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Breves apontamentos sobre Filosofia da História a partir de György

Lukács e António Gramsci

Wesley Sousa – UFSJ, 2018;

Graduando em Filosofia pela UFSJ.

Resumo

O pequeno artigo que se segue pretende apontar, sem adentrar nos pormenores
da discussão, aspectos teóricos de dois filósofos da rica e vasta tradição marxista:
António Gramsci e György Lukács. Embora tenham sido contemporâneos entre si e nos
deixado uma produção teórica relativamente distinta, mas partindo do mesmo prisma e a
militâncias políticas similares em alguns aspectos, o intuito aqui é de trazer à tona uma
discussão que nos é pertinente acerca da teoria – ou ainda mais – envolvendo a filosofia
da História. A história dentro do pensamento de Marx guarda uma função essencial por
oferecer uma compreensão efetiva do real que desmascara as formas metafísicas
precedentes. Nesses termos, essa concepção de história se ancora sobre a recusa da
transcendência, construindo uma imanência calcada em um princípio materialista (assim
chamado materialismo histórico). O ponto central da transformação do materialismo
histórico em filosofia da práxis reside da detecção de um novo período histórico por
parte de Gramsci. Este período histórico que nos compele, sob a perspectiva de Lukács,
vem a partir de 1848 (após o fracasso dos levantes revolucionários da classe operária
europeia). Portanto, para o pensador italiano, a história é considerada como natureza do
homem na medida em que é compreendida como um constante devir orientado por
relações sociais mutáveis no tempo. Nesse processo de devir histórico, a unidade dos
seres não está dada, mas se coloca como uma das possibilidades contidas no interior
desse devir. Por outro lado, podemos perceber em Lukács, grosso modo, em que cada
época do processo histórico tem-se a sua própria filosofia da História. Para o filósofo
húngaro, a filosofia marxiana constitui até aqui a mais avançada filosofia da História. O
“método” seria histórico, pois, posto o sujeito seja ontologicamente determinado por tal
condição, e mais além: para sair de uma especulação idealista e fragmentada. Lukács
aprendeu a partir dos estudos em Hegel que a evolução social deve ser focada ao nível
histórico-universal, para que o ser social saia do “reino da necessidade” para o “reino da
liberdade” no qual o ser humano se forja forjando o movimento histórico efetivo.

Palavras-chave: ideologia; filosofia; história; materialismo; marxismo


Embora tenham sido contemporâneos entre si e nos deixado uma produção
teórica relativamente distinta, mas partindo do mesmo prisma e a militância política
similares em alguns aspectos: um deles seria que “embora Gramsci e Lukács militassem
no movimento comunista ligado à Terceira Internacional, não houve nenhum contato
pessoal e direto entre eles” (COUTINHO; 2011, p. 150).

Gramsci considerava o economicismo um desvio da interpretação de Marx.


Considerar a cultura, a política e as ideologias meros reflexos dos movimentos da
estrutura econômica representava um erro teórico que produzia efeitos extremamente
negativos no plano político. A crença de que as contradições econômicas do modo de
produção capitalista levariam o sistema, natural e inexoravelmente, ao seu declínio
favorecia a passividade política do movimento socialista, uma vez que nessa chave de
leitura o socialismo era considerado inevitável.

Tanto o italiano quanto o húngaro criticaram duramente o chamado “marxismo


soviético”, amplamente dominante no período de Stalin, como aparece no Tratado de
materialismo histórico, de Nikolai Bukharin. Para ambos, o pensador soviético não
superaria o materialismo burguês (ou vulgar) ao confundir técnica e relações sociais.
Lukács ao dizer que a “aplicação concreta à sociedade e à história”, subsumindo todos
os fenômenos da economia e da sociologia às relações sociais entre os seres; por outro
lado, Gramsci vai à mesma linha ao dizer que a teoria de Bukharin da história e da
política entendida como sociologia, a ser considerada segundo o método das ciências
naturais (experimental e vulgarmente positivista), seria uma espécie de materialismo
mecanicista.

Essa concepção estava presente nas interpretações do marxismo de Kautsky e


Bernstein, expoentes da Segunda Internacional Socialista, e seguiu manifesta ao longo
do século XX nos escritos de intelectuais e de líderes do movimento socialista
internacional. A disputa em torno das interpretações de Marx no primeiro quartel do
século XX ensejou um movimento que buscou nuançar e reinterpretar a tese da
determinação econômica (economicismo). Essa foi o principal alvo da ciência política
gramsciana. O projeto de rever na teoria marxista as relações entre a base econômica e a
superestrutura ideológica atravessou o século XX e incluiu inúmeros protagonistas,
dentre os quais se destacam nossos autores supracitados.
O engajamento de ambos autores na afirmação do marxismo como
uma teoria social que reputa à História lugar privilegiado na
interpretação do mundo social é indiscutivelmente posta. Gramsci
sintetizou essa opção ao afirmar que o marxismo é um historicismo
absoluto. Contudo, o marxismo é um historicismo na medida em que
supõe que não existe nada para além da História. [...] Ao confrontar
as visões que, em nome de uma interpretação materialista da
sociedade e da História, eclipsaram o papel do sujeito na construção
do mundo social. (VIEIRA, C. E.; TABORDA, M. A; 2010, 525).

Ao escrever que filosofia e história formam um “bloco”, ou seja, uma estrutura


na qual se inserem a estrutura econômica e as superestruturas ideológicas, não havendo,
na interpretação gramsciana, por assim dizer, uma “hierarquia” à priori dos momentos
da realidade, nem no sentido idealista, muito menos no sentido materialista. O sujeito e
o objeto não são, senão, momentos relativos da práxis, da atividade histórica dos
homens.

Nos termos de Gramsci, a filosofia da história também se dá, em consequência,


na história da filosofia, pela qual os seres ativos buscam renovação radical na realidade
concreta, na sociedade e na própria história, ou seja: para ele, na fundação de uma nova
cultura ou ordem social. Em suas palavras temos sua seguinte indagação:

[...] é preferível “pensar” sem disto ter consciência crítica, de uma


maneira desagregada e ocasional, isto é, “participar” de uma
concepção do mundo “imposta” mecanicamente pelo ambiente
exterior, ou seja, por um dos vários grupos sociais no quais todos
estão automaticamente envolvidos desde sua entrada no mundo
consciente [...] ou é preferível elaborar a própria concepção do mundo
de uma maneira crítica e consciente e, portanto, em ligação com este
trabalho do próprio cérebro, escolher a própria esfera de atividade,
participar ativamente na produção da história do mundo, ser o guia de
si mesmo e não aceitar do exterior, passiva e servilmente, a marca da
própria personalidade? (GRAMSCI; 1978, p. 12).

Posteriormente, o pensador italiano coloca que uma combinação de elementos


que culminam em um a determinada direção a virar uma espécie de “norma”. E, a partir
disso, uma ação coletiva que “vira” história concreta e integral.

E assim ele nos escreve em um trabalho publicado no Brasil com título de


“Concepção dialética da História”:
Do ponto de vista que nos interessa, o estudo da história e da lógica,
das diversas filosofias dos filósofos não é suficiente. Pelo menos como
uma orientação metodológica, deve-se chamar a atenção para as outras
partes da história e da filosofia; isto é, para as concepções do mundo
das grandes massas, para as dos mais restritos grupos dirigentes (ou
intelectuais) e, finalmente, para as ligações entre esses vários
complexos culturais e a filosofia dos filósofos. A filosofia de uma
época não é a filosofia deste ou daquele filósofo, deste ou daquele
grupo de intelectuais, desta ou daquela parcela das massas populares.
(GRAMSCI; 1978, p. 32).

A própria concepção do mundo corresponde a determinados problemas


colocados pela realidade pela qual pertencemos e, são eles, “originais” em sua
atualidade. Gramsci acrescenta que o homem não é somente a síntese das suas relações,
mas “também a história dessas relações”.

Para Gramsci, podemos perceber que as ideologias não são meras aparências
ou reflexos superestruturais; mas, pelo contrário, são realidades objetivas que, na
expressão de Marx, repetida exaustivamente por Gramsci, tornam-se forças operantes
quando ganham a consistência nas crenças populares. A partir desse ponto de inflexão
na interpretação de Marx, António Gramsci desenvolveu sua teoria da relação entre
estrutura econômica e superestrutura ideológica, sintetizada no seu conceito de bloco
histórico, entendido como complexo de estruturas materiais e superestruturas
ideológicas que se condicionam mutuamente. Em outras palavras, a filosofia de um
tempo, dentro da História, também constitui uma forma ideológica (na forma
superestrutural).

Em consequência, há também uma alteração na concepção do sujeito histórico


universal, de modo que o foco de Gramsci, ao alargar os conceitos de intelectual e de
partido, retira a centralidade dada a classe operária, passando a pensar na construção de
sujeitos coletivos organizados supra-nacionalmente. Nesse sentido, essa formação
política, que parte da sociedade civil e pressupõe a crise do Estado-nação, se realiza na
medida em que o Estado desaparece, sendo absorvido pela sociedade civil na
constituição daquilo que Gramsci nomeia como sociedade regulada (um belo e
instigante eufemismo para comunismo).
Consequentemente, por sua vez, percebemos em Lukács a primazia pela
abordagem marxiana como pedra angular de suas análises e investigações filosóficas,
como uma filosofia revolucionária de nosso tempo, consagrada à alternativa de uma
ciência da História (c.f. LUKÁCS, 2003). Podemos perceber em nosso pensador
húngaro, grosso modo, em que cada época do processo histórico tem-se a sua própria
filosofia da História. Para o filósofo húngaro, a filosofia marxiana constitui até aqui a
mais avançada filosofia da História.

Lukács expõe, pois, em um de seus trabalhos iniciais dentro do marxismo,


intitulado “História e Consciência de classe”, que o materialismo histórico é oposto às
ideologias burguesas. Ainda com certos “resquícios” hegelianos no interior de seus
estudos desse trabalho (bastam-nos observar seu prefácio autocrítico à edição de 1967),
o autor pontua durante determinado ponto, ao resgate da filosofia da práxis (nos termos
gramscianos), em um capítulo chamado “A mudança de função do materialismo
histórico”, cujo iremos encontrar a seguinte análise:

Mas em oposição aos métodos da história da burguesia, ele [o


materialismo histórico] nos permite, ao mesmo tempo, considerar o
presente sob o ponto de vista da história, ou seja, cientificamente, e
visualizar nela não apenas os fenômenos de superfície, mas também
aquelas forças motrizes mais profundas da história que, na realidade,
movem os acontecimentos. (LUKÁCS; 2003, 414-5).

Subsequente a isto, prossegue ele a escrever com certo grau de ênfase que o
materialismo é uma arma suficientemente eficaz do ponto de vista cientifico e
ontológico nas mãos do operariado. E comenta a respeito:

Sendo assim, o materialismo histórico tinha para o proletariado em


valor muito maior do que simplesmente o de um método de pesquisa
científica. [...] A tarefa mais importante do materialismo histórico é
formular um juízo preciso sobre a ordem social capitalista e desvelar
sua essência. (LUKÁCS; idem).

O “método” seria histórico porque, pois, ao materialismo posto que o sujeito


seja ontologicamente determinado por tal condição, e mais além: para sair de uma
especulação idealista e fragmentada, Lukács aprendeu a partir dos estudos em Hegel
que a evolução social deve ser focada ao nível histórico-universal, para que o ser social
saia do “reino da necessidade” para o “reino da liberdade” no qual o ser humano se forja
forjando o movimento histórico efetivo.

Basta evocar um momento da história da filosofia para apreciar-se a magnitude


desta inflexão. No período pré-marxista, a história da filosofia e, consequentemente, a
filosofia da história conhece um duplo confronto: o materialismo contra o idealismo e a
dialética contra o pensamento metafísico (desde Santo Agostinho passando por Voltaire,
Rousseau, Kant, até chegar, finalmente, em Hegel). Estas duas linhas de combate
interferem permanentemente uma sobre a outra. E assim Lukács escreveu em seu “O
jovem Marx e outros escritos de filosofia”:

[...] o marxismo constituir algo de qualitativamente novo, uma


inflexão decisiva na história do pensamento - e o marxismo só pôde
instaurar-se como esta inflexão precisamente porque superou (no
triplo sentido hegeliano: negou, conservou e elevou a um nível
superior) todas as correntes progressistas do desenvolvimento da
humanidade. (LUKÁCS; 2009, p. 67).

Vale frisar, no entanto, a dificuldade não menos prazerosa de encontrar nos


escritos lukacsianos algo especial e intimamente ligada à filosofia da história
propriamente dita. Porém, também é igualmente importante salientar, numa certa
aproximação, elementos constitutivos concernentes a esta disciplina. O pensador
húngaro na maturidade em dar ênfase intelectual às investigações sobre a Ontologia e a
Estética nos permite caminhar sobre o tema, visto que toda sua trajetória após HCC
(História e Consciência de classe) é, sem dúvidas, buscar a gênese social, seus
desdobramentos e, acima de tudo, seus fundamentos. Assim, ao lado de Gramsci, o
filósofo de Budapeste nos legou um vasto campo investigativo sobre a história da
Filosofia e a filosofia da História.

À guisa de conclusão, muito se pode dizer entre os dois autores, seja em


convergências seja em divergências (possuindo pontos fortes nos dois, certamente).
Lukács e Gramsci são imprescindíveis para um renascimento do marxismo em nosso
tempo. Sem este resgate intelectual, não se pode ter um movimento congruente com
nossos anseios. Lembrando Marx em seu “O 18 de Brumário de Luís Bonaparte”: “Os
homens fazem a história, não a fazem livremente, em condições escolhidas por ele, mas
em condições diretamente dadas, legadas pela tradição.” (MARX cit. In. NIZAN;
1949, p. 99).
Referências bibliográficas:

COUTINHO, C. N. De Rousseau a Gramsci – ensaios de teoria política. São Paulo:


Boitempo, 2011.

GRAMSCI, A. Concepção dialética da história. Tradução Carlos Nelson Coutinho;


ed. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, RJ; 1978, 3° edição.

LUKÁCS, G. Histórica e Consciência de Classe: um estudo sobre a dialética


marxista. Tradução Rodnei Nascimento; revisão da tradução Karina Jannini. São
Paulo: Martins Fontes, 2003.

LUKÁCS, G. O jovem Marx e outros escritos de filosofia. Carlos Nelson Coutinho e


José Paulo Netto, organização, apresentação e tradução. 2° ed. Rio de Janeiro: Editora
UFRJ, 2009. (Pensamento Crítico ; v. 9)

NIZAN. P. Y. Karl Marx – Trechos escolhidos sobre filosofia. Trad. Inácio Rangel.
Editorial Calvino; RJ, 1949.

VIEIRA, C. E.; TABORDA, M. A. Thompson e Gramsci: História, Política e


processos de formação. Educ. Soc., Campinas, v. 31, n. 111, p. 519-537, abr.-jun. 2010
519. Disponível em http://www.cedes.unicamp.br.

Referências bibliográficas consultadas

ARNAUT, C. A. de Toledo; GOMES, J. M. Texto e contexto: Gramsci e a história.


In AGGIO, Alberto; HENRIQUES, Luiz Sérgio; VACCA, Giuseppe (Orgs.). Gramsci
no seu tempo. Tradução de Luiz Sérgio Henriques. Brasília: Fundação Astrogildo
Pereira. Coedição, Rio de Janeiro: Contraponto, 2010.

PLEKHANOV. A concepção materialista da história. Editora Escriba, 3° edição.

WOOD, Ellen. Em defesa da História: o marxismo e a agenda pós-moderna. Crítica


Marxista, São Paulo, Brasiliense, v.1, n.3, 1996, p.118-127.

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