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1 Pedro Cesarino / 26ª RBA / 2008

A divergência original: tradução xamanística e tradução etnográfica

Pedro de Niemeyer Cesarino


Doutor em Antropologia pelo Museu Nacional (UFRJ)
2008∗

“I cannot, of course, remove myself from this radix:


I merely occupy another position.”
(Marilyn Strathern, The Gender of the Gift)

Este texto pretende colocar em articulação alguns traços do xamanismo


atualmente exercido pelos Marubo (falantes de língua Pano do Vale do Javari, AM) com
certos pressupostos da etnologia. Meu objetivo inicial de pesquisa entre os Marubo era
realizar um estudo e um trabalho de tradução de suas artes verbais, sobretudo daquelas
relacionadas à mitologia e ao xamanismo, a partir de sua inserção etnográfica. A
intenção deliberadamente arbitrária, derivada de meu interesse específico pelos regimes
discursivos e poético dos xamanismos ameríndios, coincidiu, entretanto, com o ethos do
povo em questão, para o qual a expressão verbal elaborada possui papel central. Seus
xamãs conhecem um vasto e complexo corpus de cantos divididos em três modos
distintos: os cantos-mito (longas narrativas cantadas, os saiti), os cantos de cura (longos
cantos agentivos, os shõki) e os cantos dos outros (curtos cantos/falas de espíritos e
mortos, os iniki).1
Tais modos das artes verbais são marcados por um emprego especial da fala
chamado de chinã vana, “fala pensada” ou “fala-pensamento”, utilizado nas reflexões
sobre os tempos do surgimento e suas conexões ou sobreposições com o tempo atual,
nas atividades relacionadas às doenças e outros males, no monitoramento do cosmos, de
suas populações, posições e dilemas. A “fala-pensamento”, um complexo conjunto de
fórmulas poéticas articulados pelos xamãs em seus rituais e conversas noturnas,
constitui o núcleo duro dessa “tradução xamanística” a que me referi e da qual tentarei
indicar alguns contornos e constrangimentos interpretativos. É através dela que um
xamã, aprendiz ou avançado, pode conhecer efetivamente os cantos-mito e os cantos de

A pesquisa de campo que deu origem a este estudo foi realizada com o apoio do CNPq, da FAPERJ
(NuTI/PRONEX), da Wenner-Gren Foundation, do Centre National de la Recherche Scientifique (Bourse
Legs Lelong, Erea) e do Centro de Trabalho Indigenista. As traduções de citações em língua estrangeira
são minhas.
1
Realizo um estudo aprofundado sobre estas e outras questões em meu doutorado (cf., Cesarino 2008), no
qual se inspira grande parte das reflexões aqui apresentadas. Welang (2001) realiza também um estudo
sobre os cantos-mito saiti.
2 Pedro Cesarino / 26ª RBA / 2008

cura, bem como compreender os cantos dos espíritos yovevo, citados ou transportados
através do corpo/casa do xamã romeya. Tal “fala-pensamento” possui diversas
semelhanças com a conhecida “linguagem torcida” (tsai yoshtoyoshto) yaminawa
estudada por Townsley (1993: 460), empregada “para examinar as coisas com cuidado –
para vê-las com clareza” (ibidem), como explicava um xamã ao autor. Guardadas as
devidas ressalvas com relação ao caso marubo – para o qual o uso da ayahuasca não
articula um xamanismo baseado exatamente na experiência visionária individual, tal
como entre outros povos pano2 –, a afirmação é válida para a dinâmica de pensamento
subjacente às fórmulas poéticas que examinaremos aqui. Válida, sobretudo, por indicar
o caráter necessário do emprego metafórico da linguagem no xamanismo, uma vez que
ele oferece ao xamã o conhecimento sobre o surgimento (wenía) ou a formação (shovia)
de todos os entes do cosmos – conhecimento, aliás, cujos elos de transmissão estão
ameaçados nos dias de hoje. É por desconhecerem tal emprego da linguagem, por
exemplo, que os jovens adoecem: adoecem porque “não têm pensamento” (chinã
yama); não conhecem as entidades existentes em sua completude e estão, portanto,
permanentemente sujeitos às ameaças do campo sociocósmico.
Ora, mas o que é isso que a “fala-pensamento” permite apreender e que escapa
aos jovens? Trata-se de algo referido pelos termos yochĩ ou vaká, normalmente
traduzidos pela etnografia como “alma”, “espírito” ou “essência vital”. Chinã, termo
polissêmico, pode, além de “pensamento”, designar também algo que as “coisas” têm
(chinã aya) ou não (chinã yama); é traduzido por “vida” por alguns Marubo, que muitas
vezes escolhem esse mesmo termo para traduzir yochĩ ou vaká. Townsley diz muito
rapidamente em seu artigo que “em um sentido, então, um yoshi [o correlato yaminawa
do yochĩ marubo] é simplesmente o conjunto das características empíricas da coisa à
qual está associada, hipostasiado e alçado ao patamar de um ser independente – uma
essência” (idem: 453). Diz ainda que “na mesma medida em que yoshi são uma parte da
natureza e dos corpos que animam, estão ao mesmo tempo muito além deles, em um
domínio onde até mesmo os yoshi de árvores e insetos vivem vidas inteligentes e

2
Os Marubo não fazem uso da ayahuasca (Banisteriopsis caapi) combinada com a chacrona (Psychotria
viridis). As sessões xamânicas nas quais o uso da ayahuasca pura se faz presente não são, portanto,
orientadas pelas experiências visionárias individuais bastante comuns em outros xamanismos pano,
tukano e arawak, mas sim pela diplomacia sociocósmica e visitas dos espíritos yovevo que chegam no
corpo/maloca dos xamãs romeya. Utiliza-se da infusão do cipó Banisteriopsis caapi para que seu dono ou
espírito, Oni Shãko ou “Broto de Ayahuasca”, auxilie a pessoa a cantar, a memorizar longos cantos e a
permanecer desperta por toda a noite. A experiência visionára ou excorporada propriamente dita é
realizada pelo duplo/alma do xamã romeya, o foco de atenção dos outros membros de uma sessão ritual.
Mais considerações em minha tese de doutorado (Cesarino 2008) e em Montagner (1985, 1996).
3 Pedro Cesarino / 26ª RBA / 2008

volitivas” (idem: 452). Natureza, sobrenatureza e certa relação entre matéria e essência
(ou alma ou espírito) estão portanto aí articuladas, assim como em diversos outros
estudos sobre xamanismos amazônicos e ameríndios: em que medida são, porém,
suficientemente acurados tais pressupostos para a compreensão da articulação suposta
pelo xamanismo entre uma entidade visível e seu aspecto invisível? Mais ainda, o que
determina o corte entre o “natural” e o “extra” ou “sobre”natural? Porque “até mesmo”
árvores e insetos podem viver vidas inteligentes? Porque são entes, digamos, de baixa
estatura ontológica se comparados a humanos? E segundo qual conjunto de
pressupostos?
Em um estudo sobre os Kaxinawá (também falantes de Pano, tal como os
Marubo e os Yaminawa), Keifenheim diz que, “na visão de mundo dos Kashinawa, toda
coisa existente é constituída de matéria e de espírito. Os dois são fenômenos da criação
e não podem em caso algum existir isolados uns dos outros.” (2002: 99; ver algo similar
em Lagrou 1998: 49; 2002: 35). A articulação entre dois (elementos? substâncias?
posições?) é mesmo um dado incontestável das ontologias xamanísticas, mas não os
termos a partir dos quais costuma ser descrita ou traduzida. É sabido que a noção de
natureza (e também a sua oposta complementar, a de cultura) coloca entraves para o
estudo dos xamanismos ameríndios, como têm mostrado Viveiros de Castro (2002) e
Descola (1986): não dá conta da peculiar dinâmica personificante que os constitui e
precisa, portanto, ser reconfigurada para que seja capaz de traduzi-la. O mesmo poderia
ser dito da noção de “criação”: como pensá-la para as cosmologias ameríndias?3
Também a relação entre matéria e espírito – outro dos pares conceituais que tanto
determinam os pensamentos ocidentais – deve ser considerada cum grano salis, para
que não se empreste ao pensamento alheio uma base hilemórfica. O filósofo Gilbert
Simondon descreve bem o quadro de fundo do qual tal terminologia analítica parece ser
tributária:

“Não são apenas a argila e o tijolo, o mármore e a estátua, que podem ser pensados
segundo o esquema hilemórfico, mas também um grande número de fatos de formação,
de gênese e de composição, no mundo vivente e no domínio psíquico. A força lógica
desse esquema é tal que Aristóteles pôde utilizá-lo para sustentar um sistema universal
de classificação que se aplica ao real, tanto segundo a via lógica quanto segundo a via

3
Esboço alguma considerações nessa direção, ainda a serem aprofundadas, em Cesarino (2008: 200 e
segs). Ver também Tedlock (1983) para o caso maya-quiché.
4 Pedro Cesarino / 26ª RBA / 2008

psíquica, assim garantindo o conhecimento indutivo. A própria relação entre alma e


corpo pode ser pensada segundo o esquema hilemórfico.” (Simondon 1995: 37).

O autor, preocupado que está com o princípio de individuação e não,


evidentemente, com os xamanismos ameríndios, nota entretanto na sequência “que
utilizar o esquema hilemórfico implica em supor que o princípio de individuação está ou
na forma, ou na matéria, e não na relação entre os dois. O dualismo de substâncias –
alma e corpo –”, segue o filósofo, “está em germe no esquema hilemórfico, e podemos
nos perguntar se este dualismo não terá derivado das técnicas” (idem: 48 – grifo meu).
Casos à parte, a passagem pode auxiliar a compreensão do uso irrefletido de certos
termos analíticos pela etnologia e a decorrente necessidade de reavaliação do estatuto da
relação pressuposta pelos xamanismos ameríndios, tal como a de “corpo” e “alma”. Tal
estatuto tem sido repensado por diversos estudos, sobretudo pelos conduzidos por
Viveiros de Castro (2002) e Lima (2005)4.
Em minha tese de doutorado (Cesarino 2008), tive a oportunidade de demonstrar
que, entre os Marubo, a relação em questão é recursiva e incompreensível, por exemplo,
à maneira hilemórfica, para a qual um suposto princípio confere vitalidade a um suporte
inanimado, como se tratássemos mesmo de duas substâncias separadas, e assimétricas (a
alma tem um peso ontológico maior do que o corpo). No caso marubo, o que traduzimos
por “alma” ou “duplo” (como prefiro) possui uma característica à primeira vista
paradoxal: para si mesmos, os duplos possuem um corpo; apreendem-se como pessoas
ou como corpos, e não como “princípios vitais” ou “espíritos desencarnados”. O
paradoxo é encontrado em diversos outros casos ameríndios5 e, para os Marubo, pode
ser notado nas marcas gramaticais de posse (awẽ) e de reflexividade (-ri): a-ri ã taná-ro
yora-rvi (3DEM-RFL 3DEM entender-TP gente-ENF), “em seu entender, é mesmo
gente”6. É por isso que a pessoa marubo pode ser compreendida através da idéia de
fractalidade: os xamãs, pessoas múltiplas, têm um corpo designado por um termo que
traduzo por “carcaça” (shaká) que, no entanto, é concebido como uma maloca (shovo)
para os duplos que o habitam, isto é, os vaká do lado direito e esquerdo e o chinã nató,
o duplo central. Tratam-se de três irmãos (mais novo, mais velho e irmão do meio) que
possuem sua socialidade própria na dimensão interna replicada (à imagem da maloca

4
Ver também Surralés (2003), Vilaça (2002) e Coelho de Souza (2002).
5
Entre diversos exemplos possíveis, veja o que diz Vilaça sobre os Wari’: “A alma dos xamãs, as únicas
pessoas que possuem uma alma onipresente, é simplesmente um corpo animal” (2002: 361).
6
3DEM 3ª pessoa demonstrativo; RFL reflexivo; TP tópico; ENF enfático.
5 Pedro Cesarino / 26ª RBA / 2008

externa), que têm para si mesmos um corpo e que vêem como uma maloca isso que nós
vemos como um corpo/carcaça. A-ri ã taná-ro shovo-rvi (3DEM-RFL entender-TP
maloca-ENF). Partindo de um trabalho de Roy Wagner (1991), Lima expôs o caso
juruna nos seguintes termos, que podem ser tomados de empréstimo para interpretar a
situação marubo:

“A pessoa fractal não é um todo, não é um princípio de totalização, mas o que


seccionamos e tratamos como ponto de referência em um certo campo relacional.
Tampouco é uma parte, pois não pode ser destacada de um todo. Ela só se evidencia por
sua relação com outras e, o principal, suas relações externas são suas próprias relações
internas, as mesmas que a constituem por dentro.” (2005: 121-122 – grifo meu).

Por seu vínculo com aparatos conceituais tais como os descritos por Simondon,
“alma” e “corpo” traduzem mal a dinâmica recursiva que caracteriza a pessoa marubo e
outras ameríndias, marcadas pela reprodução de um mesmo esquema em escalas
distintas, por um comportamento fractal portanto, e não por uma cisão entre duas
substâncias (hilemorfismo) ou por uma relação entre parte e todo (mereologismo). A
cisão ou separação entre duplos e corpos pode ser mais bem interpretada, portanto,
como uma questão de posicionalidade e não de vitalismo: a relação tem mais peso do
que os termos relacionados. Ora, esse ensaio é sobre dilemas de tradução e,
paralelamente aos frequentes embaraços conceituais com os quais se envolve o trabalho
etnográfico, cabe aqui considerar o que podemos pensar que pensam os marubo, por
exemplo, sobre a reflexão tradutiva. Tal reflexão, ativa e agentiva, visa justamente
capturar as singularidades existentes em seus dois aspectos: seus duplos e seus corpos.
Se o esquema é válido para a pessoa (fractal, que replica o ambiente externo no
ambiente interno), também o será para quaisquer singularidades existentes, isto é,
qualquer coisa que se desdobre em seu suporte corporal ou carcaça (awẽ kaya, awẽ
shaká) e seu duplo (awẽ yochĩ, awẽ vaká). É precisamente no monitoramento de tal
relação que reside a lógica da chinã vana ou “fala-pensamento”. Dentre as
singularidades existentes – todas cindidas entre duplos e corpos –, algumas possuem
duplos humanóides (yochĩ ou kayakavi, “vivente”) e outras apenas duplicatas
(kayakavima, “não-vivente”). Este último caso é, por exemplo, o dos besouros,
minhocas, facas ou agulhas, que podem introduzir suas duplicatas na carne de uma
pessoa: tais duplos-projeções serão então sugados por um espírito yove que atua através
6 Pedro Cesarino / 26ª RBA / 2008

do corpo de um xamã. O primeiro caso, entretanto, é mais complexo e perigoso, pois


envolve a ação de um duplo humanóide e demanda tratamento através de cantos shõki.
É deste que tratamos aqui.
O pensamento xamanístico deve então monitorar, entre outros aspectos, o
surgimento ou formação (awẽ wenía, awẽ shovia), o trajeto e o estabelecimento (awẽ
tsaoa) das coisas ou singularidades compostas por um corpo/carcaça e um duplo (cf.,
Cesarino 2008). Os blocos de fórmulas estandardizadas que compõem os longos
“cantos-pensamento” ou “soprocantos” shõki visam justamente acompanhar ou
visualizar tal esquema tripartite, a fim de que um determinado agente personificado seja
neutralizado pela atividade xamanística7. A repetição rápida e silenciosa de tais blocos
em uma espécie de fala entoada ou padronizada (chant, em inglês) por um velho xamã
kẽchĩtxo, durante sessões de cura noturnas ou diurnas regadas a rapé e ayahuasca,
caracteriza um dos núcleos centrais do aprendizado xamanístico. Memorizando a
sequência de versos formulaicos proferidos pelo mestre mais velho, os aprendizes
aprimoram seu conhecimento sobre as singularidades, tornando-se, consequentemente,
mais aptos para estancar as sempre presentes ameaças do “fundo infinito de socialidade
virtual” (cf., Viveiros de Castro 2002: 419). Ocorre por vezes de os espíritos yovevo
(uma miríade infinita de povos e coletividades distribuída por todas as posições do
cosmos) virem cantar/falar através do corpo/maloca dos xamãs romeya. (A diferença
entre os xamãs kẽchĩtxo e romeya reside justamente neste ponto8: os primeiros não
excorporam seus duplos e não recebem os espíritos em seus corpos-maloca.) Estes
espíritos são também xamãs ou pajés e podem, portanto, transmitir aos ouvintes
sequências de blocos formulaicos da “fala-pensamento”, que eles, aliás, conhecem
melhor do que os viventes (o propósito do xamanismo dos viventes é justamente o de
mimetizar (naroa) e transmitir o saber dos espíritos yovevo, com relação ao qual estão
sempre defasados). Uma vez memorizados, tais blocos de fórmulas serão utilizados na
performance cantada (song) dos longos cantos shõki, nas quais um ou mais xamãs
kẽchĩtxo se debruçam sobre o corpo enfermo e ali realizam seus cantos por mais de uma
hora sem, entretanto, encostar no doente9. Certa feita, eu pedia ao romeya Armando

7
Tais cantos são análogos aos koshoiti sharanawa (Déléage 2006) e yaminawa (Townsley 1993), que
parecem operar por um esquema similar. Ver também Briggs (1994) para os cantos de cura warao.
8
A diferença pode ser compreendida a partir das considerações de Hugh-Jones (1994) sobre os
xamanismos vertical e horizontal do noroeste amazônico.
9
Isso porque o objetivo é atuar sobre os duplos (yochĩ) que agridem o corpo, em uma direção similar à
apontada por Townsley (1993) em sua pertinente revisão do clássico texto de Lévi-Strauss (1970) sobre a
7 Pedro Cesarino / 26ª RBA / 2008

Cherõpapa que me explicasse melhor a natureza dos espectros yochĩ e de suas ameaças,
bem como das técnicas10 utilizadas em sua neutralização. Eu perguntava pelas sucuris:

P: Askáveise, vẽcha...
E a sucuri?

C: Awẽ kaya shovia mĩ nĩkãtsikira?


Você quer saber como se forma o seu corpo?

Awẽ kaya ashõ akamarivi, yora aská aki.


Não é o seu corpo que causa doença, mas a sua pessoa/gente.

à kaya oaro oase, askámẽki awẽ yochĩ avese.


Vir o corpo dela vem, mas junto com o seu espectro.

Vanayavo, vanayavo. Aská akarvi.


São falantes, falantes. Fazem mesmo assim.

Aivorasĩnã awẽ kayã aská anõ awẽ vakapa.


Quando seus corpos fazem assim, são os seus duplos.

Aská akĩ yochĩ na ẽ yoã kenaivorasĩnã,


Minhas palavras são sobre estes espectros,

askárasĩ kenaya, askárasĩ kenaya.


os assim conhecidos, os assim conhecidos.

Ene shavápa ene shavapa voivoi yochĩrasĩ


Estes espectros que ficam andando pelo mundo sub-aquático, pelo mundo sub-aquático,

askárasĩ kenaya, kenaya.


os assim conhecidos, os assim conhecidos.

Aivo yora nikarãsho, aská akĩ yora ora akatsinã, akarvi.


Tendo vindo para cá, esta pessoa vai causando doença de longe, fazem mesmo.

Awẽ shoviaivo mĩ nĩkãtsikira?


Você quer escutar as suas formações?

P: M, ãtsamashta nĩkãtsiki.
Sim, quero escutar um pouco.

Ch: Tama, tama tekepashõ ikivoro awẽ kaya, anipa.


Árvore, os que são ditos “feitos de tronco de árvore” são seus corpos, os maiores.

Askámaĩnõ askámaĩnõ aská anõs shovo tapõsho ikãivorasĩ


Mas aquelas que se abrigam nas malocas e nas casas,

eficácia simbólica. A exposição detalhada de tal performance e dos próprios cantos shõki demandaria um
estudo em separado, que não pode ser desenvolvido aqui.
10
E aqui estou de acordo com Townsley, para quem o xamanismo yaminawa é “um conjunto de técnicas
para conhecer” (1993: 452).
8 Pedro Cesarino / 26ª RBA / 2008

a tiose na panã tekepashõ ikãivo,


as deste tamanho são “feitas de tronco de açaí”,

panã tekepashõ ikãi, kapi tekepashõ iki, akáro awẽ venepavorasĩ.


“feitas de tronco de açaí”, “feitas de tronco de mata-pasto”, estas são as médias.

Askámaĩnõ ã potochtaro aská, shõpa tekepashõikãi, akaivoro awẽ venekama.


Mas as menores são assim, são ditas serem “feitas de caule de lírio”, estas não são
grandes.

Aro shõpa tekepashõ iki, a venekama.


Estas são ditas serem “feitas de caule de lírio”, as que não são grandes.

Askámãi awẽ kayaparasĩro aská aro shono tapõsho ikãi aká,


Mas as maiores de todas, estas são ditas serem “feitas de raiz de samaúma”,

awẽ askárasĩ painai yoãvaishoavere.


estou te contando daquelas que sobem em cima [das samaúmas].

Awẽ shovia atiki ea yoãvãishoavere


O modo como são feitas eu estou mesmo te contando,

askámãĩnõ a yorakatsinaro, narasĩ no atõ vanã yosĩ aská aki:


mas, se quisermos [pensar] a sua pessoa, o ensinamento das palavras delas é assim:

awẽ shoviro atiki, awẽ ane atiki, anevãish,


como é a sua formação, qual é o seu nome e, em seguida,

awẽ shovia atiki anevãish avaikis,


depois de sua formação e de seu nome,

txipo yoãvãishoi akátskĩna anõ atõ raonõ,


tendo isso feito eu te digo como se faz para curar,

aská aki anõ atõ aká.


como se faz para curar [os males por elas causados].

Awẽ na tama tekepashõ ikiro aro...


As que se diz “feitas de tronco de árvore” são assim...

1. atõ mane roeyai seus machados de ferro


roeyai oneki machados esconderam
vei tama niaki & árvore-morte
atõ vake reraa seus filhos derrubaram
5. rakápakemaĩnõ & caída estando
vei tama tekeyai tronco de árvore-morte
tekeyai oneki o tronco esconderam
vei waka shakĩni dentro do rio-morte
aya onepakeki derrubando esconderam
10. vei waka shakĩni dentro do rio-morte
aya shokoakesho dentro mesmo colocaram

vei tama tekeki tronco de árvore-morte


atõ aya onea deixaram escondido
9 Pedro Cesarino / 26ª RBA / 2008

ene mai tsakamash na terra-rio em pé


15. ene meã tsakamash no braço de rio em pé
rakánavo atõ ash ali assim deixaram
vei shõpa peiki & folha de lírio-morte
votĩ iki irinõ à folha misturaram
mai rakákãisho na terra colocaram
20. rakãnivo yochĩra estes espectros aí
yochĩvoro eakiki os espectros mesmo sou diz11

Askávaikis awẽ yanika awẽ yanika ẽ nĩkãnõ mĩ iki taise.


E os seus alimentos, os seus alimentos “eu quero saber”, você talvez tenha dito.

Awẽ yanikaro
O alimento deles [dos duplos da sucuri]...

1. vei shõpa eneki caldo de lírio-morte


ene yaniawai do caldo vão bebendo
rakãnivo yochĩra os espectros deitados
vei oni eneki caldo de ayahuasca-morte
5. ene yaniawai do caldo vão bebendo
vei oni sanĩni torpor de ayahuasca-morte
vei sanĩkãisho de torpor se embriagaram
rakãnivo yochĩra os espectros aí deitados
vei shõpa eneki caldo de lírio-morte
10. ene yaniawai do caldo vão bebendo

vei shõpa weki & ao vento de lírio-morte


we txiwamashõta ao vento juntam12
rakãnivo yochĩra os espectros deitados
yochĩvoro eaki os espectros mesmo sou
15. vei kapi eneki caldo de mata-pasto-morte
ene yaniawai do caldo vão bebendo
vei kapi sanĩni torpor de mata-pasto-morte
vei sanĩkãisho de torpor se embriagaram
rakãnĩvo yochĩra os espectros deitados
20. yochĩvoro eakiki espectro mesmo sou diz

vei rome eneki caldo de tabaco-morte


ene yaniawai do caldo vão bebendo
vei rome sanĩni torpor de tabaco-morte
vei sanĩkãisho de torpor se embriagaram
25. rakãnivo yochĩra os espectros aí deitados
vei rome paẽnõ com força de tabaco-morte

11
Cherõpapa está aí citando as palavras pertencentes ou ditas pelo duplo da sucuri – mas o faz de
memória, pois tais duplos não estão ali em presença falando através de seu corpo, tal com ocorre em uma
sessão xamânica de cantos iniki (cantos/fala dos espíritos). Um espectro ou duplo fala aí por sua
coletividade (donde a oscilação entre singular e plural). Estabeleço uma distinção entre os termos na
tentativa de esclarecer a diferença entre “duplos” de quaisquer entidades e “espectros”, sobretudo, dos
mortos (yorã vaká): todo espectro é um duplo (vaká, yochĩ, destacado ou associado a um corpo), mas nem
todo duplo é um espectro, isto é, um ente potencialmente agressivo e ameaçador. Espíritos-pássaro, por
exemplo, são duplos (vaká) de seus corpos ou carcaças (kaya, shaká), isto é, de seus bichos (awẽ yoĩni)
que voam pelo céu, mas não são agressivos e insensatos como os espectros dos mortos (de antigos
guerreiros assassinos, por exemplo) ou de determinados animais tais como as sucuris e os macacos-preto
(iso).
12
Somam ou juntam torpor de ayahuasca (oni sanĩ) ao seu vento (we).
10 Pedro Cesarino / 26ª RBA / 2008

ari merakãisho sozinhos se transformaram


ene mai chinãki & para a terra-água
chinãtari awai para terra-água vão
30. rakãnivo yochĩraki os espectros deitados

Awẽ yãnika ẽ nĩkãnõ mĩ ivaivai mĩ ashõvai.


“Quero saber qual é o alimento deles”, disse você e eu te contei.

(Cesarino 2008: 254 e segs)

Cherõpapa passa da exposição/visualização da formação de alguns dos aspectos


dos corpos das sucuris à dos aspectos de suas pessoas: no caso, de seus alimentos
(versos 1-25) e de suas transformações e caminhos em direção ao lugar de
estabelecimento (versos 25-30). No bloco referente aos corpos, faz referência aos
espíritos demiurgos Kanã Mari, que os construíram ou montaram in illo tempore; a
descrição de seus alimentos, por sua vez, é feita através da visualização de sua
socialidade paralela, isto é, do modus vivendi dos duplos que habitam atualmente em
suas moradas. São estes que, como dizia acima, ameaçam a pessoa vivente e que devem,
portanto, ser monitorados pelos cantos. Os blocos referentes à montagem dos corpos
resgatam versos formulaicos dos cantos-mito saiti para os fins práticos dos cantos shõki:
no caso, o canto-mito que relata os feitos dos espíritos Kanã Mari (Kanã Mari Mai
Vana saiti). O procedimento estrutura o xamanismo marubo, para o qual é essencial esta
interprenetração entre os modos agentivo (cantos de cura) e narrativo (cantos-mito) das
artes verbais 13.

Tabela 1: corpos de sucuris


sucuris de corpos shono tapõsho feitas de raiz de samaúma awẽ kayaparasĩ
gigantes
sucuris de corpos tama tekepashõ feitas de tronco de árvore awẽ kaya aniparasĩ
grandes
sucuris de corpos panã tekepashõ feitas de tronco de açaí awẽ venepavorasĩ
médios
sucuris de corpos shõpa tekepashõ feitas de caule de lírio awẽ potochtarasĩ
menores

Os blocos acima mencionados integram um longo canto de dezenas de páginas


quando realizados em performance. Poderiam ainda se estender aos outros aspectos dos
corpos e dos duplos (tais como os seus nomes), a fim de dar conta da “singularidade-

13
Algo similar pode ser encontrado no xamanismo sharanawa (cf., Déléage 2006), yaminawa (Townsley
1993) e desana (Buchillet, 1987, 1990), entre outros.
11 Pedro Cesarino / 26ª RBA / 2008

sucuri” como um todo, mas aqui se detêm apenas em alguns exemplos. O esquema da
“fala-pensamento” aplica-se virtualmente a quaisquer singularidades ou coletividades,
tal como no caso do lixo (matsô), também ele cindido entre seu corpo e seus duplos:

Matsô yochĩ askásevi, matsô potati, matsô potati yochĩ aivoro shaẽshki...
Os espectros do lixo também, do lixo jogado, os espectros do lixo jogado,
estes são ditos “feitos de tamanduá”,

Vei shaẽ kayãyai ikivoro awẽ kaya, a matsô potaivo kaya,


Quando se diz “corpo de tamanduá-morte”, fala-se do corpo do lixo jogado,14

askámãi awẽ vakẽshkivoro askáro a yochĩ


mas quando se diz “feito de filhote” [de tamanduá], é seu espectro

askámãi a kayãshõ ikiro askáro ã kaya.


e os ditos serem feitos do corpo [de tamanduá] são o corpo/conjunto [do lixo].

1. vei shae niaki tamanduá-morte em pé


atõ pakã a atã com lança matam
rakapakemaĩnõ & estando caído
vei shaẽ vakeyai filhote de tamanduá-morte
5. vakeyai oneki o filhote levam
mai vei nawavo povo da terra-morte
vei tama reraki árvore-morte derrubam
shavakapa awaa para clareira abrir
shavá peso paketõ & na terra deitar
10. vei shaẽ vakeki filhote de tamanduá-morte
aya shoko akesho eles ali colocaram
vei shaẽ vakeki filhote de tamanduá-morte
vei mai matoke na colina da terra-morte
nitxĩnavo atõash em pé colocaram
15. ea yochĩ shoviai eu espectro me formei

Tsaõma, nitxĩki.
Não está sentado, está de pé.

Aská avaikĩ a yora, a yora aka askásevi vei shaẽ vesõseki avai,
Assim fazem e então a sua pessoa, a sua pessoa fazem com rosto de tamanduá-morte,

vei shaẽ yorase ivai, vei shaẽ metapas,


com corpo de tamanduá-morte, com patas de tamanduá-morte.

Avakĩ aro awẽ wakama, waka ashõ ari yanikama,


E, em seguida, não é caiçuma, não é caiçuma o alimento deles,

aro awẽ vei rome paẽs anõ wesná paeki,


eles têm tabaco-morte para insônia-envenenar,

awẽ yochĩvarã, wesná avarã keská akaya.

14
Isto é, do conjunto visível de detritos.
12 Pedro Cesarino / 26ª RBA / 2008

é trazido por seu espectro, tal como quando vem chegando insônia.

Avaiki aro, aro ã waka amama, aro waka amama,


E então, ele não toma caiçuma, não toma caiçuma,

vei rome paẽse, anõ wesná paẽvo.


só veneno de tabaco para insônia-envenenar.

Aro matsô yochĩ.


Este é o espectro do lixo.

(Cesarino 2008: 260 e segs)

O emprego de fórmulas e paralelismos pela fala pensada visa produzir uma


intensidade reiterativa capaz de capturar determinada subjetividade em questão (cf.,
Cesarino 2006), seja para os fins da agentividade xamanística (cura, feitiçaria), seja para
a compreensão intelectual da variação das multiplicidades (a proliferação desenfreada
de duplos yochĩ e espíritos yovevo por todo o cosmos). Elementos pertencentes ao
mundo dos brancos não escapam ao esquema: a formação das lanternas (de seus
corpos...) é pensada pela fórmula txi kamã shaõshki, “feita a partir dos ossos de onça-
fogo”; relógios o são pela fórmula txi kamã verõshki, “feitos a partir dos olhos de onça-
fogo”; computadores e televisores são pensados/feitos por “cabeça de onça-tontura”
(sĩki kamã voshká) e “cabeça de onça-morte” (vopi kamã voshká); espelhos, por sua vez,
são feitos de “gordura de onça-tontura” (siki kamã cheni), “gordura de onça-morte”
(vopi kamã cheni), “gordura de onça-tensão” (shetxi kamã cheni) e “gordura de onça-
calafrio” (tsoka kamã cheni). Tais fórmulas referem-se todas aos corpos dos elementos
indicados: é através dessa espécie de bricolagem imagética que os xamãs
“pensam/fazem” o seu surgimento15. Poiein, poiêsis: a “poética” aqui envolvida, se
tomarmos de empréstimo o sentido etimológico do termo em grego antigo, é mesmo um

15
Cabe aqui compreender tal pensamento estritamente a partir das considerações sobre a bricolagem
mítica desenvolvidas por Lévi-Strauss no Pensamento Selvagem (1970)? O sistema xamanístico marubo
permuta elementos em funções vacantes, desloca-se ao longo dos eixos paradigmático e sintagmático;
opera portanto, como diz Lévi-Strauss, a partir de elementos “pré-constrangidos” (idem: 40). Ainda que
esta não delimite um repertório fixo de elementos (“os cantos são intermináveis, não podemos esgotar as
formações”, dizem os kẽchĩtxo com frequência), aponta entretanto para um conjunto fechado formado por
animais e vegetais, cujas partes corporais e outros elementos servirão de estoque para a proliferação de
imagens da mitopoiêsis xamânica. Ora, mas as séries de montagem/transformações poderiam se estender
indefinidamente por todas as entidades existentes, uma vez que muitos de seus processos de formação
estão previstos dentro dos cantos-lista saiti (os cantos-mito) que servem de fonte para o conteúdo
mobilizado pelos cantos-ação shõki (os cantos de cura e de pensamento). Esta indeterminação ocorre
porque as singularidades estão cindidas entre seus duplos e seus corpos. Tal cisão gera uma replicação
infinita de subjetividades e pontos de vista, que precisam ser conhecidos e monitorados em suas
formações (o trabalho do bricoleur).
13 Pedro Cesarino / 26ª RBA / 2008

modo de fazer, uma técnica de manipulação virtual de singularidades. Katsese kẽchĩtxo


chinãrivi, katsese kẽchĩtxto shovirivi, “é tudo pensamento de pajé, é tudo feito por pajé”,
diziam-me com frequência.
Dos elementos acima mencionados, nada porém me disseram sobre seus duplos,
que, por sua vez, vão aparecer nas especulações de um outro xamã sobre a maleta de
ferro que eu levava para a aldeia com meus equipamentos eletrônicos. Seus “fazedores”
(a shovimaivo), seus “donos” (ivo) que vivem distantes nas cidades, podem ser
cantados/pensados através das seguintes fórmulas: “da gente do rio grande / sua coisa
para alegrar” (noa yochĩ nawavo / anõ mekitapãno) (cf., Cesarino 2008). Os donos da
maleta de ferro, isto é, os brancos, são aí chamados de noa yochĩ: emprega-se yochĩ, o
mesmo termo utilizado para a referência genérica aos duplos internos da pessoa e a
qualquer projeção (humanóide ou não) dos corpos que compõem as singularidades
existentes. A noção de yochĩ envolve, portanto, uma relação de distância e de cisão
definidora dos entes ou singularidades: é através do monitoramento de tal relação que os
xamãs podem, por exemplo, atingir os brancos à distância (feitiçaria) ou mesmo
pensar/monitorar os males causados por qualquer elemento ameaçador (atividade de
cura)16.

Tabela 2: coisas dos estrangeiros

feito de ossos de onça-fogo txi kamã shaõshki lanternas amonauti


feito de olhos de onça-fogo txi kamã verõshki relógios vari oĩti
feito de cabeça de onça-tontura sĩki kamã voshká computadores e televisores X
feito de gordura de onça-tontura siki kamã cheni espelhos veishti
feito de gordura de onça-morte vopi kamã cheni
feito de gordura de onça-tensão shetxi kamã cheni
feito de gordura de onça-calafrio tsoka kamã cheni

Os nomes a partir dos quais são compostas as fórmulas – os nomes referentes


aos elementos utilizados pela bricolagem xamanística tais como onça, lírio, açaí e
samaúma – são sempre acompanhados de classificadores (fogo, tontura, morte, tensão,
calafrio). Sua função, como demonstrei em outro lugar (cf., Cesarino 2008), é a de
acompanhar uma variação virtualmente infinita, não apenas dos elementos utilizados
pelo pensamento agentivo xamanístico, mas também da multiplicidade de coletivos que

16
Termos como vaká e yochĩ possuem um campo semântico em comum e são quase sempre sinônimos, na
medida em que designam aquele aspecto/duplo (humanóide ou não) que, junto ao corpo/carcaça,
completa as diversas singularidades. Uma análise detalhada das noções envolvidas em tais termos levaria
a um outro artigo. Ver Cesarino (2008: 224 e segs) e Déléage (2006) para mais considerações sobre o
assunto.
14 Pedro Cesarino / 26ª RBA / 2008

caracteriza o cosmos marubo. Tais nomes são propriamente “entidades-imagem”


manipuladas pelo pensamento xamanístico e não se referem a elementos atuais,
“externos” ou “objetivos”, diríamos nós. Ora, a própria morfologia social sistematiza de
uma maneira peculiar um conjunto determinado de povos (os nawavo) remanescentes
de povos falantes de línguas Pano que, em um dado momento, reuniram-se entre as
cabeceiras dos rios Ituí e Curuçá (cf., Ruedas 2004): a imagem propriamente
cosmopolita da sociedade marubo (“somos como vocês, que têm português, peruano,
brasileiro, colombiano”, dizem com freqüência) replica-se para todo o cosmos e sua
miríade de povos-espírito yovevo; o sistema xamanístico como um todo é propriamente
um sistema de tradução e de trânsito por essa multiplicidade virtual, marcada pela
variação dos classificadores antecedidos aos nomes, sejam estes nomes pessoais ou
nomes de outros elementos.
Não se trata aqui de determinar tal sistema de classificação a partir da
morfologia social, como se essa inspirasse as especulações sobre o cosmos e as
coletividades de espíritos: a dinâmica classificatória e intensiva do xamanismo opera de
modo autônomo; sua base está no campo virtual sociocósmico, anterior ao advento da
sociedade vivente. É verdade, por outro lado, que o sistema parece partir de uma
característica da língua. O marubo funciona de modo similar a outras línguas da família
Pano tais como o shipibo-conibo, que faz amplo uso de compostos morfológicos e
semânticos (cf., Valenzuela 1988). O sistema xamanístico de classificação, entretanto,
não se refere a nomes compostos através de uma relação genitivo-possessiva (tal como
em “dente de caranguejeira”, yotá sheta, ou nawã atsa, “macaxeira do estrangeiro”),
mas sim de variação, como em “tabaco-névoa” (e não “tabaco de ou da névoa”), ou
seja, o tabaco encontrando na “Morada do Céu-Névoa” (koĩ naí shavaya), o último dos
estratos celestes da cosmografia. O mesmo se estende para outros elementos de outras
posições: ene shovo, “maloca-rio” ou a maloca do mundo subaquático; shane awá,
“anta-azulão” ou a anta do patamar celeste Morada do Céu-Azulão; shokor nane,
“jenipapo-descamar”, o jenipapo do patamar celeste Morada do Céu-Descamar, entre
tantos exemplos possíveis.
Trata-se aqui de oferecer apenas um rápido sobrevôo pelo uso especial dos
classificadores e das fórmulas poéticas do sistema xamanístico, este mecanismo de
monitoração e operação intensiva sobre a variação e a multiplicidade que não pode ser
aprofundado aqui (veja Cesarino 2008 para mais detalhes). A idéia é apresentar as
estratégias utilizadas pelo pensamento marubo para refletir e atuar sobre a diferença e a
15 Pedro Cesarino / 26ª RBA / 2008

alteridade, seja no caso dos coletivos de espíritos yovevo, de duplos de corpos tais como
os da sucuri ou de espectros yochĩvo, seja no caso de coletivos de povos estrangeiros,
tais como as outras populações indígenas ou os próprios brancos e seus objetos
tecnológicos. É esse esquema que permite a discriminação, por exemplo, dos
brancos/estrangeiros (nawa) a partir de seus distintos surgimentos e, consequentemente,
de seus distintos agrupamentos coletivos (conforme Cesarino 2008: 428 e segs).
Há “estrangeiros bons” (nawa roapavorasi) tais como os professores, os
médicos e os missionários, e os “estrangeiros ruins” (nawa ichnarasi) ou “bravos”
(nawa onipavorasi). Tais estrangeiros são auxiliados pelos espíritos “sabiás do rio
grande” (noa mawa). Sabiás são espíritos loquazes e seguem acompanhados do
classificador noa, nome do grande rio de onde vêm os estrangeiros, identificado a
Manaus, Brasília, Rio de Janeiro ou São Paulo. (Estariam marcados por outras classes,
se tratássemos dos espíritos auxiliares de xamãs marubo). Diz-se de tais espíritos-sabiá
que são “surgidos do néctar de tabaco branco” (rome osho nãkoki); “surgidos das flores
caídas da samaúma branca” (shono osho menokotõsh wenía), “dos pedaços, flores
caídas e fluxos de seiva da palmeira marajá” (cha chini maská nasotanairi atõsho, cha
chini owa menokoatõsho, cha chini recho avátõsho). O esquema formulaico, vê-se aí, é
o mesmo utilizado no caso dos duplos da sucuri e do lixo examinados acima: as
variações operam apenas ao longo dos sintagmas e paradigmas.
Os estrangeiros bravos, aqueles habitantes das cidades adjacentes à Terra
Indígena Vale do Javari, são por sua vez pensados a partir das seguintes fórmulas,
novamente relativas aos seus surgimentos: surgidos “a partir do néctar da árvore-bravo”
(siná tama nãkõshki), “do néctar da árvore-amargo” (moka tama nãkõshki) e a partir dos
“tabacos-morte” (vopi romerasi). Seus corpos/carnes (kaya, nami) são pensados pela
fórmula “feitos a partir do traseiro de hárpia” (tete txeshopashõ shovia). Distribuem-se
em quatro coletividades: os tsoka nawa (“estrangeiros-tensão”), shetxi nawa
(“estrangeiros-calafrio”), vopi nawa (“estrangeiros-morte”) e siki nawa (“estrangeiros-
tontura”). São “tomadores caldo de taboca-tontura” (siki tawa yanikaivorasi) e de
“caldo de taboca-amargo” (moka tawa yanikaivorasi), metáforas para a cachaça, que os
torna bravos. Os policiais e soldados, por sua vez, são cantopensados através das
seguintes fórmulas: “surgidos a partir das flores caídas do tabaco-bravo” (siná rome
owãshkirasi), “surgidos a partir das flores caídas do tabaco-branco” (rome osho
owãshkirasi), “surgidos a partir das flores de paxiúba-bravo” (siná nisti owãshki) e das
“flores da samaúma-bravo” (siná shono owãshki).
16 Pedro Cesarino / 26ª RBA / 2008

Tabela 3 – surgimento dos espíritos auxiliares


dos estrangeiros bons

surgidos do néctar de tabaco branco rome osho nãkoki


surgidos das flores caídas da samaúma branca shono osho menokotõsh wenía
surgidos dos pedaços do marajá cha chini maská nasotanairi atõsho
surgidos das flores do marajá cha chini owa menokoatõsho
surgidos da seiva do marajá cha chini recho avátõsho

Tabela 4 – estrangeiros ruins

surgidos a partir do néctar da árvore-bravo siná tama nãkõshki


surgidos do néctar da árvore-amargo moka tama nãkõshki
[surgidos partir dos] tabacos-morte vopi romerasi
[corpos] feitos a partir do traseiro de hárpia tete txeshopashõ shovia

Tais fórmulas, mais uma vez, poderiam se desdobrar em longos cantos shõki
referentes às diversas coletividades de estrangeiros, através dos quais estes seriam
pensados/monitorados em seus distintos surgimentos, nas distintas formações de seus
corpos, em seus lugares e alimentos. O xamanismo marubo, vemos bem aí, repousa
sobre o múltiplo: seja no caso dos estrangeiros ou de outros espíritos, a variação de
coletivos já se faz presente desde os tempos do surgimento e, antes como agora, é
justamente sobre suas ameaças que a atividade ritual deve se voltar. Naquele outro
aspecto da complexa vida ritual marubo que não examinamos aqui, referente aos
eventos em que cantam os espíritos yovevo através dos xamãs romeya, também a
multiplicidade é o traço central: os xamãs citam/transportam o que os espíritos,
provenientes de suas infindáveis moradas, vêm dizer aos seus parentes aqui desta terra
(cf., Cesarino 2008; ver Viveiros de Castro 1986 para uma situação análoga entre os
Araweté e Baer 1994 para os Matsiguenga). A separação entre duplos e corpos se dá
contra o “fundo de socialidade virtual” (Viveiros de Castro 2002: 419) que caracteriza a
cosmologia marubo e tantas outras ameríndias. A diferença reside apenas no fato de
que, nos tempos atuais, tal separação engendra dilemas e ameaças cosmopolíticas, sobre
as quais a atividade xamanística deve se voltar permanentemente.
(Este texto poderia ter sido escrito a partir de um outro viés igualmente
complexo do xamanismo marubo e intimamente ligado ao que aqui vai sendo exposto:
os modos de aquisição do conhecimento, os processos de iniciação, a análise detalhada
17 Pedro Cesarino / 26ª RBA / 2008

das sessões xamânicas nas quais vêm cantar os espíritos yovevo, um estudo de seus
cantos e do papel da polifonia. Ali também a figura do estrangeiro e o problema da
tradução são essenciais – o sistema marubo, como tantos outros ameríndios, é
propriamente “excentrado” e pode ser pensado à luz do conceito de “afinidade
potencial” desenvolvido por Viveiros de Castro (2002)17. Aqui, entretanto, trata-se
situar o papel dos estrangeiros no pano de fundo da multiplicidade em que estão
também envolvidos, de apresentar as estratégias a partir das quais os xamãs kẽchĩtxo
podem, com sua “fala pensada”, traduzir e monitorar a diferença.)
Não há neste início, portanto, uma unidade original, uma base universal humana
anterior à fragmentação das línguas, à dispersão dos sentidos: no início era o múltiplo e
não o uno, como postulam as metafísicas monistas ocidentais e seus antecedentes greco-
judaicos. Os coletivos de espíritos demiúrgicos estão presentes desde os tempos
primeiros: não há aqui espaço para a palavra imperativa bíblica, para o gesto criador
derivado de uma única fonte18. É o que disse um Marubo a Melatti: “O Americano [isto
é, o missionário da Novas Tribos] disse que Deus fez sozinho o rio. Mas o rio têm
muitas coisas, coisas do rio têm muito. Não foi ele que fez vẽsha [sucuri] não, não foi
ele que fez peixe não, foi gente (yora shovima) que fez” (1985: 19-20). O interlocutor
de Melatti está aí se referindo aos espíritos demiurgos fazedores do rio (os Matsi Toro e
Ene Voã), cujos feitos são relatados pelo longo canto-mito Waka Vana saiti. É de um
canto como este que são retiradas, por exemplo, as fórmulas utilizadas para pensar e
atuar sobre as singularidades-sucuri (ver depoimento acima); são estas as coletividades
de espíritos que “montam” ou “fazem” as coisas todas a partir de pedaços de animais e
vegetais dos tempos primeiros. É por estarem tais coletividades de duplos e espíritos
suspensas na virtualidade que o xamanismo, indispensável para a manutenção do
parentesco e do viver bem nos tempos atuais, pôde ser caracterizado com perspicácia

17
Um bom exemplo disso é o papel do dom nos processos de iniciação xamanística: o aprendiz deverá,
em um determinado momento de sua trajetória, sonhar com uma pessoa outra, um parente indefinido
(yora wetsa) que lhe entrega, entre outras coisas, filhotes de arara, recipientes de rapé ou então rádios e
gravadores. Estes últimos são uma metonímia para o “pensamento/vida” chinã e para a habilidade de fala
(vana) que a figura onírica transporta ao sonhador, assim capaz de aprender longos e eficazes cantos. O
caso é bastante próximo do xamanismo sharanawa: ver a exposição do processo de iniciação feita por
Déléage (2006: 320 e segs, em especial 328 e 332). Ali também os elementos dos brancos fazem parte de
processos de iniciação: “É então um estrangeiro (nahua) que aparece como o mestre da ayahuasca e a
imagem implícita, aqui, era a de uma loja tal como as que encontramos na cidade mestiça de Esperanza:
uma grande casa repleta de mercadorias (...).” (2006: 329). Trata-se de mais uma formulação da relação
do xamanismo com a exterioridade e a afinidade potencial, tal como observou Viveiros de Castro (2002).
A relação entre mercadoria, alteridade e xamanismo foi bem observada por Bonilla (2005) em seu estudo
sobre os Paumari.
18
Ver o que diz Tedlock (1983: 136, 261 e segs) sobre o Popol Vuh e seus dilemas de tradução.
18 Pedro Cesarino / 26ª RBA / 2008

como uma atividade de tradução e de diplomacia por Carneiro da Cunha (1998). O


sentido resgatado ou vinculado pela tradução xamanística ameríndia, entretanto, parece
não ser muito bem descrito através de certos vieses de certas teorias da tradução, tais
como a de Walter Benjamin:

“Mas a relação em que pensamos, esta relação muito íntima entre as línguas, é
aquela de uma certa convergência original. Ela consiste no fato de que as línguas não
são estrangeiras umas às outras, mas, a priori e feita a abstração de todas as relações
históricas, são aparentadas entre si naquilo que pretendem dizer.” (Benjamin 1971: 264
– trad. minha).

Na cosmologia marubo, não parece haver lugar para uma convergência original
anterior às dispersões babélicas que, bem ao contrário, sempre estiveram presentes no
tempo mítico, horizonte desta “diferença infinita, mas interna a cada personagem ou
agente (ao contrário das diferenças finitas e externas que caracterizam o mundo atual)”,
como bem escreveu Viveiros de Castro (2002: 419). Havia ali sim um horizonte de
comunicação, uma capacidade de compreensão interna à diversidade interespecífica, a
partir daquilo que este mesmo antropólogo chamou de “um contexto comum de
intercomunicabilidade idêntico ao que define o mundo intra-humano atual” (2002: 354).
Não havia, porém, uma palavra humana derivada do logos divino19, pois “humano” já é
aqui uma outra coisa. A tarefa do xamanismo é, pois, a de manipular e transitar sobre a
multiplicidade de duplos e coletivos (seus distintos modus vivendi, suas distintas
línguas...) que não bateu em retirada para um passado inacessível das “origens” mas,
bem pelo contrário, permanece suspensa na virtualidade, de modo contíguo ou paralelo
ao presente. Viveiros de Castro novamente: “A transparência absoluta se bifurca, a
partir daí, em uma invisibilidade (a alma) e uma opacidade (o corpo) relativas –
relativas porque reversíveis, já que o fundo virtual é indestrutível ou inesgotável” (2002:
419-420). Ao diversificarem os estrangeiros em seus distintos coletivos, os xamãs
marubo fazem uso de uma operação similar à empregada, por exemplo, para os espíritos
de outros patamares celestes ou da gente da referência sub-aquática. Desde sempre, aí

19
Benjamin, novamente: “Ce retard infini du verbe muet dans l’existence des choses par rapport au verbe
qui, dans le savoir de l’homme, leur donne un nom, et, à son tour, de ce verbe lui-même par rapport au
verbe créateur de Dieu, voilà qui fonde la pluralité des langues humaines. C’est en traduction seulement
que le langage des choses peut passer dens le langage du savoir et du nom – autant de traductions,
autant de langues, dès lors que l’homme est déchu de l’état paradisiaque, lequel ne connaissait qu’une
seule langue.” (1971: 92-93).
19 Pedro Cesarino / 26ª RBA / 2008

está essa miríade de estrangeiros (nawavo) ou povos, pela qual as palavras têm de
transitar.
20 Pedro Cesarino / 26ª RBA / 2008

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