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A n a R o j a s A c o s t a , M a r i a A m a l i a Fa l l e r V i t a l e ( o r g a n i z a d o r a s )
Este livro é baseado nas comunicações
apresentadas no seminário Famílias: Laços,
Redes e Políticas Públicas, realizado em
São Paulo, em 2002, graças à parceria do
Instituto de Estudos Especiais da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (lEE/PUC-SP)
com a Oficina Municipal da Fundação Konrad
Adenauer, 0 Centro de Estudos e Pesquisas em
Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec) e
a Universidade Cruzeiro do Sul (Unicsul), além
do apoio da Fundação Prefeito Faria Lima -
Centro de Estudos e Pesquisas de Administração
Municipal (Cepam) e do Fundo das Nações
Unidas para a Infância (Unicef).
Família: Redes, Laços e Políticas Públicas
ã
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Instituto de Estudos Especiais da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo — lEE/PUC-SP
Mariangela Belfiore Wanderley Diretora
Ana Rojas Acosta Pesquisadora Assessora
R E A L I Z A Ç Ã O
~ ~ r \ ^Konrad
ZJ ->ldenauer-
^— I Stiftung
oficina m unicipal I
CENPEC
Sumário
Apresentação
Prefácio
Parte i
Vida em família
Famílias enredadas 21
C y n t h i a A. S a r t i
Família e afetividade:
a configuração de uma práxis ético-política,
perigos e oportunidades 39
B a d e r B. S a w a ia
Metodologia de
trabalho social com fam ílias 109
N a id is o n d e Q u in t e l l a B a p t is t a
R e la to de c a s o
Programa de Garantia de
Renda Mínima e de Geração de
Emprego e Renda de
São José dos Cam pos/SP 165
A p a r e c id a V a n d a F e r r e ir a e S il v a
O d il a Fá t im a T. D e r r iç o
R e g in a H e l e n a S a n t a n a
Sumário
R elato de c a s o
Experiência do Programa de
Saúde da Família de Nhandeara/SP 177
S o l a n g e A p a r e c id a O l iv a M a t t o s
Fa b ia n a R e g in a S o a r e s
Relato de c a s o
Experiência do Programa de Saúde da
Família de Itapeva/SP: horta comunitária,
uma experiência em andamento 185
R o s a P ie p r z o w n ik
V a n il d a Fá t im a R ib e ir o FIa t o s
Relato de c a s o
Programa Mais Igual de Complementação de
Renda Familiar da Prefeitura de Santo André/SP 209
CiD B l a n c o
V a l é r ia G o n e l l i
Relato de c a s o
Políticas públicas de atenção à família 217
Luci Ju n q u e ir a
N e l s o n G u im a r ã e s P r o e n ç a
Parte 3
Famílias e políticas públicas
Formulação de indicadores de
acompanhamento e avaliação de
programas sócio-assistenciais 231
D e n is e B l a n e s
0 índice de
Desenvolvimento da Família (IDF) 241
M ir e l a d e C a r v a l h o
R ic a r d o Pa e s d e B a r r o s
S a m u e l Fr a n c o
R e la to de c a s o
Programa Bolsa-Escola
Municipal de Belo Horizonte/MG:
educação, família e dignidade 277
A f o n s o C e l s o R e n a n Ba r b o s a
La u r a A f f o n s o d e C a s t r o R a m o
As organizadoras
Prefácio
17
0 livro é, assim, resultado de uma frutífera parceria entre as insti
tuições que participaram do seminário, que não se teria concretizado
sem a junção de esforços e a sintonia em torno deste objetivo comum.
Esperamos, por fim, que a presente obra possa contribuir na valo
rização da família como força central e vital na transformação de nossa
realidade, ajudando a disseminar os avanços até aqui obtidos.
Wilhelm Hofmeister
Fundação Konrad Adenauer — Oficina Municipal
Parte i
Vida em família
Famílias enredadas
Cy n t h ia A. S a r t i *
Introdução
A paternidade, conhecida?
Na década de 1990,0 processo de mudanças familiares ganha novo
impulso, com a difusão do exame do DNA (Fonseca, 2001), que permite
a identificação da paternidade. A dúvida quanto ã paternidade e a certe
za da maternidade deixaram, em princípio, de ser o suposto fundamento
“natural” que servia de pretexto a costumes, pactos familiares e relações
de gênero, que estruturaram a família durante tanto tempo (Bilac, 1998).
Essa forma de intervenção tecnológica é fundamental no que se
refere a laços e responsabilidades familiares, porque ela diz respeito ao
homem, em seu lugar de pai, e introduz tensões no lugar masculino den
tro da família, que até então continuava razoavelmente preservado nas
suas bases patriarcais.’ A comprovação da paternidade abre 0 caminho
s para que esta seja reivindicada, causando forçosamente um impacto na
atitude tradicional de irresponsabilidade masculina em relação aos filhos,
0 que significa um recurso de proteção para a mulher, mas sobretudo
para a criança. Não à toa, Bilac (1998) argumenta que os homens nunca
foram tão responsáveis por sua reprodução biológica como no momento
atual de nossa história (Fonseca, 2001).
Paralelamente, mudanças incidem também sobre 0 plano jurídico
e alteram 0 estatuto legal da família, como produto da ação de inúmeras
forças sociais, entre elas dois movimentos sociais fundamentais para as
< > transformações familiares: 0 movimento feminista e a luta em favor dos
5 s
direitos das crianças.
No Brasil, a Constituição Federal de 1988 institui duas profundas
alterações no que se refere à família: 1. a quebra da chefia conjugal mas
culina, tornando a sociedade conjugal compartilhada em direitos e deveres
pelo homem e pela mulher; 2. 0 fim da diferenciação entre filhos legítimos
e ilegítimos, reiterada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA),
promulgado em 1990, que os define como “sujeitos de direitos”. Com 0
exame do DNA, que comprova a paternidade, qualquer criança nascida de
uniões consensuais ou de casamentos legais pode ter garantidos seus
direitos de filiação, por parte do pai e da mãe.
Ambas as medidas foram um golpe, de uma extensão desconhecida
até então, desferido contra 0 pátrio poder. 0 ECA dessacraliza a família a
ponto de introduzir a idéia da necessidade de se proteger legalmente
qualquer criança contra seus próprios familiares, ao mesmo tempo em que
reitera “a convivência familiar” como um “direito” básico dessa criança.
É importante destacar esse aspecto por contribuir para a “desidealiza-
ção” do mundo familiar, ainda que se saiba que
^A literatura mostra o quanto
esse recurso legal é freqüentemente utilizado 0 corpo feminino tem sido o foco
das intervenções tecnológicas
(Barbosa, 1999).
Os homens
para estigmatizar as famílias pobres, definidas nunca foram tão
como desestruturadas, “incapazes de dar con- , .
. - n u .. vj
tmencia a seus filhos , sem a devida conside
responsáveis
ração do lugar dos filhos no universo simbólico reprodução
dessas famílias pobres. biológica como no
Embora a família continue sendo objeto momento atual de
de profundas idealizações, a realidade das mu- nossa história.
danças em curso abalam de tal maneira o mo
delo idealizado que se torna difícil sustentar a idéia de um modelo “ade
quado”. Não se sabe mais, de antemão, o que é adequado ou inadequado
relativamente ã família. No que se refere às relações conjugais, quem são
os parceiros? Que família criaram? Como delimitar a família se as rela
ções entre pais e filhos cada vez menos se resumem ao núcleo conjugal?
Como se dão as relações entre irmãos, filhos de casamentos, divórcios,
recasamentos de casais em situações tão diferenciadas? Enfim, a família
contemporânea comporta uma enorme elasticidade.
Sabemos que houve, no Brasil, uma drástica redução do número 25
de filhos em todas as camadas sociais (Goldani, 1994), principalmente
entre os pobres, por serem os que apresentavam maiores taxas de fecun
didade. A difusão dos anticoncepcionais teve impacto em toda a socie
dade, 0 que não quer dizer que essa difusão teve 0 mesmo significado
em todos os segmentos nos quais se manifestou, porque a maternidade
e 0 filho têm significados distintos para cada um. 0 mesmo acontece em
relação ao exame do DNA, que tem sido solicitado em todas as camadas
sociais (Fonseca, 2001).
Não temos ainda suficiente informação, fundamentada em pesqui
sas, sobre 0 que mobiliza as mulheres pobres a comprovar a paternidade
de seus filhos. Que sentidos têm, para elas, a partilha financeira, mesmo
num contexto de parcos recursos? Dado 0 alto índice de mães solteiras
e, portanto, de crianças sem registro de paternidade, parece haver um
desejo do nome do pai na certidão de nascimento, a marca da origem.
Qual 0 sentido da busca da identificação do pai, pelo filho, e do pai do
filho, pela mãe, entre aqueles que socialmente têm seus direitos não
reconhecidos e tantas oportunidades negadas? Tais perguntas emergem
também pela alta incidência de filhos que solicitam 0 exame do DNA
(Fonseca, 2001), na busca do pai desconhecido.
As mudanças familiares têm, assim , sentidos diversos para os
diferentes segmentos sociais, e seu impacto incide de formas distintas
sobre eles, porque o acesso a recursos é desigual numa sociedade de
classes. Portanto, para abordar o tema das famílias e das políticas sociais,
não se pode partir de um único referencial.
Fios esgarçados...
Considerações finais
< >
^ S Soa óbvio mencionar a importância de se perguntar como a pró
í I-
>
tn
>
(/) pria família define seus problemas, suas necessidades, seus anseios e
quais são os recursos de que ela mesma dispõe. Menos óbvio é pensar
>D como ouvimos suas respostas e o estatuto que atribuímos ao que se diz.
> Pensar as políticas sociais implica pensar a relação entre si e o
(/I
outro. 0 problema reside na concepção de família que subjaz ã grande
parte das “intervenções” em famílias, o que inibe a possibilidade de ela
boração dos problemas individuais e coletivos conforme os recursos que
podem estar no próprio âmbito familiar.
Duas ordens de questões estão em jogo: de um lado, a idealização
da família, projetada num dever ser (e da própria afetividade como um
mundo que exclui o conflito); de outro, está a idealização de si, por parte
dos profissionais, expressa na tendência a atribuir-se exclusivamente um
saber, com base em sua formação técnica, e negar que a família assistida
tenha um saber sobre si própria.
Ouve-se o discurso das famílias como “ignorância”, negando que
este possa ser levado em conta como um diálogo entre pontos de vista.
Essa tendência à desqualificação do outro será tanto mais forte quanto
A dificuldade em
mais a família assistida pertencer aos estratos relativizar os pontos de
mais baixos da hierarquia, reproduzindo os me-
... , . ^ vista parece ser uma das
camsmos que instituem a desigualdade social.
À dificuldade que o tema da família apre- questões mais relevantes
senta, por sua forte identificação com nossas ® serem enfrentadas
próprias referências e pelo esforço de estranha- na implementação de
mento que a aproximação ao outro exige, so- políticas sociais.
ma-se o problema do estatuto que atribuímos
ao nosso próprio discurso e, conseqüentemente, ao discurso do outro.
Considerar o ponto de vista alheio envolve o confronto com nosso ponto
de vista pessoal, o que significa romper com o estatuto de verdade que
os profissionais, técnicos e pesquisadores tendem a atribuir a seu saber.
Esse estranhamento permite relativizar seu lugar e pensá-lo como um en
tre outros discursos legítimos, ainda que enunciados de lugares social
mente desiguais.
A dificuldade de relativização dos pontos de vista parece ser uma
das mais relevantes questões a serem trabalhadas na implementação de
35
políticas sociais, assim como em todo trabalho que envolva algum tipo
de ajuda não apenas aos pobres, mas a quem quer que seja, deficientes
ou doentes, físicos ou mentais.
Finalizando, nas políticas sociais trata-se de transformar o lugar do
outro na sociedade. No entanto, como condição prévia a essa transforma
ção, trata-se de mudar o lugar em que nos colocamos perante os demais.
■ Referências bibliográficas
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Família e afetividade:
a configuração de uma práxis ético-política,
perigos e oportunidades
B a d e r B. S a w a ia *
Introdução
Afetividade
.
H 6 0 planejamento das ações deve se orientar pela concepção
49
de que só a razão não é força capaz de dominar a paixão. Só uma paixão
mais forte domina outra mais fraca. Em contrapartida, a paixão, sozinha,
sem 0 intelecto, torna a pessoa escrava do campo sensorial; e só a força
das emoções não produz uma obra de arte: “Por si só, nem 0 mais sincero
sentimento é capaz de criar arte; para tanto, ele precisa ultrapassar-se”
(Vygotsky, 1925-1998). Daí decorre que 0 projeto coletivo não pode des
considerar 0 gozo individual, tampouco exigir sacrifícios remetendo ao
futuro a satisfação (paradigma da redenção).
Em síntese, a práxis ético-política com famílias atua nas emoções
para se contrapor ã pobreza e à dominação. Como fala Espinosa, a política
nasce do desejo humano de libertar-se do medo, da solidão: ”Só as pes
soas livres e felizes são gratas umas as outras e estão ligadas por fortes
laços de amizade. As servis ligam-se por recompensa, medo” (1957, livro
IV), ressaltando 0 caráter ético e político dos afetos.
São esses os pressupostos que nos fizeram eleger, como estratégia
e espaço da práxis ético-política, a família e a afetividade, e a definir como
seu alvo 0 “desejo do comum”, a disposição de viver em comum, que,
segundo Espinosa, é a disposição de viver em paz, sem pôr fim aos seus
conflitos e aos desejos contrários e sem a necessidade de pactos políticos
ou éticas normativas (Chauí, 2003).
■ Referências bibliográficas
Considerações finais
CA >
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o
0 jovem e o contexto familiar
S il v ia Lo s a c c o *
Buscamos
“(...) ao mesmo tempo, realizar uma crítica de superação dos conhe
cimentos e práticas já existentes, e criar conhecimentos que apon
tem novos caminhos e condições para a prática. (...) essa metodo
logia explicita um esforço no sentido de viabilizar uma produção
conjunta de conhecimentos que permitam ultrapassar as práticas
Propostas com formatos
espontâneas e as reflexões que se con- pontuais seguem
firmam em ações pontuais para, através
“fórmulas” prontas, que
da polêmica e da crítica teórica, construir
por vezes desconhecem
uma ‘pedagogia dinâmica da ação’.”
(Baptista, 1995) ®
necessidades daqueles
Nas oficinas, através de encontros siste- jovens em particular.
máticos, temos a ludicidade impressa nos jogos,
nas dramatizações, como elemento facilitador para a construção coletiva
no enfrentamento das questões trazidas para 0 grupo. Esse tipo de inter
venção requer profissionais qualificados, que dominem as bases teórico-
metodológicas que instrumentalizam a apreensão da realidade do ado
lescente e de sua família, expressa nas mais variadas formas. Requer,
também, que esses profissionais conheçam criticamente as políticas
sociais existentes, bem como as dificuldades resultantes do distancia
mento entre os direitos conquistados e a realidade do atendimento ofe
recido. Como última condição, embora não menos importante, esses pro
fissionais precisam ter acesso a conhecimentos, técnicas e instrumentais
que os subsidiem na tarefa que têm de enfrentar.
Esta proposta de atuação favorece 0 exercício da flexibilidade e da
firmeza necessárias no trabalho com os jovens: flexibilidade para contem
plar 0 todo, agilidade para perceber suas particularidades, maleabilidade
para enxergar as diversidades, aptidão para encaminhar novas propostas
na superação das complexidades de um mesmo fato vivenciado por
diferentes populações e sujeitos; firmeza no estabelecimento das regras
instituídas pelo grupo/coordenação; persistência e constância na opera-
cionalização das ações; vigor nos trabalhos desenvolvidos. Permite-se,
assim, que os conteúdos desvelados tenham um novo continente.
Uma proposta desta natureza, que considera a pessoa em primeiro
lugar, requer que se olhe 0 sujeito por três dimensões distintas, mas com
plementares. A primeira vê 0 sujeito como indivíduo, suas características
e necessidades físicas e emocionais. 0 segundo olhar deverá enxergá-lo
como sujeito coletivo, como expressão de um grupo, como alguém que
se relaciona todo tempo e que, sem relacionar-se, não existe. A terceira
dimensão percebe-o como sujeito político, que influencia e é influenciado
pelo contexto social em que vive. Cada uma delas é parte fundamental de
sua inserção nas engrenagens da sociedade. Entre 0 indivíduo, 0 coletivo
e a política há uma relação de interdependência, em que os elementos
são fundantes do funcionamento do todo e o todo determina a maneira
de ser de cada um.
A proposta prioriza um contexto que humaniza, através do exercício
de ouvir, de acolher, de considerar, de trocar. Tem no profissional coorde
nador um catatisador/facilitador do fazer emergir os conflitos, as possi
bilidades de diálogos. Esse coordenador é, necessariamente, um co-par-
tícipe das possibilidades de novos encaminhamentos das questões e das
transformações. Favorece o desvelamento dos valores e das dissonâncias
i impressas nas atitudes relacionais entre jovens e adultos, como, por
<
exemplo: a autoridade e o autoritarismo, a liberdade e a bagunça, a
< autonomia e o individualismo. Proporciona o questionar, o divergir, o
> estar à vontade para debater, assegurando-se da importância do aprender
Z a pesar as diferentes alternativas e do poder de escolha entre uma coisa
1—
< e outra. Formas que levam a escolhas livres, mas com responsabilidade.
Liberdades e responsabilidades que devem crescer juntas, num mesmo
eixo, na busca da construção da cidadania.
O
< ■ Referências bibliográficas
s ças era mais compartilhada pelo grupo. Nesse momento, os papéis das
< mulheres e dos homens não eram hierarquizados. Sendo a procriação a
a
questão central da permanência do grupo, a mulher era socialmente valo
rizada graças à geração da vida. Desta forma, as famílias seguiam uma
estrutura protofamiliar centrada na mãe.
Com as modificações ambientais, a atividade de coleta se tornou
insuficiente. Era preciso, então, caçar animais de grande porte e lutar por
território e alimentos. As divisões de trabalho ganharam mais contorno e
ficaram mais delimitadas. A força física era agora fundamental para a
subsistência, inaugurando-se, assim, a supremacia masculina (Ramires,
1997 )-
Esse homem caçador, segundo podemos inferir pela configuração
o
> da estrutura familiar, e que nesse momento da história não tinha cons
ciência de sua condição de pai, era um sujeito que se ausentava para as
caçadas e as lutas a fim de garantir 0 necessário à sobrevivência. No en
>
o tanto, era uma pessoa visivelmente envolvida na instrução das crianças,
nos ritos, na caça e nas lutas. Mesmo assim, temos ainda nesse momento
o >
E 5Í 0 modelo matrilinear de família (ibidem).
n Com as técnicas de fundição de metais e a possibilidade da agri
o
cultura, os seres humanos deixaram de viver como nômades, tornando-se
sedentários, 0 que causou uma grande mudança na estrutura social. Assim,
começaram a surgir as primeiras cidades, os governantes e os servos,
como também 0 comércio e a propriedade.
As lutas continuam, 0 poder é conquistado pela força e medido
pela posse, sendo então mais valorizado 0 poder masculino. Concomi
tantemente, os egípcios e indo-europeus, há cerca sete mil anos, passam
a conhecer a função reprodutiva do homem: dá-se, então, a descoberta
o prolongamento do
da paternidade. Ocorre aos poucos a passagem ^g
das sociedades matrilineares para as sociedades
patrilineares. As instituições socioculturais co- ® funcionamento
meçam a refletir a dominação masculina nos da estrutura familiar,
mitos, na religião, na moral, na família, no Es- fortalecendo a figura
tado, etc. (Dupuis, 1989) feminina na função do
Com a descoberta da paternidade e a cuidado infantil.
questão da propriedade, os homens passaram
a controlar a vida sexual das mulheres, para quem a virgindade até 0 ca
samento e a fidelidade são exigências fundamentais. Está nesse momento
instituída a família monogâmica e patriarcal, como meio de assegurar a
transmissão da herança a filhos de paternidade incontestável. 0 homem,
agora pai, torna-se mais inacessível para os filhos e domina a família
como uma figura de autoridade e poder, requerido principalmente para
as “grandes decisões”.
Somado a isso, havia toda uma rede de significados e práticas que
foram associando mulheres a cuidado. Philippe Ariès, em A história social
da criança e da família (1976), mostra como as crianças foram ganhando
importância social e, conseqüentemente, adquirindo status de sujeito, 0
que permitiu que a maternidade, a pedagogia e a pediatria se tornassem
necessárias. Esse autor aponta que a explicação plausível para essa
ausência do sentimento de infância advinha dos altos índices de mortali
dade infantil acarretada por pragas e pestes tão comuns na Idade Média.
No intuito de esperar que, dos tantos, alguns não morressem, gerar era
algo comum.
Uma nova procriação era importante, não porque a morte da criança
gerava dor e sofrimento - daí a necessidade de se ter outro filho - , mas
porque era preciso novas forças de trabalho para 0 sustento da família.
Assim, muitas vezes as crianças mal chegavam aos dois anos de vida,
morriam e logo eram substituídas por outras, esperando-se que essas
“vingassem” para 0 trabalho. É possível que 0 aumento dos cuidados
com a higiene, 0 maior domínio das pragas e as formas de controle da
natalidade levaram a uma menor mortalidade infantil e ã conseqüente
preservação da criança (Ariès, 1976).
Desse modo, com 0 prolongamento do tempo de vida da criança,
esta passou a ocupar um lugar na estrutura familiar, modificando todo seu
corpo de funcionamento, fortalecendo a figura feminina nessa função.
Com isto, práticas de cuidado relativas à criança, tal como conhecemos
hoje, começaram a se formar.
Em contrapartida a essa construção social da infância ocorrida
durante a história, mesmo após a descoberta da paternidade, a função
do cuidado e a criação do filho permaneceram com as mulheres, pois os
homens foram cada vez mais se afastando do universo infantil — um
fenômeno tão evidente no sistema educacional atual, em que pratica
mente só mulheres trabalham nas creches, no ensino pré-escolar e
fundamental. Coube ao homem a não-participação em qualquer situação
de cuidado; ao contrário das mulheres, o âmbito de atuação masculina
deu-se no público, exigindo destes uma postura de enfrentamento de
< riscos e obstáculos. Seu papel seria de produzir e administrar riquezas,
o
> garantindo o sustento familiar, além de garantir segurança e valores
morais para a família.
Diferentemente da estrutura social nos grupos nômades de coleta,
nos quais a mulher tinha um papel equivalente ao do homem na questão
da subsistência, eles exerciam as funções com maiores áreas de inter
cessão. 0 cuidado com a prole era mais descentralizado, sendo a mulher
valorizada por ser responsável pela geração da vida. Houve um desequi
líbrio nas relações de poder, pois, apesar de haver diferenças de papéis,
as relações entre os gêneros não estavam configuradas como homem-
provedor e mulher-cuidadora. Essa polarização entre homens e mulheres
e seus respectivos espaços de atuação configuraram uma relação de
dom inação/subordinação que ocasionou um “enquadramento” e a
conseqüente limitação do poder de participação feminina nas decisões
sociopolíticas, assim como a supressão da figura masculina como fonte
de cuidado.
>
> ; Uma outra forma de compreender como essa associação feminino-
cuidado foi construída pode ser verificada em alguns estudos sobre a cons
trução da feminilidade, tais como os trabalhos de Carol Gilligan (1990) e
Nel Noddings (1984).
Gilligan é uma autora que muito produziu acerca de cuidado e
mulheres; um dos seus argumentos defende que a intuição e a vivência
feminina devem estar na base da educação formal, pois garantiria que na
relação criança-adulto uma “ética do cuidado” fosse repassada, 0 que não
seria possível unicamente com 0 repasse de temas abstratos, postura
característica de uma educação tida como masculina.
Coube 00 homem a
Segue na mesma linha de pensamento „eo-partkipação em
a autora Noddings, que percebe o cuidado . . .
como uma fonte natural e fundamental para quer situaçao e
uma ética. Então, na relação adulto-criança, cuidado; ao contrário
principalmente no contexto escolar, seria pri- muíheres, o âmbito
mordial a experiência do cuidado fundamentado de atuação masculina
no afeto. De acordo com ela, isto apenas seria deu-se na esfera pública.
possível com a expansão do modelo de “cui
dado gratuito”, praticado pelas mulheres no contexto privado, para o
espaço da educação formal.
No entanto, outras formas de abordagem sobre o cuidado criança-
adulto são apontadas por Erik Erikson, Maria Malta Campos e Jerusa Vieira
Gomes. Erickson (1976) preocupou-se em abordar a temática do cuidado
pela psicanálise, utilizando como instrumentos métodos antropológicos.
Assim, pesquisou 0 cuidado infantil em povos indígenas (sioux e yurok),
concluindo que diversas práticas relacionadas a nascimento, amamenta
ção, higiene, brincadeiras, etc. são construções sociais. Campos (1975),
em um estudo realizado com dois grupos de família de baixa renda de São
Paulo e Brasília, procurou descrever 0 padrão de socialização de cada um,
esclarecendo que os contextos específicos a cada grupo atuam na cons
trução das práticas associadas à educação infantil. A terceira autora que
citaremos, Jerusa Vieira Gomes (1986), acompanhou três gerações de
família de migrantes do meio rural para a periferia de São Paulo, partindo
de mulheres, avós e mãe, seguido de netos de ambos os sexos. Nesse tra
balho, concluiu que as concepções desse grupo acerca de nascimento,
amamentação, etc. possuem um caráter situacional.
Podemos agora traçar um ponto em comum entre esses autores e
Ramires (1997); todos eles reconhecem que as práticas do cuidado devem
ser compreendidas dentro de contextos específicos a cada grupo, consi
derando-se 0 momento histórico — 0 que seria contrário do que propõe
Gilligan e Noddings, que contextualizam 0 cuidado como algo inato, por
tanto, aistórico.
Além de tratarmos do cuidado na relação adulto-criança, também
enfatizamos 0 cuidado relativo à própria saúde. Assim, a discussão his
tórica dessa área sobre a relação entre os homens e 0 cuidado passou
por três fases (Programa Papai, 2001).
Em um primeiro momento, acreditou-se que os homens não pre-
cisavam dar atenção à saúde, já que, sendo símbolos de virilidade, força
e racionalidade, não constituiriam alvo fácil para fraquezas, como as
doenças. Num segundo momento, passou-se a considerar a importância
de que se envolvessem mais na área de saúde e cuidado, mas era sem
pre enfatizado que trabalhar com essa população consistia em algo
extremamente difícil, pois os homens eram agressivos, pouco coopera
tivos e irresponsáveis, o que contribuía para um menor cuidado, seja com
a sua própria saúde, seja com a de terceiros. Atualmente, não negando
as dificuldades de se trabalhar com homens no âmbito da saúde,
percebe-se que é preciso compreender como estes são socializados para
que, então, seja possível desenvolver uma abordagem nos programas de
sW
<O atendimento à saúde que modifique o que ainda é observado.
> Cada uma dessas posições reflete o embate entre dois paradigmas.
No primeiro, o homem é compreendido como naturalmente invulnerável e
ativo no meio ambiente; já no segundo, a postura masculina é justificada
pelas experiências que são fornecidas e as expectativas que são criadas
em sua volta.
Essas duas formas de compreender a formação do homem coexis-
? õ I tem, com o diferencial de que a primeira reforça condutas masculinas
5 S * que acarretam uma maior taxa em acidentes, suicídios, furtos seguidos
% i ^ de homicídios, uso abusivo de substâncias lícitas e ilícitas, ou seja, o
0 >
1 g 2 enfrentamento do limite como referência de masculinidade, já o segundo
O compreende sua conduta pelo aspecto relacional, em que sua forma de
>
atuação depende das relações estipuladas com amigos, objetos, animais,
companheira(o), filhos, pais, etc. Isso pode vir a desconstruir alguns mitos
W >,
mC O em torno da masculinidade, sem esquecer a importância de cruzarmos a
lA o H
categoria gênero com as de classe social, etnia, geração, orientação se
i °>
P I 3 xual, entre outras.
03 ® Sabe-se que qualquer discussão sobre o cuidado é remetida ime
mn
diatamente ao “universo feminino”, pois desde a infância, com a edu
cação familiar e escolar, há um claro incentivo e uma cobrança de que o
cuidado esteja presente na postura das meninas, o que é maciçamente
reforçado pela mídia, que não se cansa de lançar novos modelos de bo
necas, casinhas, cozinhas, etc. Em contrapartida, aos meninos é reservado
0 espaço da rua, com brincadeiras que na maioria das vezes exigem mais
esforço físico, visando à competição e ao enfrentamento de riscos como
algo natural e incentivado.
Por que se incentiva
Vários questionamentos podem ser sus- t •
^ ^ as meninas a brincarem
citados por essa naturalização dos papéis mas
culinos e femininos relacionados ao cuidado.
de boneca e ao menino
Por que se incentiva as meninas a brincarem isto não é permitido?
de boneca — o que pode ser entendido como ^ pur medo de que
um “treinamento” para uma futura mater- ele venba a ser um
nidade - e ao menino isto não é permitido? homossexual?
Por que a primeira coisa que vem à cabeça da
grande maioria das pessoas quando um menino quer brincar de boneca
é 0 medo de ele vir a ser homossexual? Homossexuais também podem
ser pais e mães, ou não? Por que essa brincadeira nunca é interpretada
como um menino brincando de ser pai? Com as meninas é justamente
isto que acontece: a tarefa de colocar um bebê de brinquedo para dormir,
ou banhá-lo, é observada como uma preparação para o seu futuro papel
de mãe.
Pensando nisto, é possível imaginar como, para alguns homens, o
ato de cuidar e demonstrar carinho pode ser difícil. Afinal, se eles foram
85
repreendidos severamente, até mesmo com punições físicas, por terem
tentado expressar carinho e cuidado na sua infância, por que haveria de
ser diferente agora que são pais?
Com isso percebe-se que a associação entre gênero feminino e
cuidado se encontram indissociadas. Desde que o cuidado foi vinculado ã
maternidade, o exercício deste foi naturalizado como “instinto feminino”,
como instinto materno.
Desta forma, quando nasce um bebê, e como conseqüência surge
um pai, a este último é passada a idéia de que um homem não é capaz
de exercer de modo competente as tarefas de cuidado que um bebê
requer. Mesmo para aqueles que, felizmente, conseguem ir contra esses
modelos que a sociedade tenta impor, ainda resta um “ensinamento”:
ainda que exerçam o cuidado, nunca conseguirão ser tão bons quanto as
mães, afinal, a sociedade sustenta o senso comum de que as mulheres
possuem um “instinto materno” a seu favor.
Contribuindo com uma crítica sobre essa naturalização, a autora
Marília Pinto de Carvalho (1999) ainda coloca uma alternativa para modi
ficar essa articulação rígida entre cuidado e feminilidade, que é tornar 0
“cuidado” um conceito descritivo, em oposição ao essencialista, permi
tindo assim sua ampliação e uma conseqüente inserção masculina nos
espaços de cuidado. Isso favoreceria uma quebra da lógica da divisão
sexual do trabalho, pois, nas palavras da autora: “0 ‘cuidado’ não é mais
colocado na origem de subordinação das mulheres; pelo contrário, as
várias formas e configurações das práticas de ‘cuidado’ precisam ser
explicada no contexto de um referencial teórico” (ibidem).
Quando pensamos em cuidado, abrangemos o aspecto relacional
com 0 mundo para além do aspecto relacional entre homens e mulheres;
mantemos relações de cuidado diariamente com objetos, plantas, ani
mais e pessoas, que podem vir na figura da(o) companheira(o), filho(a),
dos avós, dos amigos, etc. Mas esse conceito também está associado a
diversas formas de prestação de serviço, como o trabalho em hospitais,
creches, escolas e afazeres domésticos, como também a sentimentos de
empatia, carinho, compaixão, etc. Desse modo, cuidar pode tanto ser
uma característica fundamental na execução de determinados trabalhos,
ficando vinculado à questão salarial, quanto uma disponibilidade para o
outro, que independeria do assalariamento. Neste último caso, teríamos
como exemplo primordial a conduta assumida por mulheres, indepen
dentemente de suas idades ou da posição ocupada, no interior de suas
casas para com suas famílias.
> ^ o
I- o s
> m Certamente, compreender o cuidado implica uma leitura da cate
-» [T * goria de gênero incluída num contexto de complexidade, que pode ser
> tf»
vislumbrada em diferentes dimensões: a dimensão cultural, quando nos
> referimos aos símbolos disponíveis nos diversos discursos de um povo,
o os quais trazem consigo representações carregadas de atribuições dico
tômicas, afirmando as características e hierarquizando os valores em certas
W> > imagens masculinas e femininas; a dimensão social das instituições que
^ 'm o
O' >1 c
cn o H regulam, (re)produzem e atualizam os significados desses símbolos, tais
o o ?
° ^ ; como famílias, religiões, seitas, escolas, universidades, instituições jurí
mp * dicas e políticas, etc.; a dimensão da identidade subjetiva, das identi
” r. ?=■
dades de gênero atualizadas por homens e mulheres, de como ambos
tomam para si os conteúdos das imagens simbólicas do discurso cultural
e institucional.
A família pode ser considerada como uma
síntese desse universo simbólico e das instituições ' Capítulo II - Dos direitos sociais;
nas quais se constroem as subjetividades, onde
se reproduz a ordem sociocultural em que estão dosaiário, comduração decento
_ , . e vinte dIas; Inciso XIX — llcença-
inseridos e são atualizadas as relações de genero paternidade, nos termos fixados
em lei (Brasil, 1988, p. 11).
Quando pensamos
em todas as suas dimensões, no trabalho, no abrangemos
exercício da sexualidade e nas relações de cui
dado. Contudo, 0 gênero se constrói numa o aspecto relacional
multiplicidade de instituições, e não apenas com o mundo para além
na família ou nas relações de parentesco: “ele aspecto relacional
é construído igualmente na economia e na or- entre homens e
ganização política, que, pelo menos em nossa mulheres.
sociedade, operam atualmente de maneira
amplamente independente do parentesco” (Scott, 1995, p. 87). Aqui, um
exemplo marcante para 0 tema da paternidade provém da extensão da
licença atribuída ao pai e à mãe do recém-nascido": no Brasil, a licença-
maternidade estende-se por quatro meses e a de paternidade, por cinco dias.
Percebendo a hierarquização dos papéis masculinos e femininos
como uma construção social, cultural e histórica, acreditamos que so
mente pela análise das relações de gênero é possível compreender as
desigualdades sociais no exercício do cuidado, pois, como propõe Maria
Jesus Izquierdo: “a sociedade se acha estruturada em dois gêneros, 0 que
produz e reproduz vida humana, e 0 que produz e administra riquezas
mediante a utilização da força vital dos seres humanos” (1994, p. 49).
Através da abordagem de gênero buscaremos compreender como
a noção de cuidado está diretamente associada à noção de feminino, a
ponto de constituir-se cerne para uma ética feminina, e como 0 homem
foi — e, na maioria das vezes, continua sendo — excluído (e se exclui)
das ações de cuidado.
Felizmente, para uma perspectiva ética que valoriza a flexibilidade
e uma abertura ao novo, as pessoas não internalizam os atributos de
gênero e os modelos hegemônicos como uma produção em série. 0
modelo hegemônico tem como principal função ser referencial na cons
trução dessas identidades. Dessa forma, foi possível para as mulheres
“estranharem” 0 seu lugar na sociedade e dar início a movimentos que
criticaram essas relações de poder, reivindicando cada vez mais espaço
no mercado de trabalho e transformando a vivência da sexualidade e da
estrutura familiar. Foi então iniciado um processo de mudança irreversível,
0 qual, por sua complexidade, não temos condições de dominar; podemos,
no entanto, perceber sua direção e trabalhar para que esta esteja mais
de acordo com as nossas concepções éticas e necessidades.
Da mesma forma como aconteceu com as mulheres, os homens
sentem esse “estranhamento”, pois cada individuo assume a masculini
dade de uma maneira singular dentro desse universo, existindo assim
masculinidades que se constroem ao redor do modelo hegemônico, que
podem ou não desenvolver relações harmoniosas entre si. 0 poder social
dado aos homens possui então uma dupla face, pois, ainda que seja
fonte de privilégios e poderes individuais, é também fonte de sofrimento,
dor e alienação — a alienação de seus sentimentos, de seus afetos, de um
potencial para estabelecer relacionamentos humanos de cuidado para com
os filhos - , visto que essa capacidade está “naturalmente” reservada às
s mulheres (Lyra, 1997)-
<
Com as mudanças ocorridas na estrutura social e familiar, 0 poder
<a masculino vem sendo “posto em xeque”, e esse sofrimento começa a
> ficar mais evidente, podendo ser percebido em grupos de reflexão, movi-
mentos e organizações que surgiram para tratar dessa temática. Alguns
í autores, como Michael Kaufmam (1995), propõem para a transformação
desses papéis formas de ação em nível tanto social quanto individual, que
a
passariam por três eixos: um no campo dos direitos e das instituições,
outro na unidade do trabalho doméstico e, por fim, um último relativo ao
* cuidado para com as crianças (Lyra, 1997)-
* A construção da noção de cuidado no universo do discurso mascu
lino é, portanto, uma forma de dinamizar as transformações das relações
> m
de gênero, visto que quebraria a dicotomia entre pai-provedor-protetor,
ou líder instrumental, e mãe-cuidadora, ou líder expressiva-afetiva nas
2W >
(-A famílias (Trindade, 1991; Lyra, 1997). Essa quebra promoveria, portanto,
H
OOC S uma mudança revolucionária na história da humanidade, quando 0 eixo do
> >
cuidado com os filhos começaria a fazer parte da subjetividade masculina.
Não pretendemos com isso alegar a inexistência de diferenças entre
% > pai e mãe, mas sim trabalhar para uma flexibilização das concepções dos
? I s
^ 5 papéis por eles desempenhados e provocar uma ampliação dos repertórios
sz o
o E
>
quanto aos sentidos atribuídos ao masculino e ao feminino. Aumentar a
aceitação do cuidado realizado pelos pais, segundo Patrice Engle e Cynthia
Breaux (1994), pode trazer vantagens também para as crianças, na medida
em que esses homens teriam mais possibilidade de prover as demandas
infantis, não só em aspectos físicos, mas também afetivos, com mudanças
significativas na qualidade da relação pai-criança, que, de acordo com
Michael Lamb (1986) e com outros psicólogos que investigam 0 tema da
“nova paternidade”, trariam vantagens para 0 desenvolvimento infantil.
Pensamos na paternidade
“Observa-se, em dias atuais, diferentes „gg obrigação,
modalidades de exercício da paternidade ,
^ ^ , mas como algo
pelo homem. Alguns tem-na como fato
real, um compromisso pessoal e afetivo, pertencente ã ordem
além dos aspectos sociais. Outros, no do desejo, ã dinâmica do
entanto, têm-na como possibilidade de direito, e que implica
acontecimento, pois nunca houve socie- i/m compromisso.
dade que ensinasse e permitisse aos ho
mens desenvolverem habilidades de cuidados infantis. Essa tarefa
sempre coube à mulher. (...) Para que o exercício da paternidade se
faça mais intensamente, haverá necessidade de transformações
sociais profundas, quem sabe até com a extinção de preconceitos
formados frente a comportamentos expressos, inclusive em brin
cadeiras infantis.” (Souza, 1994, p. 63)
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implicações no processo de aconselhamento genético. São Paulo, 1991. (Tese
de Doutorado em Psicologia Social) Instituto de Psicologia — Universidade de
São Paulo.
I Programa Papai
Rua Mardônio Nascimento, 119 — Várzea
CEP 50741-380 - Recife/PE
Brasil
Telefone/fax: (55) (81) 3271 4804
E-mail: papai@ufpe.hr
Site: http://www.ufpe.hr/papai/
91
Avós: velhas e novas figuras da família contemporânea
M a r ia A m a l ia Fa l l e r V ita le "*
> dades no desempenho desse papel. A chegada de sod ó io gos norte-am ericanos,
ui r I- o que chamam esse período de f/je
g um neto faz também emergirem novas identidades fatpartofgrand-parenting.
. > Eça de Q ueirós, no livro Os Maios,
> familiares’ e traz consigo um elemento de reCOnhe- retrata com beleza a força e a
seus avós e bisavós. Há, com freqüência, quatro Uma Sentiora, narra os sentim entos
’ ^ ^ am bíguos que 0 anuncio do neto
desperta na vaidosa m ulher e indica
os movimentos de construção de
uma nova identidade, ou seja, ser
A condição de ser avô
gerações coexistindo numa mesma família. Vale
ou avó se modifica ao
enfatizar que essa convivência não apaga, con
longo do percurso
tudo, os contornos e confrontos geracionais."
Barros®, ao discutir família e mudança de vida: os belos anos
social nos segmentos médios, pontua: do ser avós podem
dar lugar a anos
“As várias gerações podem oferecer, ao mais difíceis.
mesmo tempo, idéias de continuidade e
de mudança que acabam se concentrando na figura do(a) avô(ó)
enquanto elemento intermediário entre dois momentos mais afas
tados da vida familiar: o passado, reelaborado nas lembranças de
sua infância, o presente e o futuro personificado pelas gerações
dos filhos e netos e nos projetos e expectativas relativos a eles.”
(1987, p. 21)
8
Trabalhando com famílias
" ■#««*
Metodologia de trabalho social com famílias
Na id is o n d e Q u in t e l l a B a p t is t a *
Contextualização
Campo produtivo
Campo da educação
m H
r » Família
m
^ ">
r. O A organização familiar atua como ressonância, vítima e reprodutora
> o de todo esse sistema e cultura.
n
Eis algumas de suas manifestações:
n ■ Os pais, que cresceram trabalhando desde a infância, incorporam
O
S
e difundem a cultura de que “filho de pobre se educa no trabalho” e que
“criança que não trabalha cresce vagabundo”. 0 trabalho infantil, por con
> seguinte, passa de problema a solução.
V»
■ 0 debate acerca da escolaridade não ocupa papel preponderante
na concepção dos pais sobre a necessidade da escola para o enfrentamento
da vida; por conseguinte, não a colocam em lugar de destaque. Se os adul
tos cresceram e vivem sem aprender a ler e a escrever, por que a escola
rização seria importante para seus filhos?
■ Os serviços públicos são entendidos como favor, bondade, doa
ção, benesses distribuídas pelos políticos aos mais pobres. Na maioria das
vezes, entende-se que deverá ser retribuída com o voto.
■ Ser criança, com o respectivo direito de estudar, brincar, é algo
impensável. 0 brincar é entendido como perda de tempo, e não como es
paço de crescimento.
■ As adversidades ou a prosperidade são vistas como uma dádiva
de Deus;
■ As pessoas se vêm objetos e não sujeitos da história, das políticas,
de projetos e programas públicos; não vinculam a existência destes com
suas lutas e direitos, ignorando, assim, a raiz ou a origem dessas ações.
■ A mentalidade determinista com que avaliam a vida os impede
de lutar por modificá-la.
Há, no entanto, muitas famílias que, por influência de vários traba
lhos comunitários, já começam a dizer sua palavra, expressar seu próprio
pensamento, fiscalizar a escola, exigir mais qualidade. Mais que tudo,
começam a considerar a escola como instrumento fundamental para o
desenvolvimento da comunidade e o futuro de seus filhos.
Introdução
Objetivos
Formação do agentes
0 processo global
Conhecer a realidade
> s
r. O Isto significa interessar-se por:
Quanto ao município:
■ Obter informações sobre programas e projetos que possam me
lhorar a vida de sua família e de seus companheiros;
■ Informar-se sobre o funcionamento dos serviços públicos (escola,
postos de saúde, fornecimento de água, estradas) e de como se
pode ter acesso a eles.
Analisar a realidade
Quanto ao município:
< ■ Comparar os direitos que as pessoas, as famílias e as crianças
n
<
K deveriam ter no município e os que realmente estão tendo.
Exemplo: o campo da educação; o acesso ã água de qualidade;
a qualidade das estradas; a venda dos produtos dos agricul
tores para a merenda escolar;
■ Estabelecer uma comparação entre os deveres que as pessoas
deveriam estar cumprindo para a boa convivência umas com as
outras e o modo como realmente estão se desempenhando. Exem
plo: como as famílias estão tratando a questão do lixo; como
conservam os bens públicos; se estão ou não incentivando a
° o participação de seus filhos na escola, etc., se reivindicam seus
? > direitos; se participam de associações, sindicatos, etc.
%2 Transformar a realidade
u»
o Depois de conhecer e analisar a realidade, as famílias podem ser
r»
ajudadas pelos agentes a tomar decisões através das quais possam, de
o modo efetivo, iniciar uma transformação da realidade para melhor. Isto
significa aprender a:
X
E Quanto à dimensão familiar:
“* ■ Identificar comportamentos e práticas que possam ser modificados,
tais como a relação com as crianças, a relação entre pai e mãe;
a alimentação, etc.
Quanto ao Peti:
■ Identificar que aspectos do programa dependem diretamente de
cada um para serem melhorados e decidir como se pode fazê-lo.
Exemplo: incentivar as crianças a freqüentarem assiduamente a
escola e a jornada;
■ Identificar que aspectos do programa dependem de processos
mais coletivos para serem modificados e a que instâncias se di
rigir — exemplo: ir em grupo aos gestores do programa no mu
nicípio e exigir pontualidade do pagamento das bolsas; debater
a qualidade da jornada.
■ No âmbito do Peti:
I No âmbito do município:
Percebe-se que a mentalidade cidadã, que cresce e se espalha,
interfere no desenvolvimento municipal, uma vez que se começa
a exigir serviços de maior qualidade, transparência nas ações,
resultados dos investimentos.
Conclui-se que essa mesma mentalidade interfere no desenvol
vimento na medida em que as pessoas se avaliam e atuam como
responsáveis por ele, não transferindo todas as responsabili
dades ao poder público.
Ensaiando teorizar a prática desenvolvida
■ A importância da família
I Referências bibliográficas
Introdução
s viço social acumularam estudos sobre 0 tema famílias, mas poucas pes
o
u quisas foram realizadas com aquelas que convivem com a exploração, a
O
miséria, 0 desemprego e as dificuldades próprias dos grandes centros
urbanos no Brasil contemporâneo. Pouco se avançou sobre as formas
<
m adequadas de intervenção em face dos novos contornos que tomam a
<
questão social, que essas famílias exponenciam.
Uma das razões para isso é 0 fato de que, no contexto brasileiro, é
problemática a simples transposição para a nossa realidade de quaisquer
das recentes perspectivas de estudo abertas em outros países sobre 0
desemprego, a pobreza e a exclusão social. Para produzir resultados, os
caminhos abertos no exterior necessitam de análises mais aprofundadas,
l/) O70 m»
z
que levem em conta 0 contexto do avanço e da internacionalização do
< t/l ^
> > ^
. S 5 capital pelo mundo, identificando-se as particularidades com as quais a
ç I S história nacional se entrelaça à história global.
A 5 u> Nossa dependência colonial (luso-anglo-saxônica), no passado,
° = 5 somada à dependência econômica em relação aos Estados Unidos e às
^ ct o demais potências que hoje concentram os grandes capitais do mundo,
> legou-nos um patrimônio econômico-social e civilizatório de modelo
capitalista muito aquém das proteções sociais geradas pelo capitalismo
europeu ou dos avanços econômicos e tecnológicos experimentados em
tf)
As famílias pobres
g r u p o s , v e r G u im a r ã e s (2 0 0 2 ).
Os recentes estudos
Os trabalhos que realizamos com famílias exclusão
pobres, e que obedeceram a essa perspectiva, . ,
^ ^ ^ ,, - social começaram a trazer
tem demonstrado que ha uma dimensão pre
ventiva na experiência com abordagem grupai ® conhecimento
de família em face dos processos graves de ex- um elemento antes
clusão social e indigência. Isto ocorre porque a ausente: o trabalho
convivência e a interação grupai antecipam, social com famílias.
polemizam, refletem e fornecem alguns instru
mentos de busca e enfrentamento das situações de carência e violência
que permeiam seu cotidiano familiar e na sociedade.
Os trabalhos têm demonstrado que, mesmo em face da vivência
de conflitos acirrados e da violência instalada no seio da família, o grupo
pode descortinar uma dimensão efetiva de fortalecimento e potenciali
zação de seus integrantes, tendo em vista recriar ou romper relações que
impõem enfrentamentos ainda maiores. Além disso, foi possível observar,
também, que as ações e os programas sociais obtêm maior otimização
dos recursos quando substituem o indivíduo pela família como objeto de
sua intervenção.
■ Perfil do município
t<f)
s Programa de Garantia de Renda M ínima
<
Ik
s
o
São vários os programas de transferência monetária ofertados em
São José dos Campos. 0 principal deles, pode-se dizer, é o Programa de
Renda Mínima, protagonizado pelo próprio governo municipal. No en
<
GÙ
< tanto, são também oferecidas ao mesmo público-alvo outras transferên
K cias implementadas pelo governo federal, tais como o Bolsa-Escola, o
Bolsa-Peti — Programa Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil, a
Bolsa-Alimentação, o Auxílio Gás. 0 programa federal de Bolsa-Escola,
por exemplo, estimou a cobertura de 6.068 famílias com filhos em idade
escolar (ensino fundamental) e com renda per capita inferior a meio sa
lário mínimo.
< -U ^ 0 número de famílias beneficiárias do Programas de Renda Mínima
>V a >
Í o s
o ff) z* é de 7.856, computadas no banco de dados do governo municipal, base
^ XZ
>
c >ï >
U1 para monitoramento do programa municipal iniciado em 1997.
o > S
Nos critérios normatizados (e seguidos) por este programa, a famí
c;m X°" S
î
T1 lia só pode ser contemplada pelo período de 12 meses, podendo, após um
I > ano de intervalo, voltar a se beneficiar por igual período. No curso desses
* w seis anos de vigência, é possível, segundo a norma, ter várias entradas e
desligamentos. Os dados cadastrados permitem algumas totalizações
> O
e análises.
ui As famílias consideradas negras representam 16 % ; as consideradas
® brancas constituem a maioria: 7 3 ,5 % do total (7.856 famílias). Em geral,
« residem em média há 18 anos em São José dos Campos. Apenas 1 3 %
g delas ali estão há cinco anos, e 17 % , entre cinco e dez anos. São, portanto,
o famílias em sua maioria enraizadas nesse município. Em outras palavras,
* não são migrantes recentes.
O
“> Todas possuem filhos com até 14 anos, principal critério para in
gresso no programa. A média é de 2,98 filhos por família. Os menores de
14 anos representam uma média de 2,50 e os maiores, entre 14 e 18 anos,
representam 0,4. Esse dado por si só explica a vulnerabilidade dessas
Os dados cadastrais
famílias no que se refere à renda, quase sem- Programa de Renda
pre insuficiente para responder aos gastos de São José
sobrevivência (a chamada “razão de depen
dência” é alta). Se considerarmos o significativo Campos sugerem
número de famílias monoparentais, as chama- arranjos familiares
das competências familiares de cuidado, pro- majoritariamente
teção, formação, etc., mostram-se igualmente nucleares.
fragilizadas. Ou seja, são famílias que, em prin
cípio, necessitam de redes de proteção social.
Os dados cadastrais sugerem arranjos familiares majoritariamente
nucleares. Agregados, netos, sobrinhos, tutelados e mesmo enteados so
mam 335 (representando 1,8 % das famílias), enquanto os filhos somam
22.425, entre crianças e adolescentes. Os portadores de necessidades
especiais estão presentes em 1 1 % dos casos; somam 89, 0 que repre
senta 0 ,4 % do universo de filhos.
Os dependentes totalizam 4 9 % de mulheres e 5 1 % de homens, den
tre os quais encontram-se 5 2 % que estudam, enquanto 4 8 % não estudam.
Essa alta porcentagem dos que estão fora da escola explica-se, possivel
mente, pela forte presença de crianças com menos de seis anos, além de
crianças portadoras de necessidades especiais. Este é um dado que
merece maior acompanhamento, considerando-se que um dos objetivos
maiores do programa é a matricula dos dependentes na rede de ensino.
São poucos os dependentes que trabalham. Daqueles que se in
cluem na considerada população economicamente ativa (maiores de 16
anos), 229 atuam no mercado formal, 140 no informal, e 1.439 sem ocupa
ção. Resta saber se estes estudam, um cruzamento fundamental para
orientar a intervenção.
t<f)
i ■ Situação de trabalho
<
Ik
s
o
u Os titulares, na sua maioria, trabalham no setor informal (51,4%.).
O
No mercado formal encontram-se apenas 11,2 % . Há, no conjunto das fa
mílias, um universo significativo de titulares que não trabalham (37%).
<
ca Os motivos da inatividade são vários: 0 desemprego atinge 3 4 ,7 % dos
titulares; a aposentadoria ou pensão somam 1,6 % dos casos; os porta
dores de necessidades especiais sem trabalho representam 0 ,1% ; os afa
zeres domésticos representam 0 ,7%.
0 mais instigante é que os dados cadastrais apontam para nada
menos que 6 1,7 % de titulares sem motivo para inatividade. Resta saber
se eles estão nos chamados bicos irregulares ou sazonais, se optaram pelo
■0 5 não-trabalho ou omitem essa informação com receio de perder 0 benefício
oS~ da Renda Mínima.
s> >
s w A maioria dos que trabalham exercem ofícios manuais não qualifi
>
cados — de ajudante de pedreiro, arrumadeira, auxiliar de limpeza, auxi
ya
m
t i
“ liar de cozinha, verdureiro, trabalhador rural, etc. — e totalizam 2.308
* 2
e
> > trabalhadores. Em ofícios manuais que requerem alguma qualificação —
* S de cozinheiro, eletricista, carpinteiro, vendedor, etc. — são totalizados
1.992 trabalhadores. Não se registraram casos de ofícios não manuais
e qualificados.
VI Os dados cadastrais sugerem um grau assertivo de focalização
® em famílias com baixo rendimento e baixa escolaridade.
O
tf)
O
tf)
sS> £;
>
u> pectiva de benefícios monetários — avançaram significativamente, porém.
> eo
observam-se inúmeras dificuldades de percurso e, mais que isto, equívo
cos na implementação que precisam ser sanados:
O> • Há pulverização e concorrência das iniciativas de transferência
> O
s w monetária entre municípios, estados e federação; nos municípios brasi
* -O
“ m leiros, particularmente nas cidades de grande porte, ocorre um “festival de
to
benefícios/renda mínima”, 0 que resulta em fragmentação, superposição
IA e perda de foco, registrando-se famílias com vários benefícios e outras
f fora da rede, bem como subdivisão em vários objetivos.
» • Não havendo âncoras em políticas consistentes, os benefícios
o ofertados reproduzem os velhos programas compensatórios de cunho
assistencialista (e não assistencial).
>
s • Parece não haver clareza e compromisso com políticas e programas
■0
® de superação de pobreza, que são distintos de políticas ou programas
compensatórios voltados a minorar a pobreza.
• Nota-se ausência de clareza e competência para aliar benefícios de
proteção social com forte investimento em políticas/programas/serviços
0 atual desenho
às demais áreas de intervenção pública. No dos programas de
geral, quando falamos em combate a pobreza, ^ •
, transferencia
nos nos limitamos a nomear as açoes conside
radas, na tradição pública, como as de maior monetária
impacto: educação formal para o grupo infan- priorizou agrupo
to-juvenil, formação profissional e emprego infanto-adolescente
para jovens e adultos, etc. Pouco atentamos, g q idoso.
porém, para as ações intermédias ou de infra-
estrutura sociourbana que precisam acompanhá-las.
• 0 atual desenho dos programas de transferência monetária prio
rizou 0 grupo infanto-adolescente e o idoso, se forem incluídos os bene
fícios de prestação continuada. De uma certa maneira, podemos dizer que
se optou, na melhor das hipóteses, pelo ciclo vital da família, buscando
cobrir picos de vulnerabilidade. Dizemos “na melhor das hipóteses”, pois
na observação de sua implementação parece que pouco atentamos para
a família, como ela própria o faz, enquanto grupo que carece de prote
ção, escuta, relações, interlocução política. Em síntese, os programas
precisam de uma boa proposta de fortalecimento das competências do
binômio família/comunidade, do contrário, utilizamos a primeira apenas
como canal de intermediação.
• Quando estamos afirmando que os programas voltados para as
famílias não as priorizaram, mas ao grupo infanto-adolescente, queremos
sinalizar para algumas armadilhas. Em primeiro lugar, a superação da
pobreza nesse recorte é pensada como projeto de futuro, isto é, depen
dente do desenvolvimento dos filhos ou, ainda, do potencial includente
das intervenções relativas às crianças no presente. É preciso pontuar que
estamos desperdiçando um sujeito potencialmente estratégico e já mo
bilizado, que é a própria família. E aí também não bastam programas de
geração de renda, mas muito mais. É preciso introduzir a família nas po
líticas públicas e, sobretudo, no espaço e na cena pública. É preciso que
ela tenha espaços de escuta e possibilidade de empreender convivência,
articular e realizar projetos familiares e comunitários que respondam a seus
anseios de relações interpessoais, assim como de exercício de cidadania.
s
Retratos de fam ília
o
o ■ Perfil
o
tf)
n A família é composta pelo casal e dois filhos. A titular do programa
>
S
é Maria, de 50 anos. Estudou até a 1- série do primeiro grau, é evangélica,
O
tf)
faz bicos (na ocasião da entrevista, estava com um trabalho no Center-
vale). Maria nasceu na Bahia e mora há muitos anos em São josé. Lucas,
seu marido, nasceu em Pernambuco, tem 62 anos, ’ utilizamos, aqui, 0 termo fotógrafos
por analogia aos “retratos de
é analfabeto, evangélico, trabalha como vigilante, famíiia”, mas não para caracterizar
uma relação de distância entre
sujeito e observador.
Quando se trabalha
Dos filhos, Luciane, de 14 anos, nasceu inclusão social de
em São Paulo; está na 8- série e é evangélica. , .
, .. famílias castigadas pei
Pedro, de 9 anos, cursa a 2^ serie, e e tambem
evangélico. Os filhos estudaram em São José dos pobreza, é preciso agir
Campos, e os pais, em seus estados de origem. oa relação delas com
A renda familiar informada é de aproxi- seu meio circundante:
madamente R$ 400,00. familia/comunidade.
A casa é própria, de alvenaria, situada
em rua sem pavimentação; tem dois quartos, uma sala e um banheiro. A
água é de poço, e não se tem acesso ao esgoto. Há energia elétrica. A fa
mília possui geladeira, televisão, aparelho de som. A casa é bem cuidada,
limpa e em ordem.
Participaram da entrevista: Lucas, 0 marido, Luciane e Pedro, filhos.
0 pai foi 0 depoente central. Luciane também falava, sobretudo quando
solicitada. Pedro, por sua vez, entrou e saiu da sala muitas vezes, e par
ticipou pouco da conversa. Todos pareciam interessados nas histórias
contadas por Lucas, que, de início, mostrou-se pouco ã vontade para falar,
uma vez que a participação no Programa de Renda Mínima foi conduzida
por Maria.
■ Relações familiares
Trabalho
<■03
>' » >
o Ï A trajetória de trabalho inicia-se para Lucas quando ele era ainda
> > menino
S w
> 5 Desde de cedo trabalhei na roça, ajudando meu pai. Fiz muita coisa.
Eu vim pra São Paulo com 21 anos, fui pra Santos, e a í fui trabalhando até
chegar aqui em São josé. Aqui em São jo sé trabalhei nas empresas. Tem
s s
uma que fechou. Trabalhei de vigilante, mas quase sempre sem registro.
* “
Z -D
Fiquei muitos meses desempregado, arrumei não faz três meses. Hoje é
>
m
® mais difícil, pois todo mundo quer escolaridade. A senhora precisa de
* diploma para 0 que a senhora faz, mas eu, de vigilante... Não basta a
o história da gente, a honestidade, eles querem segundo grau. Eu sou
® analfabeto, só sei escrever 0 nome. É muito difícil.
■ Serviços públicos
SE
> a
Família 2
> s
Perfíl
* S
* -o
i> 5 Esta família é composta pela mãe, Diana, e seus três filhos. A titular
O
do Programa de Renda Mínima é Diana, que nasceu em São José dos
g;, Campos. Estudou até a 7 - série, tem 30 anos e é separada. Trabalha
f como manicure, com renda mensal de aproximadamente 50 reais.
O
!ÍL A filha mais velha. Bárbara, de 8 anos, cursa a 1- série; 0 filho,
o Carlos, de 5 anos, está na pré-escola; Júlia, de 2 anos, já que não está na
2 creche fica em casa. Os pais de Diana, que têm entre 60 e 55 anos, nasce-
Î ram também em São José dos Campos.
O
“ A casa da família é de madeira, com três quartos, um banheiro fora
da casa, cozinha e sala. Não se tem acesso à água e ao esgoto. Há ener
gia elétrica, e na rua tem coleta de lixo. A família possui geladeira, mas 0
fogão é a lenha.
No momento da visita, o ambiente encontrava-se desorganizado e
sem higiene, e com música alta. Havia dois cachorros, com quem as crian
ças brincavam.
A casa foi cedida durante o tempo em que o pai de Diana trabalhou
na empresa, proprietária do terreno. Como ele se aposentou e pode ser
despejado, estão tentando construir uma outra casa onde possam depois
se instalar.
São oito as pessoas que moram no mesmo domicílio, entre a famí
lia de Diana, seus filhos, seus pais e os irmãos.
■ Relações familiares
■ Legados
■ Trabalho
■ Perfíl
É uma família composta pelos pais e as três filhas. Residem num bair
ro periférico de São José dos Campos, onde as ruas não são asfaltadas e
as casas são típicas de assentamentos desordenados e em construção.
A casa dessa família é a mais simples e reduzida da rua. Construída
em alvenaria, sem pintura, tem um cômodo e a cozinha, e o banheiro ex
terno. A água encanada foi instalada há pouco na residência e no entorno.
À primeira vista, parece muito precária. No entanto, ao entrar, observa-se
uma total ordem e limpeza. Entra-se pela cozinha, que se conforma como
sala de visitas e espaço de convivência familiar: há o fogão, a geladeira
e uma mesa pequena, com cadeiras e uma toalha. Na continuidade, há
uma cama e uma bicama, das três meninas, instaladas num corredor.
Deste sai o único quarto, onde dormem os pais. Tudo limpo e acolhedor.
Na casa, estava presente apenas a adolescente de 14 anos, Otília, ^ 5^
que esquenta 0 almoço para sair em seguida para a escola. As irmãs es
tudam pela manhã, a mãe foi ao médico e 0 pai trabalha informalmente.
Nossa entrevista foi realizada com a filha mais velha, Otília.
0 pai, João, tem 36 anos e estudou até a 5^ série; a mãe, Eduarda,
tem 33 anos, e estudou até a 2- série do ensino fundamental. 0 pai é 0
único que trabalha na família, fazendo bicos.
Otília cursa a 7^ série; sua irmã Helena, de 12 anos, cursa a 5^ série,
e Vanessa, de 11 anos, a 4- série. Existe uma pequena defasagem idade/
série escolar.
A família é católica, freqüentadora da missa dominical. As filhas
fazem a catequese semanalmente.
■ Relações familiares
■ Trabalho
2 o *
° s E 0 pai, João, faz bicos temporários e é carpinteiro. E 0 unico que
I^ trabalha na família. A mãe, Eduarda, já foi empregada doméstica, mas
o
73
atualmente está sem emprego. Ouando moravam em Campinas, apesar
9
m“ da violência parecia mais fácil arranjar trabalho. A filha mais velha, Otília,
Z 2
O> acha que morar em São josé dos Campos só não é bom porque não tem
> O
I " trabalho para 0 pai. Acredita que a falta de trabalho é 0 maior problema
I 5 do casal.
■ Serviços públicos
0 sonho de minha mãe é dar uma vida melhor para os pais dela e
para nós tamhém. Tem uns irmãos (da mãe) que hehem muito, dão tra
halho para eles. Eles moram em uma cidade da Bahia e agora se aposen
taram.
Minha mãe teve pesadelo quando a minha irmã ficou doente;
quando lemhra do hospital, chora. Ela ficou traumatizada com medo de
repetir. Se repetir, precisa de transplante. Minho mãe dormia na cadeira
quando minha irmã ficou no hospital.
Família 4
Perfil
■ Relações familiares
■ Legados
■ Trabalho
Primeiro ter a casa própria, mas adoro estar com a família; gos
taria de morar próxima no bairro anterior, na Vila do Tesouro. Não gosto
de ficar sozinha. Éramos felizes e não sabíamos.
0 medo acompanha a vida de Regina e de seus familiares. Diante
das situações atuais, de ameaça de morte, eles não sabem 0 que fazer:
estão com medo de sair na rua, de ir trabalhar e serem assassinados no
meio do caminho, de mandar as crianças para a escola e acontecer alguma
coisa por lá, já que, apesar da boa vontade e do cuidado da diretora,
essas questões extrapolam seu poder. Renata está preocupada, pois as
crianças não podem faltar, senão perdem a Bolsa-Escola.
Outra questão é dos irmãos foragidos terem abandonado os em
pregos. Isto significa dividir o dinheiro ainda mais, incluindo as contas
< mensais de telefone, água e luz.
í Talvez em razão do clima de ameaça de morte em que Regina vive,
j eles só conseguem contar histórias permeadas por medo e perdas. Um
S exemplo é o relato de como vieram parar nesse bairro: tinham uma casa
I na Vila do Tesouro, onde os avós residem, que pegou fogo. Então a mãe
í perdeu tudo e a família teve que começar tudo de novo.
<
tt
f O S
frágil merecedor de compaixão. Nessa condição, a ação transmuta-se em
o Op
>/• XL
>
c >
s >tf» tutela, não garantindo ao atendido a voz e a vez na interlocução institu
°
” o S; cional — arena pública de acolhimento de suas demandas.
C)
X” m^ Políticas e programas de proteção social são movidos por processos.
Processos emancipatórios processam autonomia; processos compensa
> O
*5 tórios ou tutelares processam dependência, com pouco impacto na supe
z X
ração da pobreza.
* os
>
163
Rela to de c a s o
I — Identificação do programa
a. Designação:
Programa Herbert de Souza — Betinho de Garantia de
Renda Mínima e de Geração de Emprego e Renda (PGRM/GER)
b. Setor de vinculação institucional do Programa:
Secretaria de Desenvolvimento Social
Prefeitura Municipal de São José dos Campos
165
c. Legislações
• Lei de Criação do Programa: 4.834/96, de 2 de abril de 1996
• Lei de Alteração do Programa: 5.799/00, de 29 de dezembro de
2000
• Decreto Regulamentador do Programa: 9.830/99 de 3 de
dezembro de 1999
II — Objetivo do programa
• Suplementar a renda de famílias com crianças e adolescentes que
se encontram residindo em áreas de concentração de pobreza no
município, buscando-se a garantia dos mínimos sociais.
• Trata-se, portanto, de uma ação de enfrentamento à pobreza com
suplementação da renda, através de subsídio financeiro mensal
temporário, e um trabalho socioeducativo, com vias a fomentar
nos usuários a necessidade de repensar sobre os aspectos da
dinâmica familiar e das relações mais gerais da sociedade.
* * A s s is t e n t e s o c ia l.
* * * A s s is t e n t e s o c ia l e a s s e s s o r a
d e P o lít ic a d e A p o io à s E n t id a d e s
S o c ia is .
Conceito de família
Núcleo de pessoas composto por, no mínimo, um dos pais ou
responsável legal por crianças e adolescentes em idade até 14 anos
ou 18 anos PNE, incapacitados para atividades remuneradas.
XI — Financiamento do programa
• Orçamento próprio da prefeitura municipal.
• Montantes aplicados ano a ano:
• 1997: R$ 227.493,32;
• 1998: R$ 1.258.207,90;
• 1999: R$ 1.132.651,90;
• 2000: R$ 1.533-179.59; 167
• 2001: R$ 1.669.871,30;
• 2002: R$ 1.930.000,00 (previsão).
X
(A
Relato de c a s o
Experiência do
Programa de Saúde da Família de Nhandeara/SP
S o l a n g e A p a r e c id a O l iv a M a t t o s *
Fa b ia n a R e g in a S o a r e s **
■ História do PSF
Tendo sido aprovado pela DIR de São josé do Rio Preto, deu-se iní
cio ao processo seletivo, que foi realizado pela Coordenação de Saúde
Municipal (médico e enfermeira). Priorizando contratar funcionários de
>
30 qualidade para uma profissionalização dos serviços prestados, a seleção
> ocorreu em três fases: escrita, oral e dinâmica de grupo, aprovando-se os
candidatos melhor classificados.
Do treinamento
■ Módulo 1 — Introdutório
■ Módulo 2 — Territorialização
■ O d ia -a -d ia das equipes
Rotina de ate nd im e n to d a s e q u ip e s d o P S F no
m unicípio de N h an d e ara
Perfil do município
Objetivos:
• cadastrar e diagnosticar a saúde da comunidade da área de
abrangência das Unidades de Saúde;
tf) • planejar atividades de promoção, proteção e recuperação de saúde;
< • gerar informações para análise e diagnóstico da situação local.
s
<
Ib Composição básica da equipe:
s • 1 médico especializado em medicina de família e/ou clínico geral;
o
u
O • 1 enfermeira;
• 2 auxiliares de enfermagem;
< • 6 agentes comunitários de saúde.
GD
<
A coordenação do PSF é composta por:
• 1 coordenador;
• 2 supervisores;
• 2 auxiliares de supervisão;
• 2 oficiais de administração;
• 1 encarregado de subfrota;
• 11 motoristas;
• 1 motoboy.
Após seis meses do início das atividades do PSF da Vila São Bene
dito — Itapeva/SP, constamos um alto índice de anemias ferroprivas em
crianças entre 4 meses a 12 anos (Tabelas 1, 2 e 3), conseqüência de con
dições socioeconômicas e culturais deficientes. Sem orientação, essas
ocorrências tornam-se ainda mais evidentes nas comunidades assistidas
pelos Programas de Saúde da Família.
T a b e la 1
Total de acompanhamento (2001-200 2)
19 76 65 40
9 . 5% 38% 3 2 .5 % 20%
T a b e la 2
Alta com acompanhamento (20 01-2002)
Hb abaixo de 8 Hb de 8 a 9 Hb de 9 a 10 Hb igual a 10
14 54 60 35
7% 27% 30% 1 7 ,5 %
T a b e la 3
Continuam em acompanhamento (2002)
Hb abaixo de 8 Hb de 8 a9 Hb de 9 a 10 Hb igual a 10
5 22 5 5
1 3 ,5 % 59 .45 % 1 3 .5 % 1 3 ,5 %
Objetivo geral
• Prevenir a anemia e diminuir a taxa de crianças anêmicas na
comunidade.
Objetivos específicos
• Promover educação alimentar.
• Estimular a aquisição de alimentos alternativos de adequado
poder nutritivo.
Metodologia
Com 0 desenvolvimento das atividades, procurou-se conquistar a
confiança das mães e, então, através das agentes de saúde, orientar sobre
a manipulação, a higienização e a conservação dos alimentos.
Sentindo a confiança da comunidade, foi colocado o Projeto Horta
Comunitária, havendo uma receptividade positiva, o que foi facilitado
pelo fato de a prefeitura já ter cedido a área para o plantio. No entanto,
para o trabalho diário de carpir, semear, plantar e manter a horta, somente
alguns se dispuseram. São estes que atuam e fazem com que o projeto
hoje seja uma realidade.
Segundo a Unicef:
° ■ Referências bibliográficas
>
S S. A. Uma alternativa para política nutricional brasileira? Caderno de
B it t e n c o u r t ,
- Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 14, n. 13, p. 629-636,1998.
o M o n t e ir o , C. A. e t a l . Estudo das condições de saúde das crianças do município
" de São Paulo (1984-1985). I. Aspectos metodológicos, características socioeco-
> nômicas e ambientes físicos. Revista de Saúde Pública, v. 20, n. 6, p. 435-445,
m 1986.
> M o n t e ir o , C. A., S z a r f a r c , S. C., M o n d in i, L. Tendência secular da anemia na in
fância na cidade de São Paulo (1974-1996) Revista de Saúde Pública , v. 34, n.
6 supl., pp.26-40. 2000.
P a s t o r a l d a C r ia n ç a . Ações básicas. Curitiba: Anapac, 1999.
S ilv a , D. 0., R e c in e , E. G. I., Q u e ir o z , E. F. 0. Concepções de profissionais de saú
de da atenção básica sobre alimentação saudável no Distrito Federal, Brasil.
Caderno de Saúde Pública, v. 18, n. 5, Rio de Janeiro, set./out. 2002.
V e lh o , L., V e lh o , P. A controvérsia sobre 0 uso de alimentação “alternativa” no com
bate à subnutrição no Brasil. História. Ciência, Saúde — Manguinhos, Rio de
janeiro; Fiocruz, v. 9, n. 1, p. 125-157, jan.-abr. 2002.
Fluxograma do PSF
SECRETÁRIO
DE SAÚDE
I
COORDENADOR
(1)
Organização e
acompanhamento
do serviço
I
SUPERVISORES
I
EXPEDIÇÃO
L
TRANSPORTE
(2) O ficiais de Encarregado (1) 19 1
Supervisão dos adm inistração Motoristas (11)
técnicos e (2) Motoboy (1)
funcionários Elaboração e •Visitas
organização de dom iciliares
fluxo de papéis • Equipes
e documentos • Pacientes
• Coleta de
material de
laboratório
• Entrega de
medicamentos
MALOTES
Envio e retirada
Sistema de Informação de Gestão Social:
monitoramento e avaliação de
programas de complementação de renda
A n a R o ja s A c o s t a *
M a r c e l o A u g u s t o S a n t o s T u r in e **
I Apresentação
>< s
o O SIGS
o :
m
» 2
3 S
s *
> PI1 ■ Definições
NÍVEL GERENCIAL
NÍVEL DE CONHECIMENTO
5 .N ÍVEL OPERACIONAL
s Fi g u r a i
S Níveis de SI em uma organização
O
Q
administrativas, além de facilitar a tomada de decisões. No nível estra
<
m
< tégico, todos os sistemas de informação da organização são integrados
e auxiliam as atividades de planejamento estratégico em longo prazo. A
versão atual do SIGS engloba o nível operacional e de conhecimento do
setor social de uma organização.
Uma das contribuições e vantagens do uso desse sistema é a pos
sibilidade de análise e avaliação com base em indicadores quantitativos
e qualitativos do monitoramento de famílias em programas sociais. 0
5 í desafio é estabelecer indicadores quantitativos associados aos qualita-
> tf»
^ z tivos, e mais, criar formas de medir o intangível, ou seja, os indicadores
-> S :^
(A o > denominados qualitativos. A importância dos indicadores não está apenas
V. o o
na possibilidade de medir e avaliar os avanços de um dado processo; eles
X "n devem ser também um estímulo à reflexão, ao debate, ã informação dos
X O
O X
OI sujeitos envolvidos, ou seja, seu próprio processo de formulação deve
X ^
O ■ .’■1 IÉ ;■ €'
E nd ere ço | ^ h H p ; / / www.sigs.cofn.br/index.asp
SIGS .SlStemadelnfDrmaçêofle'GéstâoSociÿ -,
IE3
.Síinlt»
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”0 1
a internet
F ig u r a 2
201
Página inicial do SIGS
I Estrutura
0 SIGS oferece um conjunto de serviços administrativos e sociais
customizados à realidade do programa social da organização, devendo
manter, sigilosamente, todas as informações armazenadas (Figura 3).
0 Instituto de Estudos Especiais/PUC-SP pode obter dados gerais
dos programas armazenados no SIGS para subsidiar estudos e pesquisas,
tendo em vista 0 contínuo aprimoramento da eficácia de programas de
complementação de renda. Com um propósito de formar uma rede multi
dimensional, compartilhada na busca da excelência na gestão e na avalia
ção de programas sociais, 0 uso do SIGS está sendo adotado no programa
Fortalecendo a Família da Prefeitura de São Paulo — Secretaria de Assis
tência Social — totalizando 14 mil famílias atendidas; e nos programas
Bolsa-Escola e Segurança Alimentar e Nutricional, do Governo do Estado
de Mato Grosso do Sul, totalizando 80 mil famílias atendidas. Basica
mente, a arquitetura do SIGS é composta por duas grandes seções
(Figura 3): a primeira área é da administração do IFF, onde se detém a
responsabilidade de cadastrar as instituições que podem utilizar 0 SIGS,
e também do cadastro de dados gerais, para 0 monitoramento das famílias;
(A
<
s
<
Ik
s
o
u
o
o
<a
<
> > (A
> 55
^
- .5 *
5 >. >
T> O O
F ig u r a 3
Estrutura e serviços oferecidos pelo SIGS
Í » o
s 2J a segunda área é institucional, permitindo aos gerentes cadastrar, acom
S s >. panhar e monitorar programas sociais, técnicos envolvidos, calendário de
?; > o
reuniões socioeducativas, visualizar relatórios estatísticos, dentre outros
"n m
a recursos próprios do monitoramento e do planejamento do programa social.
O UJ
^OíVDIÇÔt^
devida
F ig u r a 4
Categorias primárias do Cadastro
Social Único de Família do SIGS
©-â-aa?íip*<éP®0-4.®-u®
rí'"'"■
.."
Endereço http:i/www.iedes.net/ílosweb/«*«n m*t/maífí,«sp
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ABvid»dõ ] | Sayd« J [ r>e*nç*
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Chefe da Fa m ília [ n ío j J *
S aiu da Fam íiia Pastoa deixou de feier parte da compotíçSo familiar por alQum motivo, por exemplo,
F ig u r a 5
Página do cadastro de família do SIGS
205
' Arquivo E^t® E^iw Eav'oiitos Fsrramentas Ayda
ã j ^ í 2 í - (iJ
! Enráeteço htip;//vwwv-s^s.com,bf/adriwi_in$t/maiii.3sp "3 íi>i- I
SÍGS
V-7 I V -/ Pi^.tpr^.r ílr infnrrn.TKÃo nr Gp
Marcalo Augusto S«n1®s Turin« • PMSP 14 de março de 2003 [Home] [Ajude] [LOGOUT] ’
(In s titu Iç ío J [Dado* ô a r a iíj (T< cnico s] JMeu C « d » iu « { {T a rrM H o sJ [Orupos S o cfo educitiw o jJ [F ím ília s ] [ R a lit á r líií]
Ifesatterl
Reúnlge» dê A com panham ento da FamfHa
F ig u r a 6
Página do calendário de acompanhamento de uma família
Considerações finais
207
Programa Mais Igual de Complementação de
Renda Familiar da Prefeitura de Santo André/SP
C id B l a n c o *
V a l é r ia G o n e l l i **
Programa Bolsa-Escola
tf)
<
Este programa atende famílias residentes no município com renda
per capita de até 1/2 salário mínimo, com filhos entre 6 e 15 anos com
O
u pletos que estejam matriculadas no ensino fundamental. Recebem R$ 15
O
o mensais por criança, até 0 limite de R$ 45 quando há três ou mais filhos.
z
<
X
-J
Os recursos são passados diretamente à família, através de cartão mag
<
nético, pela Caixa Econômica Federal, de acordo com cadastramento já
realizado pela prefeitura em parceria com toda a rede pública (estadual
e municipal) de ensino fundamental.
0 Bolsa-Escola é uma iniciativa do governo federal de apoio aos
programas municipais de melhoria de renda, financiado pelo Fundo da
Pobreza. Nossas estimativas são de repasse de R$ 1,5 milhão/ano (em
valores de 2001). A prefeitura é responsável pela inserção e a provisão de
30X
m 30
ações em horário complementar ao da escola. 0 programa amplia possi-
Zo °O bilidades de (re)inserção e permanência de crianças e adolescentes na
2
n > s rede escolar,
s >
r- S Aproximadamente 4.207 famílias (número baseado em estimativas
> >
» W do Ipea) foram atendidas em Santo André no ano da implementação (2001),
I com possibilidades de ampliação nos anos subseqüentes.
^ Para participar do Programa Bolsa-Escola, as famílias devem ga-
-I O rantir a freqüência escolar mínima de 8 5 % no caso das crianças de 6 a 15
e o
30 s anos, matriculadas no ensino fundamental regular, podendo ser beneficia-
S S das permanentemente, ou seja, pelo período em que estas seenquadrem
> SI nos critérios de elegibilidade.
o .s A gestão do programa é feita pela Secretaria de Educação e Forma
>z >'
O ção Profissional (SEFP), com 0 apoio da Secretaria de Inclusão Social e
Habitação (SISH), e pelos demais órgãos municipais nas ações em horário
complementar ao das aulas. 0 conselho de acompanhamento é composto
por oito membros, sendo quatro do governo municipal (dois da SEFP e dois
da SISH), um da Diretoria de Ensino (nível estadual) e três da sociedade
civil (CMDCA, CME e CMAS, respectivamente). 0 controle de freqüência
realiza-se pela própria prefeitura.
Os principais limites e desafios do Bolsa-Escola são:
• 0 baixo valor do benefício;
• 0 fato de não beneficiar adolescentes acima de 15 anos e com
defasagem idade-série (ensino fundamental inconcluso);
• a cobertura inferior ao número de famílias cadastradas (7.752,
das quais aproximadamente sete mil se enquadram nos critérios);
• 0 custo operacional elevado, que inviabiliza acompanhamento
psicossocial das famílias nos mesmos moldes das outras duas
modalidades;
• a garantia de sucesso escolar de todas as crianças e adolescentes
participantes;
• a provisão de atividades em horário complementar ao da escola
para todas as crianças e adolescentes beneficiados.
5. Geração de renda.
Usando recursos proporcionados por diferentes setores do poder
público, em parceria com entidades sociais sem fins lucrativos,
introduzir projetos geradores de renda, para os quais serão
encaminhadas as famílias atendidas, criando condições para sua
inserção produtiva e sua auto-sustentação.
<BO
<
>
U) 0 trabalho prevê: acompanhamento da utilização do subsídio finan
ceiro concedido pelo Programa Renda Cidadã; orientação para acompa
nhamento escolar dos filhos; transmissão de noções de nutrição e pre
n
> paro de alimentos; utilização do tempo no trabalho e no lazer; utilização
dos espaços e recursos da comunidade. 0 planejamento deve prever,
ainda, a promoção de campanhas e eventos comunitários; a participação
•n
>' em comemorações cívicas e festivas; 0 incentivo a brincadeiras e jogos
O
populares — tudo como forma de propiciar condições para 0 convívio na
> comunidade e 0 desenvolvimento de aptidão para aprender a conviver.
s
0 trabalho é desenvolvido em parceria com as prefeituras munici
pais. Estas podem utilizar sua própria estrutura assistencial ou conveniar
entidades sociais para esse fim específico
Outra ação importante é 0 encaminhamento das famílias para a
rede de serviços públicos, sejam eles voltados para saúde, educação,
habitação, justiça, cidadania, esporte, cultura ou lazer. Mas não basta 0
encaminhamento e 0 conseqüente acompanhamento; é também indispen
sável que se faça um esforço para obter a articulação entre programas e
o Fortalecendo a Família
serviços dos diferentes órgãos públicos, coisa viabilizar parcerias
que atualmente deixa muito a desejar. É por . .
^ . M ^om universidades e
essa articulaçao que se pode garantir e melho
rar 0 atendimento, que deverá ser monitorado empresas das regiões
e avaliado pelo programa. Graças aos avanços atendidas, além de
assim obtidos, torna-se possível uma melhor incentivar o voluntariado
gestão pública, disponibilizando-se informações e os estágios.
mais precisas que permitam o encaminhamento
de sugestões aos órgãos encarregados das demais políticas públicas,
para tomada de decisão.
0 adequado encaminhamento dessas famílias exige o mapeamento
da rede de proteção social, composta tanto pela rede pública como por
aquela constituída por entidades sem fins lucrativos, empresas, sindicatos,
associações comunitárias, entidades religiosas e outras, que prestam al
gum tipo de serviço assistencial gratuito. Para essa rede, também poderá
ser feito o encaminhamento necessário ao atendimento das necessidades
das famílias atendidas pelo programa. 225
Importantes parcerias são sugeridas pelo Fortalecendo a Família,
por exemplo, com as universidades e as empresas da região, incentivan-
do-se 0 voluntariado, oferecendo-se oportunidades para estágios, im
plantando-se programas de educação de jovens e adultos que não tiveram
oportunidades de escolarização ou que se encontre em defasagem entre
a idade e a série escolar.
Com as universidades, em especial, poderão também ser construí
dos importantes projetos de pesquisa, utilizando-se dados coletados no
monitoramento, 0 que permitiria julgar a validade dos instrumentais es
pecificamente construídos para avaliação do programa, já as empresas,
estas poderão ser parceiras no desenvolvimento dos temas propostos,
na forma de campanhas formativas e informativas.
A permanente avaliação dos resultados obtidos exige 0 intercâmbio
de experiências, entre gestores de diferentes municípios, 0 que surge então
como mais uma ação necessária ao aproveitamento de experiências so
cioeducativas exitosas.
227
Parte 3
010000000100000010100310000100010101010001010002000101010001010001000101010
Famílias e políticas públicas
Formulação de indicadores de acompanhamento e
avaliação de políticas sócio-assistenciais
D e n is e B l a n e s *
S
< b. Objetivos específicos*
•Apoiar economicamente as famílias;
• Garantir a permanência das crianças e dos adolescentes na esco
la e o progressivo sucesso em seus resultados escolares;
• Incluir os jovens e adultos das famílias nos programas de alfabe
tização e na qualificação e requalificação profissional;
? 5 3 • Incluir os adultos das famílias em programas de geração de em
z > z
prego, de renda, de proteção e de fomento a formas cooperativadas de
><> trabalho;
*2i
S o • Integrar física e socioeconomicamente os núcleos de favelas —
®j nos quais residem as famílias - , no contexto do bairro e da cidade;
^2 •Ampliar os vínculos relacionais da família aumentando suas trocas
Mg culturais e seu acesso a novas informações;
(A O
O* »
• Fortalecera qrupo familiar, de modo a gerir seu processo de desen-
k “ volvimento e inclusão social de forma autônoma.
£S
a * Com base nessa fundamentação, construímos um núcleo de indica
il
dores básicos de acompanhamento e avaliação de Programas de Renda
H
Mínima, conforme ilustrado nas figuras seguintes.
' O s g r if o s s e r e fe re m a o s p o n to s
c o n s id e r a d o s b á s ic o s p a r a q u a lq u e r
p r o g r a m a d e r e n d a m ín im a .
’ A s f ig u r a s 1 3 4 fo ra m s is t e
m a t iz a d a s p o r A n a R o ja s A c o s t a ,
em 2002.
ACESSO A
BENEFfCIOS
SOCIAIS
ACESSO A
ACESSO AO
SERVIÇOS DE
TRABALHO
SAÚDE E EDUCAÇÃO
F ig u r a 1"
Autonomização quantitativa/objetiva
237
F ig u r a 2
Autonomização qualitativa/subjetiva
(A
<
U «
«A
< AUTONOMIZAÇÃO
O
A.
4 t < ^ -
X
F ig u r a 3
Autonomia quantitativa/objetiva
S 5 S
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ss
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il
Hm
Z
H
O
F ig u r a 4
Autonomia qualitativa/subjetiva
Após essa construção, temos que criar as medidas, os padrões, os
parâmetros para transformar o aumento em um aumento, dois aumen
tos, três aumentos; para transformar o crescimento em um crescimento,
dois crescimentos, três crescimentos, ou seja, há que se criar “padrões
de normalidade” e escalas que nos mostrem a melhora ou a piora, o
aumento ou a diminuição de determinadas variáveis a partir de determi
nadas intervenções.
Dependendo de onde estivermos, dependendo do que acreditarmos,
dependendo das ferramentas e das estratégias que estiverem à nossa
disposição, poderemos escolher este ou aquele indicador, esta ou aquela
variável como a mais significativa para dizer se houve ou não melhoria na
sociabilidade dos jovens que vão ao teatro, para dizer se houve ou não
aumento da auto-estima de um membro do grupo socioeducativo do Pro
grama de Renda Mínima.
A avaliação e a construção de indicadores é um processo de valo-
ração; eles identificam os processos e os resultados, comparam dados de
desempenho, julgam, informam e propõem soluções segundo um referen
cial, um acúmulo, um posicionamento político e ideológico. Não é uma
tarefa fácil, aliás, é sempre muito polêmica.
■ Referências bibliográficas
■ Desagregabilidade
F ig u r a 1
Dimensões do índice de Desenvolvimento da Família (IDF)
Cada uma das seis dimensões relacionadas se desdobra em com
ponentes que, por sua vez, requerem diferentes indicadores para repre
sentá-los. A seguir, apresentaremos tais componentes e quais indicadores
podem ser construídos a partir da PNAD, com vistas a representá-los.
<
U
■ Ausência de vulnerabilidade
flD
'3
Ú.
A vulnerabilidade de uma família representa o volume adicional de
recursos que ela requer para satisfazer suas necessidades básicas, rela
O tivamente ao que seria requerido por uma família padrão. A presença, por
a.
exemplo, de gestantes, crianças, adolescentes, jovens e idosos aumenta
sua vulnerabilidade, na medida em que o volume de recursos necessários
para a satisfação de suas necessidades básicas é maior. Entre as seis
dimensões consideradas, a ausência de vulnerabilidade é a única que não
representa nem meios nem fins.
Com base nas informações da PNAD, é possível diferenciar cinco
componentes da ausência de vulnerabilidade de uma família:
• Fecundidade: Trata-se de necessidades especiais nutricionais e de
atendimento médico que surgem devido à presença de crianças em pe
ríodo de aleitamento.
• Atenção e cuidados com crianças, adolescentes e jovens: Famílias
» f" com a presença desses grupos incorrem em despesas adicionais relacio
<
> ím nadas à transmissão de regras e hábitos de convivência, cuidados cotidia-
1- Z
í <
® nos (zelar pela segurança, alimentação, etc.), além de apresentar neces
sidades específicas de educação e atendimento médico.
• Atenção e cuidados especiais com idosos: Famílias com a presença
desses grupos incorrem em despesas adicionais relacionadas a cuidados
. > cotidianos (zelar pela segurança, alimentação, etc.) e necessidades es
00 * peciais referentes a atendimento médico.
s =
sU) ^ • Razão de dependência econômica: Quando o número de crianças
_
e
l/) -n ou idosos é proporcionalmente elevado em relação ao número de adultos,
a família passa a ocupar uma posição desvantajosa, pois muitos depen
dem da renda de poucos.
• Presença da mãe: Crianças que estejam sendo criadas por terceiros
têm maior probabilidade de estarem desprotegidas e, com isso, podem
estar trabalhando em atividades penosas, estar fora da escola ou doentes
e sem atendimento médico adequado, entre outros problemas.
Com 0 propósito de representar esses componentes da ausência
de vulnerabilidade das famílias, utilizamos os seguintes indicadores:
Q u ad ro 1
Indicadores de ausência de vulnerabilidade d as fam ílias
Dentre todos os meios de que uma família pode dispor para satisfa
zer suas necessidades, o acesso ao conhecimento certamente se encontra
entre os mais importantes. Com base nas informações da PNAD, é possível
2 construir indicadores para apenas três componentes desta dimensão: o
S analfabetismo, a escolaridade formal e a qualificação profissional.
« No que diz respeito à qualificação profissional, não é possível obter
p indicadores diretos, embora um indicador indireto possa ser construído
p com base na informação sobre a ocupação exercida. Para medir o analfa
&
betismo, 0 nível educacional e o grau de qualificação da família, utilizamos
os seguintes indicadores:
Q u ad ro 2
Indicadores de acesso ao conhecimento
cn *
>
° ~ Dois aspectos da seleção desses indicadores merecem destaque.
Ç/T
>
H
' 0 primeiro deles diz respeito ao uso repetido de indicadores em cascata.
S
Por exemplo, uma vez que todo analfabeto é também um analfabeto fun
cional, ambos os indicadores (Ci e C2) captam a presença de um analfa
beto na família. Assim, 0 analfabetismo recebe, implicitamente, um peso
duas vezes maior que 0 analfabetismo funcional. De forma similar, em
C3-C5 a educação superior recebe um peso três vezes maior que a edu
cação fundamental, uma vez que toda a família contendo pelo menos uma
Dotar as famíUas de
pessoa com alguma educação superior também garantir
apresenta pelo menos uma pessoa com edu- ,
, 4 que elas possam
caçao fundamental e secundaria completas.
0 segundo aspecto está relacionado ao ‘ fátivcmente M izá -to S
fato de que, ao contrário das características para a satisfação de
estritamente domiciliares — tais como o aces- suas necessidades não
so a esgotamento sanitário adequado, em que é uma política eficaz.
ter (presença) ou não ter (ausência) são as
únicas possibilidades —, para os indicadores derivados das características
individuais, como o analfabetismo, existem várias formas de uma família
ter ou não a característica. Uma possibilidade seria a família não ter ne
nhuma pessoa analfabeta (ausência de analfabetos). Uma outra opção
seria não ter todos os membros analfabetos (presença de ao menos uma
pessoa alfabetizada). Note que os indicadores de analfabetismo (Ci e C2)
são do primeiro tipo, ao passo que os indicadores de escolaridade (C3-C5)
e qualificação (C6) são do segundo tipo.
255
■ Acesso ao trabalho
Note, mais uma vez, 0 efeito cascata nos indicadores T5-T6, con
siderando que a presença de ao menos um ocupado com rendimento
superior a dois salários mínimos implica a presença de ao menos um
ocupado com rendimento superior a um salário mínimo.
■ Disponibilidade de recursos
■ Desenvolvimento infantil
Q u a d ro 5
Indicadores de desenvolvimento infantil 257
>
I-
Acesso a saneamento H6. Esgotamento sanitário adequado
° Acesso a coleta de lixo H7. Lixo é coletado
Acesso a energia elétrica H8. Acesso à eletricidade
Acesso a bens duráveis H9. Acesso a fogão e geladeira
Hio. Acesso a fogão, geladeira, televisão
ou rádio
H ii. Acesso a fogão, geladeira, televisão
ou rádio e telefone
Hi 2. Acesso a fogão, geladeira, televisão
ou rádio, telefone e computador
Vale atentar, mais uma vez, para o uso do efeito cascata em Hi-H2,
conferindo maior peso à condição de domicílio próprio.
i lm
>
Sji^ = (i/fijj^) . I j Bjji^
r- Z
P S
? <
S ï
o I Sj^ - (i/m |^) . I j Sjj^ - (i/m|^) . I j (i/njj^) . I j Bjjj^.
>o
. > Têm-se também que
^ i
s =
° i S = (1/6 ) . I|^ S|^
T a b e la 1
IDF: Síntese para fam ílias com os m ais baixos índices de desenvolvim ento
D im en sã o Fam ília 1 Fam ília 2 Fam ilia 3 Fam ília 4 Fam ília 5
Acesso ao — — — — -
conhecimento
Acesso ao 0,17 0,17 0,17 0,17 0,17
trabalho
Disponibilidade — — — — -
de recursos
Desenvolvimento 0.33 0,42 0,83 0,42 0,67
infantil
Condições — 0,06 0,13 0,38 0,25
habitacionais
T a b e la 2
IDF: Síntese para grupos vulneráveis
Mem bro s
d e f a m íl i a s
CHEFIADAS
D im e n s ã o To t a l C r ia n ç a s Id o s o s Negro s POR MULHER
?> =m
r- Z Indicador 0.73 0,67 0,65 0,68 0,69
.o S sintético
1“
? < 0,62 0,68
^> »» Vulnerabilidade 0,75 0,63 0,73
T a b e la 3
IDF: Síntese da evolução temporal do Brasil
G r a n d e s R e g iõ e s
D im en sã o B r a s il N C-0 NE SE S MA SP
IA
< Indicador 0,73 0,70 0,64 0,78 0,77 0,74 0,61 0,80
U
3 sintético
BO
O 0,71 0,68
Q. Vulnerabilidade 0,75 0,71 0,76 0,77 0,75 0,77
IA
<
U
Acesso ao 0.54 0.53 0,45 0,59 0,60 0,55 0,45 0,61
O conhecimento
o.
< Acesso ao 0,60 0,63 0,50 0,66 0,63 0,62 0,49 0,70
trabalho
B ra s il G r a n d e s R e g iõ e s
Indice de 0,69 0,73 0,71 0,75 0,64 0,78 0,77 0,61 0,80
Desenvolvimento
da Família (IDF)
Porcentagem de 42,1 33.4 39,1 26,6 58,0 21,0 23,1 65,2 15,8
fam ílias com
índice de
desenvolvimento
inferior a 2 /3
Renda fam iliar 266 348 251 3 72 251 440 407 157 496
p er capita
Porcentagem 40,8 33,6 44,3 24,7 44,3 21,5 23,3 62,1 18,6 265
de pobres
Porcentagem de 19,6 14,6 18,3 8,0 18,3 7,3 7,9 3 3,7 6,2
extremamente
pobres
■ Referências bibliográficas
Concluindo
> ï
> P Referências bibliográficas
s >
° UI
? m C a s t e ls , R. Les métamorphoses de la question sociale: une chronique du salariat.
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CD H C a r v a lh o , M. C. B. A reemergência das solidariedades microterritoriais na forma-
z > taçào da política contemporânea. São Paulo em Perspectiva, São Paulo: Fun-
H tf) _
O -O daçao Seade, v. i i , n. 4, out./dez.i997.
«□ G id d e n s , Anthony. Para além da esquerda e da direita. São Paulo: Unesp, 1996.
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n. 42,1995.
SouzA, Marcelo M. C. A importância de se conhecer melhor as famílias para a ela-
horaçâo de políticas sociais na América Latina. Rio de Janeiro: Ipea, 2000.
Relato de c a so
A gente trabalha com crianças muito pobres. Uma quinta parte são
do Bolsa-Escola. Antes, achávamos que os meninos do Bolsa-Es-
cola deveriam apresentar 0 melhor rendimento escolar, pois rece
biam 0 benefício. Com 0 tempo, percebemos que estávamos tra
balhando contra a inclusão; não devemos vincular 0 Bolsa-Escola
ao rendimento escolar. Devemos pensar as questões educativas
para todos os alunos.
Ednara, diretora da Escola Municipal Benjamin Jacob
Acompanhamento / Socioeducativo
° c ò
^2 £
o >1 J Reuniões com grupos de bolsistas
p -® I
O
a.
■ Visitas domiciliares
S
< 0 Bolsa-Escola municipal realiza visitas aos domicílios das famílias
requerentes de inclusão no programa, no momento de sua seleção, e
também aos domicílios das já bolsistas, no intuito de estabelecer uma
aproximação ao seu cotidiano, conhecer seus modos de vida e suas con
dições de sobrevivência, acompanhar e intervir em casos de risco social.
Esse momento de interlocução é muito significativo, porque extra
pola a comunicação formal, permite um acercamento à intimidade fami
liar e um olhar sobre o universo das relações domésticas. É um momento
de sensibilização para a equipe do programa e, especialmente, para os
estagiários, que são capacitados, antecipadamente, para desenvolverem
i E £ essa ação que pressupõe um cuidado especial e uma observação res-
z > ^
CD ni tf» peitosa. 0 desvelamento e o reconhecimento das condições adversas de
s? sm “s
S * > sobrevivência das famílias, bem como seu impacto na formação e na
I I socialização dos filhos, levam os profissionais e os estagiários do Bolsa-
" 2 Escola a se depararem com situações-limite, com urgências, com neces-
? sidades básicas imediatas que devem obter respostas, encaminhamentos,
0
intervenções e, muitas vezes, proteção social específica.
5 Qualquer dúvida sobre os dados da família, as condições de pro-
1 teção familiar às crianças, a negligência em relação aos acordos estabe
lecidos, como a ausência dos pais nas reuniões socioeducativas, podem
ser motivo para visitas domiciliares. É o momento de sanar dúvidas ou
restabelecer a interlocução entre o programa e as famílias distanciadas
ou com algum tipo de conflito ou pendência. A partir desse momento,
que favorece um diagnóstico mais apurado da situação geradora de con
flito ou irregularidade, são providenciados encaminhamentos a outros
A experiência das
programas ou atendimento social, psicológico, gçggg Programa
de saúde, entre outros. » . ^ .
_ . Bolsa-Escola mostrou a
Em relaçao as famílias que estao viven-
ciando uma situação de risco social, faz-se um equipe a necessidade
acompanhamento diferenciado, mais rigoroso se oferecer
e sistemático, com encaminhamentos especí- um atendimento
ficos para cada caso, enfocando-se a comple- individual às bolsistas.
xidade do conflito e requerendo-se ação inter-
setorial dos órgãos da prefeitura e de seus parceiros quando a situação
transcende a capacidade e competência da equipe do programa.
■ Plantões de atendimento
Educação-alfabetização de adultos
Conclusão
tf)
dos diferentes grupos de famílias.
<
U A relação direta da equipe com as famílias e o recebimento do be
nefício financeiro propiciam um reforço à autoridade paterna e materna,
tf) assim como uma valorização das mulheres, porque são elas, prioritaria
<
mente e na sua imensa maioria, as responsáveis participantes do progra
O ma. Vale ressaltar que, dentre elas, 4 8 % vivem sozinhas, sem nenhum
a.
companheiro que lhes ajude na criação dos filhos.
A garantia da permanência das crianças e dos adolescentes na es
S
< cola evita 0 círculo vicioso da exclusão social — analfabetismo gerando
miséria e miséria gerando analfabetismo.
Os principais desafios e limites encontrados dizem respeito: às
famílias em situação de risco (por droga-dependência, violência domés
tica, trajetória de rua, doenças mentais, entre outras); ãs relaçóes com a
comunidade escolar, para que se garanta, conjuntamente, uma educação
> 53 inclusiva e de qualidade; e ã sensibilização da sociedade para a compre-
I g I ensão das políticas sociais, em favor dos segmentos mais vulneráveis,
n
m
>1
o como um dever do poder público.
l í
Não é tão difícil assim colocar-se no lugar do jovem. Ele sai da es
cola sem nunca ter visitado uma empresa, uma repartição pública, uma
ONG. A separação radical entre as fases de estudo e de trabalho produz
uma geração de jovens desorientados, à procura da sua utilidade na
vida. Se cruzarmos essa situação com as dinâmicas do trabalho vistas
acima, a ausência de perspectivas torna-se muito forte, a não ser em
alguns grupos privilegiados. Na realidade, no processo produtivo em que
os conhecimentos passam a desempenhar um papel preponderante, em
vez de estudo e trabalho serem etapas distintas da vida, devem, ao con
trário, crescentemente, constituir um processo articulado no qual aquisi
ção de conhecimentos e sua aplicação produtiva sempre se enriqueçam.
Sentir-se inútil numa fase da vida em que o jovem chega disposto
a fazer e acontecer, isso gera, sem dúvida, um sentimento de profunda
frustração. Poder fazer uma coisa útil constitui um favor: alguém deu um
emprego. Uma pesquisa nos Estados Unidos mostrou que, no conjunto, o
“who you know” (quem você conhece) tornou-se um fator mais importante
de avanço profissional do que o “whatyou know” (o que você conhece.
as suas competências). 0 mundo para o jovem passa a ser visto como um
universo opaco e fechado, gerando desânimo e passividade.
Essa tendência tem de ser colocada numa perspectiva mais ampla.
Nossas crianças e nossos jovens são criados num referencial de família
muito frágil: os dois pais trabalhando, o trabalho distante da casa, casais
freqüentemente separados, o silêncio no binômio sofá-televisão. Cons
trói-se, assim, muito pouco balizamento entre o bem e o mal, muito pouco
M sentido de vida.
<
Um outro universo que contribuía muito para a construção de va
lores era a rua, a vizinhança. Ali não era ainda o mundo, mas também já
não era a família; ali a criança e o jovem testavam sua presença social,
delimitavam gradualmente os valores da amizade, o peso das rivalidades,
construíam os seus espaços de sociabilidade. Hoje, nenhuma mãe em sã
consciência diz à criança que vá brincar na rua. Fica sossegada quando
elas estão sentadas no sofá, comendo salgadinho e vendo Vale Tudo por
Dinheiro, porque na rua é o perigo, são as drogas, as gangues, os aciden
tes de carro, o medo. Não inserimos mais as crianças no mundo, buscamos
apenas protegê-las. E quando chega o momento inevitável de sua inser
ção, desabam sobre elas desafios difíceis de suportar. Os pais, perdidos,
o entram em intermináveis discussões sobre se devem ser mais permis
> Z
<= o sivos ou colocar mais limites, sorrir ou gritar, e terminam, quando têm
dinheiro, lamentando-se com o analista. 0 analista pode sem dúvida ajudar
o > quando os problemas são individuais, mas não resolverá grande coisa
quando se trata de um processo socialmente desestruturador.
A escola pequena, de bairro, freqüentada por pessoas que con
vivem de uma maneira na escola e de outra nas ruas da vizinhança, mas
pertencendo ao mesmo tecido de relações sociais, era outro espaço de
construção de referências. Boa parte disto subsiste no interior. Nas grandes
cidades, e no caso de uma construção escolar onde se buscam absurdas
economias de escala (quanto maior, mais barato), gera-se um universo
de gente que só se encontra nesse ambiente. Os universos sociais do
local de residência e do local de estudo só se cruzam eventualmente. Na
própria classe média, é patético ver mães que passam horas no trânsito
para levar uma criança para brincar com outra no outro lado da cidade,
porque ela já não agüenta a solidão em casa. E, no outro lado da cidade,
0 coleguinha terá os mesmos videogames, o mesmo Vale Tudo por Di
nheiro na televisão. Se juntarmos os efeitos da desestruturação do
Aos poucos vamos
referencial familiar, da ausência do referencial que nos
de vizinhança, bem como da perda da presença
social local da escola, e ainda acrescentarmos matamos e trabalhar
0 cinismo dos valores martelados horas a fio na pora construir uma
televisão, resta saber: que valores queremos vida sem sentido,
que eles tenham? ainda que continuemos
Os pais ficam indignados: eles bebem, g correr sem rumo.
fumam, se drogam, transformam o sexo numa
aeróbica banalizada, não vêm sentido nas coisas... 0 que é que fizemos
para dar sentido às suas vidas? Todos nós estamos ocupados em ganhar
a vida, em subir nos degraus absurdos do sucesso... como é que as crian
ças vão entendem o nosso sacrifício como útil?
A compreensão de que se matar de trabalho para construir uma
vida sem sentido — ainda que com a garagem ostentando um belo carro,
entulhada de esteiras de ginástica e outras relíquias de entusiasmos
consumistas passageiros, sem tempo para fazer as diversas coisas que
poderiam ser agradáveis ou belas - filtra-se gradualmente para dentro
das nossas consciências, ainda que continuemos todos a correr sem
rumo. Será que nossos filhos realmente não vêm o absurdo das nossas
próprias vidas? E que rumo isto aponta para elas? A verdade é que a vida
reduzida a uma corrida individual pelo sucesso econômico, com a ilusão
de que tendo sucesso e, portanto, dinheiro, compraremos o resto, essa
é uma absurda ilusão que nos levou à civilização de guetos de riqueza e
miséria que hoje vivemos.
É significativo que, em muitos lugares, jovens e até crianças, às
vezes com apoio dos professores (outra classe ã procura do sentido do
que ensina), estão arregaçando as mangas e começando a tomar inicia
tivas organizadas. Vimos, na Itália, um movimento de crianças pela recu
peração das praças; um filme-reportagem feito pelas próprias crianças
mostra a passeata, a negociação com a prefeitura e o resgate progressivo
de praças transformadas em estacionamento para que voltem a ter água,
árvores, espaço para brinquedos e jogos, uma dimensão de estética, de
lazer, de convívio. Em muitas cidades, já há câmaras-mirins, e não se
podem aprovar projetos de espaços públicos sem o aporte do interesse
organizado das crianças. Em muitos lugares, foram planejados trajetos
seguros, acompanhando as principais rotas entre as escolas e os lugares
de lazer, para melhorar sua mobilidade e seu sentimento de liberdade. A
tecnologia é simples: são aqueles passinhos pintados na calçada, semá
foros, algum reforço de policiamento. 0 que essas experiências têm em
comum é o sentimento, por parte das crianças, de estarem recuperando
0 seu direito à cidade, à cidadania.
Em Valparaíso, vimos uma experiência de crianças de rua, que,
tf)
<
u com 0 apoio de uma ONG passaram a resgatar os espaços vazios de um
bairro, a organizar as suas próprias bandas de música, eventos culturais,
tf)
a tal ponto que, hoje, as seis escolas formais do bairro se associaram ao
<
projeto — desenvolvem atividades de resgate dos espaços públicos,
fazem aulas sobre meio-ambiente, melhorando o próprio meio ambiente,
estudam ciências sociais, melhorando o ambiente social. Aqui também a
cidade é deles, e fazer uma coisa útil e prazerosa não é o resultado de um
S
< emprego que lhes “dão”, mas de uma iniciativa que lhes pertence.’
0 que isto aponta, na realidade, é que estamos evoluindo de uma
visão em que a organização social se resume a um Estado que faz coisas
para nós, e de empresas que produzem coisas para nós, para uma outra
visão em que a sociedade organizada volta a ser dona dos processos
sociais e articula as atividades do Estado e das empresas de acordo com
a qualidade de vida que se procura. A expansão das organizações da
- r> sociedade civil, a força do terceiro setor, o resgate das funçóes sociais do
O
> *
c O Estado, 0 surgimento da responsabilidade social e ambiental das empresas,
0 5
1cs >D a crítica ãs grandes corporações da especulação financeira, do monopólio
O> de produtos farmacêuticos, de comercialização de armas, o próprio sur
” >-n
X gimento muito mais amplo da noção de que um outro mundo é possível,
pertencem todos a um deslocamento profundo de valores que estamos
começando a sentir na sociedade em geral.
Como indivíduos, podemos melhorar nossa casa, batalhar o estudo
para os nossos filhos, comprar um carro melhor, mas as mudanças so
ciais dependem de organização social. 0 sentimento de desorientação é
sentido como sofrimento individual, mas as raízes são mais amplas.
o
o.
Há lugar para vida inteligente
M a r i a A m a l i a Fa l l e r V it a l e
Ev a C é l i a B a r b o s a
S il v i a R. F. G a l l e s
M a r ia T e r e s a V e n u z o
Projeto gráfico e
editoração eletrônica
Ho m em de M e lo & T r o ia D e s ig n
Ilustrações
Concepção e direção
Fr a n c is c o H o m e m de M elo
Fotografia
 N G E LA G a r c i a
Pré-impressão
Ca sa de T ip o s
Impressão e acabamento
Crom o sete G r á f ic a e E d it o r a
Tiragem
2 .0 0 0 exem pla res
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