces da estação ocorrem, com mais freqüência, como chuvaradas con-
relativamente longas. Nessas áreas, as culturas são freqüentemente plan- vectivas e intensas,
tadas no começo da estação chuvosa, crescem e desenvolvem-se en- Quando as chuvas começam, as sementes germinam e se desenvol-
quanto a umidade está no solo, e ficam aptas para serem colhidas no vem rapidamente, cobrindo o solo e protegendo-o contra as precipita-
final da estação chuvosa ou no começo da estação seca. ções continuadas. A quantidade de tempo que leva para as plantas atin-
girem a maturação (de quatro a seis meses) depende da extensão da es-
tação chuvosa,
17 "Alder trccs", no original.

174 175
Em áreas como as tenas baixas úmidas de Tabasco, México, dois tração e o armazenamento de água da chuva no perfil do solo, e b) 0
cultivos de milho podem ser plantados, porque a estação chuvosa é mais uso freqüente de pousios no verão ou outros períodos de repouso que
longa e caracterizada por uma dupla distribuição, com um pico de chu- permitam a renovação dos reservatórios d' água exauridos pela cultu-
vas em junho/julho e outro em setembro/outubro. Uma safra (chamada ra. Outras práticas podem ser importantes também. Durante o ciclo de
milpa de a,1o) é plantada em maio, no começo da estação chuvosa, usan- produção, o cultivo superficial do solo é usado para controlar ervas
do-se o fogo para eliminar a vegetação denubada, com a colheita ocor- adventícias, que são consumidoras potenciais de água, e criar uma "co-
rendo em setembro. A segunda safra (chamada tona/mil) é plantada bertura de poeira" com solo pulverizado, que reduz a proporção de
imediatamente após o segundo pico de chuvas, no final de outubro ou poros grandes e, assim, a evaporação. Freqüentemente, são plantados
novembro, para colheita no começo da estação seca, no final de feve- cultivares resistentes à seca, para reduzir o uso de umidade. Todas
reiro. A segunda safra depende muito da presença de umidade residual juntas, essas práticas permitem que uma proporção muito mais alta de
no solo, estendendo-se pela estação seca adentro e, uma vez que a cul- chuva seja canalizada através da cultura, em vez de passar do solo
tura é plantada durante a estação chuvosa, nenhuma vegetação cortada para a atmosfera.
na superfície é queimada. Diferentes variedades locais de milho são Os sistemas agrícolas modernos mais desenvolvidos para escas-
usadas em cada sistema de plantio. sez de água, pelo menos em termos de manejo intensivo e tecnologia,
estão na Austrália, Canadá e Estados Unidos. Em todas essas regiões, a
A AGRICULTURA EM ZONAS COM ESCASSEZ DE ÁGUA produção de grãos é o foco principal. Na Austrália, contudo, o trigo em
rotação com pastagem, especialmente para produção de ovelhas e lã,
Em muitas partes do mundo, a chuva durante a estação de produ- levou ao desenvolvimento de sistemas únicos, onde uma safra de grãos
ção não satisfaz as necessidades da cultura, porque a área não recebe é cultivada alternadamente com pastoreio. O pasto, na verdade, permite
chuva suficiente para compensar a perda de umidade por evapotranspi- a renovação das reservas de umidade necessárias para produzir urna
ração, ou porque o ciclo de cultivo não coincide com a estação das chu- safra de grãos.
vas. A agricultura desenvolvida em climas desse tipo - quando a irri- Um exemplo único de produção com escassez de água ocone no
gação não é uma opção - é denominada agricultura com escassez de litoral central da Califórnia, onde diversas olerícolas são plantadas em
água ou produção no seco. maio, no começo do verão meditenâneo seco, tanto de mudas transplan-
A agricultura com escassez de água é definida corno o cultivo sem tadas como por semeadura direta. Neste clima, raramente ocone chuva
irrigação, em regiões semi-áridas do mundo, onde a queda anual de chuva no verão, de forma que essas culturas devem depender unicamente das
é, na maioria das vezes, de 250 a 500mm (Brengel, 1982). Mas a preci- reservas de umidade armazenadas no solo. Os tomates parecem ser uma
pitação total é apenas uma das influências sobre esta agricultura; varia- cultura particularmente bem adaptada a esse sistema. As mudas de to-
ções anuais e sazonais na temperatura bem corno o tipo e a distribuição mateiro são plantadas profundamente no solo úmido, em maio, sem uso
da chuva também são fatores-chave. Na maioria das regiões secas, a de inigação. O cultivo da superfície do solo mantém urna cobertura de
agricultura tradicional é pastoril por natureza, com cultivos limitados a pó livre de ervas adventícias e, corno a superfície do solo é seca e não
pequenas áreas preparadas com fenarnentas manuais ou tração animal. ocorrem chuvas durante a estação de crescimento, as plantas não são
Hoje, a mecanização adicionou urna nova dimensão a estes tipos de cul- estaqueadas ou amarradas, e doença por fungos é um problema menor.
tivos, mas o preparo do solo, forma de semear e procedimentos de co- A colheita começa no final de agosto e continua até as primeiras pre-
lheita permanecem praticamente os mesmos. Em muitos países, o traba- cipitações da nova estação chuvosa, usualmente no final de outubro ou
lho braçal ainda desempenha o papel principal. início de novembro. Os tomates colhidos neste sistema são conhecidos
Os aspectos mais importantes da produção com escassez de água por possuírem sabor mais concentrado.
são: a) o uso de algum tipo de sistema de cultivo que promova a pene-

176 177
No deserto de Negev, em Israel, unidades agrícolas com pequenos
sistemas de captação do escorrimento da chuva estavam abandonadas.
Os sistemas foram reconstruídos e começaram a produzir, com rendi-
mentos equivalentes àqueles de lavouras irrigadas na mesma região
(Evenari e colaboradores, 1961). A unidade de produção consiste de
áreas de captação de chuva nas encostas da bacia que circunda canais
de drenagem planos onde o escorrimento é coletado. Muros baixos de
pedra levam o escoamento da chuva para a pequena planície inundada
pelos canais. Esse sistema pode coletar 20-40% da chuva que cai, e a
remoção de rochas soltas da superfície do solo, nas encostas, pode au-
mentar a coleta para até 60%. Pequenas barragens de pedras nos canais
maiores, na base das ladeiras, concentram o escoamento a uma profun-
didade suficiente para permitir que a água penetre até aproximadamen-
te 2m no solo. Após, o solo seca e deixa uma crosta relativamente im-
permeável à perda d' água por evaporação. À medida que cada pequena
barragem se enche, ela vaza para outras abaixo, aguando um sistema
complexo de áreas de produção na planície inundada. Os rendimentos
de grãos, como cevada e trigo, e de frutas, como amêndoas, damascos e
Figura 6.5 - Tomates produzidos com escassez de água, Santa Crnz, Califórnia. O solo, superfici- uvas, são bem respeitáveis para uma região tão árida. Em vez de tentar
almente cultivado, age como uma cobertura que mantém a umidade próxima à superfície e con-
trola as ervas adventícias durante a estação de cultivo, no verão sem chlivas.
criar grandes reservatórios de água, que, num clima desses, evaporaria
na sua maior parte (e acumularia sedimentos ricos em nutrientes), tanto
A sustentabilidade dos sistemas de produção com escassez de água a água como os sedimentos ricos em nutrientes são armazenados in loco
deve ser pesada em relação a diversos fatores: a) à perda potencial de no sistema de coleta d' água.
matéria orgânica nas camadas mais superficiais do solo, devido ao sis- Um sistema similar ainda é usado no sudoeste americano árido,
tema de cobertura de poeira; b) ao perigo de erosão do solo pelo vento onde grupos de americanos nativos, como os hopi e papago, têm prati-
e chuva, devido ao baixo nível de cobertura do solo; c) à falta de previ- cado uma forma de recolhimento d' água há muitos séculos (ver o estu-
são na disponibilidade de umidade no solo, como resultado de chuvas do de caso a seguir). O fluxo de chuva convectiva pesada nas monta-
variáveis durante o período de pousio. Porém, como uma forma de pro- nhas, durante o verão, é desviado para ravinas aluviais como uma lâmi-
duzir em áreas com chuvas escassas e imprevisíveis, este sistema pode na rasa de escoamento, em vez de ser deixado concentrar em um canal,
ser uma alternativa de baixo uso de insumos externos. como corrente. Essa lâmina d'água então "irriga" cultivas anuais de
milho, feijão, moranga e outras plantas locais cultivadas. A bacia de
SISTEMAS DE CAPTAÇÃO DE ÁGUA EM REGIÕES ÁRIDAS captação acima não é manipulada como no sistema de Negev, mas o
manejo do escoamento na planície inundada é similar. A meta de ambos
Em regiões quentes com clima árido (menos de 250mm de preci- os agroecossistemas é trabalhar dentro das restrições e limites do regi-
pitação anual), a falta de chuva é um severo fator limitante para a agri- me natural de chuvas.
cultura. Em muitos lugares, contudo, a chuva ocorre com alguma regu-
laridade, na forma de chuvaradas torrenciais curtas, sendo possível a
"colheta" desta água, concentrando-se o escorrimento.

178 179
o inverno frio, quando a precipitação é maior, e a chuvade verí\o. é
geralmente intensa e curta demais para infiltrar-se no solo; a mafor
parte dela é perdida por escorrimento.
Os hopi.aprenderam qµe a topografia local e o solo permitem
transformar esses desafios para deles tirar vantagem. Eles plantam
sua cµltura principal, o milho, em arroios. O solo, nos arroios, .é silc
te arenoso, depositado durante muitos anos de enchentes rápid<tS;]!!
recoberto de pura areia, soprada sobre a superfície pelos ventos fl/l:
verí\o. Efo assenta-se sobre uma camada de argila xistosa, que fotniit :
uma.barreira impermeáyel. Quando. a neve do inverno d(:)rrete,. j:) ~Si'
corrimento flui pelos arroios abaixo, A água penetra facilment(:)<~()
solo arenoso, ficando ali aprisionada pela camada de argila xistos!\.
No início da primavera seca, a cal\1ada de cobertura de areia é seca
rapidamente pelo sol e pelo vento em uma crosta que.serve para pro-
teger as camadas inferiores do solo. contra a dessecação.
Os hopi plantam sua safra de milho no final da primavera, éO-
locando cada. semente em um orifício com seis a dez polegadas de 1•
Figura 6.6 ~ Oliveiras e frutíferas no deserto de Negev, próximo de Avdat, em Israel. A água da profundidade, para garantir o acesso àumidade do solo. Estaumidac
chuva é colhida das encoslas circundantes para fornecer umidade no solo para o pomar.
de é s11ficiente para permitir a germinação e desenvolvimento do.rnillio,
até.as chuvas de verão chegarem, em julho ou agosto,
Estudo de caso Para obter o máximo das .chuvas tardias de verão, os hop.ifon~c
troem um Sistema de represas e valas.a cada ano .. Essas estrutm:as
AAGRICULTURA .llOI'l servem a um duplo propósito: protegem o milho dos escorrime11tqs
rápidos potenciais e espàlham o flµxo de água em uma lâmim1, de$a0
*i•.s~~8&ste•~()s•. Ê~tadôstJnid◊,s, ~s ~JpiJ~~ ê;;~~~(í~2a~.;· celerandoco e permitindo que ele se infiltre no solo.JV(anejada~ d~~"
cultura, há mais de qui!Ule11tos anos, em uniii paisagem ~çlii c:()15(:)tt#, sa maneira, as ch11vas de verão fornecem umidade <1dicional sufiQi, ·
na mai9r parte, por planta~ adaptad!!S ao q(:)sel't() .. S(;ll! ~llR(:)S$,? .15~-; ente para permitir que o.milho amadureça e depositam solo aluv;\:al
seía-se numa estratégia multifacetada: eles tiramyant!l&em (1!1y0lk. que renova a fertilidade dos campos. Como um benefício ..adicion~,
centração natural e armazenamento de ágt1a, das estruturiis pops~- o depósito de aluvião seca para produzir 1ID1a superfície rachada,e
daspara coletar água e das. variedades de culturiis adaptadas ~SC()ll· endurecida que protege a água armazenada no solo, do mesmo modo
dições focais. . . . . . . .. ·•··•·•·· . ••·•• que a crosta de. areia havia feito anteriormente.
A precipitação total anual nas áreas onde QS hopi cultiv!1fil.t, O componente final da estratégia de manejo hopi é o plantio de
em média, apenas de 9 a 13 polegadas. Quase toda êJovc:e11tr1fla(:)J'll. uma variedade local de milho. As plantas permanecem relativamen-
dois períodos curtos do ano. No inverno, ela cai principalme11t(:)9<>ni.9 te baixas; permitindo que resistam aos ventos cortantes queocorren1:'•
neve nas montanhas; no final do verão, ela vem em chuvaradas bre~ freqüentemente durante a estação, e produzemumalongaraiz.pj:vo 0

ves durante tempestades convectivas. Este reginie de precipit!lçiío ·· tante, que pode ter acesso à umidade profunda no solo;
impõe vários desafios à agricultura. Não é possível cultivar durante

180 181
SISTEMAS DE PASTOREIO mos que, pelo exame da natureza da umidade e da chuva, tal como fize-
mos neste capítulo, bem como dos exemplos de agroecossistemas que
Em regiões onde a chuva é limitada e altamente imprevisível, a trabalham com as condições locais de chuva em vez de ir contra elas,
vegetação natural constitui-se numa mistura de arbustos e gramíneas possamos ter uma idéia de um aspecto importante da sustentabilidade.
perenes, aproveitadoras eficientes de água e resistentes à seca, e de es- Para um fator como a chuva, a natureza pode servir como modelo
pécies anuais que podem germinar e completar seus ciclos no breve útil para desenvolver uma agricultura sustentável. Uma boa parte do de-
período em que a água está disponível. A tolerância à seca das perenes senvolvimento agrícola atual abordou o problema de falta ou excesso de
combina-se com o evitar a seca das anuais, formando um sistema que chuva mediante eliminação ou alteração das condições para satisfazer as
pode produzir biomassa durante a maior parte do ano. Em muitas regi- necessidades dos sistemas de cultivo introduzidos. Isso geralmente en-
ões, este tipo de ecossistema é associado a grandes populações de ani- volve altos níveis de insumos externos de energia e matetiais. Existem
mais nativos de pastoreio. Quando consideramos a habilidade que eles muitos e bem conhecidos exemplos de projetos de irrigação maciça, dre-
têm de se deslocarem em busca de f01Tagem adequada, esses ecossiste- nagem ou dessalinização que tentaram alterar as condições ecológicas
mas refletem considerável adaptabilidade e diversidade. existentes, mas alcançaram somente sucesso limitado, quando avaliados
É possível que alguns dos primeiros animais de pastoreio domestica- em termos de produtividade ecológica, viabilidade econômica e bem-es-
dos tenham surgindo em áreas de ambientes mais extremos, semi-áridos. tar social. É necessário que se intensifique a busca de maneiras para adap-
Animais que foram pré-adaptados, em estado selvagem, a subsistir com tar a agricultura à variabilidade e imprevisibilidade naturais da chuva.
cobertura vegetativa esparsa, como os parentes dos carneiros e cabras, pro-
porcionaram um meio importante de sobrevivência para os seres humanos
em um ambiente que de outra maneira seria hostil. A atividade pastoril nô- Para ajudar a pensar
made é considerada uma f01ma importante de agricultura tradicional.
Hoje em dia, muitos sistemas manejados aproveitam-se da habili- 1. Do ponto de vista da agricultura sustentável, cite alguns dos benefí-
dade que os ecossistemas pastoris têm de manter a produção de bio- cios e efeitos perniciosos da irrigação como meio de superar chuvas
massa mesmo com chuva em pequena quantidade e altamente variável. limitadas?
Na maioria dos casos, a área de pastagem nativa é manejada com quan- 2. Como os padrões de chuva são afetados pela topografia? Como a
tidade de animais e sincronia para ajustar a dinâmica natural de cresci- agricultura foi adaptada à variação nos padrões de chuva causada pela
mento das plantas em resposta à chuva. Os animais são transfe1idos de variação de topografia?
uma parte para outra, durante o ano, conforme se altera a disponibilida- 3. Quais são os possíveis papéis ecológicos de uma estação seca para
de de forragem. Em outros casos, essa área de pastoreio é melhorada ecossistemas?
com a introdução de espécies forrageiras tolerantes à seca, que se de- 4. Qual é a melhor maneira de preparar um agroecossistema para pre-
senvolvem bem em condições mais áridas. cipitações imprevisíveis?

AS LIÇÕES DE SISTEMAS SUSTENTÁVEIS


Leitura recomendada
Em todo o mundo, foram desenvolvidas tecnologias de irrigação
para compensar os caprichos do fator chuva, mas suas conseqüências BARRY, R. C.; CHORLEY, J. Atmosphere, weather and climate. 5.ed. Londres:
ecológicas começaram a se manifestar de distintas formas. A erosão do Methuen, 1987.
Um texto atual de climatologia, enfatizando as maneiras pelas quais as interações
solo, a sedimentação, a salinização e a perda de banhados naturais e de
complexas entre a atmosfera e o tempo criam o clima global.
sistemas divisores de águas são apenas alguns dos problemas. Espera-

182 183
CLARKE, R. Water: the international crisis. Cambridge, Massachusetts: MIT Press,
1993.
Uma revisão profunda de como, atualmente, o uso e o mau uso da água por parte das
culturas humanas está ameaçando o futuro do fornecimento de água seguro e sufici-
ente para o mundo. 7
CRITCHFJELD, H. J. General climatology. 3.ed. Englewood Cliffs, New Jersey:
Frentice Hall, 1974.
O livro-texto clássico sobre os processos e fenômenos que criam os climas do mundo.
NABHAM, G. P. The desert smells like rain: naturalist in Papago indian coun-
Vento
try. San Francisco, Califórnia: North Point Press, 1982. .
Um olhar sensível sobre como a água é um componente fundamental dos ecossiste-
mas do deserto e dos seres humanos que lá vivem. Apesar de nem sempre estar presente, o vento é um fator ambiental
POSTEL, S. The last oasis: facing water scarcity. Nova Iorque: W. W. Norton, 1992. capaz de causar impactos muito significativos sobre os agroecossiste-
Uma análise crítica do que está conduzindo a civilização humana na direção da es- mas. Esses são resultado da capacidade do vento de: a) exercer uma
cassez de água, e o que precisa ser feito para evitar uma crise generalizada.
força física sobre a própria planta; b) transportar partículas e materiais
REISNER, M. Cadillac desert: the american west and its disappearing water.
- como sal, pólen, solo, sementes e esporos de fungos - para dentro e
Covelo, Califórnia: Island Press, 1986.
Uma história política perceptível da captação e controle da água para o desenvolvi- para fora dos agroecossistemas; e c) mesclar a atmosfera na vizinhança
mento humano no oeste dos Estados Unidos. imediata das plantas mudando, assim, a composição dela, suas proprie-
WILKEN, G. C. Goodfarmers: traditional agricultura! resource management in dades dispersaras de calor e seu efeito sobre a fisiologia da planta.
Mexico and Central America. Berkeley: Univ. Calif. Press, 1988. Quando se considera todos esses efeitos, o que parece ser um fator
Um excelente estudo da sustentabilidade de sistemas tradicionais de cultivo, com ambiental relativamente simples torna-se bastante complexo. O vento
práticas de manejo de cígua que proporcionam alguns dos melhores exemplos.
pode ter, simultaneamente, impactos positivos e negativos, ou ser dese-
jável em algumas situações e indesejável em outras. É, p01tanto, um fa-
tor desafiante para ser manejado.

O movimento atmosférico
A atmosfera da Terra está em constante movimento, circulando em
padrões variáveis localmente, complexos e em constante transforma-
ção. Essa circulação é responsável por movimentar massas de ar e im-
pulsionar mudanças do tempo. Ela também é responsável por criar o
movimento de ar na superfície, que vivenciamos como vento.
O processo básico que impulsiona o movimento da atmosfera é a
diferença no aquecimento e resfriamento da superfície da Terra. Nas
regiões equatoriais, o aquecimento intenso da superfície e da camada
da atmosfera imediatamente acima dela faz com que o ar se expanda e
suba alto, criando uma zona de baixa pressão. O ar mais frio da superfí-
cie de zonas distantes do equador move-se na direção deste para tomar

184 185
o lugar da massa de ar em elevação, enquanto o ar aquecido, alto na final são ventos que tendem a soprar do nordeste e sudoeste no hemisfé-
atmosfera, se move na direção do pólo. Nas regiões polares ocorre o rio norte, e do sudeste e noroeste no hemisfério sul. Esses ventos, co-
oposto. O ar nos pólos esfria muito mais rapidamente na alta atmosfera, nhecidos como ventos predominantes, são mostrados na figura 7.2.
desce para a superfície e cria uma zona de alta pressão, forçando o
movimento do ar da superfície na direção do equador. Ventos polares do leste
Como resultado da zona equatorial de baixa pressão e das zonas
polares de alta pressão, grandes células de circulação são criadas em
cada hemisfério, conforme mostrado na figura 7 .1. O fluxo de ar nas
células equatoriais e nas células polares cria uma célula adicional na
região temperada de cada hemisfério. Isso resulta em uma zona de bai-
xa pressão (ar ascendente) na latitude próxima a 60°N e 60ºS, e numa
zona de alta pressão (ar descendente) próxima a 30°N e 30ºS.

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Ventos polares do leste

---------30º s-------1 Figura 7 .2 - Padrão de ventos predominantes.

.._----60º s---,,- Embora descrevam os macropadrões da circulação atmosférica na


superfície, os ventos dominantes estão sujeitos a um grande número de
'-.-JC pl modificações locais e sazonais. Essas modificações são o resultado de
diversos fatores, incluindo a presença de massas montanhosas nos con-
tinentes e os gradientes de temperatura criados pelo diferencial nas ta-
Figura 7 .1 - Disposição latitudinal das células de circulação atmosférica. xas de aquecimento e resfriamento da terra e da água.
Em conjunto, esses fatores resultam na formação de grandes massas
A rotação da Terra altera o fluxo dessas células de circulação de móveis de ar, de alta e baixa pressão, que, conforme se movimentam, in-
grande escala. As correntes de ar são desviadas para a direita do gradi- fluenciam muito os padrões locais de vento. No hemisfério norte, o ar
ente de pressão ao norte do equador, e para a esquerda ao sul. Esse circula ao redor de células de alta pressão, em sentido horário, e ao redor
desvio é conhecido como o efeito Coriolis. Na superfície, o resultado de células de baixa pressão, em sentido anti-horário. No hemisfério sul,

186 187
as direções são o oposto. Em ambos os hemisférios, o ar flui para fora conhecidos como "chinooks" que podem ser muito co11antes e causar
das áreas de alta pressão, na direção de áreas de baixa pressão. derretimento rápido da neve superficial. Como o solo normalmente está
congelado durante esses ventos de duração relativamente curta, as plan-
tas podem sofrer consideráveis danos por dessecação.
Ventos locais Ocasionalmente, ocorre um tipo similar de vento nas encostas
costeiras do sul da Califórnia e Chile central, durante o verão. Quan-
Os ventos também são gerados por condições relacionadas a fato- do células de alta pressão formam-se no interior, o ar descendente
res como topografia local e proximidade de massas d'água. Em certas associado a elas é empurrado sobre a cadeia de montanhas e para
áreas, esses ventos são relativamente previsíveis. baixo, até as planícies costeiras. Chamados "sundowners" ou Santa
No verão, em áreas costeiras e próximas a grandes massas d'água, Anas, esses ventos quentes podem aparecer rapidamente no final do
como lagos e açudes, os ventos diurnos (chamados brisas marinhas ou dia, forçando as temperaturas a se elevarem entre IOºC e 15ºC e a
lacustres) tipicamente sopram em direção à terra, porque a massa ter- umidade relativa a cair de quase o ponto de orvalho até menos de
restre próxima se aquece mais rapidamente do que a de água. O ar 20%, em apenas alguns minutos. Essa é urna hora de alto risco de
sobre a terra é aquecido, se expande e sobe; então, o ar mais frio, que incêndio, e os cultivas podem ser danificados pelos ventos cortan-
está sobre o oceano, flui para a terra, para ocupar o lugar do ar ascen- tes e secos. Um fenômeno similar pode ocorrer, durante os meses
dente. À noite, o processo pode reverter: à medida que a massa de secos, no istmo de Tehuantepec, no sul do México, onde sistemas de
terra esfria mais rapidamente do que a água, o vento começa a mover- alta pressão do lado oeste do país criam ventos quentes e secos, en-
se na direção desta. costa abaixo, no lado leste. Chamados sulistas ou sures, esses ven-
Ventos de encosta são outra forma de vento local. Em áreas de tos acentuam a secura da estação.
topografia montanhosa, à medida que a terra irradia calor para a atmos-
fera, à noite, o ar próximo da superfície também esfria. Como o ar fiio é
mais pesado, ele começa a fluir encosta abaixo. No início, tal movi- Efeitos diretos do vento nas plantas
mento é muito localizado, mas, na seqüência, ventos que se deslocam
por cânions isolados podem se juntar, num sistema que abrange todo o , Os efeitos físicos do vento sobre organismos podem ter conside-
vale, para criar o vento de montanha. Durante o dia, o efeito oposto rável importância ecológica. Isto é especialmente verdadeiro em áreas
pode oc01Ter, e o vento de vale se forma à medida que o aquecimento que tendem a ter vento mais constante,corno planícies baixas, próximas
da zona mais baixa faz com que o ar quente suba pela encosta. ao oceano, ou em áreas de montanhas altas. Em geral, corno todos os
Quando grandes massas de ar são forçadas por cima de uma ca- fatores do ambiente, a magnitude do efeito do vento depende de sua in-
deia de montanhas e para baixo, sobre uma planície ou vale, a massa de tensidade, duração e época.
ar descendente se expande. Corno resultado, ela se aquece e sua umida-
de relativa cai. Esse processo de aquecimento e secagem é chamado de DESSECAÇÃO
aquecimento catabático e é responsável pelo conhecido efeito de som-
bra de chuva. Os ventos causados por aquecimento catabático ocorrein Cada abertura estornatal na folha de urna planta leva a um espaço
comumente no inverno, ao longo das encostas voltadas para o leste, nos de ar no qual a troca de gás ocon-e nas paredes celulares das células
sistemas da Se1Ta Nevada e montanhas Rochosas, quando um sistema circundantes. Esse espaço é saturado de umidade e, desde que os estô-
de tempestade ciclônica se move para a terra e empurra o ar, forçando- matos estejam abertos, o vapor d'água flui de dentro para fora da folha.
º por sobre essas cadeias de montanhas. À medida que o ar desce pelo Quando não há movimento, o movimento de ar saturado para fora dos
lado leste das montanhas (protegido do vento), ele cria ventos quentes estômatos cria urna camada limítrofe de ar saturado ao redor da super-

188 189
fície da folha. O movimento do ar remove essa camada, aumenta a trans- As folhas podem ser dilaceradas ou removidas, suas superfícies podem
piração e a perda total de água da planta. A taxa de dessecação aumenta sofrer abrasão, galhos podem ser quebrados, pontas podem ser removi-
proporcionalmente com a velocidade do vento, até uma velocidade de das, e plantas inteiras podem ser arrancadas. Em áreas onde ocorrem
cerca de 10km/h, quando uma taxa máxima de perda é alcançada. furacões, ciclones ou tomados, mesmo plantas maduras que crescem há
A perda n01mal de água pela planta pode ser prontamente substitu- muitos anos podem sofrer dano severo. Em urna floresta, árvores altas
ída por absorção pelas raízes e transporte subseqüente para as folhas. isoladas deixadas após corte seletivo têm urna tendência acentuada de
Mas, se a taxa de dessecação exceder à da substituição, pode ocorrer cair com o vento, urna vez que perdem o ambiente protetor de árvores
murcha. A murcha excessiva pode afetar seriamente a função normal da vizinhas. Este tipo de dano demonstra a importância dos quebra-ventos
folha, em especial a fotossíntese, acarretando um crescimento mais len- (discutidos mais adiante neste capítulo).
to de toda a planta e, inclusive, morte. Em agroecossisternas, o dano pelo vento ocorre mais freqüentemen-
te em cultivos anuais próximos à maturidade, quando as plantas estão car-
NANISMO regadas de grãos ou frutos. Este tipo de dano, em que as plantas são acha-
tadas contra o chão, é chamado de acamamento. Em frutíferas, corno ma-
Existe uma correlação direta entre o vento e a redução da estatura da çãs ou ameixas, o vento pode tanto diminuir a polinização, no estágio de
planta. As plantas, nos ecossistemas de dunas costeiras e alpinos, são, com florescimento, corno derrubar as frutas antes de serem colhidas.
freqüência, pequenas, por causa das velocidades altas e relativamente cons-
tantes dos ventos. Plantas cultivadas que crescem em áreas com ventos cons-
tantes têm, n01malmente, uma estatura menor do que semelhantes cultivadas
em áreas sem vento. A pequena estatura é resultado da dessecação constan-
te, que provoca célulàs menores e uma planta mais compacta. Onde os ven-
tos são mais variáveis, e períodos extensos de calma se alternam com perí-
odos de intensidade, as plantas não tendem a ficar anãs.

DEFORMAÇÃO

Quando os ventos são relativamente constantes e basicamente oriun-


dos da mesma direção, podem alterar permanentemente a forma de cres-
cimento das plantas. Quebra-ventos que mostram plantas com desen-
volvimento deformado ou dobrado são bons indicadores de um vento
dominante constante. A deformação pode assumir muitas formas, desde
uma inclinação permanente na direção contrária do vento até uma fmma
de bandeira ou hábito prostrado. O gelo formado pelo vento é especial-
mente efetivo em contribuir para a deformação da vegetação.

DANOSÀSPLANTASEARRANCAMENTO
Figura 7 .3 - Milho acamado por ventos cortantes, perto de Cárdenas, Tabasco, México.
Se ventos fortes não forem comuns, e se ocorrerem especialmente
durante chuva pesada ou nevada, podem causar danos a plantas eretas.

190 191
A perda de solo por erosão eólica envolve dois processos: despren-
MUDANÇAS NA COMPOSIÇÃO
DO AR QUE CIRCUNDA AS PLANTAS dimento e transporte das partículas. O vento agita as partículas soltas de
solo e, a seguir, as levanta, desprendendo-as dos agregados de solo. Es-
Além da dessecação e da alteração física na forma, o vento tam- sas partículas são, então, transportadas de diferentes formas, dependendo
bém pode mudar a qualidade do ar que circunda as plantas. O ar imedi- de seu tamanl)o e da velocidade do vento. Partículas pequenas que saltam
atamente ao redor de um organismo é importante, pois é através do meio pela superfície, até 30cm de altura, são transportadas por um processo
atmosférico que podem acontecer as trocas de gás e de calor. A atmos- ) chamado saltitação. Na maioria das condições, esse fator é responsável
fera afeta diretamente as plantas, fornecendo o C0 2 usado na fotossínte- por 50-70% do movimento do solo pelo vento. O impacto das partículas
se e o oxigênio para a respiração. que saltam faz com que as maiores rolem e deslizem ao longo da superfí-
O ar normal é composto de 78% de nitrogênio, 21 % de oxigênio, e cie, provocando o arraste do solo, sendo responsável por 5-25% do seu
0,03% de C0 2 • (O restante, menos de l %, é uma mistura de vapor d' água, movimento. A forma mais visível de transporte é quando as partículas do
poeira, fumaça, poluentes e outros gases.) Na atmosfera imediata que tamanho de areia fina ou menores são movimentadas paralelamente à su-
circunda as plantas, contudo, os níveis variam consideravelmente, já perfície e flutuam no ar. A turbulência do vento pode carregarnuvens dessas
que as plantas produzem oxigênio e absorvem C0 2 • Durante o dia, os partículas aéreas diversos quilômetros para cima, na atmosfera, e por
níveis de oxigênio nas proximidades das plantas podem subir dramati- centenas de quilômetros de distância para, finalmente, serem depositadas
camente, acompanhados de uma queda no C02 , como resultado da ab- ou lavadas do ar. Geralmente, esse tipo de erosão corresponde a cerca de
sorção fotossintética. O crescimento das plantas pode ser desacelerado 15% do total, mas, em alguns casos, chegou a superar os 40%.
se a concentração de C0 2 baixar demais, devido à limitação da fotos- Quando a agricultura é praticada em regiões onde o solo desprote-
síntese. Contudo, o movimento mistura o ar entre as plantas, alterando a gido fica sujeito à erosão pelo vento, grandes quantidades da camada
camada limítrofe ao redor das folhas, 1ica em oxigênio, e acelerando a superficial podem ser perdidas. A desertificação no Sabei, na África, ,
difusão de C0 2 na direção dos estômatos. Neste contexto, o vento pode foi muito intensificada nos anos 70, devido à erosão provocada pela
ser, na realidade, benéfico para as plantas. seca, pastoreio excessivo e cultivo intensivo dos solos em terras mar-
ginais. As nuvens gigantes de solo e poeira sopradas pelo vento, gera-
das durante a grande "tempestade de poeira" dos anos 30, nos Estados
Outros efeitos do vento Unidos, ainda é um dos exemplos mais visíveis do impacto físico do
vento sobre sistemas de cultivo, pela perda de solo.
O vento causa impacto direto sobre as plantas como indivíduos, A remoção de solo de um lugar e sua deposição em outros são as
como detalhado anteriormente. Mas o vento também tem efeitos em ní- duas faces do problema da erosão pelo vento. A menos que sejam to-
vel de agroecossistema, por sua capacidade de transportar materiais. madas precauções apropriadas, quando a agricultura é praticada em lo-
cais sujeitos à erosão pelo vento, a redução na produtividade do solo e
EROSÃO PELO VENTO no desempenho das culturas é o resultado final.

A erosão eólica pode ser um problema em qualquer região com TRANSPORTE DE SAL MARINHO
precipitação baixa e variável (ou potencialmente seca), ventos de alta
velocidade (ocasionais ou freqüentes) e altas perdas por evaporação Ao longo de costas marinhas, o efeito físico do vento pode ser com-
na superfície do solo. Sob tais condições, uma superfície solta, seca, binado com o efeito químico pernicioso da deposição de sal. Quando
lisa e finamente granulada, destituída ou parcialmente destituída de co- as ondas quebram, bolhas e minúsculas gotículas de água salina são for-
bertura vegetativa, é facilmente erodida pelo vento. madas e elevadas no ar; na presença de vento, podem ser transportadas

193
192
TRANSPORTE DE PRAGAS E DOENÇAS
para a terra, e o sal que elas contêm, depositado sobre a superfície das
folhas. O sal soprado pelo vento e a pulverização salina podem quei- O vento serve como meio de transporte para uma variedade de or-
mar as bordas das folhas, provocando sua queda. ganismos que são pragas ou doenças em agroecossistemas. Bactérias e
Dano provocado pelo sal transportado pelo vento pode ocorrer n~ fungos dependem do vento para transportar esporos de plantas infectadas
interior, a muitos quilômetros da costa, mas os efeitos mais prejudiciais· até novos hospedeiros, e muitas espécies de insetos se utilizam do vento
são vistos próximos a ela. O maior dano pelo sal é causado por tempes- para se moverem a longas distâncias no ambiente. Diversos pulgões, por
tades de vento sem chuva. exemplo, têm um estágio alado, para dispersão, e um estágio áptero, para
O transporte e a deposição de sal pelo vento podem ter grande impac-
o desenvolvimento de populações sedentárias em plantas hospedeiras. As
to no zoneamento da vegetação ao longo da costa, e exigem que somente
asas dos pulgões não servem para muito mais do que manter esses insetos
culturas tolerantes sejam plantadas em áreas sujeitas à deposição. Em al-
no ar, enquanto o vento os carrega a esmo. Claro que pode ser um proble-
guns locais, características topográficas naturais ao longo da costa, como
ma se o local de pouso for uma planta hospedeira não infestada.
dunas, bloqueiam o sal soprado pelo vento, perruitindo que culturas sensí-
As fêmeas de muitos insetos-praga, como a traça da maçã, liberam
veis sejam plantadas no lado protegido. Abacateiros, por exemplo, eram
feromônio sexual e, conseqüentemente, dependem do vento para dispersão
plantados em locais assim protegidos, ao longo da costa da Califórnia, de
do composto químico, a fim de atraírem machos para o acasalamento. As
Santa Bárbara até San Diego (mais recentemente, porém, essas áreas prote-
sementes de um grande número de plantas ou ervas adventícias indesejá-
gidas tornaram-se locais muito procurados para construção de residênci-
veis em agroecossistemas também são dispersadas pelo vento. Na forma
as). Quebra-ventos também podem ser usados para obter o mesmo efeito.
de pequenos propágulos ou mesmo pequenos organismos, podem ser ele-
vadas centenas de metros no ar, por correntes de vento e, então, transporta-
das por centenas de quilômetros, tomando muito difícil para os produtores
escaparem da "chuva" constante de potenciais problemas. Trataremos do
manejo agroecológico de tais problemas de dispersão no capítulo 16.

EFEITOS BENÉFICOS DO VENTO

Alguns dos mais importantes efeitos benéficos do vento ocorrem em


nível de microclima. Dentro do agroecossistema, especialmente no dos-
sei de sistemas de cultivo, o movimento do ar é essencial para mesclar a
atmosfera. Uma boa circulação de ar mantém gradientes ótimos de C02 ,
dispersa a umidade em excesso e pode mesmo aumentar a troca ativa de
gás. O ar adequadamente misturado baixa os níveis de umidade na super-
fície da folha, reduzindo, assim, o potencial para muitas doenças. Em cli-
mas quentes, o vento também tem o efeito importante de favorecer ores-
friamento por convecção e evaporação quando sob sol direto.
O vento também é necessário para a produção de grãos como mi-
lho, aveia e trigo. Essas culturas são polinizadas pelo vento, e dele de-
pendem para distribuir o pólen das estruturas macho das plantas para as
Figur~ 7 .4 ~ Um arbusto costeiro mostrando queima e queda de folhas causadas por sal marinho
~eposttado pelo vento, perto de Par~so, Tabasco, México. Observe o efeito cumulativo de poda,
estruturas fêmea produtoras de sementes de outras plantas.
a esquerda, na parte da planta que fica exposta diretamente ao vento.

194 195
Modificando e utilizando
o vento em agroecossistemas
Entender os impactos que o vento pode ter sobre agroecossiste-
mas bem como os mecanismos desses impactos proporciona aos produ-
tores a oportunidade de desenvolver meios para reduzir os efeitos ne-
gativos e tirar vantagem dos efeitos positivos. Além disso, a energia do
vento pode ter diversos usos na agricultura.

MEDINDO O VENTO

Geralmente, o vento é medido com um dispositivo conhecido


como anemómetro. Anemómetros de concha consistem de três ou qua-
tro braços que giram horizontalmente com pequenos copos nas extre-
midades, fixados a um eixo vertical que ativa um marcador ou regis-
trador quando gira. Esse tipo de dispositivo registra o vento em qual-
quer direção horizontal, e, com base no total de revoluções medidas,
pode ser determinada a velocidade média ao longo do tempo. Um ane-
mómetro de hélice pode registrar velocidades mais baixas com maior
exatidão, mas precisa ser orientado na direção do vento. Anemóme-
tros térmicos, que operam baseados na relação entre a ventilação e a
transferência ele calor, são usados para velocidades muito baixas, que
não são registradas adequadamente pelos sistemas de hélice ou con-
cha. Existem outros tipos de equipamento para registrar rajadas e a
direção de ventos.
Medir a velocidade média e a direção do vento é apenas um dos
aspectos para entender os padrões de movimento do ar em um agroe-
cossistema. Também é importante conhecer como os padrões locais são
reduzidos a padrões microclimáticos quando o vento encontra barrei-
ras. As barreiras podem ser plantas individuais, variação topográfica
natural ou de qualquer outro tipo, colocadas intencionalmente. O uso
dessas barreiras dependerá de como elas afetam o vento que estamos
tentando modificar ou aproveitar.

Figura 7.5 - Quebra-vento utilizado para melhorar o microclima de um pomar de maçãs, perto de
Lincoln, Nova Zelândia. Esse quebra-vento é feito de salgueiros (Salix sp.).

197
196
TÉCNICAS PARA MODIFICAR PADRÕES
DO VENTO E REDUZIR SEUS EFEITOS

Há muitas maneiras de manejar o vento em sistemas de cultivo.


Algumas são simples, como orientar as linhas de um plantio de maneira
a canalizar um vento dominante através da plantação; outras são mais
incisivas, como plantar quebra-ventos ou cinturões de proteção, ou usar
sistemas de plantio intercalado, que combinem plantas sensíveis ao vento
com outras mais tolerantes.

Quebra-ventos

Quebra-ventos (também conhecidos como cinturões de proteção


ou cercas vivas) são estruturas - geralmente de árvores - que modifi-
cam o fluxo do vento com o propósito de reduzir a erosão eólica, au-
mentar o rendimento agrícola e proteger construções e instalações ru-
rais. Não são feitos para parar o vento, mas para mudar seu curso e
intensidade de fluxo. Usualmente, são orientados perpendicularmente
ao vento (se seu objetivo é modificar a intensidade) ou tangencialmente
ao ângulo de fluxo (se seu objetivo é redirecioná-lo). Em agroecossis- Figura 7 .6 - Quebra-ventos na região árida perto de Eilat, Israel. Esses quebra-ventos reduzem a
perda de água, por evapotranspiração, dos cultivos anuais irrigados, plantados entre eles.
temas, quando são usadas árvores para criar quebra-ventos permanen-
tes, o resultado é um tipo de agroflorestação.
Há muita pesquisa sobre tecnologia de quebra-ventos e seu pa-
Quebra-vento muito denso
pel em sistemas de cultivo no mundo todo (Brandle e Hintz, 1988).
Mostrou-se que quebra-ventos alteram muito os padrões e a veloci-
dade do vento e, conseqüentemente, tendem a reduzir os impactos
negativos já descritos, enquanto trazem vantagens de efeitos positi-
vos. Em última instância, beneficia-se o rendimento das culturas e
dos animais.
Seu efeito principal é diminuir a velocidade. Um bom quebra-ven-
-
to pode reduzi-la em até 80% a sotavento por uma distância de até dez Quebra-vento penetrável

vezes a altura das árvores, a partir da barreira. E, freqüentemente, numa


distância de até duas vezes a altura das árvores, a barlavento. A área do
lado protegido da barreira é conhecida como "zona de calmaria" e tem
forma de cunha, com velocidade do vento bem reduzida, turbulência
-- - ---
moderada e pequenos torvelinhos. Acima da zona de calmaria, numa
distância de diversas vezes a altura das árvores, há uma "zona de turbu- Figura 7.7 -Perfis de vento de um quebra-vento muito denso e de um penetrável. Um quebra-vento
rarefeito (penetrável) reduz a velocidade do vento mais eficazmente do que um muito denso (impe-
lência", de torvelinhos grandes, mais turbulência e menor redução da nelrável) e o faz por uma distância maior. Adaptado de McNaughton (1988) e Guyot (1989).
velocidade do vento.

198 199
Como o quebra-vento cria um obstáculo ao vento quando esse se Tabela 7.1
aproxima da barreira, o fluxo é, na verdade, defletido para cima. Perto Impactos relativos de quebra-ventos
do topo do quebra-vento, o fluxo é comprimido e acelerado. Imediata- sobre as produtividades de várias culturas de grãos e forragem
mente a sotavento, o fluxo é reduzido quase a zero, num quebra-vento
muito denso, e a velocidades inte1mediárias, numa barreira penetrável. Cultura Aumento percentual da produtividade cm relação a áreas sem barreiras

Há uma zona de forte quebra de velocidade, imediatamente acima do Alfafa 99


topo do quebra-vento, que se alarga e segue a linha de fluxo quando o ar Milheto 44
Trevo 25
se move a sotavento, misturando-se, finalmente, com o ar na zona de Cevada 25
turbulência, até retomar novamente à sua velocidade normal num ponto Arroz 24
a 20-30 alturas da barreira. Trigo de inverno 23
Centeio 19
A densidade e a penetrabilidade de um quebra-vento têm um efêi- Mostarda 13
to significativo na distância sobre a qual ele pode alterar o fluxo do Milho 12
Linho 11
vento. Barreiras mais densas provocam maiores reduções de velocida- Trigo de primavera 8
de a sotavento bem como um impacto maior de vento entre o ar retarda- Aveias 3
do e a zona acelerada, acima. Também criam mais turbulência, uma vez
Dados de Kart (1988).
que a perda de energia cinética do fluxo original deve ser equilibrada
por um aumento de energia cinética nos torvelinhos. Isso leva a uma
Numa revisão da influência de quebra-ventos sobre hortaliças
recuperação rápida da velocidade a sotavento e, portanto, a uma menor
e outras culturas especiais, 18 Baldwin (1988) relata que há evidên-
área protegida. Foi mostrado que uma barreira com uma penetrabilida- cias contundentes para apoiar e ilustrar os efeitos positivos da pro-
de de 40% reduz eficazmente a velocidade por uma distância de 30 al-
teção contra o vento. O reridimento aumenta de 5% a 50% para di~
turas a sotavento (Tibke, 1988). versas culturas, incluindo feijão, beterraba açucareira, tomate, ba-
Além de reduzir a erosão do solo, o efeito mais tangível dos que-
tata, melão, tabaco, bagas, cacau, café, algodão, seringueira e quia-
bra-ventos é o aumento do rendimento final da cultura. Um maior rendi-
bo. A maior parte dos benefícios ocorre na distância equivalente a
mento é o ganho mais óbvio, mas precocidade e melhor qualidade da
10 alturas a sotavento, atingindo o máximo entre 3 e 6 alturas. Tam-
colheita também são benefícios importantes. Menos estresse no lado bém há benefícios de O a 3 metros, a barlavento. Um exemplo de
protegido da barreira permite que as plantas destinem mais energia para
c_omo a melhoria do rendimento da soja varia com a distância a par-
o crescimento vegetativo ou reprodutivo, e menos à manutenção. Ocor-
tir de um quebra-vento é mostrado na figura 7.8. Nesta cultura, o
re menos dano físico, as perdas por transpiração são minimizadas, e benefício maior mostrou-se a 4 alturas, no lado protegido; o interes-
temperaturas e umidade mais altas contribuem para maior quantidade e
sante, contudo, é que o rendimento reduziu-se na distância de 1 altu-
qualidade da produção. ra, possivelmente em razão de sombreamento, competição de raízes
Numa extensa revisão mundial da pesquisa sobre os benefícios dos
ou alelopatia.
quebra-ventos para culturas de grãos e forragem, Kort (1988) descobriu
que a maioria delas apresenta melhor rendimento quando plantada em áreas
com quebra-ventos, mas que algumas se beneficiam mais do que outras.
Uma f01Tageira de folha larga, como a alfafa, com alta taxa de perda d'água
por transpiração pelo vento, parece se beneficiar mais; grãos de ciclo
curto, como o trigo de primavera e a aveia, são os que menos se benefici- 18
'.'Specialty crops", no original. Refere-se a culti vos de ervas medicinais, flores ornamen-
am. As descobertas de Kort são apresentadas na tabela 7 .1. tais, ele. (N. T.)

200 201
Produtividade (t/ha) para manejo de pragas e, até, ajudar no manejo de geadas. Protegidas
do vento, frutas de clima temperado, como ameixa, pêra e uva, mostram
3 Média a campo aumentos de rendimento de 10 a 37%; frutas subtropicais, como kiwi,
laranja e limão, apresentam aumentos de até 30% (bem como ganhos
importantes na qualidade); e frutas tropicais, como a banana, têm gan-
2 hos de rendimento de pelo menos 15%, principalmente devido a uma
redução no acamamento dos caules maduros de bananeira.

Técnicas de plantio
1
Uma alternativa para quebra-ventos permanentes, compostos de
árvores ou arbustos, é o plantio, dentro da área, de anuais que protegem
o a cultura principal. Milho (Zea mays), girassol (Helianthus annus) e
diversos outros, como o sorgo (Sorghum bicolor) e milheto pérola (Pen-
Distância do quebra-vento nisetum americanum), são exemplos de plantas anuais usadas com essa
(h = altura das árvores)
finalidade. Tais barreiras anuais têm certas vantagens sobre cinturões
protetores de árvores perenes, por serem mJ!is fáceis, mais rápidas e
Figura 7 .8 -Influência da proteção do quebra-vento sobre a produtividade da soja por distâncias
variáveis, a partir do quebra-vento. Dados de Baldwin e Johnston (1984). mais baratas de se implantar e por permitirem maior flexibilidade nas
operações de produção. Como quebra-ventos, as barreiras de anuais
Em hortaliças e outras culturas especiais, a melhoria da qualidade reduzem a velocidade do vento, melhorando as condições de umidade e
pode ser um benefício tão importante quanto o aumento do rendimento. temperatura para as plantas vizinhas. Elas são usualmente plantadas ao
A qualidade pode ser melhorada de várias maneiras, incluindo o au- mesmo tempo que o cultivo principal, freqüentemente como fileiras in-
mento no conteúdo de açúcar em culturas como beterraba açucareira e dividuais intercaladas. Outra técnica é plantá-las (geralmente centeio)
morango; a redução da abrasão pela areia soprada pelo vento em plan- como um cultivo de cobertura de outono e, então, reduzir esse plantio a
tas como o melão; e o amadurecimento precoce da maioria das plantas faixas alternadas na primavera, passando uma grade de arraste quando
cultivadas. Uma vez que plantios de hortaliças e outras culturas especi- o cultivo principal é plantado. A pesquisa mostrou que uma penetrabi-
ais são altamente suscetíveis a danos e à abrasão provocados pelo ven- lidade de 40 a 50% na barreira tem os melhores resultados sobre os
to, melhorias na qualidade são facilmente convertidas em maior retorno rendimentos das culturas. E que as plantas precisam ser resistentes ao
econômico, que se soma aos ganhos pelo aumento do rendimento. acamamento, espaçadas de acordo com as necessidades do cultivo as-
Os quebra-ventos também se mostraram capazes de proporcionar sociado e com as condições locais de vento e estabelecidas com preco-
benefícios substanciais à produção de frutíferas e videiras (Norton, cidade suficiente para dar a proteção necessária. Como o estabeleci-
1988). A proteção, durante todo o ano, é crítica para a sobrevivência e mento dos quebra-ventos anuais é incorporado no processo de plantio
desenvolvimento de pomares. A modificação do microclima pelo que- do cultivo principal, esta técnica oferece flexibilidade considerável ao
bra-vento pode melhorar a polinização e o desenvolvimento dos frutos, produtor. O tempo gasto e o espaço ocupado pela barreira são mínimos.
conduzindo, por sua vez, a maiores rendimentos. O dano mecânico tam- Freqüentemente, os girassóis são usados como barreiras anuais para
bém é reduzido, melhorando a qualidade das frutas e o ganho econômi- melhorar as condições de cultivo de tomate, brócolis, alface e outras
co. O desenho e manejo adequados do quebra-vento também podem re- anuais em áreas ventosas do vale Salinas, na Califórnia. E o milho ge-
duzir a evaporação, aumentar a flexibilidade da aplicação de materiais ralmente é usado para proteger plantações de morangos da abrasão nas

202 203
folhas, danos aos frutos e redução da dispersão de ácaros em áreas cos-
teiras da Califórnia central. Os rendimentos de culturas anuais como
vagens 19 e tomates frescos para o mercado melhoraram até 30% com o A
uso de tais barreiras (Bilbro e Fryrear, 1988).
O jeito de plantar as próprias culturas também pode tomá-las mais
resistentes ao acamamento e a outros danos por vento. Em culti vos capa-
zes de produzir raízes adventícias na parte inferior do caule, um plantio B
mais profundo pode ajudar a ancorar a planta mais firmemente no solo.
Crucíferas, como a couve-de-bruxelas, o repolho e o brócolis, benefici-
am-se muito quando as mudas transplantadas são enterradas profundamente,
cobrindo a maior parte do caule abaixo dos cotilédones, permitindo que
a planta forme mais raízes quando se desenvolve. Senão, a pequena muda,
com poucas folhas, pode ser chicoteada como uma pandorga em uma li-
nha se estiver muito ventoso, chegando a quebrar no nível do solo. Em
áreas ventosas do México, a semente do milho é, com freqüência, planta-
da profundamente na base de um sulco, de forma que, à medida que a
planta se desenvolve, a terra possa ser acumulada ao redor da base do
colmo, quando do controle das ervas adventícias. Na época em que a plan-
tação está quase totalmente desenvolvida, os pés de milho parecem estar
plantados no topo das linhas e, como resultado de sua fixação mais forte
no solo, são muito mais resistentes ao acamamento que pode ocorrer quando E
tempestades convectivas criam ventos de alta velocidade.
Figura 7.9 - Amontoa de solo para reduzir o acamamento do milho. As sementes são plantadas no
Época de plantio fundo de sulcos (B). Depois de um período de crescimento (C), os sulcos são enchidos com solo
oriundo do espaço entre as linhas (D). O solo continua a ser amontoado ao redor dos pés de milho
Rotações de culturas podem ser usadas para ajustar sistemas de à medida que eles crescem (E), criando linhas elevadas nas quais o milho fica firmemente fixado. A
cultivo aos padrões de vento. As culturas que tendem a sofrer danos técnica também tem as vantagens de coletar chuva escassa para a semente (8) e pennitir remoção
e incorporação de ervas adventícias quando o solo entre as linhas é movimentado (D e E).
podem ser plantadas durante épocas menos ventosas (assumindo-se que
as outras condições sejam adequadas), seguidas por plantas tolerantes.
Se a erosão pelo vento for um problema maior do que o dano à cultura, Variedades genéticas resistentes aos efeitos do vento
pode ser aconselhável não expor toda a área. Em vez disso, uma parte Uma maneira útil de prevenir acamamento em cultivos de grãos é
dela pode ser plantada mais cedo com uma cultura que serviria, então, plantar um material genético que seja de estatura mais baixa do que o
como uma barreira para faixas cultivadas mais tarde. Outra opção para usual. Os produtores locais do istmo de Tehuantepec, no sul do México,
prevenir a erosão pelo vento é cultivar, em áreas protegidas, plantas por exemplo, onde há vento durante toda a estação de produção, seleci-
que deixam poucos resíduos, enquanto as que deixam maior volume iri- onaram milho de baixa estatura, colmo mais grosso e sistema de raízes
am em áreas mais expostas da prop1iedade. bem desenvolvido. Essas variedades locais são altamente resistentes
ao acamamento. Uma dessas variedades, chamada de tuxpan, foi usada
como o material genético no cruzamento com variedades melhoradas
19
"Snap beans", no original.

204 205
da "revolução verde", para desenvolver milho mais baixo, resistente De certa forma, esses passos podem envolver um retomo ao uso de an-
ao acamamento, com uma carga de sementes mais alta, bem como para tigas tecnologias, tais como quebra-ventos e cercas vivas. Não obstan-
desenvolver variedades mais apropriadas à colheita mecanizada. te, existe uma necessidade crítica de entender a base ecológica do uso
dessas práticas ou estratégias. Somente então desenvolveremos mais um
UTILIZANDO O VENTO componente mensurável da sustentabilidade e, como resultado, ajuda-
remos a estabelecer um papel mais ativo para quebra-ventos, turbinas
Discutimos como um produtor pode manejar o vento a fim de tirar de vento e o manejo de padrões diários de vento em sistemas sustentá-
vantagem de seus efeitos positivos ou para mitigar os impactos negati- veis de produção agrícola.
vos. Mas o vento tem outros usos em sistemas de produção agticola,
que contribuem com a meta maior da sustentabilidade. A utilização da
energia do vento pode ajudar a reduzir o aporte externo e o uso de ener- Para ajudar a pensar
gia não renovável, especialmente a queima de combustíveis fósseis. Isto
está se tomando especialmente importante para produtores e sistemas 1. Em certos casos, um fator ecológico pode ser limitador na ausência
'l de produção agticola familiar dos países em desenvolvimento. de vento mas não limitador quando o vento está presente. Cite alguns
Muitos métodos de utilização do vento são bastante simples. Por exemplos disto.
exemplo, pode ser usado para separar sementes de cascas e folhas (aven- 2. O argumento mais comum para o não uso (ou mesmo para a remoção)
1 tar) e para secagem. O feijão colhido pode ser pendurado na prepara- de quebra-ventos e cinturões protetores é que eles ocupam terra valiosa
ção para a debulha, ou frutas como uvas secas e damasco podem ser para produção agticola. Quais são os contra-argumentos principais para
dispostas para secagem pelo vento. Uma leve brisa ajuda consideravel- essa mentalidade de cultivo da "cerca até a cerca"?
mente na remoção da camada de umidade que pode se formar próximo 3. O vento é um daqueles fatores que podem ter, simultaneamente, efei:
da planta ou de seu produto. tos negativos e positivos. Cite exemplos possíveis dessa situação. Como
Finalmente, cata-ventos são usados para dirigir a força do vento você manejaria o vento nesses casos?
para uma ampla gama de atividades agticolas, desde bombear água até 4. Quais são as barreiras principais para o uso mais amplo da fonte de
gerar eletricidade para uso em operações de produção ou nas constru- energia gratuita e renovável contida no vento?
ções rurais. Propriedades em áreas isoladas, especialmente nos países
em desenvolvimento, onde o vento é um fator constante, são candidatas
apropriadas para utilizar a força do vento. Leitura recomendada
VENTO E SUSTENTABILIDADE BAER, N. W. Shelterbelts and windbreaks in the great plains. J. Forestry, v.87, p.32-
36, 1989.
Uma revisão excelente do importante papel ecológico das árvores em agroecossis-
O vento é um componente importante do clima e do tempo em todo
temas na região das planícies ventosas dos Estados Unidos.
o mundo. Ele também é um fator que freqüentemente tem impactos per-
BRANDLE, J. R.; HINTZ, D. L. Special issue: windbreak technology. Agriculture,
turbadores ou danosos sobre agroecossistemas. Ao aprendermos como Ecosystems & Environment, n. 22/23, p. 1-598, 1988.
desenhar agroecossistemas de forma que sejam capazes de resistir e Anais de um simpósio que reuniu peritos de todo o mundo no desenho e uso de que-
mesmo mitigar os aspectos negativos do vento, caminhamos na direção bra-ventos na agricultura.
da sustentabilidade. Mas os passos mais importantes virão com o de- CABORN, M. Shelterbelts and windbreaks. London: Faber and Faber, 1965.
senvolvimento de estratégias de manejo e desenho que acentuem opa- O livro-fonte essencial para informações sobre a função e manejo dos cinturões de
pel positivo que o ar em movimento pode desempenhar na agricultura. proteção e quebra-ventos na agricultura.

206 207
COUTTS, M. P.; GRACE, J. Wind and trees. New York: Cambridge University Press,
1995.
Uma revisão completa dos impactos ecológicos e fisiológicos do vento sobre as
árvores, e das adaptações que elas desenvolveram para resistir a esses impactos.
GEIGER, R. The climate near the ground. Cambridge: Harvard Univ. Press, 1965.
8
A fonte definitiva de informações sobre a formação de microclimas e como eles
causam impacto sobre os organismos vivos.
GRACE, J. Plant response to wind. London: Academic Press, 1977. Solo
Uma revisão muito completa de adaptações e respostas das plantas ao fator vento.
LYLES, L. Basic wind erosion processes. Agriculture, Ecosystems & Environment,
n.22/23, p.91-101, 1988. O solo é um componente complexo, vivo, dinâmico e em transfor-
Uma revisão muito detalhada de como ocorre a erosão eólica, e quais são os fatores
ecológicos que a promovem; fornece uma importante base para evitar danos de ero-
mação do agroecossistema. Está sujeito a alterações e pode ser degra-
são pelo vento. dado ou manejado sabiamente. Boa parte da agricultura atual, que dis-
MOSS, A. E. Effects of wind-driven salt water. J. Forestry, n.38, p.421-425, 1940. põe de uma série de tecnologias mecânicas e químicas para modificá-
Uma revisão-chave de pesquisa sobre como o vento e o sal combinam-se para se lo rapidamente, freqüentemente vê o solo como algo do qual extrair uma
tornar um fator importante do ambiente. colheita. Em geral, os produtores têm o solo como algo garantido e pres-
REIFSNYNER, W. S.; DARNHOFER, T. O. Meteorology and agroforestry. Nairo- tam pouca atenção aos complexos processos ecológicos que acontecem
bi, Kenya: International Council for Research in Agroforestry, 1989. abaixo da superfície. Em oposição, a premissa deste capítulo é de que
Uma referência geral à energia do vento, e uma revisão excelente de como as árvo-
entender meticulosamente a ecologia do sistema solo é parte fundamen~
res na agricultura podem desempenhar papéis importantes na modificação de fato-
res e condições de microclima.
tal do desenho e manejo de agroecossistemas sustentáveis, nos quais a
TIBKE, G. Basic principies of wind erosion control. Agriculture, Ecosystems &
fertilidade é mantiâa a longo prazo. '
Environment, n.22/23, p.103-122, 1988. A palavra solo, no seu sentido mais amplo, refere-se àquela por-
Uma revisão detalhada de como os seres humanos podem intervir para reduzir bu ção da crosta da Terra onde as plantas estão fixadas; isto inclui tudo,
eliminar perdas de solo pelo vento. de solos profundos da várzea de um rio até uma fenda numa rocha
USDA- Soils and men. Washington, D.C.: U.S. Government Printing Office, 1938. com um pouco de poeira e detritos de plantas. Mais especificamen-
Uma fonte de referência clássica sobre as importantes formas de manejo do solo te, o solo é aquela camada superficial da terra, intemperizada, mis-
para evitar problemas de degradação, erosão e perdas, com opções de manejo apro-
priado, que continuam aplicáveis na agricultura de hoje.
turada com organismos vivos e os produtos de suas atividades meta-
bólicas e de decomposição (Odum, 1971). O solo inclui material
derivado de rochas, substâncias orgânicas e inorgânicas oriundas de
organismos vivos, e o ar e a água que ocupam os espaços entre as
partículas de solo.
Numa perspectiva agrícola, um solo "ideal" é composto de 45%
de minerais, 5% de matéria orgânica e 50% de espaço, com o "espaço"
preenchido, metade com água e metade com ar. É difícil encontrar qual-
quer coisa que possamos chamar de um solo "típico", uma vez que cada
local ou lugar tem propriedades únicas que, em última instância, deter-
i minam o resultado final do processo de formação do solo.

1
1 209
208
Processos de formação e desenvolvimento do solo nadas. Além disso, o dióxido de carbono contido na água que se infiltra
nas rachaduras pode formar ácido carbônico, que retira elementos como
Processos biológicos combinam-se com processos físicos e quí- cálcio e magnésio dos minerais da rocha, formando carbonatos. Neste
micos, em cada região climática e local específicos, para formar o solo. processo, há enfraquecimento da estrutura cristalina da rocha, tomando-a
Uma vez formado, o solo transforma-se e desenvolve-se devido a esses mais suscetível ao desgaste físico. Partículas mais finas misturam-se com
e a outros processos biológicos, físicos e químicos. Devido a varia- partículas maiores, devido ao movimento físico criado pelas forças com-
ções na inclinação, clima e tipo de cobertura vegetativa, formam-se binadas da gravidade, mudança de temperatura e umedecimento e seca-
muitos solos distintos, em íntima justaposição entre si, embora o mate- gem alternados. Mesmo as forças abrasivas das rochas, umas contra as
rial-mãe possa ser razoavelmente semelhante. outras, durante esse movimento, podem formar partículas menores. No
Processos naturais de formação e desenvolvimento do solo levam final do processo, o regolito não consolidado toma forma.
um tempo considerável. Por exemplo, estima-se que somente 0,5t de solo Dependendo das condições locais e história geológica, o regolito
de cobertura por acre são formadas, anualmente, em zonas de produção pode ter sido formado recentemente, levemente intemperizado e consti-
de milho e trigo, na região central do meio-oeste dos Estados Unidos. tuído principalmente de minerais primários, ou pode ter sido submetido
Em contraste, estima-se que cerca de 5 a 6t de solo por acre sofrem à intemperização intensiva e ser constituído de materiais mais resisten-
erosão em terra cultivada por meios convencionais, nessas áreas, e as tes, como o quartzo.
perdas de solo freqüentemente excedem 15-20t por acre em alguns anos
(Jackson, 1980). Transporte

À medida que uma rocha é partida em materiais menores e mais


FORMAÇÃO DE REGOLITO
soltos, ela pode permanecer no lugar e, posteriormente, formar solos
No conjunto, a camada ou manta de material não consolidado en- residuais, mas seu destino mais provável é que seja carregada para cer 0
tre a superfície do solo e a rocha sólida abaixo é chamada regolito. O ta distância e depositada. As forças do vento, o movimento da água, a
elemento mais básico do regolito é seu componente mineral, formado gravidade e o movimento de gelo glacial podem transportar partículas
de partículas de solo provenientes da desagregação do leito rochoso ou intemperizadas de solo. Os solos transportados têm diferentes classifi-
material de origem. Essas partículas podem ser oriundas da rocha abai- cações, dependendo da maneira como suas partículas foram transporta-
xo ou terem sido transportadas de outro lugar. Onde as partículas mine- das. O solo é chamado de:
rais foram formadas no local, a partir do leito rochoso, tem-se um solo - coluvião, quando foi transportado pela gravidade;
residual. Onde foram carregadas de algum outro lugar pelo vento, água, - aluvião, quando foi transportado pelo movimento da água;
gravidade ou gelo, tem-se um solo transportado. - solo glacial, quando foi transportado pelo movimento de geleiras;
- solo eólico, quando foi transportado pelo vento.
Intemperização Física
PROCESSOS BIÓTICOS
O desgaste da rocha e de seus minerais é a fonte original das partí-
culas minerais do solo, quer permaneçam no local, quer sejam removidas Mais cedo ou mais tarde, dependendo da consistência do regolito,
para outro. As forças combinadas da água, vento, temperatura e gravida- as plantas se estabelecem no material intemperizado. Elas aprofundam
de lentamente intemperizam a rocha, fragmentando-a, acompanhadas pela raízes que retiram nutrientes do material mineral, os armazenam por um
decomposição gradual dos próprios minerais. A água pode infiltrar-se tempo na própria planta e, finalmente, os devolvem à superfície do solo.
em rachaduras e fendas da rocha, provocando fragmentação, devido ao Raízes profundas, mais adiante, fragmentam o regolito, captam nutrien-
aquecimento e ao resfriamento, que causam dilatação e contração alter- tes que foram lixiviados da camada superior e os adicionam à superfí-

210 211
cie do solo, na forma orgânica. O resíduo das plantas serve, então, como entra em solução na água. O calcário é particularmente suscetível à so-
uma fonte importante de energia para as bactérias, fungos, minhocas e lução em presença de água com alto teor de ácido carbônico; em casos
outros organismos de solo que se estabelecem na área. extremos, a solução de calcário conduz à formação de cavernas calcá-
A matéria orgânica é fragmentada em formas mais simples através rias em áreas de fluxo subterrâneo d' água. Finalmente, a oxidação é a
da decomposição e mineralização. A pedofauna - centopéias e outros conversão de elementos como o ferro, a partir de sua forma reduzida
miriápodes, minhocas, ácaros, gafanhotos e outros- consome detntos de original, em uma forma oxidada, na presença de água ou ar. Uma insta-
plantas depositados frescos e os converte em material parcialmente de- bilidade da estrutura cristalina geralmente acompanha este processo.
composto, quer na forma de excrementos ou de seus próprios corpos mor- Quando minerais são liberados do material de origem consolidado,
tos. Esse material sofre, então, uma decomposição adicional por micror- outro processo químico de grande importância é a formação de minerais
ganismos, principalmente bactérias e fungos, resultando_em uma série de secundários, sendo os argilosos os mais importantes. A mineralogia da
componentes como carboidratos, ligninas, gorduras, resmas, ceras e pro- argila é um campo de estudo muito complexo, mas é fundamental ent~n,-
teínas. Na seqüência, a mineralização quebra esses compostos em produ- der alguns aspectos básicos da sua formação, já que eles têm impactos
tos simples, como dióxido de carbono, água, sais e minerais. tão acentuados no crescimento e desenvolvimento das plantas.
A fração de matéria orgânica deixada no solo como resultado da Os minerais argilosos são partículas muito pequenas no solo, mas
decomposição e mineralização é chamada de húmus. Ele tem um certo afetam tudo, desde a retenção da água até a disponibilidade de nutrien-
tempo de vida no solo, sendo após destruído. Húmus novo, entretanto, tes, como será discutido adiante. Eles são formados por processos com-
está constantemente substituindo o antigo, e o ponto de equilíbrio entre plexos nos quais os silicatos são modificados e reorganizados quimica-
os dois é um fator importante no manejo do solo. mente. Dependendo da combinação das condiçôes climáticas e do ma-
terial de origem, os minerais secundários formados são de dois tipos
INTEMPERIZAÇÃO QUÍMICA básicos: silicatos, que são predominantemente compostos de placas
microscópicas de silicato de alumínio, com arranjos diferentes e apre-
Enquanto o regolito está se formando, começando a sofrer a ação
sença ou ausência de outros elementos, como ferro e magnésio; e hidró-
de organismos vivos, a intemperização química também está ocorren-
xidos, que carecem de uma estrutura cristalina definida e são compos-
do. Essa inclui processos químicos naturais que auxiliam na decompo-
tos de óxidos de alumínio e de ferro hidratados, em que muitos dos íons
sição do material de origem, na conversão de materiais de uma forma
de silício foram substituídos.
para outra no solo e no seu movimento dentro dele. Quatro processos
As argilas encontradas em qualquer solo serão uma mistura de di-
químicos diferentes são especialmente importantes na formação e de-
versos subtipos desses dois tipos básicos de minerais de argila secun-
senvolvimento do solo: hidratação, hidrólise, solução e oxidação.
dários, embora um ou alguns subtipos possam predominar. Quando os
A hidratação é a adição de moléculas de água à estrutura química
silicatos dominam, existem sítios abundantes para a adsorção de cáti-
de um mineral. Ela é uma causa importante da dilatação e fratura de
ons, dando ao solo um potencial produtivo relativamente alto. Quando
cristais. A hidrólise ocorre quando vários cátions da estrutura cristali-
os hidróxidos dominam - como em muitas regiões tropicais úmidas -,
na original de silicatos são substituídos por íons de hidrogênio, causan-
menos sítios de troca de cátions estão disponíveis, tornando o solo mais
do a decomposição. Em regolito com pH baixo, a maior concentração
difícil para o cultivo, devido à sua baixa capacidade de troca de cáti-
de H+ acelera a hidrólise. A liberação de ácidos orgânicos, como um
ons de nutrientes.
subproduto das atividades metabólicas de organismos vivos ou da de-
A matéria orgânica, de resíduos de plantas ou da atividade de
composição de matéria orgânica morta, também pode somar-se a esse
organismos vivos, tem impactos importantes em todos esses proces-
processo. A solução ocorre quando o material de origem, com alta con-
sos de intemperização química do material de origem e acelera sen-
centração de minerais facilmente solúveis (como nitratos ou cloretos),
sivelmente a formação do regolito. Mas é do maior interesse agríco-

212 213
la o conjunto de interações químicas e biológicas que acontecem uma
vez que a rocha e os minerais tenham sido convertidos em pequenas
O Orgânico

partículas de solo.
A Mineral; misturado
com húmus na zona superior

Horizontes do solo
B Argilas depositadas,
Com o tempo, os processos biológicos, físicos e químicos locali- óxidos de ferro, óxidos de alumínio
zados no regolito conduzem ao desenvolvimento de camadas visíveis
no solo, chamadas horizontes. Juntos, os horizontes de um determinado
local dão umpeifil de solo diverso a cada solo. Cada horizonte do per- C Menos intemperizado;
fil tem uma combinação distinta de características. maior densidade

O PERFIL DO SOLO
R Material de origem
Em termos gerais, um perfil de solo é formado de quatro horizon- não intemperizado
tes maiores: o orgânico, ou horizonte O, e três horizontes minerais. O
horizonte O fica na superfície do solo; imediatamente abaixo dele fica Figura 8.1 - Perfil generalizado de um solo.
o horizonte A, onde a matéria orgânica se acumula e a estrutura de par-
Os processos que conduzem à diferenciação de horizontes fun-
tículas do solo pode ser granular, em blocos, ou laminar. Abaixo do
cionam de maneiras distintas, dependendo das condições regionais e
horizonte A fica o horizonte B, onde materiais lixiviados do horizonte
locais. Tais diferenças resultam em quatro tipos básicos de desenvol-
A podem se acumular na forma de silicatos, argila, ferro, alumínio ou
vimento de solo, resumidos na tabela 8.1. O processo de calcificação
húmus, e a estrutura do solo pode ser em blocos, prismática ou colunar.
é mais característico de áreas de vegetação de campos em climas su-
Finalmente, existe o horizonte C, feito de material de origem intemperi-
búmido a árido e temperado a tropical. A podzolização é mais carac-
zado derivado do material local ou de material para aí transportado há
terística de áreas temperadas úmidas, onde as florestas são a cobertu-
algum tempo. Material lixiviado ou depositado dos horizontes A e B
ra vegetativa dominante há muito tempo. A laterização ocorre em so-
pode ser encontrado no horizonte C, como carbonatos de cálcio e de
los mais velhos e altamente intemperizados das regiões de florestas
magnésio, especialmente em áreas de baixa precipitação. Dependendo
úmidas subtropicais e tropicais, e a gleização é mais comum em solos
da profundidade dos quatro horizontes superiores, um horizonte R, com-
onde a água fica na (ou próxima à) superfície uma boa parte do ano.
posto da rocha, pode também ser incluído como parte do perfil do solo.
Mas, dependendo das condições localizadas de inclinação, drenagem,
Uma vez que as separações entre eles dificilmente são nítidas,
vegetação, profundidade até a rocha, etc., combinações desses pro-
os horizontes descritos, na realidade, formam um contínuo no perfil
cessos podem ser encontradas. Geralmente, a formação e o desenvol-
do solo. Um perfil de solo típico é apresentado de forma esquemática
vimento do solo são processos ecológicos em que ele influi e é influ-
na figura 8.1. A profundidade, características e diferenciação de cada
enciado pela vegetação.
horizonte em cada perfil de solo é resultante dos impactos combina-
dos das propriedades do material do solo (sua cor, conteúdo de maté-
ria orgânica e características químicas e físicas), do tipo de cobertura
vegetativa e do clima.

214 215
Tabela 8.1 são mais importantes em condições ácidas, enquanto minhocas e cupins
Quatro tipos de desenvolvimento do solo tendem a predominar na neutralidade ou acima dela.
O processo complexo de agregação de partículas do solo, que cria
Processo Umidade Temperatura Vegetação Características o que é chamado de estrutura grumosa, é muito influenciado pelo húmus
de desenvolvimento típica resultantes
formado durante a decomposição na camada orgânica. Além disso, mui tos
Gleização Alta Bem fria Tundra Horizontes processos valiosos de fertilidade de solo, discutidos posteriormente
compactos, pouca neste capítulo, estão intimamente relacionados com as características
atividade biológica
ecológicas desta importante camada.
Podzolização Alta Fria Floresta de acículas, Horizonte A de cor
a temperada floresta decídua clara; horizonte B
amarelo-marrom
com alto teor de ferro Características do solo
e alumínio

Laterização Alta Temperada Floresta úrrrida lnternperizado até Com vistas em desenvolver e manter um sistema saudável de solo,
aquente grande profundidade; bem como julgar adequadamente determinadas estratégias de manejo, é
horizontes nãodistin-
tos; baixo teor de nu- importante que se entenda algumas propriedades mais essenciais dos
trientes para plantas solos, na medida em que elas afetam a resposta das culturas.
Calcificação Baixa Fria a quente Pradaria, Horizonte A espesso,
estepe, deserto rico em cálcio, nitro- TEXTURA
gênio e matéria orgâ-
nica (exceto em de-
sertos)
A textura do solo é definida como o percentual, em peso, do
solo mineral total que se distribui em várias classes de tamanho de
partícula. Essas classes de tamanho são cascalho, areia, silte e argi-
IMPORTÂNCIA DO HORIZONTE ORGÂNICO la (ver tabela 8.2). Partículas maiores do que 2,0mm de diâmetro
são classificadas como cascalho. A areia é facilmente visível a olho
Em ecossistemas naturais, o horizonte O é a parte biologicamente nu e ocasiona uma sensação de abrasão quando esfregada entre os
mais ativa do perfil do solo e, ecologicamente, a mais importante. Ele dedos. Sua baixa relação superfície/volume a torna porosa à água e
desempenha um papel significativo na vida e distribuição das plantas e menos capaz de absorver e reter nutrientes. O silte, embora mais fino
animais, na manutenção da fertilidade e em muitos processos de desen- do que a areia, ainda é granuloso na aparência e sensação, mas re-
volvimento do solo. Macro e microrganismos responsáveis pela decom- tém água e nutrientes de forma mais ativa. As partículas de argila
posição são mais ativos nesta camada e na parte superior do horizonte são difíceis de se ver separadas, a olho nu, mas se parecem com e
A. É significativo que o horizonte O, em geral, seja bastante reduzido, dão a sensação de farinha. As partículas de argila, que requerem um
ou mesmo ausente, em solos cultivados. microscópio para serem vistas, são coloidais, no sentido de que po-
A combinação de clima local e tipo de vegetação contribui para as dem formar uma suspensão na água e são sítios ativos para a adesão
condições que promovem a atividade nesta camada; porém, ao mesmo de nutrientes ou moléculas de água. Como resultado, a argila contro-
tempo, a qualidade da camada tem influência profunda sobre os tipos la as propriedades mais importantes, incluindo a plasticidade e tro-
de organismos que prosperam. As bactérias, por exemplo, preferem ca de íons entre partículas, bem como a água do solo. Um solo muito
condições quase neutras ou levemente alcalinas, enquanto os fungos pre- rico em argila, contudo, pode ter problemas de drenagem e, quando
ferem condições mais ácidas. Ácaros e colêmbolos que habitam no solo seco, exibir rachaduras.

216 217
100 <:::I
Tabela 8.2
Classificações de texturas de solo
80
Categoria Faixa de diâmetro* (mm)

2,00- 1,00
Areia muito grossa
Areia grossa
Areia média
1,00-0,50
0,50-0,25 I
Percentual de Argila
60 \
Areia fina 0,25 -0,IO
Areia muito fina
Silte
0,I0-0,05
0,05 -0,002
/ 40
Argila <0,002

*de acordo com o sistema do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos.

Os solos, em sua maioria, são uma mistura de classes de textura e,


com base no percentual de cada classe, são denominados conforme o
mostrado na figura 8.2. Numa perspectiva agrícola, a areia dá ao solo
uma boa drenagem e contribui para facilitar o cultivo, mas um solo are-
noso também seca facilmente e perde nutrientes por lixiviação. A argi- Percentual de areia

la, no outro extremo, tende a não ter uma boa drenagem e pode, facil-
Figura 8.2 - Nomes das texturas do solo. O melhor tipo de solo é_dete1minad_o pela cul:ura_e
mente, se tomar compactada e difícil de trabalhar, embora seja boa para condições locais; na maior parte das vezes, solos contendo quantidades ~elattvam~nte 1gua~~
reter umidade e nutrientes do solo. de argila, areia e silte - chamados terras francas - são melhores para finalidades agncolas. D1~
agrama do USDA. 20
Dizer que solo tem melhor textura depende das plantas que nele
serão cultivadas. Batatas, por exemplo, crescem melhor em um solo ra é um determinante importante da estrutura, mas, em geral, ela de-
arenoso, bem drenado, que ajuda a prevenir o apodrecimento dos tu- pende mais do conteúdo de matéria orgânica, das plantas que cres-
bérculos e toma a colheita mais fácil. O arroz irrigado cresce melhor cem, da presença de organismos e do status químico de um solo. As
em solos pesados, com alto conteúdo de argila, devido às adaptações estruturas de tipo grurnosa ou granular são benéficas para a agricultu-
particulares dessa cultura ao ambiente úmido. Um solo franco-argilo- ra, urna vez que melhoram a porosidade e facilitam o cultivo do solo,
so pode ser melhor, no conjunto, em um ambiente mais seco, enquanto resultando no que se conhece corno solo friável. 21 Quando um torrão
um franco-arenoso pode ser melhor em um ambiente úmido. A adição de solo é amassado na mão e se quebra facilmente na estrutura de gru-
de matéria orgânica muda as relações das partículas nas misturas, como rnos ou granular, observada na figura 8.3, significa que uma boa estru-
veremos a seguir. tura grurnosa está presente.
Na perspectiva agroecológica, uma boa estrutura grumosa é de con-
ESTRUTURA siderável importância. Partículas de solo que estão bem juntas em agre-
gados resistem à erosão pelo vento e pela água, especialmente durante
Além dos aspectos de textura anteriormente descritos, os solos
épocas do ano em que a cobertura vegetativa é mínima. Urna boa estru-
possuem uma macroestrutura que é resultante de como as partículas
individuais se juntam em aglomerados de formas e tamanhos diferen-
tes, chamados agregados (ver figura 8.3). Os agregados tendem a se 20 Departamento de Agricultura dos Estados Unidos. (N. T.)
tomar maiores à medida que aumenta a profundidade do solo. A textu- 21
"Tilth", no original

218 219
tura também ajuda a manter a densidade aparente baixa, definida como
Laminar Prismático Cofunar
o peso dos sólidos por unidade de volume do solo. O solo com densi-

1 m
dade aparente baixa tem um percentual mais alto de espaços de poros .
(porosidade mais alta), maior aeração, melhor percolação (permeabi-
lidade) e mais capacidade de armazenamento de água. Obviamente, é
mais fácil de preparar e permite que as raízes das plantas penetrem mais
facilmente. O cultivo excessivo do solo acelera a decomposição da sua Pode ocorrer
Comum em subsolos de regiões áridas e semi-áridas
em qualquer horizonte
matéria orgânica e aumenta o potencial de compactação, provocando a
elevação da densidade e a perda de muitas das vantagens de uma boa Em blocos Em blocos Granular Grumos
(subangular)
estrutura grumosa.
A formação de agregados de solo tem, essencialmente, dois com- o
00
ponentes: a atração entre partículas individuais, cujo grau depende
muito da textura do solo, e a cimentação, pela matéria orgânica, des-
ses grupos de partículas atraídas. O primeiro componente não pode
ser manipulado facilmente pelo produtor, pelo menos na prática, mas
Comuns em subsolos
o segundo pode sofrer um grande impacto das operações de manejo pesados de regiões úmidas Característicos de solos friáveis
agrícola. Assim sendo, uma boa estrutura grumosa pode ser mantida,
degradada ou melhorada.
Figura 8.3 - Padrões de agregação do solo. Modificado a partir de Brady e Weil (1996).
Por exemplo, preparo excessivo com equipamento pesado, en-
quanto o solo está demasiado úmido, pode conduzir à formação de
grandes torrões maciços, que, quando secam na superfície, são frag- do o ferro é reduzido a uma forma ferrosa, em vez de oxidado a uma
mentados com muita dificuldade. A compactação, ou a perda de espa- forma férrica na presença de oxigênio abundante. Solos esbranquiça-
ço de poros e elevação da densidade aparente, é uma indicação da dos, de cores claras, freqüentemente indicam a presença de quartzo,
perda da estrutura grumosa, e pode ser causada pelo peso das máqui- carbonatos ou gesso. Tabelas de cores padronizadas são usadas para
nas agrícolas, pela perda de matéria orgânica por preparo excessivo, determinar a cor de um solo.
ou por uma combinação das duas. Portanto, a cor serve como um indicador de determinadas condi-
ções de solo que um produtor pode querer buscar ou evitar, dependen-
COR do dos tipos ou sistemas de cultivas que possam ser usados. Análises
mais específicas da estrutura e da química do solo são necessárias para
A cor é muito importante na identificação dos tipos de solo e, ao completar o quadro, mas a cor é um bom início. Além disso, ela pode
mesmo tempo, pode nos contar bastante sobre a história do desenvolvi- ter influência na interação com outros fatores do ambiente. Por exem-
mento e manejo do mesmo. Solos de coloração escura são, geralmente, plo, em alguns sistemas tropicais de produção agrícola pode ser vanta-
indicadores de alto conteúdo de matéria orgânica, especialmente em joso ter um solo arenoso, de coloração clara na superfície, a fim de re-
regiões temperadas. Solos vermelhos e amarelos, normalmente, indi- fletir os raios solares e mantê-lo mais fresco; inversamente, uma super-
cam altos níveis de óxidos de ferro, formados sob condições de boa fície mais escura, em áreas com invernos frios, ajudará a temperatura
aeração e drenagem, mas essas cores também podem ser derivadas di- do solo a se elevar antes, na primavera, seeando-o mais cedo, permitin-
retamente do material de origem. Cores cinza e amarelo-amarronzada do sua preparação para plantio mais precoce.
podem ser indicadoras de drenagem pobre; essas cores formam-se quan-

220 221
CAPACIDADE DE TROCA DE CÁTIONS íons. Sob condições ácidas, estas pontes formam-se por associação de
íons de hidrogênio adicionais com grupos funcionais tais como O grupo
As plantas obtêm os nutrientes minerais do solo (como descrito nos hidroxila (OH). Um exemplo importante é a ligação de nitrato (NO ·)
capítulos 2 e 3) na forma de íons dissolvidos, cuja solubilidade é deter- com OH,+ formado em seguida à dissociação de moléculas de água sib
minada por sua atração eletrostática a moléculas de água. Alguns nutri- condições ácidas. A acidez do solo, por influenciar a carga elétrica nas
entes minerais importantes, como potássio e cákio, estão na forma de superfícies das partículas e controlar se outros íons são desalojados
íons com carga positiva; outros, como nitratos e fosfatos, estão na for- delas, afeta enormemente a retenção de íons e a disponibilidade a curto
ma de íons com carga negativa. Se esses íons dissolvidos não forem prazo de nutrientes, ambas componentes-chave da fertilidade do solo.
absorvidos imediatamente pelas raízes das plantas ou por fungos, eles
correm o risco de serem lixiviados da solução do solo. ACIDEZ E PH DO SOLO
As partículas de argila e húmus, separadamente ou em agregados
que formam estruturas lamelares conhecidas como micelas, têm superfí- Qualquer produtor agrícola experiente tem consciência da impor-
cies carregadas negativamente, que retêm, no solo, os íons com carga tância do pH do solo, ou do equilíbrio ácido/base. A faixa típica de pH
positiva, mais móveis e menores. O número de sítios, nas micelas, dispo- de solos fica entre muito ácido (pH 3) e fortemente alcalino (pH 8). Qual-
níveis para ligar íons carregados positivamente (cátions) determina o que quer solo acima de um pH 7 (neutro) é considerado básico, e aqueles
é chamado de capacidade de troca de cátions do solo (CTC), medida em com menos de 6,6 são considerados ácidos. Poucas plantas, especialmente
miliequivalentes de cátions por 100g de solo seco. Quanto mais alta a culturas agrícolas, crescem bem fora da faixa de 5 a 8. As leguminosas
CTC, melhor a capacidade do solo de reter e trocar cátions, prevenir a são particularmente sensíveis a um pH baixo, devido ao impacto que os
lixiviação de nutrientes e fornecer nutrição adequada às plantas. solos ácidos têm sobre os simbiontes microbianos na fixação de nitrogê-
A capacidade de troca de cátions varia de solo para solo, depen- nio. As bactérias, em geral, sofrem impacto negativo com pH baixo. A
dendo da estrutura do complexo argila/húmus, do tipo de micela presente acidez do solo é bem conhecida, também, por seus efeitos sobre a dispo-
e da quantidade de matéria orgânica incorporada. Poliedros de múltiplos nibilidade de nutrientes, nem tanto devido à toxicidade direta sobre a planta
lados formam vértices que variam em seus sítios de atração e flexibilida- quanto devido ao prejuízo na sua capacidade de absorver nutrientes es-
de em relação ao conteúdo de umidade. Os cátions prendem-se, com di- pecíficos, em um pH muito baixo ou muito alto. Toma-sé importante, en-
ferentes graus de atração, às superfícies externas das partículas e huma- tão, encontrar maneiras de manter o pH do solo na faixa ótima.
tos, carregadas negativamente. Os cátions mais persistentes - como íons A acidez de muitos solos aumenta através de processos naturais.
de hidrogênio adicionados pela chuva, ácidos carregados positivamente A acidificação do solo é resultado da perda de bases pela lixiviação de
da matéria orgânica em decomposição e ácidos liberados pelo metabo- água no perfil do solo, da absorção de íons de nutrientes pelas plantas e
lismo de raízes - podem deslocar outros cátions de nutrientes importan- sua remoção através de colheita ou pastoreio, e da produção de ácidos
tes tais como K• ou Ca2•. A matéria orgânica, na forma de húmus, é mui- orgânicos por raízes de plantas e microrganismos. Os solos que são fra-
tas vezes mais eficaz do que a argila para aumentar a CTC, uma vez que camente tamponados contra esses processos de aporte ou remoção ten-
tem uma razão muito maior de superfície de área/volume (daí mais sítios derão a ter a acidez aumentada.
de adsorsão) e por sua natureza coloidal. Práticas agrícolas que reduzem
o conteúdo de matéria orgânica podem, também, reduzir esse componen- SALINIDADE E ALCALINIDADE
te importante de manutenção da fertilidade do solo.
Íons negativos que são importantes para o crescimento e desen- É comum que os solos de regiões áridas e semi-áridas acumulem
volvimento das plantas, como nitratos, fosfatos e sulfatos, são adsorvi- sais, na forma solúvel ou insolúvel. Os sais liberados pela intemperi-
dos mais comumente em partículas de argila por meio de "pontes" de zação do material de origem, combinados com aqueles adicionados por

222 223
deste insumo está aumentando, e o fertilizante lixiviado polui as fontes
chuvas escassas, não são removidos por lixiviação. Em áreas de baixa
de água subten-ânea e superficial; portanto, entender como os nutrientes
precipitação e altas taxas de evaporação, sais dissolvidos como Na+ e
2 2 podem ser ciclados mais eficientemente, em agroecossistemas, toma-
CJ· são comuns, combinados com outros, tais como Ca +, Mg +, K+,
se essencial para a sustentabilidade a longo prazo.
HCO · e NO,. A irrigação pode adicionar mais sais ao solo, especial-
Como descrito no capítulo 2, os principais nutrientes das plantas
ment! em áreas com alto potencial de evaporação (ver capítulo 9). Os
são: carbono, nitrogênio, oxigênio, fósforo, potássio e enxofre. Cada
sais adicionados migram para a superfície do solo, pelo movimento
um faz parte de um ciclo biogeoquímico diferente e se relaciona com o
capilar, durante a evaporação. Muitos fertilizantes inorgânicos, tais como
manejo do solo de maneira única. O manejo do carbono será discutido
nitrato de amónio, também podem aumentar a salinidade, porque são
a seguir, em termos de matéria orgânica; o nitrogênio no solo será in-
em forma de sais. cluído em uma discussão de mutualismos; e o papel ecológico de bacté-
Solos com uma alta concentração de sal neutro (por exemplo, NaCI
rias fixadoras de nitrogênio e leguminosas será abordado no capítulo
ou NaSO ) são chamados salinos. Em casos em que o sódio está combi-
4 16. Aqui, como um exemplo de nutriente importante do solo, examina-
nado com ânions de ácidos fracos (como HCO3), desenvolvem-se solos
remos o fósforo. Como a reciclagem eficiente do fósforo depende, prin-
alcalinos, que têm um pH geralmente maior do que 8,5. Solos com altos
cipalmente, do que acontece no solo, ela pode nos ensinar muito sobre
níveis de sais neutros são um problema para as plantas, devido a dese-
quilíbrios osmóticos. Solos alcalinos são um problema por causa do o manejo sustentável de nutrientes.
excesso de íons OH e da dificuldade de absorção de nutrientes e de Diferente do carbono e do nitrogênio, cujos principais reservatóri-
desenvolvimento das plantas. Em algumas regiões, ocorrem condições os ficam na atmosfera, o reservatório principal do fósforo está no solo.
salino-alcalinas quando ambas as formas de sal estão presentes. Irriga- Ele ocon-e naturalmente no ambiente, na forma de fosfato. Os fosfatos
ção e manejo da água do solo adequados tomam-se importantes para podem estar na solução do solo como íons de fosfato inorgânico (especi-
almente PO.3") ou como parte de compostos orgânicos disso! vi dos. Po 0
lidar com essas condições.
rém, a fonte principal de fosfato é a intemperização do material de ori-
gem; portanto, o aporte e a ciclagem do fósforo nos agroecossistemas fi-
cam limitados pela taxa relativamente lenta deste processo geológico.
Nutrientes do solo Os íons de fosfato solúvel inorgânico são absorvidos pelas raízes
Uma vez que as plantas obtêm seus nutrientes do solo, o seu forne- e incorporados na biomassa da planta. Dependendo de como a biomas-
cimento torna-se um detenninante maior da produtividade de um agroe- sa é consumida, o fósforo pode tomar três rotas distintas, como mostra-
cossistema. Muitas metodologias de análise de nutrientes foram desen- do na figura 8.4: a do consumo da biomassa de plantas por pragas her-
volvidas para detenninar seus níveis no solo. Quando um nutriente es- bívoras, por animais de pastoreio ou das colheitas feitas pelos seres
pecífico não está presente em quantidade suficiente, ele é chamado de humanos. O fósforo, na primeira rota, retoma ao solo via ~µ;reções,
nutriente limitante e deve ser adicionado. Tecnologias de fertilização decompõe-se e entra na solução do solo. Na segunda rota, pode serre-
apareceram e se desenvolveram para satisfazer essa necessidade. Deve- ciclado da mesma maneira, mas se o animal vai para o mercado, certa
se ter em mente, contudo, que a presença de um nutriente não necessari- quantidade de fósforo vai com ele. Na terceira rota, há pouca chance do
amente significa que ele esteja disponível para as plantas. Diversos fa- fósforo retomar ao solo de onde foi extraído (exceto em boa parte da
tores - incluindo pH, capacidade de troca de cátions e textura do solo - China, onde excrementos humanos são usados como fertilizante).
Uma boa parte do fósforo consumido pelos seres humanos, como
determinam a disponibilidade real de nutrientes.
Devido a perda ou exportação de nutrientes em função da colheita, biomassa vegetal ou carne, é essencialmente perdida do sistema. Um
lixiviação ou volatilização, é preciso adicionar continuamente grandes exemplo do que pode acontecer ao fósforo na terceira rota (consumo
quantidades de fertilizantes à maioria dos agroecossistemas. Mas o custo humano) serve para ilustrar o problema: o fosfato é extraído, por mine-

225
224
tes de manejo de fertilizante fosfatado em muitos agroecossistemas mo-
Fósforo em rochas dernos podem ser consideradas insustentáveis.
Para que o manejo do fósforo seja sustentável, o fosfato precisa
lntemperização Fabricação passar rapidamente pelo componente solo do ciclo, de volta para as
de fertilizante
t plantas, para não ser fixado em sedimentos ou lavado para o mar. De-
vem ser encontradas maneiras de melhor manter o fósforo numa forma
Fósforo do solo orgânica, tanto na biomassa viva quanto na matéria orgânica no solo, e
de assegurar que, tão logo o fósforo seja liberado dessa forma orgâni-
Excreções e Absorção
organismos mortos
ca, seja rapidamente absorvido por microrganismos do solo ou raízes
de plantas.
Um componente adicional do manejo sustentável do fósforo do
Culturas
solo tem a ver com a formação de compostos insolúveis deste mine-
ral. Na solução de solo, os fosfatos com freqüência reagem quimica-
Rota 1 Rota 2 Rota 3 mente (especialmente com ferro e alumínio) para formar compostos
insolúveis, ou ficar aprisionados em partículas de argila, fora do al-
Pragas Animais Seres cance da maior parte dos organismos que o recuperariam. Um pH baixo
herbívoras de pastoreio humanos no solo exacerba o problema da fixação do fosfato numa forma inso-
lúvel. Ao mesmo tempo, no entanto, esses processos proporcionam um
Excreções
mecanismo forte para reter o fósforo nos solos dos agroecossistemas;
,____ Excreções-----' ! os fertilizantes fosfatados adicionados ao solo são retidos quase com-
Perdido para pletamente. Alguns solos agrícolas da Califórnia mostram níveis muito
sedimentos dos oceanos
altos de fósforo total (embora não facilmente disponíveis) após diver--,
sas décadas de cultivo. Assim, a perda de fósforo nos agroecossiste-
Figura 8.4-Rotas do ciclo do fósforo em agroecossistemas.
mas pode ser bem pequena, mas sua indisponibilidade no solo do sis-
raçãb, de depósitos marinhos ricos em fosfato que foram elevados geo- tema, uma vez que está fixado, requer mais adição de fósforo dispo-
logicamente e expostos na Flórida, processado em fertilizante solubili- nível na fo1ma de fertilizante. Naturalmente, meios biológicos de li-
zado ou moído como pó de rocha e transportado para fazendas em Iowa, berar esse fósforo "armazenado" podem contribuir para a sustentabi-
onde é aplicado ao solo para a produção de soja. Uma parte do fósforo, lidade. Esses meios têm muito a ver com o manejo da matéria orgâni-
na forma de fosfatos, é absorvida pelas plantas e retida nos grãos que ca do solo.
são colhidos e enviados para a Califórnia, onde são transformados em
tofu. Após o consumo do tofu, a maior parte do fosfato liberado segue
sua rota para dentro dos sistemas locais de esgoto e, no final, retorna ao Matéria orgânica do solo
mar, a 3.000 milhas do local onde se originou. Uma vez que o tempo
necessário para acumular sedimentos suficientes de rocha rica em fos- Em ecossistemas naturais, o conteúdo de matéria orgânica do ho-
fato e passar pelo processo geológico de elevação está muito além do rizonte A pode alcançar de 15 a 20% ou mais; na maioria dos solos,
âmbito da extensão da vida humana, e porque as reservas de fosfato fa- porém, está na média de 1 a 5%. Na ausência de intervenção humana, o
cilmente disponíveis conhecidas são bem limitadas, as práticas corren- conteúdo de matéria orgânica do solo depende principalmente do clima
e da cobertura vegetativa; geralmente se encontra mais matéria orgâni-

226 227
caem climas úmidos e temperados. Também sabemos que há uma cor-
à redução da matéria orgânica. A estrutura grumosa é perdida, a densi-
relação íutima entre a quantidade de matéria orgânica no solo e o con-
dade aparente começa a subir, a porosidade sofre, e a atividade bioló-
teúdo tanto de carbono quanto de nitrogênio. Uma boa estimativa do
gica declina. A compactação do solo e o desenvolvimento de uma ca-
conteúdo de matéria orgânica do solo pode ser obtida multiplicando-se
mada endurecida na profundidade média de cultivo, chamada pé-de-ara-
o conteúdo total de carbono por dois, ou o conteúdo total de nitrogênio
do, também podem se tomar problemas.
por vinte. . . Num solo cultivado, o quanto declina o conteúdo de matéria orgâ-
A matéria orgânica do solo é formada de componentes d1stmtos e
nica depende da cultura e das práticas de manejo. Seguem-se alguns
heterogêneos. Seu material vivo inclui raízes, microrganismos e Pt;do-
exemplos. . .
fauna; seu material não vivo inclui a camada decomposta da superf1c1e,
Em um estudo, na Califórnia litorânea central, d01s agroecoss1ste-
raízes mortas, metabólitos microbianos e substâncias húmicas. O compo-
mas de produção intensiva de hortaliças foram comparados entre si e
nente não vivo é, de longe, em maior proporção. Constantemente ocorre com um controle de pastagem nativa, para ver o conteúdo de matéria
interação entre a matéria orgânica viva e a não viva. Os compostos com- orgânica dos primeiros 25cm de solo. Um sistema tinhi sido cultivado
plexos de carbono da camada mais recente de plantas mortas são rapida- durante 25 anos, usando-se práticas de agricultura orgânica; o outro, por
mente metabolizados ou decompostos, sofrendo um processo conhecido 40 anos, com práticas convencionais. O estudo mostrou que o conteúdo
como humificação, que acaba conferindo uma cor mais escura ao solo,
de matéria orgânica tinha sido reduzido de 9,869 kg/m3 para 8,705 kg/
devido à produção de resíduos húmicos ou húmus. Os resíduos húmicos m 3 no sistema orgânico, e para 9,088kg/m 3 no sistema convencional
consistem de polímeros aromáticos condensados que são, em geral, rela- (Waldon, 1994). Mesmo com os aportes mais altos de matéria orgânica,
tivamente resistentes à quebra adicional e, normalmente, capazes de se no sistema orgânico, na f01ma de compostos e culturas de cobertura no
tomarem estabilizados no solo. A fração de matéria orgânica que se toma inverno, o manejo do solo e a produção reduziram significativamente a
estabilizada, porém, pode acabar sofrendo mineralização, liberando nu; matéria orgânica, mais ainda do que no sistema convencional. ·
trientes minerais que podem ser absorvidos pelas raízes das plantas. E Em outro caso, após 15 anos de produção contínua de grãos como
alcançado um equilíbrio entre a humificação e a mineralização, mas este milho e arroz, a matéria orgânica dos primeiros 15cm de uma argila
equilíbrio fica sujeito a mudanças, dependendo das práticas de cultivo. aluvial pesada, nas terras baixas úmidas do Tabasco tropical, México,
Durante sua vida no solo, a matéria orgânica desempenha muitos tinham baixado para menos de 2%, enquanto o conteúdo de matéria or-
papéis importantes, todos significativos para a agricultura sustentável. gânica em uma área adjacente de floresta tropical não cortada era de
Além de fornecer a fonte mais óbvia de nutrientes para o crescimento das mais de 4% (Gliessman e Amador, 1980). Uma plantação de cacau co-
plantas, ela constrói, promove, protege e mantém o ecossistema do solo. berta com árvores, no mesmo tipo de solo, foi capaz de manter a maté-
Como já discutimos anteriormente, a matéria orgânica do solo é um com- ria orgânica do solo em 3,5% na mesma camada, demonstrando o im-
ponente-chave da boa estrutura, aumenta a retenção de água e nutrient~s, pacto negativo da perturbação do solo sobre a matéria orgânica em sis-
é a fonte de alimento para os microrganismos do solo, e fornece proteçao temas de cultivo e o papel da cobertura vegetativa para retê-la.
mecânica importante para a superfície. Dependendo das práticas de cul- Um estudo comparando solos, após 75 anos de produção de trigo
tivo usadas, contudo, essas características podem ser rapidamente altera- convencional e orgânico, no leste de Washington, de~cobriu que o con-
das - para melhor ou para pior. De todas as características do solo, o teúdo de matéria orgânica não só foi mantido no sistema orgânico mas, na
fator que podemos melhor manejar é sua matéria orgânica. verdade, aumentou com o tempo, enquanto os níveis de produção do pro-
Uma vez que o solo é cultivado, os níveis originais de matéria or- dutor orgânico eram quase iguais aos do convencional (Reganold e cola-
gânica começam a declinar, a menos que providências específicas se- boradores, 1987). Podemos ver, por esses três exemplos, que o tipo de
jam tomadas para mantê-los. Após um declínio inicial rápido, a queda cultivo, manejo de insumos, ambiente local e práticas de cultivo ajudam
se reduz. Acontecem diversos tipos de mudanças no solo, conseqüentes a determinar os impactos, a longo prazo, sobre a matéria orgânica do solo.

228 229
Manejo do solo podem abrigar e transmitir a um cultivo subseqüente. A época adequa-
da da incorporação do resíduo ao solo, sua compostagem longe da área
Nos atuais sistemas de cultivo, o solo é tratado como se fosse, ba- cultivada, para então retornar o composto pronto, e a rotação de cultu-
sicamente, um meio para segurar a planta em pé. Entretanto, a função do ras são maneiras possíveis de superar este problema, que precisam ser
solo cresce enormemente quando é manejado para a produção sustentá- mais exploradas.
vel e se enfatiza o papel da sua matéria orgânica.
Muitos produtores acham que obter um alto rendimento da terra
evidencia um solo produtivo. Porém, se a perspectiva for agroecológi-
ca e a meta for manter e promover todos os processos de formação e
proteção do solo relacionados à matéria orgânica, então um solo pro-
dutivo não é necessariamente um solo fértil. Os processos no solo que
nos habilitam a ter produção assumem maior importância na agricultura
sustentável. Fertilizantes podem ser adicionados para elevá-la, mas a
fertilidade do solo somente pode ser mantida ou restaurada entenden-
do-se os ciclos de nutrientes e processos ecológicos do solo - especi-
almente a dinâmica da matéria orgânica.

O MANEJO DA MATÉRIA ORGÂNICA DO SOLO

A primeira etapa para desenvolver a matéria orgânica do solo é


manter aportes constantes de mais material, para substituir aquela que é
perdida por colheita e decomposição. Se o agroecossistema fosse mais
semelhante a um sistema natural, uma diversidade de espécies de plan-
tas estaria presente, além da cultura ou culturas. Muitos sistemas agro-
florestais (ver capítulo 17), especialmente na agricultura tropical, têm Figura 8.5 - A queima de resíduos de cultura em Taiwan. A queima é um método comum de re-
um grande número de espécies vegetais, muitas delas impróprias para moção de resíduos. Embora retome alguns nutrientes ao solo e ajude a controlar pragas e doen-
coleta, cujo papel principal é a produção de biomassa e o retorno de ças, ela pode causar significativa poluição do ar e impedir que os restos sejam incorporados ao
solo como matéria orgânica. Quando o resíduo é visto corno um recurso úti1 e valioso para manter
matéria orgânica ao solo. Mas a agricultura dos dias de hoje, com seu a matéria orgânica do solo, pode-se desenvolver técnicas para incorporá-lo, como alternativa à
foco no mercado, reduziu tanto a diversidade das plantas que muito pouca queima.
matéria orgânica volta ao solo.
Culturas de cobertura
Resíduos de culturas
A cultura de cobertura, quando plantas são cultivadas especifica-
Uma fonte importante de matéria orgânica são os resíduos das cul- mente para serem incorporadas como "adubo verde" ao solo, é outra
turas. Muitos produtores estão experimentando melhores maneiras de fonte importante de matéria orgânica. Estas plantas são, normalmente,
fazer retornar ao solo as partes das plantas impróprias para o uso hu- semeadas em rotação com uma cultura ou durante uma época do ano em
mano ou animal. Porém, diversas questões precisam ser resolvidas, a que a lavoura não pode ser cultivada. Quando leguminosas são usadas
fim de desenvolver estratégias eficazes de manejo. Uma preocupação como cultura de cobertura, tanto solteiras quanto em consórcio comes-
maior é como lidar com pragas ou doenças potenciais que os restos

230 231
'/

pécies não leguminosas, a qualidade da biomassa pode ser bastante qüentemente um período de espera para decomposição e estabilização
melhorada. A biomassa resultante pode ser incorporada ao solo, ou dei- antes do plantio acontecer. A pesquisa agora passou a focalizar o curtir
xada na superfície como cobertura protetora até se decompor. ou o compostar o esterco antes da utilização.
Numa pesquisa feita na Universidade da Califórnia, em Santa Cruz
(Gliessman, 1987), uma variedade local de fava (Vicia/aba), chamada
"bellbean", foi cultivada como cobertura junto com centeio, para grão,
ou cevada, durante o período de pousio na estação úmida de inverno.
Foi mostrado que a matéria seca total produzida na mistura de gramí-
nea/leguminosa foi quase o dobro daquela da leguminosa solteira. Após
três anos de culturas de cobertura, os níveis de matéria orgânica nos
solos com espécies diversas melhoraram até 8,8%. É interessante que
os solos com cobertura somente de leguminosas, na realidade, baixa-
ram ligeiramente seu conteúdo de matéria orgânica, após três anos, pro-
vavelmente porque a taxa mais baixa C/N da matéria orgânica incorpo-
rada provocou uma decomposição microbiana mais rápida.
Uma inovação mais recente da abordagem de culturas de cobertu-
ra é o uso de uma cobertura viva, em que uma espécie é plantada entre
as linhas da espécie produtiva durante seu ciclo. As coberturas vivas
tomaram-se especialmente populares em sistemas de parreirais, de po-
mares e arbóreos. São necessárias pesquisas sobre como minimizar as
interações negativas entre a cultura de cobertura e a espécie produtiva,
especialmente coberturas vivas em cultivos anuais.

Esterco Figura 8.6 - Distribuidor de esterco usado em uma unidade de produção leiteira, perto de Cody,
Wyoming. O esterco curtido é devolvido à área na qual cresce a fotrngem para as vacas leiteiras.
Uma prática usada há muito tempo, quer em sistemas de cultivo al-
ternativos, quer em convencionais, é adicionar estercos ao solo para me-
lhorar o conteúdo de matéria orgânica. Atividades de engorda e leite pro- Compostos
duzem grandes quantidades de dejetos animais que são convertidos em A compostagem tem tido muitos avanços recentes em pesquisa.
um recurso útil quando retomados ao campo. Áreas pequenas de cultivo Inúmeras fontes diferentes de materiais orgânicos, de estercos a subpro-
podem usar estercos que se acumulam em estábulos ou currais para a pro- dutos agrícolas, como as aparas de corte de grama, estão sendo conver-
dução intensiva de hortaliças. O uso de excrementos do bicho-da-seda, tidas em úteis corretivos de solo. Sob condições controladas, a matéria
na agricultura chinesa, é outro exemplo do uso de estercos. Contudo, a orgânica fresca passa pelos primeiros estágios de decomposição e hu-
pesquisa mostrou que a aplicação direta de estercos tem, também, muitos mificação, de fonna que, quando é adicionada, já está consideravelmente
problemas. O odor e moscas são freqüentemente associados com a sua estabilizada e pode contribuir com maior eficácia para o processo de
aplicação direta. A perda de nitrogênio pela amonificação pode ser bem formação da fertilidade do solo. Desta maneira, os dejetos - incluindo
alta. A lixiviação de nitratos e outros materiais solúveis pode ser um pro- materiais que de outra forma iriam para aterros sanitários já superlota-
blema. E, quando estercos frescos são incorporados pelo solo, existe fre- dos - estão sendo convertidos em recursos.

232 233
O vermicomposto, ou composto produzido na forma de copróli- Outros corretivos de solo
tos de minhocas, também está se tornando uma fonte popular de maté-
Uma gama de outros con-eti vos orgânicos de solo também pode ser
ria orgânica, especialmente para sistemas agrícolas em pequena escala.
usada. Humatos, algas maiinhas, farinha de peixe, subprodutos arumais
Matéria orgânica úmida e fresca, especialmente restos de comida, é
guano e outros estão no mercado. Cada um tem aplicações específicas:
consumida por minhocas conhecidas especificamente por sua habilida-
vantagens e desvantagens, e escalas ótimas de uso. Cada fonte de ma-
de de compostagem (minhocas vermelhas tais como Eiseniafoetida são
té1ia orgânica precisa ser examinada a partir da resposta dada pela cul-
particularmente eficientes). Foram desenvolvidos sistemas em que uma
tura a cmto prazo, mas, principalmente, por possíveis cont1ibuições de
pequena câmara de vermicompostagem doméstica pode produzir até 25kg
longo prazo ao desen volvimento e manutenção da matéria orgânica do
de adubo por mês. Esse material é conhecido por seus altos níveis de
solo.
fosfato, nitrogênio e outros nutrientes, e também contém polissacaríde-
os que agregam partículas de solo e contribuem no desenvolvimento da
Tabela 8.3
matéria orgânica do solo. Pesquisadores cubanos desenvolveram, re-
Resíduos orgânicos empregados na produção de composto
centemente, sistemas de vermicompostagem em maior escala, projeta-
dos para repor fertilizantes importados de difícil aquisição. Um aper- Subprodutos agrícolas Estercos
feiçoamento deste tipo de sistema poderia ajudar muito na melhoria do
manejo de solo. bagaço de maçã e uva cama de frango de corte
casca de arroz cama de perus
cascas de amêndoas e nozes cama de poedeiras
farinha de folha de alfafa esterco de cabras
farinha de osso esterco de cavalos
farinha de penas esterco de gado confinado
farinha de sangue esterco de gado leiteiro
farinha de semente de algodão esterco de ovelhas
polpa de cacau esterco de suínos
polpa de café
resíduos verdes de ho,1a, jardim e quintal
torta de soja

Águas servidas

Uma fonte final de matéria orgânica- subutilizada, exceto em pou-


cas partes do mundo - são as águas servidas. Para completar seus ci-
clos, os nutrientes que deixam a unidade produtiva devem, em última
instância, voltar a ela. Se voltam em uma forma orgânica, então também
contribuem para o processo de construção do solo.
O matetial sólido removido das águas servidas durante o tratamen-
Figura 8:7 - Resíduos se_ndo transfonnados em composto, numa propriedade no litoral central da
Calif~rnra. A decomposição do material por microorganismos libera quantidades significativas de to, conhecido como lodo de esgoto, tem sido espalhado sobre a terra há
energia, na forma de calor. décadas. Em percentual de peso seco, pode conter de 6 a 9% de nitro-

234 235
gênio, 3 a 7% de fósforo, e até 1% de potássio. Pode ser aplicado como Existem muitos padrões diferentes de preparo do solo, mas O prin-
torta seca ou grânulos, com um conteúdo de água de 40 a 70%, ou como cipal padrão empregado na agricultura convencional é um processo de
um chorume que tem de 80 a 90% de água. Ele é amplamente usado em três estágios, envolvendo uma aração profunda que revolve o solo, uma
grama para leivas, áreas de pastagem degradadas e mesmo sobre o solo gradagem secundária para a preparação para semeadura e, finalmente,
de pomares. A parte líquida das águas servidas tratadas, conhecida como cultivas pós-plantio (freqüentemente combinados com uso de herbici-
efluente, tem sido aplicada ao solo, há muito tempo, na Europa e locais das) para controlar ervas adventícias. A erosão do solo, a perda da sua
selecionados dos Estados Unidos. Algumas cidades operam o que é boa estrutura e Iixiviação de nutrientes são problemas bem conhecidos
chamado de "unidades produtivas 22 de águas servidas", onde o efluente associados a esse padrão de cultivo. A despeito desses problemas, a
é usado para produzir, normalmente, grãos para animais e forragens, que maioria dos sistemas de produção agrícola convencionais, especialmente
compensam parcialmente os custos do tratamento; em outros casos, ele aqueles que produzem grãos anuais e hortaliças, são dependentes de
é usado para irrigar campos de golfe, laterais de auto-estradas e, até cultivo do solo extensivo e repetido.
mesmo, florestas. No outro extremo, existem muitos sistemas tradicionais de produ-
Contudo, há muito para aprender sobre como tratar as águas servi- ção nos quais são feitos trabalhos de solo. Na agricultura de roçado,
das de fotma que os germes patogênicos sejam manejados adequada- produtores tradicionais limpam a área usando técnicas de derrubada e
mente. A coleta, tratamento e transporte precisam ser examinados com queima e, então, perfuram o solo com uma vara, para semear. Tais sis-
vistas a relacionar o manejo de dejetos com a agricultura sustentável. O temas, que têm a história mais longa de manejo sustentável, respeitam a
fato de muitos sistemas de esgotos não separarem dejetos humanos de necessidade de um período de descanso para controlar a vegetação ad-
industriais, contaminando o lodo resultante com quantidades tóxicas de ventícia e permitir que os processos naturais de formação de solo repo-
metais pesados, complica imensamente o processo. nham os nutrientes removidos. Muitos sistemas agroflorestais, como café
Inevitavelmente, as águas servidas tomar-se-ão um recurso bem ou cacau de sombra, dependem do componente árvore para fornecer
importante no futuro, como uma fonte de matéria orgânica, nut1ientes e cobertura ao solo e ciclagem de nutrientes, e apenas sofrem uma capina
água para a produção agrícola. Muitas práticas tradicionais e de peque- superficial eventual. Áreas permanentes de pasto também são raramen-
na escala para transformar as águas servidas em um recurso útil podem te cultivadas.
servir como base significativa para pesquisa futura sobre esta relação Técnicas alternativas de manejo de solo, muitas delas copiadas de
impottante com a sustentabilidade. práticas tradicionais de produção agrícola, foram desenvolvidas e tes-
tadas em sistemas convencionais de culturas anuais. Essas demonstra-
ram que sistemas anuais não precisam depender de manuseio extensivo
SISTEMAS DE MANEJO DE SOLO
e repetido e que o cultivo reduzido pode ajudar a melhorar a qualidade
Em agricultura, o conhecimento convencional é de que o solo deve e a fertilidade do solo (House e colaboradores, 1984).
ser cultivado para controlar as ervas adventícias, incorporar matéria Usando a técnica de plantio direto, o cultivo do solo fica limitado à
orgânica e permitir o crescimento de raízes. A despeito de seus poten- linha das sementes e é feito na época do plantio. Em alguns casos, é usado
ciais benefícios, contudo, movimentar o solo acarreta a perda da sua um equipamento especial que permite o plantio diretamente na palhada
boa estrutura e da matéria orgânica, e o solo trabalhado começa a per- do cultivo anterior. Outros estágios, como fertilização e controle de ervas
der alguns dos elementos de produtividade. Por essa razão, a atenção adventícias, podem serrealizados com o plantio. Infelizmente, muitos sis-
ao cultivo do solo deve ser parte integral do seu manejo orgânico. temas de plantio direto desenvolveram uma grande dependência de her-
bicidas, que podem criar outros problemas ecológicos.
A fim de reduzir o uso de herbicida, foram desenvolvidos alguns
22 "Sewage fanns", no original. sistemas de cultivo mínimo. Um em particular, que tem sido bem-sucedi-

236 237
do para a produção de milho e soja, é o cultivo em camaleão. Após a la-
vra inicial e a formação de canteiros ou camaleões, o único trabalho de Estudo de caso
solo que ocotre é o plantio de sementes e o manejo de ervas adventícias
com capinadeiras especialmente desenhadas para trabalhar somente a .. · . . • ·. MANEJO DE SOLO EM SISTEMAS -:li1•:1,,·
.• •
superfície do solo. Alguns sistemas de cultivo em camaleões podem re- DEtÊRRÀÇô DE ENCOSTÁ, EM TLAXCALA, MÊXJCq'é/• · •.
petir muitos anos de plantio sem preparo profundo, e a perturbação redu-
zida do solo ajuda a preservar sua matéria orgânica e estrutura.
4 9011seryaçãp do solo é especialmente importante etnâreai9~~t
é ~eêessâri? cultivar alimentos em encostas íngremes, propensas ~~f()i ·
A Fazenda Thompson, no Condado de Boone, Iowa, é um exemplo
~l\p, -q111a prática. tradicioml1 comlÍtll. numa terra assitn é co~s~t~r7
bem conhecido do emprego de uma outra técnica bem-sucedida que tem
raçôs. Eln T;laxcala, México, os produtores locais cultivam em siste•
como base o uso de um programa de cultivo em camaleões modificado
mas cli:1tern1ços.nas encostas, O que, alémde prevenira erosãodosglo?
(NRC, 1989). Plantadeiras especiais preparam duas polegadas do topo
efetívatnente; _conservao escorritne.nto qa água das. chuvas. 駧~fsJis~
de cada camaleão no plantio, enterrando ervas adventícias e suas se-
tetnastêmpossibilitaclo aos produtores tradicion;ús; nestaregião,111~~
mentes bem como o composto aplicado previamente entre as linhas. O
ter a integridade e< fertilidade do solo há séculos, sem depen1er de
uso subseqüente de enxada rotativa e grade de dentes "chega" ao solo
insumos produúdos comercialmente, como fei:tilizantes (Mountjoy e
nas plantas cultivadas na área livre de ervas adventícias, no meio dos Gliessman, 1988). ·
camaleões. Esse processo mantém o controle das ervas até que a cultu-
As chuvas em Tlaxcala vêm em pesadas pancadas periódícas,
ra esteja suficientemente desenvolvida para suprimi-las. A época de cada
capazes de causar erosão severa. Os produtores na região adapta-
operação é de importância crítica.
r~-se a·essa_situaçãocriando um sistemacombinàdo detef(ilç~,~
O desafio de pesquisar sistemas de cultivo reduzido do solo é como
captàção; Os tem1ços fornecem superfícies hotjzontàis pàl"â(J.)Í;iil!at'
encontrar maneiras de reduzir as operações sem aumentar os custos de
e J.)rtweríirq:ue o solo escorra morro abaixo. Eles são C()lllíJle!fiert.af
insumos em outras partes do sistema, especialmente aquelas que envol-
dosp()ruma.sériede_canàis.quedirecionamoescortjme~topara.~~"--•
vem o uso de produtos químicos ou combustíveis fósseis.
des tanques de coleta, chamados cajete.~:.A água que se apullíúla~é~•
ses tanques.é capaz de percolarlentame"llte llOS solos, após.~p~°:Y~,
MANEJO SUSTENTÁVEL DO SOLO
emvez qese perder no sistemr, Igualnifnte import:inte,tqdoo•~?'.I.o
Quando o solo é compreendido como um sistema vivo, dinâmico- er()did() ~e)o escorrimento asse~ta _no frmdodos cajetes '. e os ptq~p--
um ecossistema-, o manejo para a sustentabilidade torna-se um pro-
tores po4em coletá.-lo periodicamente para espalhá0 l.o sobre a~ á,t'~-
cesso sistêrnico. É imprescindível focalizar sobre os processos que pro-
as de cultivo. · _ .. > >
movem a manutenção de um sistema sadio, dinâmico e produtivo. O o sucesso deste sistema é evidenciado por sua Ionge"ida4I\.Cf
manejo de fertilidade é baseado no nosso conhecimento dos ciclos de sisten1aqe.terraço·_e.cajete deTlm.9lJla f usado- desde_ tenipot~f§>i
nut:Iientes do desenvolvimento de matéria orgânica e do equilíbrio en- l)ispâni.cos;exidêµcias arqueológic.;as Úlfücarn a existência dt:\F~~~ .
tre os co~ponentes vivos e não vivos do solo. É da maior importância et~f_!"~yos clt,~4eIOOQ a,<:;._ .Conilfü1í\~O. ~om aplicações pertó\!t~f!>. ;
aplicar o que sabemos dos processos ecológicos que mantêm a estrutu- _tl~;~stert~,411.çriafõf$ll.l~llisqe·llni1I1llis-.dom1s~~()s,•-o __sist~,a'i~~sc
ra e função do ecossistema do solo ao longo do tempo. E, considerando p s~t ·
._. ter!'aços_p~íl co:useryç1~ãode •s.olost~!!l sid0extreinarn;et1t~ eii\tf
cedidoemmanterafertilidadedos.solôs·deTlaxcafa,.qt1ef~cií1J1enc,·_·._
que o ecossistema do solo é um conjunto de componentes e processos te sofrem erosão. · ·. · ·
complexo, dinâmico e em constante mudança, nosso conhecimento des-
Outra medida do sucesso deste sistema tradicional pode sei:
ta complexidade precisa aumentar. O manejo sustentável do solo so-
vista nos problemas que acompanharam as tentativas dó govettio
mente pode vir a partir de tal abordagem.

238 239
Para ajudar a pensar
mexicano· de.•móderrtizat á .• produção na região .d~}Tla1<giji;1'
de tratores para preparar as áreas veiu a expen~11~J~.~I~tf · •· ;{ 1. A matéria orgânica é considerada um dos componentes mais impor-
cajête;• enl ~e~·4!:l iiesenhar ár!:)as ~~?19~~~
c:óru11I11 e; tantes de um ecossistema de solo sadio, mas a maior parte das ativida-
permitis.se o .J.Jso.de tratores, muitos produtores SÍIIIP:l~s~. ' >/ é .s· des agrícolas (ou seja, lavra, queima, capina, colheita) a removem, re-
ráram os ca}etes existentes, rompendo o comp!Jc:t,\êlg st~I~w~•id' duzem ou degradam. Quais são as maneiras mais práticas de se manter
canais e causando aumentos drástiçosJia erosão e escotj:ÍtrJ.!:)t\.tp esse valioso recurso no solo?
. . d - - -,-- >---::;r-:c<,--
dura11te grm1
es temporarn. .•. . .... , ·. ·. . > . . , , , •> 2. Quais são os fatores-chave que determinam quanto tempo um solo
·· Éitnportante opservar qué essas c;o11séqjiênci~s ?~gs{~i degradado levará para ser restaurado a uma condição semelhante à sua
que o uso do trátor seja o respQnsável, ou q11e.toda 11.n1ody'!1}C.> ,, condição prévia não degradada?
deprátícas ~grícolas seria desastrosa 11estaregião,.~I11)'.~~.~J~9f 3. Qual a diferença entre terra23 e solo?
elas indicam que qualquer tentativa de modernizar q11tnyl~Qr!!t'ií!tt, 4. Recentemente, foi proposto que desenvolvamos alguns indicadores
ticas de produção na áreá seri1lll1 beneficiadas por lID1<lxa111.c; ~ast~f; de "saúde do solo" para determinar a sustentabilidade de diferentes prá- (
nicas de prQdução tradicionais e~stentes e o ext!:)nsoconhecimento ticas de produção agrícola. Que indicadores devetiam ser usados para
das condições locais nas quais elas se baseiam. · · ·· avaliar a saúde do solo?
5. Por que é importante para os produtores aprenderem como usar o
conceito de ecossistema de solo?

Leitura recomendada
BRADY, N.C.; WEIL, RR The nature and properties of soils. 11.ed. Upper Saddle
Ri ver, New Jersey: Prentice Hall, 1996.
Um dos livros referência mais completos sobre o solo como um recurso natural;
destaca as muitas interações entre o solo e outros componentes do ecossistema. A
cartilha reconhecida de ciência do solo.
FRISSEL, M.J. Cycling of mineral nutrients in agricultura[ ecosystems. Amsterdam:
Elsevier, 1978.
Um trabalho pioneiro sobre a necessidade de uma abordagem ecológica aü estudo
do uso de nutrientes na agricultura.
JENNY, H. Factors ofsoilformation. New York: McGraw-Hill, 1941.
O livro-texto clássico sobre o solo e seu processo de formação; enfatiza o solo como
um sistema complexo que muda com o tempo.
PADDOCK, J.; PADDOCK N.; BLY, C. Soil and survival: land stewardship and
thefuture ofamerican agriculture. San Francisco: Sierra Club Books, 1986.
Um trabalho importante sobre a necessidade de unir o manejo adequado do solo com
a sustentabilidade na agricultura americana.
Figura 8.8 ~ Bacias de coleta entre terraços em Tlaxcala, México. As bacias, chamadas cajetes,
captam água e sedimentos, reduzindo a erosão, enquanto conservam a água e melhoram sua
percolação através do solo.
23 "Dirt", no original.

240 241
SANCHEZ, P. A. Properties and management ofsoils in the tropics. New York: John
Wiley and Sons, 1976.
Um dos melhores tratados de solos nos trópicos, abrangendo por que são únicos e
como devem ser manejados.
SMITH, 0.L. Soil microbiology: a model for decomposition and cycling. Boca 9
Raton, Flórida: CRC Press, 1982.
Uma revisão muito completa do componente microbiano do solo e o papel impor-
tante que desempenha na ciclagem e no manejo dos nutrientes do solo. /

STEVENSON, F.J. Cycles of soil carbon, nitrogen, phosphorus, sulfur and micro- Agua no solo
nutrients. New York: John Wiley and Sons, 1986.
Um estudo dos processos e mecanismos da ciclagem de macro e micronutrientes
no solo.
A água flui continuamente através do corpo de uma planta: deixa
SWIFT, M. J.; HEAL, O. W.; ANDERSON, J. M. Decomposition in terrestrial ecosys-
tems. Berkeley: University of California Press, 1979.
os estômatos via transpiração e entra pelas raízes. Por isso, as plantas
Uma revisão de como a decomposição e a degradação da matéria orgânica funcio- necessitam de uma certa quantidade de água disponível para suas raí-
nam em ecossistemas ao redor do mundo, e por que o processo de decomposição é zes. Sem umidade adequada de solo, elas rapidamente murcham e mor-
um componente tão importante.
rem. Assim, a manutenção de umidade suficiente no solo é uma parte
WOOMER, P.L.; SWIFT, M.J. The biological management of tropical soil Jertili- crucial do manejo de agroecossistemas.
ty. New York: John Wiley and Sons, 1994. Contudo, o manejo da umidade do solo não é apenas uma questão
Uma abordagem de ecossistema ao manejo da fertilidade do solo em ecossistemas
agrícolas e naturais, com estudos de caso de um conjunto diversificado de regiões de haver aportes adequados de água pela chuva ou irrigação. A umida-
tropicais, cuja ênfase é a sustentabilidade a longo prazo. de do solo é parte da sua ecologia e de todo o agroecossistema. Não
somente a disponibilidade e retenção de água são afetadas por uma mi-
ríade de fatores, mas ela própria desempenha muitas funções. Trans·-
porta nutrientes solúveis, afeta a aeração e temperatura do solo, e causa
impacto nos processos bióticos que aí ocorrem. Portanto, um produtor
deve estar ciente de como a água age no solo, de como os níveis são
afetados por condições atmosféricas e por práticas de cultivo, de como
os aportes de água afetam a umidade do solo e quais são as necessida-
des que as plantas cultivadas têm.
Raramente a disponibilidade de umidade de um solo é exatamente
a ótima para uma cultura durante um período de tempo muito longo. O
fornecimento de água varia de deficiente a excessivo, de um dia para
outro, e durante toda a estação. O ótimo real é difícil de ser determina-
do, já que é afetado por uma gama de outros fatores, e as cc;mdições
estão constantemente mudando. Mas sabemos muito sobre a faixa de
condições de umidade que possibilitam os rendimentos mais elevados
para a maioria das plantas cultivadas. O desafio é manejar a água no
solo de maneira a manter as condições dentro dessa faixa.

242 243
Movimento de água res e menor área de superfície de partículas para reter a água, se compa-
para dentro e para fora do solo rados com solos mais finamente texturizados, e, portanto, permitirão o
movimento mais rápido da água. Um solo que tiver conteúdo de argila
Em ecossistemas naturais, a água entra no sistema como chuva ou muito alto permitirá perco lação rápida inicialmente, mas, depois das par-
degelo de neve na superfície do solo. Em agroecossistemas, a água en- tículas de argila incharem com água, elas podem fechar os espaços poro-
tra a partir das mesmas fontes, como descrito no capítulo 6, ou é adici- sos e impedir o movimento. Os canais feitos por raízes ou animais, espe-
onada por irrigação. O manejo sustentável da umidade do solo depende cialmente os de minhocas, são caminhos importantes para a percolação,
enormemente de entender o destino desta água aplicada, com o objetivo mas a textura e estrutura de solo são, provavelmente, de maior importân-
de maximizar a eficiência do seu uso pelo sistema. cia, especialmente em agroecossistemas cultivados com freqüência.

INFILTRAÇÃO EVAPORAÇÃO

Para que a água aplicada na superfície do solo tome-se disponível Uma vez que a umidade penetra no solo, ela pode ser perdida
para as plantas, ela deve se infiltrar. A infiltração de forma alguma está para a atmosfera por evaporação. A taxa de evaporação da superfície
garantida: a água pode ser perdida por escorrimento superficial, ou do solo depende do conteúdo de umidade e da temperatura da atmos-
mesmo evaporação, se não puder penetrar facilmente na superfície do fera acima, bem como da temperatura da própria superfície. O vento
solo. A infiltração é afetada pelo tipo de solo, declividade, cobertura acelera sensivelmente o processo de evaporação, especialmente em
vegetativa e características da própria precipitação. Os solos com mai- temperaturas mais altas.
or porosidade, como os arenosos ou aqueles com alto conteúdo de ma- Embora a evaporação ocorra na superfície, ela pode afetar a umi-
téria orgânica, facilitam a infiltração da água. O terreno plano permite dade do solo em profundidade no perfil. Quando a evaporação cria uni
uma infiltração melhor do que um terreno declivoso, e uma ladeira lisa déficit de água na superfície do solo, as forças de atração entre as'lllo-
perde mais água por escorrimento do que uma que é quebrada por vari- léculas de água puxam-na por baixo, por ação capilar. Esse processb se
ações microtopográficas causadas por rochas, torrões de solo, leves de- estende até a zona saturada estar profunda demais, ou a camada de solo
pressões ou outros obstáculos na superfície. A cobertura vegetativa, tanto superior tomar-se tão seca que a capilaridade é rompida. Qualquer tipo
viva como morta, sobre a superfície, ajuda bastante na penetração ini- de cobertura que desacelere o ganho de calor da superfície do solo e
cial da água. Em geral, assumindo condições ótimas, quanto maior a apresente uma barreira entre o solo e a atmosfera reduzirá a taxa de
intensidade da chuva, maior a taxa de infiltração, até alcançar a satura- evaporação.
ção. Contudo, chuva excessivamente intensa aumentará o escorrimento.
TRANSPIRAÇÃO
PERCOLAÇÃO
Como descrito no capítulo 3, as plantas perdem água através dos
Quando ocorre a saturação das camadas superiores do solo, forças estômatos, na forma de umidade transpirada, criando um déficit de água
gravitacionais começam a puxar o excesso de água mais profundamente na planta que é compensado pela absorção pelas raízes. Esta remoção
no perfil do solo. Esse processo, conhecido como perco/ação, está mos- biótica de água do solo, especialmente por raízes que penetram nas
trado na figura 9.1. A taxa de perco lação é determinada pela estrutura,
camadas abaixo daquelas afetadas pela evaporação, constitui um caminho
textura e porosidade do solo. Um solo com uma boa estrutura grumosa e
maior de movimento de água para fora do ecossistema de solo. Se não
estabilidade dos agregados permitirá que a água se mova livremente en-
for adicionada água para suprimir essa perda, as plantas ou têm que
tre suas partículas. Solos com textura arenosa têm espaços porosos maio-
entrar em dormência, ou são eliminadas do ecossistema.

244
245
1 1 O percentual de unúdade disponível para uso das plantas tem sido
1 1
1 1 tradicionalmente determinado pela coleta de uma amostra do solo, me-
1 1
1 1 dição do seu peso, secagem do solo a 105°C por 24 horas e, então, me-

' '
dição do seu peso seco. A quantidade de umidade perdida durante a
p secagem é dividida pelo peso seco da amostra, dando um número que é
expresso como um percentual.
Contudo, este procedimento não é adequado para medir a quanti-
dade de água realmente disponível no solo para as plantas, porque não
leva em consideração a variável importante da adesão da água às partí-
culas. À medida que o conteúdo de argila e de matéria orgânica aumen-
ta, a água é mais intimamente atraída às partículas de solo, tomando-se
mais difícil a absorção pelas raízes. Por exemplo, a alface pode mur-
char em um solo argiloso com 15% de umidade, enquanto, em um solo
arenoso, a umidade pode cair para até 6%, antes da murcha.
Como a água é relativamente mais retida em alguns tipos de solo,
é necessária outra medida, que reflita melhor a força de atração entre as
partículas de solo e a umidade, além de só o conteúdo percentual de
■ Lençol freático P - Precipitação
umidade. Essa medida é alcançada pela expressão da umidade de solo
em termos de energia. A força de atração das moléculas de água às par-
Água gravitacional E - Evaporação
tículas de solo, o potencial de água do solo, é expressa em bares de
D Agua eapilar T - Transpiração sucção, onde um bar é equivalente à pressão atmosférica padrão ao ní-
vel do mar (760mm Hg ou 1020cm de água). Esse método proporciona
Figura 9.1 - O movimento da água no solo de um sist~m~ de cultivo. a)~ água infiltra-s~ na um meio de medir a disponibilidade de água na solução e leva em con-
superfície após cair como precipitação. b) A água grav1tac10nal percola, deixando o solo acima
úmido com água capilar, até a capacidade de campo. Ao mesmo tempo, a evaporação e a trans-
sideração as forças variáveis de atração determinadas pelo tamanho de
piração começam a remover a água do solo. e) À medida que a águ~ gravita~ion_al continua a partícula de solo e pelo conteúdo de matéria orgânica.
percolar, o solo próximo da superfície _começa a se:a;. ~) Qua?d.o a ~gua gr~v1tac1onal alcança São usados termos especiais para descrever o conteúdo e disponi-
o lençol freático, a maior parte do perfil do solo esta um1da prox1mo a cap~c1dade de campo. ~
exceção é a camada superior do solo, que secou pela evaporação. d) A maior parte do solo ac~- bilidade de unúdade em termos de forças de atração. Esses estão defi-
ma da franja capilar, a região mantida úmida pelo lençol freático, secou, e o solo uma vez mais nidos abaixo e ilustrados na figura 9.2.
se aproxima do ponto de murcha. Adaptado de Daubenmire (1974).
-Água gravitacional é a água que se move para dentro, através e -
para fora do solo, sob a influência apenas da força da gravidade. Imedi-
Disponibilidade de umidade no solo atamente a uma chuva ou irrigação, essa água começa a se mover para
baixo, ocupando todos os espaços de macroporos.
As forças de atração entre a água e as partículas individuais de solo -Água capilar é a água que enche os microporos do solo e é reti-
desempenham uma função-chave na determinação de como a umidade da a partículas com uma força entre 0,3 e 31 bares de sucção.
do solo é retida, perdida e usada pelas plantas. Entender essas forças -Água higroscópica é a água retida mais firmemente nas p_artícu-
significa olhar para as propriedades físicas e quínúcas da solução do solo las de solo, usualmente com mais de 31 bares de sucção. Após a seca-
- a fase líquida do solo e seus solutos dissolvidos que é separada das gem do solo em forno, a água remanescente não quimicamente ligada é
partículas propriamente ditas. a água higroscópica.

246 247
- Água de hidratação é a água que está ligada quimicamente com Como cada solo é uma mistura diferente de tamanhos de partí-
as partículas de solo. culas e é variável quanto ao conteúdo de matéria orgânica, e pelo
- Água facilmente disponível é a porção da água no solo que é fato dessas características delimitarem a capacidade de retenção de
imediatamente absorvida pelas raízes das plantas - usualmente água ca- água, é importante determinar o tipo de solo para desenvolver um
pilar entre 0,3 e 15 bares de sucção. plano de manejo da água. Na maioria dos solos, o crescimento ideal
- Capacidade de campo é a umidade deixada após o arraste por acontece quando o conteúdo de umidade é mantido logo abaixo da
gravidade ter drenado a água gravitacional dos macroporos, deixando capacidade de campo. Fica claro que a umidade necessária para o
os microporos cheios de água capilar, retida com pelo menos 0,3 bares crescimento ótimo não abarca toda a amplitude da faixa de umidade
de sucção nas partículas de solo. contida num solo.
- Ponto de murcha permanente é o conteúdo de umidade do solo
na qual uma planta murcha e não se recupera, mesmo quando colocada
em um ambiente úmido e escuro. O ponto de murcha permanente ocor- Absorção da umidade do solo pelas plantas
re, usualmente, quando toda a água capilar retida com menos de 15 ba-
res de sucção foi removida do solo. Enquanto estão transpirando, as plantas precisam repor continua-
mente a quantidade significativa de água que perdem através de seus
estômatos. Momentaneamente, porém, apenas uma pequena proporção

Partícula de solo
/
Agua facilmente disponível
I de água disponível no solo fica perto o suficiente da superfície das raí-
zes que realmente a absorvem. Dois processos compensam essa limita-
ção. Primeiro, a água é arrastada passivamente através do solo até a
superfície das raízes pelo movimento capilar, e, segundo, as raízes das
plantas crescem ativamente no solo, na direção de áreas com umidade
Água capilar suficiente para ser absorvida.
Agua de hidratação
MOVIMENTO CAPILAR DA ÁGUA

Agua gravitacional À medida que a planta absorve água pelas raízes, para repor a que
foi perdida por transpiração, o conteúdo de umidade na área imediata-
mente ao redor da raiz se reduz. Isto aumenta a energia de sucção na-
Água higroscópica quela região, criando um gradiente mais baixo de potencial de água, que 1
tende a puxar umidade de todas as direções do solo ao redor. A maior
parte da água é, provavelmente, puxada de partes mais profundas do
perfil do solo, especialmente quando o lençol freático está próximo à
15 bares 0,3 bares superfície. O movimento capilar deve-se, em parte, à atração de molé-
culas de água na superfície de partículas do solo e, em parte, à atração
Figura 9.2 - A umidade do solo em relação à força de atração das partículas de solo, O ponto de entre as próprias moléculas. A velocidade com que o movimento capi-
murcha permanente é alcançado quando a água facilmente disponível se esgota. A capacidade
de campo é a quantidade de água que permanece após a água gravitacional ter sido drenada. lar ocorre depende da intensidade do déficit de água e do tipo de solo.
Na maioria dos solos arenosos, o movimento é relativamente rápido,
porque as partículas de maior tamanho retêm menos a água. Em solos

248 249
com mais argila, especialmente aqueles com uma estrutura grumosa po- A relação entre a umidade de solo e a necessidade de água das plan-
bre, o movimento é muito mais lento. tas é o resultado de uma interação complexa entre as condições do solo,
Foi demonstrado que, pela capilaridade, a água pode se mover regime de chuvas ou irrigação e a necessidade das culturas. Os produ-
apenas poucos centímetros por dia. Mas, devido ao extenso volume de tores tentam manter um equilíbrio entre esses componentes durante a
solo ocupado pela maior parte dos sistemas radiculares, provavelmen- estação de cultivo, mas, muitas vezes, ocorrem eventos ou condições
te não é necessário movimento a maiores distâncias. As plantas podem que mudam o equilíbrio, por excesso ou deficiência de umidade.
obter grande parte de suas necessidades de água pelo movimento capi-
lar, mesmo quando as taxas de transpiração são muito altas. A maior
pressão de sucção, criada no entorno da zona radicular durante o dia, é Excesso de água no solo
substituída pelo movimento da água de áreas de sucção mais baixa, du-
rante a noite. Esse movimento é da maior importância em épocas em Quando há excesso de água em um agroecossistema por um longo
que o conteúdo de umidade do solo está severamente esgotado, e o cres- período, ou o movimento da água para fora do sistema está impedido,
cimento da planta é reduzido. Caso contrário, a planta atinge o ponto de pode ocorrer a condição conhecida como encharcamento (Armstrong,
murcha permanente. 1982). Quantidade elevada de chuvas, manejo deficiente da irrigação,
topografia desfavorável e pouca drenagem de superfície podem causar
CRESCIMENTO DAS RAÍZES NO SOLO encharcamento e mudanças a ele associadas no ecossistema do solo,
Solos encharcados ocorrem no mundo todo, variando de sedimentos de
As plantas estão continuamente estendendo suas raízes, asseguran- margens de rios a banhados, pântanos e turfeiras. Mesmo solos bem dre-
do que novos locais de contato com o solo se estabeleçam. As raízes, nados podem ter períodos de encharcamento se estiverem sujeitos a
radicelas e pêlos radiculares combinam-se para produzir uma extensa cheias sazonais. ·
rede de interface solo/raiz. No entanto, a despeito da penetração contí- O encharcamento ocorre tão freqüente e amplamente, que sistemas
nua e do grande volume dessa rede, a quantidade total de solo que fica agrícolas desenvolveram maneiras de lidar com o excesso de água. Mais
em contato com as raízes de uma planta, num dado momento, é muito recentemente, isso envolveu a construção de infra-estruturas caras de
pequena. De acordo com a maioria das estimativas, menos de 1% da drenagem e represamento. Técnicas mais simples e tradicionais, em
área total da superfície de partículas do solo, dentro do volume ocupa- contraste, (êm o objetivo de trabalhar com a condição de excesso de
do pelas raízes de uma planta, fica realmente em contato com elas. Esse água em vez de livrar-se dela. Em muitas áreas úmidas, por exemplo, o
fato acentua a importância do movimento capilar e dá complementari- arroz é cultivado como uma lavoura perfeitamente adequada à agricul-
dade entre o movimento da água e o prolongamento das raízes. tura de alagados.
A maioria das plantas anuais distribui grande parte de suas raízes
nos primeiros 20-25cm de solo e, como resultado, absorve a maior par- EFEITOS NEGATIVOS DO EXCESSO DE ÁGUA
te da água naquele horizonte. Muitas plantas perenes, como videiras e
árvores frutíferas, têm raízes que se aprofundam muito mais e são capa- Em um solo em que o ar enche os poros entre as partículas de solo, a
zes de puxar umidade de áreas mais profundas. Mas, mesmo essas plan- difusão de oxigênio é rápida e raramente existe deficiência de 0 2 para os
tas, provavelmente dependem muito da água que é absorvida pelas raí- processos ecológicos (ou seja, metabolismo das raízes, atividade de de-
zes nos horizontes superiores quando está disponível- a situação usual composição, etc.). Mas, quando os poros estão cheios ou saturados de água,
durante o ciclo de cultivo. Quando a água não é suficiente, mesmo as a taxa de difusão de 0 2 é bastante reduzida. Num solo saturado, o movi-
plantas anuais, como a moranga e o milho, dependerão de suas raízes mento do oxigênio pode ser mais de mil vezes menor do que num solo bem
mais profundas para tentar repor as perdas por transpiração. aerado. A falta de 0 2 pode limitar severamente a respiração das células

250 251
das raízes, pennitir que populações de microrganismos anaeróbicos se de-
senvolvam e estabelecer condições quimicamente redutoras.
As menores taxas de troca de gás em solos encharcados também
permitem o aumento de CO 2 e outros gases. O CO 2 acumula-se onde
quer que esteja ocon-endo a respiração, como na área das raízes, deslo-
cando o oxigênio necessário e limitando muitos processos metabólicos.
Outros gases começam a se acumular nestas condições; por exemplo, o
metano e o etileno podem aumentar a níveis tóxicos, como resultado da
decomposição anaeróbica de matéria orgânica. Produtos fitotóxicos
solúveis em água, resultantes da decomposição da matéria orgânica,
também se acumulam, um problema que é observado até em sistemas de
produção de an-oz (Chou, 1990).
Sob condições limitadas de fornecimento de 0 2 , muitos microrga-
nismos do solo fazem uso de receptores de elétrons, que não o oxigê-
nio, para suas oxidações respiratórias. Como resultado, numerosos com-
postos são convertidos a um estado de redução química, onde o oxigê-
nio é perdido e o hidrogênio ganho. Isto, por sua vez, conduz a um dese-
quilíbrio no potencial de oxidação-redução (redox) do solo, medido
como o potencial elétrico do solo para receber ou doar elétrons. Em Figura 9.3 - Milho afetado por encharcamento em Tabasco, México. A umidade excessiva do
solo cria condições que podem prejudicar ou até matar uma cultura.
condições redutoras, íons fen-osos e manganosos (em vez de férricos
ou mangânicos) acumulam-se até níveis tóxicos. Período de encharcamento
Alguns microrganismos tolerantes à anaerobiose, que podem usar
nitrato como fonte de oxigênio para a respiração, causam desnitrificação
pela liberação de gás N 2 ou níveis tóxicos de óxido nítrico (N2O). A amônia
D Emergência até a primeira flor ~ Meio enchimento das vagens até a maturidade

também pode acumular-se após alagamento, mais isso se deve mais à D Primelra flor até o meio enchimento das vagens I Controle (sem encharcamento)

decomposição anaeróbica da matéria orgânica. Além disto, a atividade 200 70 --- 80


100 ~- --
anaeróbica reduz os sulfatos a sulfitos solúveis fitotóxicos, produzindo o
- ~
- -
-

-
sulfito de hidrogênio (H2S), com o conhecido cheiro de ovo podre. 60 ~
80 -
50
-
~-
Cada uma das condições já descritas pode se tomar limitadora para -
--

o desenvolvimento das plantas, quer individualmente ou em combina- 100 --


% - -
40- - 60

ções. Quando uma planta é enfraquecida por essas condições, ela fica 30 - mg

mais suscetível a doenças, especialmente na zona das raízes. A época


do alagamento também é importante. A suscetibilidade de uma cultura a
- 20--
40

20
10
efeitos negativos, em conseqüência do excesso de água no solo, pode o - -
depender de seu estágio de desenvolvimento quando ocon-e o enchar- Número de fl/res Aborto de flores Número de vagens Massa média
abertas por planta maduras por planta das sementes
camento. Os dados da figura 9.4 ilustram como o encharcamento pode
afetar, de diferentes formas, o crescimento, o desenvolvimento e o ren-
Figura 9.4-Efeitos da época de encharcamento sobre componentes da produtividade do feijão
dimento da cultura, dependendo da época do encharcamento. miúdo (Vigna unguiculata). Dados de Minchin e colaboradores (1978).

252 253
SISTEMAS DE DRENAGEM mais conhecido deste tipo de cultivo. Originalmente uma planta aquá-
tica ou de terras pantanosas, o arroz tem sido cultivado como uma planta
Há muito tempo sistemas de drenagem são empregados para remo-
que viceja em habitats molhados. Suas adaptações incluem tecido es-
ver o excesso de água da zona das raízes de plantas cultivadas e para preve-
pecial com espaço para ar nos colmos, que permite sua difusão até as
nir alagamento de terras agrícolas. Ao baixar os níveis de água ou prevenir
raízes; raízes que podem crescer sob condições de baixa concentração
alagamento, o ecossistema do solo é mantido aeróbico, facilitando sis~-
de oxigênio; a capacidade de oxidar íons ferrosos a hidróxido férrico
mas radiculares saudáveis e conduzindo a aumentos de rendimento. Sao
marrom-avermelhado na rizosfera e, assim, tolerar solos com alto po-
conhecidos sistemas de drenagem usados pelos agricultores romanos e chi-
tencial redox; e sementes que germinarão submersas devido à sua baixa
neses há mais de 2.000 anos. Uma boa parte do vale do rio Yang-tse, 24 na
exigência de oxigênio. Outros cultivas não são completamente adapta-
China as terras baixas dos Países Baixos e a região do delta da Califórnia
dos a banhados, embora tenham características que lhes permitem tole-
não seriam agricultáveis sem sistemas complexos de drenagem. ·
rar alagamento periódico. O inhame ( Colocasia esculenta), por exem-
Os sistemas de drenagem envolvem a construção de complexos de
plo, tolera alagamentos devido à sua capacidade de armazenar oxigê-
diques, canais e valas que, ou mantêm as áreas baixas sem enchente, ou
nio na base intumescida da folha, semelhante a um bulbo.
permitem que o lençol freático seja baixado, possibilitando o cultivo.
Em alguns locais com solos saturados, são usados camaleões ou cantei-
ADAPTAÇÃO AO EXCESSO DE ÁGUA
ros elevados. Recentemente, um controle mais rígido da umidade do solo
NO SOLO, EM NÍVEL DE AGROECOSSISTEMA
tomou-se possível com o desenvolvimento de sistemas subsuperficiais
de drenagem, que empregam canos plásticos perfurados, distribuídos Quando há um enfoque agroecológico de convivência com o ex-
com escavadeiras especiais. cesso de água, se assume uma abordagem intermediária. Em vez de ten-
Mas os sistemas de drenagem não são isentos de custos. Afora os tar eliminar a água, ou de restringir a produção a. culturas adaptadas a
econômicos, de instalação e manutenção, têm custos ecológicos. A água encharcamentos, várias formas de agricultura tradicional de campos ele-
removida carrega nutrientes e sedimentos que devem ser repostos. Em vados podem ser usadas. Em áreas com um lençol freático superficial
áreas com precipitação variável, o excesso de drenagem pode aumen- ou períodos de inundação, é criada uma variação topográfica nos ní-
tar o dano pela seca, durante um ano de poucas chuvas. Em algumas veis do solo. Ele é cavado para formar canteiros altos, e, no processo,
regiões com alta evapotranspiração durante a estação de crescimento, são deixados canais ou valas que também podem servir para drenagem,
onde os drenos são usados extensivamente, o descarte da água de dre- se entrar água demais no sistema em algum período. Mas o propósito
nagem propriamente dita pode ser um problema, especialmente quando principal das valas é recolher sedimentos de erosão e matéria orgânica
cmrega resíduos de agrotóxicos e altas cargas de sais, que podem cau- e, em alguns casos, tomar possível a produção de peixes. Em vez de
sar danos a ecossistemas naturais próximos. mudar o nível do lençol freático, as áreas de cultivo são elevadas aci-
ma dele. Se o sistema for instalado em uma área com uma estação seca
CULTIVOS ADAPTADOS A ÁREAS ENCHARCADAS extensa, o movimento capilar da água para cima, a partir do lençol fre-
ático, pode ser suficiente para manter a produção. Em alguns casos, a
Em vez de.tratar o alagamento como um problema a ser resolvido irrigação pode ser feita do canal próximo. Os exemplos melhor conhe-
com sistemas de drenagern ou outras infra-estruturas, ele pode ser visto cidos desses sistemas de canteiros elevados são as chinampas do Mé-
como uma oportunidade para cultivar plantas adaptadas que toleram xico central (descritas com mais detalhes no capítulo 6), os sistemas
encharcamento. O arroz (Oryza sativa) é, provavelmente, o exemplo tipo açude do delta do rio Pérola, no sul da China, e os sistemas de
canal-campos dos Países Baixos. Muitos desses agroecossistemas têm
uma longa história de manejo bem-sucedido.
"Rio Azul. (N. T.)

254 255
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·• :tQPif()S,!11~Í!l)P(J1lC/J:ÇfW~!/Piíl.Ii"-rtll1W'<CyP;.íl'à;il).diç.tjí~~~
c~,~ª§ ~!:~11lC1:il!'.iYllcll}s·.1J.ps ~~t~~qs ~Ievadcí~;l'~~~~~·•.
}Í<ll,1'1.f9}\tit•PSP~gt:(Jç~.!le;pluptio.â9s l'U~asou•aitrêq~~í:Í~i.!Í

i~,q.i,tçT!.~Sb~a§>il()~~<SÍyP,{i?!9:(1~~11l(1?11ll>ÍS(l')ípà;~.!l~~
~tt.!i~iiltij~,t~l{i1~~iti~;,~:~i~f~:iir~~Jft'rrif
· !eir?s eJ~yados: pmídp~tlnte>.eni ~à;s. eom p~pulaç&~
Figura 9.5 ~ A construção de um sistema de cultivo de campo elevado em um banhado, em Ta-
Jndtg~na,·e.tbernpossívçI.qµçe,ssa.prát:icateAAaisiclq/~ij~$,i'l
basco, México. O solo escavado das valas laterais é posto em camadas com resíduos de fibra de •.c~trl!ls nllllas •. Q~l,lr esst:1s si~temas árilafs possibilita ~Ç&{~~
cana~de-açúcar para criar uma superfície elevada de plantio. ,agriculturamaiapo~etet se;de&e~yplvjdo,.Q milboe ◊•teJj~~Jçi~;é ·
a base do presente s1steipa !lecµltivo, EÍtllPOrt/lht>Í fi()tííf~1l~;~mw~,;j
Estudo dê caso quan!lo çulti:vadouess.es agi;oecossist"-mas alagalf?:S ttqapt!J:<l.◊$',i!!J . ..
ça rendÍlllentos superiores .a quatro vezes aqueles daS)!J.Vcíuí!iS ~
SISTEMAS PRÉcHIS:i>ÂNICOS :OE CAMJ?OSt mas, que foram linlp~e atrnada~USfUidossetecnolpgiá~(íq~a;,
ELEVADOS EM .QUINTAl\!A ROQ,M:É~C;().; e>; ; ;,51f'%{5•
··ijtiitas.áreas do mulldo dépeuderncle~liilleht(l~G~,~~ff(t~í'
Deficiência de água no solo
bauhados ou terras periodicamente alagadas, ()s pro?ut9r~ef, t~~if1.{
áreas,adapt~am-sl') às condições de exc~ssp de íigµa de i~f.i~#{:t> _ quando a taxa de perda de umidade de um solo por evapotranspi-
neiras, e· algttns dos sistemas resultantes são alta1tJ.i')l\tl') 'ili? l?I~êjr raçao e ma10r do que o aporte por chuva ou irrigação, as plantas come-
Algµns são tl\fllbém t)l'-lito antigps, .Elstuclos rece11\es}í.i<lff~ ça~ a sofrer. A evaporação exaure a disponibilidade de água nos pri-
m!!ias .da península de Yucatán desenvolvçrl\fll, há.Ill!!ÍS di:;z.oo; meiros l 5-25cm de profundidade e, dependendo das características de
um agroecossistema de alagado prndutivo na~ teras 1?~!\sli enraizamento e taxas de transpiração das plantas, o esgotamento pode
agora o estmfo de Quinta.na Roo, México .(GliesSlllll1l,.}9~1J\ se estender a uma profundidade maior, à medida que as plantas perdem
Os vestígios de um enorme sistema cle qnais ~.caw~~~ água para a atmosfera. Quando a umidade esgota-se, as temperaturas do
dos, abrangendo mais de40.000 hectares, forl\fll desco91J~O solo próximo à superfície começam a subir, aumentando ainda mais a
senclo, agora, estudados. Estudos de datação mostram quê q§
, . . " · . • /:'.-,</Y{"c':C,
taxa de evaporação. Quando a água facilmente disponível, retida nas

257
256
partículas de solo, se esgota, os níveis de umidade podem alcançar o
ponto de murcha permanente.
Se ocorre uma murcha temporária significativa, as folhas começam
a amarelar e o crescimento e desenvolvimento são, geralmente, atrasa-
dos. As folhas expandem-se mais vagarosamente, são menores, e enve-
lhecem mais cedo. As taxas fotossintéticas caem em uma folha estressa-
da, e uma quantidade maior de fotossintatos que são assimilados fica ar-
mazenada nas raízes das plantas. Do ponto de vista da produção, tais res-
postas são, usualmente, negativas, porque resultam numa redução da co-
lheita. Mas, numa perspectiva ecológica, tais respostas podem apresen-
tar vantagens adaptativas da planta. Por exemplo, a alocação de mais car-
bono nas raízes de uma planta estressada por falta d' água pode promover
maior crescimento das raízes, permitindo que a planta busque umidade
numa área maior. A tensão por falta d' água pode forçar a floração, pro-
dução de frutos e formação prematura de sementes, ajudando a assegurar
a sobrevivência da espécie. Em alguns casos, os produtores podem até
tirar vantagem de tais respostas à seca, como quando cessa a irrigação de
algodoeiros no final do verão, para forçar o desfolhamento e evitar a ne-
cessidade de desfolhantes químicos antes da colheita. Figura 9.6 - Oliveiras cultivadas com escassez de água na Andaluzia, Espanha. Essa planta perene,
Muitas plantas têm estruturas específicas ou rotas metabólicas que
ajudam na sobrevivência sob estresse por falta d' água. Produtores em áreas
,--
de raízes profundas, é bem adequada a regiões com chuvas limitadas e difícil acesso à irrigação. ,

sujeitas a estresse periódico por falta d' água deveriam buscar espécies e sistemas de fornecimento de água são caros, tanto em termos de dinheiro
variedades de culturas que demonstrem algumas dessas características quanto de energia. O seu uso deve compensar custos ecológicos e eco-
adaptativas. Alguns exemplos de cultivas tolerantes à seca são certas es- nômicos, caso se deva alcançar uma sustentabilidade a longo prazo.
pécies de cactos, grão de bico, gergelim, nozes, como o pistache, e algu- Sistemas de captação, armazenagem e abastecimento podem ter
mas perenes de raízes profundas, como oliveiras e tamareiras. grandes impactos no fluxo de água da superfície e subterrânea. Aqüífe-
ros podem ser excessivamente drenados e a ecologia dos ecossistemas
ribeirinhos, de margem e de banhados, pode ser seriamente prejudica-
A ecologia da irrigação da. Uma vez que manter hidrovias e fontes de água boa é tão importante
quanto a manutenção de cultivas lucrativos, os impactos dos sistemas
Em ecossistemas naturais, a vegetação é adaptada ao regime de de abastecimento de água sobre a hidrografia local e regional devem
umidade do solo estabelecido pelo tipo de clima e de solo. Agroecos- ser levados em consideração.
sistemas, por outro lado, freqüentemente introduzem plantas com ne-
cessidades de água que excedem a capacidade do ecossistema natural SALINIZAÇÃO
de satisfazê-las. Quando esse é o caso, usa-se irrigação para fornecer
umidade adequada aos cultivas. Quase todas as águas de irrigação contêm sais que podem prejudi-
A irrigação representa uma mudança maior na função do ecossis- car os cultivas caso se acumulem. Como a irrigação é usada, principal-
tema, e gera seus próprios problemas ecológicos. Ao mesmo tempo, os mente, em áreas com alto potencial de evapotranspiração (ET), a deposi-

258 259
ção de sais sobre a supe1fície do solo, ao longo_do_ tempo, é i?evüável.
Tal acúmulo, se não controlado, pode alcançarmve1s desfavorave1s para
a produção agrícola, especialmente quando os sais contêm elementos-traço
tóxicos, corno boro e selênio. O conteúdo total de sais é medido corno
condutividade elétrica, em ohrns. Para cada 1,0 rniliohrns por centímetro
de água aplicada por irrigação, o conteúdo de sal da água aumenta cerca
de 640 pprn. Um monitoramento cuidadoso dos níveis de sal em solos
irrigados, juntamente com urna análise do conteúdo de sais da água a ser
usada na irrigação, pode ajudar a evitar o acúmulo excessivo.
Corno o acúmulo, na maioria dos sistemas irrigados, é inevitável,
a sustentabilidade a longo prazo é impossível sem urna drenagem natu-
ral ou aitificial adequada, que remova, das camadas superiores do solo,
os sais acumulados. A chuva é o principal agente de lixiviação natural.
Na ausência de chuva suficiente, é necessário construir sistemas de dre-
nas, valas e canais, conforme já descrito. Excesso de água é aplicado
periodicamente para dissolver os sais, e a água carregada de sais, ou é
lixi vi ada abaixo da zona produtiva de raízes, ou é removida através de
drenagem de superfície das áreas de cultivo.
Urna conseqüência natural de produzir em áreas secas, onde a ET
Figura 9.7 -Terra danificada por acúmulo de sais, perto de Kesterson, na Califórnia central. A
é alta e a água de irrigação tem cargas apreciáveis de sais, é que a água água de irrigação, drenada de terras agrícolas vizinhas, associada à evaporação, deixou sais tóxi-
que deixa o agroecossisterna terá urna concentração de sais mais alta cos no solo. Cortesia da foto de Roberta Jaffe.
do que a água aplicada. Precisa-se tornar cuidado, portanto, para não sa-
linizar as áreas que recebem o efluente, sejam elas solos, água subter- ou de áreas cultivadas onde a água é aplicada. A elevada umidade na
rânea ou sistemas superficiais de água. atmosfera pode se relacionar ao aumento de problemas de pragas e do-
enças e, também, estar associada a mudanças na distribuição e quanti-
AS MUDANÇAS ECOLÓGICAS dade de precipitação. Os efeitos da irrigação fora da área de produção
agrícola devem ser considerados juntamente com seus efeitos na área
A introdução de água por itrigação em urna região agrícola, du-
de produção, quando for aplicado o contexto maior de sustentabilidade.
rante um período normalmente seco do ano, pode ter efeitos profundos
nos ciclos ecológicos naturais e nos ciclos de vida de organismos be-
néficos ou pragas. Sob condições naturais, urna seca sazonal pode ser
um meio muito importante de reduzir o acúmulo de pragas e doenças,
Otimizando o uso do recurso água
atuando corno a geada ou o alagamento fazem em outras regiões, rom-
A umidade do solo é manejada de forma ótima em agroecossiste-
pendo os ciclos de vida desses organismos. A perda desse mecanismo
rnas desenhados para assegurar que a rota principal da água para fora
de controle natural pode ter sérias conseqüências em termos de epide-
do solo ocorra através da cultura. O enfoque do manejo, portanto, é re-
mias e aumento de resistência a estratégias de controle aitificial.
duzir a evaporação e aumentar o fluxo através da transpiração. Práticas
Outro tipo de mudança que pode resultar da introdução de irriga-
que incentivam esse movimento da água são componentes importantes
ção em áreas naturalmente secas é a mudança no clima local ou regio-
da sustentabilidade.
nal, provocada pelo aumento da evaporação dos reservatórios de água

260 261
EFICIÊNCIA NO USO DA ÁGUA kg de água utilizada na produção
de 1kg de matéria seca

A biomassa produzida por uma planta, com uma dada quantidade 600
de água, pode ser usada como medida da eficiência do uso da água apli-
500
cada a um agroecossistema. Quando essa eficiência é expressa como
matéria seca produzida por unidade de água transpirada, ela é chamada 400
de eficiência de transpiração (T). Quando é calculada com base na ma-
300
téria seca produzida por unidade de água perdida através de evapora-
ção da superfície do solo e da transpiração, ela é chamada de eficiên- 200
cia de evapotranspiração (ET).
100
Eficiência de transpiração o
As plantas variam em suas eficiências T relativas, embora a efici- Milho Cevada Trigo Feijão Ervilha Aveia Trevo Batata

ência T real dependa das condições que existem onde a cultura está cres- Figura 9,8 - Eficiência média da transpiração de várias culturas. As médias foram computadas
cendo. Dados sugerem que cultivas como milho, sorgo e milheto têm a partir de dados compilados por Lyon e colaboradores (1952), referentes a distintas partes do
eficiências T relativamente altas, porque usam menos água para produ- mundo.

zir 1kg de matéria seca. Ao contrário, leguminosas, como a alfafa, têm


Eficiência da evapotranspiração
eficiência T baixa e dependem de altos aportes de umidade para cada
kg de matéria seca produzida. A maioria dos cereais e hortaliças são Sendo o solo extremamente variável, a eficiência ET também,
intermediários. Eficiências T médias para culturas importantes são mos- o é. Contudo, alterando práticas de manejo de culturas e de solos,
tradas na figura 9.8. que afetam a evaporação, como será descrito a seguir, pode-se ob-
Uma grande quantidade de água é consumida para levar uma planta ter, imediatamente, mudanças desejáveis na eficiência ET. Em ter-
cultivada até a maturidade. Por exemplo, um cultivo representativo mos ideais, o índice de perda d'água por transpiração em relação à
de milho, contendo 10.000kg/ha de matéria seca e tendo uma taxa de perda d'água por evaporação deveria ser tão alto quanto possível. Um
transpiração de 350, retiraria do solo o equivalente a 35cm de água índice mais alto de T sobre E indica maior movimento de água atra-
por hectare. Essa umidade precisa estar no solo na época em que as vés da planta e, assim, um potencial mais alto para produção de bio-
plantas precisam dela, ou o crescimento será afetado. Adicione-se, a massa por unidade de água usada. Conseqüentemente, um manejo
essa quantidade, perdas por evaporação, e é possível ver como, fre- sustentável de água dá maior ênfase à reçlllção de E, para ter mais
qüentemente, a umidade é o fator mais crítico na produção em regiões umidade para T e, portanto, para os processos de crescimento e de-
em que é limitada. senvolvimento da planta.
A pesquisa que objetivou o aumento da eficiência T de culturas
teve muito pouco sucesso em alterar a taxa, mesmo com mudanças no MANEJANDO A EVAPOTRANSPIRAÇÃO
manejo ou esforços no cruzamento de plantas. Não havendo outras con-
dições limitantes, a quantidade de água necessária para produzir uma Sendo a transpiração de uma planta um process<rsobre o qual quase
unidade de matéria seca de uma espécie ou vatiedade, em um clima não se tem controle se ela estiver crescendo normalmente, é melhor tratar
determinado, é relativamente constante. Isto sugere que se pode ganhar de reduzir a perda por evaporação manejando-se a-forma como ela é
mais enfocando o controle da evaporação da superfície do solo. cultivada.

262 263
Escolha da cultura e desenho do agroecossistema

A escolha das espécies e a época de cultivo podem influenciar tanto


a eficiência T quanto a ET. A escolha de uma cultura com menores ne-
cessidades de água, como milho ou sorgo, em uma área com uma eva-
potranspiração muito alta e água limitada para irrigação, é uma boa es-
tratégia para manejar a umidade do solo. Também pode ser útil trocar
culturas com maiores necessidades de água para uma época mais fresca
cio ano, quando a perda de umidade é potencialmente menor.
Uma maior cobertura vegetativa pode reduzir dramaticamente a eva-
poração. Uma maneira de ganhar mais cobertura é usar técnicas de con-
sórcio. Um reflorestamento, por exemplo, sombreia a superfície do solo,
enquanto um pomar de macieiras, com linhas amplamente separadas,
tem muito mais superfície de solo exposta à evaporação. Mas um au-
mento na cobertura de plantas com IAF mais alto pode ser uma desvan-
tagem em regiões secas, já que as taxas de evaporação mais baixas po-
dem ser compensadas por taxas de transpiração muito elevadas, esgo-
tando as reservas de umidade do solo mais rapidamente.
Figura 9.9 - Pousio com pastoreio de ovelhas numa unidade de produção de trigo na Austrália. As
Cultivo com pousio o_velhas c~ntrolam as ervas que consomem umidade e proporcionam renda durante o ano de pou-
s10. A umidade de solo acumulada durante o ano de pousio combina-se com as chuvas durante 0
Em regiões com limitação de umidade, como as grandes planíci- ano seguinte de cultivo para pennitiruma colheita de trigo bem-sucedida. Não é possível ter anos
es dos Estados Unidos e o cinturão de trigo no sudeste da Austrália, sucessivos dé produção de trigo sem pousio, exceto quando há precipitação excepcionalmente
alta. Foto cortesia de David Dumaresq.
produtores, às vezes, cultivam num ano e deixam em pousio no se-
guinte, para conservar a umidade do solo. A eliminação de perdas por
transpiração de uma cultura, durante o ano de pousio, permite que a Manejando a evaporação da supe,fície
umidade do solo seja guardada para o ano de plantio. A palhada da
safra anterior é, usualmente, deixada na superfície do solo durante o A evaporação direta da superfície do solo normalmente retorna para
ano de pousio para limitar as perdas por evaporação, e, então, é usa- a atmosfera mais da metade da umidade ganha por precipitação. Este
do algum tipo de cultivo do solo ou tratamento com herbicida, durante grau de perda por evaporação ocorre não somente em regiões secas, mas
a estação de pousio, para minimizar as perdas por transpiração das também em regiões áridas irrigadas ou úmidas alimentadas por chuvas.
ervas adventícias. Ou uma forrageira é semeada próximo ao final do O crescimento das plantas sofre como resultado da perda de umidade
ano de cultivo e deixada como uma cobertura para pastoreio durante o através da evaporação pela superfície. Qualquer prática que cubra o solo
ano de pousio. Embora pouca chuva durante o ano de pousio possa ajudará na redução das perdas por evaporação. ·
provocar rendimentos menores no ano de cultivo, a colheita após um Coberturas Orgânicas. Uma ampla variedade de materiais animais
ano de pousio terá, geralmente, um rendimento maior do que se plan- e vegetais pode ser usada para cobrir a superfície do solo como cober-
tada sem pousio. De fato, desde que haja chuva suficiente para repo- tura morta, reduzindo a evaporação (e para reduzir o crescimento e per-
sição durante o ano de pousio, há risco reduzido de fracasso da cultu- das por transpiração das ervas adventícias). Materiais normalmente
ra em ano de seca. usados incluem serragem, folhas, palha, resíduos agrícolas composta-

264 265
dos, estercos e resíduos de culturas. As coberturas mortas proporcio-
nam uma barreira muito efetiva contra a perda de umidade, e têm apli-
cação especial em sistemas de horticultura intensiva e de pequena pro-
dução, ou com culturas de alto valor, como morango, amora e algumas
outras frutas. As coberturas mortas funcionam melhor quando o sistema
não requer cultivo de solo freqüente ou depende, na maior parte, de ca-
pina manual.
A cobertura morta proporciona uma opção viável para manejo da
água no solo, mas, ao mesmo tempo, tem muitos outros efeitos benéfi-
cos. Ela protege o solo da erosão, favorece o retorno da matéria orgâ-
nica e nutrientes para o solo, altera a reflexividade da superfície (albe-
do), aumenta a camada limítrofe para difusão gasosa, e encharca-se com
a chuva que cai. Todos esses fatores interagem.

Figura 9.11 - Coberhua morta de casca de sequóia no topo de canteiros de morangos, perto de
Aromas, Califórnia.

Coberturas Mortas Artificiais. Uma variedade de papéis e plásti-


cos especialmente fabricados está disponível para uso como cobertura
morta. Esses materiais podem ser facilmente estendidos e presos firme-
mente à superfície do solo. Quando essas "coberturas mmias" são es-
tendidas diretamente sobre canteiros plantados, fendas ou buracos po-
dem ser feitos para as plantas cultivadas. A perda de umidade é muito
reduzida e o rendimento, freqüentemente, aumentado. Algull/i plásticos
também proporcionam um efeito estufa concentrado, elevanllo as tem-
peraturas do solo em vários graus. Esse é um benefício muito importan-
te para culturas plantadas durante a época mais fria do ano, como mo-
rangos na Califórnia litorânea.
Resíduos de Culturas e Cultivo Mínimo. Ao deixar uma alta per-
Figura 9 .1 O- Cobertura morta de aguapé 25 entre fileiras de pimenta em Tabasco, México. centagem de palhada na superfície do solo, cria-se uma barreira prote-
tora que reduz a evaporação. A cobertura morta protege a superfície do
solo, e fornece uma barreira contra o fluxo capilar de água para a su-
perfície. As temperaturas mais baixas, criadas pela barreira da cober-
25
"Water hyacinth", no original. tura, provavelmente também ajudam a reduzir a evaporação.

266 267
As técnicas de cultivo mínimo e plantio direto são freqüentemen-
te combinadas com o uso de resíduos de culturas como cobertura mor-
ta. O principal objetivo da maimia dos sistemas de cultivo mínimo é
desenvolver maior cobertura do solo para reduzir perdas por evapora-
ção da superfície. Em sistemas de plantio direto, as sementes são seme-
adas diretamente na camada superficial do solo ou na palhada do culti-
vo anterior, sem arar ou gradear, deixando o material vegetal permane-
cer como uma barreira contra a perda por evaporação. A cobertura morta
de palhada é uma prática comum em áreas subúmidas e semi-áridas onde
bastante biomassa é produzida pelo cultivo anterior para proporcionar
cobertura suficiente de solo. Os resíduos são picados ou triturados, es-
palhados uniformemente sobre a superfície, e, então, implementos es-
peciais, que podem penetrar na cobertura morta, são usados para seme-
ar o cultivo seguinte. A despeito de seu impacto positivo sobre a umi-
dade do solo, os sistemas de cultivo mínimo têm desvantagens potenci-
ais. Essas incluem o aumento da dependência aos herbicidas para ma-
nejo das ervas, o acúmulo de patógenos de solo, vindos dos resíduos
das culturas, e a necessidade de equipamentos mais complexos e caros.
Cobertura Morta de Solo. Uma cobertura morta natural, feita de
uma camada de solo seco capinado na superfície, pode conservar a-
umidade em regiões com uma alternância nítida entre a estação úmida e
a seca. Essa camada seca corta o fluxo capilar da água para a superfí-
cie, e o processo de sua criação elimina ervas adventícias que possam
canalizar a umidade debaixo da camada seca e aumentar as perdas por
transpiração. Esses benefícios, contudo, precisam ser pesados contra
impactos negativos potenciais, como aumento dos custos de produção,
um maior risco de erosão pela chuva e vento, e a perda de maté1ia orgâ-
nica da camada seca.

PESQUISA FUTURA

Quando a sustentabilidade é o objetivo principal, a umidade do solo é


manejada para que pe1maneça tão próxima quanto possível do ótimo re-
querido para manter o melhor crescimento e desenvolvimento do cultivo.
Isso significa ir além de simplesmente remover a água quando há excesso e
Figura 9.12 - Cobertura plástica sobre canteiros de morango, na Califórnia litorânea. O plástico é
aplicado após as mudas de morango terem sido transplantadas, ahrindo-se fendas para possibili-
adicioná-la quando há deficiência. A sustentabilidade requer um conheci-
tar o crescimento das plantas. mento profundo de como a água funciona no solo e na interface planta-solo.
A eficiência da absorção de água e sua conversão em biomassa vegetal

268 269
podem ser indicadores da sustentabilidade do agroecossistema. É necessá- SINGER, M. J.; MUNNS. D. J. Soils: an introduction. New York: Macmillan, 1987.
1io desenvolver e experimentar mais estratégias de manejo da água, espe- Um texto introdutório muito útil sobre solos, com um tratamento muito bom do ma-
nejo da interface solo-água.
cialmente aquelas que a vêem no contexto de ciclos e padrões maiores, que
unem a área de produção agrícola com o ambiente circundante, de onde a SLAYTER, R. O. Plant water relationships. New York: Academic Press, 1967.
Um tratamento extenso da interface planta-água, com ênfase na ecologia fisiológi-
água vem e para onde, finalmente, volta, após passar pela produção. ca geral das plantas.
STEWART. R. C.; NIELSEN, D. R. lrrigation of agricultura! crops. Madison, Wis-
consin: Arnerican Society of Agronorny, 1990.
Para ajudar a pensar Uma revisão meticulosa de especialistas em irrigação agrícola, abrangendo aspec-
tos que incluem impactos ecológicos, eficiência do uso da água e tecnologias dis-
poníveis.
1. Em regiões com deficiência de chuvas, a falta de umidade no solo
para a produção pode ser encarada de duas maneiras: a) desenvolver THORNE, D. W.; THORNE, M. D. Soil. water and crop production. Westport,
Connecticut: AVI Publishing Cornpany, 1979.
culturas ou sistemas de cultivo que sejam adaptados aos baixos níveis
Uma análise do impacto na produção, pelo manejo da interface solo-água.
de umidade, ou b) introduzir a inigação para superar o déficit de água.
Quais as vantagens e desvantagens de cada abordagem?
2. Por que os produtores devem estar conscientes dos efeitos "a jusan-
te" quando usam inigação?
3. Um período sem chuvas, longo o suficiente para criar estresse por falta
d' água no solo, ou um período de encharcamento, suficientemente longo
para criar condições limitadoras de anaerobiose no ecossistema do solo,
podem ajudar a controlar populações de pragas e doenças que, de outra
forma, poderiam provocar perdas no cultivo. Quando esses eventos natu-
rais são removidos de um sistema determinado, que estratégias alternati-
vas de manejo de pragas e doenças poderiam ser empregadas?

Leitura recomendada
BRADY. N.C.; WEIL. R. R. The nature and properties of soils. 11.ed. Upper Sadd-
le River, New Jersey: Frentice Hall, 1996.
A edição mais recente deste abrangente livro-texto sobre solos, com uma extensa
seção sobre como a água funciona no ecossistema do solo.
MARSHALL, T. J.; HOLMES. J. W.; ROSE. C. W. Soil physics. 3.ed. New York: Cam-
bridge University Press, 1996.
Um livro-texto enfocando a interação entre água e solo através da ciência da física.
McBRIDE, M. B. Environmental chemistry ofsoils. New York: Oxford University
Press, 1994.
Explica os aspectos químicos do solo, com uma ênfase nos impactos humanos e no
manejo de fatores ambientais; mostra como a água é o meio importante para a maior
parte da atividade química do solo.

270
271
10

Fogo

Quase toda a vegetação da Terra é influenciada, de alguma manei-


ra, pelo fogo. Acredita-se que incêndios periódicos de freqüências e
intensidades variáveis ocorrem na maioria dos ecossistemas, especial-
mente em regiões com estações secas pronunciadas. 'O fogo é uma for-
ma maior de transformação ou perturbação ambiental. Ele remove a es-
pécie de planta dominante, desloca animais, devo! ve nutrientes ao solo
e queima a serapilheira acumulada no solo da floresta.
Os incêndios mais comuns são de origem natural, mas incêndios
j antropogênicos (induzidos pelo homem) também têm uma história con-
siderável. Existem relatos, na literatura, de depósitos de carvão em áreas
de floresta úmida tropical que datam de 6.000 anos, muitos dos quais
parecem estar associados com atividades humanas. Antes do desenvol-
vimento das ferramentas agrícolas primitivas, o fogo era a "ferramen-
ta" mais importante que os primeiros seres humanos tinham para mane-
jo da vegetação.
Alguns tipos de vegetação natural, desenvolvidos em áreas onde o
fogo é relativamente freqüente, são, na verdade, dependentes do fogo
para sua estabilidade a longo prazo; estes incluem certos tipos de pra-
daria, savana, arbustos e florestas. O chaparral é provavelmente a ve-
getação mais conhecida dependente do fogo, sendo, freqüentemente,
descrita como uma comunidade de "clímax de fogo".
Na pesquisa ecológica pioneira, o fogo não foi muito estudado,
porque era visto somente como uma força destrutiva, e era difícil ob-
servar seus efeitos reais. Mais recentemente, contudo, estudos detalha-
dos em ecossistemas como o chaparral da Califórnia ajudaram a tomar
. o fogo um tópico importante da investigação ecológica. Hoje, ele é vis-
to como uma parte integrante de muitos ecossistemas, como testemu-
nhado pelo uso crescente de queimadas controladas no manejo de par-

273
ques e reservas naturais. O fogo também desempenha papéis muito im- então, evoluiu para uma fen-amenta de controle da vegetação. A quei-
portantes em agroecossistemas: é uma parte fundamental da prática da ma pode ter sido usada para dar melhor alimentação aos animais, ou mes-
agricultura de roçado, e é usado para manejar restos de culturas, matar mo para promover a presença de certas plantas que serviam como fonte
ervas e limpar a derrubada após a retirada das toras. de alimentos para seres humanos. Posteriormente, o fogo tornou-se uma
fen-amenta para preparar o solo para o plantio. Até agora, há vestígios
mostrando que o sistema primitivo de agricultura de roçado começou
há cerca de 10.000 anos.
Numa perspectiva ecológica, há três tipos de incêndios:
- Incêndio de superfície - É o tipo de incêndio rrtlli§_CQ_mUJ11. As
temperaturas do fogo não são ctuentes demais, as chamas queimam de-
tritos, grama ou restos Ó-rgãnl°cos que se acumularam na superfície do
solo. Um incêndio desses pode se espalhar sob a copa de uma floresta e
n_ão queimar ll§_á,yores. Mudanças que ocon-em nas condições do solo
durante umincêndio de superfície geralmente têm vida curta, embora a
vegetação de nível intermediário possa ser grandemente alterada. Os
incêndios de superfície podem ser usados para controlar ou para pro-
mover o crescimento de ervas adventícias ou invasoras, depe11d_t'mdo
das circunstâncias.
- Incêndio de coroa - Este tipo de incêndio pode ser mtJitQl?[\Ü!k.;
diciaLpara alguns tipos de vegetação, assim como pode ser parte do
rejuvenescimento de outras. Durante os incêndios de coroa, a copa da
vegetação é consumida, e usualmente as espécies de plantas maduras
são mortas. Os incêndios de coroa movem-se, em geral, muito rápido e,
Figura 10.1 - Fogo do chaparral nas montanhas Santa Inês, perto de Santa Bárbara, Califórnia. freqüentemente, se combinam com um incêndio de superfície para quei-
Incêndios periódicos são parte da história evolucionária do chaparral; apenas recentemente os
mar tudo acima da superfície do solo.
seres humanos desestruturaram o padrão natural de queimadas.
- Incêndio de solo ou subsolo - Este tipo de incêndio ,,.~,--,,,
não é muito
f{~qüente,.mas, quando ocon-e, pode ser n;iuito destrutivo. E caracterís-
O fogo em ecossistemas naturais tico de solos que têm alto conteúdo de matéria orgânica, especialmente
solos de turfa. A matéria orgânic<1; no solo pode ser queimada até a ca-
Um incêndio pode ocorrer em um ecossistema quando três condi-
mada de solo mineral. Esses incêndios são geralmente vagarosos, com
ções forem atendidas: um acúmulo de combustível ou matéria orgânica
mais fumaça do que chamas, que secam o solo à medida que queimam.
suficiente, tempo seco e uma fonte de ignição. Por milhões de anos, re-
As raízes e sementes do solo são mortas, e os habitats dos animais são
lâmpagos foram a fonte principal de ignição. Eles ainda são importan-
severamente alterados.
tes hoje, quando mais de 70% dos incêndios espontâneos no oeste dos Qualquer incêndio individual pode combinar aspectos dos três ti-
Estados Unidos são causados pela queda de raios. Em tempo geológico pos. Em geral, a intensidade de um incêndio está intimamente relacio-
muito recente, os seres humanos tornaram-se a principal "fonte de igni-
nada com a freqüência de incêndios naquela área.
ção". Eles usam o fogo desde o Paleolítico, há 500.000 anos atrás. Pro-
vavelmente, foi usado primeiro para a caça ou pastoreio de rebanhos e,

274 275
Efeitos do fogo no solo
Muito da importância ecológica do fogo tem a ver com seus efei-
tos no solo. O fogo tem impactos notáveis em uma série de componen-
tes bióticos e abióticos do ecossistema de solo, e conhecer esses imé
pactos é importante para o seu emprego como fen-amenta no manejo de
agroecossistemas. Deve ser ressaltado, contudo, que os efeitos do fogo
podem variar amplamente, dependendo do tipoe estágio de desenvol-
vimento da vegetação, do tipo de solo, da estação da queimada, das
condições prevalecentes do tempo, do intervalo decorrido desde o últi-
mo incêndio, além de outras condições.

FATORES ABIÓTICOS

Quando ocorre um incêndio, a tfmperatura das camadas superfi-


ciais do solo soge, A taxa e a profundidade reai~ do aquecimento de-
pendem da quàntidade de umidade no solo e do tipo de incêndio. As
temperaturas, durante uma queimada na superfície, quase sempre exs
cedem a lO0ºC, e podem subir. até 720ºC por curtos períodos de tem-
po. Aumentos da temperatura abaixo da superfície ficam usualmente
restritos aos 3-4cm iniciais, onde sobem 50-80ºC acima da tempera-
tura presente antes do incêndio, geralmente por apenas poucos minu-
tos (Raison, 1979). Essas temperaturas são altas o suficiente para
modificar o ambiente do solo de maneiras que podem ser úteis para o
manejo de agroecossistemas.
A queim:i completa da matéria orgânica sobre o chão provoca a
Figura 10.2 - Os três tipos de incêndios. Um in- combustão da maior parte dos componentes nitrogenados e de ácidos
cêndio de superfície (esquerda), de propagação orgânicos, retomando os cátions inorgânicos ão soló(pririéipalmente K+
lenta e não muito quente, queima a serrapilheira
na camada inferior de floresta decídua de verão,
e Ca2+), os quais, então, têm um efeito alcaliniz_ante. A força deste efei-
no noroeste da Costa Rica. Um incêndio de co- to depende da intensidade do fogo e da totalidade dicombustão da bio-
roa, de propagação rápida (centro), em um cha- massa vegetal, mas o pH aumenta no solo durante os primeiros dias após
pairnl, queimou da superfície até a coroa das plan-
tas, perto de Santa Bárbara, Califórnia. Um in- um incêndio; especialmente se o solo for w:nedecido por chuva, são
cêndio subsuperficial (direita), visível a distância, comuns três ou mais unidades de pH. ··· ··· · ·
queima num pântano perto de Coatzalcualos, Ve- Após um incêndio, a superfície do solo enegrecida tenderá a ter
racmz, México.
mais gapho solar; no entanto, se a biomassa e;isteríte era considerável
antes do incêndio, e as temperaturas de combustão foram muito altas,
cinzas brancas podem estar presentes na superfície, em quantidade su-
ficiente para ter o efeito exatamente oposto por um curto período de

276 277
tempo. O albedo mais alto da superfície branca refletirá a energia solar ser morta, ressecada e inflamada rapidamente, reduzindo todo O mate-
e limitará o aquecimento do solo. rial aêirha do chão a cinzas. Então, se as plantas não brotarem a partir
As temperaturas altas, causadas por incêndio, podem reduzir enor- de estruturas abaixo do chão, a recuperação começará somente com a
1memente a quantidade de matéria orgânica nas camadas superiores do germinação de sementes. As sementes de algumas espécies são mortas
isolo. A uma temperatura de 200ºC a 300ºC, por 20 a 30 minutos, há pelo fogo, enquanto outras são estimuladas, ou pela quebra de fatores
hedução de 8_5% da matéria orgânica, com uma liberação associada de específicos de dormência, ou pela criação de condições de solo que fa-
j:f,C02, perda de nitrogênio e enxofre por volatilização e a deposição de vorecem a germinação e seu estabelecimento.
-~;-minerais. Incêndios repetidos podem re.tardar o processo de recuperação da
ii;i Após o incêndio, geralmente há uma redução na capacidade de re- vegetaçãp até o ponto em que outro tipo.de vegétação, mais tolerante ao
;ifénção de umidádêéfo solo; porém, com a r~oção da cobertura vegeta- fogo, possa estabelecer a dominância. A conversão de vegetação arbusti-
tivã;ã-disponibi!Ídade réal de umidade pode aumentar, por causa da va para vegetação de pradaria é um bom exemplo desse processo. Por
demanda reduzida. O tamanho de agregado de solo é reduzido, a densi- outro lado, alguns tipos de vegetação são, num certo sentido, ITl_,!f!tidos
dade aparente sobe, e baixam as taxas de permeabilidade e infiltração saudáveis por incêndios periódicos, porque o fogo remove indivíduos
de água. Freqüentemente, também há um aumento do yscorrirnento de velhos e moribundos, ocasiona o retomo de nutrientes armazenados no
chuvas e lixiviação de nutrientes, e a possibilidade de maior erosão do solo e estimula a renovação com indivíduos novos ou mais jovens.
soÍ~·ate esse ser coberto, urna vez mais, por vegetação. Não é incomum Muitos animais de maior porte podem evitar o fogo fugindo, e,
que, imediatamente após um incêndio, a superfície do solo fique repe- mesmo quando são mortos, suas populações na área queimada podem
lente à água, mas esta condição é usualmente superada após exposição se recuperar através da recolonização a partir de áreas próximas, que
à umidade. não foram afetadas. Alguns animais, na verdade, procuram áreas recen-.
Falando em termos gerais, a maior parte dos efeitos abióticos lis- temente queimadas por causa da concentração de brntaç_ão nova e for-
tados anteriormente são de curto prazo. Rapidamente, a regeneração da ragem, ou porque as cinzas podem ajudar na remoção de parasitas, como
vegetação, associada à reposição da matéria orgânica do solo, à lixivi- carrapatos e pulgas.
ação pelas chuvas e à modificação das condições de queimada pelas Após um incêndio, há uma n;duçãoimediata nas populações de
plantas, começa o processo de recuperação. No caso de intensidade quase todos os organismos do solo, incluindo fungos, bactérias nitrifi-
severa seguida de supressão excessiva do fogo e acúmulo anormal de cadoras, aranhas, miriápodes e minhocas. Muitos morrem como resul-
material combustível, ou no caso de um incêndio queimar as camadas tado das altas temperaturas, mas alguns sofrem impacto das mudanças
orgânicas de turfa que voltam a se acumular numa taxa muito vagarosa, de pH no pós-incêndio ou pelo fluxo de certos nutrientes para dentro do
as condições abióticas podem ser alteradas por períodos de tempo mais solo, oriundos da matéria orgânica queimada. Após um incêndio, con-
longos. Incêndios freqüentes não naturais, geralmente induzidos por se- tudo, há uma recolonização razoavelmente rápida, especialmente por
res humanos, também podem levar a urna mudança mais duradoura. _bactérjasque são estimuladas pelo aumento de pH.
. ·como um todo, o fogo pode teifanto impactos positivos quanto
FATORES BIÓTICOS negativos no ambiente, mas é preciso lembrar que a intensidade, a du-
ração e a freqüência de incêndios em ecossistemas naturais são incri-
Obviamente, quaisquer plantas ou animais vivos que estejam no velmente variáveis. De um ano para outro, as condições que favorecem
trajeto de um incêndio estão em perigo. As plantas que não são adapta- um incêndio variam tremendamente. E, quando um incêndio realmente
das a incêndios são facilmente mortas, especialmente se o tipo de casca ocorre, seus efeitos não são uniformes. Algumas áreas são queimadas
não proteger o câmbio vivo. Se o fogo for suficientemente quente e ou- totalmente, enquanto o mesmo tipo de ecossistema pode ser poupado
tras condições estiverem adequadas, a matéria viva das plantas pode completamente dos impactos do incêndio em distâncias próximas.

278 279
característica comum de tolerância ao fogo é a capacidade de rebrote
da coroa.
- Dependência - Plantas dependentes, na verdade, exigem fogo para
a reprodução ou sobrevivência a longo prazo. Algumas delas têm se-
mentes·quê só germinarão ou cones que só se abrirão se expostos ao
fogo. Outras plantas só florescerão após um incêndio, ou se tomarão
sênts, a menos que expostas a incêndios periódicos. · ·

O fogo em agroecossistemas
O fogo tem uma longa história de uso na agricultura. Mas, numa
perspectiva agroecológica, Q_fogopCJc!~ serbom ou mau, usado gou-
co ou excessivamente, de forma cuidadosa ou descuidadamente. O
desafio é·a· aplicação apropriada do conhecimento dos seus impac-
tos ecológicos.

AGRICULTURA DE ROÇADO
Figura l 0.3 - Resposta do Pinus26 ao fogo. Pinus jovens restabelecem-se após devastadores in-
O agroecossistema com a história mais longa do uso do fogo é ~
cêndios de coroa que mataram as árvores matrizes em Yellowstone, Wyoming.

agricultura itinerante, ou a agricultura de roçado. Ela continua sendo,


Adaptações das plantas ao fogo hoje, a forma mais importante de agricultura de subsistência em muitas
Em qualquer local onde o fogo tem uma longa história evolucio- partes do mundo'. Êmbora se acredite que seja praticada principalmente
nária, a maioria das plantas e, pelo menos, alguns animais desenvolve- nos trópicos, foi usada na agricultura primitiva mesmo na Europa, onde
ram adaptações. É interessante que as adaptações que dotam as plantas trigo e cevada eram cultivados em um ciclo de pousio de 10 a 25 anos
de resistência ao fogo também são, em muitos casos, características que (Russell, 1968). Embora possa parecer bem simples limpar, queimar e
as capacitam a lidar com excesso de luz ou estresse por seca. plantar, bons agricultores de roçado aprenderam, pela experiência, que
As plantas podem ser adaptadas ao fogo de três maneiras diferentes. <º momento con-eto e a duração de cada atividade, especialmente o fogo,
- Resistência - Plantas com resistência ao fogo têm características fazem a diferença entre um sistema sustentável e um degradador. A agri-
que ajudam a prevenir a queima das partes vivas em um incêndio. Essas cultura ele roçado funciona quando o sistema tem tempo suficiente para
características incluem aspectos como .casca espessa,, folhagem resis- que processos de sucessão natural restaurem a fertilidade cio solo per-
tente ou uma camada orgânica sobre o solo que agüentará incêndiÓ; fre- dida por perturbação e colheita.
qüentes, porém menos prejudiciais. Imediatamente, após uma queimada, a mobilidade de nutrientes
- Tolerância - Plantas tolerantes ao fogo têm características que no sistema é bem :.ilta'; resultando freqüentemente em perdas por lixi-
permitem a sua sobrevivência quando queimadas em um incêndio. Uma viação. Isto acentua a necessidade ele um período ele pousio para a
recuperação ela fertilidade perdida. Em sistemas de roçado, as plan-
tas cultivadas precisam c:ipturar rapidamente os nutrientes adiciona-
26 "Lodgepole pines", no original.
dos ao solo pelas cinzas, pois, caso contrário, serão removidos pela

280 281
?~
lixiviação ou passarão a ser usados por plantas silvestres invasoras.
Dependendo do tipo de solo, regime climático e práticas de cultivo, a
taxa de perda de nutrientes varia consideravelmente. Porém, estudos
mostraram que ela pode ser rápida e elevada, especialmente para nu-
trientes como cálcio, potássio e magnésio (Ewel e colaboradores,
1981; Jorddan, 1985; Nye e Greenland, 1960). Fogos repetidos em
períodos próximos e o cultivo do solo podem acelerar ainda mais a
perda de nutrientes (Sanchez, 1976) ...
Sistemas de agricultura de roçadú, geralmente são co-nsiderados
capazes de sustentar níveis de população'relativamente baix;~. Quando
esses sistemas são bem manejados, a maior parte do carbono e do ni-
trogênio do solo permanece após uma queimada; a camada de raízes
permanece intacta e viva, a superfície do solo é protegida por alguma
forma de cobertura de biomassa, e mesmo as micorrizas do solo sobre-
vivem. Como resultado, a perda de nutrientes e a erosão do solo são
minimizadas, tomando o sistema sustentável. Mas muitos desses siste-
mas deixaram de ser sustentáveis porque urna série de fatores sociais,
econômicos e culturais criam pressões que encurtam o período de pou-
sio, removem a madeira para lenha, introduzem cultivos inadequados Figura 10.4 - Manejo de fogo em um agroecossistema de roçado em Tabasco, México. Um p,c-
queno aceiro separa o fogo de áreas a serem derrubadas ~--?e cultivos próximos.
ou sobrepastoreio, acabando por promover a invasão de espécies ad-
'\\
ventícias agressivas ou conduzindo ao rompimento dos processos que Limpeza da área
favorecem a recuperação da cobertura de solo por espécies nativas. O
uso exagerado do fogo é, freqüentemente, urna causa do rompimento na Atualmente, em muitas partes do mundo, o fogo continua a ser a
sustentabilidade. ferramenta,mais acessível e barata para eliminar a vegetação e a bio-
massa vegetal da superfície do solo antes do preparo do terreno para o
SISIBMAS AGRÍCOLAS MODERNOS plantio, especialmente nas versões atuais de agricultura de roçado. O
uso de fogo para limpar a área é particularmente importante em muitos
Em sistemas agrícolas modernos, o fogo desempenha variados pa- sistemas florestais, onde o enorme volume que fica após a derrubada é
péis. Os exemplos apresentados a seguir representam diferentes níveis queimado para tornar o plantio mais fácil, bem como para reduzir a chance
de tecnologia e têm distintos usos, dependendo do tipo de agroecossis- de incêndios espontâneos propagarem-se através da vegetação seca,
terna, região da Terra e culturas envolvidas. Podem ser usados em qual- suprimindo o estabelecimento de mudas de árvores transplantadas ou
quer época, durante o ciclo de cultivo, desde o pré-plantio até a colhei- semeadas.
ta, dependendo do sistema e do propósito. O maior desafio no uso do Obviamente, a quantidade de matéria seca que precisa ser elimi-
fogo é, sobretudo, as formas de seJirar vantagem dos seus efeitos bené- nada terá um grande impacto sobre o tipo e intensidade do fogo. Como
ficos enquanto se evitam ou se minimizam os negativos. Perícia, expe- mostrado na tabela 10.1, essas quantidades, chamadas volume de corte,
riência e conhecimento são algumas exigências. variam consideravelmente, dependendo do sistema. O volume deixado
no solo, em sistemas tropicais de agricultura de roçado, pode facilmen-
te exceder 4kg/m2 e, se adequadamente seco e queimado na época apro-

282 283

j
priada, dará um fogo quente, uniforme, que consumirá a maior parte do cacaueiros entram em produção (5 a 7 anos após o plantio), em cujo
material, exceto galhos e troncos de grande diâmetro (Ewel e colabora- ponto o ciclo de renovação está completo. Produtores locais reivindi-
dores, 1981). Mesmo um rebrote secundário produz de l-2kg/m2 de cam que sem o uso do fogo, levaria pelo menos dez anos até O cacau
matéria seca e pode sustentar um fogo facilmente (Gliessman, 1982). poder começar a ser replantado num local de_sses - um longo tempo para
A derrubada de sistemas florestais mais maduros invariavelmente esperar por esse valioso cultivo comercial. E preciso uma pesquisa para
deixa a área coberta com toras, copas e galhos, que podem se tomar um nos dizer exatamente como o fogo beneficia esse agroecossistema.
1isco de incêndio quando secam. Esse material também pode dar abrigo
a pragas e ser prejudicial à recuperação das mudas de árvores. Por ou-
tro lado, quando os detritos decompõem-se, melhoram a estrutura do
solo e a quantidade de nutrientes, enquanto protegem contra a erosão.
Todos esses fatores precisam ser levados em consideração ao se deci-
dir se o material deve ser queimado uniformemente sobre a superfície,
empilhado de forma que os impactos do fogo possam ser localizados,
ou deixado como cobertura morta. Em alguns sistemas tradicionais, quan-
do o volume é reduzido (usualmente menos do que 0,5kg/m2), é empi-
lhado, queimado, e as cinzas espalhadas uniformemente sobre o terreno
limpo, como fe1tilizante.
Um exemplo único do uso do fogo para limpeza de terreno é um
sistema para renovar velhas plantações de cacau que já não são lucrati-
vas, em Tabasco, México. Primeiro, são plantadas bananeiras no estra-
to inferior. No ano seguinte, todas as árvores de sombra e cacaueiros
do estrato superior são cortados, deixando um pesado volume de corte,
de mais de 5kg/m2 , que cobre os cormos das bananeiras. Uma vez ade-
quadamente seca, a carga é queimada. Imediatamente após o fogo, uma
lavoura consorciada tradicional de milho/feijão/moranga é plantada, da
mesma maneira que em sistemas locais de agricultura de roçado, per-
Figura 10.5 - Padrões de agricultura de roçado nas montanhas de Chiapas, México. Áreas de
mitindo uma colheita seis meses após o corte das árvores. Enquanto as pousio de várias idades são vistas claramente ao lado de áreas sendo cultivadas. Os produtores
lavouras anuais estão sendo plantadas e cuidadas, os cormos das bana- dizem que um período de pousio de 15 a 20 anos é necessário para que o sistema seja sustentável
a longo prazo. Muitas são as pressões para encurtar esse período de pousio.
neiras e rebrotes dos troncos das leguminosas de sombra ficam protegi-
dos e desenvolvem-se. Após a cultura anual ter completado seu ciclo,
culturas perenes de vida curta, como mandioca ou mamão, são planta- Adição de nutrientes ao solo
das. Pela época em que esses cu!~ vos são colhidos, as bananeiras for- Em muitos sistemas de produção, as cinzas deixadas após a queima
maram uma copa razoavelmente contínua, produzindo diferentes tipos de resíduos de culturas, da derrubada, e mesmo de lenha para aquecimen-
de bananas, para uso ou venda local. Por volta do terceiro ano, as árvo- to ou cozinha, são vistas como valiosa fonte de nutrientes que deve ser
res que rebrotaram também começam a se tomar parte da copa de som- devolvida ao solo. As cinzas são rapidamente levadas no perfil do solo
breamento. Neste ponto, as condições de sombra na superfície do solo pelas chuvas e os nutrientes que contêm ficam prontamente disponíveis
retornaram aos níveis reduzidos apropriados para replantar novas mu- como parte da solução de solo. A perda de nitrogênio e enxofre por vola-
das de cacaueiro. As bananas são colhidas até a época em que os novos

284 285
tilização durante a queima é mais do que compensada por um ganho de
todos os outros nutrientes e por um aumento de sua disponibilidade para
,as plantas. Foi mostrado que as cinzas contêm até 2,6% de potássio, e
'quantidades apreciáveis de fósforo, cálcio, magnésio e outros elementos
minerais. Como as cinzas podem chegar a 0,4-0,67kg/m 2, elas têm um
potencial significativo como aporte de nutrientes aos agroecossistemas
(Ewel e colaboradores, 1981; Seubett e colaboradores, 1977).

Tabela 10.1
Materiais cortados disponíveis para queima,
como parte da limpeza do terreno, em <li versos ecossistemas

Sistema Local ) Material cortado Fonte


(kg/m')

Pastagem de Napicr Tabasco, México 1,63 Glicssman (1982)


Mata secundária de 2 anos Tabasco, México 1,18 Gliessman (1982)
Mata secundária de 8 anos Turrialba, Costa Rica 3,85 Ewel e colaborado-
res (1981)
Arroz e cevada de sequeiro Japão central 0,34 Koizurni e colabora- Figura 10.6 - Leiras de derrubada queimadas em Chiapas, México. Quando a produção de bio-
dores (1992) massa é limitada pelo clima ou pousio cmto, o material pode ser amontoado para queimar, e as
Arroz de sequeiro Tabasco, México 0,51 Gliessman (1982) cinzas espalhadas. '
Arroz inigado Vale Central, 0,7-0,9 Blank e colaborado-
Califórnia res (1993)
Manejo de Resíduos de Culturas
Floresta de coníferas Noroeste do Pacífico, 0,5-3,0 Dell e Ward ( 1971)
EUA O fogo é, freqüentemente, usado como uma ferramenta para o ma-
Pastagem anual Costa Central, 0,2-0,3 Gliessman (1992b)
Califórnia
nejo de resíduos de culturas. Um dos seus benefícios principais é tor-
nar o nitrogênio do resíduo mais facilmente disponível para a cultura
seguinte. Quando os restos têm um conteúdo de carbono muito alto, se
Naturalmente, sendo tão solúveis, esses nutrientes podem facilmente comparado com o nitrogênio (C/N 25 para 100), o nitrogênio pode
ser lavados para fora do sistema, de maneira que uma cobe1tura eficaz ser imobilizado pela incorporação como biomassa microbiana (e, en-
de plantas e o bom desenvolvimento de raízes devem acompanhar a tão, presente permanentemente no húmus do solo). A queima, contu-
adição de cinzas. A época da aplicação é muito importante. Devem ha- do, torna o nitrogênio prontamente disponível para absorção pelas
ver raízes ativas no solo para absorver rapidamente os nutrientes alta- plantas. Embora a maioria do nitrogênio seja perdida através de vo-
mente solúveis. E o conhecimento do padrão de precipitações é neces- latilização, durante a queima, a relação C/N da cinza é mais baixa do
i, sário para evitar chuvas pesadas seguidas à queima ou à aplicação das que aquela dos restos não queimados, tornando o nitrogênio que per-
cinzas, de forma que os nutrientes não sejam lixiviados para além da manece mais prontamente disponível e reduzindo a necessidade de
zona de raízes ou lavados da superfície. São necessárias pesquisas que correções externas deste nutriente.
determinem que sistemas de cultivo ou combinações podem melhor ti- Outro benefício da queima de resíduos é a redução da quantidade
rar vantagem dos nutrientes liberados pelo fogo. necessária de cultivo de solo. Também, em muitas regiões do hemisfério

287
286
. . , . - - - - - - - - - - - - - - - - - - - --------------------i,------s-u-1,-o-s_r_e_s-to_s_s_ã_o_q_u_e_,__m-ruloo~>pora >e= dim1"ad<>s, m,, cem, c,m.

. bustível para aquecimento de residências ou para cozinhar. Por vezes, as


cinzas são coletadas e retomadas aos campos, como corretivo de solo.
A produção de arroz é, freqüentemente, associada com fogo. Em
qualquer parte do mundo onde o arroz é cultivado, a palha e resíduos
deixados após a colheita podem atingir de 0,95 a 1,0kg/m2 • Tradicio-
nalmente, essa palha é usada como ração animal, combustível ou mate-
rial de construção, ou como material bruto para compostagem. Contu-
do, atualmente, em muitos sistemas de produção, a necessidade cres-
cente de estabelecer outra cultura o mais breve possível após a colheita
do arroz levou ao uso do fogo para reduzir rapidamente a palha a cin-
zas. A queima realmente reduz as doenças e insetos que aparecem nos
resíduos, e também reduz o potencial de produção de metano durante a
decomposição sob condições alagadas, que poderia atingir quantida-
des tóxicas para as culturas seguintes. Porém, devido ao impacto da fu-
maça na qualidade da atmosfera, regulamentações limitam cada vez mais
a queima e forçam os produtores a lidar com a reincorporação da palha
ao solo, ou encontrar usos alternativos para a palha colhida (Blank e
colaboradores, 1993).
Do ponto de vista da sustentabilidade, as muitas vantagens da quei-
ma de resíduos devem ser pesadas em relação às desvantagens, que in-
cluem a perda de nutrientes através da volatilização ou lixiviação, po-
luição do ar, exposição da superfície do solo e perda de aportes de
matéria orgânica ao solo.

Manejo das ervas adventícias

O fogo é usado para manejar as ervas adventíciàs de modo mais


eficaz e prático quando estão na camada de matéria orgânic~ ou no solo,
como sementes ou logo após a germinação. As semente& ou mudinhas
na camada de matéria orgânica praticamente são fuortás pelo fogo, por-
que ela queima em altas temperaturas e até a superfície do solo. Por
isso, é necessário ter algum tipo de cobertura morta ou resíduos de cul-
tura para sustentar o fogo. Os sistemas de roçado são muito eficazes
para destruir as sementes na camada de material orgânico sobre o solo
e na sua superfície.
Figura 10.7 - O uso do fogo para renovar plantações velhas de cacau em Tabasco, México. Um
cultivo anual de milho, feijão e moranga (acima) cresce nas cinzas deixadas pela queima deve- Uma prática desenvolvida mais recentemente para controle das
lhos cacaueiros (de pé) e árvores de sombra associadas. Uma árvore leguminosa (abaixo; Pithe- ervas tem sido usada na Europa há muitos anos. Um tanque de pro-
celobium saman) começa a se recuperru- após a queimada. Ela será podada deixando um ou dois
rebrotes e, posteriormente, dará sombra a novos cacaueiros.

288 289
pano é conectado a urna mangueira e um bocal, de forma que urna Manejo de artrópodes
chama possa ser passada rapidamente sobre a superfíc\.~ do solo,
para destruir mudas de ervas adventícias. Existem tanto]ança-cha- O fogo,'é um meio rnuitodica;,:.para ~liminar artrópodes prejudi-
rnas costais quanto adaptados a tratores. Bocais de forrnatôespéciâl ciais de um agroecossisterna, cómo insetos ê ácaros. O calor, a fumaça
e urna variedade de defletores e escudos .protegem as mudas cultiva- e a perda de habitat combinam-se para matar esses organismos (bem
' \
das enquanto dessecarn as de ervas. As'rnudas'das ervas ./levem ser como seus ovos ou larvas), ou expulsá-los do sistema. Em ecossiste-
muito pequenas.para serem efetivamentecohtroladas\:oín essa tec- mas naturais, o fogo provavelmente é um fator nas flutuações naturais
nologia, ou as mudas da cultura devem estar num estágio de desen- de populações de artrópodes, tanto quanto fatores climáticos ou intera-
volvimento que lhes dê maior resistência ao calor do que as das er- ções tróficas. A supressão pelo fogo, em florestas, pode, na verdade, estai;
vas. Sob certas condições de campo, urna cultura corno o milho, em subvertendo o equilíbrio natural, dando margem a epidemia) de praga;
seu primeiro e segundo estágios de folha, tem urna estrutura e um comuns, tais corno besouros da casca, minadores e lepidópteros come-
conteúdo de umidade que o impedirão de sofrer dano, enquanto a dores de folhas (corno lagartas de fogo ). 27 São necessárias pesquisas so-
maior parte das mudas das ervas vizinhas serão mortas. O equipa- bre a relação desses organismos com a freqüência de fogo.
mento necessário pode ser caro para compra e uso, e depende basi- Em agroecossisternas, porém, sabe-se pouco sobre o manejo de pra-
camente do uso de combustível fóssil, mas, em alguns cultivos muito gas com relação ao fogo. É sabido que muitos insetos-praga podem pas-
propensos a ervas, corno cenouras e cebolas, esses lança-chamas são sar o período entre as estações de cultivo em alguma parte da planta, viva
muito eficazes. no seu controle. oun:ioi;ta, rernanescei:ite da estação anterior. Problemas de lagartas'~ no
Mas c(i,ogd deve sel~sad~ com ~ui dado nas ervas adventícias. :iilgodãd são feduzidos dramaticamente se todos os restos de plantas fo-
As perenes é aquelas com raízes, rizomas, coroas ou outras estrutu- rêíii:destruídos, e o'(ogo for urna ferramenta nesse processo. Brocas do
ras resistentes ao fogo podem, na verdade,' serestirnuladas-)or ele. colmo de grãos passam o inverno na palhada remanescente no campo após
A samambaia (Pteridium aquilinum), por exemplo, é urna planta a colheita, e o uso apropriado do fogo pode ajudar no seu manejo. ·
muito agressiva que pode dominar áreas desrnatadas ou de pasto- Para pragas de artrópodes que se alojam no solo, o fogo que pene-
reio, e é favorecida pelo fogo de duas maneiras (Gliessrnan, 1978d). tra na superfície pode ser um método útil de controle. A queima de co-
Seus profundos rizomas subterrâneos permitem que sobreviva ao fogo, bertura morta ou de resíduos de culturas e a inflamação artificial da su-
e existe alguma evidência de que a remoção da camada de restos de perfície do solo são maneiras de introduzir o fogo com esse objetivo.
samambaias sobre o solo-promova, na realidade, um rebrote mais Uma prática tradicional que usa o fogo para proteger uma cultura
vigoroso da planta. Ao mesmo tempo, seus esporos são favorecidos de danos por insetos é conhecida em Tabasco, México (ver figura 10.8).
pelas condições de solo criadas pelo fogo e cinzas, permitindo um Um coleóptero grande tem reputação de ser capaz de invadir uma plan-
estabelecimento inicial da planta onde ela não ocorria anteriormen- tação de feijão e desfolhar o cultivo em um curto período de tempo.
te e o potencial para seu crescimento vegetativo agressivo dali para Eles in vadern em grande número e podem ser vistos consumindo as fo-
diante. Em sistemas de agricultura de roçado, em que o fogo é usado lhas das plantas nas primeiras horas da manhã. Os produtores relatam
para limpar a vegetação do pousio, o mesmo pode começar a ter efei- que urna antiga prática era ir ao campo infestado pela manhã, coletar
tos negativos, se o período de descanso for muito curto. Esses efei- um número suficiente dos besouros vivos e colocar de 25 a 50 deles em
tos podem incluir a lixiviação de nutrientes e a invasão de ervas re- cada um de diversos recipientes resistentes ao fogo. Ao final do dia,
sistentes ao fogo. Em geral, o uso do fogo para o controle de ervas cada recipiente era colocado sobre fogo, por tempo suficiente para ma-
requer consideração cuidadosa de seus impactos potenciais, com base
nas características únicas do sistema. 27
"Tent caterpillars", no original.
28
"Bollworm", no original.

290
291
tar os insetos, mas sem queimá-los. Logo após, os recipientes abertos Preparação de uma cultura para a colheita
eram parcialmente enterrados no solo, na área do feijão (cerca de um
para cada 400m2). Os produtores relatam que, na manhã seguinte, não O f()gopode ser usado para\~;e~arar rima;.cultura para a colheit;1 um
havia sinais de besouros vivos ou se alimentando ativamente no campo. exemplo comum é a queima da çána-de-açúcat poucos dias ántes da co-
Suspeita-se que algum tipo de feromônio de alarme alertou os coleóp- lheita. Os cortadores afirmam que ofogo é importante para remover as fo-
teros vivos do perigo, de forma que deixaram a área, mas mais pesqui- lhas, facilitando o processo de corte quando feito à mão, tomancio o acesso
.às canas mais fácil, e deslocando animais inoportunos, comoratos• e co-
sa é necessária. Os produtores deixaram de usar essa prática desde que
bras, Mas a facilidade de colheita num sistema desses tem de ser medida
os agrotóxicos sintéticos foram introduzidos.
em relação a i111pactos ecológicos, como a perda de matéria orgânica, a
Manejo de patógenos volatilização de certos nutrientes e sua lixiviação por chuvas fortes. Para a
cana-de-açúcar, em pãrtic\ilar, outro,impacto negativo possível do fogo pode
Como o fog~·:eleva a temperatura tio solo, especialmente o próximo à ser degradar aqualidade do a,çúcar•extraído das canas aquecida$ demais.
superfície, espera-se que tenha um impacto significativo sobre os patóge-
nos•de plantas que vivem no solo, como fungos, bactérias e nematóides.
Há, relativamente, pouca pesquisa sobre os efeitos do fogo quanto ao ma-
nejo de doenças de plantas, mas estudos (Raison, 1979) mostraram que ele
causa mudanças biológicas no solo que podem, efetivamente, reduzir a ino-
culação de doenças de várias culturas florestais, de frutas, plantas orna-
mentais, algodão, batatas, pequenos grãos e forrageiras. É interessante no-
tar que a queimada de pastagens, uma prática que se tomou muito importan-
te em campos usados para produzir sementes comerciais de gramas, na re-
gião noroeste do Pacífico, nos Estados Unidos, começou originalmente com
a finalidade de controlar as doenças no final dos anos 40.
O calor e a dessecação provayelmente têm o maior impacto direto
sobre organismos patogênicos. As altas temperaturas registradas na super-
fície do solo durante um incêndio e a penetração do calor por vários centí-
metros podem matar grandes números de patógenos e seus inóculos. Além
disso, o súbito aumento no pH, causado pelo umedecimento das cinzas de-
positadas no solo após um incêndio, pode ter um efeito inibidor sobre os
fungos,já que estes preferem condições neutras a ácidas para um desenvol- Figura 10.8 - O uso de besou-
vimento ótimo. Muitas bactérias, por outro lado, são estimuladas pelo pH ros queimados, como repelen-
te, em Tabasco, México. O
mais alto, e podem ton1ar-se mais problemáticas se forem patogênicas. besouro botijón se alimenta
O efeito da,gueimá:de plantas na superfície do solá, especialmen- de um pé de feijão (esquerda).
te resíduos de culttítãs, sobre pqtógenos:potenciais está bem documen, Os besouros são postos em
potes e aquecidos apenas o
tado. Uma vez que um fogo bem manejado pode consumir até.~5% da suficiente para matá-los (aci-
biomassa superficial e gerar calor extremo, pode, também, matar amai- ma, à direita), Os potes aber-
tos são, então, colocados no
oria dos patógenos presentes nela. Este efeito do fogo é a razão mais solo, ao redor da plantação de
comum para queimar os resíduos de culturas, como já descrevemos. feijão (embaixo).

292 293
Outro papel simples para o fogo é a coleta de pinhões americanos
na época da colheita. As pinhas de diversas espécies são colhidas das
árvores antes de se abrirem e dispersarem suas sementes (chamadas
nozes). Geralmente, as pinhas são recobertas por densa resina. O fogo é
usado para aquecer pedras que são, então, postas com as pinhas, derre-
tendo a resina e abrindo-as para liberar as sementes. O fogo também
pode ser usado para aquecer um forno dentro do qual as pinhas cober-
tas de resina podem ser colocadas.

Manejo de pastagenscultivadas e nativas

Apesar do incêndio !tspontâneo ser freqüente e um aspecto impor-


tante do ambiente, na maioria das áreas de pastagens o uso eficaz do
fogo como uma ferramenta de manejo de sistemas de pastoreio não é
realmente tão comum. Quando o fogo é usado nesses sistemas, é empre-
gado na forma de um f~go,controlado, conhecido como queima prescri-
ta ..Uma queima prescrita em um agroecossistema de pastagem pode
desempenhar ~uitas funções, como:
- qlleimar:b rfbrote nãopalatável das estações anteriores, que não
Figura 10.9 - Espécies do chaparral invadindo pastagens, município de Santa Bárbara, Califórnia.
é comido pêl;.; maioria: dos animais e que, de outra forma, competiria O fogo periódico é necessário para reprimir os arbustos e estimular a pastagem.
com espécies mais desejávds;
- estimular o crescimento (na forma de brotação em resposta ao Todos esses efeitos potenciais do fogo podem ser importantes para
fogo, de pi;.;nfas perenes) durante épocas do ano quando muito pouco determinar o regime mais apropriado de manejo para usá-lo.
crescimento verde estaria, normalmente, disponível; A importância relativa de cada um dos impactos da queima vmia
- destruir parasitas, como carrapatos e pulgas, que podem ser por- com o tipo e a intensidade do sistema de pastoreio, tempo desde a última
tadore~ de doenças para os animais; queimada, estação do ano e estágio de desenvolvimento das plantas co-
- cbQtrolal) a propagação dei plantas indesejáveis na pastagem cul- mestíveis. Em cmnpos limpos, por exemplo, há pouca tendência de espé-
tivada ou riâfíva; cies lenhosas invadirem; portanto, o fogo é empregado para remover o
-·remover o perigo de incêndió dos resíduos velhos de pastagem acúmulo de crescimento não comestível. Em regiões de savana, ou áreas
ou forragem acumulados; onde a sucessão natural favoreceria vegetação arbustiva ou arbórea, a
- estabelecer barreiras contra fogo, como um sistema de proteção queimada é de importância muito maior para suprimir algumas plantas
contra incêndios espontâneos; enquanto estabelece ou mantém os componentes da pastagem.
- preparar um leito de sementes para a semeadura natural ou artifi- Quando o fogo é impedido em uma área de pastoreio que normal-
cial de espécies desejáveis; mente queima com alguma regularidade, as gramas perdem sua domi-
- estimular algumas plantas a produzir sementes; nância e podem ser substituídas por espécies de arbustos ou árvores
- encorajar o crescimento de leguminosas nativas para forragem e não comestíveis ou pouco consumidas. Por exemplo, a área de pasta-
melhoria do solo; e gens nativas da Grande Bacia do oeste dos Estados Unidos converte-se
- promover a ciclagem e absorção mais rápidas de nutrientes. em área com arbustos de Artemesia tridentata na falta de fogo, especi-

294 295
ç

almente quando combinada com pressão excessiva de pastoreio. Em des que a geram. Como justificaríamos o uso do fogo na agricultura,
partes do sudoeste dos Estados Unidos ou norte do México, as áreas ainda que a fumaça possa ser um dos seus subprodutos?
abertas de savana, onde as gramíneas crescem entre "mesquites" 29 e zim- 4. No manejo, você considera mais imp01tante, do ponto de vista agroe-
bros, podem tomar-se florestas de espécies arbóreas quando o fogo não cológico, os efeitos abióticos ou os bióticos do fogo? Explique o porquê.
é incorporado ao manejo das áreas de pastagens. Em outros locais, onde .. 5. Sob que condições seria possível usar eficientemente o fogo em sis-
os campos fazem fronteira com vegetação arbustiva ou arbórea, a\falta temas diversificados de culturas consorciadas e espécies perenes?
de foçêndios/ periódicos pode permitir a invasão gradual dos campos
pelas êsJ'\~ClyS lenhosas mais agressivas. Campos anuais nos sopés das
montanhas·costeiras da Califórnia central e do sul são invadidos por Leitura recomendada
arbustos alelopáticos do chaparral, quando o fogo é impedido durante
alguns poucos anos (Muller, 1974). BOND, W. J.; VANWILGEN, B. Fireandplants. NewYork: Chapman& Hall, 1995.
Um texto único sobre as muitas e variadas respostas e adaptações das plantas ao fator
fogo.
PESQUISA FUTURA
HECHT, S.; COCKBURN, A. Thefate oftheforest: developers, destroyers, and
defenders of the Amazon. New York: Harper Perennial, 1990.
Provavelmente uma das ferramentas mais antigas usadas na agri-
Um exame fascinante do complexo drama humano na bacia amazônica, onde o fogo
cultura, o fogo ainda é de valor considerável na busca atual de práticas desempenhou um papel tão importante no desenvolvimento da agricultura.
sustentáveis _de produção agrícola. Porém, a capacidade âe uso d.o fogÔ\
SPENCER, J. E. Shifting cultivation in southeast Asia. Berkeley: Univ. California
para beneficiarlo sistema depende do conhecimento dos impactos a longo Press, 1966.
prazo que ele terá sobre diferentes componentes da estrutura e função Uma das maiores autoridades sobre um sistema agrícola que usa o fogo e existe há
dos agroecossistemas. É necessária uma pesquisa que vá além de pen- muitos séculos.
sar no fogo como um fator destrutivo do ambiente e que nos auxilie a WATTERS, R. F. Shifting cultivation in Latin America. Roma: FAO, 1971.
fazer uso de sua capacidade de liberar nutrientes da matéria orgânica, Uma revisão exaustiva de como o fogo é empregado na agricultura de roçado por
toda a América Latina.
alterar rapidamente a estrutura de agroecossistemas, matar organismos
indesejáveis e imitar sistemas naturais. WEST, O. Fire in vegetation and lts use in pasture management. Publícation 1/
1965. Hurley, Berkshire: Commonwealth Agricultura! Bureau, 1965.
Uma revisão excelente que examina tanto a ecologia quanto o manejo do fogo em
ecossistemas de pastoreio.
Para ajudar a pensar WHELAN, R. J. The ecology of fire. Cambridge studies in ecology. Nova Iorque:
Cambridge University Press, 1995.
1. Que tipo de conhecimento e informação é necessário para convencer Uma análise do fogo como um fator ecológico no ambiente.
os produtores a usarem o fogo como uma ferramenta que contribua para
a sustentabilidade?
2. Cite algumas maneiras pelas quais os diferentes tipos de incêndios
que ocorrem em ecossistemas naturais podem ser combinados para se
descobrir formas úteis de aplicá-los ao manejo de agroecossistemas?
3. A fumaça na atmosfera é, com freqüência, considerada totalmente in-
desejável, com novas restrições sendo aplicadas diariamente a ativida-

29
Arbustos ou árvores leguminosas. (N. T.)

296 297
11

Fatores bióticos

Em capítulos anteriores, foi enfocado como as plantas individuais


sofrem impacto de fatores ambientais abióticos, como luz, temperatura e
nutrientes minerais. Neste capítulo, completaremos o quadro, explorando
como os fatores bióticos do ambiente - ou seja, as condições criadas e
modificadas pelos organismos vivos - afetam as plantas individuais.
Nos agroecossistemas, o produtor não deixa de ser o organismo que
,. causa maior impacto sobre o ambiente no qual as culturas desenvolvem-
se. Ele altera e ajusta as condições do ambiente físico e do biológico para
satisfazer as necessidades da ou das culturas. Para assegurar a sustenta-
bilidade, o produtor deve compreender as interações bióticas do agroe-
cossistema -como cada membro da comunidade causa impacto no ambi~
ente agrícola e altera as condições para seus vizinhos.
Para conceptualizar os fatores bióticos em termos ecológicos, pre-
cisamos entrar numa área de sobreposição entre a auto-ecologia e a si-
necologia. Embora comecemos a partir da perspectiva do organismo
individual, num ambiente formado por vários fatores, necessitamos tra-
tar com interações entre organismos quando os fatores em questão são
os bióticos. Apesar de suas origens sinecológicas, os conceitos desen-
volvidos neste capítulo para descrever essas interações podem ser apli-
cados de uma forma auto-ecológica, considerando-se as interações pelo
seu impacto sobre cada organismo individual no agroecossistema.
Existem dois quadros básicos de referência para conceptualizar as
interações entre organismos em uma comunidade ou ecossistema; cada
um tem suas respectivas vantagens. Tradicionalmente, na ecologia, as in-
terações são compreendidas em termos dos efeitos que dois organismos
que interagem causam um ao outro. Este quadro de referência é a base
para conceitos fundamentais como competição e mutualismo. Na agroe-
cologia, contudo, é mais útil ver as interações como derivadas do impac-

299

__J
to que organismos têm sobre o ambiente que compartilham. Os organis- Tabela 11.1
mos removem, alteram e até adicionam substâncias às áreas que ocupam, Tipos de interações entre duas espécies, como definido por Odum
no processo de modificação das condições ambientais para eles próprios
e para outros organismos. Assim, cada fator biótico com que um organis- Interagindo Não interagindo

mo individual se depara pode ser compreendido como uma modificação Interação A B A B Notas
do ambiente, criada por outro organismo. Estes dois quadros de referên- Neutralismo o o o o Nenhum organismo
cia, ou perspectivas, são explicados em mais detalhe a seguir. afeta o outro
Competição o o A e B afetados
negativamente
Mutualismo + + Interação obrigatória
A perspectiva organismo-organismo Protocooperação + + o o Não obrigatória
Comensalismo + o o A comensal obrigató-
Um sistema amplamente aceito para classificar as interações entre rio, B hospedeiro
organismos foi desenvolvido por Odum (1971). Este sistema tem mui- Amensalismo o o o A prejudicado pela
presença de B
tas aplicações úteis e serviu bastante aos ecologistas para entender o Parasitismo + o A parasita, B hospe-
ambiente biótico. As interações entre dois organismos de espécies di- deiro
ferentes são vistas como tendo um efeito negativo(-), um efeito positi- Predação + o A predador, B presa
vo (+)ou um efeito neutro (O) para cada membro da interação. Por exem- i

plo, na interação classificada como mutualismo, ambos os organismos + crescimento do organismo aumentado
- crescimento do organismo diminuído
recebem impacto positivo(++). O grau no qual a interação é positiva Ocrescimento do organismo não afetado
ou negativa para cada organismo depende do nível de interdependência
e do nível de intensidade da interação. Quando dois organismos tomam-se tão dependentes um do outro
Neste esquema, existe uma distinção importante entre situações nas que sofrem quando não estão interagindo, tem-se o mutualismo (++).
quais ambos os membros estão presentes juntos e a interação está real- Os dois dependem da maneira pela qual o outro modifica o ambiente
mente acontecendo, e situações nas quais os dois estão separados, ou para ambos. Algumas interações entre leguminosas e a bactéria Rhizo-
juntos sem interagir. Na tabela 11.1, a coluna "não interagindo" mostra bium, por exemplo, são consideradas mutualísticas: nenhum dos orga-
os resultados desta última situação e dá uma indicação do grau de de- nismos se dá tão bem sozinho como quando estão juntos.
pendência ou necessidade de interação que cada membro possa ter de- Quando uma interação beneficia ambos mas nenhum sofre impacto
senvolvido ao longo de sua evolução. negativo na ausência dela, denomina-se protocooperação (++).A poli-
A interação que, provavelmente, mereceu mais cuidado, especial- nização pode ser um exemplo de tal interação: quando existem diversas
mente no desenho de agroecossistemas convencionais, foi a competi- espécies de insetos polinizadores e muitas espécies de plantas produto-
ção (- -). Ela ocorre em um ambiente onde os recursos são limitados ras de néctar, uma espécie de polinizador e uma espécie de planta, se
para os dois e, se compararmos esta situação com uma em que não ocorra interagirem, beneficiam-se uma da outra, mas nenhuma sofre prejuízo
interação, embora um membro possa terminar dominando o outro, am- se isto não ocorrer. Tanto o mutualismo quanto a protocooperação são
bos são prejudicados ao interagir desta maneira. Os organismos intera- considerados exemplos de simbiose, um termo formado das palavras
gem removendo do ambiente alguma coisa que ambos precisam. Duas gregas para "vivendo juntos".
variedades de uma mesma espécie cultivada têm alta probabilidade de Quando um organismo mantém ou proporciona uma condição ne-
competir em um ambiente de recursos limitados - por exemplo, baixos cessária para o bem-estar de outro, mas não afeta seu próprio bem-es-
níveis de nitrogênio no solo. tar ao assim proceder, a interação(+ O) é denominada comensalismo.

300 301
O organismo auxiliado sofre, no entanto, quando o que cria a condição A perspectiva organismo-ambiente-organismo
necessária não está presente. Uma espécie de árvore de sombreamento
em um sistema agroflorestal de cacau, por exemplo, reduz a intensidade Cada uma das interações descritas anteriormente também pode ser
da luz como os cacaueiros têm necessidade, mas a árvore se dá bem compreendida como o resultado de um organismo que modifica o ambi-
com ou sem o cacau. ente de uma maneira que causa impacto no outro com o qual interage.
Quando uma espécie afeta outra negativamente, mas ela própria Ao enfocar como o ambiente estabelece uma mediação dos efeitos que
não é diretamente afetada, a interação é denominada amensalismo (- os organismos têm uns sobre os outros, é possível entender os mecanis-
0). Um exemplo desta interação é quando uma planta libera um com- mos através dos quais esses efeitos ocorrem. Conhecendo os mecanis-
posto químico de suas folhas pelo gotejamento da chuva, que causa mos, é mais fácil para o produtor manejar ou tirar vantagem das intera-
impacto negativo nas plantas ao redor dela, mas não nela própria. Tal ções no agroecossistema.
processo é uma forma de alelopatia que será discutida em mais deta- Quando um organismo modifica o ambiente em alguma forma que
lhe adiante. Um exemplo deste tipo de amensalismo é a relação entre causa impacto sobre outro, essa modificação é denominada interferên-
a nogueirafuglans nigra e praticamente qualquer outra planta que tente cia. As interferências podem ser divididas em dois tipos:
crescer sob sua copa. As substâncias químicas lixiviadas dos exsuda- - interferência de remoção: um organismo remove algo do am-
tos da casca, folhas e raízes desta nogueira são tóxicas para a maioria biente, reduzindo a disponibilidade daquele recurso para outros or-
das plantas. ganismos;
Nos dois tipos restantes de interação, um organismo recebe im- - interferência de adição: um organismo adiciona algo ao ambi-
pacto negativo pela ação do outro (+ -). O que age geralmente tem uma ente que pode ter um impacto positivo, negativo ou neutro sobre outros
relação obrigatória com o outro, enquanto o organismo que recebe o organismos.
grosso dos impactos negativos se dá melhor se deixado sozinho (ou seja, Geralmente, apenas uma dessas interferências ocorre em uma de-,
a relação se torna - O). No parasitismo, um organismo (o parasita) ali- terminada interação, mas também podem ocorrer juntas, como discuti-
menta-se de outro (o hospedeiro), mas o hospedeiro raramente é morto do a seguir. Quando conceptualizada neste quadro de referência, uma
de imediato. O parasita pode viver junto com o hospedeiro por um lon- interação entre dois ou mais organismos consiste num impacto sobre o
go período, com o hospedeiro acabando por sobreviver, mas prejudi- ambiente (uma adição ou uma remoção) perpetrado por um organismo
cado. Alguns parasitas, conhecidos como parasitóides, causam a morte (e, em alguns casos, um impacto adicional criado pelo outro organis-
do hospedeiro (por exemplo, vespas do gênero Trichogramma); usa- mo), seguido de uma resposta de ambos às mudanças resultantes no
mos essas interações para o controle biológico em agroecossistemas. A ambiente. Tipos de interferências de remoção e adição são descritos
predação é uma interação muito mais direta, onde um organismo real- em mais detalhe a seguir e, estão resumidos na tabela 11.2.
mente mata e consome sua presa. Dependemos enormemente da preda-
ção, feita por determinados organismos benéficos, para o manejo de INTERFERÊNCIAS DE REMOÇÃO
pragas em sistemas de produção.
Este esquema de classificação é muito útil para distinguir os tipos Quando um organismo remove alguma coisa do ambiente, como
de interações existentes na maioria dos ambientes naturais. Mas ele en- parte de suas atividades vitais ou da interação com outros organismos,
foca o resultado final de cada tipo de interação, e não o mecanismo en- estes podem ser afetados. Este tipo de interferência é geralmente nega-
volvido enquanto ela ocorr~. tivo para um ou mais membros da interação, mas pode, também, ter efei-
tos positivos. Existem diversos tipos de interferência de remoção nos
agroecossistemas.

302 303
Competição Sem realmente estudar os mecanismos de interferência -
env 1 .d . - 'd 'f' que estao
Para se entender a competição como uma interferência de remo- . o VI os na compet1çao e I ent1 icar o processo de remoção do am-
ção, basta deslocar o enfoque. A competição ocorre quando dois orga- biente que conduz a ela, podemos apenas assumir que a competição ocor-
nismos estão removendo um recurso do ambiente, como luz, nitrogênio re. O maneJo de agroecoss1stemas requer uma identificação mais deta-
ou água, que não é abundante o suficiente para satisfazer as necessida- lhada da~ mterações competitivas ou ao produtor só resta a opção de
dispombihzar recursos em excesso.
des de ambos. Muitos dos capítulos anteriores neste livro descreveram
as condições sob as quais os recursos podem se tornar limitadores e, Parasitismo
assim, preparar o cenário para a competição.
Ver a competição como uma interferência de remoção proporcio- . Como desciito anteriormente, o parasitismo é uma interação na qual
na uma maneira alternativa de compreender o que é comumente consi- d01s orgamsmos vivem Juntos, com um (o parasita) obtendo seu alimen-
derado como competição por espaço. Neste quadro de referência, o t_o ~os tecidos do outro (o hospedeiro) sem o matar. Em termos de inter-
"espaço" é visto como um conjunto complexo de recursos que sofre ferencia, o ambiente no qual a remoção acontece é o corpo do hospe-
impacto pelos efeitos de remoção por parte dos organismos que ocu- d?1ro. O_s parasitas depend~m fisiologicamente de seus hospedeiros,
pam aquele espaço; assim, os organismos estão em competição pelos vivem vidas mais curtas, e tem alto potencial reprodutor.
recursos do espaço, não pelo espaço em si.
A competição entre indivíduos da mesma espécie - competição
intra-especifica - pode ser bem intensa, já que as necessidades dos in-
divíduos que interagem são tão semelhantes. Investiu-se muito para de-
terminar com que densidade se pode plantar monoculturas para que a
produção não seja negativamente afetada pela competição entre as plan-
tas individuais.
A competição entre indivíduos de espécies diferentes, chamada de
competição interespecifíca, também pode ser importante quando os ní-
veis de recursos não são suficientes para satisfazer as necessidades de
ambos. Os mecanismos da interação envolvem a remoção de um recur-
so ou sua proteção direta (ou seqüestro) por um organismo (por exem-
plo, quando um animal defende um território e seus recursos). Em qual-
quer um dos casos, os recursos são o enfoque principal da interação.
A competição é um conceito muito importante em ecologia, mas
também tem um histórico de controvérsia e de discussão. Por um lado,
. a competição interespecífica é a pedra angular da ecologia evolucioná-
ria. A competição é considerada o motor da seleção natural e uma força
com a qual todos os organismos precisam lidar em sua luta para sobre-
viver e deixar descendência. Contudo, é interessante que os ecologistas Fi~ura_ 11.1 -, l:ma planta para~ítica3º em uma goiabeira, Monteverdc, Costa Rica. o ramo da
~ombe:ra e_st,a t~o pesadamente mfestado pelo parasita que somente suas flores vermelho-alar _
também tenham observada'que evitar a competição pode ser, na verda- Jadas sao v1s1ve1s. an
de, vantajoso para uma espécie e que isso, provavelmente, desempe-
nhou um papel-chave no desenvolvimento da diversidade das espécies. 30
"Parasitic mistletoe", no original.

304 305
A relação de uma planta parasítica31 com várias espécies de árvo- a herbivoria danifica uma parte da cultura que se quer colher e enviar
res é um exemplo deste tipo de interferência de remoção. O parasita, na ao mercado, o valor de venda do produto pode ser reduzido.
verdade, penetra e ocupa o sistema vascular da árvore hospedeira, reti- Os efeitos da herbivoria, contudo, nem sempre são negativos. Em
rando a água e os nutrientes que necessita. Se o parasita tomar-se muito algumas situações de pastagens cultivadas ou nativas, por exemplo, o pas-
abundante na árvore hospedeira, ela tem o crescimento retardado e, fre- toreio pode ser benéfico para a produtividade das espécies forrageiras.
qüentemente, fica deformada, podendo se tomar presa de ataques debi- A remoção do material em excesso pode estimular a produção de bio-
litadores de outras pragas. Rebanhos são particularmente suscetíveis a massa nova, ou mesmo permitir que certas espécies de plantas, que são
parasitas. Esses incluem carrapatos (que se prendem externamente no suprimidas pela cobertura vegetal excessiva ou velha, germinem ou se
hospedeiro), bemes (cujas larvas se desenvolvem na carne do animal) tomem predominantes na mescla da pastagem. O papel evolucionário dessa
e parasitas estomacais (que variam de bactérias a vermes). interferência de remoção foi bem documentado para as planícies do Se-
Em condições naturais, o parasitismo representa um tipo de com- rengueti, na África (McNaughton, 1985), onde se mostrou que as maiores
promisso entre o hospedeiro e o parasita. Eles evoluíram juntos ao lon- produtividades e diversidade de espécies, tanto de plantas quanto de ani-
go do tempo, com o hospedeiro sendo tolerante a uma baixa infecção mais, desenvolveram-se sob padrões cíclicos de pastoreio de diferentes
constante, e o parasita dependendo da continuidade da vida do hospe- espécies. Bons produtores sabem que o pastoreio rotativo periódico leva
deiro para seu próprio sucesso reprodutivo. Em situações agrícolas, a uma melhor produção em sistemas de pastagem.
contudo - especialmente nas condições concentradas de monoculturas Também em sistemas naturais, a herbi voria desempenha um papel
mantidas pelos seres humanos-, cargas pesadas de parasitas tornam-se importante na remoção do excesso de biomassa, direcionando o fluxo
uma doença séria que expõe toda a cultura ou rebanho ao risco de con- de energia e reciclando nutrientes. Esses processos têm o potencial de
trair doenças secundárias e morte. desempenhar papéis importantes e positivos nos agroecossistemas, mas
os seres humanos tendem a ver a herbivoria como inteiramente negati,
Herbivoria va, um desafio constante a superar. Precisa-se de mais pesquisa sobre
A relação de interferência entre um herbívoro e a planta que ele como a pressão dessa interferência de remoção pode ser afastada das
consome -como aquela de um parasita e seu hospedeiro -é muito dire- partes economicamente valiosas do agroecossistema e concentrada em
ta, sendo os tecidos das plantas a parte removida do ambiente. Além do partes que estimulem outros componentes que contribuam para a sus-
ponto de vista da planta individual, contudo, a herbivoria é uma interfe- tentabilidade.
rência de remoção em um sentido ainda maior, na qual a biomassa e
seus nutrientes são removidos do ambiente. O consumo de partes da plan- INTERFERÊNCIAS DE ADIÇÃO
ta reduz o retorno de biomassa ao solo e, se a remoção for por demais
intensa e ocorrer durante um período longo de tempo, ela pode levar ao Nos processos cotidianos, muitos organismos adicionam algo ao
esgotamento dos nutrientes no sistema. ambiente que tem impacto nos organismos associados. Esses impac-
Na perspectiva agrícola, a herbivoria pode ter três tipos de im- tos podem ser negativos, caso da adição que reduz o crescimento ou
pactos negativos. Primeiro, remove a área de superfície fotossintética desenvolvimento do organismo associado ou o exclui inteiramente da
que pode ser importante no desenvolvimento da cultura. Segundo, se a área. Em outras situações, o impacto da interferência de adição pode
parte da planta que é consumida retornasse ao solo como resíduo, a ser positivo para os organismos associados. Isto ocorre quando usam
herbivoria estaria reduzindo a quantidade deste insumo. Terceiro, se a substância ou material adicionado para melhorar sua própria posi-
ção na comunidade, ou quando ocupam o habitat deixado por orga-
nismos não tolerantes. Em última instância, organismos associados que
31
"Mistletoe", no original. Semelhante à erva-de-passarinho. (N. T.) se beneficiam da adição podem desenvolver uma dependência do or-

306 307
ganismo que faz a adição, criando um relacionamento de coexistên-
cia ou mesmo simbiose.

Epifitismo

Quando um organismo vive no corpo de ~m_hospedeir_? sem retirar


nenhum nutriente deste, ocorre uma interferencrn de ad1çao, porque o
hospedeiro está adicionando uma estrutura física ao ambiente ~ue for-
nece um habitat a outro organismo. Quando os dois orgamsmos sao plan-
tas e O habitat é um tronco ou galho, a planta apoiada é chamada epífi-
ta; quando o habitat é uma folha, ela é chamada de epífila. Na perspec-
tiva de Odum, o epifitismo é uma forma de comensalismo.
As epífitas e epífilas não obtêm água ou alimento da planta que
as sustenta, nem estão conectadas com o solo. A água vem da preci-
pitação e os nutrientes, de partículas carregadas pelo. vento, da de-
composição da casca da planta que as sustenta, e de mmerais e com-
postos orgânicos dissolvidos nas gotas de chuva. A maior parte das
plantas epífitas enfrenta condições de seca freqüente. em seu ambi-
ente aéreo, mesmo nos habitats úmidos, onde são mais comuns. Al-
gas, liquens, musgos e algumas samambaias são as_ epífitas mais co- Figura 11.2 - Uma plantação da epífita baunilha em Tabasco, México. As plantas da baunilha
(Vanillafragrans) crescem na árvore de sombreamento Glyricidia sepium.
muns em ambientes frios e úmidos; uma ampla vanedade de plantas
vasculares desenvolveram tipo de vida epifítico em climas quentes
e úmidos, especialmente as samambaias e espécies das famílias Bro- Simbiose
meliaceae e Orchidaceae. Um grande número de espécies dessas duas
Quando dois organismos fazem adições ao ambiente que benefi-
famílias assumiram importância econômica considerável na horti-
ciam um ao outro, eles têm uma relação simbiótica. Se o relacionamen-
cultura e floricultura, e são criadas em estruturas artificiais, em es-
to for não obrigatório e não essencial para a sobrevivência de qualquer
tufas e ripados, para o mercado. um dos organismos, a relação resultante é chamada de protocoopera-
Uma planta epífita de importância econômica considerável na agri-
ção. Um exemplo de protocooperação é a relação entre a abelha melí-
cultura de diversos países tropicais é a baunilha (Vanilla Jragrans),
fera européia (Apis mellifera) e as plantas que ela poliniza. A planta
nativa da América Central. A baunilha produz, em cada folha, longas
visitada por uma abelha está adicionando pólen e néctar ao ambiente, o
raízes adventícias aéreas esbranquiçadas que aderem firmemente ao tron-
que serve para atrair o polinizador. A coleta real de néctar ou de mel
co ou galhos da planta hospedeira. Às vezes, as raízes descem pelo tronco
pela abelha é uma interferência de remoção, mas o pólen é adicionado
até o chão, porém apenas se desenvolvem no húmus ou camada de co-
de volta ao ambiente quando a abelha deposita-o sobre o estigma de
bertura morta. Frutos em forma de cápsula (chamados vagens, no co-
outra flor- este é o ponto no qual os efeitos positivos da interação ocor-
mércio), de até 25cm de comprimento, formam-se nos ramos aéreos, e
rem. As abelhas melíferas visitam uma grande variedade de espécies
dependem, em muitas partes do mundo onde a cultura foi introduzida,
de plantas, a maioria das quais recebe também a visita de outros polini-
de polinização manual para uma boa formação.
zadores, tomando não obrigatória a relação entre a abelha melífera e
qualquer espécie de planta. Em muitas paisagens agrícolas, contudo, a

308
309
redução dramática da diversidade biótica que tem acompanhado a ex-
pansão das monoculturas, o uso pesado de agrotóxicos e o cultivo "d,a
cerca até a cerca" criaram uma dependência art1f1cial das abelhas meh-
feras, que são criadas por apicultores e transportadas em colméias às
áreas de cultivo durante a época da polinização.
Quando os organismos que se beneficiam das interferências, de
adição tomam-se dependentes uns dos outros para um desempenho ou-
mo e, até, para a sobrevivência, a relação é de mutuahsmo. Um bom
exemplo de mutualismo é a relação entre certos fungos existentes no solo
e suas plantas vasculares associadas. Os fungos são constituídos de
micarrizas, estruturas compostas especiais que podem conectar-se às
raízes das plantas. As micorrizas permitem que a raiz forneça açúcares
ao fungo, e o fungo, em troca, abastece a planta de água e minerais. _E~is-
tem dois tipos de micorrizas: a) ectamicarrizas, nas quais o m1ceho
forma uma camada densa que cobre a superfície da raiz, com muitas
hifas ou filamentos que se espalham pelo solo, e outros que crescem
para dentro e forçam passagem entre as células da epiderme e.º córtex
da raiz (muito comum nas Pinaceae); e b) endamzcarnzas, o tipo mais
comum, no qual não há uma camada na superfície da raiz, mas, em vez Figura 11.3 - Nódulos nas raízes de fava. Os nódulos são habitados por bactérias Rhizobium,
disso, algumas das hifas, na verdade, habitam os protoplastos dos teci- fixadoras de nitrogênio, em associação mutualística com a leguminosa.
dos parenquimatosos e se espalham pelo solo (comuns na maioria das
famílias de plantas que têm flores, especialmente espécies importantes Como veremos em capítulos posteriores, esses mutualismos bené-
como milho, feijão, maçã e morango). . ficos, em que dois ou mais membros da relação interagem por interfe-
Outro exemplo importante de mutualismo é a relação entre legulill- rência de adição, são da maior importância no desenho e manejo da
nosas (plantas da família Fabaceae) e a bactéria Rhizabium. A bacté- maioria dos agroecossistemas de culturas consorciadas.
ria penetra no tecido das raízes de uma leguminosa, provocando a for-
mação de nódulos nos quais a bactéria vive e se reproduz. Os nódulos, Ale/apatia
formados de tecidos da raiz, representam uma interferência de adição
Uma forma de interferência que vem recebendo considerável aten-
por parte da leguminosa. Ela também fornece açúcares à ~actéria. A
ção, especialmente na ag1icultura, é a ale/apatia (Gliessman, 1989). A
interferência de adição da bactéria vem na forma de mtrogemo fixado
alelopatia é a produção de um composto por uma planta que, quando
(utilizável), que ela produz a partir de nitrogênio atmosférico. A legu-
liberado no ambiente, tem um impacto inibidor ou estimulador sobre
minosa seria significativamente prejudicada em seu crescimento sem o
outros organismos. Mostrou-se que interações alelopáticas ocorrem em
nitrogênio fixado fornecido pela bactéria, e a bactéria exige os nódulos
uma ampla variedade de ecossistemas naturais e em agroecossistemas.
da raiz para crescimento e reprodução ótimos. A fixação de nitrogênio
Os compostos alelopáticos são produtos naturais que podem ser me-
pelo Rhizabium é um dos meios mais importantes pelos quais o nitro-
tabólitos diretos, subprodutos de outros processos metabólicos ou pro-
gênio é removido do vasto reservatório atmosférico para dentro do solo
dutos da decomposição de compostos ou da biomassa. São freqüentemente
e da biomassa.
nocivos para a planta que os produz, se não forem armazenados numa for-

310
311
ma não tóxica ou liberados antes de se acumularem internamente até atin- do que no ambiente físico externo. Essas observações sugerem que as
girem níveis tóxicos. Em alguns casos, mesmo quando as toxinas são li- interferências podem ser agrupadas como diretas ou indiretas ou, ain-
beradas, elas podem acumular-se no ambiente circunvizinho e se tomar da, como simétricas ou assimétricas. A alelopatia, por exemplo, é assi-
tóxicas para a planta que as produziu. Os compostos alelopáticos assu- métrica e indireta. A tabela 11.3 mostra a tipologia resultante de uma
mem muitas formas, de solúveis em água a voláteis, de simples a comple- classificação assim. A maior parte das formas de interferência ocupa
xas, e de vida muito curta a persistentes. Os mais comuns pertencem a somente uma célula no quadro, mas a protocooperação e o mutualismo
grupos químicos como taninos, ácidos fenólicos, terpenos e alcalóides. podem ser tanto diretos quanto indiretos.
Os produtos alelopáticos são liberados pela planta de várias manei-
ras. Podem ser lavados das folhas verdes, lixiviados de folhas secas, Tabela 11.2
volatilizados das folhas, exsudados das raízes, ou liberados durante a Resumo das interações de interferência
decomposição de restos de plantas. Mesmo flores, frutos e sementes po-
dem ser fontes de toxinas alelopáticas. Também existem casos em que os
Tipo e
produtos não são tóxicos até terem sido alterados no próprio ambiente, Criadores Receptores Efeito Efeito
identidade Localização da
da interfe- da interfe- sobre sobre
seja por degradação química normal ou pela ação de microrganismos. rência rência (B)
da interfe- interferência
A* B*
rência
Em ecossistemas naturais, a alelopatia pode ajudar a explicar al-
guns fenômenos importantes: Papéis Papéis Remoção
Habitat
Competição intercam- intcrcam- de
- a dominância de uma única espécie ou grupo de espécies sobre biáveis biáveis recursos compartilhado
outras;
Remoção
- a mudança e substituição de espécies no processo de sucessão, Parasitismo Parasita Hospedeiro de
Corpo do
+
hospedeiro
ou a permanência de um determinado estágio no processo da sucessão; nutrientes
- produtividade reduzida do ecossistema; e Remoção Corpo do
- padrão ou distribuição únicos de espécies de plantas no ambiente. Herbivoria Herbívoro Consumidor de consumidor; habitat + -ou+
Em agroecossistemas, a alelopatia pode desempenhar papéis im- biomassa do consumidor

portantes no controle biológico, no desenho de sistemas de culturas con- Adição de


Corpo do
sorciadas e no manejo de rotações. Alguns exemplos são apresentados Epifitismo Hospedeiro Epífita supetfície . o +
hospedeiro
de habitat
abaixo e, em mais detalhes, em capítulos posteriores.
Adição de
Papéis Papéis Habitat
Prato- material
intercam- intercam- compartilhado +(O) + (0)
COMPARAÇÃO DE TIPOS DE INTERFERÊNCIA operação
biáveis
ou de
biáveis ou corpo de A/B
estrutura
A tabela 11.2 apresenta um resumo das características mais sali- Adição de
Papéis Papéis Habitat
entes de cada tipo de interferência. O estudo dessa tabela revela que a Mutualismo intercam- intercam-
material
compartilhado
ou de + (-) + (-)
classificação das inte1ferências em de adição ou de remoção não esgo- biáveis biáveis
estrutura
ou corpo de A/B
ta as maneiras pelas quais elas podem ser agrupadas. O mutualismo,
Associados Adição de
por exemplo, compartilha com a competição a prop1iedade de ter pa- Alelopatia
Planta
potenciais Habitat do
composto +ou O +ou O
alelopática
péis intercambiáveis; ou seja, o organismo que cria a interferência é, de habitat ativo
organismo A

simultaneamente, o organismo que recebe a interferência criada pelo


outro organismo que interage. Como outro exemplo, o parasitismo e o
*Símbolos entre parênteses referem-se ao efeito quando os organismos não estão interagindo.
epifitismo podem inte1ferir diretamente no corpo de um organismo mais

312 313
Tabela 11.3 são necessários para corrigir a situação quando o que a cultura necessita
Tipos de Interferência está em falta ou pouco disponível. Para evitar os efeitos da competição,
arranjos e densidades de plantio foram pesquisados e desenvolvidos.
Direto (ocorre dentro Indireto (ocmre no habitat ou
sobre o corpo de um compartilhado dos organismos) Apenas nos últimos anos a interferência de adição da alelopatia
ou ambos os organismos) recebeu atenção especial. O desejo crescente de substituir os insumos
químicos sintéticos nos agroecossistemas por materiais produzidos na-
Simétrico Protocooperação Competição
(ambos os organismos Mutualismo Protocoopcração turalmente motivou uma explosão de yesquisa aplicada sobre a alelo-
criam interferência) Mutualismo patia, especialmente na Europa e na India. A alelopatia, assim, serve
Assimét:J.ico Hcrbivoria Alelopatia como um exemplo excelente de como o foco de uma pesquisa sobre os
(interferência criada Parasitismo
por um organismo) Epifitismo
mecanismos de interferência pode ter aplicações importantes em agro-
ecologia. Como a alélopatia tem um potencial tão importante na pesqui-
sa agroecológica e na sustentabilidade, o restante deste capítulo será
dedicado a explorá-la em maior detalhe.
INTERFERÊNCIAS EXISTENTES NOS AGROECOSSISTEMAS Existem muitos efeitos alelopáticos possíveis, de espécies de er-
vas adventícias e de culturas, que precisam ser levados em considera-
Na maioria das interações entre diversas espécies, as plantas, simul- ção no manejo dos agroecossistemas. A produção e liberação de com-
taneamente, removem e adicionam coisas ao ambiente. É muito difícil se- postos químicos fitotóxicos pode originar-se de plantas cultivadas ou
parar as interações de adição e remoção. É mais fácil mostrar como podem de ervas adventícias, e ser um fator muito importante na seleção da cul-
interagir para determinar quais espécies e quantos indivíduos de cada uma tura, manejo das ervas, rotação das culturas, uso de cobertura vegetal e
delas são capazes de coexistir em um habitat específico. Em última instân- desenho do consórcio. Muitos exemplos de tais interações estão agors1
cia, a combinação dos tipos de interferência desempenhará um papel im- aparecendo na nova publicação internacional Allelopathy Journal.
portante na determinação da estrutura e função do ecossistema. Nosso propósito, nesta seção, é conhecer mais os mecanismos re-
Por exemplo, é fácil imaginar como a alelopatia e a competição po- ais das interações alelopáticas. As implicações e aplicações dessas in-
dem afetar um sistema de policultura. Os membros da mescla adicionam, terações serão mais plenamente exploradas no capítulo 13.
simultaneamente, materiais ao ambiente e dele removem recursos, ao mes-
mo tempo em que modificam as condições microclimáticas. Interagem, tam-
bém, para permitir a coexistência ou favorecer a interdependência mutua-
lística. É importante, porém, entender os mecanismos de cada interação,
começando pelos impactos de cada espécie no ambiente em que ocorrem.
A habilidade dos produtores para manejar com sucesso mesclas e rotações
complexas de culturas depende do desenvolvimento desse conhecimento.

Modificação alelopática do ambiente


Até pouco tempo, a pesquisa ecológica enfatizou as interações com-
petitivas. Isso é especialmente verdadeiro na agronomia, onde foram fei-
tos grandes esforços para entender que condições do ambiente limitam o
desenvolvimento ótimo da cultura, e que tipos de insumos ou tecnologias

314 315
DEMONSTRANDO A ALELOPATIA
···~~Ct(:)yã<> de; gotículas pelas raízes de Lofü,m ti:rnu/~11~nJ,l)e Ç1~d~t-,
léª.Ç[editavaquyas.p!ru:)tasusavam.suas.raízescolllopriãose;f<;i;e{ft·. Para demonstrar que a alelopatia está realmente presente numa in-
J~e9ur (:)~sas.e,x:creçõescontinham compostos.gwnpf<>S9llf}'i~at~·· teração de inteiferência, os seguintes passos devem ser seguidos:
,11êJ.s.\llO eafetavam.o çrescimento suJ:>següente, da pl,ru:)ta,Çon,tuél<>;.~lla:; 1. Determinar a presença de um composto alelopático potencial na
· J~.~r,i.a:çaiu emde;scré(líto, guandoJustus VonLleJ:>igdesenvqlye,ll•~fr.t·· planta ou parte da planta suspeita. Um sistema de seleção que empregue
()tj.;14a!lt11flç.ãp. mmt'lral, e<> enfogue da interaç~o entrt'l plantas<l(:)sl~-: algum tipo de bioensaio é um procedimento comum para fazer este teste
coµ~stJPa!ªº esgotamento dos. nutriente;s e a conipetiçã(). >. i J (Leather e Einhellig, 1986). Um bioensaio positivo somente serve pata
•• , So:inente no fi11al dq s.éculo XIX, expetjll).e11tos c;uidadosos;H,;ps indicar que há um composto químico ativo, potencialmente alelopático,
. .fJ~tai.los lJlli;dos (:)Inglaterra demonstrarani cienti.ficamente gue a:a.J:y..., • presente na planta .
.l~~,~;1 e,ra: l,IIJ1ajnteração ~:inportante das ~!antas. N)1 J:nfla:terra:, f9J 2. Mostrar que os compostos são liberados pela planta doadora.
·• xeíJf1pa:él!).Clllt\.certas grammeasçausavam i:iupacto negatiVOJlOCf(:)S:: 3. Determinar se os compostos acumulam-se ou concentram-se em
6h11ento µe árvores, e a pesquisa m!iicou qlle .OS efeit<>.s H,;ãopgéle;tJ.s: níveis tóxicos no ambiente.
filfl.ocorrt;r devido ao esgotamento .dos nntrielltt'ls élqsolo,.Pefato, 4. Mostrar que há absorção ou uso dos compostos pelo organis-
Jixiyíatos no solo de vasos com as granúneas causai:am impa:ç\<>tãg . mo-alvo.
gfart!ie .11as árvores quanto a própria. Nos Estl)êlos Unide>s,Bchr(lin(:)t .. 5. Demonstrar que a inibição (ou estímulo) da espécie-alvo acon-
•· e seus a~s<>ciados publicaram uma série de ensaios, entre 1907 eJ~ll, tece a campo.
doçumenta.ndoa "exaustão" de solos plantados contmuamxrite co111 6. Identificar os compostos químicos e determinar a base fisioÍó-
uma.cultura e a extraçãQ doscompostos químicos responsávtJis P<?\a gica real para a resposta.
· e,.x:&ustão, Essa f()i a primeira vez gue os pesqqisadores êl,t'lll).()Ustra7 7. Finalmente, determinar como o composto alelopático interage
ra:111.a: J:ia:biUdade, qut'l qqmpostos químicos de plantas têm para hnl:,jr com outros fatores no ambiente, de forma a reduzir ou favorecer seu
a germinação e o crescilllento de plãntulas. ·
efeito. (Raramente um composto alelopático mata outro organismo ime-
·. ,.. ·; N<>s anos 20, alguns trabalhos importru:)tes fqçalizaram anoguejc diatamente).
•·ra preta. Cook documentou a capacidade da áryore de; iuibirpla:utas
Em situações ideais, todas essas etapas poderiam ser executadas
vizinhas, e Messey descobriu que um extrato da casca da nogueira
antes de se tentar manejar a alelopatia em um agroecossistema. Mas, na
iín água provocava murcha em tomateiros. .. . . <
maior parte do tempo, essa pesquisa detalhada não é possível e os pro-
. Em 1937, o termo alelopatia foi cunhado por Molischparaéles:
dutores têm de, diariamente, tomar decisões nas suas unidades produti-
creverguálquer interação bioquímica entre plantas e microrganjsmos,
vas. Uma observação acurada, somada a resultados de pesquisas, pode
.positiyas ou negativas. Logo após, estudos de Bene<).iêt, :\3011Uer e
fazer da alelopatia uma ferramenta a mais no manejo do ambiente de
Oa:Iston, Evenari, e McCalla e Dulley novamente doCU111entaram ~fei- produção agrícola, para benefício das culturas.
tos qUh;niotrófÍcos de plantas, e o. termo alelopatia entrem em 11.so
corriulll.Péla primeira.vez (Willis,J985). · ·. .. . . . ..... > >
.· Muller introduziu o conceito de interferência elll 19t59, .· c?Illº EFEITOS ALELOPÁTICOS DAS ERVAS ADVENTÍCIAS
Ul)1.ã.111m1e~a de explicar tanto a competição guanto a ãle;l?pàtiâ (:)Ill
As ervas adventícias são responsáveis por perdas de produção em
.llma única teoria.. Hoje, os ecologistas reconhecem. que os eféito.s
todo o mundo. A literatura tem relatórios abundantes sobre seus "efei-
~àlllpétitivos ou alelopáticos podem funcionar em série emqualgUt'lt
tos competitivos", mas raramente a alelopatia é considerada ou mesmo
si:;t~r\la,.•e queas í11terações alelopáticas podem ser pàrticularmente
importantes em sistemas de policultura (Rice, 1984}. mencionada como um dos mecanismos pelos quais elas exercem impacto
sobre as culturas. Sempre que ervas adventícias e plantas cultivadas

316 317
estão juntas, na mesma área, muitas formas possíveis de interferência
estarão ocorrendo ao mesmo tempo ou em seqüência. Foi sugerido que
há potencial alelopático em um grande número de espécies de ervas
adventícias (Putnam e Weston, 1986). A pesquisa precisa focalizar o
mecanismo de liberação no ambiente dos compostos potencialmente fi-
totóxicos, em como são absorvidos pelas plantas cultivadas e como as
inibem, e nas maneiras de reduzir seus impactos negativos.
Os produtos químicos liberados pelas ervas adventícias podem in-
fluenciar diretamente a germinação e emergência das sementes de plan-
tas cultivadas, o crescimento e desenvolvimento da cultura e a saúde de
simbiontes de solo associados aos cultivas. Um exemplo de planta ale-
lopática é a gramínea Paspalum conjugatum, agressiva em sistemas de
culturas anuais em Tabasco, México. A figura 11.4 ilustra o efeito ini-
bidor deste Paspalum quando está presente em uma plantação de mi-
lho. Conforme aumenta a dominância da gramínea, o nanismo do milho
toma-se mais perceptível, alcançando um ponto no qual nem mesmo é
capaz de se estabelecer onde o Paspalum é mais denso.
Extratos aquosos feitos da gramínea seca, que ainda não tinha sido
lavada por chuvas, mostraram a sua capacidade de afetar tanto a germi-
nação quanto o crescimento inicial da semente do milho. Produtores
locais reconhecem os impactos negativos da gramínea no solo, referin-
do-se a um efeito de aquecimento que pode causar o nanismo ou o ama-
relecimento da cultura. Quando os pesquisadores não puderam encon-
trar nenhuma diferença de temperatura a campo, com termômetros, a
alelopatia tomou-se suspeita. Embora a evidência não seja suficiente
para excluir a interferência competitiva da gramínea, o efeito inibidor
existe, mesmo quando os produtores adicionam os níveis recomenda-
dos de fertilizantes químicos à plantação e quando as chuvas são mais
do que suficientes.
Em um estudo realizado na Califórnia, duas ervas adventícias co-
muns - Chenopodium album32 e Amaranthus retroflexus33 - foram tes-
tadas, buscando-se potencial alelopático contra vagens (Phaseolus vul-
garis). Ambas mostraram potencial alelopático em bioensaios de labo-
ratório; no campo foi descoberto que as vagens cultivadas com o Ama-
ranthus sofreram nanismo, mas tinham quantidade normal de nódulos Figura 11.4 - A inibição alelopática do milho pela gramínea Paspalum conjugatum, Tabas-
co, México. A chuva lixivia as fitotoxinas de partes mortas e vivas da gramínea, e com-
postos adicionais são exsudados pelas raízes. Dados de Gliessman (1979).
32
Mesmo gênero da erva-de-bicho. (N. T.)
33
Mesmo gênero do caruru. (N. T.)

318 319
3 semanas de idade 12 semanas de idade Colheita (16 semanas)

gm kg/ha
duas vezes mais tóxicos do que o material rizomatoso. Tanto extratos
cm
3000 aquosos como resíduos incorporados apresentavam fitotoxicidade.
cm 200 100
50
20 - Existe alguma evidência de que uma inibição maior é observada
6 80 na presença de fungos de solo.
2000
60
- Foi mostrado que resíduos desta gramínea em decomposição pro-
4
10 100 duzem inibidores solúveis em água, explicando a inibição que foi obser-
40 1000- vada quando são uma parte significativa de sistemas de plantio direto.
2
20 - A inibição da nodulação em leguminosas e a redução da forma-
ção de pêlos radiculares em outras plantas são suspeitas de ocorrerem
o- devido a mecanismos de inibição.
Número Altura Número Altura Produtividade Produtividade
de folhas média de folhas média por planta total - Diversos compostos foram isolados e identificados a partir de
por planta das plantas por planta das plantas
extratos aquosos e produtos de decomposição, e incluem diversos áci-
Área com Paspa/um conjugatum denso ■ Área livre de Paspalum conjugatum dos fenólicos, um glicosídeo, um composto conhecido como agropire-

l
no, uma flavonatricina e compostos relacionados.
Figura 11.4 - A inibição alelopática do milho pela gramínea Paspalum conjugatum, Taba~c~, - Mesmo quando a gramínea é morta com herbicidas, os resíduos
México. A chuva lixívia as fitotoxina<, de partes mortas e vivas da gramínea, e compostos ad1c1-.
onais são exsudados pelas raízes. Dados de Gliessman (1979). das plantas e toxinas no solo devem sofrer decomposição antes do esta-
belecimento bem-sucedido da cultura subseqüente.
O caso da gramíneaAgropyron repens demonstra que a interferên-
da bactéria simbiótica Rhizobium; e que as cultivadas com o Chenopo- 1 cia alelopática pode ser muito importante, mas também sugere que dife-
dium sofreram tanto nanismo quanto grande redução dos nódulos (Espi- rentes partes da planta podem desempenhar distintos papéis, e que com~
nosa, 1984). Esses resultados indicam que os produtos químicos libe- postos fitotóxicos podem entrar no ambiente através de mecanismos di-
rados pelas duas ervas estavam causando impactos distintos nas plan- versos e ter impactos variáveis nás culturas.
tas cultivadas. Um afetava diretamente o crescimento dos pés de vagem
e o outro inibia a atividade da bactéria fixadora de N. Uma vez que a EFEITOS ALELOPÁTICOS DAS CULTURAS
área de produção era irrigada, tinha sido fertilizada recentemente, e o
espaçamento assegurava luminosidade adequada para a vagem, a inter-
ferência de remoção, provavelmente, era mínima. Novamente, mais pes-
1 Embora haja bastante pesquisa enfocando o potencial alelopático
de ervas adventícias em agroecossistemas, foi mostrado que muitas plan-
quisa é necessária para se entender os mecanismos específicos, mas tas cultivadas também liberam fitotoxinas. Tais mecanismos de intera-
existe informação suficiente para demonstrar a inibição de culturas via ção têm possibilidades importantes para produtores que buscam práti-
interferência de adição alelopática. cas alternativas de manejo.
Uma espécie de erva adventícia que foi estudada detalhadamente,
a fim de demonstrar seus mecanismos alelopáticos, é a gramínea Agro- Culturas de cobertura
pyron repens. As seguintes descobertas estão descritas em uma revisão
Usualmente, elas são plantadas durante um período de pousio de
por Putnam e Weston (1986):
uma área, a fim de proteger o solo da erosão, acrescentar matéria orgâ-
- Inibição de diversas culturas (por exemplo, trevo, alfafa e ceva-
nica, melhorar as condições para penetração e retenção de água e "su-
da) que não podia ser explicada pela interferência de remoção.
focar" as ervas adventícias. Culturas de cobertura de trigo, cevada, aveia,
- Bioensaios de laboratório e estufa demonstraram o potencial ini-
centeio, sorgo granífero e do Sudão (Sorghum sudanense) têm sido usa-
bidor das folhas e dos rizomas, embora os resíduos das folhas fossem

320 321
das eficazmente para suprimrr ervas adventícias, principalmente espé- A cultura de cobertura chamada mucuna (Mucuna puriens), usada ex-
cies anuais de folhas largas. A capacidade que estes e muitos outros tensivamente na área rural de Tabasco, México, mostrou ser capaz de inibir
cultivas de cobertura têm de suprimir as ervas deve-se, pelo menos em ervas adventícias por alelopatia. Essa leguminosa trepadeira é plantada no
parte, à alelopatia (Overland, 1966). milharal ao fim do ciclo. Ela cobre o espaço livre entre os pés de milho,
O potencial alelopático do centeio de inverno (Seca/e cereale) foi suprimindo, com eficácia, o crescimento de ervas adventícias, tanto antes
particularmente bem estudado (Barnes e colaboradores, 1986). Cedo, como após a colheita. A supressão das ervas ocorre, em parte, pelo som-
na estação de cultivo, o centeio produz considerável biomassa, sendo breamento, mas a liberação de compostos alelopáticos também funciona.
um sucesso como adubo verde para solos pobres. Mas ele destaca-se Após a mucuna completar seu ciclo de vida, é deixada sobre o solo, co-
por sua capacidade de suprimir o crescimento de ervas adventícias en- brindo-o com uma cobertura morta rica em nitrogênio, na qual o próximo
quanto está em crescimento ativo, bem como após o corte, quando sua cultivo de milho será plantado. Áreas grandes são manejadas desta rríanei-
palhada é incorporada ou deixada na superfície do solo. Os efeitos ale- ra sem o uso de fertilizantes ou herbicidas (Gliessman e Garcia, 1982).
lopáticos da palhada deixada sobre o solo são observados mesmo após À medida que se gerarem mais informações sobre os mecanismos
uma pulverização com herbicida ter matado a cobertura. Uma análise de liberação de fitotoxinas em culturas de cobertura, os produtores te-
l
química extensa identificou, como prováveis agentes fitotóxicos, duas rão mais facilidade para otimizar seu uso no controle de ervas, maximi-
benzoxazolinonas e produtos associados de decomposição. zando a adição dos compostos químicos no solo e aperfeiçoando a épo-
ca de incorporação. Uma vez que as espécies de cobertura variam de
1 região para região, também é necessário entender como os climas lo-
cais afetam o mecanismo de liberação de toxinas no ambiente, onde
possam ter impacto sobre as ervas adventícias. Os climas locais tam-
bém afetam a seleção e o manejo adequado das espécies.

Coberturas mortas orgânicas oriundas das culturas

Resíduos de plantas podem ser trazidos para a área plantada e es-


palhados sobre o solo, servindo de cobertura morta orgânica. Os restos
de culturas ou do processamento de produtos agrícolas são particular-
mente úteis para essa finalidade. Tais materiais já foram discutidos quan-
to ao seu valor como corretivos de solo (capítulo 8), mas um benefício
importante das coberturas mortas orgânicas, nem sempre valorizado, é
o seu potencial no controle alelopático de ervas adventícias.
Um exemplo excelente é o uso de pericarpos de cacau secos e esma-
gados após as sementes e a polpa terem sido removidas no processo de
produção. Espalhados sobre a superfície do solo ou entre plantas estabele-
cidas, os pericarpos esmagados liberam substâncias tânicas que podem inibir
a germinação e o estabelecimento de ervas adventícias. Bioensaios de la-
boratório de extratos aquosos deste material mostram considerável poten-
Figura 11.5 - Cascas de frutos de cacau usadas como cobertura morta alelopática, Tabasco, México. cial alelopático. Outros tipos de resíduos de processamento e de culturas
As cascas escuras de cacau, vistas entre fileiras de abobrinha, suprimem o crescimento de ervas com potencial alelopático incluem cascas dos grãos secos de café, cascas
adventícias.
de amêndoa e de arroz, bagaço de maçã, e cascas e sementes de uvas.

322 323
1

Cascas de nozes foram as primeiras a serem estudadas em detalhe sar atividade alelopática ainda maior, através da combinação comple-
quanto ao potencial alelopático, porque há muito tempo notou-se que mentar de fitotoxinas.
pouquíssimas outras plantas (especialmente ervas adventícias) cresci- A moranga é considerada especialmente eficaz como cultivo ale-
am sob nogueiras em que as cascas externas das nozes caíam durante a lopático (Gliessman, 1983). A chuva lixívia os inibidores das folhas
maturação do fruto. grandes dispostas horizontalmente, e, uma vez no solo, esses compos-
tos podem suprimir as ervas adventícias. A sombra que as folhas proje-
Tabela 11.4 tam provavelmente favorece o efeito, combinando uma interferência de
Efeito sobre o alongamento inicial de raízes de sementes remoção com uma de adição. Bioensaios mostram o potencial alelopá-
germinadas, de duas ervas adventícias e duas plantas cultivadas, tico de extratos aquosos de folhas intactas sobre uma diversidade de
em bioensaios de laboratório com extratos de folhas de moranga espécies, com as ervas adventícias sendo freqüentemente inibidas mais
do que as plantas cultivadas (ver tabela 11.4). Quando a moranga é adi-
Espécie-alvo Controle com Extrato de folha Extrato de folha
água destilada• de moranga a 2,5% .. de moranga a 5,0%º cionada a um agroecossistema consorciado, como milho e feijão, ela
assume o importante papel de supressora de ervas adventícias para todo
Avenafatua 100% 61,0% 40,1%
Brassica kaber 100% 48,2% 30,7% o consórcio.
Raphanus saliva 100% 112,1% 57,1% Outras pesquisas mostraram que variedades mais antigas das mes-
Hordeum seca/e 100% 122,0% 57,8% mas plantas cultivadas, especialmente variedades mais intimamente re-
• O alongamento de raiz após 72 horas a 25°C em água destilada definiu um crescimento de 100%. lacionadas a linhagens silvestres,.apresentam maior potencial alelopá-
•• Folhas de moranga secas por ar, intactas, foram mergulhadas em água destilada por 2 horas e tico (Putnam e Duke, 1974). O melhoramento de plantas cultivadas pode
a solução resultante filtrada e usada para irrigar sementes. A concentração foi baseada na razão
de gramas de folhas de moranga por gramas de água.
ter feito uma seleção contrária ao potencial alelopático em troca de ren-
Dados de Gliessman (1988a). dimentos mais elevados. Selecionar tipos alelopáticos, em coleções de
germoplasma de plantas cultivadas, poderia levar à incorporação de
Culturas que inibem ervas adventícias maior potencial alelopático em culturas atuais, pelo cruzamento con-
Quando a própria planta cultivada é capaz de inibir ervas adventí- vencional ou uso de estratégias de recombinação genética desenvolvi-
cias por alelopatia, os produtores têm mais uma ferramenta importante. das mais recentemente.
Sabe-se de diversas plantas cultivadas que são eficazes na supressão Considerando os problemas associados às estratégias de controle
de ervas adventícias que crescem perto delas (Worsham, 1989). A lista de ervas adventícias usadas atualmente - possível poluição ambiental,
inclui beterraba (Beta vulgaris), tremoço (Lupinus sp.), milho, trigo, contaminação da água subterrânea, aumento do custo para desenvolver
aveia, ervilha, trigo mourisco (Fagopyrum esculentum), milheto (Pa- e testar novos herbicidas, aumento da resistência das ervas a herbici-
nicum sp.), cevada, centeio e pepino (Cucumis sativa). A alelopatia das, e as dificuldades de registrar novos herbicidas-, o potencial ale-
pode estar presente em todos os casos, mas é necessário pesquisa para lopático de plantas cultivadas vai tomar-se uma alternativa mais atra-
determinar bem o papel que as fitotoxinas desempenham com relação a ente. Conectar o potencial alelopático da planta com o conhecimento
outras formas de interferência. Em alguns casos, a inibição parece ocorrer do destino e da atividade dos compostos fitotóxicos, uma vez fora dela,
por substâncias liberadas pelas plantas vivas, mas, em outros casos, tomará essas alternativas muito úteis.
parece que o efeito é residual, dos produtos de decomposição dos resí-
duos incorporados ao solo no final do ciclo da cultura. Deve-se tomar A ESTIMULAÇÃO DO CRESCIMENTO
cuidado para manter esses efeitos inibidores sobre as ervas adventícias
A ênfase da discussão precedente tem ocorrido principalmente nos
sem afetar as culturas seguintes. Mesclas desses cultivas podem expres-
impactos negativos ou inibidores dos compostos químicos adicionados

324 325
--=---------------------------- ~1

ao ambiente pelas plantas. Existem, contudo, relatos limitados de plan- tores interativos, de forma que contribuam para a sustentabilidade de
tas que liberam compostos com efeitos estimuladores sobre outras plan- todo o agroecossistema.
tas vizinhas. Essas inte1ferências estimuladoras de adição também po-
dem ser classificadas como alelopatia, porque o termo foi cunhado ori-
ginalmente para incluí-las juntamente com os efeitos inibidores. Para ajudar a pensar
Em alguns casos, baixas concentrações de compostos químicos com
potencial inibidor, podem ter um efeito estimulante. Bioensaios para 1. Descreva uma situação em que um organismo parece estar competindo
potencial alelopático freqüentemente mostram maior alongamento de por um espaço específico no ambiente mas, na verdade, está competindo
raízes em sementes recentemente germinadas quando os extratos de plan- por recursos limitados ou potencialmente limitadores naquele espaço.
tas estão em baixas concentrações. Em outros casos, as plantas produ- 2. Por que o modelo organismo-ambiente-organismo, empregado para
zem compostos com efeito totalmente estimulador. Por exemplo, um es- entender os mecanismos das interações bióticas, tem importância po-
tudo relatado por Rice (1984) em uma revisão descobriu que uma erva tencial tão grande no desenho de agroecossistemas sustentáveis?
denominada Agrostemma githago tinha um efeito estimulador apreciá- 3. Descreva uma situação na qual a alelopatia desempenha um papel
vel no rendimento do trigo, quando cultivado consorciado, se compara- importante no desenvolvimento de uma estratégia alternativa para ma-
do com trigo cultivado solteiro. A uma substância estimuladora que foi nejo de ervas adventícias em um agroecossistema.
isolada, deu-se o nome de agrostemina; quando aplicada no trigo, au- 4. Como você diferencia a influência de um fator abiótico sobre um or-
mentou o rendimento tanto em áreas fertilizadas quanto em não fertili- ganismo e a influência de outro organismo sobre o primeiro?
zadas. Rice também relata sobre um trabalho em que a alfafa picada 5. Cite algumas maneiras de se evitar a competição em um ecossistema
adicionada ao solo estimulou o crescimento de fumo, pepino e alface, de cultivo.
uma substância conhecida como triacontanol foi identificada como o
estimulante. Mesmo algumas substâncias isoladas de ervas adventícias
têm efeitos estimuladores em determinadas concentrações. Os pesqui- Leitura recomendada
sadores têm o desafio de demonstrar como alguns desses efeitos podem
ser incorporados de maneira prática no manejo de sistemas de cultivo, ABRAHAMSON, W. G. Plant-animal interactions. New York: McGraw-Hill, 1989.
Uma revisão abrangente dos tipos de interações entre plantas e animais em ecossiste-
mas o potencial certamente existe, desde que os mecanismos de interfe-
mas e as possíveis significâncias co-evolucionárias.
rência sejam conhecidos.
ALLEN, M. F. The ecology of Mycorrhizae. New York: Cambridge University Press,
1991.
Um estudo do papel importante que esta simbiose fungos-raízes desempenha em ecos-
Conclusões sistemas.
CHOU, C. H.; WALLER, G. R. (eds). Phytochemical ecology: Allelochemicals,
Os organismos podem ter influência positiva ou negativa uns so- Mycotoxins and lnsect Pheromones and Allomones. Institute of Botany, Aca-
bre os outros, dependendo da natureza de suas interações. Essas intera- demia Sinica Monograph Series, n. 9, Taipé, Formosa. 1989.
Uma coletânea importante de relatórios de pesquisas e de revisões do papel ecológico
ções causam impactos dinâmicos e potencialmente importantes sobre o de compostos químicos naturais de plantas, numa gama de interações em ecossistemas.
ambiente e os agroecossistemas. Este capítulo propõe um modelo para
DARWIN, Charles. The illustratedorigin ofspecies. New York: Hill and Wang, 1979.
o estudo e entendimento de tais interações que enfoca os mecanismos (Condensado e com Introdução de R.E. Leakey.)
pelos quais um organismo adiciona ou remove do seu ambiente imedia- Um clássico da literatura científica, apresentado de maneira belamente ilustrada e de
to algum recurso ou material, o que pode ter conseqüências para outros leitura fácil, relata a hipótese de Darwin até os avanços científicos dos anos recentes,
com enfoque na interação das espécies.
organismos que lá vivem. O desafio da pesquisa é o manejo desses fa-

326 327
DAUBENMIRE, R. F. Plants and environment. 2 ed. New York: John Wiley and Sons,
1974.
Um livro-texto de auto-ecologia, com diversos capítulos que enfatizam o papel de in-
terações bióticas como fatores do ambiente.
GRACE, J. B.; TILMAN, D. Perspectives 011 plant competition. San Diego, Cali- 12
fórnia: Academic Press, 1990.
Uma compilação de relatórios de pesquisas e de revisões sobre o conceito de compe-
tição em ecossistemas.
PUTNAM, A. R.; TANG, C. S. The science of allelopathy. New York: John Wiley
O complexo ambiental
and Sons, 1986.
Um exame dos métodos de pesquisa e abordagens para o estudo da alelopatia em plan-
tas, com seções dedicadas especificamente ao papel da alelopatia na agricultura. Capítulos anteriores consideraram as influências isoladas de fato-
RADOSEVICH, S. R.; HOLT, J. S. Weed ecology. New York: John Wiley and Sons, res ambientais individuais - luz, temperatura, precipitação, vento, solo,
1984. umidade do solo, fogo e outros organismos sobre as culturas. Embora
Um excelente exame do papel ecológico das ervas adventícias em agroecossistemas,
com uma visão de manejo em vez de controle. seja importante entender o impacto que cada um desses fatores tem por
si só, raramente eles agem sozinhos ou de maneira constante sobre o
REAL, L. Pollination biology. Orlando, Flórida: Academic Press, 1983.
Um volume excelente editado sobre a importante interação planta-inseto, com ênfase organismo. Além disso, todos os fatores que foram discutidos como
na polinização como uma força evolucionária. componentes separados do ambiente também interagem e afetam uns aos
RICE, E. L. Allelopathy. 2.ed. Orlando, Flórida: Academic Press, 1984. outros. Portanto, o ambiente no qual um organismo individual ocorre
A referência-chave da importância ecológica da alelopatia em ecossistemas naturais precisa ser compreendido como um conjunto dinâmico, em constante
e manejados. mudança, de todos os fatores ambientais em interação - ou seja, como
TRAGER, W. Living together: the biology ofanimal parasistism. New York: Plenum, um complexo ambiental.
1986. Quando todos os fatores que agem sobre uma planta cultivada são
Um tratado sobre um fator biótico freqüentemente ignorado, mas ecologicamente muito
importante em ecossistemas. ·
considerados em conjunto, é possível examinar as características do
ambiente que emergem somente pela interação desses fatores. Essas
WALLER, G. R. Allelochemicals: role in agriculture and forestry. American Che-
mical Society: Washington, DC, 1987. ACS Symposium Series 330. características - que incluem complexidade, heterogeneidade e mudan-
Coletânea de relatórios de pesquisas e de revisões sobre como compostos químicos ça dinâmica - são os principais tópicos deste capítulo. Seu exame, em _·
produzidos por plantas podem desempenhar papéis ecológicos importantes em ecos- termos do impacto sobre a planta cultivada, representa a etapa final da
sistemas manejados pelos seres humanos.
análise auto-ecológica dos agroecossistemas e nos prepara para o nível .
sinecológico de análise que começa no capítulo seguinte.

O ambiente como um complexo de fatores


O ambiente de um organismo pode ser definido como a soma de
todas as forças e fatores externos, tanto bióticos quanto abióticos, que
afetam seu crescimento, sua estrutura e reprodução. Em agroecossiste-
mas, é vital compreender quais fatores neste ambiente-por sua condi-
ção ou nível num momento dado - podem estar limitando um organis-

328 329
mo, e conhecer que níveis de detenninados fatores são necessários para
um ótimo desempenho. O desenho e manejo de agroecossistemas ba-
seia-se amplamente em tais informações. As bases para entender isto
foram apresentadas nos capítulos ante1iores deste livro. Os fatores in-
dividuais foram explorados, e diversas opções agrícolas para manejá-
los foram revisadas. Uma vez que o ambiente é um complexo de todos
esses fatores, torna-se igualmente importante compreender como cada
fator afeta ou é afetado pelos outros, separadamente ou em combina-
ções complexas que variam no tempo e no espaço. É a complexidade
das interações dos fatores que compõe o ambiente total do organismo.

FATORES DO AMBIENTE

O conceito de um complexo ambiental está apresentado esquema-


ticamente na figura 12.1. Embora as linhas representando as conexões
não tenham sido desenhadas, a figura quer mostrar que há interações
entre os próprios fatores, bem como entre cada fator e o organismo cul- Figura 12.1- Representação do complexo ambiental. O ambiente de uma planta cultivada indivi-
tivado. Os fatores que compõem o ambiente, discutidos em capítulos dual é composto de muitos fatores que interagem. Embora o nível de complexidade do ambiente
anteriores, estão incluídos, bem como diversos outros. Sendo impossí- seja elevado, a maioria dos fatores que o compõem podem ser manejados. O reconhecimento das
interações de fatores e da complexidade total do ambiente é a primeira etapa na direção de um
vel a divisão precisa de todo o ambiente nos seus diversos componen- manejo sustentável. Adaptado de Billings (1952).
tes, ou a inclusão de todos os fatores possíveis, os mostrados na figura
12.1 são simplificados e se sobrepõem. Além disso, cada fator não tem tico liberado pelas raízes de uma cultura pode interagir com o sombre-
a mesma importância num detenninado momento. Por isto, o tempo não amento, estresse por falta de umidade, herbivoria, susceptibilidade a
está relacionado como um fator independente, mas deve ser considera- doenças, além de outros fatores, para favorecer ou reduzir a eficácia do
do como o contexto básico no qual o complexo total dos fatores está em composto fitotóxico na limitação do crescimento das ervas adventícias
transformação. em um sistema de cultivo. Devido a tais interações, freqüentemente é
Devido à complexidade do ambiente, fica claro que seus fatores um desafio prever as conseqüências de qualquer modificação isolada
podem afetar os organismos tanto de forma combinada quanto indepen- no agroecossistema.
dentemente. Os fatores podem trabalhar juntos, de forma simultânea e Uma das debilidades da abordagem agronômica convencional no
sinérgica, para afetar um organismo, ou podem se fazer sentir através manejo de agroecossistemas é que ela ignora as interações de fatores e
de uma seqüência de efeitos em outros fatores. Um e)lemplo de tal inte- a complexidade ambiental. As necessidades da cultura são considera-
ração é o crescimento exuberante de ervas adventícias no lado voltado das em termos isolados e, então, cada fator é manejado separadamente
para o norte da vala ilustrada na figura 4.4. Neste local de microclima para alcançar rendimento máximo. O manejo agroecológico, em con-
específico, as temperaturas mais baixas, umidade e atividade biológica traste, começa com o sistema de produção como um todo e desenha in-
mais altas, e, possivelmente, maior disponibilidade de nutrientes esta- tervenções segundo a maneira com que causarão impacto no sistema
vam simultaneamente associadas ao pequeno sombreamento que ocor- corno um todo, não apenas no rendimento da cultura. As intervenções
ria, e essa combinação de fatores alterou eficazmente as condições para podem ser para modificar fatores individuais, mas o impacto potencial
o crescimento das plantas. Como outro exemplo, um composto alelopá- sobre outros fatores também é sempre considerado.

330 331

1
COMPLEXIDADE DA INTERAÇÃO História da Semente História da Area
A idade da semente e as condi- A história anterior da área, Inclu-
ÇÕes às quaís ela foi exposla indo o que foi cullívado, trata-
(tais como abrasão) são deter- mentos de solo, freqüência de
A maneira pela qual um complexo de fatores interage para causar minantes significativos de como perturbações, etc., tera Impacto
outros fatores Irão influenciar sobre os fatores que- influenciam
impacto sobre uma planta pode ser ilustrada pela germinação da semente a germinação. diretamente a germinação.

e o conceito de "local seguro" de Harper (1977). Sabemos, por estudos


ecofisiológicos, que uma semente individual germina em resposta a um Lu, Precipitação
Profundidade da Semente A precipitação ou irrigação que pre-
conjunto exato de condições que encontra em seu ambiente imediato As condições mudam com a pro-
Algumas sementes requerem luz
para germinar, e outras são Inibi- cede a germinação é o principal
fundidade do solo; para cada das por ela. A quantidade de luz fator que influencia a umidade do
(Naylor, 1984). Na escala da semente, o lugar que apresenta tais condi- tipo de planta hã uma profundi- recebida pela semente é determi- solo e seu efeito direto sobre a
semente. O efeito da precipitação
dade ideal na qual as condições nada por sua história, profundida-
ções é denominado local seguro. Ele satisfaz as exigências exatas que são mais propicias â germinação. de e pelo carâter da cobertura da varia conforme o tipo de solo, venlo,
fogo, cobertura da superfície
superfície do solo.
uma semente individual tem para quebrar sua dormência e para que o do solo e temperatura.

processo de germinação ocorra. Além disto, precisa haver distância de


Temperatura
riscos de doenças, de predadores ou substâncias tóxicas. As condições Cada espécie de planta tem óti- Fatores Bí6//cos
Uma ampla variedade de organis-
mos de temperatura 1/geiramente
mos, de vírus a mamíferos, po-
do local seguro precisam durar até a plântula não depender mais das diferentes para a germinação; a
temperatura do solo varia com a dem causar impactos variâvels
sobre a germinação de sementes.
reservas originais da semente. As exigências da semente durante esse profundidade, um!dade, topografia
e outros fatores. Luz e tempe- Sua presença no solo muda de-
ratura estão intimamente pendendo do local e sua história,
período mudam e, conseqüentemente, os limites do que constitui um lo- relacionadas. do solo e dos padrões de cultivo.

cal seguro também devem mudar.


Cobertura de Solo Umidade do Solo
A figura 12.2 descreve alguns dos fatores ambientais que influen- A matéria orgânica sobre a superfí- A germinação somente ocorre
cie do solo causa impacto sobre a após a semente ter absorvido Vento
ciam a germinação de uma semente e compõem o "local seguro". Os germinação da semente alterando o água suficiente. A textura do solo, O vento pode influenciara germi-
moVimento da água, a temperatura sua estrutura, cor e microrrelevo, nação da semente alterando a
que circundam imediatamente a semente são os que a afetam mais dire- do solo, a dlsponibttidade de luz e o causarão impacto sobre a disponi- temperatura e umidade do solo, e
também modtficando a estrutura
potencial para doenças. Também bilidade de água, da mesma for-
tamente. Os do perímetro externo do diagrama são fatores e variáveis podem ser liberadas toxinas dos re
síduos de plantas em decomposição.
ma que a irrigação, a chuva, a
temperatura e o vento.
da camada superficial do solo.

que afetam a intensidade, nível ou presença dos fatores diretos.


Fogo
O fogo pode afetar a germinação Solo
da semente alterando a umidade, O Upo de solo afeta a germinação
qualidade e capacidade do solo
Heterogeneidade do ambiente de absorver energia solar, bem
como pela modificação de sua ca-
das sementes pela umidade adi•
clonada e retida e pe!a criação de
um ambiente químico que pode
mada superficial. O fogo também favorecer ou retardar o processo
pode ler o efeito direto de matar de germinação.
O ambiente de qualquer organismo individual varia no espaço e sementes.

no tempo. A intensidade de cada fator na figura 12.1 mostra variação de


lugar para lugar no tempo, e uma média para cada fator estabelece os Figura 12.2 ~ Fatores ambientais que afetam a genninação da semente. Fatores imediatamente
parâmetros do habitat, dentro dos quais cada organismo encontra-se ao redor da semente a afetam mais dir_ctarnente; fatores no perímetro externo afetam sobretudo
a intensidade, nível e presença dos fatores diretos. A importância de cada fator irá variar depen-
adaptado. Quando a variação de um fator excede os limites de tolerân- dendo da espécie de semente.
cia de um organismo, os efeitos podem ser muito prejudiciais. Sistemas
de cultivo que levam em conta essa variação têm muito mais probabili-
zontal quanto verticalmente. Mesmo em uma área plantada com uma
dade de obter resultados positivos para o produtor.
única variedade de grão, por exemplo, cada planta encontrará condições
levemente diferentes devido à variação espacial nos fatores solo, umi-
HETEROGENEIDADE ESPACIAL
dade, temperatura e níveis de nutrientes. A variação desses fatores de-
penderá da uniformidade que o produtor tenta criar na área, com uso de
O habitat de um organismo é o espaço caracterizado por determi-
equipamento, irrigação, fertilizantes ou outros insumos. Apesar dessas
nadas combinações de intensidades de fatores, que variam tanto hori-
tentativas, contudo, haverá ligeiras variações de topografia, exposição,

332 333
cobertura do solo, e assim por diante, que c1iarão diferenças microam- MUDANÇA DINÂMICA
bientais na área. Por sua vez, variações muito pequenas no micro-habi-
tat podem significar mudanças na resposta da cultura. Como a combinação de fatores em qualquer ambiente muda cons-
1, tantemente ao longo do tempo, o produtor também deve considerar esta
Em um ambiente tropical úmido, de terras baixas, por exemplo,
onde os solos têm drenagem pobre e a precipitação é elevada, uma leve heterogeneidade. Mudanças acontecem a cada hora, dia, estação, ano e
variação topográfica pode fazer uma grande diferença na umidade do mesmo como parte de alterações climáticas de longo prazo. Algumas
solo e na drenagem. Nesta situação, as áreas cultivadas mais baixas delas são cumulativas, outras são cíclicas. Para qualquer fator determi-
podem estar sujeitas a maior encharcamento do que o restante, e as cul- nado, é necessário saber a velocidade da mudança de sua intensidade
turas que ali crescem podem ter raízes com desenvolvimento restrito e no tempo, e como ela pode afetar um determinado organismo, com base
desempenho mais fraco, conforme ilustrado na figura 9.3. Alguns pro- na duração de sua exposição e nos seus limites de tolerância. Ao mes-
dutores na região de Tabasco, México, onde a fotografia na figura 9.3 mo tempo, à medida que segue seu ciclo de vida, cada organismo sofre
foi tirada, plantam cultivas tolerantes a encharcamento, como o arroz transformações tanto na maneira pela qual responde a intensidades di-
ou variedades locais de inhame (Colocasia spp. ou Xanthosoma spp.), ferentes de um fator quanto na sua tolerância àquelas intensidades.
nas áreas mais baixas de suas unidades produtivas, como forma de tirar Uma planta cultivada, por exemplo, experimenta um ambiente em
vantagem da umidade extra. Encontrar maneiras de tirar vantagem da constante transformação à medida que avança no seu ciclo. Se um fator
heterogeneidade espacial das condições, pelo ajuste dos tipos de culti- ou combinação de fatores alcançar um nível crítico ao mesmo tempo
vo e arranjos, é, com freqüência, mais eficiente ecologicamente do que que a planta chega num estágio particularmente sensível de seu ciclo 0
tentar forçar a homogeneidade ou ignorar a heterogeneidade. desenvolvimento adicional pode ser suprimido, resultando em fracas~o
Em sistemas de policultura, variações na dimensão vertical também da safra. A germinação, o crescimento inicial, o florescimento e a fruti-
devem ser levadas em consideração, porque uma cultura ou camada de ficação são os estágios durante os quais variações incomuns ou extre-
dossel geralmente irá gerar estratos de condições variáveis para outros mas de fatores ambientais têm maior possibilidade de causar impacto
cultivas ou camadas de vegetação. Isto é especialmente verdadeiro se uma sobre o desempenho da cultura. Como foi visto na figura 9.4, por exem-
nova cultura estiver sendo plantada sob um dossel já estabelecido, como plo, um período de encharcamento durante o crescimento do feijão mi-
em um agroecossistema agroflorestal ou um horto doméstico dominado údo teve um efeito negativo sobre o rendimento, mas a natureza e exten-
por árvores. Para complicar ainda mais as coisas, um membro vegetal são desse efeito dependeram de quando ocorreu o encharcamento.
grande e maduro de um sistema assim ocupa, simultaneamente, uma faixa Devido à mudança dinâmica, as intervenções a campo com freqüên-
de micro-habitats. Que partes do habitat e combinação de condições cia precisam ser cuidadosamente programadas. Por exemplo, um pro-
microambientais estão afetando mais o organismo? dutor que queira usar um queimador à base de propano (descrito no ca-
Devido à dificuldade de criar condições absolutamente uniformes pítulo 10) para matar ervas adventícias fica limitado a um curto perío-
em áreas de cultivo, especialmente em agroecossistemas tradicionais de do de tempo nos estágios iniciais do desenvolvimento da cultura. Se as
pequena escala ou com recursos limitados, os produtores geralmente cul- plântulas forem muito jovens e delicadas, as chamas podem matá-las,
tivam múltiplas espécies ou uma mescla de culturas, avaliando que uma Juntamente com as plântulas das ervas. Se o cultivo estiver alto demais
combinação diversificada, com uma ampla faixa de adaptações, se dará pode ser difícil evitar danos causados pelo próprio aparelho. O perío~
melhor em um ambiente variável (Smith e Francis, 1986). É um grande do efeüvo para limpar com lança-chamas pode ser de apenas quatro a
desafio, em experimentos agronômicos, considerar adequadamente essa cmco dias para culturas delicadas, como cenouras ou cebolas, que têm
variabilidade. Desvios-padrão altos não significam, necessariamente, que pouca capacidade de lidar sozinhas com interferências das ervas.
algo estava errado com a metodologia de pesquisa. Podem, justamente,
significar que a área da amostra era extremamente variável!

334 335

j
riam ser lucrativos durante o alto verão sem essa compensação, porque
Interação de fatores ambientais essas culturas estão sujeitas a perdas consideráveis de água, por trans-
Cada um dos muitos fatores que compõem o complexo ambiental piração, em dias quentes.
tem potencial para interagir com outros e, portanto, para modificar, acen-
tuar ou reduzir seus efeitos sobre os organismos. A interação de fatores MULTIPLICIDADE DE FATORES
pode ter conseqüências tanto positivas quanto negativas sobre os agro-
Quando diversos fatores estão intimamente relacionados, pode ser
ecossistemas.
difícil separar os efeitos de um e de outro(s). Os fatores podem atuar
como uma unidade funcional, simultaneamente ou em cadeia. Um fator
FATORES DE COMPENSAÇÃO
influencia ou acentua outro, o qual, então, afeta um terceiro; mas, em
Quando um fator supera ou elimina o impacto de outro, é chamado termos de resposta da cultura, é impossível determinar onde um fator
de fator de compensação. Quando uma cultura está crescendo em condi- pára e outro inicia. Os fatores temperatura, luz e umidade do solo, com
ções que poderiam ser limitadoras para seu desenvolvimento bem-suce- freqüência, funcionam de maneira muito intimamente relacionada. Para
dido, um ou mais fatores podem estar compensando o fator limitante. um cultivo de milho em área aberta, por exemplo, o aumento dos níveis
O efeito de um fator de compensação é comumente visto em rela- de luz durante a manhã sobe a temperatura, e a temperatura mais eleva-
ção à fertilização, quando um determinado nutriente do solo (por exem- da aumenta a evaporação da água do solo, juntamente com a transpira-
plo, o nitrogênio) é limitante, conforme mostrado pela resposta da planta. ção. Assim, a intensidade de cada fator varia, simultaneamente, com cada
Crescimento reduzido e rendimentos mais baixos são sinais da defici- mudança de intensidade da radiação solar, e o efeito relativo de cada
ência. Porém, em vez de simplesmente adicionar maior quantidade do um sobre a cultura não pode, em termos práticos, ser separado da mul-
nutriente deficiente, às vezes é possível alterar algum outro fator do tiplicidade de efeitos que eles têm juntos.
ambiente, aumentando sua disponibilidade para as plantas. No caso da
deficiência de nitrogênio, a drenagem pobre do solo pode estar restrin- PREDISPOSIÇÃO A FATORES
gindo sua absorção pelas raízes e, uma vez que seja melhorada, pode
Um fator ambiental determinado pode provocar uma resposta da
compensar a falta de absorção.
cultura que a toma mais suscetível a danos por outro fator. Em tais ca-
Outro caso de compensação de um fator limitante ocorre quando
sos, diz-se que o primeiro fator predispôs a planta aos efeitos do segun-
um produtor vai contra o impacto negativo de um herbívoro comedor de
do. Baixos níveis de luz, causados por sombreamento, por exemplo,
folhas, estimulando o crescimento mais exuberante ou rápido da cultura
podem predispor a planta a ataque por fungos. Os níveis mais baixos de
afetada, através de uma intervenção como adição de composto ao solo
luz geralmente significam umidade relativa mais alta para a planta e fa-
ou aplicação de fertilizante foliar. A biomassa adicionada pode permi-
zem com que ela desenvolva folhas mais finas e maiores, que podem
tir que o cultivo sustente o herbívoro e ainda produza uma safra bem-
ser mais suscetíveis a ataques de um fungo patogênico, que ocorre mais
sucedida. O crescimento adicional da planta compensa a herbivoria.
comumente quando há excesso de umidade no ambiente. Similarmente,
Em regiões costeiras, onde o nevoeiro é comum durante a estação
pesquisas mostraram que alguns cultivas são mais suscetíveis a danos
seca de verão (por exemplo, a região marítima mediterrânea da Cali-
por herbívoros quando recebem grandes quantidades de fertilizante ni-
fórnia litorânea), este pode compensar a falta de chuva. Isto ocorre pela
trogenado. O tecido da planta fica predisposto à herbivoria devido ao
redução da perda d' água por transpiração, e menor estresse pela eva-
seu alto conteúdo de nitrogênio- aparentemente o nitrogênio serve como
poração, devido à menor quantidade de luz solar direta e a temperatu- 1 um atrativo para a praga (Scriber, 1984).
ras mais baixas. Os cultivas de hmtaliças folhosas, comuns nos vales
mais baixos da Califórnia, Salinas e Pajaro, provavelmente não pode-

337
336
O manejo da complexidade Leitura recomendada
O manejo sustentável de agroecossistemas requer o conhecimen- DAUBENMIRE, R.F. Plants and environment. 3.ed. New York: John Wiley & Sons
to de como fatores individuais afetam organismos cultivados e como 1974. '
O livro que estabeleceu a base de uma abordagem agroecológica às relações planta-
todos os fatores interagem para formar o complexo ambiental. É neces- ambiente.
sário saber como os fatores interagem, compensam, favorecem e se
FORMAN, R. T. T.; GORDON, M. Landscape ecology. New York: John Wiley & Sons,
opõem uns aos outros. Também é preciso conhecer a extensão da varia- 1986.
bilidade presente na unidade produtiva, de área para área e dentro de Leitura essencial para entender as relações entre a distribuição de plantas e a comple-
cada uma. As condições variam de uma estação para outra, bem como xidade temporal e espacial da paisagem física.
de um ano para o seguinte. De clima a solos, de fatores bióticos a abió- HARPER, J. L. Population biology ofplants. Londres: Academic Press, 1977.
ticos, e de plantas a animais, os fatores interagem e variam em padrões A referência-chave para entender as bases da biologia moderna de população de plantas,
dinâmicos e em constante transformação. Talvez um componente im- com muitas referências a sistemas agrícolas.

portante da sustentabilidade seja saber não somente a extensão e forma SCHMIDT-NIELSEN. K. Animal physiology: adaptations and environment. 4.ed.
New York: Cambridge University Press, 1990.
da interação do fator, mas também a gama de variabilidade nas intera-
Uma revisão importante da ecologia fisiológica de animais no ambiente.
ções que podem ocorrer no tempo. O máximo de adaptação do agroe-
cossistema, para tirar vantagens da complexidade e variabilidade onde
for possível, e para compensá-las onde não for, é o desafio que será en-
frentado nos capítulos seguintes.

Para ajudar a pensar


1. Que fatores podem ter causado impacto sobre uma semente antes do
produtor tê-la comprado? Como essas influências podem afetar o de-
sempenho da semente, uma vez plantada?
2. De que maneira um produtor pode manejar um agroecossistema em
um ambiente altamente variável, em vez de tentar controlar ou homoge-
neizar as condições que criam a heterogeneidade?
3. Quais as desvantagens de um produtor ao escolher manejar ou adap-
tar-se à heterogeneidade espacial e temporal no agroecossistema (em
vez de subjugá-la)?
4. Como um produtor pode compensar, com sucesso, um fator limitante,
alterando ou manejando,um ou diversos outros fatores e, assim, contri-
buir com a sustentabilidade de um sistema de produção agrícola?

338 339
13

Processos populacionais na agricultura:


dispersã0, estabelecimento
e o nicho ecológico

Na agronomia e na agricultura convencional a população de plan-


tas cultivadas ou de animais de criação é o centro das atenções. Um
produtor tenta maximizar o desempenho dessa população manejando os
vários fatores do complexo ambiental. Contudo, quando a sustentabili-
dade de todo o agroecossistema é a prioridade, esse foco estreito sobre
as necessidades de uma população geneticamente homogênea toma-se
totalmente inadequado. O agroecossistema precisa ser visto como uma·
coletânea de populações em interação, populações estas compostas por
muitos tipos de organismos, incluindo plantas, animais e microrganis-
mos, que podem ser ou não de interesse agropecuário.
Considerar o agroecossistema como uma coletânea de populações
em interação envolve diversos níveis de estudo. Primeiro, toma-se ne-
cessário adquirir ferramentas conceituais que permitam entender e com-
parar como cada população consegue sobre vi ver e se reproduzir no
ambiente do agroecossistema. Essas ferramentas e sua aplicação são o
assunto deste capítulo. Segundo, precisamos olhar a base genética das
populações cultivadas, e como a manipulação desse potencial genético
pelos seres humanos afetou a adaptabilidade e faixa de tolerância dos
cultivos. Voltaremos nossa atenção a este tópico no capítulo 14. Final-
mente, precisamos considerar os processos de interação entre popula-
ções que se estabelecem em nível de comunidade e de ecossistema, os
quais serão explorados nos capítulos 15, 16 e 17.

343
Princípios de ecologia (M) e_emigração (E). Quaisquer mudanças populacionais no tempo são
populacional e demografia de plantas descntas por

As populações de uma só espécie têm sido, há muito, o principal


dP=rP
dt
objeto da pesquisa agronômica. O potencial genético de populações
em que Pé a população sob estudo, num período de tempo específico
de culturas é ajustado por melhoristas, e tecnologias de manejo que
obtêm o máximo desempenho a partir daquele potencial genético fo- (t). Se os recursos não se tomarem limitantes e interações negativas
entre membros da população não alcançarem algum nível crítico com
ram desenvolvidas por especialistas em produção. Isso levou à for-
o seu aumento, uma população crescerá exponencialmente. Como essa
mação de um tipo de melhorista de plantas que se tornou especializa-
equação muito simples não leva em conta o efeito de fatores abióticos
do em ajustar um fator do sistema por vez, ou que desenvolve tecnolo-
gias que resolvem problemas isolados, como controlar uma praga de- e bióticos do ambiente sobre uma população, nem os limites ao cres-
terminada com um agrotóxico específico. Mas, uma vez que o agroe- cimento que um ambiente pode impor a ela, foi desenvolvida a se-
guinte equação:
cossistema é composto de interações complexas entre muitas popula-
ções de organismos, uma abordagem agroecológica requer análise mais
ampla. Estudos de interações entre populações do mesmo nível trófi-
: = rP[ K; p] = rP[J _; ]
co precisam ser feitos simultaneamente a outros que focalizem as in-
terações entre populações de níveis tróficos diferentes. O manejo in- A taxa de crescimento da população não sofre interferência quan-
tegrado de pragas, por exemplo, requer uma análise simultânea da eco- do P se aproxima de O, e desacelera quando P se aproxima de K (o
logia populacional de cada membro do complexo específico cultivo/ tamanho da população quando esta atinge a capacidade de carga do
praga/inimigo natural, bem como de outras populações de organismos ambiente). Esta equação descreve uma curva de crescimento sigmóide,
com os quais todo o complexo interage. Em última instância, precisa- ou em formato de S, como aparece na figura 13.1. O achatamento da
mos considerar este complexo de populações como toda a comunida- curva indica que problemas poderão ser encontrados na alocação de
de de cultivo, um nível de análise ecológica ao qual retornaremos no recursos para uma população em expansão. Essa curva poderia se apli-
capítulo 15. Mas, primeiro, serão discutidos diversos princípios bá- car a espécies de ervas adventícias em uma área cultivada ou a um de-
sicos da ecologia populacional, que nos ajudam a entender a dinâmi- terminado organismo-praga na cultura. O aumento da população é lento
ca de cada população. no início, começa a acelerar até alcançar uma taxa máxima de cresci-
mento, desacelerando novamente à medida que a densidade aumenta.
Quando a capacidade de carga do ambiente é alcançada, a curva se achata
CRESCIMENTO DA POPULAÇÃO
e, em muitos casos, começa a cair, se o impacto no ambiente tiver cria-
Os ecologistas vêem o crescimento da população como o resulta- do condições que afetam toda a população.
do líquido de taxas de nascimento, taxas de mortalidade e do movimen- Em ecossistemas naturais, mecanismos complexos de retroalimen-
to de indivíduos para dentro e para fora de uma determinada popula- tação podem desacelerar o aumento populacional antes da capacidade
ção. O crescimento populacional é, portanto, descrito pela fórmula de carga ter sido alcançada, protegendo a espécie contra declínios sú-
bitos no número de indivíduos. Por vezes, esses mecanismos são dire-
r = (N + I) - (M + E) tamente determinados pelo número de indivíduos já presentes -e, neste
caso, eles são dependentes da densidade. Um exemplo é a competição
em quer é a taxa intrínseca de aumento populacional de uma população por um recurso hm1tado. Em outros casos, o mecanismo se deve mais a
no tempo, levando em conta natalidade (N), imigração([), mortalidade algum fator externo do ambiente, como geada ou enchente, e é, portanto,

344
345
independente da densidade. Em sistemas de cultivo, os seres humanos outros organismos, benéficos ou não, além das culturas, invadem uma
conceberam intervenções e tecnologias diferentes, que permitem que uma área e ali estabelecem uma população.
população de cultivo aumente em número ou se desenvolva além da
capacidade de carga normal do ambiente. Usualmente, essas interven- Estágios da colonização
ções são associadas com modificações intensas de habitat ou insumos,
A maneira pela qual uma erva adventícia ou praga coloniza uma
e podem incluir o controle ou eliminação de outras espécies (tanto plantas
área está relacionada com seu ciclo de vida. A invasão inicial ocorre
quanto animais) e o uso de fertilizantes e irrigação. 1
" como parte do processo de reprodução e dispersão da espécie; o esta-
belecimento da população depende das exigências de suas sementes e
Tamanho da população plântulas ou ovos e filhotes; se a população permanece ou não na área
com o passar do tempo é conseqüência de como ela cresce, amadurece
500
e se reproduz. Cada um dos estágios da bionomia35 de uma espécie ofe-
rece oportunidades específicas para intervenção por parte do produtor
400 - ou para encorajar a colonização de uma espécie desejada, ou para
restringir a de uma não desejada. Abaixo, o processo de colonização é
dividido em quatro estágios, baseados nos estágios de vida dos orga-
300 nismos colonizadores: dispersão, estabelecimento, crescimento e repro-
dução. Com o objetivo de assegurar uma maior clareza, esses estágios
são discutidos, principalmente, em termos das plantas.
Dispersão. A dispersão dos organismos é um fenômeno importan-
te em ecossistemas naturais, e tem algumas aplicações interessantes na
agroecologia. A dispersão permite que a prole "escape" da vizinhança
100 do organismo-mãe, diminuindo o potencial de interferência intra-espe-
cífica de uma superpopulação de itmãos ecologicamente muito seme-
lhantes. Ela também permite que uma espécie alcance novos habitats.
o
Em agricultura, a dispersão é importante devido à contínua pertur-
Tempo bação das áreas. Essa perturbação - quer indiscriminada, no caso do
Figura 13.1 - Curva de crescimento da população. Este gráfico mostra um modelo teórico do
manejo convencional de solo, ou seletiva, como no caso das policultu-
índice de aumento de uma população ao longo do tempo. Neste caso, a capacidade de carga ras perenes/anuais características dos hortos domésticos tropicais -cria,
(K) é alcançada em um tamanho de população de 500. continuamente, novos habitats disponíveis para a colonização. Embora
muitos organismos mantenham populações residentes em uma área a
COLONIZAÇÃO DE NOVAS ÁREAS despeito de sua perturbação e manipulação, muitas espécies não agrí-
colas - incluindo ervas adventícias, insetos, outros animais, doenças e
O estudo do crescimento populacional ocupa-se, principalmente, microrganismos, quer benéficos quer prejudiciais - chegam ao campo
do potencial de uma população em aumentar de tamanho ao longo do através da dispersão. Neste contexto, barreiras ecológicas à dispersão
tempo. Ele fica, no entanto, incompleto, caso não se dê atenção ao po- assumem significado importante. As barreiras podem ser tão simples
tencial de uma população em ampliar sua área, ou seja, colonizar novos
habitats. O processo de colonização de novas áreas é especialmente
importante para o agroecologista que se preocupa com a forma pela qual 35
"Life history", no original.

346 347
quanto uma bordadura de ervas adventícias ao redor de uma área, ou especialmente em relação à disponibilidade de recursos, competição
uma borda feita de uma cultura diferente. De modo geral, entender mais potencial e susceptibilidade a predadores ou doenças.
profundamente os mecanismos de dispersão dos organismos não agrí- As sementes são incorporadas ao solo logo após terem caído so-
colas e como eles são afetados por barreiras, pode se tomar importante bre a superfície, sendo encontradas em maior número nas camadas su-
no desenho e manejo do agroecossistema. periores. A população de cada espécie de semente combina-se com
A maneira pela qual as plantas e animais vão de um lugar para outras para formar o banco de sementes. Em sistemas de cultivo, a aná-
outro durante os estágios de dispersão de seus ciclos de vida depende lise do banco de sementes de ervas adventícias pode nos dizer muito
dos mecanismos que cada um deles tem para se dispersar. Esses meca- sobre a história anterior do manejo de uma área e os problemas poten-
nismos são muito variáveis mas, freqüentemente, envolvem o vento, ciais que estas ervas podem apresentar; esta informação pode ser im-
animais, água ou gravidade. A pesquisa sobre dispersão de longa dis- portante para desenhar o manejo adequado.
tância de plantas e animais tem nos dado muita informação a respeito
do que são esses mecanismos e como eles funcionam. 9
--- ---
Um dos melhores trabalhos sobre dispersão é Island life, 36 de Sherwin 8
11 Mudas jovens (<75cm de altura)
Carlquist (1965). Ele revisa a história natural das ilhas do mundo, discu- 7 D Plant~s jovens (> iscm -d.-a-ltu~ra~)- - -
Número 6
tindo como animais e plantas alcançam ilhas que em algum período tive- de Indivíduos 5
por 2 x 2m'
ram ou não uma ligação física com uma fonte de colonização de um con- 4
tinente próximo. O trabalho de Van der Pijl (1972), Principies of disper- 3
sai in higher plants, 37 entra em maior detalhe sobre a incrível diversidade 2
de mecanismos que ajudam as sementes a viajar de um lugar para outro.
Esses mecanismos podem transportar um organismo tanto a uma distãn- o
2 4 14 16 22 24
cia curta como a grandes distâncias, através de surpreendentes barreiras Distância da linha divisória na amostragem em quadrantes distais da árvore-mãe (m)

como um oceano ou um deserto. Eles também podem fazer chegar uma


semente de erva adventícia a uma nova área. Figura 13.2 - A distribuição de mudas e plantas jovens de Gavilan schizolobium sobre uma
área de amostragem em transecção, na direção oeste, afastando-se da árvore-mãe, Rincon de
Um aspecto importante dos mecanismos de dispersão é que muitos Osa, Costa Rica. Dados de Ewert e Gliessrnan (1972).
deles parecem proporcionar uma vantagem seletiva ao "distanciar-se"
da fonte de reprodução. Isto está ilustrado por estudos a campo feitos Uma vez que a maioria dos organismos cultivados necessita dos
sobre a distribuição de mudas ao redor de "árvores-mãe" nas florestas seres humanos para sua dispersão, suas adaptações desenvolvidas com
da Costa Rica. Como mostra a figura 13.2, a maioria das sementes re- este objetivo tomaram-se, em geral, irrelevantes. De fato, a maioria das
cém-germinadas e mudas bem jovens estavam concentradas perto da espécies cultivadas perderam os mecanismos de dispersão que tinham
árvore, mas as mudas mais velhas/árvores bem jovens (com potencial como espécies silvestres. Suas sementes ficaram grandes demais, per-
para se tomarem indivíduos adultos, reprodutores) foram encontradas a deram apêndices que, uma vez, facilitaram a dispersão, ou suas inflo-
uma distância maior. Algum mecanismo intra-específico (por exemplo, rescências não mais espalham sementes. A perda de adaptações é vista
competição, alelopatia, etc.) parece eliminar as mudas de perto da ár- especialmente em culturas anuais, cujas sementes ou grãos são a parte
vore, mas não funciona a uma distância maior. É interessante conside- colhida do cultivo.
rar as vantagens em se estabelecer com um certo distanciamento da matriz, Estabelecimento. Na realidade, não existe área nua na face da Terra
onde não possam chegar animais e propágulos de plantas. A incrível
""Vida na ilha". (N. T.) diversidade de mecanismos de dispersão já mencionados cuida para que
31
"Princípios de Dispersão em Plantas Superiores". (N. T.) isso aconteça. Mas, quando' um propágulo chega em um novo local, ele

348 349

j
certamente pode ter problemas para conseguir se estabelecer. Uma vez cimento também pode desacelerar porque os recursos disponíveis para
que a semente dispersada não pode decidir onde vai pousar, é a condi- cada membro da população tomam-se limitados.
ção do local que determina se o propágulo pode se estabelecer. As se- O período de tempo da germinação até a maturidade pode variar de
mentes caem em um ambiente muito heterogêneo, e apenas uma fração uma questão de dias, para algumas plantas anuais, até diversas décadas
dos locais encontrados poderá satisfazer suas necessidades. Somente para algumas perenes. Uma espécie que amadurece rapidamente coloni~
aqueles microlocais que preenchem as necessidades da semente - os zará uma nova área de maneira diferente do que uma que amadurece va-
"locais seguros" - podem sustentar a germinação e o estabelecimento. garosamente, e cada uma apresentará desafios diferentes ao manejo.
Quanto maior o número de sementes da espécie que pousa em locais Reprodução. Uma vez que os indivíduos colonizadores originais
seguros, maior a chance daquela espécie estabelecer uma população tenham alcançado a maturidade, eles podem se reproduzir. Seu grau de
viável no novo habitat. sucesso nesse processo determina se a nova população permanecerá na
Em geral, o estágio de plântula é conhecido como o período mais área, como irá crescer, e como afetará, a longo prazo, as populações de
sensível no ciclo de vida da planta, sendo, portanto, um estágio crítico outras espécies. A reprodução pode acontecer assexuadamente, através
no estabelecimento de uma nova população. Isto é verdade para espéci- de reprodução vegetativa, ou sexuadamente, pela produção de semen-
es cultivadas, ervas adventícias e plantas em ecossistemas naturais. Uma tes. Algumas espécies dependem do rápido crescimento inicial do su-
semente em dormência pode tolerar condições ambientais muito difí- primento de sementes colonizadoras, bem como do forte controle inici-
ceis, mas, uma vez que ela germina, a plântula recém-emergida vai crescer al do ambiente para inibir colonizadores posteriores. Segue-se a isso
ou morrer. Qualquer um dos muitos extremos de condições ambientais •
1 uma reprodução abundante. Outras espécies podem alocar mais recur-
que está sujeita a enfrentar podem eliminá-la, incluindo seca, geada, sos para desenvolver uma população composta por menos indivíduos,
herbivoria e cultivo do solo. A intervenção humana pode ajudar a asse- porém mais fortes e mais dominantes, sacrificando a produção de no-
gurar o estabelecimento inicial bem-sucedido e uniforme das culturas, vas sementes no processo, mas assegurando o sucesso dos indivíduos•
mas a variabilidade do complexo ambiental ainda faz desta a fase mais que alcançam a maturidade.
sensível para a maioria das populações de cultivas. Grande parte dos
animais, em seus estágios juvenis, mostra a mesma sensibilidade a es- Fatores que afetam o sucesso da colonização
tresses ambientais. Em qualquer estágio do processo de colonização anteriormente
Crescimento e Maturação. Uma vez que a plântula tenha se esta- descrito, pode ocorrer um evento ou condição capaz de eliminar uma
belecido com sucesso, seu principal "objetivo" é o crescimento conti- certa percentagem da população. Para uma espécie de planta invasora,
nuado. O ambiente no qual estão localizadas, bem como o potencial parte desta eliminação ocorre quando só uma fração das sementes en-
genético que elas contêm, combinam-se para determinar exatamente a contra um local seguro, apropriado para germinar. Outro percentual gran-
rapidez com que irão crescer. Em ecossistemas naturais, os fatores am- de da população é perdido pouco tempo depois da germinação, especi-
bientais, como seca ou competição pela luz, geralmente limitam o pro- almente se as condições de tempo não forem as ideais. Em qualquer
cesso de crescimento em alguma das fases do desenvolvimento da planta. época durante o desenvolvimento das plantas jovens, mais perdas po-
Se esses fatores tomarem-se por demais extremos, indivíduos na popu- dem ocorrer. O resultado final é, freqüentemente, um número muito re-
lação morrerão. duzido de adultos maduros que começam a se reproduzir.
As plantas geralmente crescem mais rapidamente nos estágios ini- No caso de algumas espécies, especialmente as perenes de vida
ciais de seu desenvolvimento, medindo-se a biomassa líquida acumula- longa, o desgaste sofrido pelos indivíduos nos estágios iniciais da co-
da no tempo. Sua taxa de crescimento desacelera conforme se inicia a lonização pode ser tão grande que só permite sua sobrevivência até a
maturação - mais energia é alocada à manutenção e à formação de ór- fase de adultos reprodutores em certos anos, ao longo de um grande
gãos reprodutores do que à produção de novos tecidos na planta. O cres-

350 351
período. Neste caso, pressões ambientais que levam à eliminação de mente por fatores ambientais limitantes, em vez de o ser pela densida-
percentuais expressivos da população tendem a se distribuir em uma de da população, e onde a seleção natural favorece genótipos com um
seqüência ao longo do tempo, gerando lacunas no processo de coloni- alto valor de crescimento intrínseco. Uma vez estabelecidos, os mem-
zação. Diversas espécies de carvalho (Quercus spp.) na Califórnia, por bros de populações dessas espécies alocam mais energia para a repro-
exemplo, mostram grupos de indivíduos da mesma idade em popula- dução e menos para o crescimento e manutenção. São chamados estra-
ções que são separadas por 40-200 anos, indicando que as oportunida- tegistas r, na medida em que fatores ambientais mantêm o crescimento
des para estabelecimento de novos aglomerados de população ocorrem dessas populações no ponto de crescimento mais rápido da curva sig-
com muito pouca freqüência. móide (ver figura 13.1). Seus tamanhos de população são limitados mais
por fatores físicos do que por fatores bióticos.
ESTRATÉGIAS NA BIONOMIA No outro extremo, encontramos espécies que vivem em ambientes
estáveis ou previsíveis, onde a mortalidade é, acima de tudo, uma fun-
Cada espécie que é bem-sucedida em um determinado ambiente ção de fatores que dependem da densidade como interferência com in-
tem um conjunto único de adaptações que lhes permitem manter uma divíduos de outras populações, e onde a seleção natural favorece genó-
população naquele ambiente ao longo do tempo. Essas adaptações po- tipos com a capacidade de evitar ou tolerar interferência. Estes orga-
dem ser entendidas como constituindo uma "estratégia" de organização
do ciclo de vida, a fim de assegurar a reprodução e a continuação de
uma população viável. Entre espécies, as estratégias de bionomia po-
dem ser classificadas em tipos gerais.
l nismos alocam mais recursos para atividades vegetativas ou não repro-
dutoras. Membros de tais espécies são chamados de estrategistas K
porque mantêm as populações mais densas quando o tamanho da popu-
lação está próximo da capacidade de carga (K) do ambiente. Seus ta-
Duas maneiras importantes de classificar essas estratégias apare- manhos de população são limitados mais por fatores bióticos do que
cem discutidas a seguir. Elas"facilitam o entendimento de como as po- por fatores físicos.
pulações de organismos específicos são capazes de crescer em número Em geral, os estrategistas r são oportunistas; eles têm a habilidade
ou colonizar novas áreas. Também podem explicar o papel ecológico de colonizar habitats temporários ou perturbados, onde a interferência é
de cada espécie no agroecossistema, facilitando o manejo de espécies mínima, podendo rapidamente tirar vantagem de recursos quando eles estão
tanto de plantas cultivadas quanto de adventícias.

Teoria da estratégia r e K

As plantas têm uma quantidade limitada de energia para "gastar"


na manutenção, crescimento e reprodução. A alocação de mais energia
i disponíveis. Geralmente têm vida curta, alocam uma proporção grande
de sua biomassa para a reprodução, e ocupam habitats abertos ou siste-
mas situados em estágios iniciais de sucessão. No reino animal, os estra-
tegistas r exigem cuidados mínimos dos pais enquanto jovens; no vegetal,
usualmente produzem grande número de sementes facilmente dispersá-
para a reprodução reduz a quantidade disponível para o crescimento, e veis. Em contraste, os estrategistas K são tolerantes; eles geralmente têm
vice-versa. Os ecologistas usaram essas diferenças observadas na alo- uma vida longa, um estado vegetativo prolongado, alocam quantidades
cação de energia para o crescimento ou para·a reprodução, para desen- relativamente pequenas da biomassa total para a reprodução, e ocorrem
volver um sistema de classificação que define dois tipos básicos de em sistemas naturais nos estágios adiantados de sucessão. Os animais
estratégias de bionomia, situados em pólos opostos de um contínuo: es- estrategistas K cuidam de sua prole, enquanto os vegetais estrategistas K
tratégia r e estratégia K. Esse sistema é conhecido como a teoria da es- produzem relativamente poucas sementes e de tamanho grande, contendo
tratégia r e K (MacArthur, 1962; Pianka, 1970-1978). reservas significativas de alimento armazenado.
Em um extremo, encontramos espécies que vivem em ambientes As categorias de estratégia r ou estratégia K, contudo, não são cla-
severos ou variáveis nos quais a mortalidade é determinada principal- ramente delineadas. A maioria dos organismos não possuem estratégias
r ou K puras, mas apresentam em sua bionomia estratégias que combi-

352 353

j
nam características tanto de estrategistas r quanto de estrategistas K.
Portanto, a teoria da estratégia r e K tem de ser aplicada com cautela no
entendimento da dinâmica e desenvolvimento da população. Tópico especial
Ainda assim, os conceitos de estratégia r e K podem ser muito úteis
DESENVOLVENDO UMA CULTURA PERENE DE GRÃOS
para entender a dinâmica de população em agroecossistemas. A maio-
ria dos organismos invasivos e daninhos, especialmente ervas adventí- Os grãos que formam a base da dieta norte-americana - trigo, mi-
cias, patógenos e insetos-praga são de estratégia r. São oportunistas, lho e lliToz - podem ser todos considerados estrategistas r. São plan-
facilmente dispersos, reprodutivamente ativos e podem rapidamente tas anuais que crescem rapidamente no ambiente perturbado de uma
encontrar, ocupar e dominar habitats na paisagem agrícola perturbada. área cultivada e usam uma grande parte de sua energia formando es-
De maneira interessante, a maioria das plantas cultivadas, das quais truturas reprodutoras. No decorrer da domesticação, os seres huma-
dependemos hoje no mundo para a produção da maior parte de nossos nos acabaram por acentuar a natureza de estratégia r dessas plantas,
alimentos básicos, também podem ser classificadas como espécies de criando variedades de grãos que são altamente produtivas mas inten-
estratégia r. A proporção maior de sua biomassa fica na parte reprodu- samente dependentes de insumos externos e da intervenção humana.
tora da planta. Isto é especialmente verdadeiro para todos os grãos anu- Os pesquisadores do Land Institute38 estão preocupados com a
ais que consumimos. Pensa-se que essas plantas cultivadas foram deri- degradação do solo que acompanha a movimentação freqüente e a
vadas, principalmente, de espécies que evoluíram em habitats abertos, aplicação de agrotóxicos e fertilizantes inorgânicos necessários à pro-
perturbados; sua capacidade, característica da estratégia r, de crescer dução anual de grãos. Eles estão trabalhando numa solução interes-
rapidamente é o que as tomou boas candidatas para a domesticação. sante para o problema: desenvolver uma cultura perene de grãos (Ei-
Uma razão pela qual as ervas adventícias de estratégia r são um senberg, 1989; Piper, 1994).
problema em sistemas de cultivo é que as próprias culturas são de es- Infelizmente, desenvolver um grão perene suficientemente pro-
tratégia r, e as condições abertas, perturbadas, sob as quais os culti vos dutivo para a agricultura não é fácil. Espécies de plantas perenes
vicejam, são as mesmas em que as ervas adventícias crescem melhor. que produzem sementes comestíveis ncas em carboidratos existem
Os sistemas de cultivas anuais ou perenes, com perturbações freqüen- na natureza; o problema é que elas são de estratégia K e dedicam
tes, estão, em um certo sentido, selecionando para os mesmos proble- uma proporção relativamente pequena de sua energia à produção de
mas que os produtores buscam constantemente deter ou eliminar atra- sementes. Por exemplo, os primos perenes naturais de nossos culti-
vés de uma gama de tecnologias. Nesta perspectiva, pode-se ver que os vos de grão anuais - as gramas silvestres de pradaria - têm rizomas
estrategistas K.podem desempenhar papéis bastante importantes nos grandes, nos quais a planta armazena reservas substanciais de ali-
agroecossistemas, enquanto espécies cultivadas. Sistemas de cultivas mentos. Os rizomas ajudam a planta a sobreviver a invernos severos
perenes concedem um prêmio à saúde e desenvolvimento da parte ve- e secas ocasionais, e também a habilitam a se reproduzir assexuada-
getativa da planta, mesmo nos casos em que a fruta é que é colhida. Menor mente. Para essas plantas, a reprodução por sementes não é uma alta
perturbação é criada no processo de cultivo e menores oportunidades prioridade.
para o desenvolvimento de ervas adventícias estrategistas r. Os pesquisadores do Land Institute estão tentando desenvolver
novas culturas de grãos que mantenham o rizoma e, ao mesmo tem-
po. produzam sementes suficientes para fazer a colheita valer a pena.
Haveria muitos benefícios ecológicos com o cultivo extensivo des-
sas plantas. O solo não teria de ser movimentado a cada estação, e

3
~ Instituto da Te,rn. (N. T.)

354
355
Tabela 13.1
· .0Sgrij11des sistemas de raízes da~ ?lanta~.~feti~aruentepi:et;~lfí~ Estratégias da bionomia baseadas
a erosão. Eas plaIJtas pewnes .senalll.mats res1s.tente~, redµz~ll~~ a. em níveis de estresse e perturbação do ambiente
neees~Jda.de de insµmos cQmo fenilizante e agrotóxico~ a~a.dà ~º·•··
· . ()spésf].Uisàdores originalmente examinaram maisde.:t..90,q~s-. Estresse alto Estresse baixo
pécíesJJ~i-ep~s.quanto ao·seu·potencial para.produzirgrãos, efoB~li-.•· Perturbação alta [Mortalidade das plantas] Ruderais (R)
zarai;íf;sµiipesquisa uos candidatos mais prorqissores. ~sses ~j1çlµ~, Perturbação baixa Tolerantes a estresse (S) Competidoras (C)
umífgtalllÍllM,Tripsacum dactyloides, .e cruzamentos etiti;e o s<!r~o
gra.,
çOlll\lllle o Sôrghum halapense. Outros c:.i.ndidatos incluetnnijo Adaptado de Grime ( 1977).

~Ms, tais como o girassol Helianthus maximiUanii eDesrrt{f~thq~


Uma vez que um ambiente caracterizado tanto por estresse alto
.illínoertsls. .. . .. · . . . . ••·· >< quanto por perturbação alta não pode sustentar o crescimento significa-
]\'lesmo se o programa de meihoratnento for bem-st,tB~~dg,f
tivo de plantas, existem três classificações úteis nesse sistema:
uso an,iplo de novas culturas dependeria de mud3.t,1ças rtas m~~~ra.~
- ruderais (R), são adaptadas a condições de perturbaçãb alta e
· de>pensar dos produtores e consumidores. Os consulllidoi-es/PféPi- ·
estresse baixo;
sarao se abrir. àposgibilídade de margarina .de Tripsacum dacffJ9f
- tolerantes a estresse (S), que vivem em ambientes de estresse
des na mesa do café da manhã, e as lavouras de grãos terãp de se.r
alto e baixa perturbação; e
redese11hadas para explorar as .vantagens da cohertura perm@e~té. ·
- competidoras (C), que vivem sob condições de estresse e per-
turbação baixas e têm boas habilidades competitivas. . .
Teoria da intensidade estresse/perturbação ' A maioria dos sistemas de cultivo apresenta condições de pertur-
bação alta por causa da colheita freqüente, mas tem estresse relativa-
Como uma alternativa à teoria da estratégia r e K, os ecologis- mente baixo porque as condições foram otimizadas através do uso de
tas desenvolveram um sistema de classificação da bionomia com três insumos agrícolas e do desenho do sistema de cultivo. As ruderais são
categorias em vez de duas. Ele é baseado na premissa de que exis- altamente favorecidas sob essas condições, em que característi'cas como
tem dois fatores básicos - estresse e perturbação - que limitam a período de vida curto, alta produção de sementes e habilidade de colo-
quantidade de biomassa que uma planta pode produzir em um dado nizar ambientes abertos levam vantagem. A maior parte das plantas que
ambiente. O estresse ocorre por condições externas que limitam a caem nessa categoria - ervas adventícias anuais, por exemplo - tam-
produção, como sombreamento, seca, deficiência de nutrientes ou bém podem ser caracterizadas como de estratégia r.
temperatura baixa. A perturbação ocorre quando há perda total ou Agroecossistemas degradados, tais como encostas erodidas de
parcial da biomassa das plantas devido a eventos naturais, como morros em ambientes úmidos, ou sistemas intensivos de grãos em áreas
pastoreio ou fogo, ou atividades humanas como ceifa ou cultivo do que sofrem estresse periódico por seca e erosão eólica, favorecem o
solo. Quando habitats são descritos usando-se ambas as dimensões crescimento de plantas tolerantes a estresse. Espécies não cultivadas,
- estresse alto ou baixo, e perturbação baixa ou alta-, define-se qua- tolerantes a essas condições, podem se tornar a característica dominan-
tro tipos. Cada um desses habitats é, então, associado com uma de- te da paisagem; exemplos são as gramíneas Imperata, nos trópicos úmi-
terminada estratégia da bionomia, como mostrado na tabela 13.1. dos do sudoeste da Ásia e a espécie Bromus tectorum nas pastagens 39
Esse esquema pode ter aplicação mais direta para ambientes agrí- da Grande Bacia do oeste dos Estados Unidos. Uma vez que as plantas
colas do que a teoria da estratégia r e K, e pode ser de uso particu-
lar no manejo de ervas adventícias. 39
"Rangelands", no original. Área de pastoreio na qual gramíneas silvestres normalmente es~
tão mescladas com arvoretas e/ou arbustos. (N. T.)

356 357
tolerantes a estresse foram selecionadas para agüentar o estresse carac- no ambiente, sua função trófica, seus limites e tolerância às condicões
terístico de ambientes altamente degradados ou alterados, elas podem ambientais, e seu relacionamento com outros organismos. O con~eito
se estabelecer e manter a dominância, embora o ambiente no qual elas de nicho ecológico estabelece urna base importante para determinar 0
ocorrem seja relativamente improdutivo. • impacto potencial que uma população pode ter sobre um ambiente e os
Muitos ecossistemas naturais, bem como sistemas perenes de cul- outros organismos que ali estão. Ele pode ser de grande valor no mane-
tivo, sustentam plantas do tipo competidoras. Essas plantas desenvol- jo de interações complexas entre populações em um agroecossistema.
veram caractetisticas que maximizam a captação de recursos sob con-
dições relativamente desprovidas de perturbação, mas não são toeran- CONCEPTUALIZAÇÕES DE NICHO
tes à remoção pesada de biomassa. A perturbação excessiva, pea co-
lheita, abriria o sistema à invasão de ruderais daninhas, enquanto o au- O conceito de nicho foi primeiramente introduzido no trabalho pi-
mento da intensidade de estresse, como o que acompanharia uma extra- oneiro de Grinnell (1924, 1928) e Elton (1927), como o lugar de um
ção exagerada de água ou nutrientes do solo, abriria o sistema àinva- animal no ambiente. Por "lugar", eles queriam dizer a distribuição má-
são por organismos tolerantes ao estresse. Quando um sistema florestal xima possível de uma espécie, controlada somente por seus limites es-
é completamente derrubado e o ecossistema do solo deixado int2cto, a truturais e instintos. Hoje, este aspecto de nicho é parte do que é deno-
recolonização por espécies pioneiras na sucessão, tolerantes a estres- minado nicho potencial. O nicho potencial pode ser contrastado com o
se, é um problema no início, mas, em geral, espécies de árvores podem nicho realizado, a área real que uma espécie é capaz de ocupar, deter-
se restabelecer e, posteriormente, recolonizar o local, excluindo-as. Mas, minada por suas interações com outros organismos no ambiente (ou seja,
se o fogo remover periodicamente a cobertura vegetativa após a derru- por seus impactos de interferência, positivos ou negativos).
bada das árvores, a intensidade da perturbação abre o sistema à inva- Ambos, nicho potencial e nicho realizado, são construídos com base
são e dominância de ruderais agressivas e de vida mais curta, que re- em uma conceptualização do nicho como tendo duas facetas - uma é o
tardam intensamente a recuperação das espécies da floresta. habitat no qual o organismo ocorre, e a outra é o que o organismo faz
Ambas as temias de estratégia r e K e da intensidade de estresse/ nesse habitat. Esta última faceta pode ser compreendida como a "pro-
perturbação apresentam oportunidades para combinar nosso entendimen- fissão" do organismo-a maneira pela qual ele "~anha a vida" no habi-
to do ambiente com o da dinâmica populacional dos organismos com os tat em que vive. A profissão de um animal, por exemplo, pode ser se
quais estamos lidando. Focalizando este conhecimento tanto nas espé- alimentar de flores, folhas ou insetos. Um microrganismo pode ser um
cies de cultivo quanto nas não agrícolas. podemos planejar nossas ati- decompositor ou um parasita. Muitos níveis de interação estão envolvi-
vidades agrícolas de uma forma mais adequada. dos na definição deste aspecto do nicho de uma espécie.
Uma contribuição importante ao conceito de nicho foi feita por Gau-
se (1934), que desenvolveu uma teoria agora conhecida como a Lei de
Nicho ecológico Gause: dois organismos não podem ocupar o mesmo nicho ecológico. Se
os nichos de dois organismos, no mesmo habitat, forem por demais simi-
O conceito de estratégia de bionomia ajuda-nos a entender como lares, e existirem recursos limitados, um organismo acaba por excluir o
uma população mantém uma função e um lugarnum ecossistema ao lon- outro através da "exclusão competitiva". A exclusão competitiva, entre-
go do tempo. Para compreender essa função e lugar precisamos de um tanto, nem sempre é a causa de duas populações com nichos similares
sistema conceituai de referência adicional. Esse é o conceito de nicho não ocorrerem juntas. Outros mecanismos podem estar em ação.
ecológico. A idéia do nicho como sendo a profissão de um organismo fre-
O nicho ecológico de um organismo é definido como seu lugar e qüentemente não é adequada. Para desenvolver uma fonna mais com-
função no ambiente. O nicho abrange a localização física do organismo plexa de entender o conceito de nicho, os ecologistas voltaram-se para

358 359
Calor, 68
B
energia, 135
Bactérias, 223 estresse, 145
Bananeiras, 284 Camada
Banco de sementes, 349 de inversão, 144
Bancos de genes, 395,404 limítrofe, 189
Banhado(s), 45, 169,182,256,540,547 Camellones, 172-174
Barreiras de plantas anuais, 203 ' Canadá, 177
Batatas, 391, 394, 404, 512 Cana-de-açúcar, 89, 293, 512
Baunilha, 126, 309 Rhopalosiphum maidis 441
Beta vulgaris, 324 Canteiros elevados, 254 '
Biodiversidade, 45, 437, 554, 556 Capacidade
perda, 539 de campo, 248
regional, 550 de carga, 73, 353
) Biogeografia de ilha, 554 de troca de cátions, 222, 224
Biologia da conservação, 539, 556 Carbono, 69, 92, 93,137,225,494
Biomassa, 65, 67-68, 90, 91, 109, 124, ciclo 70
460,489,510,513,581 fixação, 86, 87
animal, 513 fixado, 92
que pode ser colhida, 482 partição, 91-93, 124, 130-131 383
viva, 67, 487, 581 Carlquist, Sherwin, 348 '
BiÜnomia Carne, 513, 523
estratégias, 352, 357 Cascalho, 217
Biotecnologia, 390, 600 Ceiba pentandra, 492
pesquisa, 391 Celulose, 86
Boro, 72, 97, 260 Centeio, 324, 425
Brassica spp., 441 Centeio de inverno, 322
1 Brassica campestris, 470 Centro de Agroecologia e Sistemas Sus-
Brassica kaber, 324, 425 tentáveis de Alimentos, 424, 576, 577
Brócolis, 366 Centros primários de desenvolvimento
coleóptero(Phyllotreta cruciferae),
agrícola, 381-382
441 Cercas vivas, 198,440,452,532
Bromeliaceae, 308 Cevada,324,394,421
Brometo de metila, 108, 533 Chaparral, 273
Bromus tectorum, 357 Chenopodium a/bum, 320, 428, 470
Bacillus thuringiensis (Bt), 390-391 China, 254, 533-535, 589
Chinampas, 254
e Chuva /precipitação, 152, 162, 166
ácida, 167-168
Cacau, 126,152,229,284,288,302,322
ciclônica, 163
Café, 126, 128, 388, 519
convectiva, 163
Cajetes, 240
orográfica, 163-164
Calcificação, 216
padrões, 164-166
Cálcio, 96, 222

64

j
Outro papel simples para o fogo é a coleta de pinhões americanos
na época da colheita. As pinhas de diversas espécies são colhidas das
árvores antes de se abrirem e dispersarem suas sementes (chamadas
nozes). Geralmente, as pinhas são recobertas por densa resina. O fogo é
usado para aquecer pedras que são, então, postas com as pinhas, derre-
tendo a resina e abrindo-as para liberar as sementes. O fogo também
pode ser usado para aquecer um forno dentro do qual as pinhas cober-
tas de resina podem ser colocadas.

Manejo de pastagen_s cultivadas e nativas

Apesar do incêndio Jspontâneo set freqüente e um aspecto impor-


tante do ambiente, na maioria das áreas de pastagens o uso eficaz do
fogo como uma ferramenta de manejo de sistemas de pastoreio não é
realmente tão comum. Quando o fogo é usado nesses sistemas, é empre-
. gado na forma de um fogô>controladó, conhecido como queima prescri-
ta ..Uma queima prescritá em um agroecossistema de pastagem pode
desempenhar fl1;Uitas funções, como:
- queimar.ó rrbrote,não palatável das estações anteriores, que não
Figura 10.9 -Espécies do chaparral invadindo pastagens, município de Santa Bárbara, Califórnia.
é comidÔpê!Í1 maiÔrlá dos animais e que, de outra forma, competiria O fogo periódico é necessário para reprimir os arbustos e estimular a pastagem.
com espécies mais desejáveis;
- estimular o crescimento (na forma de brotação em resposta ao Todos esses efeitos potenciais do fogo podem ser importantes para
fogo, de pl;rifasperenes) durante épocas do ano quando muito pouco determinar o regime mais apropriado de manejo para usá-lo.
crescimento verde estaria, normalmente, disponível; A importância relativa de cada um dos impactos da queima varia
- destruir parasitas; como carrapatos e pulgas, que podem ser por- com o tipo e a intensidade do sistema de pastoreio, tempo desde a última
tadore& de doenças para os animais; queimada, estação do ano e estágio de desenvolvimento das plantas co-
- éo11trolar a propagação de plantas indesejáveis na pastagem cul- mestíveis. Em campos limpos, por exemplo, há pouca tendência de espé-
tivada ou riàfiva; cies lenhosas invadirem; portanto, o fogo é empregado para remover o
- °'remover o perigo de incêndio dos resíduos velhos de pastagem acúmulo de crescimento não comestível. Em regiões de savana, ou áreas
ou forragem acumulados; onde a sucessão natural favoreceria vegetação arbustiva ou arbórea, a
- estabelecer barreiras contra fogo, como um sistema de proteção queimada é de importância muito maior para suprimir algumas plantas
contra incêndios espontâneos; enquanto estabelece ou mantêm os componentes da pastagem.
-preparar um leito de sementes para a semeadura natural ou artifi- Quando o fogo é impedido em uma área de pastoreio que normal-
cial de espécies desejáveis; mente queima com alguma regularidade, as gramas perdem sua domi-
- estimular algumas plantas a produzir sementes_; nância e podem ser substituídas por espécies de arbustos ou árvores
- encorajar o crescimento de leguminosas nativas para forragem e não comestíveis ou pouco consumidas. Por exemplo, a área de pasta-
melhoria do solo; e gens nativas da Grande Bacia do oeste dos Estados Unidos converte-se
- promover a ciclagem e absorção mais rápidas de nutrientes. em área com arbustos de Artemesia tridenta/a na falta de fogo, especi-

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