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ARA FREAR CUSTOS, PLANOS E HOSPITAIS

TESTAM NOVO MODELO DE PAGAMENTO


Publicado em 12 de dezembro de 2016 por Site

Diante da grave crise e do aumento recorde de custos, planos de saúde e hospitais


estão testando um novo modelo de remuneração que levará em conta a qualidade
da assistência prestada, e não mais a quantidade de procedimentos realizados.

Hoje, vigora o “fee for service” (pagamento por serviços). Quanto mais insumos um
hospital utiliza, mais o plano paga. Isso estimula o desperdício e o aumento de
custos para os planos e, no final, para os usuários. A Abramge (Associação
Brasileira de Planos de Saúde) diz estar preparada para iniciar a implantação do
novo modelo até o fim de 2017. A entidade, junto à Fenasaúde (Federação Nacional
de Saúde Suplementar), realiza projeto piloto que deve estar pronto em março.

Fachada do hospital Albert Einstein, em SP, que já vem testando um novo modelo
de
avaliação
O modelo proposto pelos planos é o DRG (Grupos de Diagnósticos Relacionados,
numa tradução livre), um sistema que vigora em 20 países, entre eles Estados
Unidos, Austrália e África do Sul.
Ele reúne grupos de pacientes com as mesmas doenças e características e
estabelece um valor fixo a ser pago pelo tratamento. Por exemplo: tratar um
homem de 40 anos com pneumonia, sem outros problemas de saúde, seria mais
barato do que tratar um idoso de 80 anos, cardiopata e que toma dez
remédios/dia.
Também existem compensações financeiras para hospitais com melhores
indicadores de qualidade, como menores taxas de infecção hospitalar, de
mortalidade e de eventos adversos.
Segundo Bruno Maciel, diretor da consultoria PwC, responsável pelo projeto piloto,
situações em que o desfecho clínico não é tão previsível –como um bebê prematuro
internado na UTI neonatal–, continuarão remuneradas com base no “fee for
service”.

Ele diz que nos países que usam o DRG, de 20% a 30% das contas são pagas por
serviços. “São modelos híbridos, mas o DRG prevalece.”

ENTENDA A MUDANÇA NA SAÚDE

COMO É HOJE: Prevalece o sistema de pagamento por serviço, em que o hospital


recebe pelos procedimentos e itens usados

PROBLEMAS: A qualidade não é considerada, e há desperdício e aumento de custo


para o plano, que repassa a conta ao usuário

VANTAGENS: Para situações clínicas mais imprevisíveis, o pagamento por serviço


segue sendo a melhor alternativa

O NOVO MODELO: Classifica grupos de pacientes com as mesmas doenças e


características e estabelece um valor fixo a cada tratamento

PROBLEMAS: Pode incentivar que hospitais usem produtos piores para obter lucro
e
gerar recusa de pacientes mais complexos

VANTAGENS: Contém os custos médicos, melhora a eficiência, diminui os


tratamentos excessivos e aumenta a transparência

INSUSTENTÁVEL

Pedro Ramos, diretor da Abramge, diz que o atual “fee for service” é insustentável.
“A galinha dos ovos de ouro está morrendo. Nós pagamos 97% das contas
hospitalares e não vamos abrir mão dessa mudança. Mas tem de haver honestidade
de todos [planos, hospitais e fornecedores].” Com a crise, os planos de saúde
perderam quase 2 milhões de usuários e enfrentam aumento recorde de custos,
puxados pelo avanço das despesas médico-hospitalares.
Para Luiz Carneiro, superintendente do IESS (Instituto de Estudos de Saúde
Suplementar), além da redução de custos, o DRG dará mais transparência à
qualidade da assistência de um hospital. “Hoje não sabemos, por exemplo, qual a
taxa de infecção hospitalar e de reinternação.”

O Hospital Israelita Albert Einstein testa o DRG há um ano como ferramenta de


avaliação do consumo de recursos de acordo com a complexidade dos casos
clínicos. Segundo Sidney Klajner, recém-eleito presidente do Einstein, o modelo
tem permitido comparar a prática médica assistencial e a eficiência de um
tratamento.

“Com ele, os hospitais terão que assumir a responsabilidade por complicações


evitáveis que o paciente possa ter por falta de um processo de segurança interno.”
Francisco Balestrin, presidente da Anahp (Associação Nacional dos Hospitais
Privados), diz ser preciso mudar a forma de remuneração, que o atual modelo gera
desperdícios, mas tem ressalvas sobre o DRG. “Ele implica mudar todo o sistema de
informação de um hospital. Isso não é barato e leva tempo.”

PEÇA-CHAVE
A mudança no modelo de remuneração é considerada a peça-chave para uma nova
forma de assistência que está em curso em vários países do mundo, chamada de
cuidados de saúde baseados em valor (VBHC, em inglês). Na semana passada, a
consultoria The Economist Intelligence Unit divulgou em Miami um estudo
patrocinado pela Medtronic em que avaliou a situação dos sistemas de saúde de 25
países –na América Latina, Brasil, Chile, Colômbia e México. Segundo David
Humphreys, diretor da consultoria, os países latino-americanos têm baixo
alinhamento com esses novos princípios –apenas a Colômbia teve classificação
moderada. “Existem boas iniciativas, como a implantação dos registros eletrônicos
no Brasil, mas ainda há muito o que avançar.” O estudo analisou 17 indicadores,
como cuidados integrados e concentrados no paciente e medição de resultados e
despesas.

Para a médica Ana Maria Malik, coordenadora da FGV saúde, o Brasil precisa
avançar na melhoria e transparência das informações. “Mas a questão é que
sistemas de informação mostram coisas que não gostamos de ver. Por isso, há
tanta resistência.” A avaliação geral é que as atuais abordagens não são eficientes
nem sustentáveis. Os sistemas ainda recompensam o volume de atendimentos, não
o valor do cuidado. Em geral, são fragmentados, desconectados e caros. Pacientes
crônicos, por exemplo, podem ter o mesmo exame pedido várias vezes pelos
diversos especialistas que estão consultando, o que gera enorme desperdício.

Para enfrentar esses desafios, países como os EUA criaram novas métricas e já
recompensam a qualidade, não o volume dos serviços. Hugo Villegas, presidente da
Medtronic na América Latina, diz que a empresa tem feito várias parcerias com
sistemas de saúde que permitam ampliar o acesso a produtos e serviços de alta
qualidade com uma boa relação de custo e benefício. Na Holanda, por exemplo,
participa de uma iniciativa que busca melhorar os cuidados à saúde de 1.800
pacientes com diabetes tipo 1. “Conseguimos baixar a hipoglicemia em 82%, o
reingresso nos hospitais em 51% e os custo desses pacientes em 9%.” Segundo
Villegas, a empresa só é remunerada se consegue demonstrar os bons resultados
clínicos.

No Brasil, a Medtronic participa de um projeto piloto com médicos, seguradoras e


hospitais privados em que vai avaliar o tratamento de um grupo de pacientes
cardíacos e definir o desfecho clínico esperado após 18 meses. “Eles serão tratados
e continuarão sendo acompanhados após a alta. Se não tiverem complicações e o
tratamento se mostrar efetivo, aí a equipe será remunerada.” Mas é factível para
empresa esperar 18 meses para ser remunerada? “É uma grande mudança, difícil,
mas é factível. Estamos convencidos de que temos que mudar o modelo de
negócios. A sustentabilidade do setor também será a nossa como empresa.”

Fonte: Folha de S. Paulo

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