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Tribunal de Justiça de Minas Gerais

Número do 1.0290.12.000048-1/001 Númeração 0000481-


Relator: Des.(a) Heloisa Combat
Relator do Acordão: Des.(a) Heloisa Combat
Data do Julgamento: 10/11/2016
Data da Publicação: 22/11/2016

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO


POR DANOS MORAIS. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE FORNECIMENTO
DE ÁGUA. COPASA. INTERRUPÇÃO DO FORNCIMENTO DE ÁGUA.
VAZAMENTO NO SISTEMA DE ABASTECIMENTO. FALHA NA
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. MUNICÍPIO DE VESPASIANO.
INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CABIMENTO.

- Configura relação de consumo o vínculo estabelecido entre a


concessionária de serviço público e o usuário, destinatário final do serviço.

- Na situação de serviço falho ou deficiente, consubstanciado na falta de


água que persistiu por vários dias, recai sobre a prestadora de serviços o
ônus de comprovar que a situação decorreu de evento imprevisível e
inevitável ou de culpa exclusiva da própria vítima.

- A falta de abastecimento do reservatório de água atribuído a vazamento na


tubulação não isenta a prestadora de serviços da responsabilidade civil pelos
resultados danosos decorrentes, tendo o dever de manutenção do
equipamento e fiscalização, além de reparar eventuais defeitos com a
eficiência e a celeridade que a situação demandava.

- Os danos morais decorrem dos transtornos, constrangimentos e privações


de necessidades básicas geradas pela falta de água nas moradias, devendo
ser considerado o período em que os consumidores ficaram providos do
serviço.

- Recurso provido.

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APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0290.12.000048-1/001 - COMARCA DE


VESPASIANO - APELANTE(S): VANDA CRISTINA DA SILVA -
APELADO(A)(S): COMPANHIA DE SANEAMENTO DE MINAS GERAIS
COPASA MG

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 4ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de


Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos,
à unanimidade, em POR MAIORIA, DAR PROVIMENTO AO RECURSO,
VENCIDOS O PRIMEIRO E O SEGUNDO VOGAL.

DESA. HELOISA COMBAT

RELATORA.

DESA. HELOISA COMBAT (RELATORA)

VOTO

Conheço do recurso, presentes os pressupostos legais.

Trata-se de apelação cível aviada por VANDA CRISTINA DA


SILVA, em face da r. sentença do MM. Juiz da 1ª Cível da Comarca de
Vespasiano, que julgou improcedente o pedido inicial de condenação da
Companhia de Saneamento de Minas Gerais (COPASA) em danos morais,
declarando a resolução de mérito, nos termos do art. 487, I, do NCPC.

Condenou a requerente no pagamento das custas processuais e


despesas processuais, bem como em honorários sucumbenciais no importe
de 10% calculado sobre o valor atualizado da causa, restando suspensa a
exigibilidade nos termos do art. 98,

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§3º do NCPC.

Irresignada, nas razões às fls. 125/137, a apelante alega, em breve


síntese, que ajuizou a presente demanda devido ao fato de a recorrida ter
negligenciado o fornecimento de água potável por quase dois meses, de
11.11.2011 a 22.11.2011 e por seis dias consecutivos. Pontua que foram
várias as tentativas de solução da situação, com inúmeras ligações para a
concessionária de serviço público, ofício da Associação Comunitária e
registro de boletim de ocorrência policial, buscando o restabelecimento no
fornecimento de água, o que não surtiu efeito.

Argumenta que a requerida teve quase quarenta dias para vistoriar,


identificar e resolver o problema, contudo, permaneceu inerte até o seu
agravamento, com a interrupção do serviço por 6 (seis) dias consecutivos.
Aduz que a COPASA não foi diligente na prestação do serviço, privando seus
usuários do abastecimento de água, item indispensável à saúde, bem estar,
alimentação e produção de alimentos. Destarte, constatado o trinômio
caracterizador da responsabilidade civil, surge o dever da concessionária em
indenizar seus usuários. Cita diversos julgados em favor de sua tese.

Requer seja dado provimento ao recurso, reformando a r. sentença,


julgando procedente o pedido inicial e condenando a COPASA em indenizar
a usuária pelos danos morais sofridos.

Ausente o preparo, por litigar sob os auspícios da justiça gratuita.

A COPASA apresentou contrarrazões às fls. 189/193v.

É o sucinto relatório.

Passo a decidir.

Não havendo preliminares a serem examinadas, passa-se ao


exame do mérito.

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Pretende a autora ser indenizada pelos danos morais decorrentes


da interrupção no fornecimento de água em sua residência.

Segundo a requerente, entre os dias 11.11.2011 a 22.12.2011, teve


o fornecimento de água em sua moradia suspenso, sendo que, entre
novembro e 15 de dezembro de 2011 o fornecimento só ocorria durante as
madrugadas, e, a partir do dia 16.12 ao dia 22.12, o fornecimento foi
interrompido por completo.

A interrupção do fornecimento de água na moradia da autora está


devidamente comprovada nos autos, conforme protocolos de atendimento às
fls. 19/20, o boletim de ocorrência policial de fl. 21, o ofício protocolizado pela
"União dos moradores do bairro Suely 1ª e 2ª seção e adjacência" às fls. 22,
e a contestação da própria concessionária de serviço público que reconhece
os fatos (fls. 30/36), em que pese alegar a inexistência de responsabilidade
em virtude de caso fortuito e força maior.

A COPASA não nega a interrupção alegada, limitando-se a alegar


que desde o inicio das reclamações, iniciou os procedimentos necessários
para a solução do problema, minimizando a falta d'água com a utilização de
caminhões pipas e montando frentes de trabalho para apuração dos fatos.
Pontua que a existência de um vazamento na adutora de água tratada,
dentro de um brejo, não era esperado pela Equipe Técnica da COPASA
sendo que, desde quando assumiu o serviço público de abastecimento de
água no Município de Vespasiano, nunca enfrentou problemas similares.

A COPASA é entidade da Administração Pública indireta e presta


serviços públicos, respondendo de forma objetiva pelos danos causados a
terceiros, independe de culpa, como decorre da previsão do art. 37, §6º, da
Constituição Federal.

Pelo relato da inicial, no entanto, se infere que a responsabilidade


que se imputa à COPASA decorre de conduta

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omissiva, configurando-se o elemento subjetivo pela negligência da


prestadora de serviços, que, tendo obrigação de agir, deixou de praticar a
conduta que lhe era exigível.

O grande publicista Celso Antônio Bandeira de Mello (Curso de


Direito Administrativo, Malheiros Editores, São Paulo, 1 999, 11ª ed., p. 669 a
673) ao tratar sobre o tema, relaciona três tipos de situação que podem
ensejar a responsabilidade do Estado, a saber, casos em que a conduta
comissiva do Estado gera o dano; casos em que não há atuação do Estado,
mas, por sua omissão, evento alheio causa um dano que o Poder Público
tinha o dever de evitar; casos em que, por atividade do Estado, se cria
situação propiciatória do dano, porque expôs alguém a risco - em geral,
quando da guarda de coisas ou pessoas perigosas.

Continua o tratadista dizendo que, no caso dos danos por omissão,


é de se aplicar a teoria subjetiva (o serviço não funcionou, funcionou tardia
ou ineficientemente), pois se o Estado não agiu, só deve ser
responsabilizado caso esteja obrigado a impedir o dano, se descumpriu
dever legal, é dizer, nos atos omissivos, só há responsabilidade quando
decorrente de ato ilícito.

E arremata:

"Não bastará, então, para configurar-se responsabilidade estatal, a


simples relação entre ausência do serviço (omissão estatal) e o dano sofrido.
Com efeito: inexistindo obrigação legal de impedir um certo evento danoso
(obrigação, de resto, só cogitável quando haja possibilidade de impedi-lo
mediante atuação diligente), seria um verdadeiro absurdo imputar ao Estado
responsabilidade por um dano que não causou, pois isto equivaleria a extraí-
la do nada; significaria pretender instaurá-la prescindindo de qualquer
fundamento racional ou jurídico. Cumpre que haja algo mais: a culpa por
negligência, imprudência ou imperícia no serviço, ensejadoras do dano, ou
então o dolo, intenção de omitir-se, quando era obrigatório para o Estado
atuar e fazê-lo segundo um certo padrão de eficiência capaz de obstar o ato
lesivo. Em uma palavra; é necessário que o Estado haja incorrido

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em ilicitude, por não ter acorrido para impedir o dano ou por haver sido
insuficiente neste mister, em razão de comportamento inferior ao padrão
legal exigível."

A espécie comporta, ainda, a aplicação da Lei 8.078/90, figurando a


concessionária de serviço público como fornecedora de serviços, na forma
do conceito do art. 3º do CODECON. O usuário por sua vez corresponde ao
destinatário final do serviço de fornecimento de água e esgoto.

O colendo Superior Tribunal de Justiça reconheceu reiteradamente


a submissão ao Código de Defesa do Consumidor das relações formadas
entre as concessionárias de serviços públicos e os usuários, manifestando-
se favoravelmente, inclusive, à inversão do ônus da prova nesses casos.

"A jurisprudência desta Corte possui entendimento pacífico no sentido de


que a relação entre concessionária de serviço público e o usuário final, para
o fornecimento de serviços públicos essenciais, tais como água e energia, é
consumerista, sendo cabível a aplicação do Código de Defesa do
Consumidor. (AgRg no AREsp 354.991/RJ, Rel. Ministro MAURO
CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, j. 05/09/2013, DJe 11/09/2013)

Enquanto prestadora de serviço público, compete à COPASA


realizar suas atividades de forma eficiente e contínua, tendo por objetivo
atender às necessidades básicas e essenciais da população.

Impõe-se, ainda, a observância aos preceitos da Lei 8.987/95,


notadamente quando à prestação do serviço adequado ao pleno atendimento
dos usuários, como versa o seguinte dispositivo:

"Art. 6o Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço


adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta
Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato.

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§ 1o Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade,


continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua
prestação e modicidade das tarifas.

§ 2o A atualidade compreende a modernidade das técnicas, do


equipamento e das instalações e a sua conservação, bem como a melhoria e
expansão do serviço."

Na espécie, a COPASA deixou de adimplir com as obrigações que


decorrem da relação contratual com os consumidores do serviço de água e
esgoto, pois os usuários ficaram efetivamente sem ter à suas disposição a
água que deveria ser fornecida pela empresa pública.

Constitui dever da COPASA fornecer água tratada aos


consumidores, de forma contínua e através da canalização instalada nas
residências para este fim e se deixou de prestar esse serviço, deve reparar
os danos decorrentes, tendo em vista se tratar de insumo essencial.

Com esse relato se constata o nexo causal entre a falta do serviço


atribuído à COPASA e os danos suportado pelos usuários, recaindo sobre a
demandada o encargo de demonstrar que o descumprimento da obrigação
decorreu de fato imprevisível ou de difícil previsão gerando efeitos
inevitáveis, configurando situação de força maior ou caso fortuito.

Os registros de falta de água tiveram início em 11 de novembro de


2011, como comprovam as reiteradas solicitações de moradores da região
junto à COPASA com vistas a ter apurada a causa da situação e resolvida a
questão (f. 19/20).

Ocorre que a COPASA sequer comprovou a contento a causa da


falta de vazão da água, afirmando apenas que o reservatório que abastece
os mencionados bairros não estava recebendo água da forma esperada e
que, após algumas buscas, restou verificado que o abastecimento deficiente
decorria de um vazamento na adutora.

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Alega que tentou suprir a demanda de água da região através de


caminhões pipa, mas que houve impedimentos causados pelos próprios
moradores, sendo que o problema somente foi solucionado de forma
definitiva em 21 de dezembro de 2011.

As alegações carecem de prova, limitando-se a COPASA a juntar


fotografias e noticiários, além de depoimentos testemunhais colhidos em
outro processo que sequer foi identificado, e, ademais, não apresenta
situações imprevisíveis e inevitáveis.

Seria necessário apurar se o sistema de abastecimento está


adequado, se eram adotadas as medidas preventivas cabíveis de
manutenção e fiscalização periódica e, uma vez constatadas interrupções na
vazão d¿água, as medidas adotadas para sanar o problema com a
celeridade que a situação demandava.

Essa comprovação dependeria de prova técnica ou, no mínimo, da


exposição dos documentos referentes aos procedimentos internos que, por
suposto, foram adotados pela prestadora de serviços. A prova testemunhal
solicitada não se prestaria a esse fim.

A persistência do problema por aproximadamente 40 dias, em


maior ou menor extensão, e em se tratando de um serviço essencial e de um
insumo imprescindível para os mais elementares atos de limpeza e higiene,
preparo das refeições, saúde e hidratação, evidencia a conduta negligente da
COPASA.

Indubitável a falha na prestação de serviços que levou ao


injustificável prolongamento da situação.

A responsabilidade civil da COPASA pela falta de água em relação


aos mesmos fatos relatados nestes autos foi reconhecida em outros julgados
deste egrégio Tribunal de Justiça:

"EMENTA: ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE


EXTRACONTRATUAL DE CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO.

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INTERRUPÇÃO INJUSTIFICADA NO FORNECIMENTO DE ÁGUA.


DEFEITO RELATIVO À PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. CÓDIGO DE DEFESA
DO CONSUMIDOR. NEXO DE CAUSALIDADE E DANOS MORAIS.
CONFIGURAÇÃO DOS ELEMENTOS QUE INDUZEM EM
RESPONSABILIDADE. - Constatado que o abastecimento, por
concessionária do serviço público, de água destinada ao consumo
populacional de alguns bairros no Município de Vespasiano, se mostrou
deficitário, sendo injustificadamente interrompido por determinado período, e,
restando, ainda, demonstrado que a prestadora do serviço não adotou
medidas para o reparo imediato do referido problema, compete indenizar por
dano moral os usuários do serviço, por presentes os requisitos de sua
responsabilidade." (Apelação Cível 1.0290.12.000059-8/001, Relator(a):
Des.(a) Duarte de Paula, 4ª CÂMARA CÍVEL, j. 05/12/2013, publicação da
súmula em 11/12/2013)

"DIREITO ADMINISTRATIVO - DIREITO PROCESSUAL CIVIL -


APELAÇÃO - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - INTERRUPÇÃO INJUSTIFICADA
DO FORNECIMENTO DE ÁGUA - DEFEITO RELATIVO À PRESTAÇÃO DO
SERVIÇO - DANOS MORAIS - CONFIGURAÇÃO DOS ELEMENTOS QUE
INDUZEM À RESPONSABILIDADE - RECURSO PARCIALMENTE
PROVIDO. - O fornecimento de serviço público essencial deve ser prestado
de forma contínua, eficiente e com segurança, só podendo ser interrompido
em caso de emergência, desde que motivada por razões de ordem técnica
ou de segurança das instalações. Assim, a interrupção injustificada do
fornecimento de água representa falha na prestação do serviço, causando
transtornos aos consumidores, tornando inequívoca a ocorrência de dano. -
Os juros moratórios, na hipótese de responsabilidade extracontratual,
incidem desde a data do evento danoso, consoante enunciado da Súmula
54, do Superior Tribunal de Justiça. - De acordo com a Súmula 306 do
colendo SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, admite-se a compensação de
honorários advocatícios, quando uma das partes estiver litigando sob o pálio
da gratuidade de justiça. (Apelação Cível 1.0290.12.000066-3/001, Relator:
Des. Moreira Diniz, 4ª CÂMARA CÍVEL, j. 13/02/2014, p. 19/02/2014)

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Em relação à comprovação do dano, essa se evidencia pela


situação a que foram expostos os moradores dos bairros de Vida Nova e
Suely do Município de Vespasiano, desprovidos de uma quantidade
suficiente de água para suprir suas necessidades básicas de utilização do
insumo.

A situação gera inúmeros transtornos e constrangimentos,


ensejando danos de ordem emocional, como sentimentos de frustração,
angústia, aflição e preocupação.

Para mensurar a indenização devida por danos morais deve-se


levar em conta as condições das partes, as circunstâncias em que ocorreu o
fato, o grau de culpa do ofensor, a intensidade do sofrimento, devendo-se
ainda considerar o caráter repressivo-pedagógico da reparação, para
propiciar à vítima uma satisfação sem caracterizar enriquecimento ilícito.

Cumpre ao julgador arbitrar o valor da indenização por danos


morais com moderação, norteando-se pelos critérios da gravidade e
repercussão da ofensa, da posição social do ofendido e da situação
econômica do ofensor.

Invoca-se, a respeito, o magistério de Maria Helena Diniz:

"Na reparação do dano moral, o magistrado deverá apelar para o que lhe
parecer eqüitativo ou justo, agindo sempre com um prudente arbítrio, ouvindo
as razões das partes, verificando os elementos probatórios, fixando
moderadamente uma indenização. O valor do dano moral deve ser
estabelecido com base em parâmetros razoáveis, não podendo ensejar uma
fonte de enriquecimento nem mesmo ser irrisório ou simbólico. A reparação
deve ser justa e digna. Portanto, ao fixar o quantum da indenização, o juiz
não procederá a seu bel prazer, mas como um homem de responsabilidade,
examinando as circunstâncias de cada caso, decidindo com fundamento e
moderação." (Revista Jurídica Consulex, n. 3, de 31.03.97).

Por certo, os moradores foram compelidos a buscar outros

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meios de suprir suas necessidades junto a parentes e vizinhos, para lavar


suas roupas, realizar a limpeza da casa, fazer a higiene pessoal, ter água
potável e preparar seus alimentos, passando por situações de desconforto e
constrangimento. O longo período de duração da situação deve ser
ponderado.

No caso concreto, considero razoável a fixação da indenização em


R$5.000,00 (cinco mil reais) para a parte autora.

Pelas razões expostas, DOU PROVIMENTO À APELAÇÃO para


reformar a sentença e julgar procedente o pedido de Vanda Cristina da Silva,
para condenar a COPASA a pagar a importância de R$5.000,00 (cinco mil
reais) a título de indenização por danos morais.

O valor fixado deve ser atualizado a partir da publicação deste


acórdão pelos índices da Corregedoria de Justiça (Súmula 362 do STJ) e
acrescido de juros de mora de 1% ao mês a partir do evento danoso (Súmula
54 do STJ), ou seja, novembro de 2011.

Condeno a COPASA em custas, bem como em honorários de


sucumbência, inclusive os recursais, tendo em vista a prolação da r.
sentença já na vigência do CPC/15, que fixo em 15% (quinze por cento)
sobre o valor total da condenação.

Custas na forma da lei.

DES. RENATO DRESCH

<EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA


DO PODER PUBLICO - FORNECIMENTO DE ÁGUA - CONDUTA
OMISSIVA PARA RESTABELECIMENTO DO SERVIÇO - ANORMAL
ELEVAÇÃO DO ÍNDICE DE PRECIPITAÇÃO PLUVIOMÉTRICA - FORÇA
MAIOR - EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE. 1 - Na imputação de
conduta omissiva para o restabelecimento do fornecimento de água em
razão do anormal índice de precipitação pluviométrica aplica-se a teoria da
responsabilidade subjetiva; 2 - Um dos requisitos da responsabilidade civil é
o nexo de causalidade entre os fatos e dano, afastando-se a

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responsabilidade quando a administração não deu causa ao dano ou quando


este estiver aliado a outras circunstâncias, ou de culpa exclusiva da vítima; 3
- Não há como responsabilizar a concessionária de serviço público pela
omissão no fornecimento de água se comprovada a ocorrência de enchente
causada por anormal índice de precipitação pluviométrica que inunda grande
parte da cidade, que dificultou a reparação dos danos na rede de
abastecimento.

VOTO

Trata-se de apelação cível interposta por VANDA CRISTINA DA SILVA


pretendendo a reforma da sentença que julgou improcedente o pedido de
indenização por danos morais formulado nos autos da ação de indenização
que move em face da COMPANHIA DE SANEMANENTO DE MINAS
GERAIS - COPASA.

Divirjo da eminente Relatora quanto à responsabilização da COPASA


pela reparação dos danos morais requerida pela autora.

Antes de adentrar na análise propriamente da prova dos autos, é


oportuno que se façam algumas considerações sobre os limites da
responsabilidade da administração pública em situações de caso fortuito ou
força maior.

Do caso fortuito e da força maior

Um dos requisitos da responsabilidade civil é o nexo de causalidade


entre os fatos e dano, deixando de existir responsabilidade quando a
administração não deu causa ao dano ou quando este estiver aliado a outras
circunstâncias, ou de culpa exclusiva da vítima.

Não há responsabilidade do ente estatal quando o fato ocorreu por culpa


exclusiva da natureza, a chamada força maior.

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Para isso, devem ser distinguidas as hipóteses de caso fortuito e de força


maior, pois são formas de atenuação ou exclusão da responsabilidade civil
do Estado.

Inobstante as teses diferentes sobre a conceituação de caso fortuito e


força maior, prefiro adotar a definição de Yussef Said Cahali e de Maria
Sylvia Zanella Di Pietro.

Cahali leciona que:

Mas, embora se pretenda o reconhecimento indiscriminado da excludente de


responsabilidade da Administração Pública, tanto nos casos de força maior
como nos casos fortuitos, é certo que somente nos casos de dano provocado
por força maior se legitima a exclusão do dever de indenizar.

Com efeito, se, no plano do direito privado, o caso fortuito e a força maior se
confundem nas suas consequências, para excluir igualmente a
responsabilidade, diverso deve ser o tratamento dos dois institutos no âmbito
da responsabilidade civil do Estado.

Aqui se impõe - com adverte Themistocles Cavalcanti - a distinção entre caso


fortuito e força maior, porque, se a força maior decorre de um fato externo,
estranho ao serviço, o caso fortuito provém do seu mau funcionamento, de
uma causa interna, inerente ao próprio serviço público. Admite-se, por
conseguinte, a exclusão da responsabilidade no caso de força maior,
subsistindo, entretanto, no caso fortuito, por estar incluído este último no
risco do serviço; na força maior nenhuma interferência tem a vontade
humana, nem próxima nem remotamente, enquanto, no caso fortuito, a
vontade apareceria na organização e no funcionamento do serviço. (CAHALI,
Yussef, Said. Responsabilidade civil do Estado. 3. ed. São Paulo: RT, 2007.
p. 50).

Na mesma linha escreve Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

Força maior é o acontecimento imprevisível, inevitável e estranho à

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vontade das partes, como uma tempestade, um terremoto, um raio. Não


sendo imputável à administração, não pode incidir a responsabilidade do
Estado; não há nexo de causalidade entre o dano e o comportamento da
Administração.

Já na hipótese de caso fortuito, em que o dano seja decorrente de ato


humano, de falha da administração, não ocorre a mesma exclusão; quando
se rompe, por exemplo, uma adutora ou um cabo elétrico, causando dano a
terceiros, não se pode falar em força maior. (DI PIETRO, Maria Sylvia
Zanella. Direito Administrativo. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 624/625)

Yussef Said Cahali discorre que o caso fortuito ou força maior atuam
como excludente da causalidade para fins de responsabilização do Poder
Público:

É que se desloca a questão para o plano da causalidade, qualquer que seja


a qualificação que se pretenda atribuir ao risco como fundamento da
responsabilidade objetiva do Estado - risco integral, risco administrativo, risco
-proveito -, aos tribunais se permite a exclusão ou atenuação daquela
responsabilidade quando fatores outros, voluntários ou não, tiverem
prevalecido na causação do dano, provocando o rompimento do nexo de
causalidade, ou apenas concorrendo como causa na verificação do dano
injusto. (Responsabilidade civil do Estado. 3. ed. São Paulo: RT, 2007. p 41).

Ainda prossegue Cahali:

Assim, na linha do que se vem sustentando: a) o dano é injusto, e, como tal,


sujeito ao ressarcimento pela Fazenda Pública, se tem como causa exclusiva
a atividade, ainda que regular, da Administração; b) o dano deixa de
qualificar-se juridicamente o como injusto, e como tal não autoriza a
indenização, se tem como causa exclusiva o fato da natureza ou do próprio
prejudicado; c) o dano é injusto, mas sujeito a responsabilidade ressarcitória
atenuada, se concorre com a atividade regular ou irregular da Administração,
como causa, fato da natureza, do próprio prejudicado ou de terceiro.

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Será, portanto, no exame das causas do dano injusto que se determinam os


casos de exclusão ou atenuação da responsabilidade pública, excluída ou
atenuada esta responsabilidade em função da ausência do nexo de
causalidade ou da causalidade concorrente na verificação do dano injusto
indenizável (op. ct. P. 43).

Ainda de acordo com Cahali (Op. cit. 53):

a Administração Pública será responsabilizada pela reparação dos danos


sofridos pelos particulares, provocados por eventos inevitáveis da natureza
(chuvas torrenciais, inundações, alagamentos, deslizamentos,
desmoronamento), desde que, por sua omissão ou atuação deficiente,
deixando de realizar obras que razoavelmente lhe seriam exigíveis (ou as
realizando de maneira insatisfatórias), poderia ter evitado a causação do
prejuízo, ou atenuado as suas conseqüências;

a Administração Pública não poderá ser responsabilizada pela reparação do


dano sofrido pelo particular, provocado por eventos inevitávies da natureza
(chuvas torrenciais, inundações, alagamentos, deslizamentos,
desmoronamentos), se nenhuma participação concorrente lhe pode ser
imputada na causação do resultado danoso, seja porque razoavelmente não
seria de exigir-se do Estado a realização de obras que pudessem evitar ou
atenuar os efeitos do fato da natureza, seja porque aquelas realizadas
seriam as únicas razoavelmente exigíveis.

No caso dos autos, a autora informou que no início de novembro de 2011


começou a ocorrer o racionamento do fornecimento de água em sua
residência, até que em 16 de dezembro de 2011 ocorreu a interrupção total
do fornecimento, que só veio a ser regularizado em 22 de dezembro de 2011,
após seis dias da interrupção.

A COPASA afirma que, ao receber as manifestações dos usuários

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do serviço de água na região em que residia a autora, adotou providências


para solucionar a questão, tendo em vista que realmente em alguns horários
do dia e da noite o volume de água que chegava ao reservatório não era
suficiente para manter todas as residências. Procedeu-se então à verificação
de vazamentos na rede que, devido à sua extensão de 3 quilômetros,
somente foi constatado em 21 de dezembro de 2011, em um local alagado
pelas fortes chuvas, quando o problema foi solucionado e o abastecimento
voltou a normal.

Como alegado pela Requerida, e reconhecido em caso semelhante, em


voto proferido como 2º Vogal na Apelação nº 1.0290.12.000082-0/001, no dia
16/12/2011 o Município de Vespasiano teve algumas ruas alagadas em
razão de elevada precipitação pluviométrica, o que permite aferir a
veracidade dos argumentos levantados pela COPASA em sua defesa.

A ocorrência de fortes chuvas acima da média e a adoção das medidas


disponíveis para minimizar seus efeitos é causa de excludente da
responsabilidade, porque afasta o nexo de causalidade entre a conduta do
ente público e o dano suportado pela vítima, tornando-se prescindível a
análise de culpa por parte da Administração Pública.

Em hipótese análoga à destes autos, confira-se precedente deste


Tribunal de Justiça:

ADMINISTRATIVO - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - DANO MORAL -


IRREGULARIDADE NO SERVIÇO DE FORNECIMENTO DE ÁGUA - CASO
FORTUITO - PROVIDÊNCIAS MITIGADORAS ADOTADAS PELA
CONCESSIONÁRIA - DANO NÃO CARACTERIZADO - SENTENÇA
CONFIRMADA - APELO DESPROVIDO. - Não se reconhece o dano moral
quando demonstrado que a irregularidade no fornecimento de água à
residência da autora deveu-se ao rompimento da canalização em local de
difícil acesso, prejudicado, ainda, pelas fortes chuvas que assolaram a região
do Município de seu domicílio. - Hipótese na qual, ainda, a concessionária
cuidou em adotar medidas mitigadoras, tendentes a compensar os
moradores da região pela momentânea

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prestação deficiente do serviço público. (Apelação Cível nº 1.0290.12.000063


-0/001, Relator Des. Alberto Vilas Boas, 1ª CÂMARA CÍVEL, j. 29/07/2014)

Quanto ao período anterior à interrupção do serviço de fornecimento de


água, não foi comprovada a ocorrência de dano moral pela supressão do
serviço, já que a COPASA fornecia água para residência da autora, ainda
que de forma parcial.

O fornecimento parcial em razão de vazamento na rede de


abastecimento é uma ocorrência a que se sujeitam os usuários, não se
podendo exigir a perfeição da concessionária de serviço público. Se a
concessionária tomou as providências para a verificação do vazamento e,
neste período, procurou soluções para não interromper o fornecimento de
água, o dano causado aos consumidores deve ser compreendido como mero
aborrecimento, incapaz de ensejar indenização por danos morais.

Diante do exposto, divirjo da eminente Relatora, para negar provimento


ao recurso.

É como voto.>

DES. MOREIRA DINIZ

Acompanho a divergência.

DES. DÁRCIO LOPARDI MENDES

De acordo com a Relatora.

DESA. ANA PAULA CAIXETA - De acordo com o(a) Relator(a).

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Tribunal de Justiça de Minas Gerais

SÚMULA: "DERAM PROVIMENTO AO RECURSO, VENCIDOS O


PRIMEIRO E O SEGUNDO VOGAL"

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