Você está na página 1de 7

EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS.

PRESO
TRANSFERIDO PARA O SISTEMA
PENITENCIÁRIO FEDERAL. RENOVAÇÃO DO
PRAZO. RECUSA DO JUIZ FEDERAL.
RESISTÊNCIA DO JUIZ ESTADUAL. CONFLITO
DE COMPETÊNCIA SUSCITADO NO STJ.
COMPETÊNCIA DO JUIZ FEDERAL.
REQUISITOS PARA A PERMANÊNCIA NO
CÁRCERE FEDERAL: INTERESSE DA
SEGURANÇA PÚBLICA OU DO PRÓPRIO PRESO.
RAZÕES DOS JUÍZOS SUSCITANTE E
SUSCITADO. ANÁLISE PERCUCIENTE.
NECESSIDADE. REQUERIMENTO DE
INFORMAÇÕES. INADEQUAÇÃO DO PLEITO
CAUTELAR. RÉU SUBMETIDO A EXECUÇÃO
PENAL. INEXISTÊNCIA DE COAÇÃO ILEGAL AO
SEU STATUS LIBERTATIS. AUSÊNCIA DO
PERICULUM IN MORA.
- Liminar indeferida.

DECISÃO: Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar,


impetrado contra ato do Superior Tribunal de Justiça consubstanciado em
decisão monocrática cujo teor é o seguinte:

“Trata-se de conflito negativo de competência travado


entre o Juízo de Direito da Vara de Execuções Penais do Rio de
Janeiro/RJ, suscitante, e o Juízo Federal de Execução Penal de
Catanduvas/PR, suscitado.
Nos autos, discute-se a competência para a continuidade
da execução da pena de Deives Dias Monteiro, condenado em
razão do cometimento dos crimes de tráfico de drogas,
receptação, posse ilegal de armas de fogo, falsificação de
documento público e estelionato, à pena total de 14 anos, 2
meses e 15 dias de prisão.
O cumprimento da pena teve início no ano de 2004 e, em
2/2/2010, houve a transferência para sistema penitenciário
federal, primeiro para o presídio de Campo Grande, depois, em
16/2/2010, para Catanduvas/PR.
Em 7/11/2011, o Magistrado do Juízo Federal de
Catanduvas/PR indeferiu a permanência do reeducando no
estabelecimento de sua gestão e solicitou o retorno dele ao
presídio estadual fluminense de onde egresso. Os fundamentos
para tanto são os que seguem:

Apesar das condenações, não se constata nada no material


encaminhado que o condenado Deives possa ser considerado
uma liderança ou um personagem relevante em uma
organização criminosa ou que poderia ser considerado como
periculoso.
As condenação são por fatos que não têm grande
expressão. Mesmo a condenação por tráfico envolveu apenas 138
gramas de maconha e 36 gramas de cocaína (fl. 43 do apenso II).
Observa-se ainda que na ficha disciplinar do preso, seu
comportamento é qualificado como excepcional a partir de
10/03/2008, sem qualquer registro de faltas disciplinares.
Acrescente-se que estando preso desde 2004
ininterruptamente, já teria cumprido quase metade do total de
sua pena de catorze anos, dois meses e quinze dias de prisão, cf.
cálculo de fl. 305 do apenso II.
No contexto, não se vislumbra qualquer motivo para a
transferência de urgência ou permanência dele no sistema
penitenciário federal.

No Juízo Fluminense, tal logo recebida a recusa


enunciada, o presente conflito foi suscitado. As razões então
levantadas indicam a necessidade de manutenção do apenado
no presídio federal, haja vista perdurarem os motivos de sua
inserção inicial no sistema mais rígido. É o que se entreve do
seguinte excerto:

Efetivamente, as razões de conveniência e oportunidade,


respaldadas nos princípios que informaram a inserção daquele
dispositivo de regência (Lei 11.671/08), recomendam a
segregação em presídio federal negada pelo Juízo Federal
suscitado.
Sobre isso, é de se observar que não há a necessidade da
existência de um fato novo provocador do pedido de
manutenção, bastando que o fato motivador ainda repercuta no
tempo, quer dizer, que o motivo de segurança pública que
ensejou a transferência para o presídio federal ainda permaneça
latente, forcenjando a manutenção da permanência do apenado
longe da fronteira do estado.
No contexto de uma escalada desenfreada de ações
criminosas organizadas e planejadas de dentro das
penitenciárias, gerando um cenário de aparente intranquilidade
social, todas as ações governamentais, por indeclinável, devem
ser promovidas visando a garantia da ordem pública, que é o
interesse coletivo, nesse enleio preponderante sobre o individual,
o que autoriza a supressão, ao menos temporária, dos direitos
individuais dos presos, como ocorre no caso de uma remoção
compulsória para outro Estado da Federação.
Na hipótese, a autoridade administrativa trouxe elementos
indiciários aptos à demonstração de que o apenado exerce
liderança perniciosa junto àqueles mais humildes, e estes não se
furtariam em assumir as responsabilidades por atos que não lhes
são impostos por seus chefes ora representados.
Diante disso, e considerando a necessidade de manutenção
da tranquilidade nas unidades prisionais, o que propiciará
melhores meios de prosseguir com a recuperação daqueles que
estão em condições de ressocialização é essencial a permanência
do apenado Deives Dias Monteiro longe das fronteiras do
estado.

O Ministério Público Federal, ao manifestar-se às fls.


34/39, opinou pelo conhecimento do presente conflito, com a
declaração de que competente o Juízo suscitado.
Brevemente relatado, decido.
Este conflito deve ser conhecido, porque previsto no art.
10, § 5º, da Lei 11.671/2008, segundo a qual, ‘rejeitada a
renovação [da transferência], o juízo de origem poderá suscitar
o conflito de competência, que o tribunal apreciará em caráter
prioritário’ e nele envolvidos juízos de Tribunais diversos,
como prescreve o art. 105, I, d, da Constituição Federal.
E, no mérito, a solução da causa exige definir se possível a
renovação do prazo de permanência do condenado em
estabelecimento prisional federal fundada na alegação de que
perduram os motivos que justificaram sua transferência
originária.
A interpretação cautelosa do art. 3º da Lei 11.6711/11 é
suficiente para aclarar o dilema. Veja-se o dispositivo:

Art. 3º. Serão recolhidos em estabelecimentos penais


federais de segurança máxima aqueles cuja medida se justifique
no interesse da segurança pública ou do próprio preso,
condenado ou provisório.

Note-se que o preceito indica a suficiência de


fundamentos institucionais/objetivos – interesse da segurança
pública – ou pessoais – interesse do próprio preso – para a
transferência a estabelecimento federal de cumprimento da
pena. Qualquer deles justificará, ainda que isoladamente
verificado, a alteração do esquema de execução da pena do
condenado.
Na hipótese, o Magistrado federal recusou a manutenção
do preso no cárcere sob sua responsabilidade ao argumento de
que, considerado o comportamento do preso, não há risco
extraordinário ao sistema prisional estadual. Os fundamentos
que lançou, então, restringiram-se a aspectos pessoais do
transferido.
Ocorre que, de acordo com o que declinou o Juiz estadual,
a transferência teve e tem fundamento na necessidade de se
manter a ordem pública, o interesse da coletividade e a
segurança da população carioca, que, segundo indicado, ainda
vivencia situação periclitante.
Dessa forma, há razão suficiente à manutenção do
reeducando em presídio federal, a qual refoge aos motivos
lançados pelo Juízo Federal para a negativa, e que, conforme
registra esta Corte, sequer poderia recusá-la. Confira-se o
precedente:

CONFLITO DE COMPETÊNCIA. EXECUÇÃO


PENAL. TRANSFERÊNCIA DE PRESO. PRIMEIRA
RENOVAÇÃO. EXCEPCIONALIDADE. LEI Nº
11.671/2008. DURAÇÃO DO PROCESSO DE
RENOVAÇÃO DA PERMANÊNCIA. RETROATIVIDADE
DO TERMO INICIAL. ALTERAÇÃO DO REGIME DE
EXECUÇÃO PENAL. EXCEÇÃO. CONFLITO
TECNICAMENTE INEXISTENTE. JUSTIFICATIVAS DO
JUÍZO FEDERAL. EXCESSO. JUÍZO MERAMENTE
CIRCUNSTANCIAL DESTA CORTE. INTERMEDIAÇÃO
DA SOLUÇÃO. CONFLITO CONHECIDO. RENOVAÇÃO
AUTORIZADA. AÇÃO DE TRANSFERÊNCIA
PREJUDICADA.
I – A inclusão do preso em estabelecimento prisional
federal deve estender-se pelo prazo máximo de 360 (trezentos e
sessenta) dias e a renovação somente ocorrerá excepcionalmente.
II – Admite-se a retroatividade do termo inicial do prazo
ao dia seguinte ao término do prazo anterior, aplicável tando no
caso de aceitação da renovação pelo magistrado federal, quanto,
no caso de renovação da permanência decidida por meio de
conflito de competência, até seu julgamento.
III – A alteração do regime de execução penal estabelecido
pela Lei nº 11.671/2008, permitindo a transferência e inclusão
do preso oriundo de outro sistema penitenciário para o sistema
penitenciário federal de segurança máxima constitui exceção e
está inspirada em fatos e fundamentos a serem necessariamente
considerados por ocasião do pedido e da admissão
correspondente.
IV Não cabe ao Juízo Federal exercer qualquer juízo
de valor sobre a gravidade ou não das razões do
solicitante, mormente, como no caso, quando se trata de preso
provisório sem condenação, situação em que, de resto, a lei
encarrega o juízo solicitante de dirigir o controle da prisão,
fazendo-o por carta precatória.
V – A divergência entre os juízes não constitui
tecnicamente conflito de competência como conceitua a lei, pois
na verdade há apenas discussão administrativa entre as
autoridades judiciais com competência material própria, cabendo
a este Superior Tribunal apenas avaliar as justificativas de cada
parte (que a outra não pode questionar) e intermediar a solução
mais adequada.
VI – Na presente hipótese as justificativas do Juízo
Federal exorbitam dos limites que lhe tocaria considerar,
em virtude do que a renovação solicitada pode ser
atendida pois fundada em respeito aos argumentos
objetivos do juízo solicitante.
VII – Conflito de competência conhecido nos limites
expostos para autorizar a renovação da permanência do preso
provisória Nei Conceição Cruz na Penitenciária Federal de
Campo Grande/MS, por mais 360 dias, a partir do dia seguinte
do encerramento do prazo anterior, ficando prejudicada a
tramitação da Ação de Transferência entre Estabelecimentos
Penais nº 0013008-52.2009.403.6000. (CC 118.834/RJ, Relator
o Ministro GILSON DIPP, DJe 1/12/2011)

Diante do exposto, conheço do conflito para declarar


competente o Juízo Federal da Execução Penal de
Catanduvas/PR, o suscitado.

A impetrante, Defensoria Pública da União, reitera as razões


submetidas ao Tribunal a quo, no sentido de inexistirem razões para a
renovação da permanência do paciente no sistema penitenciário federal e
requer:

“a) Conceder a MEDIDA CAUTELAR, liminarmente


pleiteada, com o escopo de ordenar o cumprimento do disposto
na Lei do sistema penitenciário federal, consoante preconiza a
Lei nº 11.671/08, regulamentada pelo Decreto n. 6.877/09, de
modo a assegurar o retorno do paciente ao sistema
penitenciário estadual do Rio de Janeiro, onde irá terminar de
cumprir o restante da pena.
b) Seja oficiado, com cópia integral da medida cautelar
concedida, o Juízo da Vara de Execuções Criminais da Justiça
Estadual do Rio de Janeiro, comunicando o inteiro teor da
decisão e ordenando o recebimento do preso no presídio de
origem; Oficiar ao diretor do sistema penitenciário Federal do
DEPEN, ordenando a adoção das medidas para a transferência
do preso para a origem; oficie-se igualmente ao Diretor do
Presídio federal de Catanduvas/PR;
c) sejam solicitadas as informações de estilo, caso V. Exa.
Entenda necessário.
d) No mérito, conceder a ordem, declarando-se a
competência para decidir o mérito da permanência e/ou
inclusão de preso no sistema penitenciário federal do juízo
federal da circunscrição (sic) judiciária onde se localiza o
presídio federal, nos termos da LEP e com fundamento na Lei
nº 11.671/08, regulamentada pelo Decreto nº 6.877/09, vez que
este é o juízo natural para conhecer, processar e julgar todos
os incidentes na execução criminal, no âmbito dos presídios
federais, ordenando-se, por conseguinte, o retorno do paciente
ao presídio estadual do Rio de Janeiro, nos termos da medida
cautelar pleiteada.

É o relatório.
DECIDO.
O artigo 3º da Lei n. 11.671, de 8 de maio de 2008, dispõe que “Serão
recolhidos em estabelecimentos penais federais de segurança máxima aqueles cuja
medida se justifique no interesse da segurança pública ou do próprio preso,
condenado ou provisório”, ao passo que o Decreto n. 6.877/2009, arrola as
condições subjetivas justificadoras da transferência de presos para o
presídio federal, verbis:

“I – tenha desempenhado função de liderança ou


participado de forma relevante em organização criminosa;
II – ter praticado crime que coloque em risco a sua
integridade física no ambiente prisional de origem;
III – estar submetido ao regime disciplinar diferenciado –
RDD;
IV – ser membro de quadrilha ou bando envolvido na
prática reiterada de crimes com violência ou grave ameaça;
V – ser réu colaborador ou delator premiado desde que
essa condição represente risco à sua integridade física no
ambiente prisional de origem; ou VI) estar envolvido em
incidentes de fuga, de violência ou de grave indisciplina no
sistema prisional de origem.”

Depreende-se dos textos legais que o acolhimento, ou não, da recusa


do Juízo Federal em renovar a permanência do paciente no sistema
penitenciário federal, bem como da resistência do Juízo Estadual em
sentido contrário, demanda análise percuciente dos autos e das
justificativas de ambos os juízes, a serem prestadas em atendimento ao
requerimento de informações, por isso é inadequado o pleito cautelar.
Outrossim, estando o paciente submetido à execução penal, não cabe
cogitar de cerceio ilegal ao seu status libertatis, vale dizer, não está
satisfeito o requisito do periculum in mora.
Ex positis, INDEFIRO o pedido de liminar.
Requisitem-se informações aos Juízos federal e estadual.
Após, dê-se vista ao Ministério Público Federal.
Publique-se. Int..
Brasília, 26 de novembro de 2012.
Ministro LUIZ FUX
Relator
Documento assinado digitalmente

Você também pode gostar