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Cristo e Os Cristaos PDF
Cristo e Os Cristaos PDF
Cristo
e os cristãos
Amin A. Rodor, Th.D.
Professor de Teologia Sistemática e diretor da Faculdade Adventista de Teologia, Unasp Campus
Engenheiro Coelho
Resumo: Este artigo busca demonstrar as biblical notion of sin. The sin doctrine is
contradições internas da teoria pós-lap- also underscored in the light of the teach-
sariana. Além das questões relacionadas ing of Ellen G. White. The author also
à exclusiva identidade e missão de Jesus takes time to discuss topics such as the
Cristo, que o tornam absolutamente sepa- controversial letter to W. L. H. Baker and
rado de nossa natureza pecaminosa, o autor its five paragraphs dealing with the nature
trata demoradamente da noção bíblica do of Christ, what makes clear the Ellen G.
pecado, insistindo que Jesus não poderia White´s doctrine of the human nature of
ser infectado pela natureza caída dos des- Christ. The so called notion of the “his-
cendentes de Adão. A doutrina do pecado torical adventism” is exposed as a con-
é também discutida à luz dos ensinos de tradiction of terms. The texts in apparent
Ellen G. White. O autor também toma contradiction in the Christology of Ellen
tempo para discutir questões tais como a G. White are placed in the broad context
controversa carta a W. L. H. Baker, com of her teaching about the human nature of
seus cinco parágrafos cristológicos que ex- Jesus Christ. In essence this article argues
põem a posição doutrinária Ellen G. White that Christ is infinitely set apart from all
quanto ao tópico. A alegada noção do assim human beings in relation to the problem
chamado “adventismo histórico” é exposta of sin, including the Christians, that even
como uma contradição de termos. Os textos after the new birth, although not governed
em aparente conflito na cristologia de Ellen by sin, will remain with the fallen nature,
G. White são colocados no amplo contexto until the final glorification.
dos seus ensinos sobre a natureza humana
de Jesus Cristo. Em essência, este artigo ar- Introdução
gumenta que Cristo está infinitamente sepa-
rado de todos os seres humanos quanto ao A encarnação de Cristo é a doutrina-
problema do pecado, inclusive dos cristãos, chave do cristianismo. O ensino central da
que, mesmo depois do novo nascimento, fé cristã. Sem ela, todo o cânon bíblico se
embora não estejam mais sob o domínio do tornaria um documento incompreensível,
pecado, ainda permanecem com a natureza um verdadeiro non sense. Em função desta
caída até a glorificação final. percepção, através dos séculos, a doutrina
Abstract: This article highlights the in- de Cristo tem preservado seu lugar de im-
ternal contradictions of the postlapsarian portância vital. A posição da igreja cristã
theory. Besides pointing out the questions quanto à cristologia, freqüentemente, tem
related to the exclusive Identify and Mis- sido considerada como um indicador de sua
sion of Jesus Christ, what makes Him ab- ortodoxia ou de tendência herética. Karl
solutely separated from our sinful nature, Barth está correto ao afirmar que a cris-
the author deals, at some length, with the tologia é um tipo de aferidor da teologia.
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Em suas próprias palavras, “cristologia é nascem. Embora, e isto deve ser observado,
a pedra de toque de todo conhecimento de se afirme que sua humanidade teria sido
Deus, em sentido cristão, a pedra de toque afetada pelas conseqüencias da queda,
de toda teologia”.1 Não é por acaso, portan- partilhando, assim, das marcas benignas
to, que o cristianismo durante mais de três do pecado, ou da humanidade física, en-
séculos, se debateu com sérias distorções fraquecida pela queda. Cristo, portanto,
deste tema central. Ebionismo, docetismo, experimentou as deficiências físicas (fome,
monarquianismo, arianismo, apolinaria- sede, fadiga, cansaço, tristeza, e a própria
nismo, nestorianismo, eutiquianismo e morte), que caracterizam os seres humanos,
outros “ismos”, relacionados à cristologia, sem, contudo, partilhar da natureza peca-
foram desvios, que, com diferentes graus minosa de todos os demais descendentes
de apelo, representaram ameaças ao ensino de Adão.
bíblico a respeito de Cristo, e à própria
Por outro lado, a segunda posição (pós-
sobrevivência da fé cristã. É importante
lapsariana), como observa Norman R.
observar que estas heresias representaram
Gulley, “procura preservar o fato de que Ele
desvios de duas verdades fundamentais:
[Jesus] tornou-se o filho de Maria. A ênfase é
primeiro, que Jesus era pleno Deus e pleno
colocada na identificação de Jesus com a na-
homem; e, segundo, que Ele era uma pessoa
tureza humana caída”.3 Assim, se a primeira
e não duas.
posição, em relação ao problema do pecado,
Como seria de se esperar, cristologia busca distanciar Cristo da humanidade pós-
tem sido de fundamental importância para queda, sublinhando o significado dEle como
a vida e missão dos Adventistas do Sétimo nosso imaculado substituto, a segunda, na
Dia. Para Ellen G. White, “a humanidade preocupação de torná-lo nosso exemplo,
do Filho de Deus é tudo para nós. Ela é busca, precisamente o oposto, estreitando,
a cadeia de ouro que une nossas almas a ou mesmo obscurecendo a brecha entre
Cristo, e através de Cristo a Deus. Este é o Cristo e a humanidade pecaminosa. Desta
tema do nosso estudo”.2 A discussão cristo- forma, desconsidera fundamentalmente o
lógica entre os adventistas, particularmente caráter único de sua identidade e missão,
nos últimos 50 anos, tem-se centralizado no como veremos.
tipo de natureza humana que Jesus Cristo Este artigo trata primariamente com as
assumiu na encarnação. Basicamente a contradições teológicas da teoria pós-lap-
questão é esta: Onde Jesus Cristo iniciou a sariana, em confronto com os ensinos das
vida na encarnação? Exatamente na mesma Escrituras e os escritos de Ellen G. White.
condição de todos os homens, ou, há entre
Cristo e todos os outros uma diferença fun- A posição pós-lapsariana
damental? Em essência, como geralmente
indicado, duas posições, se dividem, em
O argumento básico dos defensores da
ênfases opostas.
teoria pós-queda insiste que na encarnação
A primeira vertente, buscando preservar Jesus assumiu a natureza humana pecami-
a singularidade de Cristo, como o segundo nosa, tanto física quanto moral e espiritual,
Adão, defende que, na encarnação, Ele, do com todas as características da humanidade
ponto de vista moral e espiritual, assumiu a caída. Pós-lapsariana significa depois do
natureza de Adão antes da queda (posição lapso, depois da queda, posterior à entrada
pré-lapsariana, ou anterior à queda), não do pecado registrada em Gênesis 3. Assim,
sendo, portanto, infectado pelas propen- nesta formulação, Jesus, em termos de sua
sões do pecado e tendências corruptas com completa natureza humana, foi exatamente
as quais todos os demais seres humanos como qualquer um de nós – cem por cento
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cado reside, e que ele será vencido quando bem, mas, como Leon Morris indica, eles
nos abstivermos de determinadas práticas. se tornaram “inimigos ... colocando seus
Nesse caso, temos de admitir que completa esforços na direção oposta a Deus”15.
perfeição (impecaminosidade), como advo-
gada pelo pós-lapsarianismo adventista, Desde a queda, o homem natural não
se torna um alvo plenamente alcançável pode pensar direito, sentir direito, ver
em nossa condição atual, porque a noção direito ou agir direito. Cada parte do seu
de pecado é reclassificada, e a norma se ser foi radicalmente afetada. Em relação
torna consideravelmente simplificada. Tal a Deus, o homem está em rebelião, em re-
teoria termina desenvolvendo a arrogância lação a si mesmo, está dividido. O pecado
humana, espírito acusador e complexo de perverteu e desorganizou sua natureza.
superioridade espiritual.13 Provavelmente Do ponto de vista humano, esta doença
esta é uma das mais fortes razões porque se é incurável, sobretudo porque é o único
exige que Cristo seja “cem por cento igual tipo de enfermidade que leva a vítima a
a nós” para que Ele se torne um modelo fugir do Médico. Pecado e morte mantêm
imitável. A vida cristã, nesse caso, passa domínio sobre o homem caído. O pecado
a ser vista como um tipo de “competição” produziu uma insanidade radical na na-
com Cristo, como se estivéssemos em tureza humana, a tal ponto que o homem
uma maratona, e assim, como em geral tornou-se como um navio cujo leme está
argumentado, Ele não poderia ter nenhuma fixo, amarrado no ângulo errado. Como
“vantagem” sobre nós descrito pelo puritano Thomas Gataker, o
coração natural “é como um livro estraga-
Se a primeira verdade que aprendemos do por erros e enganos de impressão”.16
nas Escrituras a respeito do homem é que
ele é um ser criado por Deus (Gn 1:26-28), Esta desordem moral e espiritual cobre
a segunda verdade fundamental acerca do toda a história humana, perpetuada em cada
ser criado por Deus, é que ele, pela entrada geração, desde a queda do primeiro Adão.
do pecado, alienou-se do Criador (Gn 3: 5). Não importa quão ignorantes as pessoas
Pela queda, o homem destronou Deus de possam ser, J. C. Ryle indica, “elas sempre
sua vida, e colocou-se a si mesmo em seu sabem como pecar”.17 E isto, porque os
lugar. Sua natureza foi assim depravada homens, universalmente, “são filhos da
e corrompida. Em conseqüência, toda a ira” (Ef 2:3); “filhos da desobediência” (Ef
posteridade de Adão herdou os resultados 5:6); naturalmente “andando nos desejos da
e a inclinação de seu [de Adão] pecado, nossa carne, fazendo a vontade da carne e
sendo a maior delas a separação de Deus, dos pensamentos”, por natureza “mortos
e desta decorrem todos os outros tipos de em delitos” (Ef 2:3, 5). Através da ofensa
desvios. Tal ruptura entre o homem e Deus de Adão sobreveio a todos “juízo e conde-
não é uma ilusão ou mito, que pode ser nação” (Rm 5:18); pela desobediência de
desconsiderada por qualquer “ginástica” Adão todos foram infectados com o vírus
humana. Como Edward Heppenstall obser- do mal (Rm 5:15-16); em Adão todos foram
va, “a queda envolveu todos os homens. Os expulsos do Éden, e morreram. De fato, no
efeitos desta catástrofe histórica levaram capítulo 5:12-21 da carta aos Romanos,
este planeta a ser habitado por uma raça Adão é descrito como o cabeça da velha
de pecadores, cuja mente carnal está em era, a era da morte. Adão não é meramente
inimizade contra Deus (Rm 8:7, 8)”14. A um indivíduo que viveu muito tempo atrás.
humanidade tornou-se como um rio po- Adão tem significado corporativo, como o
luído na sua fonte. Os pecadores não são cabeça da “velha humanidade”, da mesma
um mero “terreno neutro.” Eles não são forma que é o cabeça da era presente, ex-
meramente pessoas que deixam de fazer o cluindo-se a Cristo. Aquilo que aconteceu
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à cabeça envolveu também todo o corpo, e, Jesus definiu o pecado em termos que si-
em Adão, a sorte da humanidade foi estabe- lenciam qualquer noção simplista, superfi-
lecida. Portanto, desde Adão o destino da cial e farisaica da doença: “Pois do interior
raça humana foi determinado a permanecer do coração dos homens saem os maus pen-
em escravidão aos poderes da destruição. samentos, os adultérios, as prostituições,
A morte tornou-se soberana, e reina sobre os homicídios...” (Mc 7:21), e o catálogo
toda a existência. Esta é a sorte comum é considerável. A questão, devemos notar
desde Adão. Paulo usa dois verbos acer- cuidadosamente, é que para Jesus, pecado
ca do pecado, que devem ser percebidos não é uma questão, meramente, de atos
claramente. Segundo o apóstolo, o pecado pecaminosos, mas de uma condição, na
“entrou” (eisnlten) e a morte “passou” qual o homem natural é nascido. Não é que
(dielten) a todos os homens, e assumiu somos pecadores porque cometemos peca-
pleno controle, pois todos, naturalmente, dos A, B, C, D, etc., antes, porque somos
nascem em cumplicidade com Adão. pecadores é que cometemos tal sorte de de-
litos. Os atos são apenas o sintoma de uma
Criado à imagem de Deus (Gn 1:26,27),
mal mais grave, arraigado nos porões de
depois da queda, Adão gerou filhos “à sua
nossa natureza. “O mais lindo bebê”, Ryle
imagem” (Gn 5:2), o que indica a heredi-
descreve com realismo quase cruel, “não
tariedade moral corrompida, que o pai da
é como sua mãe carinhosamente o chama,
raça legou à sua descendência. Assim, não
um pequeno anjo... mas um pequeno peca-
se poderia exagerar na ênfase de que “ori-
dor”.21 Não que ele conscientemente peque,
ginal” não se refere ao caráter original do
mas pecador no sentido de que nasceu com
homem, como criado por Deus, mas ao seu
a tendência natural para escolher o pecado,
caráter original como descendente de Adão.
tão logo tenha a idade para fazê-lo.
Ellen G. White concorre com tal ênfase,
ao afirmar que “com relação ao primeiro Só no Antigo Testamento encontramos
Adão, os homens nada recebem dele, senão 11 termos hebraicos para descrever o peca-
a culpa [as conseqüências da queda], e a do, e não são meramente sinônimos, como
sentença de morte”,18 ou ainda, segundo poderíamos pensar.22 Cada um deles ilumina
ela, o egoísmo, profundamente arraigado um aspecto desta enfermidade maligna,
em nosso ser, “nos veio por herança”.19 que infecta a todos. As Escrituras falam
A queda de Adão afetou a orientação das trevas, apostasia e rebelião do homem,
espiritual de sua posteridade. Para Ellen e da oposição humana a tudo que Deus
G. White, “o coração do homem é, por intencionou ao criá-lo à sua imagem. Ca-
natureza frio, escuro e desagradável”.20 E tegoricamente a revelação divina enfatiza a
se alguém reivindicar não ter sido infectado depravação e a profundidade a que o pecado
pelo vírus do pecado, tal noção contradiz arrastou o homem. A expressão depravação
tanto a revelação como a observação e o total, em teologia, é utilizada para descrever
senso comum. Embora as Escrituras não o pecador em seu estado caído. A palavra
usem a expressão “pecado original”, a total refere-se aqui à totalidade do homem,
noção, quando despida de suas conotações como um ser infectado pelo pecado. Isto é,
histórico-dogmáticas, é claramente bíblica: nem uma parte dele, absolutamente nada,
em primeiro lugar porque ela é derivada da ficou sem receber o sinistro impacto da
raiz original da raça; em segundo, porque queda. O homem completo foi atingido e
ela está presente em cada indivíduo desde o deteriorado no nível de sua vontade, sen-
momento do seu nascimento; e, em terceiro timentos e razão. A doutrina de Pelágio de
lugar, porque ela é a raiz interior de todos que a queda de Adão não afetou sua poste-
os atos pecaminosos que mancham a vida ridade, e que o pecado não é um problema
do homem. da natureza, mas apenas da vontade humana,
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genos = o único de seu tipo), Jesus foi um ser realizada apenas por um cordeiro sem
ser único, exclusivo, irrepetível. Deus em mácula ou mancha”.40 Na tipologia do
carne. Ellen G. White, em seus artigos na Antigo Testamento, aquele que oferecia
Review and Herald, entre 1872 a 1914, cen- um cordeiro, afirmando sua fé no redentor
to e vinte cinco vezes observa que Cristo futuro, fora advertido, “nenhuma coisa em
“vestiu sua divindade com a humanidade”, que haja defeito oferecereis, porque não
ou que Ele “velou sua divindade com a seria aceita a vosso favor”(Lv 22:20). Não
humanidade”.36 Nestes textos, ela diz o é de surpreender que para Ellen G. White,
que Jesus sacrificou ao tornar-se homem: “o homem não pode fazer expiação pelo
“sua glória”, “sua coroa e trono”, “as cortes homem,” uma vez que, “sua condição caída
reais”, “seu alto comando”, “seu lar celes- constituiria uma oferta imperfeita”.41 As-
tial”, “seu glorioso diadema”.37 Contudo, sim, ela afirma, “por um lado Cristo é um
ela nunca diz que Cristo tenha abandonado representante perfeito de Deus; por outro,
sua divindade essencial, ao adotar a huma- Ele é um espécime perfeito da humanidade
nidade. Numa passagem reveladora, ela sem pecado”.42 E a conclusão lógica é ine-
diz: “Cristo não tinha trocado a divindade vitável: “Ele [Jesus Cristo] não necessitou
pela humanidade, mas Ele tinha vestido de expiação.”43
sua divindade na humanidade”. 38 Isto
Em conexão com a exigência básica de
deveria servir de advertência para aqueles
sua missão, podemos referir a Romanos
que querem tornar Cristo completamente
8:3: “Pois o que era impossível à lei, vis-
humano. Ao afirmar que Ele era filho de
to que estava enferma pela carne, Deus,
Maria, não se deve perder de vista o que é
enviando seu Filho em semelhança (ho-
dito dEle como gerado pelo Espírito Santo.
moioma), da carne do pecado, pelo pecado
Assim, em seu próprio nascimento já temos
condenou o pecado na carne.” Como Rand
a confirmação de que Ele era radicalmente
observa, o texto não diz que que Jesus
diferente de nós.
veio “em carne pecaminosa”, e o texto
também não diz que Jesus tivesse vindo
Sua missão em “semelhança de carne”.44 No primeiro
caso, Paulo estaria afirmando que sua carne
Em segundo lugar, a extensão da iden- foi pecaminosa, e no segundo que Ele não
tificação de Cristo com a humanidade foi foi um ser humano real, Ele apenas teria
também determinada por sua missão. Com aparentado carne, confirmando então a
que natureza teria Jesus nascido? A nossa teoria docética. Contudo, Jesus, segundo
natureza caída ou a natureza de Adão antes as Escrituras, veio em semelhança (e esta
da queda? A resposta é consideravelmente é a palavra-chave) de carne pecaminosa.45
simples: se Ele tivesse vindo com a nature- Nesse texto, Paulo enfatiza quão vital foi a
za de todos os demais membros da espécie vinda de Cristo para quebrar o círculo sem
humana, Ele seria parte do problema do esperança de nossa condição no pecado.
pecado, e não a solução para o mesmo. O que a lei era incapaz de fazer, visto que
Em outras palavras, sua missão como o havia sido enfraquecida pela natureza pe-
Redentor do mundo teria sido fundamen- caminosa, Deus fez, enviando seu Filho em
talmente alterada. Para ser nosso Salvador, semelhança do homem pecaminoso, para
Jesus deveria tornar-se um conosco, mas tal ser a oferta pelo pecado. E, claro, se Jesus
identificaçao não poderia ir além dos reque- tivesse vindo em carne pecaminosa, cem
rimentos de sua missão. Ele não poderia por cento como nós, como exige a teoria
tornar-se, em si mesmo um pecador (em pós-lapsariana, então o “justo preceito da
natureza e ato).39 Portanto, como Benjamin lei” permaneceria sem ser cumprido, como
Rand observa, “a missão de Cristo poderia sempre, frustrado por sua natureza carnal.
Cristo e os cristãos / 53
exemplo, que “Cristo é chamado o segundo gar”, ela afirma em outro contexto, “a pena
Adão. Em pureza e santidade, conectado e os mais altos poderes mentais dos homens
com Deus e amado por Deus, Ele começou mais sábios, desde agora, até quando Cristo
onde o primeiro Adão havia começado. for revelado nas nuvens do céu, em poder
Ele passou pelo mesmo terreno onde e grande glória”.57 Somos, por outro lado,
Adão caiu, e redimiu a falha de Adão.”50 entretanto, advertidos a depender do Espí-
Observe-se cuidadosamente a frase em rito Santo, em nossa busca e conhecimento:
destaque, claramente indicando precisa- “Que Deus seja assim, manifesto em carne
mente, onde Cristo iniciou na encarnação é de fato um mistério; e sem a ajuda do
(“onde Adão havia começado”). Ellen G. Espírito Santo não podemos compreender
White, enfatiza ainda, que “Ele [Cristo] este tema. A mais humilhante lição que
venceu satanás, na mesma natureza sobre o homem deve aprender é a inutilidade
a qual, no Éden, Satanás, havia obtido da sabedoria humana, e a tolice de tentar,
a vitória”.51 A comparação não é entre em seus esforços desajudados, descobrir
Cristo e os demais seres humanos, depois Deus.”58 Diante de tal mistério não pode-
da queda, como alguns supõem, mas entre mos senão confessar que “o poço é fundo, e
Ele e o primeiro Adão, na mesma nature- não temos com o que tirar a água” (Jo 4:11),
za, como originalmente criado por Deus. se dependermos de nossos métodos.
“Ele [Cristo] deveria tomar sua posição
como o cabeça da humanidade, tomando Em uma enorme quantidade de tex-
a natureza, mas não a pecaminosidade do tos, Ellen G. White mantém em perfeito
homem.”52 A seguinte declaração de Ellen equilíbrio a divindade e a humanidade
G. White, apropriadamente sumariza esta em Cristo. Ela ensina que, na encarnação,
sessão de nossa discussão: “Por causa do Cristo reteve sua divindade. Segundo ela,
seu [de Adão] pecado, sua posteridade Jesus não foi apenas parcialmente divino.
nasce com inerente propensão para a deso- Ele era pleno Deus, enquanto na Terra.
bediência. Mas Jesus Cristo foi o unigênito Como mencionado anteriormente, ela de
[monogenes] de Deus. Ele tomou sobre forma clara indica que a divindade foi
si a natureza humana, ele foi tentado em “velada na”, ou “revestiu-se da” “huma-
todos os pontos como a natureza humana é nidade”, e que os plenos poderes de sua
tentada. Ele poderia ter pecado. Ele poderia divindade, não deveriam ser utilizados.
ter caído, mas nem por um momento houve Contudo, como ela indica, em determinadas
nEle uma propensão maligna.”53 ocasiões cruciais, sua divindade irrompe
através da humanidade. Eric C. Webster,
em seu minucioso estudo da cristologia de
Ellen G. White e a natureza de Ellen G. White observa que “a intenção de
Cristo na encarnação Ellen G. White” é instruir “que Cristo não
desejou que os homens cressem que Ele
Para Ellen G. White, a encarnação de foi simplesmente um homem muito bom,
Cristo é o “mistério de todos os misté- dependendo completamente de seu Pai
rios”.54 E isto deveria servir de precaução celestial, mas que Ele era o divino Filho
a todo estudante deste tópico. Para ela, “a de Deus, em relacionamento dependente
encarnação de Cristo tem sido e permane- com o Pai”.59
cerá para sempre um mistério”.55 Assim,
por um lado ela estimula o estudo do tema: Além disto, Ellen G. White nutria forte
“O estudo da encarnação de Cristo, seu compreensão quanto a importância da hu-
sacrifício expiatório e mediador, empregará manidade de Cristo. De fato, a realidade
a mente do estudante diligente, enquanto o de sua humanidade é vista por ela como
tempo durar.”56 Tal mistério “pode empre- vital para o plano da salvação. Era impor-
Cristo e os cristãos / 55
recua à sua entrada no mundo, isto só pode que Cristo foi como as outras crianças.”80
significar que ela não está se referindo a Conhecemos alguma outra criança que
desempenho em termos de ações. venha ao mundo com a “inclinação para
o que justo”? Aqui, como Woodrow W.
Em lugar de oferecer o segredo do
Whidden observa, encontramos uma das
vitorioso poder de Cristo, como, por
mais fortes e inequívocas declarações de
exemplo, fé e dependência no Pai, o que
Ellen G. White quanto à impecaminosi-
o pós-lapsarianismo adventista poderia
dade da exclusiva natureza de Cristo.81 E
esperar, ela sublinha que o segredo de sua
claro, “nascido sem uma mancha de peca-
absoluta incontaminação está diretamente
do”, não é uma referência à sua história de
relacionado com a divindade de sua pessoa,
impecável desempenho posterior.
desde o momento inicial de sua entrada no
planeta Terra. Ellen G. White claramente Em outro contexto, falando a respeito
indica que Cristo “nasceu sem uma man- de Sete, nascido relativamente próximo do
cha de pecado, embora Ele tenha vindo ao estado original de Adão (Gn 5:3), mas, ago-
mundo de maneira semelhante à família ra não mais à imagem de Deus, em sentido
humana”.78 Esta é uma poderosa declaração comparativo com Adão, seu pai (Gn 1:27),
dialética, demonstrando o pensamento de mas à semelhança dele depois da queda,
Ellen G. White quanto ao nascimento de Ellen G. White observa que embora tivesse
Cristo. Novamente, é evidente que ela não caráter nobre, e devesse tomar o lugar de
está falando aqui de atos, mas de um estado. Abel, não obstante “ele tinha a natureza de
Para ela, Cristo não foi maculado com o Adão [depois da queda], tão destituído de
pecado original, que, segundo a Bíblia, é bondade natural como Caim. Ele foi nasci-
a marca característica de todos os demais do em pecado”.82 Contrariamente a Pelágio
seres humanos. e todos os que tentam negar os resultados
da queda, Ellen G. White não trivializa tais
À luz da última citação, em compara-
efeitos sobre a família humana. Entretanto,
ção com raciocínio da noção pós-lapsaria-
de Cristo, nascido quatro mil anos depois, e
na, estamos justificados em perguntar: se
tendo aceito “os resultados da operação da
Ellen G. White afirma que Cristo entrou
grande lei da hereditariedade”,83 ela afirma
no mundo sem a corrupção ou a mancha
no capítulo “Em Criança” do seu livro O
do pecado, incontaminado quanto à sua
Desejado de Todas as Nações: “Nenhum
poluição, e se entre Ele e nós, como de-
traço de pecado desfigurava nEle a ima-
fendido pelos seguidores modernos de
gem divina”,84 e mais adiante: “Cristo foi
A. T. Jones, “não existe uma partícula de
o único ser livre de pecado que já existiu
diferença”, estaria então ela ensinando que
na terra.”85 Assim, o contraste entre Cristo
todos os outros homens também vêm ao
e Sete, não poderia ser mais evidente: Um
mundo no mesmo estado incontaminado?
nasceu em pecado, enquanto o outro “nas-
Qualquer pessoa sensata seria capaz de
ceu sem qualquer mancha do pecado”.
perceber a precariedade lógica desta teo-
ria. Observando a questão de outro ângulo,
lemos ainda da pena de Ellen G. White, A Carta a Baker
com ênfase na singularidade de Cristo na
encarnação, em sua infância: “Ele [Cris- Na carta escrita em 1895/686 a W. L.
to] não era como as demais crianças.”79 H. Baker,87 um ministro adventista tra-
Um pouco depois, no mesmo parágrafo, balhando na ilha da Tasmânia, Ellen G.
ela fala da “sua inclinação para o que é White dedica cinco parágrafos à questão
justo”, ou, no parágrafo seguinte: “Nin- da humanidade de Cristo. A importância do
guém, olhando para Ele ... poderia dizer tratamento dado ao tópico, neste contexto,
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ser humano, exceto ao Filho do Deus Infi- sugeridos antes. E, finalmente, o quinto
nito.”91 Desta forma, ela elucida como foi parágrafo cristológico da carta a Baker
possível Cristo superar a infecção universal continua a comparação e contraste entre o
do pecado. O que é claro neste texto é que, primeiro e o segundo Adão, concluindo que
embora Jesus seja “um conosco”, Ele não “Satanás não encontrou nada nEle [Cristo]
é “um de nós”. que pudesse encorajar seus assédios”.94 O
que se torna evidente nestes parágrafos, é
Ellen G. White, então, continua o tercei- que Jesus, segundo o pensamentto de Ellen
ro parágrafo, com uma solene advertência: G. White, era um ser único, exclusivo, e
“Nunca, de nenhuma forma, deixeis a mais isso porque Ele não veio apenas para ser um
leve impressão sobre as mentes humanas, exemplo, mas sobretudo, para ser o nosso
de que a mancha, ou inclinação para a cor- Salvador. E, como Roy Adams corretamen-
rupção repousou sobre Cristo, ou que Ele, te observa, “se Ele fosse completamente
sob qualquer circunstância, tenha cedido à como nós – 100% – se Ele tivesse partilha-
corrupção.”92 Poderia Baker estar dando, do exatamente da mesma forma a herança
em suas apresentações, a impressão falsa, do pecado e culpa que todos recebemos de
desaconselhada na advertência? É possível! Adão, então, Ele teria sido limitado como
Ellen G. White neste texto, nega tanto que Salvador. Mais do que isto, Ele próprio
tenha havido em Cristo “mancha ou incli- necessitaria de um Salvador”.95
nação” para o pecado, o que tem que ver
com a sua natureza, bem como que Ele A carta a Baker constituiu-se num dos
tivesse “cedido à corrupção”, o que trata maiores obstáculos à teoria pós-lapsariana
com atos exteriores do comportamento. E de alguns adventistas contemporâneos. E
isto ela explica: “É um mistério deixado não nos surpreendem as tentativas ridículas
não explicado para os mortais.” Ainda neste de se evadir às evidências, ou de “explicá-
parágrafo, Ellen G. White, cita parcialmen- las”, obscurecendo a clareza da cristolo-
te o clássico texto de Deuteronômio 29:29: gia de Ellen G. White, aí expressa. Jean
“Aquilo que é revelado é para nós e nossos Zurcher, além de outros como Wieland e
filhos”, e inclui a mais séria advertência Larson, oferece um exemplo desta atitude,
da carta: “mas que cada ser humano seja como indicado por Denis Fortin, em sua
advertido do perigo de tornar Cristo com- avaliação crítica do livro Tocado pelos
pletamente humano, tal como um de nós”, Nossos Sentimentos, distribuído no Brasil
arrematando, então: “pois isto não pode de maneira não solicitada, pelos publicado-
ser”.93 A linguagem dificilmente poderia res da edição em português. “Zurcher não
ser mais clara. Ellen G. White não apenas apenas evita uma exposição clara da carta
indica por comparação, o contraste entre a Baker, mas também a cita de forma dis-
Ele e nós, mas seriamente adverte contra torcida e fora do contexto.” Fortin sugere
o perigo de torná-lo “completamente hu- que “para provar o seu ponto de vista, Zur-
mano”, pois, creiamos ou não, “isto não cher cita apenas parte da mesma carta [de
pode ser”! Em que sentido Cristo poderia Baker], e deixa de fora duas importantes
ser tornado “completamente humano”? sentenças curtas, nas quais Ellen G. White
Neste contexto, só podemos pensar em estabelece um contraste marcante entre a
uma única possibilidade: rebaixando-o à natureza de Cristo e a nossa”.96 Fortin se-
condição da pecaminosidade essencial dos gue indicando as formas em que Zurcher
demais seres humanos. distorce, nega ou omite as evidências. Esta
atitude de teimosia diante das evidências
No quarto parágrafo, ela continua a é, provavelmente, o aspecto mais negativo
ênfase sobre os perigos de se tratar com do legado dos pioneiros originais da idéia,
o tópico da natureza humana do Filho, já como veremos a seguir.
Cristo e os cristãos / 59
Knight observa, afinal “Jones demonstrou ser questionadas? Ou que não possam estar
que houve mais do que ‘uma partícula’ de em erro? Digo eu isto? Não, eu não digo tal
diferença entre Cristo e os demais seres hu- coisa. ... Mas eu digo que Deus nos enviou
manos”.128 Não é nossa mente parte integral luz”.132 Assim, apesar destas claras delimi-
da nossa natureza? Não é precisamente aí tações, há ainda aqueles que tratam Jones e
que se trava o grande conflito entre carne Waggoner como infalíveis, e assim sendo,
e espírito? Como Cristo poderia, então, ser diria Sócrates, “são mais amigos dos seus
precisamente igual a nós, e diferente nesse amigos, do que amigos da verdade”.
aspecto crucial? A precariedade de tal teo-
Ainda nesta conexão encontramos a
logia não poderia ser mais flagrante.
idéia fixa do pós-lapsarianismo dos mi-
Qual o interesse dos pós-lapsarianos nistérios independentes, de se julgarem os
adventistas em incluir o tópico da natureza representantes exclusivos do “adventismo
humana nas discussões da Assembléia de histórico”. E, claro, a palavra “histórico”
Minneápolis, em 1888? Evidentemente, é utilizada como sinônimo de “ortodo-
para capitalizar o endosso de Ellen G. xia”, ou “tradicional”, algo que a Igreja
White às afirmações de Jones e Waggoner Adventista do Sétimo Dia sempre creu, e
em Minneápolis. Contudo, além do fato de que hoje é reivindicado por estas versões
que Minneápolis (1888), como já discutido, separatistas e polêmicas da fé do advento
não ter tratado com o tópico da humanidade de forma exclusiva. Algo que se observa
de Cristo. na superfície é que a noção de “adventismo
histórico”, quase que se restringe à teoria
Um outro aspecto crucial a ser obser-
pós-lapsariana quanto à natureza de Cristo,
vado é que, mesmo supondo que Jones e
e noções relacionadas a este tópico (como
Waggoner já defendessem, então, qual-
o perfeccionismo, além de algumas noções
quer idéia pós-lapsariana, o endosso da
escatológicas também associadas a ele).
profetiza não foi um cheque em branco.
Por outro lado, nestes últimas 50 anos,
Como Knight observa, Ellen G. White,
como Whidden observa, “os assim cha-
“livremente disse aos delegados reunidos,
mados adventistas históricos tem desejado
em primeiro de novembro de 1888, que ‘al-
elevar os seus pontos de vistas distintivos
gumas interpretações das Escrituras, dadas
quanto à humanidade de Cristo ao nível de
pelo Dr. Waggoner, eu não considero como
um ‘pilar’ ou fundamento, na plataforma
corretas’”.129 Além disto, ela discordou de
da verdade presente”.133
dois aspectos fundamentais da cristologia
de Waggoner. Primeiro, Ellen G. White Enquanto Ralph Larson tenta demons-
frontalmente discordou da idéia de Waggo- trar que “houve consenso” sobre a noção
ner de que Cristo não pudesse pecar.130 E, pós-queda da natureza de Cristo, no período
segundo, ela discordou da idéia ariana de anterior a 1950, tal teoria é desacreditada
Waggoner, isto é, que Cristo tivesse tido pelo fato de que já em 1895, Jones foi
um começo.131 Uma objeção à pretenção confrontado com a citação de Ellen G.
de que Ellen G. White tenha oferecido White, em Testemunhos para a Igreja,
endosso não qualificado às teorias de Jones volume 2, página 202 (“Ele é um irmão
e Waggoner, é oferecida nas próprias pa- em nossas fraquezas, mas não em possuir
lavras da profetiza: “Eu creio, sem dúvida idênticas paixões”), já mencionada acima,
que Deus nos enviou preciosa verdade, no em oposição à sua idéia. Além disto, os
tempo certo, pelo irmão Jones e pelo irmão parágrafos da Carta a Baker, também já
Waggoner. [Mas] Eu os considero, então, mencionados, erguem forte objeção à teoria
como infalíveis? Digo eu que eles não farão dos “adventistas históricos”. Assim, para
declarações ou terão idéias que não possam serem os “históricos”, o que eles preten-
Cristo e os cristãos / 63
dem ser, isto deixaria Ellen G. White fora também incluído dentro do “adventismo
deste círculo. É verdade que Waggoner e histórico”? É claro que o bom senso su-
Jones, na década de 1890, foram fortes pro- gere a resposta. Necessitamos orar mais,
ponentes da teoria pós-queda da natureza estudar mais, e submeter-nos à direção
de Cristo, e posteriormente outros, como do Espírito Santo, que progressivamente
Albion Fox Ballanger e M. L. Andreasen, expurgou do adventismo muitos destes
também advogaram tal idéia, e sob a influ- tópicos estranhos, além de completamente
ência deles, outros nomes ilustres podem equivocados. Os ministérios independentes
ser acrescentados à lista. Mas isso prova e seus simpatizantes devem entender que
apenas que alguns decidiram seguir suas o compromisso primário dos Adventistas
próprias idéias, ou as idéias dos seus men- do Sétimo Dia, não é manifestar lealdade
tores espirituais. a qualquer pioneiro do movimento, seja
Jones, Waggoner, ou qualquer outro.
Além do mais, ao ler toda a ênfase pós-
Nossa consciência está cativa à Palavra
lapsariana do auto-proclamado “adventis-
da revelação, e é diante da revelação, que
mo histórico”, somos forçados a perguntar,
nos curvamos em lealdade, compromisso
quão genuína e autenticamente adventistas
e obediência.
são algumas das idéias encontradas no “ad-
ventismo histórico?” O que dizer das idéias
anti-trinitarianas de alguns pioneiros? E Conclusão
das noções arianas ou semi-arianas quanto
à divindade de Cristo?134 Ou das noções er- Um dos problemas mais complexos da
radas quanto guarda à do sábado, ou do sis- cristologia é a questão do relacionamento
tema de benevolência sistemática, ou ainda da divindade e humanidade em Cristo,
conceitos completamente equivocados e este artigo tratou com algumas facetas
sobre os princípios de saúde? Isto para não deste tópico e seus desdobramentos na
se falar das objeções de alguns pioneiros à comunidade Adventista do Sétimo Dia,
organização da Igreja, por exemplo. O que focalizando em particular a teoria defen-
dizer, ainda, das idéias dos próprios heróis, dida por alguns segmentos do adventismo
Jones e Waggoner, quanto ao panteísmo, contemporâneo.
assimilado de Kellog,135 da idéia da “afini-
dade espiritual” de Waggoner,136 as noções Tratamos primeiramente com a noção
de Jones, quanto à “nova voz profética”, bíblica de pecado, conceito básico para a
manifestada, segundo ele, na Srta. Anna compreensão do tema. Como discutido,
Philips?137 O que dizer a teoria extremista pecado, na visão das Escrituras, trans-
de Jones quanto à “cidadania”,138 vista por cende qualquer noção superficial que
Ellen G. White como “fogo estranho”, ou transforma esta enfermidade sistêmica em
de sua idéia de violação provocativa das manifestações exteriores da conduta. É a
leis dominicais?139 O que dizer ainda das natureza humana que foi profundamente
idéias convergentes de Jones, com o movi- afetada e infectada pela queda original,
mento da “carne santa”?140 Ou o que dizer produzindo uma atitude fundamental de
das noções materialísticas de santidade, rebelião. Todos, por nascimento, partilham
mantidas por grupos adventistas, que criam de propensões malignas, que nos colocam
que seus cabelos brancos seriam restaura- alienados de Deus, e em linha de colisão
dos à sua cor natural, ou mesmo da idéia com sua vontade. Os seres humanos sofrem
de Waggoner, ensinando que se alguém de um mal muito mais grave e profundo do
realmente tivesse a justiça de Cristo, nunca que os sintomas manifestos na superfície.
ficaria enfermo?141 Deveria todo este peso Pecado, mais que ações pecaminosas, é um
morto da dogmática destes pioneiros ser estado de degeneração moral e espiritual,
64 / Parousia - 1º semestre de 2008
com o qual todos os seres humanos entram de tornar Cristo um de nós desconsidera
no planeta Terra, e que coloca a todos, dois aspectos fundamentais, na resposta a
sem excessão, em imediata necessidade de estas questões: Primeiro, sua identidade,
salvação. Houvessem os pioneiros do pós- isto é, quem Ele era, como o monogenes
lapsarianismo, Waggoner e Jones e outros, de Deus, o único do Seu tipo, exclusivo,
entendido o ensino paulino de pecado, e singular, um “ser santo” (Lc 1:35), que, em
não apenas isolado alguns textos joaninos, relação ao pecado, está separado e distinto
adequados à sua teoria, e certamente a de todos membros da espécie humana. Esta
história das idéias que eles desencadearam verdade funciona como uma salvaguarda,
seria outra. estabelecendo os limites de sua identifi-
cação conosco, não permitindo que tais
O tópico do pecado foi também explora-
fronteiras sejam violados, no interesse de
do do ponto de vista dos escritos de Ellen G.
qualquer teoria, por melhor intencionada
White. Explicitamente, a escritora afirma
que seja. E, segundo lugar, a extensão de
a realidade da depravação pecaminosa e
sua identificação conosco, não pode des-
corrupção humana, como um estado. Ela
considerar sua missão, também exclusiva
fala de pecado em termos de uma condição
e única. Para ser nosso Salvador e oferta
natural de todos os humanos. Devemos
pelo pecado, Cristo deveria ser, como afir-
lembrar, sumariza ela, “que nosso coração
ma Hebreus 7:26, “puro, santo, imaculado,
é naturalmente depravado, e somos inca-
separado dos pecadores”. Ellen G. White,
pazes em nós mesmos de seguir a direção
entendeu claramente este binômio da cris-
certa”.142 Ou “como resultado da desobedi-
tologia bíblica e numa multidão de textos
ência de Adão, cada ser humano é um trans-
deixa a questão absolutamente clara.
gressor da lei, vendido sob o pecado”.143 “O
egoísmo”, diz ela, “está integrado em nossa A íntima união de Cristo com a humani-
essência”, “e isto nos vem por herança”.144 dade caída não significa que Ele tenha tido
Curiosamente, Ellen G. White utiliza a a mínima ou a mais remota participação em
expressão pecado original uma única vez, nossa condição pecaminosa. Em termos de
e aí ela afirma nossa direta relação com as lógica bíblica, afirmar que Cristo assumiu
conseqüências da queda: “A própria fonte a natureza caída e pecaminosa em qual-
da natureza humana foi corrompida. E quer sentido preciso, equivale a dizer que
desde então, cada pecado tem continuado sua vontade esteve em contradição com a
sua obra odiosa, passando de mente para vontade de seu Pai, e isto coloca o pós-lap-
mente. Cada pecado cometido, desperta sarianismo numa posição de insustentável
ecos do pecado original.”145 conflito com a ortodoxia cristã, com a
qual eles dizem estar comprometidos. Um
O aspecto crítico da nossa discussão,
conosco, mas não um de nós, e é precisa-
portanto, centraliza-se na questão: Poderia
mente aí que residia o poder de sua vitória
Jesus ter nascido com a mesma natureza
em nosso favor. Certamente gostaríamos
que recebemos de Adão? No mesmo
de ter maior compreensão sobre como tal
estado em que todos os demais seres hu-
união de divindade e humanidade em Cris-
manos nascem, e ainda assim ser o nosso
to, foi possível. O mistério é como Cristo
Salvador? Poderia Ele ser o Salvador, o
pôde combinar, de um lado a realidade
substituto sacrificial, a oferta pelo pecado,
de não ser infectado pela humanidade
e, ao mesmo tempo, ser chamado de “de-
caída, em termos morais e espirituais,
pravado”, “corrupto”, e ser caracterizado
enquanto afetado por ela, assumido as
como tendo as “propensões e tendências
conseqüências físicas da queda. Contudo,
malignas do pecado” ou “inclinações para o
não somos chamados a explicar, mas a
mal”? Como discutido, qualquer tentativa
aceitar o mistério. Nas palavras de Ellen
Cristo e os cristãos / 65
G. White: “A missão de Cristo não foi histórico” deveriam repensar tal convicção,
explicar a complexidade de sua natureza, porque afinal, como discutido, nem tudo no
mas dar abundante luz para aqueles que a “adventismo histórico” é essencialmente
receberiam em fé.”146 Não temos revelação adventista.
absoluta, apenas revelação necessária. O
Finalmente, aos que querem tornar
que realmente necessitamos é aceitar e
Cristo tão identificado conosco a ponto
crer naquilo que nos está disponível, sem
de obscurecer sua identidade essencial e
permitir que nossa lógica e opiniões cir-
natureza de sua missão, relembramos, nas
culares, interfiram na revelação.
palavras da voz profética aos crentes ad-
ventistas: “Não ver o marcante contraste
Substancialmente, a cristologia de Ellen
entre Cristo e nós, significa não nos co-
G. White é doutrinariamente explícita nos
nhecermos a nós mesmos. Aquele que não
cinco parágrafos da famosa Carta a Baker,
aborrece a si mesmo, não pode entender o
tratando com o tópico, conhecidos de
signficado da redenção”.148 Mesmo entre
memória por qualquer estudante sério do
Cristo e os cristãos – e estes deveriam
tema. Pós-lapsarianos podem tentar toda
ser os primeiros a reconhecerem isso
sorte de contorcionismo e malabarismo
– permanece uma distância incalculável,
interpretativos, para “explicar” tais textos.
porque a conversão e o novo nascimento
Mas o que aí está claramente expresso tem
não eliminam completamente nossa dis-
caráter devastador para a teoria: “Nem
torcida natureza básica, que, embora não
por um momento houve nEle propensão
mais reine, subsiste até a redenção final
maligna.” Ou: “Não o apresenteis como
do “nosso corpo abatido”, no segundo
um homem com as propensões para o pe-
advento. Talvez o aspecto mais deplo-
cado.” “Seu nascimento foi um milagre de
rável da cristologia pós-lapsariana, não
Deus. ... Nunca de nenhuma forma, deixeis
entendido por seus defensores, é a tenta-
a mais leve impressão sobre as mentes hu-
tiva de explicar a humanidade de Cristo a
manas que a mancha ou a inclinação para
partir de nossa humanidade. Jesus assumiu
a corrupção permaneceu sobre Cristo.” E
“verdadeira humanidade”, mas no sentido
mais: “Que cada ser humano seja adverti-
intencionado por Deus. Assim, “verdadei-
do acerca de tornar Cristo completamente
ra humanidade” não pode ser definida em
humano, tal como um de nós, pois isto não
termos da natureza humana como nós a
pode ser.”147
conhecemos em nós próprios, mas apenas
Além disso, os textos que poderiam em termos da humanidade assumida pela
sugerir qualquer contradição nos escritos Palavra, e estas duas, de nenhuma maneira,
de Ellen G. White, devem ser entendidos significam a mesma coisa. O grande erro,
à luz da totalidade de seu ensino, e inter- portanto, é nos apresentarmos como a nor-
pretados à luz de quem Cristo é, não ao ma da humanidade, e então perguntarmos
contrário, isto é, definir quem Ele é, apartir quanto Cristo deve se conformar com esta
de nossa interpretação pré-concebida destes norma. Mas se a fé cristã é verdadeira, nós
textos. Ellen G. White, tornar claro que somos pobres espécimes de humanidade,
a humanidade de Cristo, embora afetada mesmo os melhores de nós, não somos
pelo pecado, não é uma exata duplicação apenas imperfeitos, mas corrompidos pelo
de nossa natureza. Do ponto de vista empí- pecado. A Palavra, portanto, assumiu um
rico do homem pecaminoso, sua natureza tipo especial de natureza, semelhante,
humana é vista por Ellen G. White, como mas não completamente igual à daqueles
exclusiva e única. Finalmente, os auto-pro- a quem Ele “não se envergonha de chamar
clamados representantes do “adventismo irmãos” (Hb 2:11).
66 / Parousia - 1º semestre de 2008
reda correta” (Ellen G. White, In Heavenly Places “compreensão vívida e quase física/biológica do
[Washington, DC: Review and Herald, 1967], 195; primeiro pecado. Para Oakes, tal doutrina está em
veja também Conselhos aos Pais Professores e Es- crise, mesmo entre os católicos. Veja “Original
tudantes, 544). Sin: A Disputation”, First Things, 16 de novem-
bro de 1998, 16.
27
Joe Crews, Christ’s Human Nature (Amazing
Facts, s.d.), 6, 47). 32
Veja nesta edição de Parousia, o artigo de
Benjamin Rand.
28
Robert Wieland e Donald K. Short, 1888 Re-
examined: The Story of a Century of Confrontation
33
Ellen G. White, Patriarcas e Profetas, 312.
Between God and His People (Mountain View, CA: 34
Gulley, “Behold the Man”, 5.
1888 Message Study Committee, 1987), iii.
Ellen G. White, Manuscript 165, 1899, (cita-
35
29
Veja Roy Adams, The Nature of Christ (Ha- do em The Faith I Live Bay, 48).
gerstown, MD, Review an Herald, 1994), 25.
36
Para uma lista destas ocorrências, veja Eric
30
Se a posição pré-lapsariana depende do dog- Claude Webster, Crosscurrents in Adventist Chris-
ma católico do pecado original – como sustenta a tology, (Berrien Springs, MI: Andrews University
acusação dos defensores da noção pós-queda –, Press, 1984), 74-80.
podemos dizer que o pós-lapsarianismo, com sua 37
Ibid., 75-76
insistência de que Jesus é um homem como qual-
quer outro, é dependente do liberalismo teológico Ellen G. White, Review and Herald, 29 de
38
humanidade pecaminosa. ... Cristo assumiu a se- necessidade e um privilégio” (Review and Herald,
melhança da carne pecaminosa para que Deus, em 8 de dezembro de 1904).
Cristo, pudesse realizar a libertação da humanidade 63
Idem, Signs of the Times, 10 de Maio, 1899,
do pecado” (p. 196).
no SDA Bible Commnentary, 5:1082-3; veja tam-
46
Adams, The Nature of Christ, 63. bém 4:1116; e, ainda, Review and Herald, 10 de
junho de 1890.
47
Para Raymond E. Brown, o contexto de João
8:46 é Isaías 53:9: “nele não houve engano”. Bro- 64
Ellen G. White não obscurece o fato de que
wn indica ainda, por associação, Hebreus 4:15: Cristo, além de substituto do homem, foi também
“Pois não temos um sumo sacerdote que não possa seu exemplo. Portanto, se Ele “não tivesse a nature-
compadecer-se de nossas fraquezas, porém um que, za do homem, Ele não poderia ser o nosso exemplo.
como nós, em tudo foi tentado, mas sem pecado” Se Ele não fosse um participante de nossa nature-
(The Gospel According to John [Garden City, NY, za, Ele não poderia ser tentado como o homem tem
Doubleday & Company, 1981], 358). sido. Ele não poderia ser nosso ajudador. Foi uma
48
Ellen G. White, “Humility Before Honor”, solene realidade que Cristo veio lutar as batalhas
Review and Herald, 8 de novembro de 1887. como homem, em favor do homem” (“How to Meet
a Controverted Point of Doctrine”, Review and He-
49
Veja Gulley, “Behold the Man”, 5. rald, 18 de fevereiro de 1890. Contudo, tal identifi-
50
Ellen G. White, The Youth Instructor, 2 de cação não poderia, por outro lado, estender-se além
junho de 1898. dos limites determinados por sua identidade única e
missão exclusiva.
51
Idem, 5 de abril de 1901.
65
Ellen G. White, Manuscrito 44, 1898, citado
52
Idem, Signs of the Times, 29 de maio de
no SDA Bible Commentary, 7:907.
1901.
66
Idem, Review and Herald, 5 de abril de
53
Idem, SDA Bible Commentary, 5:1128.
1898.
54
Idem, Carta 276/1904, SDA Bible Commen-
Idem, “Aggressive Work to be Done”, Review
67
tary, 6:1082.
and Herald, 2 de agosto de 1906.
55
Idem, SDA Bible Commentary, 5:1129.
Idem, “Principle Never to be Sacrificed for
68
56
Idem, Obreiros Evangélicos (Tatuí, SP: Casa Peace”, Review and Herald, 24 de julho de 1894.
Publicadora Brasileira, 1998), 251. Ellen G. White, 69
Idem, “Contemplate Christ’s Perfection, not
em outro contexto afirma que “o estudo da encar-
Man’s Imperfection”, Review and Herald, 8 de
nação é um campo frutífero que recompensará ao
agosto de 1893. Tal ênfase é destacada em uma
investigador sincero que cava fundo pela verdade
enorme variedade de contextos: Cristo tinha “um
escondida” (Manuscrito 67, 1898).
caráter sem mancha” (Review and Herald, 20 de se-
57
Ellen G. White, Carta 280, 1904, citada no tembro de 1909); uma “justiça imaculada” (Review
SDA Bible Commentary, 6:1082. and Herald, 9 de janeiro de 1883); “uma pureza
sem mancha” (Review and Herald, 28 de agosto de
58
Idem, Review and Herald, 5 de abril de 1883); uma “vida sem mancha” (Review and He-
1906. rald, 20 de janeiro de 1885). O que está em foco
59
Webester, Crosscurrents in Adventist Cristo- aqui não são atos, mas natureza.
logy, 88. Em muitos textos, Ellen G. White coloca 70
Idem, “Sacrificial Offerings”, The Signs of
Cristo em pé de igualdade com o Yahweh do Antigo the Times, 15 de julho de 1880.
Testamento, e faz as mais altas reivindicações em
favor da divindade de Cristo. 71
Idem, Review and Herald, 17 de dezembro
de 1872.
60
Ellen G. White, Review and Herald, 5 de abril
de 1906. Para ela, “Cristo possuía todo o organis- 72
Idem, O Grande Conflito, 505.
mo humano” (Carta 32, 1899, citada no SDA Bible 73
Idem, Mensagens Escolhidas, vol. 1, 254.
Commentary, 5:1130. Tinha um corpo como o nos-
so (Review and Herald, 5 de fevereiro de 1895). 74
Ibid., 256
61
Idem, “Notes on Travel”, Review and Herald, 75
Idem, “An Appeal to Ministers”, Review and
10 de fevereiro de 1885. Herald, 19 de maio de 1885.
62
Idem, Review and Herald, 11 de dezembro 76
Idem, “How to Deal With the Erring”, Review
de 1888. Para Jesus, a oração era vista como “uma and Herald, 19 de maio de 1885.
70 / Parousia - 1º semestre de 2008
77
Idem, Manuscrito 16, 1890, citado no SDA 1985: An Historical Contextual and Analytical Stu-
Bible Commentary, 7:907. dy”, argumenta que Baker, com muita probabilidade
recebera suas noções quanto a natureza de Cristo de
78
Idem, Carta 95, 1898, citada no SDA Bible
proeminentes escritores adventistas contemporâne-
Commentary, 7:952. Contrastando a lepra do pe-
os, tais como A. T. Jones, E. J. Waggoner e W. W.
cado com a pura vida de Cristo, Ellen G. White
Prescott (8 a 20).
escreve: “Mas vindo habitar na humanidade, não
recebeu poluição” (ibidem). 89
Ellen G. White, Carta 8, 1895, citada no SDA
Bible Commentary, 5:1128. Curiosamente, Wie-
79
Idem, Youth Instructor, 8 de setembro de
land tenta confundir a clareza desta declaração. Em
1898.
seu The 1888 Message, ele trata com esta carta nas
80
Ibidem. páginas 59-63. Em duas colunas ele tenta oferecer
uma comparação entre a citação de Ellen G. White
81
Woodrow W. Whidden, Ellen White on the
mencionada acima, e a seleção de um artigo de E.
Humanity of Christ (Berrien Springs, MI, Adventist
J. Waggoner, publicado na Signs of the Times, em
Institute for Theological Advancement, 2006), 54.
21 de Janeiro de 1889. Contudo, enquanto Waggo-
82
Ellen G. White, The Signs of the Times, 20 de ner trata com a natureza divina de Cristo, Wieland
fevereiro, de 1879. obscurece aquilo que Ellen G. White diz, dando a
impressão de que ela está afirmando o mesmo que
83
Idem, O Desejado de Todas as Nações, 33. Waggoner. Uma cuidadosa análise dos cinco pará-
84
Ibid., 49. grafos da carta em questão, que tratam da sua cris-
85
Ibidem. tologia, revela que ela está discutindo a humanida-
de de Cristo, não sua natureza divina (veja Webster,
86
O Ellen White Estate indexou este documento Crosscurrents, 130).
como a Carta 8, de 1895, e ela aparece no SDA Bible
Comentary , 5: 1128-1129. Embora datada de 1895,
90
O que se entende por “propensão maligna”?
Lyell Heise, em The Christology of Ellen G. White Os defensores da teoria pós-lapsariana, como
Letter 8 (Andrews University Monographs, 1895) Wieland, fazem um extraordinário esforço para fu-
apresenta evidências de que a carta foi realmente gir à clareza de significado da expressão, que, se
escrita em 1896. aceita na intenção de Ellen G. White, tem caráter
devastador para a teoria deles. Para Wieland, a pa-
87
W. L. H. Baker tivera uma considerável car- lavra propensão significaria apenas “participação
reira editorial, na Pacific Press, na Califórnia. Pos- em atos pecaminosos” (Veja Wieland, The 1888
teriormente, uniu-se à então recém fundada Echo Message, 62). Assim, ele nega que “propensão
Publishing House, na Austrália. Mas ao tempo em para o pecado”, “propensão maligna”, ou, ainda,
que recebeu a carta de encorajamento e conselho, “inclinação para a corrupção”, significam, natural,
de Ellen G. White, ele estava envolvido em ativida- pura e simplesmente “inclinação para o pecado”. A
des pastorais e evangelísticas na Tasmânia. evidência mais clara contra Wieland, além do dicio-
nário, é o próprio contexto literário da carta, onde
88
A carta não deriva sua importância da proemi-
Ellen G. White descreve a posteridade de Adão, que
nência de Baker no ministério adventista, ou mesmo
“nasce com inerente propensão para a desobediên-
da extensão do documento (17 páginas, no original).
cia”. Portanto, é o uso que Ellen G. White faz da
Seu significado básico emerge dos cinco parágra-
palavra “propensão”, no mesmo contexto, que deve
fos discutindo a humanidade de Cristo. Esta carta,
determinar o seu significado. Portanto, a questão é
descoberta e publicada inicialmente em meados da
simples: se alguém nasce com a propensão para o
década de 1950, é vista como a principal causa para
pecado, como pode essa propensão ser identificada
os debates entre as posições pré e pós-queda no ad-
como a participação posterior no pecado?
ventismo. Whidden considera mesmo que sua desco-
berta foi um “wake-up call” à discussão cristológica. 91
SDA Bible Commentary, 5:1128.
Segundo ele, o seu surgimento marcou o desperta-
mento da consciência acerca das muitas declarações
92
Ellen G. White, Carta 8, 1895, citada no SDA
de Ellen G. White enfatizando a singularidade impe- Bible Commentary, 5:1128.
caminosa de Cristo (Woodrow Whidden, Ellen Whi- 93
Ibidem. Curiosamente, Wieland, seguindo o
te on the Humanity of Christ, 59). Da carta infere-se hábito das “elipses”, verificado em autores pós-lap-
que a natureza de Cristo, na compreensão de Baker, sarianos, omite completamente esta seção da carta.
sofria de desequilíbrio básico. Aparentemente, ele Jean Zurcher, em seu Tocado pelos Nossos Senti-
estivera pregando que Cristo tinha “inclinação para mentos, segue também a mesma prática de omitir
a corrupção”. Lyell Vernon Heise, em uma mono- o que não sustenta a sua teoria quanto a natureza
grafia preparada para a Andrews University sob o de Cristo. Denis Fortin, em sua análise do livro de
título “The Christology of Ellen G. White Letter 8, Zurquer, observa: “Zurcher não apenas evita uma
Cristo e os cristãos / 71
exposição clara da carta a Baker, mas também a cita de maio de 1901, citado no SDA Bible Comentary,
de forma distorcida e fora do contexto” (veja Denis 7:912.
Fortin, Andrews University Studies, vol. 38, Nº 2, 111
Webster, Crosscurrents, 124. Devemos en-
outono de 2000, 343).
tender que para Ellen G. White, Cristo “possui a
94
Ibid., 1129. nossa natureza, embora não contaminado pelo pe-
cado” (Review and Herald, 7 de Maio de 1901).
95
Admans, The Nature of Christ, 71.
Ellen G. White, Manuscrito 50, 1900, citado
112
96
Fortin, Andrews University Studies, vol. 38,
no SDA Bible Commentary, 6:1078.
Nº 2, outono de 2000, 344.
113
Ibidem.
Ellen G. White, Review and Herald, 17 de
97