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Imagens publicitárias

como fonte para o estudo


e o ensino da l1istória na
ditadura militar
(1969-1973)
Luis Fernando Cerri
Professor Adjunto do Departamento de História da Universidade
Estadual de Ponta Grossa.
Membro do Grupo Memória - Pesquisa em ensino de História
da Faculdade de Educação da Unicamp

É equivocado reclamar que a escola e o ado ao saber histórico produzido nas insti-
ensino da História não conseguem estar tuições acadêmicas, é composto por outros
no mesmo passo que os avanços promovi- conhecimentos e fontes que não têm neces-
dos pela ciência, que o professor sempre sariamente uma legitimidade científica,
está ensinando algo que já foi ou está sen- como a imprensa. Os documentos históri-
do superado pela academia. Seria por aca- cos são um outro campo que é abordado
so interessante que cada nova contribui- pelo professor diferentemente da aborda-
ção das Universidades e institutos de pes- gem acadêmica. Enfim, o saber histórico es-
quisa passasse a integrar imediatamente colar é diverso, e não simplesmente deriva-
1:1
os currículos escolares? do do saber histórico produzido nas insti-
11 A perspectiva que simplesmente cobra tuições socialmente legitimadas como
!. produtoras desse conhecimento, exatamen-
Ii ; da educação uma maior proximidade com
I !
!.11 as preocupações acadêmicas está atrelada a te porque as suas finalidades são diversas:
uma visão tradicional, porém dominante, trata-se prioritariamente de formar deter-
da relação entre Escola e Universidade, en- minadas habilidades, interesses e conheci-
tre o saber escolar e o saber erudito, cientí- mentos com o aluno, e a essa finalidade
fico. Ainda de maneira alternativa, alguns submete-se o conhecimento produzido em
autores passam a argumentar a existência função da escola e do ensino da História.
do saber histórico escolar, cuja lógica de Por isso, como bem define Bergrnann2, a
composição não seria a simplificação ou didática da história (para usar a sua termi-
banalização dos conhecimentos emanados nologia) não se restringe aos aspectos me-
da produção acadêmica, institucionaP. O todológicos, mas preocupa-se também
saber histórico escolar, apesar de referenci- com as condições, finalidades, motivos,
problemas e alternativas no fato social do
;i ensino da História.
1 Destacadamente Henri MONIOT. Didactique de
'j Feita essa ressalva, podemos afirmar
il I'Histoire. Paris: Nathan, 1993, mas também Fran-
que muitos dos avanços científicos da His-
çois AUDIGIER em algumas intervenções na Re-
il vue Française de Pedagogie, por exemplo o artigo
:1 Répresentations des élêves et didactiques de
l'histoire, de Ia géographie et des sciences écono- 2 KIaus BERGMANN. A História na Reflexão Di-
il
fi miques et sociales, na R.F.P. Paris, n. 85, pp. 11- dática. Revista Brasileira de História. São Paulo:
"I 19, oct-dec 88. voI. 9, n. 19, pp. 29-42, set. 891 fev. 90.
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tória (que nem sempre são consensuais) ela. A competência comunicativa de um
introduzem novas temáticas que são im- produto ou idéia mede-se em grande par-
portantes para o processo educacional, na te pela capacidade de estabelecer uma co-
medida em que se originam de preocupa- municação visual a partir de uma imagem
ções sociais postas pelas relações presen- fixa, tornando-se o referente a partir do
tes no meio partilhado pela universidade e qual outras imagens são despertadas. Nos
pela escola. dizeres de Sáfady: 'Tanto maior o potencial
A problemática do imaginário na His- de comunicação do produto/veiculo, quanto
tória está entre essas preocupações acadê- maior sua capacidade de, por meio da imagem
mica que, após algum tempo, pela rela- fixa, sugerir no sujeito uma imagem anima-
ção de referência, passam aos currículos, da, ou, em outros termos, deflagrar o referen-
aos programas, à sala de aula. Podemos, cial interior dinâmico."s Assim, ao vender
grosso modo, sem nos aprofundarmos nes- pó de café, a publicidade eficiente provoca
sa discussão, tratar o imaginário como o · no seu público, por meio de imagens fixas,
conjunto de todas as imagens produzidas · não a consciência do pó de café em si, mas
pela ação humana, com o devido cuidado · a imagem dinâmica da xícara com o café
de considerá-Io não como oposto ao real, pronto, fumegante, aromático e saboroso.
mas como parte dele3• Podemos também Para essa habilidade é imprescindível
pensar o imaginário como um capital que a imagem posta pela publicidade con-
pensante à disposição da espécie huma- siga, como referente, mobilizar outras ima-
na4, o que implica não aceitar visões que gens consagradas pelo sujeito e portanto
o coloquem como sujeito, ainda que pos- ser eficaz no resgate do imaginário. Por
sa ser instituinte. Ou seja, marca-se a po- isso, podemos considerar que a publicida-
sição de que o imaginário age sobre as de, especialmente a impressa e composta
pessoas quando acionado, hierarquizado, com imagens visuais (além de outras, sus-
mobilizado, enfim, pelas forças sociais. citadas pelo texto, forma, combinação de
Evidentemente, os detentores hegemô- cores, etc.), é um recurso privilegiado para
nicos do(s) poder(es) têm uma capacida- abordar o imaginário, tanto como fonte
de maior de realizar essa mobilização. · para a historiografia quanto como recurso
A publicidade, principalmente aquela · didático. Nessa possibilidade didática, a
publicada na imprensa (ou seja, a que se : publicidade é um recurso interessante pela
utiliza da imagem fixa),s é a imagem por sua familiaridade, que vem da presença
excelência, no sentido de que a sua fun- concreta e cotidiana na vida dos alunos e
ção, como a da imagem, é remeter a algu- dos professores6, familiaridade esta que
ma outra coisa, é criar uma forma de apa- nem sempre é comum a outras fontes do-
rição que não é a coisa em si, mas remete a cumentais utilizadas em sala de aula.
Este texto procura adiantar algumas
contribuições a essa temática pensadas a
3 "Relembremos o sentido corrente do termo imaginá-
partir de pesquisa do autor, que compõe-
rio, o qual, por agora, nos bastará: falamos do imagi-
nário quando queremos falar de alguma coisa 'inven-
se de dois momentos referentes a duas
tada' - quer se trate de uma invenção 'absoluta'( ...),
ou de um deslizamento, de um deslocamento de senti-
do, onde símbolos já disponíveis são investidos de ou- 5SÁFADY,Naief. Publicidade e propaganda. Rio de
tras significações que não suas significações 'normais' : Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1973, p. 16.
ou 'canônicas' (... ). Nos dois casos é evidente que o
imaginário se separa do real, que pretende colocar-se 6 Até porque estamos submetidos à lógica da so-
em seu lugar (uma mentira) ou que não pretende fazê-: ciedade de massas e de consumo, na qual o co-
10 (um romance)." Cornelius CASTORIADIS. A · nhecido é o famoso, por isso é mais produzido e
instituição imaginária da sociedade. 3. ed. Rio de Ja-
· se torna mais conhecido. Este circulo vicioso da
neiro: Paz e Terra, 1991, p. 154. familiaridade produzida pela indústria cultural é
um dos temas do texto de Theodor W. ADOR-
• Segundo Gilbert DURAND, citado por Sandra NO. O fetichismo na música e a regressão da au-
Jatahy PESAVENTO. Em busca de uma outra histó- dição. In: Textos escolhidos - Horkheimer / Ador-
ria: imaginando o imaginário. Revista Brasileira de : no. 5. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1991, p. 79-
História. São Paulo: vol. 15, n. 29, p. 9-27, 1995. · 105 (Col. Os Pensadores).

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questões fundamentais: quais são as ima- de setembro e os dos aniversários do gol-
gens de nação e nacionalidade veiculac:is pe de 1964, ou a festa do Sesquicentenário
no período do "milagre econômico" (1969- da Independência7, que geram repercus-
1973), sob a ditadura de Garrastazu Médi- são na imprensa sem que o governo neces-
ci - incluindo aí suas raízes, suas referên- sariamente pague por ela, a grande maio-
cias, os mecanismos de plausibilidade - e ria das aparições é feita por outros agentes
qual é o seu efeito sobre a consciência his- que não o Executivo federal. Creio que a
tórica e as ações políticas dos brasileiros. explicação para esse fato está na formação
Esse texto se restringe ao primeiro mo- de uma rede de difusão de idéias capita-
mento da pesquisa. neada pelo Estado, mas que encontra res-
Recorrendo a fontes primárias, levan- paldo e iniciativa em diversos setores da
tou-se uma série documental expressiva e sociedade civil (em grande parte os que
procedeu-se a análise dessas imagens, planejaram e desencadearam o golpe de
dentro de uma compreensão qualitativa 64), compondo múltiplos focos de ernissão
de que cada documento tem um valor em de idéias e imagens atuando em sintonia,
si; embora se estabeleça um conjunto em uma cadeia de produtores e mobilizadores
que é possível resgatar as continuidades de imaginário mantida pelo capital estatal
que validam os significados de um docu- e privado, uma "cadeia nacional" (explo-
mento como mensagem ideológica (e por rando o triplo sentido da expressão -
isso generalizada, e não particular a um como rede de emissores, como rede que
documento apenas). Abordamos as edi- produz um determinado discurso sobre a
ções do período citado das revistas Veja e nação e como rede que legitima a supres-
Visão, principalmente. são das liberdades).
Essas fontes foram escolhidas por re- Os governos militares tinham como
presentarem uma parcela significativa da uma de suas pedras de toque, além do
comunicação de massas do período, uma combate ao "perigo vermelho", a morali-
vez que estamos em busca não apenas do zação e austeridade da administração pú-
ensino do Brasil e da brasilidade feito pela blica. Por isso, era estratégico não gastar
escola, mas do que se ensinou para as mul- grandes verbas com a propaganda do re-
, tidões como um todo. Evidentemente, de- gime; todavia, ela é essencial para garan-
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vemos considerar que meios como revistas tir um amplo consenso político, sem o
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semanais e jornais têm uma penetração qual a legitimidade de um governo de
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muito mais restrita entre a população da- eleições restritas e atos arbitrários e im-
quele momento. Algo assemelhado pode-se populares fica comprometida. A saída
dizer da televisão, cujo grande crescimento para o governo foi contar com a parte pri-
de estações retransmissoras e da quantida- vada da "cadeia nacional", isto é, a cola-
de de aparelhos está apenas se iniciando na boração moral e financeira de indivíduos,
virada da década de 60. Entretanto, tais grupos e empresas que se beneficiam di-
meios são significativos porque dirigem-se reta ou indiretamente do apoio ao gover-
principalmente aos chamados "formadores no, as suas medidas ou a propagação das
de opinião", e são oportunidades de identi- suas composições ideológicas. Assim,
ficar o discurso imagético nacional, quando empresas particulares repetirão frases de
vêm à tona as imagens selecionadas e regis- cartazes e materiais de propaganda ofi-
tradas nessa pesquisa. ciais, multiplicarão frases de discursos
Passamos a apresentar algumas caracte- dos presidentes, utilizarão imagens "ca-
rísticas desse universo de fontes. A maior nônicas" do regime em sua propaganda
parte das referências imagéticas à nação e institucional, e, no caminho recíproco,
à nacionalidade que aparecem nos veícu-
los de comunicação abordados não são
7 Ou ainda as publicações do próprio governo,
propagandas pagas diretamente pelo Exe-
como as revistas do MEC, em cujos custos não fi-
cutivo (e sua agência de propaganda), mas gura o pagamento da publicidade, mas apenas a
sim propagandas de empresas estatais e elaboração, impressão e distribuição do material,
privadas. Excetuando-se os cartazes de 7 como os cartazes.

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frases e imagens colocadas pela publici- : patriotismo geral que o governo simples-
dade Yr1vada serão aproveitadas na esta- mente coordena. Essa postura está em
taIs. E comum, por exemplo, a propagan- : consonância com a indisposição da propa-
da sintonizada com o regime por parte de · ganda governista com o oficialismo das
empresas - mesmo multinacionais - que : mensagens, na busca de uma marca pró-
atuam em grandes obras do governo, · pria que se pretende diferente daquela do
como a construção da hidrelétrica de Itai- : Departamento de Imprensa e Propaganda
pu, da rodovia Transamazônica, da usina · do Estado Novo1o•
· Assim, o que analisamos são mensagens
nuclear de Angra dos Reis.
· e imagens que estão disseminadas por
O emissor / retransmissor desta "cadeia
: todo o corpo social, emitidas por uma
nacional" pode ser, então, uma instituição
· multiplicidade de sujeitos, mas sobre as
que se beneficia de um favorecimento do
: quais paira indiscutivelmente a sombra do
governo, ou que o pleiteia, diante de um
· Estado autoritário e da ditadura, que se
regime de extrema centralização no Poder
: converte no seu período mais fechado.
Executivo, das decisões e do poder de dis-
O levantamento das fontes menciona-
tribuição dos recursos, ou ainda uma em-
: das permite estabelecer várias linhas te-
presa simplesmente entusiasta (acompa-
: máticas para a propaganda em torno da
nhante ou produtora) da compreensão do-
nação, que atacam cada uma delas uma
minante sobre a nação. No caso das das dimensões da identidade nacional.
empresas estatais, o controle direto do Por conta do âmbito deste texto, aborda-se
Poder Executivo é mais claro, menos me- apenas uma dessas linhas, que é a nação
diado, mas essa lógica não é totalmente compreendida como um sujeito (o que na
ausente. Colaborar com uma solicitação verdade funciona como um recurso de in-
do Executivo é estabelecer com ele uma determinação / ocultação dos reais sujeitos
predisposição positiva. · históricos). Comentaremos ainda, a título
Exemplo disso é a organização das co- · de exemplo, apenas duas peças publicitá-
memorações do dia 7 de setembro de 1970, : rias dentro dessa temática.
em que o governo, além de organizar a Quando se fala "o Brasil" como o sujei-
festa, solicita apoio na divulgação do con- : to da frase, nesse contexto, não se trata
junto das comemorações e do seu signifi- · simplesmente de metonímia: a história na-
cado para o país, e recebe uma resposta : cional, sob a ótica do pensamento naciona-
extremamente satisfatória, economizando lista, é uma biografia da nação. Esta é uma.
grandes quantias pela doação de recursoS : característica comum nas falas acritica-
e mantendo um posicionamento de auste- · mente comprometidas com a identidade
ridade ao recusar o pagamento de gastos · de seu próprio grupOll .
extras 9 com shows televisivos. O sucesso É sob esta perspectiva de unicidade que
da participação popular no ritual cívico : a história nacional recorre à "personaliza-
está ligado ao crescimento e estabilidade · ção" do Brasil, o que fica muito claro no
econômica e à vitória do Brasil na Copa do · desafio feito pela propaganda do regime
Mundo de futebol, mas a participação de · militar: "Brasil, ame-o ou deixe-o". Um
burocratas e empresários, ainda que bene- · dos efeitos desse mecanismo é facilitar a
ficiada por esse clima de euforia coletiva, : identificação entre a vontade da nação e o
liga-se àquele mecanismo de sintonia, cuja
vantagem ideológica era tirar aparente-
mente o governo do centro de emissão das 10 Cf. FICO, Carlos. Reinventando o otimismo. Rio
mensagens patrióticas, fazendo com que de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1997, p. 96.
parecessem apenas uma expressão do 11 ORLANDI Eni P. O discurso da hist6ria para a es-

: cola. In: As formas do discurso. 2. ed. Campinas:


· Pontes, 1987, analisa a descaracterização ou aco-
8 Como é o caso do cartaz oficial do 7 de setem- · bertamento do sujeito da história como caracte-
bro de 1971, que é antecedido por uma campa- : rística lingüística de boa parte dos textos didáti-
nha publicitária da FIESP /CIESP, cuja temática cos do período. Suzanne CITRON. Le Mythe Nati-
é "Brasil, ontem, hoje e sempre". · onal. Paris: Ed. Ouvrieres; Edi, 1987, analisa a
9 O dia do Brasil ou de como um feriado : construção histórica da história nacional france-
se transformou numa festa. Veja, n. 105, p. 17-19, · sa, através dos manuais didáticos, e constata essa
9/9/70. : personalização da nação.

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::l llm::l nrptpn~ão de ~iQ:an.tismo
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Paulo publicado na Veja número 76, de : gante com a ideologia do trabalhO do Esta-
18/02/70, sobre as Obrigações Reajustá- do Novo, resultando num sujeito coletivo
veis do Tesouro Nacional, intimava, com a dinâmico, galvanizado pela política eco-
figura de uma mão com o dedo apontando nômica do Estado. Como uma pessoa, este
para o leitor: "O Brasil espera que cada gigante teria reações humanas, como irar-
um compre as suas obrigações". No pro- se ao ser chamado de adormecido.
cesso de análise, podemos perguntar: Um anúncio da Norton Publicidade,
Quem espera que as ORTNs sejam com- composto apenas de texto, afirma: "0 pró-
pradas? O "Brasil"? O Brasil vai se entre- ximo que falar em gigante adormecido
ter com uma questão tão pragmática leva uma bordoada dele" (Veja 105, de 9/
quanto papéis do governo postos no mer- 09/70) é sintomático do momento político
cado financeiro? Quem se beneficia da em que vem à tona: ao mesmo tempo que
venda desses papéis, dentro do "Brasil" é expõe a imagem do gigante como expres-
a administração pública, o governo. Esta- são do sujeito coletivo nacional, e conside-
mos diante de uma figura de linguagem rando a associação entre o regime e a na-
altamente ideologizada, em que a parte é ção, apresenta a disposição dele em reagir
tomada como o todo ... ou será que esta violentamente contra seus detratores. Essa
parte entende-se como o todo? O sujeito disposição é naturalizada e legitimada: o
"Brasil", dotado de legitimidade, identifi- gigante está fazendo de tudo para o de-

I cação com cada indivíduo brasileiro, e


uma duração consistente, é anteposto ao
governo militar passível de questiona-
senvolvimento da nação (de si mesmo,
portanto), que beneficia a todos, e julgá-Io
atrasado ou no rumo incorreto é credenci-

I mentos, exterior ao indivíduo, e de dura-


ção efêmera em termos históricos. A ocul-
· ar-se para a bordoada, figura para as vio-
: lências e assassinatos ocorridos nos órgãos
! tação de um sujeito histórico por um sujei-
to abstrato e coletivo é sobretudo uma
: repressivos. Ao mesmo tempo que parece
· uma frase bem-humorada sobre o surto de
operação de legitimidade, identificando a desenvolvimento econômico, há uma
parcialidade e datação de um governo à ameaça sub-reptícia que se refere ao terror
totalidade e atemporalidade do símbolo promovido sob a presidência de Médici
de identificação do grupo humano que se (que atingia a todos sob a forma de boatos
reúne sob o nome Brasil. O uso do termo e ou da experiência de algum conhecido
do conceito de "Brasil" serve como meca- que desaparecera) aos que não seguem o
nismo de indeterminação dos sujeitos his- "conselho" do gigante: "Pare de falar e
tóricos por trás dos processos narrados; trabalhe" .
isso favorece um sentimento e uma idéia Enfim, estamos diante de alguns exem-
de unicidade e favorece também a possibi- plos, notadamente voltados à propaganda
lidade de a maioria dos cidadãos aderir a política, mas o professor pode generalizar
essa história, assumindo-a como sua. Com este espírito crítico e analítico para a des-
isso generaliza-se para o passado coletivo montagem de peças publicitárias junta-
as decisões, erros, vitórias, crimes, ganhos · mente com seus alunos, como geralmente
que foram de alguns grupos específicos no · é feito pelo historiador com os documen-
decorrer da história. : tos de que dispõe. Daí dizermos tão insis-
Se o Brasil é assim personificado, que · tentemente que a formação do professor
imagem corresponderia a ele? Durante os : precisa compartilhar habilidades e infor-
governos militares, as agências de propa- · mações da formação do pesquisador. Se
ganda estatais e privadas não criam uma : este trabalha com a decifração dos docu-
imagem nova, mas mantêm a imagem do · mentos reconhecidos como históricos, o
gigante, utilizada desde a consolidação : professor trabalha com os documentos da
dos principais traços fronteiriços do Esta- · cultura, no calor da hora, orientado por
:1 do nacional. A ênfase, entretanto, não é : outros objetivos, principalmente o de ensi-
I mais a de um gigante "pela própria natu- : nar a ler a realidade para além do discurso
li reza", mas a adequação do gigantismo ter- · que ela oferece sobre si mesma.
II I

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