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Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz de Direito do 7º Núcleo de Justiça 4.

0 - Saúde Privada (Juizado


Especial Cível) do Estado do Rio de Janeiro

Processo nº 0807232-68.2023.8.19.0212

SAMEDIL SERVIÇOS DE ATENDIMENTO MÉDICO S.A., pessoa jurídica de


direito privado, inscrita no CNPJ/MF sob o nº 31.466.949/0001-05, com sede na Rua Pedro Fonseca,
nº 170, Monte Belo, Vitória/ES, CEP 29.053-280, vem, perante V. Exa., através de seus advogados
devidamente constituídos (Doc. I), apresentar sua

CONTESTAÇÃO

em face dos termos aduzidos na inicial por ERENITA RIBEIRO FERREIRA DINIZ, pelas razões
de fato e direito a seguir expostas.

I. TEMPESTIVIDADE

1. É manifestamente tempestiva esta defesa eis que protocolada dentro do prazo legal de 15
(quinze) dias úteis, contados a partir da data do mandado cumprido por oficial de justiça em
04.09.2023 (cf. Id. 75816784), nos termos dos artigos 335 e 231 do Código de Processo Civil.

2. Considerando a suspensão dos prazos processuais nas datas de 7 e 8 de setembro de 2023


devido ao Feriado da Independência do Brasil e seu ponto facultativo (Doc. II), determinado pela Lei
Estadual nº 6956/2015 e pelo Decreto nº 48.665/2023 1, tem-se que o termo final para apresentação da
defesa se encerra em 20.09.2023.

II. BREVE SÍNTESE DA DEMANDA

3. Trata-se de ação indenizatória por danos morais c/c danos materiais ajuizada em razão de
negativa de reembolso por despesas de deslocamento para consultas/exames.

4. Narra a Autora ser idosa de idade avançada (89 anos), beneficiária do plano de saúde da
empresa Ré, conforme contrato firmado entre as partes (Doc. III), e portadora de tumor maligno.

5. Aduz que a Ré informa que possui rede credenciada de prestadores de serviço na cidade
de Niterói, onde reside a Autora, porém não os autoriza e a direciona para a cidade do Rio de Janeiro,
em lugares distantes e em área de risco.

1
https://portaltj.tjrj.jus.br/documents/5736540/6175653/suspensao-prazos-comarca-capital-e-2a-inst_2023_SEESC.pdf
6. No mais, afirma que as clínicas e hospitais sugeridos pelo plano não fazem mais parte da
rede credenciada, apesar de mantidos no guia médico.

7. Em razão disso, foi encaminhada para realização de consultas e exames fora dos limites
da cidade de Niterói, razão pela qual solicitou reembolso dos deslocamentos e obteve negativa junto à
operadora.

8. Inconformada, ingressou com a presente demanda requerendo a condenação da Ré ao


pagamento de R$ 894,00 (oitocentos e noventa e quatro reais), correspondente ao reembolso dos
gastos com transporte, e ao pagamento de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) a título de danos morais
pelos supostos transtornos sofridos.

9. Contudo, como se verá a seguir, a presente demanda está fadada à improcedência.

III. REALIDADE DOS FATOS – ESCLARECIMENTOS NECESSÁRIOS

10. Antes de entrar nas razões de mérito pelas quais a ação deve ser julgada improcedente,
são necessários alguns esclarecimentos de ordem fática.

A) REDE CREDENCIADA DISPONÍVEL NA REGIÃO

11. De início, cumpre esclarecer que a ora Ré dispõe de rede credenciada capacitada para
prestar os atendimentos próxima à residência da beneficiária, conforme guia médico anexado (Doc.
IV).

12. No caso em tela convém destacar que a beneficiária não teve pedido médico negado e
não houve indisponibilidade de prestador de serviço em região próxima a sua residência. Assim, o
gasto ora discutido - relativo ao deslocamento para a realização do exame em estabelecimentos
da rede credenciada escolhidos pela beneficiária - decorrem de vontade exclusiva da Autora, que
optou pelo uso de Táxi para tais deslocamentos.

13. Ademais, no site da Ré2 rapidamente é possível consultar a rede credenciada para cada
exame específico na localidade desejada e por categoria de plano. Assim, foram encontrados locais
em Niterói, com atendimento do plano da Autora (MEDSENIOR BLACK 3 - RJ), para a realização
dos exames indicados na inicial, senão vejamos:

 Ressonância Magnética (Doc. V)

2
Disponível em: https://guiamedico.medsenior.com.br/
 Tomografia Computadorizada (Doc. VI)
 Endoscopia Digestiva (Doc. VII)
14. Sendo assim, tendo em vista que a Resolução Normativa da ANS nº 566 3 foi observada,
conforme devidamente respondido nas negativas juntadas pela Autora, não há o que se falar em
reembolso.

A) INEXISTÊNCIA DO DEVER DE REEMBOLSO DE


TRANSPORTE/DESLOCAMENTO

3
Disponível em: https://www.ans.gov.br/component/legislacao/?view=legislacao&task=textoLei&format=raw&id=NDM0MQ==
15. Importa ressaltar que apesar de o filho da Autora, Sr. Werton, ter solicitado reembolso
pela via administrativa alegando que houve aprovação anterior, conforme consta nas negativas
contratuais de reembolso de 27/06/2023 (Id. 74683029) e de 11/07/2023 (Id. 74683036) e prints
abaixo colacionados, o reembolso ao qual fez referência foi devido em situação diversa.

16. Isso porque a troca de mensagens juntada em Id. 74683049 datada de 17/05/2023 é
relativa ao protocolo de id nº 33561420230517016706 que trata de reembolso pela realização do
Exame Exérese Biópsia de Lesão Pigmentada na Mama Esquerda, uma vez que a oferta da consulta
se deu fora da região da beneficiária.

17. Na ocasião foi ofertada consulta com Dr. Bruno Bianco no endereço Rua Barata Ribeiro,
692 - Copacabana - RJ – Consultório, agendado para 19/05/2023. Assim, destaca-se que o
reembolso ocorreu exclusivamente porque o serviço foi OFERTADO fora da região de
cobertura da beneficiária, em consonância à RN ANS nº 566.

18. Destaca-se, contudo, que nos outros casos ora discutidos a escolha do prestador foi
feita pela própria beneficiária, que inclusive optou pelo deslocamento via táxi para outros
prestadores de serviço da rede credenciada.

19. No mais, o exame de Endoscopia digestiva alta com biópsia e teste de urease (pesquisa
Helicobacter pylori) / Em ambiente hospitalar foi devidamente autorizado no Hospital Quali
Ipanema, conforme e-mail enviado em 30/05/2023 (Id. 74684064).

20. Na mesma ocasião foi informando que o Complexo Hospitalar Niterói – CNH não era
credenciado à SAMEDIL para realização de tal procedimento, o que foi deliberadamente ignorado
pela família da Autora, que insistiu no agendamento no CHN (Id. 74684064) por preferência
própria, conforme print abaixo relacionado:
21. Por fim, em que pese a Autora alegue em fls. 3 da inicial de Id. 74680544 que no mês de
maio há e-mails da Ré autorizando exames em locais sugeridos, não junta aos autos comprovação
nesse sentido.
22. Diante disso, a Autora não comprova a ausência de rede credenciada na cidade de Niterói
para realização dos procedimentos indicados ou sequer qualquer contato nesse sentido.

23. Feitos estes esclarecimentos de ordem fática, cumpre agora demonstrar as razões de
direito pelas quais a ação não merece prosperar.

IV. PRELIMINARMENTE

A) IMPUGNAÇÃO À GRATUIDADE DE JUSTIÇA

24. A Autora ingressa com a presente demanda sem o devido recolhimento das custas legais,
aduzindo que, em razão de situação financeira desfavorável, não teria condições de fazê-lo. Todavia,
limitou-se à alegação de que não poderia arcar com as custas processuais e honorários advocatícios
por insuficiência de recursos, sem sequer juntar aos autos declaração de hipossuficiência.

25. O pressuposto para a concessão do benefício da justiça gratuita é a “insuficiência de


recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios”, conforme
disposto no caput do art. 98 do CPC.

26. Diante disso, o art. 99, §2º do CPC, dispõe que o juiz poderá indeferir o pedido da
gratuidade de justiça formulado se não houver nos autos elementos suficientes que evidenciem a falta
de pressupostos legais para à sua concessão. Inclusive, o pedido de gratuidade até o momento não
foi analisado (deferido ou rejeitado) pelo juízo.

27. Logo, se não suficientes as comprovações colacionadas aos autos, é imprescindível


atentar-se para o fato de que a mera alegação autoral de hipossuficiência possui, assim, presunção
relativa, podendo ser afastada se não comprovada pela parte. Nesse sentido destaca-se a súmula nº 39
do TJRJ:

"É facultado ao Juiz exigir que a parte comprove a insuficiência de recursos, para obter concessão do
benefício da gratuidade de Justiça (art. 5º, inciso LXXIV, da CF), visto que a afirmação de pobreza
goza apenas de presunção relativa de veracidade."

28. Nesse sentindo, a jurisprudência pátria confirma o entendimento acerca da necessária


comprovação da condição de hipossuficiente:

AGRAVO INTERNO NO RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSUAL


CIVIL. WRIT. SUCEDÂNEO RECURSAL. NÃO CABIMENTO. ATO JUDICIAL COATOR.
TERATOLOGIA E ABUSIVIDADE. AUSÊNCIA. NULIDADE PROCESSUAL. INEXISTÊNCIA.
ACÓRDÃO. VOTO DO RELATOR. DECISÃO UNÂNIME. JUNTADA FACULTATIVA.
IDENTIDADE DE FUNDAMENTAÇÕES. ATA DE JULGAMENTO. REGISTRO.
SUFICIÊNCIA. GRATUIDADE DE JUSTIÇA. INDEFERIMENTO. HIPOSSUFICIÊNCIA.
DEMONSTRAÇÃO. AUSÊNCIA. AFIRMAÇÃO DE POBREZA. PRESUNÇÃO RELATIVA.
1. A via mandamental se mostra incabível quando o ato judicial questionado for passível de
impugnação por recurso adequado, sobretudo se a atribuição de efeito suspensivo for possível, visto
que o writ não pode ser utilizado como sucedâneo de recurso próprio (art. 5º, II, da Lei nº
12.016/2009 e Súmula nº 267/STF). Inexistência de ato judicial abusivo ou teratológico. 2. Não há
deficiência de fundamentação quando os demais julgadores de órgão colegiado apenas aderem
integralmente aos fundamentos do voto do relator, sem acrescentar nova motivação, não existindo,
portanto, prejuízo algum às partes na eventual falta de juntada desses votos escritos. No caso
concreto, houve o registro da posição de cada um na ata de julgamento, dotada de fé pública. 3. Não
prospera o pedido de concessão de justiça gratuita se a parte postulante não demonstra
concretamente ser hipossuficiente, gozando a afirmação de pobreza de presunção relativa de
veracidade. 4. Agravo interno não provido. (STJ - AgInt no RMS: 64028 SP 2020/0178800-1,
Relator: Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Data de Julgamento: 07/12/2020, T3 -
TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 17/12/2020) – grifos nossos -

29. Chama ainda a atenção o fato de a Autora ter contratado serviços de advogado
particular e plano de saúde de natureza privada, tendo também optado por deslocamentos
longos via táxi para realização de exames.

30. Logo, tais fatos demonstram que a sua condição financeira é, inclusive, superior à da
maioria da população deste país, que está impossibilitada de contratar um plano de saúde privado e
advogado particular.

31. Assim, de rigor o indeferimento do pedido autoral pela concessão do benefício


gratuidade de justiça, uma vez não comprovada a condição de hipossuficiência, devendo ser intimada
a parte autora para comprovar o devido recolhimento das custas processuais sob pena de extinção do
processo.

32. Subsidiariamente, requer-se sejam apresentadas cópias das últimas 3 (três) (i)
declarações de imposto de renda, (ii) comprovantes de renda e (iii) extrato bancário ou fatura de
cartão de crédito de sua titularidade, para fins de comprovação da situação de hipossuficiência e
necessidade de deferimento do benefício da gratuidade de justiça.

V. MÉRITO

A) HIPÓTESE DE REEMBOLSO NÃO APLICÁVEL AO CASO CONCRETO – RN ANS


Nº 566/2022

33. Antes de mais nada, é necessário esclarecer os fundamentos da negativa de reembolso de


despesas de deslocamento e transporte.

34. A Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS é agência reguladora que regula o
mercado de planos privados de saúde por determinação da Lei nº 9.656/1998, e seu artigo art. 1º, §1º
dispõe:

(...)
§1º Está subordinada às normas e à fiscalização da Agência Nacional de Saúde
Suplementar - ANS qualquer modalidade de produto, serviço e contrato que apresente,
além da garantia de cobertura financeira de riscos de assistência médica, hospitalar e
odontológica, outras características que o diferencie de atividade exclusivamente
financeira, tais como:
a) custeio de despesas;
b) oferecimento de rede credenciada ou referenciada;
c) reembolso de despesas;
d) mecanismos de regulação;
e) qualquer restrição contratual, técnica ou operacional para a cobertura de procedimentos
solicitados por prestador escolhido pelo consumidor; e
f) vinculação de cobertura financeira à aplicação de conceitos ou critérios médico-
assistenciais.

35. Por sua vez, as hipóteses de reembolso ao beneficiário pela Operadora de Saúde estão
previstas na Resolução Normativa nº 5664 da ANS, que dispõe sobre a garantia de atendimento dos
beneficiários de plano privado de assistência à saúde. O art. 10 da referida normativa indica as
hipóteses de cabimento de reembolso, in verbis:

Do Reembolso
Art. 10. Na hipótese de descumprimento do disposto nos arts. 4º, 5º ou 6º, caso o
beneficiário seja obrigado a pagar os custos do atendimento, a operadora deverá
reembolsá-lo integralmente no prazo de até trinta dias, contado da data da solicitação
de reembolso, inclusive as despesas com transporte.
§ 1º Para todos os produtos que prevejam a opção de acesso a livre escolha de prestadores,
o reembolso será efetuado nos limites do estabelecido contratualmente.
§ 2º Nos produtos onde haja previsão de acesso a livre escolha de prestadores, quando o
procedimento solicitado pelo beneficiário não estiver disposto na cláusula de reembolso ou
quando não houver previsão contratual de tabela de reembolso, deverá ser observada a
regra disposta no caput deste artigo.
§ 3º Nos contratos com previsão de cláusula de coparticipação, este valor poderá ser
deduzido do reembolso pago ao beneficiário.
§ 4º Nas hipóteses em que existe responsabilidade da operadora em transportar o
beneficiário, caso este seja obrigado a arcar com as despesas de transporte, a operadora
deverá reembolsá-lo integralmente.
4
Disponível em: https://www.in.gov.br/web/dou/-/resolucao-normativa-ans-n-566-de-29-de-dezembro-de-2022-455439257
36. Dito isso, tem-se que o reembolso integral, inclusive de despesas com transporte, é
devido nas seguintes situações:

(i) indisponibilidade de prestador integrante da rede assistencial que ofereça o serviço


ou procedimento demandado, no município pertencente à área geográfica de
abrangência e à área de atuação do produto (art. 4º);

(ii) inexistência de prestador, seja ele integrante ou não da rede assistencial, que ofereça o
serviço ou procedimento demandado, no município pertencente à área geográfica de
abrangência e à área de atuação do produto (art. 5º); e

(iii) inexistência de prestador, seja ele integrante ou não da rede assistencial, que ofereça o
serviço de urgência e emergência demandado, no mesmo município, nos municípios
limítrofes a este e na região de saúde à qual faz parte o município, desde que
pertencentes à área geográfica de abrangência e à área de atuação do produto (art. 6º).

37. Conforme já apontado, somente na realização do Exame Exérese Biópsia de Lesão


Pigmentada na Mama Esquerda, visto que houve indicação de prestador em região fora da área da
beneficiária, o reembolso era devido e foi corretamente pago pela Operadora de Saúde foi. Na
ocasião, portanto, devidamente observada a RN nº 566/2022.

38. Todavia, nos demais exames - cujo reembolso de deslocamento é pleiteado nesta lide - a
Autora optou, deliberadamente, pelo agendamento em locais credenciados distantes de sua
residência e o deslocamento via táxi.

39. Assim, por nítido desrespeito ao contrato livremente firmado, não se pode admitir que a
Autora venha ao Poder Judiciário requerer o ressarcimento integral das despesas de deslocamento e
transporte contraídas por sua liberalidade.

40. Destaca-se que a parte autora sempre teve ciência das condições do instrumento
celebrado com a Ré, tanto é assim, que anuiu com todos os seus termos, não podendo alegar
desconhecimento acerca das cláusulas contratuais que tratam do reembolso, bem como dos prazos
carenciais ali estipulados. Nesse sentido, prevê a cláusula 11.6 do contrato:

41. Vale ainda enfatizar que dispõe a Constituição Federal no seu artigo 199, § 1º que “ as
instituições privadas poderão participar de forma complementar do sistema único de saúde, segundo
diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades
filantrópicas e as sem fins lucrativos”.

42. É necessário frisar que a saúde é um dever do estado, conforme o artigo 196 da
Constituição Federal5. O Sistema Único de Saúde – SUS - possui a obrigação de oferecer aos
cidadãos todos os serviços de saúde necessários, ao passo que as entidades privadas que prestam
serviço no ramo de saúde se obrigam a prestar aquilo que foi previsto contratualmente, sob
pena de gerar um desequilíbrio econômico-financeiro no contrato.

43. Sobre a função do ramo da saúde suplementar, vejamos a lição de Leonardo Vizeu
Figueiredo :
6

“(...) Por saúde suplementar, destarte, entende-se o regime participativo do


particular nos serviços de saúde, concomitantemente com os serviços públicos
prestados pelo Estado, sob forma opcional e facultativa ao respectivo beneficiário,
com o fim de ampliar o leque de serviços postos à disposição do cidadão, seja
para servir de aditamento ou para suprir as deficiências do serviço público (...)”.

44. Destarte, há que se observar, que a saúde suplementar possui o condão de oferecer
serviços de saúde de maneira opcional e facultativa para aqueles que contratam planos de saúde.
Neste sentido, é imperioso reconhecer, que as empresas do ramo de saúde suplementar não
podem ser obrigadas a substituir o SUS, que deve fornecer acesso a todos os serviços de saúde
necessários aos pacientes, mas tão somente a fornecer os serviços previstos nos contratos
firmados com os consumidores.

45. Salienta-se que a Operadora de Saúde, pessoa jurídica de direito privado, se obriga a
fornecer acesso à saúde nos termos do contrato, enquanto o poder público, através do Sistema
Único de Saúde é quem tem a responsabilidade pelo fornecimento de acesso à saúde integral e
universalmente.

46. Cumpre enfatizar que o respeito às cláusulas contratuais limitativas nos instrumentos de
fornecimento de serviços de saúde suplementar são fundamentais para a manutenção do sistema da
saúde privada no país, que, ao final, desafoga o já saturado SUS. Isto porque o contrato em comento é
aleatório e baseado no mutualismo. Nas palavras de Angélica Carlini 7, explica-se melhor:

“(...) A estrutura da saúde suplementar é fundada no mutualismo, sistema por meio


do qual todos contribuem para que algumas pessoas possam utilizar ao longo de um
determinado período de tempo.
O valor das mensalidades pagas pelos usuários é utilizado para custeio de duas
modalidades de despesas: (i) despesas assistenciais, ou seja, tudo o que está previsto
na lei e no contrato como sendo direito para os usuários – exames, consultas,
procedimentos e eventos em saúde previstos no rol da ANS -; e, (ii) despesas
administrativas da operadora de saúde e remuneração do capital investido na
atividade empresarial (...).

5
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de
doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
6
FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. P.97. Curso de direito de saúde suplementar (manual jurídico de planos de saúde). 2ª Ed. – Rio de
Janeiro: Forense, 2012
7
CARLINI, Angélica. JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE: VAMOS FALAR SOBRE BOA-FÉ?
https://www.fenasaude.org.br/data/files/03/91/2B/04/8D5A3710AD3825373A8AA8A8/JULHO-TEXTO-SOBRE-JUDICIALIZA
%C3%87%C3%83O.pdf. Acessado em 13.04.2022
47. Assim, nos contratos de assistência de saúde privada, diferentemente dos contratos
comutativos, que são aqueles nos quais as partes já sabem no momento da contratação exatamente
quais são as prestações devidas por cada uma delas, na saúde privada, ao contrário, quando da
contratação o beneficiário do plano de saúde não sabe quais serviços médicos irão utilizar, ou mesmo
se irá utilizar algum serviço oferecido pela Operadora de Saúde.

48. Todavia, para que um contrato aleatório e baseado no mutualismo seja viável, é
indispensável que haja uma delimitação das condições futuras e incertas que estão cobertas pela
avença. Isto é, para que um contrato de plano de saúde seja viável, é necessário que seja delimitado
quais serviços médicos são cobertos e quais não possuem cobertura contratual, sob pena de gerar um
desequilíbrio econômico-financeiro no sistema.

49. Sobre este tema, vejamos a lição de Gustavo Tepedino 8:

“O Plano Privado de Assistência à Saúde, tal qual os contratos de seguro, tem como
principal pilar a pulverização de riscos decorrente do mutualismo, por meio da substituição
de perdas incertas por um custo pré-determinado. Trata-se, assim, de compartilhamento de
despesas, mediante a contribuição de todos para o benefício individual de cada um dos
contribuintes. Em consequência, o desequilíbrio econômico-financeiro em um único
contrato acarreta prejuízo a todos os demais. O princípio do mutualismo, portanto,
fundamenta e norteia os contratos de planos de saúde e, de maneira geral, as relações
securitárias. O respeito à cultura do mutualismo é indispensável ao desenvolvimento deste
setor no Brasil.
(...)
Vê-se, pois, que, no ambiente mutualístico, a extensão dos direitos individuais
contratados, embora sedutora na busca de alternativas de tratamentos, incluindo o
caso de técnicas não comprovadas, produz consequências econômicas devastadoras,
com repercussão negativa em todo o conjunto de participantes do plano,
assegurando-se aos beneficiários procedimentos que sequer possuem a devida
comprovação de acurácia, eficácia e ausência de riscos à saúde – previamente
ponderados sob o ponto de vista técnico –, a acarretar a majoração dos custos das
mensalidades, rompendo o equilíbrio econômico de todos os demais contratos.

Desse modo, ao contrário do que a percepção comum pudesse cogitar, os primeiros


prejudicados com o desequilíbrio econômico de determinado contrato de plano de saúde
são os demais participantes. Afinal, cada direito adicional que se pretenda agregar ao
contrato tem seu custo matematicamente calculado. Por isso mesmo, a interpretação
extensiva, aparentemente generosa, acaba por comprometer o mutualismo e o equilíbrio
das prestações estabelecidas em cada plano de saúde. Nessa espécie contratual, de fato,
revela-se de maneira evidente o princípio da função social, na exata medida em que o
interesse individual, para ser exercido e guarnecido, depende visceralmente do
respeito ao direito de todos os demais participantes, em recíproca proteção e
sustentabilidade (unus pro omnibus, omnes pro uno).” - grifos nossos -

50. Assim, resta evidente que o contrato de plano saúde só é viável se respeitado o princípio
do mutualismo, o que pressupõe a correta observância às coberturas estabelecidas contratualmente.
No caso em tela, portanto, vê-se que a extensão de direitos à Autora não previstos no contrato, qual
seja, o reembolso de despesas de transporte/deslocamento fora das hipóteses estipuladas pela ANS,
viola o cerne dos contratos de assistência de saúde privada, que é o mutualismo.

8
TEPEDINO, Gustavo. O STJ e a benfazeja promoção do mutualismo. https://www.oabrj.org.br/colunistas/gustavo-
tepedino/stj-benfazeja-promocao-mutualismo. Acessado em 13.04.2022
51. Urge observar que as normas estabelecidas pelas agências reguladoras do setor devem
ser respeitadas não somente em relação ao beneficiário, mas também às operadoras de planos de
saúde, sob pena de clara violação a regra constitucional mencionada.

52. Rememora-se, que na hipótese dos autos, a Autora jamais ficou desamparada, tendo a
Operadora de Saúde Ré oferecido rede credenciada a todos os exames necessários na área de
abrangência do plano contratado.

53. No mais, destaca-se que não há, no caso em tela, situação de urgência e/ou emergência
que ensejaria reembolso regulado pelo artigo 12 da Lei nº 9.656/1998, que dispõe sobre o reembolso
nos limites das obrigações contratuais nos casos de urgência ou emergência, quando não for possível a
utilização dos serviços próprios ser cobertos pelas operadoras de saúde, na íntegra:

“Art. 12. São facultadas a oferta, a contratação e a vigência dos produtos de que
tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei, nas segmentações previstas nos incisos I
a IV deste artigo, respeitadas as respectivas amplitudes de cobertura definidas no
plano-referência de que trata o art. 10, segundo as seguintes exigências mínimas:
I - quando incluir atendimento ambulatorial:
(...)
b) cobertura de serviços de apoio diagnóstico, tratamentos e demais procedimentos
ambulatoriais, solicitados pelo médico assistente;
(...)
VI - reembolso, em todos os tipos de produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art.
1o desta Lei, nos limites das obrigações contratuais, das despesas efetuadas pelo
beneficiário com assistência à saúde, em casos de urgência ou emergência, quando
não for possível a utilização dos serviços próprios, contratados, credenciados ou
referenciados pelas operadoras, de acordo com a relação de preços de serviços
médicos e hospitalares praticados pelo respectivo produto, pagáveis no prazo máximo
de trinta dias após a entrega da documentação adequada;” - grifo nosso -

54. De tal modo, resta evidente por qualquer prisma que se analise o pedido autoral, este
deve ser julgado improcedente, eis que não há justificativa legal para que a Ré assuma débitos
contraídos pela parte autora em virtude da sua escolha pelo atendimento em rede credenciada distante
de sua residência, mas dentro da área de abrangência do plano, eis que ciente das cláusulas do
contrato.

55. Por tais razões, na remotíssima hipótese deste MM. Juízo de Direito entender ser a
demanda procedente, a Ré requer sejam respeitados ao menos os limites de reembolso previstos na
tabela do contrato.

B) DA INEXISTÊNCIA DO DEVER DE REPARAR

56. Conforme já demonstrado anteriormente, não trouxe a Autora aos autos qualquer
comprovação de ato ilícito da Ré que ensejaria na condenação de reparação de danos materiais ou
morais.

57. Com efeito, caso se entenda, por mera argumentação, que a negativa de reembolso foi
indevida, tal conduta não pode ser passível de condenação para reparar danos extrapatrimoniais.
58. Cumpre frisar que não restou demonstrado o abalo psicológico alegado. A alegação de
dor subjetiva, divorciada de qualquer elemento material concreto, não justifica a provocação do
Judiciário e a condenação da ora Ré a reparar danos absolutamente subjetivos, sem qualquer efeito ou
repercussão no mundo fenomênico, e, portanto, fora da órbita do direito.

59. E, amparada pela doutrina e pelo entendimento jurisprudencial dominante nos tribunais,
a Ré destaca que a situação na qual a parte autora funda a sua pretensão, nem de longe, caracteriza o
dano moral alegado.

60. Nesse sentido, relevante se torna dizer que o Egrégio Superior Tribunal de Justiça já
consolidou o entendimento daquela Corte no sentido de não ser cabível indenização por danos morais
pleiteados em decorrência de discussão e/ou descumprimento de cláusula contratual.

61. Aliás, como antes trazido, apesar de no contrato constar cláusula de imputação de
período carencial, tão logo proferida decisão deferindo a tutela requerida, a internação da Autora foi
providenciada, bem como todos os procedimentos de urgência e de emergência.

62. No entanto, Vossa Excelência, quanto ao período carencial, necessário observar que a Ré
apenas exerceu o seu direito, tendo em vista que agiu em observância ao estipulado no contrato
firmado junto a parte autora, aplicando o prazo carencial pactuado entre as partes.

63. Nessa toada, deve-se asseverar que os atos praticados em exercício regular de um direito
não podem ser tidos como atos ilícitos, não havendo que se falar em conduta leviana ou imprudente
por parte da Ré, portanto, não havendo que se falar em reparação por danos morais.

64. Veja, ainda que se entenda que a negativa de cobertura foi indevida, é inegável que ela
ocorreu fundamentada no contrato firmado entre as partes e na regulamentação do setor, sendo
inviável considerar que o afastamento judicial de uma cláusula contratual anuída pela Autora gere o
dever de reparar.

65. Ou seja, sabendo que o dever de reparar dano moral pressupõe nexo de causalidade entre
um ato ilícito e as lesões ao direito da personalidade da vítima, deve ser julgado improcedente o
pedido de indenização por danos morais em face da Ré, já que esta agiu de acordo com as previsões
contratuais, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CIVIL. DANO MORAL. PLANO DE


SAÚDE. NEGATIVA DE COBERTURA. CLÁUSULA CONTRATUAL
CONTROVERTIDA. RECONHECIMENTO NA ORIGEM. INVERSÃO DO JULGADO.
IMPOSSIBILIDADE. REEXAME PROBATÓRIO. NEGATIVA DA INDENIZAÇÃO.
SÚMULA N° 568 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de
Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).
2. É firme a orientação do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que o simples
descumprimento de cláusula contratual controvertida não gera dano moral. Precedentes.
3. Na hipótese, os magistrados da instância ordinária afastaram o pleito indenizatório por
força da natureza controvertida de cláusula do contrato. Rever tal entendimento exigiria o
vedado reexame de provas.
4. Agravo interno não provido" (AgInt no REsp 1.681.848/PR, Rel. Ministro RICARDO
VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, DJe 17/4/2018).
"EMBARGOS INFRINGENTES. UNIMED. NEGATIVA DE COBERTURA DE
'FACOEMULSIFICAÇÃO' E 'IMPLANTE DE LENTES INTRAOCULARES'. DANO
MORAL. IMPOSIÇÃO EM PRIMEIRO GRAU E EXCLUSÃO POR MAIORIA.
QUEBRA DE CLÁUSULA CONTRATUAL CONTROVERSA QUE, NO CASO, NÃO
ENSEJA DOR ÍNTIMA. PRECEDENTES DO STJ. RECURSO DESPROVIDO. 'O
inadimplemento do contrato, por si só, pode acarretar danos materiais e indenização por
perdas e danos, mas, em regra, não dá margem ao dano moral, que pressupõe ofensa
anormal à personalidade. Embora a inobservância das cláusulas contratuais por uma das
partes possa trazer desconforto ao outro contratante - e normalmente o traz - trata-se, em
princípio, do desconforto a que todos podem estar sujeitos, pela própria vida em sociedade'
(STJ, REsp n.° 202.654/RJ, Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira)" (e-STJ fl. 214).

Fixadas as premissas fáticas delineadas no acórdão recorrido - recusa justificada fundada


em cláusula do contrato -, o aresto combatido encontra-se alinhado à jurisprudência do
Superior Tribunal de Justiça, consoante a qual o mero inadimplemento contratual não
acarreta danos morais (AgInt no REsp 1.235.927/SC, Rel. Ministro RICARDO VILLAS
BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, DJe 24/5/2018).

66. Por mera argumentação, em caso de procedência do pedido, devem ser considerados
alguns parâmetros para a fixação do quantum debeatur.

67. A indenização por danos morais somente visa a reparar os danos extrapatrimoniais do
ofendido, sem poder servir de inflição de pena ao infrator.

68. Aqui, ainda, um cuidado se impõe: de evitar a atração, apenas pelo caráter de
exemplaridade muitas vezes contido indevidamente na reparação, de somas que ultrapassem o que
supostamente representou o agravo para o ofendido.

69. Nesta seara, mais do que nunca, há de reter-se não consistir a responsabilidade civil em
fonte de enriquecimento para o ofendido. Os critérios da razoabilidade e proporcionalidade são
recomendáveis, para sem exageros, atingir-se indenização adequada.

70. Neste campo, mais ainda se redobram cautelas, eis que, tendo em vista ser o agente
economicamente mais poderoso do que o lesado, quase sempre, insinuar-se-á tentação de impor-lhe
reparação elevada. Isto não condiz, todavia, com sua natureza, uma vez que o dano deve ser reparado
única e exclusivamente na medida de sua extensão, sem levar em consideração a condição econômica
do ofensor.

71. Portanto, além da observação desses critérios, a aplicação deve ser norteada pelos
princípios da razoabilidade, proporcionalidade e equidade, o que desde já se requer.

VI. PEDIDOS

72. Pelo exposto, requer-se:

a) Sejam no mérito julgados integralmente improcedentes os pedidos autorais;


b) Subsidiariamente, caso haja a procedência do pedido de reparação por danos
morais, este seja norteado pelos princípios da razoabilidade, proporcionalidade e
equidade;

c) Seja, a Autora, condenada ao pagamento de custas e honorários.

73. A Ré informa que pugna pela produção de todas as provas admitidas em direito.

74. Por fim, requer, sob pena de nulidade, que todas as futuras publicações e intimações da
ação sejam feitas em nome do Dr. Eduardo Oliveira Machado de Souza Abrahão, inscrito na OAB/RJ
sob o nº 167.462, endereço eletrônico abrahao@salomaoadv.com.br.

Termos em que, pede deferimento.

Rio de Janeiro, 15 de setembro de 2023.

Eduardo O. Machado de Souza Abrahão Carina Rivero Pasqualin


OAB/RJ nº 167.462 OAB/SP nº 471.376

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