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1890 Década de 1920 Década de 1940 1949


Os instintos como Homeostase Em The Wisdom Os impulsos satisfazem Formação reticular e
motivos Grandemente of the Body, o fisiologista de necessidades Clark Hull excitação Giuseppe Moruzzi e
influenciado pelas idéias de Harvard Walter 8. Cannon propõe que os estados de Horace Magoun descobrem que
Darwin, William James propõe descreve o processo pelo qual os privação biológica, ou impulsos, estimular a formação reticular
que os seres humanos são sistemas corporais, como a estimulam comportamentos no tronco cerebral leva à
dotados de instintos temperatura e a digestão, são para satisfazer necessidades. A excitação, um estado de
comportamentais que não regulados para manter um teoria dos impulsos passa a ser atividade física e cerebral
requerem nenhuma experiência estado constante. uma das teorias mais influentes aumentada.
ou educação, so gatilhos na história da ciência
ambientais para ativá-los. psicológica.
1953 1954 1960 Década de 1960 Década de 1960
Sono REM Nathaniel Teoria do centro dual Eliot Planos e objetivos George Adiamento da Excitação ótima Daniel
Kleitman, Eugene Aserinsky e Stellar propõe que o Miller, Eugene Gallanter e Karl gratificação Walter Mischel e Berlyne propõe que as pessoas
William Dement observam que comportamento motivado é Pribram criam um modelo seus alunos realizam uma tentam manter um nivel ótimo
mudanças elétricas no cérebro regulado por centros cognitivo de auto-regulação, em pesquisa mostrando que as de excitação.
estão associadas a movimentos excitatórios e inibitórios no que as pessoas são motivadas crianças mais capazes de adiar a
rápidos dos olhos. Eles acreditam hipotálamo. Posteriormente se por discrepâncias entre sua gratificação serão, futuramente,
que esses períodos de REM são a descobre que o hipotálamo é situação e um estado ideal mais capazes de um
base fisiológica do sonhar. crucial para muitos representado como uma meta. desempenho superior em muitos
comportamentos motivados. domínios.
280 GAZZANIGA e HEATHERTON

m 1965, Randy Gardner, de 17 anos, decidiu estabelecer um recorde mundia

E de permanecer acordado, como um projeto para uma feira de ciências. Para


quebrar o recorde anterior, ele teria de se privar de sono por mais de 260
horas, ou 11 dias completos. Seus pais ficaram preocupados, pois tinham lido que
a privação de sono podia causar sérias reações psicóticas. Um disc-jóquei de Nova
York que ficara 200 horas sem dormir, como parte de um golpe de publicidade,
começou a alucinar e teve uma grave paranóia, imaginando que estava sendo
envenenado. A reação de Gardner foi menos grave, mas ele ficou paranóide,
irritável e teve alucinações. Ele também experienciou inúmeras dificuldades
mentais. Por exemplo, no 11 Q dia, quando lhe pediram para contar
retrospectivamente de 100, ele parou em 65 porque esqueceu o que deveria fazer
(Ross, 1965).
Gardner conseguiu quebrar o recorde em 4 horas, mas suas reações mentais
mostram como foi difícil fazer isso. Quando ele finalmente foi dormir, dormiu 15
horas na primeira noite e 1O na segunda. Os problemas mentais que Gardner
apresentou desapareceram depois que ele dormiu, e parece que ele não teve
nenhum problema mental ou físico duradouro associado à sua proeza.
Considerando tudo, um projeto de feira de ciências muito bem-sucedido. A
propósito, o californiano Robert McDonald, que ficou acordado durante 453 horas
e 40 minutos (quase 19 dias) em uma cadeira de balanço, estabeleceu o atual
recorde mundial em 1986.
O desejo de Randy Gardner de estabelecer o recorde envolve muitas idéias
centrais para o conceito de motivação. Os cientistas psicológicos que estudam os
motivos estão interessados nos fatores que estimulam comportamentos. Esses
incluem fatores físicos como a necessidade de sono e alimento, assim como os
fatores psicológicos que inspiram as pessoas a estabelecer objetivos e tentar atingi-
los. Muitas vezes, as pessoas tentam superar suas necessidades biológicas,
tentando ficar sem dormir ou sem comer, e muitas vezes descobrem que é difícil
Como os estados internos são fazer isso. O que determina que pessoas como Randy Gardner resolvam quebrar
regu lados no corpo? recordes mundiais? Quanto é possível superar o corpo na tentativa de atingir
Qual é o papel do instinto no objetivos pessoais? Como aluno/a, você provavelmente está muito motivado/a a se
comportamento? sair bem e, portanto, passa muitas das suas horas de vigília revisando anotações,
Que papel o prazer desempenha lendo livros e escrevendo trabalhos. Embora se sair bem neste curso possa não
na motivação de ajudar sua sobrevivência imediata, o/a ajudará a atingir aspirações a longo prazo.
comportamentos?
Este capítulo trata dos fatores que motivam e mantêm comportamentos.
Como as pessoas estabelecem e
atingem objetivos pessoais?
Quais são os correlatos neurais da
motivação?
A motivação (do latim, "mover-se") é a área da ciência psicológica que estuda os fatores que
Por que as pessoas ficam obesas? energizam, ou estimulam, o comportamento. Especificamente, diz respeito a como o comportamen-
Como medimos o sono? to é iniciado, dirigido e sustentado. Questões de motivação estão disseminadas pelos muitos níveis
de análise da ciência psicológica. Por exemplo, os conceitos de recompensa e reforço discutidos no

1974 1975 1975 Década de 1990


Enfraquecendo a motivação Ocomer restritivo Peter Hipótese da ativação- Base neural da auto-
intrínseca Mark Lepper e seus Herman e Janet Polivy sintese Alan Hobson e Robert regulação Pesquisas da
colegas demonstram que dar demonstram que as pessoas que McCarley propõem que os neurociência revelam que várias
recompensas externas por fazem dieta cronicamente sonhos representam a regiões do córtex pré-frontal
comportamentos que são comem demais quando interpretação que a mente faz interagem com o sistema límbico
prazerosos por si mesmos acreditam que quebraram a de descargas neuronais quando as pessoas desenvolvem
enfraquece os motivos naturais dieta ou quando estão aleatórias que ocorrem durante e utilizam estratégias e planos.
para buscar esses emocionalmente perturbadas, o o sono REM, concluindo que não
comportamentos. que revela que uma grande existe nos sonhos nenhum
parte do comer humano está simbolismo oculto.
sob controle cognitivo.
CIÊNCIA PSICOLÓGICA 281

Capítulo 6 e os mecanismos fisiológicos discutidos no Capítulo 3 são centrais para as teorias da


motivação Fatores que
JJotivação. Este capítulo explora diferentes concepções das bases da motivação e discute alguns dos energizam, d irigem ou sust entam
::omportamentos mais comumente motivados. Esses comportamentos relacionam-se à sobrevivência comportame ntos.
'.iiológica imediata (como responder à fome, à sede e à necessidade de sono) e a necessidades sociais
objetivo Um resu lt ad o desej ad o
de longo prazo (como afiliação, realizações e lazer). associado a um objet o de desejo
específico ou a algum a futura
inte nção com portamental.

COMO A MOTIVAÇÃO ATIVA, DIRIGE E homeostase A ten dênci a das


fun ções corpo rais de ma nter o
SUSTENTA A AÇÃO? equi líbr io.

As teorias mais gerais da motivação enfatizam quatro qualidades essenciais dos estados moti- modelo de feedback
negativo As respostas do corpo
,·acionais. Primeiro, os estados motivacionais são energizantes no sentido de que ativam ou estimu- aos desvios em re lação ao
illm comportamentos - levam os animais a fazer alguma coisa. Por exemplo, o desejo de estar equilíbrio.
5.sicamente em forma pode motivar você a sair da cama e ir correr em uma manhã fria. Segundo, os ponto estabelecido Um estado
estados motivacionais são diretivos no sentido de que orientam o comportamento para satisfazer hipotético que indica homeostase.
objetivos ou necessidades específicos. Afome motiva o comer, a sede motiva o beber, e o orgulho (ou
o medo ou muitas outras coisas) motiva estudar muito para os exames. Terceiro, os estados motiva-
cionais ajudam as pessoas a persistir em seu comportamento até que os objetivos sejam atingidos ou
as necessidades sejam satisfeitas. Afome nos atormenta até encontrarmos algo para comer; a persis-
;ência nos leva a praticar arremessos de beisebol até conseguirmos acertar. Quarto, a maioria das
reorias concorda que os motivos diferem em sua força , dependendo de fatores internos e externos.
\1uitas vezes nos deparamos com motivos concorrentes: devemos estudar (orgulho) ou sair com
amigos (companheirismo)? Devemos comer uma pizza (prazer) ou arroz integral (saúde)? O motivo
mais forte geralmente vence. As teorias da motivação tentam responder a perguntas como: De onde
vêm as necessidades e os objetivos? Como as necessidades e os objetivos adquirem força? Como os
motivos são transformados em ação? A seguir, examinaremos várias teorias concorrentes e suas
diferentes respostas.

A motivação é tanto intencional como reguladora


Os cientistas psicológicos que estudam a motivação têm seguido, tradicionalmente, uma de
duas ênfases de pesquisa. Após a revolução biológica na psicologia, os psicólogos fisiológicos estu-
dam os motivos reguladores em animais não-humanos (especialmente ratos). Eles focalizam estados
internos e costumam ver a motivação em termos da neurobiologia subjacente, como os hormônios,
neurotransmissores e centros cerebrais. Em contraste, os psicólogos sociais, da personalidade e cog- Como os estados internos são
regulados no corpo?
nitivos focalizam os motivos intencionais. Eles examinam como as pessoas tentam satisfazer objetivos
de vida e exercer controle sobre o próprio comportamento e o dos outros. Um objetivo é um resul-
tado desejado e normalmente está associado a um objeto específico (como um alimento saboroso)
ou a uma intenção comportamental futura (como entrar na escola de medicina). Compreender a
motivação humana requer atravessar os níveis de análise para examinar tanto as bases intencionais
(cognitivas) como as reguladoras (fisiológicas) do comportamento humano.
Amaioria dos pesquisadores que estudam os estados motivacionais reguladores, como sede ou
fome, vê os comportamentos motivados como ajudando os animais a manter um estado interno
constante, ou equilfbrio. Walter Cannon, um jovem e brilhante fisiologista de Harvard na década de
1920, cunhou o termo homeostase para descrever a tendência das funções corporais de manter
equilíbrio. Por exemplo, no modelo de feedback negativo, as pessoas respondem a desvios em
relação ao equilíbrio. Imagine um sistema de aquecimento/ resfriamento de uma casa controlado por
um termostato regulado em um nível ótimo, que chamamos de ponto estabelecido (veja a Figura
9.1). Um ponto estabelecido é um estado hipotético que indica homeostase. Se a temperatura
real está diferente do ponto estabelecido, a calefação ou o ar-condicionado vai entrar em ação para
ajustar a temperatura. Da mesma forma, o corpo humano regula um ponto estabelecido de aproxi-
madamente 37°. Quando as pessoas estão quentes demais ou frias demais, mecanismos cerebrais,
particularmente o hipotálamo, iniciam respostas como suar (para esfriar o corpo) ou tremer (para
aquecer o corpo). Ao mesmo tempo, comportamentos intencionais, como vestir ou tirar roupas,
também são motivados. Os modelos de feedback negativo são úteis para descrever alguns processos
biológicos básicos, como nutrição, regulação de fluidos e sono.
282 GAZZANIGA e HEATHERTON

Os instintos motivam o
Feedback negativo
comportamento
No século XIX, o psicólogo estadunidense Willi-
am James propôs que grande parte do comportamento
humano era instintiva. Os instintos são ações não-
aprendidas, automáticas, desencadeadas por deixas
externas. Por exemplo, quando você escuta um baru-
Ar-condicionado lho alto, tende a olhar na direção da fonte do baru-
lho automaticamente, talvez sem sequer perceber que
Temperatura está fazendo isso. Aousada afirmação de James con-
da sala ~
tradizia as crenças de teóricos anteriores de que o
comportamento humano é principalmente aprendi-
do, em vez de inato.
Os instintos são semelhantes aos reflexos no sen-
tido de que produzem um impulso imediato de agir. A
menos que algo bloqueie o impulso, o instinto leva a
uma ação específica. Atualmente, os instintos são co-
nhecidos como um padrão de ação fixa. Podemos ver
um exemplo disso no esgana-gata, um pequeno peixe
Feedback negativo com três espinhaços (Tinbergen, 1951). Os esgana-
gatas machos desenvolvem um ventre vermelho niti-
<t
ti
damente perceptível durante a estação de acasalamen-
:t FIGURA 9.1 Um modelo de homeostase de feedback negativo. Quando a temperatura to e atacam os outros peixes com ventre vermelho que
li sobe acima do ponto estabelecido (temperatura da sala), é detectada uma discrepância e o
t: se aproximam. Os ventres vermelhos servem como um
ar-condicionado é ativado. O ar é resfriado até a temperatura voltar ao ponto estabelecido. estímulo liberador para o padrão de ação fixa de ata-
ll Inversamente, quando a temperatura cai abaixo do ponto estabelecido, a calefação é
que. Mesmo um modelo malfeito de um peixe pintado
ativada. Quando a temperatura atinge o ponto estabelecido, a calefação pára de funcionar.
de vermelho na parte de baixo elicia esse padrão de
ação fixa. Da mesma forma, os perus machos ficam
excitados simplesmente ao observar a cabeça de outro peru, mesmo que não exista corpo preso à
cabeça ou que a cabeça seja falsa. Uma série de outros comportamentos parece ser instintiva: as
aranhas tecem teias, os pássaros voam e cantam, os cachorros perseguem gatos, os gatos perseguem
ratos. Exemplos de padrões de ação fixa nos humanos são certas expressões faciais que ocorrem
universalmente em todas as culturas e, portanto, parecem ser instintivas.
No início do século XX, o psicólogo William McDougall transformou o conceito de instinto em
uma teoria geral da motivação. McDougall acreditava que os instintos consistem em componentes
cognitivos (conhecer o objeto ou resultado do instinto), componentes afetivos (sentimentos de prazer
ou dor) e esforços de aproximação ou afastamento de um dado objeto. Por exemplo, um bebê apren-
Qual é o papel do instinto no de que chorar traz atenção, o que gera sentimentos de prazer e o desejo de se aproximar da pessoa
comportamento?
que dá atenção.
A concepção de McDougall dos instintos entusiasmou os psicólogos, e muitos pesquisadores e
teóricos começaram a catalogar comportamentos que pareciam instintivos. As listas cresceram rapi-
damente, atingindo mais de 6 mil comportamentos supostamente instintivos. Mas os críticos logo
começaram a atacar a teoria do instinto, observando que a maioria dos chamados comportamentos
instintivos - como brincar, oferecer consolo ou aprender a caçar para obter alimento - eram, na
verdade, modificados pela experiência. Mais seriamente, os críticos afirmaram que todo o conceito
de instinto se baseava em uma lógica circular e, por essa razão, tinha pouco valor explanatório. Um
comentarista descreveu astutamente a situação: "Se ele vai com os companheiros, é o 'instinto de
rebanho'; se ele vai sozinho, é o 'instinto anti-social'; se ele gira os polegares, é o 'instinto de girar os
polegares'; se ele não gira os polegares, é o 'instinto de não girar os polegares'. Assim, tudo é expli-
cado com a facilidade da mágica - a mágica da palavra" (Holt, 1931, p. 4). Esse raciocínio circular
levou muitos behavioristas a rejeitarem os estados motivacionais como sem significado. Os instintos
eram úteis no nível descritivo, mas não adiantavam muito como explicação. O interesse pelo concei-
to dos instintos morreu na década de 1930, em parte devido ao desafio dos behavioristas, que afir-
instintos Ações não-aprend idas,
automáticas, desencadeadas por mavam que todo o comportamento resulta de aprendizagem. Hoje, como parte da revolução biológi-
deixas específicas. ca, novos entendimentos de como os mecanismos neurais são traduzidos em comportamentos
reacendeu o interesse pelo exame desses comportamentos.
CIÊNCIA PSICOLÓGICA 283

As necessidades, os impulsos e as recompensas necessidades Estados corporais


motivam o comportamento de deficiência biológica ou socia l.
auto-realização Um estado
As necessidades são estados de carência. Os psicólogos fisiológicos utilizam o termo para se atingido quando os sonhos e
referir a carências biológicas, tal como falta de ar ou alimento. Nós precisamos de ar e de alimento aspirações da pessoa são realizados.
para sobreviver. Mas os psicólogos sociais utilizam o termo para estados psicológicos e relaciona- hierarquia de necessidades A
mentos sociais, como a necessidade de poder, realização ou afiliação. As pessoas precisam de outras classificação de Maslow das
pessoas. As necessidades, como quer que sejam definidas, levam a comportamentos dirigidos a um necessidades, em que as
objetivo. O fracasso em satisfazer a necessidade leva à prejuízo psicossocial ou físico, ou à morte. necessidades básicas de
sobrevivência são inferiores e as
Essa explicação separa as necessidades dos desejos. Uma criança pequena pode dizer que precisa de necessidades de crescimento
um lápis vermelho e não de um azul, mas ter de usar o azul provavelmente não causará nenhum pessoal são superiores em termos
problema duradouro. de prioridade.
Abraham Maslow propôs uma influente teoria de necessidades da motivação, na década de impulsos Estados psicológicos
1940. Ateoria de Maslow é um exemplo da psicologia humanista, em que as pessoas são vistas como que motiva m o organ ismo a
seres holísticos que se esforçam para chegar à realização pessoal. Na motivação, os humanistas satisfazer suas necessidades.
focalizam a pessoa - é John Smith que deseja comida, não o estômago de John Smith. Segundo a excitação {arousa/) Termo que
perspectiva humanista, os seres humanos são únicos entre os animais porque tentam melhorar con- descreve ativação fisiológica, como
uma atividade cerebral aumentada,
tinuamente. Um estado de auto-realização ocorre quando os sonhos e as aspirações da pessoa são respostas autonô micas, sudorese ou
realizados. A pessoa auto-realizada vive de acordo com o seu potencial e, portanto, é verdadeira- tensão muscular.
mente feliz. Maslow escreve: "O músico precisa fazer música, o artista precisa pintar, o poeta precisa
escrever, para que possam ficar em paz consigo mesmos. O que um homem pode ser, ele precisa ser"
(Maslow, 1968, p. 46).
Maslow acreditava que os humanos são impulsionados por muitas necessidades, que ele orga- ' l.j

nizou numa hierarquia de necessidades (Figura 9.2), em que as necessidades de sobrevivência


:

(como fome e sede) são inferiores e as necessidades de crescimento pessoal são superiores em ter-
mos de prioridade. Maslow acreditava que a satisfação das necessidades inferiores da hierarquia
permitia que os humanos funcionassem num nível superior. As pessoas precisam ter suas necessida-
des biológicas satisfeitas, precisam sentir-se seguras, amadas e ter uma boa opinião de si mesmas
para experienciar crescimento pessoal e atingir a auto-realização.
A hierarquia de necessidades de Maslow há muito tempo foi adotada na educação e na admi-
nistração, mas de modo geral ela não tem apoio empírico. Independentemente de precisarmos ser
auto-realizados para sermos felizes, a classificação das necessidades não é tão simples como Maslow
sugere. Por exemplo, algumas pessoas passam fome até morrer para demonstrar a importância de
suas crenças pessoais, ao passo que outras que têm satisfeitas suas ne-
cessidades fisiológicas e de segurança são solitários que não buscam a
companhia dos outros. Além disso, o conceito de auto-realização é difí-
cil de definir e medir com precisão. Ahierarquia de Maslow, portanto, é
mais útil no nível descritivo do que no nível empírico.

Impulsos Os impulsos são estados psicológicos ativados parasa- Auto-


rea lização
tisfazer necessidades. Por exemplo, as pessoas podem ser descritas por
seu nível de impulso sexual ou caracterizadas como sendo impulsiona-
das para o sucesso. As necessidades criam excitação (arousal), que moti- Estima
va comportamentos que satisfarão essas necessidades (Figura 9.3). Ex-
citação (arousal) é um termo genérico empregado para descrever
ativação fisiológica (como atividade cerebral aumentada) ou respostas Pe rte nci me nto e amor
autonômicas aumentadas (como batimentos cardíacos mais rápidos, su-
dorese ou tensão muscular). Tente segurar a respiração o máximo que
puder. Se você continuar por mais de um minuto ou dois, provavelmente Segurança
terá um forte sentimento de urgência, até de ansiedade. Esse estado de
excitação é o impulso.
A teoria do impulso mais influente foi proposta na década de 1940 Fisiológicas
por Clark Hull (Figura 9.4), um dos principais behavioristas de seu tem-
po. Hull propôs que os estados pulsionais têm raízes em necessidades
biológicas e que o comportamento pode ser predito por fatores ambien- FIGURA 9.2 A hierarquia de Maslow das necessidades indica que
tais. Hull propôs que quando um animal é privado de alguma necessida- as necessidades básicas, como a de alimento e água, são satisfeitas antes
de (como água, sono ou sexo), o impulso específico aumenta proporcio- das necessidades superiores, como a auto-realização.
284 GAZZANIGA e HEATHERTON

.1
nalmente. O estado pulsional leva à excitação e à ativação comporta-
mental, e o animal então age até que um de seus comportamentos satis-
Necessi-
Impulsos
Compo r- faça o impulso e reduza a excitação. Assim, a satisfação das necessida-
dade tamento des envolve aprendizagem . O modelo de Hull propõe que os
comportamentos apresentados pelo animal são arbitrários. Quando um
comportamento satisfaz a necessidade, ele é reforçado e, portanto, a
Nutrientes Fome Comer probabilidade de sua ocorrência aumenta. Com o passar do tempo, se
um comportamento reduz consistentemente um impulso, ele se torna
um hábito; a probabilidade de um comportamento ocorrer deve-se tan-
to ao impulso quanto ao hábito.
Função
Sede Beber
A teoria de Hull e seu clássico livro Principies of behavior tiveram
celular um tremendo impacto sobre a pesquisa psicológica. Uma crítica, contu-
do, é que a teoria de Hull sobre o impulso não podia explicar por que as
pessoas escolhem apresentar comportamentos que não parecem satisfa-
zer necessidades biológicas. Por que, por exemplo, as pessoas ficam acor-
FIGURA 9.3 As necessidades criam impulsos que motivam
dadas toda a noite estudando para um exame? Por que as pessoas co-
comportamentos específicos.
mem uma segunda fatia de torta de abóbora no Dia de Ação de Graças
mesmo não estando com fome depois de comer a primeira fatia?

Hedonismo e recompensa Sigmund Freud acreditava que os impulsos são satisfeitos de acor-
do com o princípio do prazer, que diz aos organismos para buscarem o prazer e evitarem a dor. Essa idéia
é central para muitas teorias da motivação. Com origem na antiga Grécia, o hedonismo, como princípio
l~ motivacional, refere-se às experiências humanas de prazer e desprazer. O princípio do prazer de Freud
:i e a teoria do instinto de McDougall concordam que os animais e os humanos são motivados para buscar
Íi
t: o prazer e evitar a dor. O contemporâneo de Darwin, Herbert Spencer, escreveu: "todo animal persiste
no ato que dá prazer - e desiste do ato que causa dor" (Spencer, 1872, citado em Stellar e Stellar,
1984). Todos esses grandes pensadores afirmaram uma verdade essencial: o prazer é um motivador
primário. Nós realmente fazemos as coisas que nos fazem sentir bem e, se alguma coisa faz com que nos
sintamos bem, nós a fazemos de novo. Um excelente exemplo de hedonismo e adaptatividade é o sexo.
O sexo é essencial para a sobrevivência das espécies, e poucas pessoas precisam ser persuadidas dos
aspectos prazerosos do comportamento sexual, independentemente de ele levar à repro-
dução. O estudo científico do comportamento sexual é discutido em '~travessando os
níveis de análise: Fatores que influenciam o desejo sexual".
Lembre que um limite das teorias biológicas do impulso (como a de Clark Hull) é que
os animais apresentam comportamentos que necessariamente não satisfazem necessida-
des biológicas. Isso, comumente, ocorre quando o comportamento é prazeroso. Por exem-
plo, um clássico estudo examinou as preferências alimentares dos ratos (Sheffield e Roby,
1950). Uma das substâncias que produziram uma forte resposta foi a sacarina, que é doce
e, portanto, prazerosa, mas não satisfaz nenhuma necessidade biológica. Freqüentemen-
te, os animais escolhem o prazer, mais que a redução de impulsos biológicos. No clássico
estudo de Olds e Milner, descobriu-se que a estimulação elétrica aplicada a certas regiões
cerebrais era altamente recompensadora (veja o Capítulo 6). Os animais capazes de se
auto-administrar estimulação elétrica ao pressionar uma alavanca fizeram isso umas 2 mil
vezes por hora. Ratos machos pressionavam a alavanca mesmo quando estavam privados
de comida, tinham acesso a uma fêmea sexualmente receptiva ou precisavam atravessar
uma grade eletrificada para chegarem à alavanca.

Os comportamentos motivados têm valor de


sobrevivência
De uma perspectiva evolutiva, os comportamentos associados ao prazer estão en-
tre os que promovem a sobrevivência e a reprodução do animal, ao passo que os com-
FIGURA 9.4 Clark Hull, um dos pioneiros dos portamentos associados à dor interferem na sobrevivência e na reprodução. Um bom
modelos comportamentais da redução do impulso. A exemplo disso é a doçura, que é preferida pela maioria dos animais. Os bebês que
teoria pulsional da motivação de Hull está entre as teorias recebem soluções doces consideram-nas prazerosas, conforme revelado por suas ex-
mais influentes na história da ciência psicológica. pressões faciais (Steiner, 1977; Figura 9.5). Adoçura normalmente indica que é seguro
CIÊNCIA PSICOLÓGICA 285

1 2 3 4 5

FIGURA 9.5 Até os recém-nascidos preferem o sabor doce ao amargo: 1. rosto em descanso, 2.
reação à água destilada, 3. estímulos doces; 4. estímulos ácidos, 5. estímulos amargos.
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comer aquele alimento. Em contraste, a maioria dos venenos e toxinas tem sabor amargo, de modo
que não surpreende que os animais evitem sabores amargos.
Lembre, do Capítulo 6, que a experiência de recompensa se deve principalmente à ativação de
neurônios de dopamina no núcleo accumbens. Os comportamentos adaptativos também utilizam o
sistema de dopamina. O comportamento sexual, por exemplo, leva ao aumento da dopamina no Que papel o prazer desempenha na
motivação de comportamentos?
núcleo accumbens. Os bloqueadores de dopamina interferem nas propriedades recompensadoras do
alimento, da água e de várias drogas, como cocaína e anfetamina, que normalmente são experiencia-
das como recompensadoras. Assim, a ativação de dopamina pode ajudar a orientar comportamentos
adaptativos ao recompensar os que promovem sobrevivência ou reprodução.
Amotivação pode ser vista como uma capacidade que inicia, dirige e sustenta comportamentos
que promovem sobrevivência e reprodução. Assim, os animais são fortemente motivados a repetir
comportamentos adaptativos e a evitar comportamentos desadaptativos. Os estados motivacionais,
portanto, provocam comportamentos que resolvem problemas adaptativos. Os animais precisam
ingerir oxigênio, água e nutrientes e, dessa maneira, respirar, beber e comer são comportamentos
motivados. Para os humanos, a motivação de apresentar comportamentos maternos promove o cui-
dado da prole, garantindo assim que os genes serão transmitidos. Aamamentação provoca a libera-
ção do hormônio ocitocina, que promove o vínculo e libera as endorfinas que dão origem a sentimen-
tos de prazer (Carter, 1998).

Como a motivação ativa, dirige e sustenta a ação?


Os estados motivacionais ativam, dirigem e sustentam comportamentos que ajudam a satisfazer necessidades ou
atingir objetivos. Muitas teorias da motivação baseiam-se na idéia de que os organismos tentam manter a
homeost ase ou o equilíbrio. Os insti ntos, conhecidos como padrões de ação fixa, são ações inatas, automáticas,
desencadeadas por deixas externas. Os estados pulsionais decorrem de deficiências de necessidades e motivam
comportamentos que satisfazem essas necessidades. Segundo Maslow, as necessidades podem ser organizadas em
uma hierarquia, em que as necessidades fisiológicas têm precedência em relação às necessidades de crescimento
pessoal. Um princípio motivacional geral é o hedonismo, que orienta os organismos a repetir comportamentos que
são prazerosos e a evitar comportamentos que são dolorosos. Seguir esse princípio pode ajudar os organismos a
sobreviver e a se reproduzir.
FATORES QUE INFLUENCIAM O DESEJO SEXUAL
O desejo sexual há muito tempo é reconhecido como um dos descobriram que, em geral, os homens se masturbam mais
motivadores mais duráveis e poderosos da humanidade. A força do freqüentemente do que as mulheres, querem sexo mais cedo no
impulso sexual varia substancialmente entre os indivíduos e as relacionamento, pensam e fantasiam sobre sexo com maior
circunstâncias; mas, mesmo assim, podemos dizer que a maioria freqüência, gastam mais tempo e dinheiro (e outros recursos) no
dos seres humanos apresenta um desejo significativo de sexo. esforço de obter sexo, desejam mais atividades sexuais diferentes,
Tanto a natureza quanto a cultura contribuem para moldar iniciam mais o sexo e o recusam menos, e avaliam seu impulso
padrões de motivação sexual. Um dos nossos quatro temas maiores sexual como mais forte do que o das mulheres (Baumeister et ai.,
é que uma grande parte do comportamento é adaptativa. Nos 2001). Em um estudo, pesquisadores perguntaram a universitários
seres humanos (como em muitas outras espécies), o desejo sexual de ambos os sexos quantos parceiros sexuais eles gostariam de ter
evoluiu como um mecanismo crucial para propagar a espécie. Nem na vida, se não se sentiam limitados pelo medo de doenças,
sempre os bebês são feitos porque as pessoas os desejam pressões sociais, e assim por diante (Miller e Fishkin, 1997). A
desesperadamente, mas porque se dedicam com entusiasmo ao maioria das mulheres queria um ou dois, ao passo que a resposta
sexo, o que freqüentemente resulta em reprodução. Algumas média dos homens era várias dezenas. No entanto, também houve
espécies têm meios de reprodução não-sexuais, como a clonagem. vários homens que queriam apenas uma parceira sexual e
No entanto, a reprodução sexual é superior à reprodução não- mulheres que queriam muitos.
sexual em vários aspectos cruciais, especialmente em sua As mulheres tendem a ter índices mais elevados de erotofobia.
capacidade de misturar genes e, assim, produzir uma prole uma disposição a responder negativamente a deixas sexuais. As
variada, tornando a espécie mais adaptável. Recentes avanços na pessoas com índices elevados de erotofobia relatam uma postura
teoria evolutiva sugerem que as formas exatas de desejo sexual parental de rigidez em relação ao sexo, atitudes conservadoras e
humano são o resultado de pressões da seleção natural (esses evitação da masturbação (Fisher et ai., 1988). Paradoxalmente, as
achados são discutidos no Capítulo 14). Então, como é que os pessoas com índices altos de erotofobia correm um risco mais
cientistas psicológicos contemporâneos estudam o sexo? elevado de gravidez indesejada e doenças sexualmente
Nos níveis neuroquímico e de sistemas cerebrais, a maioria das transmitidas, porque é menos provável que carreguem consigo
pesquisas é realizada com animais não-humanos, especialmente preservativos e tomem outras precauções.
ratos. Por exemplo, estudos examinaram como os hormônios, No nível social/cultural, o duplo padrão é uma influência
incluindo testosterona e ocitocina, estão envolvidos na produção e cultural muito conhecida. Ele estipula que certas atividades (como
terminação dos comportamentos sexuais (veja o Capítulo 3). Uma o sexo pré-conjugal ou casual) são moral e socialmente aceitáveis
linha interessante de pesquisa examina a influência dos para os homens, mas não para as mulheres. A revolução sexual do
feromônios - substâncias químicas transmitidas de um animal século XX trouxe grandes mudanças de comportamento sexual, a
para outro pelo sentido do olfato - sobre a iniciação do sexo. maioria das quais deve ser atribuída a mudanças nas pressões e
Aparentemente, uma proteína nos feromônios chamada afrodisina expectativas culturais. Embora os costumes e as normas sexuais
é um atrativo sexual. Hamsters machos tentarão montar em um variem até certo ponto entre as culturas, todas as culturas
hamster macho anestesiado se este for aspergido com afrodisina conhecidas têm alguma forma de moralidade sexual, o que indica
(Singer, 1991). lnteressantemente, os feromônios também podem como é importante para a sociedade regular de alguma maneira o
afetar o comportamento social humano. Em um estudo, as comportamento sexual. As culturas podem tentar limitar e
pesquisadas do sexo feminino que usaram durante a noite um controlar o sexo por uma variedade de razões, incluindo manter o
colar que continha androstenol, uma substância encontrada no controle sobre o índice de natalidade, estabelecer a paternidade,
suor axilar masculino, passaram mais tempo em interações sociais oferecer às pessoas um roteiro a ser seguido no namoro e
com homens no dia seguinte do que as mulheres que usaram acasalamento e reduzir conflitos.
colares contendo substâncias inertes (Cowley e Brooksbank, 1991). A relativa influência da natureza e da cultura sobre a motivação
Esse efeito não ocorreu nos pesquisados do sexo masculino. sexual pode variar com o gênero. Roy Baumeister (2000) utilizou o
As pesquisas estão recém começando a examinar os correlatos termo plasticidade erótica para se referir ao grau em que o impulso
neurais do comportamento sexual humano. Por exemplo, em um sexual pode ser moldado por fatores sociais, culturais e situacionais.
estudo que utilizou imagens de PET foi mostrado a homens As evidências sugerem que as mulheres apresentam maior
imagens de videocJipes eróticos e neutros. Descobriu-se que os plasticidade erótica que os homens. A sexualidade de uma mulher
clipes eróticos levavam à ativação de áreas cerebrais associadas à pode evoluir e mudar durante sua vida adulta, ao passo que os
motivação e à recompensa, como as várias estruturas límbicas. O desejos dos homens permanecem relativamente constantes (exceto
achado interessante foi que esse efeito foi maior para os homens pelo declínio gradual com a idade). Os desejos e comportamentos
que tinham níveis sangüíneos de testosterona mais elevados sexuais das mulheres dependem significativamente de fatores
(Stoleru et ai., 1999). Ainda não se sabe se homens e mulheres sociais como educação e religião, enquanto a sexualidade dos
respondem diferentemente a estímulos sexuais. homens mostra uma relação mínima com tais influências. Por
Um achado notável e consistente em quase todas as medidas exemplo, em uma revisão da literatura, Baumeister descobriu que
de desejo sexual é que os homens, em média, apresentam um nível as mulheres com alto nível de instrução apresentam maior
mais elevado de motivação sexual do que as mulheres, embora probabilidade do que as mulheres não-instruídas de realizar sexo
existam muitas exceções individuais. Em certas ocasiões, como oral, anal, interações homossexuais e experimentação de novas
quando estão se apaixonando, o desejo sexual das mulheres pode atividades, mas que os homens instruídos e não-instruídos não
se equiparar ou superar o dos homens. Estudos também diferem muito com relação a essas formas de sexo.
CIÊNCIA PSICOLÓG ICA 287

COMO OS FATORES COGNITIVOS, SOCIAIS E expectativas Representações


CULTURAIS INFLUENCIAM A MOTIVAÇÃO? mentais de possíveis resultados
futuros.
Vimos, anteriormente, que muitos pesquisadores rnotivacionais focalizam os aspectos intencio- incentivos Estímulos externos
:iais do comportamento, os fatores cognitivos e sociais subjacentes à motivação. Um dos maiores que motivam comportamentos (em
desafios aos relatos behavioristas pulsionais da motivação foi a posição de Edward Tolrnan, um oposição a impulsos internos).
;iioneiro nas teorias cognitivas do comportamento. Na década de 1920, Tolrnan observou que os motivação
~ornportarnentos motivados "cheiram a um propósito", isto é, eles são dirigidos a um objetivo. Por extrínseca Motivação para
:neio da aprendizagem, os animais desenvolvem expectativas em relação ao que levará à conquista realizar uma atividade por causa
dos objetivos externos para os qua is
dos objetivos. As expectativas são representações mentais de futuros resultados. Ao enfatizar as essa atividade é dirigida .
e.xpectativas, Tolman focalizou propriedades do objeto visado, em vez das necessidades biológicas.
motivação intrínseca Motivação
fur exemplo, nós esperamos que um bolo de chocolate tenha um sabor melhor do que sardinha e, para realizar uma atividade por
portanto, escolhemos comer o bolo e não sardinhas quando estamos motivados a comer. Focalizar causa do valor ou do prazer
Jbjetos visados em vez de necessidades leva a modelos de motivação por incentivos. Os incentivos associado a essa atividade, e não
são objetos externos, não impulsos internos, que motivam comportamentos. Tirar um ''!!..' no semes- por um propósito ou objetivo
biológico aparente.
~e é o incentivo para estudar bastante; o delicioso gosto do chocolate é o incentivo para comer bolo;
-er dinheiro para comprar as coisas que você quer é o incentivo para trabalhar durante as férias de
"erão. Amaior contribuição de Tolrnan foi salientar que algumas coisas são mais valiosas para nós do
que outras, e somos mais motivados a obter coisas de valor. O que valorizamos, por sua vez, é
determinado em grande extensão pela cultura em que vivemos.

A motivação é tanto extrínseca como intrínseca


Às vezes, as pessoas estão motivadas para apresentar comportamentos simplesmente porque
gostam de fazer aquilo. As pessoas gostam de desenhar, ouvir música, jogar xadrez, ler livros e
assistir aos seus programas favoritos de televisão. Os psicólogos diferenciam duas categorias gerais
de motivos, extrínsecos e intrínsecos. A motivação extrínseca enfatiza os objetivos externos para
os quais a atividade está sendo dirigida, tal corno redução do impulso ou recompensa - por exem-
plo, trabalhar para ganhar um salário no final da semana. A motivação intrínseca se refere ao
\'alor ou prazer que está associado à atividade, mas não tem nenhum propósito ou objetivo biológico
aparente. Comportamentos intrinsecamente motivados são realizados por si mesmos. Esses com-
portamentos não se limitam aos humanos; qualquer pessoa que tenha tido filhotes de cão ou gato
sabe que grande parte do seu dia é dedicada ao comportamento de brincar.

O brincar Urna das marcas registradas da infância é a curiosidade, um comportamento intrinse-


camente motivado. As crianças gostam de procurar novas situações e jogos. Quando encontram
novos objetos, ficam fascinadas e brincam com eles até o objeto ser inteiramente inspecionado e
rodas as suas características serem exibidas. Depois que a criança examinou minuciosamente o obje-
ro, o seu interesse diminui e ela passa para outra coisa nova. Aexploração do brincar é característica
de todos os mamíferos, especialmente dos primatas. Por exemplo, o psicólogo Harry Harlow e cola-
boradores mostraram que os macacos têm um forte impulso exploratório e não desistem de tentar
resolver problemas relativamente complexos na ausência de qualquer motivação aparente (Harlow
etal., 1950).
Que valor adaptativo tem o brincar? Urna função óbvia é aprender sobre os objetos do ambien-
te; isso, claramente, tem valor de sobrevivência. O conhecimento de como as coisas funcionam tam-
bém permite que esses objetos sejam usados para outras tarefas. Em um estudo, crianças tiveram a
chance de brincar com materiais envolvidos em urna tarefa posterior de solução de problemas. A
tarefa requeria que as crianças juntassem duas varetas para recuperar um pedaço de giz. As crianças
que tinham podido brincar com as varetas e presilhas por 10 minutos realizaram melhor a tarefa do
que as crianças que não tinham sido expostas primeiramente aos materiais ou tinham sido informa-
das da solução da tarefa, mas não tinham podido brincar (Sylva et ai., 1976).
O brincar também ajuda os animais a aprender sobre o mundo social. Viver com os outros
requer a capacidade de cooperar e seguir regras, e o brincar oferece oportunidades para aprender as
regras. Stephen Suomi e Harry Harlow (1972) argumentaram que brincar com os seus iguais permi-
te que os macacos aprendam benefícios sociais, corno se comportar com aqueles que são dominantes
e quando refrear impulsos agressivos.
288 GAZZANIGA e HEATHERTON

Criatividade e solução de problemas Muitos comportamentos intrinsecamente motiva-


criatividade A capacidade de
gerar ou reconhecer idéias,
dos permitem que as pessoas expressem criatividade. Criatividade é a tendência a gerar idéias ou
alternativas ou possibilidades que alternativas que podem ser úteis para resolver problemas, comunicar e entreter os outros e a nós
podem ser úteis para resolver mesmos (Franken, 1998). A criatividade envolve construir imagens novas, sintetizar duas ou mais
problemas, comuni car-se com os idéias ou conceitos e aplicar conhecimentos existentes à solução de novos problemas. A mente hu-
outros ou ent reter a nós mesmos e
os outros.
mana também tenta consolidar informações em histórias coerentes. As pessoas são motivadas a
compreender o mundo e, exatamente como os pacientes com cérebro secionado que confabulam
para compreender as informações conflitantes que chegam em seus hemisférios separados (veja o
Capítulo 4), desenvolvem ativamente explicações de como o mundo funciona e como eventos cau-
sais estão conectados. Muitos teóricos salientam que a criatividade é um componente integral para a
solução de problemas adaptativos. Muitas atividades criativas não representam, em si mesmas, solu-
ções adaptativas, mas são usos modernos de mecanismos que evoluíram para tais propósitos. Por
exemplo, tendemos a preferir arte que tenha elementos interessantes que captam a nossa atenção. A
capacidade de perceber e prestar atenção a aspectos do ambiente, como alimentos ou predadores,
tem um valor adaptativo óbvio (Pinker, 1997).

Aprendizagem e motivação intrínseca Lembre que um dos princípios básicos da teoria da


aprendizagem é que os comportamentos recompensados aumentam em freqüência. Seria esperado,
portanto, que recompensar comportamentos intrinsecamente motivados os reforçasse. Surpreendente-
mente, evidências consistentes sugerem que recompensas extrinsecas podem enfraquecer a motivação
intrinseca e diminuir a probabilidade de as pessoas apresentarem o comportamento recompensado. Em
um clássico estudo, o psicólogo social Mark Lepper e colaboradores permitiram que crianças desenhas-
sem com canetas coloridas, uma atividade que a maioria das crianças considera intrinsecamente moti-
vadora (Lepper et al., 1973). Um grupo de crianças recebeu um motivo extrinseco para desenhar ao ser
levado a esperar um "prêmio de melhor desenho". Outro grupo foi inesperadamente recompensado
após a tarefa e um terceiro grupo não foi nem recompensado nem levado à expectativa de uma recom-
pensa. Durante um período subseqüente de brincadeira livre, as crianças que tinham ficado na expecta-
tiva de recompensas extrinsecas passaram muito menos tempo brincando com as canetas coloridas do
que o grupo que não foi recompensado ou do que o grupo que recebeu uma recompensa inesperada.

Teoria do controle e autopercepção Por que as recompensas extrínsecas, às vezes, redu-


zem o valor intrinseco? Os psicólogos sociais Edward Deci e Richard Ryan (1987) argumentam que
os sentimentos de controle pessoal e competência fazem as pessoas se sentirem bem com elas mesmas
e inspiram-nas a fazer seus trabalhos mais criativos. Fazer alguma coisa para ganhar recompensas
externas não satisfaz a nossa necessidade de autonomia.
Outra explicação se baseia na teoria da autopercepção do psicólogo Daryl Bem (196 7), que
afirma que as pessoas raramente estão cientes de seus motivos específicos e tiram inferências sobre
sua motivação baseadas no que parece fazer mais sentido. Por exemplo, alguém lhe dá um grande
copo de água e você bebe tudo, exclamando: "Puxa, eu estava mesmo com sede". Você acredita que
estava com sede porque bebeu todo o copo, mesmo que não estivesse ciente de nenhuma sensação
física de sede. Quando as pessoas não conseguem encontrar uma explicação externa óbvia para o seu
comportamento (como ser recompensada ou satisfazer uma necessidade biológica), elas concluem
que apresentaram aquele comportamento simplesmente porque gostam de fazer aquilo. Recompen-
sar as pessoas por realizar uma atividade intrínseca, todavia, lhes dá uma explicação alternativa de
por que estão fazendo aquilo. Não é porque aquilo é divertido; é por causa da recompensa. Conse-
qüentemente, na ausência de recompensa, não há nenhuma razão para apresentar o comportamento.
Uma vez que as notas escolares recompensam o bom desempenho, poderíamos concluir que
devemos terminar com elas para preservar a curiosidade e o amor por aprender das crianças peque-
nas. Mas Deci e Ryan argumentam que, se a recompensa extrínseca informa quanto controle pessoal
as pessoas têm sobre a aprendizagem, ela não enfraquecerá a motivação intrínseca. Dessa perspecti-
va, receber notas na escola informa que você está se saindo bem e, portanto, não enfraquece a
motivação intrínseca. Na verdade, receber boas notas reforça ainda mais a motivação intrínseca:
agora você sabe que o trabalho escolar é algo que gosta de fazer e faz bem. Além disso, recompensas
extrinsecas só enfraquecem os comportamentos que são intrinsecamente recompensadores. Assim, o
desafio para os educadores é encontrar maneiras de aumentar o valor intrínseco do trabalho escolar.
Não sendo possível isso, as recompensas extrínsecas podem ser usadas para fazer parecer que vale a
pena realizar uma tarefa de outra forma aborrecida.
CIÊNCIA PSICOLÓGICA 289

A novidade e a excitação (arousa/) motivam lei de Yerkes-Dodson Um


princí pio psicol ógico que dita que a
Acuriosidade, o brincar e as atividades criativas todas levam a estados de excitação (arousal). A eficiência comportamental
excitação está associada a quão ativo/a e alerta você se sente durante o dia e também a como responde aumenta com a excitaçã o (arousal)
aos eventos em seu entorno, tal como dirigir no trânsito ou encontrar alguém que acha atraente. O até um ponto ót imo, após o qual
dim inui co m a crescente excitação.
princípio psicológico conhecido como a lei de Yerkes-Dodson (que recebeu o nome dos dois pesqui-
sadores que primeiro a estudaram, em 1908) dita que a eficiência comportamental aumenta com a
excitação (arousal) até um ponto ótimo, após o que diminui com a crescente excitação, criando assim a
forma de um U invertido (Figura 9.6). Portanto, você se sai melhor nos exames quando apresenta um
nível moderado de ansiedade. Pouca ansiedade pode levá-lo/ a à desatenção e ansiedade
demais pode paralisar seu pensamento e interferir na memória.
O interessante é que o aumento da excitação (arousal) que acompanha muitos
comportamentos desejáveis contradiz as teorias originais do impulso, que afirmavam
que a motivação funciona para reduzir os níveis de tensão e excitação. Em vez disso,
Ótimo
agora está bem estabelecido que os animais são motivados a buscar um nível ótimo de
excitação, que é o nível de excitação associado ao valor hedônico máximo. Na década
de 1960, o psicólogo cognitivo Daniel Berlyne propôs que a relação entre excitação e
valor hedônico seguia a lei de Yerkes-Dodson: o humor aumentava com o aumento da o
..e
e
complexidade e da novidade até um nível ótimo, em cujo ponto o afeto passava a ficar Q)
o..
cada vez mais negativo (Figura 9.7). Por exemplo, as pessoas gostam de uma boa histó- E
Q)
Vl
ria de mistério, mas ficam frustradas quando a trama é tão complexa que fica impossí- Q)
o
vel de seguir. Berlyne concordava com o princípio motivacional básico de que todos os
organismos devem buscar experiências positivas e evitar as negativas; sendo assim,
uma pessoa que está experienciando um baixo nível de excitação estaria motivada a
buscar estimulação adicional. Segundo Berlyne, a novidade, a mudança súbita, a in- Baixa Alta
Excitação/arousa l
congruência, a complexidade e a incerteza aumentam a excitação (arousal) e, portan-
to, aumentam o afeto positivo daqueles com baixa excitação. Mas os que já estão exci-
tados - como os alunos que estão estudando para exames - experienciam outros GUR. 9 Segundo a lei de Yerkes-Dodson, o
eventos excitantes como aversivos e tentarão reduzir a estimulação. desempenho melhora com a excitação até um ponto
As teorias de excitação da motivação proporcionam uma explicação importante ótimo, após o qual a excitação interfere no desempenho.
para muitos comportamentos intrínsecos - nós os
realizamos porque eles nos excitam e absorvem a
nossa atenção. As pessoas gostam de fazer muitas
atividades que são excitantes, como dançar, ouvir
música, ler livros emocionantes e assistir a filmes de
horror e de aventura. Alguns teóricos observaram que
música, arte e literatura têm o poder de afetar os nos-
sos estados emocionais. Seleções musicais são fre-
qüentemente utilizadas em laboratórios de pesquisa
para alterar o humor das pessoas. Gostar de músicas
novas segue o modelo de U invertido sugerido por
Berlyne: conforme músicos e ouvintes se aborrecem
ao ouvir o mesmo estilo de música, passam a desejar
sons novos e diferentes. Rock, punk, rap, eletrônica e
outros estilos musicais se tornaram populares por-
que eram diferentes e porque excitavam o ouvinte,
'-------y------'-------y------~~~--~~~~
assim como Mozart excitou aqueles que ouviam Bach
Familiar Novo Familiar
ou Handel no século XVIII. simples simples complexo

As pessoas são motivadas a


atingir objetivos Potencial de excitação/arousal

Os motivos intencionais refletem necessidades


psicossociais de poder, auto-estima e realização. O es- FIGURA 9 7 Daniel Berlyne propôs que a excitação aumentada está associada a um
tudo desses motivos começou com Henry Murray, um maior afeto positivo até um nível ótimo, após o qual a excitação crescente passa a ser
psicólogo da personalidade da Universidade de Har- aversiva.
290 GAZZANIGA e HEATHERTON

vard. Na década de 1930, Murray propôs 27 necessidades psicossociais básicas, como a necessidade
de poder, autonomia, realização, sexo e lazer. Oestudo das necessidades psicossociais trouxe insights
importantes sobre o que motiva o comportamento humano. Destaca-se a motivação especial das
pessoas para atingir objetivos pessoais. A auto-regulação do comportamento é o processo pelo
Como as pessoas estabelecem e qual as pessoas iniciam, ajustam ou terminam ações a fim de atingir objetivos pessoais.
atingem objetivos pessoais?
Às vezes, quando ficamos estudando até tarde da noite para um exame, perguntamo-nos por
que trabalhamos tanto. Para muitas pessoas, o trabalho duro é motivado por seus objetivos a longo
prazo. De acordo com uma teoria influente desenvolvida pelos psicólogos organizacionais Edwin
Locke e Gary Latham (1990), os objetivos dirigem a atenção e os esforços, estimulam a persistência
de longo prazo e ajudam as pessoas a desenvolver estratégias. Os objetivos que as pessoas estabele-
cem influenciam seus esforços de auto-regulação. Locke e Latham sugerem que os objetivos desafia-
dores, difíceis e específicos são mais produtivos. Objetivos desafiadores despertam maior esforço, per-
sistência e concentração, enquanto objetivos fáceis ou difíceis demais podem enfraquecer a motivação
e freqüentemente levam a maus resultados. Objetivos que podem ser divididos em etapas específicas
e concretas também favorecem o sucesso. Uma pessoa interessada em correr a Maratona de Boston
precisa primeiro desenvolver resistência para correr um quilômetro. Depois de atingir o objetivo de
correr 1 quilômetro, a pessoa pode se propor objetivos mais desafiadores até chegar à maratona de
26 quilômetros. Focalizar objetivos concretos no curto prazo facilita a conquista dos objetivos de
longo prazo.

Sentimentos de auto-eficácia Albert Bandura (veja o Capítulo 6) argumentou que as ex-


pectativas pessoais de sucesso desempenham um papel importante na motivação. Por exemplo, se
você acredita que seus esforços de estudo levarão a uma boa nota no exame, será motivado a estudar.
A auto-eficácia representa a expectativa de que seus esforços levem ao sucesso, e essa crença
ajuda a mobilizar as suas energias. Se você tem baixa auto-eficácia e não acredita que seus esforços
levarão ao sucesso, talvez fique tão desanimado que nem tentará estudar. As pessoas com grande
auto-eficácia tendem a estabelecer objetivos elevados e a obter resultados favoráveis. Entretanto, às
vezes, pessoas com uma visão inflada de si mesmas estabelecem objetivos que não terão condições
de atingir. Objetivos que são desafiadores, mas não esmagadores, geralmente são os que mais condu-
zem ao sucesso.

Motivação de realização As pessoas diferem na extensão em que perseguem objetivos desa-


fiadores. O motivo de realização se refere ao desejo de se sair bem relativamente a padrões de
excelência. Um dos alunos de Henry Murray, David McClelland (Figura 9.8), passou a maior parte da
sua carreira estudando pessoas com alta motivação para a realização. Em pesquisas ao longo de
quase 50 anos, McClelland e seus alunos descobriram que o desejo de realizar ajudava as pessoas a
ter sucesso. Comparados aos que apresentavam baixa necessidade de realização, alunos com alta
necessidade sentavam-se na parte da frente da sala de aula, tiravam notas mais altas nos exames e
obtinham melhores conceitos nos cursos relevantes para os seus objetivos profissionais (McClelland,
auto-regulação O processo pelo 1987). O que é interessante, os alunos com alta necessidade de realização tendiam a ser mais realis-
qual as pessoas iniciam, ajustam ou tas em suas aspirações profissionais do que os alunos com baixa necessidade. Eles estabeleciam
terminam ações a fim de co nsegui r objetivos pessoais desafiadores, mas possíveis, enquanto os que apresentavam baixa necessidade de
realizar planos ou obj etivos
pessoais. realização tendiam a estabelecer ou objetivos extremamente fáceis ou quase impossíveis. Os pais dos
alunos com alta necessidade de realização tendiam a estabelecer objetivos muito elevados para os
auto-eficácia A expectativa de
que os esforços pessoa is levarão ao filhos e estimulavam a persistência. Esses pais desencorajavam queixas e desculpas para o mau
sucesso. desempenho e incentivavam os filhos e tentar soluções novas.O único aspecto negativo para as pes-
motivo de realização O desejo soas com alta motivação para a realização é que elas gostam de atingir objetivos pessoais e, nas
de se sa ir bem relativamente a situações em que precisam delegar, como em posições administrativas ou políticas, elas tendem a
padrões de excelência . assumir coisas demais. Na verdade, uma equipe de pesquisa descobriu que a necessidade de realiza-
modelo TOTE Um modelo de ção estava inversamente relacionada à efetividade entre os líderes políticos (Spangler e House, 1991)
auto-regulação em que as pessoas
avaliam o progresso na busca dos
seus objetivos.
A auto-regulação requer autoconsciência e
desindividuação Um estado
mental de bai xa autoconsciência, arr amento da gratificaÇ o
em que as pessoas agem de uma
maneira desinibida . Como as pessoas controlam o próprio comportamento para atingir seus objetivos? Primeiro,
elas precisam ter uma boa idéia de quais são seus objetivos e do que devem fazer para atingi-los.
CIÊNCIA PSICOLÓGICA 291

Considere o objetivo de se tornar um aluno A. Você primeiro teria de reconhecer que


atualmente é um aluno B e precisa se esforçar mais se quiser atingir seu objetivo.
De acordo com os psicólogos cognitivos George Miller, Eugene Galanter e Karl
Pribram (1960), as pessoas possuem representações mentais de seus estados desejados
e as comparam com a sua posição atual nas dimensões relevantes. O mecanismo cogni-
tivo que dirige o comportamento baseia-se no feedback negativo e é semelhante aos
modelos homeostáticos utilizados por motivos reguladores. Miller e seus colegas cha-
maram esse mecanismo de unidade TOTE, de test-operate-test-exit (teste-operar-teste-
sair) (Figura 9.9). Nesse modelo, é feita uma comparação entre o estado atual da pes-
soa e o estado desejado. Uma discrepância entre os dois estados motiva comportamentos
para minimizar a discrepância, e esse processo continua até o objetivo ser atingido,
ponto em que a pessoa sai do processo. O modelo TOTE requer que as pessoas te-
nham sempre presentes seus objetivos e sejam autoconscientes, a fim de monitorar seu
progresso na busca dos objetivos. Por exemplo, para se tornar um aluno Avocê precisa
prestar atenção em seu desempenho nos exames e tarefas da classe, e também nas
notas que precisa tirar para ganhar um A. Se as suas notas estiverem abaixo dos crité-
rios A, você terá de se esforçar mais e ser mais eficiente para atingir seu objetivo.
Os psicólogos sociais Charles Carver e Michael Scheier (1981; 1998) criaram uma
influente teoria auto-reguladora que se vale do modelo TOTE ao enfatizar a influência A David McClelland estudou o motivo de
da autoconsciência. Quando a autoconsciência é alta, as pessoas agem de acordo com realização em muitas culturas.
padrões pessoais; quando é baixa, sua inibição desaparece e elas perdem contato com
esses padrões, um estado mental conhecido como desindividuação. Em um estudo,
Edward Diener e seus colegas descobriram que era menos provável os alunos colarem em uma prova /,
t
se estivessem sentados na frente de um espelho - que presumivelmente aumentava a autoconsciên-
cia (Diener, 1979). Da mesma forma, Diener descobriu que as crianças que estavam anônimas rouba-
'
vam mais guloseimas no Halloween do que as crianças que não estavam anônimas. É por isso que
muitos cassinos são barulhentos e sem espelhos. Os cassinos tentam eliminar todas as deixas de
autoconcentração, para que as pessoas se desindividuem e superem suas inibições quanto a jogar
fora todo o seu dinheiro.
Segundo o modelo de Carver e Scheier, a autoconsciência das discrepâncias entre o estado ideal
e o atual leva ou a um afeto negativo ou a um afeto positivo, que então orienta todo o comportamen-
ro subseqüente. Quando as pessoas sentem que seu desempenho foi acima de um determinado pa-
drão, elas experienciam um afeto positivo e param de se avaliar naquela dimensão. Se seu desempe-
nho está melhor que o seu objetivo, você não ajusta o seu comportamento para recuar até o objetivo
(como sugeriria o modelo TOTE) .
Quando o desempenho das pessoas está abaixo dos seus padrões ideais, elas experienciam um
afeto negativo, como sentimentos de tristeza, frustra-
ção e ansiedade - o afeto negativo serve como um
sinal de que você não está atingindo seus objetivos

J ;ecoe~;"'""
pessoais. Um ponto essencial do modelo de Carver e Feedback negativo

I
Scheier é que futuras tentativas de auto-regulação de-
pendem da probabilidade de ser capaz de diminuir a
lacuna entre onde você está agora e onde quer ir. Se a
probabilidade percebida de conseguir reduzir a discre- Teste Operar Teste
pância for alta, então o afeto negativo motiva tentati- Comparar Compor- Equipar
vas de reduzir a discrepância. Mas se a probabilidade com padrão tamento compadrão l Se
percebida de sucesso for baixa, então as pessoas po- congruente
dem desistir de tentar.

Comportamento autodestrutivo Segundo


Sair
Carver e Scheier, uma maneira de reduzir o afeto ne-
gativo é evitar a autoconsciência pelo escapismo. Algu-
mas pessoas bebem álcool ou usam drogas para es-
quecer seus problemas; outras saem para dar uma
corrida, lêem um livro ou assistem a um filme. O apelo FIGURA Uma unidade TOTE é um modelo homeostático de auto-regulação. O
seletivo do entretenimento escapista é que ele distrai feedback negativo de discrepância entre o estado atual e o ideal motiva esforços para reduzir
a pessoa de refletir sobre seu fracasso em atingir os a discrepância.
292 GAZZANIGA e HEATHERTON

objetivos e, assim, ajuda a evitar que se sintam mal com isso. Infelizmente, as evidências sugerei:;:.
adiamento da
gratificação Quando as pessoas
que escapar da autoconsciência está associado a diversos comportamentos autodestrutivos, come
t ranscendem t entações imed iat as comer descontroladamente, praticar sexo inseguro e cometer suicídio. Segundo o psicólogo socia.
para consegui r atingir objetivos a Roy Baumeister (1991), esses problemas ocorrem porque as pessoas fazem coisas, quando têm baixa
longo prazo. autoconsciência, que jamais fariam se fossem autoconscientes.

Gratificação adiada Um desafio comum na auto-regulação é adiar a gratificação imediata na


busca de objetivos a longo prazo. Os alunos que querem se tornar médicos bem-sucedidos geralmen-
te têm de ficar em casa estudando em vez de sair com os amigos. O processo de transcender a
gratificação imediata a fim de atingir objetivos a longo prazo é conhecido como adiamento da
gratificação. Em uma série de estudos agora clássicos, o psicólogo desenvolvimental Walter Mis-
chel pediu que crianças escolhessem entre esperar para receber um brinquedo ou alimento preferido
ou ganhar imediatamente um brinquedo ou alimento menos apreciado. Mischel descobriu que algu-
mas crianças conseguem adiar a gratificação melhor do que outras e que a capacidade de fazer isso
prediz o sucesso na vida. As crianças que conseguiram adiar a gratifica-
ção aos 4 anos de idade foram avaliadas, 10 anos mais tarde, como
socialmente mais competentes e mais capazes de lidar com a frustra-
ção. A capacidade de adiar a gratificação na infância prediz escores
mais elevados no SAT, melhores notas escolares e avaliações mais posi-
tivas por parte dos professores (Mischel et ai., 1989).
r------~ Como algumas crianças conseguem adiar a gratificação? Uma es-
~ ~ tratégia era simplesmente ignorar o item tentador em vez de olhar para
!~> .~ 0 o O .~ _ ~- ele. Crianças mais velhas, mais capazes de adiar a gratificação, tenta-
~! vam cobrir os olhos ou olhar para outro lado, enquanto crianças bem
t.. pequenas tendiam a olhar diretamente para o item ao qual estavam
.1:· tentando resistir, tornando o adiamento especialmente difícil. Uma es-
:5 tratégia relacionada era a autodistração, por meio de cantar uma músi-
i::
~
ca, jogar algum jogo ou fingir dormir. A estratégia mais bem sucedida
envolvia o que Mischel e sua colega Janet Metcalfe referem como trans-
formar cognições quentes em cognições frias. Essa sofisticada estratégia
envolve transformar mentalmente o objeto desejado em algo indeseja-
do, tal como enxergar um pretzel tentador como um pedaço de madeira
ou marshmallows como nuvens (Figura 9.10). As cognições quentes fo-
calizam os aspectos gratificantes, prazerosos, dos objetos, enquanto as
cognições frias focalizam significados conceituais ou simbólicos. Met-
calfe e Mischel (1999) propõem que essa distinção quente/frio baseia-
se em como a informação é processada no cérebro, com o sistema quen-
te ligado à amígdala e o frio, ao hipocampo. Segundo essa teoria, a
amígdala processa os aspectos gratificantes de estímulos biologicamen-
te significativos, enquanto o hipocampo processa planos, estratégias e
objetivos e, portanto, é responsável pelo autocontrole. Uma teoria refe-
F G A 9. o As crianças capazes de transformar cognições rente aos limites do autocontrole é discutida em "Utilizando a ciência
quentes em cognições frias têm maior facilidade para adiar a gratificação. psicológica: Domando os demônios da vida cotidiana".

Como os fatores cognitivos, sociais e culturais influenciam a motivação?


As pessoas são motivadas por fatores extrínsecos e intrínsecos. Os fatores extrínsecos se referem ao valor de
incentivo ou recompensa da atividade. Os fatores intrínsecos incluem a novidade e os motivos de lazer e
criatividade. Oferecer recompensas extrínsecas para atividade intrínsecas reduz a motivação para buscar a atividade
intrínseca. As pessoas são motivadas para estabelecer e atingir objetivos e para controlar seu comportamento a fim
de atingi-los. Os melhores objetivos são os desafiadores, concretos e divisíveis em etapas. O processo pelo qual as
pessoas atingem seus objetivos é conhecido como auto-regulação, que depende da autoconsciência dos objetivos e
dos comportamentos. A força auto-reguladora permite às pessoas adiar a gratificação imediata a serviço de
objetivos de longo prazo.
CIÊNCIA PS ICOLÓG ICA 293

QUE SISTEMAS NEURAIS ESTÃO ENVOLVIDOS


NA MOTIVAÇÃO?
Uma vez que os primeiros teóricos da motivação não podiam examinar o cérebro em funciona-
mento, eles se dedicavam principalmente a observar comportamentos e inferiam estados motivacio-
nais a partir dessas observações. Agora que o nosso conhecimento dos sistemas cerebrais aumentou,
podemos estudar os processos neurais envolvidos no comportamento motivado. Essa revolução bio-
lógica está trazendo novos insights sobre os sistemas neurais envolvidos na motivação, que incluem
o núcleo accumbens, o hipotálamo e os lobos frontais (Figura 9.11).
Lembre a discussão, no Capítulo 6, sobre o papel da via mesolímbica de dopamina, que termina
no núcleo accumbens, na criação dos estados gratificantes. Na motivação, os objetos que satisfazem
estados pulsionais (como o alimento para a fome, a água para a sede e um parceiro para a excitação
sexual) provocam liberação de dopamina no núcleo accumbens e, portanto, são experienciados como
gratificantes. Ao mesmo tempo, os neurônios do núcleo accumbens se comunicam com regiões cere-
brais envolvidas no controle e planejamento motor, dirigindo, assim, o comportamento para obter
objetos que desencadearão a gratificação.

O hipotálamo está ligado à motivação


O hipotálamo regula as respostas fisiológicas aos estímulos e organiza os comportamentos que
mantêm a homeostase. Conforme você leu no Capítulo 3, o hipotálamo controla os sistemas autonô-
mico e endócrino, que supervisionam comportamentos relacionados à sobrevivência e à reprodução.
Em 1954, Eliot Stellar propôs que existem no hipotálamo centros excitatórias e inibitórias que regu-
lam comportamentos motivados. Essa teoria do centro dual da motivação com o tempo se revelou um
pouco simplista, mas está claro que regiões específicas do hipotálamo estão envolvidas em muitos
comportamentos motivados. Por exemplo, lesões no hipotálamo estão associadas a anormalidades
motivacionais na alimentação, agressão ou comportamento sexual, dependendo da área afetada;
diferentes áreas do hipotálamo estão envolvidas na agressão ofensiva e defensiva.
O hipotálamo tem muitas conexões cerebrais importantes que contribuem para a motivação,
incluindo inputs de várias regiões cerebrais envolvidas na excitação (arousal) (como a formação
reticular) e projeções para os lobos frontais, amígdala e medula espinal. Através do tálamo, o siste-
ma límbico recebe input dos sistemas sensoriais. Outra estrutura límbica, o hipocampo, influencia a

DOMANDO OS DEMÔNIOS DA VIDA COTIDIANA


Os humanos têm a capacidade de adiar a gratifica ção, de controlar situacionais. A pessoa que está fazendo dieta e vai a uma festa
apetites e impulsos e de perseverar a fim de atingir objetivos, mas cheia de comidas deliciosas talvez não consiga resistir a elas. Além
muitas pessoas tê m dificuldade para se controlar de vez em disso, as pessoas que se esforçam mu ito para controlar um aspecto
quando. Uma teoria desenvolvida por Roy Baumeister e Todd de sua vida geralmente têm dificuldade para se controlar em
Heatherton (1996) sugere que a auto-regulação pode ser mais bem outras áreas. Ta lvez seja por isso que as resoluções de Ano Novo
conceitual izada como uma força individual. Isso sign if ica que a fra cassam : as pessoas prometem parar de fumar, de beber, de
força auto:reguladora é um recurso limitado, que pode ser comer comidas com altas calorias, de ver televisão, estabelecendo
renovado ao longo do t empo e aumentado com a prática. É só para si mesmas a tarefa impossível de fazer isso tudo ao mesmo
exercitando regu larmente a autodisci plina que as pessoas se tempo. A força auto-reguladora tem limites, e exigir demais dela é
tornam capazes de exercer autocontro le quando se deparam com co rrer o risco de fracassar em muitos dom ínios auto-reg uladores
t entações e de perseverar quando está difícil ati ngir os objetivos. A (Muraven e Baumeister, 2000).
força auto-reguladora também pode diminu ir por demanda s
294 GAZZANIGA e HEATHERTON

motivação principalmente por seu papel na memória. Mw·


tos motivos requerem que as pessoas se lembrem de pla-
nos, estratégias e objetivos pessoais, e essas memórias es-
Dorsolateral tão associadas ao hipocampo.
Cingulado - --r__;t._-!..
Orbitofrontal O córtex pré-frontal está
envolvido na formulação de
objetivos e na auto-regulação
Os lobos frontais, particularmente o córtex pré-frontal.
são especialmente importantes para integrar informações dos
sentidos, sistemas de memória e sistemas de recompensa via
Hipotálamo
suas conexões com o tálamo e as estruturas límbicas (veja a
Figura 9.11). Ocórtex pré-frontal também está envolvido na
formulação de objetivos, planos e estratégias. Estudos que
utilizaram imagens cerebrais descobriram ativação significa-
FIGURA 9.1 Regiões importantes do cérebro associadas à motivação. tiva da região pré-frontal durante tarefas difíceis, mas não
durante tarefas simples de recordação (Schacter e Buckner.
1998). As tarefas difíceis requerem esforço, o que liga a mo-
tivação ao córtex pré-frontal. Lesões no córtex pré-frontal estão associadas à dificuldade de fazer planos
e executar os comportamentos necessários para atingir objetivos. Os pacientes com lesão pré-frontal
muitas vezes têm inteligência e compreensão intactas, mas não são capazes de utilizar seus conheci-
mentos. Eles podem dizer como se atinge um determinado objetivo, mas parecem incapazes de seguir
Quais são os correlatos neurais da as próprias sugestões e, freqüentemente, não estão nem dispostos a tentar. Os cientistas acreditam que
motivação?
as pessoas com lesões pré-frontais têm dificuldade de se concentrar nas tarefas por serem incapazes de
ignorar outros estímulos do ambiente (Knight e Grabowecky, 1995). Por exemplo, se você sofresse uma
lesão em sua região pré-frontal talvez não conseguisse estudar, pois não conseguiria deixar de prestar
atenção a ruídos de fundo ou outras distrações.

Córtex pré-frontal dorsolateral A região dorsolateral do córtex pré-frontal está envolvida


na seleção e iniciação de ações (Spence e Frith, 1999). Por exemplo, quando as pessoas tentam criar
uma seqüência aleatória, existe uma atividade seletiva aumentada nessa região pré-frontal. O córtex
pré-frontal dorsolateral também desempenha um papel crítico na memória de trabalho (veja o Capí·
tulo 7), que permite que as pessoas comparem o desempenho atual com padrões passados e objeti·
vos futuros. A memória de trabalho é importante para a organização temporal da memória, que e
freqüentemente exigida em tarefas auto-reguladoras. Considere a tarefa de cozinhar uma refeição,
que requer fazer coisas numa certa ordem. As pessoas com disfunção no lobo frontal geralmente têm
dificuldade para seguir planos que requerem o ordenamento temporal de comportamentos. Elas
podem ser capazes de nos dizer todos os ingredientes de uma receita, mas ser incapazes de seguir os
passos da receita na ordem necessária.

Córtex orbitofrontal Parte do córtex pré-frontal, o córtex orbitofrontal, é particularmente


importante para planejar e coordenar comportamentos destinados a atingir objetivos. Lesões na
região orbitofrontal estão associadas à falta de autopreocupação e à motivação diminuída. Épossível
que déficits motivacionais observados após lesão cerebral ocorram devido aos danos nos circuitos de
dopamina que ligam o córtex pré-frontal e orbitofrontal ao sistema límbico. O córtex orbitofrontal
também é importante para codificar os possíveis valores de recompensa de diferentes resultados
comportamentais. Existem evidências convincentes de que lesões no córtex orbitofrontal estão asso-
ciadas a prejuízos no processamento de informações emocionais que ajudam no julgamento e na
tomada de decisão (Bechara et ai., 2000). Outras pesquisas mostram que essa área do córtex pré-
frontal é ativada durante a fissura por drogas (London et al., 2000). Portanto, a noção geral é que o
córtex orbitofrontal contribui para a auto-regulação ao avaliar o valor de recompensa e informar
sobre respostas emocionais às situações.
CIÊNCIA PSICOLÓGICA 295

Cingulado anterior Outra estrutura cerebral envolvida no dirigir a


atenção para os objetivos é o cingulado anterior, que está localizado no cór- 7
tex pré-frontal, mas é às vezes considerado parte do sistema límbico. Estu-
6
dos com PET indicam que o cingulado anterior se torna ativo durante tare-
fas novas, tarefas difíceis de atenção dividida e tarefas em que os pesquisados 5
têm de fazer escolhas pessoais. Por exemplo, num estudo, os participantes
precisavam realizar uma tarefa de memória de trabalho com crescentes 4
níveis de dificuldade (Bunge et ai., 2001). Comparada a uma condição em 3
que os participantes tinham de manter na memória de trabalho uma ou
quatro letras, uma condição que requeria que mantivessem seis letras na 2
memória de trabalho produzia um aumento significativo no tempo de res-
posta, o que indica que essa era uma tarefa difícil. Esse aumento no tempo
de resposta estava correlacionado com uma ativação aumentada no cingu- o
lado anterior (Figura 9.12). Uma conclusão razoavelmente consistente re-
lativa ao cingulado anterior é que ele está envolvido em tarefas que são
exigentes (Seidman et ai., 1998). Quanto mais exigente a tarefa, maior 1,4
ativação é observada (Gevins et ai., 1997).
Um papel plausível para o cingulado anterior é que ele age como um
1,2 •
1,0
sistema executivo de atenção ao ajudar outras regiões cerebrais a decidi- o
rem quais estímulos requerem atenção imediata. Vários estados emocio- ""<> 0,8
nais também ativam o cingulado anterior, o que sugere que ele está envol- "'>
-~

vido no processamento de informações importantes para o humor (Lane et "'"'e 0,6

ai., 1998). B
e
0,4
Q)

E 0,2
:::>
<(
0,0
Existe uma estreita conexão entre
-0,2
motivação e emoção
-0,4 -+--·~~~-~~~-~~-~~~~
Os estados emocionais geralmente motivam comportamentos especí- - 100 o 100 200 300 400 500
ficos. Por exemplo, a culpa pode nos motivar a oferecer uma compensação Aumento no tempo de resposta
ou a pedir desculpas, e o medo pode nos motivar a fugir de pessoas ou
situações ameaçadoras. Ligações entre os lobos frontais e o sistema límbi-
co, especialmente a amígdala e o córtex orbitofrontal, permitem que as F GURA 9.12 O gráfico mostra que o aumento no tempo de
resposta na tarefa de memória de trabalho mais difícil estava
pessoas antecipem suas reações emocionais a diferentes situações, o que as
associado a uma maior ativação no cingulado anterior. Essa maior
ajuda a regular o seu comportamento. Por exemplo, pensar sobre como nos ativação está indicada pelo amarelo na imagem cerebral mostrada.
sentiremos se recebermos uma multa por excesso de velocidade nos ajuda a
dirigir mais devagar.
O neurocientista Antonio Damasio sugeriu que o raciocínio e a tomada de decisão são guiados
pela avaliação emocional das conseqüências de uma ação. Damasio criou a teoria do marcador
somático em seu influente livro O Erro de Descartes, em que propõe que as ações e decisões mais
auto-reguladoras são afetadas pelas reações corporais, chamadas de marcadores somáticos, que sur-
gem quando contemplamos seus resultados. Para Damasio, o termo "sentir nas entranhas" quase
pode ser tomado literalmente. Quando refletimos sobre uma ação, experienciamos uma reação emo-
cional, baseada em parte na nossa expectativa do resultado da ação, que é determinada por nossa
história passada envolvendo essa ação ou ações semelhantes. Na extensão em que dirigir rápido
demais levou a multas por excesso de velocidade no passado, estaremos motivados a dirigir mais
devagar. Damasio descobriu que as pessoas com lesões no córtex orbitofrontal tendem a não usar
resultados passados para regular seu comportamento futuro. Por exemplo, em estudos que utiliza-
vam uma tarefa de jogo, os pacientes continuavam seguindo uma estratégia arriscada que já se
mostrara deficiente em tentativas anteriores.
Em termos da explicação de adaptatividade para a motivação, as reações emocionais nos aju-
dam a selecionar respostas que provavelmente promoverão sobrevivência e reprodução. Assim, a teoria do marcador
antecipação de que um evento, ação ou objeto produzirá um estado emocional prazeroso nos motiva somático Ações e decisões auto-
reguladoras são afetadas pelas
a buscá-los, enquanto a antecipação de emoções negativas nos motiva a evitar outras situações. reações corpora is que surgem
Portanto, os marcadores somáticos podem orientar os organismos para a execução de comportamen- quando as contemplamos.
tos adaptativos.
296 GAZZANIGA e HEATHERTON

Que sistemas neurais estão envolvidos na motivação?


Novos métodos para avaliar o cérebro em funcionamento permitem aos cientistas explorar as bases neurais da
motivação. Várias regiões do cérebro estão envolvidas na motivação, incluindo sistemas sensoriais que transmitem
informações sobre os objetos-alvo; sistemas de recompensa de dopamina; estruturas límbicas, que determinam
emoções; o hipotálamo, que regula os comportamentos de sobrevivência; e os lobos frontais, que organizam o
comportamento voluntário.

QUE FATORES MOTIVAM O COMPORTAMENTO


A .,
Um dos maiores prazeres da vida é comer, e nós fazemos muito isso - a maioria dos estaduni-
denses consome entre 75 mil e 85 mil refeições durante a vida, mais de 40 toneladas de comida!
Ingerir comida é algo que todos precisam fazer para sobreviver, mas comer é mais do que simples-
mente sobrevivência. As ocasiões especiais geralmente envolvem banquetes elaborados, e grande
parte do mundo social gira ao redor de alimentos e de comer. Na alimentação, observamos intera-
ções complexas entre a biologia e as influências culturais sobre a cognição. O bom senso dita que a
maior parte do comer é controlada pela fome e pela saciedade. As pessoas comem quando têm fome
e param de comer quando se sentem satisfeitas. Entretanto, algumas pessoas comem muito, mesmo
quando não estão com fome, enquanto outras evitam comer, mesmo não estando satisfeitas. Quais
são os determinantes fisiológicos, culturais e cognitivos do comportamento alimentar humano?
Para sobreviver e funcionar apropriadamente, todos os organismos vivos precisam ingerir subs-
tâncias que abasteçam o metabolismo. O metabolismo é o processo químico pelo qual o alimento é
convertido em energia. Essa energia é utilizada para fazer o corpo funcionar e para repará-lo. Quan-
do comemos, o alimento é digerido no trato gastrintestinal e três tipos de energia são disponibiliza-
dos para o corpo usar como combustível: os lipídios (da gordura), os aminoácidos (da proteína) e a
glicose (dos carboidratos complexos). A maioria dos alimentos contém os três.

O tempo e o paladar desempenham um papel


O comer é imensamente afetado pela aprendizagem. Você já notou que a maioria das pessoas
sente fome mais ou menos à mesma hora todos os dias? Isso não faz muito sentido, porque as
pessoas diferem bastante na taxa metabólica, na quantidade de alimento que comem no café da
manhã e na quantidade de gordura armazenada para as necessidades de energia a longo prazo. Isso
ocorre porque as pessoas foram classicamente condicionadas a associar o comer com horários regu-
lares de refeição. Nós não comemos porque estamos com reservas deficientes de energia, mas por-
que é hora de comer. O relógio indicando a hora da refeição é parecido com a campainha de Pavlov.
no sentido de que leva a algumas respostas antecipatórias que motivam o comportamento de comer
e preparam o corpo para a digestão. Por exemplo, um aumento na insulina promove a utilização da
glicose e aumenta os sinais de fome no curto prazo. Avisão e o cheiro de comidas gostosas podem ter
o mesmo efeito, e simplesmente pensar em pão saindo do forno, em uma pizza favorita ou em uma
sobremesa deliciosa pode iniciar reações corporais que induzem fome.
Um dos principais fatores que determinam o comportamento alimentar é o sabor: os alimen-
tos que têm um gosto bom motivam o comer. Quando se trata de sabor, a variedade é realmente o
tempero da vida. Os animais aos quais se apresenta uma variedade de alimentos tendem a comer
muito mais do que aqueles aos quais se apresentou apenas um tipo. Por exemplo, ratos que nor-
malmente mantêm um peso corporal estável quando comem apenas um tipo de alimento comem
imensas quantidades e ficam obesos quando lhes são apresentados alimentos variados altamente
calóricos, como barras de chocolate, bolachas e batatas fritas (Sclafani e Springer, 1976; Figura
9.13). Os humanos sofrem o mesmo efeito, comendo muito mais quando diversos tipos de comida
estão disponíveis.
CIÊNCIA PSICOLÓGICA 297

O comer é controlado por múltiplos 400


proc,:i.cc;os ne rai
O hipotálamo é a estrutura cerebral com a maior influência sobre Dieta variada
o comer. Embora ele não aja sozinho para produzir o comportamento 350
alimentar, o hipotálamo integra as várias mensagens alimentares inibi-
~órias e excitatórias e organiza os comportamentos envolvidos no co-
mer. Na primeira metade do século XX, foi demostrado que lesões no
iipotálamo levavam a dramáticas mudanças no comportamento alimen- ~ 300
o
a..
~ e no peso corporal, dependendo da área específica lesada.
ou
Uma das primeiras observações ocorreu em 1939, quando pesqui- o
V1
sadores descobriram que pacientes com tumores no hipotálamo desen- Q)
CL
250
,·olveram obesidade maciça, uma condição médica de excesso de peso
corporal. Para examinar se a obesidade poderia ser produzida em ani-
mais de peso normal, pesquisadores lesaram seletivamente regiões hi-
potalâmicas específicas. Lesar experimentalmente a região média ou 200
-entromediana (VMH) do hipotálamo faz com que os ratos passem a
comer grandes quantidades de comida, o que é referido como hiperfa-
gia. Ratos com lesões VMH ficam extremamente obesos. Em contraste, o 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14
;esar a área externa ou lateral do hipotálamo (LH) está associado a uma Dias
condição conhecida como afagia, que é o comportamento alimentar di-
minuído que leva à perda de peso e eventual morte, a menos que o
Ratos comem muito mais quando lhes é apresentada
animal seja alimentado à força. Observe que estimular uma região nor- uma grande variedade de alimentos e ficarão obesos se tiverem acesso a
malmente tem efeitos opostos a lesar essa região. Na verdade, a estimu- alimentos como marshmallows, salame e bolachas amanteigadas.
lação elétrica aplicada à VMH inibe o comer, enquanto a estimulação
elétrica da LH aumenta o comer.
Como parte dessa teoria da motivação de centro dual, Eliot Stellar sugeriu que a LH era o
centro primário da fome e a VMH era o centro primário da saciedade. No entanto, pesquisas das
últimas três décadas mostraram que a VMH não é um centro de saciedade. Parece que lesões na VMH
provocam um aumento nos níveis sangüíneos de insulina, o que resulta em um armazenamento
aumentado de gordura; os ratos com lesões na VMH armazenam mais gordura do que os ratos-
controle, mesmo quando são alimentados com a mesma quantidade de comida (Woods e Stricker,
1999). Então a energia é armazenada em vez de usada para necessidades metabólicas imediatas, e o
animal continua a comer a fim de tentar satisfazer aquelas necessidades imediatas.
Outras estruturas cerebrais, além do hipotálamo, também estão envolvidas no comportamento
alimentar. Por exemplo, deixas de sabor como doce e salgado são processadas no córtex orbitofron-
tal, mas apenas se o animal está com fome. Isso sugere que o córtex orbitofrontal processa informa-
ções sobre o potencial valor de recompensa do alimento. Lesões no sistema límbico ou no lobo
frontal direito às vezes produz a síndrome do gourmand, em que a pessoa fica obcecada por comidas
finas e pela preparação de alimentos. Um paciente de 48 anos que teve um AVC e previamente
manifestava pouco interesse por comida, passou a se preocupar com o assunto e acabou largando
seu emprego de correspondente político para se tomar um crítico gastronômico (Regard e Landis,
1997). Apesar de sua fascinação por alimentos saborosos, as pessoas com síndrome de gourmand
não se tomam gordas.

Sensações internas Você já aprendeu como os processos de feedback negativo contribuem


para a homeostase; bem, por muitos anos se acreditou que comer era um sistema clássico de home-
ostase. Dessa perspectiva, algum tipo de detector perceberia desvios em relação ao ponto estabeleci-
do e sinalizaria ao animal para começar a comer ou para parar de comer. Mas de onde vêm os sinais
de fome? A busca por detectores de depleção de energia levou os cientistas do estômago para a
corrente sangüínea e para o cérebro.
Asuposição inicial, baseada no bom senso, era que a fome se derivava de receptores no estôma-
go. Muitas pessoas descrevem a experiência subjetiva da fome como emanando de seus estômagos,
e até as nossas descrições comuns de não estar com fome se referem a "sentir-se cheio". O primeiro
teste empírico da idéia de que a fome vem do estômago foi realizado por Walter Cannon e seu
298 GAZZANIGA e HEATHERTON

assistente Arthur Washburn. Um dia, trabalhando no laboratório, Cannon notou que o estômago de
índice de massa corporal
(IMC) Uma proporção entre peso
Washbum estava fazendo sons de ronco. Cannon teorizou que talvez o estômago estivesse roncando
corporal e altura utilizada para porque Washbum estava com fome e rapidamente improvisou um experimento para testar sua hipó-
medir a obesidade. tese. Em vez de deixar Washbum comer, Cannon o fez engolir um balão vazio e depois inflou o balão
de modo a poder registrar mudanças nas paredes do estômago causadas por contrações. Ao mesmo
tempo, ele pediu a Washburn que relatasse sempre que sentisse uma pontada aguda de fome. Can-
non descobriu que Washbum relatava sentir fome no final de cada contração do estômago e, portan-
to, propôs que a fome era o sentimento subjetivo associado às contrações do estômago. Embora esses
achados fossem intuitivamente atraentes, logo ficou claro que as contrações do estômago não eram
os únicos fatores que determinavam a fome. Comer uma pequena quantidade de comida interrompe
as contrações do estômago, mas é mais provável que leve a um comer adicional do que ao fim do
comer. Além disso, as pessoas que tiveram o estômago removido continuam a relatar que sentem
fome. As pesquisas nas últimas décadas estabeleceram que as contrações e distensões do estômago
são determinantes relativamente pouco importantes da fome e do comer.
Nas décadas de 1940 e 50, alguns pesquisadores postularam a existência de receptores na
corrente sangüínea que monitoram os níveis de nutrientes vitais. Uma dessas teorias mais conheci-
das é a teoria glicostática, que propõe que receptores de glicose especializados, chamados glicostatos.
monitoram a extensão em que a glicose é absorvida para poder ser usada como energia. Uma vez que
a glicose é o principal combustível para o metabolismo e é especialmente crucial para a atividade
neuronal, faz sentido que os animais sejam sensíveis a deficiências de glicose. As evidências apóiam
a existência de receptores de glicose, e vários experimentos demonstraram que injeções de glicose na
corrente sangüínea podem adiar o comer em animais famintos. Da mesma forma, a teoria lipostática
propõe um ponto estabelecido para a gordura corporal em que desvios em relação a esse ponto
iniciam comportamentos compensatórios para voltar à homeostase. Assim, por exemplo, quando um
animal perde gordura corporal, sinais de fome motivam o comer e o retomo ao ponto estabelecido.
O hormônio leptina, recentemente descoberto, está envolvido na regulação da gordura. Alepti-
na é liberada das células de gordura num ritmo aproximadamente igual à quantidade de gordura
que está sendo armazenada nessas células. A leptina vai até o hipotálamo, onde age para inibir o
comportamento de comer. A mensagem da leptina é de lenta ação e leva um tempo considerável.
depois de iniciado o comer, para que os níveis de leptina mudem no corpo. Assim, a leptina é mais
importante para a regulação da gordura corporal a longo prazo do que para o controle do comer a
curto prazo. Os animais que não produzem leptina tomam-se extremamente obesos; quando rece-
bem injeções de leptina, eles perdem rapidamente gordura corporal.

A obesidade é uma predisposição genética

Uma vez que tantas pessoas querem perder peso, a maior parte das pesquisas está menos preo-
cupada com a motivação para comer do que com compreender a motivação para não comer, que é um
motivo intencional, em vez de regulador. A obesidade é um problema de saúde importante, com
conseqüências físicas e psicológicas. Embora não exista uma definição precisa, as pessoas são consi-
deradas obesas se estiverem aproximadamente 20% acima do peso ideal, conforme indicado por
vários estudos de mortalidade. Uma das medidas de obesidade mais amplamente utilizadas nas
pesquisas é o índice de massa corporal (IMC), que calcula uma proporção entre peso corporal
e altura. A Figura 9.14 mostra como calcular o IMC e como interpretar o valor obtido. Utilizando
pontos de corte padrão de IMC, mais de um terço dos estadunidenses estão obesos atualmente. Os
pesquisadores passaram pelo menos 60 anos tentando compreender as causas da obesidade. Embora
tenhamos aprendido muito, está claro que a obesidade é um problema multifacetado, influenciado
tanto por genes como pelo ambiente.

Influência genética Uma ida ao centro comercial de sua cidade revelará imediatamente um fato
óbvio sobre o peso corporal: a obesidade tende a ocorrer em famílias. Na verdade, vários estudos de
famílias e de adoção indicam que aproximadamente metade da variabilidade no peso corporal pode ser
considerada resultado da genética. Um dos melhores e maiores estudos, executado na década de 1980
na Dinamarca, descobriu que o IMC de crianças adotadas estava fortemente relacionado ao IMC dos
pais biológicos e não estava relacionado ao IMC dos pais adotivos (Sorensen et ai., 1992). Estudos de
gêmeos idênticos e fraternos fornecem evidências ainda maiores do controle genético do peso corporal,
CIÊNCIA PSICOLÓGICA 299

com a herdabilidade estimada (veja o Capítulo 3) entre


60 e 80%. Além disso, a concordância para pesos corpo- Peso Altura
rais entre gêmeos idênticos não difere entre os criados Kg Lb Cm ln
340
juntos e os criados separados, o que sugere que o ambien- 150
320 Índice de massa
140 125
te tem pouco efeito sobre o peso corporal. 300 corporal 50
Se o peso corporal é determinado principalmente 130 280 [Kg/(M) 2 ) 130
120 70
pelos genes, por que a porcentagem de estaduniden- 260
110
Mulheres Homens 135
ses obesos dobrou nas últimas décadas? Albert 240 60
Risco Risco
Stunkard, um importante pesquisador da obesidade 100 220 55
95 relativo 50 relativo 140
humana, salienta que a genética determina se uma 90 200
Muito alto Muito alto
85 190 40 145
pessoa pode se tornar obesa, mas o ambiente deter- 180 Alto Alto
80
mina se aquela pessoa se tornará de fato obesa 75
170 150
160 Moderado Moderado 60
(Stunkard, 1996). Considere um importante estudo, 70 30
155
150
realizado pelo geneticista Claude Bouchard, em que 65 Baixo Baixo
140
160
gêmeos idênticos foram superalimentados em apro- 60 130
Muito baixo Muito baixo
ximadamente 1.000 calorias por dia, durante cem 55 120 20 165 65
dias. Amaioria dos gêmeos engordou um pouco, mas 50 110 170
houve grande variabilidade entre os pares na quanti- 45 100 175
dade de quilos ganhos (variando de 4,3 a 13,3kg) 95 70
90 180
(Bouchard et al., 1990). Entretanto, houve um notá- 40
85 185
vel grau de semelhança nos pares de gêmeos em ter- 35
80 10
75 190 75
mos de quanto peso eles ganharam e nas partes do
70 195
corpo em que armazenaram a gordura. Alguns dos 30 65 200
pares de gêmeos apresentavam maior tendência a en- 60 80
205
gordar. Assim, a genética determina a sensibilidade 25 55 210
às influências ambientais. Os genes predispõem al- 50 85
gumas pessoas à obesidade quando elas estão em
ambientes que promovem a superalimentação, como © 1978, George A. Bray
as sociedades ocidentais contemporâneas.
FIGURA 9.14 Um nomograma para determinar o índice de massa corporal. Você pode
O estigma da obesidade A obesidade está as-
encontrar o seu IMC desenhando uma linha reta entre o seu peso e sua altura. Um IMC
sociada a um número significativo de complicações inferior a 20 sugere que você está abaixo do peso, entre 20 e 25 está na média, entre 25 e
médicas, incluindo problemas cardíacos, hipertensão e 30 está acima do peso e acima de 30 é considerado obeso. Segundo as mais recentes
problemas gástricas. Ela também acarreta uma varieda- orientações dos Centers for Disease Contrai and Prevention, um IMC sadio para um adulto
de de problemas psicológicos, principalmente devido ao fica entre 18,5 e 25. Quanto mais acima ou abaixo desse intervalo ótimo, maior o risco de
estigma negativo extremo associado ao excesso de peso. problemas de saúde.
Os indivíduos obesos são vistos como menos atraentes,
menos hábeis socialmente, menos inteligentes e menos
produtivos do que seus pares de peso normal (Dejong e Kleck, 1986). Além disso, a percepção de si
mesmo como gordo está ligada a uma auto-estima mais baixa, depressão e ansiedade.
Nem todas as culturas estigmatizam a obesidade (Hebl e Heatherton, 1998). Em alguns países
em desenvolvimento, como muitas nações africanas, ser obeso é um sinal de pertencer à classe
superior. A obesidade pode ser desejável em países em desenvolvimento porque ajuda a prevenir Por que as pessoas ficam obesas?
algumas doenças infecciosas, reduz a probabilidade de morte por inanição e está associada a mais
nascimentos bem-sucedidos. Aobesidade, nos países em desenvolvimento, também pode servir como
um símbolo de status, uma indicação de que a pessoa tem condições financeiras para comer luxuosa-
mente. Em países como Tonga e Fiji, ser obeso é uma fonte de orgulho pessoal e fazer dieta é algo
muito raro. Na maioria das culturas ocidentais, onde a comida geralmente é abundante, ser gordo
está associado a um status socioeconômico mais baixo, especialmente para as mulheres. As classes
superiores nas culturas ocidentais têm uma clara preferência por corpos muito magros. Essas prefe-
rências podem ser verificadas folheando-se as revistas de moda. A mulher típica apresentada pela
indústria do glamour tem 1,78m e pesa aproximadamente 50kg - 18cm mais alta e 15kg mais
magra do que a estadunidense média. Esses padrões extremos de magreza reforçam ideais de peso
corporal que são difíceis de ser atingidos pela maioria das pessoas. Na verdade, as mulheres relatam
ter como peso corporal ideal não apenas um peso inferior ao médio, mas também inferior ao que os
homens acham atraente e que as mulheres acham que os homens consideram atraente, como pode
ser visto na Figura 9.15 (Fallon e Rozin, 1985)
300 GAZZANIGA e HEATHERTON

As dietas
costumeiramente
f -cass M
Fazer dieta é um meio, sem dúvida
ineficaz de perder peso permanentemen-
te. Amaioria dos indivíduos que perderr.
2 2,5 3 3,5 4 4,5 5 peso fazendo dieta recuperam esse pese
e muitas vezes engordam mais do que
/)
ó

Ideal Atraente Atraente


~ Atual
perderam. Uma revisão do National Ins-
tirutes of Health de todos os estudos pu-
blicados sobre a eficácia dos tratamenr05
para o outro
para perder peso revelou que menos de
1o/o dos que perderam peso conseguirarr.
manter a perda de peso por mais de cinco
anos (NIH Tecnology Assessment Confe-
rence Pane!, 1993). Por que as pessoas não
conseguem bons resultados com as die-
tas?

2,5
O peso corporal tem um ponto
2 3 3,5 4 4,5 5
estabelecido Aprincipal razão pela

/·······/\~
p qual a maioria das dietas fracassa tem a
·'
~: ver com a defesa natural do corpo con-
lt .....
Atraente Atraente Atual Ideal tra a perda de peso. O peso corporal e
para o outro regulado em torno de um ponto estabe-
lecido, determinado principalmente pela
influência genética. Embora seja poss1-
F GURA 5 Homens e mulheres foram solicitados a escolher as figuras que representavam como vel alterar o peso corporal, o corpo res-
eles viam atualmente o seu corpo, qual era a sua forma corporal ideal e qual acreditavam ser atraente para ponde à perda de peso tornando o me-
o sexo oposto. As mulheres escolheram um peso corporal ideal mais magro do que elas acreditam que os
tabolismo mais lento e usando menos
homens querem e também mais magro do que os homens disseram querer nas mulheres. Os homens
escolheram um ideal mais próximo à sua auto-avaliação atual e próximo do que acreditam que as mulheres
energia. Assim, após a privação alimen-
preferem, mas mais pesado do que as mulheres disseram querer nos homens. tar, é necessário menos alimento para
manter um determinado peso corporal.
Essa resposta está descrita em "Estudan-
do a mente: Compreendendo o comportamento de dieta''. Da mesma forma, o ganho de peso ocorre
muito mais rapidamente em animais privados de alimento do que seria esperado pela ingestão caló-
rica somente. Além disso, repetidas alterações entre privação calórica e superalimentação têm efei-
tos metabólicos cumulativos, de modo que a perda de peso e o funcionamento metabólico diminuem
progressivamente mais cada vez que o animal é colocado sob privação calórica, e o ganho de peso
ocorre mais rapidamente com cada retomada da alimentação. Esses padrões poderiam explicar por
que as pessoas "ioiô", que fazem dieta e voltam a engordar repetidas vezes, tendem a ganhar peso
progressivamente com o passar do tempo.

O comer restritivo Uma segunda razão pela qual as dietas tendem a fracassar são os ocasio-
nais, ou não tão ocasionais, episódios de superalimentação. Em uma importante pesquisa nas duas
últimas décadas, os psicólogos Janet Polivy e Peter Herman (1985) demonstraram que os indivíduos
que fazem dieta cronicamente, chamados por eles de comedores restritivos, são propensos a comer
excessivamente em certas ocasiões. Por exemplo, se os comedores restritivos acreditam que come-
ram comidas altamente calóricas, eles abandonam a dieta (veja a Figura 9.16). O raciocínio dos
comedores restritivos é: "Eu já quebrei a minha dieta, então agora posso muito bem continuar co-
mendo''. Relatos de vida real sugerem que esse comportamento é generalizado: os comedores restri-
tivos fazem dieta toda a semana apenas para ver a dieta ir para o espaço no fim de semana, quando
se deparam com inúmeras tentações.
O comer compulsivo por parte dos comedores restritivos depende de sua percepção da dieta ter
sido quebrada ou não. As pessoas podem comer 1.000 calorias em saladas Caesar e acreditar que sua
CIÊNCIA PSICOLÓGICA 301

dieta está indo bem, mas se comem uma barra de chocolate de 200 calorias sentem que
sua dieta está arruinada e perdem as inibições. O problema dos comedores restritivos é 150
que eles confiam no controle cognitivo da ingestão de alimento, que tende a se desfazer
135
quando eles comem alimentos altamente calóricos ou se sentem emocionalmente per- .E!
rurbados. Em vez de comer de acordo com os estados internos de fome e saciedade, os ~
comedores restritivos comem de acordo com regras como a hora do dia, a quantidade
o 120
Vl
<lJ
-o
de calorias e o tipo de comida. Fazer com que os comedores restritivos entrem em Vl
105
contato com seus estados motivacionais internos é um objetivo das abordagens sensa- "'
E
~
tas ao comportamento de fazer dieta. \.'.) 90

Transtornos de alimentação Quando as pessoas em dieta não conseguem 75


perder peso, elas geralmente põem a culpa em sua falta de força de vontade, jurando Controle Milkshake
redobrar seus esforços na próxima dieta. Repetidos fracassos em dietas podem ter
Condição
efeitos fisiológicos e psicológicos nocivos e permanentes. Fisiologicamente, os ciclos
de perda e ganho de peso alteram o metabolismo, o que pode dificultar a futura
perda de peso. Psicologicamente, fracassos repetidos diminuem a satisfação com a JR Pessoas que faziam dieta
imagem corporal e prejudicam a auto-estima. Com o passar do tempo, as pessoas cronicamente (chamadas de comedores restritivos) e
que fazem dieta cronicamente podem começar a se sentir impotentes e deprimidas, e pessoas que não faziam realizaram um teste,
algumas acabam adotando comportamentos mais extremos para perder peso, como aparentemente de sabor, que foi descrito como um teste de
percepção (porque os pesquisadores não queriam que os
tomar remédios, jejuar, exercitar-se excessivamente ou vomitar. Em alguns indivídu-
participantes soubessem que o comer estava sendo
os vulneráveis, as dietas crônicas podem promover o desenvolvimento de um trans- monitorado). Antes do teste de sabor, alguns dos
torno clínico de alimentação. participantes foram solicitados a beber um ou dois
Os dois transtornos de alimentação mais conhecidos são a anorexia nervosa e a milkshakes obviamente engordantes. Os participantes
bulimia nervosa. Os indivíduos com anorexia nervosa têm um medo excessivo de foram então solicitados a provar e avaliar o sabor de alguns
engordar e, como resultado, se recusam a comer. A anorexia geralmente começa na sorvetes e convidados a se servir quanto quisessem. As
adolescência inicial e atinge principalmente meninas brancas de classe superior. pessoas que não faziam dieta comeram sensatamente; as
Embora muitas adolescentes se esforcem para ficar magras, menos de uma em cem que haviam bebido um ou dois milkshakes comeram muito
satisfaz os critérios clínicos de anorexia nervosa (Tabela 9.1). Esses critérios incluem menos sorvete do que as que não haviam bebido. Mas os
comedores restritivos fizeram exatamente o oposto,
tanto medidas objetivas de magreza como características psicológicas que indicam
comendo muito mais sorvete se tivessem bebido os
uma obsessão anormal com comida e peso corporal. As que apresentam anorexia milkshakes. Esse foi chamado de efeito "agora, azar1 ''.
nervosa vêem a si mesmas como gordas, apesar de estarem de 15 a 25% abaixo do
peso. Questões envolvendo comida e peso permeiam suas vidas, controlando não só
como elas enxergam a si mesma, mas também como enxergam o mundo. Sua inanição auto-
imposta geralmente provoca comentários favoráveis nos outros, embora, conforme a anoréxica,
se aproxime do seu ideal emaciado, a família e os amigos podem começar a se preocupar. Em
muitos casos, a atenção médica é necessária para evitar a morte por inanição. É muito difícil
tratar a anorexia, pois as pacientes mantêm a crença de estarem acima do peso ou não tão magras
quanto gostariam, mesmo que estejam gravemente emaciadas. Essa doença perigosa causa vários
problemas sérios de saúde, especialmente perda da densidade óssea, e cerca de 15-20% das pes-
soas com anorexia acabam morrendo do transtorno (American Psychiatric Association, 2000).
Os indivíduos com bulimia nervosa se alternam entre fazer dieta e comer descontrolada-
mente. A bulimia geralmente se desenvolve na adolescência tardia ou nos primeiros anos da fa-
culdade. Como a anorexia, a bulimia é mais comum entre as mulheres brancas de classe superior,
mas é mais comum entre as minorias e os homens do que a anorexia. Aproximadamente 1-2% das
mulheres no ensino médio e na faculdade satisfazem os critérios para a bulimia nervosa. Elas
tendem a ter peso médio, ou um pouco acima da média, e regularmente apresentam episódios de
comer em demasia, sentem que seu comer está fora de controle, preocupam-se excessivamente anorexia nervosa Um transtorno
com questões de peso corporal e apresentam um ou mais comportamentos compensatórios, como de alimentação caracterizado pelo
vômito auto-induzido, exercício excessivo ou abuso de laxantes. Diferentemente da anorexia, o medo excessivo de engordar e pela
comportamento de comer descontrolado tende a ocorrer secretamente. Embora a bulimia esteja recusa a comer.
associada a sérios problemas de saúde, como problemas dentários e cardíacos, ela raramente é bulimia nervosa Um transtorno
fatal (Keel e Mitchell, 1997). Uma recente variante da bulimia é o transtorno do comer descontro- de alimentação caracterizado por
fazer dieta, comer
lado, um transtorno recentemente identificado, em que o indivíduo come voraz e descontrolada- descontroladamente e adotar
mente, mas não adota medidas purgativas. Muitos dos que apresentam transtorno do comer des- medidas purgativas.
controlado são obesos.
COMPREENDENDO O COMPORTAMENTO DE DIETA
Em 1966, foi proposto um desafio interessante a vários prisioneiros homens sofreram mudanças dramáticas nas emoções, motivações
de Vermont: tentar engordar 25 % do seu peso (Sims et ai., 1968). e atitudes em relação à comida . Eles ficaram ansiosos, deprimidos
Soa fácil , não é? Acostumados à cozinha típica da prisão, os e desatentos; perderam o interesse pelo sexo e por outras
prisioneiros voluntários podiam comer à vontade com idas atividades; e ficaram obcecados por comida . O Interessante é que
deliciosas, altamente calóricas. Durante seis meses, o prisioneiro muitos desses resultados são semelhantes aos experienciados por
médio consumiu mais de 7.000 calorias por dia, quase o dobro do pessoas com transtornos de alimentação.
que ingeria habitualmente. Engordar os primeiros quilos foi fácil, Esses dois estudos apóiam a idéia de que o peso corporal é
mas os prisioneiros logo descobriram que era difícil engordar mais. regulado em um ponto estabelecido geneticamente determinado.
Supondo que cada prisioneiro estivesse ingerindo um extra de Como nos modelos homeostáticos discutidos anteriormente,
3.500 calorias por dia (o equivalente a sete cheeseburgers mudanças no peso corporal motivam mudanças no
grandes), a simples matemática sugere que cada um teria comportamento alimentar e no funcionamento corporal como
engordado aproximadamente 90kg depois de seis meses. Na uma defesa contra a mudança de peso. Existem abundantes
verdade, poucos engordaram mais de 20kg. Um prisioneiro parou evidências em favor da teoria do ponto estabelecido. Por exemplo,
de engordar mesmo comendo mais de 10.000 calorias por dia! O o peso da maioria das pessoas flutua muito pouco por longos
comer excessivo era aversivo para muitos dos prisioneiros, que períodos de tempo, apesar de mudanças na dieta e na atividade.
relataram sentir-se fisicamente doentes depois de comer. Quando Entretanto, as teorias do ponto estabelecido são controversas, e
o experimento terminou, a maioria dos prisioneiros volt ou modelos homeostáticos simples parecem estar desacreditados pel o
rapidamente ao seu peso anterior. Os que não voltaram tinham aumento do peso corporal dos estadunidenses nas últimas
uma história familiar de obesidade, apoiando a visão de que a décadas. Todavia, o psicólogo fisiológico Richard Keesey salienta
genética predispõe à obesidade quando as pessoas são expostas a que todos os sistemas homeostáticos podem ser reajustados para
uma superalimentação. um novo ponto estabelecido (Keesey, 1995). Por essa razão, alguns
Na outra extremidade do espectro, quão fácil seria para uma pesquisadores preferem o termo ponto de fixação. Nesses
pessoa de peso normal perder peso? Durante a Segunda Guerra modelos, o peso corporal é homeostático em torno de um certo
Mundial, mais de cem homens apresentaram-se como voluntários valor, mas o valor pode ser alterado com mudanças na ingestão ou
para participar de um estudo científico como alternativa ao serviço gasto de energia. Por exemplo, certas drogas são anoréticas,
militar (Key et ai., 1950). Os pesquisadores estavam interessados porque sua ingestão geralmente resulta na redução do ponto de
nos efeitos de curto e longo prazo da semi-inanição. Durante seis fixação do peso corporal. Os pesquisadores ainda estão tentando
meses, os homens perderam uma média de 25% do seu peso determinar quais eventos (que ocorrem naturalmente) levam a
corporal, mas tiveram muita dificuldade para isso; alguns, inclusive, mudanças no ponto de fixação.
tiveram grande dificuldade para perder mais de 5 quilos. Os

TABELA 9.1 Critérios diagnóstico para a anorexia nervosa e a bulimia nervosa

A. Recusa a manter o peso corporal em ou acima de um mínimo A. Episódios recorrentes de comer descontroladamente. Um
normal à idade e à altura (p. ex., perda de peso episódio de comer descontroladamente é caracterizado por
levando à manutenção de peso corporal abaixo de 85% do ambos os seguintes aspectos: (1) comer, num período distinto de
esperado; ou incapacidade de atingir o peso tempo (p. ex., num período qualquer de duas horas), uma
esperado durante o período de crescimento, levando a um quantidade de comida definitivamente maior do que a maioria
peso corporal inferior a 85% do esperado). das pessoas comeria durante um período semelhante de tempo
B. Medo intenso de ganhar peso ou de engordar, mesmo estando e em circunstâncias semelhantes; (2) um senso de falta de
com peso abaixo do normal. controle sobre o comer durante o episódio (por exemplo, o
C. Perturbação no modo de vivenciar o peso ou a forma do sentimento de não poder parar de comer ou controlar o que ou
corpo, influência indevida do peso ou da forma corporal quanto vai comer).
na auto-avaliação, ou negação da gravidade do baixo B. Comportamento recorrente inadequado compensatório, a fim de
peso corporal atual. prevenir o ganho de peso, tal como vômito auto-induzido;
D. Nas mulheres pós-menarca, amenorréia, isto é, ausência de uso inadequado de laxantes, diuréticos, enemas ou outras
pelo menos três ciclos menstruais consecutivos. (Uma mulher é medicações; jejum; ou exercício excessivo.
considerada com tendo amenorréia se sua menstruação só C. O comer descontrolado e os comportamentos compensatórios
ocorre quando ela toma hormônios, como estrógeno.) inadequados ocorrem ambos, em média, pelo menos duas vezes
por semana por três meses.
D. Auto-avaliação indevidamente influenciada pela forma e peso
corporal.
E. A perturbação não ocorre exclusivamente durante episódios de
anorexia nervosa .

Fonte.· Manual Diagnóstico e Estatístico da American Psychiatric Association, 1994.


CIÊNCIA PSICOLÓGICA 303

Que fatores motivam o comportamento alimentar humano?


O consumo de alimentos é necessário para a sobrevivência . Alguns sistemas fisiológicos redundantes, sobrepostos,
motivam o comportamento alimentar para satisfazer requerimentos nutricionais. A motivação para a variedade
ajuda os animais a conseguirem uma dieta nutritiva, enquanto o medo de novos alimentos e as aversões de sabor
adquiridas ajudam os animais a evitarem possíveis prejuízos. A obesidade resulta de uma predisposição genética
para ganhar peso quando superalimentado. Já que a obesidade é estigmatizada em algumas sociedades, muitas
pessoas que acreditam estar acima do peso fazem dieta. As dietas geralmente são inefetivas devido à regulação
metabólica e à tendência das pessoas que fazem dieta de comer descontroladamente. Fazer dieta por muito tempo
é um fator de risco para o desenvolvimento de transtornos de alimentação.

O QUE É O SONO?
Aquantidade de tempo que as pessoas gastam comendo é trivial se comparada à quantidade de
:empo que passam dormindo, um comportamento motivado que ocupa quase um terço da nossa
·.ida. Apessoa média dorme cerca de 8 horas por noite, embora exista uma tremenda variabilidade,
.anto em termos de diferenças individuais como em termos de idade. Os bebês dormem a maior
parte do dia, ao passo que as pessoas mais velhas podem precisar de apenas algumas horas de sono
por noite. Alguns adultos relatam precisar de 9 ou 10 horas de sono para se sentirem descansados,
enquanto outros precisam de apenas 1 ou 2 horas. Uma enfermeira aposentada, a Srta. M., relatou
dormir apenas 1 hora por noite. Talvez, como os pesquisadores que estudaram a Srta. M., você ache
isso difícil de acreditar. Mas depois de passar duas noites insones em um laboratório do sono, apa-
rentemente devido à excitação, ela dormiu por apenas 99 minutos na terceira noite, acordando
renovada, alegre e cheia de energia (Meddis, 1977). Imagine ter todas essas horas extras de tempo
livre!
Osono se dá conforme os princípios gerais da motivação discutidos anteriormente neste capítulo:
a sonolência dirige uma ação específica (dormir); você dorme até não precisar mais; quanto mais
privado de sono, mais sonolento você se sente. Mas o sono difere de outros comportamentos motivados,
no sentido de que ele dirige as pessoas a passar o tempo aparentemente não realizando nenhuma
atividade. Mas, enquanto dormimos, nosso cérebro e outros processos fisiológicos estão bastante ativos.
Osono é claramente um comportamento importante, dada a quantidade de tempo que as pessoas e os
animais dedicam a ele. Conforme vimos na abertura deste capítulo, Randy Gardner descobriu que
podemos adiar o sono, mas não podemos adiá-lo indefinidamente. Dado que o sono ocorre em todos os
animais, a maioria dos pesquisadores acredita que ele tem algum propósito biológico. Entretanto, como
veremos, ainda não está totalmente claro, no presente, exatamente por que o sono é importante.

O sono é um estado de consciência alterado


Quando estamos adormecidos, o nosso cérebro continua processando informações. As pessoas
que dormem com animais ou crianças tendem a não rolar por cima deles e asfixiá-los. Amaioria das
pessoas também não cai da cama enquanto dorme, o que indica que o cérebro ainda está ciente do
ambiente, tal como da posição relativa da beirada da cama. Na verdade, mesmo que não estejamos
conscientes quando adormecidos, nossa mente ainda está funcionando, analisando perigos potenci-
ais, controlando movimentos corporais e mexendo partes do corpo para maximizar o conforto. A
diferença entre os estados de sono e vigília tem tanto a ver com a experiência consciente quanto com
processos biológicos.
Antes da descoberta de métodos objetivos para avaliar a atividade cerebral, a maioria das pes-
soas acreditava que o cérebro ia dormir junto com o restante do corpo. Mas a invenção do eletroen-
cefalograma (EEG), uma máquina que mede a atividade elétrica do sistema nervoso, revelou que
muita coisa acontece no cérebro durante o sono. O fato de existirem diferentes estados psicofisioló-
gicos durante o sono foi descrito como uma das maiores descobertas iniciais da neurociência (Hob-
son, 1995). Quando as pessoas estão acordadas, os neurônios em seu cérebro estão extremamente
ativos, conforme evidenciado por sinais cerebrais breves, freqüentes, dessincronizados, conhecidos
como ondas beta (Figura 9.17). Quando as pessoas fecham os olhos e relaxam, a atividade cerebral
fica mais lenta e mais sincronizada, um padrão que produz ondas alfa.
304 GAZZANIGA e HEATHERTON

Estágios do sono O sono ocorre


Vigília alerta em estágios, conforme evidenciado por
mudanças nas leituras do EEG. Confor-
Ondas beta me você vai pegando no sono, entra no
estágio 1, caracterizado pelas ondas teta,
Logo antes de dormir no qual você pode ser facilmente estimu-
lado. Na verdade, se você for acordado,
provavelmente negará que estava dormin-
Ondas alfa
do. Nesse sono leve você pode ver ima-
gens fantásticas, como formas geométri-
cas, ou ter a sensação de estar caindo ou
Estágio 1 que seus membros estão sofrendo um so-
lavanco. Conforme progride para o está-
gio 2, a sua respiração se toma mais re-
Ondas teta
gular e você fica menos sensível à
estimulação externa.Você agora está re-
almente adormecido. Interessantemente.
embora o EEG continue mostrando ondas
teta, há ocasionais explosões de ativida-
de conhecidas como fusos desono e ondas
grandes chamadas complexos-k. Alguns
pesquisadores acreditam que esses são
sinais de mecanismos cerebrais que fe-
cham a porta para o mundo lá fora e man-
têm a pessoa adormecida (Steriade.
1992). Ruídos abruptos podem desenca-
dear complexos-k e, na medida em que
Estágio 4 as pessoas envelhecem, elas mostram
menos fusos de sono e dormem muito
mais levemente. Isso é interessante por-
que sugere que o cérebro realmente tem
de trabalhar para nos manter dormindo.
Para algumas pessoas, é difícil adorme-
cer e continuar adormecido. Ainsônia e
um transtorno do sono em que a saúde
mental da pessoa e sua capacidade de
funcionar ficam prejudicadas por sua in-
FIGURA 9.17 Padrões de atividade cerebral elétrica durante diferentes estágios do sono.
capacidade de dormir. ATabela 9.2 lista
maneiras de lidar com a insônia.
Aprogressão para o sono profundo ocorre nos estágios 3 e 4, assinalados por padrões cerebrais
largos e regulares, referidos como ondas delta. Esse período de sono geralmente é referido como sono
de onda lenta, refletindo a presença de ondas delta. Éextremamente difícil acordar uma pessoa se ela
estiver no sono de onda lenta, e, quando ela acorda, geralmente está muito desorientada. Entretan-
Como medimos o sono? to, as pessoas ainda processam algumas informações no estágio 4. Os pais podem ser acordados pelo
choro dos filhos, mas ignoram, bem-aventuradamente, sirenes ou barulho de trânsito. Amente con-
tinua avaliando o ambiente quanto a perigos potenciais.

Sono REM Depois de cerca de 90 minutos de sono, acontece algo muito peculiar. O ciclo de
sono é invertido, voltando ao estágio 3 e depois ao 2. Nesse momento, o EEG subitamente indica
insônia Um transtorno de sono uma azáfama de atividade de ondas beta que normalmente indicam uma mente alerta, acordada.
caracter izado pela incapacidade de
dormir.
Ele é chamado de sono REM pelos movimentos rápidos dos olhos (REM, rapid eye movements) que
ocorrem durante esse estágio. Ele, às vezes, é chamado de sono paradoxal devido ao paradoxo de um
sono REM O estág io do sono
marcado por movimentos rápidos
corpo adormecido com um cérebro ativado. Na verdade, alguns neurônios no cérebro, especialmente
dos olhos, pelo sonhar e pela no córtex occipital e regiões do tronco cerebral, estão mais ativos durante o sono REM do que duran-
paralisia dos sistemas motores. te as horas de vigília. Mas, enquanto o cérebro está ativo, a maioria dos músculos dos membros e do
corpo está paralisada durante os episódios de sono REM. Ao mesmo tempo, o corpo mostra sinais de
CIÊNCIA PSICOLÓGICA 305

TABELA 9.2 Dormindo a noite toda

1. Vá para a cama e levante todos os dias à mesma hora, incluindo fins de semana. Estabeleça uma
rotina para ajudar a regular seu relógio biológico. Mudar o horário em que você acorda todos os
dias pode alterar os ciclos de sono e perturbar outros sistemas fisiológicos.
2. Nunca beba álcool ou cafeína logo antes de ir para a cama. O álcool pode ajudar a adormecer
mais rapidamente, mas vai interferir no seu ciclo de sono e fazer com que você acorde cedo no
dia seguinte.
3. Exercício regular ajudará os ciclos de sono, mas não faça exercícios imediatamente antes de ir
dormir.
4. Use a cama apenas para dormir e para fazer sexo. Não fique na cama lendo, comendo ou
assistindo à televisão.
5. Relaxe. Não se preocupe com o futuro. Tome um banho quente ou escute música tranqüilizadora.
Aprender técnicas de relaxamento, como imaginar que você está na praia, com o sol aquecendo
suas costas e se irradiando para as mãos, pode ajudar a lidar com o estresse crônico.
6. Se você sente dificuldade para dormir, levante e faça alguma outra coisa. Não se obrigue a ficar
deitado/a tentando pegar no sono. Lembre que uma noite sem dormir não vai afetar muito o seu
desempenho, e a preocupação com como você será afetado/a pelo não dormir só torna ainda
mais difícil adormecer.

excitação nos genitais, com a maior parte dos homens de todas as idades tendo uma ereção e as
mulheres experienciando ingurgitamento clitoriano.
A importância psicológica do sono REM é que cerca de 80% do tempo em que as pessoas são
acordadas durante o sono REM elas relatam sonhar, em comparação com menos de metade do tem-
po durante o sono não-REM (Solms, 2000). Como veremos a seguir, os próprios sonhos são muito
diferentes durante os dois tipos de sono.
No decorrer da noite, o ciclo de sono se repete, com progressão do sono de onda lenta para o
sono REM e depois de volta para o sono de onda lenta. Com a aproximação da manhã, o ciclo de
sono fica mais curto e relativamente mais tempo é passado no sono REM (Figura 9.1). As pessoas
também acordam brevemente muitas vezes durante a noite, mas não lembram ao acordar de
manhã. Conforme envelhecem, as pessoas podem ter maior dificuldade em voltar a adormecer
depois de acordar.

O sono é um comportamento adaptativo


Por que dormimos? Pode ser perigoso desligar-se do mundo externo. No mínimo, parece uma
enorme perda de tempo, um tempo que poderíamos gastar de maneiras mais produtivas. Mas as
pessoas não conseguem dominar indefinidamente o desejo de dormir: o corpo se desliga, quer quei-
ramos, quer não. O sono deve ser uma coisa importante, pois quase todos os animais dormem.
Alguns animais apresentam estilos de dormir surpreendentes. Algumas espécies de golfinhos dor-
mem o sono uni-hemisférico, em que os hemisférios cerebrais se revezam dormindo! Os pesquisado-
res ainda não sabem exatamente por que os animais dormem, mas há três explicações gerais para
descrever a adaptatividade do sono: restauração, ciclos circadianos e facilitação da aprendizagem.

Restauração e privação de sono A teoria restauradora do sono enfatiza que o cérebro e


o corpo precisam descansar, e o sono permite que o corpo se restaure. Na verdade, o hormônio do
crescimento é liberado durante o sono profundo, e uma de suas funções é facilitar a restauração
de tecidos lesados. Evidências adicionais de que o sono é um momento de restauração é que as
pessoas que realizaram atividade física vigorosa, como correr maratonas, parecem dormir por
mais tempo. Mas as pessoas dormem mesmo que passem o dia fisicamente inativas. Além disso,
306 GAZZANIGA e HEATHERTON

Acordado
Estágio 1
Estágio li
Estágio Ili REM
Estágio IV

2 3 4 5 6 7 8
Estágios do sono no Horas de sono
decorrer da noite.

parece que o sono permite que o cérebro refaça os depósitos de glicogênio e fortaleça o sistem:
imune (Hobson, 1999).
Numerosos estudos de laboratório examinaram os efeitos da privação do sono sobre o desem-
penho físico e cognitivo. Surpreendentemente, a maioria dos estudos descobriu que dois ou três dias
de privação de sono têm pouco efeito sobre a força, a capacidade atlética ou o desempenho cognitiYc
em tarefas complexas. Entretanto, realizar tarefas aborrecidas ou comuns quando estamos privado_
de sono é quase impossível. Um estudo de imagens cerebrais de pessoas privadas de sono mostroL
uma ativação aumentada no córtex pré-frontal, sugerindo que algumas regiões cerebrais poden:
compensar os efeitos da privação (Drummond et ai., 2000). No entanto, quando se trata de períodos
muito longos, a privação de sono acaba trazendo problemas de humor e desempenho cognitivo. -..
verdade, estudos utilizando ratos descobriram que a privação prolongada de sono compromete e
sistema imune e leva à morte.
As pessoas que sofrem de privação crônica de sono, como muitos universitários, podem expen-
enciar lapsos de atenção, memória de curto prazo reduzida e microssonos, em que adormecerG
durante o dia por breves períodos de tempo que variam de alguns segundos a um minuto. Esses
microssonos podem levar a resultados desastrosos se a pessoa estiver dirigindo ou realizando uma
tarefa perigosa.
Interessantemente, a privação de sono pode ter um propósito muito útil, que é ajudar as pesso-
as a superar a depressão. Na última década, surgiram evidências consistentes demonstrando que
privar as pessoas deprimidas de sono às vezes alivia a sua depressão. Esse efeito parece ocorrer
porque a privação de sono leva a uma ativação aumentada dos receptores de serotonina, come
fazem as drogas utilizadas para tratar a depressão (Benedetti et ai., 1999).

Ritmos circadianos Ateoria do ritmo circadiano propõe que o sono desenvolveu-se para man-
ter os animais quietos e inativos durante as horas do dia em que o perigo é maior, que para a maioria
deles é quando está escuro. Processos fisiológicos e cerebrais são regulados em padrões regulares
conhecidos como ritmos circadianos (circadiano poderia ser traduzido como "que ocorre cerca
de uma vez por dia") . Atemperatura corporal, os níveis de hormônio e os ciclos de sono-vigília são
exemplos de ritmos circadianos, que operam como relógios biológicos. Os ritmos circadianos são
eles próprios controlados por ciclos de luz e escuridão, embora os animais continuem apresentando
esses ritmos quando as deixas de luz são removidas.
De acordo com a teoria do ritmo circadiano, os animais precisam de uma certa quantidade de
tempo do dia para atender às necessidades de sobrevivência, e é para se adaptar que passam o
restante do tempo inativo preferivelmente escondido. Correspondentemente, a quantidade de tem-
po que um animal dorme depende de quanto tempo ele precisa para obter comida, quão facilmente
consegue esconder-se e quão vulnerável é a um ataque. Os pequenos animais dormem muito, ao
microssonos Breves episódios passo que os grandes animais vulneráveis a ataques, como as vacas e os veados, dormem pouco.
involuntários de sono, que variam Animais grandes que não são vulneráveis, como os leões, também dormem bastante. Depois de
de alguns segundos a um minuto,
matar um animal, um leão pode dormir durante dias. Os humanos, que dependem muito da visão
causados por privação crônica de
sono. para a sua sobrevivência, adaptaram-se para dormir à noite, quando a ausência de luz os coloca em
possível perigo.
ritmos circadianos A reg u lação
dos ciclos biológi cos em padrões
regula res. Facilitação da aprendizagem Foi proposto que o sono pode ser importante por estar envol-
vido no fortalecimento das conexões neuronais que funcionam como a base da aprendizagem. A
CIÊNCIA PSICOLÓGICA 307

idéia geral é que os circuitos que descarregaram juntos durante o período de vigília são consolida-
dos, ou fortalecidos, durante o sono (Wilson e McNaughton, 1994). Robert Stickgold e colaborado-
res (2000) realizaram um estudo em que os participantes precisavam aprender uma tarefa complexa
de discriminação visual. Eles descobriram que os sujeitos só melhoravam na tarefa quando tinham
dormido no mínimo seis horas depois do treinamento. Tanto o sono de onda lenta como o sono REM
parecem ser importantes para que a aprendizagem aconteça. Os pesquisadores argumentaram que
aprender a tarefa requeria mudanças neuronais que normalmente só ocorrem durante o sono. Embo-
ra a aprendizagem certamente possa ocorrer na ausência de sono, o sono parece ser um momento
eficiente para a consolidação da aprendizagem. Na verdade, algumas evidências indicam que os
alunos têm mais sono REM durante os períodos de provas, quando esperaríamos uma maior conso-
lidação de informações (Smith e Lapp, 1991).
Oargumento de que o sono, especialmente o sono REM, promove o desenvolvimento de circuitos
cerebrais para a aprendizagem também é apoiado pelas mudanças nos padrões de sono que ocorrem ao
longo do curso de vida. Os bebês e as crianças pequenas, que aprendem uma quantidade incrível de
coisas em poucos anos, dormem mais e também passam a maior parte do tempo em sono REM.

O sono e a vigília são regulados por múltiplos


mec~n mos neurais
Múltiplos mecanismos neurais estão envolvidos na produção e na manutenção dos ritmos circa-
dianos e do sono. Por exemplo, o relógio biológico está localizado no núcleo supraquiasmático (SCN)
do hipotálamo. Fotorreceptores na retina sensíveis à luz enviam sinais ao SCN. Esses fotorreceptores
são diferentes dos bastonetes e cones que transmitem a informação visual e podem inclusive funcio-
nar para pessoas que de outra forma são cegas. Neurônios do SCN parecem ser a base neural do
relógio biológico, pois mostram um pico na atividade de descarga mais ou menos uma vez por dia
(Welsh et ai., 1995). O SCN também sinaliza para uma minúscula estrutura chamada glândula pineal
(Figura 9.19) para secretar melatonina, um hormônio que viaja pela corrente sangüínea e afeta
vários receptores no corpo e no cérebro. Aluz brilhante suprime a produção de melatonina, ao passo
que a escuridão desencadeia a sua liberação. Recentemente foi observado que a ingestão de melato-
nina pode ajudar as pessoas a lidarem com a defasagem de fuso horário e mudanças de turno de
trabalho, que interferem nos ritmos circadianos. Tomar melatonina também parece ajudar as pesso-
as a pegar no sono, embora atualmente ainda não se saiba por que isso acontece.

Tronco cerebral e excitação O sono envolve alte-


rações nos estados de excitação, implicando, assim, meca-
nismos cerebrais que produzem estados de excitação. Em
1949, Giuseppe Moruzzi e Horace Magoun descobriram que Glândula pineal
estimular a formação reticular no tronco cerebral levava a
uma excitação aumentada no córtex cerebral. Se cortarmos
as fibras da formação reticular para o córtex, os animais
cairão no sono e continuarão adormecidos até morrer. Cor-
respondentemente, Moruzzi e Magoun propuseram que bai-
xos níveis de atividade na formação reticular produzem sono
e altos níveis levam ao despertar.
Atualmente sabemos que múltiplas regiões da forma-
ção reticular participam do controle dos ciclos de sono-vigí-
lia. Por exemplo, o lócus cerúleo envia o neurotransmissor
noradrenalina para muitas regiões do cérebro, aumentando
assim a excitação cortical. Pesquisas demonstraram que o
lócus cerúleo está extremamente ativo quando os animais
estão acordados, menos ativo durante o sono não-REM e Hipotálamo
quase completamente inativo durante o sono REM (Figura
9.20). O neurotransmissor serotonina também está envol-
vido no sono. Originando-se nos núcleos da rafe, um grupo
de neurônios localizado na formação reticular, a serotonina FIGUR11. A glândula pineal é uma pequena glândula localizada em frente
se projeta para muitas áreas por todo o córtex. Esse sistema ao cerebelo. Ela recebe sinais do hipotálamo.
308 GAZZANIGA e HEATHERTON

normalmente está mais ativo durante a atividade mo-


50 tora vigorosa, como caminhar ou correr. Assim, a ati-
Acordado Sono de Sono Acordado
onda lenta REM vação dos sistemas de noradrenalina e serotonina pro-
40 duz excitação e, em geral, uma lenta ativação na
formação reticular parece estar associada ao sono não-
30 REM. Esse decréscimo na excitação está associado a
uma desativação de muitas áreas corticais, conforme
verificado por recentes estudos com a tecnologia de
20
imagens cerebrais (Hobson et ai., 2000).
O que desencadeia o sono? Existem algumas evi-
10 dências de que uma pequena área do prosencéfalo basal
exatamente em frente ao hipotálamo, chamada de área
o pré-óptica, está envolvida na indução do sono não-REM.
o 40 80 o 40 80 o 40 80 o 4 8 Os neurônios dessa região se tomam mais ativos duran-
%do
estágio
%do
estágio -- %do
estágio
Seg - - - - -- te o sono não-REM, e lesar essa região leva à insônia.
Quando a área pré-óptica é ativada, sinais inibitórias
são enviados para o lócus cerúleo e núcleos da rafe, re-
9.2 Atividade dos neurônios no lócus cerúleo durante a vigília e os estágios
do sono.
duzindo assim a excitação e desencadeando o sono.

Sono REM Durante o sono REM são ativados vá-


rios processos neurais, dos quais alguns levam à paralisia dos sistemas motores, enquanto outros
levam à ativação de circuitos mentais relacionados a estados motivacionais. Por exemplo, neurônios
na ponte, uma região do tronco cerebral, enviam sinais para a medula espinal que bloqueiam o
movimento durante o sono REM. Lesar cirurgicamente a ponte faz com que os animais se tornem
muito ativos durante o sono REM, como se estivessem encenando cenas de seus sonhos. As pessoas
que tiveram acidentes vasculares cerebrais que lesaram o tronco cerebral às vezes desenvolvem o
transtorno de comportamento REM, em que a paralisia muscular normal que acompanha o REM esta
ausente. Infelizmente para seus parceiros de sono, esses indivíduos podem tornar-se violentos du-
rante episódios REM. Em contraste, as pessoas com cataplexia experienciam paralisia muscular REM
enquanto acordadas: seus músculos podem ficar subitamente flácidos e elas caem no chão.
O sono REM é desencadeado por neurônios de acetilcolina na ponte. No minuto que antecede
os episódios REM, esses neurônios tornam-se cada vez mais ativos, o que culmina na produção de
REM. Sinais dessa região são transmitidos para o tálamo e os lobos occipitais e também parecem
desencadear os movimentos dos olhos que dão ao sono REM o seu nome.
Estudos com tecnologia de imagem cerebral mostram ativação de estruturas límbicas, como a
amígdala, o cingulado anterior e o córtex orbitofrontal, durante o sono REM. Essa ativação ocorre
juntamente com uma redução da atividade do córtex pré-frontal dorsolateral, uma área tipicamente
envolvida no pensamento racional e na tomada de decisão. Surpreendentemente, as áreas visuais
primárias parecem ser inibidas durante o sono REM, ao passo que as áreas de associação visual são
ativadas (Braun et ai., 1998; Figura 9.21). Esses padrões de ativação podem produzir uma das asso-
ciações características do sono REM, vividas imagens no sonhar.

As pessoas sonham enquanto dormem


Sonhar é um dos grandes mistérios da vida: a mente conjura imagens e histórias que fazem
pouco sentido e às vezes apavoram tanto o sonhador que o acordam. Os sonhos são um estado
alterado de consciência em que imagens e fantasias são confundidas com a realidade. Normalmente,
as pessoas só percebem que estavam sonhando quando acordam. Algumas pessoas afirmam que não
se lembram dos sonhos, mas, a menos que a pessoa tenha uma lesão cerebral específica ou esteja
tomando medicação, todo o mundo sonha. Na verdade, a pessoa média passa seis anos completos de
sua vida sonhando. As pessoas que tem dificuldade para lembrar os sonhos podem ser ensinadas a
fazer isso, especialmente tentando escrevê-los assim que acordarem.
sonhos Um estado alterado de
Os sonhos ocorrem tanto no sono REM como no não-REM, embora os conteúdos do sonho
consciência em que imagens e
fantasias são confund idas com a sejam diferentes nos dois tipos de sono. Os sonhos não-REM são geralmente muito sem graça, como
realidade. decidir que roupas usar ou pensar em tomar notas na aula. Em contraste, os sonhos REM são geral-
mente muito bizarros. Eles envolvem intensa emoção, alucinações visuais e auditivas (mas raramen-
CIÊNCIA PSICOLÓGICA 309

te de sabor, cheiro ou dor), conteúdo ilógico


e uma aceitação não-crítica de eventos. As
regras de tempo e espaço e as leis físicas são
ignoradas nos sonhos, como quando entra-
mos numa sala e emergimos em outra.
Quando os pesquisadores notaram pela
primeira vez os movimentos rápidos dos
olhos na década de 1950, eles inicialmente
acreditavam que os sonhos eram principal-
mente um produto do sono REM. A princí-
pio, os sonhos não-REM foram descartados
como triviais ou como baseados em recor-
dações incorretas. Todavia, agora está claro
que o sono REM pode ocorrer sem o sonhar
e os sonhos podem ocorrer sem o sono REM.
Além disso, o REM e o sonhar parecem ser
controlados por diferentes sinais neurais
(Solms, 2000). A ativação de diferentes re-
giões cerebrais durante o sono REM e não-
REM pode ser responsável por seus diferen-
tes tipos de sonho. O conteúdo dos sonhos
REM é o resultado da ativação de estruturas
cerebrais associadas à motivação, emoção e
recompensa juntamente com as áreas de
associação visual. Esse loop fechado permi-
te que os centros de emoção e as áreas de
associação visual no cérebro interajam sem
autoconsciência, pensamento reflexivo ou
input do mundo externo.

O que os sonhos significam? Sig- Padrões de ativação utilizando-se PET, comparando sono REM com sono de onda
mund Freud, um dos primeiros teóricos im- lenta e vigília. Observe que existe maior ativação (indicada pelo amarelo e pelo vermelho) nas regiões
portantes dos sonhos, argumentou que os límbicas durante o sono REM do que no sono de onda lenta. Também existe menor ativação (indicada
sonhos continham um conteúdo escondido pelo roxo) em grande parte do córtex pré-frontal.
que representava conflitos inconscientes.
Segundo Freud, o conteúdo manifesto é
o sonho como o sonhador o lembra, enquanto o conteúdo latente é o que o sonho simboliza, ou o
material que está disfarçado para proteger o sonhador. Entretanto, não existe praticamente nenhum
apoio para a idéia de Freud de que os sonhos representam conflitos ocultos ou que os objetos no
sonho têm significados simbólicos especiais. Oque é verdade é que as experiências da vida cotidiana
influenciam o conteúdo dos sonhos. Por exemplo, é especialmente provável termos sonhos de ansie-
dade enquanto estamos estudando para as provas. Os sonhos possuem uma estrutura temática no
sentido de que se desenrolam como eventos ou histórias, em vez de como uma mixórdia de imagens
desconectadas, mas, aparentemente, não existe nenhum significado secreto na maneira pela qual a
história é contada.
conteúdo manifesto A trama de
um sonho; a maneira pela qual o
Hipótese da ativação-síntese O pesquisador do sono Alan Hobson propôs uma influente teo- sonho é lembrado.
ria que tem dominado o pensamento sobre o sonhar nas duas últimas décadas. Ahipótese da ativa-
conteúdo latente O que um
ção-síntese de Hobson propõe que a estimulação neural da ponte ativa mecanismos que normalmen- sonho simboliza, ou o materia l que
te interpretam o input visual. A mente adormecida tenta dar sentido à descarga neuronal aleatória está disfarçado no sonho para
sintetizando a atividade aparente nos neurônios visuais e motores com memórias armazenadas. Dessa proteger o sonhador.
perspectiva, então, os sonhos são epifenomenais - eles são os efeitos colaterais experienciados dos hipótese da ativação-
processos mentais. Hobson e colaboradores (2000) revisaram recentemente o modelo de ativação- síntese Uma teoria do sonhar
que propõe que a estimu lação
síntese para levar em conta achados recentes da neurociência cognitiva. Por exemplo, eles incluíram a neural da ponte ativa mecanismos
ativação da amígdala como a fonte do conteúdo emocional dos sonhos e propuseram que a desativação que normalment e interpretam o
dos córtices frontais contribui para o aspecto delirante e ilógico dos sonhos. Por sua natureza, a hipóte- input visua l.
se da ativação-síntese tem mais a ver com os sonhos REM do que com os não-REM.
310 GAZZANIGA e HEATHERTON

Estratégias evoluídas de ameaça-ensaio Antti Revonsuo (2000) propôs uma explicação


evolutiva em que os sonhos simulam eventos ameaçadores para permitir às pessoas ensaiar estraté-
gias de coping. Embora Revonsuo não acredite que todos os sonhos têm essa função, ele sugere que
os sonhos que forneceram às pessoas soluções para problemas adaptativos as ajudaram a sobreviver
e a se reproduzir; assim, o sonhar é um resultado da seleção natural. Que a maioria dos sonhos
relatados pelas pessoas envolve emoções negativas, como o medo e a ansiedade, apóia a teoria
evolutiva de ameaça-ensaio. Osonhar está associado à ativação de estruturas límbicas, como a amíg-
dala, que também são ativadas quando encontramos ameaças reais. Além disso, as pessoas tendem
a sonhar com ameaças reais em sua vida e a ter pesadelos, por longos períodos de tempo, com
traumas passados.

O que é o sono?
Todos os animais experienciam o sono, um estado alterado de consciência em que aquele que dorme perde a ma ior
parte do contato com o mundo externo. O sono tem vários estágios que podem ser ident ificados por diferentes
padrões em registros de EEG . Existe uma distin ção básica entre o sono não-REM e o sono REM, e diferentes
mecanismos neura is são responsáve is por produzir cada tipo, embora o tronco cerebral figure proeminentemente
na regulação dos ciclos de sono-vigíl ia. Os sonhos ocorrem no sono REM e no não-REM, embora o conteúdo desses
sonhos seja diferente. Isso talvez se deva à ativação diferencial de estruturas cerebrais associadas à emoção e à
cognição. Embora algumas teorias tenham sido propostas para explicar o dormir e o sonhar, a sua função biológica
ainda não está totalmente clara .

Amotivação é a área da psicologia que busca determinar por que as pessoas apresentam com-
portamentos específicos. Embora os psicólogos motivacionais, no passado, tenham focado exclusiva-
mente motivos reguladores ou intencionais, uma crescente ênfase na neurociência esmaeceu a dis-
tinção entre essas abordagens. Por exemplo, o controle do comportamento alimentar humano envolve
tanto mecanismos intencionais como reguladores, e o cérebro está envolvido em ambos os tipos de
motivação. Além disso, esforços colaborativos em diferentes níveis de análise, por parte de neurocien-
tistas e psicólogos sociais, levaram a novas teorias da motivação, tal como o modelo frio/quente da
gratificação adiada, que se desenvolveu como princípios cumulativos. As abordagens neurocientífi-
cas também permitiram aos pesquisadores reexaminar questões importantes, entre as quais como os
instintos e impulsos motivam o comportamento. O crescente conhecimento sobre o cérebro possibi-
lita um entendimento mais profundo de motivos humanos importantes - por exemplo, como esta-
belecemos e atingimos objetivos pessoais - e também da extensão em que podemos controlar ou
suprimir processos biológicos básicos, como dormir e comer.

Brownell, K. D.; Fairburn, C. G. (1995). Eating disorders and obesity: A comprehensive handbook. New York:
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Capaldi, E. D. (1996). Why we eat what we eat. Washington, DC: American Psychological Association.
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G291c Gazzaniga, Michael S.
Ciência psicológica: mente, cérebro e comportamento /
Michael S. Gazzaniga e Todd F. Heatherton; trad . Maria
Adriana Veríssimo Veronese . - 2. imp. rev. - Porto Alegre:
Artmed, 2005.

ISBN 978-85-363-0432-8

1. Psicologia - Ciência. 1. Heatherton, Todd F. li. Título

CDU 159.9.01/.98

Catalogação na publicação: Mônica Ballejo Canto - CRB 10/1023

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