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Disciplina |

Apresentação

CRISTOLOGIA, ANTROPOLOGIA
TEOLÓGICA E HAMARTIOLOGIA

UNIDADE 1
CRISTOLOGIA: A DOUTRINA DE CRISTO
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Cristologia: A Doutrina de Cristo |

Sumário

Sumário
Sumário ----------------------------------------------------------------------------------------------------- 2
Apresentação ---------------------------------------------------------------------------------------------- 3
1 A Pessoa e Obra de Cristo ------------------------------------------------------------------------- 4
1.1 Teorias acerca da dupla natureza de Jesus Cristo -------------------------------------------------------- 5
1.2 O consenso cristão------------------------------------------------------------------------------------------------ 6
2 Cristologia no Novo Testamento ---------------------------------------------------------------- 8
3 Cristologia Histórica e Contemporânea ------------------------------------------------------ 11
4 Cristo e a Santíssima Trindade ------------------------------------------------------------------ 14
5 Referências ------------------------------------------------------------------------------------------- 15

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Cristologia: A Doutrina de Cristo |

Apresentação

Apresentação
Neste curso, exploraremos de maneira profunda e metódica os aspectos cruciais
relacionados à figura central do Cristianismo: Jesus Cristo. Durante este período,
examinaremos cuidadosamente uma série de tópicos que lançarão luz sobre sua
natureza, sua significância teológica e seu papel histórico.

Iniciaremos nossos estudos com uma análise das "Teorias acerca da dupla
natureza de Jesus Cristo", explorando as diversas abordagens que tentam
compreender a coexistência de sua divindade e humanidade. Em seguida,
abordaremos as "Controvérsias acerca da personalidade de Jesus Cristo", examinando
os debates que permearam as discussões teológicas ao longo dos séculos.

Posteriormente, aprofundaremos nosso conhecimento sobre o "Consenso cristão


sobre a pessoa de Jesus Cristo", investigando como diferentes correntes de
pensamento convergem em uma compreensão comum da figura de Cristo.

Ao adentrarmos no "Cristologia no Novo Testamento", analisaremos as


representações de Jesus presentes nas Escrituras Sagradas, buscando compreender
sua identidade e propósito de acordo com os relatos bíblicos.

A seguir, examinaremos a "Cristologia Histórica e Contemporânea", traçando a


evolução das perspectivas cristológicas ao longo dos tempos e considerando como a
contextualização histórica influenciou a compreensão de Jesus.

Finalmente, mergulharemos na intersecção entre "Cristo e a Trindade",


investigando a relação intrincada entre Jesus Cristo e a doutrina da Trindade, um pilar
fundamental da teologia cristã.

Esperamos que este curso proporcione uma experiência educacional


enriquecedora e que estimule a reflexão profunda sobre os aspectos teológicos e
históricos que envolvem a pessoa e a obra de Cristo.

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A Pessoa e Obra de Cristo

1 A Pessoa e Obra de Cristo


Jesus Cristo, considerado pelos cristãos como o Filho de Deus e a segunda figura
da Trindade Sagrada, desceu à Terra para disseminar o Evangelho. Sua relevância é
tão significativa para o cristianismo que a contagem de anos foi baseada em seu
nascimento. No entanto, o exato ano de seu nascimento, em Belém, Judeia,
provavelmente em 6 a.C., possui um desajuste com o "ano zero" do calendário cristão
devido a um erro feito no século VI, quando a Igreja tentou reformular o calendário,
sem sucesso.

Nascido no final do reinado de Herodes I e durante o domínio romano da


Palestina, Jesus era filho de José, carpinteiro, e Maria, que conforme a crença cristã foi
concebida pelo Espírito Santo. A escolha de 25 de dezembro como seu dia de
nascimento, que não é citado na Bíblia, foi feita para coincidir com celebrações
romanas.

Os Evangelhos Canônicos, escritos em grego, são as principais fontes sobre a vida


de Jesus. Eles narram eventos como sua viagem a Jerusalém aos 12 anos e sua relação
com os sacerdotes no Templo. O nome de Jesus, Yeshua em aramaico, evoca figuras
seminais da tradição judaica. Há uma teoria que sugere que Jesus, na juventude, teria
sido seguidor da seita dos essênios, que tinha valores e crenças similares àqueles que
Jesus pregava. As descobertas dos manuscritos do Mar Morto em 1947 reforçam essa
ideia.

João Batista, uma figura carismática da época, pregava arrependimento. Jesus,


por volta dos 30 anos, pediu para ser batizado por ele, marcando o início de sua
missão. Ambos viam o mundo em termos de batalha entre o bem e o mal e esperavam
uma intervenção divina iminente. Jesus, após saber da execução de João Batista por
Herodes Antipas, intensificou sua pregação, culminando com o milagre da
multiplicação dos pães e peixes. Durante a Páscoa em Jerusalém, ele foi aclamado
como o Filho de Deus, mas também causou desordens, o que acabou levando à sua
prisão e condenação.

Após ser traído por Judas Iscariotes, Jesus foi julgado e crucificado. Contudo, a
narrativa cristã não termina com sua morte. Os Evangelhos da Bíblia Sagrada contam
que, em visita ao túmulo, Maria encontra a pedra aberta e o sepulcro vazio. Depois
Jesus teria aparecido a Maria, confirmando sua ressurreição.

Vários relatos contam a ascensão de Jesus. Marcos e Lucas relatam que depois
de ter se encontrado com seus discípulos, "Jesus sobe aos céus e se assenta à direita

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A Pessoa e Obra de Cristo

de Deus".

1.1 Teorias acerca da dupla natureza de Jesus Cristo


A doutrina da união hipostática refere-se à coexistência das duas naturezas de
Cristo, divina e humana, que permanecem intactas, sem fusão ou alteração, dentro de
uma única pessoa e "subsistência". Originada do Concílio de Calcedônia em 451 d.C.,
esta doutrina estabelece que Cristo é simultaneamente, de forma eterna e plena,
divino e humano. Cristo, inclusive em sua forma eterna, mantém um corpo humano,
conforme citado em At 1, 11 e Ap 5, 6.

Ao explorar esta doutrina, é vital começar pela definição dos termos. “Natureza”,
historicamente falando, variou em significado, mas na teologia denota a totalidade
dos atributos que definem algo. Assim, quando mencionamos "natureza humana" ou
"natureza divina", referimo-nos ao conjunto de qualidades que as distinguem como
tal. A “pessoa”, por outro lado, é uma entidade completa e racional, responsável por
suas ações. Não é a natureza, mas sim a individualidade independente que adiciona à
natureza que a torna uma "pessoa".

A escritura proporciona uma rica evidência dessa dualidade na persona de Cristo.


A Bíblia é completa em afirmar a divindade de Cristo, destacando sua preexistência,
atributos divinos e seus atos como Deus. Contrariamente a algumas opiniões, Cristo
nunca abdicou de sua divindade, ele apenas demonstrou poder divino ao perdoar
pecados, aceitar adoração, realizar milagres e, mais explicitamente, ao declarar sua
divindade. A redenção da humanidade requer um Deus, pois somente Ele tem a
capacidade e autoridade para isso. Além de sua divindade, a escritura também retrata
a completa humanidade de Cristo. Ele mesmo se referiu como homem e viveu
experiências humanas, possuindo não só um corpo humano, mas também alma e
espírito. Para a salvação da humanidade, era essencial que Cristo fosse completamente
humano.

A doutrina da União Hipostática, então, explica a natureza dual de Cristo, onde a


pessoa de Cristo engloba simultaneamente uma natureza humana e divina. Ambas
são completas e, embora não se misturem, também não estão separadas, coexistindo
harmoniosamente na pessoa do Logos. A eternidade de Cristo o levou a assumir uma
natureza humana, e não uma pessoa humana. Isso é crucial porque, se ele tivesse
adotado uma pessoa humana, haveria duas pessoas em Jesus, o que é claramente
antibíblico. A Bíblia afirma que o Verbo se fez carne, não meramente no sentido físico

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A Pessoa e Obra de Cristo

de músculos e ossos, mas adotando uma natureza humana completa, ressoando o


significado profundo de "carne" na linguagem joanina. Esta natureza humana é
composta de corpo, alma ou espírito.

No entanto, é fundamental entender que embora a natureza humana de Cristo


não seja uma pessoa separada, ela não é impessoal. Na sua união com o Logos, torna-
se pessoal em todos os sentidos. As naturezas de Cristo não se fundem nem se
separam, mas unem-se na pessoa do nosso Senhor. Ao discutir a personalidade da
natureza humana de Cristo, é crucial reconhecer que, apesar de possuir consciência e
vontade próprias, essas características não conferem uma pessoalidade independente.

Em relação à consciência e vontade derivadas da dupla natureza de Cristo, vemos


no registro bíblico que o Filho de Deus manifesta esses traços de acordo com a
natureza de onde surgiram. A Escritura também mostra que Cristo opera e se expressa
segundo as propriedades de cada natureza. Mesmo com esta dualidade, Cristo
permanece como a única fonte e sujeito de todas as ações e qualidades, sejam elas
divinas ou humanas. Um ponto importante a ser compreendido é que as propriedades
de ambas as naturezas, devido à singularidade da pessoa de Cristo, são atribuídas a
Ele. Ainda assim, devemos evitar a ideia de que características da natureza divina
foram transmitidas à natureza humana ou vice-versa. O que acontece em Cristo é uma
comunicação de propriedades e não uma fusão. Qualquer fusão teria sérias
implicações teológicas e metafísicas, como a alteração das naturezas de Cristo, o que
comprometeria a obra expiatória de Cristo.

Finalmente, devemos reconhecer que a doutrina da união hipostática é um


mistério que está além da plena compreensão humana. O estudo deste tema deve ser
conduzido com humildade e reverência, evitando conclusões heréticas. O foco deve
ser sempre o que está claramente delineado nas Escrituras. Mesmo que não possamos
entender completamente a natureza desta união em Cristo, devemos aceitar e adorar
nosso Salvador como o Deus-homem, nosso Redentor.

1.2 O consenso cristão


A Modernidade, desencadeada com a queda de Constantinopla diante dos turcos
otomanos em 1453, testemunha o "cisma do ocidente", representado pela Reforma
Protestante, que foi liderada por Martinho Lutero. A revolução eclesiástica, então
liderada por Lutero, impactou todas as esferas da vida da igreja: sua estrutura
hierárquica, pastorais, espiritualidade, doutrina e teologia. Lutero, na Modernidade,

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A Pessoa e Obra de Cristo

foi o primeiro a lançar um significativo questionamento à cristologia. Ele questionou


a dúplice natureza de Cristo.

No século XX, o luterano R. Bultmann impulsionou a exegese ao desenvolver um


método de análise precisa dos Evangelhos e seus contextos de vida. No entanto, com
pouca formação doutrinária, Bultmann sustentou uma ruptura entre o Jesus histórico
e o Cristo da fé. Essa abordagem minou a evolução teológica e doutrinal sobre o
mistério de Cristo, todavia, apesar de sua visão ser contrastada, seu trabalho levou-o
ao desenvolvimento do Método histórico-crítico, posteriormente incorporado pela
Igreja Católica.

Apesar das divergências, o Concílio de Calcedônia1 e a tradição pós-conciliar não


permitem separar o Cristo da fé do Jesus histórico. A tradição cristã enfatiza a
interdependência entre a função e a ontologia de Cristo, e o desenvolvimento
histórico dessa compreensão destaca que a humanidade de Jesus é realçada pela
união com Deus. Assim, a interpretação da cristologia calcedonense é desafiada e
renovada pela história e pelo pensamento contemporâneo. A cristologia é libertada
da repetição e encorajada a renovar constantemente a Fórmula de Calcedônia,
refletindo sobre sua historicidade e relevância contínua, surgindo o que conhecemos
por “cristologia transcendental”.

A própria expressão "cristologia transcendental" não está isenta de


ambiguidades, mas, em essência, busca aprofundar a compreensão, através da
antropologia, daquilo que torna intrinsecamente possível a manifestação e
autoexpressão de Deus numa figura humana. Portanto, para evitar erros e
contradições na cristologia dogmática da Igreja, é essencial reconhecer a capacidade
do ser humano de conciliar Deus e o homem em Jesus Cristo, o Homem-Deus. No
entanto, é importante mostrar, por meio de uma reflexão antropológica profunda, que
o homem, em sua condição concreta, anseia e está receptivo a uma palavra encarnada
e historicamente salvadora de Deus.

Neste contexto, a perspectiva


histórica é fundamental para entender a
identidade divino-humana de Jesus,

1
O Concílio de Calcedônia teve como principal objetivo resolver as disputas teológicas relativas à
natureza de Jesus Cristo e os cismas intensificados pelo Concílio de Éfeso. A principal consequência do Concílio
de Calcedônia foi repudiar as doutrinas Monofisista, em que a natureza de Jesus seria unicamente divina, e
Nestoriana, onde em Cristo haveria duas pessoas, uma humana e outra divina e que também negava que Maria
pudesse ser a mãe de Deus.

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Cristologia no Novo Testamento

especialmente sua relação concreta


com Deus. O esquema das duas
naturezas presente na Fórmula de
Calcedônia é transformado e
enriquecido pela perspectiva histórica,
tornando possível uma compreensão
mais rica da união de Jesus com Deus. A
importância soteriológica de
Calcedônia também é ancorada na
teologia da história, pois a dualidade
presente na fórmula expressa a perfeita
união entre Deus e o homem,
permitindo à teologia cristã equilibrar
transcendência e imanência.

A relação de Jesus com o Pai é a chave para afirmar sua divindade, mostrando
que é a relação que o define e aprofunda seu divino-humano. A Fórmula de
Calcedônia deve ser integrada em cristologias posteriores, e o uso da categoria de
relação é fundamental para expressar a união pessoal de Jesus com Deus. A filiação
divina de Jesus se baseia em sua relação histórica com o Pai, estabelecendo uma
identidade única entre o Jesus histórico e o Filho eterno.

Portanto, a Fórmula de Calcedônia não apenas mantém sua relevância, mas


também se enriquece quando confrontada com a perspectiva histórica e
antropológica. Ela continua a ser uma base sólida para a compreensão da união entre
a divindade e a humanidade em Jesus Cristo, mas também pode ser vista como um
ponto de partida para uma compreensão cada vez mais profunda e contextualizada
da fé cristológica.

2 Cristologia no Novo Testamento


Em busca de compreender plenamente a identidade de Jesus, os primeiros
discípulos recorreram às ideias correntes à época da figura messiânica. Essas
concepções, contudo, não se alinhavam completamente com a autoconsciência de
Jesus, e embora raras vezes os discípulos tenham percebido uma imagem mais
próxima da verdade sobre Jesus, frequentemente eles ficaram perplexos. Eventos
extraordinários, como a transfiguração, proporcionaram insights. Contudo, foi

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Cristologia no Novo Testamento

somente após a crucificação e a subsequente ressurreição que a plena significância


teológica da missão de Jesus se tornou clara para alguns discípulos. Eles começaram
a perceber que, contrariamente às expectativas tradicionais, o papel de Jesus não era
apenas o de um libertador político.

O papel futuro de Jesus permaneceu central para o entendimento cristológico.


As concepções messiânicas anteriores, que foram mal aplicadas a Jesus, ganharam um
novo significado após a cruz e a ressurreição. Estas, vistas sob uma nova luz,
ressignificaram a missão de Jesus, elevando-o a um plano divino. Com o tempo, a
compreensão cristã começou a contrastar com as crenças judaicas tradicionais, e a
comunidade cristã viu Jesus não apenas como o prometido Messias, mas como uma
figura central na história da salvação, cuja primeira vinda tinha um significado
profundo. Além disso, a confiança na segunda vinda de Jesus estava ligada ao
significado de sua primeira vinda.

Inspirados pelo Espírito Santo, os primeiros cristãos acreditavam na presença


contínua de Jesus como Senhor. No contexto litúrgico, eles sentiam esta presença, e
isso solidificou sua crença na divindade de Jesus. Além disso, se Jesus era o ponto
focal da revelação divina, sua presença e influência estendiam-se tanto para o passado
quanto para o futuro. Essa reflexão cristológica expandiu-se e se aprofundou ao entrar
em contato com o pensamento helenístico, levando a interpretações mais complexas
da identidade e missão de Jesus.

Os principais aspectos da cristologia do Novo Testamento já estão consolidados


e evidentes nas primeiras comunidades cristãs. Estes temas, ligados aos eventos após
a morte de Jesus, são a base de todas as principais afirmações cristológicas. Isso é
evidenciado pelas declarações de fé e hinos originados na comunidade original.
Destaca-se que, principalmente nas cartas de Paulo, no Evangelho de João e na
Epístola aos Hebreus (documentos com raízes helenísticas), as ideias cristológicas
foram mais elaboradas. Porém, é essencial lembrar que o helenismo influenciou não
apenas fora da Palestina, mas também dentro dela.

Os recentes achados de Qumran, com evidências claras de sincretismo e


semelhanças com o Novo Testamento, indicam que certos grupos do cristianismo
palestino inicial, como os "helenistas", tiveram contato com o pensamento helenístico
desde o início.

Dessa forma, devemos abandonar a divisão simplista entre cristianismo judaico


primitivo e helenístico. A distinção entre a teologia das igrejas pagãs e da igreja de
Jerusalém não é tão rígida quanto se pensa. Além da falta de documentos que

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Cristologia no Novo Testamento

delimitam claramente, essa divisão extrema não é real, devendo-se considerar que,
enquanto o helenismo influenciou mais fortemente a igreja em regiões pagãs, a
Palestina não ficou imune.

É fundamental perceber que a compreensão cristológica foi progressiva. O cerne


dessa evolução não foi simplesmente a transição da igreja palestina para territórios
pagãos, por mais significativa que essa mudança tenha sido. As fases centrais
envolvem a vida e morte de Jesus, suas referências à missão que recebeu, a vivência
pascal dos discípulos, a manifestação do Senhor no cotidiano e culto cristão e,
finalmente, a reflexão inspirada pelo Espírito Santo sobre a relação do Cristo com a
ampla narrativa da salvação e criação até a parusia. Visto que está intrinsecamente
ligado ao evento central da vinda de Cristo, esse desenvolvimento é considerado parte
da revelação em si.

Ao focar nas características fundamentais da cristologia do Novo Testamento, é


primordial mencionar sua perspectiva total, orientada pela história da salvação. Esta
perspectiva não se aplica igualmente a todas as interpretações cristológicas, porém,
em todos os casos, o Cristo é o cerne de toda revelação. Se esse nexo com a história
salvífica, uma história temporal e real, é perdido, a essência da cristologia do Novo
Testamento também se desvanece.

Reconhecer Jesus Cristo como a suprema manifestação de Deus implica não


apenas em reconhecer sua obra, mas também sua pessoa. No entanto, no Novo
Testamento, a pessoa e a obra são inseparáveis, e por enxergarem Jesus como a
revelação da salvação divina, os primeiros cristãos não poderiam reconhecê-lo de
outra forma.

Toda cristologia é intrinsecamente ligada à história da salvação, e vice-versa. Isso


explica por que as primeiras declarações de fé centradas em Cristo não fazem
distinção entre Deus como Criador e Cristo como Salvador, pois criação e redenção
estão entrelaçadas como manifestações divinas. Se analisarmos profundamente a
jornada humana de Jesus, percebemos que é incoerente separar redenção da criação.
A sacrificial morte de Cristo tem repercussões universais e o Cristo eterno não é apenas
o líder da Igreja, mas também o regente do cosmos. Portanto, na esfera da revelação,
só pode haver um Logos, um Senhor, um Deus.

No entanto, o Novo Testamento faz uma distinção entre o Pai e o Filho, mas não
como Criador e Salvador. É mais uma distinção entre o início e o fim, e o intermediário.
Reflete a relação entre Deus e Sua palavra - que é Ele e, ao mesmo tempo, distinto
d'Ele. Esta distinção faz sentido apenas durante o tempo da revelação, que começa

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Cristologia Histórica e Contemporânea

com a criação e continua até o final dos tempos.

A verdadeira dificuldade não está em concepções ultrapassadas ou avanços


tecnológicos, mas na aceitação de que eventos históricos específicos, como a
crucificação sob Pôncio Pilatos, são a manifestação central de Deus.

Os primeiros cristãos adquiriram essa compreensão através de três aspectos: o


testemunho da vida de Jesus, a experiência transformadora da presença do Senhor e
a reflexão sobre a relação de Jesus Cristo com todas as outras revelações divinas. Estas
são as bases da crença cristológica do início do cristianismo e continuam sendo
fundamentais para entender quem é Jesus hoje.

3 Cristologia Histórica e Contemporânea


Existem diversas fontes que confirmam a vinda do Messias Cristão à Terra.
Segundo as tradições cristãs, os Evangelhos foram escritos por testemunhas oculares
que conviveram com Jesus (Mateus e João), assim como por aqueles que tiveram
contato com essas testemunhas (Marcos e Lucas). O professor Craig Blomberg, em
uma entrevista a Lee Strobel no livro "Em Defesa de Cristo", sustenta que Mateus,
durante o período de evangelização de Pedro e Paulo em Roma, escreveu o Evangelho
em língua hebraica para os hebreus. Posteriormente, após a morte de Pedro e Paulo,
Marcos, discípulo e intérprete de Pedro, registrou por escrito o que Pedro ensinava. E
Lucas, companheiro de Paulo, também escreveu o evangelho pregado por ele. João,
o discípulo do Senhor, publicou seu Evangelho enquanto residia em Éfeso, na Ásia
(STROBEL, 2001, p. 28).

Assim, os textos bíblicos, ao identificar os autores desses livros, oferecem uma


narrativa sobre a vida de Jesus. Todavia, o lapso temporal entre a passagem de Cristo
pela Terra e os registros escritos desse evento preocupam, posto que foi somente
após 40 anos de Sua morte que o relato mais abrangente sobre a vida de Jesus foi
escrito, no Evangelho segundo São Marcos, e, nesse intervalo, elementos míticos se
misturaram aos fatos históricos, comprometendo a precisão do relato.

Em contrapartida, e em comparação com a história de Alexandre, o Grande, as


biografias mais antigas foram escritas por Ariano e Plutarco após mais de 400 anos de
sua morte, mas, ainda assim, são consideradas confiáveis. O material lendário surgiu
posteriormente, enquanto nos primeiros 500 anos a história de Alexandre
permaneceu praticamente intacta. Portanto, a questão da temporalidade dos

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Cristologia Histórica e Contemporânea

Evangelhos em relação a Jesus é comparativamente insignificante.


Consequentemente, de acordo com as tradições mais respeitadas, os relatos sobre a
origem, ministério, morte e ressurreição de Jesus são considerados autênticos. Estas
narrativas são suficientes para afirmar que Jesus é o Filho de Deus e o Messias
prometido ao longo da história do Antigo Testamento. Quanto à alcunha "Filho do
Homem", apesar de sugerir a fragilidade humana, é interpretada por estudiosos como
Blomberg e William Lane Craig como uma afirmação de autoridade e divindade,
conforme Junior (2021), apoiada pela profecia de Daniel sobre um ser que reinará
eternamente (BÍBLIA ONLINE).

Este panorama histórico destaca as perspectivas variadas sobre Jesus, suas


autodenominações e sua identidade como Filho de Deus e Messias. Ao examinar esses
argumentos, é possível concluir que a existência de Jesus como ser humano não pode
ser contestada, mas a discussão sobre sua natureza divina e seu papel como Messias
continua a gerar debates teológicos.

Na cristologia clássica, o Filho Eterno assume uma natureza humana, havendo


assim um progresso histórico e temporal em que o Filho se encarna. No entanto,
depois desse marco histórico, não fica claro o elemento histórico presente na natureza
que o Filho Eterno assumiu. Ao abordarmos a história de Jesus, enfatizamos como o
homem Jesus de Nazaré, por meio de sua vida e ações, gradualmente revela sua
filiação divina. Os Evangelhos afirmam a preexistência de Cristo, mas seus autores
refletem sobre e narram a vida de Jesus, na qual ele cresce em filiação ao Pai à medida
que se entrega historicamente a Ele. Isso não se refere à divindade de Cristo em
termos de natureza, mas à maneira como Jesus de Nazaré historicamente revelou sua
filiação. A aparição histórica dessa filiação envolve um processo, e essa totalidade do
processo constitui a base histórica para afirmar sua filiação divina e, posteriormente,
sua preexistência.

Assim como a compreensão da divindade de Jesus requer considerar sua relação


com o Pai e Seu Reino, essa relação também exige uma análise de sua historicidade.
A relação de Jesus de Nazaré com o Pai tem uma dimensão histórica. Posto isso, Jesus
não é apenas o Filho, mas também o caminho ao Pai. Nesse sentido, através de sua
filiação, Jesus se torna o mediador do Pai, o esplendor de Sua glória e a encarnação
concreta da relação com Deus.

No entanto, se Jesus é a Palavra Encarnada do Pai para a humanidade, também


é a resposta do homem a Deus, uma resposta histórica que deve ser percorrida. A
verdade de uma fórmula dogmática pode ser explorada sob vários prismas, incluindo

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Cristologia Histórica e Contemporânea

aspectos históricos e a história das ideias que levaram à formulação. Além disso, é
crucial considerar a validade da fórmula ao longo da história e se há seguidores de
Jesus que, por meio desse seguimento, o confessam como Cristo e abrem caminhos
concretos para os demais.

A validade da Fórmula de Calcedônia permanece, pois, mesmo com abordagens


cristológicas posteriores, os cristãos continuam a encontrar a verdade definitiva e
provocativa sobre Cristo, plenamente Deus e plenamente homem, conforme
confessado na Fórmula Calcedoniana. A categoria de "seguimento a Jesus" torna-se
princípio para a leitura dessa fórmula, apresentando-a como holística, visto que o
Logos, ao encarnar, se torna mediador de toda a humanidade, unificando os seres
humanos. A validade da Fórmula de Calcedônia é confirmada pelo reconhecimento
de que Jesus é um caminho para o Pai e pela percepção de que ela não pretende dizer
tudo sobre o Mistério da Encarnação. A hermenêutica conciliar requer compreender
que uma fórmula dogmática é uma interpretação da fé e do texto fundador, não um
ponto de partida absoluto, sendo uma conclusão que precisa ser lida à luz da Escritura,
da qual busca ser uma interpretação e atualização.

As descobertas científicas e as reflexões filosóficas sobre a natureza da realidade,


da mente humana e do universo levam a novas interpretações da encarnação e do
papel de Cristo na salvação da humanidade. A cristologia, agora, explora como a
mensagem cristã pode dialogar com a cosmologia, a ética, a justiça social e as
preocupações ambientais.

Uma das características marcantes da cristologia atual é a ênfase na


contextualização, ou seja, os teólogos cristãos estão cada vez mais atentos às
diferentes culturas, perspectivas e desafios que a sociedade enfrenta. Isso resulta em
abordagens cristológicas diversificadas, que buscam conectar a mensagem de Cristo
com as realidades contemporâneas. Além disso, a cristologia contemporânea também
está aberta ao diálogo inter-religioso e intercultural, buscando pontos de
convergência e compreensão mútua.

A questão da pluralidade religiosa e da secularização também molda a cristologia


atual. Diante disso, os teólogos cristãos estão reavaliando como apresentar a
singularidade de Cristo e Sua relevância em um mundo plural, o que, muitas vezes,
envolve uma busca por pontos de contato entre a mensagem cristã e os anseios
humanos por significado, esperança e transformação.

Por fim, a cristologia hoje reflete uma busca por uma espiritualidade autêntica e
uma compreensão mais profunda da pessoa de Jesus Cristo. Os teólogos exploram

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Cristologia: A Doutrina de Cristo |

Cristo e a Santíssima Trindade

não apenas os aspectos doutrinários, mas também a dimensão existencial da fé, como
Jesus inspira e desafia a vida dos crentes no mundo atual.

4 Cristo e a Santíssima Trindade


A doutrina da Trindade, também conhecida como triunidade, é uma definição
que postula a unidade essencial de Deus, esta, por sua vez, formada pela coexistência
de três pessoas igualmente divinas e eternas, compartilhando a mesma essência, mas
existindo em subsistências distintas. Essa definição representa uma síntese do Credo
de Constantinopla, dos símbolos de fé da Reforma e das formulações contemporâneas
de teólogos renomados, incluindo Charles C. Ryrie.

O termo "Trindade" foi primeiramente utilizado por Tertuliano (160-220 d.C.), que
também introduziu as palavras "pessoas" e "substância" na tentativa de explicar a
pluralidade dentro de Deus. No entanto, ao longo da história, a compreensão dessa
doutrina passou por desafios e desenvolvimentos, incluindo debates sobre a relação
hierárquica entre as pessoas da Trindade e a natureza do Filho em relação ao Pai.

A doutrina da Trindade foi solidificada e reafirmada no Concílio de


Constantinopla, em 381 d.C., que condenou o arianismo como heresia e estabeleceu
as bases para as formulações posteriores da Trindade. No entanto, a própria natureza
da doutrina e as tentativas de compreendê-la têm gerado debates teológicos intensos
ao longo dos séculos.

Ao analisar as Escrituras, surge a pergunta sobre qual base temos para afirmar a
pluralidade em Deus. Enquanto o Antigo Testamento enfatiza a unidade de Deus e
apresenta evidências vagas que podem indicar uma pluralidade, é no Novo
Testamento que a doutrina da Trindade se torna mais explícita. A fórmula batismal
mencionada em Mateus 28:19 e a bênção apostólica demonstram claramente a
concepção trinitária de Deus que os apóstolos e os primeiros cristãos tinham:

18 Então, Jesus aproximou-se deles e disse: "Foi-me


dada toda a autoridade nos céus e na terra.

19 Portanto, vão e façam discípulos de todas as


nações, batizando-os em nome do Pai e do Filho e
do Espírito Santo,

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Referências

20 ensinando-os a obedecer a tudo o que eu ordenei


a vocês. E eu estarei sempre com vocês, até o fim dos
tempos".

(Mateus 28, 18-20; grifos nossos)

A doutrina da Trindade é fundamental para o entendimento da natureza de Deus,


pois impede a mutabilidade em Deus, garantindo sua imutabilidade e perfeição. A
crença em um Deus triuno também é central para a compreensão da redenção e da
salvação, já que a obra do Pai, do Filho e do Espírito Santo está interligada nesse
processo.

Apesar dos debates e desafios teológicos ao longo da história, a doutrina da


Trindade continua sendo um elemento central da fé cristã. Ela é um mistério que
transcende a compreensão humana, mas permanece como uma tentativa de expressar
a natureza complexa e diversificada de Deus, que se revela como Pai, Filho e Espírito
Santo, em uma unidade indivisível.

5 Referências
ÁVILA, Lucas Furlaneto. Uma Filosofia da Linguagem Divina: Os atos de fala de
Deus, o mundo e a história humana na narrativa bíblica. Unesp: 2021.

BÍBLIA ON. Bíblia Sagrada Online. Acesso em: 15/08/2023.

FRAZÃO, Dilva. Jesus Cristo. E-Biografia. 2019.

JÚNIOR, Fladmar Vieira Barbosa. A Dupla Natureza de Cristo na Obra “O Evangelho


Segundo Jesus Cristo”, de José Saramago. Colloquium – Revista Multidisciplinar de
Teologia: Crato-CE, vol.6, n.1, 2021.

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