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5/4/2018 lasciate ogni speranza voi che entrate!

nza voi che entrate! | "Aquele que vai contra o dia não pode temer a noite." – Euvgeny Golovin

O Centro Primordial  Outubro 29, 2010


Posted by Rafael in filosofia, hinduísmo, metafísica, nativos, oriente e ocidente, tradição. 
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Aqui, trataremos de questões que há muito precisam de certos esclarecimentos.  Muitos nos perguntam sobre Akakor,
Preste João, O Rei do Mundo e outras cousas ligadas direta ou indiretamente a um ponto que é central na Tradição: a
ligação com o Centro Primordial. Em primeiro lugar, esclarecemos que, ao longo deste breve artigo, traremos à luz alguns
“mitos”, que não devem ser entendidos no sentido dos acadêmicos ou, pior ainda, de algumas correntes neo-pagãs. Somos
sabedores de que os mitos não são meras “fábulas” pelas quais os antigos passavam lições morais, muito menos  fatos que
ocorreram dentro do espaço-tempo, um delírio comum entre muitas correntes neo-pagãs da atualidade. Na verdade, essas
duas interpretações, das quais desejamos, por questões sanitárias, uma distância segura, são filhas de uma só mãe: a
modernidade, que privada do conhecimento tradicional, tende a analisar tudo sob um ponto de vista meramente humano.
Portanto, é natural que esse tipo de mentalidade crie interpretações moralizantes ou “místicas” (em seu sentido mais
degenerado), o que cria um impedimento à compreensão desses assuntos, que exigem uma análise além daquelas
limitadas pela mentalidade moderna.

Então, pedimos para o leitor compreender o mito como, nas palavras de Julius Evola, um estado ainda em curso, que ocorre
além da dimensão espaço-tempo. Obviamente, trataremos de casos e figuras desta dimensão, como a do Preste João, pois
o ponto principal deste artigo – as ligações com um Centro Primordial – pode ser demonstrado através do  viver o mito  e
também através  das ligações deste Centro com figuras, tradições e sociedades durante os séculos.

Começamos, então, com um curioso caso da mitologia assíria: segundo Apolodoro, contam na Eritréia sobre um ser de
cabeça humana sobreposta com um peixe, com corpo de peixe e pés humanos, mas possuidor de voz humana, chamado
Oanes, que emergia do mar para ensinar a humanidade a construir casas e templos;  além disso, também instruiu sobre as
criações das leis e ensinou como plantar as sementes – enfim, ensinou tudo aquilo necessário para a formação da
civilização. Antes disso, segundo Beroso, a terra era um “abismo de águas”[1], um local escuro, habitado por criaturas
invisíveis e androgynas[2], enquanto os homens habitavam as terras como “bestas do campo”.

Oannes

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Na Tradição Hindu[3], vemos a Suprema Personalidade de Deus, na forma dum peixe, que envia um barco para salvar os
três mundos submersos nas “águas da inundação”, e instrui o Rei Satyavrata a coletar todas as sementes e ervas para
salvaguardá-las num barco, que amarrado ao chifre de ouro do peixe[4], é conduzido pelas “águas da devastação”, durante
toda a noite de Brahma[5]. O barco é carregado carregado com as sementes, ervas e sete risis[6] e, durante a jornada, a
Suprema Personalidade explica a Satyavrata a Verdade Absoluta – a ciência espiritual, conhecida como  sankhya-yoga. Ao
final da inundação, Matsya, a `manifestação da Suprema Personalidade em forma de peixe, mata o demônio Hayagriva, para
devolver a literatura Védica a Brahma, que despertava de seu sono[7], durante o qual Hayagriva roubou o conhecimento
védico.

A manifestação de Vishnu Matsya

No ensinamento hermético-alquímico, são freqüentes as referências às “correntezas das águas” e “escuridão das águas” , e

a própria água é representada por um símbolo descendente –  .

Na  Philosophumena  de Hipólito, a alma escrava da morte está em  “forma aquática”[8]. Também é recorrente chamar os
realizados de “aqueles que foram salvos das águas”[9], o que nos leva novamente até a Tradição hindu, onde  Prajapati,
criador das águas, mas também dragado por elas, retorna na forma de semente dourada[10]. Notamos algo semelhante em
dois fatos da vide Cristo: primeiro, Seu batismo nas águas, com a imersão e subida[11] e, pouco adiante, o Seu caminhar
nas águas[12]. Podemos também, abandonando toda interpretação “moral” ou ordinária do mito de Narciso, observar
caráter semelhante na água, que atrai Narciso para a morte através do reflexo de sua própria imagem – a ilusão da
individualidade.

Assim, entendendo o “arrasto das águas” ou a “imersão nas águas” como a queda na escuridão e ignorância, podemos
passar para a compreensão da ligação direta entre a restauração e um Centro Primordial e não-humano (que, como os
Vedas, é anadi e aparusheya).

Em uma obra que, infelizmente, caiu no gosto dos lamentáveis “esotéricos”, ou na desgraça dos mais céticos que tomam
qualquer cousa do tipo como “peça de anedotário”, notamos muitas outras referências que demonstram as mesmas idéias

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já expostas aqui. Primeiramente, começamos com um desenho da bandeira de Akakor:

Obviamente, o leitor que já compreendeu o que foi dito até aqui, não precisará de explicações além da própria figura. Logo
no início, é descrita a “origem do tempo”, na partida dos deuses, “à hora zero”.

“Esta é a história. Esta é a história dos Servidores Escolhidos. No início era o caos. Os homens viviam como animais, sem
razão, sem conhecimento, sem leis, e sem trabalhar o solo, sem se vestirem, nem sequer cobrindo a sua nudez. Não
conheciam nada dos segredos da natureza. Viviam em grupos de dois e três, como o acaso os juntava, em cavernas ou nas
fendas das rochas. Caminhavam com os pés e as mãos até a chegada dos Deuses. Eles trouxeram a luz.”
A crônica continua com o relato da chegada dos “Mestres Primitivos”, de origem que não pode ser esclarecida “nem pelos
sacerdotes”, citando as palavras da própria crônica. O mais curioso, dessa vez, é o surgimento desses sacerdotes: em
navios dourados, chegado de Schwerta, um local distante, nas profundezas do universo[13], origem do conhecimento do
mundo. Segundo esses mestres, os dois mundos, o da profundeza, origem do conhecimento e o nosso, encontram-se a
cada seis mil anos, quando ocorre a volta dos deuses – e tais seres, de origem divina, possuíam seis dedos nas mãos e nos
pés. O seis, que forma um hexagrama, e na crônica demonstra a origem divina dos “Mestres Primitivos”, também traz
novamente a questão do simbolismo alquímico. Conforme falamos anteriormente, a água, por sua ação descendente, é

representada pelo triângulo  , descendente, enquanto o fogo é representado pelo triângulo   , ascendente, pois a
ação da “chama que queima” é ascendente. O hexagrama, que é a junção desses dois triângulos, representa a união do
poder sexual, entre macho e fêmea, o que nos leva novamente ao androgyno

–  . Vemos também, numa gravura alquímica de Petrus Bunus, o rei que recebe a reverência de seis súditos:

Na  Spiegel der Kunst und Natur de Stefan Michelspacher, vemos novamente seis seres (reais, guerreiros, sacerdotais) em
torno do cume da montanha, o ápice da realização:

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Também é importante em Akakor a questão das habitações subterrâneas, cidades fantásticas e maravilhosas, até mesmo
para a terra, já habitadas por máquinas fantásticas até mesmo para os dias de hoje:

E os Deuses governaram Akakor. Governaram sobre os homens e sobre a Terra. Tinham navios mais rápidos que o vôo das
aves, navios que atingiam os pontos a que se destinavam sem velas nem remos, tanto de dia como de noite. Tinham pedras
mágicas por onde viam a distância, de modo que podiam ver cidades, rios, colinas, e lagos. Tudo quanto acontecia na Terra
e no Céu se refletiam nessas pedras. Mas as habitações subterrâneas eram as mais maravilhosas. E os Deuses deram-nas
aos seus Servos Escolhidos como última dádiva. Para os Primitivos Mestres são do mesmo sangue e têm o mesmo pai.
Curiosamente, nos Vedas há o relato de veículos semelhantes, chamados “vimanas”, desafortunadamente confundidos com
“ufos” por aqueles que descartam qualquer explicação divina para as coisas, muitas vezes porque as consideram absurdas –
mas acabam por cair em explicações delirantes. Voltando à questão do subterrâneo, temos, também na América do Sul,
relatos sobre a Cova dos Tayos, supostamente habitada pelos  tayos, seres que, vez ou outra, sobem para ensinar aos
homens[14]. Na América do Sul há várias histórias sobre civilizações subterrâneas, habitadas por seres que possuem um
contato cada vez mais raro com os homens, e que aparecem sempre como instrutores. Portanto, chegamos a mais um
ponto comum indicado pela Tradição: estes seres, originários de cavernas, indicam uma origem comum dos ensinamentos
“divinos”.  Então, em Akakor, vemos novamente a ação destruidora das águas, no relato sobre a primeira grande catástrofe:

Isto é o relato de como os homens morreram. O que aconteceu à Terra? Quem a fez tremer? Quem fez dançar as estrelas?
Quem fez as águas brotarem das rochas? Numerosos eram os flagelos que atingiam os homem. Estava sujeito a várias
calamidades. Estava terrivelmente frio e um vento gelado soprava sobre a Terra. Estava excessivamente quente e a própria
respiração das pessoas queimava-as. Homens e animais fugiam em pânico. Desesperados, corriam de um lado para o
outro. Tentavam trepar nas árvores, mas as árvores repeliam-nos. Tentavam alcançar as cavernas. Contudo, estas abatem-
se e sepultavam-nos. O chão tornava-se teto, e o teto desaparecia nas profundidades. O som e a fúria dos Deuses não se
acalmavam. Até os abrigos subterrâneos começaram a tremer.
Na continuidade dos relatos das catástrofes, vemos outro importante aspecto do simbolismo tradicional: altas montanhas
erguidas em direção ao sol (a transformação da montanha em caverna após o fim duma era de degeneração, o oposto da
transformação da montanha em caverna, que marca a passagem duma era superior a uma inferior) e, novamente, a água
aparece como origem de desordem e sua divisão como o fim da desordem.

Três luas passaram e três vezes três luas. Então as águas dividiram-se. A Terra acalmou de novo. As correntes seguiram
diferentes cursos. Perderam-se por entre as colinas. Altas montanhas se ergueram em direção ao Sol. A Terra modificou-se
quando os Servos Escolhidos deixaram as moradias subterrâneas, e grande foi a sua mágoa. Ergueram o rosto para o céu.
Os seus olhos procuraram as planícies, os rios e os lagos. A verdade era terrível; a destruição medonha. E Ina reuniu o
Conselho dos Velhos. As Tribos Escolhidas juntaram dádivas: jóias, mel das abelhas e incenso. E sacrificaram-nos para
fazer com que os Deuses voltassem à Terra. Mas o céu manteve-se vazio. A era do jaguar começara: época de sangue

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quando tudo foi destruído. Assim foi separado o elo entre os Primitivos Mestres e os seus servos. E principiou uma nova
vida.
Outra vez, a inundação aparece como origem da destruição de nada menos que vinte e seis cidades – o que causou a
diminuição significativa das passagens subterrâneas para o mundo interior. Akakor, então vai passando por um ciclo de
catástrofe e reconstruções, onde símbolos como a montanha e a caverna  vão desenvolvendo papéis fundamentais,
conforme podemos notar em gravuras da hermética obra Splendor Solis :

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Agora, passando para a história do Preste João, vemos que a Árvore da Vida desempenha papel fundamental em seu reino –
a mesma árvore que, tanto nas Tradições como nos ensinamentos hermético-alquímicos, possui profunda importância. Na
tradição nórdica, Ygdrasil é a árvore que guarda a fonte de toda sabedoria, já na tradição hindu, vemos a “árvore invertida”,
que esconde em suas folhas Yama, o rei do estado primordial. A Árvore, que aparece em várias tradições como “centro do
mundo”, “origem da vida eterna” ou em diversas outras referências à idéia de centro e origem, fornece o caráter
sobrenatural ao Preste João, ligado diretamente a seu significado como “Centro Supremo”.  No “Tractatus pulcherrimus”[15],
o Preste João é citado como “rei dos reis”, numa clara referência ao “Rei do Mundo”, e curiosamente, o reino do Preste João
é descrito em algumas lendas como “o reino das seis tendas” – o número seis, que acabamos de tratar:

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Notas
[1] The Sacred Books And Early Literature Of The East, vol. 1, 1910.
[2] Também frequentes na alquimia, seres primordias compostos de dois elementos: o lunar e o solar, como em outra
gravura do Splendor Solis:

[3] Cf. Śrīmad Bhāgavatam 8,24

[4] O ouro como restaurador do estado nas “profundezas das águas”, também muito comum no simbolismo hermético-
alquímico.

[5] A noite de Brahma, durante o dilúvio e  devastação das águas, também é comum na alquimia: do “estado de sono” nasce
as tribulações da alma nas águas. Há também algo semelhante no caso da “tumba de Osíris”, e também no “sono gerado
pelo desejo”, que encarcerou a alma no corpo, segundo os alquimistas, como o sono gerador de ignorância, o que equivale
ao obscurecimento dos Vedas.

[6] Os “sete homens” correspondentes aos “sete ministros”, criados por Nous demiurgo, deus do fogo e do sopro. Há
também que se mencionar a importância do sete, como   nas sete destilações necessárias para obter a “Água Divina”,
contrária à correnteza “água das correntezas”, capaz de trazer vida aos mortos.

[7]   Equivalente ao “despertar” relatado pelos alquimistas.

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[8] Hipólito, Philosophumena, 5,10, em “A Tradição Hermética”, Julius Evola.


[9] A Igreja, segundo diversos padres, é a “Arca da Salvação”.

[10] Em São Mateus (cap. 13), Cristo usa a semente numa parábola sobre a Vida Eterna.

[11] A água misturada ao vinho da Eucaristia, para simbolizar sua natureza humana. Temos então mais uma relação direta
entre a água e a descida em forma humana.

[12] Cristo, cabeça da Igreja, também caminha sobre a água, pois a Igreja é a “arca da salvação”, conforme acabemos de
mencionar. No Apocalipse de João, vemos: “Veio, então, um dos sete Anjos que tinham as sete taças e falou comigo: Vem, e
eu te mostrarei a condenação da grande meretriz, que se assenta à beira das muitas águas…” (17,1) e “O anjo me disse: As
águas que viste, à beira das quais a Prostituta se assenta, são povos e multidões, nações e línguas.” (17,15) e também a
vegetação que cresce “à beira das águas”,  fora da Arca, será condenada à destruição (Eclesiástico 40,16).

[13] Para mais informações sobre a Caverna, cf. “Os Símbolos Fundamentais das Ciências Sagradas”, René Guénon, 29-31.
[14] Murugan, que liderou a vitória dos devas contra os asuras, por exemplo, mora em uma caverna.

[15] Citado em “O Mistério do Graal”, Julius Evola

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