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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Registro: 2023.0000749476

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº


1040181-67.2022.8.26.0224, da Comarca de Guarulhos, em que é apelante HURB
TECNOLOGIES S/A, é apelada ANA CAROLINA SARTORI LOPES.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 33ª Câmara de Direito


Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram
provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra
este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores LUIZ EURICO


(Presidente sem voto), ANA LUCIA ROMANHOLE MARTUCCI E SÁ DUARTE.

São Paulo, 30 de agosto de 2023.

SÁ MOREIRA DE OLIVEIRA
Relator
Assinatura Eletrônica
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Apelação Cível nº 1040181-67.2022.8.26.0224


Comarca: Guarulhos
Apelante: Hurb Tecnologies S/A
Apelado: Ana Carolina Sartori Lopes
TJSP 33ª Câmara de Direito Privado
(Voto nº SMO 43549)

PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS Ação de


obrigação de fazer cumulada com indenização
por dano moral Aquisição de pacote de
viagem na modalidade flexível
Descumprimento do contrato pela ré, que não
disponibilizou alternativas de datas segundo
previsto em contrato Ausência de
excludente de responsabilidade com base nas
medidas de enfrentamento à pandemia de
Covid-19, pois a própria ré informa que o
descumprimento do contrato decorreu apenas
da elevação dos preços das passagens aéreas
pela retomada das viagens após o avanço da
vacinação Danos morais caracterizados
Descumprimento contratual desproporcional e
desvio produtivo da consumidora Obrigação
de indenização Fixação razoável Sentença
mantida.

Recurso não provido.

Trata-se de apelação interposta por HURB


TECHNOLOGIES S/A (fls. 106/119), contra a sentença de fls. 98/103,
proferida pelo MM. Juiz da 9ª Vara Cível da Comarca de Guarulhos, Dr.
Artur Pessoa de Melo Morais, que julgou procedentes os pedidos deduzidos
por ANA CAROLINA SARTORI LOPES, para condenar a ré a cumprir sua
obrigação de fazer consistente em disponibilizar à autora a viagem nos
moldes contratados, inclusive concedendo a 8ª diária gratuitamente à autora
e seus acompanhantes, para conceder tutela de urgência para que a ré
realize no prazo de cinco dias de sua intimação a reserva da autora e dos
demais viajantes indicados às fls. 86/88 junto ao hotel, em uma das datas

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selecionadas pela autora às fls. 86, bem como realize a reserva dos voos e
forneça todas as informações relativas aos voos de ida e volta, sob pena de
multa diária de R$ 500,00, limitada a R$ 25.000,00, e para condenar a ré ao
pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 5.000,00,
corrigido desde publicação da sentença e com juros de mora desde a
citação.
Sustenta a ré que não houve falha na prestação
dos seus serviços. Diz ter cumprido a tutela de urgência concedida na
sentença apenas para elidir a incidência das “astreintes”. Defende a
possibilidade de remarcação dos serviços até 31/12/2023 com base na Lei
14046/2020, já que a autora adquiriu o pacote promocional no período da
pandemia de Covid-19. Alega não estar obrigada a agendar a viagem para
qualquer data que venha a ser solicitada pela consumidora, pois o pacote foi
adquirido na modalidade “data flexível”. Ressalta que a aceitação das
sugestões de datas dos consumidores está condicionada à disponibilidade
promocional. Nega a ocorrência de danos morais decorrentes de mero
inadimplemento contratual, por terem ocorrido meros aborrecimentos, de
modo que a indenização fixada deve ser afastada ou reduzida, por ser
excessiva. Invoca os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
Pede a improcedência da ação ou a redução da indenização por danos
morais.
Contrarrazões.

É o relatório.

Presentes os pressupostos recursais, conheço do


recurso, recebendo-o no efeito meramente devolutivo, mas nego-lhe
provimento.

A autora adquiriu em 2020 junto à ré pacote de


viagem de sete diárias, para oito pessoas, com destino a Orlando, nos
Estados Unidos (fls. 27/28). Segundo as instruções da própria ré, a autora
deveria escolher três datas para a realização da viagem e encaminhá-las à
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ré, que verificaria a disponibilidade nas datas sugeridas. Caso não houvesse
disponibilidade, a ré enviaria uma nova opção em até 45 dias da primeira
data sugerida (fls. 31).
Escolhidas as datas para outubro de 2022, foi a
autora informada de que não haveria disponibilidade para aquele ano por
conta do aumento da demanda em virtude da expansão da vacinação contra
a Covid-19 e o consequente aumento dos preços das passagens aéreas,
tendo sido sugerida a extensão do pacote para o ano de 2023, a conversão
em créditos para uso em até doze meses ou a opção pelo estorno do valor
em até 60 dias úteis (fls. 46/51 e 54).
Segundo apontado na inicial, por conta da
pandemia de Covid-19, a ré ainda teria concedido uma diária a mais gratuita
(fls. 02).
A ré não contestou o feito, sendo revel, de modo
que se presumem verdadeiros os fatos narrados na inicial, os quais são
confirmados pelos documentos reunidos nos autos.
O descumprimento do contrato pela ré é patente,
pois não ofereceu alternativas de datas disponíveis para até 45 dias da
primeira sugerida pela autora, nem concedeu a gratuidade da oitava diária
no pacote contratado (fls. 64).
A autora tentou resolver a situação por diversos
canais de relacionamento com a empresa (chat fls. 52/64, e-mail fls.
46/51), assim como por meio da plataforma Reclame Aqui (fls. 65/68) e do
Procon (fls.69/76), mas sem sucesso.
Ingressou com esta ação em agosto de 2022,
pleiteando, em sede de tutela de urgência, a condenação da ré na
obrigação de fazer de disponibilização da viagem em três datas sugeridas
(10/10/2022, 16/11/2022 ou 30/03/2023), sob pena de multa diária ou
adoção de medidas que assegurem um resultado prático equivalente. E, no
caso de descumprimento da obrigação e não realização da viagem na data
aprazada, pediu a condenação da ré no pagamento de indenização por
dano moral no valor de R$ 5.000,00.

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No curso do feito, a autora acabou por aceitar


prorrogar sua viagem para o ano de 2023 e, em setembro de 2022, enviou
novas datas de opção para o seu pacote (20/03/2023, 27/03/2023 e
03/04/2023), pedido que foi recebido pela ré (fls. 85/88), mas também não
efetivado, já que sem resposta de alternativa em até 45 dias da primeira
data sugerida, o que também evidencia o descumprimento do contrato.
A ré alega que não estava obrigada ao
cumprimento do contrato, pois poderia remarcar a viagem até 31/12/2023
com base na Lei 14046/2020, mas essa questão restou superada pelo
cumprimento da tutela de urgência concedida na sentença, com a
disponibilização da viagem para o dia 04/04/2023 (fls. 143/147).
Não bastasse isso, como bem apontado pela
autora, o descumprimento da obrigação assumida não decorreu do estado
de calamidade pública decorrente da pandemia de Covid-19 (que ensejou a
edição da Lei 14/046/2020), mas do aumento do preço das passagens
aéreas por conta da elevação da demanda decorrente do avanço da
vacinação e da retomada das viagens (fls. 50).
Em outras palavras, a própria justificativa
apresentada pela ré para o descumprimento da obrigação exclui os
pressupostos fáticos de aplicação da referida lei.
Depois, há precedentes desta Corte em que
restou reconhecido o descumprimento do contrato pela ré em situações
como a discutida nestes autos, mesmo em se tratando de pacotes
contratados sob a modalidade flexível. Confiram-se, nesse sentido, os
julgamentos do recurso de apelação 1101351-24.2022.8.26.0100 pela 26ª
Câmara de Direito Privado, rel. Des. Maria de Lourdes Lopez Gil, ocorrido
em 30/06/2023, e da apelação 1094862-68.2022.8.26.0100 pela 32ª
Câmara de Direito Privado, rel. Des. Andrade Neto, ocorrido em 29/06/2023.
Por fim, o dano moral experimentado pela autora
é evidente, não se aplicando ao caso dos autos quaisquer excludentes
legais criadas para o período da pandemia, já que, como apontado acima, o
descumprimento do contrato não decorreu do estado de calamidade pública

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dela decorrente.
Conforme assevera Sergio Cavalieri Filho: “O
importante, destarte, para a configuração do dano moral não é o ilícito em si
mesmo, mas sim a repercussão que ele possa ter1”.
E ensina Yussef Said Cahali, citando Dalmartello,
“Parece mais razoável, assim, caracterizar o dano
moral pelos seus próprios elementos; portanto, 'como a privação
ou diminuição daqueles bens que têm um valor precípuo na vida
do homem e que são a paz, a tranquilidade de espírito, a
liberdade individual, a integridade individual, a integridade física,
a honra e os demais sagrados afetos'; classificando-se, desse
modo, em dano que afeta a “parte social do patrimônio moral”
(honra, reputação etc.) e dano que molesta a “parte afetiva do
patrimônio moral” (dor, tristeza, saudade etc.); dano moral que
provoca direta ou indiretamente dano patrimonial (cicatriz
deformante etc.) e dano moral puro (dor, tristeza etc.)2.

A autora teve frustrada sua expectativa legítima


de viagem nos moldes inicialmente pretendidos. Procurou solucionar a
questão de todas as formas disponíveis, até mesmo perante o Procon, todas
sem sucesso. Forneceu alternativas de datas para a viagem mesmo no
curso do processo, igualmente ignoradas pela ré, que somente
disponibilizou viagem à autora depois de sentenciado o feito e por conta da
tutela de urgência concedida, com previsão de multa diária para o caso de
seu descumprimento.
É claro que a reserva tinha por finalidade garantir
o lazer, mas também exige planejamento, considerada a demanda, para a
disponibilidade de vagas e também para o custeio. E, como bem apontado
pela sentença, houve nítido descaso com a consumidora, que ficou
desamparada e teve de despender seu tempo útil para a solução do
problema, somente assegurado por meio da tutela concedida nos autos.
Esses fatos foram suficientes para desestabilizar,
abalar a tranquilidade, alterar o ânimo, com infringência a direito da
personalidade, caracterizado descumprimento contratual desproporcional.
Assim, caracterizado o dano moral.
1
Programa de Responsabilidade Civil. Atlas: São Paulo, 7ª Edição, 2007, pág. 81
2
“Dano moral”. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2011, p. 19/20.
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A indenização mede-se pela extensão do dano


(artigo 944 do Código Civil).
Yussef Said Cahali, na obra 'Dano Moral', observa
que a quantificação do dano há de ser feito de modo prudente pelo julgador,
resolvendo-se a questão em juízo valorativo de fatos e circunstâncias, a fim
de atender a peculiaridade do caso concreto. Como regra de experiência,
lista os seguintes fatos e as circunstâncias:
“1º) A natureza da lesão e a extensão do dano:
Considera-se natureza da lesão, a extensão do dano físico, como
causador do sofrimento, da tristeza, da dor moral vivenciados
pelo infortúnio.
2º) Condições pessoais do ofendido: Consideram-
se as condições pessoais do ofendido, antes e depois da ofensa
à sua integridade corporal, tendo em vista as repercussões
imediatas que a deformação lhe acarreta em suas novas
condições de vida. (...)
3º) Condições pessoais do responsável: Devem
ser consideradas as possibilidades econômicas do ofensor, no
sentido de sua capacidade para o adimplemento da prestação a
ser fixada (...).
4º) Equidade, cautela e prudência: A indenização
deve ser arbitrada pelo juiz com precaução e cautela, de modo a
não proporcionar enriquecimento sem justa causa da vítima; a
indenização não deve ser tal que leve o ofensor à ruína nem tanto
que leve o ofendido ao enriquecimento ilícito. (...)
5º) Gravidade da culpa (...)3”.

Analisada a condição pessoal das partes, o valor


do negócio e a gravidade da falha, reputo razoável a fixação de indenização
no valor de R$ 5.000,00, suficiente para indenizar os constrangimentos
sofridos e desestimular a prática de conduta semelhante.
Pelo exposto, nego provimento ao recurso,
majorados os honorários advocatícios de sucumbência para R$ 1.800,00
(art. 85, § 11, do Código de Processo Civil).

SÁ MOREIRA DE OLIVEIRA
Relator

3
Cahali, Yussef Said. Dano moral. 4ª Ed rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2011, p. 219/221.
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