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310 - Leitura Literária Na Escola e Produção de Sentido
310 - Leitura Literária Na Escola e Produção de Sentido
Patrícia Corsino-UFRJ
Este texto apresenta parte dos resultados da pesquisa “Infância, linguagem e escola: das
políticas do livro e leitura ao letramento literária de crianças de escolas fluminenses”,
desenvolvida no Laboratório de Estudos de Linguagem, Leitura, Escrita e Educação-
LEDUC, do PPGE-UFRJ. A pesquisa teve como fundamentação teórica os estudos da
linguagem (BAKHTIN, VIGOTSKI, BENJAMIN) e da literatura infantil (LAJOLO,
ZILBERMAN, YUNES, PAIVA, PAULINO); da antropologia (VELHO,
FERNANDES, GEERTZ) e da sociologia da infância (CORSARO, SARMENTO),
especialmente no que concerne à pesquisa com crianças; e das políticas de acesso ao
livro, à literatura e à leitura (CANDIDO, SOARES, entre outros). Este texto tem como
objetivo refletir sobre algumas formas das professoras e crianças lerem literatura na
escola. O artigo foi organizado em três momentos. Inicia trazendo formas de ler
literatura na escola, destacando a performance da professora como possiblidade de
unidade de sentido para adultos e crianças, depois traz as formas de ler das crianças em
diálogo com eventos de campo; finaliza com considerações para se pensar as práticas
pedagógicas.
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escolhem ler para as crianças. Ficam na posição de quem apenas lê para as crianças e
não com elas. Ler com significa, no momento da realização da leitura:
viver com as crianças o mergulho no literário e na alteridade provocada por essa
imersão. Ler com implica em o adulto entrar no texto, permitir ser provocado, estranhar,
elaborar, falar, conversar sobre o que viveu, com as crianças, por meio dessa imersão.
Ler com, convida o professor-leitor também a ler de corpo inteiro, entrar no texto e
deixar-se levar por ele; provoca-o deste modo, a partilhar e viver com as crianças a
leitura, se deixar entrar no ficcional, imaginar (SALUTTO, 2013,p.174).
Esta postura aposta na unidade entre ciência, arte e vida, anunciada por Bakhtin
(2003, p.9), “que só adquirem unidade no individuo que as incorpora à sua própria
unidade”. Numa inter-relação capaz de penetrar na unidade interna do sentido e
garantir o nexo interno entre os elementos. O mais comum na escola é a cisão entre
ciência, arte e vida ou mesmo uma relação mecânica entre estes campos da cultura
humana. Esta unidade interna de sentido é que refunde o sujeito. Nesta perspectiva, ler
literatura na escola é mais do que um adorno, passatempo ou entretenimento, que
diverte e acalma as crianças, é mais que um pretexto ou instrumento de ensino da língua
escrita ou de outros conteúdos. As funções da leitura literária na escola se ampliam e
ganham outros horizontes pela própria unidade de sentido que a literatura partilhada vai
provocando em cada criança do grupo. Nas ampliações provocadas pela literatura
encontram-se as possibilidades de conhecer a si mesmo, o outro e mais um pouco do
mundo para além do que já conhecemos, de organizar experiências, de imaginar e criar,
de pensar, de se emocionar, de apreciar a estética dos textos verbal e visual e suas inter-
relações. Como aponta Bakhtin (2003, p. 73-74), ”a arte me dá a possibilidade de
vivenciar, em vez de uma, várias vidas, e assim enriquecer a experiência de minha vida
real, comungar de dentro com outra vida em prol desta, em prol de sua significação
vital”.
No fluxo de uma performance que abraça livros e crianças, que abre à produção
de sentidos pelos acentos apreciativos, pausas, silêncios, gestos e tudo que acompanha a
palavra, observamos o terreno fértil da mediação dialógica. Mediação assim adjetivada
para evidenciar o conceito de dialogismo de Bakhtin que se apresenta como o próprio
princípio de constituição do sujeito e o seu principio de ação e como constitutivo da
concepção de linguagem do autor, que parte do pressuposto de que todos os enunciados
constituem-se a partir de outros enunciados. Para Bakhtin (2003, p. 413-414):
Não há uma palavra que seja a primeira ou a última, e não há limites para o contexto
dialógico (este se perde num passado ilimitado e num futuro ilimitado). Mesmo os
sentidos passados, aqueles que nasceram do diálogo com os séculos passados, nunca
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estão estabilizados (encerrados, acabados de uma vez por todas). Sempre se modificarão
(renovando-se) no desenrolar do diálogo subseqüente, futuro... Não há nada morto de
maneira absoluta. Todo sentido festejará um dia seu renascimento. O problema da
grande temporalidade.
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os animais da ilustração, ora em silencio, ora imitando os sons que correspondem a cada
um deles e, quando o faz, altera o tom de voz “.
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É cachorro ou não é?
Depois do café da manhã, as educadoras seguem com a turma B3 para o pátio lateral.
Após certo tempo em que já estamos nesse ambiente percebo que um pequeno grupo se
organiza e fica reunido num canto. Aproximo-me e vejo que o João está sentado no
centro do grupo, apontando para a ilustração de um livro (não consegui ver o título).
Aproximo-me um pouco mais e presencio a seguinte cena:
João aponta para a ilustração e diz: É cachorro!
Outro menino, o Antonio, balança a cabeça negativamente e afirma, também apontando
a ilustração em questão: Não é!
Repetem as afirmações várias vezes.
As outras crianças observam, alternando os olhares entre os dois meninos e a ilustração.
Consigo ver rapidamente que a ilustração refere-se a um polvo (o livro é em pop-up).
Num determinado momento do impasse um começa a puxar o livro da mão do outro e
um dos tentáculos do polvo é rasgado. João sai correndo e o grupo se dispersa.
Algumas considerações
Literatura infantil e escola desde suas origens estiveram interligadas. No livro de
literatura infantil o direcionamento explícito da obra ao leitor criança de faixas etárias
diversas e idades cada vez menores. Na escola, a presença dos livros como condição
básica de um ensino de qualidade. O direito à educação se relaciona ao direito à leitura
e, como um amalgama, escola e livro se fundem de diversas formas. Observamos nos
campos empíricos da pesquisa, escolas públicas e creche comunitária, a presença de
livros de diversos gêneros, muitos podem ser considerados de boa qualidade e em bom
estado de conservação. Programas como o PNBE e os que são implantados pela
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Secretaria Municipal do Rio de Janeiro com voucher para as escolas comprarem livros
no Salão do Livro e na Bienal do Livro do Rio de Janeiro, têm possibilitado a
constituição de um bom acervo. Observa-se hoje um movimento significativo na
literatura infantil que considera a criança nas sua possibilidades criativas, um sujeito
que produz significados nas interações, que é capaz, tem voz, dialoga, opina, se altera.
Uma literatura que chega a escola com uma força criativa que pode abrir possibilidades
para as crianças em interação dilatar suas experiências como os eventos citados
evidenciaram.
Observou-se na pesquisa a força do texto verbal e também do visual uma
possibilidade de muitas entradas das crianças na busca de produção de sentido. As
crianças aprendem no coletivo e esta relação com o outro- colegas, professores,
personagens, situações reais e imaginárias- precisa ser valorizada para que a leitura
aconteça. As crianças leem de muitas formas e o processo de negociação e produção de
sentido que se faz na arena discursiva, precisa ser valorizada por mediações que
permitam o intenso processo dialógico. Assim, entendemos com Yunes (2009, p.53)
que “a trama da leitura envolve autor, leitor e texto. O drama da leitura envolve o
mediador, o aprendiz, os acervos. Sem mediadores, nem leitores, nem acervos
sobreviverão”
Referências
BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e Filosofia da Linguagem: problemas fundamentais
do método sociológico da linguagem. São Paulo: Hucitec, 2009.
BAKHTIN, Mikhail. Para uma filosofia do ato responsável. São Paul: Pedro e João,
2010.
BENJAMIN, Walter. Visão do livro infantil. In: Reflexões sobre a criança, o
brinquedo e a educação. São Paulo: Duas Cidades: Editora 34, 2002.
BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas I: magia e técnica, arte e política. São Paulo:
Brasiliense (1993).
BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas II: Rua de mão única. São Paulo: Brasiliense
(1995).
CANDIDO, Antonio. Vários escritos. São Paulo: Ouro Sobre o Azul, 2011.
CORSINO, Patrícia. Literatura na educação infantil: possibilidades e ampliações. In:
Paiva, Aparecida (org.). Coleção explorando o ensino. Literatura: ensino fundamental.
Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de educação básica, 2010a, p. 183-204.
CORSINO, Patrícia. Infância e Linguagem em Walter Benjamin: reflexões para a
educação. In: KRAMER, Sonia; SOUZA, Solanje Jobim e (orgs.). Política, cidade,
educação: itinerários de Walter Benjamin. Rio de Janeiro: Contraponto, 2011, p. 119-
241.
NUNES, M. Fernanda; CORSINO, Patrícia e KRAMER, Sonia e. Crianças e adultos
em instituições de educação infantil: o contexto e a pesquisa. In: KRAMER, Sônia
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