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UNIVERSIDADE EDUARDO MONDLANE

FACULDADE DE CIÊNCIAS
DEPARTAMENTO DE GEOLOGIA

APONTAMENTOS DA DISCIPLINA DE

GEOLOGIA DOS CARVÕES


Para o novo curriculum da Licenciatura em Geologia

em vigor desde 2004.

por

Lopo Vasconcelos

Professor Associado

Maputo, 2005
ÍNDICE
1. INTRODUÇÃO: BREVE RESENHA HISTÓRICA ..................................................................................... 1
1.1. Generalidades ................................................................................................................................... 1
1.2. Historial .............................................................................................................................................. 2
BIBLIOGRAFIA .............................................................................................................................................. 8
Referências bibliográficas citadas no texto ................................................................................................ 9
2. BASE GEOLÓGICA PARA A FORMAÇÃO DO CARVÃO .................................................................... 10
2.1. Origem dos Pântanos Turfeiros ....................................................................................................... 10
2.1.1. Desenvolvimento Evolucionário da Flora ................................................................................ 10
2.1.2. Clima ........................................................................................................................................ 12
2.1.3. Requisitos Paleogeográficos e Tectónicos .............................................................................. 13
2.1.3.1. Paleogeografia ................................................................................................................. 13
2.1.3.2. Geologia Estrutural e Tectónica ...................................................................................... 16
2.2. Crescimento da Turfa, Compressão e Tempo de Formação do Carvão ........................................ 17
2.3. Desenvolvimento de Fácies Carboníferos ....................................................................................... 18
2.3.1. Tipos de Deposição ........................................................................................................................ 18
2.3.2. Comunidades Vegetais .................................................................................................................. 19
2.3.3. Meios de Deposição ....................................................................................................................... 20
2.3.4. Fornecimento de Nutrientes ........................................................................................................... 21
2.3.5. Valor pH, Actividade Bacteriana, Enxofre ...................................................................................... 22
2.3.6. Temperatura da Turfa .................................................................................................................... 23
2.3.7. Potencial Redox ............................................................................................................................. 24
2.4. Diagénese da Turfa e Incarbonização ............................................................................................. 25
2.4.1. Diagénese da Turfa ou Turbificação .............................................................................................. 25
2.4.2. Incarbonização ............................................................................................................................... 26
2.4.2.1. O Processo de Incarbonização ........................................................................................ 26
2.4.2.2. Causas da Incarbonização .............................................................................................. 31
2.4.2.3. Incarbonização e Betuminização ..................................................................................... 34
2.4.2.4. Incarbonização e Diagénese de Rochas Minerogénicas ................................................ 37
GLOSSÁRIO ................................................................................................................................................ 39
BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................................................ 40
Referências bibliográficas citadas no texto .............................................................................................. 41
3. O CARVÃO COMO SUBSTÂNCIA ......................................................................................................... 43
3.1. Os constituintes do carvão: Macerais, Minerais, Microlitótipos e Litótipos ..................................... 43
3.1.1. MACERAIS .............................................................................................................................. 43
3.1.1.1. HUMINITE/VITRINITE ..................................................................................................... 47
3.1.1.1.1. Telohuminite ...................................................................................................................... 53
3.1.1.1.1.1 Textinite ....................................................................................................................... 53
3.1.1.1.1.2. Ulminite ....................................................................................................................... 54
3.1.1.1.2. Detrohuminite .................................................................................................................... 55

i
3.1.1.1.2.1. Atrinite ........................................................................................................................ 56
3.1.1.1.2.2. Densinite ..................................................................................................................... 56
3.1.1.1.3. Gelohuminite ..................................................................................................................... 57
3.1.1.1.3.1. Corpohuminite ............................................................................................................ 57
3.1.1.1.3.2. Gelinite ....................................................................................................................... 57
3.1.1.1.4. Telovitrinite ........................................................................................................................ 59
3.1.1.1.4.1. Telinite ........................................................................................................................ 59
3.1.1.1.4.2. Colotelinite .................................................................................................................. 60
3.1.1.1.5. Detrovitrinite ...................................................................................................................... 60
3.1.1.1.5.1. Vitrodetrinite ............................................................................................................... 61
3.1.1.1.5.2. Colodetrinite ............................................................................................................... 61
3.1.1.1.6. Gelovitrinite ....................................................................................................................... 61
3.1.1.1.6.1. Corpogelinite .............................................................................................................. 62
3.1.1.1.6.2. Gelinite ....................................................................................................................... 62
3.1.1.2. LIPTINITE ........................................................................................................................ 63
3.1.1.2.1. Esporinite .......................................................................................................................... 64
3.1.1.2.2. Cutinite .............................................................................................................................. 65
3.1.1.2.3. Resinite ............................................................................................................................. 66
3.1.1.2.4. Alginite............................................................................................................................... 67
3.1.1.2.5. Suberinite .......................................................................................................................... 68
3.1.1.2.6. Exsudatinite ....................................................................................................................... 68
3.1.1.2.7. Betuminite ......................................................................................................................... 68
3.1.1.2.8. Clorofilinite ........................................................................................................................ 69
3.1.1.2.9. Fluorinite............................................................................................................................ 69
3.1.1.2.10. Liptodetrinite .................................................................................................................... 69
3.1.1.3. INERTINITE ..................................................................................................................... 70
3.1.1.3.1. Fusinite .............................................................................................................................. 70
3.1.1.3.2. Semifusinite ....................................................................................................................... 72
3.1.1.3.3. Funginite ........................................................................................................................... 72
3.1.1.3.4. Secretinite ......................................................................................................................... 73
3.1.1.3.5. Macrinite ............................................................................................................................ 73
3.1.1.3.6. Micrinite ............................................................................................................................. 74
3.1.1.3.7. Inertodetrinite .................................................................................................................... 75
3.1.1.3.8. Pirolitinite ou Carbono Pirolítico ........................................................................................ 75
3.1.2. MINERAIS................................................................................................................................ 76
3.1.2.1. Minerais de Argila ............................................................................................................ 77
3.1.2.2. Carbonatos ...................................................................................................................... 78
3.1.2.3. Sulfuretos ......................................................................................................................... 78
3.1.2.4. Óxidos e Hidróxidos ......................................................................................................... 79
3.1.2.5. Quartzo ............................................................................................................................ 79
3.1.2.6. Fosfatos ........................................................................................................................... 80
3.1.2.7. Outros Minerais................................................................................................................ 80
3.1.2.8. Influência da Matéria Mineral no Ambiente e Processos Tecnológicos .......................... 81
3.1.3. MICROLITÓTIPOS .................................................................................................................. 81
3.1.3.1. O Conceito de Microlitótipo .............................................................................................. 81
3.1.3.2. Monomacerites ................................................................................................................ 83
3.1.3.2.1. Vitrite ................................................................................................................................. 83
3.1.3.2.2. Liptite ................................................................................................................................. 84
3.1.3.2.3. Inertite ............................................................................................................................... 84
3.1.3.3. Bimacerites ...................................................................................................................... 85
3.1.3.3.1. Clarite ................................................................................................................................ 85
3.1.3.3.2. Durite ................................................................................................................................. 86
3.1.3.3.3. Vitrinertite .......................................................................................................................... 86
3.1.3.4. Trimacerites ..................................................................................................................... 87
3.1.4. CARBOMINERITES E MINERITES ........................................................................................ 88
3.1.5. LITÓTIPOS .............................................................................................................................. 90
3.1.5.1. Carvões Húmicos............................................................................................................. 90
3.1.5.1.1. Vitrino ................................................................................................................................ 90
3.1.5.1.2. Clarino ............................................................................................................................... 90
3.1.5.1.3. Durino ................................................................................................................................ 91
3.1.5.1.4. Fusino................................................................................................................................ 91
3.1.5.2. Carvões Sapropélicos ...................................................................................................... 91
3.1.5.3. Intercalações Rochosas .................................................................................................. 92
3.2. Diagramas Triangulares e Diagramas de Fácies .............................................................................. 92
3.2.1. Diagramas triangulares ............................................................................................................ 92
3.2.2. Diagramas de Fácies – Índices Petrográficos ......................................................................... 94
3.2.2.1. Índice de Gelificação (IG) e Indice de Preservação de Tecidos (IPT) .................................... 94
3.2.2.2. Razão Vitrinite/Inertinite (V/I) ........................................................................................... 96
3.2.2.1. Diagramas triangulares W-D-R e T-D-F .......................................................................... 96
3.3. Descrição Macroscópica do Carvão ................................................................................................. 97
3.4. Carvões Gondwânicos e Diferenças em Relação aos Norte-Atlânticos............................................... 98
3.4.1. Introdução ................................................................................................................................ 98
3.4.2. Condições de Deposição ......................................................................................................... 99
3.4.3. Características Macroscópicas .............................................................................................. 100
3.4.4. Micropetrografia ..................................................................................................................... 100
3.5. Propriedades do carvão .................................................................................................................. 101
3.5.1. Análises Químicas ................................................................................................................. 101
3.5.1.1. Bases de dados analíticos ............................................................................................. 102
3.5.1.1. Análises Imediatas ......................................................................................................... 103
3.5.1.2. Análises Elementares .................................................................................................... 105
3.5.1.3. Outras Análises.............................................................................................................. 105
3.5.2. Propriedades de Combustão........................................................................................................ 106
3.5.2.1. Poder Calorífico ............................................................................................................. 106
3.5.2.2. Temperatura de Fusão das Cinzas ............................................................................... 107
3.5.2.3. Testes de Cozedura....................................................................................................... 108
3.5.2.4. Testes de Coquefacção ................................................................................................. 109
3.5.3. Propriedades Físicas .................................................................................................................... 109
3.5.3.1. Ensaios Granulométricos ............................................................................................... 110
3.5.3.2. Ensaios de Lavabilidade ................................................................................................ 111
3.6. Classificação dos Carvões .............................................................................................................. 112
3.6.1. Introdução..................................................................................................................................... 112
3.6.2. Sistemas de Classificação ........................................................................................................... 114
3.6.3. Sistemas de Codificação .............................................................................................................. 114
BIBLIOGRAFIA .......................................................................................................................................... 121
Referências bibliográficas citadas no texto ............................................................................................ 122
4. A BACIA CARBONÍFERA DE MOATIZE.............................................................................................. 124
4.1. INTRODUCÇÃO ................................................................................................................................. 124
4.2. GEOLOGIA ......................................................................................................................................... 124
4.2.1. Precâmbrico ................................................................................................................................. 125
4.2.2. Supergrupo do Karoo ................................................................................................................... 126
4.2.2.1. Karoo Indiferenciado (Ri) ............................................................................................... 127
4.2.2.2. Grupo do Ecca (Re) ....................................................................................................... 127
4.2.2.2.1. Série Tilítica (Termo de Base) ........................................................................................ 127
4.2.2.2.2. Série Produtiva (Termo Intermédio) ................................................................................ 127
4.2.2.2.3. Série de Matinde (Termo de Topo) ................................................................................. 129
4.2.2.3. Grupo de Beaufort (Rb) ................................................................................................. 129
4.2.2.4. Karoo Superior ............................................................................................................... 129
4.2.3. FORMAÇÕES MESOZÓICAS ............................................................................................... 130
4.2.4. FORMAÇÕES CENOZÓICAS ............................................................................................... 130
4.3. TECTÓNICA ....................................................................................................................................... 130
4.4. APLICAÇÃO DA PETROGRAFIA DO CARVÃO AOS CARVÕES DE MOATIZE - FORMAÇÃO . 131
4.4.1. INDICES PETROGRÁFICOS ....................................................................................................... 131
4.4.2. grau de incarbonização ................................................................................................................ 132
4.5. CARACTERÍSTICAS DOS CARVÕES DE MOATIZE ........................................................................ 132
4.5.1. HUMIDADE .................................................................................................................................. 133
4.5.2. CINZAS ........................................................................................................................................ 133
4.5.3. VOLÁTEIS .................................................................................................................................... 133
4.5.4. PODER CALORÍFICO .................................................................................................................. 133
4.5.5. ENXOFRE TOTAL ....................................................................................................................... 133
BIBLIOGRAFIA .......................................................................................................................................... 133
1. INTRODUÇÃO: BREVE RESENHA HISTÓRICA

1.1. Generalidades
Quando se se refere ao conceito de CARVÃO, algumas questões se põem, a principal das quais é: será o
carvão uma rocha?

Quando se olha para a definição de rocha (Fig. 1.1) - qualquer material


natural consolidado ou não, composto por dois ou mais minerais, ou
ocasionalmente um mineral, com uma certa constância na sua
composição química e mineralógica (Gary et al, 1973) - poderá dizer-
se que o carvão não é uma rocha, uma vez que ele é constituído por
matéria orgânica que, por definição, não pode ser considerada mineral.
Assim, um carvão não pode ser incluído na categoria de rocha.

O carvão resulta da acumulação


Fig. 1.1. Amostra de Rocha - Arenito
gradual e progressiva de matéria bandado.

orgânica em regiões de água estagnada (pântanos), matéria orgânica essa


que vai sofrendo afundimento e soterramento, sendo progressivamente
sujeita aos agentes da diagénese: pressão e temperatura. Essa acção vai
transformando a matéria orgânica física e quimicamente para dar origem aos
vários tipos de carvão, classificados em função do grau de transformação
atingido (como a antracite da Fig. 1.2).
Fig. 1.2. Amostra de Carvão
Antracítico.
Durante este processo de acumulação de matéria orgânica, os processos
naturais da Geodinâmica Externa e Interna vão introduzindo matéria inorgânica (mineral) nos pântanos,
havendo por isso sempre mistura de matéria mineral com matéria orgânica.

Uma vez que o carvão resulta de materiais e processos geológicos naturais e tem matéria mineral misturada,
ele é considerado como rocha. Assim, a definição adoptada pelo ICCP1 (1963) para carvão é:

O Carvão é rocha sedimentar combustível formada a partir de restos vegetais em vários estágios de
preservação por processos que envolvem a compacção do material soterrado em bacias, inicialmente
em profundidades moderadas.

Evidentemente que as técnicas modernas de investigação e análise de carvões evoluiram imenso desde 1963
e por isso o ICCP, em conjunto com outros organismos internacionais, está a estudar uma definição mais actual
e cientificamente correcta para o conceito de carvão.

Uma vez que o carvão tem origem em matéria orgânica (fundamentalmente vegetal, com maior ou menor
quantidade de matéria orgânica animal e matéria mineral à mistura), os seus constituintes são completamente
diferentes dos minerais. Esses constituintes, que levam o nome de macerais, são de vários tipos consoante o
órgão/tecido/composto vegetal de que são originários e do tipo de transformação que sofreram: lenhina, celulose,
resinas, cutículas, esporos, pólens, algas, fungos, etc.

1
ICCP – International Committee for Coal and Organic Petrology (www.iccop.org).

1
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

O termo maceral, introduzido por Stopes (1935), vem do Latim “macerare” (em português “macerar” – amolecer
embebendo num líquido), uma vez que seja qual for a natureza original dos constituintes do carvão, eles
consistem de fragmentos macerados2 de vegetação, acumulados dentro de água (Scott, 2002)

O estudo destes macerais é feito ao microscópio petrográfico de luz reflectida, e os métodos modernos
aplicam a luz azul e/ou ultravioleta para a observação de certos macerais, ou de certas propriedades de
macerais, que variam não só com o tipo de maceral, mas também com o grau de evolução da matéria
orgânica. Em capítulo próprio veremos em detalhe os macerais e os métodos de análise dos carvões.

O estudo da geologia do carvão baseia-se em grande parte no estudo da sua Petrografia. Como o nome
sugere, a Petrografia do Carvão é o estudo dos componentes orgânicos e inorgânicos do carvão, da sua
origem e da história geológica subsequente, e das suas propriedades (Bustin et al., 1983).

Como atrás se disse, o estudo do carvão faz-se recorrendo ao uso de métodos microscópios, entre outros. A
microscopia tem-se revelado uma ferramenta poderosa na solução de vários problemas, desde a interpretação de
fácies de deposição, de aspectos de tectónica, de história geotérmica e ainda na utilização do carvão em várias
aplicações tecnológicas como a siderurgia, centrais térmicas, hidrogenação, liquidificação, gasificação, etc.

1.2. Historial
A origem da Petrologia do Carvão está muitas vezes associada a dois nomes e
às datas de duas publicações importantes:
 Marie Stopes, 1919. On the four visible ingredients in banded bituminous
coals. Proceedings of the Royal Society, B, vol. 90: 497-508.
 Reinhardt Thiessen, 1920. Structure in Palaeozoic bituminous coals. US
Bureau of Mines Bulletin 117, 296 pp.
Fig. 1.3. Marie Stopes em
Stopes (Fig. 1.3) era inglesa e Thiessen (Fig. 1.4) americano, mas ambos 1913. Foto em ICCP News,
Nº 32, 2004
paleobotânicos. Contudo, dois outros cientistas alemães, contemporâneos dos
anteriores também devem ser considerados percursores da petrologia do carvão,
pois as suas ideias muito contribuíram para esta ciência: H. Potonié (1920) e R.
Potonié (1924) (Fig. 1.5):
 H. Potonié, 1920. Die Entstehung der Steinkhole und der Kaustobiolithe (A
formação do carvão e dos caustobiolitos). 6. Aufl., Borntraeger, Berlin, 233 pp.

 R. Potonié, 1924. Einführung in die allgemeine Kohlen-petrographie


Fig. 1.4. Medalha Thiessen do
(Introdução à petrografia geral do carvão). Borntraeger, 285 pp. ICCP com a cara do cientista

2
Macerar – (1) Esmagar uma substância sólida para lhe extrair o suco. (2) Amolecer com a acção de um líquido ou por meio de pancadas.
(3) Causar alteração em algo; machucar ou danificar.

2
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

Os trabalhos de Stopes e Thiessen foram importantes pois as suas ideias


sobre classificação e terminologia dos macerais perduraram até tempos
relativamente recentes. Ambos usaram o microscópio para o estudo dos
carvões (lâminas delgadas), apesar de Stopes usar muito os métodos
macroscópicos de observação e Thiessen se fiar mais nos métodos
microscópicos. Posteriormente, Stopes fez alguns estudos já em superfície
polida. As ideias de Thiessen sobre classificação do carvão constituiram a
base para o Sistema do US Bureau of Mines (Parks & O’Donnell, 1956).

O Sistema (de classificação de macerais) de Stopes (mais tarde Stopes-


Herleen) foi adaptado a estudos em luz reflectida, tendo sido assim
Fig. 1.5. R. Potonié com sua esposa
modificado e tornado mais abrangente, e constitui hoje o método de
descrição petrográfica do carvão aceite por todos os países.

Antes de Stopes e Thiessen, as investigações em petrologia do carvão eram levadas a cabo de modo
esporádico e isolado por cientistas da Inglaterra, França, Alemanha e EUA. Um dos resultados mais
importantes destes trabalhos pioneiros foi a confirmação da origem do carvão em plantas terrestres.

Outro resultado de importância mais limitada foi a distinção entre carvões cannel e boghead, em que a
microscopia mostrou que os primeiros têm origem em esporos e os segundos têm origem em algas.

Este facto foi importante no meio do século XIX para resolver a contenda que existia em Inglaterra sobre se
o ‘mineral’ torbanite3 deveria ser considerado carvão ou mineral (senso restrito).

Os anos de 1919-1920 marcam um ponto de viragem na petrologia do carvão. A partir daí as investigações
tornaram-se mais sistemáticas, mais pessoas se envolveram nelas, e apareceu um grupo de especialistas
cujo interesse principal era a petrologia do carvão, e não a paleobotânica e a mineralogia, com o carvão como
assunto secundário.

Na década de 1920 passou a utilizar-se a microscopia de luz reflectida à petrologia do carvão, sendo de
mencionar o trabalho pioneiro do alemão E. Stach (1927) (ver foto da Fig. 1.9).

No fim dos anos 20-início dos anos 30, vários cientistas juntaram-se a Stopes, Thiessen e
Stach nas pesquisas sobre a composição do carvão por métodos petrográficos: Duparque
(França), Seyler (Inglaterra) e Jurasky e Hoffmann (Alemanha). Uma boa revisão dos
trabalhos conduzidos por autores ingleses foi feita por Murchison (1978) (Fig. 1.6).
Fig. 1.6. Duncan
Em 1935 Stach (Fig. 1.8, 1ª fila, 3º da direita) publicou a primeira edição do seu livro em Murchison.

petrologia do carvão o qual, 40 anos depois foi actualizado (Stach et al, 1975) e mais tarde revisto (Stach et al,
1982). Este livro (Fig. 1.7) deve ser olhado como o livro de referência mais importante em petrologia do carvão.

Quase todos os primeiros estudos se concentraram no que poderia ser descrito como a caracterização do
carvão por métodos petrológicos. Tais estudos visavam:

 Identificar e classificar os componentes macroscópicos e microscópicos do carvão;

3
Torbanite – também conhecido como carvão de algas, é uma variedade de xisto betuminoso preto de grão fino. Usualmente ocorre
como massas lenticulares, às vezes associada com depósitos de carvão do período Pérmico. A torbanite é classificada como um tipo
de xisto betuminoso de planície lacustre (www1).

3
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

 Identificar a sua origem em órgãos vegetais e produtos vegetais;

 Especular sobre os processos que os transformaram em carvão.

Por volta de meados da década de 30, uma grande quantidade de informação tinha sido conseguida, e devido
às diferentes abordagens dos vários cientistas e às diferentes ideias sobre classificação, a confusão instalou-
se no que toca a conceitos e terminologias.

Para resolver alguns destes problemas foi organizada uma reunião em Herleen (Holanda) em 1935, com a
presença de Marie Stopes (Fig. 1.9). Um resultado importante deste encontro foi a criação do Sistema (de
nomenclatura) Stopes-Herleen, que constitui a base do esquema actual de terminologia petrográfica (do
carvão). Um outro resultado importante foi a introdução, por Stopes, do conceito e termo maceral para
designar os constituintes microscópicos fundamentais do carvão, análogos aos minerais das rochas
inorgânicas. Este conceito de maceral é válido ainda hoje e constitui parte essencial da nomenclatura da
petrologia do carvão. No encontro de Herleen foram ainda identificados os três grupos de macerais hoje em
uso – vitrinite, liptinite4, inertinite. A Fig. 1.8 mostra 3 microfotografias de macerais destes três grupos. O
encontro de Herleen foi um marco na história da petrologia do carvão, mas deixou uma série de problemas
por resolver. Um deles tem a ver com as alterações na natureza dos macerais com as alterações no grau de
incarbonização do carvão (grau de metamorfismo), e como essas alterações podiam ser reconciliadas com a
nomenclatura petrográfica. Em 1958, Spackman re-examinou o conceito de maceral e propôs revisões a
serem mais tarde aceites.

Vitrinite Liptinite Inertinite


Fig. 1.8. Microfotografias mostrando macerais dos três grupos.

A década de 30 viu a introdução da nova técnica que se tornou parte essencial da petrologia do carvão,
nomeadamente a medição do poder reflector e o seu uso como indicador do grau de incarbonização.
Hoffmann & Jenkner (1932) na Alemanha foram os primeiros a explorar esta ferramente petrológica
importante.

Ainda na mesma década, vários cientistas começaram a explorar as relações entre a composição petrográfica
e o comportamento tecnológico do carvão. Havia-se notado que os carvões ricos em vitrinite e liptinite tinham
um comportamento completamente diferente dos ricos em inertinite no tocante à fluidez5, gasificação6 e extracção7.
Vários trabalhos passaram a reportar a composição petrográfica dos carvões estudados.

4
Inicialmente o termo usado era exinite. A razão da mudança será explicada em capítulo próprio.
5
Fluidez – quando o carvão é aquecido a uma determinada temperatura, e sob determinadas condições, ele amolece e flui.
6
Gasificação – processo de produção de syngas – mistura de metano, monóxido de carbono, hidrogénio, dióxido de carbono e vapor de
água a partir do carvão e água, ae e/ou oxigénio (www2).
7
Extração de produtos químicos orgânicos do carvão por processos industriais.

4
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

Contudo, só nos fins da década de 40-início de 50 as possibilidades de aplicação da petrologia do carvão à


indústria passaram a ser investigadas seriamente em laboratórios de renome, como o Bergbau-Forschung
(Alemanha), CERCHAR (França), Illinois Geological Survey (EUA), Pennstate University (EUA) e vários na
então URSS.

Um marco importante na história dos anos 50 foi a criação, na


reunião de Geleen, do ICCP – International Committee for Coal
Petrology (Fig. 1.9) com o objectivo de desenvolver a ciênca pela
padronização de metodologia e terminologia. Este Comité
estabeleceu a prática de se encontrar todos os anos, e um dos
principais resultados dos seus esforços foi a publicação (ICCP,
1957) do Manual de termos, reeditado em 1963 e acrescido de
suplementos em 1971, 1973 e 1993 os quais têm não só
descrições de novos termos, em especial no que toca a lignites,
mas também descrições precisas de técnicas petrográficas. Está
em curso a edição duma versão actualizada deste Manual.
Actualmente o ICCP chama-se International Committee for
Coal and Organic Petrology, mas manteve a sigla inicial. O
ICCP está organizado em Comissões e estas em Grupos de
Fig. 1.9. O primeiro encontro formal do ICCP em
Geleen (Holanda) em 1953. Foto em ICCP News, Trabalho, que levam a cabo estudos colaborativos para teste de
32, 2004.
novas metodologias e para investigar novas áreas, cujos
resultados são reportados nas reuniões anuais. A título de curiosidade, há a referir que Moçambique, em
conjunto com a África do Sul, foi hospedeiro da 54ª Reunião Anual, a primeira que se realizou em África e
envolvendo dois países na organização (Fig. 1.10).

A Tabela 1.1 abaixo mostra as actuais Comissões e Grupo de Trabalho do ICCP, os quais variam com o tempo,
desaparecendo uns e aparecendo
outros, consoante a dinâmica dos
trabalhos e a evolução da ciência e da
tecnologia. A Tabela 1.2 mostra os anos
e os locais em que se realizaram as
reuniões do ICCP e as que se vão
realizar até 2015. Sendo inicialmente
uma organização que tradicionalmente
Fig. 1.10. Foto de grupo dos participantes à 54ª Reunião Anual do ICCP em Maputo.
se reunia na Europa, a primeira vez que
se reuniu fora deste continente foi em 1979, nos EUA. Em 50 anos de história, o ICCP só se reuniu 9 vezes fora
da Europa, das quais só uma em África. A próxima vez será de novo em Moçambique, em 2015, na cidade de
Maputo, dado o desenvolvimento do país nos campos da geologia e mineração do carvão.

Desde os anos 60 tem vindo a aumentar o número de pessoas que se dedicam à petrologia do carvão ou ao
seu uso nas suas pesquisas. A petrologia do carvão é hoje uma disciplina multifacetada, incluindo estudos de
petrologia da turfa (percursor do carvão) e das causas da incarbonização (fundamental para o estudo das
propriedades físicas e químicas dos macerais). Inclui ainda estudos de petrologia da sedimentologia das

5
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

camadas de carvão, do material de origem dos hidrocarbonetos (kerogénio 8), de meteorização e oxidação, e
de aplicações técnicas, como a coquefacção9, a liquefacção10, a combustão, etc.

No continente americano foi criada uma sociedade semelhante ao ICCP - The Society for Organic Petrology
– TSOP, e recentemente o ICCP e a TSOP decidiram trabalhar em conjunto, havendo representantes de um
nas reuniões anuais do outro. Há ainda a referir a organização congénere do Canadá – CSCOP (Canadian
Society for Coal and Organic Petrology). A Fig. 1.11 mostra os logotipos das três organizações e os
respectivos endereços da Internet.

Tabela 1.1. Comissões e Grupos de Trabalho do ICCP

 Comissão I: Petrologia Geral Orgânica e do Carvão


1. Actividades de Treino do ICCP 13. Iluminação em Luz Branca
2. Banco de Dados de Imagens de Petrografia 14. Liptinite
3. Certificação de Padrões de Reflectividade 15. Micro-FTIR WG
4. Coordenação da Edição do Handbook (Grupo Editorial) 16. Padronização
5. Degradinite 17. Petrografia da Tura
6. Espectroscopia Raman 18. Programa de Acreditação
7. Grupo Editorial - Características Distintivas 19. Reflectividade e Terminologia de Zooclastos em
8. Grupo Editorial – Carbono Pirolítico sedimentos antigos
9. Grupo Editorial - Litótipos de Carvões betuminosos 20. Revisão de Novos Métodos e Técnicas em Petrologia
10. Grupo Editorial - Novos Métodos e Técnicas em Orgância
Petrologia Orgânica 21. Suberinite
11. Grupo Editorial – Oxidação 22. Técnicas de Preparação de Amostras
12. Grupo Editorial - QEMSCAN11 23. Variação Temporal dos Carvões

 Comissão II: Aplicações Geológicas da Petrologia Orgânica e do Carvão


1. Índices Térmicos 6. Qualificação de Vitrinite para Análise de Reflectividade de
2. Aplicações Ambientais da Petrologia Orgânica MOD (terminado)
3. Classificação da Matéria Orgânica Dispersa ICCP- 7. Metano na Camada e Sequestração de CO2
TSOP 8. Matéria Orgânica Dispersa em Rochas Sedimentares:
4. Identificação da Matéria Orgânica Dispersa Classificação, identificação e maturidade térmica
5. Identificação de Vitrinite Primária 9. Concentração de Matéria Orgânica
10. Reavaliacão de Actividades passadas da Comissão II

 Comissão III: Aplicações da Petrologia do Carvão à Indústria


1. Petrografia do Coque 6. Nova Abordagem ao Estudo do Sistema de Fracturas do
2. Combustão Carvão por Análise de Imagem
3. Misturas de Carvões 7. Ordem Estrutural
4. Automação 8. Identificação e Classificação Petrográfica dos Components
5. Inertinite em Combustão de Cinzas Volantes
9. Programa de Acreditação de Misturas de Carvão

http://www.iccop.org/ http://www.tsop.org/ http://www.cscop.org


Fig. 1.11. Os logotipos do ICCP, do TSOP e CSCOP.

8
Kerogénio – mistura de compostos orgânicos que compõem a parte de material orgânica presente nas rochas sedimentares, sendo
insolúvel em solvents orgânicos devido ao seu alto peso molecular (www3).
9
Coquefacção – produção de coque.
10
Liquefacção – produção de combustíveis líquidos a partir do carvão.
11
QEMSCAN - Quantitative Evaluation of Minerals by SCANning electron microscopy (www4).

6
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
Tabela 1.2. Reuniões Anuais do ICCP desde a sua fundação em 1953

1950 Geleen, Holanda 1976 Newcastle-upon-Tyne, R. Unido 2001 Copenhaga, Dinamarca

1951 Paris, França 1977 Liège-Wegimont,


Bélgica
1952 Essen, Alemanha
1978 Essen, Alemanha
1953 Liège, Bélgica
1979 Urbana, EUA
1954 Londres, Reino Unido
1980 Ostrava,
1955 Madrid, Espanha
Checoslováquia
1956 Essen, Alemanha
1981 Pau, França
1957 Paris, França
1982 Porto, Portugal
Fig. 1.12. Microscópio Leica com o Sistema FOSSIL de
1958 Liège, Bélgica Carl Hilgers instalado (www5).
1983 Oviedo, Espanha
1959 Heerlen, Holanda
1984 Calgary, Canadá 2002 Maputo - Pretoria, Moçambique –
1960 Madrid, Espanha RSA
1985 Dubrovnik, Jugoslávia
1961 Krefeld, Alemanha 2003 Utrecht, Holanda
1986 Doncaster, Reino Unido
1962 Liège, Bélgica 2004 Budapeste, Hungria
1987 Beijing, China
1963 Paris, França 2005 Patras, Grécia
1988 Aachen, Alemanha
1964 Hoensbruck, Holanda 2006 Bandung, Indonésia
1990 Wollongong, Austrália
1965 Budapeste, Hungria 2007 Victoria, Canadá
1991 Porto Alegre, Brasil
1966 Madrid, Espanha 2008 Oviedo, Espanha
1992 Pennsylvania, EUA
1967 Sheffield, Reino Unido 2009 Porto Alegre, Brasil
1993 Chania, Creta, Grécia
1968 Essen, Alemanha 2010 Belgrado, Sérvia
1994 Oviedo, Espanha
1969 Varna, Bulgária 2011 Porto, Portugal
1995 Krakow, Polónia
1970 Liège, Bélgica 2012 Beijing, China
1996 Heerlen, Holanda
1971 Krefeld, Alemanha 2013 Sosnowiek, Polónia
1997 Wellington, Nova Zelândia
1972 Belgrado, Jugoslávia 2014 Kolkata, India
1998 Porto, Portugal
1973 Lille-Paris, França
1999 Bucareste, Roménia
1974 Ustron-Jaszowiec, Polónia Reuniões futuras
2000 Rio de Janeiro, Brasil
1975 Moscovo, URSS 2016 Potsdam, Alemanha

Durante as décadas de 70 e 80 aparecem em cena duas novas técnicas:

 Microscopia automatizada;
 Fluorescência aplicada à identificação de certos macerais.

A microscopia automatizada apresenta atractivos, pois não só evita o trabalho enfadonho e demorado de
colheita manual de informações/dados, como também permite que essa colheita de dados seja mais rápida e
objectiva. Estas características – rapidez e objectividade – são especialmente atrativas para os laboratórios
industriais que geralmente necessitam rápidamente de dados referentes a grande número de amostras.

7
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

A microscopia de fluorescência baseia-se no facto de que certos constituintes do carvão fluorescem quando
irradiados com luz UV ou azul. A técnica foi aplicada em 1936 por Schochardt, mas só nos anos 70 os
equipamentos e metodologia evoluíram suficientemente para tornar a técnica fiável em petrologia do carvão.
A fluorescência permite, por um lado, a identificação dos componente ricos em hidrogénio (liptinites), e por
outro constitui um método para estudos de incarbonização, uma vez que as propriedades fluorescentes dos
macerais variam com o grau. A Fig. 1.7 mostra uma imagem duma liptinite apresentando fluorescência.

A evolução e o desenvolvimento tecnológicos levam a que se construam equipamentos de análise cada vez
mais aperfeiçoados, que permitem resultados cada vez mais exactos e fiáveis, e isto associado a softwares
acoplados aos equipamentos que permitem maior exactidão, fiabilidade e rapidez de análises. Em termos
microscópicos, por exemplo, a empresa Carl Hilgers - Technisches Büro (Alemanha) desenvolve sistemas
informáticos para microscopia petrográfica do carvão (www5). A Fig. 1.12 mostra um microscópio Leica com
o software FOSSIL acoplado, destinado a medições de reflectividade e de análise de macerais.

BIBLIOGRAFIA
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www2. http://en.wikipedia.org/wiki/Coal_gasification

www3. http://en.wikipedia.org/wiki/Kerogen

www4. http://en.wikipedia.org/wiki/QEMSCAN

www5. Carl Hilgers - Technisches Büro. http://www.hilgers.com/index.html

8
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

Referências bibliográficas citadas no texto


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reconhecimento em microfotografia). Bergbau, 7: 89-94.

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Stach, E., 1935. Lehrbuch der Kohlenpetrographie (Manual da Petrografia do Carvão). Ed. Borntraeger, Berlin, 293 pp.

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Tete, República de Moçambique. Tese de Doutoramento. Texto (Volume I), Tabelas, Figuras, Estampas (Volume II).
Faculdade de Ciências, Universidade do Porto, Porto, Portugal.

9
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

2. BASE GEOLÓGICA PARA A FORMAÇÃO DO CARVÃO


No final deste capítulo encontrará um pequeno glossário que o ajudará a perceber alguns termos em inglês
apresentados neste texto, e para os quais não há equivalente em português.

2.1. Origem dos Pântanos Turfeiros


Em geral, as camadas de carvão têm origem em turfa depositada em pântanos. A formação de um pântano
turfeiro está crucialmente dependente dos seguintes factores:

a) desenvolvimento evolucionário da flora;

b) clima, e

c) posição geográfica e estrutural da região

2.1.1. Desenvolvimento Evolucionário da Flora

Os carvões mais antigos que se conhecem são as antracites de Michigan (EUA) de idade do Huroniano Médio
(Algônquico, >2.500 Ma), sendo contudo raros e impuros, mas mostrando, ao microscópio e em grandes
ampliações, estruturas que parecem ser de origem vegetal. Também se conseguiram isolar restos de algas e
fungos de cherts da mesma idade.

Durante o Devónico Inferior (408-360 Ma), plantas do tipo Psilófitas (Fig. 11) cresceram submersas em lagoas de
pouca profundidade. A partir destas plantas originaram-se camadas finas de carvão que se encontram, por exemplo,
nas Camadas de Haliseriten da região do Reno na Alemanha.

Só durante o Devónico Médio-Superior, quando as plantas se espalharam rapidamente sobre as massas de


terra firme, é que foi possível a formação de verdadeiras camadas de carvão.

Temos o exemplo da Ilha dos Ursos na Bacia de Kuznetsk, no Cazaquistão. No território da antiga URSS, os
carvões do Devónico Superior formaram-se a partir de plantas semelhantes às que originaram os carvões do
Carbónico – Pteridófitas, Equisetófitas e Licófitas (Fig. 12). Contudo, estes carvões ainda não têm valor
económico. Só a partir do Carbónico Inferior (360-220 Ma) é que se formaram depósitos de carvão importantes.

Em associação com as Sigilárias (Fig. 13b), cresciam plantas mais pequenas do tipo junco – Calamites (Fig.
13c).

Fig. 11. Desenho duma Psilófita Fig 12. Esquemas de (i) Pteridófita (www.scielo.sa.cr), (ii) Equisetófita
(www.fosil.cl) (www.stud.u-szeged.hu) e (iii) foto de Licófita actual (www.hcs.ohio-state.edu)

10
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

Contudo, as comunidades vegetais que cresciam nos pântanos


carbónicos não apresentavam a variedade vegetal de pântanos
de idades geológicas mais recentes.

O Carbónico Superior é conhecido como o Período do Carvão


Betuminoso. Nessa altura os pântanos de floresta eram ocupados
por vegetação luxuriante, constituída por árvores do tipo
Lepidodendron e Sigillaria (Fig. 13a e b) que atingiam alturas
de mais de 30 metros. Os grandes depósitos de carvão do
Pérmico (290-245 Ma), caso dos carvões da África Austral,
incluindo os moçambicanos, são formados principalmente de
plantas do tipo Gimnospérmicas – Cordaítes, Glossopteris,
Gangamopteris (Fig. 14), etc.

No Mesozóico, em especial durante o Jurássico (210-140 Ma)


e Cretácico Inferior (140-105 Ma), as principais plantas que
deram origem a carvões foram as Gimnospérmicas –
Ginkgófitas, Cicadófitas e Coníferas (Fig. 15).

A rápida evolução da flora entre o Cretácico Inferior e Superior


(105-66 Ma) deu origem à flora de Angiospérmicas na América
do Norte, Europa e Austrália, durante o Cretácico e o Terciário.
Fig. 13. A-Lepidodendron; B-Sigillaria; C-Calamites
Comparada com a flora carbónica, as floras dos pântanos do
Mesozóico e, em especial, do Terciário são muito mais diversificadas e especializadas (Fig. 16), resultando
em depósitos turfeiros espessos com muitos tipos de fácies diferentes.

Fig. 14. Gimnospérmicas do Pérmico. Da esquerda para a direita: Cordaites, Glossopteris, Gangamopteris

Fig. 15. Gimnospérmicas do Mesozóico. A. Gyngkófita (www.houstongardening.info); B. Cicadófita (www.aber.ac.uk) ; C.


Conífera (www.iespana.es/natureduca/).

11
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

Fig. 16. Reconstrução de dois tipos de pântano no Reno Inferior (Alemanha) durante o Mioceno (in Stach et al, 1982)

2.1.2. Clima

Quanto mais quente e húmido for um clima, mais luxuriante se torna a flora, e os pântanos de floresta tornam-
se dominantes sobre os pântanos de canaviais/juncos e de musgos. Por exemplo, um pântano nas zonas
tropicais renova-se num período de 7-9 anos e durante este período as árvores podem crescer até 30 metros
de altura. Em contraste, nos pântanos de zonas temperadas, as árvores crescem 5-6 metros no mesmo
período de tempo. Mesmo raised ombrogenous bogs, que são pobres em nutrientes, e que apenas contêm
musgo nos climas temperados, estão muitas vezes cobertos de árvores nas regiões tropicais.

Nos passado geológico, as turfas predominaram em zonas climáticas quentes e húmidas, em especial no
Carbónico Superior, quando se depositaram as formações mais ricas em carvão, e no Cretácico Superior-
Terciário Inferior, da América do Norte.

Contudo, no Hemisfério Sul e na Sibéria, há grandes depósitos de carvão que se acumularam em climas
húmidos temperados ou mesmo frios, como, por exemplo, os depósitos de carvão gondwânicos inter- e pós-
glaciais de idade permo-carbónica, e os depósitos pérmicos e jurássicos-cretácicos inferiores de Angara
(actuais regiões de Tunguska e Lena, na Sibéria russa).

As camadas de carvão que foram depositadas em climas húmidos e quentes contêm muitas bandas largas
de carvão brilhante que se originaram a partir de troncos espessos. Por outro lado, as camadas que provêm
de climas temperados e frios contêm percentagens relativamente baixas de carvão brilhante. Por exemplo,
os carvões gondwânicos pós-glaciais, formados a partir de vegetação de porte baixo, são muitas vezes
finamente detríticos. Os minerais de argila de granulometria muito fina, típicos destes carvões, devem ter sido
soprados para os pântanos de poucas árvores, a partir das terras altas envolventes, elas também com poucas
árvores (Plumstead, 1962).

Com o aumento da temperatura, não só aumenta o crescimento das plantas, como também a sua velocidade
de decomposição. Consequentemente, até algumas décadas atrás pensava-se que as turfas só atingiam
espessuras consideráveis em climas temperados. Contudo, grandes áreas pantanosas com espessuras de
turfa de mais de 30 metros foram posteriormente descobertas nos trópicos.

Raised bogs só ocorrem em climas húmidos, em que a precipitação atmosférica anual é maior que a
evaporação total anual. Eles formam-se independentemente da morfologia superficial, mesmo em topos de

12
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

montanhas com grande precipitação anual. Uma temperatura


média anual de 8-9ºC com uma precipitação de 700 mm já é
suficiente para a formação de trufeiras neste tipo de pântanos,
caracterizados por terem uma superfície convexa e por serem
pobres em vegetação. Em zonas temperadas, eles são
caracterizados por musgos (Sphagnum – Fig. 17).

Mas há pântanos deste tipo nas zonas tropicais/equatoriais de Malaca,


Fig. 17. Musgo do tipo Sphagnum
Sumatra, Bornéu e Nova Guiné. Os pântanos de Sumatra, por exemplo,
recebem uma precipitação anual de 3000-4000 mm, distribuída regularmente pelo ano todo. Em contraste com os
raised bogs das zonas temperadas, eles contêm espessas florestas de flora arbórea, contudo pobres em espécies.

2.1.3. Requisitos Paleogeográficos e Tectónicos

Há vários pré-requisitos para que se possam formar espessas camadas de turfa e, consequentemente,
camadas de carvão. Os mais importantes são:

 Subida contínua e lenta da toalha freática que se mantém ao mesmo ritmo que a formação da turfa
– subsidência – com a toalha freática à superfície da turfa ou perto;
 Protecção do pântano por praias, línguas de areia, etc., que o protejam da invasão marinha, e por
levées naturais que o protejam das inundações fluviais;
 Baixa energia de relevo do hinterland (terras do interior) e, consequentemente, fornecimento restrito
de sedimentos fluviais que, de outro modo, interromperiam a formação da turfa por soterramento.

Se a toalha freática subir muito, em geral devido a subsidência rápida, os pântanos “afogam”, depositando-
se então sedimentos límnicos ou marinhos (argilas, margas e calcários). Se a subsidência for muito lenta, o
material vegetal superficial apodrece e a turfa que já se tenha formado será erodida. Assim, a formação de
camadas de carvão depende das inter-relações paleogeográficas e estruturais dentro da área de
sedimentação.

2.1.3.1. Paleogeografia

Se a toalha freática se mantiver suficientemente alta por um grande período de tempo, pode formar-se turfa,
mesmo em clima frio. Uma condição para a formação de turfa é uma depressão no solo. Consequentemente,
pode fazer-se uma distinção entre raised bogs ou high moors, condicionados pelo clima, e topogenic low moors,
relacionados com depressões topográficas que se podem formar por acção da água (lagos oxbow) ou do gelo.

Os topogenic low moors também se podem formar pelo colapso da superfície devido a fenómenos de
lixiviação das rochas subjacentes (regiões cársticas, sobre zonas de domos salinos ou de gesso).
Ocasionalmente, lagos em crateras de vulcões extintos e maars12, e também o represamento de água atrás
de moreias terminais podem dar origem a pântanos.

12
Maar – lago pouco profundo em crater de vulcão.

13
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

Em qualquer destas situações, de depressões na superfície, é necessário que haja água estagnada o ano
inteiro acima ou muito perto da superfície do chão, de modo a que as plantas mortas não apodreçam.

Estas condições encontram-se geralmente em áreas costeiras planas, onde a água do mar impede que a
água fresca se escape. Assim, muitos pântanos estão associados com zonas costeiras (marinhas). Outros
pântanos ocorrem ao longo de margens de grandes lagos interiores. Assim, dependendo da sua posição
geográfica original, podem distinguir-se depósitos de carvão parálicos ou costeiros (Fig. 18) e límnicos ou
interiores (Fig. 19).

Fig. 18. Pântano costeiro na foz do Rio Shark, Florida, com mar
transgressivo, várias ilhas de mangal, e turfa com 1-5 m de Fig. 19. Pântano de Ciprestes em Okefenokee,
espessura. A distribuição, tamanho e forma das ilhas varia Florida/Geórgia, EUA. Em primeiro plano, zona
constantemente. Foto de W. Spackman, in Stach et al, 1982 de águas abertas com plantas aquáticas, fetos e
arbustos. In Stach et al, 1982

Muitos pântanos parálicos originaram-se nas margens distais externas dos deltas (Fig. 20). Como regra, estes
pântanos têm poucas ou nenhumas árvores (Fig. 21), em contraste com pântanos de floresta (Fig. 19) que
aparecem mais na zona proximal da área deltáica. Presentemente, as florestas de mangal são a vegetação
típica das margens costeiras dos deltas tropicais. Em regressões marinhas, à medida que o delta avança,
mais os pântanos se estendem em direcção ao mar. Por exemplo, actualmente no Bornéu, as planícies de
inundação deltáicas crescem mar a dentro a um ritmo de 10 metros/ano.

Fig. 20. Diversos tipos de pântanos na costa norte do Golfo do México (adaptado de O’Neal, 1949). In Stach et al, 1982

14
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

Enquanto que muitos pântanos se originam devido a regressões marinhas, muitos outros se formam devido
a transgressões, como acontece no Mar do Norte presentemente. Aqui o mar em avanço empurra à sua frente
a toalha freática ascendente em direcção a terra, formando-se assim um cinturão de pântanos. Nestes casos,
aparecem sedimentos fluviais por baixo das camadas de carvão e sedimentos marinhos ou límnicos por cima.
(Fig. 23).

Fig. 21. Pântano de juncos sub-tropical, de água doce em


Fig. 22. Áreas de águas abertas com lírios de água no
Everglades, Florida, com algumas ilhas de pântano de
pântano de Okefenokee, Geórgia. In Stach et al, 1982
floresta. In Stach et al, 1982

Fig. 23. Interdigitação de fácies marinhos, fluviais e turfo-sedimentares na Bacia Carbonífera do Ruhr (Alemanha); exemplo
duma ocorrência parálica (adaptado de Teichmüller, 1955a)

A maioria dos grandes pântanos costeiros desenvolve-se sob a protecção de barras de areia (sand bars),
spits ou cadeias de ilhas.

Associados aos pântanos costeiros estão os back swamps, que se formam em ambos os lados das zonas
mais a jusante dos grandes rios atrás de levées naturais. Estes pântanos são muito ricos em matéria mineral
devido a extensas cheias anuais.

Anteriormente falou-se nos raised bogs de Bornéu, que ocorrem a um certa distância da costa ou das margens
dos rios. Em direcção à costa ou perto dos rios, eles são gradualmente substituídos por low moors com
aumento de nutrientes e aumento de espécies de árvores e arbustos. Finalmente, passam a florestas de
mangal na zona costeira.

Em tempos actuais, nas zonas temperadas do norte, os pântanos turfeiros formam-se muitas vezes em
depressões de origem glaciar, em que as moreias terminais, juntamente com cursos de água (fundida dos
glaciares), favorecem a formação de pântanos. Como regra, estes pântanos desenvolvem-se em lagos que
são lentamente preenchidos, do interior para a margem, por crescimento de plantas com lamas, gyttjae
detrítica, turfa de junco e finalmente turfa de floresta (Fig. 24).

15
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

No hemisfério sul, o relevo superficial dos depósitos glaciares Pérmicos tiveram uma influência importante no
desenvolvimento dos pântanos costeiros do Gondwana.

Fig. 24. Enchimento dum lago por crescimento de plantas e a sequência resultante de diferentes tipos de lama orgânica e de
turfa (in Stach et al, 1982).

2.1.3.2. Geologia Estrutural e Tectónica

Os depósitos de turfa só se mantêm preservados em áreas de subsidência. Consequentemente, ricos


depósitos de carvão estão relacionados com essas áreas, que normalmente ocorrem nas ante-fossas13 de
grandes cadeias de montanhas.

A formação da turfa está ligada com as fases finais da formação de ante-fossas, i.e., numa altura em que
predominava meio continental. Muitos autores acreditam que a formação das camadas de carvão ocorre num
momento em que há pouca subsidência. Se a taxa de subsidência aumenta, depositam-se sedimentos
inorgânicos, enterrando a turfa, como no caso duma transgressão marinha. Mais tarde, sedimentos límnicos
e fluviais são depositados, sobre os quais podem formar-se novos pântanos turfeiros. Tal sucessão de
sedimentos/fenómenos é chamado de ciclotema e a sequência pode repetir-se, se bem que não
necessariamente com todos os detalhes.

Os depósitos de carvão de ante-fossas são caracterizados por conterem camadas de carvão relativamente
finas (<2 metros) de grande extensão lateral e abundantes intercalações de camadas de origem marinha. Por
exemplo, a Bacia do Ruhr (Alemanha), que é parte da ante-fossa sub-Varisca, contém mais de 40 camadas
de carvão trabalháveis numa sucessão de 4000 metros de espessura. O mesmo acontece com os depósitos
de carvão do sul da Holanda, do sul Bélgica, do norte de França e do sul de Gales. As camadas do Carbónico
Superior de Pennsylvania, W. Virginia, Tennessee, Kentucky e Alabama (nos EUA) foram depositadas na
ante-fossa dos Apalaches.

Ao contrário das ante-fossas, as retro-fossas14 têm subsidência menor e, consequentemente, menos camadas
de carvão. Como exemplo, há a referir a retro-fossa dos Apeninos na Itália.

13
Ante-fossa - Depressão crustal estreita e longa que margeia uma faixa orogénica dobrada ou arco insular no seu lado convexo, em
geral no lado correspondente ao oceano aberto (www1).
14
Em oposição às ante-fossas, as retrofossas estão do lado do arco insular oposto ao oceano aberto/

16
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

Exemplos actuais de ante- e retro-fossas encontram-se na Indonésia e Nova Guiné. A costa SW da Nova
Guiné está coberta por maciços pântanos costeiros numa ante-fossa. Nesta zona foram depositados 13.000
metros de sedimentos terciários com muitas camadas de carvão.

Enquanto que os carvões parálicos são geralmente depositados em ante-fossas, a maioria dos carvões límnicos
são depositados em grandes bacias continentais, como é o caso da maioria dos carvões gondwânicos. Típico
deste tipo de depósitos límnicos, em especial depósitos de grabens, como em Moatize, é que eles contenham
um número pequeno de camadas de pequena extensão lateral, mas muito mais espessas. Refira-se o exemplo
da camada Chipanga em Moatize, que tem uma espessura média de 40 metros.

Convém contudo referir que na natureza, raramente ocorrem depósitos inteiramente límnicos ou inteiramente
parálicos. Normalmente há uma mistura de tipos de transição.

2.2. Crescimento da Turfa, Compressão e Tempo de Formação do Carvão


Nas zonas temperadas, a taxa anual de crescimento dos pântanos turfeiros é estimada em ½-1 mm, e nos
high-moor de 1-2 mm. As turfas dos pântanos de canavial nos climas sub-tropicais da Florida e do delta do
Mississipi crescem 1.3 e 1.0 mm/ano respectivamente. A taxa de crescimento de pântanos tropicais é
consideravelmente maior. No NW do Bornéu, em áreas de pântano de floresta, o crescimento anual pode
atingir 3-4 mm, isto é, 1 metro em cada 300-400 anos.

A compressão ou, alternativamente, a perda de volume desde o estágio de turfa, passando pelo estágio de lignite
até ao sub-betuminoso, é considerável, mas a quantidade de compressão depende do fácies. Os pântanos de
floresta comprimem menos que os pântanos de canavial ou as gyttjae, que originalmente contêm água abundante.

A quantidade de compressão pode ser medida através


de inclusões na camada, cujos volumes durante a
incarbonização não sofreram mudanças ou elas foram
mínimas. Estas inclusões referem-se a troncos de
árvore verticais, concreções minerais singenéticas e os
macerais funginite e secretinite (de que falaremos
adiante em capítulo próprio). O carvão flui à volta
destas inclusões e a diferença de altura entre, por
Fig. 25. Compacção de turfa a carvão betuminoso evidenciada
exemplo, a concreção e as lâminas de carvão por uma concreção dolomítica na camada Katarina do Ruhr. In
Stach et al, 1982 (R. Teichmüller, 1955b)
lateralmente contíguas indicam o grau de compressão.

O grau de compressão de turfas de Pteridospérmicas


no Carbónico Superior é de aproximadamente 7:1
até ao estágio de carvão betuminoso (Fig. 25). Já nas
gyttjae esse grau é de 20:1 (Fig. 26). Estima-se que,
em geral, o grau de compressão turfa-lignite-
betuminoso é de 6:3:1, ou seja, 1 metro de turfa dá
origem a pouco menos de 20 cm de carvão
Fig. 26. Lama orgânica litificada envolvendo concreções de
betuminoso.
siderite. Camada 30, mina Adolf, Aachen. In Stach et al, 1982

17
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

É muito mais difícil estabelecer o tempo necessário para formar uma certa espessura de carvão, seja lignite
seja betuminoso, e por isso estimativas individuais de vários autores variam imenso. Autores há que calculam
2.400-3.000 anos para formar 1 m de lignite e 6.000-9.000 anos para formar 1 m de carvão betuminoso.

2.3. Desenvolvimento de Fácies Carboníferos


O termo fácies carbonífero refere-se aos tipos genéticos primários de carvão, que dependem do meio em
que as turfas se formam. O fácies dum carvão exprime-se através do conteúdo maceral e mineral do carvão,
através ainda das suas propriedades químicas, que são grandemente dependentes do grau de
incarbonização, como por exemplo, os conteúdos de N e S e o rácio H/C das vitrinites, e ainda através de
algumas propriedades texturais. Os factores seguintes determinam as características primárias das camadas
de carvão:

 Tipo de deposição;

 Comunidades vegetais que originam a turfa;

 Meio de deposição;

 Fornecimento de nutrientes;

 Valor do pH, actividade bacteriana e fornecimento de enxofre;

 Temperatura da turfa;

 Potencial redox.

2.3.1. Tipos de Deposição

Os carvões autóctones formam-se a partir de


plantas que, após a sua morte, formam turfa in
situ. Por outro lado, os carvões alóctones
formam-se de restos vegetais que foram
transportados a distâncias consideráveis dos seus
locais de origem.

Grande parte das camadas minadas de carvão é


de origem autóctone. Esta autoctonia pode ser
constatada pela existência de horizontes de raiz
(seat earth) no muro da camada ou por troncos de
Fig. 27. Afloramento da floresta soterrada de Sigilárias-Calamites,
árvores verticais (Fig. 27). em rochas do Westfaliano, Essen, Alemanha. In Stach et al, 1982.

Evidentemente que numa turfa há sempre algum


arranjo interno de material vegetal ou da turfa, em especial em alturas de inundação. Consequentemente, daqui
resultam carvões hipo-autóctones, geralmente caracterizados por uma composição finamente detrítica e por um
alto conteúdo de matéria mineral, em comparação com os carvões autóctones, e ainda por uma

18
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

microacamação (Fig. 26). Estes carvões contêm muitas vezes conchas de lamelibrânquios e gastrópodes,
algas calcárias, espículas de espongiários e outros animais ou plantas marinhas. Mesmo restos de peixes
podem ser encontrados nestes carvões.

Os carvões alóctones são geralmente demasiado ricos em matéria mineral para serem economicamente
explorados. As grandes massas de matéria vegetal transportadas pelos rios siberianos e depositadas na costa
SE de Svalbard, ou as concentrações destes materiais nos deltas do Mississipi, Amazonas ou Congo poderão
ser preservadas se rapidamente soterradas sob areia ou argila. O mesmo se aplica aos detritos de plantas e
turfa que se acumulam nas costas dos mares e lagos. Turfas redepositadas são conhecidas em várias zonas,
em que largos pedaços formam “ilhas de turfa” (Fig. 18) nos lagos que podem ser despedaçadas e movidas
dentro do lago, em especial durante tempestades.

Estas “ilhas” vão sendo desintegradas em finos detritos de turfa que mais tarde são redepositados em áreas
protegidas dos lagos ou das costas marinhas dum modo sorteado e bem estratificado. É evidente que nestas
situações só as partes mais resistentes das plantas são depositadas, uma vez que o transporte na água
produz imediatamente a decomposição da matéria orgânica.

2.3.2. Comunidades Vegetais

Podem distinguir-se quatro tipos de pântano em função das comunidades vegetais

 Áreas de águas abertas, com plantas aquáticas (em parte submersas);

 Pântanos de juncos e canaviais;

 Pântanos de florestas; e

 Pântanos de musgo.

Em climas temperados húmidos, esta sucessão estaria representada pelo desenvolvimento de turfa em lagos,
lentamente preenchidos por crescimento vegetal para dar origem, do fundo do lago à margem, a (i) lama, (ii)
gyttjae detrítica, (iii) turfa de junco, (iv) turfa de floresta e (5) turfa de musgo (Fig. 24).

Contudo, nos pântanos Carbónicos do Hemisfério Norte, a formação da turfa começou com pântano de
floresta, terminando em lama. Os pântanos de floresta de Sigilária e Lepidodendron, cujos horizontes de
raízes (seat earth) constituem o muro de quase todas as camadas, originaram as turfas que formaram as
partes inferiores das camadas, composta de carvão com numerosas bandas brilhantes 15. Gradualmente a
floresta foi sendo submesa e como resultado foi crescendo material menos lenhoso, dando origem a carvões
mais baços16. De acordo com Smith (1964), que descreveu esta sequência de carvão brilhantecarvão baço
(ply) para os carvões carbónicos ingleses, ela pode repetir-se várias vezes na mesma camada. Pelo contrário,
de acordo com outros autores, o enriquecimento de durinos (carvão baço) para o topo das camadas é
frequentemente seguido por uma passagem gradual a xistos carbonosos. De acordo com Smyth (1970), 80%

15 O carvão brilhante, chamado Vitrino, tem origem nas partes lenhosas das plantas

16 Este carvão baço leva o nome de Durino

19
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dos carvões betuminosos pérmicos australianos são constituídos por 3-4 sequências (plies), cada uma das
quais apresenta na base mais carvão brilhante que no topo. Este fenómeno também ocorre nos carvões de
Moçambique. Smyth (1970) relaciona-o com uma crescente dessecação do pântano num embasamento
relativamente estável (áreas turfeiras tornam-se progressivamente mais secas).

Tomando agora como exemplo os depósitos de lignite do Reno Inferior da Alemanha, diferentes tipos de pântanos
(diferentes comunidades vegetais) foram reconstruídos para o Mioceno através de estudos petrográficos e
paleobotânicos (Teichmüller, 1958). As turfas destas diferentes comunidades vegetais (Fig. 16) levam à formação
de diferentes tipos de lignite, com diferentes propriedades físicas, químicas e tecnológicas.

Em áreas tropicais marinhas actuais, os pântanos de ervas


marinhas são substituídos por mangais (Fig. 28), que têm
raízes aéreas enormes e que se estendem em direcção ao
mar. Nas zonas em que o mangal cresce em áreas
protegidas (por exemplo, Saco da Inhaca), a turfa acumula-
se. Onde as correntes de maré são muito fortes, trazendo
águas ricas em oxigénio, as plantas mortas da zona
superficial decompõem-se e só se mantêm preservadas as
raízes protegidas pelo solo. Em geral, a produção vegetal
atinge o seu máximo nos pântanos de floresta, em especial
nas zonas tropicais.
Fig. 28. Pântano de mangal, costa sudoeste da Flórida
A formação de turfa é relativamente rápida nestes pântanos,
desde que a toalha freática se mantenha suficientemente alta.

Os pântanos de juncos com capim, fetos e canaviais requerem em geral uma toalha de água mais alta que
os pântanos de floresta. As turfas de juncos são pobres em lenhina e geralmente são fortemente decompostas
estruturalmente. Por outro lado, é maior o conteúdo de elementos subaquáticos e de minerais que nos
pântanos de floresta

Os raised bogs das zonas temperadas têm como vegetação típica o musgo Sphagnum (Fig. 17). Porque a
humidade destes pântanos provém essencialmente das águas pluviais, o seu conteúdo em matéria mineral é
muito baixo. Por outro lado, o seu pH é ácido (3-5) o que diminui a actividade bacteriana de decomposição
da matéria orgânica, e assim estes carvões apresentam estruturas vegetais bem conservadas.

Nos fundos de águas abertas dos pântanos acumula-se uma lama orgânica – gyttjae – a partir de restos de
plantas flutuantes, plantas subaquáticas e de animais aquáticos. Outros materiais, como argila fina, pólenes,
esporos, poeiras de turfas queimadas ou dessecadas, são transportados pelo vento e depositados em
conjunto com essa lama orgânica. Este fácies é muito rico em matéria mineral, não só de origem clástica,
mas também de origem singenética.

2.3.3. Meios de Deposição

Os fácies carboníferos são classificados de telmáticos (ou terrestres) se resultarem de turfa (não perturbada)
que cresceu in situ. É o caso das turfas de floresta, turfa de juncos e turfa de musgo de highmoors. Os fácies

20
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

telmáticos contrastam com os límnicos (ou subaquáticos), cujos depósitos são formados em lagos ou
charcos pantanosos. Estes dois tipos de fácies não podem ser sempre claramente diferenciados um do outro.
Por exemplo, num pântano de floresta e particularmente num pântano de juncos, ocorre também
sedimentação subaquática. Mesmo nos raised bogs de Sphagnum (musgos) ocorrem zonas relativamente
secas e buracos cheios de água com algas que alternam espacial e temporalmente uns com os outros. A
predominância dum ou do outro vai determinar o tipo de fácies.

Os carvões formados em águas marinhas-salobras apresentam propriedades particulares. Por exemplo, os


pântanos de ervas marinhas da costa atlântica da América do Norte são geralmente ricos em matéria mineral,
enxofre e azoto, e contêm fósseis marinhos. Nos trópicos, os pântanos de mangal são também muito ricos
em enxofre. Veja-se o caso dos Everglades (Flórida) em que ocorrem turfas de água doce sobrepostas por
turfas marinhas, as quais contêm conteúdos de pirite muito maiores que os das turfas subjacentes (Cohen,
1968).

Os carvões de influência marinha não necessitam de ser originados duma flora halófita 17. A influência pode
vir duma inundação marinha durante ou após a formação da turfa. Muitos carvões Carbónicos com tetos de
origem marinha, apresentam concreções calcíticas, dolomíticas e ankeríticas – coal balls – dentro das quais
a turfa foi petrificada muito cedo, apresentando estruturas vegetais bem preservadas (Fig. 25). Por vezes,
algumas concreções também apresentam fósseis de animais marinhos.

Os carvões betuminosos de influência marinha contêm geralmente altos conteúdos de S, H e N. O seu teor
em matérias voláteis é superior ao que se esperaria para esse grau de incarbonização. Por outro lado, o seu
pH é alto e a actividade bacteriana também. O seu alto teor de S é devido à disponibilidade dos iões sulfato
2
(SO 4 ) da água do mar e da intensa actividade bacteriana anaeróbica, esta produzindo, devido ao seu

metabolismo, muito H e N que ficam na turfa.

Carvões que se formaram em pântanos ricos em cálcio mostram propriedades semelhantes às dos carvões
de influência marinha. Os substractos calcários ou o influxo de águas ricas em cálcio reduzem muito mais a
acidez (pH 8,6) do que as águas do mar, resultando numa degradação acelerada dos restos vegetais.
Geralmente o conteúdo de S é enorme, devido à intensa actividade bacteriana e ao fornecimento de proteínas
animais (plânkton e moluscos). Nestes carvões são frequentes as conchas calcárias de vários animais que
geralmente são dissolvidas pelos produtos de alteração da matéria orgânica em pântanos terrestres.

2.3.4. Fornecimento de Nutrientes

Em função da quantidade de nutrientes disponíveis para o crescimento das plantas, os pântanos podem ser
classificados de eutróficos, mesotróficos e oligotróficos, consoante essa quantidade seja abundante,
pequena ou muito pequena, respectivamente.

Os topogenic low moors são geralmente eutróficos, porque recebem a sua humidade através da toalha
freática, normalmente carregada de nutrientes dissolvidos. Os raiseg bogs ou highmoors são oligotróficos,

17
Flora crescendo em solo com alto conteúdo de sais

21
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

uma vez que a sua água provém das chuvas. As situações de transição entre topogenic low moors e raised
bogs (NW da Europa) originam pântanos mesotróficos.

Sob condições hidrológicas uniformes, a vegetação dos pântanos eutróficos é mais luxuriante e mais rica em
espécies. A flora dos bogs oligotróficos é mais pobre em espécies e, pelo menos nos climas temperados, é
rasteira e predominantemente herbácea. Nos trópicos, contudo, estes bogs oligotróficos podem conter
árvores, mas pobres em espécies.

Estes pântanos oligotróficos são pobres em matéria mineral. Devido ao baixo pH (3.5), é frequente
encontrarem-se restos vegetais não decompostos ou pouco decompostos, já que também a actividade
bacteriana é baixa (devido ao pH). O conteúdo de nutrientes é geralmente 1/5 do dos low moor.

2.3.5. Valor pH, Actividade Bacteriana, Enxofre

A acidez duma turfa influencia a vida bacteriana e, como consequência, a decomposição química dos restos
vegetais.

As turfas dos low moors têm geralmente valores de pH de 4.8-6.5, enquanto que as turfas dos hig moors têm
valores de 3.3-4.6.

Além do tipo do substrato e do influxo de águas vindas de fora, o pH depende também das comunidades
vegetais, do fornecimento de oxigénio e do nível de concentração de substâncias húmicas que já se tenham
formado.

Como exemplos, no topo dos solos arenosos das planícies costeiras da América do Norte, as turfas têm
acidez maior (pH 4.5-6.5) do que as turfas formadas sobre solos argilosos dos back swamps do rio Mississipi
(pH 6.5-7.5). Ainda no Okefenokee as turfas sobre solos arenosos têm um pH 3.5-4.5, as do Everglades, com
substrato cálcico, são de ambiente neutro a alcalino. Como se disse atrás, ambientes marinhos ou ricos em
cálcio reduzem drásticamente a acidez das turfas e assim os pântanos do SW da Flórida têm pH 7.0-8.1.

Algumas plantas, em especial o Sphagnum de raised bogs, tendem a produzir produtos de alteração muito
ácidos. Assim, o pH destas turfas anda entre 3.3-4.6. Esta alta acidez é também devida ao maior suprimento
de oxigénio aos bogs relativamente secos, formando-se assim mais ácidos, cuja concentração não é diluída
por grandes volumes de água. O mesmo acontece nos raised bogs da Indonésia (tropical-equatorial), cujo pH
anda entre 3.5-4.5, apesar de conterem grandes quantidades de árvores.

O grau de acidez também varia com a profundidade da turfa, aumentando os valores de pH com a
profundidade.

Muitas bactérias proliferam melhor em ambientes neutros ou fracamente alcalinos (pH 7.0-7.5). Em
comparação com solos minerais, as turfas são mais pobres em bactérias e contêm uma flora bacteriana
altamente especializada. Quanto mais ácida uma turfa, mais pobre em bactérias ela é, e melhor preservadas
são as estruturas vegetais. Só os fungos, que vivem nas camadas mais superficiais da turfa (até +40 cm),
toleram valores de pH até 4.0. O efeito anti-séptico de muitas turfas de highmoors é bem conhecido e usado
pela indústria farmacêutica.

22
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

O conteúdo de Nitrogénio (N) nas turfas, bem como o fornecimento de sais minerais são importantes para a
actividade bacteriana. Um rácio baixo de C/N e condições eutróficas promovem a actividade bacteriana. Uma
vez que as bactérias produzem metabolicamente muitas proteínas, o aumento da concentração de proteínas
nas turfas ocorre paralelamente à decomposição bacteriana da celulose e hemicelulose. Assim, as proteínas
estão mais concentradas nos low moors, devido à alta actividade bacteriana, do que nos highmoors ou raised
bogs.

O número de bactérias na turfa diminui com a profundidade, e os tipos de bactérias dependem muito do
potencial redox. No topo das turfas, além dos fungos e dos actinomicetes, actuam bactérias aeróbicas,
consumindo o oxigénio atmosférico. Elas decompõem os facilmente carbohidratos18 solúveis, como amido19,
celulose20 e hemicelulose21, concentrando as lenhinas22, os taninos23, as gorduras, as ceras, as resinas, os
pigmentos, as esporopoleninas24, as cutinas25 e o súber (cortiça).

Um pouco mais em profundidade continua a haver actividade anaeróbica que utiliza o oxigénio das
substâncias orgânicas, deixando para trás produtos residuais ricos em hidrogénio. Há ainda discussão sobre
até que profundidade existe actividade anaeróbica. Bactérias anaeróbicas ainda actuam a profundidades de
10m, se bem que geralmente deixem de actuar a profundidades mais baixas. Em lamas orgânicas, com
potencial redox apropriado, as bactérias anaeróbicas podem aparecer já perto da superfície.

As bactérias sulfurosas têm um papel importante nas turfas e lamas orgânicas, reduzindo os sulfatos a
enxofre, tornando possível a formação de pirite e marcassite. Um pre-requisito, evidentemente, é a
disponibilidade de S e Fe. O S origina-se das proteínas vegetais (e animais), grandemente das bactérias, ou
foi trazido de fora como ião sulfato pelos rios e/ou água do mar. O Fe está presente em toda a parte onde
haja meteorização de silicatos ou onde a água traga iões de Fe dissolvidos. Consequentemente, a pirite
singenética aparece frequentemente.

2.3.6. Temperatura da Turfa

A temperatura da superfície da turfa joga um papel importante na decomposição primária. Em climas húmidos
e quentes, a vida bacteriana é mais intensa que em climas temperados, e os processos químicos puros
actuam mais rapidamente.

18 Carbohidratos – cetona ou aldeído polihidróxido; açúcares, amido, celulose e hemicelulose são exemplos, e são produzidos por
todas as plantas e constituem nutrientes animais.
19 Amido - é um polissacarídeo (carbohidrato) com cerca de 1.400 resíduos de glicose.
20 Celulose – carbohidrato polímero composto de unidade de glucose, com formula (C6H10O5)X, que se encontra nas membranas
celulares das plantas.
21 Hemicelulose – ao contrário da celulose, que é cristalina, resistente, e resistente à hidrólise, a hemicelulose é amorfa e pouco
resistente. Consiste fundamentalmente de açucares e ácidos açucarados, e aparece na madeira e nas fibras de gramíneas.
22 Lenhina – substância orgânica algo semelhante em composição aos carbohidratos, que ocorre com a celulose em tecidos lenhosos.
23 Tanino – composto resultante da combinação de fenol (função orgânica caracterizada por uma ou mais hidroxilas ligadas a um anel
aromático) com açúcar; sabor amargo; acumulam-se nas raízes, cascas e em menor quantidade em folhas.
24 Esporopolenina – substância orgânica muito resistente e refractária que constituem as exinas de esporos e pólens, que permite a
sua preservação durante grandes tempos geológicos. É um polímero de alto peso molecular.
25 Cutina – material ceroso das cutículas cobrindo as paredes celulares externas de plantas vasculares e musgos.

23
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

2.3.7. Potencial Redox

Com as mesmas comunidades vegetais e condições climáticas e ecológicas, o potencial redox (ou valor Eh)
terá uma importância primária na actividade bacteriana e, consequentemente, na turbificação 26. O
fornecimento de oxigénio determinará se haverá ou não turbificação. Em 1920, H. Potonié já tinha
estabelecido a dependência da transformação da matéria orgânica do fornecimento de oxigénio,
desenvolvendo o seguinte esquema (Tabela 3):

Tabela 3. Transformação do material orgânico em função do fornecimento de Oxigénio27 (in Stach et al, 1982)

Em geral, esta sequência é caracterizada por subidas graduais dos níveis das águas subterrâneas. Um pré-
requisito é que a água seja estagnada, pois que a água corrente traz continuamente oxigénio dissolvido, de
modo que as substâncias orgânicas apodrecem. Quanto mais produção de matéria orgânica houver, mais
rapidamente o oxigénio dissolvido na água estagnada será consumido, formando-se condições redutoras.
Com fornecimento ilimitado de oxigénio do ar ou água, ocorre a desintegração, levando à formação de
produtos de decomposição gasosos, que são então removidos. Por vezes ficam resíduos sólidos, geralmente
constituídos por resinas ou outros compostos resistentes.

Durante a humificação, as bactérias aeróbicas e fungos estão em actividade, produzindo substâncias


húmicas28 pobres em hidrogénio.

A turbificação ocorre à superfície da turfa quando há fornecimento restrito de oxigénio. Os ácidos húmicos 29
são os produtos característicos que se formam a partir das lenhinas só por oxidação.

26 Formação de turfa. Em ingles peatification.


27 Liptobiólitos – material vegetal resistente que fica como resíduo após a desintegração das partes menos resistentes: resina,
borracha, ceras, esporos, pólens.
28 Substância húmica – são misturas complexas e heterogéneas de materiais polidispersos formados por reacções bioqímicas e químicas
durante a decomposição e transformação de restos vegetais ou microbianos(processo chamado de humificação)(IHSS, 2007).
29 Solução ácida resultante da extração de componentes orgânicos do solo ou do sub-solo, mormente humus, por soluções aquosas
percolantes.

24
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

A putrefacção (ou fermentação) só ocorre em condições redutoras, quando as bactérias anaeróbicas


consomem o oxigénio das substâncias orgânicas, transformando-as em produtos betuminosos ricos em
hidrogénio (por exemplo, a celulose dá origem a hidrogénio, metano30, ácido acético31 e butírico32 e anidrido
carbónico). Devido aos produtos de partida serem ricos em proteínas (algas, plânkton animal, restos de
bactérias) e ainda ao ambiente anaeróbico, os carvões que resultam são ricos em nitrogénio.

2.4. Diagénese da Turfa e Incarbonização

2.4.1. Diagénese da Turfa ou Turbificação

A turbificação envolve tanto mudanças biológicas como químicas e por isso tem sido chamada também de
incarbonização bioquímica, em oposição à incarbonização geoquímica que ocorre mais tarde, sem
intervenção de micro-organismos.

A alteração mais importante ocorre (com restrito fornecimento de oxigénio) à superfície da turfa ou imediatamente
abaixo dela, até uma profundidade aproximada de 0.5 m. Esta zona da turfa é chamada de camada turbigénica.
Nesta região são activos os fungos, os actinomicetes33 e as bactérias aeróbicas. Com o aumento da profundidade,
estes organismos são substituídos por bactérias anaeróbicas mas, à medida que as substâncias facilmente
assimiláveis desaparecem, a vida microbiana reduz e finalmente extingue-se, usualmente a profundidades
menores que 10 m, abaixo da qual só ocorrem alterações químicas, começando pela condensação34, seguida da
polimerização35 e reacções redutoras36.

O processo mais importante durante a turbificação é a formação de substâncias húmicas – humificação. A


humificação é promovida pelo fornecimento (restrito) de oxigénio, aumento de temperatura (trópicos) e
ambientes alcalinos. O grau de humificação depende assim do fácies e não da profundidade.

Num perfil de turfeira, o conteúdo de carbono aumenta rapidamente com a profundidade, uma vez que as
substâncias relativamente ricas em oxigénio da camada turbigénica, particularmente a celulose e a
hemicelulose, são decompostas microbiologicamente, o que resulta num enriquecimento de lenhina,
relativamente rica em carbono, e de ácidos húmidos. O carbono, na camada turbigénica, pode aumentar de
45-50% para 55-60%, mas a profundidades maiores, esse aumento é pouco significativo (podendo atingir
64%). Por outro lado, devido ao aumento da compressão, devida ao peso do material sobrejacente, o
conteúdo de humidade diminui rapidamente, sendo assim um bom parâmetro para calcular o grau de
diagénese da turfa. A ocorrência de celulose livre é também um indicador útil do grau de diagénese da turfa.
Para distinguir entre turfa e soft brown coals (“carvão castanho mole”) usam-se como parâmetros os teores
de humidade e carbono, presença de celulose e facilidade de cortar (Tabela 4).

30 CH4
31 CH3COOH
32 CH3–(CH2)2–COOH
33 Tipo de bacilo (bactéria em forma de bastonete).
34 Condensação: Reacção em que duas moléculas pequenas se combinam para formar uma molécula grande; a água geralmente é
um dos produtos desta reacção
35 Polimerização: Formação de polímeros - macromolécula caracterizada por uma elevada massa molecular; resulta da união de várias
moléculas iguais ou semelhantes entre si - monómeros.
36 Reacção de redução: semi-reacção que implica recebimento de electrões por uma substância ou elemento.

25
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
Tabela 4. Distinção entre Turfa e soft brown coal
Parâmetro Turfa Soft brown coal

% humidade > 75 < 75

% carbono (ssc) geralmente < 60 geralmente > 60

celulose livre presente ausente

pode ser cortada sim não

Esta diferenciação não é satisfatória dum ponto de vista científico. O conteúdo de humidade parece ser menos
importante que a maneira como a humidade é adsorvida 37, o que nos soft brown coals é mais forte que nas
turfas. Porque a transição de turfa para soft brown coal é gradual, é difícil fixar um limite preciso, o qual,
contudo, ocorre a profundidades entre 200-400 metros.

2.4.2. Incarbonização

2.4.2.1. O Processo de Incarbonização

O desenvolvimento da matéria orgânica desde o estágio de turfa até à formação e antracites e metantracites
é chamado de incarbonização (ou carbonificação38).

[Façamos aqui um parêntesis para referir os vários estágios da incarbonização – a escala de


incarbonização. Entre a turfa e a antracite há uma série de passos que a matéria orgânica passa nas suas
transformações, cada um deles caracterizado por uma série de propriedades que estudaremos mais à frente.
Esses passos são (Fig. 29):

Fig. 29. Os vários estágios da incarbonização. Terminologia americana (topo) e alemã (base)

Nas línguas inglesa (EUA) e alemã, os estágios de lignite e sub-betuminoso são muitas vezes designados de
brown coal (ing.) ou Braunkohle (ale.). O termo betuminoso é, nas duas línguas chamado de hard coal (carvão
duro) e Steinkohle (carvão de pedra). Os franceses chamam de houille (hulha em português, termo que já
não é utilizado nesta língua). De referir que a terminologia inglesa do Reino Unido é diferente da americana.
Em português é usual usar-se a terminologia americana.

Se se tomar como base o grau de alterações físicas e químicas, então a incarbonização só pode ser olhada
como diagénese até ao grau de Weich-Braunkohle (soft brown coal, carvão castanho mole). A partir do grau

37 Adsorção: a formação de uma camada de gás sobre a superfície de um sólido, ou menos frequentemente, de um líquido

38 Não confundir com carbonização

26
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

sub-betuminoso, a alteração do material é tão severa, que ela já deve ser considerada metamorfismo, se
bem que os agentes de metamorfismo (T, P, tempo) só causem ligeiras alterações diagenéticas nos
sedimentos associados. Os carvões reagem muito mais sensivelmente à Temperatura e Pressão que os
sedimentos minerogénicos, e uma vez que isso é assim, o grau de incarbonização é o melhor indicador para
estimar o grau de diagénese dos sedimentos.

Deve ser feita uma distinção entre as alterações químicas e físico-estruturais durante o processo de
incarbonização. Entre as últimas, por exemplo, temos a diminuição da porosidade e o aumento da anisotropia
óptica, ambos relacionados com o aumento da pressão por aumento da profundidade. A porosidade diminui
natural e rapidamente nos estágios iniciais – e é estimada pelo conteúdo de humidade – e por isso é um
indicador diagenético relativamente bom para turfas e brown coals, que ainda são algo compressíveis. Mais
tarde, o grau de incarbonização (ing. Rank) é estimado principalmente por parâmetros químicos (C, O, H e
voláteis) ou por propriedade ópticas, p.ex. reflectividade da vitrinite, as quais dependem da composição
química.

Uma vez que as alterações químicas também variam


durante os estágios individuais da incarbonização, alguns
indicadores de grau (rank) são mais apropriados que outros
em estágios particulares de grau (Tabela 5). Por causa do
comportamento diverso de cada maceral durante a
incarbonização (Fig. 30), os estudos comparativos de grau
não são conduzidos no carvão total, mas só em
determinados macerais (huminites-vitrinites para o poder
reflector, por exemplo, liptinites para luz fluorescente). Os
materiais húmicos (huminites/vitrinites) respondem duma
maneira relativamente uniforme, independentemente de
serem ou não o maceral mais abundante num carvão.
Fig. 30. “Trajectos” de incarbonização de diferentes
macerais com base nos ratios atómicos H/C:O/C
O aumento do grau no estágio de brown coal é caracterizado (segundo Krevelen, 1961).
em primeiro lugar por uma diminuição do conteúdo de
humidade total (regra de SCHÜRMANN).

No estágio de lignite (soft brown coal-Weichbraunkohle) o decréscimo é de 4%/100 m; na passagem do


estágio de lignite a carvão sub-betuminoso C (dull brown coal-Mattbraunkohle) esse decréscimo é de 1%/100
m. No estágio de sub-betuminoso B-A (bright brown coal-Glanzbraunkohle) esse decréscimo reduz para
1%/100-200 m.

À medida que o conteúdo de humidade decresce, o poder calorífico 39 do carvão minado, aumenta na mesma
proporção (Fig. 31). A diminuição do conteúdo de humidade depende em grande parte da diminuição da
porosidade, mas também da decomposição dos grupos funcionais hidrofílicos (em especial os grupos -OH).
Além dos grupos hidroxilo (-OH), também os grupos carboxilo (-COOH), metoxilo (-OCH3) e carbonilo (>C=O)
são partidos, aumentando gradualmente o teor de carbono.

39 Poder calorífico - quantidade de calor, por unidade de massa, gerada pela queima do mesmo

27
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

Fig. 31. Aumento do grau de incarbonização com a profundidade; referência a vários parâmetros. Adaptado de Stach et al (1982),
segundo Teichmüller, M. & Teichmüller, R. (1967)

Tabela 5. Os diferentes estágios de incarbonização de acordo com as classificações alemã DIN e americana ASTM, e sua
distinção na base dos diferentes parâmetros de grau físicos e químicos. A última coluna mostra a aplicabilidadedos vários
parâmteros aos diferentes estágios de incarbonização (adaptado de Stach et at, 1982).

28
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

Durante o estágio de hard brown coal (lignite a sub-betuminoso), os últimos restos de lignite e celulose são
transformados em ácidos húmicos e estes condensam-se para formar moléculas maiores, perdendo o seu
carácter ácido para formar huminas40 insolúveis em álcalis. Em alguns países a distinção entre carvão sub-
betuminoso e betuminoso faz-se com base no ataque com KOH: ácido húmicos são solúveis, as huminas não.

As matérias voláteis mostram relativamente pouca alteração durante o estágio de brown coal. Os produtos
voláteis das reacções químicas são constituídos essencialmente por CO 2 e água, junto com algum metano
(dos grupos metoxilo nas lenhinas).

As mudanças mais drásticas são de carácter


petrográfico, dão-se na fronteira de sub-
betuminoso C/B (dull/bright brown coal/Matt-
/Glansbraunkohle).- Elas são causadas por uma
gelificação41 geoquímica (vitrinitização42) das
substâncias húmicas. Durante a gelificação, o
carvão torna-se negro e brilhante. Por isso, o
bright brown coal (Glanzbraunkohle – sub-
betuminoso B/A) já é muito semelhante ao carvão
betuminoso.

O progresso da incarbonização nos carvões


betuminosos de altos voláteis (%MV > 30%, ssc)
é semelhante ao dos brown coals: em particular
há uma diminuição da humidade e um
correspondente aumento do poder calorífico (Fig.
31). Nos estágios finais do carvão betuminoso
(10<%MV<30), as matérias voláteis diminuem
rapidamente devido à remoção dos grupos
alifáticos43 e alicíclicos44, e à crescente
aromatização45 dos complexos húmicos.
Fig. 32. Relação entre a reflectância da vitrinite e os diferentes
parâmetros químicos. In Stach et al, 1982
As Figuras 32 e 33 mostram que neste grau de
incarbonização a reflectividade sobe quase na
mesma proporção que os voláteis decrescem, pois ambos os parâmetros estão relacionados com o grau de
aromatização da vitrinite (McCartney & Teichmüller, 1972).

40 Humina – Fracção da matéria orgânica que não é solúvel em solução alcalina diluída.
41 Gelificação – formação de gel (substância coloidal sólida).
42 Devido ao brilho vítreo que a substância adquire em amostra de mão
43 Alifático – compostos orgânicos de estrutura aberta.
44 Alicíclico – composto orgânico ao mesmo tempo alifático e cíclico, i.e., com comportamento alifático, mas com átomos de carbono
em anel.
45 Aromático - composto orgânico que contém um anel de benzeno nas suas moléculas ou que tem propriedades
químicas similares às do benzeno

29
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

Ao contrário dos voláteis, o


carbono é um pobre indicador
de grau no estágio de
betuminoso com %MV < 30%,
pois ele só altera ligeiramente
com o aumento de
profundidade. Em função do
gradiente geotérmico, é
necessária no mínimo uma
subsidência a 1500 m de
profundidade (geralmente
muito mais – 2500-4000 m)
para que se possa formar
carvão betuminoso.

O estágio de antracite é
caracterizado por um
decréscimo rápido de
hidrogénio (Figs. 31 e 32) e da
razão atómica H/C, e um forte
aumento da reflectividade e da
anisotropia óptica (Figs. 31, 32,
33 e 34). A diminuição do teor
de hidrogénio é responsável
pela produção de metano
(CH4), que começa quando o
teor de carbono é de +87% e o
Fig. 33. Relação entre Voláteis, reflectância média, huminite/vitrinite para diferentes
estágios de incarbonização de depósitos de carvão alemães, e ocorrência de gás de voláteis de +29%, no estágio
natural e petróleo. (segundo Barnstein & Teichmüller, 1974)
de carvão betuminoso. A pré-
grafitização (ordenamento da estrutura molecular46), que ocorre especialmente no estágio de metantracite, é
a responsável pelo forte aumento da reflectividade e da anisotropia.

As alterações químico-estruturais das substância húmicas durante o decurso da incarbonização de


bitumonoso a antracite estão ilustradas diagramaticamente na Fig. 35. Os hexágonos representam a fracção
aromática, as linhas a fracção alifática que é gradualmente removida, enquanto que os anéis aromáticos vão
coalescendo em unidades maiores.

A segunda fila da Fig. 35 mostra a orientação progressiva das unidades elementares húmicas paralelamente
aos planos de acamação. Nas filas de baixo mostram-se as principais alterações físicas que ocorrem.

46 Não esquecer que partimos de substâncias coloidais, por tanto amorfas, para terminar em grafite (estrutura ordenada); ver Fig. 29.

30
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

Os vários diagramas mostram que na zona de % Carbono 87-89% (carvão de coque) muitas propriedades
passam por um valor máximo ou mínimo em oxigénio. Nesta altura a maior parte do oxigénio já se escapou,
enquanto que o conteúdo de hidrogénio ainda se mantém alto. Isto porque nos estádios betuminosos iniciais
(altos voláteis), os produtos ricos em oxigénio (CO2 e H2O) são aí libertados, enquanto que as perdas
consideráveis de metano começam mais tarde (quando a %MV <29%).

Assim, em certos níveis da


incarbonização observam-se
variações nas reacções, que
estão relacionadas com
alterações/perturbações do
equilíbrio químico. Estas
perturbações podem ser vistas
nas “quebras” nas curvas de
incarbonização dos vários
diagramas de grau de
incarbonização (por exemplo, Fig.
32) ou de perfis de incarbonização
com a profundidade (Figs. 31 e
34).

Estudos laboratoriais com turfas


(van Heek et al, 1971) mostram
que entre os 20º-50ºC a água se
perde, seguida por um pouco de
Fig. 34. Aumento de anisotropia (Rmax-Rmin) das vitrinites com a profundidade.
metano (dalguma lenhina que Notar o aumento súbito e local da anisotropia em zonas de cizalhamento.
ainda possa estar presente) entre
os 30º-70ºC. Entre 70º-100ºC
liberta-se anidrido carbónico e,
finalmente, largas quantidades de
metano entre 160-200ºC.

2.4.2.2. Causas da
Incarbonização

O processo da incarbonização é
governado em primeiro lugar pelo
aumento da temperatura e pelo
tempo em que esta actua. A
pressão retarda as reacções
químicas durante a Fig. 35. Alterações físicas, químicas e moleculares da vitrite durante a
incarbonização de carvões betuminosos e antracites (baseado em diferentes
incarbonização. autores; in Stach et al, 1982).

31
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

A prova da forte influência da temperatura no avanço da incarbonização pode ser encontrada em carvões de zonas
de metamorfismo de contacto. Além disso, está provado que regiões com carvões de alto grau de incarbonização
receberam calor adicional de grandes corpos intrusivos em profundidade. O Maciço Central de Bramsche (NW
Alemanha) é um exemplo clássico de corpo intrusivo, e que está coberto por antracites (e mesmo metantracites),
do Carbónico e Cretácico Inferior. Provavelmente muitas das ocorrências de antracites são causadas por calor
adicional deste tipo, uma vez que altas temperaturas são necessárias para a antracitização, e tais temperaturas
não podem ser normalmente atingidas em regiões com um gradiente geotérmico de 3-4ºC/100 m.

O aumento normal do grau de incarbonização (químico) com a profundidade observado em sondagens (Fig.
31 e 36), bem conhecido e descrito como a LEI DE HILT, é causado pelo aumento de temperatura com a
profundidade. A taxa de aumento do grau de incarbonização – gradiente de grau – depende do gradiente
geotérmico e da condutividade térmica das rochas. A influência do gradiente geotérmico pode observar-se,
por exemplo, nos sedimentos horizontais Terciários do graben do Reno Superior (Alemanha) onde,
localmente, o gradiente geotérmico varia muito (Fig. 37). Neste graben em áreas quentes (7-8ºC/100 m), o
grau de carvão betuminoso é atingido a uma profundidade de 1500 m, enquanto que em áreas frias
(4ºC/100m) esse grau só é atingido aos 2600 m de profundidade. A influência da condutividade térmica das
rochas está ilustrada na Fig. 36 (a sombreado, zona arenosa).

Fig. 36. Aumento do grau de incarbonização com a profundidade na sondagem Teufelspforte (Saar) com base em diferentes
parâmetros de grau. Notar a interreupção na tendência da incarbonização na zona arenosa (Teichmüller & Teichmüller, 1968a).

Van Heek et al (1971), através de estudos de incarbonização artificial, verificaram que as temperaturas
requeridas para desgasificar certos gases (i.e., para o grau avançar) são menores se a taxa de aquecimento
for menor. Assim, para atingir determinados graus de incarbonização, são necessárias temperaturas mais
altas com maiores taxas de aquecimento (metamorfismo de contacto) do que com menores taxas de
aquecimento (subsidência gradual). Neste contexto, a influência do tempo na incarbonização é aparente.

32
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

O efeito do tempo na incarbonização é particularmente


bem ilustrado em perfis de 2 sondagens apresentados
por Teichmüller (1966b). Na costa do Golfo da
Louisiana (EUA), rochas do Miocénico Superior
contendo inclusões carbonosas, atingiram uma
profundidade de 5440 m em 17 M.a.

A essa profundidade, a temperatura é de 140ºC. No


Carbónico do NW da Alemanha, as rochas estão
sensivelmente à mesma profundidade, mas estiveram
sujeitas a essas temperaturas por mais de 271 M.a. No
primeiro caso encontra-se o grau betuminoso de altos
voláteis (35-40% MV) e no segundo o grau é
betuminoso de baixos voláteis (14-16% MV). No
Terciário do Reno Superior, com rochas a temperaturas
semelhantes, o grau de incarbonização é menor onde
as rochas sofreram subsidência rápida, por isso o
Fig. 37. Diferentes graus de aumento de reflectividade
tempo de cozedura foi menor. O tempo tem assim só com a profundidade numa zona “quente” (Landau 2) e
“fria” (Sandhausen 1). A zona a tracejado indica o limite
efeito quando as temperaturas são suficientemente entre carvão sub-bstuminoso e betuminoso.
altas para ocorrerem reacções químicas. A baixas
temperaturas pouco acontece, mesmo durante longos períodos, como por exemplo, na Bacia de Moscovo do
Carbónico Inferior, em que o grau atingido é de lignite, pois a matéria orgânica nunca sofreu subsidência,
tendo ficado sujeita a temperaturas de 20-25ºC desde a sua deposição (Lopatin, 1971).

A influência do tempo é tanto maior quanto maior for a temperatura. Usando a reacção cinética de Arrhenius 47,
esta relação foi primeiro clarificada por Karweil (1956).

Uma vez que o grau de incarbonização é muitas vezes mais alto em regiões fortemente dobradas do que em
regiões menos perturbadas, assumiu-se que a pressão do dobramento acelera a incarbonização. O que se
verificou, contudo, foi que as rochas mais fortemente dobradas das ante-fossas sofreram forte subsidência
antes do dobramento, tendo sido assim fortemente aquecidas. A Fig. 38 mostra que em incarbonização pré-
orogénica as isolinhas de grau se dispõem paralelamente aos planos de acamação; em incarbonização sin-
orogénica elas dispõem-se obliquamente à acamação e em incarbonização pós-orogénica essas isolinhas
são horizontais.

Fig. 38. Traçado de linhas de iso-grau (ou iso-reflectância) em perfis de áreas dobradas

47 Equação de Arrhenius: k=A*e(Ea/R*T), onde k é o coeficiente da velocidade (da reacção), A é uma constante, Ea é a energia de
activação, R é a constante universal dos gases (8.314 x 10-3 kJ mol-1K-1) e T é a temperatura (em ºK)

33
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

Ensaios laboratoriais mostram que a pressão estática (carga dos sedimentos sobrejacentes) não acelera as
reacção de incarbonização, antes pelo contrário, retarda-as, obviamente porque a remoção dos gases se
torna mais difícil. Por outro lado, a pressão também atrasa a alteração de macerais individuais.

A Fig. 39 mostra um carvão muito dobrado com uma liptinite (cutinite) ainda com reflectividade baixa.

Movimentos tectónicos rápidos ao longo de falhas e carreamentos


durante sismos podam causar aumentos locais de grau, devido a
concentração de calor de atrito (Fig. 40).

A influência da pressão é máxima durante a compacção e é mais óbvia


do estágio de turfa ao de carvão betuminoso (altos voláteis), com a
diminuição da porosidade e, com esta, de humidade com a
profundidade (Figs. 31 e 36). Não há dúvida, também, que a pressão
provoca uma disposição paralela, perpendicular a ela, dos anéis
aromáticos, provocando uma anisotropia óptica característica de graus
de incarbonização mais altos.

Assim, a pressão provoca primeiro alterações físico-estruturais,


enquanto que a temperatura acelera a incarbonização química.
Contudo, em geral as duas ocorrem em simultâneo durante a
Fig. 39. Microfotografia de argilito carbonoso
do Devónio Inferior (Alemanha) microdobrado subsidência, mas ocasionalmente a incarbonização físico-
com vitrinite (branca) e cutinite (cinzenta).
estrutural
pode anteceder a incarbonização química. A
incarbonização química avança onde houver calor
disponível (de corpos magmáticos) que podem produzir
antracites com conteúdos anormais de humidade e
anisotropia relativamente fraca.

Também se observa aumento do grau por radioactividade.


A maioria dos casos mostra, microscopicamente, halos
de contacto de maior reflectividade à volta grãos de
Fig. 40. Aumento da reflectância da vitrinite em zona de
minerais radioactivos (Fig. 41). cisalhamento.

2.4.2.3. Incarbonização e Betuminização

A incarbonização e a betuminização são processos


diagenéticos em que, por um lado, se libertam produtos
móveis - gases e petróleo, e por outro se verifica a
aromatização e condensação dos produtos sólidos.

Em geral, as substâncias originais e a sua composição


inicial imediatamente após a deposição vão determinar
se se forma carvão ou petróleo. Os persursores do
Fig. 41. Aumento da reflectividade da vitrinite por
carvão são primariamente a lenhina e a celulose das radioactividade

34
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

plantas superiores, que sofrem uma humificação principalmente bioquímica com fornecimento restrito de
oxigénio durante a formação da turfa. Em contraste, as substâncias de origem do petróleo são principalmente
organismos inferiores (algas, plânkton animal, bactérias) que contêm quantidades relativamente altas de
celulose, proteínas, gorduras e ceras, que sofrem severa alteração anaeróbica – saproficação - durante a
qual se formam ácidos gordos.48, juntamente com outras substâncias. Estes ácidos e outras substâncias
gordas pertencem ao grupo dos lípidos49 que são os mais importantes progenitores do petróleo. São
substâncias muito mais ricas em hidrogénio, mais pobres em compostos aromáticos e mais ricas em
compostos alifáticos que as substâncias húmicas. Durante o processo de incarbonização bioquímica e mais
tarde geoquímica, estes lípidos são incorporados no kerogénio50 das rochas-mãe do petróleo. Com o
aumento das temperaturas devido à subsidência, o petróleo e o gás libertam-se do kerogénio e começam a
migrar para formarem jazigos de petróleo e/ou gás em rochas-reservatório. A formação do petróleo a partir
do kerogénio começa em condições de P-T-tempo quando os carvões passam pelo estágio de sub-
betuminoso A e termina no estágio de betuminoso de médios voláteis (26% MV) (Fig. 42).

Karweill (1966) referiu que os percursores do petróleo também se encontram nos carvões, se bem que em
quantidades menores. Do mesmo modo, à medida que eles são incorporados no kerogénio das rochas-mãe do
petróleo, nos carvões eles são fundamentalmente encontrados como grupos alifáticos ricos em hidrogénio nas
substâncias húmicas. Em menor quantidade, esses percursores estão presentes como macerais do grupo da
liptinite (alginite (algas), resinite (resinas), betuminite (betumes), cutinite (cutículas) e liptodetrinite (detritos de
liptinite)).

No momento em que o petróleo se liberta do kerogénio nas rochas-mãe (a temperaturas de 65º-110ºC,


dependendo da duração do aquecimento), produtos semelhantes a petróleo também se originam em carvões
a partir dos constituintes lipídicos a temperaturas semelhantes.

A libertação de hidrocarbonetos a partir do carvão foi demonstrada microscopicamente com o uso de luz
azul/UV (fluorescência) (Fig. 43).

Assim, as observações petrográficas apoiam o ponto de vista de que substâncias tipo petróleo se formam a
partir de liptinites (e de vitrinites, cujos microporos estão impregnadas de substâncias lipídicas).

A betuminização começa no estágio de carvão sub-betuminoso e é especialmente forte no estágio betuminoso


de altos voláteis C/B (Fig. 42). Aqui verifica-se um primeiro salto de incarbonização51, que corresponde com
a formação do petróleo nas rochas-mãe. Ao contrário das rochas-mãe, os hidrocarbonetos (betumes)
formados não podem migrar devido ao sistema de poros submicroscópicos da vitrinite que funcionam como
crivo molecular.

48 Ácido Gordo: composto que contém uma cadeia com 14, 16 ou 18 átomos de carbono, não ramificada, saturada ou insaturada, com um grupo
carboxilo numa ponta da molécula. Quase todos os ácidos gordos encontrados na natureza contêm um número par de átomos de carbono,
incluindo o carbono no grupo carboxilo
49 Lípidos: são um conjunto de moléculas orgânicas, compostas principalmente por carbono e hidrogénio e em menor medida oxigénio, se
bem que também possam conter fósforo, enxofre e nitrogénio, e que têm como característica principal o serem hidrofóbicas ou insolúveis
em água e sim em solventes orgânicos como o benzeno. Aos lípidos se chama incorrectamente gorduras, quando as gorduras são só um
tipo de lípidos.
50 Kerogénio: parte da matéria orgânica não solúvel em soluções alcalinas diluídas.
51 Salto de incarbonização: mudança brusca de certas propriedades químicas e/ou físicas.

35
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

Estas substâncias ficam no carvão, ou adsorvidas nos microporos da vitrinite, ou depositam-se em cavidades e
espaços abertos no carvão (fracturas, espaços celulares dos tecidos vegetais preservados, etc.) formando novos
macerais do grupo das liptinites. Neste intervalo, a betuminização é um processo típico da incarbonização. Com o
avanço da incarbonização, os betumes de neo-formação são partidos (cracked), por um lado, em hidrocarbonetos
de tamanho molecular menor e, por outro, em produtos residuais de forte reflectividade.

O intervalo da incarbonização em que a betuminização ocorre vai aproximadamente do estágio sub-betuminoso


(poder reflector médio da vitrinite Rm óleo = 0.5%) ao betuminoso de médios voláteis (Rm óleo = 1.3%) – Fig. 42.

Fig. 42. Incarbonização e betuminização: relações entre o grau, as propriedade ópticas da liptinite e a geração de
hidrocarbonetos a partir do kerogénio (segundo Hood & Gutjahr (1972) e Teichmüller (1974a). Em Stach et al, 1982.

36
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

Esta decomposição começa no estágio de betuminoso de médios


voláteis (ca. 29-28% MV) no 2º salto de incarbonização, e
enquanto a decompiosição continua, a reflectividade das vitrinite e
liptinites aumenta muito rapidamente e a fluorescência dos
macerais desaparece. As Figs. 42 e 44 (duas páginas à frente)
sumarizam as relações entre grau, betuminização, intervalo de
incarbonização e geração de hidrocarbonetos a partir de rochas-
mãe. Fig. 43. Libertação de hidrocarbonetos
líquidos a partir de vitrinites. Carvão de
Moatize, camada Chipanga. Luz Azul.

2.4.2.4. Incarbonização e Diagénese de Rochas Minerogénicas

A incarbonização de restos vegetais é análoga à diagénese de sedimentos minerogénicos os quais, entre


outras propriedades, sofrem redução de porosidade e permeabilidade e, em particular, transformação de
minerais. Àparte a transformação de montmorilonite em minerais de argila de camadas mistas durante o
estágio de sub-betuminoso (Rm óleo = 0.4-0.5%), as transformações mais severas dos minerais de argila nas
rochas argilosas e arenosas só ocorrem quando o carvão atingiu o grau antracítico (Fig. 45). Assim, os
carvões reagem ao aumento da temperatura com muito maior sensibilidade que os minerais. A Fig. 46 mostra
a relação entre os estágios de metamorfismo e o grau de incarbonização.

Fig. 45. Temperatura da rocha, grau da matéria carbonosa e diagénese de sedimentos arenosos e argilosos na
sondagem Münsterland 1, NW da Alemanha

37
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

Fig. 44. Relação entre as propriedades do carvão e a geração de petróleo

38
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

Valores-
Zonas Grau de Incarbonização Limites (Winkler 1974).
limite

Lignite
Betuminoso
Diagénese Antracite Diagénese
<4% Rmax
<3.5% Rm

Rmax 4% 200ºC

Anqui- Metantracite Metamorfismo de

quartzo

pumpel

zeolític
prenhit

Fácies
fácies
lyite-
e-

o,
metamorfismo 4% a 5-10% Rmax muito baixo grau

5-10% Rmax 350ºC

Semigrafite a Grafite

actinolite,
Epi- Metamorfismo de

Zoizite,
biotitte
>5% Rmax
metamorfismo baixo grau.
<2% Rmin

Fig. 46. Fronteiras entre diagénese, anqui-metamorfismo, e epi-metamorfismo com base


na reflectividade da vitrinite (adaptado de Stach et al, 1982, segundo Teichmüller &
Teichmüller, 1979)

GLOSSÁRIO
Back swamp – área de depressão pantanosa, formada em planícies aluviais, com pouca drenagem devido
aos levées naturais dos rios.

Bog – matriz esponjosa, impregnada de água, constituída fundamentalmente de musgos, ambiente ácido

Fen – matriz esponjosa, impregnada de água, constituída fundamentalmente de juncos, ambiente ácido.
Ocorre muitas vezes em dolinas de regiões cársticas

Gyttjae – lama de água doce, escura e fofa, caracterizada por abundante matéria orgânica, depositada ou
precipitada num lago cujas águas são ricas em nutrientes e oxigénio. É um sedimento anaeróbico depositado
em condições que variam de aeróbicas a anaeróbicas e capaz de suportar vida aeróbica.

Highmoor bog – Um bog situado em terras altas, cuja superfície é largamente coberta por Sphagnum o qual,
devido ao alto grau de retenção da água, torna-o mais dependente da pluviosidade do que da água da toalha
freática.

Lowmoor bog – Bog que está situado ao nível da toalha freática (ou ligeiramente acima) e que depende dela
para a acumulação e preservação da turfa, geralmente composta de juncos, canaviais, restos de arbustos e
musgos

Maar – cratera vulcânica, sem cone, de baixo relevo, que resulta duma única erupção, geralmente cheia de
água.

Marsh – área saturada de água, com pouca drenagem, intermitente ou permanentemente coberta de água
com vegetação aquática e herbácea, geralmente sem formação de turfa

Marsh peat – turfa derivada de detritos vegetais e material sapropélica

39
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

Ooze – sedimento pelágico constituído de pelo menos 30% de restos de esqueletos de organismos pelágicos
(calcários ou siliciosos), sendo o restante constituído por argilas.

Peat – TURFA – depósito não consolidado de restos vegetais semi-carbonizados, em ambiente saturado de
água, com teor de humidade >75%

Peat bog (bed) – Um bog em que se formou turfa em condições de acidez, com vegetação característica
(Sphagnum)

Peat moor – Peat bog

Peat-Sapropel – Matéria de degradação orgânica, transição entre turfa e sapropel

Raised bog – Highmoor – Área de solo ácido turfoso desenvolvido especialmente a partir de musgos, em que
o centro é relativamente mais alto que as margens.

Raised peat bog – um highmoor bog com uma acumulação espessa de turfa no centro dando-lhe um perfil
convexo.

Sapropel – uma lama (ou ooze) não consolidado e gelatinoso, composto de restos vegetais, geralmente
algas, macerando e putrefazendo em ambiente anaeróbico de fundos (pouco profundos) de lagos e mares.
Pode ser o material de origem de petróleo e gás natural

Seat earth – camada ou rocha a muro duma camada de carvão, representando um solo antigo que conteve
as raízes da vegetação que formou a camada de carvão.

Spit – língua de terra no mar, com uma das extremidades ligadas a terra firme e a outra terminando em água
aberta, normalmente o mar, e que resulta da deposição de material transportado ao longo da costa.

Swamp – PÂNTANO – área saturada de água, permanente ou intermitentemente coberta de água, contendo
vegetação arbustiva ou arbórea, essencialmente sem acumulação de turfa.

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Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

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42
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

3. O CARVÃO COMO SUBSTÂNCIA

3.1. Os constituintes do carvão: Macerais, Minerais, Microlitótipos e


Litótipos

3.1.1. MACERAIS

Os macerais do carvão são, em parte, restos vegetais cuja forma e/ou estrutura está ainda preservada no
estágio de carvão betuminoso, e em parte produtos de degradação cujas origens vegetais já não podem ser
reconhecidas. São, portanto, constituintes orgânicos, análogos aos minerais das rochas inorgânicas. A Fig. 7
mostra três exemplos de macerais em que se podem reconhecer as estruturas orgânicas. Por outro lado, na
Fig. 46A mostra um maceral em que a sua origem vegetal não pode ser reconhecida.

A formação dos macerais durante os estágios iniciais da


acumulação da turfa, depende dum número de factores, já
referidos no capítulo anterior: comunidades vegetais,
clima, condições ecológicas, pH, potencial redox (ou Eh),
etc. Este último joga um dos papéis mais importantes na
transformação da matéria orgânica. Por exemplo, em
condições aeróbicas com acesso ilimitado de oxigénio,
Fig. 46A. Exemplo de vitrinite em que não se observa
ocorre uma completa desintegração da matéria vegetal, a sua estrutura vegetal. Camada Chipanga, Moatize.

ficando muito pouco resíduo. Contudo, em situação de


menos ar, como sob a camada de folhas mortas (mould), ocorre a humificação. Aqui as bactérias aeróbicas
e os fungos produzem substância húmicas pobres em hidrogénio, o conteúdo celular (citoplasma)
desaparece, as paredes celulares secam e escurecem, e no final a matéria orgânica é reduzida a grãos
detríticos e bandas de material semelhante a charcoal 53. Este processo chama-se fusinitização.
52

Se a turfa for parcialmente submersa, o fornecimento de oxigénio é restrito e a turbificação acontece com a
produção de ácidos húmicos e gelificação total ou parcial dos tecidos vegetais. Esta é a fase mais importante
da transformação bioquímica, por fungos e bactérias, primeiro do protoplasma e dos enzimas, depois das
substâncias nutritivas (açúcares e amidos) e finalmente da celulose e lenhina que constituem as paredes
celulares. O resultado progressivo da turbificação é o enriquecimento gradual da matéria das paredes
celulares lenhosas e das partes vegetais mais resistentes, como as cutículas, os esporos e pólens, o súber
(cortiça) e a produção dum gel (gel doplerítico) que é precipitado a partir dos ácidos húmicos em solução.
Estes processos de humificação progressiva são conhecidos por vitrinitização ou gelificação.

Em casos em que a turfa é sujeita a condições redutoras, ocorre a putrefacção (ou fermentação), em que as
bactérias anaeróbicas consomem o oxigénio das substâncias orgânicas, transformando-as em produtos ricos
em hidrogénio.

52

53
Charcoal: resíduo de carbono impuro resultado de combustão de matéria orgânica na ausência de ar; é negro, poroso, e capaz de
absorver gases. O carvão de lenha é um tipo de charcoal artificial.

43
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A maioria dos macerais, uma vez formados, sofrem alterações físicas (incluindo ópticas) e químicas
progressivas com o aumento do grau, mas as suas proporções e forma, com pequenas excepções, mantêm-
se as mesmas. Por isso, em geral os macerais podem ser distinguidos uns dos outros com base em

 Morfologia;
 Relevo (resistência ao polimento);
 Tamanho;
 Forma;
 Cor;
 Reflectância; e por vezes
 Origem.

Os seus nomes são descritivos e, convencionalmente, terminam em –inite. Cada maceral tem um conjunto
distinto de propriedades para um determinado grau. Os macerais podem ser agrupados em grupos macerais
ou subdivididos em sub-macerais.

A distinção entre grupos macerais é feita primeiramente com base na reflectividade, mas os nomes provêm
de características genéticas e morfológicas, e por vezes tecnológicas. Os grupos macerais que existem são:
VITRINITE, LIPTINITE54 e INERTINITE.

Os três grupos macerais são distinguidos pelos órgãos e substâncias vegetais de origem. As vitrinites são
produtos de incarbonização de substâncias húmicas, que se originam essencialmente da lenhina e celulose
das paredes celulares. As liptinites não se originam de substâncias humificáveis, mas de restos vegetais
relativamente ricos em hidrogénio, como esporopoleninas, resinas, gorduras e ceras. Assim, as vitrinites são
caracterizadas por um maior teor de compostos aromáticos e de oxigénio, ao passo que as liptinites têm mais
alifáticos e, consequentemente, mais hidrogénio. Em comparação, as inertinites são caracterizadas por teores
de carbono relativamente altos, muito pouco hidrogénio e graus de aromatização elevados. As inertinites têm
origem no mesmo material que as vitrinites e liptinites, mas que sofreram transformações primárias diferentes.
Por exemplo (Tab. 8), as paredes celulares da madeira podem ser transformadas em telinite (vitrinite com
estrutura celular visível, Fig. 7) por processos de humificação e gelificação, ao passo que se ocorrer charring55
(fogo ou humificação), esses mesmos materiais dão origem a fusinites e/ou semifusinites (inertinites com
estrutura celular visível, Fig. 7). Em ambos os casos as paredes celulares originais dos tecidos vegetais
mantêm-se preservadas até ao grau betuminoso.

As substâncias originais dos macerais do grupo da Liptinite também podem sofrer fusinitização. Por exemplo,
as resinas podem, através deste processo, originar a secretinite (de secrecções). Alguns macerais provêm
de outros ao longo da incarbonização. Por exemplo, a micrinite (variedade de inertinite) origina-se das liptinites
quando estas libertam os hidrocarbonetos, constituindo o resíduo sólido deste processo.

Os gels que resultam da destruição (gelificação) da celulose e lenhina, se posteriormente fusinitizados,


transformam-se num tipo de inertinite sem estrutura – a macrinite. Algumas inertinites já apresentam as suas
propriedades ainda nas plantas, como a funginite (tecidos de fungos).

54
Em literatura antiga era chamada de EXINITE, pois se pensava que estes macerais provinham só das exinas dos esporos e pólenes.
55
Charring: processo que origina o char.

44
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Os macerais que se formam durante o decurso da incarbonização – secundários - devem ser distinguidos
dos macerais ordinários - primários. A exsudatinite, por exemplo, é um maceral secundário do grupo das
liptinites. Mesmo vitrinites dos carvões de grau muito alto resultam da incarbonização de liptinites.

Cada maceral sofre uma evolução particular durante a incarbonização, que pode variar enormemente. As vitrinites
alteram regularmente, as liptinites seguem um percurso irregular e as inertinites alteram muito pouco (Fig. 30).

A Tabela 6 mostra os vários tipos de macerais que existem na classificação antiga do ICCP (pré-1994). As
classificações recentes (1994, in ICCP 1998 (V), 2000 (I) e 2005 (H)) estão patentes na Tabela 7. (só H/V e
I). Apresentam-se as duas, bem como a correlação entre os respectivos termos, pois grande parte da literatura
existente apresenta as classificações antigas. Mais adiante falaremos da origem dos vários macerais e sua
transformação ao longo da incarbonização.

Tabela 6. Classificação dos macerais (classificação antiga, pré-1994).

Tabela 7. Novas classificações dos macerais dos Grupos da Huminite/Vitrinite e da Inertinite (em itálico, os nomes das antigas
classificações)

45
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Tabela 8. Origem das vitrinites e inertinites (in Stach et al, 1982).

46
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3.1.1.1. HUMINITE/VITRINITE

a) Percursores químicos e botânicos

O grupo maceral Vitrinite provém da incarbonização do grupo maceral Huminite. Aliás, o termo huminite é
aplicado aos carvões do grau lignite/soft brown coal. A partir do grau sub-betuminoso passa a usar-se o termo
vitrinite. Adiante se perceberá as razões para isto.

As huminites/vitrinites originam-se a partir da fracção ácida-húmica das substâncias húmicas, que são
compostos de cor escura de composição complexa. Estes compostos contêm os elementos carbono,
oxigénio, hidrogénio e nitrogénio. Eles possuem pesos moleculares e solubilidades variadas, têm um núcleo
aromático e contêm os grupos hidroxilo (-OH) e carboxilo (-COOH). Estes compostos formam-se durante a
turbificação e a humificação (mouldering) (Tab. 5), mesmo até ao estágio de brown coal, a partir
principalmente da lenhina e celulose das paredes celulares das plantas. Além de depender dos materiais de
origem, a formação e as propriedades dos ácidos húmicos também dependem do potencial redox e do pH do
ambiente. Um ambiente aeróbico é um pré-requisito para a transformação da lenhina em ácidos húmicos
(Fischer, 1952). No entanto, Welte (1952) sustenta que os ácidos húmicos se formam da lenhina em meio
fracamente ácido só pela actividade bacteriana, mas por puras reacções de condensação oxidativa em meios
neutros-alcalinos. A lenhina é decomposta por fungos destruidores de madeira os quais, com enzimas,
atacam a lenhina, a qual normalmente só é hidrolizada 94 com dificuldade. Welte (1952) diz que para se
formarem ácidos húmicos a partir da celulose, as condições ácidas são particularmente favoráveis.

Durante muito tempo assumiu-se que a huminite/vitrinite provinha unicamente das lenhinas, mas hoje sabe-
se que devido à acção de fungos e bactérias, alguns compostos da decomposição da celulose participam na
formação dos ácidos húmicos.

A celulose (C6H10O5)n constitui a principal estrutura das


paredes celulares e é opticamente anisotrópica (Fig. 47). Em
paredes celulares lignificadas, várias quantidades de lenhina
estão finamente distribuídas entre as microfibras de
celulose. As lenhinas são formadas por núcleos aromáticos,
Fig. 47 – Estrutura molecular da celulose.
uma cadeia lateral (alifática) com 3 átomos de carbono+grupos alifáticos e fenólicos+grupos metoxílicos (-
OCH3) (Fig. 48), e são opticamente isotrópicos. As lenhinas, em geral, são mais resistentes aos ataques
microbianos do que as celuloses.

Os taninos também participam na formação das vitrinites, especialmente a corpovitrinite (Tab. 8). Eles
consistem de misturas de compostos aromáticos que variam em composição e que contêm propriedades

94
Hidrólise: reação química que envolve água. A água pode reagir com muitas substâncias e transformá-las em outras. A hidrólise de
ésteres produz ácido carboxílico e álcool
43
Fenol: Absorve água do ar e liquefaz-se. Ao lado, a sua estrutura molecular.

47
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fenólicas e pesos moleculares muito altos. Em vários aspectos, os taninos têm desde o início propriedades
semelhantes a substâncias húmicas.

A sua resistência à decomposição é bem conhecida.

Os taninos impregnam as paredes celulares, especialmente em madeiras velhas, e películas de sementes.


Muitas cortiças são enriquecidas em taninos, como por exemplo nos mangais (Fig. 28). Em muitas plantas,
após a morte, produtos de oxidação de taninos altamente resistentes formam-se nos lúmens celulares – os
flobafenos.

Além da celulose, lenhina e taninos, também podem ocorrer substâncias lipídicas (ricas em H) incorporadas
nas substâncias húmicas, que mais tarde originam os hidrocarbonetos.

Fig. 48. Estrutura molecular da lenhina

b) Alterações durante os estágios de turfa e brown coal

As substâncias facilmente hidrolizáveis das plantas - dissacarídeos95, amido, celulose, hemicelulose,


pentosanos96, pectinas e proteínas – são facilmente decompostas por bactérias e fungos, transformando-se
em produtos gasosos e líquidos (dióxidos de carbono, amónia, metano e água) que se escapam, e em
produtos residuais sólidos (principalmente substâncias húmicas) que participam na formação do carvão.

As lenhinas relativamente estáveis concentram-se na turfa e os restos lenhosos (plantas arbóreas e


arbustivas) mantêm-se melhor preservados estruturalmente que as celuloses (plantas herbáceas).

95
Dissacarídeos: duas unidades de monossacarídeos (ex. glicose) interligadas por um átomo de oxigénio.
96
Pentosanos: polissacarídeo, forma anidra ou polimerizada de pentose (açúcar).

48
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

As madeiras cujas células estão impregrandas


de resinas, ceras, taninos ou pigmentos são
muito resistentes à decomposição estrutural e
química. Este facto é mais evidente nas
coníferas97, cuja madeira não é atacada por
fungos e bactérias e por isso os pormenores
anatómicos dos tecidos vegetais mantêm-se
preservados (Fig. 49). Nestes casos a celulose é
preservada mesmo no estágio de brown coal. O
mesmo acontece com as cascas de árvore que
estão impregnadas de substâncias resistentes –
cortiça e taninos. (Fig. 50).

As folhas e ramos ricos em celulose (pobres em


lenhina) e certas das madeiras de
Angiospérmicas decompõem-se em detritos
húmicos de restos de paredes celulares (Fig. 51)
que mais tarde se decompõem e convertem em
soluções coloidas húmicas que se infiltram na
turfa e, ao secarem, precipitam entre os detritos
como partículas de gel finamente divididas, sendo
esta mistura o constituinte principal das turfas de Fig. 49. a) Textinite A com flobafinite (preenchimentos celulares
brancos); notar as paredes celulares finas e rígidas (centro-direita);
pântanos pobres em árvores. brown coal do Mioceno, Reno Inferior, Alemanha; b) Texto-ulminite
A (mesmo que em a): só as paredes celulares não estão gelificadas;
brown coal do Mioceno, Reno Inferior, Alemanha; c) Textinite B;
Os dois processos mais importantes na formação brown coal do Plioceno da Calábria, Itália; d) Textinite B comparada
da vitrinite durante os estágios de turfa e brown com atrinite fortemente reflectora; brown coal do Mioceno, Reno
Inferior, Alemanha; e) Transição texto-ulminite (esq.) para eu-
coal são a humificação e a gelificação. A ulminite (dir.) em brown coal do Mioceno, Reno Inferior, Alemanha;
f) Texto-ulminite B com flobafinite (cinzento escuro) em luz
humificação é o processo mais importante transmitida; Reno Inferior, Alemanha; Eu-ulminite B com flobafinite
(claro), lignite do Mioceno da Áustria Superior. Todas as fotos
durante o estágio de turfa. A humificação pode ser (excepto f) tiradas em superfície polida em imersão de óleo. (Fotos
em Stach et al, 1982, fig 71, pág. 232).
visualizada como uma oxidação progressiva
acelerada por adição de oxigénio como i) durante períodos ocasionais de dessecação da superfície da turfa por
descida dos níveis de água ou ainda ii) por entrada de fluxos de água com oxigénio dissolvido) e por calor (climas
tropicais). Assim, formam-se ácidos húmicos com vários pesos moleculares e solubilidades. A humificação é
particularmente intensa na camada turbigégica.

O oxigénio é necessário para a humificação das lenhinas na turfa. Na presença de oxigénio, a lenhina é
primeiramente atacada por fungos xilófagos98, e depois por bactérias aeróbicas, transformando-se assim em
substâncias húmicas. Contudo, a humificação pode acontecer ainda no estágio de soft brown coal onde já se
estabeleceram condições anaeróbicas, pois neste estágio ainda se encontram por vezes quantidades

97
Coníferas: pinheiros, casuarinas, araucárias, etc.
98
Do grego Xylos (Madeira) + Phagos (comer).

49
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

importantes de celulose e
lenhina intactas. Ensaios
experimentais indicam que
estas duas substâncias são
rapidamente destruídas na
fronteira entre lenhina e sub-
betuminoso (~70ºC). À medida
que a diagénese continua, os
ácidos húmicos perdem o seu
carácter ácido pela remoção
dos grupos –OH e –COOH e
transformam-se, assim, em
huminas, originando os
macerais do grupo das
Huminites das lignites e brown
coals, que são as percursoras
das vitrinites dos graus mais
altos.

Fig. 50. a) e b) Secção de raíz constituída de suberinite (escura) e flobafinite (clara); c) A humificação é seguida da
Flobafinite em textinite; d) Corpos esféricos de corpohuminte; e) Paredes celulares de
suberinite com flobafinite gelificação que leva à formação
da vitrinite nos estágios de carvão sub-betuminoso (Glanzbraunkohle) (Fig. 52). Durante a gelificação, as
reacções parecem ser fundamentalmente de natureza físico-coloidal, ou seja, o material húmico é peptizado 99
e depois dessecado em gel, ou seja, passa por um estágio plástico.

Fig. 51. Atrinite consistindo de detritos Fig. 52. Gelificação geoquímica (=vitrinitização) de huminites, demonstrada pela
húmicos (d) e gels húmicos (g) em brown compacção e homogenização duma banda de corpohuminite (centro) e de camadas
coal miocénico da Bavária, Alemanha. de humodetrinite; a) Brown coal, Bavária, Alemanha; b) Lignite, Áustria; c) Carvão
Superfície polida, imersão em óleo sub-betuminoso, Bavária Superior. Todas as fotos em superfície polida, imersão
em óleo.

99
Peptização: é a passagem do estado gel para o estado sol.
49
Alcanos: compostos binários de carbono e hidrogénio de fórmula geral CnH2n+2, também denominados hidrocarbonetos saturados,
apresentam somente ligações simples entre seus átomos

50
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

É possível distinguir:

i) Gelificação bioquímica: que ocorre durante a turfa e brown coal e que é função do material original, o
fácies, o fornecimento de água e iões, o grau de alcalinidade e as condições oxidantes; e

ii) Gelificação geoquímica: que afecta todas as huminites no estágio de hard brown coal na fronteira entre
o brown coal baço (Matt-) e brilhante (Glanz-); esta gelificação exige uma certa temperatura e, por
conseguinte, uma certa profundidade de subsidência. É durante esta gelificação geoquímica que as
huminites são transformadas em vitrinites e assim o processo leva também o nome de vitrinitização
(Tab. 8).

Os percursores da vitrinite nos estágios de turfa e brown coal são petrograficamente agrupados nas
Huminites, como atrás se disse, e como estes macerais só apresentam poucas semelhanças com os
equivalentes das Vitrinites, eles levam nomes diferentes (ver tabelas 6-7).

Mais adiante vamos ver os vários macerais do grupo das Huminites e do grupo das Vitrinites em separado.

c) Alterações durante os estágios de carvão betuminoso a antracite

As propriedades químicas e ópticas das vitrinites alteram mais uniformemente durante a incarbonização do
que qualquer outro grupo de macerais (Fig. 30), sendo esta a razão principal para a vitrinite ser usada para
determinação do grau.

O aumento progressivo do seu grau é


caracterizado por uma diminuição dos teores de
oxigénio e de voláteis, e um aumento do teor de
carbono. O teor de hidrogénio aumenta um
pouco e depois diminui a partir de estágio de
carvão de coque para diante (betuminoso de
médios voláteis – Fig. 44). Estes parâmetros
individuais de grau mostram alterações
variáveis nos diferentes estágios de evolução do
grau. Por exemplo, o carbono aumenta
relativamente pouco desde o carvão de coque à
antracite, enquanto que os voláteis diminuem
rapidamente no mesmo intervalo (Fig. 53 e Figs.
31 e 32).

A razão para este contraste é um marcado


aumento da aromaticidade da molécula de
humina, significando paralelamente um rápido
aumento da reflectividade, uma vez que os
voláteis representam essencialmente a fracção
não-aromática do carvão. Fig. 53. Aumento da incarbonização da vitrinite em diferentes
parâmetros de grau, plotados em função do carbono (adaptado de
Stach et al, 1982)

51
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

Como mostra a Fig. 33, a reflectividade da vitrinite aumenta pouco até ao grau betuminoso de altos voláteis,
mas mostra um aumento maior para um teor de voláteis entre 30% e 8%. Acima deste valor (estágio
antracítico) o aumento da reflectividade é ainda maior.

As Figs. 32 e 53 mostram que as vitrinites dos carvões betuminosos sofrem 4 saltos de incarbonização que
são de natureza química e óptica. O 1º salto ocorre durante o estágio de carvão betuminoso de altos voláteis
(ca. 80% C, 43% MV, 0.6% Rm óleo). O 2º salto ocorre no estágio de carvão betuminoso de médios voláteis
(ca. 87% C, 29% MV, 1.3% Rm óleo). O 3º salto ocorre no limite entre a semi-antracite/antracite (ca. 91% C,
8% MV, 2.5% Rm óleo) e, finalmente, o 4º salto dá-se no limite entre a antracite/meta-antracite (ca. 93.5% C,
4% MV, 3.7% Rm óleo).

O primeiro salto, que também ocorre nas liptinites, coincide aproximadamente com o início da formação de
petróleo a partir do kerogénio (Fig. 42). O segundo salto, bem marcado nas liptinites (Fig. 42), é causado por
uma drástica redução do oxigénio, libertado na forma de CO 2 e H2O e pelo início da libertação de hidrogénio
na forma de metano (CH4), coincidindo mais ou menos com o fim de produção de petróleo (Fig. 42). Os
terceiro e quarto saltos da vitrinite correspondem à libertação de grandes quantidades de hidrogénio na forma
de metano, acompanhada por forte aromatização e condensação de anéis dos complexos humínicos (Fig.
65).

O aumento da anisotropia óptica da vitrinite durante a incarbonização é causado por um ajustamento


progressivo das partículas coloidais aromáticas da humina em planos de acamação devido à crescente
pressão de carga. A anisotropia óptica é assim predominantemente de origem física, o mesmo se passando
em relação ao teor de humidade da vitrinite, que também é um bom indicador de grau até ao grau de
betuminoso de altos voláteis (Tab. 4). Uma vez que o teor de humidade das vitrinites está dependente da
microporosidade, ela diminui com o aumento da profundidade até ao grau de carvão de coque (89% C, 20%
MV, 1.7% Rm óleo), após o que torna a aumentar ligeiramente devido a alterações químico-estruturais (Fig. 32).
O mínimo de porosidade e de teor de humidade coincide com o mínimo de superfície interna, densidade e
dureza e com o máximo de plasticidade (Fig. 35).

d) Características gerais das Huminites

De acordo com Sýkorova et al (2005), as huminites, em geral, caracterizam-se pelas seguintes características:

o A huminite ocorre em camadas de carvão formadas como resultado de preservação anaeróbica de


lignoceluloses (lenhina e celulose) em pântanos. Também ocorre em turfas (horizonte A).

o A Huminite tem origem em tecidos parenquimatoso e lenhosos e de conteúdos celulares de raízes,


ramos, cascas e folhas compostas de celulose, lenhina e taninos.

o É um grupo de macerais de cor cinzenta média (ao microscópio), com reflectividades entre as das
liptinites (mais escuras) e inertinites (mais claras) associadas.

o A cor e a reflectividade dependem do grau de gelificação, da origem botânica e da composição


química dos seus macerais (Cameron, 1991; Taylor et al., 1998). Assim, a cor varia de cinzenta escura
a média, e a reflectividade varia entre ~0.2 e 0.4% nas lignites e soft brown coals. Nas turfas, a

52
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

reflectividade das huminites varia entre 0.1-0.26%, dependendo dos submacerais (Cohen et al.,
1987).

o Em geral é isotrópica; se ocorrerem restos de celulose (cristalina) apresenta anisotropia.

o A huminite é caracterizada por um teor relativamente alto de oxigénio e baixo de carbono em


comparação com os macerais dos dois outros grupos. A composição elementar varia com o grau,
aumentando o carbono e diminuindo o oxigénio com o aumento do grau.

o As huminites estão divididas em 3 subgrupos macerais e seis macerais, alguns dos quais podem ser
subdivididos em submacerais (Tab. 7).

Passamos agora a ver cada um dos macerais das Huminites em detalhe. À medida que os vários macerais
forem sendo apresentados, incluir-se-ão imagens dos mesmos para elucidar os aspectos que se descrevem.

3.1.1.1.1. Telohuminite

O termo Telohuminite foi introduzido em 1970 pelo ICCP para designar huminites com estrutura celular.

A Telohuminite é um subgrupo das huminites que compreende macerais com estruturas celulares botânicas
intactas, visíveis em vários aspectos ou células isoladas, com reflectividade entre a das liptinites e inertinites
acompanhantes. O subgrupo é constituído pelas textinites e ulminites, que se distinguem pelo seu diferente
grau de gelificação. A textinite mostra paredes celulares separadas e a ulminite apresenta essas paredes
comprimidas e gelificadas.

Oa mecerais deste subgrupo provêm de tecidos lenhosos e de parênquima de raízes, ramos, cascas e folhas
quimicamente compostas de celulose e lenhina, de plantas herbáceas e arborescentes.

A presença de grandes quantidades de telohuminite indica um alto grau de preservação de tecidos em


condições húmidas e pH baixo em turfas de florestas ou em raised bogs (pântanos elevados) florestados
(Diessel, 1992). A telohuminite é a precursora da telovitrinite em carvões de grau mais alto.

3.1.1.1.1.1 Textinite

O termo textinite foi proposto em 1963 pelo ICCP para designar material de paredes celulares em lignites.
Mais tarde, em 1970, o ICCP restringiu o uso do termo a um maceral constituído por paredes celulares não
gelificadas. O termo provém do latim textum = tecido.

A textinite é um maceral do grupo das huminites, subgrupo das telohuminites, cnstituído por paredes celulares
não gelificadas, tanto em tecidos como células isoladas mas de paredes intactas (Figs. 54, 55 e 56). As células
de tecidos de fungos não pertencem à textinite (ver adiante). As textinites podem ser divididas em A e B
consoante elas forem cinzentas escuras ou claras respectivamente, sendo que a A é anisotrópica devido ao
conteúdo de celulose e tem reflexões internas, e a B é isotrópica, sem reflexões internas.

A Textinite consiste de substâncias húmicas bem como de restos de celulose e lenhina, se bem que entre as
duas textinites (A e B) hajam diferenças químicas substanciais: enquanto que a textinite B é composta só de
huminas e restos de lenhina, a textinite A contém ainda porções consideráveis de celulose, resinas, ceras e
taninos. Sendo uma Telohuminite, a textinite provém de tecidos lenhosos e de parênquima de raízes, ramos,
cascas e folhas quimicamente compostas de celulose e lenhina, de plantas herbáceas e arborescentes.

53
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

A diferença entre as duas textinites é que a A provém de Gimnospérmicas e a B de Angiospérmicas. A textinite


é a percursora da Telinite em carvões de grau mais elevado.

A quantidade de textinite numa lignite depende muito da intensidade de gelificação e do grau (de
incarbonização). Quantidades elevadas de textinite indicam alto grau de preservação de tecidos celulares em
condições relativamente secas e de baixo pH em turfeiras de florestas ou raised bogs com árvores. A
composição química dum tecido afecta a sua preservação. A textinite A, impregnada de resinas, taninos, etc.,
é quimicamente mais resistente que a textinite B

Fig. 54. Textinite (T) com corpohuminite (C) em lignite


miocénica, camada Básica, parte central da Bacia da Boémia
do Norte, República Checa. LR. Largura: 0.24 mm.

Fig. 56. Porigelinite (P) e textinite (T) em lignite miocénica, Fig. 55. Textinite (T) e corpohuminite (C) em lignite, com
camada Básica, parte central da Bacia da Boémia do Norte, fusinite (Fu). Kuhfeldschichten (Cretácio Inferior, Alemanha).
República Checa. LR. Largura: 0.24 mm LR. Largura: 0.17 mm

3.1.1.1.1.2. Ulminite

Termo usado por Stopes (1935) para designar material vegetal completamente gelificado. Em 1970, o
ICCP introduz o termo para designar tecidos vegetais mais ou menos gelificados em que as estruturas
celulares ainda podem ser vistas. O termo vem do Latim ulmus (ulmeiro). A ulmina é um produto de
decomposição de ulmeiros afectados por doenças.

A ulminite é um maceral do grupo das huminites, subgrupo da telohuminites que mostram paredes celulares
de tecidos mais ou menos gelificados (Fig. 57, 58 e 61).

Devido ao processo de gelificação as paredes celulares estão marcadamente inchadas e por isso são mais
espessas que as da textinite. Também a ulminite, à semelhança da textinite, apresenta as variedades clara
(A) e escura (B). A ulminite A pode apresentar reflexões internas, à semelhança da textinite A.

54
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

A ulminite consiste de ácidos húmicos, humatos e traços de lenhina e celulose (Süss, 1959). De acordo com
Taylor et al (1998), as paredes celulares já não contêm celulose, donde que a baixa reflectância da ulminite
A deve estar relacionada com impregnações de resinas e ceras nas paredes celulares.

Fig. 57. Ulminite (U). Kuhfeldschichten (Cretácico Inferior, Fig. 58. Densinite (D) e ulminite (U) em lignite miocénica,
Valendis), Alemanha. LR. Largura: 0.22 mm. camada Básica, parte central da Bacia da Boémia do Norte,
República Checa. LR. Largura: 0.16 mm.

Sendo uma Telohuminite, a textinite provém de tecidos lenhosos e de parênquima de raízes, ramos, cascas
e folhas quimicamente compostas de celulose e lenhina, de plantas herbáceas e arborescentes. Grandes
quantidades de ulminite indicam um alto grau de preservação de tecidos celulares em condições húmidas e
de pH baixo de turfeiras de florestas ou de raised bogs florestados (Diessel, 1992). De acordo com Taylor et
al. (1998) o processo de gelificação bioquímica é acelarado em ambientes ensopados de água devido ao
fornecimento de determinados iões (Na, Ca). As madeiras impregnadas de resinas, ceras e taninos são muito
resistentes à decomposição química e estrutural. Daí que a ulminite A derivada das gimnospérmicas seja
mais abundante que a ulminite B derivada das angiospérmicas. A ulminite é a percursora da colotelinite dos
carvões de grau mais elevado.

A ulminite é primariamente formada em turfas e solos em condições húmidas e em sedimentos límnicos, mas
também devido ao grau de incarbonização. Assim o enriquecimento em ulminite reflecte tanto certas
condições paleoambientais como avanço na incarbonização. A quantidade de ulminite aumenta por isso à
custa da diminuição da quantidade de textinite com o aumento do grau.

3.1.1.1.2. Detrohuminite

O termo provém do Latim humus (solo) + detritus (detrito, produto de desintegração). É um subgrupo do grupo
das huminites consistindo de fragmentos húmicos (<10 m) que podem estar cimentados por matéria húmica
amorfa. Em função da gelificação, a detrohuminite é subdividida em atrinite (não gelificada) e densinite
(gelificada). A composição química da detrohuminite é mais ou menos independente do grau de gelificação.

Os macerais deste subgrupo derivam de plantas herbáceas e arborescentes através de forte decomposição
de tecidos lenhosos e parenquimatosos de ramos e folhas. As plantas herbáceas e as madeiras de
angiospérmicas desintegram-se mais facilmente que os tecidos lignificados, mas as coníferas também podem
contribuir para a detrohuminite. A detrohuminite é a percursora da detrovitrinite de carvões de grau mais
elevado.

55
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

3.1.1.1.2.1. Atrinite

Termo usado pelo ICCP desde 1970 para designar partículas húmicas que formam a matriz não gelificada
dos carvões. O termo deriva do Latim attritus (matéria pulverizada por atrito). O maceral consiste duma mistura
de finas partículas huminíticas (<10 m) de diferentes formas, porosas e esponjosas não gelificadas (Figs. 59
e 60).

A atrinite é cinzenta escura, dependendo da densidade dos poros. Consiste de substâncias húmicas e restos
de celulose e lenhina. As propriedades químicas variam em função do material vegetal de origem.

A parte detrítica da atrinite resulta de forte decomposição estrutural de tecidos parenquimatosos e lenhosos
de ramos e folhas de plantas herbáceas e arborescentes, originariamente compostas de celulose e, em menor
escala, lenhina. Forma-se em condições aeróbicas. A parte porosa da atrinite consiste de colóides húmicos
floculados. Durante a incarbonização, a atrinite passa a densinite por gelificação e a colodetrinite por
vitrinitização, se bem que a densinite possa ocorrer em simultâneo com a atrinite na mesma camada,
dependendo das condições de deposição.

Grandes quantidades de atrinite indicam condições relativamente secas na superfície dos pântanos, seguidas
de decomposição aeróbica das partes húmicas das plantas. A Atrinite ocorre também como detritos vegetais
depositados subaquaticamente.

Fig. 59. Atrinite (A) e densinite (D). Notar fragmento de Fig. 60. Atrinite (A) com suberinite (S) e flobafinite (P). Lignite
textinite (T) e funginite (F). LR. Largura: 0.25 mm. miocénica da camada Anežka, Bacia de Sokolov, Rep. Checa.
LR. Largura: 0.24 mm.

3.1.1.1.2.2. Densinite

O termo foi introduzido pelo ICCP em 1970 para designar um maceral composto de pequenas partículas
gelificadas cimentadas por material húmico amorfo. O termo vem do Latim densus (compacto, denso). A
densinite consiste de finas partículas huminíticas (<10 m) cimentadas por substâncias huminíticas, amorfas
e densas. A densinite é uma matriz húmica gelificada, mais ou menos homogénia, cimentando outros
componentes do carvão (Figs. 58, 59, 61 e 62).

A densinite é formada por dois processos: (1) forte decomposição de tecidos parenquimatosos e lenhosos de
ramos e folhas compostos de celulose e lenhina, seguida de gelificação bioquímica em condições húmidas
no estágio de turfa; (2) Gelificação geoquímica de atrinite com o aumento da incarbonização.

56
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

3.1.1.1.3. Gelohuminite

Termo introduzido pelo ICCP para designar um subgrupo de macerais de cor cinzenta, originados de matéria
húmica amorfa. A gelohuminite compreende os macerais corpohuminite e gelinite. O primeiro refere-se a
corpos isolados representando os preenchimentos celulares de flobafenos, in situ ou isolados.; o segundo
refere-se a preenchimentos secundários de espaços inicialmente vazios. A humocolinite tem mais duma
origem. Pode derivar de tecidos vegetais e detritos húmicos intensamente gelificados, cuja estrutura não é
reconhecida ao microscópio de luz reflectida. Pode também ter origem em colóides húmicos precipitados.
Uma terceira origem é de preenchimentos celulares flobafénicos formados pelas próprias plantas.

3.1.1.1.3.1. Corpohuminite

O termo foi introduzido em 1970 pelo ICCP para designar corpos não estruturados de peenchimentos
celulares húmicos, ocorrendo in situ junto com a textinite ou ulminite ou isolados, com atrinite, densinite e
argilas. Dependendo da forma das células preenchidas por estes materiais e da orientação dos grãos, a forma
da corpohuminite pode ser esférica, oval ou alongada. Também o seu tamanho depende do tamanho original
das células. A maioria da corpohuminite é compacta, mas pode conter vacúolos.

Podem distinguir-se dois sub-macerais: flobafinite, que se refere aos produtos da incarbonização de
excreções celulares primárias, e pseudo-flobafinite, que se refere a preenchimentos secundários que se
originam de colóides húmicos. A distinção só é possível se estiverem dentro das estruturas celulares da
textinite/huminite. Se os grãos não tiverem contacto com as paredes celulares, o maceral é classificado como
flobafinite. Quando o espaço celular estiver completamente preenchido com substâncias amorfas húmicas,
ele é classificado como pseudo-flobafinite. São macerais de cor cinzenta a cinzenta clara. As figs 54, 55 e 62
ilustram algumas corpohuminites.

A corpohuminite que resulta de excreções celulares e taninos tem uma forte componente aromática, sendo
por isso química e estruturalmente muito resistentes. As corpohuminites resultantes de precipitação coloidal
são constituídas por huminas.

3.1.1.1.3.2. Gelinite

Termo introduzido por Szádecky-Kardoss (1949) para geles húmicos precipitados, e adoptado pelo ICCP para
referir um maceral consistindo de geles huminíticos sem forma própria. Em microscopia de luz reflectida, ele
aparece como uma substância não estruturada ou porosa homogénea.

Fig. 61. Densinite (D) e ulminite (U) em lignite miocénica, Fig. 62. Corpohuminite (C, flobafinite), densinite (D) e funginite
camada Básica, parte central da Bacia da Boémia do Norte, (F). Rheinische Braunkohle, Camada Principal. Mioceno. LR.
República Checa. LR. Largura: 0.16 mm. Largura: 0.20 mm.

57
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

A gelinite é composta de ácidos húmicos e seus sais


(especialmente Ca e Na), e a sua composição química é
influenciada pelo grau, fácies e condições regionais. A gelinite
está subdividida em dois submacerais: levigelinite
completamente desestruturada, compacta e homogénea.
Pode apresentar fissuras de retracção devido a dessecação
(Fig. 63). A porigelinite tem um aspecto esponjoso, poroso ou
microgranular (Fig. 56). A gelinite ocorre tanto singenética
como epigeneticamente. Fig. 63. Gelinite (G). Kuhfeldschichten (Cretácico
Inferor, Valendis), Alemanha. LR. Largura: 0.3 mm.

Podem formar-se como substâncias húmicas amorfas segregadas directamente pelas paredes celulares
durante períodos húmidos no estágio de turfa e preenchendo espaços celulares. Na maioria dos casos
resultam da precipitação de produtos a partir de soluções coloidais húmicas e preenchem outros espaços.

e) Características gerais das Vitrinites

De acordo com ICCP (1998), as vitrinites têm as seguintes características:

o Ocorre em camadas de carvão formadas como resultado de preservação anaeróbica de material ligno-
celulósico em pântanos.

o Têm origem em tecidos parenquimatosos e lenhosos de raízes, ramos, cascas e folhas compostos de
celulose e lignina.

o Grupo de macerais de cor cinzenta (média a clara) e cuja reflectividade está entre a das liptinites (mais
escuras) e inertinites (mais claras) acompanhantes.

o Cor e reflectividade variam com o grau. Ela é cinzenta escura nos graus mais baixos (sub-betuminoso),
mas torna-se clara ou branca em carvões de grau mais alto. A reflectividade média (R m óleo) nesta gama
de cores varia entre 0.5->7.0%. A anisotropia óptica também aumenta com o grau, excepto em que o
aumento de grau é provocado por metamorfismo de contacto.

o A vitrinite é caracterizada por um teor de oxigénio relativamente alto quando comparado com o dos
outros macerais. A composição elementar depende do grau:

Carbono: 77-96%
Hidrogénio: 6-1%
Oxigénio: 16-1%
o Rica em estruturas aromáticas. A aromaticidade aumenta com o grau.

o O termo vitrinite abraça três subgrupos e seis macerais derivados da matéria húmica (Tab. 7).

A Tab. 7 mostra a correlação entre os macerais da huminite e os da vitrinite, não esquecendo que as huminites
são as precursoras das vitrinites.

Passamos agora a ver cada um dos macerais das Vitrinites em detalhe. À medida que os vários macerais
forem sendo apresentados, incluir-se-ão imagens dos mesmos para elucidar os aspectos que se descrevem.

58
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

3.1.1.1.4. Telovitrinite

O termo foi introduzido em 1994 pelo ICCP para designar vitrinite com estrutura celular, a qual pode ou não
ser visível em luz branca reflectida. O termo vem do Latim Tela (tecido) + vitrum (vidro). A telovitrinite é um
subgrupo das vitrinites que apresenta estruturas celulares preservadas, visíveis ou não. O subgrupo inclui os
sub-macerais telinite e colotelinite que se distinguem pelo seu diferente grau de gelificação geoquímica
(vitrinitização). A telinite consiste de paredes celulares claramente visíveis, ao passo que a colotelinite é mais
ou menos desestruturada. Os macerais deste subgrupo derivam de tecido parenquimatoso e lenhoso de
raízes, ramos, cascas e folhas compostos de celulose e lenhina de plantas herbáceas e arbóreas. Grandes
quantidades de telovitrinite indicam um alto grau de preservação de tecidos em condições húmidas e
possivelmente de pH baixo, em turfas de floresta ou de raised bogs florestados. O precursor da telovitrinite é
a humotelinite.

3.1.1.1.4.1. Telinite

O termo telinite foi introduzido em 1933 (Jongmans & Koopmans, 1934) e designa um maceral do grupo da
vitrinite, subgrupo da telovitrinite, consistindo de paredes celulares claramente reconhecíveis, de tecidos
vegetais mais ou menos intactos (Fig. 64). As paredes celulares estão sempre gelificadas. Os espaços
celulares estão ocasionalmente vazios, mas geralmente estão fechados pelo inchamento das paredes
celulares devido à gelificação (Fig. 65), ou então porque estão preenchidos por outros macerais e/ou minerais
(Figs. 66 e 64), ou ainda porque o tecido está comprimido (Fig. 67). O poder reflector da telinite difere muitas
vezes do dos preenchimentos celulares de gelocolinite. Se os preenchimentos tiverem uma reflectividade
mais baixa, deve tratar-se de resinite (Fig. 66).

As paredes celulares de tecidos de fungos não pertencem à telinite.

A composição química elementar e a aromaticidade dependem do grau de incarbonização. A telinite deriva


de tecido parenquimatoso e lenhoso de raízes, ramos, cascas e folhas compostas de celulose e lenhina de
plantas herbáceas e arbóreas, em que a vitrinitização (gelificação geoquímica) afectou principalmente as
paredes celulares.

Os percursores da telinite são as textinites e ulminites, que se transformam em telinite no grau de betuminoso
de altos voláteis. É menos abundante que o outro maceral do subgrupo (ver adiante). Em carvões de maior
grau de incarbonização, a telinite só é discernível se os seus lúmens estiverem preenchidos por minerais.

Fig. 65. Telinite dum carvão Triássico da Alemanha, em que em


cima se vêem os espaços celulares e em baixo as paredes estão
muito inchadas, colapsando esses mesmos espaços. In Stach et
al (1982), pg. 92.

Fig. 64. Telinite, preenchida por minerais de argila.


Carvão da Camada Chipanga III, Moatize, Moçambique
(Vasconcelos, 1995).

59
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

Fig. 67. Telinite com a estrutura compactada. In Stach et al


Fig. 66. Telinite (clara) preenchida por uma gelocolinite (mais
(1982), pg. 92.
escura). Esq. imersão em óleo; dir. imersão em iodeto de
metileno. In Stach et al (1982), pg. 92.

3.1.1.1.4.2. Colotelinite

A colotelinite (anteriormente chamada de telocolinite) é um


maceral do subgrupo das telovitrinites que aparenta um
aspecto homogénio e sem estrutura (Fig. 68). A estrutura
(celular) pode ser revelada pelo uso de ataques químicos
(etching) (criptotelinite). Do Latim colla (cola) + tela (tecido).

O poder reflector da colotelinite é largamente usado para


determinar o grau de incarbonização do carvão e da matéria
orgânica dispersa nos sedimentos. Fig. 68. Colotelinite extremamente homogénia
(topo). Em baixo, macerais dos grupos da liptinite e
A composição química e a aromaticidade dependem do grau. inertinite. Carvão betuminoso de altos voláteis,
África do Sul (Falcon & Snyman, 1986).
O aumento da aromaticidade provoca o aumento do poder
reflector.

À semelhança da textinite, a colotelinite deriva de tecido parenquimatoso e lenhoso de raízes, ramos, cascas
e folhas compostos de celulose e lenhina de plantas herbáceas e arbóreas, só que no caso da colotelinite a
gelificação geoquímica provoca o desaparecimento da estrutura celular. O precursor da colotelinite é a
ulminite.

3.1.1.1.5. Detrovitrinite

Consiste dum subgrupo de macerais compostos de restos vegetais finamente fragmentados e vitrinizados,
que podem ocorrer isolados ou cimentados por vitrinite amorfa. Do Latim detritus (detrito) + vitrum (vidro).

Este subgrupo é composto de dois macerais: vitrodetrinite e colodetrinite. O primeiro refere-se a partículas
de vitrinite claramente visíveis e separadas, ocorrendo isoladas ou cimentadas por vitrinite amorfa ou
minerais; o segundo descreve agregados ou matriz de vitrinite em que os limites dos grãos já não se
conseguem visualizar devido à gelificação.

Os macerais deste grupo derivam de forte decomposição de tecido parenquimatoso e lenhoso de raízes,
ramos e folhas de plantas herbáceas e arbóreas, originalmente constituídas de lenhina e celulose. As
estruturas celulares foram destruídas devido à abrasão química e/ou física. Grandes quantidades de
detrovitrinite indicam alto grau de destruição de tecidos vegetais, especialmente das plantas herbáceas ricas
em celulose. A detrovitrinite é o maceral dominante quando prevaleceram condições neutras ou alcalinas e
oxidantes no estágio de turfa. O percursor da detrovitrinite é a humodetrinite.

60
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

3.1.1.1.5.1. Vitrodetrinite

A vitrodetrinite (Fig. 69) é um maceral do subgrupo


das detrovitrinites que ocorre como fragmentos
vitriníticos isolados, de forma variável, com
dimensões inferiores a 10 m. A vitrodetrinite deriva
de extensa fragmentação de tecidos
parenquimatosos e lenhosos de raízes, ramos e
folhas compostas de lenhina e celulose, em que a
gelificação ocorreu antes do transporte e deposição,
ou após a sedimentação. Fig. 69. Vitrodetrinites e gelocolinite de carvão betuminoso de
altos voláteis do Ruhr, Alemanha. In Stach et al, 1982.

3.1.1.1.5.2. Colodetrinite

A colodetrinite ocorre como uma matriz agregando outros macerais (Figs. 70 e 71). A colodetrinite não
apresenta continuidade textural e mostra menos acamação. É uma mistura de partículas de vitrinite <10 m
e matéria vitrinítica amorfa. Ela contém mais partículas inorgânicas submicroscópicas que os outros macerais
do grupo das vitrinites, mas o grau de homogenização não permite distingui-las ao microscópio.

A composição química e a aromaticidade dependem do grau de incarbonização. As propriedades ópticas


mostram que este maceral deve conter um maior teor de hidrogénio que a correspondente colotelinite devido
a um menor grau de aromaticidade.

A colotelinite deriva de tecidos parenquimatosos e lenhosos de raízes, caules e folhas compostas de celulose
e lenhina, cujos tecidos foram fortemente destruídos durante o início do estágio de turfa. As minúsculas
partículas estão cimentadas por colóides húmicos dentro da turfa e subsequentemente homogenizados pela
gelificação química. A origem mais provável é das celuloses do que as lenhinas.

Fig. 70. Colovitrinite com algum bandamento. Fig. 71. Colovitrinite com grãos de argila. Carvão
Carvão de Witbank, RSA. Falcon & Snyman, 1986. de norte de KwaZulu-Natal, RSA. Falcon &
Snyman, 1986.

3.1.1.1.6. Gelovitrinite

A gelovitrinite é um subgrupo de macerais consistindo de preenchimentos coloidais de material vitrinítico em


vazios pré-existentes. O subgrupo tem dois macerais: corpogelinite e gelinite. O primeiro refere-se a corpos
isolados representando primariamente preenchimentos flobafiníticos de lúmens celulares in situ ou isolados

61
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

na matriz carbonosa ou mineral. O segundo refere-se a preenchimentos secundários de microfissuras,


clivagens e outros espaços vazios.

Provavelmente a gelocolinite tem mais de uma origem, mas em geral assume-se que deriva de conteúdos de
células vegetais ou de fluidos húmicos formados a partir dos tecidos vegetais durante a decomposição e
diagénese, e subsequentemente precipitados como geles coloidais nos espaços vazios.

3.1.1.1.6.1. Corpogelinite

A corpogelinite é um maceral do subgrupo das gelovitrinites, consistindo de corpos homogéneos e separados


representando preenchimentos celulares. Os corpos de corpogelinite podem ser encontrados dentro da
telovitrinite nos seus locais originais de deposição; alternativamente podem ocorrer isolados dentro da matriz
atrinítica como resultado da degradação dos tecidos vegetais. Portanto, os corpos de corpogelinite podem
ocorrer isolados ou em grupo, podendo ter forma esférica, oval ou alongada. Por vezes contêm vacúolos
(Figs. 72 e 73).

Fig. 72. Dois corpos de corpocolinite. Carvão de


Witbank, RSA. Falcon & Snyman, 1986.
Fig. 73. Corpocolinite envolta por colodetrinite. Bacia
do Transvaal Oriental, RSA. Falcon & Snyman, 1986.

A corpogelinite pode ser de origem primária, correspondendo aos conteúdos celulares, derivados em parte
de taninos. Também pode derivar de secreções das paredes celulares. Por outro lado, pode consistir de
preen-chimentos de cavidades em tecidos por soluções húmicas que subsequentemente precipitam como
geles durante a turbificação e nos estágios iniciais da incarbonização. O percursor da corpogelinite é a
corpohuminite.

3.1.1.1.6.2. Gelinite

A gelinite é um maceral do subgrupo das gelovitrinites consistindo de preenchimentos homogéneos de


fissuras e outros espaços.

Geralmente é de origem secundária. Pode ocorrer como uma matriz embebendo partículas de carvão
milonitizado, ou pode impregnar cavidades celulares doutros macerais (Fig. 74). O maceral forma-se de
colóides húmicos originados durante o início da diagénese do material vegetal.

A gelinite do grupo das huminites é a percursora da gelinite deste grau de incarbonização. É o menos comum
dos macerais do grupo das vitrinites.

62
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

Fig. 75. Gelinite preenchendo uma fissura numa Telinite. Carvão da


Turquia. Stach et al, 1982.

Fig. 74. Telinite com espaços celulares


preenchidos por gelinite. Carvão de Witbak, RSA.
Falcon & Snyman, 1986.

3.1.1.2. LIPTINITE

a) Percursores químicos e botânicos

Os macerais do grupo das liptinites provêm de materiais vegetais ricos em hidrogénio (por exemplo,
esporopolenina, cutina, súber ou cortiça, resinas, ceras, bálsamos, látex, gorduras e óleos) e de produtos de
degradação de proteínas, celulose e outros carbohidratos por acção bacteriana. Em oposição aos materiais
húmicos, as liptinites contêm grandes quantidades de constituintes alifáticos (p.ex., n-alcanos 49). Uma grande
100

parte das liptinites provém dos lípidos vegetais (substâncias gordurosas), que podem ser subdivididas, com
base na sua solubilidade em solventes orgânicos, em: grupo solúvel gorduras-ceras e grupo insolúvel
altamente polimerizado súber-cutina.

b) Alterações durante a turbificação e incarbonização

Durante a turbificação e diagénese desde o estágio de brown coals até ao dos carvões sub-betuminosos, as
liptinites são relativamente estáveis, ao contrário do que acontece com os materiais húmicos. Elas não sofrem
humificação nem gelificação e, consequentemente, os mesmos nomes de macerais podem ser usados para
os estágios de turfa, brown coal, sub-betuminoso e betuminoso.

Aproximadamente no limite entre os estágios de carvão sub-betuminoso e betuminoso, começa uma ligeira
alteração irregular dos constituintes lipídicos, que Teichmüller (1974 a,b) descreveu como o 1° salto de
incarbonização das liptinites. A alteração coincide com a formação de petróleo em rochas-mãe e, do
mesmo modo nos carvões, substâncias típicas do petróleo são formadas através de processos de
descarboxilação101 e redução, e parecem ser adsorvidas pelas substância húmicas. Só em casos raros elas
permanecem livres na forma de exsudatinite (ver adiante maceral deste grupo). Como resultado desta
alteração forma-se micrinite (do grupo das inertinites) como produto residual. Este processo dá-se para um
teor de voláteis de 44-40%.

100

101
Descarboxilação: processo de remoção dum grupo carboxilo dum composto químico (usualmente substituído por hidrogénio).
51
Exina: camada externa de um palinomorfo (esporo ou pólen), altamente resistente a ácidos e bases fortes, composta de
esporopolenina

63
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

Um 2° salto de incarbonização das liptinites, que coincide com a destruição do petróleo (i.e., conversão
em hidrocarbonetos gasosos), ocorre no estágio de betuminoso de altos voláteis (MV = 29%), e é
caracterizado por uma libertação súbita de hidrogénio e de voláteis.

No estágio de carvão de coque (betuminoso de médios


voláteis) as liptinites adquirem as propriedades químicas e
ópticas das vitrinites, das quais não se podem distinguir ao
microscópio. E assim a vitrinite é um produto da
incarboniza-ção das liptinites. No estágio de antracite Fig. 76. Liptinite (cutinite) em estágio de antracite, com
poder reflector mais alto que a vitrinite. Saxónia,
muitas anteriores liptinites reflectem mais que as Alemanha. In Stach et al, 1982.
verdadeiras vitrinites (Fig. 76).

c) Características gerais das Liptinites

Dado que os macerais do grupo das liptinites têm origens muito variadas, é muito difícil estabelecerem-se
características comuns. Pode dizer-se que as liptinites têm um teor mais elevado de hidrogénio, têm um poder
reflector menor (até ao estágio de betuminoso de altos voláteis). Por outro lado, todas as liptinites se
caracterizam por apresentarem fluorescência quando irradiadas com luz UV ou azul, coisa que só acontece
nas vitrinites quando estas se encontram impregnadas de substâncias lipídicas que se libertam durante o 1°
salto de incarbonização.

Passamos a descrever os vários macerais do grupo das liptinites. São apresentadas fotografias tiradas em
luz branca e também em luz fluorescente (aspecto que será detalhado mais adiante nos métodos de análise,
ponto 3.5.)

3.1.1.2.1. Esporinite

A esporinite origina-se das paredes celulares externas (exinas 51 e perinas103) de esporos e pólenes. As
102

células são compostas de esporopolenina104, que é muito resistente, altamente polimerizada, insolúvel. A sua
composição química varia, mas foi estabelecida uma fórmula empírica para a esporopolenina do Lycopodium
clavatum: C90H127O12(OH)15. Devido à sua composição química variada, as exinas de diferentes tipos de
plantas mostram resistências diferentes.

Em contraste com a esporopolenina dos pólenes e esporos actuais, a substância fóssil correspondente é
chamada de esporonina. Com o aumento da incarbonização, o teor em carbono aumenta e os teores de
oxigénio e hidrogénio diminuem

Os tipos de esporinite variam consoante a idade dos carvões. Assim, por exemplo, os carvões carboníferos
têm esporinites de Pteridófitas e pólenes de Gimnospérmicas. Os megaesporos típicos dos carvões
Paleozóicos (Fig. 77, 78a-b) são raros no Mesozóico e Cenozóico. Os carvões Gondwânicos são
relativamente pobres em esporinite (Fig. 79). No Cretácico e Terciário a esporinite passa a ser dominada por
pólenes de Angiospérmicas, diminuindo as esporinites de esporos.

102

103
Perina: camada situada à volta das exinas de muitos esporos.
104
Esporopolenina: biopolímero resistente à acetilose.

64
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

Fig. 77. Desenho esquemático dum


megaesporo colapsado (Stach, 1935).

Fig. 78. a) Megaesporo dum carvão betuminoso de altos voláteis do Ruhr,


Alemanha. b) Megasporo dum carvão betuminoso de altos voláteis do Ruhr,
Alemanha. Luz Fluorescente. In Stach et al (1982)

Nem todos os esporos e pólenes são preservados. Muitos tipos


Fig. 79. Carvão gondwânico com pouca
liptinite. In Stach et al, 1982. são facilmente decompostos, em especial os que têm exinas muito
finas (p. ex., juncos, canaviais).

O ambiente deposicional também joga um papel importante na preservação, e as turfas de influência marinha
e salobra, ao contrário das turfas de águas frescas, são caracterizadas por pequenas quantidades de
esporinite. Uma parte dos esporos e pólenes assoprados para os pântanos ficam a apodrecer no topo das
árvores onde caiem, ao passo que nos pântanos de águas abertas, eles caiem na água, não ficando assim
sujeitos ao efeito oxidante da atmosfera. O clima também influi na quantidade de esporos produzidos.

Apesar das alterações severas que a esporinite sofre no estágio de turfa, ela sofre poucas alterações até ao
estágio de betuminoso de altos voláteis B/A quando ocorre o 1º salto de incarbonização (Fig. 42). Aqui, a cor
do esporo em luz transmitida passa de amarelo a castanho. Durante o 2º salto de incarbonização, a cor da
esporinite passa rapidamente de castanho-escuro a negro e a sua reflectância aumenta tanto que os esporos
deixam de se distinguir da vitrinite.

3.1.1.2.2. Cutinite

A cutinite origina-se das camadas cuticulares e cutículas das paredes celulares das células exteriores de
folhas, caules e outras partes aéreas das plantas. As cutículas são constituídas por celulose na base, seguida
de cutina, ceras, celulose e pectina 105, no topo da qual é depositada uma película resistente à água, composta
de cutina pura (Figs. 80 e 81). As cutículas ocorrem em todas as plantas terrestres fornecendo protecção
contra a dessecação.

As cutinas são compostas de ácidos gordos, são altamente polimerizadas e quimicamente semelhantes ao
súber, sendo consideradas as substâncias mais resistentes que as plantas produzem. Por isso ocrrem muitas
vezes preservadas inalteradas durante a turbificação e ainda nos primeiros estágios da incarbonização. De
facto, a cutina e as ceras associadas ainda se encontram nos brown coals.

105
Pectina: polímero natural presente na parede das células vegetais. Forma o gel das compotas.

65
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

Fig. 81. Esquema 3D duma cutícula. In Stach et al, 1982.


Fig. 80. Esquema duma folha em corte transversal. A
cutícula vem referida com a letra k. In Stach et al, 1982.

Apesar da sua resistência, e em oposição à esporinite, a cutinite é mais rara. A possível explicação será que
ela é extremamente fina e delicada, e assim é destruída mecanicamente na parte superior da turfa por acção
dos animais. Se isso for verdade, grande parte da liptodetrinite será constituída de detritos de cutinite.

Fig. 82. Cutinite fortemente denteada dum carvão turco de altos voláteis.
Stach et al, 1982.
Fig. 83. Cutinite de conífera com
resinite (r). Stach et al, 1982.

A cutinite é fortemente alterada no estágio sub-betuminoso/betuminoso, com a libertação de determinados


tipos de hidrocarbonetos (parafinas, alto peso molecular). No estágio de carvão de coque a cutinite já reflecte
mais que a vitrinite. A Fig. 76 mostra cutinites no estágio de antracite, com uma alta reflectividade. As Figs.
82 a 85 mostram alguns aspectos de cutinite.

Fig. 85. Cutinites não denteadas dum carvão de altos


voláteis do Ruhr (Alemanha). Stach et al, 1982.
Fig. 84. Cutinite cortada horizontalmente, carvão de altos
voláteis do Ruhr (Alemanha). Stach et al, 1982.

3.1.1.2.3. Resinite

Todas as resinas naturais são produtos do metabolismo das plantas. As suas propriedades químicas e físicas
variam bastante. A resinite dos carvões compreende não só as resinas das plantas, mas também outras

66
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

secreções, como óleos essenciais que ocorrem nas folhas que foram transformados em resina na forma de
pequenos corpos arredondados. Nos carvões as resinites ocorrem normalmente como preenchimentos
celulares, mas também podem ocorrer em camadas ou finamente dispersas. Em corte vertical, os corpos de
resinite aparecem arredondados (esféricos ou elípticos) e com um poder reflector mais baixo que o das
esporinites e cutinites (Fig. 86 e 87). Um aspecto característico das resinites paleozóicas é o seu aspecto
zonado (Fig. 88).

Fig. 87. Corpos isolados de resinite de preenchimentos


celulares num carvão de altos voláteis do Ruhr (Alemanha).
Stach et al, 1982.
Fig. 86. Resinite muito escura; resina bem preservada de
lignite dura do Eoceno de Bornéu. Stach et al, 1982.

Fig. 88 Corpo resinoso alongado mostrando zonamento num


carvão de altos voláteis do Ruhr (Alemanha). Stach et al,
1982.
Fig. 89. Resinite esférica, cinzenta escura, passando
gradualmente a inertinite. Carvão de altos voláteis do Ruhr
(Alemanha). Stach et al, 1982.

Em superfície polida, muitas vezes os corpos de resinite não aparecem escuros. Em adição aos corpos
escuros também aparecem os corpos cinzentos ou mesmo brancos (Fig. 89). Isto indica que as resinites
foram sendo progressivamente transformadas em inertinite por oxidação (mesmo fenómeno que o
representado na Fig. 72, para as cutinites).
Se a resina for coberta por água imediatamente após a sua libertação das plantas, ela fica preservada como
resina fóssil até aos nossos dias. Pelo contrário, se ela ficar sujeita à acção atmosférica, sofre uma
oxidação106 e por isso aparece mais branca (Fic. 89), pois torna-se mais pobre em hidrogénio e mais rica em
carbono.

O poder reflector da resinite aumenta com o grau, e as alterações químicas ao longo da incarbonização são
semelhantes às sofridas pelos outros macerais do grupo das liptinites.

3.1.1.2.4. Alginite

A alginite forma-se a partir de espécies de algas particularmente ricas em óleos. A alginite não ocorre
normalmente em carvões húmicos, mas sim em carvões boghead e cannel: Pila e Reinschia no Carbonífero,
e Tasmanite no Jurássico-Cretácico. As Figs. 90 a 94 mostram alguns aspectos de alginites.

106
As resinas são compostos não saturados, por isso têm tendência a captar oxigénio.

67
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

Fig. 92. Colónias de algas Pila em luz


fluorescente.
Fig. 91. Colónia de algas Pila (LF)
Fig. 90. Duas algas recentes do género
Botryococcus braunii em luz transmitida.

Fig. 93. Algas Reinschia Fig. 94. Algas Reinschia


Imagens in Stach et al 1982

3.1.1.2.5. Suberinite

A suberinite (Fig. 95, Fig 50a-d) é só encontrada em carvões Terciários e


alguns Mesozóicos. A suberina encontra-se em alguma paredes celulares
(cortiça) que ocorrem em cascas e à superfície de raízes, caules e frutos, Fig. 95. Suberinite (paredes celulares)
com preenchimentos de flobafinite. In
agindo como protector contra a dessecação. A suberina é semelhante à Stach et al 1982.
cutina, mas menos polimerizada e por isso mais facilmente atacada.

3.1.1.2.6. Exsudatinite

Este maceral aparece no limite entre os estágios de carvão sub-betuminoso/betuminoso. Ele desenvolve-se
a partir dos constituintes lipídicos das liptinites e a sua génese está relacionada com o apa-recimento dos
hidrocarbonetos líquidos (1º salto de incarbonização). O seu nome provém do facto de ele parecer resultado
do “suor” das liptinites: do Latim exsudare = suar. A Fig. 96 mostra vários aspectos de exsudatinite. As
imagens d-e da figura mostram exsudatinites oxidadas, já com características da inertinite (comparar com a
Fig. 76).

3.1.1.2.7. Betuminite

A betuminite caracteriza-se por falta de forma própria (Fig. 97). Diferencia-se da exsudatinite por ser autóctone
e ocorrer entre os planos de acamação. Aparece como matriz de outros macerais, apresentando uma
estrutura granular (Fig. 97). Apesar de ocorrer em carvões húmicos, a betuminite é característica de carvões
subaquáticos.

No estágio de altos voláteis a betuminite origina hidrocarbonetos, deixando um resíduo sólido de micrinite (ver
inertinites)

68
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

Fig. 96. Exemplos de exsudatinite. a) e b) Exsudatinite


preenchendo espaços de fissuras e de células de
tecidos vegetais; c) Exsudatinite preenchendo
fissuras; d) e e) Meta-exsudatinite. in Stach et al
(1982).

Fig. 97. Betuminite com micrinite como matriz de


corpogelinite (c), vitrodetri-nite (v) e inertodetrinite (i).
Stach et al 1982.

3.1.1.2.8. Clorofilinite

A clorofilinite é um maceral que resulta da preservação de grãos de clorofila das folhas. Ocorre em especial
nos “carvões de folhas” (estágio brown coal) do Terciário e como tal associada à cutinite, maceral de que este
tipo de carvões é muito rico.

3.1.1.2.9. Fluorinite
A fluorinite é um maceral do grupo das
liptinites que se forma a partir de óleos
vegetais (Teichmüller, 1974b) e apresenta
geralmente uma forte fluorescência. Devido
ao seu aspecto negro em luz transmitida
branca, ela foi
confundida com
Fig. 98. Fluorinite em luz natural (a) e fluorescente (b). Stach et al 1982
lentes de argila
(Fig. 98)

3.1.1.2.10. Liptodetrinite

Liptodetrinite é um termo colectivo para constituintes liptiníticos de diferentes


formas que, devido ao seu aspecto detrítico, não podem ser atribuídos a nunhum
maceral do grupo da Liptinite. São fragmentos ou resíduos de degradação de
Fig. 99. Liptodetrinite (l),
esporinite (s) e resinite (r). esporos, cutículas, corpos resinosos, algas, etc. (Fig. 99). A liptodetrinite parece
Stach et al 1982.

69
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

ser característica de carvões de deposição sub-aquática. Devido à sua origem de vários macerais do grupo,
as liptodetrinites têm propriedades físicas, químicas e ópticas muito variáveis. Em luz reflectida branca, é
difícil distinguir a liptodetrinite dos minerais de argila. A introdução de fluorescência permitiu distinguir estes
fragmentos.

3.1.1.3. INERTINITE

a) Percursores químicos e botânicos

Os percursores químicos e botânicos das inertinites são basicamente os mesmos que os das
huminite/vitrinites, em especial as celuloses e lenhinas das paredes celulares das plantas (Tab. 8). Contudo,
esses constituintes sofrem uma história completamente diferente, descrita como fusinitização. Este processo
produz substâncias com conteúdo de carbono relativamente alto e de hidrogénio baixo. Devido a um maior
grau de aromatização e condensação, a reflectividade das inertinites é substancialmente maior que a das
correspondentes vitrinites. Vários fenómenos que ocorrem antes da deposição ou à superfície da turfa causam
fusinitização: charring, oxidação, humificação, e ataque por fungos.

O alto grau de reflectividade típico dalgumas inertinites por vezes já está determinado nas plantas vivas, por
exemplo, os fungos. As inertinites podem originar-se também a partir dos outros macerais durante a
incarbonização geoquímica. As Figs. 76 e 96 mostram inertinites originadas de liptinites.

b) Alteração durante a turbificação e incarbonização

A maioria das inertinites sofrem pouca alteração durante a incarbonização porque elas já estão ‘pré-
incarbonizadas’. Alguns macerais que resultam do charring tornam-se pouco reactivos devido a uma pré-
desgasificação severa. Outros macerais possuem moléculas altamente condensadas que só com muita
dificuldade são atacadas. O grau de possível alteração depende do grau de fusinitização. Assim, uns macerais
são mais alterados que outros.

Durante a incarbonização, as inertinites perdem o restante do oxigénio e hidrogénio, tornando-se enriquecidos


em carbono., o que é acompanhado por um ligeiro aumento da sua reflectividade.

3.1.1.3.1. Fusinite

O termo foi introduzido por Stopes (1935) para designar um constituinte opaco em luz transmitida e que
apresenta estrutura celular. O termo vem do Latim fusus = fuso, fibra.

É um maceral do grupo da inertinite que mostra alto poder reflector, estrutura celular bem preservada de pelo
menos uma célula de parênquima, colênquima ou esclerêrnquima. A fusinite ocorre tanto como tecido celular
bem preservado (Fig. 100; estrutura em crivo) ou como fragmentos arqueados de tecidos celulares anteriores
(Fig. 101; estrutura bogen ou estrelada).

70
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

A Fusinite também pode apresentar paredes celulares inchadas. Dependendo da planta de origem, do grau
de destruição microbiana e da
orientação da secção polida, os lúmens
podem apresentar várias formas e
tamanhos. Estes lúmens podem estar
vazios ou preenchidos por outros
macerais e minerais (Fig. 102).
Fig. 100. Fusinite mostrando estrutura em crivo. Stach et al, 1982
Importante notar que tecidos celulares
de origem fúngica não são
considerados fusinite, mas sim
funginite.
Fig. 101. Fusinite com estrutura bogen Stach et al, 1982. Ao microscópio, as fusinites são
brancas acinzentadas a amareladas. A reflectividade é
geralmente alta, mas também aumenta com o grau de
incarbonização. Não apresenta anisotropia óptica.

Quimicamente a fusinite caracteriza-se por um teor de carbono


relativamente alto e baixos teores de hidrogénio, oxigénio e
outros voláteis. Quanto maior a reflectância maior o teor em
carbono. O maceral contém um alto teor de estruturas
Fig. 102. Pirofusinite com lúmens preenchidos por aromáticas em anel.
argilas. Carvão de Moatize, Camada Chipanga. Foto
de L.Vasconcelos, 1995) A Fusinite origina-se de paredes celulares ligno-celulósicas.
Alguma fusinite provém de fogos naturais que resultam na formação de charcoal fóssil. A fusinite com esta
origem leva o nome de pirofusinite (Fig. 103). Outra fusinite resulta da descarboxilação dos tecidos vegetais
com a ajuda de fungos e bactérias ou por desidratação e meteorização. Esta fusinite leva o nome de
degradofusinite (Fig. 104). Acontece ainda a fusinite poder formar-se durante a incarbonização geoquímica
a partir de tecidos celulares huminíticos-liptiníticos (veja Fig. 76). Esta fusinite chama-se fusinite de grau.
Finalmente, a fusinite pode originar-se de partes das plantas que já apresentam as características físicas de
fusinite ainda no estado vivo. É a chamada fusinite primária (Fig. 105).

Fig. 103. Pirofusinite. Stach et al 1982 Fig. 104. Degradofusinite (fonte Fig. 105. Fusinite primária. Stach et al,
desconhecida) 1982.

71
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

3.1.1.3.2. Semifusinite

O termo foi usado pela


primeira vez por Jongman et
al (1938) para descrever um
maceral com propriedades
intermédias entre as da
fusinite e as da telinite.
Apresenta assim uma Fig. 106. Semifusinites. a) Comparar o poder reflector com o da fusinite acompanhante; b)
reflectividade intermédia Tecido celular menos visível que o anterior; notar o poder reflector intermédio entre o da
vitrinite e o da fusinite. Fotos no Fuel, 80 (2001): 459-471.
entre as das
huminites/vitinites e das fusinites do mesmo carvão. Os lúmens celulares são vagos ou parcialmente visíveis
(Fig. 106), e variam em tamanho e forma mesmo dentro da mesma partícula, mas são geralmente menores
que os lúmens dos correspondentes tecidos fusiníticos. Do mesmo modo que as fusinites, os lúmens das
semifusinites podem estar vazios ou preenchidos com outros macerais e minerais.

A composição química das semifusinites é intermédia entre as das huminites/ /vitrinites e das fusinites do
mesmo carvão. Quanto maior o poder reflector, menor o teor de hidrogénio e maior o teor de carbono.

A semifusinite origina-se de parênquimas e xilemas de ramos, plantas herbáceas e folhas compostas de


celulose e lenhina. Forma-se no estágio de turfa por humificação fraca, desidratação e redução. À semelhança
da fusinite, também pode ocorrer piro- e degradosemifusinite.

3.1.1.3.3. Funginite

O termo foi proposto por Benes (1958) e apresentado oralmente por Lyons (1996) ao ICCP, que adoptou o
termo para designar restos de fungos (Latim fungus = cogumelo). Nota: antes de 1996, a funginite era
designada por esclerotinite, maceral que englobava também o novo maceral Secretinite.

A funginite é um maceral constituído por esporos de fungos uni- e multicelulares, esclerotos, hifas, micélios e outros
restos de fungos, e que apresentam alto poder reflector. As Figs. 107 e 108 dão alguns aspectos de funginites.

Fig. 107. a) Funginite de esporos (Sp) e esclerotos (Sc); b) Funginite de hifas. In


Fuel 80 (2001) : 459-471.

Os restos de fungos são constituídos de quitina, um polissacarídeo de


nitrogénio insolúvel em água e bases e ácidos fracos. O seu alto poder
reflector é devido ao pigmento melanina. Fig. 108. Vários aspectos de funginites
de esporos. Stach et al, 1982

72
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

3.1.1.3.4. Secretinite

O termo foi proposto


por Lyons et al (1986)
para um maceral que
mostra forma redonda
a alongada, sem
estrutura celular, com
alta reflectividade, e
adoptado pelo ICCP
em 1997. Do Latim
secretio = secreção.
Pode apresentar ou Fig. 109. Vários aspectos de secretinite. a) Secretinite sub-esférica com alto relevo e alta
reflectividade e fissuras internas; b-c-d) Secretinites ovaladas e poligonal (d), com vacúolos e
não vacúolos (Fig. indentações (b); e-f) Secretinites com fissuras internas e orlas de oxidação. Foto a) in Fuel 80
(2001): 459-471. Restantes in Stach et al, 1982.
109).

Se bem que geralmente esférica, subesférica ou elipsoidal, a secretinite pode aparecer na forma de crescente
ou poligonal (Fig. 109d). Pode atingir dimensões inferiores a 10 m, mas geralmente varia de 60-400 m,
podendo atingir mais de 2000 m nas formas alongadas.

Podem apresentar fissuras (Fig. 109a, e, f), orlas de oxidação (Fig. 109e) e indentação (Fig. 109b).
Internamente pode apresentar um aspecto fluído devido à fluidez das secrecções.

A secretinite distingue-se da macrinite pela sua forma arredondada e maior relevo, e da corpogelinite pela
sua maior reflectividade e dimensão, e ainda pela presença das fissuras, orlas de oxidação e vacúolos.

A origem não é muito clara. Considera-se geralmente que ela resulta da oxidação de resinas, mas também
de geles húmicos que se formaram em canais secretórios de várias plantas.

3.1.1.3.5. Macrinite

Termo introduzido por Stach & Alpern (1963) para designar ocorrências relativamente grandes de inertinite
sem estrutura celular e compactas. O termo deriva do Grego makros = grande. O termo aplica-se a inertinite
que aparece como matriz amorfa ou como corpos isolados de forma variável, geralmente alongados em corte
perpendicular à estratificação. Na sua estrutura pode gradar para semifusinite.

A sua cor pode variar entre o cinzento e o branco, e o seu poder reflector varia bastante, mas sempre maior
que o da vitrinite.

As bandas e agregados de macrinite provavelmente originam-se de substâncias húmicas floculadas que


sofreram desidratação e processo de redox num estágio inicial da turbificação, devido a uma descida
temporária da toalha freática. Também pode ter origem em produtos de metabolismo de bactérias e fungos.

73
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

Fig. 110. Macrinite oval (branca) em Fig. 111. Partícula de Macrinite. In


contacto com uma Corpogelinite. Stach et al 1982.
Falcon & Snyman 1986.

Fig. 112. Partículas de Macrinite (Ma). Fuel 80


(2001), 459–471

3.1.1.3.6. Micrinite

A micrinite é um maceral do grupo da inertinite que ocorre em grãos arredondados muito pequenos (Figs.
113). Devido à dificuldade de distinguir a micrinite de outros fragmentos inertiníticos, a micrinite, por razões
práticas, é separada da inertodetrinite por um limite superior de 2m. Os agregados de micrinite diferem da
macrinite pela sua granularidade.

A micrinite é cinzenta clara a branca. A reflectância é maior que a da vitrinite acompanhante mas muitas vezes
inferior à das outras inertinites acompanhantes. Para um poder reflector da vitrinite de 1.4%, o poder reflector
da micrinite iguala o da vitrinite, deixando de se poder distinguir.

Devido ao seu tamanho e à dificuldade de isolar as partículas de micrinite, não há dados sobre a sua
composição química. Contudo, sabe-se que a micrinite liberta mais voláteis que qualquer dos outros macerais
do grupo.

Fig. 113. Vários aspectos de Micrinite. a) Agregados de grânulos muito finos de micrinite; b) Grânulos isolados de micrinite com
inertodetrinite (maiores); c) Micrinite, macrinite e inertodetrinite. Três fotos in Fuel 80 (2001), 459–471

A micrinite é um termo colectivo aplicado a inertinites de grão muito fino que podem ter várias origens. Alguma
micrinite é um maceral secundário que aparece durante a incarbonização geoquímica. Ela representa tanto
produtos de incarbonização de esclerênquima ou, mais comummente, como resíduos de substâncias lipídicas
anteriores. A micrinite também pode formar-se como produto de forte fragmentação de outras inertinites.

74
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

3.1.1.3.7. Inertodetrinite

Termo introduzido em 1964


para designar fragmentos de
inertinite sem estrutura
microscópica reconhecível, e
com várias formas, e com
dimensões <10 m (Fig. 113b-
Fig. 114. Partículas de Inertodetrinite e algumas de vitrodetrinite (mais cinzentas). Stach
c). Note-se que partículas et al, 1982.
isoladas de fusinite de estrutura estrelada são contadas como fusinite, independentemente do seu tamanho.

Em função dos seus percursores inertiníticos, a cor e a reflectividade variam dentro do mesmo carvão. No
grau entre 0.5% e 1.4% de poder reflector da vitrinite, pode observar-se a transição entre a inertodetrinite e a
vitrodetrinite (Fig. 114). Provindo de vários tipos de inertinites, a composição química da inertinite é também
variável.

A inertodetrinite tem vários percursores vegetais, os quais foram todos sujeitos a uma certa fusinitização:
paredes celulares e seus conteúdos, flobafenos, esporos oxidados, tecidos fúngicos, etc. Outras inertinites
resultam de partículas de fogos de florestas (dentro ou à volta da turfeira) soprados pelo vento. Resultam
ainda de acção mecânica (milonitização, por exemplo).

3.1.1.3.8. Pirolitinite ou Carbono Pirolítico

O carbono pirolítico ou pirolitinite é um componente


orgânico geralmente não categorizado como maceral nos
sistemas normais de classificação. Contudo, pela sua alta
reflectividade e pelo seu alto teor em carbono, ele é
incluído no grupo da Inertinite.

A mais importante característica diagnóstica deste


componente é o seu crescimento mostrando estrutura
radial e concêntrica (Fig. 115).
Fig. 115. Carbono pirolítico com estrutura radial e
concêntrica. Carvão afectado térmicamente. Vryheid,
Este componente aparece junto a intrusões ígneas que KwaZulu-Natal, África do Sul. In Falcon & Snyman, 1986.
afectam camadas de carvão. Ele resulta da deposição de carbono a partir de fases gasosas por um processo
de cracking molecular de voláteis libertados pelas intrusões.

Este carbono pirolítico pode assumir várias formas mas geralmente ocorre em leitos de 1 a 10 m de
espessura, ou preenchendo fissuras. Também pode aparecer em carves sem efeitos de metamorfismo
térmico, sugerindo que os gases que lhe dão origem podem migrar a grandes distâncias.

75
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

3.1.2. MINERAIS

Além das substâncias puramente orgânicas, o carvão pode conter ainda maiores ou menores quantidades de
substâncias inorgânicas, que são a fracção não combustível do carvão. Esta fracção pode ser classificada
em três grupos em função da sua origem:

a) Matéria inorgânica da própria planta;

b) Complexos organo-minerais e minerais formados durante o primeiro estágio de incarbonização


enquanto o carvão se forma;

c) Minerais formados durante o segundo estágio de incarbonização após a consolidação do carvão

Em geral, a quantidade de matéria orgânica da própria planta ocorre em quantidades muito pequenas, sendo
muitas vezes difícil de a distinguir dos minerais das outras origens.

Quanto aos minerais formados durante o 1º estágio de incarbonização, há a considerar os minerais detríticos
e os de neoformação (Tabela 9). Os primeiros referem-se aos minerais transportados para a turfeira por
acção das águas e dos ventos. Os segundos referem-se a minerais precipitados a partir das substâncias
dissolvidas ou em suspensão coloidal presentes nas águas (fluviais e da toalha freática). São minerais
autigénicos.

Os minerais formados durante o 2º estágio de incarbonização são todos autigénicos. Eles podem formar-se por
precipitação a partir dos fluídos que circulam entre os espaços vazios do carvão, depositando-se em fissuras,
clivagens, e espaços celulares de tecidos vegetais, ou por transformação de minerais previamente existentes.

Tabela 9. Minerais do carvão. Adaptado de Thomas, 1992.

1º Estágio de Incarbonização: 2º Estágio de Incarbonização:


 Singenéticos, Sin-sedimentares, Início  Epigenéticos
da diagénese (intimamente intercrescidos)
Transportados pela De Neoformação Depositados em Transformação de
água e vento fissuras, clivagens e minerais singenéticos
cavidades (intimamente
(intercrescimento intercrescidos)
grosseiro)
Grupo Mineral DETRÍTICOS AUTIGÉNICOS
Argilas Caulinite, Ilite, sericite, Ilite, clorite
minerais de estrutura de
camada mista,
montmorillonite, smectite
(tonstein)
Carbonatos - Concreções de siderite- Ankerite, calcite, -
ankerite, dolomite, dolomite
calcite, ankerite, siderite
Sulfuretos - Pirite, melnikovite, Pirite, marcassite, Pirite a partir de
marcassite, concreções blenda, galena, transformação de FeCO3
de pirite-calcopirite- calcopirite
blenda
Óxidos/Hidróxidos - Hematite Goethite, lepidocrocite Goethite, lepidocrocite
Quartzo Grãos de quartzo Calcedónia e quartzo de Quartzo -
meteorização de
feldspatos e mica
Fosfatos Apatite Fosforite, apatite - -
Outros Minerais Zircão, rútilo, turmalina, - Cloretos, sulfatos, Cloretos, sulfatos,
ortóclase, biotite nitratos nitratos
NB. Esta lista não reflecte todos os minerais passíveis de ocorrer no carvão, mas sim aqueles que são mais frequentes.

76
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3.1.2.1. Minerais de Argila

São de longe os minerais mais abundantes nos carvões em regra geral, representando cerca de 60-80% da
matéria mineral do carvão (Stach et al, 1982). Como se pode ver das Figs. 116, 117 e 118, os minerais de
argila ocorrem em três maneiras principais:

 Inclusões finamente dispersas no carvão (Fig. 116);

 Como tonsteins (Fig. 117); ou

 Preenchendo lúmens celulares de tecidos da vitrinite e/ou inertinite (Fig. 118).

Fig. 116. Finas intercalações de minerais de Argila em Fig. 117. Lente de minerais de Argila – Tonstein – em
vitrinite, associadas a inertodetrinites. Carvão da colotelinite. Carvão da camada Chipanga, Moatize,
camada Chipanga, Moatize, Vasconcelos, 1995. Vasconcelos, 1995.

Fig. 118. Minerais de Argila preenchendo lúmens da fusinite. À direita observação em luz ultravioleta, pondo
em evidência a estrutura lamelar das argilas. Carvão da camada Chipanga, Moatize, Vasconcelos, 1995.

Os minerais de argila têm tendência a inchar na presença de água. Estas propriedades são mais fortes nos
minerais do grupo da montmorillonite. O inchamento é sempre acompanhado de perda de resistência,
podendo levar à desintegração completa.

Muitas vezes as bandas de tonstein estendem-se por toda a bacia, de modo que, nestes casos, elas podem
ser utilizadas como marcadores estratigráficos para correlacionar camadas de campos carboníferos
diferentes da mesma bacia.

77
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

Enquanto que o diâmetro das partículas


finamente dispersas não excede alguns
micra, os tonsteins podem atingir
espessuras de alguns milímetros a alguns
centímetros, de modo a poderem ser
vistos a olho-nú. A Fig. 119 mostra
Fig. 119. Minerais de Argila ao microscópio electrónico, podendo ver-se a
fotografias ao microscópio electrónico de estrutura de filossilicato. Stach et al, 1982.
minerais de argila.

3.1.2.2. Carbonatos

Os minerais do grupo dos carbonatos são os mais frequentes a seguir às argilas. Eles podem formar-se quer
no 1º estágio de incarbonização quer no segundo (Tab. 9). Os tipos singenéticos são geralmente constituídos
de concreções de siderite (FeCO3) (Fig. 120) e de dolomite (CaMg(CO3)2) (Fig. 121) finamente dispersa. A
presença de siderite indica normalmente ambiente anaeróbico. A dolomite indica influência marinha. Ou seja,
estes dois minerais formam-se geralmente durante o 1º estágio de incarbonização.

Fig. 120. Concreções de siderite. Fig. 121. Cristais idiomórficos de


Stach et al, 1982 dolomite. Stach et al, 1982

Fig. 122. Fusinite impregnada de Fig. 123. Calcite preenchendo fissuras.


carbonatos. Stach et al, 1982. Stach et al, 1982.

A calcite (CaCO3) e a ankerite (Ca(Fe,Mg,Mn)(CO 3)2), por seu lado, já se formam geralmente durante o 2º
estágio de incarbonização, depositando-se em espaços abertos (Fig. 122 e Fig. 123).

3.1.2.3. Sulfuretos

Os sulfuretos mais comuns do carvão são a pirite (FeS 2), a marcassite (FeS2) e a melnikovite (Fe3S4)-pirite.
Além destes, as camadas de carvão têm geralmente pequenas quantidades de blenda, galena e calcopirite,
em particular se ocorrem veios hidrotermais na proximidade.

Durante os primeiros estágios de incarbonização ocorre pirite singenética ou no início da diagénese, de

78
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

aspecto finamente cristalino ou concrecionário. Um fenómeno raro é a substituição das paredes celulares por
pirite. (Fig. 124). Por seu lado, a Fig. 125 mostra pirite em pequenos grânulos e concreções numa situação
comum a carvões ricos em vitrinite e carvões sapropélicos. Em geral, os carvões depositados em bacias
parálicas são mais ricos em pirite que os carvões das bacias límnicas.

Os sulfuretos depositados em fissuras durante o 2º estágio de incarbonização (Fig. 126) contêm geralmente
marcassite e traços de galena, esfalerite e calcopirite, bem como pirite. A siderite primária pode ser
transformada em pirite por acção dos fluídos ascendentes/descendentes contendo H 2S em solução. A
impregnação de lúmens celulares por pirite (Fig. 127) tanto pode ocorrer no primeiro como no segundo estágio
de incarbonização.

Fig. 124. Paredes celulares mineralizadas num nódulo Fig. 125. Pirite em concreções. Stach et al, 1982.
de pirite. Stach et al, 1982.

Fig. 126. Pirite epigenética depositada em fracturas. Fig. 127. Sulfureto em lúmens de fusinite. Moatize.
Stach et al, 1982. Vasconcelos, 1995.

3.1.2.4. Óxidos e Hidróxidos

Os óxidos e hidróxidos raramente ocorrem no carvão – hematite, rútilo, limonite, goethite - pelo que não se
irá entrar em detalhes. A Fig. 128. mostra um grão de quartzo com agulhas de rútilo.

3.1.2.5. Quartzo

O quartzo, apesar de óxido, é tratado à parte por ser o mais importante e o mais abundante. Ele pode ter duas
origens principais:

a) quartzo clástico trazido pela água ou ar (Fig. 129). , ocorrendo como areia de grãos mais ou menos
arredondados, e

b) quartzo formado mais recentemente a partir de soluções, e geralmente de estrutura microcristalina.

A sílica dissolvida é geralmente o resultado de meteorização do feldspato e mica; assim, não é de estranhar
que esta sílica ocorra geralmente em conjunto com outros minerais finamente dispersos.

79
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

A identificação do quartzo no carvão é essencial para a prevenção da silicose.

Fig. 128. Grão de quartzo com agulhas de rútilo. Fig. 129. Grãos clásticos de quartzo.
Moatize. Vasconcelos, 1995. Stach et al, 1982.

3.1.2.6. Fosfatos

Os fosfatos mais frequentes são:


fosforite (Fig. 130) e apatite (Fig.
131). Na Fig. 131 a apatite ocorre
misturada com os minerais de
argila e ele são mais facilmente
identificáveis em luz fluorescente,
pondo o seu controno hexagonal
em evidência. Fig. 130. Fosforite depositada a partir
duma solução coloidal. Stach et al,
Fig. 131. Cristais de Apatite em matriz
1982. argilosa. Carvão de Moatize,
Moçambique. Topo-LN; Baixo-LF.
Vasconcelos, 1995.

3.1.2.7. Outros Minerais

Vários outros minerais podem ocorrer (raramente) no carvão, e geralmente em quantidades muito diminutas.
O zircão é um mineral que geralmente ocorre em grãos muito pequenos e que geralmente é identificado pelo
halo pleocróico à sua volta provocado pelas radiações emitidas pelos elementos radioactivos que
normalmente contém (Fig. 132). A turmalina, granada e micas são raras. Também podem ocorrer sais –
cloretos, sulfatos e nitratos. A Fig. 133 mostra um cristal dum mineral que aparente ser um sal devido à sua
forma cúbica e à sua transparência.

Fig. 132. Cristal


idiomórfico de zircão com
halo radioactivo
provocando o aumento
do grau de
incarbonização da
vitrinite envolvente. Stach
et al, 1982

Fig. 133. Cristal dum sal com tendência cúbica.


Carvão de Moatize, Moçambique. Vasconcelos, 1995

80
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

3.1.2.8. Influência da Matéria Mineral no Ambiente e Processos Tecnológicos

Os sulfuretos têm sido os minerais do carvão mais estudados uma vez que contribuem significativamente
para o teor de enxofre total que tantos problemas provocam quer nos processos industriais quer no ambiente
(Fonseca, 2001)

Os carbonatos fazem baixar a temperatura de fusão das cinzas devido ao facto de, às temperaturas de
combustão, os carbonatos transformam-se em óxidos que, juntamente com os minerais de sílica, formam
silicatos com ponto de fusão significativamente mais baixo.

Os sulfatos são solúveis em água e contribuem para as águas ácidas de drenagem das minas. Por seu lado,
os minerais de fósforo são nocivos no processo de carbonização. Os cloretos provocam corrosão e fouling107
durante a combustão. Os nitratos dão origem a águas extremamente corrosivas.

Outros exemplos se poderiam dar, mas com os acima mencionados já se percebe a importância do
conhecimento profundo da matéria mineral dos carvões para se poder antever os problemas que podem
resultar dos processos de extracção e aplicação do carvão.

3.1.3. MICROLITÓTIPOS

3.1.3.1. O Conceito de Microlitótipo

Os macerais do carvão, em especial os do grupo das liptinites, a micrinite e a macrinite, raramente ocorrem
sozinhos. Geralmente eles aparecem associados com outros macerais do mesmo grupo e/ou doutros grupos.
Tais associações são chamadas de microlitótipos.

Os microlitótipos são divididos em três grupos, a saber: microlitótipos monomacerais (ou monomacerites),
bimacerais (ou bimacerites) e trimacerais (ou trimacerites), dependendo se o microlitótipo contém macerais
de um, dois ou três grupos macerais. Todos os microlitótipos levam o sufixo -ite para os distinguir dos
macerais que levam o sufixo -inite.

Para se poder fazer uma demarcação clara entre os diferentes microlitótipos, o ICCP concordou com duas
convenções:

a) largura mínima da banda em micra;

b) regra dos 5%

A primeira convenção diz que numa análise um microlitótipo só pode ser registado como tal se, numa
superfície polida perpendicular à acamação, ele tiver uma espessura mínima de 50 m ou cobrir uma
superfície de 50x50 m2. A regra dos 5% provém do facto de que nem as monomacerites nem as bimacerites
são compostos única e exclusivamente de macerais de um ou dois grupos, respectivamente. De acordo com
esta convenção, uma monomacerite ou uma bimacerite pode conter até 5% de macerais acessórios, ou seja,

107
Formação de depósitos sólidos nas superfícies internas dos fornos

81
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

macerais que por definição não pertencem a esse microlitótipo. A Tabela 10 mostra a classificação dos
microlitótipos dos carvões betuminosos e a sua composição por grupos macerais e macerais individuais.

Tabela 10. Sumário dos microlitótipos (adaptado de Stach et al, 1982).

Composição
Grupo maceral Grupo de
Maceral Microlitótipo
(sem minerais) Microlitótipo
(sem minerais)
Colinite* >95% Colite**
Telinite >95% Telite** V > 95% VITRITE
Vidrodetrinite >95% Vitrodetrite?
Esporinite >95% Esporite

MONOMACERITES
Cutinite >95% Cutite**
Resinite >95% Resite** L > 95% LIPTITE
Alginite >95% Algite
Liptodetrinite >95% Liptodetrite?
Semifusinite >95% Semifusite
Fusinite >95% Fusite
Funginite >95%
Esclerotinite* Esclerotite** I > 95% INERTITE
Secretinite >95%
Inertodetrinite >95% Inertodetrite
Macrinite >95% Macroíte**
Vitrinite+Esporinite >95% Esporoclarite
Vitrinite+Cutinite >95% Cuticoclarite CLARITE
V + L > 95%
Vitrinite+Resinite >95% Resitoclarite** V, L
Vitrinite+Liptodetrinite >95%

BIMACERITES
Vitrinite+Macrinite >95%
Vitrinite+Semifusinite >95%
VITRINERTITE
Vitrinite+Fusinite >95% V + I > 95%
V, I
Vitrinite+Esclerotinite* >95%
Vitrinite+Inertodetrinite >95%
Inertinite+Esporinite >95% Esporodurite
Inertinite+Cutinite >95% Cuticodurite** DURITE
I + L > 95%
Inertinite+Resinite >95% Resinodurite** I, L
Inertinite+Liptodetrinite >95%
Duroclarite V > I,E
Vitrinite+Inertinite+Liptinite >5% Vitrinertoliptite L > V,I TRIMACERITES
Clarodurite I > V,L
* Antiga classificação de macerais
** Termos em desuso mesmo antes da nova classificação de macerais
NB. Em relação a esta tabela, há a referir que ela se refere à antiga classificação de vitrinites e inertinites, não tendo ainda sido adaptada
à nova nomenclatura. Este processo está em andamento a nível dum grupo de trabalho do ICCP.

A monomacerite vitrite, por exemplo, deve conter não menos de 95% de macerais do grupo da vitrinite e não
mais de 5% dos outros macerais (liptinite e/ou inertinite).

Os microlitótipos do grupo das bimacerites podem ser subdivididos em dois subgrupos, em função do maceral
dominante. Assim, por exemplo, a clarite (V+L > 95%) pode ser subdividido em Clarite V e Clarite L consoante
a vitrinite é mais abundante que a liptinite ou vice-versa.

No caso das trimacerites, definem-se três microlitótipos em função do grupo maceral dominante. Assim, uma
duroclarite contém macerais dos três grupos, mas a vitrinite domina sobre a liptinite e inertinite. Há que referir
que a vitrinertoliptite é um microlitótipo extremamente raro nos carvões, aparecendo geralmente nos carvões
sapropélicos. O diagrama ternário da Fig. 134 mostra os limites da composição maceral dois vários
microlitótipos.

82
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

3.1.3.2. Monomacerites

Como atrás se disse, uma monomacerite é um


microlitótipo composto por macerais de um único
grupo maceral. Há a considerar as Vitrites (se
constituídas só de vitrinites), as Liptites (se
constituídas só de liptinites) e as Inertites (se
constituídas só por inertinites).

3.1.3.2.1. Vitrite

Se o grupo maceral vitrinite ocorrer em bandas com


uma espessura >50 m, esse ele é chamado de
Fig. 134. Diagrama ternário da composição dos microlitótipos
vitrite. A vitrite corresponde a cerca de 40-50% dos em termos de macerais.
microlitótipos dos carvões do Carbonífero do
Hemisfério Norte, mas já ocorre entre 20-30% em carvões Gondwânicos (Permo-Carbonífero) do Hemisfério
Sul.

A vitrite geralmente ocorre na forma de camadas com alguns milímetros de espessura e limitada extensão
lateral, sendo geralmente lentes alongadas que afilam para as extremidades.

Geralmente as vitrites são constituídas por vitrinites gelificadas (Fig. 135) ou detríticas (vitrodetrinite).
Raramente as telinites aparecem em dimensões suficientes para constituírem um microlitótipo, e quando
aparecem, os seus espaços celulares estão geralmente ocupados por outros macerais (aí passa a chamar-
se bimacerite) ou minerais (carbominerites – Fig. 136; ver adiante, ponto 3.1.4.).

A vitrite é o microlitótipo mais homogéneo dos carvões. Contudo certas heterogeneidades podem ser postas
a nu usando técnicas próprias. Em comparação com as outras monomacerites, as vitrites ocorrem muitas
vezes em lentes de espessura suficiente para serem observadas à vista desarmada, podendo facilmente ser
separadas com uma pinça, colhendo-se material suficiente para se fazerem variadas análises para
determinação do grau de incarbonização.

Fig. 135. Vitrite constituída por telinite (Telite) e pequenas partículas de


argilas. Carvão betuminoso de médios voláteis, KwaZulu-Natal, RSA. Falcon
& Snyman, 1986. Fig. 136. Exemplo duma telinite com lúmens
preenchidos por minerais de argila.

Também é o único microlitótipo cujas propriedades variam progressivamente com a incarbonização, já que é
constituído por >95% de vitrinite. Por outro lado a vitrite está muitas vezes livre de minerais, que afectam a
determinação do grau de incarbonização.

83
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

As bandas de vitrite provêm geralmente de ramos, troncos ou raízes lenhificadas, sendo por isso abundantes
em carvões resultantes de pântanos de floresta. No estágio de soft brown coal ocorrem ainda muitas vezes
pedaços visíveis a olho nu de material lenhoso - xilite.

As condições necessárias para a preservação dos ramos e troncos como vitrite é a protecção da atmosfera,
o que é garantido por uma toalha freática alta. Quando as árvores morrem, ou caiem por acção do vento e
não são rapidamente englobadas na turfa, ocorre o apodrecimento total ou, quando muito, a produção de
detritos húmicos (inertinite). Este processo é tanto mais rápido quanto menos resistente for a madeira.

3.1.3.2.2. Liptite

É um grupo de microlitótipos que ocorre


muito raramente. Geralmente ocorrem
na forma de lentes finas sempre
depositadas subaquaticamente. A
esporite (Fig. 137, topo) forma-se pela
deposição de esporos e pólenes levados
de terra firme e é o constituinte
dominante dos carvões cannel
(sapropélicos). A algite é mais abundante
que a esporite, ocorrendo em carvões Fig. 137. Dois tipos de Liptite. Topo: Esporite; com algumas partículas de
inertodetrinite. Carvão betuminoso de altos voláteis, Zimbabwe. Baixo: Cutite
boghead (sapropélicos). de cutículas compactadas. Carvão betuminoso de altos voláteis, Witbank,
RSA. Falcon & Snyman, 1986.
Por acção das águas correntes, os
percursores das liptinites, química e microbiologicamente resistentes, são concentrados, enquanto que as
substâncias húmicas são oxidadas. Quando o transporte é longo e a oxidação severa, só a liptinite resiste.

3.1.3.2.3. Inertite

A inertite é um grupo de microlitótipos em que os macerais


do grupo da inertinite somam 95% ou mais. O microlitótipo
fusite, que contém, por definição, pelo menos 95% de
fusinite, ocorre em duas formas: fusite branda e fusite
mole. A Fig. 138 mostra as três inertites mais frequentes:
fusite, semifusite e inertodetrite. A fusite mole geralmente
produz pequenas quantidades de cinzas, pois que os
lúmens celulares estão vazios. Pelo contrário, as fusites
duras têm os lúmens preenchidos por minerais. Nestas
casos deixa de ser uma monomacerite para ser uma
carbominerite (ponto 3.1.4). São estes minerais que lhe Fig. 138. Três tipos de Inertite. Topo – Fusite de carvão
betuminoso de altos voláteis do Botswana. Meio – Semifusite
dão a resistência. de carvão betuminoso de altos voláteis de Witbank, RSA
Baixo: Inertodetrite com finas partículas de argila em carvão
Nas semifusites, a semifusinite ocorre em percentagens betuminoso de médios voláteios do KwaZulu-Natal, RSA.
Falcon & Snyman, 1986.
>95%. Do mesmo modo que a fusite, a semifusite também
pode ter os lúmens preenchidos por matéria mineral. Antes da subdivisão do maceral esclerotinite em funginite

84
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

e secretinite, usava-se o termo esclerotite para designar um microlitótipo constituído por >95% esclerotinite.
Este termo desaparece agora. De qualquer modo, seja a esclerotite constituída por funginite ou por secretinite,
ela é muito menos frequente que a fusite e a semifusite.

A inertodetrite, que contém >95% de inertodetrinite, é um microlitótipo comum nos carvões gondwânicos. O
microli-tótipo mais raro do grupo das inertites é a macroíte. Leitos com >50 m de micrinite são virtualmente
desconhecidos.

3.1.3.3. Bimacerites

As bimacerites são microlitótipos em que >95% dos macerais pertencem a dois grupos de macerais, sendo
as combinações possíveis: V+L, V+I e I+L. A primeira associação é chamada de Clarite, a segunda de
Vitrinertite e a terceira de Durite.

3.1.3.3.1. Clarite

As clarites compreendem todos os microlitótipos em que


a vitrinite e a liptinite estão associados, correspondendo
a mais de 95% dos macerais e em que cada um,
individualmente, corresponde a mais de 5% (Fig. 139).
Geralmente a conteúdo de vitrinite é superior ao da
liptinite, ou seja, %V>%L e nestes casos a clarite chama-
Fig. 139. Banda de Clarite constituída por esporinite,
se de Clarite V. Quando o inverso se verifica, ou seja, envolvida por Vitrites. Carvão de altos voláteis do Ruhr,
Alemanha; Stach et al, 1982.
quando o conteúdo de liptinite é superior ao da Vitrinite,
aí temos a Clarite L. Em geral, as vitrinites que
constituem a matriz da clarites são as detrocolinites.

As clarites podem variar em composição desde clarites


em que a liptinite é pouco mais de 5% e clarites em que
a vitrinite é pouco mais de 5%. Evidentemente que estas
variações se vão reflectir no aspecto em amostra de
mão. Quanto mais vitrinite, mais brilhante é a clatite.
Quanto mais liptinite, mais baça ela é. Consoante o tipo
dominante de liptinite, a clarites podem ser classificadas Fig. 140. Clarite em que a liptinite é constituída por cutinite
e resinite em carvão carbonífero betuminoso de altos
em esporo-clarite, cutico-clarite e resino-clarite. voláteis do Ruhr, Alemanha. Stach et al, 1982.

As clarites estão muitas vezes associadas às vitrites, em especial nos carvões de pântanos de floresta, e
provêm de “lixo” de floresta formado de madeiras e cortiças mais ou menos decompostas em detritos húmicos,
misturados com esporos e pólens (e algumas cutículas). A camada Katharina do Carbonífero so Ruhr
(Alemanha) contém clarites pobres em liptinites, apresentando alguma micrinite e pirite, indicando um
ambiente de deposição sapropélico de ambiente alcalino e com influência de inundações do pântano por
águas do mar.

85
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

Evidentemente que as liptinites das


clarites não são formadas só por esporos,
cutículas ou resinas. A betuminite e a
liptodetrinite podem ser constituintes
predominantes, formando-se a partir de
algas e outros detritos vegetais ricos em
lípidos, bem como restos de plânkton
animal. Estas clarites mostram muitas
vezes microacamação e passam
Fig. 141. Clarite constituída por esporinite. Carvão da Saxónia, Alemanha.
Stach et al, 1982. gradualmente a carvão sapropélico. Em
geral, as clarites indicam formação em ambiente de condições húmidas.

3.1.3.3.2. Durite

A durite é um microlitótipo composto de pelo


menos 95% de liptinite e inertinite, em que
cada um deles está presente em mais de 5%.
Pode conter até 5% de vitrinite, geralmente
como vitrodetrinite (Fig. 142 e 143). Fig. 142. Durite E constituída por inertinites e esporinite+cutinite.
Carvão betuminoso de altos voláteis, Ermelo, RSA. Falcon & Snyman,
1986.
Em geral, vários macerais do grupo da
inertinite estão presentes, em particular
semifusinite, inertodetrinite e fusinite. A
funginite, secretinite, macrinite e micrinite são
menos comuns. Em geral, as inertinites
formam a matriz que engloba as liptinites. As
liptinites mais frequentes são as esporinites,
seguidas das liptodetrinites, cutinites e
resinites. Dependendo da predominância de
Fig. 143. Durite constituída de inertodetrinite e esporinite+cutinite.
um ou de outro grupo maceral, as durites Carvão betuminoso de altos voláteis, Free State, RSA. Falcon &
Snyman, 1986.
podem ser classificadas em Durite I se
predomina a inertinite e Durite L se pedomina a liptinite.

Os prercursores da durite nos estágios de turfa e brown coal são desconhecidos, pois que as inertinites típicas
das durites só atingem a sua reflectividade durante a incarbonização geoquímica, por um lado, e porque
muitas vezes são inertodetrinites, a que já não se pode atribuir uma origem. Muitos autores consideram que
as durites se formam em processos iniciais de oxidação.

3.1.3.3.3. Vitrinertite

Com o aumento da incarbonização, as diferenças na reflectância entre a vitrinite e a liptinite desaparecem


progressivamente, a ponto de a liptinite não se distinguir mais. Isto acontece nos carvões com teores de
voláteis + <20%. Contudo, a inertinite é distinguível num largo espectro de carvões. Assim, nestes carvões,

86
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

só a vitrinite e a inertinite são distinguíveis. Por isso, Alpern (1954) propôs o termo vitrinertite para designar
um microlitótipo bimaceral constituído só por vitrinite e inertinite.

Pode distinguir-se a vitrinertite V, em que a vitrinite domina sobre a inertinite, e a vitrinertite I, em que a
inertinite é que domina sobre a vitrinite.

Fig. 144. Vitrinertite constituída por inertinites (fusinite, Fig. 145. Vitrinertite constituída por inertinites (macrinite,
semifusinite e inertodetrinite) e vitrinite (colotelinite). Camada semifusinite e inertodetrinite) e vitrinite (colotelinite). Camada
Chipanga, Moatize, Moçambique. Vasconcelos & Santos, 1988. Chipanga, Moatize, Moçambique. Vasconcelos & Santos,
1988.

Inicialmente assumiu-se que a vitrinertite só ocorria em carvões de alto grau, em que a liptinite já não se
distingue da vitrinite. Em carvões de grau mais baixo, esta bimacerite é mais rara, excepto em carvões
gondwânicos (Figs. 144 e 145), especialmente a vitrinertite I. Como referiremos mais adiante nos carvões
gondwânicos (onde se encaixam os carvões de Moçambique), a abundância deste microlitótipo é atribuída a
frequentes períodos de dessecação dos pântanos gondwânicos. Por outro lado, a ausência de liptinites deve-
se a uma vegetção que produzia poucos esporos.

3.1.3.4. Trimacerites

As trimacerites são os únicos microlitótipos em que os três


grupos de macerais ocorrem em percentagens acima de
5%. Em literatura antiga usava-se o termos intermédios,
substituído em 1964 pelo ICCP sob proposta de
Mackowski.

Uma vez que os três grupos de macerais estão presentes,


podem acontecer situações em que cada um deles esteja
Fig. 146. Duroclarite constituída de colodetrinite,
em prodominância sobre os outros dois. Assim, se inertodetrinite e esporinite.
predominar a vitrinite, a trimacerite passa a chamar-se
Duroclarite. Se predominar a inertinite, teremos uma Clarodurite. E, finalmente, se predominar a liptinite, a
trimacerite chamar-se-á Vitrinertoliptite. As Figs 146 a 148 mostram estes três tipos de trimacerites.

Como se pode entender, as trimacerites podem ter variadas origens. Assim, as trimacerites ricas em vitrinite,
especialmente as pobres em esporos, formaram-se possivelmente em pântanos de floresta, mas as
trimacerites ricas em liptinite formaram-se em ambiente sub-aquático, do mesmo modo que as durites L e as
clarites L. Por seu lado, as trimacerites ricas em inertinites formaram-se em ambientes relativamente secos
ou por alternância de toalhas freáticas altas e baixas.

87
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

Além da percentagem de macerais, também o tipo de macerais, o seu grau de preservação de tecidos e a
percentagem de matéria mineral intercrescida podem dar indicações sobre a génese dos microlitótipos.

Fig. 148. Vitrinertoliptite constituída de colodetrinite,


inertodetrinite e esporinite. Carvão betuminoso de altos
Fig. 147. Clarodurite constituída de colodetrinite,
voláteis de Witbank, RSA. Falcon & Snyman, 1986.
inertodetrinite+semifusinite e esporinite. Carvão betuminoso
de altos voláteis, Witbank, RSA. Falcon & Snyman, 1986.

3.1.4. CARBOMINERITES E MINERITES

Como se referiu acima, todos os microlitótipos contêm uma certa percentagem de minerais misturados quer
de origem singenética quer de origem epigenética.

Por razões técnicas, a classificação das associações carvão-mineral baseia na separação de densidades em
líquidos pesados de densidades 1.5 g/cm 3 e 2.0 g/cm3. Desta separação resultam três fracções:

 Fracção de densidade <1.5;

 Fracção de densidade entre 1.5-2.0;

 Fracção de densidade >2.0.

Como a matéria orgânica é mais leve que a matéria mineral, ela tende a concentrar-se na primeira fracção.
Na terceira fracção concentra-se a matéria mineral. Na segunda fracção concentram-se as partículas mistas,
em que a matéria orgânica e a matéria mineral e são intercrescidas sendo difícil de se separar. Este material
leva o nome de middlings, não tendo uma tradução directa para Português.

As carbominerites são as associações minerais cuja densidade se encontra no intervalo das densidades dos
middlings. A Tabela 11 mostra os diferentes tipos de carbominerites.

Tabela 11. As Carbominerites


Intercrescimento de carvão com um
Composição
certo mineral ou grupo de minerais
Carbargilite Carvão + (20-60%) em volume de minerais de argila
Carbopirite Carvão + (5-20%) em volume de sulfuretos
Carbankerite Carvão + (20-60%) em volume de carbonatos
Carbossilicite Carvão + (20-60%) em volume de quartzo
Carbopoliminerite Carvão + (20-60%) em volume de vários minerais (excepto sulfuretos)

As carbominerites diferem dos microlitótipos na medida em que o seu conteúdo de matéria mineral é maior.
A parte orgânica duma carbominerite pode ser constituída por qualquer microlitótipo. Assim, podem haver
carboargilites em que a parte orgânica seja constituída só por vitrite, ou só por inertite, ou só por clarite, e
assim sucessivamente. Assim, para as distinguir, podem usar-se os adjectivos vítrica, inértica, clarítica, etc.

88
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

As carbominerites podem ser subdivididas em 5 sub-grupos (Tab. 11) dependendo do tipo de intercrescimento
mineral com o carvão. Uma vez que as densidades do quartzo, argilas e maioria dos carbonatos são
semelhantes, um conteúdo médio de 20% (volume ou peso) destes minerais leva a uma densidade média de
1.5 g/cm3, enquanto que um conteúdo medio de 60% leva a uma densidade média de 2.0 g/cm 3.

Se o carvão estiver intercrescido com sulfuretos, um conteúdo mineral de 5-20% é suficiente para subir a
densidade para 1.5-2.0 g/cm3, devido à muito maior densidade dos sulfuretos

Dentre as carbominerites, as carbargilites (Fig. 149) são de longe as mais frequentes. A seguir às carbargilites,
as carbopirites (Fig. 150) são as mais frequentes. As carbankerites (Fig. 151) são também comuns, ao passo
que as carbossilicites (Fig. 152) são raras, o mesmo acontecendo às carbopoliminerites (Fig. 153).

Fig. 149. Carbargilite constituída de agregados de Ilite em vitrinite.


Fig. 150. Carbopirite composta de pequenos nódulos de pirite (2-
Carvão betuminoso de baixos voláteis, KwaZulu-Natal, RSA.
20 m) finamente dispersos na vitrinite. Carvão betuminoso de
Falcon & Snyman, 1986.
médios voláteis, KwaZulu-Natal, Falcon & Snyman, 1986.

Fig. 152. Carbossilicite composta de grãos de quartzo


Fig. 151. Carbankerite: cristais de calcite ocupando poros de coque arredondados de vários tamanhos (5-30 m) embebidos em
natural próximo de uma intrusão ígnea. Carvão betuminoso de vitrinite. Carvão betuminoso de altos voláteis, Zimbabwe. Falcon &
altos voláteis, Witbank, RSA. Falcon & Snyman, 1986. Snyman, 1986.

Fig. 153. Carbopoliminerite composta de nódulos de pirite e de


minerais de argila. Perantracite do Douro, Portugal. Lemos de
Sousa, 1978.

Se a densidade da associação carvão+minerais


Fig. 154. Minerites com carbonatos. a) nódulos de siderite até 5
exceder os 2.0 g/cm 3, significa que a matéria mineral m de tamanho finamente distribuídos em V e I. Carvão
betuminoso de altos voláteis de Highveld, RSA. b) Calcite,
excede os 60%, e aí a associação passa a ser ankerite e/ou dolomite substituindo V e/ou SF. Carvão
chamada de minerite (fig. 154), correspondendo já a betuminoso de altos voláteis, Botswana. c) Calcite e/ou
dolomite preenchendo cavidades, fracturas e diaclases em V.
uma rocha carbonosa. Carvão betuminoso de baixos voláteis, Free State, RSA. Fotos
em Falcon & Snyman, 1986;

89
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

3.1.5. LITÓTIPOS

Entende-se por Litótipo as diferentes bandas de carvão reconhecidas macroscopicamente. Como se pode
ver da Fig. 155 duma amostra de carvão em sondagem, polida, são reconhecidas várias bandas de textura e
brilho diferentes, cada uma constituindo um litótipo.

Os diferentes aspectos (brilho e textura) que os vários litótipos apresentam são consequência da sua
composição maceral e mineral.

Os carvões húmicos são muitas vezes chamados de carvões bandados exactamente por causa do seu
aspecto macroscópico em bandas, cada uma consttituída pelo seu litótipo. Assim, a Tabela 12 mostra os
diferentes tipos de litótipos. Passamos a descrever cada um deles, começando primeiro pelos litótipos dos
carvões húmicos.
Tabela 12. Diferentes tipos de litótipos dos carvões betuminosos.
Tipo de Carvão Litótipo Aspectos reconhecíveis macroscopicamente
Brilhante, negro, geralmente quebradiço, frequentemente com
VITRINO
fissuras
Húmico CLARINO Semi-brilhante, negro, muito finamente estratificado
DURINO Baço, negro ou cinzento escuro, duro, superfície rugosa
FUSINO Brilho sedoso, negro, fibroso, mole, muito friável
Baço ou brilho levemente ceroso, negro, homogénio, não
CANNEL COAL
estratificado, muito duro, fractura conchoidal, trisca negra
Sapropélico
O mesmo que o cannel coal, mas mais acastanhado, risca
BOGHEAD COAL
castanha

3.1.5.1. Carvões Húmicos

3.1.5.1.1. Vitrino

Também chamado de carvão brilhante. É um constituinte negro de brilho vítreo. Frequentemente muito
quebradiço e cortado por finas fissuras, partindo-se consequentemente em pedaços cúbicos. O vitrino, nos
processos de extracção mineira, tende a concentrar-se na fracção mais fina.

Numa descrição macroscópica de carvão, só as bandas com espessuras mínimas de 3 a 10 mm 108 são
registadas como vitrino. Abaixo dessa espessura, são registadas como clarino (ver adiante).

Nos carvões húmicos, os vitrinos são muito frequentes e são constituídos pelos microlitótipos vitrite e clarite
V.

3.1.5.1.2. Clarino

O termo clarino designa bandas de carvão finamente estratificado com uma espessura mínima de vários
milímetros (3 a 10 mm 58), tendo um brilho intermédio entre o vitrino e o durino (ver adiante). Também é
chamado de carvão semi-brilhante. O clarino é o constituinte macroscópico mais comum dos carvões
húmicos, excepto nos gondwânicos onde os conteúdos de liptinite são em geral muito baixos. O clarino

108
A espessura minima varia consoante as normas vigentes nos diferentes países.

90
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

consiste de finas bandas alternantes de vitrino, durino e às vezes durino. Microscopicamente, ele é constituído
de vitrite, clarite, durite, trimacerite e fusite.

Fig. 155. Esquerda: Foto duma amostra polida de carvão, podendo observar-se várias bandas paralelas
de brilho e texturas diferentes. Carvão francês. Direita: Desenho esquemático dos respectivos litótipos.
Vasconcelos & Lemos de Sousa, 1995.

3.1.5.1.3. Durino

Também chamado de carvão baço (podendo ser ceroso), pode ser negro ou cinzento. Os durinos são muito
duros e por isso partem-se em pedaços grandes, com superfícies de fracturas irregulares. As espessuras
mínimas para serem registadas como durinos são também de 3 a 10 mm (ver nota de rodapé 58 na página 85).

Bandas de durino podem ser confundidas com bandas de xisto/argilito carbonoso, que também é baço e duro.

Ao microscópio, o durino é constituído de durite, trimacerite e clarite L.

3.1.5.1.4. Fusino

Assemelha-se a carvão de lenha. É negro, com brilho sedoso, por vezes fibroso e geralmente mole e friável,
de modo que suja as mãos. Menos frequentemente ocorre um fusino duro, cionstituído de fusite dura
impregnada de minerais.

O fusino (mole) é constituído de fusite (mole) com os lúmens celulares vazios. Geralmente ocorre em forma
de lentes de alguns milímetros de espessura e alguns centímetros de comprimento. Estas lentes estão
geralmente concentradas em determinados horizontes da camada, correspondendo a períodos de fogos de
floresta/pântano.

3.1.5.2. Carvões Sapropélicos

Macroscopicamente, os carvões sapropélicos distinguem-se dos húmicos por ausência de bandamento. Outro
aspecto característico é o seu aspecto homogénio e a sua grande resistência. Ele é tão resistente que em
tempos pré-históricos foram usados como objectos de adorno.

91
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

Macroscopicamente, os dois litótipos – boghead e cannel – são muito semelhantes, sendo muitíssimo difícil
de os distinguir, a não ser pela côr mais escura do cannel e mais acastanhada do boghead.

Em termos de constituintes, o boghead é constituído de alginite, ao passo que o cannel é constituído de


esporinite, podendo ter ainda proporções consideráveis de vitrinite e inertinite. Isto para dizer que a
composição maceral dos cannel é semelhante à da clarite, durite ou trimacerite. Contudo, difere destes pela
finura das suas partículas e pela uniformidade textural dos seus macerais.

As Figs 156 e 157 mostram estes dois litótipos ao microscópio.

Fig. 156. Carvão cannel de altos voláteis do Ruhr, Alemanha.


Stach et al, 1982. Fig. 157. Carvão boghead da Escócia Stach et al, 1982.

3.1.5.3. Intercalações Rochosas

Os litótipos dos carvões húmicos e sapropélicos podem estar contaminados com matéria mineral clástica
(argilas, mica e quartzo). Assim, encontram-se todas as transições entre carvão e argilito, por exemplo,
originando rochas argilito carbonoso, que é uma rocha negra, baça, dura e compacta, reconhecendo-se
muitas vezes uma estratificação fina. Em geral as intercalações de argilito carbonoso são mais contínuas que
as de litótipos. No caso dos carvões boghead e cannel, também pode haver transições para argilito,
representando o fácies sapropélico dos argilitos carbonosos.

As transições entre carvão e rocha também acontecem com outros tipos de rochas inorgânicas, como por
exemplo, arenitos, dando origem a arenitos carbonosos. Várias outras transições são possíveis, como os
siltitos carbonoso, por exemplo.

3.2. Diagramas Triangulares e Diagramas de Fácies

3.2.1. Diagramas triangulares

A composição maceral dos carvões é melhor visualizada através de


diagramas que a enfatizem e mostrem as relações entre os diferentes
tipos de macerais. Uma vez que os carvões têm macerais de três
grupos, os diagramas que se utilizam são diagramas ternários, ou
seja, triângulos equiláteros em que cada vértice corresponde a 100%
dum dado maceral. A linha VI representa composições macerais sem
liptinite, com percentagens de V-I variando entre 100%V-0%I e 0%V-
Fig. 158. Diagrama ternário VLI para
100%I. As linhas LI e VL representam carvões sem vitrinite e sem representação da composição maceral
dos carvões.
inertinite, respectivamente, já qualquer ponto que seja projectado no

92
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

interior do triângulo apresenta os três grupos de macerais na sua composição. Assim, na Fig. 158, o ponto 1
representa um carvão com 100% de vitrinite e 0% dos outros macerais. Já os pontos 5 e 9 representam um
carvão com 100% de inertinite e 100% de liptinite respectivamente. Se
olharmos agora para o ponto 13, por exemplo, vemos que ele está
colocado mais perto do vértice da vitrinite, sendo assim este o maceral
dominante. Comparando a distância deste ponto às linhas VI e VL,
verifica-se que ele está mais próximo da linha VI, pelo que a inertinite
ocorre em maior quantidade que a liptinite.

Para sabermos qual a composição maceral do carvão representado pelo


ponto 13, procede-se do modo indicado na Fig. 159: Fig. 159. Determinação da composição
maceral dum carvão.
a) do ponto em questão (neste caso o nº 13) traçam-se 3 linhas
paralelas aos lados do triângulo até elas cortarem estes.

b) os pontos de intersecção da linha horizontal com os lados VI e VL,


dão a percentagem de vitrinite; neste caso igual a 65%.

c) os pontos de intersecção da linha oblíqua para a direita com os lados


VL e LI dão a % de liptinite, neste caso igual a 13%.

d) finalmente, os pontos de intersecção da linha oblíqua para a


Fig. 160. Diagrama base VLI
esquerda com os lados VI e LI dão a percentagem de inertinite,
neste caso igual a 22%.

O diagrama da Fig. 160 mostra as linhas que ajudam a projectar a composição maceral no diagrama.

Assim, a composição maceral do carvão representado pelo ponto 13 é: V=65%, L=13%, I=22%. O somatório
tem de dar 100%. O mesmo exercício pode ser feito para os restantes pontos.

A título de exemplo, a Fig.


161-A mostra a composição
maceral de 1847 amostras
de carvão do Gondwana
(Paleozóico da África,
América do Sul, Ásia –
Índia, Butão, Bangladesh –
e Oceânia). Desta imagem

Fig. 161. Diagramas VLI de A) 1847 amostras de carvão do Gondwana e B) 2799 amostras de pode ver-se que os pontos
carvão Norte-Atlânticos. Vasconcelos, 1999.
se distribuem entre os
vértices da vitrinite e inertinite, com maior propensão para a vitrinite. Quanto à zona da liptinite, o número de
pontos é muito menor. Se calcularmos o valor médio da composição maceral destes 1847 carvões obtém-se
o valor VLI = 58-9-33. Já a Fig. 161-B apresenta o mesmo diagrama para os carvões paleozóicos Norte-
Atlânticos (América do Norte, Europa e resto da Ásia), em que o valor médio da composição maceral destes
2799 carvões é de VLI = 73-11-17. Ou seja, muito mais ricos em Vitrinite e mais pobres em Inertinite. Algumas

93
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

diferenças são notórias, como a maior concentração de pontos na área próxima do vértice da vitrinite,
denotando maior quantidade de carvões vítricos, e maior quantidade, também, de pontos junto à liptinite.
Também se nota a menor quantidade de carvões ricos em inertinite. Estes diagramas põem a nu as diferenças
de ambientes climáticos e de sedimentação dos dois grupos de carvões.

Os diagramas triangulares
também podem ser
desenhados em função de
linhas de isoconcentração -
isolinhas, que são as zonas
do diagrama com igual
concentração de pontos
referentes à composição
Fig. 162. Diagramas de isoconcentração referentes aos diagramas da Fig. 161. A) maceral. Por exemplo, a Fig.
Gondwana e B) Norte-Atlânticos. Vasconcelos, 1999.
162 indica os diagramas de
isolinhas referentes aos diagramas VLI da Fig. 161. As diferenças entre os carvões paleozóicos gondwânicos
e norte-atlânticos que a Fig. 161 mostra, estão mais evidentes nos diagramas da Fig. 162. Apesar de os
carvões gondwânicos terem dois picos na zona vitrinítica (de 13% e 12%), nos norte-atlânticos esse pico já
corresponde a 22% dos carvões. Por outro lado, as isolinhas nos carvões gondwânicos estendem-se ao longo
da linha VI do diagrama, o que não acontece nos carvões norte-atlânticos.

3.2.2. Diagramas de Fácies – Índices Petrográficos

Os diagramas de fácies são diagramas que permitem identificar os ambientes de sedimentação dos várrios
carvões através da sua composição maceral. Para isso usam-se os índices petrográficos, que são
parâmetros que relacionam as percentagens de macerais entre si e podem dar indicações preciosas sobre
os materiais de origem e suas condições ambientais de sedimentação. Vários são os índices petrográficos
que têm sido utilizados e aplicados a carvões de vários tipos, idades e proveniências. Citemos, a este respeito,
os trabalhos de Diessel (1982), Navale & Misra (1984), Harvey & Dillon (1985), Diessel (1986), Kalkreuth &
Leckie (1989), Kalkreuth et al (1991), Marchioni & Kalkreuth (1991) e Correia (1993). Vejamos agora alguns
desses índice petrográficos109.

3.2.2.1. Índice de Gelificação (IG) e Indice de Preservação de Tecidos (IPT)

O índice de gelificação (IG), como o próprio nome indica, é a razão entre macerais que sofreram gelificação
(vitrinite e macrinite) e os que sofreram oxidação (semifusinite, fusinite e inertodetrinite) (Diessel 1986). O
índice de preservação de tecidos (IPT), por seu lado, relaciona macerais que apresentam estrutura celular

109
De referir que nas referências bibliográficas a nomenclatura usada para as vitrinites e inertinites é a antiga. No texto que se segue
usam-se a nomenclaturas novas.

94
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

(telinite, colotelinite110, semifusinite e fusinite) com macerais sem estrutura celular (colodetrinite, macrinite e
inertodetrinite) (Diessel 1986):

VT  MA TE  CT  SF  FU
IG  IPT 
SF  FU  ID CD  MA  ID

em que VT=vitrinite, MA=macrinite,SF=semifusinite, FU=fusinite, ID=inertodetrinite, TE=telinite, CT=colotelinite, CD=colodetrinite.

Vários autores adaptaram estes índices, alterando as fórmulas. Assim, por exemplo, a lista abaixo mostra
algumas dessas alterações:

Autor IG IPT

Kalkreuth & Leckie, 1989; Correia, VTtot  MA VTA  SF  FU


IG  IPT 
1993 SF  FU  ID VTB  MA  ID

VTtot  MA VTA  SF  FU  SC
Vasconcelos, 1995 IG  IPT 
SF  FU  SC  ID VTB  MA  ID
em que SC=esclerotinite111, VTA e VTB=vitrinite A e vitrinite B.

A Fig. 163 representa o diagrama que relaciona o IPT com o IG (Kalkreuth et al 1991)

Fig. 163. Diagrama de índices petrográfico IG e IPT (Kalkreuth et al, 1991).

110
A colotelinite só mostra estrutura celular após ataque químico. É, portanto, uma cripto-estrutura
111
Esclerotinite da antiga classificação.

95
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

3.2.2.2. Razão Vitrinite/Inertinite (V/I)

A relação entre a vitrinite total e a inertinite total foi utilizada por Navale & Misra (1984) para correlações
estratigráficas regionais dos carvões pérmicos da Índia e, posteriormente, Harvey & Dillon (1985) utilizaram o
mesmo índice para definir ambientes de sedimentação em carvões pensilvanianos dos EUA. Também
Kalkreuth & Leckie (1989) utilizaram o mesmo índice em carvões cretácicos canadianos. Este índice fornece
indicações sobre o grau de oxidação sofrido pela matéria vegetal à altura da sua deposição (Correia 1993).
Na sua interpretação há que ter em atenção que quanto maior for o valor de V/I, menor é o grau de oxidação
sofrido pela matéria vegetal (Harvey & Dillon, 1985).

3.2.2.1. Diagramas triangulares W-D-R e T-D-F

Estes diagramas, definidos por Diessel (1982), entram em conta com dois índices que, mais tarde, originaram
o IG e o IPT. Esses índices são o wood ratio - TF/D - (razão entre macerais derivados da madeira e macerais
dispersos) e um índice de gelificação - T/F (diferente do apresentado em Diessel 1986). Na definição destes
índices é aplicado o conceito de maceral diagnóstico, isto é, maceral que fornece indicações quanto à sua
origem e às condições ambientais de sedimentação.

TE  CT  FU  SF TE  CT
TD / F  T/F 
AL  SP  ID FU  SF

O diagrama triangular W-D-R (Fig. 164) relaciona os macerais diagnósticos


fusinite+semifusinite+telinite+colotelinite (W) e inertodetrinite+alginite+esporinite (D) com os restantes
macerais considerados não diagnósticos (R). Por seu lado, o diagrama triangular T-D-F (Fig. 165) desdobra
o grupo W anterior em dois novos grupos: telinite+colotelinite (T) e fusinite+semifusinite (F); D é igual ao
anterior. Ou seja, o primeiro diagrama fornece indicações quanto ao grau de preservação de tecidos e o
segundo sobre o grau de oxidação/gelificação sofrido pelos constituintes orgânicos originais.

W  FU  SF  TE  CT D  ID  AL  SP R  CD  VD  MA  MI  SC  CU  RE  ...

T  TE  CT (anaeróbico) D  ID  AL  SP F  FU  SF (aeróbico)

Fig. 164. Diagrama W-D-R Fig. 165. Diagrama T-D-F

Ainda segundo Diessel (1982), a relação entre fusinite (FU)+semifusinite (SF) e a inertodetrinite (ID) poderá
dar indicações sobre a aloctonia/autoctonia da fusinite e da semifusinite. Se o valor da razão (FU+SF)/ID for
alto, significa que a pouca inertodetrinite presente resulta de alguma degradação mecânica da fusinite e da
semifusinite in situ. Se o valor for baixo, então deverá ter havido um certo grau de transporte que levou a uma

96
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

maior fracturação daqueles dois macerais. Segundo Diessel (1982), o intervalo 4-8 para a razão (FU+SF)/ID
indica fusinites e semifusinites autóctones.

3.3. Descrição Macroscópica do Carvão


O primeiro passo para o estudo
duma camada de carvão é a sua
descrição macroscópica, ou seja,
macropetrográfica, no sentido de se
conhecerem os litótipos que a
compõem e em que sequência se
apresentam, pois este aspecto dá
informações importantes sobre os
ambientes de
sedimentação/formação do carvão.

Como atrás se disse, ao se falar de


litótipos, a espessura mínima duma
banda para ser registada como litótipo
varia de país para país. Na Alemanha,
por exemplo, essa espessura mínima
é de 10 mm, ao passo que nos EUA
esse limite já é de 3 mm.

Numa descrição macroscópica duma


camada, não se registam só os 4
litótipos e as intercalações estéreis,
mas também a litologia do tecto e do
muro da camada. Atenção especial
deve ser dada à existência de
horizontes-guia, como zonas de
tonsteins, de camadas siliciosas, de
coal balls, as quais podem ser úteis
na identificação e correlação de
camadas. A Fig. 166 mostra um Fig. 166. Exemplo duma descrição macroscópica duma camada de carvão.

exemplo duma descrição macroscópica duma camada.

Outro tipo de representação macroscópica foi desenvolvido por Tasch (1960). A formação dos vários litótipos
são principalmente um resultado das taxas de subsidência num pântano. O fusino é formado em baixas taxas
de subsidência e em condições de água pouco profunda com frequente acesso do ar. O vitrino e o clarino
indicam inundação, mas em águas comparativamente pouco profundas, ao passo que o durino se formou em
águas mais profundas. A formação dos estéreis e rochas carbonosas indicam as condições mais “molhadas”.

97
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

Se os litótipos forem dispostos na ordem da profundidade da água necessária para a sua formação,
começando na condição mais “seca” para a mais “molhada”, a sequência será:
seco Fusino
Vitrino
Clarino
Durino
Xisto carbonoso
molhado Xisto
Adoptando esta ordem de representação dos litótipos, a curva da camada terá o aspecto representado na
Fig. 167, que mostra o perfil duma camada em 5 locais diferentes duma bacia, sendo perfeitamente possível
correlacionar-se as várias zonas.

Fig. 167. Identificação de camadas pelo médtodo de Tasch (1960). Adaptado de Stach et al, 1982.

3.4. Carvões Gondwânicos e Diferenças em Relação aos Norte-Atlânticos

3.4.1. Introdução

A utilização em larga escala de carvão começou na Europa, com a Revolução Industrial, e mais tarde na costa
leste dos EUA. Acontece que estas duas áreas contêm largos depósitos de carvão de idade Carbonífera e
durante muitos anos se pensou que todos os carvões fossem dessa idade geológica. Se bem que as suas
propriedades variassem de bacia para bacia, imediatamente se verificou que eles tinham algumas
propriedades comuns, pertencendo a uma mesma família.

À medida que os recursos mundiais foram sendo conhecidos, verificou-se que muitos carvões não pertenciam
a esta família. Estes carvões, variando em idade do Pérmico ao Terciário, são muito diferentes dos típicos
carvões bandados do Hemisfério Norte. Incluem-se aqui os carvões do fim do Mesozóico e Terciário – lignites

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Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

e sub-betuminosos – da Europa, W da América do Norte, SW da Austrália e outros, que tinham de ser


incluídos numa outra família. Restava um grupo de carvões betuminosos, ocorrendo em territórios fora da
Europa e América do Norte, que não pertenciam a nenhuma das duas outras famílias. Estes carvões de
idades Permo-Triássico-Jurássica, principalmente Pérmicos, são bandados, à semelhança dos carvões do
Carbonífero, mas diferentes destes em vários aspectos. São os carvões que ocorrem na África Austral, Índia,
E da Austrália, América do Sul, Madagáscar e Antártida. Ou seja, territórios que em tempios pertenceram ao
Gondwana, que mais tarde se veio a fracturar nos continentes actuais. Estas terras, na altura do Gondwana,
tinham condições climáticas e ambientes geográficos semelhantes.

3.4.2. Condições de Deposição

As condições climáticas durante a formação dos principais depósitos do Gondwana eram muito diferentes
das condições existentes durante o Carbonífero no Hemisfério Norte. O clima era principalmente temperado
frio com estações secas e chuvosas alternantes. Nos estágios finais da deposição gondwânica (fim do
Pérmico) o clima começou a aquecer, chegando a temperado quente. A flora caracterizada por ser arbustiva
de folha larga – florestas de Glossopteris (Fig. 14) – era semelhante à que se encontra hoje nas regiões sub-
árticas. De facto, as regiões do Gondwana era regiões árticas e sub-árticas, já que o Pólo Sul, na altura, se
encontrava sobre o que é hoje a região do Karoo da África do Sul. Os fósseis vegetais mostram aneis de
crescimento sazonal, indicativo de variações acentuadas entre as estações do ano.

Em contraste, as florestas do Hemisfério Norte eram arbóreas – Florestas de Lepidophyta (Fig. 13) –
sugestivas de desenvolvimento em condições tropicais a sub-tropicais húmidas. A flora carbonífera mostra
uma quase ausência de aneis de crescimento, sugerindo um clima sem diferenças grandes entre as estações
do ano. De facto, durante o Carbonífero, o Equador estava no Hemisfério Norte.

Os materiais vegetais originais que se acumularam para formar os depósitos de carvão do Gondwana era
muito diferentes dos do Carbonífero. Enquanto que o grupo Glossopteridae dominava no Gondwana, no
Carbonífero a flora era dominada por Lepidophyta (Lepidodendron e Sigillaria), Calamariaceae (Fig 13) e
Pteridospérmicas.

Em adição às árvores de Lepidodendron e Sigillaria, que cresciam até alturas de 30 metros, haviam
igualmente grandes quantidades de vegetação sub-aquática tipo junco/canavial (Calamariaceae) que
atingiam 6 metros de altura e que crescia em todos os pântanos da altura. Em contraste, a flora de
Glossopterideae era constituída por plantas arbustivas do tipo Glossopteris e Gangamopteris (Fig. 14).

Ao contrário dos carvões carboníferos, que se depositaram em áreas de geossinclinal (não consolidadas), os
carvões gondwânicos formaram-se em geral em zonas estáveis de bacias de plataforma continental. Estas
eram de pouca profundidade e afundavam pouco de cada vez, em contraste com as zonas de geossinclinal,
que tinham uma taxa de subsidência muito mais alta. A subsidência lenta e prolongada das bacias de
plataforma continental do Gondwana foi muito mais favorável à acumulação de material vegetal. Em
consequência, as camadas de carvão do Gondwana são muito mais espessas que as do Carbonífero.

A formação dos carvões gondwânicos foi precedida por um período glaciar, e começou com a deposição dum
conglomerado de base – tilítico -, geralmente reconhecido em quase todas as áreas do antigo Gondwana. O

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Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

grosso dos estratos depositados em seguida são constituídos por espessas camadas de sedimentos fluviais,
lacustres ou deltáicos, com intercalações de carvão. Os reajustamentos pós-glaciares devem também ter
afectado o padrão de subsidência das bacias carboníferas, afectando a continuidade lateral das camadas. A
maioria das camadas que se sobrepõem às camadas de carvão são depositadas em água doce. Por vezes
há sedimentos de origem marinha e, quando isto acontece, ocorrem enriquecimentos em pirite.

No que toca a carvões mesozóicos (Triássico e Jurássico), só a Austrália apresenta carvões pós-Pérmicos
de interesse económico.

A maioria das camadas de carvão carboníferas apresentam limites nítidos, com transições abruptas para o
muto e teto da camada. Em comparação, a maioria das camadas gondwânicas são menos bem definidas,
mostrando transições graduais para teto e muro. Por outro lado, a maioria dos carvões carboníferos têm a
muro camadas de seat-earths, ao passo que nos gondwânicos isto pouco ocorre. Estas observações levaram
à ideia que a maioria dos carvões carboníferos se formaram in situ, ou seja, são autóctones, enquanto que
os gondwânicos se formaram após o material vegetal ter sofrido maior ou menor transporte, ou seja, são
alóctones. Mais tarde verificou-se não ser sempre assim.

3.4.3. Características Macroscópicas

Uma das diferenças mais óbvias entre as duas famílias de carvão é que os carvões gondwânicos tendem a
ser mais baços que os norte-atlânticos. Algumas camadas gondwânicas contêm muito mais inertinite que os
típicos carboníferos, e por vezes algumas secções podem conter um metro ou mais de inertinite.

Quanto a inertinite não é tão abundante, há ainda o efeito resultante duma textura petrográfica geralmente
fina, com muito mais dispersão de inertinite e liptinite em relação à vitrinite do que nos carboníferos.
Frequentemente, as rochas sedimentares sobrejacentes às camadas de carvão gondwânicas são arenitos
muito permeáveis, o que favorece a penetração e circulação das águas subterrâneas, as quais depositam
matéria mineral adicional, tornando-o menos brilhante em aparência.

Porque o conteúdo de vitrinite é geralmente menor, os sistemas de diaclasamento e fissuração são menos
desenvolvidos nos carvões gondwânicos.

Outra característica das camadas de carvão gondwânicas é a tendência para o splitting em várias camadas,
em distâncias de 1 a 2 quilómetros, cada uma delas separada das outras por metros ou dezenas de metros
de xistos ou arenitos.

3.4.4. Micropetrografia

Em comparação com os carvões carboníferos, a preparação de blocos polidos de carvões gondwânicos é


mais difícil devido aos finos minerais usualmente dispersos e devido ainda ao alto conteúdo de inertinite.

Os estudos micropetrográficos indicam que em geral, os carvões carboníferos são mais ricos em vitrinite e
liptinite do que os gondwânicos. Consequentemente há mais inertinite nos carvões gondwânicos do que nos
carboníferos. O mesmo em relação à matéria mineral.

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Como resultado desta variação da composição maceral, as proporções de microlitótipos também variam.
Assim, os carvões carboníferos são em geral mais ricos em vitrite e clarite que os gondwânicos, enquanto
que estes são mais ricos em durite, inertite e trimacerites.

Contudo, como em tudo, há excepções a estas tendências.

3.5. Propriedades do carvão


Tanto as propriedades químicas como as físicas (que veremos adiante) são importantes para a determinação
da qualidade do carvãoe e, em última instância, para a definição da sua aplicação. Nem todos os carvões
serverm para os mesmos fins. Uns são apropriados para a queima, outros para o fabrico do coque, outros
para gasificação, e por aí fora.

O carvão necessita de possuir determinadas propriedades para um determinado uso. Se o carvão tiver essas
propriedades ele pode ser minado e vendido como tal. Se ele não tiver essas propriedades, a sua qualidade
pode ser melhorada por processos de benefeciação (lavabilidades, por exemplo) ou misturado com outros
carvões seleccionados para que a mistura tenha essas propriedades requeridas. A este processo de mistura
de dois ou mais carvões para obtenção dum produto final com determinadas características dá-se o nome de
blending (mistura, em português).

A qualidade do carvão depende da sua composição maceral e do seu conteúdo mineral (e do modo como
matéria orgânica e inorgânica estão intercrescidas) e do grau de incarbonização. Para que isto possa ser
compreensível em termos analíticos foram defenidas regras e procedimentos analíticos. O geólogo não
necessita de conhecer estes processos analíticos em detalhe, mas ele tem de saber interpretar os resultados.

3.5.1. Análises Químicas

Em termos práticos um carvão pode ser considarado como sendo constituído de humidade, carvão puro e
matéria mineral. A humidade é constituída por humidade superficial e humidade molecular (por exemplo,
gesso: CaSO4. 5H2O). A matéria mineral é a quantidade de matéria inorgânica presente que produz as cinzas
quando o carvão é queimado112. Daqui se depreende que a composição da matéria mineral original e a
composição das cinzas não pode ser a mesma, pois parte da mat’eria mineral se decompõe na combustão,
libertando gases para o ambiente.

A caracterização química dos carvões é feita mediante dois tipos de análises químicas: análises imediatas113
e análises elementares114.

As análises imediatas, como o nome indica, são análises de execução mais ou menos rápida e que fornecem
as quantidades de humidade, matérias voláteis, carbono fixo e cinzas. O carbono fixo é o carbono que não

112 Há uma certa quantidade de cinzas, muito ínfima, que resulta de material inorgânica presente na própria material orgânica.
113 Em inglês: proximate analysis;
114 Em inglês: ultimate analysis

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pertence ao minerais (por exemplo, CaCO3) nem aos voláteis (por exemplo, CO, CO2). As análises imediatas
são as mais fundamentais das análises de carvão e são de grande importância para a aplicação do carvão.

Os resultados das análises são dependentes dos tempos e temperaturas utilizadas nas análises. Por isso é
importante conhecer os procedimentros utilizados. Para isto, há normas nacionais e internacionais que
permitem a todos interpretar os resultados da mesma maneira.

As análises elementares, como o nome indica, são análises para a determinação da composição elementar
do carvão em termos de carbono, hidrogénio, oxigénio, azoto e enxofre. Por outro lado, a determinação
doutros elementos que afectam o uso do carvão tambem é feita, como cloro, fósforo, formas de enxofre115, e
elemntos que constituem a matéria mineral e elementos-traço.

3.5.1.1. Bases de dados analíticos

Antes de se proceder à anál;ise do carvão, é necessário entender como a humidade, as cinzas, os voláteis e
o carbono fixo de inter-relacionam, e em que bases os resultados são apresentados.

É importante, na avaliação de resultados analítico anteriores, conhecer as bases em que eles são
apresentados. Infelizmente um problema comum é que muitas vezes os resultados são apresentados sem se
informar a respectiva base de cálculo.

As análises de carvão podem ser reportadas como mostra a Fig. 168.

a) “como recebido” (cr) (em inglês as received – ar): ou como amostrado; os resultados são
apresentados como percentagens incluindo a humidade total;

b) “seco ao ar” (sa) (em inglês air dried – ad): neste caso, a humidade superficial foi eliminada, ficando
só a humidade inerente (a que pertence às estruturas moleculares);

c) “seco” (s) (em inglês dry basis – db): toda a humidade foi removida.

d) “sem cinzas” (sc) (em inglês ash free – af): o carvão é considerado como se fosse constituído de
humidade, carbono e voláteis;

e) “seco, sem cinzas” (ssc) (em inglês dry, ash free – daf): o carvão é considerado como se fosse
constituído de carbono e voláteis; esta base é usada para comparar as fracções orgânicas dos
carvões;

f) “seco, sem matéria mineral” (s,smm) (em inglês dry, mineral matter free – d,mmf): neste caso é
necessário calcular o conteúdo de matéria mineral e não de cinzas.

A Tabela 13 mostra as fórmulas necessárias para o cálculo nas diferentes bases. Em geral, as análises
imediatas são fornecidas já na base “seco ao ar”. Além destas fórmulas, vários países utilizam outras fórmulas
para o cálculo da matéria mineral:

Estados Unidos da América


Fórmula de Paar: MM = 1.08c + 0.55S
Fórmula de Paar modificada: MM = 1.13c + 0.47Spir + Cl

115 Enxofre orgânico, enxofre pirítico, enxofre sulfato, etc.

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Reino Unido
Fórmula BCURA: MM = 1.10c + 0.53S + 0.74CO2 – 0.36
Fórmula KMC: MM = 1.13c + 0.5Spir + 0.8CO2 – 2.8Sc + 2.8SSO4
Austrália
Fórmula SAA: MM = 1.1c
Em que

MM = matéria mineral; c = cinzas; S = enxofre total; Spir = enxofre pirítico; SSO4 = enxofre sulfato; Sc = enxofre nas cinzas; Cl = cloro;
CO2 = anidrido carbónico. Todos os valores em percentagem e na base “seco ao ar”.

Fig. 168. Diferentes bases para apresentação dos resultados analíticos do carvão

Tabela 13. Fórmula de cálculo das análises imediatas em diferentes bases, com um exemplo.
Seco ao ar Seco ao
Seco (s) Sem cinzas (sc) Seco, sem cinzas (ssc)
ar (sa)
100  H sa
Humidade (Hsa) 5.8% H sc   6.6
100  c sa
100  c sa
Cinzas (csa) 12.8% cs   13.6
100  H sa
100  MVsa 100  MVsa 100  MVsa
Voláteis (MVsa) 24.4% MVs   25.9 MVsc   28.0 MVssc   32.8
100  H sa 100  c sa 100  H sa  c sa
Carbono fixo
57.0% Cf s  100  c s  MV s  60 .5 Cf sc  100  H sc  MV sc  65 .4 Cf ssc  100  MV ssc  67 .2
(Cfsa)
TOTAL 100.0% 100.0 100.0 100.0

3.5.1.1. Análises Imediatas

a) Humidade

A terminologia usada para descrever o conteúdo de humidade dos carvões pode ser confusa e necessita
duma clarificação. O termo mais confuso é humidade inerente, que tem muitas definições e deve ser evitado.

103
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Não há um método exacto para determinar o conteúdo de humidade. A indústria do carvão desenvolveu uma
série de definições:

i. Humidade superficial: é uma humidade adventícia, que não ocorre naturalmente no carvão, e que pode
ser removida com a secagem ao ar ar baixa temperatura (40ºC). Esta secagem ao ar é geralmente o
primeiro passo duma análise. A humidader que fica no carvão após esta secagem é chamada de
humidade na base seca ao ar (ver ponto iv).

ii. Humidade como recebida: é a humidade total da amostra quando recebida e entregue no laboratório. Em
geral o laboratório seca o carvão ao ar, obtendo uma “perda por secagem ao ar”. Esta perda equivale à
humidade superficial. Em seguida sujeita a amostra a uma secagem agressiva (+150ºC) que determina a
humidade que fica após a secagem ao ar.

iii. Humidade total: é o conjunto da humidade superficial que se libertou na secagem ao ar, mais a humidade
que se libertou da secagem agressiva.

iv Humidade na base seca ao ar: é a humidade que fica após a secagem ao ar e que pode ser removida
pela secagem agressiva.

Outros conceitos de humidade foram introduzidos, como capacidade de retenção de humidade, humidade de
equilíbrio, humidade na camada, etc.

b) Cinzas

O teor de cinzas é o resíduo inorgânico que fica após combustão. Deve-se lembrar que um determinado teor
de cinzas não é equivalente ao conteúdo de matéria mineral dum carvão. Representa, contudo, o grosso da
matéria mineral após a libertação de voláteis, como CO 2, SO2 e H2O, que se escapam de minerais do tipo
carbonatos, sulfatos, argilas e outros.

NOTA: tanto a humidade como as cinzas constituem uma carga estéril num carvão pois elas reduzem o seu
poder calorífico e a eficiência duma série de aplicações industrias. Eles correspondem a um certo peso no
transporte e, como tal, reduzem o valor comercial do carvão.

c) Voláteis (ou matéria volátil)

Os voláteis representam os componentes do carvão, excepto a humidade, que se libertam a altas


temperaturas na ausência de ar. Estes componente provêm principalmente da fracção orgânica do carvão,
mas alguma quantidade, mais reduzida, provém da matéria mineral

d) Carbono fixo

O carbono fixo é a quantidade de carbono que fica no resíduo após a libertação dos voláteis. O carbono fixo
não é calculado analiticamente, mas matemáticamente, subtraindo a 100% as percentagens dos outros
componentes.

104
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

3.5.1.2. Análises Elementares

As análises elementares dum carvão consistem na determinação do carbono e hidrogénio como produtos
gasosos da combustão completa do carvão, a determinação do enxofre e azoto, e a estimativa do oxigénio
por diferença (matematicamente).

Do mesmo modo que as análises imediatas podem ser calculadas para diferentes bases, também os
resultados das analálises elementares também podem ser expressas em diferentes bases, usando o mesmo
tipo de fórmulas que os usados na Tab. 13.

A determinação dos teores de C,H,O dum carvão permitem calcular vários rácios atómicos como H/C e O/C.
Se se calcularem estes rácios para os vários macerais e produtos orgânicos originais (madeira, ceras,
cutículas, lenhina, celulose, etc) obtém-se um diagrama como o da Fig. 169, chamado Diagrama de van
Krevelen, que mostra a evolução dos vários materiais orgânicos ao longo da incarbonização. Como se pode
ver do diagrama, os pontos de partida são vários, mas todos eles convergem na origem das ordenadas, em
que os rácios H/C e O/C são iguais a 0, uma vez que esse ponto corresponde a 100% de carbono.

Fig. 169. Diagrama de van Krevelen (adaptado de Thomas, 1992).

3.5.1.3. Outras Análises

Além das análises imediatas e elementares, é possível realizar no carvão outros tipos de análises químicas,
como sejam:

a) Formas de enxofre: as proporções das formas de enxofre orgânico, inorgânico (pirítico e sulfato) são
importantes quando se considera o uso comercial do carvão. Os processos de beneficiamento do carvão
podem reduzir as formas inorgânicas, mas não as orgânicas. Assim um carvão com alto teor de enxofre
orgânico pode não ter utilidade, devido à toxicidade do enxofre, ou quando muito ser misturado com outro
carvão. Por outro lado, o enxofre pirítico está muito ligado a problemas de combustão espontânea do
carvão.

105
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

b) Dióxido de Carbono: O CO2 dum carvão ocorre na fracção mineral. Os carbonatos libertam CO 2 na
combustão e contribuem para o teor total de carbono. Contudo, esta reacção diminui o total da energia
dum carvão.

c) Cloro: em geral o teor de cloro é baixo, e está geralmente associado a sais minerais. Contudo, a presença
de teores altos de cloro impedo o seu uso, já que o cloro provoca corrosão das caldeiras, além de ser um
grave agente poluidor atmosférico.

d) Fósforo: geralmente presente no mineral apatite, sendo prejudical em muitos processos tecnológicos.

e) Análise de Cinzas: a composição das cinzas pode ser determinada do mesmo modo que se faz a análise
química duma rocha minerogénica, ou seja, em termos de óxidos: SiO 2, Al2O3, Fe2O3, FeO, TiO2, CaO,
MgO, K2O, Na2O, P2O5 e SO3. A importância de se saber a composição química das cinzas vem do facto
de que esta influi muito nos processos tecnológicos. Por exemplo, altos teores de óxidos de Fe, Ca, Na
ou K resultam em cinzas com baixas temperaturas de fusão, podendo estas entupir os equipamentos.

f) Elementos-Traço: o carvão contém uma certa quantidade de elementos-traço, que podem ter afinidade
orgânica (ou seja, geralmente ligados à matéria orgânica), afinidade inorgânica (geralmente ligados aos
minerais) e sem nenhuma afinidade (podendo aparecer ligados tanto à matéria orgânica como
inorgânica). Elementos com afinidade orgânica são, por exemplo: B, Be, Ge. Com afinidade inorgânica
temos: Ar, Cd, Hg, Mn, Mo Pb, Zn, Zr. A presença destes elementos pode excluir o uso do carvão, se não
for possível diminuir as suas proporções, devido ao seu impacto ambiental sério, não só no ambiente
propriamente dito, como na saúde humana. Alguns elementos-traço podem ser extraídos dos resíduos
dos processos tecnológicos de utilização do carvão, como sub-produtos.

3.5.2. Propriedades de Combustão

A determinação dos efeitos da combustão do carvão é determinante para a sua selecção para um
determinado uso. Os ensaios são levados a cabo num forno para determinar o seu poder calorífico, a
temperatura de fusão das cinzas e as propriedades de cozedura 116 e coqueficantes.

Estas parâmetros são particularmente importantes pois eles constituem a base de muitas classificações do
carvão.

3.5.2.1. Poder Calorífico

O poder calorífico (PC) dum carvão é a quantidade de calor produzido por unidade de massa do carvão
quando combustado. O PC dum carvão é expresso de duas maneiras:

i. Poder Calorífico Superior – PCs – quantidade de calor libertado em teste laboratorial quando o carvão
é combustado em condições padronizadas a volume constante, de modo a que toda a água nos produtos
fique no estado líquido.

116 Em inglês caking, de cake = bolo.

106
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

ii. Poder Calorífico Inferior – PCi – durante a combustão real nos fornos, o PCs nunca é atingido poque
algunms produtos, em especial a água, se perde junto com o seu calor de vaporização. O calor máximo
que se atinge nestas condições é medido pelo Pci

Tanto o PCi como o PCs são expressos em MJ/kg, kcal/kg e Btu/lb. A relação entre PCi e PCs é dada pelas
seguintes equações:

 Em MJ/kg PCi = PCs – 0.212H – 0.024H2O

 Em kcal/kg PCi = PCs – 50.7H – 5.83H2O

 Em Btu/lb PCi = PCs –91.2H – 10.5 H2O

Em que H = hidrogénio e H2O = humidade.

3.5.2.2. Temperatura de Fusão das Cinzas

A maneira como as cinzas reagem a altas


temperaturas pode ser crítica para seleccionar
o carvão para a combustãoO teste faz-se
usando um cone, um cilindro ou cubo moldado
de cinzas que é aquecido numa atmosfera
ligeiramente redutora ou oxidante, a
temperaturas entre 1000-1600ºC. Neste
processo, 4 temperaturas críticas se podem
medir (Fig. 170):

 Temperatura de deformação inicial (TI):


temperatura a que aparece o primeiro arredon-
damento do vértice do cone ou das arestas;

 Temperatura de amolecimento (TA):


temperatura a que a amostra funde até à forma
dum botão em que a altura é igual à base;
Fig. 170. Ensaio de fusibilidade das cinzas
 Temperatura de hemisfério (TH):
temperatura a que a amostra funde até à forma dum botão em que a altura é igual a metade da base;

 Temperatura de fusão (TF): temperatura a que o molde colapsou até ser uma cmada achatada.

O comportamento das cinzas é uma resposta directa da sua composição química. Os óxidos de Fe, Ca e K
reduzem as temperaturas de fusão, ao passo que o óxido de alumínio é o mais refractário.

107
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

3.5.2.3. Testes de Cozedura

Há dois testes fundamentais: o Índice de Intumescimento no Cadinho (crucible swlling index – CSI117) e o
Índice Roga.

a) Índice de Intumescimento no Cadinho

O CSI (ou FSI) é uma medida do aumento de volume do carvão quando aquecido, sem a restrição de ar. A
amostra de carvão é aquecida num cadinho durante um tempo específico. Quando todos os voláteis se
tiverem libertado, fica um pequeno botão duma massa geralmente esponjosa – o coque. Uma secção
longitudinal desse botão é então comparada com uma série de perfis padronizados numa placa (Fig. 171).

Carvões com um CSI de 0-2 não são apropriados para o fabrico do coque. Carvões com altos valores de CSI
também não, pois são muito esponjosos e fracos para aguentarem com as cargas a que o coque tem de ser
sujeito.

Fig. 171. Esquema de placa com orifícios com as formas dos botões de coque do CSI.

b) Índice Roga

O teste para a determinação do índice Roga mistura a amostra de carvão com uma certa quantidade padrão
de antracite, mistura essa que depois é aquecida. O botão de coque resultante é depois testado para a sua
resistência mecânica, por rotação dentro dum tambor durante cerca de 15 minutos; a cada 5 minutos o resíduo
é peneirado e pesado.

Há uma correlação entre os índices de Roga e de Intumescimento (Fig. 172).

117 CSI na nomenclatura ISO; na nomenclatura inglesa é FSI – free swelling index.

108
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

Fig. 172. Correlação entre os Índices Roga e de Intumescimento

3.5.2.4. Testes de Coquefacção

Há vários testes para determinar as


propriedade coqueficantes dum carvão:

a) Teste de Grey-King: o carvão finamente


moído é aquecido lentamente num tubo
fechado e o seu aspecto/textura é
comparado com padrões pré-estabelecidos.

b) Ensaio de Fischer: usado para carvões de


baixo grau;

c) Plastómetro de Gieseler: para formar


coque, o carvão passa do estado sólido a
um estado plástico para originar um sólido
poroso – o coque; o plastómetro mede as
temperaturas em que o carvão muda de
estado físico;

d) Dilatómetro de Audibert-Arnu: durante o


aquecimento, o carvão começa por Fig. 173. Esquema dum dilatómetro de Audibert-Arnu

encolher (diminui de volume) e depois expande, para formar o coque; o dilatómetro é um aparelho que
mede as temperaturas em que estes fenómenos ocorrem. A Fig. 173 mostra um esquema dum destes
dilatómetros e uma curva resultante deste teste.

3.5.3. Propriedades Físicas

Além das propriedades químicas e de combustão dum carvão, a sua avaliação para uso comercial requer a
determinação de várias propriedades físicas: densidade, dureza, moendabilidade, abrasividade,
granulometria e lavabilidade.

109
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

A densidade depende do grau e do conteúdo de matéria mineral. A dureza e a moendabilidade são


importantes pois o carvão tem de ser esmagado/moído quando é utilizado. Para a moendabilidade usa-se o
Índice de Hardgrove que quanto maior mais brando o carvão é. A Abrasão é provocada fundamentalmente
pela matéria mineral.

Dada a sua importância, daremos a seguir algum enfoque na granulometria e na lavabilidade.

3.5.3.1. Ensaios Granulométricos

A granulometria dum carvão depende do modo como ele foi minado e manuseado, por um lado, e por outro
da sua dureza, resistência e fracturação inerente.

A granulometria das partículas de carvão afecta o desenho da planta de tratamento, que por seu lado depende
do tamanho das granulometria a ser vendida.

Como o nome indica, Ensaio Granulométrico é a separação do carvão em várias fracções de granulometrias
variadas, dum mínimo a um máximo pré-definidos, com vista a estudos variados para a caracterização
petrográfica, química, física e tecnológica de cada fracção. O ensaio granulométrico é levado a cabo utilizando
peneiros (se o teste for a nível laboratorial) e crivos (se for a nível industrial).

Existem normas que definem quais os peneiros/crivos a serem utilizados, de modo a que as análises possam
ser comparadas. Em Moçambique não existem normas nacionais que definam estes parâmetros, pelo que se
torna necessário adoptarem-se outras normas. Assim, e para que os resultados tenham "valor internacional",
deve-se usar normas reconhecidas internacionalmente, como as normas ISO (International Standard
Organisation). Concretamente, para os ensaios granulométricos, a norma usada é a ISO 1953-1972. Esta
norma define os seguintes crivos/peneiros (malha em milímetros):

0.045 - 0.063 - 0.09 - 0.125 - 0.18 - 0.25 - 0.355 - 0.5 - 0.71 - 1 - 1.4 - 2 - 2.8 - 4 - 5.6 - 6.3 - 8 - 10 - 11.2 -
12.5 - 16 - 20 - 22.4 - 25 - 31.5 - 40 - 45 - 50 - 63 - 80 - 90 - 100 - 125

Além de definir os crivos/peneiros, define também as quantidades de amostra a utilizar (para que os resultados
sejam representativos), bem como a marcha de análise a proceder. O ensaio granulométrico do carvão segue o
processo normal de qualquer ensaio granulométrico. A Tabela 14 mostra os resultados dum ensaio granulométrico.

Tabela 14. Resultados dum ensaio granulométrico


Peso inicial: 1000 g
Fr. Granulométrica
Peso (g) %
(mm)
-0.5 100 10.1
+0.5-1 270 27.3
+1-2 350 35.4
+2-4 90 9.1
+4-6 70 7.1
+6-8 50 5.0
+8-10 40 4.0
+10-12 10 1.0
+12 10 1.0
Total 990 100.0
Perdas 10 10.0

110
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

Após se determinarem os pesos e percentagens das várias fracções granulométricas, desenham-se as


respectivas curvas granulométricas (Fig. 174).

Fig. 174. Curvas granulométricas referentes ao ensaio da Tabela 14.

3.5.3.2. Ensaios de Lavabilidade

As partículas dum carvão têm densidades diferentes, que representam as várias quantidades de matéria
mineral presente. Consequentemente, o
processo de preparação do carvão é
desenhado para remover essa matéria
mineral de modo que o teor de cinzas seja
reduzido e que o produto beneficiado seja
melhorado para ser vendido a melhor preço.

As partículas de carvão são separadas em


diferentes densidades por imersão
emlíquidos de densidades progressivas,
geralmente variando de 1.3 a 2.0 g/cm 3. Os
resultados podem ser expressos
graficamente (Fig. 175) como uma série de
curvas de lavabilidade, que são usadas
para calcular a quantidade de carvão que se
pode obter para uma determinada
qualidade, a densidade do líquido requerida
para o efeito e a qualidade do refugo.

Quando se imerge o carvão num líquido, por


exemplo de densidade 1.40, há uma porção
que fica a flutuar (Flutuado d<1.40), há uma
Fig. 175. Curvas de lavabilidade

111
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

porção que afunda (Afundado d>1.40) e há uma porção que fica suspensa no seio do líquido (Middlings
d=1.40). Os afundados e os middlings são depois misturados e imersos num líquido de densidade mais alta,
e assim por diante até se atingir a última densidade definida.

Na figura anterior, o significado das curvas é como segue:

Curva 1: permite determinar o teor médio em cinzas dos flutuados acima duma determinada densidade de
corte;

Curva 2: permite determinar o teor médio em cinzas dos afundados abaixo duma determinada densidade de
corte;

Curva 3: permite determinar a DC para se obter um produto com um determinado teor médio de cinzas;

Curva 4: permite determinar o teor médio de cinzas do corte;

Curva 5: relaciona a DC com a quantidade de material que se situa no intervalo dessa DC + 0.1.

Olhando para o exemplo da Fig. 175, para se obter um produto com 7% de cinzas, o rendimento é de 85.5%
(e o do refugo de 14.5%) e tem de se usar um líquido de densidade 1.484.

3.6. Classificação dos Carvões

3.6.1. Introdução

Como acontece com todos os objectos naturais, os princípios da Sistemática são aplicados às rochas (e o
carvão não é excepção) com vista à sua Classificação (Lemos de Sousa et al, 1992). De facto, a presença
de diversos objectos naturais e a necessidade de se falar uma linguagem comum, levaram, numa primeira
fase, à definição das características que indicam ou marcam as diferenças ou semelhanças de modo a
agrupar esses objectos (Taxinomia). A segunda fase foi a de atribuir nomes a essas categorias
(Nomenclatura).

Do mesmo modo, as classificações podem ter diversos objectivos que podem ser subdivididos em científicos
e aplicados, estes de iportância de aplição prática daqs coisas, se bem que as classificações científicas
sempre têm aplicação prática.

No que respeita aos caustobiólitos (matéria orgânica sedimentar fóssil) a que pertencem os carvões, a
primeira tentativa de sistematização foi feita por Libavius em 1599, seguido de Stockar em 1763. No que
respeita ao carvão propriamente dito, tentativas de sistematização são conhecidas pelo menos desde 1837,
por Regnault.

Não é nosso objectivo entrar em detalhes sobre a história de classificação dos carvões, já que este assunto
está bem documentado em muitas publicações.

O estudo detalhado deste assunto confirma que, juntamente com trabalhos publicados sobre sistemática,
vários países elaboraram e publicaram Normas Nacionais sobre a matéria, principalmente aqueles com uma

112
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

indústria de carvão avançada. O objectivo destas normas é geralmente prático e aplicado à comercialização
do carvão e à sua aplicação em várias tecnologias.

Contudo, é essencial clarificar aspectos básicos (além da própria classificação), que estão ligados a conceitos
modernos da sistemática do carvão. Considerando a avaliação como a determinação das propriedades,
características e comportamento dum determinado produto em relação ao seu uso, é óbvio que tanto a
classificação como a especificação contribuem distinctivamente para isto. Contudo, enquanto que a
especificação se refere precisamente a parâmetros não necessáriamente incluídos na classificação, cada um
deles aplicável a um aspecto específico ou a um requisito para determinado uso, as classificações
xonformam-se aos princípios da sistemática referidos acima.

No seu conjunto, estes aspectos estão ligados à Qualidade que corresponde à totalidade das características
dum produto que lhe dão a capacidade de satisfazer certas necessidades. Estas características são
verificadas por meio de processos de Qualificação, o que significa a implementação dum Sistema de
Qualidade através da Padronização e Certificação.

Por outro lado, com vista a facilitar a boa ordenação e agrupamento dos objectos, é necessário distinguir
entre Classificações Científicas/Genéticas e Classificações Técnicas/Comerciais, ambas com diferentes
campos de aplicação, meios, objectivos e fins. A Tabela 15 ilustra este aspecto. Deve enfatizar-se que a
classificação científica/genética olha o carvão como uma entidade geológica (Carvão Na Camada), enquanto
que a técnica/comercial os olha como um produto industrial já beneficiado (de uma simples camada ou para
formar um blend) com o objectivo de ser comercializado e utilizado em vários processos tecnológicos.

Tabela 15. Classificação e Codificação do carvão (modificado de Alpern, 1981; in Lemos de Sousa et al, 1992).

CIENTÍFICA/GENÉTICA TÉCNICA/COMERCIAL
(Classificações) (Codificações)
 Carvão como rocha sedimentar  Produtos beneficiados (esmagado,
Aplicação (maceral+mineral) lavada, granulometria)
 Camadas in situ  Camadas ex-situ + blends
 Sistema natural  Sistema artificial
 Descritivo (palavras)  Código numérico
Meios
 Parâmetros limitados, em ordem  Parâmetros ilimitados, sem
hierárquica hierarquia
 Fins científicos/geológicos  Fins comerciais de
importação/exportação
 Cálculo de reservas e recursos  Caracterização detalhada
 Avaliação de carvões in situ  Avaliação de carvões ex-situ
Objectivos
 Ensino
 Tentativa de correlacionar
diferentes sistemas nacionais de
classificação

As classificações científicas/genéticas não podem ser olhadas como modelos meramente teóricos sem
aplicações práticas, pois elas contribuem favoravelmente para calcular reservas numa base comum. No caso
das classificações técnicas/comerciais, é importante enfatizar que as diferentes categorias são expressas
geralmente por um Código numérico com algarismos ilimitados, ligados a parâmetros escolhidos, sem
hierarquia escolhida e servindo somente objectivos práticos. Por isso, estas classificações são chamadas de
Codificações, deixando o conceito de Classificação para as classificações científicas/genéticas.

113
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

A grande diversidade de sistemas por um lado, e os objectivos distintos requeridos, por outro, levaram a várias
situações de confusão e caos internacional. Isto levantou a necessidade de elaborar sistemas de âmbito e
aceitação internacionais, uma vez que é impossível harmonizar os vários sistemas nacionais, como se pode
ver da Tabela 16.

3.6.2. Sistemas de Classificação

Alguma concordância já foi atingida a nível internacional. Os sistemas das Figs. 176 e 177 mostram essa
concordância. A Fig. 176 mostra a versão original em 3D, ao passo que a Fig. 177 mostra a versão mais
recente (1991) da Classificação da CEE-NU para Carvões em Camada, num grafismo bidimensional.
Comparem-se as duas versões e verifique-se que há algumas diferenças nas subdivisões da classificação
quanto grau.

A Fig. 178 mostra a correlação entre a Classificação da CEE-NU para cafrvões em Camada com outros
parâmetros de grau existentes na bibliografia e noutros sistemas nacionais.

Falcon (1986) resolveu adaptar a versão de Alpern (Fig. 176) aos carvões sul-africanos, já que estes, como
carvões gondwânicos que são, apresentam características diferentes dos norte-atlânticos. O modelo (3D) de
Falcon vem na Fig. 179, a qual apresenta a projecção de alguns carvões de Moatize (Vasconcelos, 1995).
Em comparação com as classificações anteriores, nota-se esta reflecte melhor as características de maiores
conteúdos de inertinite dos carvões gondwâncios.

Além destas classificações, há outras que não referiremos aqui para não se tornar fastidioso, e que podem
ser consultadas em Lemos de Sousa et al, 1992.

3.6.3. Sistemas de Codificação

A nível dos vários países, principalmente os grandes produtores de carvão, há vários sistemas de codificação.
No entanto, a CE-NU adoptaram em 1988 um sistema de Codificaão para carvões de médio e alto grau com
base em 8 parâmetros (Fig. 180). A título de curiosidade, as Figs. 181 e 182 apresentam os sistemas de
codificação australiano e sul-africano.

114
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

Tabela 16. Classes do antigo Sistema de Classificação para Carvões de M’edio e Alto Grau da CEE-NU (1956), comparadas com as “classes” de Sistemas Nacionais (segundo van Krevelen,
1961, in Lemos de Sousa et al, 1992).
Classes do Sistema Internacional
“Classes” de vários sistemas nacionais
Parâmteros
Classe Nº Matérias Poder Estados
Bélgica Alemanha França Itália Holanda Polónia Reino Unido
Voláteis Calorífico Unidos
Antraciti
0 0–3 Meta-antracyt Meta-Anthracite
speciali
Anthracite
1A 3 – 6.5 Antraciti Anthraciet Antracyt Anthracite
Maigre Anthrazit Anthracite
comuni
Pólantracyt
1B 6.5 – 10
Maigre Semi-
Carboni magri Dry steam Anthracite
¼ gras Mager Chudy
2 10 – 14 Magerkohle
½ gras
Demi-gras Low-volatile
Carboni semi- Pólkoksowy Coking steam
3 14 – 20 ¾ gras Esskohle Esskool bituminous
grassi Metakoksowy
Carboni grassi Mediumm Medium-volatile
4 20 – 28 Fettkohle Gras à courte Ortokoksowy
corta fiamma volatile bituminous
flamme Vetkool
Carboni grassi coking
5 28 – 33 Gras High-volatile
media fiamma Gasowo-
Gaskohle bituminous A
> 33 Gras koksowy
6 8450 – 7750 Carboni da gas Gaskool
(32 – 40) proprement dit
> 33 High-volatile
7 7750 – 7200 Gazowy
(32 – 34) Carboni grassi bituminous B
Gasvlamkool
da vapore High volatile
Flambant gras
> 33 Gasowo-
8 7200 – 6100 Gasflammkohle
(34 – 36) plomienny High-volatile
bituminous C
Carboni secchi Vlamkool
> 33 Flambant sec
9 < 6100 Plomienny
(36 – 48) Sub-bituminous

115
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

Fig. 176. Versão original da Classificação de Alpern para Combustíveis Fósseis Sólidos (ECE-UN, 1986)

116
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

Fig. 177. Versão alternativa simplificada (e planificada) da Classificação da CEE-NU para Carvões em Camada.

117
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

Fig. 178. Comparação entre a Classificação da CEE-NU para carvões em Camada com outros parâmetros de grau existentes na
bibliografia e noutros sistemas nacionais.

118
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

Fig.179. Classificação de Alpern adaptada aos carvões sul-africanos (Falcon, 1986).

119
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

Fig. 180. Sistema de Codificação da CEE-NU para Carvões de Grau Médio e Superior

120
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

Fig. 181. Sistema de Codificação para Carvões Australianos segundo a norma AS 2096-1987 (NP 4222-1992)

Fig. 182. Síntese dos parâmetros usados na África do Sul, segundo a especificação para carvões betuminosos e antracite
(Specification for Anthracite and Bituminous coals (1982).

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Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

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123
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

4. A BACIA CARBONÍFERA DE MOATIZE

4.1. INTRODUCÇÃO
A Bacia Carbonífera de Moatize está localizada na Província de Tete, a cerca de 27 km de Tete, a capital
provincial, e a cerca de 1700 km de Maputo e 600 km da Beira. A área é servida por estradas nacionais e
internacionais e por uma linha férrea de 600 km até ao porto da Beira, linha férrea essa que se encontra em
reabilitação. Tete tem também um aeroporto ligando-a às principais cidades do País.

A Bacia Carbonífera de Moatize está incluída na Bacia Hidrográfica


do Rio Zambeze (Fig. 183), que cobre uma área de 137.000 km2 em
Moçambique (Real, 1966). Os principais rios da Bacia são o
Revúboè e o Moatize.

As formações da Bacia Carbonífera de Moatize pertencem ao


Supergrupo do Karoo que, na área, varia em idade desde o
Carbonífero Superior ao Cretácico.

Litologicamente o Supergrupo do Karoo pode ser subdividido num


Fig. 183. Bacias hidrográficas período sedimentar e num período ígneo, este último correspondendo
à fase terminal do Karoo, se bem que haja uma simultaneidade de
episódios sedimentares e ígneos durante o Jurássico.

As formações do Supergrupo do Karoo assentam discordantemente sobre o Precâmbrico, maioritariamente


constituído por rochas do Complexo Gabro-Anortosítico, a norte, nordeste e sudoeste da bacia. Para oeste,
a bacia extende-se para lá do Rio Zambeze para a Bacia de Tete, aqui assentando sobre os Grupos de
Matambo e Changara do “Complexo do Báruè”. Para leste, a bacia extende-se até ao Malawi.

4.2. GEOLOGIA
As rochas do Supergrupo do Karoo estão inseridas em grabens dispostos ao longo do Rio Zambeze. Como
mostra a Fig. 2, as bacias do Karoo extendem-se desde o Zumbo até à fronteira com o Malawi.

As rochas da Província de Tete podem ser subdivididas em 3 grupos estratigráficos principais (Fig. 2):

- Formações pré-Karoo formations (Precâmbrico);

- Supergrupo do Karoo (Carbonífero Inferior-Cretácico);

- Formações pós-Karoo (Cretácico-Quaternário).

A Bacia Carbonífera de Moatize pertence a uma bacia maior que se extende de Tete a Minjova, na fronteira
com o Malawi, que por sua vez se continua por este país adentro para a Bacia de Lengwe. Os limites NE e
SW do graben são definidos por falhas de bordadura com direcção NW-SE. O graben de Moatize tem um
comprimento aproximado de 35 km e uma largura média de 2 km. O acidente orográfico mais importante é o
Monte M’pandi, com uma altitude de 320.8 m, situado na margem SW do graben, representando um
braquianticlinal das rochas do embasamento.

124
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

Fig. 184. Esboço geológico simplificado da Província de Tete

4.2.1. Precâmbrico

As rochas precâmbricas da Província de Tete situam-se no Cinturão Orogénico do Zambeze que separa o
Cratão do Zimbabwe (a Sul) do Cratão da Zâmbia (a Norte). A idade dos cratões é Arcáica. O Cinturão do
Zambeze compreende formações que foram afectadas por várias orogenias – Irumide (>1.300 M.a.),
Moçambicana (1.100-850 M.a.) e Katanguiana (800-600 M.a.). Também ocorreram eventos (complexos
ígneos) Panafricanos (600-500 M.a.) e pós-Panafricanos (500-400 M.a.)

Na zona a sul de Moatize e a SW da cidade de Tete estão presentes rochas precâmbricas da Orogenia
Moçambicana, representadas pelos Grupos de Matambo e Changara do Complexo do Báruè e pelo Complexo
Gabro-Anortosítico (da Série ìgnea de Tete e Angónia).

O Grupo de Matambo é constituído por gneisses bem bandados por vezes migmatíticos de composições
variadas. O Grupo de Changara é constituído por rochas charnoquíticas de alto grau de metamorfismo (fácies
anfibolítico e granulítico). As rochas do Complexo Gabro-Anortosítico são as dominates, e são compostas
rpicipalmente por gabros de grão grosso e leuco-noritos com ocorrências de anortositos, piroxenitos e rochas
richas em Ti-magnetite.; estes três tipos litológicos ocorrem em bandas nos gabros/noritos. O Complexo
Gabro-Anortosítico parece representar uma intrusão do tipo lopólito na Formação do Chíduè (do Grupo do
Luia), formação essa representada junto à falaha de bordadura NE do graben de Moatize. Esta formação é
constituída por vários tipos de gneisses, mármores, anfibolitos e micaxistos, todos de fácies anfibolítico.

125
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

Na zona de Moatize não ocorrem rochas de idade Katanguiana, Panafricana e pós-Panafricana.

Fig. 185. Esboço Geológico da Região de Tete-Moatize

4.2.2. Supergrupo do Karoo

As rochas do Karoo no vale do Zambeze, e também em Moatize, assentam em discordância sobre o


Precâmbrico, sendo muitas vezes o contacto por falha. São rochas sedimentares detríticas de origem
continental, associadas a diques e soleiras que intruem na fase final da deposição, alguns dos quais cortam
as falhas de bordadura.

Em geral, as rochas do Karoo são constituídas por arenitos de várias granulometrias, conglomerados, siltitos,
argilitos, xistos argilosos e carvão. As camadas de carvão estão presentes em toda a sequência do Karoo,
sendo contudo a Série Produtiva a que apresenta maior número de camadas de carvão e de maior interesse
económico, em especial a camada Chipanga.

Litoestratigráficamente, o Karoo é subdividido em cinco grupos, do topo à base:

RI - Formação Inferior da Lupata;

Rs - Karoo Superior;

126
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

Rb - Grupo do Beaufort;

Re - Grupo do Ecca;

Ri - Karoo Indiferenciado.

4.2.2.1. Karoo Indiferenciado (Ri)

São rochas do Karoo a que não se pode atribuir uma idade exacta. Na zona de Moatize não ocorrem.

4.2.2.2. Grupo do Ecca (Re)

4.2.2.2.1. Série Tilítica (Termo de Base)

Esta série é composta de conglomerados grosseiros com matriz argilosa endurecida, cujos calhaus provêm
do Complexo Gabro-Anortosítico de Tete (Real 1966). A espessura da série é irregular, com uma média de
130 metros (Magnee & Thonnard, 1969), podendo estar ausente am alguns locais. É típica uma rápida
variação lateral de fácies, desde rochas semelhantes a tilitos, passando a arenitos siltíticos e argilitos
cinzentos escutros (AUSTROMINERAL, 1985).

Em alguns lugares o topo da série é caracterizado por níveis individualizados de calhaus rolados ou angulares,
indicatives duma alteração nas condições ambientais , i.e., dum período glaciar a um período de clima mais
ameno. Este período de condições flúvio-glaciares representa a transição para condições de sedimentação
da Série Produtiva.

De acordo com a carta geológica de Moçambique (Pinna et al., 1987), esta série é considerada equivalente
ao Dwyka do Karoo da África do Sul.

4.2.2.2.2. Série Produtiva (Termo Intermédio)

Em Moatize, a Série Produtiva começa por vezes com 16 metros de arenito quártzico com argilitos,
conhecidos como Grés de Cambéua. Segue-se uma sequência de seis complexos carbonosos alternando
principalmente por rochas pelíticas (argilitos e siltitos) e alguns arenitos (Fig. 186). Todas estas rochas contêm
uma certa quantidade de matéria orgânica, que lhes dá uma cor escura. Os seis complexos carbonosos –
camadas - são, da base ao topo: Sousa Pinto, Chipanga, Bananeiras, Intermédia, Grande Falésia e André.
No conjunto, a Série Produtiva tem uma espessura variando de 240 m a 470 m.

Em alguns lugares é evidente a gradação de arenitos a argilitos (Borges 1935). As rochas siliciosas são em
geral siliciosas, micáceas, duras e compactas. Argilitos negros ocorrem como transição de carvão para rocha
não carbonosa tanto a tecto como a muro das camadas.

Os arenitos são geralmente de grão fino a médio, localmente conglomeráticos, muitas vezes com estratificação
cruzada ou com aspectos de deposição lenticular com pouca extensão lateral (Figs. 187 e 188). Estas aspectos
são típicos de ambiente flúvio-deltáico de águas pouco profundas. Este facto é também evidenciado pelo carvão
que é rico em matéria mienral, bem como intercalações de argilas, siltitos e arenitos.

À semelhança da Série Tilítica, a Série Produtiva caracteriza-se também por uma grande variação lateral de
fácies.

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Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

Fig. 187 Camada de carvão Grande Falésia, Moatize, com intercalações


lenticulares de arenito. Foto de Pedro Nogueira, 2004.

Fig. 188 Camada Grande Falésia, Moatize, vendo-se sobrejacente a ela uma
zona com lentes espessas de arenito. Fotos de Pedro Nogueira, 2004.

A Camada Sousa Pinto, se bem que presente em grandes


áreas da bacia carbonífera, tem uma grande variação lateral de
fácies com altos teores de cinzas. A camada apresenta uma
alternância rítmica de carvão/estéril (ciclotema), em que as
zonas de carvão são constituídas por interacamações de
carvão/argilito, ao passo que os estéreis são pelitos. A
espessura da camada varia de 1.22 m a 85.60 m.

A Camada Chipanga presiste ao longo de toda a bacia com


variações moderadas de espessura e composição. É a camada
mais espessa e mais homogénia de todas, sendo uma
alternância de camadas de carvão e de pelitos. A espessura
varia de 24 m a 65 m. Em certas áreas da bacia mostra um split
com uma intercalação arenítica de até 50 m de espessura.

A Camada Bananeiras está presente por toda a bacia e pode


ter condições favoráveis de exploraçãi. A sua parte inferior tem
características semelhantes à Chipanga. Está subdividida em
três partes, sendo a basal homogénia, rica em carvão e com
Fig. 186. Esboço da Série Produtiva em Moatize

128
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

mais de 1 m de espessura; a parte intermédia é pelítica com 0.50 m de espessura, e a parte superior, nem sempre
presente, é estéril. No total, a espessura varia de 3.05 m a 57.45 m.

A Camada Intermédia é composta de duas sub-camadas separadas por renitos negros e parece não ter
interesse económico. A composição e a espessura são muito variáveis (1.25 m a 21 m).

A Camada Grande Falésia tem mutias cinzas. É uma alternância monótona de bandas de pelito e carvão,
rica em vitrino na base.

A Camada André é bastante homogénia, também rica em vitrino na base, com espessuras variando de 0.60
m to 8.35 m.

As sequências entre as camadas são geralmente pelítico-areníticas, mais pelíticas no topo e mais areníticas
na base, cujas espessuras são irregulares, desde um mínimo de 5.5 m (entre a Bananeiras e a Intermédia) e
um máximo de 121 m (entre a Chipanga e a Bananeiras).

4.2.2.2.3. Série de Matinde (Termo de Topo)

O Termo de Topo é essencialmente fluvial com características de planície de inundação (Pinna et al., 1987).
A base é constituída por arenitos arcósicos mostrando estratificação cruzada (Fig. 189), conglomerados de
matriz carbonática, argilitos, arenitos, siltitos, margas e concreções de ferro. A espessura varia de 100 m a
200 m. A unidade é considerada como a transição dum ambiente flúvio-palustre em clima húmido para clima
alternadamente seco-húmido.

Em Moatize, imediatamente por cima da camada André, ocorre um arenito arcósico de grão médio a grosseiro
com estratificação cruzada, com 5 a 6 finas camadas de carvão com intercalações de arenito carbonoso,
chamado Grés de Matinde.

4.2.2.3. Grupo de Beaufort (Rb)

O Grupo de Beaufort não está representado na Bacia


de Moatize, mas sim na margem direita do Zambeze
em dois afloramentos a W e S da cidade de Tete, um
deles constituindo a Serra da Caroeira (Fig. 185), e
mais para leste, junto à fronteira com o Malawi (Fig.
184).

Assenta em discordância sobre o Ecca e representa


um ambiente fluvial de planície de inundação em clima
húmido. Litologicamente é constituído por arenitos
friáveis, mais ou menos carbonatados, avermelhados,
Fig. 189. Zona sobrejacente à camada rande Falésia, Moatize,
de grão grosseiro. com estratitifacção cruzada nítida. Fotos de Pedro Nogueira,
2004.

4.2.2.4. Karoo Superior

À semelhança do Grupo de Beaufort, o Karoo Superior sedimentar não ocorre em Moatize, mas junto com os
afloramentos de Beaufort atrás referidos. Assenta em discordância sobre o Ecca e o Beaufort. É constituído
por arenitos silicificados associados com calcários lacustres.

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Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

Na zona de Moatize só o Karoo Superior ígneo está representado por diques e soleiras doleríticas (Rq), de
idade Jurássica (AUSTROMINERAL 1985). São geralmente de grão fino, cinzentos escuros a negros,
homogénios e duros. Em contacto com o carvão (ou intersectando-o) provocam a formação de coque natural.

4.2.3. FORMAÇÕES MESOZÓICAS

Na zona de Moatize as formações mesozóicas estão só representadas por diques básicos – basálticos,
andesíticos, microgabróicos e microdioríticos), de 7 a 15 m de cpmprido, cortando o Ecca e o Complexo
Gabro-Anortosítico. (F na Fig. 185). Os diques têm uma idade jurássica-cretácica e estão orientados N-S a
NNW-SSE e NE-SW.

4.2.4. FORMAÇÕES CENOZÓICAS

As formações cenozóicas estão representadas por depósitos quaternários, representados principalmente por
aluviões ao longo dos rios, e por terraços fluviais. Também ocorrem formações recentes de eluviões, cones
de dejecção, solos e rególitos.

4.3. TECTÓNICA
Os aspectos tectónicos do Vale do Rio Zambeze são extremamente complexos, especialmente no que se
refere ao Precâmbrico, que foi sujeito a várias orogenias através dos tempos geológicos. Dado que nos iremos
referir à tectónica da bacia de Moatize, restringiremos este ponto às formações precâmbricas - onde o graben
de Moatize se encaixa - que são formações afectadas pela Orogenia Moçambicana que, segundo Pinna et al.
(1987), está representada pela sua Província Granulítica Ocidental, com rochas ígneas intruídas entre 1.100
M.A. e 850 M.a.onde o graben de Moatize está inserido.

As rochas do Supergrupo do Karoo estão depositadas em bacias tectónicas dispostas ao longo do Rio Zambeze,
orientadas E-W desde o Zumbo até Cahora Bassa, e depois NW-SE a jusante da barragem, correspondendo
estas orientações ao Cinturão Móvel do Zambeze entre os Cratões do Zimbabwe e da Zâmbia.

As bacias do Karoo estão limitadas por falhas (falhas de bordadura) paralelas às direcções principais do
Cinturão do Zambeze. Algumas destas falhas, bem como outras cortando as bacias noutras direcções, estão
preenchidas por diques doleríticos intruídos na fase final do Supergrupo do Karoo.

As bacias foram sujeitas a subsidência lenta que permitiram a preservação dos depósitos do Karoo. O
movimento descendente em cunha dos blocos ao longo das falhas de bordadura provocaram compressão
lateral dos sedimentos dando origem a anticlinais e anticlinais cujos eixos são paralelos a essas falhas de
bordadura.

Em Moatize, as falhas de bordadura estão orientadas NW-SE, estando os estratos inclinados 13º-17º, excepto
junto às falhas de bordadura, em que as inclinações podem atingir 45º.

As falhas de bordadura são pós-Triássicos e pertencem aos Sistema do Vale do Rift, cujo desenvolvimento
não foi contínuo mas sim através de pulsações, havendo três pulsações principais: Jurássico Inferior,
Cretácico e Pleistoceno (Afonso, 1976).

130
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

Os movimentos do Jurássico Inferior foram responsáveis pelas primeiras subsidências, prevenindo/impedindo


a erosão diferencial do Saupergrupo do Karoo e originaram as falhas NW-SE de Moatize. As emissões de
lavas basálticas e riolíticas bem como os diques doleríticos do final do Karoo em Moçambique, estão ligadas
a estes movimentos. Os carbonatitos que ocorrem perto de Moatize (por exemplo, o Monte Muambe) estão
ligados à pulsação cretácica.

4.4. APLICAÇÃO DA PETROGRAFIA DO CARVÃO AOS CARVÕES DE


MOATIZE - FORMAÇÃO

4.4.1. INDICES PETROGRÁFICOS

O que a seguir se apresenta


refere-se à aplicação da
petrografia do carvão de Moatize
para o cálculo de Índices
Petrográficos (diagramas de
fácies) para se determinar as
condições ambientais de
deposição do carvão. Para o que
se explana a seguir, usaram-se
amostras da Camada Chipanga
das Minas Chipanga 3 e
Fig. 190. Projecção dos carvões das minas Chipanga 3 e 8 no diagrama de fácies IPT x
Chipanga 8, hoje encerradas. IG.

Como se referiu em capítulo


anterior, são vários os
índices petrográficos. Se
agarrarmos no diagrama da
Fig. 163 (IPT x IG) e
projectarmos os dados
referentes aos carvões das
duas minas, obteremos a Fig. 191. Projecção dos carvões das minas Chipanga 3 e 8 nos diagramas de fácies WDR e
representação da Fig. 190, TDF
ou seja, carvões formados
em ambiente de pântano de
floresta húmida em
ambiente telmático.
Conside-rando que os
pontos caem na zona em
que a %V > %I e que a %V
estruturada > %V detrítica,
Fig. 192. Relação entre os conteúdos de ID e de FU+SF+SC, com projecção dos valores das
pode concluir-se um Chipangas 3 e 8.
131
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

ambiente húmido com alguns escassos períodos mais secos, por um lado, e por outro uma origem mais
autóctone destes carvões.

Já os índices W-D-R e T-D-F (Fig. 164 e 165) levam-nos a conclusões seme-lhantes. A Fig. 191 mostra a
projecção dos carvões das Chipangas 3 e 8. O primeiro diagrama indica um grau de preservação de tecidos
muito alto (W) e o segundo confirma o ambiente de deposição telmático em pântano de floresta húmida, ou
seja, em ambiente mais anaeróbico (T) que aeróbico (F). As condições de autoctonia e aloctonia da deposição
do carvão podem ser determinadas pela relação (Fu+Sf+Fg)/Id. Um valor alto deste rácio indica pouca
inertodetrinite, por isso pouco transporte. No caso dos carvões de Moatize (Chipangas 3 e 8) a situação é a
mostrada pela Fig. 192, que denota condições autóctones de deposição.

Em conclusão, os carvões de Moatize da camada Chipanga formaram-se em ambiente telmático a partir dum
pântano de floresta húmida. O grau de oxidação sofrido pela matéria vegetal é baixo, considerando os valores
altos de IG e da razão V/I. Por outro lado, a transformação da matéria vegetal dá-se fundamentalmente em
ambiente anaeróbico. Os altos conteúdos de vitrinite e inertinite estruturadas (tecidos) e os baixos conteúdos
de inertodetrinite parecem indicar condições autóctones de deposição de carvão.

4.4.2. grau de incarbonização

Em vários trabalhos há dados sobre os poderes


reflectores de várias camadas de carvão de Moatize.
Na Fig. 193 representam-se os valores médios dos
poderes reflectores das vitrinites das camadas Sousa
Pinto, Chipanga, Bananeiras e Grande Falésia, em
relação às espessuras da coluna estratigráfica da
Série Produtiva. É notório que a camada mais
profunda – Sousa Pinto – apresenta valores mais
altos de poder reflector. Tudo isto esté em perfeito
acordo com a Lei de Hilt. No caso vertente, pode
Fig. 193. Lei de Hilt aplicada aos carvões de Moatize
estabelecer-se uma regressão linear com a seguinte
equação e coeficiente de regressão:

E (m) = 835,20 x PR% - 990,19, r = 0,95

4.5. CARACTERÍSTICAS DOS CARVÕES DE MOATIZE


Amostras da camada Chipanga das Minas Chipanga 3 e 8 foram analisadas sob vários parâmetros:
granulometria, lavabilidades, análises imediatas e elementares, dilatómetro de Audibert-Arnu, índice de
intumescimento, índice Hardgrove, fusibilidade e composição química das cinzas, além das análises
petrográficas atrás referidas. Vamos referir aqui só as análises imediatas e o teor de enxofre.

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Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas

4.5.1. HUMIDADE

Os valores da humidade na base seco ao ar variam entre 0.6% e 1.2% para as amostras da Chipanga 3 e
0.4% e 1.11% nas da Chipanga 8. Há assim um pouco mais de humidade nas amostras da Chipanga 3 do
que nas da Chipanga 8.

4.5.2. CINZAS

Ao se olhar para os valores dos teores em cinzas dos carvões das duas minas, verifica-se que os da Chipanga
3 têm algo menos cinzas que os da Chipanga 8. Assim, os valores extremos, na base seco ao ar, são:

Chipanga 3 5,3% a 22,0%


Chipanga 8 6,4% a 35,5%

Se olharmos para os teores de cinzas das várias fracções granulométricas a tendência geral dos carvões das
duas amostras é de um aumento do teor das fracções mais finas para as mais grosseiras. O que é natural já
que as fracções mais grosseiras são as mais ricas em matéria mineral.

Em relação às fracções densimétricas, as mais pesadas são também as mais ricas em cinzas.

4.5.3. VOLÁTEIS

Na base seco sem cinzas, os valores dos teores em voláteis dos carvões das duas minas são praticamente
os mesmos, variando entre 19% - 21% na Chipanga 3 e 19% - 23% na Chipanga 8. Também aqui há variações
em relação às diferentes granulometrias, sendo as mais finas mais ricas em voláteis do que as mais
grosseiras, donde que se conclui que a maioria dos voláteis destes carvões vêm da matéria orgânica.

4.5.4. PODER CALORÍFICO

Nos carvões de Moatize, o Poder Calorífico varia, na base seco, entre 27 e 34 MJ/kg na Chipanga 3, e 23 –
35 MJ/kg na Chipanga 8.

4.5.5. ENXOFRE TOTAL

Em geral, os carvões de Moatize têm teores relativamente baixos de enxofre total (na base seco), variando
de 0,72% - 0,84% na Chipanga 3, e de 0,45% - 0,70% na Chipanga 8,

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