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O risco à autenticidade da vida em Hans Jonas frente às promessas do transumanismo.

O objetivo dessa comunicação é apresentar os riscos à autenticidade da vida diante das


promessas do transumanismo, principalmente aquelas que têm como objetivo manipular
geneticamente o ser humano. Para isso, primeiramente apresentaremos algumas características
do transumanismo, principalmente aquelas que tem como objetivo superar nossas limitações
naturais, entre elas: a manipulação genética, o controle de comportamento e o prolongamento
da vida; no segundo momento, apresentaremos o que entendemos por autenticidade e vida na
filosofia de Hans Jonas, e de que forma, autenticidade e vida, estão ligadas com a liberdade e
a responsabilidade.
Lev Grossman (2011) afirmou que em um futuro (não distante) o ser humano sofrerá
transformações profundas e da qual terá que conviver com certas melhorias tecnológicas em
seu corpo orgânico. As alterações provocadas pela tecnologia alteraram nossa “natureza
humana”, a ponto de darmos um passo decisivo na evolução da humanidade enquanto espécie.
Em seu artigo “2045: o ano em que o homem se tornará imortal” Grossman, seguindo Ray
Kurzweil, afirma que estamos nos aproximando de um momento da história em que os
computadores se tornarão tão inteligentes como os seres humanos, e mais, a ponto da
inteligência artificial ultrapassar a inteligência orgânica, quando isso chegar, nossos corpos,
nossas mentes e nossa organização social serão severamente modificadas. Essa época de
transformação para o autor é algo eminente.
A forma como os computadores estão sendo aperfeiçoados acontece num ritmo
exponencial. Certos aparelhos realizaram feitos impensáveis nos últimos 20 anos, como
vencer o ser humano no xadrez ou no GO. Mas o problema não está no crescimento
exponencial dos computadores e no surgimento da inteligência artificial, e sim no que
podemos fazer no cérebro humano de modo a aprimorá-lo para realizar várias tarefas de uma
só vez. Essa dinamicidade da inteligência artificial capaz de aumentar a inteligência dos
computadores, é chamada de “singularidade” ou “explosão de inteligência” como chamou o
britânico Good (matemático em 1965):

Deixe que uma máquina ultrainteligente seja definida como uma máquina que pode
superar todas as atividades intelectuais de qualquer homem, por mais inteligente que
seja. Como o design das máquinas é uma dessas atividades intelectuais, uma
máquina ultrainteligente poderia projetar máquinas ainda melhores; haveria, então,
inquestionavelmente, uma "explosão de inteligência" e a inteligência do homem
seria deixada para trás. Assim, a primeira máquina ultrainteligente é a última
invenção que o homem precisa fazer (GOOD apud GLOSSMAN, p. 2).
Kurzweil também compartilha dessa ideia que há um aceleramento exponencial do
progresso, que permitirá as áreas da convergência tecnológica criar uma superinteligência, o
ano para isso segundo Kurzweil é 2045, momento em que os computadores ultrapassarão a
inteligência humana.
Outro tema que Glossman destaca em seu artigo é a cura do envelhecimento, o
envelhecimento é uma doença, acabar com a morte é uma questão de tempo e tecnologia. Por
exemplo, é bem conhecido que uma das causas da degeneração física associada ao
envelhecimento envolve os telômeros, que são segmentos de DNA encontrados nas
extremidades dos cromossomos. Toda vez que uma célula se divide, seus telômeros ficam
mais curtos e, uma vez que uma célula fica sem telômeros, ela não pode mais se reproduzir e
morrer. Mas há uma enzima chamada telomerase que reverte esse processo; é uma das razões
pelas quais as células cancerígenas vivem tanto tempo. Então, por que não tratar células não
cancerosas comuns com a telomerase? Pesquisadores da Harvard Medical School anunciaram
na Nature que fizeram exatamente isso. Eles administraram telomerase a um grupo de ratos
que sofriam de degeneração relacionada à idade. O dano foi embora. Os ratos não melhoraram
apenas; eles ficaram mais jovens.
Para pensadores como Aubrey de Grey o envelhecimento é um processo que acumula
danos, assim como em uma máquina, o corpo humano possui diversas funções, e com o
passar do tempo acumula danos como se fosse efeitos colaterais, por simplesmente
funcionarem. Então, a princípio podemos reparar periodicamente certos danos, até
eliminarmos aquilo que era considerado impossível.
Para Kurzweil não precisamos desenvolver tecnologias que tratem o envelhecimento e
nos dê boas condições de vida, para ele, basta chegarmos ao momento da singularidade, isto é,
a partir do momento em que a inteligência artificial se tornar uma super inteligência, a
nanotecnologia se encarregará de tratar dos problemas sistêmicos do nosso corpo, como o
envelhecimento.
Aqui adentramos em algumas questões filosóficas: suponha que criássemos um
computador que falasse e agisse de uma forma indistinguível de um ser humano - em outras
palavras, um computador que pudesse passar no teste de Turing. (Muito vagamente falando,
tal computador seria capaz de passar como humano em um teste cego.) Isso significaria que o
computador era senciente, como um ser humano é? Ou seria apenas um autômato
extremamente sofisticado, mas essencialmente mecânico, sem a misteriosa centelha de
consciência - uma máquina sem fantasma? E como saberíamos? Se eu puder escanear minha
consciência em um computador, ainda sou eu? Quais são a geopolítica e a socioeconomia da
Singularidade? Quem decide quem é imortal? Quem desenha a linha entre senciente e não-
consciente? E quando nos aproximamos da imortalidade, onisciência e onipotência, nossas
vidas ainda terão significado? Ao vencer a morte, teremos perdido nossa humanidade
essencial?
No futuro de Kurzweil, a biotecnologia e a nanotecnologia nos dão o poder de
manipular nossos corpos e o mundo à nossa volta, a nível molecular. O progresso
hiperacelerado a cada hora traz um século de descobertas científicas. Nós abandonamos
Darwin e nos encarregamos de nossa própria evolução. O genoma humano torna-se apenas
muito código para ser testado e otimizado e, se necessário, reescrito. Extensão de vida
indefinida se torna uma realidade; as pessoas só morrem se escolherem. A morte perde sua
picada de uma vez por todas. Kurzweil espera trazer seu pai morto de volta à vida.
O pensamento transumanista abriu uma nova dimensão espaço temporal da ética, de
modo que nossas ações tornarem poderosas e vagas. Bohler afirma que, “com o que fazemos
aqui e agora, podemos influenciar a vida de outros seres humanos em outros lugares e até
mesmo hipotecar o futuro das gerações ainda inexistentes” (1994). Neste cenário tecnológico,
Jonas precisa levantar um fundamento ontológico da ação humana no mundo. A afirmação
original do ser é, de fato, sua tendência a um objetivo e o primeiro propósito do ser é
continuar sendo, portanto, sua própria autopreservação. Ser é melhor do que não ser, ter
objetivos melhores do que não ter e ser afirmado acima de tudo para continuar lá (Jonas,
1990, p.102). É essa superioridade de ter propósito sobre a ausência de objetivos, de ser sobre
o não-ser, que constitui o axioma ontológico fundamental que permite a Jonas interpretar a
finalidade intrínseca do ser, não apenas de fato, mas também como um valor. Se ser é
preferível ao não-ser, então isso significa que o propósito para o qual o ser em si se empenha,
isto é, a sua conservação, é também um valor a ser salvaguardado. Mas o que é esse "ser"? De
acordo com Jonas é a própria vida que, apesar da instabilidade e incerteza que marca ("A vida
é mortal mesmo que é a vida, mas porque é vida." - Jonas 1999, p 12), se manifesta nas
formas de liberdade gradualmente crescente e articulada em plantas, animais e seres humanos
(Jonas, 1999, p. 147).
A recuperação da especificidade da vida é apenas o primeiro passo em um caminho
mais difícil, abordar a questão do lugar do homem no cosmos, Jonas quer dar conta do fato de
que o ser humano é, sim, um ser vivo, um organismo entre outros, sendo ao mesmo tempo
dotado de uma especificidade irredutível (a este respeito, Jonas falará até mesmo de um "hiato
metafísico" - Jonas, 1999, p.223).
A característica fundamental do ser humano, que o difere dos demais seres vivos é a
liberdade. Mais especificamente o que permite diferenciar o animal do ser humano é sua
capacidade de produzir imagens, capacidade essa que não está ligada a uma função orgânica,
mas que revela o controle do homem sobre seu corpo, uma atividade que é livremente
escolhida, imaginada e projetada. A capacidade de imaginação também pode receber
conotações éticas, a medida que posso imaginar algo que ainda não está presente, isto é, como
algo deveria ser. Resta-nos indagar qual o sentido de homem e qual sua imagem no futuro.
"somente então, com a antevisão da desfiguração do homem, chegamos ao conceito de
homem a ser preservado. Só sabemos o que está em jogo quando sabemos que está em jogo.
Como se trata não apenas do destino do homem, mas também da imagem do homem, não
apenas de sobrevivência física, mas também da integridade de sua essência, a ética que deve
preservar ambas precisa ir alem da sagacidade e tornar-se uma ético do respeito” (PR, 21). De
modo geral para Jonas, há um bem em si mesmo no ser, que faz com que a vida exista como
um todo, então, se ela deve existir é nossa obrigação garantir que ela continue existindo.
Portanto, o ser humano é o único ser vivo, agente da responsabilidade, que pode assumir essa
tarefa, pois somente nele a liberdade assume o caráter de ação responsável. Sua tarefa é
defender e proteger a imagem do homem.
Jonas, no PR, destaca os riscos que qualquer melhoria na natureza humana pode
representar a espécie. Há um dever que nos obriga a preservação diante de todas as possíveis
melhorias no humano. Vimos que a superação da constituição humana para os transumanistas
é uma realidade, John Harris nos diz que a manipulação genética é o nosso futuro, ou
Sloterdijk (2001) que nos diz que não escaparemos de uma reforma genética. O problema é,
se diante de uma reforma do humano, os novos seres vivos optarem por renunciar sua
existência ou alguma melhoria, a quem eles recorreriam? Para Bostrom (2005), caso os novos
seres humanos não queiram mais alguma melhoria, a própria tecnologia terá condições de
reverter suas modificações. E mesmo que o risco seja alto, por que não tentar? Devemos
lembrar que as modificações genéticas em seres complexos, como os humanos, são
irreversíveis e não podemos prever todas as consequências ou êxitos.
Do ponto de vista filosófico, acreditamos que a resposta mais convincente a essas
perguntas foi dada por Jonas, quando sublinhou que o homem é o único conhecido por nós
que pode ter responsabilidade pelas consequências de suas ações. Segue-se que, para que
seres responsáveis continuem a existir, deve haver seres humanos. Em outras palavras, a
responsabilidade nos obriga a garantir sua permanência no mundo, e isso em virtude de sua
essência; uma essência, certamente, vulnerável, frágil, precária e mortal, mas ainda uma
essência, à qual Jonas se refere com a expressão "imagem do homem". É essa essência que
constitui sua natureza, além de toda a sua história. O homem é algo único no processo
evolutivo e é por esta razão que nos sentimos obrigados para proteger a integridade de sua
imagem e de agir com cautela, cuidado, contenção e respeito (Jonas 1990, pp. 286-287).

Referências Bibliográficas:
Grossman L. (2011), 2045: The Year Man Becomes Immortal, in «Time», 21 febbraio.

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