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O Xamanismo e as Técnicas

Arcaicas do Êxtase: Eliade revisitado


Pedro Peixoto Ferreira
2003

XAMANISMO COMO xamanismo, escrita pelo historiador das reli-


TÉCNICA DO ÊXTASE giões romeno Mircea Eliade. "Apesar das
numerosas reservas que atualmente se fazem

A
tualmente existe à disposição uma a esta imponente obra", aponta lucidamente
pletora de obras sobre o xamanismo, Bernard S. D'Anglure, "ela permanece a me-
algumas com enfoque antropológico, lhor introdução ao xamanismo, no tocante
outras com enfoque tanto aos temas aborda-
histórico, outras com dos quanto à
enfoque ficcional e ou- diversidade de tradições
tras ainda (certamente a culturais descritas"
maior parte) com um (1996:506). Partamos,
enfoque místico que assim, de Eliade, e ve-
poderíamos chamar de jamos como, logo no
1 início de sua obra, ele
new age . É preciso dei-
xar claro que é o define o xamanismo:
primeiro enfoque, o
"Uma primeira de-
antropológico, que pro- finição desse fenômeno
duz a maior parte do complexo, e possivelmente a
material sobre o qual os menos arriscada, será: xama-
outros enfoques se sus- nismo = técnica do êxtase"
tentam, sendo a 3
(p.16)
literatura new age aque-
la que mais tende a Apesar de a
distorcer este material influência desta defini-
em benefício de ideolo- ção de xamanismo ter
2
gias do momento . Mas sido mais explícita nas
sendo o material antropológico muito vasto, pesquisas de cunho histórico (cf.Sullivan,
heterogêneo e especializado, creio ser prefe- 1988) e fenomenológico (cf.Ripinsky-Naxon,
rível iniciarmos nossa investigação com uma 1993), ela também pode ser percebida em
obra clássica de enfoque histórico mas cujo pesquisas antropológicas e etnográficas de
alcance conceitual foi sentido mesmo dentro outras orientações, que mesmo quando não
da antropologia. Trata-se de O Xamanismo e fazem referência direta à obra de Eliade ado-
as técnicas arcaicas do êxtase (1998 [1951]), tam o conceito de técnicas do êxtase para
talvez a mais influente obra até hoje sobre tratar das experiências xamânicas
(cf.Langdon, 1992 e 1996). O motivo da au-
sência de referências explícitas a Eliade por
1 parte dos antropólogos e etnólogos é de fácil
Existem outros enfoques ainda pouco explorados
mas bastante promissores para pesquisas sobre o xa- compreensão: Eliade é famoso por nunca ter
manismo, como o médico (cf.Achterberg, 1996) e o
neurológico (cf.Sell, 1996).
2 3
Para uma visão crítica desta literatura, cf.Atkinson Exceto quando indicado, todas as referências perten-
(1992:315), Vitebsky (2001a, 2001b) e Ott (2001). cem a Eliade, 1998.

1
pesquisado o xamanismo fora das bibliotecas 5
mudou nos últimos cinco séculos de pesqui-
e, principalmente, por ter distorcido informa- sas sobre o xamanismo, foi "o olhar dos
ções para que se encaixassem em seu projeto
pesquisadores" (Narby e Huxley, 2001:8).
purista e essencialista de descobrir "o verda-
4
Assim não podemos, a princípio, falar de
deiro xamanismo Siberiano" . No entanto "xamanismo" a não ser como um "tipo-ideal"
como explicar a ampla influência (mesmo construído a partir de muitos estudos particu-
que anônima) de sua definição de xamanismo lares de casos particulares e ainda em
como técnica do êxtase? processo de formação.
Falar de xamanismo é uma atividade Mas se a análise comparativa de prá-
controversa, pois a idéia de que exista um ticas xamânicas de uma grande quantidade de
"xamanismo" em geral independente dos tribos diferentes não nos oferece mais do que
"xamãs" particulares é apenas uma ficção um "tipo-ideal", isso não nos impede de usar
metodológica. Cada sociedade tem seus pró- esta tipologia como recurso interpretativo. É
prios rituais de iniciação ao xamanismo, e preciso apenas atentar para que a forma "xa-
mesmo dentro de uma mesma sociedade es- manismo" nunca deixe de se informar sobre
tes rituais podem variar de acordo com o as singularidades da matéria dos xamãs, nun-
caso. Além disso, atualmente já se sabe que a ca se torne um molde acabado que então só
palavra "xamã", apesar de designar a pessoa, reduziria esta matéria a uma forma pré-
não indica exatamente uma propriedade da 6
estabelecida . E não é isso que deveria ocor-
pessoa mas sim uma qualidade dela, um po-
rer com qualquer (bom) conceito? É verdade
der que ela adquire e que ela pode também
que não existe um xamanismo em geral, ape-
perder; não é algo que se é e sim algo que se
nas xamãs particulares. Mas a descoberta de
tem ou que se pode. Por último, é preciso não
um traço comum a todos os xamãs conheci-
se esquecer da máxima epistemológica a
dos e capaz de dar conta de suas
produção de conhecimento influencia no
singularidades certamente pode dar origem a
próprio conhecimento produzido, sintetizada
um conceito de xamanismo. O conceito elia-
no slogan "saber é poder": o olhar que cada
deano de "xamanismo como técnica do
antropólogo em cada época e contexto lançou
êxtase" tem tido uma boa aceitação na antro-
a cada xamã certamente influenciou aquilo
pologia, apesar dos problemas de seu
que ele viu. Jeremy Narby e Francis Huxley 7
mostram isso muito bem na coletânea criador , pelo simples fato de que ele dá con-
Shamans Through Time: 500 Years on the ta do fenômeno e é capaz de se deixar
Path to Knowledge: se há alguma coisa que informar por cada nova descoberta feita so-
bre o fenômeno. Ele se disseminou pois

5
A coletânea traz 64 trechos de textos-chave sobre
4 xamanismo, sendo o primeiro de 1535 – quando o cris-
Segundo Eliade, o "xamanismo strictu sensu" era
tianismo estigmatizava o xamanismo como demoníaco
"um fenômeno religioso siberiano e centro-asiático"
e os pesquisadores que o levassem a sério como peca-
(p.16), e portanto todos os outros xamanismos do
dores – e o último de 2000 – quando o xamanismo já é
mundo seriam variações mais ou menos desvirtuadas
tratado como uma forma específica de produção de
deste ideal. Porém, como nota o antropólogo Piers
conhecimento ao lado da ciência.
Vitebsky, "[h]avia vários tipos de 'xamãs' [na Sibéria e
6
na Mongólia], inclusive no seio de uma mesma socie- Sobre a problemática do hilemorfismo na Antropo-
dade, e até no mesmo acampamento. [...] A idéia do logia, cf.Viveiros de Castro, 2002:114-5.
xamã puro ou ideal, tal como apresentada por Eliade, 7
torna-se cada vez mais difícil de sustentar em qualquer Minha atribuição a Eliade da "paternidade" do con-
pesquisa nesta região social e ecologicamente diversi- ceito de xamanismo como técnica do êxtase se deve à
ficada." (2001a:34-5) Críticas calorosas ao trabalho de influência de seu livro (1998) , mas não deve ofuscar
Eliade podem ser encontradas em Lewis (1993), apesar esforços anteriores não vinculados especificamente ao
deste autor já ter anteriormente considerado o seu xamanismo de compreensão das técnicas do êxtase
trabalho "convincente" (cf.1971:26). (e.g., James, 1902; Weber, 1963).

2
conseguiu captar, mesmo que nição daquilo que ele chamou
por vias equivocadas, uma de "xamanismo stricto sensu":
característica fundamental do "um fenômeno religioso sibe-
fenômeno, a saber: a capaci- riano e centro-asiático" (p.16).
dade do xamã de controlar Além das implicações etimo-
tecnicamente o êxtase seu e lógicas (a palavra "xamã"
alheio. Quanto mais se conhe- deriva do tungue, idioma dos
ce os xamãs mais se percebe Evencos, da Sibéria), o autor
que é justamente isso que os argumentava que a "vida má-
8 gico-religiosa" dos povos
caracteriza . Suas viagens
para os mundos espirituais, siberianos e centro-asiáticos
seus transes, suas canções, gira em torno do xamanismo,
seus mitos, seus rituais de pois "em toda essa região,
cura, adivinhação, propiciação onde a experiência extática é
etc., apesar de todas as singu- considerada a experiência
laridades contextuais, podem religiosa por excelência, é o
ser definidos como diferentes xamã, e apenas ele, o grande
formas de operar um transpor- mestre do êxtase" (p.16).
te para a dimensão Mas se a definição
préindividual das relações eliadeana do xamanismo par-
com o objetivo de transformá- tia de um xamanismo
las de acordo com as necessi- geográfica e historicamente
dades (como quem consegue específico, em seguida ela se
dirigir seu próprio sonho, só transforma numa espécie de
que tornando-o realidade). "tipo-ideal" encontrado em
diferentes graus de "pureza"
XAMANISMO "STRICTU SENSU" 9
por todo o mundo e caracterizado por aquilo
que ele denominou de "as técnicas do êxta-

A
compreensão adequada da influente 10
definição eliadeana de xamanismo se" . E é partindo deste recorte que, logo no
como técnica do êxtase depende do início do livro, ele clama por uma distinção
conhecimento do contexto em que foi apre- entre o "xamanismo stricto sensu" e a enor-
sentada. Eliade escreveu em uma época em me variedade de termos "análogos" que
que a compreensão do xamanismo "se apro-
fundava" (cf. Narby e Huxley, 2001), e temos 9
"Visto que esse fenômeno mágico-religioso se mani-
motivos para crer que a sua mistura peculiar festou em sua forma mais completa na Ásia central e
(e muitas vezes prejudicial) de dispersão do- setentrional, tomaremos como exemplo típico o xamã
cumental e concentração conceitual dessas regiões. [...] [E]sse xamanismo da Sibéria e da
contribuiu enormemente para este aprofun- Ásia central tem o mérito de se apresentar como uma
estrutura na qual certos elementos que existem difusos
damento. Tratava-se, num primeiro no resto do mundo [...] já se revelam, na zona em
momento, de um esforço explícito pela defi- questão, integrados numa ideologia particular que
valida técnicas específicas." (p.18).
8 10
Em uma abrangente pesquisa, Larry G. Peters e Para reiterações desta definição, cf. p.10, 20, 84, 115,
Douglas Price-Williams afirmam que "[q]uase todos 127, 166, 208, 214-5, 226, 240, 244, 264, 287, 293, 329-30,
que escreveram sobre o tema apontam o êxtase como 527, 534, 542, 547, 550. Como evidência da persistência
o ingrediente inescapável do xamanismo", sendo "o desta mesma definição no pensamento de Eliade,
elemento comum em todos estes relatos o fato de o temos o livro Zalmoxis, The Vanishing God, publicado
xamã […] manter o controle de seu êxtase" (1980:398- em 1970 (quase vinte anos após O Xamanismo...),
9). Um exemplo de confirmação etnográfica explícita onde, tratando do xamanismo na Grécia, ele afirma:
das teses eliadeanas no xamanismo sul-americano "The shaman is above all an ecstatic." (Eliade,
pode ser encontrado em Lins (1985). 1972:41).

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abundam na literatura especializada e que, a um estudo sistemático da obra para perceber
seu ver, só prejudica a compreensão do "fe- que esta confusão terminológica jamais se
nômeno xamânico em si" (p.15): esclarece – pelo contrário, se complica, sua
12
terminologia variando indefinidamente .
"Se por 'xamã' se entender qualquer mago,
feiticeiro, medicine-man ou extático [a tradução para o
Ainda mais lamentável é o fato de que esta
português acrescenta ainda "curandeiro" e "pajé"] "indefinição" provoca contradições notáveis
encontrado ao longo da história das religiões e da na própria argumentação de Eliade em favor
etnologia religiosa, chegar-se-á a uma noção ao mes- do "xamanismo stricto sensu" e contra suas
mo tempo extremamente complexa e imprecisa, cuja variações "desvirtuadas", "degradadas" e
utilidade é difícil perceber, visto já dispormos dos
termos 'mago' e 'feiticeiro' para exprimir noções tão
"decadentes", como quando ele afirma que,
díspares quanto aproximativas como as de 'magia' ou dada a "trans-historicidade" e a "completa
'mística primitiva'." (p.15) reversibilidade" do "sagrado", "nenhuma
"Magia e magos há praticamente em todo o
mundo, ao passo que o xamanismo aponta para uma
'especialidade' mágica específica [...] : o 'domínio do
fogo', o vôo mágico etc. Por isso, embora o xamã anteriores ao xamanismo [...] , [...] são produto da
tenha, entre outras qualidades, a de mago, não é qual- experiência religiosa geral, e não de determinada clas-
quer mago que pode ser qualificado de xamã. A se de seres privilegiados, os extáticos. Ao contrário,
mesma precisão se impõe a propósito das curas xamâ- [...] observa-se freqüentemente o esforço da experiên-
nicas: todo medicine-man cura, mas o xamã emprega cia xamânica (isto é, extática) para expressar-se por
um método que lhe é exclusivo. As técnicas xamâni- intermédio de uma ideologia que nem sempre lhe é
cas do êxtase, por sua vez, não esgotam todas as favorável." (p.19-20).
variedades da experiência extática registradas na his- 12
Para exemplos das mais variadas ocasiões em que
tória das religiões e na etnologia religiosa; não se
Eliade emprega como sinônimos de xamã termos que
pode, portanto, considerar qualquer extático como um
ele explicitamente distinguiu dele, cf.: curandeiro
xamã: este é o especialista em um transe, durante o
qual se acredita que sua alma deixa o corpo para reali- (pp.34, 36, 41, 46, 71, 103, 122, 145, 202-3, 208, 211, 310,
zar ascensões celestes ou descensões infernais." (p.17) 313, 330, 332, 339, 348, 354-5, 357, 361, 371, 378, 380-2, 386,
396-9, 406, 422, 491, 512-3, 532); extático (pp.20, 409,
422, 424, 431, 433, 442, 446, 485, 492); feiticeiro (pp.34,
Sendo, portanto, as "técnicas do êxta- 36, 46, 73-4, 104, 111, 120, 163, 177, 182, 202-4, 208, 278,
se" o elemento distintivo deste "fenômeno 329-30, 333, 350, 356, 359, 360, 363, 381, 384-5, 389, 395-7,
xamânico em si"/"xamanismo stricto sensu", 399, 400, 402, 404-7, 419, 421, 425, 427, 431, 465, 476,
nada mais indicado do que iniciar nossa pes- 480-1, 485-7, 490-2, 494, 502-3, 512, 514-5, 518-20, 527,
quisa a partir do uso que o historiador das 532, 534, 545); mago (pp.16-7, 34, 41, 62, 65, 67, 86, 105,
religiões faz daquele termo. No entanto, de- 107, 111, 122, 134, 148, 156, 163, 188, 205, 210-1, 256, 329,
bruçando sobre o seu uso do termo "êxtase", 333, 356, 380, 382, 395-6, 405, 409, 415-6, 419-20, 437,
nos deparamos de imediato com um excesso 443-7, 450-1, 461, 465, 485, 488, 495, 515, 517, 522, 541,
de definições conflitantes e nada sistemáticas 544, 545, 548); medicine-man (pp.16-7, 36, 46, 62-8,
74, 84, 101, 106, 128, 134, 148-9, 153-4, 156-60, 162, 164,
que acaba por comprometer o poder analítico 204, 260, 332, 348, 350, 353, 364, 369, 374-5, 381, 393, 395-
do tipo-ideal proposto. Não mais do que três 6, 406, 518, 527, 531, 548, 551); pajé (pp.101-2, 111, 356-7,
páginas após afirmar que "não se pode [...] 360). E a lista de termos usados por Eliade como pos-
considerar qualquer extático como um xa- síveis análogos para "xamanismo" ainda inclui:
mã", por exemplo, Eliade transforma em adivinho; alquimista; brâmane; carpideira; doutor;
sinônimos "xamã" e "extático", "experiência exorcista; fada; faquir; ferreiro; guru; herói; ilusio-
11 nista; imperador; inspirado; iogue; médico; médium;
xamânica" e "experiência extática" . E basta místico; necromante; poeta; possuído; profeta; psico-
pompo; purificador; rei; sábio; sacerdote; santo;
soberano; taoísta; vidente; além de dezenas de termos
11 nativos (como angakok, pawang, machi, etc.). Ao
"Os xamãs [...] têm acesso a uma zona do sagrado longo do livro, Eliade não se preocupa em distinguir
inacessível aos outros membros da comu nidade. Suas as vezes em que tais termos são usados como sinôni-
experiências extáticas [...] exercem [...] poderosa in- mos de xamanismo daquelas em que eles têm a função
fluência sobre a estratificação da ideologia religiosa de destacá-lo como fenômeno sui generis, o que acaba
[...]. Porém, [...] a ideologia, a mitologia e os ritos das comprometendo a própria definição inicial do "xama-
populações árticas, siberianas e asiáticas [...] são [...] nismo stricto sensu".

4
'forma' é exemplo de degrada- cismo". Além disso, Eliade
ção e decomposição, nenhuma nunca dissimulou a sua busca
'história' é definitiva", ou que por um xamanismo "ideal", e
"não há a menor probabilida- para isso empregou uma im-
de de se encontrar, em parte pressionante quantidade de
alguma do mundo ou da histó- livros e artigos, principalmen-
ria, um fenômeno religioso te sobre o xamanismo
'puro' e perfeitamente 'origi- asiático. Por isso, quando di-
nal', [...] pois a 'história' zia "xamanismo em si", ele se
ocorreu em todos os lugares, referia menos às práticas ritu-
modificando, refundindo, en- ais do xamã em seu contexto
riquecendo ou empobrecendo social particular e mais a uma
as concepções religiosas, as "simbologia do êxtase",
criações mitológicas, os ritos, cristalizada naquilo que ele
as técnicas do êxtase" (p.24). chamou de "ideologia xamâ-
Mas é inútil insistir na nica". Talvez pudéssemos
demonstração das inconsis- dizer que os principais méri-
tências terminológicas da tos de sua pesquisa foram
definição eliadeana de "xa- dois: (1) organizar e sinteti-
13 zar a enorme quantidade de
manismo stricto sensu" ,
pesquisas disponíveis até en-
visto que a perspectiva da
tão sobre xamanismo, dando
história das religiões parece mesmo não a-
início a uma nova fase no estudo do fenôme-
presentar como problema esta maleabilidade
conceitual. Pelo contrário, ela parece apoiar- no; e (2) propor uma terminologia unificada,
se nela, transformando-a mesmo na essência mesmo sem tê-la desenvolvido plenamente,
14 composta pelas noções de "xamanismo
do próprio "fenômeno religioso" , o que stricto sensu" e, principalmente, "técnicas do
explica o seu muitas vezes alegado "misti- êxtase".
Não se trata aqui, portanto, de criticar
13 a ambição de Eliade por uma definição do
Esta empresa poderia mesmo constituir-se em uma
"fenômeno xamânico em si" a partir de con-
outra pesquisa, dada a freqüência e a impunidade com
que os termos propostos por Eliade deslizam sobre ceitos obscuros e pouco atentos à realidade
suas próprias definições. Ver, por exemplo (e são etnográfica (isto já foi feito a contento pela
inúmeros os exemplos), a afirmação de que "Tal xa- 15
antropologia ). Pelo contrário, partimos da
manismo stricto sensu não está restrito à Ásia central
e setentrional"(p.18; itálico no original) apenas duas constatação de que esta definição de xama-
páginas após a máxima "O xamanismo stricto sensu é,
por excelência, um fenômeno religioso siberiano e
centro-asiático" (p.16; itálico no original). Ao final da 15
leitura, acaba sendo impossível encontrar este "xama- Em um curto comentário publicado no periódico
nismo stricto sensu" senão na forma de um ideal que Man, Ioan M. Lewis apresenta críticas contundentes
está, para parafrasear Merleau-Ponty, "em toda parte e ao "purismo" eliadeano, cujo emprego do termo "xa-
em parte alguma". mã" lhe parece, na verdade, "impuro". Segundo
14 Lewis, "qualquer um que cuide de consultar as fontes
Um exemplo disto pode ser encontrado em outro primárias de Eliade" perceberá que "todas as caracte-
historiador das religiões, Lawrence E. Sullivan, quan- rísticas equivocadamente segregadas por Eliade em
do ele apoia a maleabilidade do conceito de "sagrado" termos pseudo-evolucionistas" (principalmente a "pos-
numa certa "multivocalidade da vida simbólica": "In sessão") estão presentes no xamanismo Tungue. Lewis
using the term "sacred" we do not wish to se diz surpreendido com "a fortíssima e enganadora
overdetermine its meaning too rashly, because it influência de Eliade na maneira como antropólogos
epitomizes the multivocality of symbolic life." sociais conceitualizam e pensam sobre o xamanismo",
(1988:699 nota 65). O problema não reside, é bom e com "a persistência extraordinária das deturpações
dizer, na "mu ltivocalidade" em si, mas sim no recurso de Eliade entre antropólogos modernos" (1993:361).
a ela como licensa para a falta de rigor conceitual.

5
nismo ("xamanismo=técnica do êxtase") se homem profano de antes da 'escolha' em um técnico
aplica com enorme propriedade às mais di- do sagrado. É claro que essa experiência de ordem
16 extática é sempre [...] seguida por uma instrução teóri-
versas manifestações do fenômeno , sendo ca e prática a cargo dos velhos mestres, mas não deixa
nosso objetivo, na verdade, retomá-la a partir por isso de ser decisiva, pois é ela que modifica radi-
calmente o status religioso da pessoa 'escolhida'. [...]
de uma revisão crítica da própria noção de
[T]odas as experiências extáticas que decidem a voca-
"técnica do êxtase", tarefa esta que não foi ção do futuro xamã comportam o esquema tradicional
realizada nem por Eliade e nem por mais das cerimônias de iniciação: sofrimento, morte e res-
ninguém – o que me parece surpreendente, surreição. [...] Certos sofrimentos físicos serão
visto que, tudo leva a crer, uma das princi- traduzidos com precisão numa forma de morte (sim-
bólica) iniciática, como por exemplo no
pais causas da confusão terminológica que
despedaçamento do corpo do candidato (=doente),
assola os estudos de fenômenos classificados experiência extática [...]. [...] Quanto ao conteúdo
como "religiosos" e que finda por compro- dessas experiências extáticas iniciais, embora seja
meter a sua aplicação para além de um bastante rico, quase sempre comporta um ou vários
misticismo nebuloso é justamente a ausência dos seguintes temas: despedaçamento do corpo segui-
do pela renovação dos órgãos internos e das vísceras,
de uma maior preocupação com o rigor con-
ascensão ao Céu e diálogo com os deuses ou os espíri-
ceitual. tos; descida aos Infernos e contato com os espíritos e
as almas dos xamãs mortos; revelações diversas de
AS TÉCNICAS "ARCAICAS " ordem religiosa e xamânica (segredos do ofí-
cio)."(p.49-50)

A
pesar da abundância de definições
que Eliade oferece para o êxtase ao Temos aqui uma série de elementos
longo de O Xamanismo..., em ne- constitutivos do êxtase enquanto experiência
nhum lugar encontramos uma síntese com- iniciática. Em primeiro lugar, a forte relação
pleta que englobe todas elas. Mas algumas entre "doença", "sonho" e "êxtase". Esta rela-
destas definições "parciais" são particular- ção, retomada diversas vezes ao longo da
mente eloqüentes, como quando, obra, se baseia no fato de que, no xamanis-
considerando a "doença-iniciação" dos xa- mo, a doença está diretamente ligada à
mãs, Eliade afirma: 17
"perda da alma" e o sonho é, em si, uma
18
"As doenças, os sonhos e os êxtases mais ou "viagem da alma" . Assim, sendo o êxtase
menos patogênicos são [...] meios de acesso à condi-
ção de xamã. Às vezes, essas experiências singulares
significam apenas uma 'escolha' [...]. Mas quase sem- 17
Sobre o xamanismo asiático, por exemplo, Eliade
pre as doenças, os sonhos e os êxtases constituem em
afirma: "Se o tratamento xamânico exige êxtase, é
si uma iniciação, ou seja, conseguem transformar o
justamente porque a doença é concebida como uma
alteração ou uma alienação da alma." (p.244). Ver
também p.20, 49, 76, 233, 243, 332, 335, 337, 359-60, 382,
16
Antropólogos e etnólogos utilizam (timidamente, é 478, 320, 406, 484-5. Violação de "tabus", introdução
verdade) a noção de "êxtase" para interpretar as suas de "objetos patogênicos" no corpo e "possessão por
experiências de campo (cf. Lins, 1985; Müller, espírito" também são muito citadas como causas para
1990:178; Wright, 1998:85, 89-90; Reichel-Dolmatoff, as doenças, em diferentes culturas. Mas permanece o
1997:123, 129, 134). Textos didáticos e reflexivos, como postulado de que a "concepção de doença [...] do xa-
os capítulos introdutórios de E. Jean Matteson manismo propriamente dito" é a "fuga da alma"
Langdon às coletâneas de artigos Portals of Power: (p.406).
Shamanism in South America (1992) e Xamanismo no 18
"É em sonhos que se atinge a vida sagrada por
Brasil: Novas Perspectivas (1996), incorporam o êxt a- excelência e que se restabelecem relações diretas com
se como traço importante do fenômeno e como os deuses, os espíritos e as almas dos antepassados. É
possibilidade investigativa. Outros exemplos de auto- sempre nos sonhos que o tempo histórico é abolido,
res que, em diferentes áreas, empregaram a noção de recuperando-se o tempo mítico, o que possibilita ao
"êxtase" em seus estudos sobre xamanismo, são: Pike futuro xamã assistir ao começo do mundo e, assim,
(1958), Lewis (1971), Bongard-Levin e Grantovsky tornar-se contemporâneo tanto da cosmogonia quanto
(1977), Flaherty (1992), Ripinsky-Naxon (1993), das revelações míticas primordiais. [...] É sempre em
Sullivan (1988), König (1998) e Vitebsky (2001a). sonhos que se recebem as regras iniciáticas (regimes,

6
diversas vezes descrito como um "abandono Eliade constata que, para além das diversas
19 variações nas formas de recrutamento, inicia-
do corpo pela alma" , temos que "doença" e
ção e outorga de poderes xamânicos
"sonho" podem ser vistos como "experiên-
20 encontradas nas diferentes manifestações
cias extáticas" . Mas mais importante é a culturais do xamanismo (às quais ele dedica a
relação estabelecida entre "êxtase" e "mor- maior parte dos quatro primeiros capítulos de
21 seu livro), é na experiência extática da morte
te" , que introduz a temática do "esquema
22 ritual que reside a essência do processo inici-
tradicional das cerimônias de iniciação" . ático. O "despedaçamento do corpo" do
candidato, sua "descida ao Inferno" e as "re-
tabus etc.) e que se fica sabendo quais os objetos n e- velações" aí obtidas são as etapas de uma
cessários à cura xamânica." (p.123). Tratando das "morte ritual" que, no xamanismo, constitui a
"tribos das Montanhas Rochosas da América do Nor- essência mesmo da iniciação nas "técnicas do
te", Eliade afirma que "o poder xamânico também êxtase". Isso porque é a experiência da morte
pode ser herdado, mas é sempre através de uma expe-
riência extática (sonho) que se faz a transmissão" ritual que irá revelar ao xamã: (1) a forma
(p.35). Ver também p.4, 26, 32, 49, 76, 132, 137, 256, 298. como seu corpo é mutilado, devorado e reno-
19 vado pelos espíritos ("desmembramento");
"Quando é chamado para um tratamento, o xamã
23
tremyugan começa a tocar tambor e guitarra até cair (2) o itinerário perigoso e cheio de "pontes"
em êxtase. Abandonando o corpo, sua alma entra nos 24
Infernos e começa a procurar a alma do doente." e "passagens perigosas" que a alma humana
(p.248). Ver também p.17, 208, 226, 264, 270, 275, 283, deve percorrer em seu caminho para o "mun-
287, 362, 434-5, 451, 509, 520. Para exemplos deste do dos mortos" ("descida ao Inferno"); e (3) a
mesmo fenômeno, só que descrito como "sair de si instrução do xamã, por parte dos espíritos e
mesmo", cf. p.251, 497-8, 506. deuses ("revelações"), nas técnicas que per-
20
Tratando do xamanismo norte-americano, Eliade mitirão não apenas a sua própria ressurreição
afirma: "A alma deixa o corpo durante o sono; quando mas, principalmente, a repetição da viagem
alguém é acordado bruscamente, pode morrer. Nunca sempre que necessário: as "técnicas do êxta-
se deve acordar um xamã em sobressalto." (p.332). se". A experiência "extático-mórbida
21
A relação entre "êxtase" e "morte" é tão estreita que iniciática" do xamã (caracterizadas pela do-
Eliade chega muitas vezes a tratá-los como sinônimos, ença e pelos sonhos extáticos, entre outros) é,
como no seguinte trecho: "O êxtase é apenas a experi- portanto, essencialmente didática. Mas o
ência concreta da morte ritual ou, em outras palavras,
"conhecimento" alcançado nesta experiência
da superação da condição humana, profana. E [...] o
xamã é capaz de obter essa "morte" por todos os tipos não fica restrito ao ambiente do próprio xa-
de meios, desde os narcóticos e o tambor até a "pos- manismo, sendo posteriormente incorporado
sessão" por espíritos." (p.115). Ver também p.77, 103,
115, 433, 506, 509, 517, 520, 523, 534, 552-3.
22
"Quanto ao conteúdo dessas experiências extáticas
iniciais, embora seja bastante rico, quase sempre com-
porta um ou vários dos seguintes temas: as doenças; finalmente, outros seres demoníacos cor-
despedaçamento do corpo seguido pela renovação dos tam-lhe o corpo em pedaços, que são cozidos e
órgãos internos e das vísceras, ascensão ao Céu e trocados por órgãos melhores."(p.59).
diálogo com os deuses ou os espíritos; descida aos 23
Infernos e contato com os espíritos e as almas dos "A Ponte, na verdade, não é apenas passagem dos
xamãs mortos; revelações diversas de ordem religiosa mortos; é também [...] caminho dos extáticos" (p.433).
e xamânica (segredos do ofício)."(p.50). "Percebe-se "Os xamãs, assim como os mortos, precisam atraves-
que o êxtase iniciático segue à risca certos temas e- sar uma ponte durante sua viagem aos Infernos."
xemplares: o noviço encontra diversas figuras divinas (p.523). Ver também p. 434-5.
[...] antes de ser conduzido por seus guias-animais ao 24
Centro do Mundo, no topo da Montanha Cósmica, "Assim como a morte, o êxtase implica uma "muta-
onde se encontram a Árvore do Mundo e o Senhor ção", que o mito traduz plasticamente por uma
Universal; recebe da Árvore e do próprio Senhor a passagem perigosa." (p.523). Eliade dedica uma parte
madeira para fabricar o seu tambor; seres semidemo- do décimo terceiro capítulo de seu livro ao tema "A
níacos revelam-lhe a natureza e o tratamento de todas ponte e a 'passagem difícil'" (p.523-7).

7
na mitologia, nos rituais e naquilo que Eliade
25 Aqui nós encontramos, relacionados,
chamou de "geografia funerária" :
termos freqüentemente usados por Eliade
"É graças à sua capacidade de viajar para os para definir o êxtase, como: o "abandono do
mundos sobrenaturais e de ver os seres s obre-humanos 26
corpo pela alma" ; a "descida aos Infer-
(deuses, demônios, espíritos dos mortos etc.) que o 27 28
xamã pôde contribuir de maneira decisiva para o co- nos" ; a "ascensão ao Céu" ; o
nhecimento da morte. É provável que grande número conhecimento dos "itinerários das regiões
de características da 'geografia funerária' e que certo
extraterrenas" (da "geografia mítica"); e a
número de temas da mitologia da morte sejam resulta-
29
do das experiências extáticas dos xamãs. As paisagens "condução de almas" ("psicopompia" pro-
que o xamã avista e as personagens que encontra em priamente dita). Segundo Eliade, para ser
suas viagens extáticas para o além são minuciosamen-
te descritas por ele mesmo, durante ou após o transe. capaz de conduzir uma alma ao seu destino
O mundo desconhecido e terrificante da morte toma final, o "xamã-psicopompo" precisa: (1) ser
forma, organiza-se segundo tipos específicos; acaba capaz de abandonar "impunemente" (ou seja,
ganhando estrutura e, com o tempo, torna-se familiar e sem morte definitiva) o próprio corpo e assim
aceitável. [...] Aos poucos, o mundo dos mortos vai-se
assumir a forma espiritual da alma que deve
tornando cognoscível, e a própria morte acaba assu-
mindo o valor de rito de passagem para um modo de conduzir; (2) ser capaz de orientar seu vôo
ser espiritual." (p.552-3)

O conhecimento adquirido pelo xamã 26


Cf. p.17, 208, 226, 264, 270, 275, 283, 287, 362, 434-5,
em suas experiências extático-mórbidas seria, 451, 509, 520.
assim, numa espécie de autopoese escatoló- 27
"Quando o manang-chefe [xamã dos dayaks da
gica, a própria matéria prima da qual seriam costa] cai, os presentes jogam uma coberta sobre ele e
compostos os mitos e as crenças relativas à esperam pelo resultado de sua viagem extática, pois
morte. Mas dentre as habilidades xamânicas assim que entra em êxtase o manang desce aos Infer-
tornadas possíveis por estas experiências de nos para procurar a alma do doente." (p.383). Para
"morte ritual", uma é de especial interesse outros exemplos do "êxtase" como "descida aos Infer-
para nós. Trata-se da "psicopompia", e sua nos", cf.p.17, 283, 417, 549. Em diversas tradições esta
descida é descrita como um "mergulho ao fundo do
relevância reside no fato de que ela apresen- mar", mas Eliade trata ambas como análogas, como
ta, em forma condensada, os principais quando diz que "o xamã iacuto é acompanhado em
elementos daquilo que Eliade denominou "as suas viagens extáticas por uma ave aquática [...] que
técnicas do êxtase": simboliza justamente a imersão no mar, ou seja, uma
descida aos Infernos" (p.263). Para outros exemplos de
"O xamã é curandeiro e psicopompo porque "êxtase" como "mergulho", cf. p. 275, 283, 325, 341.
conhece as técnicas do êxtase, isto é, porque sua alma 28
Descrevendo uma sessão de cura dos iacutos,
pode abandonar impunemente o corpo e vagar por
Eliade afirma, a respeito dos saltos do xamã, cuja
enormes distâncias, entrar nos Infernos e subir ao Céu.
altura "às vezes chega a ser de quatro pés": "Trata-se,
Ele conhece, por experiência extática pessoal, os
evidentemente, de uma "ascensão" extática ao Céu."
itinerários das regiões extraterrenas. Pode descer aos
Infernos e subir ao Céu porque já esteve lá. O risco de (p.259). Para outros exemplos de "êxtase" como "as-
perder-se nessas regiões proibidas é sempre grande, censão ao Céu", "ascensão celeste", "ascensão
mas, santificado pela iniciação e munido de seus espí- mística" ou "subida às nuvens", cf. p.17, 68, 157, 251,
ritos guardiões, o xamã é o único ser humano que 259 nota 24, 270, 283, 360, 411, 455, 486, 489-90, 498,
pode correr esse risco e aventurar-se numa geografia 527, 534.
mística. [...] É [...] graças a essa capacidade extática 29
"Ao contrário do que ocorre no cristianismo [...], os
que o xamã [...] conhece o itinerário e, além disso, é
capaz de controlar e conduzir 'almas', sejam elas de povos que se declaram "xamanistas" atribuem
importância considerável às experiências extáticas de
pessoas ou de animais." (p.208-9)
seus xamãs; tais experiências lhes dizem respeito de
modo pessoal e imediato, pois são os xamãs, por meio
25 de seus transes, que os curam, que acompanham seus
Além de "funerária", esta "geografia" também é mortos ao "Reino das Trevas" e servem de mediadores
chamada por Eliade de "mística" e "mítica". Para entre eles e os seus deuses, celestes ou infernais, gran-
exemplos, cf. p.208, 231, 427, 482. des ou pequenos." (p.20)

8
para cima ("Céu") ou para baixo ("Inferno"), temporal, um esquema tripartido (primórdios,
de acordo com as necessidades; (3) ter acesso cosmos e apocalipse), em lugar do "dualismo
30 trágico" eliadeano entre o "tempo histórico" e
ao "além" , ou aos "mundos sobrenaturais",
o "tempo mítico".
e assim transpor a "passagem difícil" que
No sétimo capítulo de Icanchu's
tradicionalmente prende a alma do morto 33
recente ao mundo dos vivos, causando os Drum , dedicado aos "especialistas",
mais variados problemas; e (4) conhecer a Sullivan (1988) apresenta o xamanismo como
"geografia mítica" de forma a conduzir a sendo aquela especialidade religiosa cuja
alma, sem transtornos, para o seu destino legitimação se baseia na "experiência extáti-
adequado. Sendo estes os elementos básicos ca", classificando o xamã, portanto, como
da psicopompia, e sendo a psicopompia uma 34
"ecstatic specialist" . Afirmando, como
possível aplicação das técnicas do êxtase, é Eliade o havia feito em relação aos povos
apenas lógico que possamos tomá-los como Siberianos (cf. p.16), uma certa "ubiqüidade e
uma lista de técnicas do êxtase. Note-se que importância central na América do Sul" da
o êxtase não é apanágio dos xamãs, sendo as
"experiência extática" (Sullivan, 1988:387),
"técnicas" do êxtase aquilo que os distingue
31
Sullivan dedica pouquíssimo espaço às duas
dos "demais extáticos" . A centralidade das outras "bases de autoridade religiosa" ("pos-
"técnicas xamânicas" para esta visão do xa- sessão" e "cânone"), evidenciando ainda mais
manismo pode ser confirmada pela sua a importância da noção de "êxtase" para a
permanência nos estudos de Lawrence E. 35
sua visão do xamanismo . Para explicitar
Sullivan (1988) sobre o "xamanismo sul- esta importância, cabe citar aqui o parágrafo
americano como técnica do êxtase". Sullivan introdutório à seção dedicada ao xamanismo
consegue ir muito além de Eliade naquilo que ("ecstatic specialists"):
ele chamou de "total hermeneutics of the
religious condition of mankind" (Sullivan, "During ecstasy, the human soul leaves the
32
1988:16) , certamente por ter se beneficiado body. Sickness or accident may provoke ecstatic
experiences. The soul may stray from the body during
pelos "criticismos recentes e inovações das dream or because of a fright, a fit of anger, a sneeze,
ciências culturais, especialmente a antropo- or a cough. Evildoers may seduce the soul out of the
logia" (Sullivan, 1988:15), mas body or drive it away. Ecstatic specialists learn to
principalmente por empregar, na dimensão control the passage of the soul out of the body. Using

30 33
Tratando das "viagens extáticas ao além" realizadas Talvez o melhor do potencial hermenêutico do
pelo xamã indonésio "para acompanhar as almas dos aparato conceitual eliadeano, quando enriquecido com
mortos aos Infernos ou para procurar as almas dos dados etnográficos recentes e liberto de boa parte de
doentes raptadas por demônios ou espíritos", Eliade seu confuso misticismo.
define o "além" como: "terra dos mortos e terra dos 34
espíritos" (p.390). Para outros exemplos de "êxtase" "The peculiar nature of the shaman's ecstasy causes
como "viagem ao além", cf. p.32, 91, 114, 165, 251, 275, these elements to cohere as a whole. Techniques of
283, 327, 417, 453-4, 506, 552. ecstasy transform the shaman's entire existence into
31 that of a free spirit; that is, the shaman gains concrete
Tratando das "ideologias e técnicas mágicas ou experience of the primordial world. [...] The shaman
extáticas [...] da religião indo-européia", Eliade cita practices ecstatic transformation in order to recognize
que "havia magias e técnicas de êxtase alheias à estru- the changing spiritual world in all its apparent shapes:
tura "xamânica", como por exemplo, a magia dos song, sound, smoke, consumptions; penetrating
guerreiros e as técnicas de êxtase ligadas às Grande arrows, stones, and darts; the hot light of the crystals,
Deusas Mães e à mística agrícola, que nada tinham de fire, and feathered wings; the dark inner spaces of
xamânicas." (p.413). animal bodies."(Sullivan, 1988:461)
32 35
Segundo Sullivan, "[h]ermeneutics is the Aproximadamente 8 páginas são reservadas à " pos-
willingness to treat the attempt at interpretation as a sessão", ao "cânone", ao "contrato"/"consenso" e aos
peculiarly instructive cultural process affected by both "procedimentos parlamentares", contra as mais de 70
the subject and object of understanding." (1988:16) páginas dedicadas aos "especialistas do êxt ase".

9
special techniques, their souls exit the body at will for "experiência extática iniciática" da "morte
various purposes. The shaman is the most important ritual" é reversível, sendo justamente o "con-
and well-known ecstatic specialist in South America.
trole modulativo" sobre esta reversibilidade
A general practitioner of the arts of the soul, the
shaman not only controls the ecstasy of his or her own que denominamos "técnicas do êxtase". Mas
soul but specializes in the knowledge and care of the o que diferencia qualquer doença, qualquer
souls of others. Shamanic ecstasies serve the souls of sonho, enfim, qualquer êxtase, daquele que
the community. This service requires wide knowledge 38
of spiritual life: the nature of the soul, the times of chamamos de "êxtase xamânico" ? Já sabe-
transition or crisis at which the soul moves, and the mos que esta diferença é essencialmente
contained spaces (body, cosmic realms, ritual spaces) técnica, mas resta compreender porque tais
in and through which the soul effects its passages."
conhecimentos técnicos são acessíveis ape-
(Sullivan, 1988:390)
nas aos xamãs, e não aos demais extáticos.
Dizer que a técnica é acessível apenas
É importante perceber que, para
ao xamã pois é o acesso à técnica que o defi-
Sullivan (assim como para Eliade no caso do
ne não basta, pois trata a técnica do êxtase
xamanismo siberiano), o xamã não é o único
como uma técnica entre outras, o que não faz
"ecstatic specialist", mas apenas "o mais im-
sentido se queremos dar crédito aos próprios
portante e bem conhecido [...] na América do
xamãs quando afirmam que foram os xamãs
Sul", e que portanto o que o caracteriza não é
míticos que deram origem a todas as técnicas
o êxtase em si, mas sim a sua especialização
(inclusive àquelas da civilização Ociden-
"no conhecimento e cuidado das almas dos 39
36 tal) . É preciso ir em busca daquilo que faz
outros", i.e., seu meta-êxtase .
da técnica xamânica esta espécie de "técnica
das técnicas". Assim, faz-se necessário notar
INICIAÇÃO E
que: para que haja xamanismo é necessária
TRANSFERÊNCIA TECNOLÓGICA
uma "ruptura" muito específica, denominada
normalmente de "passagem difícil", "perigo-

D
a lista de técnicas do êxtase que deri-
sa" ou "estreita", que constitui um verdadeiro
vamos das considerações de Eliade 40
sobre a psicopompia, um tema mere- "límen" , para além do qual apenas espíritos
37 podem ir, e de onde apenas xamãs podem
ce atenção especial: a "passagem perigosa" .
retornar.
Como já vimos, o êxtase, o "abandono do
corpo pela alma", além de ser comparável ao "A passagem por um espaço que está sempre
"sonho" e à "doença", é essencialmente uma a fechar-se e por uma ponte estreita como um fio de
experiência de "quase-morte" – a morte sen- cabelo, o cão infernal, o apaziguamento da divindade
do alcançada quando o doente não resiste à irritada, tudo isso reaparece como leitmotiv tanto nos
doença, ou quando o sonhador não mais a- relatos iniciáticos quanto nos de viagens místicas ao
'além'. Em ambos os casos ocorre a mesma ruptura no
corda do sonho. E vimos também que esta nível ontológico: trata-se de provas destinadas a con-
firmar que aquele que emp reende tal feito superou a
condição humana, ou seja, que é comparável aos 'espí-
36 ritos' (imagem que revela uma mutação de ordem
"It is true that authority based upon ecstatic
knowledge is not the exclusive prerogative of the ontológica: ter acesso ao mundo dos 'espíritos'); pois
shaman and that other specialists base their skills on
the exp erience of ecstasy. However, these other types
38
of ecstatic specialists do not become meta-ecstatics, O termo "êxtase xamânico" é diversas vezes em-
do not use t heir ecstasy to specialize in the knowledge pregado por Eliade como contraste às outras possíveis
and practice of ecstasy itself as it applies to the manifestações extáticas. Para exemplos, cf. p.250, 254,
general theory of spirits." (Sullivan, 1988:460) 423, 434, 443, 517, 550-1. O termo "transe xamânico",
37 como vimos, representa recurso semelhante.
"Os xamãs, assim como os mortos, precisam atra-
39
vessar uma ponte durante sua viagem aos Infernos. Sobre isso, cf.Ferreira (2003).
Assim como a morte, o êxtase implica uma 'mutação', 40
que o mito traduz plasticamente por uma passagem Este termo, que tomo emprestado de Turner (1974,
perigosa." (p.523). 1977), não faz parte do vocabulário de Eliade.

10
se não fosse um 'espírito' o xamã nunca poderia trans- contemplação, dança, sexo etc.). Não se trata
por passagem tão estreita."(p.327-8) de algo que ficou para trás, como uma espé-
cie de "queda do paraíso", mas sim de uma
A noção de "ruptura" indica, portanto, forma específica de vivenciar qualquer situa-
uma passagem "difícil", "estreita" e "perigo- ção: uma atenção ao horizonte último da
sa" que acarreta uma "mutação", uma percepção, para além do qual se perdem os
"transformação" que corresponde a uma "ini- limites do corpo individuado.
ciação". Em outras pa- A forma como
lavras, a "morte ritual" cada xamã aprende a
constitui o "rito de ini- controlar este processo
ciação ao xamanismo" varia bastante entre di-
justamente por repre- ferentes contextos, mas
sentar uma "ruptura" pode ser tipificada a
muito especial do neófi- partir de alguns traços
to com o mundo comuns. Dentre eles,
humano/profano: uma tem especial interesse
"ruptura didática", em para nós a experiência
ocasião da qual uma de despedaçamento do
"tecnologia espiritu- corpo e de renovação
al/sagrada" é revelada. dos órgãos, sofrida pelo
Assim como o candidato e operada
conceito de xamanismo, normalmente por espíri-
a idéia de uma "inicia- tos e deuses. Entre os
ção ao xamanismo" é siberianos esta experi-
fruto de uma análise ência se dá de uma
comparativa de rituais maneira especialmente
de iniciação às vezes eloqüente. Xamãs
muito diversos. Existem iacutos contam, por
sociedades onde esta exemplo, que o candida-
iniciação é bastante complexa e instituciona- to a xamã fica "de três a sete dias [...] quase
lizada, ao passo que em muitas outras ela sem respirar, como um morto, num local iso-
praticamente inexiste enquanto ritual organi- 41
zado. O que se pode dizer é que existem lado" (p.52). Durante este tempo, "os
experiências comuns a todos aqueles que se membros do candidato são destacados e se-
tornaram xamãs (i.e., adquiriram o poder do parados com um gancho de ferro, os ossos
xamanismo) mesmo quando elas não se for- são limpos, a carne raspada, os líquidos do
malizam em rituais socialmente prescritos. corpo são jogados fora e os olhos são arran-
Tais experiências, que assumem formas dis-
tintas em cada contexto, consistem, de modo
geral, nos primeiros contatos controlados do
41
iniciando com o mundo sobrenatural, no qual É preciso saber interpretar uma afirmação como
ele assimila as suas técnicas do êxtase. A- esta. "Morrer" tem muitos sentidos além do fisiológico
prender as técnicas do êxtase é aprender a (mesmo na fisiologia, existem várias mortes), e ge-
ralmente o que caracteriza uma morte ritual é a
controlar o perigoso processo de ruptura ru- experiência extática. Afinal, a morte definitiva é ape-
mo à dimensão pré-individual da realidade. nas um êxtase sem volta (o sono eterno). Quanto aos
Esta dimensão é normalmente experienciada "três a sete dias", apesar de possíveis, podem não se
em situações-limite (nascimento, traumas, referir de forma alguma ao nosso calendário ou à
rupturas existenciais, experiências próximas nossa forma usual de contar o tempo (veremos adiante
exemplos de êxtases iniciáticos que duram "anos").
da morte e a própria morte), mas também No êxtase estamos naquilo que chamamos de tempo
pode estar presente em qualquer outro mo- mítico, onde horas podem durar meses, dias ou segun-
mento da vida (sonho, devaneio, meditação, dos (e vice-versa).

11
cados das órbitas. Depois Outro relato siberiano
dessa operação, todos os os- de iniciação ao xamanismo
sos são reunidos e ligados que mistura desmembramento
com ferro." (p.52) Trata-se de e metalurgia fala de
uma intensa renovação corpo- Dyukhade, cuja experiência
ral! Observa-se especial extática foi provocada por
atenção aos ossos (que são uma doença (varicela) que o
separados da carne, limpados deixou inconsciente por três
e reconectados com ferro), dias ("quase morto, a ponto
traço comum encontrado em de quase o enterrarem no ter-
quase todas as tradições xa- ceiro dia"; p.55). Dyukhade
mânicas do mundo e disse que o "Grande Senhor
provavelmente ligado à per- do Mundo Subterrâneo" o
cepção de que, depois da mandou "seguir a via de todas
decomposição do corpo, são as doenças" com dois compa-
42 nheiros e guias espíritos-
apenas os ossos que restam .
animais (um arminho e um
A importância do ferro para
rato). Neste caminho, ficando
os xamãs siberianos também
"louco", Dyukhade encontra
pode ser associada a uma ten-
espíritos "canibais" como,
dência geral dos xamãs de
entre outros, o "Povo da Va-
assimilarem em seus êxtases
ríola" (que "Cortaram-me o coração e atira-
aqueles objetos e materiais que gozam de
ram-no para um caldeirão de água fervente"),
mais prestígio social e garantem poder a seus
o "Senhor da Minha Loucura", o "Senhor da
possuidores (as vestimentas xamânicas sibe-
Confusão" e o "Senhor da Estupidez", de
rianas são, via de regra, ornadas com objetos
forma que passa a conhecer "o caminho para
de metal). Mas não devemos concluir daí que
as várias doenças do homem". Logo em se-
se trata apenas de um valor cultural superes-
guida ele passa sete dias enfeitiçado pelas
trutural. A metalurgia tem, de fato, a
pedras que se abrem, uma-a-uma, contando-
especificidade de trazer à tona o processo de
lhe "como podiam ser usadas pela humanida-
individuação da matéria, de torná-lo esteti-
de". Por fim, ele passa por uma abertura em
camente acessível (cf.Deleuze:1979).
uma pedra e se depara com um "homem nu"
que "avivava o fogo com um fole".
42
Entre os esquimós, por exemplo, umas das etapas "Quando [o homem nu] me viu, trouxe um
da iniciação ao xamanismo consiste na visão, pelo par de tenazes do tamanho de uma tenda e agarrou-
neófito, de seu próprio esqueleto: "Essa experiência me. Pegou na minha cabeça e cortou-a, e a seguir
exige um longo esforço de ascese física e de contem- cortou o meu corpo em pequenos bocados e pô-los
plação mental cujo objetivo é a obtenção da num caldeirão, onde os ferveu durante três anos. Em
capacidade de ver-se como esqueleto. [...] 'Embora seguida, colocou-me numa bigorna e bateu na minha
nenhum xamã consiga explicar como nem por quê, é cabeça com um martelo e mergulhou-a em água gela-
capaz de, graças ao poder que seu corpo recebe do da, para a temperar. Tirou do fogo o caldeirão onde
sobrenatural, despojar seu corpo da carne e do sangue, tinha fervido o meu corpo e despejou o conteúdo nou-
de tal maneira que só fiquem os ossos. Deve então tro recipiente. Neste momento, já todos os meus
denominar todas as partes de seu corpo, mencionar músculos estavam separados dos ossos. Eis -me aqui, a
cada osso pelo nome [...]. Ao contemplar-se assim, nu falar convosco num estado de espírito normal, e nem
e completamente despojado da carne e do sangue consigo dizer em quantos bocados foi dividido o meu
perecíveis e efêmeros, ele se consagra [...] à sua gran- corpo. Mas nós, xamãs, temos vários ossos e músculos
de missão, através dessa parte de seu corpo que está extra. Eu vi que eram três as partes que eu tinha, duas
destinada a resistir mais à ação do sol, do vento e do para músculos e uma para ossos. Quando todos os
tempo'." (p.81) Para um exemplo amazônico do papel meus ossos foram separados da carne, o ferreiro disse-
dos ossos no xamanismo (Baniwa), cf.Wright me: 'A tua medula transformou-se num rio', e no inte-
(1998:213). Para uma consideração conceitual relevante rior da cabana eu vi realmente um rio com os meus
da relação entre a carne e o osso, cf.Deleuze (2000).

12
ossos a flutuarem. E disse o ferreiro: 'Olha, lá vão os houve uma transferência de técnicas corpo-
teus ossos rio abaixo!', e começou a tirá-los da água rais do ferreiro mítico para Dyukhade.
com as tenazes. Depois de todos os meus ossos t erem
Eliade, que apresenta o mesmo relato
sido puxados para as margens, o ferreiro reuniu-os, e
recobriram-se de carne, e o meu corpo voltou a ter a em seu livro, revela que quando o ferreiro
aparência que tivera. Todavia, a minha cabeça conti- mítico joga a cabeça de Dyukhade em uma
nuava separada. Parecia um crânio esfolado. O ferreiro panela com água gelada "para temperar", ele
revestiu-o de carne e juntou-o ao tronco. Vo ltei a ter a o faz para ensinar-lhe que "quando o xamã
minha anterior forma humana. Furou-me as orelhas
for chamado para tratar de alguém, se a água
com o seu dedo de ferro e disse-me: 'Conseguirás
ouvir e compreender a fala das plantas'. Depois disto, estiver quente demais, será inútil recorrer às
encontrei-me numa montanha e, logo a seguir, acordei capacidades de xamã, pois o homem já estará
na minha própria tenda. Ao pé de mim, muito preocu- perdido; se a água estiver morna, ele estará
pados, estavam sentados o meu pai e a minha mãe." doente, mas ficará curado; a água fria é ca-
(Vitebsky, 2001a:60-1)
racterística de um homem são" (p.58). Com
isso vemos duas coisas: (1) Dyukhade iria se
O "homem nu", espécie de ferreiro
mítico, despedaça o corpo de Dyukhade, tra- curar, pois a água estava gelada; (2) a sensa-
balha laboriosamente as suas partes e então ção da temperatura da água em sua cabeça se
as encaixa novamente em seus devidos luga- torna uma técnica de diagnóstico transferida
43
res com pequenas e importantes diretamente para o corpo do iniciando . Ou-
modificações. O que ocorre aqui é literal- tra contribuição de Eliade a este relato se
mente um processo de transferência refere à parte em que a cabeça, última parte
tecnológica entre o ferreiro mítico e o corpo do corpo ainda deslocada, é colocada no lu-
do iniciando, onde este se encontra em uma gar. Além de revesti-la de carne e juntá-la ao
espécie de êxtase contemplativo. Nota-se tronco, o ferreiro mítico "[f]orjou sua cabeça
nitidamente uma distinção entre o tratamento e mostrou-lhe como ler as letras que estão
reservado à cabeça de Dyukhade, que é ar- dentro" (p.58). Trata-se provavelmente de um
rancada, cortada e trabalhada na bigorna, e ao conhecimento secreto gravado pelo ferreiro
resto de seu corpo, que é despedaçado e dis-
solvido em água fervente. Além disso, nota-
se também uma atenção à distinção quantita- 43
Outro exemplo de transferência corporal de técnicas
tiva e qualitativa entre seus ossos e seus diagnósticas automáticas pode ser encontrado no se-
músculos. A explicação para tudo isso não guinte relato de Orlando Villas Bôas sobre a iniciação
pode ser simples e superficial e deve levar xamânica de Sapaim (Xingu): "Para terminar a ceri-
mônia, o mamaé [espírito] [...] aspirou fortemente a
em conta elementos tão heterogêneos da ex- cigarrilha e lançou a fumaça num dos próprios braços
periência quanto os seus aspectos físicos, e em seguida no outro. Dentro de um deles, alguma
biológicos e psicosociais. O que ocorre com coisa estava se mexendo. Sapaim olhou e percebeu
o seu corpo enquanto ele o vê sendo despe- esse movimento. O mamaé explicou: [...] _'Isto que
daçado e trabalhado pelo ferreiro mítico? você está vendo, quando é no braço direito, é sinal de
que o doente não vai morrer. Quando é no braço es-
Como se dá o investimento de desejo nas querdo, o doente morre. [...] Onde você quer que eu
diferentes partes do corpo e nas transforma- ponha essa força?' [...] Sapaim respondeu: [...] _'Em
ções operadas pelo ferreiro mítico (e como meu ombro.' [...] Daí ficou acertado que um doente
este investimento se reflete na experiência de tratado por Sapaim, se nele provocasse um movimento
Dyukhade)? Quais são as relações de poder no ombro direito, era sinal de que não morreria; se o
movimento fosse no esquerdo, fatalmente o doente
envolvidas em cada um dos objetos e proces-
morreria." (2000:64-5) Evidentemente, em uma socie-
sos envolvidos nesta viagem? Seria dade que leva a sério o trabalho do xamã, técnicas
necessário muito mais material do que dis- como estas representam considerável poder político.
pomos para responder a estas questões. O Rituais xamânicos são dispendiosos e envolvem toda a
que podemos dizer com certeza é que o pro- comunidade. Decidir quando não vale mais a pena
cesso de desmembramento, transformação e tentar salvar a vida de uma pessoa é uma decisão e-
mocional e técnica, mas também política e econômica.
remontagem do corpo do iniciando é uma Sobre a dimensão política do xamanismo xingüense,
experiência extática, e que nesta experiência cf.Müller (1990:138-45) e Bastos (1985).

13
mítico dentro do crânio de Dyukhade e que, um relato de iniciação australiano em que o
como a técnica térmica já citada, o auxiliará xamã conta que foi atacado por um velho
em seu novo ofício. Por fim, além de "furar" curandeiro que lhe atirou algumas pedras
as orelhas de Dyukhade a fim de que este atnongara (cristais que os xamãs possuem
possa compreender a fala das plantas, Eliade dentro do corpo e que lhes dão poder):
nos conta que o ferreiro mítico também
"[t]rocou seus olhos e por isso, quando atua "Algumas das pedras o atingiram no peito,
como xamã, ele não enxerga com os olhos outras lhe atravessaram a cabeça de uma orelha à outra
e o mataram. Depois, o velho tirou todos os seus ór-
físicos, mas com esses olhos místicos" (p.58). gãos internos – intestino, fígado, coração e pulmões –
O ferreiro mítico, em poucas palavras, pegou e deixou-o estirado no chão a noite toda. Voltou no
um corpo humano doente e o transformou em dia seguinte, olhou para ele e, depois de colocar outras
um corpo sobrehumano capaz de curar. Tra- pedras atnongara dentro de seu corpo, de seus braços
ta-se literalmente de uma transferência e de suas pernas, cobriu-o de folhas; em seguida can-
tou sobre seu corpo até que este ficasse inchado.
tecnológica, "a técnica e a teoria subjacente a Encheu-o então de órgãos novos, depositou nele mu i-
essa técnica, transmitidas através da inicia- tas outras pedras atnongara , deu-lhe tapinhas na
ção" (p.26-7). Toda a violência deste cabeça, que o reanimaram e o fizeram ficar em pé de
processo enfatiza a ruptura da experiência, um salto. Então o velho medicine-man deu-lhe água
para beber e carne para comer, com pedras atnongara .
como se para enfatizar que o nascimento do Quando ele acordou, não sabia onde estava." (p.64-5)
corpo do xamã exige a morte daquele do ini-
ciando. Como bem notou Sullivan, "[o] corpo Outro exemplo relevante é o ritual de
do xamã é parte de sua tecnologia" (1988:418) iniciação ao xamanismo dos dayaks
Uma variação deste processo de (Bornéu), que comporta três cerimônias dife-
transferência tecnológica corporal dos espíri- rentes das quais a segunda nos interessa mais
tos ao iniciando é a introdução, de novos diretamente:
órgãos ou objetos dentro do corpo do inici-
ando/xamã. Já vimos isso no caso do ferro "Depois de uma noite de encantamentos, os
usado para religar os ossos do corpo des- velhos manangs conduzem o neófito até um aposento
membrado do iniciando iacuto e no caso da isolado por cortinas. 'Ali, segundo afirmam, cortam-
troca dos olhos de Dyukhade. Vejamos agora lhe a cabeça e retiram-lhe o cérebro, que, depois de

14
lavado, é reposto no lugar, a fim de dar ao candidato mos citar aqui o devoramento de seu corpo
uma inteligência límpida para poder penetrar os misté- por espíritos responsáveis por determinadas
rios dos maus espíritos e das doenças; em seguida,
doenças, com o objetivo de torná-lo imune a
introduzem ouro em seus olhos, a fim de dar-lhe uma
visão suficientemente penetrante para ver a alma onde elas e capaz de curá-las tanto em si mesmo
quer que ela possa encontrar-se perdida, a errar. Im- quanto nos outros. Alguns relatos de rituais
plantam-lhe ganchos dentados nas pontas dos dedos iniciáticos de xamãs iacutos, por exemplo,
para torna-lo capaz de capturar a alma e prende-la com contam que, após a retirada da alma do can-
força; finalmente, varam-lhe o coração com uma fle-
didato de seu corpo por uma espécie de
cha para torna-lo compassivo e cheio de simpatia
pelos que estão doentes e sofrem'." (p.75) mestre-animal mítico ("Ave-de-Rapina-
Mãe"):
Muitos exemplos desta introdução de
objetos e de novos órgãos no corpo do inici- "[A ave mítica] [t]oma-lhe a alma, leva-a pa-
45
44 ra o Inferno e deixa -a amadurecer sobre o galho de
ando/xamã poderiam ser apresentados aqui .
um abeto negro. Quando a alma atinge a maturidade, a
Trata-se de um traço comum e generalizado ave volta à terra, corta o corpo do candidato em peda-
das iniciações ao xamanismo. O importante é cinhos e os distribui entre os maus espíritos das
notar que todas estas modificações corporais doenças e da morte. Cada um dos espíritos devora a
operadas pelos espíritos e mestres rituais têm parte do corpo que lhe cabe, cujo efeito é conferir ao
futuro xamã a faculdade de curar as doenças corres-
o principal objetivo de transferir, para o cor-
pondentes. Depois de terem devorado o corpo todo, os
po do iniciando, tecnologias terapêuticas maus espíritos se afastam. A Ave-Mãe recoloca os
eficazes. A ênfase nesta transferência corpo- ossos no lugar, e o candidato acorda como se de um
ral deve nos alertar para o fato de que não se sono profundo." (p.52-3)
trata de um aprendizado abstrato, ou mesmo
fruto de esforço consciente. O neófito não O êxtase iniciático já é evidente na
deve apenas decorar fórmulas ou imitar téc- idéia de separação entre a alma do candidato
nicas. Neste caso estamos lidando com a xamã, que passa por um processo de matu-
transformações muito profundas da vida, ração como se fosse uma cria da ave mítica
tanto conscientes como inconscientes. Na (ou mesmo um ovo?), e o seu corpo, que é
maior parte das vezes o iniciando não escolhe despedaçado e distribuído para os "maus es-
as técnicas que quer assimilar. Elas simples- píritos das doenças e da morte". O importante
mente lhe são introduzidas no corpo e aqui é perceber que neste caso a transferência
passam a funcionar para ele, como um idio- de tecnologia terapêutica dos espíritos ao
ma nos é introduzido sem que possamos candidato se dá através do devoramento de
escolher e passa a funcionar em nós. Mas diferentes partes de seu corpo por espíritos
além da troca/limpeza/transformação de ór- correspondentes a cada doença específica.
gãos e da introdução de novos órgãos e Como uma vacina que torna o organismo
objetos no corpo, muitos outros meios são imune à doença através da contaminação
ainda empregados pelos mestres espirituais controlada dele, os espíritos tornam o futuro
para transferir ao neófito as suas técnicas
terapêuticas do êxtase. Dentre elas, podería- 45
Vale lembrar que o que Eliade chama de "Inferno"
44 dificilmente corresponde, para o xamã, àquilo que
No xamanismo sul-americano, a introdução de normalmente entendemos pelo mesmo termo. A faci-
farpas, lascas (de pedra ou madeira) e espinhos no lidade com que Eliade coloria seu material com sua
corpo do neófito com a função de lhe servir como própria religiosidade já é bem conhecida. Narby e
armas e recursos terapêuticos também é uma constan- Huxley, por exemplo, não hesitam em afirmar que
te. Entre os Desana, por exemplo o xamã-mestre Eliade "queria que o xamã fosse para o céu", "priori-
introduz lascas e espinhos mágicos no antebraço dos zava os 'vôos celestiais' em detrimento dos 'infernais'"
futuros xamãs, com o objetivo de armá-los para suas e que suas distinções entre êxtase e possessão "tinham
futuras batalhas com inimigos. "Estas farpas podem mais a ver com suas crenças religiosas do que com os
ser atiradas em uma pessoa, independentemente da fatos" (2001:75, 76). Tudo isso é verdade, mas não
distância, com um movimento violento do braço" deve nos impedir de aproveitar o lado positivo das
(Reichel-Dolmatoff, 1997:130). descobertas de Eliade.

15
xamã imune às doenças que provocam (e 47
mãs míticos e até mesmo seus familiares.
capaz de curá-las) através do consumo con- Nesta nova individuação, percebemos que o
46
trolado de seu corpo . Não se trata de um horizonte de acontecimentos já não se encon-
banquete caótico. Os pedaços são distribuí- tra mais tão nitidamente delimitado,
dos sob a supervisão da ave mítica e "[c]ada misturando suas relações com os espíritos,
um dos espíritos devora a parte do corpo que com o seu corpo e com os membros de sua
lhe cabe". O fim do êxtase iniciático se dá família. O limite não está ausente, é claro; ele
com a recomposição do corpo do novo xamã apenas se tornou menos nítido, na medida em
pela ave mítica, dando especial ênfase aos que já não o vemos tão facilmente de uma
ossos. Acordar do sono profundo é retornar perspectiva transcendente. Já vimos que o
do êxtase. Ser capaz de retornar do êxtase é sacrifício do corpo do iniciando é condição
já ser portador de determinadas técnicas do para a produção do corpo sobrehumano do
êxtase. xamã. No entanto, vemos agora que este sa-
Em outro exemplo de ritual iniciático crifício não é nem apenas imaginário e nem
iacuto, os iniciandos são literalmente "cho- restrito ao seu corpo biológico. As transfor-
cados" em um ovo cósmico pela ave mítica: mações corporais que ocorrem na iniciação
ao xamanismo podem muito bem exigir
"Quando a alma sai do ovo, a Ave-Mãe a en- transformações corporais em outras pessoas,
trega para ser instruída a uma diaba-xamã que só tem ou mesmo a morte delas.
um olho, um braço e um osso. Esta nina a alma do
futuro xamã num berço de ferro e o alimenta com
O importante aqui é perceber que é
sangue coagulado. Surgem em seguida três 'diabos' parte central da transferência tecnológica
negros que lhe cortam o corpo em pedaços, enfiam-lhe operada no corpo do xamã em seu êxtase
uma lança na cabeça e jogam nacos de carne em dife- iniciático uma certa "ruptura" ou "passagem
rentes direções, à guisa de oferendas. Três outros perigosa", onde um limite será traçado e algo
'diabos' cortam-lhe a mandíbula, um pedaço para cada
doença que ele deverá curar. Se porventura faltar um
do antigo estado ficará de fora do novo esta-
osso no cômputo final, um membro de sua família do. Já vimos que algumas técnicas de
deverá morrer para substituí-lo. Pode acontecer de diagnóstico transmitidas aos xamãs pelos
morrerem até nove parentes." (p.53-4) mestres espirituais lhe conferem grande po-
der, na medida em que lhe permitem afirmar,
A morte corporal do candidato em com uma autoridade análoga à que conferi-
êxtase é um devir-xamã, e o horizonte de mos a nossos médicos, se ainda vale a pena
acontecimentos deste devir é justamente o investir na cura de uma pessoa. Vemos agora
ovo da ave mítica. Mas como cada individu- que este poder também se estende à necessi-
ação completada reinicia o processo, assim dade ritual de sacrificar a vida de
que sai do ovo o candidato (na forma de al- determinadas pessoas, uma autoridade que,
ma) já se encontra em outro processo de na nossa sociedade, é exclusiva do Estado. O
individuação, agora envolvendo a sua relação fato de que sociedades indígenas são, nas
com o seu corpo mediada por espíritos, xa- palavras de Pierre Clastres (2003 [1973]), con-
tra o Estado, não quer dizer que não tenham
leis, códigos, costumes, moral e ética. Muito
46
Outro exemplo, uma variação do relato apresentado pelo contrário, a diferença é que tudo isso
acima: "Segundo outra informação de iacutos, os maus não está situado em um patamar superior,
espíritos levam a alma do futuro xamã para o Inferno e transcendente, acima das relações sociais
lá a encerram numa casa durante três anos [...]. É ali
que o xamã passa pela iniciação: cortam-lhe a cabeça
como um molde, mas sim no meio delas, no
e a deixam de lado (pois o candidato deve ver com os corpo de seus membros, continuamente em
próprios olhos o seu desmembramento); em seguida, contato modulativo com suas pulsões.
cortam-no em pedacinhos, que são distribuídos aos
espíritos das diversas doenças. Só com essa condição 47
o xamã adquire o poder de curar. Seus ossos são então Já não é necessário dizer que o que Eliade chama
recobertos de nova carne, e em certos casos dão-lhe de "diaba-xamã" ou "diabos" provavelmente não pode
também sangue novo." (p.53) ser entendido à luz da mitologia cristã.

16
É em "êxtase" que o xamã atravessa a ção de um cosmos múltiplo, composto de
"ponte perigosa", axis mundi ("abertura cen- níveis e perspectivas; e (2) a existência de um
tral" que corresponde ao "Centro do Mundo") "centro" no cosmos onde a comunicação
que conecta os diferentes níveis verticais do 49
entre estes níveis e perspectivas é possível .
cosmos. Estes diferentes níveis, como se viu,
Vejamos, então, uma passagem aonde Eliade
não eram separados no "tempo mítico"
relaciona a "técnica xamânica por excelên-
(quando humanos e animais, morte e vida,
cia" com aquilo que ele chamou de "estrutura
cosmos e caos ainda não eram distintos),
do Universo":
sendo esta "ruptura" ("queda") causada por
algum acontecimento catastrófico mítico que "A técnica xamânica por excelência consiste
inaugura o tempo profano e que dá origem na passagem de uma região cósmica para outra, da
também à morte e ao fluxo das almas dos Terra para o Céu ou da Terra para o Inferno. O xamã
mortos pelo axis mundi. Vimos que a inicia- conhece o mistério da ruptura de níveis. Essa comuni-
ção xamânica consiste principalmente em cação entre as zonas cósmicas é possível graças à
própria estrutura do Universo. Isso porque, como
uma experiência extático-mórbida (uma nova veremos a seguir, este é concebido em três níveis –
"ruptura", só que agora no sentido inverso), Céu, Terra e Inferno – interligados por um eixo cen-
que coloca o xamã em contato direto com o tral. O simbolismo pelo qual se expressam o vínculo e
"tempo mítico", aonde lhe é revelada a tecno- a comunicação entre as três zonas cósmicas é bastante
logia do sagrado que lhe permitirá colocar complexo e nem sempre isento de contradições: [...]
há três grandes regiões cósmicas, que podem ser atra-
em prática as "técnicas do êxtase". O xamã vessadas sucessivamente porque se encontram ligadas
morreu, subiu pelo caminho dos mortos (axis por um eixo central. Esse eixo passa por uma 'abertu-
mundi), acessou o "tempo mítico", aprendeu ra', um 'buraco'; é por ele que os deuses descem à terra
a "geografia mítica", a "fisiologia extática" e os mortos vão para as regiões subterrâneas; é tam-
(cf.Sullivan, 1988:418-20), a "genealogia mí- bém por ele que a alma do xamã em êxtase pode subir
voando ou descer quando de suas viagens celestes ou
tica" (deuses e espíritos), enfim, toda a infernais."(p.287)
"tecnologia xamânica" (as técnicas do êxtase,
dentre as quais uma das mais importantes é a A "estrutura do Universo" consiste,
48
capacidade de reverter o próprio êxtase ), e portanto, em "níveis" ou "zonas cósmicas"
assim se tornou um híbrido (homem/espírito, (que Eliade enumera em três e rotula como
vivo/morto, humano/animal, etc.), hierofania 50
"Céu", "Terra" e "Inferno" ) que são "inter-
antropomórfica capaz de simultaneamente ligadas" por um "eixo central". E é por este
sair de seu corpo e viajar pelos diferentes 51
níveis do cosmos, e de colocar estes diferen- "eixo central" , na forma de "abertura" ou
tes níveis do cosmos em contato com o
mundo humano através do retorno ao seu
corpo. 49
A importância desta cosmologia para o xamanismo
em geral parece fora de questão, como atesta a sua
AXIS MUNDI reiteração (mesmo que em termos ligeiramente dife-
(TRANSVERSALIDADE DIAGRAMÁTICA) rentes) por Langdon em ocasião da apresentação das
características necessárias a "uma nova perspectiva na
importante notar que a noção de "ruptu- definição do xamanismo". Ela fala de um "universo
em múltiplos níveis, onde a realidade visível supõe

É ra/passagem" deriva de uma cosmologia


bastante específica, que se apoia princi-
palmente sobre dois aspectos: (1) a concep-
sempre uma outra invisível" e de um "princípio geral
de energia que unifica o universo" (Langdon, 1996:27).
50
Como já vimos, seria preciso aqui submeter estas
classificações a uma "crítica etnológica rigorosa",
48 visto que "céu" e "inferno" nos parecem rótulos limi-
"One of the most important techniques learned
tados para lidar com a riqueza cosmológica dos
during apprenticeship is the ability to return from êxtases xamânicos.
ecstasy and seclusion. Control over ecstasy demands 51
proof that one can bring the episode to an Eliade usa ainda, entre outros, "Centro do Mundo",
end."(Sullivan, 1988:404). "eixo cósmico", "Eixo do Mundo" e "axis mundi" para

17
"buraco", que os última instância, em
deuses, os mortos e 55
qualquer forma .
os xamãs "atraves- Eliade dedica todo o
sam" as três "zonas oitavo capítulo de
cósmicas", e que a seu livro (Xamanis-
"comunicação" entre mo e Cosmologia) ao
elas se torna possí- tema, e ainda o reto-
vel. As técnicas do 56
êxtase seriam então, ma diversas vezes ,
como que uma "tec- tamanha é a sua im-
nologia das rupturas portância e
de níveis ontológi- complexidade. Mas,
cos", e o xamã, um perguntemos nova-
"técnico midiático mente, se o universo
cósmico". Mas se o possui um "centro", e
universo possui um ele pode estar em
centro, onde está ele? qualquer lugar, onde
Estamos aqui estará e por que esta-
tratando daquilo que ria em qualquer
Eliade chama de lugar? E visto ser o
"Simbolismo do "centro" que liga os
52 diferentes níveis cósmicos, e o xamã o único
Centro" , que extrapola o domínio do xama-
que pode acessá-lo à vontade através das
nismo e é retomado em praticamente todas as
técnicas do êxtase, poderíamos ainda acres-
suas obras, visto que representa a própria centar: Qual é a relação do xamã com este
53
"essência" da religião . O "centro" pode se processo? Para responder a estas questões,
54 faz-se necessário conhecer a noção eliadeana
manifestar das mais variadas formas e, em
de "hierofania", que sintetiza aquilo que o
autor denominou "dialética do sagrado" e
se referir à mesma noção de "eixo central". Darei
preferência ao termo "axis mundi".
52 do" (ou simplesmente "pilar"), "topo do mundo",
"O simbolismo do 'centro' não é necessariamente
uma idéia cosmológica. Na origem, é 'centro' – possí- "ápice", "tambor", "altar", "mastro", "corda", "cipó",
vel sede de uma ruptura de níveis – qualquer espaço "escada", "corrente de flechas", "cavalo" "barco" e
sagrado, isto é, qualquer espaço que seja marcado por "arco-íris". "Todas essas imagens simbólicas da liga-
uma hierofania e que manifeste realidades [...] não ção entre Céu e Terra não passam de variantes [...] do
pertencentes ao nosso mundo, provenientes de outro Axis Mundi." (p.533; itálico no original).
lugar, especialmente do Céu. Chegou-se à idéia de 55
Eliade faz tipificações como "plano macrocósmi-
'centro' através da vivência de locais sagrados, im-
co" ("Árvore, Montanha, Pilar etc.") e "plano
pregnados de uma presença transumana: nesse ponto
microcósmico" ("pilar central da habitação ou [...]
preciso alguma coisa de cima (ou de baixo) manifes-
abertura superior da tenda") (p.293) para falar das
tou-se. Mais tarde, imaginou-se que a própria
diversas manifestações do axis mundi, mas não deixa
manifestação do sagrado, em si, implicava uma ruptu-
dúvidas de que "qualquer fragmento do Cosmos pode
ra de níveis."(p.287-8).
originar uma hierofania, em conformidade com a
53
Refiro-me aqui à função do "centro" como "ligação" dialética do sagrado" (p.127). É interessante notar que
entre os diferentes "níveis cósmicos", separados em Durkheim também defende de "qualquer coisa pode
ocasião da "criação do mundo", e à provável origem ser sagrada" (1964:37), sendo o seu maior inconvenien-
latina do termo : re-ligare. te a redução do sagrado à "idéia do sagrado"
54 (1964:40), fazendo assim da relação sagrado/profano
Alguns dos exemplos citados por Eliade são: "Ár-
uma relação lógica e intelectual (mesmo que "obscu-
vore Cósmica", "Árvore do Mundo" (ou simplesmente ra"), uma "representação" em vez de uma
"árvore", ou "bétula"), "Montanha Cósmica", "Monta- "experiência".
nha Central" (ou simplesmente "montanha"), "Ponte 56
de Cinvat" (ou simplesmente "ponte"), "Pilar do Mun- E.g. p.59, 142, 196, 199, 220, 252, 399, 433, 440-1.

18
ilumina o processo de "singularização" do imagens referentes todas elas ao Axis mundi: pilar [...],
xamã: escada [...], mo ntanha, árvore, cipós etc.; (d) em torno
desse eixo cósmico estende-se o 'Mundo' ('nosso mu n-
do') – logo, o eixo encontra-se 'ao meio', no 'umbigo
"De fato, as hierofanias mais elementares na-
da Terra', é o Centro do Mundo." (Eliade, 1995:38)
da mais são que uma separação radical, de valor
ontológico, entre um objeto qualquer e a zona cósmica
circundante: uma pedra, uma árvore, um lugar, justa- Axis mundi, portanto, é o "eixo do
mente porque se revelam sagrados, por terem sido de mundo", o "Centro do Mundo", que por sua
algum modo 'escolhidos' como receptáculo de uma vez corresponde ao "centro do Universo", e o
manifestação do sagrado, separam-se ontologicamente "sistema do Mundo", "estrutura do Univer-
das outras pedras, das outras árvores e dos outros
lugares e situam-se num plano diferente, sobrenatural. so", é o pressuposto e a base para a sua
[...] Agora importa observar a simetria existente entre, existência. Temos, assim, a idéia de "vertica-
de um lado a singularização pela eleição, pela 'esco- lidade": diferentes níveis, cuja
lha', daqueles que vivenciam o sagrado com uma sustentação/comunicação se dá por uma co-
intensidade que não é a mesma do restante da comuni- luna central. Além disso, como vimos, esta
dade, daqueles que de certo modo encarnam esse
sagrado, já que o vivem intensamente, ou melhor, 'são coluna/eixo central pode estar em qualquer
vividos' pela 'forma' religiosa que os escolheu (deus, pedaço do mundo (inclusive em uma pessoa),
espírito, antepassado etc.)." (p.46-7) bastando apenas que nele haja uma
"manifestação do sagrado" (uma
O "centro", portanto, é "centro" por- "hierofania").
que nele "o sagrado se manifestou", e o xamã
representa o caso de uma "hierofania antro- TEMPO M ÍTICO, M ETAMORFOSE
pomórfica", uma "manifestação do sagrado" E CRIAÇÃO
na forma de pessoa. É notável a ausência de

R
uma definição explícita para o sagrado, não etomando agora o nosso trajeto até o
só em Eliade, mas na maioria dos pesquisa- conceito de axis mundi poderemos
dores de "fenômenos religiosos" (cf. traçá-lo, através da noção de "hiero-
Sullivan, 1988:699 nota 65). Por hora, basta fania", até a experiência de "ruptura". É a
perceber a importância do "Simbolismo do experiência de "ruptura" da "morte ritual",
Centro", na forma de um "eixo do mundo essencialmente "extática", que provoca a
hierofânico" (axis mundi), para a compreen- "hierofania antropomórfica" própria ao xa-
são da experiência do êxtase xamânico. manismo. E é no conceito de "tempo mítico"
Como vimos, esta "coluna universal [...] que que Eliade encontra a mais justa definição
liga e sustenta o Céu e a Terra, e cuja base se para a experiência hierofânica/extática do
encontra cravada no mundo de baixo" é o xamã. Será oportuno abordar esta noção a
ponto específico do cosmos aonde a experi- partir da experiência xamânica de metamor-
ência extática é realizada. Caminho dos fose, dada a "intensidade mística",
mortos, poderíamos dizer que o conhecimen- dificilmente imaginada pela "mentalidade
to de seu funcionamento corresponde à moderna, dessacralizada", presente nas "rela-
própria tecnologia do êxtase: ções do xamã (como, aliás, do 'homem
primitivo' em geral) com os animais" (p.497):
"Essa coluna cósmica só pode situar-se no
próprio centro do Universo, pois a totalidade do mu n- "Para o homem primitivo, vestir a pele de um
do habitável espalha-se à volta dela. Temos, pois, de animal caçado eqüivalia a transformar-se nesse ani-
considerar uma seqüência de concepções religiosas e mal, a sentir-se transformado em animal. [...] Há
imagens cosmológicas que são solidárias e se articu- razões para crer que essa transformação mágica acar-
lam num 'sistema', ao qual se pode chamar de 'sistema retava uma 'saída de si mesmo' que se traduzia, com
do Mundo' das sociedades tradicionais: (a) um lugar grande freqüência, por uma experiência extática. Ao
sagrado constitui uma rotura na homogeneidade do se imitar o passo de um animal ou vestir sua pele,
espaço; (b) essa rotura é simbolizada por uma 'abertu- assumia-se um modo de ser sobre-humano. Não se
ra', pela qual se tornou possível a passagem de uma tratava de regressão para uma 'vida animal' pura: o
região cósmica a outra [...]; (c) a comunicação com o animal com o qual era feita a identificação já era por-
Céu é expressa indiferentemente por certo número de tador de uma mitologia; na verdade, ele era um animal

19
mítico, Ancestral ou Demiurgo. [...] Ao se esquecerem "catástrofe primordial" que gera a "condição
as limitações e as falsas medidas humanas, era possí- humana atual". Temos também que é o xamã,
vel encontrar – desde que se soubesse imitar 58
convenientemente os costumes dos animais (andar, através de técnicas de metamorfose , que
respiração, voz etc.) – uma nova dimensão da vida: transcende esta condição, recobrando a "situ-
espontaneidade, liberdade, 'simpatia' com todos os
ação "paradisíaca" perdida na aurora dos
ritmos cósmicos e, portanto, bem-aventurança e imo r-
talidade." (p.497-8) tempos". Como já vimos em relação à psico-
pompia, a tecnologia do êxtase consiste
Assim, vemos que "vestir a pele de basicamente no conhecimento da "geografia
um animal" "eqüivale" a "transformar-se mítica" (saber o "itinerário"), da sua ligação
nesse animal", "experiência extática" capaz com o "mundo humano" (saber onde está o
de conduzir a "uma nova dimensão da vida". "centro") e das relações entre corpo e alma
E seria justamente esta "nova dimensão da (saber como "sair de si mesmo"). Mas como
vida", alcançada paradoxalmente pela "morte acabamos de ver, a experiência extática de
ritual" do êxtase, que corresponderia à expe- "passar", pelo "centro", para outro "nível
riência do "tempo mítico". Esta relação, já cósmico", não consiste apenas num desloca-
implícita na natureza "mítica"/"ancestral" do mento espacial. É por isso que Eliade fala,
animal-modelo da transformação, é explici- por um lado, de uma "catástrofe primordial",
tamente estabelecida por Eliade em diversas e por outro, de uma "nova dimensão da vi-
ocasiões, como quando trata do simbolismo da", onde se encontram "espontaneidade,
ornitológico da psicopompia: liberdade, "simpatia" com todos os ritmos
cósmicos e, portanto, bem-aventurança e
"Os pássaros são psicopompos. Tornar-se imortalidade" (p.498). A noção de "verticali-
pássaro ou ser acompanhado por um deles indica a dade" deve ser compreendida aqui menos em
capacidade de, ainda em vida, empreender a viagem sua dimensão espacial e mais, como queria o
extática para o Céu e o além. [...] Imitar as vozes dos
próprio Eliade, em sua dimensão "existenci-
animais, utilizar essa linguagem secreta durante a
sessão é também sinal de que o xamã pode circular al".
impunemente nos lugares aos quais só os mortos ou os Se, como já vimos, o axis mundi é o
deuses têm acesso. [...] Em numerosas tradições, a "centro do Universo" porque foi neste ponto
amizade com os animais e a compreensão da lingua- que "o sagrado se manifestou", é preciso não
gem deles constituem síndromes paradisíacas. No
perder de vista também que "a cada nova
princípio, ou seja, nos tempos míticos, o homem vivia
em paz com os animais e compreendia sua língua. Foi manifestação" o sagrado "retoma sua tendên-
só depois de uma catástrofe primordial, comparável à cia primeira de revelar-se total e plenamente"
'queda' da tradição bíblica, que o homem se tornou o (p.9). Assim, quando Eliade afirma que, no
que é hoje: mortal, sexuado, obrigado a trabalhar para "êxtase do sonho", o "tempo histórico é abo-
alimentar-se e em conflito com os animais. Ao prepa-
rar-se para o êxtase, e durante o êxtase, o xamã
lido", o "tempo mítico" "recuperado", e o
suprime a condição humana atual e reencontra provi- xamã pode "assistir ao começo do mundo e,
soriamente a situação inicial. A amizade com os assim, tornar-se contemporâneo tanto da
animais, o conhecimento de sua língua, a transforma- cosmogonia quanto das revelações míticas
ção em animal são todos sinais de que o xamã
primordiais" (p.123), ele apenas confirma que
recobrou a situação 'paradisíaca' perdida na aurora dos
tempos." (p.118-9) toda "hierofania" ("até a mais elementar")

Temos aqui, portanto, o contraste dade, certos seres humanos são capazes de transfor-
entre a situação "paradisíaca" do "tempo mí- mar-se em animais, de compreender a língua deles ou
tico", quando "o homem vivia em paz com os de compartilhar sua presciência e seus poderes ocul-
57 tos."(p.113).
animais e compreendia sua língua" , e uma 58
"Sempre que consegue participar do modo de ser
57 dos animais, o xamã reabilita de certa forma a situação
Eliade fala também de uma certa "solidariedade que existia in illo tempore, nos tempos míticos, quan-
mística entre o homem e o animal, nota dominante da do a ruptura entre o homem e o mundo animal ainda
religião dos paleocaçadores. Devido a essa solidarie- não tinha sido consumada."(p.113).

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corresponde, em última instância, à própria Traçando mais uma vez o nosso traje-
cosmogonia. A experiência ritual do "tempo to até a noção de "ruptura" ("ruptura no nível
mítico", portanto, não é "temporal", assim ontológico", "rotura na homogeneidade do
como a experiência extática do deslocamento espaço", "passagem difícil", "perigosa" ou
vertical no axis mundi não é "espacial". Am- "estreita", "límen" que acarreta uma "muta-
bas as experiências coincidem, na verdade, ção"/"transformação"/"iniciação"), mas
com o contexto mítico primordial em que comparando-a agora com a noção de "Que-
tanto "tempo" como "espaço" foram "cria- da", um ponto importante se evidencia.
dos", e passaram a existir na forma como nós Como vimos, uma "ruptura" é condição ne-
os conhecemos. cessária ao xamanismo: experiência extático-
mórbida iniciática que provoca o rompimento
"Por meio do paradoxo do ritual, cada espaço das relações do neófito com o mundo huma-
consagrado coincide com o centro do mundo, da no/profano e ao mesmo tempo o coloca em
mesma forma que a hora de qualquer ritual coincide
com o momento mítico do 'princípio'. [...] Seja qual
contato com o mundo espiritual/sagrado (hie-
for o tipo de ritual, [...] ele se desenvolve não só num rofania antropomórfica). Mas vimos também
espaço consagrado (isto é, num lugar diferente, em que uma "ruptura" é condição necessária
essência, do espaço profano), mas também num 'tem- igualmente ao cosmos: catástrofe que provo-
po sagrado', 'era uma vez' (in illo tempore, ab origine), ca o rompimento das comunicações fáceis
ou seja, quando o ritual foi celebrado pela primeira
entre o mundo humano e o mundo espiritual
vez por um deus, um ancestral, ou um herói."(p.28-9)
("Queda") e ao mesmo tempo "cria", tanto a
Mas se o "tempo mítico" é o "tempo existência profana quanto a única forma de
da criação", e assim precede as próprias ex- superá-la (hierofanias em geral). Assim, fa-
zendo coincidir (paradoxalmente) a
periências humanas de tempo e espaço, é
lícito perguntar: o que existia antes da cria- experiência de criador e de criatura no "tem-
ção?; como se deu a criação?; e por que ela po mítico" das hierofanias, a tecnologia
xamânica das rupturas de níveis ontológicos
se deu?
A noção de "queda", onipresente na (i.e, as técnicas do êxtase) pode finalmente
ser compreendida como um agenciamento
obra de Eliade, corresponde ao momento
crítico do mito cosmogônico em que "algo dá humano concreto e histórico que, no entanto,
errado": algum tabu é violado, alguma lei é manifesta uma "qualidade de ser", um "modo
de existência" trans-histórico, pois que trans-
ignorada, ou alguma divindade é ofendida.
Trata-se, na terminologia de Sullivan, da versal (e não transcendente) às suas
categorias de tempo e espaço profanos.
"catástrofe" que marca a passagem do "caos
primordial" para o "cosmos", e poderia ser
visto como o contexto "liminar" aonde "o REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
sagrado se manifesta" "paradoxalmente" pelo
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próprio ato criativo em si, eternamente em BONGARD-LEVIN, Grigory M.; GRANTOVSKY,
processo; a criação se dá, paradoxalmente, Edvin A. – 1977 – Xamãs e Xamanismo:
pela interrupção deste ato criativo primordi- Viagem emocionante ao país da fábula, in O
al; e esta interrupção já estava implícita no Correio da UNESCO, 5(2):42-7
próprio ato, na medida em que é apenas na CLASTRES, Pierre – 2003 – A Sociedade Contra o
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criação que o ato criativo se manifesta.

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