Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
FACULDADE DE CIÊNCIAS
DEPARTAMENTO DE GEOLOGIA
APONTAMENTOS DA DISCIPLINA DE
por
Lopo Vasconcelos
Professor Associado
Maputo, 2005
ÍNDICE
1. INTRODUÇÃO: BREVE RESENHA HISTÓRICA ..................................................................................... 1
1.1. Generalidades ................................................................................................................................... 1
1.2. Historial .............................................................................................................................................. 2
BIBLIOGRAFIA .............................................................................................................................................. 8
Referências bibliográficas citadas no texto ................................................................................................ 9
2. BASE GEOLÓGICA PARA A FORMAÇÃO DO CARVÃO .................................................................... 10
2.1. Origem dos Pântanos Turfeiros ....................................................................................................... 10
2.1.1. Desenvolvimento Evolucionário da Flora ................................................................................ 10
2.1.2. Clima ........................................................................................................................................ 12
2.1.3. Requisitos Paleogeográficos e Tectónicos .............................................................................. 13
2.1.3.1. Paleogeografia ................................................................................................................. 13
2.1.3.2. Geologia Estrutural e Tectónica ...................................................................................... 16
2.2. Crescimento da Turfa, Compressão e Tempo de Formação do Carvão ........................................ 17
2.3. Desenvolvimento de Fácies Carboníferos ....................................................................................... 18
2.3.1. Tipos de Deposição ........................................................................................................................ 18
2.3.2. Comunidades Vegetais .................................................................................................................. 19
2.3.3. Meios de Deposição ....................................................................................................................... 20
2.3.4. Fornecimento de Nutrientes ........................................................................................................... 21
2.3.5. Valor pH, Actividade Bacteriana, Enxofre ...................................................................................... 22
2.3.6. Temperatura da Turfa .................................................................................................................... 23
2.3.7. Potencial Redox ............................................................................................................................. 24
2.4. Diagénese da Turfa e Incarbonização ............................................................................................. 25
2.4.1. Diagénese da Turfa ou Turbificação .............................................................................................. 25
2.4.2. Incarbonização ............................................................................................................................... 26
2.4.2.1. O Processo de Incarbonização ........................................................................................ 26
2.4.2.2. Causas da Incarbonização .............................................................................................. 31
2.4.2.3. Incarbonização e Betuminização ..................................................................................... 34
2.4.2.4. Incarbonização e Diagénese de Rochas Minerogénicas ................................................ 37
GLOSSÁRIO ................................................................................................................................................ 39
BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................................................ 40
Referências bibliográficas citadas no texto .............................................................................................. 41
3. O CARVÃO COMO SUBSTÂNCIA ......................................................................................................... 43
3.1. Os constituintes do carvão: Macerais, Minerais, Microlitótipos e Litótipos ..................................... 43
3.1.1. MACERAIS .............................................................................................................................. 43
3.1.1.1. HUMINITE/VITRINITE ..................................................................................................... 47
3.1.1.1.1. Telohuminite ...................................................................................................................... 53
3.1.1.1.1.1 Textinite ....................................................................................................................... 53
3.1.1.1.1.2. Ulminite ....................................................................................................................... 54
3.1.1.1.2. Detrohuminite .................................................................................................................... 55
i
3.1.1.1.2.1. Atrinite ........................................................................................................................ 56
3.1.1.1.2.2. Densinite ..................................................................................................................... 56
3.1.1.1.3. Gelohuminite ..................................................................................................................... 57
3.1.1.1.3.1. Corpohuminite ............................................................................................................ 57
3.1.1.1.3.2. Gelinite ....................................................................................................................... 57
3.1.1.1.4. Telovitrinite ........................................................................................................................ 59
3.1.1.1.4.1. Telinite ........................................................................................................................ 59
3.1.1.1.4.2. Colotelinite .................................................................................................................. 60
3.1.1.1.5. Detrovitrinite ...................................................................................................................... 60
3.1.1.1.5.1. Vitrodetrinite ............................................................................................................... 61
3.1.1.1.5.2. Colodetrinite ............................................................................................................... 61
3.1.1.1.6. Gelovitrinite ....................................................................................................................... 61
3.1.1.1.6.1. Corpogelinite .............................................................................................................. 62
3.1.1.1.6.2. Gelinite ....................................................................................................................... 62
3.1.1.2. LIPTINITE ........................................................................................................................ 63
3.1.1.2.1. Esporinite .......................................................................................................................... 64
3.1.1.2.2. Cutinite .............................................................................................................................. 65
3.1.1.2.3. Resinite ............................................................................................................................. 66
3.1.1.2.4. Alginite............................................................................................................................... 67
3.1.1.2.5. Suberinite .......................................................................................................................... 68
3.1.1.2.6. Exsudatinite ....................................................................................................................... 68
3.1.1.2.7. Betuminite ......................................................................................................................... 68
3.1.1.2.8. Clorofilinite ........................................................................................................................ 69
3.1.1.2.9. Fluorinite............................................................................................................................ 69
3.1.1.2.10. Liptodetrinite .................................................................................................................... 69
3.1.1.3. INERTINITE ..................................................................................................................... 70
3.1.1.3.1. Fusinite .............................................................................................................................. 70
3.1.1.3.2. Semifusinite ....................................................................................................................... 72
3.1.1.3.3. Funginite ........................................................................................................................... 72
3.1.1.3.4. Secretinite ......................................................................................................................... 73
3.1.1.3.5. Macrinite ............................................................................................................................ 73
3.1.1.3.6. Micrinite ............................................................................................................................. 74
3.1.1.3.7. Inertodetrinite .................................................................................................................... 75
3.1.1.3.8. Pirolitinite ou Carbono Pirolítico ........................................................................................ 75
3.1.2. MINERAIS................................................................................................................................ 76
3.1.2.1. Minerais de Argila ............................................................................................................ 77
3.1.2.2. Carbonatos ...................................................................................................................... 78
3.1.2.3. Sulfuretos ......................................................................................................................... 78
3.1.2.4. Óxidos e Hidróxidos ......................................................................................................... 79
3.1.2.5. Quartzo ............................................................................................................................ 79
3.1.2.6. Fosfatos ........................................................................................................................... 80
3.1.2.7. Outros Minerais................................................................................................................ 80
3.1.2.8. Influência da Matéria Mineral no Ambiente e Processos Tecnológicos .......................... 81
3.1.3. MICROLITÓTIPOS .................................................................................................................. 81
3.1.3.1. O Conceito de Microlitótipo .............................................................................................. 81
3.1.3.2. Monomacerites ................................................................................................................ 83
3.1.3.2.1. Vitrite ................................................................................................................................. 83
3.1.3.2.2. Liptite ................................................................................................................................. 84
3.1.3.2.3. Inertite ............................................................................................................................... 84
3.1.3.3. Bimacerites ...................................................................................................................... 85
3.1.3.3.1. Clarite ................................................................................................................................ 85
3.1.3.3.2. Durite ................................................................................................................................. 86
3.1.3.3.3. Vitrinertite .......................................................................................................................... 86
3.1.3.4. Trimacerites ..................................................................................................................... 87
3.1.4. CARBOMINERITES E MINERITES ........................................................................................ 88
3.1.5. LITÓTIPOS .............................................................................................................................. 90
3.1.5.1. Carvões Húmicos............................................................................................................. 90
3.1.5.1.1. Vitrino ................................................................................................................................ 90
3.1.5.1.2. Clarino ............................................................................................................................... 90
3.1.5.1.3. Durino ................................................................................................................................ 91
3.1.5.1.4. Fusino................................................................................................................................ 91
3.1.5.2. Carvões Sapropélicos ...................................................................................................... 91
3.1.5.3. Intercalações Rochosas .................................................................................................. 92
3.2. Diagramas Triangulares e Diagramas de Fácies .............................................................................. 92
3.2.1. Diagramas triangulares ............................................................................................................ 92
3.2.2. Diagramas de Fácies – Índices Petrográficos ......................................................................... 94
3.2.2.1. Índice de Gelificação (IG) e Indice de Preservação de Tecidos (IPT) .................................... 94
3.2.2.2. Razão Vitrinite/Inertinite (V/I) ........................................................................................... 96
3.2.2.1. Diagramas triangulares W-D-R e T-D-F .......................................................................... 96
3.3. Descrição Macroscópica do Carvão ................................................................................................. 97
3.4. Carvões Gondwânicos e Diferenças em Relação aos Norte-Atlânticos............................................... 98
3.4.1. Introdução ................................................................................................................................ 98
3.4.2. Condições de Deposição ......................................................................................................... 99
3.4.3. Características Macroscópicas .............................................................................................. 100
3.4.4. Micropetrografia ..................................................................................................................... 100
3.5. Propriedades do carvão .................................................................................................................. 101
3.5.1. Análises Químicas ................................................................................................................. 101
3.5.1.1. Bases de dados analíticos ............................................................................................. 102
3.5.1.1. Análises Imediatas ......................................................................................................... 103
3.5.1.2. Análises Elementares .................................................................................................... 105
3.5.1.3. Outras Análises.............................................................................................................. 105
3.5.2. Propriedades de Combustão........................................................................................................ 106
3.5.2.1. Poder Calorífico ............................................................................................................. 106
3.5.2.2. Temperatura de Fusão das Cinzas ............................................................................... 107
3.5.2.3. Testes de Cozedura....................................................................................................... 108
3.5.2.4. Testes de Coquefacção ................................................................................................. 109
3.5.3. Propriedades Físicas .................................................................................................................... 109
3.5.3.1. Ensaios Granulométricos ............................................................................................... 110
3.5.3.2. Ensaios de Lavabilidade ................................................................................................ 111
3.6. Classificação dos Carvões .............................................................................................................. 112
3.6.1. Introdução..................................................................................................................................... 112
3.6.2. Sistemas de Classificação ........................................................................................................... 114
3.6.3. Sistemas de Codificação .............................................................................................................. 114
BIBLIOGRAFIA .......................................................................................................................................... 121
Referências bibliográficas citadas no texto ............................................................................................ 122
4. A BACIA CARBONÍFERA DE MOATIZE.............................................................................................. 124
4.1. INTRODUCÇÃO ................................................................................................................................. 124
4.2. GEOLOGIA ......................................................................................................................................... 124
4.2.1. Precâmbrico ................................................................................................................................. 125
4.2.2. Supergrupo do Karoo ................................................................................................................... 126
4.2.2.1. Karoo Indiferenciado (Ri) ............................................................................................... 127
4.2.2.2. Grupo do Ecca (Re) ....................................................................................................... 127
4.2.2.2.1. Série Tilítica (Termo de Base) ........................................................................................ 127
4.2.2.2.2. Série Produtiva (Termo Intermédio) ................................................................................ 127
4.2.2.2.3. Série de Matinde (Termo de Topo) ................................................................................. 129
4.2.2.3. Grupo de Beaufort (Rb) ................................................................................................. 129
4.2.2.4. Karoo Superior ............................................................................................................... 129
4.2.3. FORMAÇÕES MESOZÓICAS ............................................................................................... 130
4.2.4. FORMAÇÕES CENOZÓICAS ............................................................................................... 130
4.3. TECTÓNICA ....................................................................................................................................... 130
4.4. APLICAÇÃO DA PETROGRAFIA DO CARVÃO AOS CARVÕES DE MOATIZE - FORMAÇÃO . 131
4.4.1. INDICES PETROGRÁFICOS ....................................................................................................... 131
4.4.2. grau de incarbonização ................................................................................................................ 132
4.5. CARACTERÍSTICAS DOS CARVÕES DE MOATIZE ........................................................................ 132
4.5.1. HUMIDADE .................................................................................................................................. 133
4.5.2. CINZAS ........................................................................................................................................ 133
4.5.3. VOLÁTEIS .................................................................................................................................... 133
4.5.4. PODER CALORÍFICO .................................................................................................................. 133
4.5.5. ENXOFRE TOTAL ....................................................................................................................... 133
BIBLIOGRAFIA .......................................................................................................................................... 133
1. INTRODUÇÃO: BREVE RESENHA HISTÓRICA
1.1. Generalidades
Quando se se refere ao conceito de CARVÃO, algumas questões se põem, a principal das quais é: será o
carvão uma rocha?
Uma vez que o carvão resulta de materiais e processos geológicos naturais e tem matéria mineral misturada,
ele é considerado como rocha. Assim, a definição adoptada pelo ICCP1 (1963) para carvão é:
O Carvão é rocha sedimentar combustível formada a partir de restos vegetais em vários estágios de
preservação por processos que envolvem a compacção do material soterrado em bacias, inicialmente
em profundidades moderadas.
Evidentemente que as técnicas modernas de investigação e análise de carvões evoluiram imenso desde 1963
e por isso o ICCP, em conjunto com outros organismos internacionais, está a estudar uma definição mais actual
e cientificamente correcta para o conceito de carvão.
Uma vez que o carvão tem origem em matéria orgânica (fundamentalmente vegetal, com maior ou menor
quantidade de matéria orgânica animal e matéria mineral à mistura), os seus constituintes são completamente
diferentes dos minerais. Esses constituintes, que levam o nome de macerais, são de vários tipos consoante o
órgão/tecido/composto vegetal de que são originários e do tipo de transformação que sofreram: lenhina, celulose,
resinas, cutículas, esporos, pólens, algas, fungos, etc.
1
ICCP – International Committee for Coal and Organic Petrology (www.iccop.org).
1
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
O termo maceral, introduzido por Stopes (1935), vem do Latim “macerare” (em português “macerar” – amolecer
embebendo num líquido), uma vez que seja qual for a natureza original dos constituintes do carvão, eles
consistem de fragmentos macerados2 de vegetação, acumulados dentro de água (Scott, 2002)
O estudo destes macerais é feito ao microscópio petrográfico de luz reflectida, e os métodos modernos
aplicam a luz azul e/ou ultravioleta para a observação de certos macerais, ou de certas propriedades de
macerais, que variam não só com o tipo de maceral, mas também com o grau de evolução da matéria
orgânica. Em capítulo próprio veremos em detalhe os macerais e os métodos de análise dos carvões.
O estudo da geologia do carvão baseia-se em grande parte no estudo da sua Petrografia. Como o nome
sugere, a Petrografia do Carvão é o estudo dos componentes orgânicos e inorgânicos do carvão, da sua
origem e da história geológica subsequente, e das suas propriedades (Bustin et al., 1983).
Como atrás se disse, o estudo do carvão faz-se recorrendo ao uso de métodos microscópios, entre outros. A
microscopia tem-se revelado uma ferramenta poderosa na solução de vários problemas, desde a interpretação de
fácies de deposição, de aspectos de tectónica, de história geotérmica e ainda na utilização do carvão em várias
aplicações tecnológicas como a siderurgia, centrais térmicas, hidrogenação, liquidificação, gasificação, etc.
1.2. Historial
A origem da Petrologia do Carvão está muitas vezes associada a dois nomes e
às datas de duas publicações importantes:
Marie Stopes, 1919. On the four visible ingredients in banded bituminous
coals. Proceedings of the Royal Society, B, vol. 90: 497-508.
Reinhardt Thiessen, 1920. Structure in Palaeozoic bituminous coals. US
Bureau of Mines Bulletin 117, 296 pp.
Fig. 1.3. Marie Stopes em
Stopes (Fig. 1.3) era inglesa e Thiessen (Fig. 1.4) americano, mas ambos 1913. Foto em ICCP News,
Nº 32, 2004
paleobotânicos. Contudo, dois outros cientistas alemães, contemporâneos dos
anteriores também devem ser considerados percursores da petrologia do carvão,
pois as suas ideias muito contribuíram para esta ciência: H. Potonié (1920) e R.
Potonié (1924) (Fig. 1.5):
H. Potonié, 1920. Die Entstehung der Steinkhole und der Kaustobiolithe (A
formação do carvão e dos caustobiolitos). 6. Aufl., Borntraeger, Berlin, 233 pp.
2
Macerar – (1) Esmagar uma substância sólida para lhe extrair o suco. (2) Amolecer com a acção de um líquido ou por meio de pancadas.
(3) Causar alteração em algo; machucar ou danificar.
2
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
Antes de Stopes e Thiessen, as investigações em petrologia do carvão eram levadas a cabo de modo
esporádico e isolado por cientistas da Inglaterra, França, Alemanha e EUA. Um dos resultados mais
importantes destes trabalhos pioneiros foi a confirmação da origem do carvão em plantas terrestres.
Outro resultado de importância mais limitada foi a distinção entre carvões cannel e boghead, em que a
microscopia mostrou que os primeiros têm origem em esporos e os segundos têm origem em algas.
Este facto foi importante no meio do século XIX para resolver a contenda que existia em Inglaterra sobre se
o ‘mineral’ torbanite3 deveria ser considerado carvão ou mineral (senso restrito).
Os anos de 1919-1920 marcam um ponto de viragem na petrologia do carvão. A partir daí as investigações
tornaram-se mais sistemáticas, mais pessoas se envolveram nelas, e apareceu um grupo de especialistas
cujo interesse principal era a petrologia do carvão, e não a paleobotânica e a mineralogia, com o carvão como
assunto secundário.
Na década de 1920 passou a utilizar-se a microscopia de luz reflectida à petrologia do carvão, sendo de
mencionar o trabalho pioneiro do alemão E. Stach (1927) (ver foto da Fig. 1.9).
No fim dos anos 20-início dos anos 30, vários cientistas juntaram-se a Stopes, Thiessen e
Stach nas pesquisas sobre a composição do carvão por métodos petrográficos: Duparque
(França), Seyler (Inglaterra) e Jurasky e Hoffmann (Alemanha). Uma boa revisão dos
trabalhos conduzidos por autores ingleses foi feita por Murchison (1978) (Fig. 1.6).
Fig. 1.6. Duncan
Em 1935 Stach (Fig. 1.8, 1ª fila, 3º da direita) publicou a primeira edição do seu livro em Murchison.
petrologia do carvão o qual, 40 anos depois foi actualizado (Stach et al, 1975) e mais tarde revisto (Stach et al,
1982). Este livro (Fig. 1.7) deve ser olhado como o livro de referência mais importante em petrologia do carvão.
Quase todos os primeiros estudos se concentraram no que poderia ser descrito como a caracterização do
carvão por métodos petrológicos. Tais estudos visavam:
3
Torbanite – também conhecido como carvão de algas, é uma variedade de xisto betuminoso preto de grão fino. Usualmente ocorre
como massas lenticulares, às vezes associada com depósitos de carvão do período Pérmico. A torbanite é classificada como um tipo
de xisto betuminoso de planície lacustre (www1).
3
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
Por volta de meados da década de 30, uma grande quantidade de informação tinha sido conseguida, e devido
às diferentes abordagens dos vários cientistas e às diferentes ideias sobre classificação, a confusão instalou-
se no que toca a conceitos e terminologias.
Para resolver alguns destes problemas foi organizada uma reunião em Herleen (Holanda) em 1935, com a
presença de Marie Stopes (Fig. 1.9). Um resultado importante deste encontro foi a criação do Sistema (de
nomenclatura) Stopes-Herleen, que constitui a base do esquema actual de terminologia petrográfica (do
carvão). Um outro resultado importante foi a introdução, por Stopes, do conceito e termo maceral para
designar os constituintes microscópicos fundamentais do carvão, análogos aos minerais das rochas
inorgânicas. Este conceito de maceral é válido ainda hoje e constitui parte essencial da nomenclatura da
petrologia do carvão. No encontro de Herleen foram ainda identificados os três grupos de macerais hoje em
uso – vitrinite, liptinite4, inertinite. A Fig. 1.8 mostra 3 microfotografias de macerais destes três grupos. O
encontro de Herleen foi um marco na história da petrologia do carvão, mas deixou uma série de problemas
por resolver. Um deles tem a ver com as alterações na natureza dos macerais com as alterações no grau de
incarbonização do carvão (grau de metamorfismo), e como essas alterações podiam ser reconciliadas com a
nomenclatura petrográfica. Em 1958, Spackman re-examinou o conceito de maceral e propôs revisões a
serem mais tarde aceites.
A década de 30 viu a introdução da nova técnica que se tornou parte essencial da petrologia do carvão,
nomeadamente a medição do poder reflector e o seu uso como indicador do grau de incarbonização.
Hoffmann & Jenkner (1932) na Alemanha foram os primeiros a explorar esta ferramente petrológica
importante.
Ainda na mesma década, vários cientistas começaram a explorar as relações entre a composição petrográfica
e o comportamento tecnológico do carvão. Havia-se notado que os carvões ricos em vitrinite e liptinite tinham
um comportamento completamente diferente dos ricos em inertinite no tocante à fluidez5, gasificação6 e extracção7.
Vários trabalhos passaram a reportar a composição petrográfica dos carvões estudados.
4
Inicialmente o termo usado era exinite. A razão da mudança será explicada em capítulo próprio.
5
Fluidez – quando o carvão é aquecido a uma determinada temperatura, e sob determinadas condições, ele amolece e flui.
6
Gasificação – processo de produção de syngas – mistura de metano, monóxido de carbono, hidrogénio, dióxido de carbono e vapor de
água a partir do carvão e água, ae e/ou oxigénio (www2).
7
Extração de produtos químicos orgânicos do carvão por processos industriais.
4
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
A Tabela 1.1 abaixo mostra as actuais Comissões e Grupo de Trabalho do ICCP, os quais variam com o tempo,
desaparecendo uns e aparecendo
outros, consoante a dinâmica dos
trabalhos e a evolução da ciência e da
tecnologia. A Tabela 1.2 mostra os anos
e os locais em que se realizaram as
reuniões do ICCP e as que se vão
realizar até 2015. Sendo inicialmente
uma organização que tradicionalmente
Fig. 1.10. Foto de grupo dos participantes à 54ª Reunião Anual do ICCP em Maputo.
se reunia na Europa, a primeira vez que
se reuniu fora deste continente foi em 1979, nos EUA. Em 50 anos de história, o ICCP só se reuniu 9 vezes fora
da Europa, das quais só uma em África. A próxima vez será de novo em Moçambique, em 2015, na cidade de
Maputo, dado o desenvolvimento do país nos campos da geologia e mineração do carvão.
Desde os anos 60 tem vindo a aumentar o número de pessoas que se dedicam à petrologia do carvão ou ao
seu uso nas suas pesquisas. A petrologia do carvão é hoje uma disciplina multifacetada, incluindo estudos de
petrologia da turfa (percursor do carvão) e das causas da incarbonização (fundamental para o estudo das
propriedades físicas e químicas dos macerais). Inclui ainda estudos de petrologia da sedimentologia das
5
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
camadas de carvão, do material de origem dos hidrocarbonetos (kerogénio 8), de meteorização e oxidação, e
de aplicações técnicas, como a coquefacção9, a liquefacção10, a combustão, etc.
No continente americano foi criada uma sociedade semelhante ao ICCP - The Society for Organic Petrology
– TSOP, e recentemente o ICCP e a TSOP decidiram trabalhar em conjunto, havendo representantes de um
nas reuniões anuais do outro. Há ainda a referir a organização congénere do Canadá – CSCOP (Canadian
Society for Coal and Organic Petrology). A Fig. 1.11 mostra os logotipos das três organizações e os
respectivos endereços da Internet.
8
Kerogénio – mistura de compostos orgânicos que compõem a parte de material orgânica presente nas rochas sedimentares, sendo
insolúvel em solvents orgânicos devido ao seu alto peso molecular (www3).
9
Coquefacção – produção de coque.
10
Liquefacção – produção de combustíveis líquidos a partir do carvão.
11
QEMSCAN - Quantitative Evaluation of Minerals by SCANning electron microscopy (www4).
6
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
Tabela 1.2. Reuniões Anuais do ICCP desde a sua fundação em 1953
Microscopia automatizada;
Fluorescência aplicada à identificação de certos macerais.
A microscopia automatizada apresenta atractivos, pois não só evita o trabalho enfadonho e demorado de
colheita manual de informações/dados, como também permite que essa colheita de dados seja mais rápida e
objectiva. Estas características – rapidez e objectividade – são especialmente atrativas para os laboratórios
industriais que geralmente necessitam rápidamente de dados referentes a grande número de amostras.
7
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
A microscopia de fluorescência baseia-se no facto de que certos constituintes do carvão fluorescem quando
irradiados com luz UV ou azul. A técnica foi aplicada em 1936 por Schochardt, mas só nos anos 70 os
equipamentos e metodologia evoluíram suficientemente para tornar a técnica fiável em petrologia do carvão.
A fluorescência permite, por um lado, a identificação dos componente ricos em hidrogénio (liptinites), e por
outro constitui um método para estudos de incarbonização, uma vez que as propriedades fluorescentes dos
macerais variam com o grau. A Fig. 1.7 mostra uma imagem duma liptinite apresentando fluorescência.
A evolução e o desenvolvimento tecnológicos levam a que se construam equipamentos de análise cada vez
mais aperfeiçoados, que permitem resultados cada vez mais exactos e fiáveis, e isto associado a softwares
acoplados aos equipamentos que permitem maior exactidão, fiabilidade e rapidez de análises. Em termos
microscópicos, por exemplo, a empresa Carl Hilgers - Technisches Büro (Alemanha) desenvolve sistemas
informáticos para microscopia petrográfica do carvão (www5). A Fig. 1.12 mostra um microscópio Leica com
o software FOSSIL acoplado, destinado a medições de reflectividade e de análise de macerais.
BIBLIOGRAFIA
Bustin, R.M.; Cameron, A.R.; Grieve, D.A. & Kalkreuth, W.D., 1983. Coal Petrology: it’s principles, methods and
applications. Geological Association of Canada. Short Course Notes Volume 3, 230 pp.
Gary, M.; McAfee Jr., R. & Wolf, C. (Eds.), 1973. Glossary of Geology. 2nd printing; American Geological Institute,
Washington, USA. 805 pp + 52 pp annexes.
Scott, A., 2002. Coal petrology and the origin of coal macerals: a way ahead? International Journal of Coal Geology
50 (1-4) 119– 134.
www1. http://pt.wikipedia.org/wiki/Torbanito
www2. http://en.wikipedia.org/wiki/Coal_gasification
www3. http://en.wikipedia.org/wiki/Kerogen
www4. http://en.wikipedia.org/wiki/QEMSCAN
8
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
ICCP, 1957. International Handbook for coal petrography. Centre National de la Recherche Scientifique, Paris, France.
ICCP, 1963. International Handbook for coal petrography. 2nd Edition. Centre National de la Recherche Scientifique,
Paris, France.
ICCP, 1971. International Handbook for coal petrography. 1st Supplement to 2nd Edition. Centre National de la
Recherche Scientifique, Paris, France.
ICCP, 1975. Analysis subcommission, fluorescence microscopy and fluorescence photometry. In International
Handbook for coal petrography. 2nd Supplement to 2nd Edition. Centre National de la Recherche Scientifique, Paris, France.
ICCP, 1993. International Handbook for coal petrography. 3rd Supplement to 2nd Edition. Centre National de la
Recherche Scientifique, Paris, France.
Murchison, D.G., 1978. Butcher, baker, candlestickmaker, but organic petrologists all. Presidential address to the
Royal Microscopical Society of London.
Parks, B.C. & O’Donnell, H.J., 1956. Petrography of American coals. US Bureau of Mines Bulletin 550, 193 pp.
Spackman, W., 1958. The maceral concept and the study of modern environments as a means of understanding
the nature of coal. Transactions, New York Academic Scientific Series II, 20 (5): 411-423.
Stach, E., 1927. Der Kohlenreliefschliff, ein neues Hilfsmittel für die angewandte Kohlenpetrographie (A superfície
polida, um novo método para a Petrografia Aplicada do carvão). Mitt. Abt. Gestein-Erz, Kohle- und Salzuntersuchungen,
2: 75-94.
Stach, E., 1935. Lehrbuch der Kohlenpetrographie (Manual da Petrografia do Carvão). Ed. Borntraeger, Berlin, 293 pp.
Stach, E.; Mackowsky, M.-Th.; Teichmüller, M.; Taylor, G.H.; Chandra, D. & Teichmüller, R., 1975. Coal Petrology. 2nd
Ed, 428 pp. Gebruder Borntraeger, Berlin-Stuttgart.
Stach, E.; Mackowsky, M.-Th.; Teichmüller, M.; Taylor, G.H.; Chandra, D. & Teichmüller, R., 1982. Coal Petrology. 3rd
Ed, 535 pp. Gebruder Borntraeger, Berlin-Stuttgart.
Stopes, M.C., 1935. On the petrology of banded bituminous coals. Fuel 14, 4 –13.
Vasconcelos, L., 1995. Contribuição para o conhecimento dos carvões da Bacia Carbonífera de Moatize, Província de
Tete, República de Moçambique. Tese de Doutoramento. Texto (Volume I), Tabelas, Figuras, Estampas (Volume II).
Faculdade de Ciências, Universidade do Porto, Porto, Portugal.
9
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
b) clima, e
Os carvões mais antigos que se conhecem são as antracites de Michigan (EUA) de idade do Huroniano Médio
(Algônquico, >2.500 Ma), sendo contudo raros e impuros, mas mostrando, ao microscópio e em grandes
ampliações, estruturas que parecem ser de origem vegetal. Também se conseguiram isolar restos de algas e
fungos de cherts da mesma idade.
Durante o Devónico Inferior (408-360 Ma), plantas do tipo Psilófitas (Fig. 11) cresceram submersas em lagoas de
pouca profundidade. A partir destas plantas originaram-se camadas finas de carvão que se encontram, por exemplo,
nas Camadas de Haliseriten da região do Reno na Alemanha.
Temos o exemplo da Ilha dos Ursos na Bacia de Kuznetsk, no Cazaquistão. No território da antiga URSS, os
carvões do Devónico Superior formaram-se a partir de plantas semelhantes às que originaram os carvões do
Carbónico – Pteridófitas, Equisetófitas e Licófitas (Fig. 12). Contudo, estes carvões ainda não têm valor
económico. Só a partir do Carbónico Inferior (360-220 Ma) é que se formaram depósitos de carvão importantes.
Em associação com as Sigilárias (Fig. 13b), cresciam plantas mais pequenas do tipo junco – Calamites (Fig.
13c).
Fig. 11. Desenho duma Psilófita Fig 12. Esquemas de (i) Pteridófita (www.scielo.sa.cr), (ii) Equisetófita
(www.fosil.cl) (www.stud.u-szeged.hu) e (iii) foto de Licófita actual (www.hcs.ohio-state.edu)
10
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
Fig. 14. Gimnospérmicas do Pérmico. Da esquerda para a direita: Cordaites, Glossopteris, Gangamopteris
11
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
Fig. 16. Reconstrução de dois tipos de pântano no Reno Inferior (Alemanha) durante o Mioceno (in Stach et al, 1982)
2.1.2. Clima
Quanto mais quente e húmido for um clima, mais luxuriante se torna a flora, e os pântanos de floresta tornam-
se dominantes sobre os pântanos de canaviais/juncos e de musgos. Por exemplo, um pântano nas zonas
tropicais renova-se num período de 7-9 anos e durante este período as árvores podem crescer até 30 metros
de altura. Em contraste, nos pântanos de zonas temperadas, as árvores crescem 5-6 metros no mesmo
período de tempo. Mesmo raised ombrogenous bogs, que são pobres em nutrientes, e que apenas contêm
musgo nos climas temperados, estão muitas vezes cobertos de árvores nas regiões tropicais.
Nos passado geológico, as turfas predominaram em zonas climáticas quentes e húmidas, em especial no
Carbónico Superior, quando se depositaram as formações mais ricas em carvão, e no Cretácico Superior-
Terciário Inferior, da América do Norte.
Contudo, no Hemisfério Sul e na Sibéria, há grandes depósitos de carvão que se acumularam em climas
húmidos temperados ou mesmo frios, como, por exemplo, os depósitos de carvão gondwânicos inter- e pós-
glaciais de idade permo-carbónica, e os depósitos pérmicos e jurássicos-cretácicos inferiores de Angara
(actuais regiões de Tunguska e Lena, na Sibéria russa).
As camadas de carvão que foram depositadas em climas húmidos e quentes contêm muitas bandas largas
de carvão brilhante que se originaram a partir de troncos espessos. Por outro lado, as camadas que provêm
de climas temperados e frios contêm percentagens relativamente baixas de carvão brilhante. Por exemplo,
os carvões gondwânicos pós-glaciais, formados a partir de vegetação de porte baixo, são muitas vezes
finamente detríticos. Os minerais de argila de granulometria muito fina, típicos destes carvões, devem ter sido
soprados para os pântanos de poucas árvores, a partir das terras altas envolventes, elas também com poucas
árvores (Plumstead, 1962).
Com o aumento da temperatura, não só aumenta o crescimento das plantas, como também a sua velocidade
de decomposição. Consequentemente, até algumas décadas atrás pensava-se que as turfas só atingiam
espessuras consideráveis em climas temperados. Contudo, grandes áreas pantanosas com espessuras de
turfa de mais de 30 metros foram posteriormente descobertas nos trópicos.
Raised bogs só ocorrem em climas húmidos, em que a precipitação atmosférica anual é maior que a
evaporação total anual. Eles formam-se independentemente da morfologia superficial, mesmo em topos de
12
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
Há vários pré-requisitos para que se possam formar espessas camadas de turfa e, consequentemente,
camadas de carvão. Os mais importantes são:
Subida contínua e lenta da toalha freática que se mantém ao mesmo ritmo que a formação da turfa
– subsidência – com a toalha freática à superfície da turfa ou perto;
Protecção do pântano por praias, línguas de areia, etc., que o protejam da invasão marinha, e por
levées naturais que o protejam das inundações fluviais;
Baixa energia de relevo do hinterland (terras do interior) e, consequentemente, fornecimento restrito
de sedimentos fluviais que, de outro modo, interromperiam a formação da turfa por soterramento.
Se a toalha freática subir muito, em geral devido a subsidência rápida, os pântanos “afogam”, depositando-
se então sedimentos límnicos ou marinhos (argilas, margas e calcários). Se a subsidência for muito lenta, o
material vegetal superficial apodrece e a turfa que já se tenha formado será erodida. Assim, a formação de
camadas de carvão depende das inter-relações paleogeográficas e estruturais dentro da área de
sedimentação.
2.1.3.1. Paleogeografia
Se a toalha freática se mantiver suficientemente alta por um grande período de tempo, pode formar-se turfa,
mesmo em clima frio. Uma condição para a formação de turfa é uma depressão no solo. Consequentemente,
pode fazer-se uma distinção entre raised bogs ou high moors, condicionados pelo clima, e topogenic low moors,
relacionados com depressões topográficas que se podem formar por acção da água (lagos oxbow) ou do gelo.
Os topogenic low moors também se podem formar pelo colapso da superfície devido a fenómenos de
lixiviação das rochas subjacentes (regiões cársticas, sobre zonas de domos salinos ou de gesso).
Ocasionalmente, lagos em crateras de vulcões extintos e maars12, e também o represamento de água atrás
de moreias terminais podem dar origem a pântanos.
12
Maar – lago pouco profundo em crater de vulcão.
13
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
Em qualquer destas situações, de depressões na superfície, é necessário que haja água estagnada o ano
inteiro acima ou muito perto da superfície do chão, de modo a que as plantas mortas não apodreçam.
Estas condições encontram-se geralmente em áreas costeiras planas, onde a água do mar impede que a
água fresca se escape. Assim, muitos pântanos estão associados com zonas costeiras (marinhas). Outros
pântanos ocorrem ao longo de margens de grandes lagos interiores. Assim, dependendo da sua posição
geográfica original, podem distinguir-se depósitos de carvão parálicos ou costeiros (Fig. 18) e límnicos ou
interiores (Fig. 19).
Fig. 18. Pântano costeiro na foz do Rio Shark, Florida, com mar
transgressivo, várias ilhas de mangal, e turfa com 1-5 m de Fig. 19. Pântano de Ciprestes em Okefenokee,
espessura. A distribuição, tamanho e forma das ilhas varia Florida/Geórgia, EUA. Em primeiro plano, zona
constantemente. Foto de W. Spackman, in Stach et al, 1982 de águas abertas com plantas aquáticas, fetos e
arbustos. In Stach et al, 1982
Muitos pântanos parálicos originaram-se nas margens distais externas dos deltas (Fig. 20). Como regra, estes
pântanos têm poucas ou nenhumas árvores (Fig. 21), em contraste com pântanos de floresta (Fig. 19) que
aparecem mais na zona proximal da área deltáica. Presentemente, as florestas de mangal são a vegetação
típica das margens costeiras dos deltas tropicais. Em regressões marinhas, à medida que o delta avança,
mais os pântanos se estendem em direcção ao mar. Por exemplo, actualmente no Bornéu, as planícies de
inundação deltáicas crescem mar a dentro a um ritmo de 10 metros/ano.
Fig. 20. Diversos tipos de pântanos na costa norte do Golfo do México (adaptado de O’Neal, 1949). In Stach et al, 1982
14
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
Enquanto que muitos pântanos se originam devido a regressões marinhas, muitos outros se formam devido
a transgressões, como acontece no Mar do Norte presentemente. Aqui o mar em avanço empurra à sua frente
a toalha freática ascendente em direcção a terra, formando-se assim um cinturão de pântanos. Nestes casos,
aparecem sedimentos fluviais por baixo das camadas de carvão e sedimentos marinhos ou límnicos por cima.
(Fig. 23).
Fig. 23. Interdigitação de fácies marinhos, fluviais e turfo-sedimentares na Bacia Carbonífera do Ruhr (Alemanha); exemplo
duma ocorrência parálica (adaptado de Teichmüller, 1955a)
A maioria dos grandes pântanos costeiros desenvolve-se sob a protecção de barras de areia (sand bars),
spits ou cadeias de ilhas.
Associados aos pântanos costeiros estão os back swamps, que se formam em ambos os lados das zonas
mais a jusante dos grandes rios atrás de levées naturais. Estes pântanos são muito ricos em matéria mineral
devido a extensas cheias anuais.
Anteriormente falou-se nos raised bogs de Bornéu, que ocorrem a um certa distância da costa ou das margens
dos rios. Em direcção à costa ou perto dos rios, eles são gradualmente substituídos por low moors com
aumento de nutrientes e aumento de espécies de árvores e arbustos. Finalmente, passam a florestas de
mangal na zona costeira.
Em tempos actuais, nas zonas temperadas do norte, os pântanos turfeiros formam-se muitas vezes em
depressões de origem glaciar, em que as moreias terminais, juntamente com cursos de água (fundida dos
glaciares), favorecem a formação de pântanos. Como regra, estes pântanos desenvolvem-se em lagos que
são lentamente preenchidos, do interior para a margem, por crescimento de plantas com lamas, gyttjae
detrítica, turfa de junco e finalmente turfa de floresta (Fig. 24).
15
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
No hemisfério sul, o relevo superficial dos depósitos glaciares Pérmicos tiveram uma influência importante no
desenvolvimento dos pântanos costeiros do Gondwana.
Fig. 24. Enchimento dum lago por crescimento de plantas e a sequência resultante de diferentes tipos de lama orgânica e de
turfa (in Stach et al, 1982).
A formação da turfa está ligada com as fases finais da formação de ante-fossas, i.e., numa altura em que
predominava meio continental. Muitos autores acreditam que a formação das camadas de carvão ocorre num
momento em que há pouca subsidência. Se a taxa de subsidência aumenta, depositam-se sedimentos
inorgânicos, enterrando a turfa, como no caso duma transgressão marinha. Mais tarde, sedimentos límnicos
e fluviais são depositados, sobre os quais podem formar-se novos pântanos turfeiros. Tal sucessão de
sedimentos/fenómenos é chamado de ciclotema e a sequência pode repetir-se, se bem que não
necessariamente com todos os detalhes.
Os depósitos de carvão de ante-fossas são caracterizados por conterem camadas de carvão relativamente
finas (<2 metros) de grande extensão lateral e abundantes intercalações de camadas de origem marinha. Por
exemplo, a Bacia do Ruhr (Alemanha), que é parte da ante-fossa sub-Varisca, contém mais de 40 camadas
de carvão trabalháveis numa sucessão de 4000 metros de espessura. O mesmo acontece com os depósitos
de carvão do sul da Holanda, do sul Bélgica, do norte de França e do sul de Gales. As camadas do Carbónico
Superior de Pennsylvania, W. Virginia, Tennessee, Kentucky e Alabama (nos EUA) foram depositadas na
ante-fossa dos Apalaches.
Ao contrário das ante-fossas, as retro-fossas14 têm subsidência menor e, consequentemente, menos camadas
de carvão. Como exemplo, há a referir a retro-fossa dos Apeninos na Itália.
13
Ante-fossa - Depressão crustal estreita e longa que margeia uma faixa orogénica dobrada ou arco insular no seu lado convexo, em
geral no lado correspondente ao oceano aberto (www1).
14
Em oposição às ante-fossas, as retrofossas estão do lado do arco insular oposto ao oceano aberto/
16
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
Exemplos actuais de ante- e retro-fossas encontram-se na Indonésia e Nova Guiné. A costa SW da Nova
Guiné está coberta por maciços pântanos costeiros numa ante-fossa. Nesta zona foram depositados 13.000
metros de sedimentos terciários com muitas camadas de carvão.
Enquanto que os carvões parálicos são geralmente depositados em ante-fossas, a maioria dos carvões límnicos
são depositados em grandes bacias continentais, como é o caso da maioria dos carvões gondwânicos. Típico
deste tipo de depósitos límnicos, em especial depósitos de grabens, como em Moatize, é que eles contenham
um número pequeno de camadas de pequena extensão lateral, mas muito mais espessas. Refira-se o exemplo
da camada Chipanga em Moatize, que tem uma espessura média de 40 metros.
Convém contudo referir que na natureza, raramente ocorrem depósitos inteiramente límnicos ou inteiramente
parálicos. Normalmente há uma mistura de tipos de transição.
A compressão ou, alternativamente, a perda de volume desde o estágio de turfa, passando pelo estágio de lignite
até ao sub-betuminoso, é considerável, mas a quantidade de compressão depende do fácies. Os pântanos de
floresta comprimem menos que os pântanos de canavial ou as gyttjae, que originalmente contêm água abundante.
17
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
É muito mais difícil estabelecer o tempo necessário para formar uma certa espessura de carvão, seja lignite
seja betuminoso, e por isso estimativas individuais de vários autores variam imenso. Autores há que calculam
2.400-3.000 anos para formar 1 m de lignite e 6.000-9.000 anos para formar 1 m de carvão betuminoso.
Tipo de deposição;
Meio de deposição;
Fornecimento de nutrientes;
Temperatura da turfa;
Potencial redox.
18
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
microacamação (Fig. 26). Estes carvões contêm muitas vezes conchas de lamelibrânquios e gastrópodes,
algas calcárias, espículas de espongiários e outros animais ou plantas marinhas. Mesmo restos de peixes
podem ser encontrados nestes carvões.
Os carvões alóctones são geralmente demasiado ricos em matéria mineral para serem economicamente
explorados. As grandes massas de matéria vegetal transportadas pelos rios siberianos e depositadas na costa
SE de Svalbard, ou as concentrações destes materiais nos deltas do Mississipi, Amazonas ou Congo poderão
ser preservadas se rapidamente soterradas sob areia ou argila. O mesmo se aplica aos detritos de plantas e
turfa que se acumulam nas costas dos mares e lagos. Turfas redepositadas são conhecidas em várias zonas,
em que largos pedaços formam “ilhas de turfa” (Fig. 18) nos lagos que podem ser despedaçadas e movidas
dentro do lago, em especial durante tempestades.
Estas “ilhas” vão sendo desintegradas em finos detritos de turfa que mais tarde são redepositados em áreas
protegidas dos lagos ou das costas marinhas dum modo sorteado e bem estratificado. É evidente que nestas
situações só as partes mais resistentes das plantas são depositadas, uma vez que o transporte na água
produz imediatamente a decomposição da matéria orgânica.
Pântanos de florestas; e
Pântanos de musgo.
Em climas temperados húmidos, esta sucessão estaria representada pelo desenvolvimento de turfa em lagos,
lentamente preenchidos por crescimento vegetal para dar origem, do fundo do lago à margem, a (i) lama, (ii)
gyttjae detrítica, (iii) turfa de junco, (iv) turfa de floresta e (5) turfa de musgo (Fig. 24).
Contudo, nos pântanos Carbónicos do Hemisfério Norte, a formação da turfa começou com pântano de
floresta, terminando em lama. Os pântanos de floresta de Sigilária e Lepidodendron, cujos horizontes de
raízes (seat earth) constituem o muro de quase todas as camadas, originaram as turfas que formaram as
partes inferiores das camadas, composta de carvão com numerosas bandas brilhantes 15. Gradualmente a
floresta foi sendo submesa e como resultado foi crescendo material menos lenhoso, dando origem a carvões
mais baços16. De acordo com Smith (1964), que descreveu esta sequência de carvão brilhantecarvão baço
(ply) para os carvões carbónicos ingleses, ela pode repetir-se várias vezes na mesma camada. Pelo contrário,
de acordo com outros autores, o enriquecimento de durinos (carvão baço) para o topo das camadas é
frequentemente seguido por uma passagem gradual a xistos carbonosos. De acordo com Smyth (1970), 80%
15 O carvão brilhante, chamado Vitrino, tem origem nas partes lenhosas das plantas
19
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
dos carvões betuminosos pérmicos australianos são constituídos por 3-4 sequências (plies), cada uma das
quais apresenta na base mais carvão brilhante que no topo. Este fenómeno também ocorre nos carvões de
Moçambique. Smyth (1970) relaciona-o com uma crescente dessecação do pântano num embasamento
relativamente estável (áreas turfeiras tornam-se progressivamente mais secas).
Tomando agora como exemplo os depósitos de lignite do Reno Inferior da Alemanha, diferentes tipos de pântanos
(diferentes comunidades vegetais) foram reconstruídos para o Mioceno através de estudos petrográficos e
paleobotânicos (Teichmüller, 1958). As turfas destas diferentes comunidades vegetais (Fig. 16) levam à formação
de diferentes tipos de lignite, com diferentes propriedades físicas, químicas e tecnológicas.
Os pântanos de juncos com capim, fetos e canaviais requerem em geral uma toalha de água mais alta que
os pântanos de floresta. As turfas de juncos são pobres em lenhina e geralmente são fortemente decompostas
estruturalmente. Por outro lado, é maior o conteúdo de elementos subaquáticos e de minerais que nos
pântanos de floresta
Os raised bogs das zonas temperadas têm como vegetação típica o musgo Sphagnum (Fig. 17). Porque a
humidade destes pântanos provém essencialmente das águas pluviais, o seu conteúdo em matéria mineral é
muito baixo. Por outro lado, o seu pH é ácido (3-5) o que diminui a actividade bacteriana de decomposição
da matéria orgânica, e assim estes carvões apresentam estruturas vegetais bem conservadas.
Nos fundos de águas abertas dos pântanos acumula-se uma lama orgânica – gyttjae – a partir de restos de
plantas flutuantes, plantas subaquáticas e de animais aquáticos. Outros materiais, como argila fina, pólenes,
esporos, poeiras de turfas queimadas ou dessecadas, são transportados pelo vento e depositados em
conjunto com essa lama orgânica. Este fácies é muito rico em matéria mineral, não só de origem clástica,
mas também de origem singenética.
Os fácies carboníferos são classificados de telmáticos (ou terrestres) se resultarem de turfa (não perturbada)
que cresceu in situ. É o caso das turfas de floresta, turfa de juncos e turfa de musgo de highmoors. Os fácies
20
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
telmáticos contrastam com os límnicos (ou subaquáticos), cujos depósitos são formados em lagos ou
charcos pantanosos. Estes dois tipos de fácies não podem ser sempre claramente diferenciados um do outro.
Por exemplo, num pântano de floresta e particularmente num pântano de juncos, ocorre também
sedimentação subaquática. Mesmo nos raised bogs de Sphagnum (musgos) ocorrem zonas relativamente
secas e buracos cheios de água com algas que alternam espacial e temporalmente uns com os outros. A
predominância dum ou do outro vai determinar o tipo de fácies.
Os carvões de influência marinha não necessitam de ser originados duma flora halófita 17. A influência pode
vir duma inundação marinha durante ou após a formação da turfa. Muitos carvões Carbónicos com tetos de
origem marinha, apresentam concreções calcíticas, dolomíticas e ankeríticas – coal balls – dentro das quais
a turfa foi petrificada muito cedo, apresentando estruturas vegetais bem preservadas (Fig. 25). Por vezes,
algumas concreções também apresentam fósseis de animais marinhos.
Os carvões betuminosos de influência marinha contêm geralmente altos conteúdos de S, H e N. O seu teor
em matérias voláteis é superior ao que se esperaria para esse grau de incarbonização. Por outro lado, o seu
pH é alto e a actividade bacteriana também. O seu alto teor de S é devido à disponibilidade dos iões sulfato
2
(SO 4 ) da água do mar e da intensa actividade bacteriana anaeróbica, esta produzindo, devido ao seu
Carvões que se formaram em pântanos ricos em cálcio mostram propriedades semelhantes às dos carvões
de influência marinha. Os substractos calcários ou o influxo de águas ricas em cálcio reduzem muito mais a
acidez (pH 8,6) do que as águas do mar, resultando numa degradação acelerada dos restos vegetais.
Geralmente o conteúdo de S é enorme, devido à intensa actividade bacteriana e ao fornecimento de proteínas
animais (plânkton e moluscos). Nestes carvões são frequentes as conchas calcárias de vários animais que
geralmente são dissolvidas pelos produtos de alteração da matéria orgânica em pântanos terrestres.
Em função da quantidade de nutrientes disponíveis para o crescimento das plantas, os pântanos podem ser
classificados de eutróficos, mesotróficos e oligotróficos, consoante essa quantidade seja abundante,
pequena ou muito pequena, respectivamente.
Os topogenic low moors são geralmente eutróficos, porque recebem a sua humidade através da toalha
freática, normalmente carregada de nutrientes dissolvidos. Os raiseg bogs ou highmoors são oligotróficos,
17
Flora crescendo em solo com alto conteúdo de sais
21
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
uma vez que a sua água provém das chuvas. As situações de transição entre topogenic low moors e raised
bogs (NW da Europa) originam pântanos mesotróficos.
Sob condições hidrológicas uniformes, a vegetação dos pântanos eutróficos é mais luxuriante e mais rica em
espécies. A flora dos bogs oligotróficos é mais pobre em espécies e, pelo menos nos climas temperados, é
rasteira e predominantemente herbácea. Nos trópicos, contudo, estes bogs oligotróficos podem conter
árvores, mas pobres em espécies.
Estes pântanos oligotróficos são pobres em matéria mineral. Devido ao baixo pH (3.5), é frequente
encontrarem-se restos vegetais não decompostos ou pouco decompostos, já que também a actividade
bacteriana é baixa (devido ao pH). O conteúdo de nutrientes é geralmente 1/5 do dos low moor.
A acidez duma turfa influencia a vida bacteriana e, como consequência, a decomposição química dos restos
vegetais.
As turfas dos low moors têm geralmente valores de pH de 4.8-6.5, enquanto que as turfas dos hig moors têm
valores de 3.3-4.6.
Além do tipo do substrato e do influxo de águas vindas de fora, o pH depende também das comunidades
vegetais, do fornecimento de oxigénio e do nível de concentração de substâncias húmicas que já se tenham
formado.
Como exemplos, no topo dos solos arenosos das planícies costeiras da América do Norte, as turfas têm
acidez maior (pH 4.5-6.5) do que as turfas formadas sobre solos argilosos dos back swamps do rio Mississipi
(pH 6.5-7.5). Ainda no Okefenokee as turfas sobre solos arenosos têm um pH 3.5-4.5, as do Everglades, com
substrato cálcico, são de ambiente neutro a alcalino. Como se disse atrás, ambientes marinhos ou ricos em
cálcio reduzem drásticamente a acidez das turfas e assim os pântanos do SW da Flórida têm pH 7.0-8.1.
Algumas plantas, em especial o Sphagnum de raised bogs, tendem a produzir produtos de alteração muito
ácidos. Assim, o pH destas turfas anda entre 3.3-4.6. Esta alta acidez é também devida ao maior suprimento
de oxigénio aos bogs relativamente secos, formando-se assim mais ácidos, cuja concentração não é diluída
por grandes volumes de água. O mesmo acontece nos raised bogs da Indonésia (tropical-equatorial), cujo pH
anda entre 3.5-4.5, apesar de conterem grandes quantidades de árvores.
O grau de acidez também varia com a profundidade da turfa, aumentando os valores de pH com a
profundidade.
Muitas bactérias proliferam melhor em ambientes neutros ou fracamente alcalinos (pH 7.0-7.5). Em
comparação com solos minerais, as turfas são mais pobres em bactérias e contêm uma flora bacteriana
altamente especializada. Quanto mais ácida uma turfa, mais pobre em bactérias ela é, e melhor preservadas
são as estruturas vegetais. Só os fungos, que vivem nas camadas mais superficiais da turfa (até +40 cm),
toleram valores de pH até 4.0. O efeito anti-séptico de muitas turfas de highmoors é bem conhecido e usado
pela indústria farmacêutica.
22
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
O conteúdo de Nitrogénio (N) nas turfas, bem como o fornecimento de sais minerais são importantes para a
actividade bacteriana. Um rácio baixo de C/N e condições eutróficas promovem a actividade bacteriana. Uma
vez que as bactérias produzem metabolicamente muitas proteínas, o aumento da concentração de proteínas
nas turfas ocorre paralelamente à decomposição bacteriana da celulose e hemicelulose. Assim, as proteínas
estão mais concentradas nos low moors, devido à alta actividade bacteriana, do que nos highmoors ou raised
bogs.
O número de bactérias na turfa diminui com a profundidade, e os tipos de bactérias dependem muito do
potencial redox. No topo das turfas, além dos fungos e dos actinomicetes, actuam bactérias aeróbicas,
consumindo o oxigénio atmosférico. Elas decompõem os facilmente carbohidratos18 solúveis, como amido19,
celulose20 e hemicelulose21, concentrando as lenhinas22, os taninos23, as gorduras, as ceras, as resinas, os
pigmentos, as esporopoleninas24, as cutinas25 e o súber (cortiça).
Um pouco mais em profundidade continua a haver actividade anaeróbica que utiliza o oxigénio das
substâncias orgânicas, deixando para trás produtos residuais ricos em hidrogénio. Há ainda discussão sobre
até que profundidade existe actividade anaeróbica. Bactérias anaeróbicas ainda actuam a profundidades de
10m, se bem que geralmente deixem de actuar a profundidades mais baixas. Em lamas orgânicas, com
potencial redox apropriado, as bactérias anaeróbicas podem aparecer já perto da superfície.
As bactérias sulfurosas têm um papel importante nas turfas e lamas orgânicas, reduzindo os sulfatos a
enxofre, tornando possível a formação de pirite e marcassite. Um pre-requisito, evidentemente, é a
disponibilidade de S e Fe. O S origina-se das proteínas vegetais (e animais), grandemente das bactérias, ou
foi trazido de fora como ião sulfato pelos rios e/ou água do mar. O Fe está presente em toda a parte onde
haja meteorização de silicatos ou onde a água traga iões de Fe dissolvidos. Consequentemente, a pirite
singenética aparece frequentemente.
A temperatura da superfície da turfa joga um papel importante na decomposição primária. Em climas húmidos
e quentes, a vida bacteriana é mais intensa que em climas temperados, e os processos químicos puros
actuam mais rapidamente.
18 Carbohidratos – cetona ou aldeído polihidróxido; açúcares, amido, celulose e hemicelulose são exemplos, e são produzidos por
todas as plantas e constituem nutrientes animais.
19 Amido - é um polissacarídeo (carbohidrato) com cerca de 1.400 resíduos de glicose.
20 Celulose – carbohidrato polímero composto de unidade de glucose, com formula (C6H10O5)X, que se encontra nas membranas
celulares das plantas.
21 Hemicelulose – ao contrário da celulose, que é cristalina, resistente, e resistente à hidrólise, a hemicelulose é amorfa e pouco
resistente. Consiste fundamentalmente de açucares e ácidos açucarados, e aparece na madeira e nas fibras de gramíneas.
22 Lenhina – substância orgânica algo semelhante em composição aos carbohidratos, que ocorre com a celulose em tecidos lenhosos.
23 Tanino – composto resultante da combinação de fenol (função orgânica caracterizada por uma ou mais hidroxilas ligadas a um anel
aromático) com açúcar; sabor amargo; acumulam-se nas raízes, cascas e em menor quantidade em folhas.
24 Esporopolenina – substância orgânica muito resistente e refractária que constituem as exinas de esporos e pólens, que permite a
sua preservação durante grandes tempos geológicos. É um polímero de alto peso molecular.
25 Cutina – material ceroso das cutículas cobrindo as paredes celulares externas de plantas vasculares e musgos.
23
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
Com as mesmas comunidades vegetais e condições climáticas e ecológicas, o potencial redox (ou valor Eh)
terá uma importância primária na actividade bacteriana e, consequentemente, na turbificação 26. O
fornecimento de oxigénio determinará se haverá ou não turbificação. Em 1920, H. Potonié já tinha
estabelecido a dependência da transformação da matéria orgânica do fornecimento de oxigénio,
desenvolvendo o seguinte esquema (Tabela 3):
Tabela 3. Transformação do material orgânico em função do fornecimento de Oxigénio27 (in Stach et al, 1982)
Em geral, esta sequência é caracterizada por subidas graduais dos níveis das águas subterrâneas. Um pré-
requisito é que a água seja estagnada, pois que a água corrente traz continuamente oxigénio dissolvido, de
modo que as substâncias orgânicas apodrecem. Quanto mais produção de matéria orgânica houver, mais
rapidamente o oxigénio dissolvido na água estagnada será consumido, formando-se condições redutoras.
Com fornecimento ilimitado de oxigénio do ar ou água, ocorre a desintegração, levando à formação de
produtos de decomposição gasosos, que são então removidos. Por vezes ficam resíduos sólidos, geralmente
constituídos por resinas ou outros compostos resistentes.
A turbificação ocorre à superfície da turfa quando há fornecimento restrito de oxigénio. Os ácidos húmicos 29
são os produtos característicos que se formam a partir das lenhinas só por oxidação.
24
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
A turbificação envolve tanto mudanças biológicas como químicas e por isso tem sido chamada também de
incarbonização bioquímica, em oposição à incarbonização geoquímica que ocorre mais tarde, sem
intervenção de micro-organismos.
A alteração mais importante ocorre (com restrito fornecimento de oxigénio) à superfície da turfa ou imediatamente
abaixo dela, até uma profundidade aproximada de 0.5 m. Esta zona da turfa é chamada de camada turbigénica.
Nesta região são activos os fungos, os actinomicetes33 e as bactérias aeróbicas. Com o aumento da profundidade,
estes organismos são substituídos por bactérias anaeróbicas mas, à medida que as substâncias facilmente
assimiláveis desaparecem, a vida microbiana reduz e finalmente extingue-se, usualmente a profundidades
menores que 10 m, abaixo da qual só ocorrem alterações químicas, começando pela condensação34, seguida da
polimerização35 e reacções redutoras36.
Num perfil de turfeira, o conteúdo de carbono aumenta rapidamente com a profundidade, uma vez que as
substâncias relativamente ricas em oxigénio da camada turbigénica, particularmente a celulose e a
hemicelulose, são decompostas microbiologicamente, o que resulta num enriquecimento de lenhina,
relativamente rica em carbono, e de ácidos húmidos. O carbono, na camada turbigénica, pode aumentar de
45-50% para 55-60%, mas a profundidades maiores, esse aumento é pouco significativo (podendo atingir
64%). Por outro lado, devido ao aumento da compressão, devida ao peso do material sobrejacente, o
conteúdo de humidade diminui rapidamente, sendo assim um bom parâmetro para calcular o grau de
diagénese da turfa. A ocorrência de celulose livre é também um indicador útil do grau de diagénese da turfa.
Para distinguir entre turfa e soft brown coals (“carvão castanho mole”) usam-se como parâmetros os teores
de humidade e carbono, presença de celulose e facilidade de cortar (Tabela 4).
30 CH4
31 CH3COOH
32 CH3–(CH2)2–COOH
33 Tipo de bacilo (bactéria em forma de bastonete).
34 Condensação: Reacção em que duas moléculas pequenas se combinam para formar uma molécula grande; a água geralmente é
um dos produtos desta reacção
35 Polimerização: Formação de polímeros - macromolécula caracterizada por uma elevada massa molecular; resulta da união de várias
moléculas iguais ou semelhantes entre si - monómeros.
36 Reacção de redução: semi-reacção que implica recebimento de electrões por uma substância ou elemento.
25
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
Tabela 4. Distinção entre Turfa e soft brown coal
Parâmetro Turfa Soft brown coal
Esta diferenciação não é satisfatória dum ponto de vista científico. O conteúdo de humidade parece ser menos
importante que a maneira como a humidade é adsorvida 37, o que nos soft brown coals é mais forte que nas
turfas. Porque a transição de turfa para soft brown coal é gradual, é difícil fixar um limite preciso, o qual,
contudo, ocorre a profundidades entre 200-400 metros.
2.4.2. Incarbonização
O desenvolvimento da matéria orgânica desde o estágio de turfa até à formação e antracites e metantracites
é chamado de incarbonização (ou carbonificação38).
Fig. 29. Os vários estágios da incarbonização. Terminologia americana (topo) e alemã (base)
Nas línguas inglesa (EUA) e alemã, os estágios de lignite e sub-betuminoso são muitas vezes designados de
brown coal (ing.) ou Braunkohle (ale.). O termo betuminoso é, nas duas línguas chamado de hard coal (carvão
duro) e Steinkohle (carvão de pedra). Os franceses chamam de houille (hulha em português, termo que já
não é utilizado nesta língua). De referir que a terminologia inglesa do Reino Unido é diferente da americana.
Em português é usual usar-se a terminologia americana.
Se se tomar como base o grau de alterações físicas e químicas, então a incarbonização só pode ser olhada
como diagénese até ao grau de Weich-Braunkohle (soft brown coal, carvão castanho mole). A partir do grau
37 Adsorção: a formação de uma camada de gás sobre a superfície de um sólido, ou menos frequentemente, de um líquido
26
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
sub-betuminoso, a alteração do material é tão severa, que ela já deve ser considerada metamorfismo, se
bem que os agentes de metamorfismo (T, P, tempo) só causem ligeiras alterações diagenéticas nos
sedimentos associados. Os carvões reagem muito mais sensivelmente à Temperatura e Pressão que os
sedimentos minerogénicos, e uma vez que isso é assim, o grau de incarbonização é o melhor indicador para
estimar o grau de diagénese dos sedimentos.
Deve ser feita uma distinção entre as alterações químicas e físico-estruturais durante o processo de
incarbonização. Entre as últimas, por exemplo, temos a diminuição da porosidade e o aumento da anisotropia
óptica, ambos relacionados com o aumento da pressão por aumento da profundidade. A porosidade diminui
natural e rapidamente nos estágios iniciais – e é estimada pelo conteúdo de humidade – e por isso é um
indicador diagenético relativamente bom para turfas e brown coals, que ainda são algo compressíveis. Mais
tarde, o grau de incarbonização (ing. Rank) é estimado principalmente por parâmetros químicos (C, O, H e
voláteis) ou por propriedade ópticas, p.ex. reflectividade da vitrinite, as quais dependem da composição
química.
À medida que o conteúdo de humidade decresce, o poder calorífico 39 do carvão minado, aumenta na mesma
proporção (Fig. 31). A diminuição do conteúdo de humidade depende em grande parte da diminuição da
porosidade, mas também da decomposição dos grupos funcionais hidrofílicos (em especial os grupos -OH).
Além dos grupos hidroxilo (-OH), também os grupos carboxilo (-COOH), metoxilo (-OCH3) e carbonilo (>C=O)
são partidos, aumentando gradualmente o teor de carbono.
39 Poder calorífico - quantidade de calor, por unidade de massa, gerada pela queima do mesmo
27
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
Fig. 31. Aumento do grau de incarbonização com a profundidade; referência a vários parâmetros. Adaptado de Stach et al (1982),
segundo Teichmüller, M. & Teichmüller, R. (1967)
Tabela 5. Os diferentes estágios de incarbonização de acordo com as classificações alemã DIN e americana ASTM, e sua
distinção na base dos diferentes parâmetros de grau físicos e químicos. A última coluna mostra a aplicabilidadedos vários
parâmteros aos diferentes estágios de incarbonização (adaptado de Stach et at, 1982).
28
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
Durante o estágio de hard brown coal (lignite a sub-betuminoso), os últimos restos de lignite e celulose são
transformados em ácidos húmicos e estes condensam-se para formar moléculas maiores, perdendo o seu
carácter ácido para formar huminas40 insolúveis em álcalis. Em alguns países a distinção entre carvão sub-
betuminoso e betuminoso faz-se com base no ataque com KOH: ácido húmicos são solúveis, as huminas não.
As matérias voláteis mostram relativamente pouca alteração durante o estágio de brown coal. Os produtos
voláteis das reacções químicas são constituídos essencialmente por CO 2 e água, junto com algum metano
(dos grupos metoxilo nas lenhinas).
40 Humina – Fracção da matéria orgânica que não é solúvel em solução alcalina diluída.
41 Gelificação – formação de gel (substância coloidal sólida).
42 Devido ao brilho vítreo que a substância adquire em amostra de mão
43 Alifático – compostos orgânicos de estrutura aberta.
44 Alicíclico – composto orgânico ao mesmo tempo alifático e cíclico, i.e., com comportamento alifático, mas com átomos de carbono
em anel.
45 Aromático - composto orgânico que contém um anel de benzeno nas suas moléculas ou que tem propriedades
químicas similares às do benzeno
29
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
O estágio de antracite é
caracterizado por um
decréscimo rápido de
hidrogénio (Figs. 31 e 32) e da
razão atómica H/C, e um forte
aumento da reflectividade e da
anisotropia óptica (Figs. 31, 32,
33 e 34). A diminuição do teor
de hidrogénio é responsável
pela produção de metano
(CH4), que começa quando o
teor de carbono é de +87% e o
Fig. 33. Relação entre Voláteis, reflectância média, huminite/vitrinite para diferentes
estágios de incarbonização de depósitos de carvão alemães, e ocorrência de gás de voláteis de +29%, no estágio
natural e petróleo. (segundo Barnstein & Teichmüller, 1974)
de carvão betuminoso. A pré-
grafitização (ordenamento da estrutura molecular46), que ocorre especialmente no estágio de metantracite, é
a responsável pelo forte aumento da reflectividade e da anisotropia.
A segunda fila da Fig. 35 mostra a orientação progressiva das unidades elementares húmicas paralelamente
aos planos de acamação. Nas filas de baixo mostram-se as principais alterações físicas que ocorrem.
46 Não esquecer que partimos de substâncias coloidais, por tanto amorfas, para terminar em grafite (estrutura ordenada); ver Fig. 29.
30
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
Os vários diagramas mostram que na zona de % Carbono 87-89% (carvão de coque) muitas propriedades
passam por um valor máximo ou mínimo em oxigénio. Nesta altura a maior parte do oxigénio já se escapou,
enquanto que o conteúdo de hidrogénio ainda se mantém alto. Isto porque nos estádios betuminosos iniciais
(altos voláteis), os produtos ricos em oxigénio (CO2 e H2O) são aí libertados, enquanto que as perdas
consideráveis de metano começam mais tarde (quando a %MV <29%).
2.4.2.2. Causas da
Incarbonização
O processo da incarbonização é
governado em primeiro lugar pelo
aumento da temperatura e pelo
tempo em que esta actua. A
pressão retarda as reacções
químicas durante a Fig. 35. Alterações físicas, químicas e moleculares da vitrite durante a
incarbonização de carvões betuminosos e antracites (baseado em diferentes
incarbonização. autores; in Stach et al, 1982).
31
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
A prova da forte influência da temperatura no avanço da incarbonização pode ser encontrada em carvões de zonas
de metamorfismo de contacto. Além disso, está provado que regiões com carvões de alto grau de incarbonização
receberam calor adicional de grandes corpos intrusivos em profundidade. O Maciço Central de Bramsche (NW
Alemanha) é um exemplo clássico de corpo intrusivo, e que está coberto por antracites (e mesmo metantracites),
do Carbónico e Cretácico Inferior. Provavelmente muitas das ocorrências de antracites são causadas por calor
adicional deste tipo, uma vez que altas temperaturas são necessárias para a antracitização, e tais temperaturas
não podem ser normalmente atingidas em regiões com um gradiente geotérmico de 3-4ºC/100 m.
O aumento normal do grau de incarbonização (químico) com a profundidade observado em sondagens (Fig.
31 e 36), bem conhecido e descrito como a LEI DE HILT, é causado pelo aumento de temperatura com a
profundidade. A taxa de aumento do grau de incarbonização – gradiente de grau – depende do gradiente
geotérmico e da condutividade térmica das rochas. A influência do gradiente geotérmico pode observar-se,
por exemplo, nos sedimentos horizontais Terciários do graben do Reno Superior (Alemanha) onde,
localmente, o gradiente geotérmico varia muito (Fig. 37). Neste graben em áreas quentes (7-8ºC/100 m), o
grau de carvão betuminoso é atingido a uma profundidade de 1500 m, enquanto que em áreas frias
(4ºC/100m) esse grau só é atingido aos 2600 m de profundidade. A influência da condutividade térmica das
rochas está ilustrada na Fig. 36 (a sombreado, zona arenosa).
Fig. 36. Aumento do grau de incarbonização com a profundidade na sondagem Teufelspforte (Saar) com base em diferentes
parâmetros de grau. Notar a interreupção na tendência da incarbonização na zona arenosa (Teichmüller & Teichmüller, 1968a).
Van Heek et al (1971), através de estudos de incarbonização artificial, verificaram que as temperaturas
requeridas para desgasificar certos gases (i.e., para o grau avançar) são menores se a taxa de aquecimento
for menor. Assim, para atingir determinados graus de incarbonização, são necessárias temperaturas mais
altas com maiores taxas de aquecimento (metamorfismo de contacto) do que com menores taxas de
aquecimento (subsidência gradual). Neste contexto, a influência do tempo na incarbonização é aparente.
32
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
A influência do tempo é tanto maior quanto maior for a temperatura. Usando a reacção cinética de Arrhenius 47,
esta relação foi primeiro clarificada por Karweil (1956).
Uma vez que o grau de incarbonização é muitas vezes mais alto em regiões fortemente dobradas do que em
regiões menos perturbadas, assumiu-se que a pressão do dobramento acelera a incarbonização. O que se
verificou, contudo, foi que as rochas mais fortemente dobradas das ante-fossas sofreram forte subsidência
antes do dobramento, tendo sido assim fortemente aquecidas. A Fig. 38 mostra que em incarbonização pré-
orogénica as isolinhas de grau se dispõem paralelamente aos planos de acamação; em incarbonização sin-
orogénica elas dispõem-se obliquamente à acamação e em incarbonização pós-orogénica essas isolinhas
são horizontais.
Fig. 38. Traçado de linhas de iso-grau (ou iso-reflectância) em perfis de áreas dobradas
47 Equação de Arrhenius: k=A*e(Ea/R*T), onde k é o coeficiente da velocidade (da reacção), A é uma constante, Ea é a energia de
activação, R é a constante universal dos gases (8.314 x 10-3 kJ mol-1K-1) e T é a temperatura (em ºK)
33
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
Ensaios laboratoriais mostram que a pressão estática (carga dos sedimentos sobrejacentes) não acelera as
reacção de incarbonização, antes pelo contrário, retarda-as, obviamente porque a remoção dos gases se
torna mais difícil. Por outro lado, a pressão também atrasa a alteração de macerais individuais.
A Fig. 39 mostra um carvão muito dobrado com uma liptinite (cutinite) ainda com reflectividade baixa.
34
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
plantas superiores, que sofrem uma humificação principalmente bioquímica com fornecimento restrito de
oxigénio durante a formação da turfa. Em contraste, as substâncias de origem do petróleo são principalmente
organismos inferiores (algas, plânkton animal, bactérias) que contêm quantidades relativamente altas de
celulose, proteínas, gorduras e ceras, que sofrem severa alteração anaeróbica – saproficação - durante a
qual se formam ácidos gordos.48, juntamente com outras substâncias. Estes ácidos e outras substâncias
gordas pertencem ao grupo dos lípidos49 que são os mais importantes progenitores do petróleo. São
substâncias muito mais ricas em hidrogénio, mais pobres em compostos aromáticos e mais ricas em
compostos alifáticos que as substâncias húmicas. Durante o processo de incarbonização bioquímica e mais
tarde geoquímica, estes lípidos são incorporados no kerogénio50 das rochas-mãe do petróleo. Com o
aumento das temperaturas devido à subsidência, o petróleo e o gás libertam-se do kerogénio e começam a
migrar para formarem jazigos de petróleo e/ou gás em rochas-reservatório. A formação do petróleo a partir
do kerogénio começa em condições de P-T-tempo quando os carvões passam pelo estágio de sub-
betuminoso A e termina no estágio de betuminoso de médios voláteis (26% MV) (Fig. 42).
Karweill (1966) referiu que os percursores do petróleo também se encontram nos carvões, se bem que em
quantidades menores. Do mesmo modo, à medida que eles são incorporados no kerogénio das rochas-mãe do
petróleo, nos carvões eles são fundamentalmente encontrados como grupos alifáticos ricos em hidrogénio nas
substâncias húmicas. Em menor quantidade, esses percursores estão presentes como macerais do grupo da
liptinite (alginite (algas), resinite (resinas), betuminite (betumes), cutinite (cutículas) e liptodetrinite (detritos de
liptinite)).
A libertação de hidrocarbonetos a partir do carvão foi demonstrada microscopicamente com o uso de luz
azul/UV (fluorescência) (Fig. 43).
Assim, as observações petrográficas apoiam o ponto de vista de que substâncias tipo petróleo se formam a
partir de liptinites (e de vitrinites, cujos microporos estão impregnadas de substâncias lipídicas).
48 Ácido Gordo: composto que contém uma cadeia com 14, 16 ou 18 átomos de carbono, não ramificada, saturada ou insaturada, com um grupo
carboxilo numa ponta da molécula. Quase todos os ácidos gordos encontrados na natureza contêm um número par de átomos de carbono,
incluindo o carbono no grupo carboxilo
49 Lípidos: são um conjunto de moléculas orgânicas, compostas principalmente por carbono e hidrogénio e em menor medida oxigénio, se
bem que também possam conter fósforo, enxofre e nitrogénio, e que têm como característica principal o serem hidrofóbicas ou insolúveis
em água e sim em solventes orgânicos como o benzeno. Aos lípidos se chama incorrectamente gorduras, quando as gorduras são só um
tipo de lípidos.
50 Kerogénio: parte da matéria orgânica não solúvel em soluções alcalinas diluídas.
51 Salto de incarbonização: mudança brusca de certas propriedades químicas e/ou físicas.
35
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
Estas substâncias ficam no carvão, ou adsorvidas nos microporos da vitrinite, ou depositam-se em cavidades e
espaços abertos no carvão (fracturas, espaços celulares dos tecidos vegetais preservados, etc.) formando novos
macerais do grupo das liptinites. Neste intervalo, a betuminização é um processo típico da incarbonização. Com o
avanço da incarbonização, os betumes de neo-formação são partidos (cracked), por um lado, em hidrocarbonetos
de tamanho molecular menor e, por outro, em produtos residuais de forte reflectividade.
Fig. 42. Incarbonização e betuminização: relações entre o grau, as propriedade ópticas da liptinite e a geração de
hidrocarbonetos a partir do kerogénio (segundo Hood & Gutjahr (1972) e Teichmüller (1974a). Em Stach et al, 1982.
36
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
Fig. 45. Temperatura da rocha, grau da matéria carbonosa e diagénese de sedimentos arenosos e argilosos na
sondagem Münsterland 1, NW da Alemanha
37
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
38
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
Valores-
Zonas Grau de Incarbonização Limites (Winkler 1974).
limite
Lignite
Betuminoso
Diagénese Antracite Diagénese
<4% Rmax
<3.5% Rm
Rmax 4% 200ºC
quartzo
pumpel
zeolític
prenhit
Fácies
fácies
lyite-
e-
o,
metamorfismo 4% a 5-10% Rmax muito baixo grau
Semigrafite a Grafite
actinolite,
Epi- Metamorfismo de
Zoizite,
biotitte
>5% Rmax
metamorfismo baixo grau.
<2% Rmin
GLOSSÁRIO
Back swamp – área de depressão pantanosa, formada em planícies aluviais, com pouca drenagem devido
aos levées naturais dos rios.
Bog – matriz esponjosa, impregnada de água, constituída fundamentalmente de musgos, ambiente ácido
Fen – matriz esponjosa, impregnada de água, constituída fundamentalmente de juncos, ambiente ácido.
Ocorre muitas vezes em dolinas de regiões cársticas
Gyttjae – lama de água doce, escura e fofa, caracterizada por abundante matéria orgânica, depositada ou
precipitada num lago cujas águas são ricas em nutrientes e oxigénio. É um sedimento anaeróbico depositado
em condições que variam de aeróbicas a anaeróbicas e capaz de suportar vida aeróbica.
Highmoor bog – Um bog situado em terras altas, cuja superfície é largamente coberta por Sphagnum o qual,
devido ao alto grau de retenção da água, torna-o mais dependente da pluviosidade do que da água da toalha
freática.
Lowmoor bog – Bog que está situado ao nível da toalha freática (ou ligeiramente acima) e que depende dela
para a acumulação e preservação da turfa, geralmente composta de juncos, canaviais, restos de arbustos e
musgos
Maar – cratera vulcânica, sem cone, de baixo relevo, que resulta duma única erupção, geralmente cheia de
água.
Marsh – área saturada de água, com pouca drenagem, intermitente ou permanentemente coberta de água
com vegetação aquática e herbácea, geralmente sem formação de turfa
39
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
Ooze – sedimento pelágico constituído de pelo menos 30% de restos de esqueletos de organismos pelágicos
(calcários ou siliciosos), sendo o restante constituído por argilas.
Peat – TURFA – depósito não consolidado de restos vegetais semi-carbonizados, em ambiente saturado de
água, com teor de humidade >75%
Peat bog (bed) – Um bog em que se formou turfa em condições de acidez, com vegetação característica
(Sphagnum)
Raised bog – Highmoor – Área de solo ácido turfoso desenvolvido especialmente a partir de musgos, em que
o centro é relativamente mais alto que as margens.
Raised peat bog – um highmoor bog com uma acumulação espessa de turfa no centro dando-lhe um perfil
convexo.
Sapropel – uma lama (ou ooze) não consolidado e gelatinoso, composto de restos vegetais, geralmente
algas, macerando e putrefazendo em ambiente anaeróbico de fundos (pouco profundos) de lagos e mares.
Pode ser o material de origem de petróleo e gás natural
Seat earth – camada ou rocha a muro duma camada de carvão, representando um solo antigo que conteve
as raízes da vegetação que formou a camada de carvão.
Spit – língua de terra no mar, com uma das extremidades ligadas a terra firme e a outra terminando em água
aberta, normalmente o mar, e que resulta da deposição de material transportado ao longo da costa.
Swamp – PÂNTANO – área saturada de água, permanente ou intermitentemente coberta de água, contendo
vegetação arbustiva ou arbórea, essencialmente sem acumulação de turfa.
BIBLIOGRAFIA
Teichmüller, M. & Teichmüller, R.1982. The geological basis of coal formation. In: Stach, E.; Mackowsky, M.-Th.;
Teichmüller, M.; Taylor, G.H.; Chandra, D. & Teichmüller, R., 1982. Coal Petrology. 3rd Ed, pp. 5-86. Gebruder
Borntraeger, Berlin-Stuttgart.
Bustin, R.M.; Cameron, A.R.; Grieve, D.A. & Kalkreuth, W.D., 1983. Coal Petrology: it’s principles, methods and
applications. Geological Association of Canada. Short Course Notes Volume 3, 230 pp.
Stach, E.; Mackowsky, M.-Th.; Teichmüller, M.; Taylor, G.H.; Chandra, D. & Teichmüller, R., 1982. Coal Petrology. 3rd
Ed, 535 pp. Gebruder Borntraeger, Berlin-Stuttgart.
www1. http://www.slideshare.net/hildegna/67926953-dicionariogeologicoegeomorfologico
40
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
Cohen, A.D., 1968. The petrology of some peats of Southern Florida (with special reference to the origin of coal).
Thesis Pennsylvania State Univ., Dept. Geol. Geophys., 352 pp
Heek, K.H. v.; Jüngten, H.; Luft, K.F. & Teichmüller, M., 1971. Aussagen zur Gasbildung in frühen Inkohlungsstadien
auf Grund von Pyrolyseversuchen (Notas sobre a formação de gases em estádios iniciais da incarbonização, com base
em ensaios de pirólise). Erdöl u. Kohle, 24: 566-572.
Karweil, J., 1956. Die Metamrophose der Kohlen vom Standpunkt der physikalischen Chemie (O metamorfismo dos
carvões com base na química física). Z. Deutsch. Geol. Ges., 107: 132-139.
Krevelen, d.w. van, 1961. Coal. Elsevier, Amsterdam-London-New York-Princeton. 514 pp.
Lopatin, N.V., 1971. Temperature and geologic time as factors in coalification. Akad. Nauk SSSR, ser. Geol. Izvestyia,
3:95-106). Moskwa (Russ. Transl. by N.W. Bostick).
McCartney, J.T. & Teichmüller, M., 1972. Classification of coals according to degree of coalification by reflectance
of the vitrinite component. Fuel (London), 51: 64-68.
O’Neal, T., 1949. The muskrat in Louisiana coastal marshes. Louisiana Dep. Wild Life an Fisheries, New Orleans, 152
pp.
Plumstead, E.P., 1962. The Permo-Carboniferous coal measures of the Transvaal, South Africa – an example of the
contrasting stratigraphy in the southern and northern hemispheres. C.r 4. Cong. Intern. Strat. Géol. Carbon., 2: 545-
550. Maastricht.
Smith, A.H.V., 1964. Zur Petrologie und Palynologie der Kohlenflöze des Karbons und ihrer Begleitschichten
(Petrografia e palinologia das camadas de carvão do Carbónico, e dos xistos acompanhantes). Fortschr. Geol. Rheinl. u.
Westf., 12: 285-302
Smyth, M., 1970. Type seam sequences of some New South Wales Permian coals from Tomago coal measures.
Proc. Australas. Inst. Min. Metall., 225: 1-9.
Teichmüller, M & Teichmüller, R, 1966b. Geological causes of coalification. Coal Science, Adv. Chem. Ser.
(Washington), 55: 133-155.
Teichmüller, M. & Teichmüller, R., 1967. The diagenesis of coal (coalification). In G. Larsen & G.V. Chilingar (Eds.)-
Diagenesis in sediments., 391-415. Elsevier (Amsterdam-London-New York).
Teichmüller, M. & Teichmüller, R., 1968a. Geological aspects of coal metamorphism. In DG Murchison & TS Westoll
(Eds.)-Coal and coal-bearing strata, 347-379. Oliver & Boyd (Edinburgh).
Teichmüller, M.; Teichmüller, R. & Weber, K., 1979. Inkohlung und Illit-Kristallinität. Vergleichende Untersuchung im
Mesozoikum und Palaozoikum vom Westfalen (Incarbonização e cristalinidade da Ilite. Pesquisa comparativa no
Mesozóico e Paleozóico de Westfália). Fortschr. Geol. Rheinl. U. Westf., Krefeld, 27: 201-276.
Teichmüller, M., 1958b. Rekonstruktion verschiedener Moortypen des Hauptflözes der niederrheinischen
Braunkohle (Reconstrução de diversos tipos de pântanos das camadas de lignite do Reno Inferior). Fortschr. Geol.
Rheinl. u. Westf., 2: 599-612.
Teichmüller, R., 1955a. Über Küstenmoore der Gegenwart und die Moore des Ruhrkarbons (Sobre os pântanos
costeiros actuais e os pântanos do Carbónico do Ruhr). Geol. Jb., 71: 197-220.
41
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
Teichmüller, R., 1955b. Sedimentation und Setzung im Ruhrkarbon (Sedimentação e formação no Carbonico do Ruhr),
N. Jb. Geol. Paläont. Mh., 145-168.
Karweil, J., 1966. Inkohlung – Pyrolyse und primäre Migration der Erdöls (Incarbonização – pirólise e migração
primária do petróleo). Brennst.-Chemie, 47: 161-169.
Winkler, H.G.F., 1974. Petrogenesis of metamorphic rocks. 4 ed. 329 pp., Springer: New York, Heidelberg, Berlin.
IHSS, 2007. What are Humic Substances?. International Humic Substances Society.
http://www.humicsubstances.org/whatarehs.html. Acedida em Outubro de 2012.
42
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
3.1.1. MACERAIS
Os macerais do carvão são, em parte, restos vegetais cuja forma e/ou estrutura está ainda preservada no
estágio de carvão betuminoso, e em parte produtos de degradação cujas origens vegetais já não podem ser
reconhecidas. São, portanto, constituintes orgânicos, análogos aos minerais das rochas inorgânicas. A Fig. 7
mostra três exemplos de macerais em que se podem reconhecer as estruturas orgânicas. Por outro lado, na
Fig. 46A mostra um maceral em que a sua origem vegetal não pode ser reconhecida.
Se a turfa for parcialmente submersa, o fornecimento de oxigénio é restrito e a turbificação acontece com a
produção de ácidos húmicos e gelificação total ou parcial dos tecidos vegetais. Esta é a fase mais importante
da transformação bioquímica, por fungos e bactérias, primeiro do protoplasma e dos enzimas, depois das
substâncias nutritivas (açúcares e amidos) e finalmente da celulose e lenhina que constituem as paredes
celulares. O resultado progressivo da turbificação é o enriquecimento gradual da matéria das paredes
celulares lenhosas e das partes vegetais mais resistentes, como as cutículas, os esporos e pólens, o súber
(cortiça) e a produção dum gel (gel doplerítico) que é precipitado a partir dos ácidos húmicos em solução.
Estes processos de humificação progressiva são conhecidos por vitrinitização ou gelificação.
Em casos em que a turfa é sujeita a condições redutoras, ocorre a putrefacção (ou fermentação), em que as
bactérias anaeróbicas consomem o oxigénio das substâncias orgânicas, transformando-as em produtos ricos
em hidrogénio.
52
53
Charcoal: resíduo de carbono impuro resultado de combustão de matéria orgânica na ausência de ar; é negro, poroso, e capaz de
absorver gases. O carvão de lenha é um tipo de charcoal artificial.
43
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
A maioria dos macerais, uma vez formados, sofrem alterações físicas (incluindo ópticas) e químicas
progressivas com o aumento do grau, mas as suas proporções e forma, com pequenas excepções, mantêm-
se as mesmas. Por isso, em geral os macerais podem ser distinguidos uns dos outros com base em
Morfologia;
Relevo (resistência ao polimento);
Tamanho;
Forma;
Cor;
Reflectância; e por vezes
Origem.
Os seus nomes são descritivos e, convencionalmente, terminam em –inite. Cada maceral tem um conjunto
distinto de propriedades para um determinado grau. Os macerais podem ser agrupados em grupos macerais
ou subdivididos em sub-macerais.
A distinção entre grupos macerais é feita primeiramente com base na reflectividade, mas os nomes provêm
de características genéticas e morfológicas, e por vezes tecnológicas. Os grupos macerais que existem são:
VITRINITE, LIPTINITE54 e INERTINITE.
Os três grupos macerais são distinguidos pelos órgãos e substâncias vegetais de origem. As vitrinites são
produtos de incarbonização de substâncias húmicas, que se originam essencialmente da lenhina e celulose
das paredes celulares. As liptinites não se originam de substâncias humificáveis, mas de restos vegetais
relativamente ricos em hidrogénio, como esporopoleninas, resinas, gorduras e ceras. Assim, as vitrinites são
caracterizadas por um maior teor de compostos aromáticos e de oxigénio, ao passo que as liptinites têm mais
alifáticos e, consequentemente, mais hidrogénio. Em comparação, as inertinites são caracterizadas por teores
de carbono relativamente altos, muito pouco hidrogénio e graus de aromatização elevados. As inertinites têm
origem no mesmo material que as vitrinites e liptinites, mas que sofreram transformações primárias diferentes.
Por exemplo (Tab. 8), as paredes celulares da madeira podem ser transformadas em telinite (vitrinite com
estrutura celular visível, Fig. 7) por processos de humificação e gelificação, ao passo que se ocorrer charring55
(fogo ou humificação), esses mesmos materiais dão origem a fusinites e/ou semifusinites (inertinites com
estrutura celular visível, Fig. 7). Em ambos os casos as paredes celulares originais dos tecidos vegetais
mantêm-se preservadas até ao grau betuminoso.
As substâncias originais dos macerais do grupo da Liptinite também podem sofrer fusinitização. Por exemplo,
as resinas podem, através deste processo, originar a secretinite (de secrecções). Alguns macerais provêm
de outros ao longo da incarbonização. Por exemplo, a micrinite (variedade de inertinite) origina-se das liptinites
quando estas libertam os hidrocarbonetos, constituindo o resíduo sólido deste processo.
54
Em literatura antiga era chamada de EXINITE, pois se pensava que estes macerais provinham só das exinas dos esporos e pólenes.
55
Charring: processo que origina o char.
44
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
Os macerais que se formam durante o decurso da incarbonização – secundários - devem ser distinguidos
dos macerais ordinários - primários. A exsudatinite, por exemplo, é um maceral secundário do grupo das
liptinites. Mesmo vitrinites dos carvões de grau muito alto resultam da incarbonização de liptinites.
Cada maceral sofre uma evolução particular durante a incarbonização, que pode variar enormemente. As vitrinites
alteram regularmente, as liptinites seguem um percurso irregular e as inertinites alteram muito pouco (Fig. 30).
A Tabela 6 mostra os vários tipos de macerais que existem na classificação antiga do ICCP (pré-1994). As
classificações recentes (1994, in ICCP 1998 (V), 2000 (I) e 2005 (H)) estão patentes na Tabela 7. (só H/V e
I). Apresentam-se as duas, bem como a correlação entre os respectivos termos, pois grande parte da literatura
existente apresenta as classificações antigas. Mais adiante falaremos da origem dos vários macerais e sua
transformação ao longo da incarbonização.
Tabela 7. Novas classificações dos macerais dos Grupos da Huminite/Vitrinite e da Inertinite (em itálico, os nomes das antigas
classificações)
45
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
46
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
3.1.1.1. HUMINITE/VITRINITE
O grupo maceral Vitrinite provém da incarbonização do grupo maceral Huminite. Aliás, o termo huminite é
aplicado aos carvões do grau lignite/soft brown coal. A partir do grau sub-betuminoso passa a usar-se o termo
vitrinite. Adiante se perceberá as razões para isto.
As huminites/vitrinites originam-se a partir da fracção ácida-húmica das substâncias húmicas, que são
compostos de cor escura de composição complexa. Estes compostos contêm os elementos carbono,
oxigénio, hidrogénio e nitrogénio. Eles possuem pesos moleculares e solubilidades variadas, têm um núcleo
aromático e contêm os grupos hidroxilo (-OH) e carboxilo (-COOH). Estes compostos formam-se durante a
turbificação e a humificação (mouldering) (Tab. 5), mesmo até ao estágio de brown coal, a partir
principalmente da lenhina e celulose das paredes celulares das plantas. Além de depender dos materiais de
origem, a formação e as propriedades dos ácidos húmicos também dependem do potencial redox e do pH do
ambiente. Um ambiente aeróbico é um pré-requisito para a transformação da lenhina em ácidos húmicos
(Fischer, 1952). No entanto, Welte (1952) sustenta que os ácidos húmicos se formam da lenhina em meio
fracamente ácido só pela actividade bacteriana, mas por puras reacções de condensação oxidativa em meios
neutros-alcalinos. A lenhina é decomposta por fungos destruidores de madeira os quais, com enzimas,
atacam a lenhina, a qual normalmente só é hidrolizada 94 com dificuldade. Welte (1952) diz que para se
formarem ácidos húmicos a partir da celulose, as condições ácidas são particularmente favoráveis.
Durante muito tempo assumiu-se que a huminite/vitrinite provinha unicamente das lenhinas, mas hoje sabe-
se que devido à acção de fungos e bactérias, alguns compostos da decomposição da celulose participam na
formação dos ácidos húmicos.
Os taninos também participam na formação das vitrinites, especialmente a corpovitrinite (Tab. 8). Eles
consistem de misturas de compostos aromáticos que variam em composição e que contêm propriedades
94
Hidrólise: reação química que envolve água. A água pode reagir com muitas substâncias e transformá-las em outras. A hidrólise de
ésteres produz ácido carboxílico e álcool
43
Fenol: Absorve água do ar e liquefaz-se. Ao lado, a sua estrutura molecular.
47
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
fenólicas e pesos moleculares muito altos. Em vários aspectos, os taninos têm desde o início propriedades
semelhantes a substâncias húmicas.
Além da celulose, lenhina e taninos, também podem ocorrer substâncias lipídicas (ricas em H) incorporadas
nas substâncias húmicas, que mais tarde originam os hidrocarbonetos.
95
Dissacarídeos: duas unidades de monossacarídeos (ex. glicose) interligadas por um átomo de oxigénio.
96
Pentosanos: polissacarídeo, forma anidra ou polimerizada de pentose (açúcar).
48
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
O oxigénio é necessário para a humificação das lenhinas na turfa. Na presença de oxigénio, a lenhina é
primeiramente atacada por fungos xilófagos98, e depois por bactérias aeróbicas, transformando-se assim em
substâncias húmicas. Contudo, a humificação pode acontecer ainda no estágio de soft brown coal onde já se
estabeleceram condições anaeróbicas, pois neste estágio ainda se encontram por vezes quantidades
97
Coníferas: pinheiros, casuarinas, araucárias, etc.
98
Do grego Xylos (Madeira) + Phagos (comer).
49
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
importantes de celulose e
lenhina intactas. Ensaios
experimentais indicam que
estas duas substâncias são
rapidamente destruídas na
fronteira entre lenhina e sub-
betuminoso (~70ºC). À medida
que a diagénese continua, os
ácidos húmicos perdem o seu
carácter ácido pela remoção
dos grupos –OH e –COOH e
transformam-se, assim, em
huminas, originando os
macerais do grupo das
Huminites das lignites e brown
coals, que são as percursoras
das vitrinites dos graus mais
altos.
Fig. 50. a) e b) Secção de raíz constituída de suberinite (escura) e flobafinite (clara); c) A humificação é seguida da
Flobafinite em textinite; d) Corpos esféricos de corpohuminte; e) Paredes celulares de
suberinite com flobafinite gelificação que leva à formação
da vitrinite nos estágios de carvão sub-betuminoso (Glanzbraunkohle) (Fig. 52). Durante a gelificação, as
reacções parecem ser fundamentalmente de natureza físico-coloidal, ou seja, o material húmico é peptizado 99
e depois dessecado em gel, ou seja, passa por um estágio plástico.
Fig. 51. Atrinite consistindo de detritos Fig. 52. Gelificação geoquímica (=vitrinitização) de huminites, demonstrada pela
húmicos (d) e gels húmicos (g) em brown compacção e homogenização duma banda de corpohuminite (centro) e de camadas
coal miocénico da Bavária, Alemanha. de humodetrinite; a) Brown coal, Bavária, Alemanha; b) Lignite, Áustria; c) Carvão
Superfície polida, imersão em óleo sub-betuminoso, Bavária Superior. Todas as fotos em superfície polida, imersão
em óleo.
99
Peptização: é a passagem do estado gel para o estado sol.
49
Alcanos: compostos binários de carbono e hidrogénio de fórmula geral CnH2n+2, também denominados hidrocarbonetos saturados,
apresentam somente ligações simples entre seus átomos
50
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
É possível distinguir:
i) Gelificação bioquímica: que ocorre durante a turfa e brown coal e que é função do material original, o
fácies, o fornecimento de água e iões, o grau de alcalinidade e as condições oxidantes; e
ii) Gelificação geoquímica: que afecta todas as huminites no estágio de hard brown coal na fronteira entre
o brown coal baço (Matt-) e brilhante (Glanz-); esta gelificação exige uma certa temperatura e, por
conseguinte, uma certa profundidade de subsidência. É durante esta gelificação geoquímica que as
huminites são transformadas em vitrinites e assim o processo leva também o nome de vitrinitização
(Tab. 8).
Os percursores da vitrinite nos estágios de turfa e brown coal são petrograficamente agrupados nas
Huminites, como atrás se disse, e como estes macerais só apresentam poucas semelhanças com os
equivalentes das Vitrinites, eles levam nomes diferentes (ver tabelas 6-7).
Mais adiante vamos ver os vários macerais do grupo das Huminites e do grupo das Vitrinites em separado.
As propriedades químicas e ópticas das vitrinites alteram mais uniformemente durante a incarbonização do
que qualquer outro grupo de macerais (Fig. 30), sendo esta a razão principal para a vitrinite ser usada para
determinação do grau.
51
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
Como mostra a Fig. 33, a reflectividade da vitrinite aumenta pouco até ao grau betuminoso de altos voláteis,
mas mostra um aumento maior para um teor de voláteis entre 30% e 8%. Acima deste valor (estágio
antracítico) o aumento da reflectividade é ainda maior.
As Figs. 32 e 53 mostram que as vitrinites dos carvões betuminosos sofrem 4 saltos de incarbonização que
são de natureza química e óptica. O 1º salto ocorre durante o estágio de carvão betuminoso de altos voláteis
(ca. 80% C, 43% MV, 0.6% Rm óleo). O 2º salto ocorre no estágio de carvão betuminoso de médios voláteis
(ca. 87% C, 29% MV, 1.3% Rm óleo). O 3º salto ocorre no limite entre a semi-antracite/antracite (ca. 91% C,
8% MV, 2.5% Rm óleo) e, finalmente, o 4º salto dá-se no limite entre a antracite/meta-antracite (ca. 93.5% C,
4% MV, 3.7% Rm óleo).
O primeiro salto, que também ocorre nas liptinites, coincide aproximadamente com o início da formação de
petróleo a partir do kerogénio (Fig. 42). O segundo salto, bem marcado nas liptinites (Fig. 42), é causado por
uma drástica redução do oxigénio, libertado na forma de CO 2 e H2O e pelo início da libertação de hidrogénio
na forma de metano (CH4), coincidindo mais ou menos com o fim de produção de petróleo (Fig. 42). Os
terceiro e quarto saltos da vitrinite correspondem à libertação de grandes quantidades de hidrogénio na forma
de metano, acompanhada por forte aromatização e condensação de anéis dos complexos humínicos (Fig.
65).
De acordo com Sýkorova et al (2005), as huminites, em geral, caracterizam-se pelas seguintes características:
o É um grupo de macerais de cor cinzenta média (ao microscópio), com reflectividades entre as das
liptinites (mais escuras) e inertinites (mais claras) associadas.
52
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
reflectividade das huminites varia entre 0.1-0.26%, dependendo dos submacerais (Cohen et al.,
1987).
o As huminites estão divididas em 3 subgrupos macerais e seis macerais, alguns dos quais podem ser
subdivididos em submacerais (Tab. 7).
Passamos agora a ver cada um dos macerais das Huminites em detalhe. À medida que os vários macerais
forem sendo apresentados, incluir-se-ão imagens dos mesmos para elucidar os aspectos que se descrevem.
3.1.1.1.1. Telohuminite
O termo Telohuminite foi introduzido em 1970 pelo ICCP para designar huminites com estrutura celular.
A Telohuminite é um subgrupo das huminites que compreende macerais com estruturas celulares botânicas
intactas, visíveis em vários aspectos ou células isoladas, com reflectividade entre a das liptinites e inertinites
acompanhantes. O subgrupo é constituído pelas textinites e ulminites, que se distinguem pelo seu diferente
grau de gelificação. A textinite mostra paredes celulares separadas e a ulminite apresenta essas paredes
comprimidas e gelificadas.
Oa mecerais deste subgrupo provêm de tecidos lenhosos e de parênquima de raízes, ramos, cascas e folhas
quimicamente compostas de celulose e lenhina, de plantas herbáceas e arborescentes.
3.1.1.1.1.1 Textinite
O termo textinite foi proposto em 1963 pelo ICCP para designar material de paredes celulares em lignites.
Mais tarde, em 1970, o ICCP restringiu o uso do termo a um maceral constituído por paredes celulares não
gelificadas. O termo provém do latim textum = tecido.
A textinite é um maceral do grupo das huminites, subgrupo das telohuminites, cnstituído por paredes celulares
não gelificadas, tanto em tecidos como células isoladas mas de paredes intactas (Figs. 54, 55 e 56). As células
de tecidos de fungos não pertencem à textinite (ver adiante). As textinites podem ser divididas em A e B
consoante elas forem cinzentas escuras ou claras respectivamente, sendo que a A é anisotrópica devido ao
conteúdo de celulose e tem reflexões internas, e a B é isotrópica, sem reflexões internas.
A Textinite consiste de substâncias húmicas bem como de restos de celulose e lenhina, se bem que entre as
duas textinites (A e B) hajam diferenças químicas substanciais: enquanto que a textinite B é composta só de
huminas e restos de lenhina, a textinite A contém ainda porções consideráveis de celulose, resinas, ceras e
taninos. Sendo uma Telohuminite, a textinite provém de tecidos lenhosos e de parênquima de raízes, ramos,
cascas e folhas quimicamente compostas de celulose e lenhina, de plantas herbáceas e arborescentes.
53
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
A quantidade de textinite numa lignite depende muito da intensidade de gelificação e do grau (de
incarbonização). Quantidades elevadas de textinite indicam alto grau de preservação de tecidos celulares em
condições relativamente secas e de baixo pH em turfeiras de florestas ou raised bogs com árvores. A
composição química dum tecido afecta a sua preservação. A textinite A, impregnada de resinas, taninos, etc.,
é quimicamente mais resistente que a textinite B
Fig. 56. Porigelinite (P) e textinite (T) em lignite miocénica, Fig. 55. Textinite (T) e corpohuminite (C) em lignite, com
camada Básica, parte central da Bacia da Boémia do Norte, fusinite (Fu). Kuhfeldschichten (Cretácio Inferior, Alemanha).
República Checa. LR. Largura: 0.24 mm LR. Largura: 0.17 mm
3.1.1.1.1.2. Ulminite
Termo usado por Stopes (1935) para designar material vegetal completamente gelificado. Em 1970, o
ICCP introduz o termo para designar tecidos vegetais mais ou menos gelificados em que as estruturas
celulares ainda podem ser vistas. O termo vem do Latim ulmus (ulmeiro). A ulmina é um produto de
decomposição de ulmeiros afectados por doenças.
A ulminite é um maceral do grupo das huminites, subgrupo da telohuminites que mostram paredes celulares
de tecidos mais ou menos gelificados (Fig. 57, 58 e 61).
Devido ao processo de gelificação as paredes celulares estão marcadamente inchadas e por isso são mais
espessas que as da textinite. Também a ulminite, à semelhança da textinite, apresenta as variedades clara
(A) e escura (B). A ulminite A pode apresentar reflexões internas, à semelhança da textinite A.
54
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
A ulminite consiste de ácidos húmicos, humatos e traços de lenhina e celulose (Süss, 1959). De acordo com
Taylor et al (1998), as paredes celulares já não contêm celulose, donde que a baixa reflectância da ulminite
A deve estar relacionada com impregnações de resinas e ceras nas paredes celulares.
Fig. 57. Ulminite (U). Kuhfeldschichten (Cretácico Inferior, Fig. 58. Densinite (D) e ulminite (U) em lignite miocénica,
Valendis), Alemanha. LR. Largura: 0.22 mm. camada Básica, parte central da Bacia da Boémia do Norte,
República Checa. LR. Largura: 0.16 mm.
Sendo uma Telohuminite, a textinite provém de tecidos lenhosos e de parênquima de raízes, ramos, cascas
e folhas quimicamente compostas de celulose e lenhina, de plantas herbáceas e arborescentes. Grandes
quantidades de ulminite indicam um alto grau de preservação de tecidos celulares em condições húmidas e
de pH baixo de turfeiras de florestas ou de raised bogs florestados (Diessel, 1992). De acordo com Taylor et
al. (1998) o processo de gelificação bioquímica é acelarado em ambientes ensopados de água devido ao
fornecimento de determinados iões (Na, Ca). As madeiras impregnadas de resinas, ceras e taninos são muito
resistentes à decomposição química e estrutural. Daí que a ulminite A derivada das gimnospérmicas seja
mais abundante que a ulminite B derivada das angiospérmicas. A ulminite é a percursora da colotelinite dos
carvões de grau mais elevado.
A ulminite é primariamente formada em turfas e solos em condições húmidas e em sedimentos límnicos, mas
também devido ao grau de incarbonização. Assim o enriquecimento em ulminite reflecte tanto certas
condições paleoambientais como avanço na incarbonização. A quantidade de ulminite aumenta por isso à
custa da diminuição da quantidade de textinite com o aumento do grau.
3.1.1.1.2. Detrohuminite
O termo provém do Latim humus (solo) + detritus (detrito, produto de desintegração). É um subgrupo do grupo
das huminites consistindo de fragmentos húmicos (<10 m) que podem estar cimentados por matéria húmica
amorfa. Em função da gelificação, a detrohuminite é subdividida em atrinite (não gelificada) e densinite
(gelificada). A composição química da detrohuminite é mais ou menos independente do grau de gelificação.
Os macerais deste subgrupo derivam de plantas herbáceas e arborescentes através de forte decomposição
de tecidos lenhosos e parenquimatosos de ramos e folhas. As plantas herbáceas e as madeiras de
angiospérmicas desintegram-se mais facilmente que os tecidos lignificados, mas as coníferas também podem
contribuir para a detrohuminite. A detrohuminite é a percursora da detrovitrinite de carvões de grau mais
elevado.
55
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
3.1.1.1.2.1. Atrinite
Termo usado pelo ICCP desde 1970 para designar partículas húmicas que formam a matriz não gelificada
dos carvões. O termo deriva do Latim attritus (matéria pulverizada por atrito). O maceral consiste duma mistura
de finas partículas huminíticas (<10 m) de diferentes formas, porosas e esponjosas não gelificadas (Figs. 59
e 60).
A atrinite é cinzenta escura, dependendo da densidade dos poros. Consiste de substâncias húmicas e restos
de celulose e lenhina. As propriedades químicas variam em função do material vegetal de origem.
A parte detrítica da atrinite resulta de forte decomposição estrutural de tecidos parenquimatosos e lenhosos
de ramos e folhas de plantas herbáceas e arborescentes, originariamente compostas de celulose e, em menor
escala, lenhina. Forma-se em condições aeróbicas. A parte porosa da atrinite consiste de colóides húmicos
floculados. Durante a incarbonização, a atrinite passa a densinite por gelificação e a colodetrinite por
vitrinitização, se bem que a densinite possa ocorrer em simultâneo com a atrinite na mesma camada,
dependendo das condições de deposição.
Grandes quantidades de atrinite indicam condições relativamente secas na superfície dos pântanos, seguidas
de decomposição aeróbica das partes húmicas das plantas. A Atrinite ocorre também como detritos vegetais
depositados subaquaticamente.
Fig. 59. Atrinite (A) e densinite (D). Notar fragmento de Fig. 60. Atrinite (A) com suberinite (S) e flobafinite (P). Lignite
textinite (T) e funginite (F). LR. Largura: 0.25 mm. miocénica da camada Anežka, Bacia de Sokolov, Rep. Checa.
LR. Largura: 0.24 mm.
3.1.1.1.2.2. Densinite
O termo foi introduzido pelo ICCP em 1970 para designar um maceral composto de pequenas partículas
gelificadas cimentadas por material húmico amorfo. O termo vem do Latim densus (compacto, denso). A
densinite consiste de finas partículas huminíticas (<10 m) cimentadas por substâncias huminíticas, amorfas
e densas. A densinite é uma matriz húmica gelificada, mais ou menos homogénia, cimentando outros
componentes do carvão (Figs. 58, 59, 61 e 62).
A densinite é formada por dois processos: (1) forte decomposição de tecidos parenquimatosos e lenhosos de
ramos e folhas compostos de celulose e lenhina, seguida de gelificação bioquímica em condições húmidas
no estágio de turfa; (2) Gelificação geoquímica de atrinite com o aumento da incarbonização.
56
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
3.1.1.1.3. Gelohuminite
Termo introduzido pelo ICCP para designar um subgrupo de macerais de cor cinzenta, originados de matéria
húmica amorfa. A gelohuminite compreende os macerais corpohuminite e gelinite. O primeiro refere-se a
corpos isolados representando os preenchimentos celulares de flobafenos, in situ ou isolados.; o segundo
refere-se a preenchimentos secundários de espaços inicialmente vazios. A humocolinite tem mais duma
origem. Pode derivar de tecidos vegetais e detritos húmicos intensamente gelificados, cuja estrutura não é
reconhecida ao microscópio de luz reflectida. Pode também ter origem em colóides húmicos precipitados.
Uma terceira origem é de preenchimentos celulares flobafénicos formados pelas próprias plantas.
3.1.1.1.3.1. Corpohuminite
O termo foi introduzido em 1970 pelo ICCP para designar corpos não estruturados de peenchimentos
celulares húmicos, ocorrendo in situ junto com a textinite ou ulminite ou isolados, com atrinite, densinite e
argilas. Dependendo da forma das células preenchidas por estes materiais e da orientação dos grãos, a forma
da corpohuminite pode ser esférica, oval ou alongada. Também o seu tamanho depende do tamanho original
das células. A maioria da corpohuminite é compacta, mas pode conter vacúolos.
Podem distinguir-se dois sub-macerais: flobafinite, que se refere aos produtos da incarbonização de
excreções celulares primárias, e pseudo-flobafinite, que se refere a preenchimentos secundários que se
originam de colóides húmicos. A distinção só é possível se estiverem dentro das estruturas celulares da
textinite/huminite. Se os grãos não tiverem contacto com as paredes celulares, o maceral é classificado como
flobafinite. Quando o espaço celular estiver completamente preenchido com substâncias amorfas húmicas,
ele é classificado como pseudo-flobafinite. São macerais de cor cinzenta a cinzenta clara. As figs 54, 55 e 62
ilustram algumas corpohuminites.
A corpohuminite que resulta de excreções celulares e taninos tem uma forte componente aromática, sendo
por isso química e estruturalmente muito resistentes. As corpohuminites resultantes de precipitação coloidal
são constituídas por huminas.
3.1.1.1.3.2. Gelinite
Termo introduzido por Szádecky-Kardoss (1949) para geles húmicos precipitados, e adoptado pelo ICCP para
referir um maceral consistindo de geles huminíticos sem forma própria. Em microscopia de luz reflectida, ele
aparece como uma substância não estruturada ou porosa homogénea.
Fig. 61. Densinite (D) e ulminite (U) em lignite miocénica, Fig. 62. Corpohuminite (C, flobafinite), densinite (D) e funginite
camada Básica, parte central da Bacia da Boémia do Norte, (F). Rheinische Braunkohle, Camada Principal. Mioceno. LR.
República Checa. LR. Largura: 0.16 mm. Largura: 0.20 mm.
57
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
Podem formar-se como substâncias húmicas amorfas segregadas directamente pelas paredes celulares
durante períodos húmidos no estágio de turfa e preenchendo espaços celulares. Na maioria dos casos
resultam da precipitação de produtos a partir de soluções coloidais húmicas e preenchem outros espaços.
o Ocorre em camadas de carvão formadas como resultado de preservação anaeróbica de material ligno-
celulósico em pântanos.
o Têm origem em tecidos parenquimatosos e lenhosos de raízes, ramos, cascas e folhas compostos de
celulose e lignina.
o Grupo de macerais de cor cinzenta (média a clara) e cuja reflectividade está entre a das liptinites (mais
escuras) e inertinites (mais claras) acompanhantes.
o Cor e reflectividade variam com o grau. Ela é cinzenta escura nos graus mais baixos (sub-betuminoso),
mas torna-se clara ou branca em carvões de grau mais alto. A reflectividade média (R m óleo) nesta gama
de cores varia entre 0.5->7.0%. A anisotropia óptica também aumenta com o grau, excepto em que o
aumento de grau é provocado por metamorfismo de contacto.
o A vitrinite é caracterizada por um teor de oxigénio relativamente alto quando comparado com o dos
outros macerais. A composição elementar depende do grau:
Carbono: 77-96%
Hidrogénio: 6-1%
Oxigénio: 16-1%
o Rica em estruturas aromáticas. A aromaticidade aumenta com o grau.
o O termo vitrinite abraça três subgrupos e seis macerais derivados da matéria húmica (Tab. 7).
A Tab. 7 mostra a correlação entre os macerais da huminite e os da vitrinite, não esquecendo que as huminites
são as precursoras das vitrinites.
Passamos agora a ver cada um dos macerais das Vitrinites em detalhe. À medida que os vários macerais
forem sendo apresentados, incluir-se-ão imagens dos mesmos para elucidar os aspectos que se descrevem.
58
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
3.1.1.1.4. Telovitrinite
O termo foi introduzido em 1994 pelo ICCP para designar vitrinite com estrutura celular, a qual pode ou não
ser visível em luz branca reflectida. O termo vem do Latim Tela (tecido) + vitrum (vidro). A telovitrinite é um
subgrupo das vitrinites que apresenta estruturas celulares preservadas, visíveis ou não. O subgrupo inclui os
sub-macerais telinite e colotelinite que se distinguem pelo seu diferente grau de gelificação geoquímica
(vitrinitização). A telinite consiste de paredes celulares claramente visíveis, ao passo que a colotelinite é mais
ou menos desestruturada. Os macerais deste subgrupo derivam de tecido parenquimatoso e lenhoso de
raízes, ramos, cascas e folhas compostos de celulose e lenhina de plantas herbáceas e arbóreas. Grandes
quantidades de telovitrinite indicam um alto grau de preservação de tecidos em condições húmidas e
possivelmente de pH baixo, em turfas de floresta ou de raised bogs florestados. O precursor da telovitrinite é
a humotelinite.
3.1.1.1.4.1. Telinite
O termo telinite foi introduzido em 1933 (Jongmans & Koopmans, 1934) e designa um maceral do grupo da
vitrinite, subgrupo da telovitrinite, consistindo de paredes celulares claramente reconhecíveis, de tecidos
vegetais mais ou menos intactos (Fig. 64). As paredes celulares estão sempre gelificadas. Os espaços
celulares estão ocasionalmente vazios, mas geralmente estão fechados pelo inchamento das paredes
celulares devido à gelificação (Fig. 65), ou então porque estão preenchidos por outros macerais e/ou minerais
(Figs. 66 e 64), ou ainda porque o tecido está comprimido (Fig. 67). O poder reflector da telinite difere muitas
vezes do dos preenchimentos celulares de gelocolinite. Se os preenchimentos tiverem uma reflectividade
mais baixa, deve tratar-se de resinite (Fig. 66).
Os percursores da telinite são as textinites e ulminites, que se transformam em telinite no grau de betuminoso
de altos voláteis. É menos abundante que o outro maceral do subgrupo (ver adiante). Em carvões de maior
grau de incarbonização, a telinite só é discernível se os seus lúmens estiverem preenchidos por minerais.
59
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
3.1.1.1.4.2. Colotelinite
À semelhança da textinite, a colotelinite deriva de tecido parenquimatoso e lenhoso de raízes, ramos, cascas
e folhas compostos de celulose e lenhina de plantas herbáceas e arbóreas, só que no caso da colotelinite a
gelificação geoquímica provoca o desaparecimento da estrutura celular. O precursor da colotelinite é a
ulminite.
3.1.1.1.5. Detrovitrinite
Consiste dum subgrupo de macerais compostos de restos vegetais finamente fragmentados e vitrinizados,
que podem ocorrer isolados ou cimentados por vitrinite amorfa. Do Latim detritus (detrito) + vitrum (vidro).
Este subgrupo é composto de dois macerais: vitrodetrinite e colodetrinite. O primeiro refere-se a partículas
de vitrinite claramente visíveis e separadas, ocorrendo isoladas ou cimentadas por vitrinite amorfa ou
minerais; o segundo descreve agregados ou matriz de vitrinite em que os limites dos grãos já não se
conseguem visualizar devido à gelificação.
Os macerais deste grupo derivam de forte decomposição de tecido parenquimatoso e lenhoso de raízes,
ramos e folhas de plantas herbáceas e arbóreas, originalmente constituídas de lenhina e celulose. As
estruturas celulares foram destruídas devido à abrasão química e/ou física. Grandes quantidades de
detrovitrinite indicam alto grau de destruição de tecidos vegetais, especialmente das plantas herbáceas ricas
em celulose. A detrovitrinite é o maceral dominante quando prevaleceram condições neutras ou alcalinas e
oxidantes no estágio de turfa. O percursor da detrovitrinite é a humodetrinite.
60
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
3.1.1.1.5.1. Vitrodetrinite
3.1.1.1.5.2. Colodetrinite
A colodetrinite ocorre como uma matriz agregando outros macerais (Figs. 70 e 71). A colodetrinite não
apresenta continuidade textural e mostra menos acamação. É uma mistura de partículas de vitrinite <10 m
e matéria vitrinítica amorfa. Ela contém mais partículas inorgânicas submicroscópicas que os outros macerais
do grupo das vitrinites, mas o grau de homogenização não permite distingui-las ao microscópio.
A colotelinite deriva de tecidos parenquimatosos e lenhosos de raízes, caules e folhas compostas de celulose
e lenhina, cujos tecidos foram fortemente destruídos durante o início do estágio de turfa. As minúsculas
partículas estão cimentadas por colóides húmicos dentro da turfa e subsequentemente homogenizados pela
gelificação química. A origem mais provável é das celuloses do que as lenhinas.
Fig. 70. Colovitrinite com algum bandamento. Fig. 71. Colovitrinite com grãos de argila. Carvão
Carvão de Witbank, RSA. Falcon & Snyman, 1986. de norte de KwaZulu-Natal, RSA. Falcon &
Snyman, 1986.
3.1.1.1.6. Gelovitrinite
61
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
Provavelmente a gelocolinite tem mais de uma origem, mas em geral assume-se que deriva de conteúdos de
células vegetais ou de fluidos húmicos formados a partir dos tecidos vegetais durante a decomposição e
diagénese, e subsequentemente precipitados como geles coloidais nos espaços vazios.
3.1.1.1.6.1. Corpogelinite
A corpogelinite pode ser de origem primária, correspondendo aos conteúdos celulares, derivados em parte
de taninos. Também pode derivar de secreções das paredes celulares. Por outro lado, pode consistir de
preen-chimentos de cavidades em tecidos por soluções húmicas que subsequentemente precipitam como
geles durante a turbificação e nos estágios iniciais da incarbonização. O percursor da corpogelinite é a
corpohuminite.
3.1.1.1.6.2. Gelinite
Geralmente é de origem secundária. Pode ocorrer como uma matriz embebendo partículas de carvão
milonitizado, ou pode impregnar cavidades celulares doutros macerais (Fig. 74). O maceral forma-se de
colóides húmicos originados durante o início da diagénese do material vegetal.
A gelinite do grupo das huminites é a percursora da gelinite deste grau de incarbonização. É o menos comum
dos macerais do grupo das vitrinites.
62
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
3.1.1.2. LIPTINITE
Os macerais do grupo das liptinites provêm de materiais vegetais ricos em hidrogénio (por exemplo,
esporopolenina, cutina, súber ou cortiça, resinas, ceras, bálsamos, látex, gorduras e óleos) e de produtos de
degradação de proteínas, celulose e outros carbohidratos por acção bacteriana. Em oposição aos materiais
húmicos, as liptinites contêm grandes quantidades de constituintes alifáticos (p.ex., n-alcanos 49). Uma grande
100
parte das liptinites provém dos lípidos vegetais (substâncias gordurosas), que podem ser subdivididas, com
base na sua solubilidade em solventes orgânicos, em: grupo solúvel gorduras-ceras e grupo insolúvel
altamente polimerizado súber-cutina.
Durante a turbificação e diagénese desde o estágio de brown coals até ao dos carvões sub-betuminosos, as
liptinites são relativamente estáveis, ao contrário do que acontece com os materiais húmicos. Elas não sofrem
humificação nem gelificação e, consequentemente, os mesmos nomes de macerais podem ser usados para
os estágios de turfa, brown coal, sub-betuminoso e betuminoso.
Aproximadamente no limite entre os estágios de carvão sub-betuminoso e betuminoso, começa uma ligeira
alteração irregular dos constituintes lipídicos, que Teichmüller (1974 a,b) descreveu como o 1° salto de
incarbonização das liptinites. A alteração coincide com a formação de petróleo em rochas-mãe e, do
mesmo modo nos carvões, substâncias típicas do petróleo são formadas através de processos de
descarboxilação101 e redução, e parecem ser adsorvidas pelas substância húmicas. Só em casos raros elas
permanecem livres na forma de exsudatinite (ver adiante maceral deste grupo). Como resultado desta
alteração forma-se micrinite (do grupo das inertinites) como produto residual. Este processo dá-se para um
teor de voláteis de 44-40%.
100
101
Descarboxilação: processo de remoção dum grupo carboxilo dum composto químico (usualmente substituído por hidrogénio).
51
Exina: camada externa de um palinomorfo (esporo ou pólen), altamente resistente a ácidos e bases fortes, composta de
esporopolenina
63
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
Um 2° salto de incarbonização das liptinites, que coincide com a destruição do petróleo (i.e., conversão
em hidrocarbonetos gasosos), ocorre no estágio de betuminoso de altos voláteis (MV = 29%), e é
caracterizado por uma libertação súbita de hidrogénio e de voláteis.
Dado que os macerais do grupo das liptinites têm origens muito variadas, é muito difícil estabelecerem-se
características comuns. Pode dizer-se que as liptinites têm um teor mais elevado de hidrogénio, têm um poder
reflector menor (até ao estágio de betuminoso de altos voláteis). Por outro lado, todas as liptinites se
caracterizam por apresentarem fluorescência quando irradiadas com luz UV ou azul, coisa que só acontece
nas vitrinites quando estas se encontram impregnadas de substâncias lipídicas que se libertam durante o 1°
salto de incarbonização.
Passamos a descrever os vários macerais do grupo das liptinites. São apresentadas fotografias tiradas em
luz branca e também em luz fluorescente (aspecto que será detalhado mais adiante nos métodos de análise,
ponto 3.5.)
3.1.1.2.1. Esporinite
A esporinite origina-se das paredes celulares externas (exinas 51 e perinas103) de esporos e pólenes. As
102
células são compostas de esporopolenina104, que é muito resistente, altamente polimerizada, insolúvel. A sua
composição química varia, mas foi estabelecida uma fórmula empírica para a esporopolenina do Lycopodium
clavatum: C90H127O12(OH)15. Devido à sua composição química variada, as exinas de diferentes tipos de
plantas mostram resistências diferentes.
Em contraste com a esporopolenina dos pólenes e esporos actuais, a substância fóssil correspondente é
chamada de esporonina. Com o aumento da incarbonização, o teor em carbono aumenta e os teores de
oxigénio e hidrogénio diminuem
Os tipos de esporinite variam consoante a idade dos carvões. Assim, por exemplo, os carvões carboníferos
têm esporinites de Pteridófitas e pólenes de Gimnospérmicas. Os megaesporos típicos dos carvões
Paleozóicos (Fig. 77, 78a-b) são raros no Mesozóico e Cenozóico. Os carvões Gondwânicos são
relativamente pobres em esporinite (Fig. 79). No Cretácico e Terciário a esporinite passa a ser dominada por
pólenes de Angiospérmicas, diminuindo as esporinites de esporos.
102
103
Perina: camada situada à volta das exinas de muitos esporos.
104
Esporopolenina: biopolímero resistente à acetilose.
64
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
O ambiente deposicional também joga um papel importante na preservação, e as turfas de influência marinha
e salobra, ao contrário das turfas de águas frescas, são caracterizadas por pequenas quantidades de
esporinite. Uma parte dos esporos e pólenes assoprados para os pântanos ficam a apodrecer no topo das
árvores onde caiem, ao passo que nos pântanos de águas abertas, eles caiem na água, não ficando assim
sujeitos ao efeito oxidante da atmosfera. O clima também influi na quantidade de esporos produzidos.
Apesar das alterações severas que a esporinite sofre no estágio de turfa, ela sofre poucas alterações até ao
estágio de betuminoso de altos voláteis B/A quando ocorre o 1º salto de incarbonização (Fig. 42). Aqui, a cor
do esporo em luz transmitida passa de amarelo a castanho. Durante o 2º salto de incarbonização, a cor da
esporinite passa rapidamente de castanho-escuro a negro e a sua reflectância aumenta tanto que os esporos
deixam de se distinguir da vitrinite.
3.1.1.2.2. Cutinite
A cutinite origina-se das camadas cuticulares e cutículas das paredes celulares das células exteriores de
folhas, caules e outras partes aéreas das plantas. As cutículas são constituídas por celulose na base, seguida
de cutina, ceras, celulose e pectina 105, no topo da qual é depositada uma película resistente à água, composta
de cutina pura (Figs. 80 e 81). As cutículas ocorrem em todas as plantas terrestres fornecendo protecção
contra a dessecação.
As cutinas são compostas de ácidos gordos, são altamente polimerizadas e quimicamente semelhantes ao
súber, sendo consideradas as substâncias mais resistentes que as plantas produzem. Por isso ocrrem muitas
vezes preservadas inalteradas durante a turbificação e ainda nos primeiros estágios da incarbonização. De
facto, a cutina e as ceras associadas ainda se encontram nos brown coals.
105
Pectina: polímero natural presente na parede das células vegetais. Forma o gel das compotas.
65
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
Apesar da sua resistência, e em oposição à esporinite, a cutinite é mais rara. A possível explicação será que
ela é extremamente fina e delicada, e assim é destruída mecanicamente na parte superior da turfa por acção
dos animais. Se isso for verdade, grande parte da liptodetrinite será constituída de detritos de cutinite.
Fig. 82. Cutinite fortemente denteada dum carvão turco de altos voláteis.
Stach et al, 1982.
Fig. 83. Cutinite de conífera com
resinite (r). Stach et al, 1982.
3.1.1.2.3. Resinite
Todas as resinas naturais são produtos do metabolismo das plantas. As suas propriedades químicas e físicas
variam bastante. A resinite dos carvões compreende não só as resinas das plantas, mas também outras
66
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
secreções, como óleos essenciais que ocorrem nas folhas que foram transformados em resina na forma de
pequenos corpos arredondados. Nos carvões as resinites ocorrem normalmente como preenchimentos
celulares, mas também podem ocorrer em camadas ou finamente dispersas. Em corte vertical, os corpos de
resinite aparecem arredondados (esféricos ou elípticos) e com um poder reflector mais baixo que o das
esporinites e cutinites (Fig. 86 e 87). Um aspecto característico das resinites paleozóicas é o seu aspecto
zonado (Fig. 88).
Em superfície polida, muitas vezes os corpos de resinite não aparecem escuros. Em adição aos corpos
escuros também aparecem os corpos cinzentos ou mesmo brancos (Fig. 89). Isto indica que as resinites
foram sendo progressivamente transformadas em inertinite por oxidação (mesmo fenómeno que o
representado na Fig. 72, para as cutinites).
Se a resina for coberta por água imediatamente após a sua libertação das plantas, ela fica preservada como
resina fóssil até aos nossos dias. Pelo contrário, se ela ficar sujeita à acção atmosférica, sofre uma
oxidação106 e por isso aparece mais branca (Fic. 89), pois torna-se mais pobre em hidrogénio e mais rica em
carbono.
O poder reflector da resinite aumenta com o grau, e as alterações químicas ao longo da incarbonização são
semelhantes às sofridas pelos outros macerais do grupo das liptinites.
3.1.1.2.4. Alginite
A alginite forma-se a partir de espécies de algas particularmente ricas em óleos. A alginite não ocorre
normalmente em carvões húmicos, mas sim em carvões boghead e cannel: Pila e Reinschia no Carbonífero,
e Tasmanite no Jurássico-Cretácico. As Figs. 90 a 94 mostram alguns aspectos de alginites.
106
As resinas são compostos não saturados, por isso têm tendência a captar oxigénio.
67
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
3.1.1.2.5. Suberinite
3.1.1.2.6. Exsudatinite
Este maceral aparece no limite entre os estágios de carvão sub-betuminoso/betuminoso. Ele desenvolve-se
a partir dos constituintes lipídicos das liptinites e a sua génese está relacionada com o apa-recimento dos
hidrocarbonetos líquidos (1º salto de incarbonização). O seu nome provém do facto de ele parecer resultado
do “suor” das liptinites: do Latim exsudare = suar. A Fig. 96 mostra vários aspectos de exsudatinite. As
imagens d-e da figura mostram exsudatinites oxidadas, já com características da inertinite (comparar com a
Fig. 76).
3.1.1.2.7. Betuminite
A betuminite caracteriza-se por falta de forma própria (Fig. 97). Diferencia-se da exsudatinite por ser autóctone
e ocorrer entre os planos de acamação. Aparece como matriz de outros macerais, apresentando uma
estrutura granular (Fig. 97). Apesar de ocorrer em carvões húmicos, a betuminite é característica de carvões
subaquáticos.
No estágio de altos voláteis a betuminite origina hidrocarbonetos, deixando um resíduo sólido de micrinite (ver
inertinites)
68
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
3.1.1.2.8. Clorofilinite
A clorofilinite é um maceral que resulta da preservação de grãos de clorofila das folhas. Ocorre em especial
nos “carvões de folhas” (estágio brown coal) do Terciário e como tal associada à cutinite, maceral de que este
tipo de carvões é muito rico.
3.1.1.2.9. Fluorinite
A fluorinite é um maceral do grupo das
liptinites que se forma a partir de óleos
vegetais (Teichmüller, 1974b) e apresenta
geralmente uma forte fluorescência. Devido
ao seu aspecto negro em luz transmitida
branca, ela foi
confundida com
Fig. 98. Fluorinite em luz natural (a) e fluorescente (b). Stach et al 1982
lentes de argila
(Fig. 98)
3.1.1.2.10. Liptodetrinite
69
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
ser característica de carvões de deposição sub-aquática. Devido à sua origem de vários macerais do grupo,
as liptodetrinites têm propriedades físicas, químicas e ópticas muito variáveis. Em luz reflectida branca, é
difícil distinguir a liptodetrinite dos minerais de argila. A introdução de fluorescência permitiu distinguir estes
fragmentos.
3.1.1.3. INERTINITE
Os percursores químicos e botânicos das inertinites são basicamente os mesmos que os das
huminite/vitrinites, em especial as celuloses e lenhinas das paredes celulares das plantas (Tab. 8). Contudo,
esses constituintes sofrem uma história completamente diferente, descrita como fusinitização. Este processo
produz substâncias com conteúdo de carbono relativamente alto e de hidrogénio baixo. Devido a um maior
grau de aromatização e condensação, a reflectividade das inertinites é substancialmente maior que a das
correspondentes vitrinites. Vários fenómenos que ocorrem antes da deposição ou à superfície da turfa causam
fusinitização: charring, oxidação, humificação, e ataque por fungos.
O alto grau de reflectividade típico dalgumas inertinites por vezes já está determinado nas plantas vivas, por
exemplo, os fungos. As inertinites podem originar-se também a partir dos outros macerais durante a
incarbonização geoquímica. As Figs. 76 e 96 mostram inertinites originadas de liptinites.
A maioria das inertinites sofrem pouca alteração durante a incarbonização porque elas já estão ‘pré-
incarbonizadas’. Alguns macerais que resultam do charring tornam-se pouco reactivos devido a uma pré-
desgasificação severa. Outros macerais possuem moléculas altamente condensadas que só com muita
dificuldade são atacadas. O grau de possível alteração depende do grau de fusinitização. Assim, uns macerais
são mais alterados que outros.
3.1.1.3.1. Fusinite
O termo foi introduzido por Stopes (1935) para designar um constituinte opaco em luz transmitida e que
apresenta estrutura celular. O termo vem do Latim fusus = fuso, fibra.
É um maceral do grupo da inertinite que mostra alto poder reflector, estrutura celular bem preservada de pelo
menos uma célula de parênquima, colênquima ou esclerêrnquima. A fusinite ocorre tanto como tecido celular
bem preservado (Fig. 100; estrutura em crivo) ou como fragmentos arqueados de tecidos celulares anteriores
(Fig. 101; estrutura bogen ou estrelada).
70
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
A Fusinite também pode apresentar paredes celulares inchadas. Dependendo da planta de origem, do grau
de destruição microbiana e da
orientação da secção polida, os lúmens
podem apresentar várias formas e
tamanhos. Estes lúmens podem estar
vazios ou preenchidos por outros
macerais e minerais (Fig. 102).
Fig. 100. Fusinite mostrando estrutura em crivo. Stach et al, 1982
Importante notar que tecidos celulares
de origem fúngica não são
considerados fusinite, mas sim
funginite.
Fig. 101. Fusinite com estrutura bogen Stach et al, 1982. Ao microscópio, as fusinites são
brancas acinzentadas a amareladas. A reflectividade é
geralmente alta, mas também aumenta com o grau de
incarbonização. Não apresenta anisotropia óptica.
Fig. 103. Pirofusinite. Stach et al 1982 Fig. 104. Degradofusinite (fonte Fig. 105. Fusinite primária. Stach et al,
desconhecida) 1982.
71
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
3.1.1.3.2. Semifusinite
A composição química das semifusinites é intermédia entre as das huminites/ /vitrinites e das fusinites do
mesmo carvão. Quanto maior o poder reflector, menor o teor de hidrogénio e maior o teor de carbono.
3.1.1.3.3. Funginite
O termo foi proposto por Benes (1958) e apresentado oralmente por Lyons (1996) ao ICCP, que adoptou o
termo para designar restos de fungos (Latim fungus = cogumelo). Nota: antes de 1996, a funginite era
designada por esclerotinite, maceral que englobava também o novo maceral Secretinite.
A funginite é um maceral constituído por esporos de fungos uni- e multicelulares, esclerotos, hifas, micélios e outros
restos de fungos, e que apresentam alto poder reflector. As Figs. 107 e 108 dão alguns aspectos de funginites.
72
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
3.1.1.3.4. Secretinite
Se bem que geralmente esférica, subesférica ou elipsoidal, a secretinite pode aparecer na forma de crescente
ou poligonal (Fig. 109d). Pode atingir dimensões inferiores a 10 m, mas geralmente varia de 60-400 m,
podendo atingir mais de 2000 m nas formas alongadas.
Podem apresentar fissuras (Fig. 109a, e, f), orlas de oxidação (Fig. 109e) e indentação (Fig. 109b).
Internamente pode apresentar um aspecto fluído devido à fluidez das secrecções.
A secretinite distingue-se da macrinite pela sua forma arredondada e maior relevo, e da corpogelinite pela
sua maior reflectividade e dimensão, e ainda pela presença das fissuras, orlas de oxidação e vacúolos.
A origem não é muito clara. Considera-se geralmente que ela resulta da oxidação de resinas, mas também
de geles húmicos que se formaram em canais secretórios de várias plantas.
3.1.1.3.5. Macrinite
Termo introduzido por Stach & Alpern (1963) para designar ocorrências relativamente grandes de inertinite
sem estrutura celular e compactas. O termo deriva do Grego makros = grande. O termo aplica-se a inertinite
que aparece como matriz amorfa ou como corpos isolados de forma variável, geralmente alongados em corte
perpendicular à estratificação. Na sua estrutura pode gradar para semifusinite.
A sua cor pode variar entre o cinzento e o branco, e o seu poder reflector varia bastante, mas sempre maior
que o da vitrinite.
73
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
3.1.1.3.6. Micrinite
A micrinite é um maceral do grupo da inertinite que ocorre em grãos arredondados muito pequenos (Figs.
113). Devido à dificuldade de distinguir a micrinite de outros fragmentos inertiníticos, a micrinite, por razões
práticas, é separada da inertodetrinite por um limite superior de 2m. Os agregados de micrinite diferem da
macrinite pela sua granularidade.
A micrinite é cinzenta clara a branca. A reflectância é maior que a da vitrinite acompanhante mas muitas vezes
inferior à das outras inertinites acompanhantes. Para um poder reflector da vitrinite de 1.4%, o poder reflector
da micrinite iguala o da vitrinite, deixando de se poder distinguir.
Devido ao seu tamanho e à dificuldade de isolar as partículas de micrinite, não há dados sobre a sua
composição química. Contudo, sabe-se que a micrinite liberta mais voláteis que qualquer dos outros macerais
do grupo.
Fig. 113. Vários aspectos de Micrinite. a) Agregados de grânulos muito finos de micrinite; b) Grânulos isolados de micrinite com
inertodetrinite (maiores); c) Micrinite, macrinite e inertodetrinite. Três fotos in Fuel 80 (2001), 459–471
A micrinite é um termo colectivo aplicado a inertinites de grão muito fino que podem ter várias origens. Alguma
micrinite é um maceral secundário que aparece durante a incarbonização geoquímica. Ela representa tanto
produtos de incarbonização de esclerênquima ou, mais comummente, como resíduos de substâncias lipídicas
anteriores. A micrinite também pode formar-se como produto de forte fragmentação de outras inertinites.
74
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
3.1.1.3.7. Inertodetrinite
Em função dos seus percursores inertiníticos, a cor e a reflectividade variam dentro do mesmo carvão. No
grau entre 0.5% e 1.4% de poder reflector da vitrinite, pode observar-se a transição entre a inertodetrinite e a
vitrodetrinite (Fig. 114). Provindo de vários tipos de inertinites, a composição química da inertinite é também
variável.
A inertodetrinite tem vários percursores vegetais, os quais foram todos sujeitos a uma certa fusinitização:
paredes celulares e seus conteúdos, flobafenos, esporos oxidados, tecidos fúngicos, etc. Outras inertinites
resultam de partículas de fogos de florestas (dentro ou à volta da turfeira) soprados pelo vento. Resultam
ainda de acção mecânica (milonitização, por exemplo).
Este carbono pirolítico pode assumir várias formas mas geralmente ocorre em leitos de 1 a 10 m de
espessura, ou preenchendo fissuras. Também pode aparecer em carves sem efeitos de metamorfismo
térmico, sugerindo que os gases que lhe dão origem podem migrar a grandes distâncias.
75
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
3.1.2. MINERAIS
Além das substâncias puramente orgânicas, o carvão pode conter ainda maiores ou menores quantidades de
substâncias inorgânicas, que são a fracção não combustível do carvão. Esta fracção pode ser classificada
em três grupos em função da sua origem:
Em geral, a quantidade de matéria orgânica da própria planta ocorre em quantidades muito pequenas, sendo
muitas vezes difícil de a distinguir dos minerais das outras origens.
Quanto aos minerais formados durante o 1º estágio de incarbonização, há a considerar os minerais detríticos
e os de neoformação (Tabela 9). Os primeiros referem-se aos minerais transportados para a turfeira por
acção das águas e dos ventos. Os segundos referem-se a minerais precipitados a partir das substâncias
dissolvidas ou em suspensão coloidal presentes nas águas (fluviais e da toalha freática). São minerais
autigénicos.
Os minerais formados durante o 2º estágio de incarbonização são todos autigénicos. Eles podem formar-se por
precipitação a partir dos fluídos que circulam entre os espaços vazios do carvão, depositando-se em fissuras,
clivagens, e espaços celulares de tecidos vegetais, ou por transformação de minerais previamente existentes.
76
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
São de longe os minerais mais abundantes nos carvões em regra geral, representando cerca de 60-80% da
matéria mineral do carvão (Stach et al, 1982). Como se pode ver das Figs. 116, 117 e 118, os minerais de
argila ocorrem em três maneiras principais:
Fig. 116. Finas intercalações de minerais de Argila em Fig. 117. Lente de minerais de Argila – Tonstein – em
vitrinite, associadas a inertodetrinites. Carvão da colotelinite. Carvão da camada Chipanga, Moatize,
camada Chipanga, Moatize, Vasconcelos, 1995. Vasconcelos, 1995.
Fig. 118. Minerais de Argila preenchendo lúmens da fusinite. À direita observação em luz ultravioleta, pondo
em evidência a estrutura lamelar das argilas. Carvão da camada Chipanga, Moatize, Vasconcelos, 1995.
Os minerais de argila têm tendência a inchar na presença de água. Estas propriedades são mais fortes nos
minerais do grupo da montmorillonite. O inchamento é sempre acompanhado de perda de resistência,
podendo levar à desintegração completa.
Muitas vezes as bandas de tonstein estendem-se por toda a bacia, de modo que, nestes casos, elas podem
ser utilizadas como marcadores estratigráficos para correlacionar camadas de campos carboníferos
diferentes da mesma bacia.
77
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
3.1.2.2. Carbonatos
Os minerais do grupo dos carbonatos são os mais frequentes a seguir às argilas. Eles podem formar-se quer
no 1º estágio de incarbonização quer no segundo (Tab. 9). Os tipos singenéticos são geralmente constituídos
de concreções de siderite (FeCO3) (Fig. 120) e de dolomite (CaMg(CO3)2) (Fig. 121) finamente dispersa. A
presença de siderite indica normalmente ambiente anaeróbico. A dolomite indica influência marinha. Ou seja,
estes dois minerais formam-se geralmente durante o 1º estágio de incarbonização.
A calcite (CaCO3) e a ankerite (Ca(Fe,Mg,Mn)(CO 3)2), por seu lado, já se formam geralmente durante o 2º
estágio de incarbonização, depositando-se em espaços abertos (Fig. 122 e Fig. 123).
3.1.2.3. Sulfuretos
Os sulfuretos mais comuns do carvão são a pirite (FeS 2), a marcassite (FeS2) e a melnikovite (Fe3S4)-pirite.
Além destes, as camadas de carvão têm geralmente pequenas quantidades de blenda, galena e calcopirite,
em particular se ocorrem veios hidrotermais na proximidade.
78
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
aspecto finamente cristalino ou concrecionário. Um fenómeno raro é a substituição das paredes celulares por
pirite. (Fig. 124). Por seu lado, a Fig. 125 mostra pirite em pequenos grânulos e concreções numa situação
comum a carvões ricos em vitrinite e carvões sapropélicos. Em geral, os carvões depositados em bacias
parálicas são mais ricos em pirite que os carvões das bacias límnicas.
Os sulfuretos depositados em fissuras durante o 2º estágio de incarbonização (Fig. 126) contêm geralmente
marcassite e traços de galena, esfalerite e calcopirite, bem como pirite. A siderite primária pode ser
transformada em pirite por acção dos fluídos ascendentes/descendentes contendo H 2S em solução. A
impregnação de lúmens celulares por pirite (Fig. 127) tanto pode ocorrer no primeiro como no segundo estágio
de incarbonização.
Fig. 124. Paredes celulares mineralizadas num nódulo Fig. 125. Pirite em concreções. Stach et al, 1982.
de pirite. Stach et al, 1982.
Fig. 126. Pirite epigenética depositada em fracturas. Fig. 127. Sulfureto em lúmens de fusinite. Moatize.
Stach et al, 1982. Vasconcelos, 1995.
Os óxidos e hidróxidos raramente ocorrem no carvão – hematite, rútilo, limonite, goethite - pelo que não se
irá entrar em detalhes. A Fig. 128. mostra um grão de quartzo com agulhas de rútilo.
3.1.2.5. Quartzo
O quartzo, apesar de óxido, é tratado à parte por ser o mais importante e o mais abundante. Ele pode ter duas
origens principais:
a) quartzo clástico trazido pela água ou ar (Fig. 129). , ocorrendo como areia de grãos mais ou menos
arredondados, e
A sílica dissolvida é geralmente o resultado de meteorização do feldspato e mica; assim, não é de estranhar
que esta sílica ocorra geralmente em conjunto com outros minerais finamente dispersos.
79
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
Fig. 128. Grão de quartzo com agulhas de rútilo. Fig. 129. Grãos clásticos de quartzo.
Moatize. Vasconcelos, 1995. Stach et al, 1982.
3.1.2.6. Fosfatos
Vários outros minerais podem ocorrer (raramente) no carvão, e geralmente em quantidades muito diminutas.
O zircão é um mineral que geralmente ocorre em grãos muito pequenos e que geralmente é identificado pelo
halo pleocróico à sua volta provocado pelas radiações emitidas pelos elementos radioactivos que
normalmente contém (Fig. 132). A turmalina, granada e micas são raras. Também podem ocorrer sais –
cloretos, sulfatos e nitratos. A Fig. 133 mostra um cristal dum mineral que aparente ser um sal devido à sua
forma cúbica e à sua transparência.
80
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
Os sulfuretos têm sido os minerais do carvão mais estudados uma vez que contribuem significativamente
para o teor de enxofre total que tantos problemas provocam quer nos processos industriais quer no ambiente
(Fonseca, 2001)
Os carbonatos fazem baixar a temperatura de fusão das cinzas devido ao facto de, às temperaturas de
combustão, os carbonatos transformam-se em óxidos que, juntamente com os minerais de sílica, formam
silicatos com ponto de fusão significativamente mais baixo.
Os sulfatos são solúveis em água e contribuem para as águas ácidas de drenagem das minas. Por seu lado,
os minerais de fósforo são nocivos no processo de carbonização. Os cloretos provocam corrosão e fouling107
durante a combustão. Os nitratos dão origem a águas extremamente corrosivas.
Outros exemplos se poderiam dar, mas com os acima mencionados já se percebe a importância do
conhecimento profundo da matéria mineral dos carvões para se poder antever os problemas que podem
resultar dos processos de extracção e aplicação do carvão.
3.1.3. MICROLITÓTIPOS
Os macerais do carvão, em especial os do grupo das liptinites, a micrinite e a macrinite, raramente ocorrem
sozinhos. Geralmente eles aparecem associados com outros macerais do mesmo grupo e/ou doutros grupos.
Tais associações são chamadas de microlitótipos.
Os microlitótipos são divididos em três grupos, a saber: microlitótipos monomacerais (ou monomacerites),
bimacerais (ou bimacerites) e trimacerais (ou trimacerites), dependendo se o microlitótipo contém macerais
de um, dois ou três grupos macerais. Todos os microlitótipos levam o sufixo -ite para os distinguir dos
macerais que levam o sufixo -inite.
Para se poder fazer uma demarcação clara entre os diferentes microlitótipos, o ICCP concordou com duas
convenções:
b) regra dos 5%
A primeira convenção diz que numa análise um microlitótipo só pode ser registado como tal se, numa
superfície polida perpendicular à acamação, ele tiver uma espessura mínima de 50 m ou cobrir uma
superfície de 50x50 m2. A regra dos 5% provém do facto de que nem as monomacerites nem as bimacerites
são compostos única e exclusivamente de macerais de um ou dois grupos, respectivamente. De acordo com
esta convenção, uma monomacerite ou uma bimacerite pode conter até 5% de macerais acessórios, ou seja,
107
Formação de depósitos sólidos nas superfícies internas dos fornos
81
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
macerais que por definição não pertencem a esse microlitótipo. A Tabela 10 mostra a classificação dos
microlitótipos dos carvões betuminosos e a sua composição por grupos macerais e macerais individuais.
Composição
Grupo maceral Grupo de
Maceral Microlitótipo
(sem minerais) Microlitótipo
(sem minerais)
Colinite* >95% Colite**
Telinite >95% Telite** V > 95% VITRITE
Vidrodetrinite >95% Vitrodetrite?
Esporinite >95% Esporite
MONOMACERITES
Cutinite >95% Cutite**
Resinite >95% Resite** L > 95% LIPTITE
Alginite >95% Algite
Liptodetrinite >95% Liptodetrite?
Semifusinite >95% Semifusite
Fusinite >95% Fusite
Funginite >95%
Esclerotinite* Esclerotite** I > 95% INERTITE
Secretinite >95%
Inertodetrinite >95% Inertodetrite
Macrinite >95% Macroíte**
Vitrinite+Esporinite >95% Esporoclarite
Vitrinite+Cutinite >95% Cuticoclarite CLARITE
V + L > 95%
Vitrinite+Resinite >95% Resitoclarite** V, L
Vitrinite+Liptodetrinite >95%
BIMACERITES
Vitrinite+Macrinite >95%
Vitrinite+Semifusinite >95%
VITRINERTITE
Vitrinite+Fusinite >95% V + I > 95%
V, I
Vitrinite+Esclerotinite* >95%
Vitrinite+Inertodetrinite >95%
Inertinite+Esporinite >95% Esporodurite
Inertinite+Cutinite >95% Cuticodurite** DURITE
I + L > 95%
Inertinite+Resinite >95% Resinodurite** I, L
Inertinite+Liptodetrinite >95%
Duroclarite V > I,E
Vitrinite+Inertinite+Liptinite >5% Vitrinertoliptite L > V,I TRIMACERITES
Clarodurite I > V,L
* Antiga classificação de macerais
** Termos em desuso mesmo antes da nova classificação de macerais
NB. Em relação a esta tabela, há a referir que ela se refere à antiga classificação de vitrinites e inertinites, não tendo ainda sido adaptada
à nova nomenclatura. Este processo está em andamento a nível dum grupo de trabalho do ICCP.
A monomacerite vitrite, por exemplo, deve conter não menos de 95% de macerais do grupo da vitrinite e não
mais de 5% dos outros macerais (liptinite e/ou inertinite).
Os microlitótipos do grupo das bimacerites podem ser subdivididos em dois subgrupos, em função do maceral
dominante. Assim, por exemplo, a clarite (V+L > 95%) pode ser subdividido em Clarite V e Clarite L consoante
a vitrinite é mais abundante que a liptinite ou vice-versa.
No caso das trimacerites, definem-se três microlitótipos em função do grupo maceral dominante. Assim, uma
duroclarite contém macerais dos três grupos, mas a vitrinite domina sobre a liptinite e inertinite. Há que referir
que a vitrinertoliptite é um microlitótipo extremamente raro nos carvões, aparecendo geralmente nos carvões
sapropélicos. O diagrama ternário da Fig. 134 mostra os limites da composição maceral dois vários
microlitótipos.
82
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
3.1.3.2. Monomacerites
3.1.3.2.1. Vitrite
A vitrite geralmente ocorre na forma de camadas com alguns milímetros de espessura e limitada extensão
lateral, sendo geralmente lentes alongadas que afilam para as extremidades.
Geralmente as vitrites são constituídas por vitrinites gelificadas (Fig. 135) ou detríticas (vitrodetrinite).
Raramente as telinites aparecem em dimensões suficientes para constituírem um microlitótipo, e quando
aparecem, os seus espaços celulares estão geralmente ocupados por outros macerais (aí passa a chamar-
se bimacerite) ou minerais (carbominerites – Fig. 136; ver adiante, ponto 3.1.4.).
A vitrite é o microlitótipo mais homogéneo dos carvões. Contudo certas heterogeneidades podem ser postas
a nu usando técnicas próprias. Em comparação com as outras monomacerites, as vitrites ocorrem muitas
vezes em lentes de espessura suficiente para serem observadas à vista desarmada, podendo facilmente ser
separadas com uma pinça, colhendo-se material suficiente para se fazerem variadas análises para
determinação do grau de incarbonização.
Também é o único microlitótipo cujas propriedades variam progressivamente com a incarbonização, já que é
constituído por >95% de vitrinite. Por outro lado a vitrite está muitas vezes livre de minerais, que afectam a
determinação do grau de incarbonização.
83
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
As bandas de vitrite provêm geralmente de ramos, troncos ou raízes lenhificadas, sendo por isso abundantes
em carvões resultantes de pântanos de floresta. No estágio de soft brown coal ocorrem ainda muitas vezes
pedaços visíveis a olho nu de material lenhoso - xilite.
As condições necessárias para a preservação dos ramos e troncos como vitrite é a protecção da atmosfera,
o que é garantido por uma toalha freática alta. Quando as árvores morrem, ou caiem por acção do vento e
não são rapidamente englobadas na turfa, ocorre o apodrecimento total ou, quando muito, a produção de
detritos húmicos (inertinite). Este processo é tanto mais rápido quanto menos resistente for a madeira.
3.1.3.2.2. Liptite
3.1.3.2.3. Inertite
84
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
e secretinite, usava-se o termo esclerotite para designar um microlitótipo constituído por >95% esclerotinite.
Este termo desaparece agora. De qualquer modo, seja a esclerotite constituída por funginite ou por secretinite,
ela é muito menos frequente que a fusite e a semifusite.
A inertodetrite, que contém >95% de inertodetrinite, é um microlitótipo comum nos carvões gondwânicos. O
microli-tótipo mais raro do grupo das inertites é a macroíte. Leitos com >50 m de micrinite são virtualmente
desconhecidos.
3.1.3.3. Bimacerites
As bimacerites são microlitótipos em que >95% dos macerais pertencem a dois grupos de macerais, sendo
as combinações possíveis: V+L, V+I e I+L. A primeira associação é chamada de Clarite, a segunda de
Vitrinertite e a terceira de Durite.
3.1.3.3.1. Clarite
As clarites estão muitas vezes associadas às vitrites, em especial nos carvões de pântanos de floresta, e
provêm de “lixo” de floresta formado de madeiras e cortiças mais ou menos decompostas em detritos húmicos,
misturados com esporos e pólens (e algumas cutículas). A camada Katharina do Carbonífero so Ruhr
(Alemanha) contém clarites pobres em liptinites, apresentando alguma micrinite e pirite, indicando um
ambiente de deposição sapropélico de ambiente alcalino e com influência de inundações do pântano por
águas do mar.
85
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
3.1.3.3.2. Durite
Os prercursores da durite nos estágios de turfa e brown coal são desconhecidos, pois que as inertinites típicas
das durites só atingem a sua reflectividade durante a incarbonização geoquímica, por um lado, e porque
muitas vezes são inertodetrinites, a que já não se pode atribuir uma origem. Muitos autores consideram que
as durites se formam em processos iniciais de oxidação.
3.1.3.3.3. Vitrinertite
86
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
só a vitrinite e a inertinite são distinguíveis. Por isso, Alpern (1954) propôs o termo vitrinertite para designar
um microlitótipo bimaceral constituído só por vitrinite e inertinite.
Pode distinguir-se a vitrinertite V, em que a vitrinite domina sobre a inertinite, e a vitrinertite I, em que a
inertinite é que domina sobre a vitrinite.
Fig. 144. Vitrinertite constituída por inertinites (fusinite, Fig. 145. Vitrinertite constituída por inertinites (macrinite,
semifusinite e inertodetrinite) e vitrinite (colotelinite). Camada semifusinite e inertodetrinite) e vitrinite (colotelinite). Camada
Chipanga, Moatize, Moçambique. Vasconcelos & Santos, 1988. Chipanga, Moatize, Moçambique. Vasconcelos & Santos,
1988.
Inicialmente assumiu-se que a vitrinertite só ocorria em carvões de alto grau, em que a liptinite já não se
distingue da vitrinite. Em carvões de grau mais baixo, esta bimacerite é mais rara, excepto em carvões
gondwânicos (Figs. 144 e 145), especialmente a vitrinertite I. Como referiremos mais adiante nos carvões
gondwânicos (onde se encaixam os carvões de Moçambique), a abundância deste microlitótipo é atribuída a
frequentes períodos de dessecação dos pântanos gondwânicos. Por outro lado, a ausência de liptinites deve-
se a uma vegetção que produzia poucos esporos.
3.1.3.4. Trimacerites
Como se pode entender, as trimacerites podem ter variadas origens. Assim, as trimacerites ricas em vitrinite,
especialmente as pobres em esporos, formaram-se possivelmente em pântanos de floresta, mas as
trimacerites ricas em liptinite formaram-se em ambiente sub-aquático, do mesmo modo que as durites L e as
clarites L. Por seu lado, as trimacerites ricas em inertinites formaram-se em ambientes relativamente secos
ou por alternância de toalhas freáticas altas e baixas.
87
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
Além da percentagem de macerais, também o tipo de macerais, o seu grau de preservação de tecidos e a
percentagem de matéria mineral intercrescida podem dar indicações sobre a génese dos microlitótipos.
Como se referiu acima, todos os microlitótipos contêm uma certa percentagem de minerais misturados quer
de origem singenética quer de origem epigenética.
Por razões técnicas, a classificação das associações carvão-mineral baseia na separação de densidades em
líquidos pesados de densidades 1.5 g/cm 3 e 2.0 g/cm3. Desta separação resultam três fracções:
Como a matéria orgânica é mais leve que a matéria mineral, ela tende a concentrar-se na primeira fracção.
Na terceira fracção concentra-se a matéria mineral. Na segunda fracção concentram-se as partículas mistas,
em que a matéria orgânica e a matéria mineral e são intercrescidas sendo difícil de se separar. Este material
leva o nome de middlings, não tendo uma tradução directa para Português.
As carbominerites são as associações minerais cuja densidade se encontra no intervalo das densidades dos
middlings. A Tabela 11 mostra os diferentes tipos de carbominerites.
As carbominerites diferem dos microlitótipos na medida em que o seu conteúdo de matéria mineral é maior.
A parte orgânica duma carbominerite pode ser constituída por qualquer microlitótipo. Assim, podem haver
carboargilites em que a parte orgânica seja constituída só por vitrite, ou só por inertite, ou só por clarite, e
assim sucessivamente. Assim, para as distinguir, podem usar-se os adjectivos vítrica, inértica, clarítica, etc.
88
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
As carbominerites podem ser subdivididas em 5 sub-grupos (Tab. 11) dependendo do tipo de intercrescimento
mineral com o carvão. Uma vez que as densidades do quartzo, argilas e maioria dos carbonatos são
semelhantes, um conteúdo médio de 20% (volume ou peso) destes minerais leva a uma densidade média de
1.5 g/cm3, enquanto que um conteúdo medio de 60% leva a uma densidade média de 2.0 g/cm 3.
Se o carvão estiver intercrescido com sulfuretos, um conteúdo mineral de 5-20% é suficiente para subir a
densidade para 1.5-2.0 g/cm3, devido à muito maior densidade dos sulfuretos
Dentre as carbominerites, as carbargilites (Fig. 149) são de longe as mais frequentes. A seguir às carbargilites,
as carbopirites (Fig. 150) são as mais frequentes. As carbankerites (Fig. 151) são também comuns, ao passo
que as carbossilicites (Fig. 152) são raras, o mesmo acontecendo às carbopoliminerites (Fig. 153).
89
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
3.1.5. LITÓTIPOS
Entende-se por Litótipo as diferentes bandas de carvão reconhecidas macroscopicamente. Como se pode
ver da Fig. 155 duma amostra de carvão em sondagem, polida, são reconhecidas várias bandas de textura e
brilho diferentes, cada uma constituindo um litótipo.
Os diferentes aspectos (brilho e textura) que os vários litótipos apresentam são consequência da sua
composição maceral e mineral.
Os carvões húmicos são muitas vezes chamados de carvões bandados exactamente por causa do seu
aspecto macroscópico em bandas, cada uma consttituída pelo seu litótipo. Assim, a Tabela 12 mostra os
diferentes tipos de litótipos. Passamos a descrever cada um deles, começando primeiro pelos litótipos dos
carvões húmicos.
Tabela 12. Diferentes tipos de litótipos dos carvões betuminosos.
Tipo de Carvão Litótipo Aspectos reconhecíveis macroscopicamente
Brilhante, negro, geralmente quebradiço, frequentemente com
VITRINO
fissuras
Húmico CLARINO Semi-brilhante, negro, muito finamente estratificado
DURINO Baço, negro ou cinzento escuro, duro, superfície rugosa
FUSINO Brilho sedoso, negro, fibroso, mole, muito friável
Baço ou brilho levemente ceroso, negro, homogénio, não
CANNEL COAL
estratificado, muito duro, fractura conchoidal, trisca negra
Sapropélico
O mesmo que o cannel coal, mas mais acastanhado, risca
BOGHEAD COAL
castanha
3.1.5.1.1. Vitrino
Também chamado de carvão brilhante. É um constituinte negro de brilho vítreo. Frequentemente muito
quebradiço e cortado por finas fissuras, partindo-se consequentemente em pedaços cúbicos. O vitrino, nos
processos de extracção mineira, tende a concentrar-se na fracção mais fina.
Numa descrição macroscópica de carvão, só as bandas com espessuras mínimas de 3 a 10 mm 108 são
registadas como vitrino. Abaixo dessa espessura, são registadas como clarino (ver adiante).
Nos carvões húmicos, os vitrinos são muito frequentes e são constituídos pelos microlitótipos vitrite e clarite
V.
3.1.5.1.2. Clarino
O termo clarino designa bandas de carvão finamente estratificado com uma espessura mínima de vários
milímetros (3 a 10 mm 58), tendo um brilho intermédio entre o vitrino e o durino (ver adiante). Também é
chamado de carvão semi-brilhante. O clarino é o constituinte macroscópico mais comum dos carvões
húmicos, excepto nos gondwânicos onde os conteúdos de liptinite são em geral muito baixos. O clarino
108
A espessura minima varia consoante as normas vigentes nos diferentes países.
90
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
consiste de finas bandas alternantes de vitrino, durino e às vezes durino. Microscopicamente, ele é constituído
de vitrite, clarite, durite, trimacerite e fusite.
Fig. 155. Esquerda: Foto duma amostra polida de carvão, podendo observar-se várias bandas paralelas
de brilho e texturas diferentes. Carvão francês. Direita: Desenho esquemático dos respectivos litótipos.
Vasconcelos & Lemos de Sousa, 1995.
3.1.5.1.3. Durino
Também chamado de carvão baço (podendo ser ceroso), pode ser negro ou cinzento. Os durinos são muito
duros e por isso partem-se em pedaços grandes, com superfícies de fracturas irregulares. As espessuras
mínimas para serem registadas como durinos são também de 3 a 10 mm (ver nota de rodapé 58 na página 85).
Bandas de durino podem ser confundidas com bandas de xisto/argilito carbonoso, que também é baço e duro.
3.1.5.1.4. Fusino
Assemelha-se a carvão de lenha. É negro, com brilho sedoso, por vezes fibroso e geralmente mole e friável,
de modo que suja as mãos. Menos frequentemente ocorre um fusino duro, cionstituído de fusite dura
impregnada de minerais.
O fusino (mole) é constituído de fusite (mole) com os lúmens celulares vazios. Geralmente ocorre em forma
de lentes de alguns milímetros de espessura e alguns centímetros de comprimento. Estas lentes estão
geralmente concentradas em determinados horizontes da camada, correspondendo a períodos de fogos de
floresta/pântano.
Macroscopicamente, os carvões sapropélicos distinguem-se dos húmicos por ausência de bandamento. Outro
aspecto característico é o seu aspecto homogénio e a sua grande resistência. Ele é tão resistente que em
tempos pré-históricos foram usados como objectos de adorno.
91
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
Macroscopicamente, os dois litótipos – boghead e cannel – são muito semelhantes, sendo muitíssimo difícil
de os distinguir, a não ser pela côr mais escura do cannel e mais acastanhada do boghead.
Os litótipos dos carvões húmicos e sapropélicos podem estar contaminados com matéria mineral clástica
(argilas, mica e quartzo). Assim, encontram-se todas as transições entre carvão e argilito, por exemplo,
originando rochas argilito carbonoso, que é uma rocha negra, baça, dura e compacta, reconhecendo-se
muitas vezes uma estratificação fina. Em geral as intercalações de argilito carbonoso são mais contínuas que
as de litótipos. No caso dos carvões boghead e cannel, também pode haver transições para argilito,
representando o fácies sapropélico dos argilitos carbonosos.
As transições entre carvão e rocha também acontecem com outros tipos de rochas inorgânicas, como por
exemplo, arenitos, dando origem a arenitos carbonosos. Várias outras transições são possíveis, como os
siltitos carbonoso, por exemplo.
92
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
interior do triângulo apresenta os três grupos de macerais na sua composição. Assim, na Fig. 158, o ponto 1
representa um carvão com 100% de vitrinite e 0% dos outros macerais. Já os pontos 5 e 9 representam um
carvão com 100% de inertinite e 100% de liptinite respectivamente. Se
olharmos agora para o ponto 13, por exemplo, vemos que ele está
colocado mais perto do vértice da vitrinite, sendo assim este o maceral
dominante. Comparando a distância deste ponto às linhas VI e VL,
verifica-se que ele está mais próximo da linha VI, pelo que a inertinite
ocorre em maior quantidade que a liptinite.
O diagrama da Fig. 160 mostra as linhas que ajudam a projectar a composição maceral no diagrama.
Assim, a composição maceral do carvão representado pelo ponto 13 é: V=65%, L=13%, I=22%. O somatório
tem de dar 100%. O mesmo exercício pode ser feito para os restantes pontos.
Fig. 161. Diagramas VLI de A) 1847 amostras de carvão do Gondwana e B) 2799 amostras de pode ver-se que os pontos
carvão Norte-Atlânticos. Vasconcelos, 1999.
se distribuem entre os
vértices da vitrinite e inertinite, com maior propensão para a vitrinite. Quanto à zona da liptinite, o número de
pontos é muito menor. Se calcularmos o valor médio da composição maceral destes 1847 carvões obtém-se
o valor VLI = 58-9-33. Já a Fig. 161-B apresenta o mesmo diagrama para os carvões paleozóicos Norte-
Atlânticos (América do Norte, Europa e resto da Ásia), em que o valor médio da composição maceral destes
2799 carvões é de VLI = 73-11-17. Ou seja, muito mais ricos em Vitrinite e mais pobres em Inertinite. Algumas
93
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
diferenças são notórias, como a maior concentração de pontos na área próxima do vértice da vitrinite,
denotando maior quantidade de carvões vítricos, e maior quantidade, também, de pontos junto à liptinite.
Também se nota a menor quantidade de carvões ricos em inertinite. Estes diagramas põem a nu as diferenças
de ambientes climáticos e de sedimentação dos dois grupos de carvões.
Os diagramas triangulares
também podem ser
desenhados em função de
linhas de isoconcentração -
isolinhas, que são as zonas
do diagrama com igual
concentração de pontos
referentes à composição
Fig. 162. Diagramas de isoconcentração referentes aos diagramas da Fig. 161. A) maceral. Por exemplo, a Fig.
Gondwana e B) Norte-Atlânticos. Vasconcelos, 1999.
162 indica os diagramas de
isolinhas referentes aos diagramas VLI da Fig. 161. As diferenças entre os carvões paleozóicos gondwânicos
e norte-atlânticos que a Fig. 161 mostra, estão mais evidentes nos diagramas da Fig. 162. Apesar de os
carvões gondwânicos terem dois picos na zona vitrinítica (de 13% e 12%), nos norte-atlânticos esse pico já
corresponde a 22% dos carvões. Por outro lado, as isolinhas nos carvões gondwânicos estendem-se ao longo
da linha VI do diagrama, o que não acontece nos carvões norte-atlânticos.
Os diagramas de fácies são diagramas que permitem identificar os ambientes de sedimentação dos várrios
carvões através da sua composição maceral. Para isso usam-se os índices petrográficos, que são
parâmetros que relacionam as percentagens de macerais entre si e podem dar indicações preciosas sobre
os materiais de origem e suas condições ambientais de sedimentação. Vários são os índices petrográficos
que têm sido utilizados e aplicados a carvões de vários tipos, idades e proveniências. Citemos, a este respeito,
os trabalhos de Diessel (1982), Navale & Misra (1984), Harvey & Dillon (1985), Diessel (1986), Kalkreuth &
Leckie (1989), Kalkreuth et al (1991), Marchioni & Kalkreuth (1991) e Correia (1993). Vejamos agora alguns
desses índice petrográficos109.
O índice de gelificação (IG), como o próprio nome indica, é a razão entre macerais que sofreram gelificação
(vitrinite e macrinite) e os que sofreram oxidação (semifusinite, fusinite e inertodetrinite) (Diessel 1986). O
índice de preservação de tecidos (IPT), por seu lado, relaciona macerais que apresentam estrutura celular
109
De referir que nas referências bibliográficas a nomenclatura usada para as vitrinites e inertinites é a antiga. No texto que se segue
usam-se a nomenclaturas novas.
94
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
(telinite, colotelinite110, semifusinite e fusinite) com macerais sem estrutura celular (colodetrinite, macrinite e
inertodetrinite) (Diessel 1986):
VT MA TE CT SF FU
IG IPT
SF FU ID CD MA ID
Vários autores adaptaram estes índices, alterando as fórmulas. Assim, por exemplo, a lista abaixo mostra
algumas dessas alterações:
Autor IG IPT
VTtot MA VTA SF FU SC
Vasconcelos, 1995 IG IPT
SF FU SC ID VTB MA ID
em que SC=esclerotinite111, VTA e VTB=vitrinite A e vitrinite B.
A Fig. 163 representa o diagrama que relaciona o IPT com o IG (Kalkreuth et al 1991)
110
A colotelinite só mostra estrutura celular após ataque químico. É, portanto, uma cripto-estrutura
111
Esclerotinite da antiga classificação.
95
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
A relação entre a vitrinite total e a inertinite total foi utilizada por Navale & Misra (1984) para correlações
estratigráficas regionais dos carvões pérmicos da Índia e, posteriormente, Harvey & Dillon (1985) utilizaram o
mesmo índice para definir ambientes de sedimentação em carvões pensilvanianos dos EUA. Também
Kalkreuth & Leckie (1989) utilizaram o mesmo índice em carvões cretácicos canadianos. Este índice fornece
indicações sobre o grau de oxidação sofrido pela matéria vegetal à altura da sua deposição (Correia 1993).
Na sua interpretação há que ter em atenção que quanto maior for o valor de V/I, menor é o grau de oxidação
sofrido pela matéria vegetal (Harvey & Dillon, 1985).
Estes diagramas, definidos por Diessel (1982), entram em conta com dois índices que, mais tarde, originaram
o IG e o IPT. Esses índices são o wood ratio - TF/D - (razão entre macerais derivados da madeira e macerais
dispersos) e um índice de gelificação - T/F (diferente do apresentado em Diessel 1986). Na definição destes
índices é aplicado o conceito de maceral diagnóstico, isto é, maceral que fornece indicações quanto à sua
origem e às condições ambientais de sedimentação.
TE CT FU SF TE CT
TD / F T/F
AL SP ID FU SF
W FU SF TE CT D ID AL SP R CD VD MA MI SC CU RE ...
T TE CT (anaeróbico) D ID AL SP F FU SF (aeróbico)
Ainda segundo Diessel (1982), a relação entre fusinite (FU)+semifusinite (SF) e a inertodetrinite (ID) poderá
dar indicações sobre a aloctonia/autoctonia da fusinite e da semifusinite. Se o valor da razão (FU+SF)/ID for
alto, significa que a pouca inertodetrinite presente resulta de alguma degradação mecânica da fusinite e da
semifusinite in situ. Se o valor for baixo, então deverá ter havido um certo grau de transporte que levou a uma
96
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
maior fracturação daqueles dois macerais. Segundo Diessel (1982), o intervalo 4-8 para a razão (FU+SF)/ID
indica fusinites e semifusinites autóctones.
Outro tipo de representação macroscópica foi desenvolvido por Tasch (1960). A formação dos vários litótipos
são principalmente um resultado das taxas de subsidência num pântano. O fusino é formado em baixas taxas
de subsidência e em condições de água pouco profunda com frequente acesso do ar. O vitrino e o clarino
indicam inundação, mas em águas comparativamente pouco profundas, ao passo que o durino se formou em
águas mais profundas. A formação dos estéreis e rochas carbonosas indicam as condições mais “molhadas”.
97
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
Se os litótipos forem dispostos na ordem da profundidade da água necessária para a sua formação,
começando na condição mais “seca” para a mais “molhada”, a sequência será:
seco Fusino
Vitrino
Clarino
Durino
Xisto carbonoso
molhado Xisto
Adoptando esta ordem de representação dos litótipos, a curva da camada terá o aspecto representado na
Fig. 167, que mostra o perfil duma camada em 5 locais diferentes duma bacia, sendo perfeitamente possível
correlacionar-se as várias zonas.
Fig. 167. Identificação de camadas pelo médtodo de Tasch (1960). Adaptado de Stach et al, 1982.
3.4.1. Introdução
A utilização em larga escala de carvão começou na Europa, com a Revolução Industrial, e mais tarde na costa
leste dos EUA. Acontece que estas duas áreas contêm largos depósitos de carvão de idade Carbonífera e
durante muitos anos se pensou que todos os carvões fossem dessa idade geológica. Se bem que as suas
propriedades variassem de bacia para bacia, imediatamente se verificou que eles tinham algumas
propriedades comuns, pertencendo a uma mesma família.
À medida que os recursos mundiais foram sendo conhecidos, verificou-se que muitos carvões não pertenciam
a esta família. Estes carvões, variando em idade do Pérmico ao Terciário, são muito diferentes dos típicos
carvões bandados do Hemisfério Norte. Incluem-se aqui os carvões do fim do Mesozóico e Terciário – lignites
98
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
As condições climáticas durante a formação dos principais depósitos do Gondwana eram muito diferentes
das condições existentes durante o Carbonífero no Hemisfério Norte. O clima era principalmente temperado
frio com estações secas e chuvosas alternantes. Nos estágios finais da deposição gondwânica (fim do
Pérmico) o clima começou a aquecer, chegando a temperado quente. A flora caracterizada por ser arbustiva
de folha larga – florestas de Glossopteris (Fig. 14) – era semelhante à que se encontra hoje nas regiões sub-
árticas. De facto, as regiões do Gondwana era regiões árticas e sub-árticas, já que o Pólo Sul, na altura, se
encontrava sobre o que é hoje a região do Karoo da África do Sul. Os fósseis vegetais mostram aneis de
crescimento sazonal, indicativo de variações acentuadas entre as estações do ano.
Em contraste, as florestas do Hemisfério Norte eram arbóreas – Florestas de Lepidophyta (Fig. 13) –
sugestivas de desenvolvimento em condições tropicais a sub-tropicais húmidas. A flora carbonífera mostra
uma quase ausência de aneis de crescimento, sugerindo um clima sem diferenças grandes entre as estações
do ano. De facto, durante o Carbonífero, o Equador estava no Hemisfério Norte.
Os materiais vegetais originais que se acumularam para formar os depósitos de carvão do Gondwana era
muito diferentes dos do Carbonífero. Enquanto que o grupo Glossopteridae dominava no Gondwana, no
Carbonífero a flora era dominada por Lepidophyta (Lepidodendron e Sigillaria), Calamariaceae (Fig 13) e
Pteridospérmicas.
Em adição às árvores de Lepidodendron e Sigillaria, que cresciam até alturas de 30 metros, haviam
igualmente grandes quantidades de vegetação sub-aquática tipo junco/canavial (Calamariaceae) que
atingiam 6 metros de altura e que crescia em todos os pântanos da altura. Em contraste, a flora de
Glossopterideae era constituída por plantas arbustivas do tipo Glossopteris e Gangamopteris (Fig. 14).
Ao contrário dos carvões carboníferos, que se depositaram em áreas de geossinclinal (não consolidadas), os
carvões gondwânicos formaram-se em geral em zonas estáveis de bacias de plataforma continental. Estas
eram de pouca profundidade e afundavam pouco de cada vez, em contraste com as zonas de geossinclinal,
que tinham uma taxa de subsidência muito mais alta. A subsidência lenta e prolongada das bacias de
plataforma continental do Gondwana foi muito mais favorável à acumulação de material vegetal. Em
consequência, as camadas de carvão do Gondwana são muito mais espessas que as do Carbonífero.
A formação dos carvões gondwânicos foi precedida por um período glaciar, e começou com a deposição dum
conglomerado de base – tilítico -, geralmente reconhecido em quase todas as áreas do antigo Gondwana. O
99
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
grosso dos estratos depositados em seguida são constituídos por espessas camadas de sedimentos fluviais,
lacustres ou deltáicos, com intercalações de carvão. Os reajustamentos pós-glaciares devem também ter
afectado o padrão de subsidência das bacias carboníferas, afectando a continuidade lateral das camadas. A
maioria das camadas que se sobrepõem às camadas de carvão são depositadas em água doce. Por vezes
há sedimentos de origem marinha e, quando isto acontece, ocorrem enriquecimentos em pirite.
No que toca a carvões mesozóicos (Triássico e Jurássico), só a Austrália apresenta carvões pós-Pérmicos
de interesse económico.
A maioria das camadas de carvão carboníferas apresentam limites nítidos, com transições abruptas para o
muto e teto da camada. Em comparação, a maioria das camadas gondwânicas são menos bem definidas,
mostrando transições graduais para teto e muro. Por outro lado, a maioria dos carvões carboníferos têm a
muro camadas de seat-earths, ao passo que nos gondwânicos isto pouco ocorre. Estas observações levaram
à ideia que a maioria dos carvões carboníferos se formaram in situ, ou seja, são autóctones, enquanto que
os gondwânicos se formaram após o material vegetal ter sofrido maior ou menor transporte, ou seja, são
alóctones. Mais tarde verificou-se não ser sempre assim.
Uma das diferenças mais óbvias entre as duas famílias de carvão é que os carvões gondwânicos tendem a
ser mais baços que os norte-atlânticos. Algumas camadas gondwânicas contêm muito mais inertinite que os
típicos carboníferos, e por vezes algumas secções podem conter um metro ou mais de inertinite.
Quanto a inertinite não é tão abundante, há ainda o efeito resultante duma textura petrográfica geralmente
fina, com muito mais dispersão de inertinite e liptinite em relação à vitrinite do que nos carboníferos.
Frequentemente, as rochas sedimentares sobrejacentes às camadas de carvão gondwânicas são arenitos
muito permeáveis, o que favorece a penetração e circulação das águas subterrâneas, as quais depositam
matéria mineral adicional, tornando-o menos brilhante em aparência.
Porque o conteúdo de vitrinite é geralmente menor, os sistemas de diaclasamento e fissuração são menos
desenvolvidos nos carvões gondwânicos.
Outra característica das camadas de carvão gondwânicas é a tendência para o splitting em várias camadas,
em distâncias de 1 a 2 quilómetros, cada uma delas separada das outras por metros ou dezenas de metros
de xistos ou arenitos.
3.4.4. Micropetrografia
Os estudos micropetrográficos indicam que em geral, os carvões carboníferos são mais ricos em vitrinite e
liptinite do que os gondwânicos. Consequentemente há mais inertinite nos carvões gondwânicos do que nos
carboníferos. O mesmo em relação à matéria mineral.
100
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
Como resultado desta variação da composição maceral, as proporções de microlitótipos também variam.
Assim, os carvões carboníferos são em geral mais ricos em vitrite e clarite que os gondwânicos, enquanto
que estes são mais ricos em durite, inertite e trimacerites.
O carvão necessita de possuir determinadas propriedades para um determinado uso. Se o carvão tiver essas
propriedades ele pode ser minado e vendido como tal. Se ele não tiver essas propriedades, a sua qualidade
pode ser melhorada por processos de benefeciação (lavabilidades, por exemplo) ou misturado com outros
carvões seleccionados para que a mistura tenha essas propriedades requeridas. A este processo de mistura
de dois ou mais carvões para obtenção dum produto final com determinadas características dá-se o nome de
blending (mistura, em português).
A qualidade do carvão depende da sua composição maceral e do seu conteúdo mineral (e do modo como
matéria orgânica e inorgânica estão intercrescidas) e do grau de incarbonização. Para que isto possa ser
compreensível em termos analíticos foram defenidas regras e procedimentos analíticos. O geólogo não
necessita de conhecer estes processos analíticos em detalhe, mas ele tem de saber interpretar os resultados.
Em termos práticos um carvão pode ser considarado como sendo constituído de humidade, carvão puro e
matéria mineral. A humidade é constituída por humidade superficial e humidade molecular (por exemplo,
gesso: CaSO4. 5H2O). A matéria mineral é a quantidade de matéria inorgânica presente que produz as cinzas
quando o carvão é queimado112. Daqui se depreende que a composição da matéria mineral original e a
composição das cinzas não pode ser a mesma, pois parte da mat’eria mineral se decompõe na combustão,
libertando gases para o ambiente.
A caracterização química dos carvões é feita mediante dois tipos de análises químicas: análises imediatas113
e análises elementares114.
As análises imediatas, como o nome indica, são análises de execução mais ou menos rápida e que fornecem
as quantidades de humidade, matérias voláteis, carbono fixo e cinzas. O carbono fixo é o carbono que não
112 Há uma certa quantidade de cinzas, muito ínfima, que resulta de material inorgânica presente na própria material orgânica.
113 Em inglês: proximate analysis;
114 Em inglês: ultimate analysis
101
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
pertence ao minerais (por exemplo, CaCO3) nem aos voláteis (por exemplo, CO, CO2). As análises imediatas
são as mais fundamentais das análises de carvão e são de grande importância para a aplicação do carvão.
Os resultados das análises são dependentes dos tempos e temperaturas utilizadas nas análises. Por isso é
importante conhecer os procedimentros utilizados. Para isto, há normas nacionais e internacionais que
permitem a todos interpretar os resultados da mesma maneira.
As análises elementares, como o nome indica, são análises para a determinação da composição elementar
do carvão em termos de carbono, hidrogénio, oxigénio, azoto e enxofre. Por outro lado, a determinação
doutros elementos que afectam o uso do carvão tambem é feita, como cloro, fósforo, formas de enxofre115, e
elemntos que constituem a matéria mineral e elementos-traço.
Antes de se proceder à anál;ise do carvão, é necessário entender como a humidade, as cinzas, os voláteis e
o carbono fixo de inter-relacionam, e em que bases os resultados são apresentados.
É importante, na avaliação de resultados analítico anteriores, conhecer as bases em que eles são
apresentados. Infelizmente um problema comum é que muitas vezes os resultados são apresentados sem se
informar a respectiva base de cálculo.
a) “como recebido” (cr) (em inglês as received – ar): ou como amostrado; os resultados são
apresentados como percentagens incluindo a humidade total;
b) “seco ao ar” (sa) (em inglês air dried – ad): neste caso, a humidade superficial foi eliminada, ficando
só a humidade inerente (a que pertence às estruturas moleculares);
c) “seco” (s) (em inglês dry basis – db): toda a humidade foi removida.
d) “sem cinzas” (sc) (em inglês ash free – af): o carvão é considerado como se fosse constituído de
humidade, carbono e voláteis;
e) “seco, sem cinzas” (ssc) (em inglês dry, ash free – daf): o carvão é considerado como se fosse
constituído de carbono e voláteis; esta base é usada para comparar as fracções orgânicas dos
carvões;
f) “seco, sem matéria mineral” (s,smm) (em inglês dry, mineral matter free – d,mmf): neste caso é
necessário calcular o conteúdo de matéria mineral e não de cinzas.
A Tabela 13 mostra as fórmulas necessárias para o cálculo nas diferentes bases. Em geral, as análises
imediatas são fornecidas já na base “seco ao ar”. Além destas fórmulas, vários países utilizam outras fórmulas
para o cálculo da matéria mineral:
102
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
Reino Unido
Fórmula BCURA: MM = 1.10c + 0.53S + 0.74CO2 – 0.36
Fórmula KMC: MM = 1.13c + 0.5Spir + 0.8CO2 – 2.8Sc + 2.8SSO4
Austrália
Fórmula SAA: MM = 1.1c
Em que
MM = matéria mineral; c = cinzas; S = enxofre total; Spir = enxofre pirítico; SSO4 = enxofre sulfato; Sc = enxofre nas cinzas; Cl = cloro;
CO2 = anidrido carbónico. Todos os valores em percentagem e na base “seco ao ar”.
Fig. 168. Diferentes bases para apresentação dos resultados analíticos do carvão
Tabela 13. Fórmula de cálculo das análises imediatas em diferentes bases, com um exemplo.
Seco ao ar Seco ao
Seco (s) Sem cinzas (sc) Seco, sem cinzas (ssc)
ar (sa)
100 H sa
Humidade (Hsa) 5.8% H sc 6.6
100 c sa
100 c sa
Cinzas (csa) 12.8% cs 13.6
100 H sa
100 MVsa 100 MVsa 100 MVsa
Voláteis (MVsa) 24.4% MVs 25.9 MVsc 28.0 MVssc 32.8
100 H sa 100 c sa 100 H sa c sa
Carbono fixo
57.0% Cf s 100 c s MV s 60 .5 Cf sc 100 H sc MV sc 65 .4 Cf ssc 100 MV ssc 67 .2
(Cfsa)
TOTAL 100.0% 100.0 100.0 100.0
a) Humidade
A terminologia usada para descrever o conteúdo de humidade dos carvões pode ser confusa e necessita
duma clarificação. O termo mais confuso é humidade inerente, que tem muitas definições e deve ser evitado.
103
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
Não há um método exacto para determinar o conteúdo de humidade. A indústria do carvão desenvolveu uma
série de definições:
i. Humidade superficial: é uma humidade adventícia, que não ocorre naturalmente no carvão, e que pode
ser removida com a secagem ao ar ar baixa temperatura (40ºC). Esta secagem ao ar é geralmente o
primeiro passo duma análise. A humidader que fica no carvão após esta secagem é chamada de
humidade na base seca ao ar (ver ponto iv).
ii. Humidade como recebida: é a humidade total da amostra quando recebida e entregue no laboratório. Em
geral o laboratório seca o carvão ao ar, obtendo uma “perda por secagem ao ar”. Esta perda equivale à
humidade superficial. Em seguida sujeita a amostra a uma secagem agressiva (+150ºC) que determina a
humidade que fica após a secagem ao ar.
iii. Humidade total: é o conjunto da humidade superficial que se libertou na secagem ao ar, mais a humidade
que se libertou da secagem agressiva.
iv Humidade na base seca ao ar: é a humidade que fica após a secagem ao ar e que pode ser removida
pela secagem agressiva.
Outros conceitos de humidade foram introduzidos, como capacidade de retenção de humidade, humidade de
equilíbrio, humidade na camada, etc.
b) Cinzas
O teor de cinzas é o resíduo inorgânico que fica após combustão. Deve-se lembrar que um determinado teor
de cinzas não é equivalente ao conteúdo de matéria mineral dum carvão. Representa, contudo, o grosso da
matéria mineral após a libertação de voláteis, como CO 2, SO2 e H2O, que se escapam de minerais do tipo
carbonatos, sulfatos, argilas e outros.
NOTA: tanto a humidade como as cinzas constituem uma carga estéril num carvão pois elas reduzem o seu
poder calorífico e a eficiência duma série de aplicações industrias. Eles correspondem a um certo peso no
transporte e, como tal, reduzem o valor comercial do carvão.
d) Carbono fixo
O carbono fixo é a quantidade de carbono que fica no resíduo após a libertação dos voláteis. O carbono fixo
não é calculado analiticamente, mas matemáticamente, subtraindo a 100% as percentagens dos outros
componentes.
104
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
As análises elementares dum carvão consistem na determinação do carbono e hidrogénio como produtos
gasosos da combustão completa do carvão, a determinação do enxofre e azoto, e a estimativa do oxigénio
por diferença (matematicamente).
Do mesmo modo que as análises imediatas podem ser calculadas para diferentes bases, também os
resultados das analálises elementares também podem ser expressas em diferentes bases, usando o mesmo
tipo de fórmulas que os usados na Tab. 13.
A determinação dos teores de C,H,O dum carvão permitem calcular vários rácios atómicos como H/C e O/C.
Se se calcularem estes rácios para os vários macerais e produtos orgânicos originais (madeira, ceras,
cutículas, lenhina, celulose, etc) obtém-se um diagrama como o da Fig. 169, chamado Diagrama de van
Krevelen, que mostra a evolução dos vários materiais orgânicos ao longo da incarbonização. Como se pode
ver do diagrama, os pontos de partida são vários, mas todos eles convergem na origem das ordenadas, em
que os rácios H/C e O/C são iguais a 0, uma vez que esse ponto corresponde a 100% de carbono.
Além das análises imediatas e elementares, é possível realizar no carvão outros tipos de análises químicas,
como sejam:
a) Formas de enxofre: as proporções das formas de enxofre orgânico, inorgânico (pirítico e sulfato) são
importantes quando se considera o uso comercial do carvão. Os processos de beneficiamento do carvão
podem reduzir as formas inorgânicas, mas não as orgânicas. Assim um carvão com alto teor de enxofre
orgânico pode não ter utilidade, devido à toxicidade do enxofre, ou quando muito ser misturado com outro
carvão. Por outro lado, o enxofre pirítico está muito ligado a problemas de combustão espontânea do
carvão.
105
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
b) Dióxido de Carbono: O CO2 dum carvão ocorre na fracção mineral. Os carbonatos libertam CO 2 na
combustão e contribuem para o teor total de carbono. Contudo, esta reacção diminui o total da energia
dum carvão.
c) Cloro: em geral o teor de cloro é baixo, e está geralmente associado a sais minerais. Contudo, a presença
de teores altos de cloro impedo o seu uso, já que o cloro provoca corrosão das caldeiras, além de ser um
grave agente poluidor atmosférico.
d) Fósforo: geralmente presente no mineral apatite, sendo prejudical em muitos processos tecnológicos.
e) Análise de Cinzas: a composição das cinzas pode ser determinada do mesmo modo que se faz a análise
química duma rocha minerogénica, ou seja, em termos de óxidos: SiO 2, Al2O3, Fe2O3, FeO, TiO2, CaO,
MgO, K2O, Na2O, P2O5 e SO3. A importância de se saber a composição química das cinzas vem do facto
de que esta influi muito nos processos tecnológicos. Por exemplo, altos teores de óxidos de Fe, Ca, Na
ou K resultam em cinzas com baixas temperaturas de fusão, podendo estas entupir os equipamentos.
f) Elementos-Traço: o carvão contém uma certa quantidade de elementos-traço, que podem ter afinidade
orgânica (ou seja, geralmente ligados à matéria orgânica), afinidade inorgânica (geralmente ligados aos
minerais) e sem nenhuma afinidade (podendo aparecer ligados tanto à matéria orgânica como
inorgânica). Elementos com afinidade orgânica são, por exemplo: B, Be, Ge. Com afinidade inorgânica
temos: Ar, Cd, Hg, Mn, Mo Pb, Zn, Zr. A presença destes elementos pode excluir o uso do carvão, se não
for possível diminuir as suas proporções, devido ao seu impacto ambiental sério, não só no ambiente
propriamente dito, como na saúde humana. Alguns elementos-traço podem ser extraídos dos resíduos
dos processos tecnológicos de utilização do carvão, como sub-produtos.
A determinação dos efeitos da combustão do carvão é determinante para a sua selecção para um
determinado uso. Os ensaios são levados a cabo num forno para determinar o seu poder calorífico, a
temperatura de fusão das cinzas e as propriedades de cozedura 116 e coqueficantes.
Estas parâmetros são particularmente importantes pois eles constituem a base de muitas classificações do
carvão.
O poder calorífico (PC) dum carvão é a quantidade de calor produzido por unidade de massa do carvão
quando combustado. O PC dum carvão é expresso de duas maneiras:
i. Poder Calorífico Superior – PCs – quantidade de calor libertado em teste laboratorial quando o carvão
é combustado em condições padronizadas a volume constante, de modo a que toda a água nos produtos
fique no estado líquido.
106
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
ii. Poder Calorífico Inferior – PCi – durante a combustão real nos fornos, o PCs nunca é atingido poque
algunms produtos, em especial a água, se perde junto com o seu calor de vaporização. O calor máximo
que se atinge nestas condições é medido pelo Pci
Tanto o PCi como o PCs são expressos em MJ/kg, kcal/kg e Btu/lb. A relação entre PCi e PCs é dada pelas
seguintes equações:
Temperatura de fusão (TF): temperatura a que o molde colapsou até ser uma cmada achatada.
O comportamento das cinzas é uma resposta directa da sua composição química. Os óxidos de Fe, Ca e K
reduzem as temperaturas de fusão, ao passo que o óxido de alumínio é o mais refractário.
107
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
Há dois testes fundamentais: o Índice de Intumescimento no Cadinho (crucible swlling index – CSI117) e o
Índice Roga.
O CSI (ou FSI) é uma medida do aumento de volume do carvão quando aquecido, sem a restrição de ar. A
amostra de carvão é aquecida num cadinho durante um tempo específico. Quando todos os voláteis se
tiverem libertado, fica um pequeno botão duma massa geralmente esponjosa – o coque. Uma secção
longitudinal desse botão é então comparada com uma série de perfis padronizados numa placa (Fig. 171).
Carvões com um CSI de 0-2 não são apropriados para o fabrico do coque. Carvões com altos valores de CSI
também não, pois são muito esponjosos e fracos para aguentarem com as cargas a que o coque tem de ser
sujeito.
Fig. 171. Esquema de placa com orifícios com as formas dos botões de coque do CSI.
b) Índice Roga
O teste para a determinação do índice Roga mistura a amostra de carvão com uma certa quantidade padrão
de antracite, mistura essa que depois é aquecida. O botão de coque resultante é depois testado para a sua
resistência mecânica, por rotação dentro dum tambor durante cerca de 15 minutos; a cada 5 minutos o resíduo
é peneirado e pesado.
117 CSI na nomenclatura ISO; na nomenclatura inglesa é FSI – free swelling index.
108
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
encolher (diminui de volume) e depois expande, para formar o coque; o dilatómetro é um aparelho que
mede as temperaturas em que estes fenómenos ocorrem. A Fig. 173 mostra um esquema dum destes
dilatómetros e uma curva resultante deste teste.
Além das propriedades químicas e de combustão dum carvão, a sua avaliação para uso comercial requer a
determinação de várias propriedades físicas: densidade, dureza, moendabilidade, abrasividade,
granulometria e lavabilidade.
109
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
A granulometria dum carvão depende do modo como ele foi minado e manuseado, por um lado, e por outro
da sua dureza, resistência e fracturação inerente.
A granulometria das partículas de carvão afecta o desenho da planta de tratamento, que por seu lado depende
do tamanho das granulometria a ser vendida.
Como o nome indica, Ensaio Granulométrico é a separação do carvão em várias fracções de granulometrias
variadas, dum mínimo a um máximo pré-definidos, com vista a estudos variados para a caracterização
petrográfica, química, física e tecnológica de cada fracção. O ensaio granulométrico é levado a cabo utilizando
peneiros (se o teste for a nível laboratorial) e crivos (se for a nível industrial).
Existem normas que definem quais os peneiros/crivos a serem utilizados, de modo a que as análises possam
ser comparadas. Em Moçambique não existem normas nacionais que definam estes parâmetros, pelo que se
torna necessário adoptarem-se outras normas. Assim, e para que os resultados tenham "valor internacional",
deve-se usar normas reconhecidas internacionalmente, como as normas ISO (International Standard
Organisation). Concretamente, para os ensaios granulométricos, a norma usada é a ISO 1953-1972. Esta
norma define os seguintes crivos/peneiros (malha em milímetros):
0.045 - 0.063 - 0.09 - 0.125 - 0.18 - 0.25 - 0.355 - 0.5 - 0.71 - 1 - 1.4 - 2 - 2.8 - 4 - 5.6 - 6.3 - 8 - 10 - 11.2 -
12.5 - 16 - 20 - 22.4 - 25 - 31.5 - 40 - 45 - 50 - 63 - 80 - 90 - 100 - 125
Além de definir os crivos/peneiros, define também as quantidades de amostra a utilizar (para que os resultados
sejam representativos), bem como a marcha de análise a proceder. O ensaio granulométrico do carvão segue o
processo normal de qualquer ensaio granulométrico. A Tabela 14 mostra os resultados dum ensaio granulométrico.
110
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
As partículas dum carvão têm densidades diferentes, que representam as várias quantidades de matéria
mineral presente. Consequentemente, o
processo de preparação do carvão é
desenhado para remover essa matéria
mineral de modo que o teor de cinzas seja
reduzido e que o produto beneficiado seja
melhorado para ser vendido a melhor preço.
111
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
porção que afunda (Afundado d>1.40) e há uma porção que fica suspensa no seio do líquido (Middlings
d=1.40). Os afundados e os middlings são depois misturados e imersos num líquido de densidade mais alta,
e assim por diante até se atingir a última densidade definida.
Curva 1: permite determinar o teor médio em cinzas dos flutuados acima duma determinada densidade de
corte;
Curva 2: permite determinar o teor médio em cinzas dos afundados abaixo duma determinada densidade de
corte;
Curva 3: permite determinar a DC para se obter um produto com um determinado teor médio de cinzas;
Curva 5: relaciona a DC com a quantidade de material que se situa no intervalo dessa DC + 0.1.
Olhando para o exemplo da Fig. 175, para se obter um produto com 7% de cinzas, o rendimento é de 85.5%
(e o do refugo de 14.5%) e tem de se usar um líquido de densidade 1.484.
3.6.1. Introdução
Como acontece com todos os objectos naturais, os princípios da Sistemática são aplicados às rochas (e o
carvão não é excepção) com vista à sua Classificação (Lemos de Sousa et al, 1992). De facto, a presença
de diversos objectos naturais e a necessidade de se falar uma linguagem comum, levaram, numa primeira
fase, à definição das características que indicam ou marcam as diferenças ou semelhanças de modo a
agrupar esses objectos (Taxinomia). A segunda fase foi a de atribuir nomes a essas categorias
(Nomenclatura).
Do mesmo modo, as classificações podem ter diversos objectivos que podem ser subdivididos em científicos
e aplicados, estes de iportância de aplição prática daqs coisas, se bem que as classificações científicas
sempre têm aplicação prática.
No que respeita aos caustobiólitos (matéria orgânica sedimentar fóssil) a que pertencem os carvões, a
primeira tentativa de sistematização foi feita por Libavius em 1599, seguido de Stockar em 1763. No que
respeita ao carvão propriamente dito, tentativas de sistematização são conhecidas pelo menos desde 1837,
por Regnault.
Não é nosso objectivo entrar em detalhes sobre a história de classificação dos carvões, já que este assunto
está bem documentado em muitas publicações.
O estudo detalhado deste assunto confirma que, juntamente com trabalhos publicados sobre sistemática,
vários países elaboraram e publicaram Normas Nacionais sobre a matéria, principalmente aqueles com uma
112
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
indústria de carvão avançada. O objectivo destas normas é geralmente prático e aplicado à comercialização
do carvão e à sua aplicação em várias tecnologias.
Contudo, é essencial clarificar aspectos básicos (além da própria classificação), que estão ligados a conceitos
modernos da sistemática do carvão. Considerando a avaliação como a determinação das propriedades,
características e comportamento dum determinado produto em relação ao seu uso, é óbvio que tanto a
classificação como a especificação contribuem distinctivamente para isto. Contudo, enquanto que a
especificação se refere precisamente a parâmetros não necessáriamente incluídos na classificação, cada um
deles aplicável a um aspecto específico ou a um requisito para determinado uso, as classificações
xonformam-se aos princípios da sistemática referidos acima.
No seu conjunto, estes aspectos estão ligados à Qualidade que corresponde à totalidade das características
dum produto que lhe dão a capacidade de satisfazer certas necessidades. Estas características são
verificadas por meio de processos de Qualificação, o que significa a implementação dum Sistema de
Qualidade através da Padronização e Certificação.
Por outro lado, com vista a facilitar a boa ordenação e agrupamento dos objectos, é necessário distinguir
entre Classificações Científicas/Genéticas e Classificações Técnicas/Comerciais, ambas com diferentes
campos de aplicação, meios, objectivos e fins. A Tabela 15 ilustra este aspecto. Deve enfatizar-se que a
classificação científica/genética olha o carvão como uma entidade geológica (Carvão Na Camada), enquanto
que a técnica/comercial os olha como um produto industrial já beneficiado (de uma simples camada ou para
formar um blend) com o objectivo de ser comercializado e utilizado em vários processos tecnológicos.
Tabela 15. Classificação e Codificação do carvão (modificado de Alpern, 1981; in Lemos de Sousa et al, 1992).
CIENTÍFICA/GENÉTICA TÉCNICA/COMERCIAL
(Classificações) (Codificações)
Carvão como rocha sedimentar Produtos beneficiados (esmagado,
Aplicação (maceral+mineral) lavada, granulometria)
Camadas in situ Camadas ex-situ + blends
Sistema natural Sistema artificial
Descritivo (palavras) Código numérico
Meios
Parâmetros limitados, em ordem Parâmetros ilimitados, sem
hierárquica hierarquia
Fins científicos/geológicos Fins comerciais de
importação/exportação
Cálculo de reservas e recursos Caracterização detalhada
Avaliação de carvões in situ Avaliação de carvões ex-situ
Objectivos
Ensino
Tentativa de correlacionar
diferentes sistemas nacionais de
classificação
As classificações científicas/genéticas não podem ser olhadas como modelos meramente teóricos sem
aplicações práticas, pois elas contribuem favoravelmente para calcular reservas numa base comum. No caso
das classificações técnicas/comerciais, é importante enfatizar que as diferentes categorias são expressas
geralmente por um Código numérico com algarismos ilimitados, ligados a parâmetros escolhidos, sem
hierarquia escolhida e servindo somente objectivos práticos. Por isso, estas classificações são chamadas de
Codificações, deixando o conceito de Classificação para as classificações científicas/genéticas.
113
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
A grande diversidade de sistemas por um lado, e os objectivos distintos requeridos, por outro, levaram a várias
situações de confusão e caos internacional. Isto levantou a necessidade de elaborar sistemas de âmbito e
aceitação internacionais, uma vez que é impossível harmonizar os vários sistemas nacionais, como se pode
ver da Tabela 16.
Alguma concordância já foi atingida a nível internacional. Os sistemas das Figs. 176 e 177 mostram essa
concordância. A Fig. 176 mostra a versão original em 3D, ao passo que a Fig. 177 mostra a versão mais
recente (1991) da Classificação da CEE-NU para Carvões em Camada, num grafismo bidimensional.
Comparem-se as duas versões e verifique-se que há algumas diferenças nas subdivisões da classificação
quanto grau.
A Fig. 178 mostra a correlação entre a Classificação da CEE-NU para cafrvões em Camada com outros
parâmetros de grau existentes na bibliografia e noutros sistemas nacionais.
Falcon (1986) resolveu adaptar a versão de Alpern (Fig. 176) aos carvões sul-africanos, já que estes, como
carvões gondwânicos que são, apresentam características diferentes dos norte-atlânticos. O modelo (3D) de
Falcon vem na Fig. 179, a qual apresenta a projecção de alguns carvões de Moatize (Vasconcelos, 1995).
Em comparação com as classificações anteriores, nota-se esta reflecte melhor as características de maiores
conteúdos de inertinite dos carvões gondwâncios.
Além destas classificações, há outras que não referiremos aqui para não se tornar fastidioso, e que podem
ser consultadas em Lemos de Sousa et al, 1992.
A nível dos vários países, principalmente os grandes produtores de carvão, há vários sistemas de codificação.
No entanto, a CE-NU adoptaram em 1988 um sistema de Codificaão para carvões de médio e alto grau com
base em 8 parâmetros (Fig. 180). A título de curiosidade, as Figs. 181 e 182 apresentam os sistemas de
codificação australiano e sul-africano.
114
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
Tabela 16. Classes do antigo Sistema de Classificação para Carvões de M’edio e Alto Grau da CEE-NU (1956), comparadas com as “classes” de Sistemas Nacionais (segundo van Krevelen,
1961, in Lemos de Sousa et al, 1992).
Classes do Sistema Internacional
“Classes” de vários sistemas nacionais
Parâmteros
Classe Nº Matérias Poder Estados
Bélgica Alemanha França Itália Holanda Polónia Reino Unido
Voláteis Calorífico Unidos
Antraciti
0 0–3 Meta-antracyt Meta-Anthracite
speciali
Anthracite
1A 3 – 6.5 Antraciti Anthraciet Antracyt Anthracite
Maigre Anthrazit Anthracite
comuni
Pólantracyt
1B 6.5 – 10
Maigre Semi-
Carboni magri Dry steam Anthracite
¼ gras Mager Chudy
2 10 – 14 Magerkohle
½ gras
Demi-gras Low-volatile
Carboni semi- Pólkoksowy Coking steam
3 14 – 20 ¾ gras Esskohle Esskool bituminous
grassi Metakoksowy
Carboni grassi Mediumm Medium-volatile
4 20 – 28 Fettkohle Gras à courte Ortokoksowy
corta fiamma volatile bituminous
flamme Vetkool
Carboni grassi coking
5 28 – 33 Gras High-volatile
media fiamma Gasowo-
Gaskohle bituminous A
> 33 Gras koksowy
6 8450 – 7750 Carboni da gas Gaskool
(32 – 40) proprement dit
> 33 High-volatile
7 7750 – 7200 Gazowy
(32 – 34) Carboni grassi bituminous B
Gasvlamkool
da vapore High volatile
Flambant gras
> 33 Gasowo-
8 7200 – 6100 Gasflammkohle
(34 – 36) plomienny High-volatile
bituminous C
Carboni secchi Vlamkool
> 33 Flambant sec
9 < 6100 Plomienny
(36 – 48) Sub-bituminous
115
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
Fig. 176. Versão original da Classificação de Alpern para Combustíveis Fósseis Sólidos (ECE-UN, 1986)
116
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
Fig. 177. Versão alternativa simplificada (e planificada) da Classificação da CEE-NU para Carvões em Camada.
117
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
Fig. 178. Comparação entre a Classificação da CEE-NU para carvões em Camada com outros parâmetros de grau existentes na
bibliografia e noutros sistemas nacionais.
118
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
119
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
Fig. 180. Sistema de Codificação da CEE-NU para Carvões de Grau Médio e Superior
120
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
Fig. 181. Sistema de Codificação para Carvões Australianos segundo a norma AS 2096-1987 (NP 4222-1992)
Fig. 182. Síntese dos parâmetros usados na África do Sul, segundo a especificação para carvões betuminosos e antracite
(Specification for Anthracite and Bituminous coals (1982).
BIBLIOGRAFIA
Falcon, R.M.S. & Snyman, C.P., 1986. An introduction to coal petrography: atlas of petrographic constituents in the
bituminous coals of Southern Africa. Geol. Soc. S. Africa Review Paper Nr. 227 pp + 39 Plates.
Flores, D., 1996. Estudo petrológico e geoquímico dos carvoes da Bacia de Rio Maior. Tese de Doutoramento, Texto
(Volume I), Tabelas, Estampas (Volume II). Faculdade de Ciências, Universidade do Porto, Portugal.
ICCP, 1998. The new vitrinite classification (ICCP System 1994). Fuel, 77 (5): 349-358.
ICCP, 2000. The new inertinite classification (ICCP System 1994). Fuel, 80: 457-471.
Lemos de Sousa, M.J.; Flores, D.; Pinheiro, H.J. & Vasconcelos, L., 1992. Coal Classification and Codification. Up-
date on the State of the Art and a critical review. Publ. Mus. Lab. Min. Geol. FCUP (Porto), Nova Série, Nº 2, 61 pp.
Stach, E.; Mackowsky, M.T.; Teichmüller, M.; Taylor, G.H.; Chandra, D. & Teichmüller, R. (1982). Stach’s Textbook of
Coal Petrology. 3rd revised and enlarged edition, 535 pp. Ed. Gebrüder Borntraeger Berlin-Stuttgart.
Thomas, L., 1992. Handbook of practical coal geology. Ed. John Wiley & Sons, England, 338 pp.
121
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
122
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
Stopes, M., 1935. On the petrology of banded bituminous coals. Fuel, 14: 4 –13.
Süss, M., 1959. Zur Petrographie des Xylites (Sobre a petrografia das xilites). Freiberger Forschungsh. A 148, 14–33
Sýkorová, I; Pickel, W.; Christanis, K.; Wolf, M.; Taylor, G.H. & Flores, D., 2005. Classification of huminite—ICCP
System 1994. Intern. J. Coal Geol., 22 p. In publication.
Szádecky-Kardoss, E., 1946. Uj elegyresek a neogenkoru barnaszeneinkbol (Novos components da região de do
brown coal do Neogeno húngaro). Banyász. Kohász. L. 79: 25–30.
Tasch, K.H., 1960. Die Möglischkeiten der Flözgleichstellung unter Zuhilfenahme vom Flözbildungsdiagrammen
(Possibilidades de correlação de camadas com ajuda de diagramas macroscópicos). Bergbau-Rdsch, 12: 153-157.
Taylor, G.H.; Teichmüller, M.; Davis, A.; Diessel, C.F.K.; Littke, R. & Robert, P., 1998. Organic Petrology. Gebrüder
Borntraeger, Berlin-Stuttgart. 704 pp.
Teichmüller, M, 1974a. Entstehung und Veränderung bituminöser Substanzen in Kohlen in Beziehung zur
Entstehung und Umwandlung des Erdöls (Aparecimento e alteração de substâncias betumionsas em carvões em
relação com o aparecimento e migração de petróleo). Fortschr. Geol. Rheinl. u. Westf., 24: 65-112.
Teichmüller, M., 1974b. Über neue Macerale der Liptinit-Gruppe und die Entstehung des Micrinits (Sobre novos
macerais do grupo das liptinites e o aparecimento da micrinite). Fortschr. Geol. Rheinl. u. Westf., 24: 37-64.
Vasconcelos, L. & Lemos de Sousa, M.J., 1995. Report on the macropetrographic logging and cleat system of part
of the core from Saulcy 1. July 1995. Unidade de Petrologia Orgânica, Faculdade de Ciências, Universidade do Porto,
Portugal (não publicado, confidencial.).
Vasconcelos, L., 1995. Contribuição para o conhecimento dos carvões da Bacia Carbonífera de Moatize, Província
de Tete, República de Moçambique. Tese de Doutoramento. Texto (Volume I), Tabelas, Figuras, Estampas (Volume II).
Faculdade de Ciências, Universidade do Porto, Porto, Portugal.
Vasconcelos, L., 1999. The petrographic composition of World coals. Statistical results obtained from a literature
survey with reference to coal type (maceral composition). Internat. J. Coal Geol. (Amsterdam), 40: 27-58.
Welte, E., 1952. Über die Entstehung vom Huminsäuren und Wege ihre Reindarstellung (Sobre o aparecimento dos
ácidos húmicos e modos da sua representação). Z. Pflanzenernäh., Düng., Bodenke (Berlin u. Weinheim), 56 (101): 105-
139.
123
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
4.1. INTRODUCÇÃO
A Bacia Carbonífera de Moatize está localizada na Província de Tete, a cerca de 27 km de Tete, a capital
provincial, e a cerca de 1700 km de Maputo e 600 km da Beira. A área é servida por estradas nacionais e
internacionais e por uma linha férrea de 600 km até ao porto da Beira, linha férrea essa que se encontra em
reabilitação. Tete tem também um aeroporto ligando-a às principais cidades do País.
4.2. GEOLOGIA
As rochas do Supergrupo do Karoo estão inseridas em grabens dispostos ao longo do Rio Zambeze. Como
mostra a Fig. 2, as bacias do Karoo extendem-se desde o Zumbo até à fronteira com o Malawi.
As rochas da Província de Tete podem ser subdivididas em 3 grupos estratigráficos principais (Fig. 2):
A Bacia Carbonífera de Moatize pertence a uma bacia maior que se extende de Tete a Minjova, na fronteira
com o Malawi, que por sua vez se continua por este país adentro para a Bacia de Lengwe. Os limites NE e
SW do graben são definidos por falhas de bordadura com direcção NW-SE. O graben de Moatize tem um
comprimento aproximado de 35 km e uma largura média de 2 km. O acidente orográfico mais importante é o
Monte M’pandi, com uma altitude de 320.8 m, situado na margem SW do graben, representando um
braquianticlinal das rochas do embasamento.
124
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
4.2.1. Precâmbrico
As rochas precâmbricas da Província de Tete situam-se no Cinturão Orogénico do Zambeze que separa o
Cratão do Zimbabwe (a Sul) do Cratão da Zâmbia (a Norte). A idade dos cratões é Arcáica. O Cinturão do
Zambeze compreende formações que foram afectadas por várias orogenias – Irumide (>1.300 M.a.),
Moçambicana (1.100-850 M.a.) e Katanguiana (800-600 M.a.). Também ocorreram eventos (complexos
ígneos) Panafricanos (600-500 M.a.) e pós-Panafricanos (500-400 M.a.)
Na zona a sul de Moatize e a SW da cidade de Tete estão presentes rochas precâmbricas da Orogenia
Moçambicana, representadas pelos Grupos de Matambo e Changara do Complexo do Báruè e pelo Complexo
Gabro-Anortosítico (da Série ìgnea de Tete e Angónia).
O Grupo de Matambo é constituído por gneisses bem bandados por vezes migmatíticos de composições
variadas. O Grupo de Changara é constituído por rochas charnoquíticas de alto grau de metamorfismo (fácies
anfibolítico e granulítico). As rochas do Complexo Gabro-Anortosítico são as dominates, e são compostas
rpicipalmente por gabros de grão grosso e leuco-noritos com ocorrências de anortositos, piroxenitos e rochas
richas em Ti-magnetite.; estes três tipos litológicos ocorrem em bandas nos gabros/noritos. O Complexo
Gabro-Anortosítico parece representar uma intrusão do tipo lopólito na Formação do Chíduè (do Grupo do
Luia), formação essa representada junto à falaha de bordadura NE do graben de Moatize. Esta formação é
constituída por vários tipos de gneisses, mármores, anfibolitos e micaxistos, todos de fácies anfibolítico.
125
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
Em geral, as rochas do Karoo são constituídas por arenitos de várias granulometrias, conglomerados, siltitos,
argilitos, xistos argilosos e carvão. As camadas de carvão estão presentes em toda a sequência do Karoo,
sendo contudo a Série Produtiva a que apresenta maior número de camadas de carvão e de maior interesse
económico, em especial a camada Chipanga.
Rs - Karoo Superior;
126
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
Rb - Grupo do Beaufort;
Re - Grupo do Ecca;
Ri - Karoo Indiferenciado.
São rochas do Karoo a que não se pode atribuir uma idade exacta. Na zona de Moatize não ocorrem.
Esta série é composta de conglomerados grosseiros com matriz argilosa endurecida, cujos calhaus provêm
do Complexo Gabro-Anortosítico de Tete (Real 1966). A espessura da série é irregular, com uma média de
130 metros (Magnee & Thonnard, 1969), podendo estar ausente am alguns locais. É típica uma rápida
variação lateral de fácies, desde rochas semelhantes a tilitos, passando a arenitos siltíticos e argilitos
cinzentos escutros (AUSTROMINERAL, 1985).
Em alguns lugares o topo da série é caracterizado por níveis individualizados de calhaus rolados ou angulares,
indicatives duma alteração nas condições ambientais , i.e., dum período glaciar a um período de clima mais
ameno. Este período de condições flúvio-glaciares representa a transição para condições de sedimentação
da Série Produtiva.
De acordo com a carta geológica de Moçambique (Pinna et al., 1987), esta série é considerada equivalente
ao Dwyka do Karoo da África do Sul.
Em Moatize, a Série Produtiva começa por vezes com 16 metros de arenito quártzico com argilitos,
conhecidos como Grés de Cambéua. Segue-se uma sequência de seis complexos carbonosos alternando
principalmente por rochas pelíticas (argilitos e siltitos) e alguns arenitos (Fig. 186). Todas estas rochas contêm
uma certa quantidade de matéria orgânica, que lhes dá uma cor escura. Os seis complexos carbonosos –
camadas - são, da base ao topo: Sousa Pinto, Chipanga, Bananeiras, Intermédia, Grande Falésia e André.
No conjunto, a Série Produtiva tem uma espessura variando de 240 m a 470 m.
Em alguns lugares é evidente a gradação de arenitos a argilitos (Borges 1935). As rochas siliciosas são em
geral siliciosas, micáceas, duras e compactas. Argilitos negros ocorrem como transição de carvão para rocha
não carbonosa tanto a tecto como a muro das camadas.
Os arenitos são geralmente de grão fino a médio, localmente conglomeráticos, muitas vezes com estratificação
cruzada ou com aspectos de deposição lenticular com pouca extensão lateral (Figs. 187 e 188). Estas aspectos
são típicos de ambiente flúvio-deltáico de águas pouco profundas. Este facto é também evidenciado pelo carvão
que é rico em matéria mienral, bem como intercalações de argilas, siltitos e arenitos.
À semelhança da Série Tilítica, a Série Produtiva caracteriza-se também por uma grande variação lateral de
fácies.
127
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
Fig. 188 Camada Grande Falésia, Moatize, vendo-se sobrejacente a ela uma
zona com lentes espessas de arenito. Fotos de Pedro Nogueira, 2004.
128
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
mais de 1 m de espessura; a parte intermédia é pelítica com 0.50 m de espessura, e a parte superior, nem sempre
presente, é estéril. No total, a espessura varia de 3.05 m a 57.45 m.
A Camada Intermédia é composta de duas sub-camadas separadas por renitos negros e parece não ter
interesse económico. A composição e a espessura são muito variáveis (1.25 m a 21 m).
A Camada Grande Falésia tem mutias cinzas. É uma alternância monótona de bandas de pelito e carvão,
rica em vitrino na base.
A Camada André é bastante homogénia, também rica em vitrino na base, com espessuras variando de 0.60
m to 8.35 m.
As sequências entre as camadas são geralmente pelítico-areníticas, mais pelíticas no topo e mais areníticas
na base, cujas espessuras são irregulares, desde um mínimo de 5.5 m (entre a Bananeiras e a Intermédia) e
um máximo de 121 m (entre a Chipanga e a Bananeiras).
O Termo de Topo é essencialmente fluvial com características de planície de inundação (Pinna et al., 1987).
A base é constituída por arenitos arcósicos mostrando estratificação cruzada (Fig. 189), conglomerados de
matriz carbonática, argilitos, arenitos, siltitos, margas e concreções de ferro. A espessura varia de 100 m a
200 m. A unidade é considerada como a transição dum ambiente flúvio-palustre em clima húmido para clima
alternadamente seco-húmido.
Em Moatize, imediatamente por cima da camada André, ocorre um arenito arcósico de grão médio a grosseiro
com estratificação cruzada, com 5 a 6 finas camadas de carvão com intercalações de arenito carbonoso,
chamado Grés de Matinde.
À semelhança do Grupo de Beaufort, o Karoo Superior sedimentar não ocorre em Moatize, mas junto com os
afloramentos de Beaufort atrás referidos. Assenta em discordância sobre o Ecca e o Beaufort. É constituído
por arenitos silicificados associados com calcários lacustres.
129
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
Na zona de Moatize só o Karoo Superior ígneo está representado por diques e soleiras doleríticas (Rq), de
idade Jurássica (AUSTROMINERAL 1985). São geralmente de grão fino, cinzentos escuros a negros,
homogénios e duros. Em contacto com o carvão (ou intersectando-o) provocam a formação de coque natural.
Na zona de Moatize as formações mesozóicas estão só representadas por diques básicos – basálticos,
andesíticos, microgabróicos e microdioríticos), de 7 a 15 m de cpmprido, cortando o Ecca e o Complexo
Gabro-Anortosítico. (F na Fig. 185). Os diques têm uma idade jurássica-cretácica e estão orientados N-S a
NNW-SSE e NE-SW.
As formações cenozóicas estão representadas por depósitos quaternários, representados principalmente por
aluviões ao longo dos rios, e por terraços fluviais. Também ocorrem formações recentes de eluviões, cones
de dejecção, solos e rególitos.
4.3. TECTÓNICA
Os aspectos tectónicos do Vale do Rio Zambeze são extremamente complexos, especialmente no que se
refere ao Precâmbrico, que foi sujeito a várias orogenias através dos tempos geológicos. Dado que nos iremos
referir à tectónica da bacia de Moatize, restringiremos este ponto às formações precâmbricas - onde o graben
de Moatize se encaixa - que são formações afectadas pela Orogenia Moçambicana que, segundo Pinna et al.
(1987), está representada pela sua Província Granulítica Ocidental, com rochas ígneas intruídas entre 1.100
M.A. e 850 M.a.onde o graben de Moatize está inserido.
As rochas do Supergrupo do Karoo estão depositadas em bacias tectónicas dispostas ao longo do Rio Zambeze,
orientadas E-W desde o Zumbo até Cahora Bassa, e depois NW-SE a jusante da barragem, correspondendo
estas orientações ao Cinturão Móvel do Zambeze entre os Cratões do Zimbabwe e da Zâmbia.
As bacias do Karoo estão limitadas por falhas (falhas de bordadura) paralelas às direcções principais do
Cinturão do Zambeze. Algumas destas falhas, bem como outras cortando as bacias noutras direcções, estão
preenchidas por diques doleríticos intruídos na fase final do Supergrupo do Karoo.
As bacias foram sujeitas a subsidência lenta que permitiram a preservação dos depósitos do Karoo. O
movimento descendente em cunha dos blocos ao longo das falhas de bordadura provocaram compressão
lateral dos sedimentos dando origem a anticlinais e anticlinais cujos eixos são paralelos a essas falhas de
bordadura.
Em Moatize, as falhas de bordadura estão orientadas NW-SE, estando os estratos inclinados 13º-17º, excepto
junto às falhas de bordadura, em que as inclinações podem atingir 45º.
As falhas de bordadura são pós-Triássicos e pertencem aos Sistema do Vale do Rift, cujo desenvolvimento
não foi contínuo mas sim através de pulsações, havendo três pulsações principais: Jurássico Inferior,
Cretácico e Pleistoceno (Afonso, 1976).
130
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
ambiente húmido com alguns escassos períodos mais secos, por um lado, e por outro uma origem mais
autóctone destes carvões.
Já os índices W-D-R e T-D-F (Fig. 164 e 165) levam-nos a conclusões seme-lhantes. A Fig. 191 mostra a
projecção dos carvões das Chipangas 3 e 8. O primeiro diagrama indica um grau de preservação de tecidos
muito alto (W) e o segundo confirma o ambiente de deposição telmático em pântano de floresta húmida, ou
seja, em ambiente mais anaeróbico (T) que aeróbico (F). As condições de autoctonia e aloctonia da deposição
do carvão podem ser determinadas pela relação (Fu+Sf+Fg)/Id. Um valor alto deste rácio indica pouca
inertodetrinite, por isso pouco transporte. No caso dos carvões de Moatize (Chipangas 3 e 8) a situação é a
mostrada pela Fig. 192, que denota condições autóctones de deposição.
Em conclusão, os carvões de Moatize da camada Chipanga formaram-se em ambiente telmático a partir dum
pântano de floresta húmida. O grau de oxidação sofrido pela matéria vegetal é baixo, considerando os valores
altos de IG e da razão V/I. Por outro lado, a transformação da matéria vegetal dá-se fundamentalmente em
ambiente anaeróbico. Os altos conteúdos de vitrinite e inertinite estruturadas (tecidos) e os baixos conteúdos
de inertodetrinite parecem indicar condições autóctones de deposição de carvão.
132
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
4.5.1. HUMIDADE
Os valores da humidade na base seco ao ar variam entre 0.6% e 1.2% para as amostras da Chipanga 3 e
0.4% e 1.11% nas da Chipanga 8. Há assim um pouco mais de humidade nas amostras da Chipanga 3 do
que nas da Chipanga 8.
4.5.2. CINZAS
Ao se olhar para os valores dos teores em cinzas dos carvões das duas minas, verifica-se que os da Chipanga
3 têm algo menos cinzas que os da Chipanga 8. Assim, os valores extremos, na base seco ao ar, são:
Se olharmos para os teores de cinzas das várias fracções granulométricas a tendência geral dos carvões das
duas amostras é de um aumento do teor das fracções mais finas para as mais grosseiras. O que é natural já
que as fracções mais grosseiras são as mais ricas em matéria mineral.
Em relação às fracções densimétricas, as mais pesadas são também as mais ricas em cinzas.
4.5.3. VOLÁTEIS
Na base seco sem cinzas, os valores dos teores em voláteis dos carvões das duas minas são praticamente
os mesmos, variando entre 19% - 21% na Chipanga 3 e 19% - 23% na Chipanga 8. Também aqui há variações
em relação às diferentes granulometrias, sendo as mais finas mais ricas em voláteis do que as mais
grosseiras, donde que se conclui que a maioria dos voláteis destes carvões vêm da matéria orgânica.
Nos carvões de Moatize, o Poder Calorífico varia, na base seco, entre 27 e 34 MJ/kg na Chipanga 3, e 23 –
35 MJ/kg na Chipanga 8.
Em geral, os carvões de Moatize têm teores relativamente baixos de enxofre total (na base seco), variando
de 0,72% - 0,84% na Chipanga 3, e de 0,45% - 0,70% na Chipanga 8,
BIBLIOGRAFIA
Afonso, R., 1976. Contribuição para o conhecimento da tectónica de Moçambique (Notícia explicativa da carta
tectónica de Moçambique). Escala - 1:2.000.000. 39 pp + 1 mapa. Direcção dos Serviços de Geologia e Minas de
Moçambique. Lourenço Marques.
Borges, A., 1935. Études de géologie appliquée dans la colonie portugaise du Mozambique . Le charbon dans le
Mozambique. Découverte de nouveaux affleurements. Congr. Internat. Min. Métallurg. Géol. Appl., 7, Paris, 1935. Sect.
Géologie Appliquée. T. 2, p. 1062-1072.
133
Geologia do Carvão Apontamentos para as aulas
CVRD, 2005. Moatize Coal Project. Report on the preliminary work programme and budget, progress report on
activities executed up to June 2005 and presentation of planned activities for 2005 and 2006. Companhia Vale do
Rio Doce, 30.06.2005.137 pp.
Magnee, I. & Thonnard, R., 1969. Étude géologique et minière de l'aire couverte par la license d'exclusivité de
recherche accordée à la Companhia Carbonífera de Moçambique. Bruxelles, 1969, 3 Volumes (Text et Annexes I et
II). (Annex to 1973 Final Report of C.C.M.). (unpublished)
Pinna, P.; Marteau, P.; Becq-Giraudon, J.-F. & Manigault, B., 1987. Notícia explicativa da carta geológica de
Moçambique na escala 1:1.000.000. Instituto Nacional de Geologia. Maputo. (provisional version, unpublished).
Real, F., 1966. Geologia da Bacia do Rio Zambeze (Moçambique). Características geológico-mineiras da Bacia do
Rio Zambeze em território moçambicano. 183 pp.; 57 Estampas; 2 Mapas. Junta de Investigações do Ultramar. Lisboa.
Technological concept for development of new underground mines at Moatize/Mozambique, Volumes I to IV,
submitted to Empresa Nacional de Carvão de Moçambique CARBOMOC E.E., Moatize, República Popular de
Moçambique by AUSTROMINERAL G.M.B.H. Vienna. 1985. (unpublished).
Vasconcelos, L.S., 1995. Contribuição para o conhecimento dos carvões da Bacia Carbonífera de Moatize,
Província de Tete, República de Moçambique. Tese de Doutoramento, Universidade do Porto, Portugal. Volume 1 -
Texto (231 pp); Volume 2 - Tabelas, Figuras, Estampas.
Vasconcelos, L.S., 2000. Overview of the Moatize Coal Basin geology, Tete Province, Republic of Mozambique.
Chron. Rech. Minière (Orléans), 538: 47-58.
134