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Universidade Lusíada de Lisboa

1º Semestre- 1º Ano
Ano Letivo 2018-2019

Tópicos
Teoria Geral do Poder Público

José Penim Pinheiro


Nota Prévia

Os presentes tópicos não têm a pretensão de se substituirem à bibliografia indicada pelo


regente1, que, ademais, se revela indispensável para se transitar à cadeira com
aproveitamento. Apresentam-se tão somente como uma forma de introdução às leituras
realizadas posteriormente pelo aluno, tendo por finalidade tornar essas leituras menos
indigestas.

Importa que o aluno tenha ainda em atenção a consulta do programa e do syllabus, a fim
de ter acesso à informação necessária no que respeita ao programa e respectiva
bibliografia de apoio.

1
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA,
Ciência Política e Direito Constitucional – Teoria Geral do Estado e Formas de Governo, Vol. I, 5ª
edição, Universidade Lusíada Editora, Lisboa, 2013.
I – Introdução

1. A Política e o Político; O Facto Político

O objeto da ciência política arvora-se na Teoria Geral do Poder Público.

Diferentemente do Direito Constitucional, cujo objecto de estudo assenta no estatuto


jurídico do político, a ciência política estuda o político2.

A política, enquanto ação, é definida por JAIME NOGUEIRA PINTO e MARTIM DE


ALBUQUERQUE como “a ação humana que, no quadro da relação amigo/inimigo,
tem por fim a conquista, a conservação e o exercício do poder comunitário ou se traduz
na resistência a tal ação”3.

O objecto da Teoria Geral do Poder Público é o facto político (incidindo o seu estudo
sobretudo nos fenómenos do poder e na estrutura do Estado). O facto político
consubstancia-se na constatação dos factos que dimanam das relações sociais
subjacentes ao mundo dos homens. É “todo o acontecimento ligado à instituição,
existência e exercício do poder político”4.

2. O poder

O poder5 aparece em todas as dimensões da atividade humana. Veja-se, a título de


exemplo, a este respeito, a classificação do poder por ARISTÓTELES. O filósofo

2
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., pp. 33-34.
3
JAIME NOGUEIRA PINTO, MARTIM DE ALBUQUERQUE, Política in Polis, Enciclopédia da
Sociedade e do Estado, Verbo, Vol. 4, p.1317. Note-se que o conceito de política não é unívoco, portanto
suscetível de ser objeto de diversos desenvolvimentos conceituais. Diz-se que a política tem por objeto a
prossecução dos fins considerados necessários pela classe dominante, dependendo da situação conjuntural
(espacio-temporal).
4
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., p. 35.
5
O Poder muitas vezes está associado a conceitos como Dominação, Autoridade e Influência, não
obstante cada um destes ter uma formulação teorética própria. A Dominação é a vontade de fazer valer a a
denomina por despotismo o poder do patrão sobre o escravo (porquanto absoluto e
ilimitado), por poder marital o poder do marido exercido sobre a mulher, por poder
paternal o poder do pai exercido sobre os filhos (o seu limite é o exercício dele no seu
interesse), e o poder político o poder que os governantes exercem sobre os governados,
no interesse da generalidade6.

Outra classificação que importa não descurar é a de NORBERTO BOBBIO. Para


BOBBIO, o poder subdivide-se entre: poder económico, que recorre à posse de certos
bens de produção ou consumo num mercado de escassez; poder ideológico, no sentido
da detenção de conhecimentos ou autoridade espiritual transcendente (v.g. poder
religioso); poder político, quando os meios são a força física, exercida através de
instrumentos7.

O que é então o poder?

JOSÉ DURÃO BARROSO define o poder enquanto “capacidade de impor direta ou


indiretamente determinados interesses numa dada situação social”8. O seu conceito
amplo é definido por MARCELLO CAETANO como “a possibilidade de eficazmente
impor aos outros o respeito da própria conduta ou de traçar a conduta alheia”9.

MAX WEBER acrescenta ao poder as características de exclusividade (monopólio do


poder físico legalmente tutelado, i.e., sem concorrência), inclusividade (possibilidade de
intervir legal e eficazmente num dado ordenamento jurídico, a fim de forçar os
membros da comunidade, com o auxílio da lei, a prosseguir/evitar determinada conduta)

sua vontade, ainda que contra quem se oponha a isso, com o recurso à força. Vale, portanto, a lei do mais
forte. Autoridade é uma forma de poder legítimo, i.e., um poder que se faz obedecer voluntariamente.
Influência reporta-nos à ideia de capacidade de orientação da conduta ou juízos de outrem sem recorrer à
coação.
6
Vide ARISTÓTELES, Tratado da Política, trad. de M. de Campos, 2ª edição, Publicações Europa-
América, Mem-Martins, 2000.
7
JAIME NOGUEIRA PINTO, MARTIM DE ALBUQUERQUE, op. cit., p318.
8
JOSÉ DURÃO BARROSO, Poder in Polis, Enciclopédia da Sociedade e do Estado, Verbo, Vol.4 p.
1292.
9
MARCELLO CAETANO cit. in CARLOS BLANCO DE MORAIS, O Sistema Político – No Contexto
da Erosão da Democracia Representativa, Almedina, Coimbra, 2017.
e universalidade (vocação do poder político de tomar decisões legais e eficazes sobre
todos problemas e recursos coletivos)10.

O poder é, em tom generalizado, a faculdade de impor aos outros determinado


comportamento.

Por seu turno, o poder político assenta na autoridade exercida sobre os membros da
sociedade, autoridade essa que se impõe através da observância de normas jurídicas,
sancionando, com o monopólio do uso da força, quem as violar11.

3. Uma Introdução ao Direito Público

A Teoria Geral do Poder Público, disciplina que estuda essencialmente o poder e o


Estado, serve de mote a uma introdução ao direito público, mercê dos conteúdos
programáticos que serão abordados amiúde.

O direito público agrega vários ramos de direito (direito constitucional, direito


internacional público, direito administrativo, direito penal, direitos processuais, etc.),
cujas normas estabelecem a organização do Estado e das demais entidades públicas, ou
regulam os direitos e os deveres públicos do poder perante as pessoas e destas perante o
poder12.

10
JAIME NOGUEIRA PINTO, MARTIM DE ALBUQUERQUE, op. cit., pp. 1318-1319.
11
CARLOS BLANCO DE MORAIS, op. cit., pp. 16-17.
12
DIOGO FREITAS DO AMARAL, Direito Público in Polis, Enciclopédia da Sociedade e do Estado,
Verbo, Vol. 2, p. 543.
II – Estado

1. Introdução

O Estado é uma realidade não materializável, não física (não obstante a controvérsia em
sede de doutrina no concernente à dimensão física ou não física do Estado), contanto
que seja omnipotente e omnipresente. É uma realidade que vive connosco no
quotidiano, desde a transição do estado de natureza (ao qual subjaz a expressão “o
homem é o lobo do homem”) para o contrato social, no qual o povo delega o poder a um
“soberano”, a fim de este o exercer no seu especial interesse.

O Estado consubstancia-se na congregação de três elementos:

 Elemento Pessoal – Povo;


 Elemento Físico – Território;
 Poder Político.

De uma forma simples, o Estado visa garantir a existência de um conjunto de coisas, a


fim de facilitar a vida da população.

Sem embargo, o Estado pode ser visto como uma entidade que atua na orden
jusinternacional, como pessoa coletiva que prossegue a função administrativa, ou ainda
como forma de organização política13.

Na esteira de FREITAS DO AMARAL, o Estado é definido como a “comunidade


constituída por um povo que, a fim de realizar os seus ideiais de segurança, justiça e
bem estar, se assenhoreia de um território e nele institui, por autoridade própria, o
poder de dirigir os destinos nacionais e de impor as normas necessárias à vida
coletiva14.

13
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., p. 60.
14
DIOGO FREITAS DO AMARAL, Estado in Polis, Enciclopédia da Sociedade e do Estado, Verbo,
Vol. 2. p. 1128.
Decompondo o presente conceito, temos que um determinado agregado populacional,
inserido num território, lá institui um ordenamento jurídico, a fim, através de
prerrogativas de autoridade própria, de prosseguir os seus interesses.

Cabe-nos a nós discorrer sobre os elementos do Estado, as suas características, formas,


funções e fins, não sem antes de uma breve abordagem histórica, como objeto da sua
compreensão atual.

2. Breve abordagem histórica do Estado15

2.1. Estado Oriental

É o tipo histórico de Estado concernente às civilizações da Antiguidade Oriental (v.g.


Babilónia, Egito, Hebreus, etc.).

É caracterizado por uma dimensão imperial e por uma autoridade de domínio


arbitrária16, i.e., um regime totalitário, o que quer dizer que há uma aniquilação das
garantias individuais. Esse poder era exercido sobre um vasto e diversificado número de
populações, cuja expressão territorial se apresenta substancialmente larga. O soberano
detinha o poder político e religioso.

2.2. Estado Grego

O tipo de Estado da civilização grega, temporalmente localizada na Antiguidade


Clássica, assentava, mormente, no modelo da Cidade-Estado. A Cidade-Estado grega
arvora-se em pequenas circunscrições territoriais, de fronteiras difusas, onde emerge,
pela primeira vez, o conceito de povo (como conjunto de cidadãos), a quem cabia o
governo da polis. É aqui que se ouve falar originariamente de democracia. Os cidadãos
eram tratados como iguais (sublinhe-se que se tratava de uma igualdade formal,
porquanto ainda se atendia “à condição natural” de cada um, como é o caso dos
escravos), gozando de direitos de participação política.17

15
DIOGO FREITAS DO AMARAL, op. cit., pp. 1156-1577.
16
CARLOS BLANCO DE MORAIS, op. cit., p.18.
17
Consultem-se as obras da mais remota filosofia política, de PLATÃO e ARISTÓTELES.
2.3. Estado Romano

O Estado da civilização romana marca um regresso às tendências imperiais e de elevada


expressão territorial, onde a ideia de império cresce a uma escala universal. Há uma
estrutura hierarquizada de classes, na qual se destaca a aristocracia.

É dentro deste tipo estadual, que observamos a primeira grande evolução, no que tange
às formas de governo: A civilização romana começa pela Roma do rex e da gens, i.e.,
uma monarquia, passando por uma república e acaba no império.

A cidadania é extendida a todo o império romano.

É ainda no tipo de Estado romano que se vem a desenvolver a ciência do direito, o que
desemboca na distinção entre direito público e direito privado.

Aquando da aceitação do cristianismo no império, aparece a ideia de dignidade da


pessoa humana, à qual subjazem as garantias individuais face aos poderes públicos.

2.4. Estado Medieval18

É o tipo histórico de Estado relativo à Idade Média.

É marcado por uma forte descentralização política, onde ganham destaque os regimes
senhorial ou feudal. Estes regimes assentam em relações de vassalagem centradas entre
o senhor e o súbdito, o que tem por consequência o enfraquecimento do poder do
“soberano”, visto que se encontra congregado na autoridade central.

Daí resulta uma conceção patrimonial de poder, centrada na família, na propriedade e na


sucessão hereditária.

A forma de governo era predominantemente a monarquia, onde se sustentava que o


“soberano” gozava de “direitos divinos” (como que fosse enviado por Deus para
governar).

18
Há quem defenda que na Idade Média não houve Estado. È o caso do professor JORGE MIRANDA.
Nessa época, vislumbramos uma luta sistemática entre o Papado e o Sacro-Império
romano germânico, o que teve por consequência a concorrência entre várias fontes de
direito (direito interno, direito canónico e direito imperial).

Curiosa é a verificação da “primeira brecha”, no que tange ao constitucionalismo


moderno, com a assinatura da Magna Carta, em 1215, por João Sem Terra (culminou na
limitaçao do poder do monarca em favor da atribuição de poderes e regalias aos barões).

2.4. Estado Moderno

Corresponde ao tipo estadual da Idade Moderna e da Idade Contemporânea.

Num primeiro momento, o que marca este tipo estadual assenta na concentração dos
poderes no Estado e os poderes deste no monarca, o que se consubstancia na expressão
imediata do absolutismo na definição precisa dos limites do território e no controle do
território pelos orgãos estaduais, na afirmação do Estado-Nação e no surgimento do
conceito de soberania como poder supremo na ordem interna e poder independente na
ordem internacional (veja-se, a título de exemplo, a célebre expressão de Luís XIV:
L’Etat C’est Moi – O Estado é meu).

O aperfeiçoamento das garantias do indivíduo face aos poderes públicos surge mais
tarde, aquando das revoluções americana e francesa e da consequente afirmação do
constitucionalismo19.

2.4.1. Estado Corporativo

Consubstancia-se numa forma de transição entre o Estado Medieval e o Estado


Moderno.

As organizações humanas, i.e., os estamentos (povo, clero e nobreza) e o rei têm uma
relação de interdependência, na qual este e os demais devem ter em conta os seus

19
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., pp. 74-76.
interesses recíprocos. Essas relações proporcionam-se e desenvolvem-se através da
Corte.

À medida que o poder real vai ganhando força, são, de forma progressiva, diminuídas as
garantias individuais.

2.4.2. Estado Absoluto

Aqui observamos a diminuição substancial da força dos estamentos com isso emergindo
uma nova classe social, a burguesia, e a centralização total dos poderes públicos no
monarca. Expressão mediática e histórica deste tipo de Estado (repetimo-la) é a de Luís
XIV: L’Etat C’Est Moi – O Estado é meu.

No absolutismo, a lei é um produto da vontade do rei (apenas limitado pelo direito


divino), i.e., o rei ordena e compila o direito.

Podemos delimitar o absolutismo em dois períodos: num primeiro, aquele em que o


monarca se afirma por direito divino,e num segundo, o do despotismo
esclarecido/iluminado, no qual o rei deve ter a autoridade suprema a fim de prosseguir o
interesse público.

O limite das fronteiras ganham maior visibilidade, como expressão da autoridade do rei.

2.4.3. Estado Liberal/Constitucional

É o tipo de Estado contemporâneo das revoluções liberais americana e francesa, de


finais do século XVIII.

Uma das principais novidades do constitucionalismo, foi a limitação do poder político e


a separação de poderes. Com isto, veio o reconhecimento de direitos naturais inerentes à
condição de pessoa humana, como hodiernamente os conhecemos (v.g. catálogo de
direitos fundamentais da nossa Constituição e sua conformação ordinária) e da
igualdade, não só formal, como material de todos os homens (v.g. art. 13º CRP).

No séc. XX, com constatação da insuficiência do Estado Liberal, a fim de colmatar as


necessidades da coletividade, tem lugar um novo modelo de Estado de Direito (O
Estado de Direito, figura representativa da subordinação do Estado ao Direito, é uma
pedra ângular do Estado Constitucional), o Estado Social de Direito, que se traduz numa
rigorosa afirmação dos recentes direitos económicos, sociais e culturais (v.g. garantias
no trabalho, segurança social, etc.). O Estado Social teve (e tem) um papel decisivo, no
que tange à correção, ou no mínimo mitigação, das desigualdades de partida.

Outras das características elementares do Estado Constitucional arvoram-se na


afirmação do Estado-Naçao, na ideia de soberania nacional e popular, no reforço das
garantias individuais, na emergência dos partidos políticos e da democracia
representativa e na afirmação da ideia de liberdade (claro está, sempre articulada com a
tutela dos interesses sociais).

BLANCO DE MORAIS define o Estado Contemporâneo (hodierno) como “uma


coletividade territorial integrada por um povo, que a ela se encontra ligado pelo
vínculo da nacionalidade, e por um poder político soberano”20.

3. Figuras Afins

3.1. Comunidades Não Estaduais

São comunidades humanas politicamente organizadas, embora não sejam Estados.

3.1.1. Regiões Autónomas

São comunidades humanas que, embora fixadas dentro de certa circunscrição territorial
e dotadas de uma organização política própria (v.g. Governo Regional), não exercem
poder político por autoridade própria; essa pequena parcela de poder, subjacente à sua
forma de organização, é derivada ou delegada pelo Estado (v.g. Arquipélagos dos
Açores e da Madeira)21.

3.1.2. Colónias

20
CARLOS BLANCO DE MORAIS, op. cit., p. 20.
21
FREITAS DO AMARAL, op. cit., pp. 1136-1137.
São entidades infra-estatais, isto é, comunidades humanas de civilização diversa da da
metrópole, fixadas num território e subordinadas ao poder político da metrópole ou de
um delegado do poder central (v.g. antigas províncias ultramarinas).

3.2. Estados com Capacidade Jurídica Limitada e Estados Não Soberanos

Já aqui foi referido que a soberania estadual consiste no poder supremo na ordem
interna e no poder independente na ordem externa (ou jusinternacional)22.

Sem embargo, casos há em que os Estados estão defronte a uma capacidade jurídica
diminuída, mercê de características peculiares ou de circunstâncias várias.

Afastamos a rejeição liminar da ideia de semi-soberania, porquanto mesmo aqueles


Estados que aparentemente são soberanos, mercê do desenvolvimento da ordem
jusinternacional e da sua comunidade, podem ver, contanto que de forma pouco
significativa, a sua soberania afetada (veja-se o caso da delegação de poderes dos
Estados-Membros na União Europeia).

Várias classificações podem ser aqui traçadas. São elas:

 Estados Protegidos – Aqueles que se encontram em dependência de outro


Estado, o protetor, e que dele dependem para exercer direitos na ordem externa.
O Estado protetor assume as políticas externa e de defesa do Estado protegido23.
 Estados Neutros – Aqueles que, por acordo internacional, ficam proibidos de
participar em qualquer conflito armado, exceto para fins de legítima defesa24.
 Estados Federados – Aqueles que detêm soberania na ordem interna, estando o
poder de acesso à ordem internacional confiado à Federação25 (v.g. 50 Estados
que compõem os Estados Unidos da América). Os Estados Federados são
22
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., p. 82.
23
JORGE MIRANDA, Curso de Direito Internacional Público, 6ª edição, Princípia, Cascais, 2016, p.
206.
24
FREITAS DO AMARAL, op.cit., p. 1138.
25
JORGE MIRANDA, Curso de Direito Internacional Público, 6ª edição, Princípia, Cascais, 2016, pp.
208-209.
verdadeiros Estados, pelo facto de terem governo próprio, escolhido pelos seus
cidadãos, legislação autónoma e lei fundamental26, não obstante a supremacia da
lei federal sobre as normas dos Estados federados. Estes têm poder de
participação na elaboração da lei fundamental da federação e na construção
desta.

3.3. Estado e Nação

Não raras vezes, há uma tendência para confundir os conceitos de Estado e de Nação. O
que diferencia e o que aproxima estes dois conceitos?

De um ponto de vista histórico-cultural, a Nação é a partilha de uma herança comum, a


nível histórico, social e cultural, num território, no âmbito do garante da intependência.

Tradições, costumes e língua comum são elementos estruturais do conceito de Nação.

O Estado, como já havíamos assinalado, é, sucintamente, uma unidade política que


resulta da congregação dos elementos povo, território e poder político.

Para destacarmos as diferenças, releva exemplificar: O povo pertencente ao Estado da


Califórnia pertence à Nação norte-americana27.

A Nação é um produto histórico e cultural, e na medida que o é, o Estado corresponde à


Nação Jurídica28.

ESTALINE afirmava que a Nação correspondia “à comunidade humana estável,


historicamente constituída, nascida sobre a base de uma comunidade de língua, de
território, de vida económica e de formação psíquica, que se traduz numa comunidade
de cultura”29.

26
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., p. 85.
27
ADRIANO MOREIRA, Nação in Polis, Enciclopédia da Sociedade e do Estado, Verbo, Vol. 4, p. 494.
28
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., p. 87.
29
FREITAS DO AMARAL, op. cit., p. 1139.
Contudo, Estado e Nação não correspondem necessariamente. Podem ser identificadas
várias relações que se estabelecem entre Estado e Nação30:

 Nação sem Estado – Comunidade que partilha uma herança comum (a nível
cultural), pese embora não esteja politicamente organizada (v.g. Timor-Leste
antes da criação do seu Estado);
 Nação repartida por vários Estados – Repartição de uma só comunidade
histórico-cultural por diversos Estados (v.g. Nação árabe);
 Estado sem Nação – No momento em que o Estado é criado, não corresponde a
uma Nação ou a várias comunidades Nacionais (v.g. primóridos dos E.U.A.);
 Estado correspondente a várias Nações – No mesmo Estado é observada a
convivência entre diversas comunidades nacionais, que, não obstante a
possibilidade de aproximação, conservam a sua peculiaridade e as suas
características individuais (v.g. em Espanha encontramos as Nações basca,
catalã, etc.).
 Estado e Nação coincidentes – Num Estado existe apenas um substrato nacional,
mercê da comum partilha da herança cultural (v.g. Portugal). Nesta situação,
pode falar-se em Estado-Nação.

Nação é, portanto, o conjunto de pessoas unidas por tradições, necessidades e


aspirações, que se protegem como uma comunidade de destino comum.

4. Elementos do Estado (Povo, Território e Poder Político)

4.1. Povo

Em primeiro lugar, cumpre traçar a advertência de que não devemos confundir povo
com população: o povo é um conceito político, constituído pelo conjunto de cidadãos,
enquanto que a população se remete a um conceito económico, abrangendo não só o
conjunto de cidadãos, como os apátridas e os estrangeiros residentes em território
nacional.

30
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., p. 88.
BLANCO DE MORAIS, numa aceção mais sintética, define povo como “o conjunto de
pessoas ligadas a uma coletividade estadual pelo vínculo jurídico da nacionalidade”31.

Pode, assim, ser o povo designado como o conjunto de cidadãos de um Estado e


considerado como fonte de poder32.

É o elemento humano do Estado, a quem pertence o poder político (v.g. art. 111º CRP),
não obstante ser, concomitantemente, objeto do poder, sobre quem o Estado vai exercer
a sua autoridade.

O vínculo da cidadania, que tem subjacente o conceito de povo, importa um conjunto


importante de direitos e deveres recíprocos (v.g. participação política, defesa da nação,
etc.). Devemos ter especialmente em conta esta dimensão.

4.1.1. Cidadania ou Nacionalidade

Simbioticamente ligado ao conceito (jurídico-constitucional) de povo está o de


cidadania, no qual o indivíduo é encarado na qualidade de cidadão.

A cidadania consubstancia-se no vínculo jurídico-político que traduz a pertença de um


indivíduo a um Estado e o investe num conjunto de direitos e obrigações33.

Por conseguinte, Nacionalidade, como o próprio nome indica, traduz a situação de


pertença do indivíduo à Nação (e não necessariamente ao Estado)34.

A cidadania é hoje elevada a qualidade de direito fundamental; assim o postula o artigo


26º da CRP (“a todos são reconhecidos os direitos ... à cidadania...), não podendo
ninguém ser dela privado por motivos políticos (nº 4), só podendo essa privação efetuar-
se nos termos previstos na lei (a lei fundamental relega para o legislador ordinário o
regime de perda da cidadania).

31
CARLOS BLANCO DE MORAIS, op. cit., p.21.
32
JOÃO PEREIRA NETO, Povo in Polis, Enciclopédia da Sociedade e do Estado, Verbo, Vol. 4. p.
1443.
33
RUI MOURA RAMOS, Cidadania in Polis, Enciclopédia da Sociedade e do Estado, Verbo, Vol. 1. p.
824.
34
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., p. 95.
Encontramos, outrossim, em diplomas internacionais, que entram diretamente no nosso
ordenamento jurídico, alguns preceitos concernentes à cidadania. Veja-se o artigo
15º/1/2 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, que estatui que todo o
indivíduo tem direito a uma nacionalidade e que ninguém pode ser arbitrariamente
privado da sua nacionalidade nem do direito de mudar de nacionalidade.

Atente-se que o povo português é constituído pelo conjunto de cidadãos portugueses,


encontrem-se ou não em território nacional.

O estabelecimento do regime de aquisição de cidadania é uma tarefa exclusiva dos


Estados (não obstante o caráter não despiciendo que isso tem para o direito
internacional, essencialmente no âmbito do exercício de direitos nessa esfera). A
apatrídia (situação de desintegração de um indivíduo em qualquer Estado) deve ser a
todo o custo evitada35.

A cidadania pode ser originária ou derivada.

É originária quando é atribuída ao indivíduo pelo nascimento. É derivada, se a sua


aquisição se fizer em momento ulterior (v.g. naturalização).

Dentro da aquisição originária, há dois critérios que determinam a sua atribuição: o


critério do ius sanguinis, que atende à nacionalidade dos progenitores (tem que ver com
os laços de sangue estabelecidos entre o concebido e seus progenitores, cidadãos de
determinado Estado), e o critério do ius soli, que concerne ao local do nascimento (é o
local de nascimento que determina a nacionalidade)36.

A título de exemplo, se um indivíduo nascer em França, mas se os seus pais forem


portugueses, o indivíduo pode vir a ter nacionalidade portuguesa ou francesa, consoante
o critério de atribuição da cidadania seja o do ius sanguinis ou o do ius soli.

A aquisição derivada ocorre, na maior parte das vezes, por uma manifestação de
vontade do indivíduo, contanto que certos requisitos estejam preenchidos (v.g. o

35
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., p. 98.
36
RUI MOURA RAMOS, op. cit., p. 827.
casamento de um estrangeiro com um nacional pode permitir ao estrangeiro adquirir a
nacionalidade do seu cônjuge)37.

Na mesma medida em que é adquirida, a cidadania portuguesa pode perder-se. Essa


perda pode realizar-se através da renúncia (expressa manifestação da vontade do
indivíduo nesse sentido) e pela privação (ato, através do qual o Estado retira a cidadania
a um nacional seu v.g. por este ter cometido atos gravemente lesivos de valores
fundamentais da sociedade)38.

A cidadania pode sofrer limitações de vária ordem ou ser classificada de diversas


formas39:

 Cidadania Plena – Reconhecimento de direitos e deveres aos cidadãos de um


certo ordenamento jurídico (na sua totalidade);
 Semi-Cidadania – Não consideração de cidadãos aos indivíduos pertencentes a
certa comunidade politicamente organizada, conquanto subordinada v.g. a uma
metrópole. Para todos os efeitos, estes não têm acesso aos direitos políticos (v.g.
caso das colónias);
 Cidadania Ativa – Exercício da condução política (v.g. ser eleito deputado à
Assembleia da República);
 Cidadania Passiva – Exercício de direitos que consubstanciam a escolha de
quem irá conduzir o poder político (v.g. exercício do direito de voto).
 Cidadania Não Ativa – Limitação dos direitos polítivos, v.g. mercê da condição
de menoridade (incapacidade jurídica de exercício).

Casos há, em que um só indivíduo pode ser considerado cidadãos de vários Estados –
casos denominados de dupla cidadania.

4.1.2. Regime Constitucional e Legal de Cidadania

37
RUI MOURA RAMOS, op. cit., p. 828.
38
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., p. 99.
39
Idem.
O artigo 4º da CRP estatui que “são cidadãos portugueses todos aqueles que como tal
sejam considerados pela lei ou convenção internacional”. Pese embora não dê uma
definição precisa do que é ser cidadão português, a presente norma relega para o
legislador ordinário a tarefa de a definir e regular. É a Assembleia da República o orgão
de soberania competente para legislar sobre esta matéria em regime de exclusividade
(reserva absoluta de competência) (art. 164º al. f CRP).

O artigo 15º da CRP divide a cidadania em três círculos e regula o estatuto dos
estrangeiro e apátridas em território português:

 Círculo da Cidadania Portuguesa – Apenas um conjunto estrito de direitos está


reservado aos cidadãos portugueses (certos direitos políticos e o exercício de
certas funções públicas; reserva de acesso aos cargos de Presidente da
República, Presidente da Assembleia da República, Primeiro-Ministro,
Presidentes dos tribunais supremos e do serviço nas Forças Armadas e na
carreira diplomática) (art. 15º/2/3 CRP);
 Círculo da Cidadania Europeia – Formado pelo conjunto de direitos transversais
aos cidadãos portugueses e aos cidadãos estrangeiros residentes em Portugal e
que sejam nacionais de um Estado-Membro da União Europeia (o direito de
esses cidadãos elegerem e serem eleitos Deputados ao Parlamento Europeu e nas
eleições locais) (art. 15º/5/6 CRP);
 Círculo da Cidadania da CPLP – Constituído pelos direitos pertencentes aos
cidadãos portugueses, mas que podem ser alargados aos cidadãos de países de
língua oficial portuguesa (um conjunto de direitos políticos, contanto que
estejam fora dessa esfera direitos exclusivamente atribuídos aos cidadãos
portugueses, como acima vimos), mercê dos laçõs privilegiados de amizade e
cooperação estabelecidos entre Portugal e os países da CPLP (art. 7º/4 CRP)
(art. 15º/3 CRP).
 Os estrangeiros e apátridas residentes em território português gozam dos direitos
e deveres consignados na Constituição, não obstante sofrerem fortes limitações
em sede de direitos políticos (art. 15º/1 CRP).

É a Lei da Nacionalidade (Lei nº 37/81, de 3 de outubro), que regula o regime jurídico


de atribuição da cidadania em Portugal.
A lei distingue entre atribuição da nacionalidade (aquisição originária) e aquisição da
nacionalidade (aquisição derivada).

A primeira opera somente através da lei (critério do ius sanguini), ou da lei e da vontade
(critério do ius soli) (art. 1º LN).

A segunda opera por efeito da vontade, englobando a adoção (art. 5º LN), a


naturalização (art. 6º e 7º) e a atribuição graciosa pelo Estado.

Não obstante, a aquisição da nacionalidade pode ter oposição judicial por parte do
Ministério Público, se algum dos fundamentos tipificados no artigo 10º da Lei da
Nacionalidade estiver reunido.

A perda da cidadania não pode ter lugar por motivos políticos.

Da conjugação da lei fundamental com os diplomas internacionais e a lei da


nacionalidade, temos que a perda da cidadania só é possível em situações de dupla
nacionalidade. E mesmo assim, esta pode vir a ser sempre readquirida, através do
respetivo processo de aquisição. Até mesmo em situações de estado de sítio ou de
emergência, o direito à cidadania é insuscetível de suspensão (art. 19º/6 CRP). Segundo
o artigo 8º da Lei da Nacionalidade, só perdem a cidadania aqueles que declarem que
não querem ser portugueses (renúncia).

Com os vários critérios de atribuição da cidadania, o legislador português dá ênfase à


liberdade do interessado e à integridade humana da comunidade política.

4.1.3. Cidadania Europeia

Hodiernamente, com o processo de integração eurocomunitária, o conceito de cidadania


eleva-se a uma dimensão supranacional (acima do Estado), a qual se consubstancia na
Cidadania Europeia.

Este conceito foi introduzido no Tratado de Maastrich, tornando patente a ligação e a


pertença jurídica dos cidadãos dos Estados-Membros à União Europeia40.

40
MARGARIDA SALEMA D’OLIVEIRA MARTINS, A União Europeia – O Direito e a Atividade,
Quid Juris, Lisboa, 2018, p. 250.
O artigo 9º do Tratado da União Europeia estatui que “é cidadão da União qualquer
pessoa que tenha a nacionalidade de um Estado-Membro. A cidadania da União
acresce à cidadania nacional, não a substituindo”.

O estatuto de cidadão da União Europeia compreende um conjunto de direitos e


deveres, entre os quais o direito de permanecer livremente no território dos Estados-
Membros, o direito de eleger e ser eleito para as eleições para o Parlamento Europeu e
para as eleições locais do Estado-Membro onde o cidadão europeu se localiza, o direito
de dirigir petições ao Parlamento Europeu, o direito de recorrer ao Provedor de Justiça
Europeu e de se dirigir aos orgãos consultivos da União, bem como o direito de livre
circulação e residência (artigos 20º a 22º TUE).

Os cidadãos da União Europeia podem tomar a iniciativa de convidar a Comissão


Europeia a apresentar uma proposta concernente a matérias que os cidadãos considerem
necessária a intervenção da União, mediante a reunião de 1 milhão de cidadãos
europeus (art. 11º/4 TUE).

4.1.4. Estatuto dos Estrangeiros e Apátridas

A Constituição da República Portuguesa, no artigo 15º/1, reconhece aos estrangeiros e


apátridas presentes em território português, em condições de reciprocidade, os mesmos
direitos que têm os cidadãos portugueses (não obstante os direitos políticos constantes
nos números 2 e 3 do mesmo artigo, reservados, em regime de exclusividade, aos
cidadãos portugueses). É aqui afirmado, portanto, um princípio da equiparação,
fundamentado no princípio da dignidade da pessoa humana.

4.2. Território

O território é o elemento espacial do Estado e o quadro físico do exercício do poder


político. Tem tal importância, que sem território não há Estado. É o espaço jurídico do
próprio Estado41.

41
FREITAS DO AMARAL, op. cit., p. 1131.
De um ponto de vista geográfico, o território define as fronteiras do Estado. É dentro de
certa circunscrição territorial que é exercido o poder político; o território, é, portanto,
objeto existencial do Estado, porquanto só existe poder do Estado quando este impõe a
sua autoridade a certa comunidade dentro dum território.

Em suma, o território pode definir-se como o espaço geográfico e físico onde o Estado
exerce os seus poderes de domínio, sendo o mesmo delimitado pelas linhas de
fronteiras42.

É o território que define a soberania do Estado e define a autoridade que pode ser
exercida sobre as pessoas.

Em sentido lato, o território engloba o território terrestre, o território aéreo e o território


marítimo.

4.2.1. Território Terrestre

O território terrestre é composto pelo espaço físico, delimitado pelas fronteiras, sendo
este constituído não só pelo solo, como também pelo subsolo (sem limite de
profundidade). O Estado exerce soberania plena sobre o seu território terrestre, i.e., o
Estado exerce jurisdição sobre as pessoas e coisas dentro do território terrestre (não
obstante, claro está, o respeito pelos limites impostos pelo direito internacional)43.
Exemplo disto, é a necessidade de apresentação de um visto, para efeitos de entrada de
um estrangeiro no território de outro Estado.

4.2.2. Território Aéreo

Está estabelecido pelo direito internacional que cada Estado possui soberania plena e
exclusiva sobre todo o espaço aéreo que compreenda o seu domínio terrestre e

42
CARLOS BLANCO DE MORAIS, op. cit., p.28.
43
JAMES BRIERLY, Direito Internacional, trad. de M.R. Crucho de Almeida, 3ª edição, Fundação
Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1972, p. 159.
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op. cit.,
pp. 118-119.
marítimo44 (v.g. um Estado só vê o seu território aéreo sobrevoado por um avião
mediante autorização).

O território aéreo é, pois, constituído pelo espaço aéreo suprajacente (o mesmo é dizer
“por cima de”), no sentido vertical, às fronteiras terrestres e ao mar territorial.

Com o desenvolvimento da aviação, mas sobretudo do lançamento de foguetões e


satélites, com fins de exploração do espaço e desenvolvimento de certas tecnologias
(v.g. telecomunicações), sobreveio o problema da delimitação da soberania estadual
sobre o espaço aéreo. Num primeiro momento, o problema não se punha, porquanto era
de entendimento geral que as linhas verticais não tinham limite. Com este novo
fenómeno, porém, poderia sobressaltar a problemática de violação do controle da
soberania estadual por um Estado estrangeiro (v.g. com o lançamento de um foguetão).
Felizmente, a tendência tem sido a de os Estados não protestarem com os voos de
grande altitude45.

Hodiernamente, tornou-se adequado limitar a soberania do Estado sobre o território


aéreo até uma linha limite de 100 km46.

4.2.3. Território Marítimo

O Estado detém uma soberania semi-plena sobre o território marítimo, i.e., a soberania
encontra-se limitada por um mecanismo de índole consuetudinária, que se traduz no
direito de passagem inofensiva (na medida que não seja prejudicial à paz, à segurança e
à boa ordem do Estado).

Se for caso disso (porquanto nem todos os Estados a nível geográfico se encontram
defronte ao mar), o domínio do Estado pode extender-se a uma parcela de mar adjacente

44
BRIERLY, op. cit., p. 216.
45
BRIERLY, op. cit., pp. 216-218.
46
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., pp. 122-123.
às suas costas, parcela essa que se designa de mar territorial e tem um limite de 12
milhas marítimas, tendo como ponto de partida a linha normal de maré-baixa47.

Desígnio diferente é dado às àguas interiores, que são compostas pelas àguas situadas
entre a linha normal da maré-baixa e o território terrestre (v.g. àgua dos portos, golfos,
baías, etc.). A soberania exercida sobre as àguas interiores é plena (não sendo limitada
mesmo pelo limite de passagem inofensiva acima aludido)48.

Por seu turno, a zona contígua é uma faixa marítima adjacente ao mar territorial, na qual
(podendo atingir uma largura máxima de 12 milhas marítimas) o Estado ribeirinho
(costeiro) apenas poderia exercer poderes de fiscalização em matéria aduaneira, fiscal,
sanitária e de emigração49.

A Zona Económica Exclusiva (ZEE) é uma àrea marítima que se extende por 200
milhas além do mar territorial, sobre a qual o Estado exerce direitos de gozo e fruição, a
fim de explorar e conservar recursos marítimos, para fins económicos50.

A plataforma continental é constituída pelo leito e subsolo das àguas subaquáticas,


podendo ter uma extensão até 200 milhas e uma profundidade até 200 metros (ou até
onde seja possível explorar recursos).

4.2.4. Vicissitudes do Território

O território pode sofrer alterações de ordem geográfica ou jurídica, mercê de razões


várias, não sendo, pois, imutável.

Podemos identificar várias formas de alteração territorial51:

 Ocupação – Dá-se quando uma parcela de território despovoada é adquirida por


um Estado;
47
ALBINO AZEVEDO SOARES, Lições de Direito Internacional Público, 4ª edição (reimp.), Coimbra
Editora, Coimbra, 1996, p. 226.
48
ALBINO AZEVEDO SOARES, op. cit., pp. 224-225.
49
ALBINO AZEVEDO SOARES, op. cit., pp. 232-233.
50
CARLOS BLANCO DE MORAIS, op. cit., p. 30.
51
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., pp. 126-127.
 Anexação – Dá se quando o território de um Estado, contra a sua livre vontade,
em virtude do uso da força, é integrado num outro Estado;
 Retificação de Fronteiras – Acordo entre Estados, por regra contíguos (juntos), a
fim de delimitarem as suas fronteiras;
 Sucessão de Estados (pode dar-se de quatro formas):
 Cessão – Passagem do território de um Estado para a soberania de outro;
 Descolonização – Proclamação de independência de um Estado que fora outrora
uma comunidade politicamente organizada subordinada a uma metrópole (v.g.
descolonização das antigas províncias ultramarinas);
 Unificação – União de dois ou mais Estados num só Estado (v.g. anexação de
Roma a Itália);
 Separação – Criação de dois ou mais Estados a partir do território de um Estado
(v.g. novos Estados após a desintegração da URSS).

4.2.5. Relevância Jurídico-Política do Território

O território, como havíamos dito, é condição existencial do Estado. Só existe poder


político se o Estado impuser a sua autoridade sobre dado território; é o território que
define a independência do Estado e a sua soberania; é dentro do território que os
cidadãos podem lograr obter proteção do Estado e ser-lhes reconhecidos direitos. O
território do Estado é indivisível (insuscetível de se dividir) e alienável. Assim o
prescreve o artigo 5º/4 da CRP.

Releva reportar-nos ao princípio da territorialidade, que postula a aplicação do poder


soberano do Estado no respetivo território sobre as pessoas que nele se encontrem52.

O princípio da territorialidade sofre algumas exceções. Veja-se, em primeiro lugar, o


preceito constitucional que estatui que os cidadãos portugueses que se encontram no
estrangeiro gozam de proteção do Estado para o exercício dos direitos (conferidos pela
Constituição da República Portuguesa) e estão sujeitos aos deveres que não sejam
incompatíveis com a ausência do país (art. 14º CRP).

52
FILIPE URBANO CALVÃO, MANUEL FONTAINE CAMPOS, CATARINA SANTOS BOTELHO,
Introdução ao Direito Público, 4ª edição, Almedina, Coimbra, 2017, p. 66.
Podem suceder outras exceções, entre as quais53:

 Aceitabilidade, por parte de um Estado, da aplicação de normas de um


ordenamento jurídico estrangeiro na sua ordem interna (v.g. art. 6º do Código
Penal);
 Imunidade de Jurisdição (reconhecimento de certos privilégios a indivíduos,
mercê da atividade que exercem; v.g. imunidade diplomática);
 Aplicabilidade direta da jurisdição de uma organização internacional no
território de um Estado (v.g. art. 8º/3/4 CRP; caráter supranacional das normas
de direito da União Europeia sobre as normas internas).

A relevância jurídica do território pode também afirmar-se através da distinção entre


domínio público e domínio privado do Estado. O primeiro é o conjunto de coisas
públicas, que, pela sua essencial utilidade, está vedado ao comércio jurídico. O segundo
é o conjunto de coisas de que o Estado é proprietário, submetido a um regime de direito
privado e suscetível de ser objeto de um negócio jurídico privado54.

4.2.6. O Território Português

Estatui o artigo 5º/1 da CRP que “Portugal abrange o território historicamente definido
no continente europeu e os arquipélagos dos Açores e da Madeira”, relegando o nº 2
para o legislador ordinário a tarefa de definir a extensão das àguas territoriais, da ZEE e
dos direitos de Portugal aos fundos marinhos contíguos. Este preceito delimita o
território português.

A expressão “historicamente definido” concerne ao ponto mais ocidental da Europa, o


território ibérico, partilhado com a Espanha, e aos subjacentes limites fronteiriços (não
descurando, claro está, os arquipélagos dos Açores e da Madeira).

Ao Estado português está vedada a possibilidade de alienar o seu território (ou parte
dele) (art. 5º/3 CRP).

53
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., pp. 129-132.
54
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., p. 132.
4.3. O Poder Político

O poder político é definido por FREITAS DO AMARAL como “o poder exercido em


nome próprio por um povo num certo território com o fim de garantir a sua segurança,
a justiça e o bem-estar dos seus membros, e de modo a regular a vida coletiva,
nomeadamente através da aprovação de leis e da imposição do seu cumprimento”55.

O poder politico é um poder originário, pertencente ao povo, porquanto irá moldar e


definir uma certa ideia de Estado, bem como a sua organização e o seu fim56.

O poder político tem como fim asseguirar a justiça, a segurança e o bem-estar, manter a
paz e proporcionar progresso aos cidadãos de um Estado. Numa palavra, resume-se a
regular a vida em coletividade57.

O poder político detém um legue substancial de meios de coação, a fim de ver


observadas e cumpridas as leis (v.g. pena de prisão como sanção pelo cometimento de
crimes).

O poder é exercido sobre a comunidade, é objeto da sua orientação e unificação, sendo


repartido juridicamente por orgãos e agentes estaduais. Esses orgãos são, pois, entidades
representativas do poder, que, como consigna a nossa Constituição, reside no povo.

Autores há, que estabelecem uma relação de sinonímia entre o poder e a governação,
traduzindo-se o poder na definição de opções estratégicas, no âmbito político-
legislativo, e na sua ulterior execução58.

Em suma, o poder político consubstancia-se no uso da autoridade e da força na


prossecução do interesse público.

4.3.1. Poder Político e Soberania

55
FREITAS DO AMARAL, op. cit., p. 1133.
56
JORGE MIRANDA, Curso de Direito Constitucional, Vol. 2, Universidade Católica Editora, Lisboa,
2016, p. 45.
57
FREITAS DO AMARAL, op. cit., p. 1134.
58
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., p. 150.
O expoente máximo do poder político é a soberania, porquanto é a forma mais perfeita e
completa do poder.

A soberania, como já referimos, consiste no poder supremo na ordem interna e no poder


de independência na ordem externa (ou jusinternacional).

Portanto, Estado soberano é aquele que detém um poder político supremo e


independente59.

A título de exemplo, expressão do poder político supremo (na ordem interna) é a


aprovação e modificação da Constituição, ou os fenómenos da centralização e da
descentralização territorial, e do poder político independente (na ordem externa) é a
capacidade por parte dos Estados de celebração de tratados internacionais.

Hodiernamente, a soberania dos Estados está deparada com enormes desafios, mercê do
desenvolvimento da comunidade internacional e da adesão de Estados a organismos
internacionais. Veja-se o caso da União Europeia, no qual os Estados-Membros
delegam poderes de soberania para a UE, o que quer dizer que autolimitam a sua
soberania.

59
FREITAS DO AMARAL, op. cit., p. 1135.
III – Legitimidade do Poder Político

1. Legalidade e Legitimidade

Em primeira instância, cabe diferenciar os conceitos de legalidade e de legitimidade,


porquanto não raras vezes suscitam confusões de grau elevado (v.g. empregar o
conceito de um para querer significar o outro).

A legalidade consubstancia-se na conformidade60 (v.g. de uma certa conduta) com o


direito. A contrario sensu, ninguém (pessoa singular ou coletiva) tem a faculdade de
praticar atos contrários ao direito. A título de exemplo, a administração pública não
pode praticar qualquer ato sem que a lei previamente lhe confira esse poder.

A legalidade tem que ver com a realização das leis e a aplicação dessas mesmas leis61.

Por seu turno, do ponto de vista da ciência política, a legitimidade é um atributo do


poder e arvora-se na “conformidade com uma escala superior de valores, traduzida pelo
sentimento geralmente difundido na comunidade”62.

Daqui resulta que legalidade e legitimidade podem não ser coincidentes. Assim, pode
estabelecer-se um conjunto de relações entre legalidade e legitimidade63:

 O que é legal é legítimo (v.g. democracias);


 O que é legal é ilegítimo (v.g. ditaduras opressoras);
 O que é ilegal é legítimo (v.g. revoluções contra ditaduras opressoras);
 O que é ilegal é ilegítimo (v.g. prática de crimes).

60
Trata-se de uma conformidade lógico-formal.
61
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., p. 162.
62
MARTIM DE ALBUQUERQUE, Legitimidade in Polis, Enciclopédia da Sociedade e do Estado,
Verbo, Vol. 3. p. 1017.
63
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., p. 163.
Outro conceito que não deve ser confundido com o conceito de legitimidade, é o de
legitimação. Este conceito arvora-se na fundamentação do poder de autoridade64, i.e., o
processo que irá justificar a acatação do poder pelos cidadãos65.

2. Conceção Weberiana sobre a Legitimidade do Poder

MAX WEBER concebeu uma doutrina tricotómica da legitimidade, aquando da sua


busca sobre a justificação da obediência à autoridade.

Neste sentido, há três tipos de dominação legítima: legitimidade tradicional,


legitimidade carismática e legitimidade legal-racional.

A legitimidade tradicional vê a aceitação do poder político incorporada na sacralização


ou santidade de regras costumeiras remotas, sendo que a autoridade é a guardiã dessas
regras (v.g. monarquias associadas a um fundamento religioso; obediência ao monarca
de modo cíclico, em função do princípio da hereditariedade)66.

A legitimidade carismática assenta nas características extraordinárias de determinados


líderes, fonte de onde emana a autoridade, características essas que levam a comunidade
a acreditar na qualidade de herói, salvador, profeta (v.g. como que um Deus) do detentor
do poder, sendo este um exemplo a seguir, ou alguém que irá mobilizar a sociedade por
um grande propósito (v.g. fascismo; comunismo; nacional-socialismo)67.

A legitimidade legal-racional supõe uma subordinação, tanto da autoridade, como da


restante comunidade à lei. A autoridade é aceite, conquanto esta dimane da lei, da
Constituição. É a lei quem irá clarificar quem é o titular do poder político. Os cidadãos
acatam a autoridade em função em função das normas que estabelecem em quem e
como obedecer e quem exerce e como é exercido o poder68.

64
CARLOS BLANCO DE MORAIS, op. cit., p. 47.
65
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., p. 164.
66
CARLOS BLANCO DE MORAIS, op. cit., p. 48.
67
CARLOS BLANCO DE MORAIS, op. cit., pp. 48-49.
68
CARLOS BLANCO DE MORAIS, op. cit., p. 49.
Este tipo de legitimidade pode subdividir-se noutros tipos de legitimidade69:

 Legitimidade Democrática – Aqui, o fundamento da autoridade parte de um


consenso entre governantes e governados, expresso por uma vontade geral, livre,
periódica e explícita (v.g. eleições para a AR);
 Legitimidade Revolucionária – O fundamento do poder resulta do rompimento
de uma ordem jurídico-constitucional, em virtude do uso da força, e da
instituição de uma outra ordem, sendo que a autoridade irá pertencer a quem
lograr êxito no âmbito na instituição dessa nova ordem (v.g. revolução político-
militar);
 Legitimidade Legal-Burocrática – Parte da obediência simples às autoridades
instituídas pelo aparelho legal vigente, atuando através de um aparelho
administrativo repressivo.

3. Legitimidade e Regime Político

Hodiernamente, inseridos numa cultura política ocidental e desenvolvida (não obstante


os devaneios provocados pela emergência do Estado Pós-Moderno e do
neoconstitucionalismo), temos que a legitimidade de um regime político assenta na sua
democraticidade, i.e., cabe aos cidadãos escolher, de forma expressa, livre, periódica e
esclarecida quais serão os seus governantes. O que quer dizer que o poder se encontra
legitimado quando está eleitoralmente suportado70.

Em jeito de exemplo, autores há que consideram que a substituição de DURÃO


BARROSO por SANTANA LOPES, para efeitos de assunção do cargo de Primeiro-
Ministro no XVI Governo Constitucional, se consubstanciou numa
inconstitucionalidade, porquanto a designação de SANTANA LOPES para Primeiro-
Ministro não foi popularmente sufragada (note-se que nem tinha integrado as listas para
a anterior legislatura), logo não legitimada71.

69
CARLOS BLANCO DE MORAIS, op. cit., p. 51.
70
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., pp. 168-169.
71
LUÍS BARBOSA RODRIGUES, Semipresidencialismo Português – Autópsia de uma Ficção, Quid
Juris, Lisboa, 2017, pp. 87 e ss.
Por outro lado, os regimes políticos ditatoriais (autoritários e totalitários), servem-se do
fator legalidade para fundamentar a sua autoridade, i.e., o poder é aceite por ter
fundamento legal.
Fins e Funções do Estado

1. Fins do Estado

Em tempos remotos, não havia Estado. Vivia-se num estado de natureza, no qual
reinava a lei do mais forte (o mais forte era o detentor do poder)72.

Hodiernamente, essa conceção foi afastada pela instituição do Estado. O Estado, e


através dele, irá criar um conjunto de normas, a fim de dirimir a fim de dirimir o
conflito de interesses e disciplinar a vida em sociedade, cuja violação é sancionada
através da força.

Mas para que serve o Estado? Essencialmente, para prosseguir o interesse e o bem-
comum, subjacentes à coletividade nele fixada.

Se concretizarmos, temos que os fins essenciais do Estado assentam na segurança, na


justiça e no bem-estar.

A segurança traduz-se na garantia da ordem e tranquilidade públias internas e proteção


contra calamidades naturais; em suma, na integridade e sobrevivência do território73.

A justiça é a vontade constante de dar a cada um o que é seu. Desdobra-se em justiça


comutativa e em justiça distributiva. A primeira pressupõe a existência de um conjunto
de regras e valores partilhados pelos membros da comunidade, a fim de evitar a
desproporção entre valores equivalentes. A segunda pressuõe uma distribuição
equitativa, mercê da contribuição do um para o todo74.

O bem-estar é constituído pelo bem-estar material, cultural e espiritual dos indivíduos.


Os homens devem, portanto, viver bem. Para tanto, são afetos certos bens de ordem
económica, social e cultural à satisfação das necessidades coletivas75.

72
Daí a célebre expressão de Hobbes: O homem é o lobo do homem.
73
FREITAS DO AMARAL, op. cit., p. 1142.
74
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., p. 179.
75
FREITAS DO AMARAL, op. cit., pp. 1142-1143.
Todos estes fins se complementam, criando uma ordem social, política, económica e
jurídica equilibrada. São como que a razão de ser do Estado. O Estado deve, pois, servir
a pessoa humana e não a si próprio.

1.1. Fins do Estado na Constituição da República Portuguesa

O artigo 9º da CRP dispõe uma pluralidade de fins que o Estado português é incumbido
de prosseguir. Quer isto dizer que o Estado português está vinculado àquilo que a
Constituição diz, no que tange à prossecução dos seus fins.

A segurança encontra-se patente no garante da independência nacional (al. a), na


garantia do Estado de Direito Democrático (al. b.), na defesa da democracia política (al.
c) e na proteção do património português (al. e).

A justiça encontra expressão na promoção da igualdade entre os portugueses e em


especial entre o homem e a mulher (als. c e h).

O bem-estar assenta na efetivação dos direitos económicos, sociais e culturais (al. d),
em assegurar o ensino e difundir a língua portuguesa (al. f) e na promoção harmoniosa
de todo o território nacional (al. g).

2. Funções do Estado

As funções do Estado são atividades dirigidas à prossecução de um ou mais fins do


Estado. Quem exerce estas atividades são os orgãos do Estado, mormente os orgãos de
soberania. Essas atividades têm características próprias: são específicas ou
diferenciadas, duradouras (prolongam-se indefinidamente) e globalizadas (é um
conjunto de atos não avulsos76.

Nos dias que correm, a propósito da organização política do Estado, vislumbra-se uma
divisão, no que tange às funções e poderes estaduais. Faz, pois, sentido reportar-nos ao
princípio da separação de poderes.

76
JORGE MIRANDA, Curso de Direito Constitucional, Vol. 2, Universidade Católica Editora, Lisboa,
2016, p. 137.
2.1. Princípio da Separação de Poderes

O princípio da separação de poderes assenta na distribuição equilibradora do poder


político por vários centros da autoridade estadual77.

Na esteira de MONTESQUIEU, a soberania estaria dividida entre os três poderes do


Estado, os poderes legislativo, executivo e judicial, de forma a que nenhum deles
detivesse a totalidade da soberania78.

A cada um dos polos do poder seria atribuido o poder de fiscalização recíproca, de


modo a haver uma limitação do poder.

A separação de poderes é hoje vista numa dimensão de distribuição de funções do


Estado.

2.2. Tipologia das Funções do Estado79

Adotamos um modelo hierarquizado, no qual ressalta, em primeiro lugar, a função


constituinte. Esta traduz-se no poder de criar a Constituição (poder constituinte
originário), ou de rever ou fazer alterações à Constituição (poder constituinte derivado).
Aqui, o poder político do Estado irá definir as regras da convivência em sociedade.

Segue-se a função política, que se consubstancia na definição primária e global do


interesse público e na escolha dos meios adequados para atingir os fins do Estado.

Temos, depois, a função legislativa, que corresponde à criação/adoção de atos que


revestem a forma de lei, atos esses que emanam de orgãos constitucionalmente
competentes para os criar, editar e até mesmo revogar (v.g. AR).

Posteriormente, releva traçar a distinção entre função jurisdicional e a função


administrativa.

77
NUNO PIÇARRA, Separação de Poderes in Polis, Enciclopédia da Sociedade e do Estado, Verbo,
Vol. 5. p. 683.
78
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., p. 185.
79
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., pp. 187-190.
A função jurisdicional visa aplicar o direito ao caso concreto, na decorrência da
violação à Constituição ou às leis, aplicação essa que irá sancionar quem violou a ordem
jurídica e nesse sentido irá repô-la. Visa, em suma, dirimir conflitos de interesses. É
realizada pelos tribunais (estes administram a justiça em nome do povo) (orgãos
independentes, imparciais e inamovíveis).

A função administrativa traduz-se na prática de atos (sejam eles atos administrativos,


regulamentos, prestação de serviços, etc.), com vista à satisfação das necessidades
coletivas. Esses atos estão subordinados ao princípio da legalidade e às opções políticas
do Estado. São realizados pela Administração Pública.

2.3. As Funções do Estado na Constituição da República Portuguesa

A função constituinte de revisão à Constituição está reservada exclusivamente à


Assembleia da República (arts. 284 e ss. CRP).

A função política está repartida por vários orgãos do Estado, que se propõem praticar
atos de natureza política, a fim de definir as opções essenciais da coletividade (arts. 133º
e ss.; 163 als d e e; 200º CRP).

A função legislativa está constitucionalmente atribuída à Assembleia da República,


Assembleias Legislativas Regionais e ao Governo (através de uma lei de autorização),
sendo que os atos legislativos que emanam desses orgãos se designam, respetivamente,
por lei, decreto legislativo regional e decreto-lei.

A função administrativa está atribuída ao Governo (art.s 182º e 199º CRP), sendo este o
orgão superior da administração pública, e aos orgãos das Regiões Autónomas, do
poder local (v.g. autarquias) e às pessoas coletivas da Administração Pública.

A função jurisdicional está confiada aos tribunais, orgãos que “administram a justiça em
nome do povo”, i.e., dirimem conflitos de interesses, aplicando e interpretando o direito
ao caso concreto.
V – Orgãos do Estado

1. Definição

JORGE MIRANDA define orgão do Estado como “o centro autónomo


institucionalizado de formação e manifestação da sua vontade (...)”, ou “o centro de
decisões jurídicas do Estado e/ou de instituições que nele se compreendam”80.

Assume-se que orgão do Estado seja um centro, que pode assumir a forma de cargo
singular ou de orgão colegial, constitucionalmente consagrado, de onde brota a vontade
do Estado (compreendida esta v.g. na emanação de atos legislativos ou na prática de
atos de natureza política ou administrativa), vontade essa que será imputável ao Estado
enquanto coletividade.

2. Vontade Funcional

Sabemos que a vontade coletiva corresponde à vontade do Estado. Não obstante, no


Estado verifica-se a atribuição a pessas físicas a função de agirem como se fosse o
Estado a agir, através de uma vontade psicológica, ou qualquer outra. Aí, os atos
praticados por essas pessoas são tidos como vontade do Estado-Coletividade, logo, são
automaticamente a ele imputados. Há unidade, no que concerne à prossecução do
interesse coletivo – é apenas a pessoa coletiva (sublinhe-se, o Estado) a prossegui-lo,
contanto que através de pessoas físicas – isto corresponde à vontade funcional. O orgão,
aqui, não é mero representativo da pessoa coletiva, mas sim a própria pessoa coletiva.

3. Elementos

O conceito de orgão é constituído por quatro elementos: a instituição, a competência, o


titular e o cargo:

80
JORGE MIRANDA, Orgãos do Estado in Polis, Enciclopédia da Sociedade e do Estado, Verbo, Vol. 4.
p. 915.
 A instituição assenta na ideia de obra ou empreendimento que se realiza e
perdura no tempo e no meio social;
 A competência consubstancia-se no complexo de poderes funcionais respeitantes
à participação no exercício de uma ou mais funções do Estado;
 O titular corresponde à pessoa física, ou conjunto de pessoas físicas que tornam
real a vontade do orgão do Estado.
 O cargo ou função do titular, corresponde à relação específica que se estabelece
entre o titular e o Estado.

4. Princípio da Prescrição Normativa da Competência

O princípio da prescrição normativa da competência assenta na limitação do poder


público, como garantia da liberdade das pessoas, e na separação e articulação dos
orgãos do Estado entre si e entre eles e quaisquer outros orgãos de outras entidades. Os
orgãos do Estado só valem enquanto postos ao serviço da coletividade, apenas podendo
agir com os poderes que as normas a eles relativas lhes conferirem.

Quando existem vários orgãos, tem necessariamente de haver uma demarcação das
respetivas competências, não podendo nenhum orgão invadir a esfera de competência de
qualquer outro.

A competência provém da norma. Esta tanto pode ser explícita (norma que
explicitamente declare a competência), como implícita (norma cujo sentido carece de
interpretação para ser clarificado), não havendo diferença entre estes dois tipos de
norma para o efeito (de atribuição da competência). A afirmação de poderes implícitos
muitas vezes é utilizada para aumentar a esfera de competência de um orgão, ou mesmo
aumentar a sua influência. Este sentido é, no entanto, inadmissível.

5. Orgão e Titular

O orgão é caracterizado pela sua permanência e continuidade, pelo que o titular é


sempre temporário (ao menos, pela limitação da duração da vida humana ou capacidade
física, bem como em virtude de regras jurídicas). Veja-se que nos regimes democráticos
é vedada a titularidade de um cargo a título vitalício; o princípio é o da renovação
periódica (que, ademais, é um corolário lógico do princípio republicano) (v.g. art. 118º
CRP).

Os titulares dos orgãos do Estado podem ser designados por mero efeito do direito (v.g.
sucessão hereditária, sorteio, rotação, inerência, antiguidade), ou por efeito do direito e
da vontade (cooptação, nomeação, eleição, concurso, aquisição revolucionária). Da sua
observância dependem a investidura e a legitimidade de título.

Podem estabelecer-se diversas relações entre orgãos do Estado, ou entre estes e os


titulares, a saber:

 Relações de Supletividade – Quando um titular impedido ou ausente é


substituido por outro constitucional ou legalmente habilitado (v.g. art. 132º
CRP);
 Relações de Delegação – Quando a Constituição ou a lei, atribuindo a um
orgão/titular competência para a prática de determinados atos, permite que esse
orgão/titular transfira para outro essa competência (ou parte dela);
 Relações de Substituição – Quando um orgão de hierarquia superior é autorizado
a agir em vez de outros orgãos;
 Relações de Prorrogação – Quando um orgão se mantém em funções, num
período de transição (v.g. Governo de gestão; art. 186º/4 CRP).

6. Tipos de Orgãos do Estado

Destacamos a seguinte classificação de orgãos do Estado:

 Orgãos de Soberania – Aqueles que são criados imediatamente pela


Constituição, possuem poder de auto-organização e não podem ser modificados
ou extintos por lei ordinária (v.g. PR; AR; Governo);
 Orgãos Simples e Orgãos Complexos – Os primeiros decidem e deliberam por si
só. Os segundos desdobram-se ou multiplicam-se, para certos efeitos, em dois
ou mais orgãos;
 Orgãos Singulares e Orgãos Colegiais – Os primeiros têm um só titular. Os
segundos têm uma pluralidade de titulares. Dentro destes, podemos destacar os
orgãos deliberativos, ou de tipo assembleia, que são aqueles que emitem
decisões ou deliberações, mediante um processo de votação.

7. Orgãos do Estado na Constituição da República Portuguesa

No artigo 110º/1 da CRP estão enumerados os orgãos de soberania (aqueles que são
imediatamente criados pela Constituição, dispõem de poder de auto-organização e não
podem ser modificados ou extintos por lei ordinária). São eles o Presidente da
República (Chefe de Estado; orgão de arbitragem e moderação; detém o poder de
promulgar ou vetar diplomas; exerce a magistratura de influência; pode dissolver a AR
e demitir o Governo, reunidos determinados pressupostos; etc.), a Assembleia da
República (orgão legislativo por excelência, representativo do povo), o Governo (detém
funções políticas, administrativas e legislativas) e os tribunais (compete-lhes aplicar o
direito e fazer a justiça)81.

A Constituição institui, também, orgãos das Regiões Autónomas (art. 231º CRP), sendo
eles o Governo e a Assembleia Legislativa Regional, e orgãos do poder local (art. 239º
CRP; orgãos deliberativos e executivos).

Temos, ainda, como orgãos de Estado o Provedor de Justiça (art. 23º CRP), a Entidade
Reguladora da Comunicação Social (art. 39º CRP), o Conselho de Estado (art. 141º
CRP), o Conselho Superior da Magistratura (art. 218º CRP), a Procuradoria-Geral da
República (art. 220º CRP), os Representantes da República nas Regiões Autónomas
(art. 230º CRP) e o Conselho Superior de Defesa Nacional (art. 274º CRP).

No que concerne aos orgãos colegiais, o artigo 116º da CRP estabelece um quórum
mínimo, i.e., um número mínimo de membros para que o orgão possa funcionar. Estatui
o nº 2 do presente artigo que “as deliberações dos orgãos colegiais são tomadas com a

81
A propósito da análise do Governo, Presidente da República e da Assembleia da República, faremos
um estudo mais aprofundado no âmbito do sistema de governo português.
presença da maioria do número legal dos seus membros”. A regra é a da pluralidade de
votos.82.

Temos, depois, os orgãos sem expressa consagração constitucional, que são aqueles que
resultam da lei.

82
Para a Assembleia da República poder funcionar, é exigível a presença de, pelo menos, 116 deputados,
o que corresponde à maioria do número legal dos seus membros (veja-se que a AR é composta por 230
deputados).
VI – Formas de Estado

1. Definição

BLANCO DE MORAIS define forma de Estado como o “modelo inerente ao tipo de


relações estabelecidas entre o poder político e o território”83.

Forma de Estado é o modo de o Estado dispor o seu poder em face de outros da mesma
natureza e quanto ao povo e ao território (v.g. a possibilidade de ficar sujeito a um ou a
mais do que um poder político)84.

2. Estado Simples ou Unitário e Estado Composto ou Complexo

O Estado simples ou unitário é aquele onde há unidade de poder político, de


ordenamento jurídico e de Constituição e unidade de centros de decisão política. Por seu
turno, o Estado composto ou complexo é aquele onde existe pluralidade de poderes
políticos, ordenamentos jurídicos, Constituições e de centros de decisão política85.

O Estado unitário pode ter vários modelos: pode ser Estado unitário centralizado (com
ou sem desconcentração administrativa), ou pode se Estado unitário descentralizado
(administrativamente, ou administrativa e politicamente – v.g. Estado Regional)86.
Ressalve-se que nunca deixa de existir um só centro de poder e uma só Constituição no
Estado unitário87.

O que é, então, a desconcentração e a descentralização?

83
CARLOS BLANCO DE MORAIS, op. cit., p. 37.
84
JORGE MIRANDA, Curso de Direito Constitucional, Vol. 2, Universidade Católica Editora, Lisboa,
2016, p. 77.
85
JORGE MIRANDA, Curso de Direito Constitucional, Vol. 2, Universidade Católica Editora, Lisboa,
2016, p. 78.
86
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., p. 219.
87
Independentemente do tipo e grau de descentralização.
A desconcentração administrativa consubstancia-se num decongestionamento de
competências, no qual se confere a um orgão inferior ou periférico competências e
poderes decisórios, que estariam reservados em exclusivo ao superior (orgão superior e
central, respetivamente), de forma a haver maior celeridade nas decisões (v.g.
transferência de competências do Ministro das Finanças para uma repartição de finanças
local)88.

A descentralização administrativa arvora-se na transferência de poderes (ou da função


administrativa) do “Estado Central” para pessoas coletivas territoriais, cujos orgãos
serão livremente eleitos pelas respetivas populações e irão assumir competências e
funções próprias89. É o caso das autarquias locais, que segundo FREITAS DO
AMARAL são “pessoas coletivas públicas de população e território, correspondentes
aos agregados de residentes em diversas circunscrições do território nacional, e que
asseguram a prossecução dos interesses comuns resultantes da vizinhança mediante
orgãos próprios, representativos dos respetivos habitantes”90. As autarquias locais
desdobram-se em municípios e frequesias. Aqui, a descentralização é sempre
administrativa.

E o que é a descentralização política? Traduz-se ma autonomia política de certas regiões


ou províncias, cujos orgãos desempenham funções políticas e alguns poderes de caráter
legislativo e governativo, ao lado dos orgãos estatais – isto corresponde ao Estado
unitário regional91.

Por seu turno, o Estado composto ou complexo configura-se como uma federação, ou
Estado Federal, ou como União Real.

Os Estados compostos resultam da congregação de vários Estados soberanos, o que irá


dar origem a uma nova entidade política. A federação assenta numa estrutura de

88
DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, Vol. I, 4ª edição (reimp.),
Almedina, Coimbra, 2016, p. 690.
89
DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, Vol. I, 4ª edição (reimp.),
Almedina, Coimbra, 2016, pp. 723-724.
90
DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, Vol. I, 4ª edição (reimp.),
Almedina, Coimbra, 2016, p. 408.
91
JORGE MIRANDA, Curso de Direito Constitucional, Vol. 2, Universidade Católica Editora, Lisboa,
2016, p. 79.
sobreposição, porquanto um novo poder, resultante dessa união, o poder federal, surge
acima dos poderes políticos dos Estados Federados92.

Diferentemente, a União Pessoal é uma associação de Estados, cujo Chefe de Estado é


comum aos Estados integrantes da união, embora só a título pessoal (v.g. Rei Filipe de
Portugal e Espanha) . A União Real, por outro lado, é regulada por uma só Constituição
e tem orgãos comuns aos vários Estados. Estas tendem a coincidir com monarquias e
regimes de tendência imperialista (v.g. Portugal e Brasil, de 1815 a 1822).

3. Estado Unitário Com Descentralização Administrativa

A maioria dos Estados tem apenas um centro de poder, um só poder político e uma só
Constituição. O Estado unitário pode comportar vários níveis de descentralização
administrativa (v.g. municípios, distritos, regiões administrativas, etc.). Mas a
descentralização apenas administrativa não comporta uma autonomia política,
legislativa e estatuto jurídico próprio, como se vislumbra no Estado unitário regional93.

4. Estado Unitário Regional

Par além da descentralização administrativa (a sua maior expressão assenta nos


municípios), o Estado unitário regional implica a criação de regiões, dotadas de estatuto
jurídico próprio, o qual inclui poderes, a par com o Estado central, para dirigir
politicamente as regiões e para legislar (descentralização política)94.

Pode distinguir-se entre Estados regionais integrais, nos quais todo o território se divide
em regiões autónomas (v.g. Espanha), e Estados regionais parciais, nos quais se

92
JORGE MIRANDA, Curso de Direito Constitucional, Vol. 2, Universidade Católica Editora, Lisboa,
2016, p. 80.
93
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., pp. 222-223.
94
CARLOS BLANCO DE MORAIS, op. cit., p. 40.
encontram regiões politicamente autónomas e regiões ou circunscrições só com
descentralização administrativa (v.g. Portugal)95.

Por regra, as regiões são criadas pela Constituição, pelo poder central, sendo que as
atribuições políticas podem ser alargadas ou extintas por este.

As regiões não têm poder constituinte, i.e., não participam na elaboração ou no processo
de revisão da Constituição; a elaboração ou alteração dos seus estatutos políticos
pertencem ao poder central; carecem de soberania e só podem legislar dentro de uma
esfera de competência própria96.

5. O Estado Federal

O Estado Federal encontra a sua mais perfeita expressão no federalismo norte-


americano, que remonta à Declaração de Independência de 1776. Todas as reproduções
do federalismo noutros Estados acabaram por ser uma caricatura do federalismo norte-
americano. Os Estados Unidos da América são constituídos por cinquenta Estados
diferentes, com características políticas, sociais e culturais próprias e com Constituições
e ordens jurídicas distintas, que acabam por congregar-se e dar origem a um unidade
política: a Federação97. Estamos perante a coexistência de Estados particulares e uma
autoridade central98.

Como havíamos dito, a federação repousa numa estrutura de sobreposição, porquanto o


poder federal surge acima dos poderes políticos dos Estados nela integrantes. Cada

95
JORGE MIRANDA, Curso de Direito Constitucional, Vol. 2, Universidade Católica Editora, Lisboa,
2016, p. 85.
96
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., p. 224.
97
RICARDO LEITE PINTO, A Democracia Constitucional nos E.U.A., Universidade Lusíada Editora,
Lisboa. 2016, p. 52.
98
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., p. 226.
cidadão fica, assim, sujeito a duas Constituições: A Constituição Federal e a do Estado
federado99.

O sistema federal assenta num duplo plano constitucional, que se desdobra em duas
Constituições, a Federal e a de cada Estado, e num duplo plano legal, no qual coexistem
leis federais e leis estaduais. As competências federais são as que resultam diretamente
da Constituição, atribuídas pelos Estados no momento em que esta é elaborada
(estamos, pois, perante um tipo de federalismo centrípedo100, o qual nasce de um prévio
acordo entre Estados primeiramente independentes que renunciam à sua soberania, ou
parte dela, para dar origem à Federação), e tudo o que não se encontrar na Constituição
federal pertence aos Estados. Coabitam a supremacia federal e a determinação de que só
são competências federais as previstas na Constituição.101 O Estado Federal é um
“Estado de Estados”.

Os Estados federados têm soberania no plano interno, mas o poder de independência na


ordem internacional é detido pela federação102; os primeiros participam na formação e
na modificação da Constituição federal, através de orgãos federais, com representação
dos Estados103.

Em suma, há semelhanças e diferenças, no que tange às relações entre a federação e os


Estados, pelo que podemos apontar princípios unitários (de convergência) e princípios
diferenciadores104:

Princípios Unitários:

99
JORGE MIRANDA, Curso de Direito Constitucional, Vol. 2, Universidade Católica Editora, Lisboa,
2016, p. 82.
100
Existem, por outro lado, federalismos centrífugos, que correspondem a Estados unitários que iniciaram
um processo de transferência de poderes constitucionais, políticos e administrativos para regiões ou
províncias, de forma a transformá-los em Estados federados. É o caso do Brasil, Bélgica, Alemanha, etc.
101
RICARDO LEITE PINTO, op.cit., p. 53.
102
Os Estados federados têm governo próprio, administração própria, legislação própria, poder político
interno. Mas é à federação que cabe participar na cena internacional. É o Estado federal que tem poderes
v.g. para celebrar acordos/tratados internacionais e não os Estados federados.
103
JORGE MIRANDA, Curso de Direito Constitucional, Vol. 2, Universidade Católica Editora, Lisboa,
2016, p. 83.
104
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., pp. 226-227.
 Supremacia da Constituição Federal;
 Cidadania Federal (v.g. os cidadãos do Estado do Texas, contanto que lá
habitem, são cidadãos dos Estados Unidos da América);
 Igualdade jurídica dos Estados federados (igualdade dos direitos dos seus
cidadãos).

Princípios Diferenciadores:

 Existência de Estados federados, com Constituição própria e poder supremo na


ordem interna;
 Poder legislativo próprio conferido aos Estados federados;
 Autonomia económica dos Estados federados (os Estados podem criar os seus
próprios impostos).

O principal substrato jurídico-político-constitucional do Estado federal é o da separação


concomitantemente horizontal (no âmbito da federação) e vertical (nas relações entre a
federação e os Estados) de poderes.

6. A Forma do Estado Português na Constituição da República Portuguesa:


Estado Unitário Regional

O Estado português é um Estado unitário regional. É unitário, desde logo porque só há


um poder político e uma Constituição.

No entanto, o artigo 6º da CRP, ao estatuir que “o Estado é unitário e respeita na sua


organização e funcionamento o regime autonómico insular e os princípios da
subsidariedade, da autonomia das autarquias locais e da descentralização democrática
da Administração Pública” e que “os arquipélagos dos Açores e da Madeira
constituem regiões autónomas dotadas de estatutos político-administrativos e de orgãos
de governo próprios”, consagra vários níveis de descentralização e afirma a unidade do
Estado, bem como a autonomia local e regional.
A unidade do Estado significa que, sendo o Estado português unitário, não pode assumir
um sistema federal; daí resulta que o poder central deve estabelecer relações imediatas
com os seus cidadãos105.

A afirmação da autonomia local significa que as autarquias locais são formas de


descentralização administrativa e territorial do Estado, dotadas de orgãos próprios,de
competências específicas afetas a interesses próprios (da comunidade local) (art. 237º/1
CRP), dispondo de autonomia administrativa, bem como património e finanças próprios
(poder tributário específico). A sua estrutura orgânica compreende um orgão
deliberativo (v.g. Assembleia Municipal) e um orgão executivo colegial (v.g. Câmara
Municipal).106

O princípio da descentralização administrativa significa que certos poderes da


administração central são transferidos para entidades públicas locais, possuidores de
interesses coletivos próprios (v.g. autarquias locais)107.

Por seu turno, as regiões autónomas são formas de descentralização política: gozam de
autonomia legislativa e governamental e dirigem a sua própria política, dotadas de
estatuto político próprio. Este, porém, não pode ser alterado pelas regiões, porquanto
não detêm autonomia constituinte, função essa confinada exclusivamente à AR (arts.
161º al. b; 226º CRP).

A organização e funcionamento das regiões consta, como referimos, dos estatutos


político-administrativos, que são leis da AR com valor reforçado, sujeitos a um
processo legislativo atípico108.

Os orgãos das regiões arquipelágicas são a Assembleia Legislativa Regional (orgão


legislativo), eleita por sufrágio universal, direto e secreto (art. 231º/2 CRP) e o Governo
Regional, que dela emana e que perante ela é politicamente responsável (art. 231º/3
CRP). Lá figura um Representante da República, nomeado pelo Presidente da

105
J.J. GOMES CANOTILHO, VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada –
Artigos 1º a 107º, Vol. I, 4ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 233.
106
J.J. GOMES CANOTILHO, VITAL MOREIRA, op. cit. p. 234.
107
Idem.
108
Por essa razão, há quem advogue que os estatutos político-administrativos gozam de um duplo reforço.
República, tendo funções representativas, certificatórias e de controlo dos atos regionais
(assinatura e veto).

O artigo 227º da CRP enumera os poderes de natureza político-legislativa,


administrativa, financeira e patrimonial e o artigo 228º dispõe sobre os termos do
exercício da autonomia legislativa.
VII – Formas de Governo

1. Introdução

O conceito de forma de governo agrega os conceitos de regime político e sistema de


governo. A ideia mais destacada subjacente à forma de governo é a de saber quem
governa e como se governa, o que corresponde a um determinado modelo de
estruturação do poder político.

O regime político traduz-se nas relações entre os governantes e os governados, enquanto


que o sistema de governo estuda as instituições e o estatuto dos governantes109.

No presente capítulo, importa discernir entre tipologias clássicas e tipologias modernas


ou contemporâneas.

2. Tipologias Clássicas110

As tipologias clássicas radicam em Platão, Aristóteles, Cícero, S. Tomás de Aquino,


Maquiavel, Bodin, etc.

Dentro destas tipologias, distingue-se entre uma tripartição – monarquia, aristocracia e


democracia – e uma bipartição – monarquia e república.

A primeira classificação doutrinal remonta a PLATÃO (em “A República), o qual


distingue entre formas de governo corruptas, ou imperfeitas, e formas ideiais, traçando
as diferenças entre elas através do estudo das virtudes e dos vícios das respetivas classes
dirigentes. São elas a timocracia (governo da honra), a oligarquia (forma corrupta da
aristocracia), a democracia ( de “Demos” – povo – e “Kratia” – poder) e a tirania (esta
primeira classificação é feita segundo graus crescentes de imperfeição). Depois indica
duas formas ideiais: a monarquia e a aristocracia.

109
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., pp. 255-258.
110
JORGE MIRANDA, Curso de Direito Constitucional, Vol. 2, Universidade Católica Editora, Lisboa,
2016, pp. 98-102.
Em seguida, com a sua obra “A Política”, ARISTÓTELES legou-nos a mais célebre
análise das formas de governo, que assenta na simbiose entre um critério quantitativo
(se quem governa é um homem, se são poucos ou muitos) e um critério qualitativo
(como se governa – qual o interesse prosseguido pelos governantes, se o bem comum,
ou o interesse egoístico deles).

Temos a distinção entre formas puras e formas degeneradas. Formas puras revelam-se a
monarquia, a aristocracia e a politeia (nas quais o interesse prosseguido é o bem
comum). Formas degeneradas são a tirania, a oligarquia e a democracia.

ARISTÓTELES propõe uma hierarquia entre elas: monarquia, aristocracia, politeia,


democracia, oligarquia, tirania.

Já no século XVI, MAQUIAVEL propõe uma conceção de formas de governo muito


diferente, baseada numa bipartição entre república e principado (monarquia).

A república corresponde, na esteira do florentino, ao governo de vários, sejam alguns


(aristocracia), ou muitos ou todos (democracia). O principado (monarquia) corresponde
ao governo de um só.

Na república há uma vontade coletiva, na monarquia há vontade individual. Os


principados são divididos entre novos (provenientes de uma nova conquista de poder) e
hereditários.

Mais tarde, MONTESQUIEU vem a ser muito influente, com a sua obra “Do Espírito
das Leis”. Uma principal referência desta obra prende-se com o desenvolvimento do
princípio da separação de poderes.

MONTESQUIEU faz uma tripartição, no que concerne às formas de governo: a


república, a monarquia e o despotismo. A república corresponde ao governo de todos,
em grupo, colégio, seja alguns sejam todos. A monarquia é o governo de todos por um
só homem que exerce o poder com equilíbrio, visando a prossecução do bem comum. O
despotismo é o governo imperfeito, exercido por um só homem no seu próprio interesse,
em detrimento do bem comum.

Mais recentemente, LOEWENSTEIN apresenta uma bipartição das formas de governo:


autocracia, se o poder está concentrado em alguém; constitucionalismo, se o poder está
repartido por vários centros, orgãos, ou entidades.
3. Tipologias Modernas111

Seguindo a lição do professor JORGE MIRANDA, temos as seguintes de formas de


governo modernas:

 Monarquia Absoluta – É a forma de governo que extrai do princípio da


legitimidade monárquica o máximo de concentração do poder no Rei;
 Governo Representativo Liberal – Repousa numa legitimidade democrática,
consagra a liberdade e a representação política e adota a separação de poderes
(não obstante o sufrágio ser censitário);
 Governo Cesarista – Assenta numa legitimidade democrática, mas atenua a
representação política com recurso ao plebisctio e concentra o poder no “césar”,
o que afeta a liberdade política (v.g. Napoleão Bonaparte);
 Monarquia Constitucional (ou limitada) – Embora subsista a legitimidade
monárquica, acerta-se a separação de poderes do domínio das instituições
representativas;
 Democracia Representativa – Consagra o sufrágio universal e a
representatividade política, através de partidos políticos112.
 Governo Leninista – Forma de governo que surgiu com a revolução russa de
1917, na qual é rejeitada a separação de poderes, sendo traço específico do
Estado o seu governo pelo Partido Comunista (o mesmo é dizer que o poder
reside no proletariado);
 Forma de Governo Fascista – Assenta numa conceção transpersonalista, na qual
a pessoa humana não é um fim em si, mas um elemento do todo e só conta como
elemento desse todo. Nega-se a separação de poderes e há um partido único,
partido de massas, que monopoliza o poder político (v.g. regime de Mussolini;
nacional-socialismo);
 Ditadura Militar – Resulta quase sempre de uma grave crise política ou social,
na qual há um mau funcionamento das instituições constitucionais e as forças
armadas vêm intervir. Normalmente, é uma conjuntura política transitória, até
que a crise esteja resolvida (v.g. golpe militar de 1926).

111
JORGE MIRANDA, Curso de Direito Constitucional, Vol. 2, Universidade Católica Editora, Lisboa,
2016, pp. 102-106.
112
Esta matéria será abordada com maior profundidade a propósito dos regimes políticos.
VIII – Regimes Políticos

1. Introdução

O regime político reporta-se strictu sensu à relação existente entre os cidadãos e o poder
político113.

Tem que ver com a propagação e o culto de certa ideologia, que irá corresponder à
filosofia de Estado, pelo poder político, com o papel dos cidadãos nas decisões e
atividades políticas, com o maior ou menor controlo (fiscalização) do poder pelo povo,
com a existência e efetivação, ou não, de um conjunto de direitos fundamentais
constitucionalmente consagrados, com a forma de designação dos governantes, etc.

Em sentido amplo, BLANCO DE MORAIS define regime político como “o modelo


doutrinal ou ideológico onde repousam os fundamentos da legitimidade do poder
soberano de um Estado bem como da definição do tipo de enlace jurídico-político que é
estabelecido entre o povo e os orgãos que exercem o mesmo poder”114.

São nosso objeto de estudo dois tipos de regimes políticos: o regime democrático e o
regime ditatorial. O primeiro tem que ver com o respeito pelo pluralismo, a salvaguarda
dos direitos fundamentais dos cidadãos, a participação destes nas decisões e na
atividade política, etc. O segundo concerne a uma imposição de certa ideologia ou
filosofia de Estado, onde poderá ser vislumbrada uma aniquilação dos direitos
fundamentais.

2. Regime Político Democrático

A palavra democracia provém etimologicamente dos termos gregos demos (povo) e


kratos (governo), o que significa governo do povo, ou governo emanado da vontade
popular.

113
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., p. 274.
114
CARLOS BLANCO DE MORAIS, op. cit., p. 55.
LINCOLN formulou o conceito de democracia na seguinte frase: “Democracia é o
poder do povo, pelo povo e para o povo”.

Autores há, que advogam que para estarmos perante um regime democrático, têm de
estar reunidos os seguintes pressupostos: soberania popular, igualdade política, consulta
popular e regra da maioria115.

Na democracia o poder encontra-se distribuído, limitado, controlado e é exercido de


forma rotativa.

Podemos dizer, neste sentido, que a democracia corresponde ao governo dos cidadãos, o
qual é caracterizado pela existência de responsabilidade dos governantes perante os
governados, pelo pluralismo, livre concorrência, existência de eleições, governo este
que se antangoniza ante os conceitos de monocracia e ditadura, porquanto corresponde
ao governo do povo, da maioria.

Existem dois grandes modelos teoréticos, no que concerne ao regime político


democrático: o modelo liberal, que se consubstancia na ideia de proteção individual do
cidadão face ao Estado, e o modelo de democracia republicana-representativa, que
engloba um conjunto de características, entre as quais a deliberação conjunta na esfera
pública, sufrágio universal, participação do cidadão na sociedade civil, etc. O modelo
liberal engloba as ideias de direitos civis, divisão territorial de poderes, controlo dos
atos do governo, consentimento dos governados, controlo dos governantes (através de
eleições periódicas), etc116.

Releva indicar os pressupostos constitutivos de um regime político democrático, i.e., os


elementos que caracterizam a democracia como regime político117:

 Eleições Livres – Designação dos governantes pelo povo, através de um


processo eleitoral livre de constrangimentos, no qual o cidadão deverá poder
optar por uma de entre várias candidaturas ao poder, de forma livre e
esclarecida;

115
JOSÉ DURÃO BARROSO, Democracia in Polis, Enciclopédia da Sociedade e do Estado, Verbo, Vol.
2, p. 71.
116
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., pp. 281-283.
117
CARLOS BLANCO DE MORAIS, op. cit., pp. 77-90.
 Eleições Regulares – Tem que ver com o cumprimento da lei e com o controlo
dos governantes, através da escolha;
 Sufrágio Direto e Secreto – O sufrágio é direto, na medida em que os cidadãos
elegem os seus representantes sem intermediários. É secreto, na medida em que
é garantia de liberdade de escolha para o eleitor, podendo este escolher sem
qualquer tipo de condicionamentos ou influências (v.g. urnas fechadas, cabines
de voto, etc.);
 Eleições Periódicas – As eleições devem realizar-se com uma periodicidade
regular, de forma a evitar os cargos a título vitalício e a garantir os direitos das
oposições (v.g. de contraponto ao poder e de fiscalização; de se poderem
apresentar como uma alternativa ao poder);
 Eleições com Alternativa e Equivalência de Opções – O eleitorado deve ter a
possibilidade de escolha entre candidaturas alternativas e concorrentes, as quais
correspondem a um programa político próprio, que será sufragado
popularmente.
 Sufrágio Universal e Igualitário – Todos os cidadãos maiores e capazes devem
ter acesso ao voto, em detrimento das anteriores conceções do sufrágio
censitário e capacitário (nos quais v.g. só quem detivesse um grau elevado de
poder económico é que poderia votar; o direito de voto era vedado às mulheres,
etc.).
 Princípio da Maioria – Princípio, segundo o qual a maioria deve impor-se à
minoria e governar. Manifesta-se na conversão de votos em mandatos (quem
tem mais votos, mais mandatos tem) e no processo de tomada de decisões pelos
titulares do poder democraticamente eleitos nos orgãos colegiais (prevalência da
opção que obtiver maior número de votos).

Importa, ainda, ter em conta dois modelos de democracia formulados por LIPHART118:

 Modelo Maioritário (por referência à democracia britânica) – Caracteriza-se pela


concentração do poder executivo em governos monopartidários, por um sistema
bipartidário, por um sistema eleitoral maioritário, pelo pluralismo de grupos de
interesse, pelo sistema de governo unitário e centralizado, pela concentração do

118
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., p. 287-288.
poder legislativo numa assembleia de uma só câmara, pela flexibilidade da
Constituição, pela ausência de “judicial review” e pelo controlo do Banco
Central pelo executivo (v.g. Inglaterra);
 Modelo Consensual: Caracteriza-se pela partilha do poder executivo (v.g.
coligações), pelo equilíbrio dos poderes legislativo e executivo, por um sistema
multipartidário, por uma representação proporcional, pelo corporativismo de
grupos de interesse, pelo federalismo e governo descentralizado, por um forte
bicameralismo, pela rigidez da Constituição, pela existência de “judicial review”
e pela independência do Banco Central (v.g. Portugal, Itália, etc.).

3. Regime Político Ditatorial

3.1. Introdução

O regime político ditatorial assenta na oposição à democracia. O substrato funcional da


democracia quando inexista ou (tautologica e paradoxalmente) seja disfuncional dá azo
a uma realidade ditatorial.

Na ditadura, o poder está concentrado num só homem ou num pequeno grupo de


homens, é exercido sem limitação, ou pelo menos sem limitações legais e estáveis, num
ambiente em que a participação política do povo é precária ou mesmo nula.

BLANCO DE MORAIS denomina a ditadura de autocracia, definindo-a como “a ordem


de domínio fundada num ideário oficial que fundamenta o exercício concentrao e não
controlado do poder político por parte de um grupo” em termos que “os cidadãos estão
afastados do processo de formação da vontade estatal” e onde está vedado “o acesso
dos governados ao poder, mediante uma expressiva compressão ou supressão dos seus
direitos políticos”119.

A ditadura é caracterizada pela concentração e ausência de limites do poder, pela falta


de legitimidade política e pela uniformidade de centros de decisão120. Há inexistência de
separação de poderes e freios e contrapesos, não havendo eleições livres e participação

119
CARLOS BLANCO DE MORAIS, op. cit., pp. 195-196.
120
JOSÉ MIGUEL JÚDICE, Ditadura in Polis, Enciclopédia da Sociedade e do Estado, Verbo, Vol. 2, p.
635.
dos cidadãos no controlo do poder. As oposições podem ser objeto de perseguição. O
pluralismo político é reduzido ou aniquilado e a força é elemento fundamental para
efeitos de preservação do poder. O Estado apresenta uma ideologia que demanda a
justificação da concentração de poder na esfera do homem ou do grupo que o detém, o
qual pode apresentar uma vertente social, religiosa, ou militar.

Há, essencialmente, dois tipos de ditadura a caracterizar: a ditadura autoriária e a


ditadura totalitária.

3.2. Ditadura Autoritária

A ditadura autoritária pode caracterizar-se como um tipo de ditadura mais atenuado.


Aqui, o pluralismo ainda não foi aniquilado, pese embora seja limitado; não há
concorrência eleitoral e as organizações políticas têm uma autonomia circunscrita121.

Tem como atributos a existência de uma ideologia estatal (v.g. Deus, Pátria e Família)
integrada por valores de abertura e consistência variável, que logra a justificação da
concentração de poder, a existência de um poder supremo, em regra o Chefe de Estado
ou Chefe de Governo, que exerce poderes de direção e controlo decisivo sobre as
demais instituições, um poder de mobilização social pouco intenso, a tolerância do
pluralismo social com limites, a existência de um aparelho policial repressivo, dirigido
mormente a inimigos do regime e opositores, a compressão da liberdade de expressão e
de informação e o respeito pelos direitos de propriedade e iniciativa privada (v.g.
regime corporativo salazarista)122.

É, pois, um regime autocrático, mas não totalitário. O grupo dirigente ou a


personalidade exerce o poder político em nome próprio, sem recurso aos mecanismos de
eleição regular e de controlo, pelos governados, das ações dos governantes. Veja-se o

121
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., p. 293.
122
CARLOS BLANCO DE MORAIS, op. cit., pp. 202-203.
exemplo do salazarismo, regime instituído após uma ditadura militar, assente num
consulado vitalício baseado na autoridade e carisma pessoal do seu criador123.

3.3. Ditadura Totalitária

Na ditadura totalitária, há o culto e a propagação de uma certa ideologia, a filosofia de


Estado, na qual o homem não é visto como fim em si mesmo, mas como parte
integrante do todo (conceção transpersonalista), e em que, segundo a definição de
BLANCO DE MORAIS, “um partido único detém a autoridade pública e a exerce de
forma exclusiva, utilizando, para a conservar, o monopólio da comunicação social e da
educação e um aparelho repressivo de caráter judicial, policial e paramilitar”124 (v.g.
nacional-socialismo).

No totalitarismo não há qualquer vestígio de pluralismo, são apresentadas ideologias


rígidas (v.g. comunismo), há grande poder de mobilização social, não há limites na
atuação política, há um partido único e organizado e o Estado detém o monopólio total
da educação e dos meios de comunicação social125.

São seus atributos a existência de uma ideologia oficial do Partido e do Estado, a


compressão ou mesmo supressão do pluralismo e da autonomia individual, a criação de
um Partido único com caráter dirigente, organizado como formação política de massas,
fortemente hierarquizada e disciplinada, destinada a controlar política e ideologicamente
a sociedade e o Estado, um forte ditador ou diretório (v.g. comité central do Partido
Comunista), uma propagação ideológica através dos meios de comunicação social (que
são monopólio do Estado), um aparelho repressivo policial dirigido contra toda a
oposição ou contra quem se apresente como divergência política (v.g. polícia secreta ou
polícia do Estado), aniquilamento de direitos fundamentais, substituição do direito por

123
JAIME NOGUEIRA PINTO, Autoritarismo in Polis, Enciclopédia da Sociedade e do Estado, Verbo,
Vol. 1, pp. 498-499.
124
CARLOS BLANCO DE MORAIS, op. cit., p. 199.
125
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., pp. 293-294.
decisões arbitrárias, a direção concentrada de toda a economia, na qual a expressão
máxima é a restrição do direito de propriedade e de iniciativas privadas126.

Em suma, o terror constitui a essência do poder totalitário, o qual destrói grupos e


instituições, as capacidades políticas do homem e aniquila os tecidos das relações
privadas intersubjetivas127.

126
CARLOS BLANCO DE MORAIS, op. cit., pp. 201-202.
127
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., p. 294.
IX – Sistemas de Governo

1. Introdução

O sistema de governo reporta-se à forma como entre si se relacionam os diversos orgãos


do poder político soberano. É uma questão mais estrutural, analisada tanto do ponto de
vista normativo, como do ponto de vista praxiológico (prática constitucional)128.

BARBOSA RODRIGUES entende que “o sistema de governo retrata o modo como se


organiza constitucionalmente a função política de direção do Estado – ou função de
indirizzo político”129.

Outros autores partem de uma terminologia diferente para definir a mesma realidade. É
o caso de BLANCO DE MORAIS, que define sistema político como “o modelo de
estruturação e de relacionamento dos orgãos de soberania no exercício do poder
político”130, ou de GOMES CANOTILHO, que utiliza a expressão “forma de governo”,
englobando realidades distintas num só conceito, definindo-a como “a posição jurídico-
constitucional recíproca dos vários orgãos de soberania e respetivas conexões e
interdependências políticas, institucionais e funcionais”131.

O sistema de governo envolve o elenco dos orgãos do poder político soberano, a sua
composição e processo de designação, a sua competência e a sua inter-relação
institucional.

Adiante, serão nosso objeto de estudo os seguintes sistemas de governo: parlamentar,


presidencial e semipresidencial.

2. Divisão de Poderes

128
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., p. 302.
129
LUÍS BARBOSA RODRIGUES, op. cit., p. 9. O autor parte de uma visão puramente jurídica.
130
CARLOS BLANCO DE MORAIS, op. cit., p. 225.
131
J.J. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 4ª edição, Almedina,
Coimbra, 2000 , p. 557.
Qualquer dos sistemas de governo que serão nosso objeto de estudo assenta no princípio
da divisão e separação de poderes do Estado. Este visa, em primeira instância, limitar o
poder a quem o possui, com vista a evitar a arbitrariedade no seu exercício e a garantir a
liberdade dos governados; veja-se que todo aquele que possui poder tem tendência para
dele abusar132.

Na esteira de LOCKE e MONTESQUIEU, a separação de poderes assenta na


diferenciação funcional dos poderes legislativo, executivo e judicial. O primeiro
reconduz-se à criação de regras jurídicas; o segundo, à execução dessas regras no
espaço nacional; o terceiro, à aplicação, interpretação e salvaguarda das mesmas133.
Cada um destes poderes deve encontrar-se confiado em orgãos e titulares diferentes, não
tendo nenhum deles o poder de se sobrepor a outro.

Os orgãos do poder devem exercer um controlo recíproco, i.e., controlarem-se e


exercerem uma fiscalização mútua, devendo o poder judicial impedir a violação de
direitos, mormente de direitos fundamentais, e maxime restabelecer a ordem jurídica
ante a ocorrência de alguma infração.

2.1. Divisão de Poderes e Sistema de Governo

No que concerne à divisão de poderes no contexto dos sistemas de governo, importa


traçar a distinção entre separação rígida de poderes e a separação flexível de poderes:134

Na separação rígida de poderes, cada poder detém uma força de tal forma igual aos
demais (poderes), que não há quaisquer relações institucionais entre os vários orgãos do
poder político. É o caso do sistema presidencial, no qual o Presidente, detentor do poder
executivo, é irresponsável perante o parlamento (leia-se Congresso).

Na separação flexível de poderes, os diversos poderes do Estado colaboram entre si e


podem limitar-se reciprocamente, através de mecanismos de controlo. É o caso do

132
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., p. 304.
133
J.J. GOMES CANOTILHO, op. cit, pp. 563-565.
134
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., pp. 308-309.
sistema de governo parlamentar, no qual o Governo é políticamente responsável perante
o parlamento (v.g. no máximo, pode ser por este demitido).

3. Sistema de Governo Parlamentar

O parlamentarismo é a expressão do sistema de governo que funciona na Grã-Bretanha.

É caracterizado, em primeiro lugar, por uma separação flexível de poderes, i.e., pela
colaboração dos poderes públicos entre si e pela limitação recíproca dos orgãos do
poder político.

Neste sistema, o Governo depende do parlamento, porquanto dele emana, através de


uma nomeação, de uma investidura, com base nos partidos políticos representados no
parlamento.

No modelo britânico, o Chefe de Estado carece de poderes para praticar a generalidade


dos atos políticos, mais não sendo do que uma figura representativa. O Gabinete carece
da confiança do parlamento, sob pena de demissão (v.g. veja-se a aprovação de uma
moção de censura). O Governo é exclusivamente responsável perante o parlamento, não
podendo exercer funções sem a confiança deste. O povo elege o parlamento; este, por
seu turno, através de um voto de confiança, nomeia o Governo, investindo-o do poder
executivo; este é políticamente responsável perante o parlamento, podendo, maxime, ser
dissolvido por este135.

Nos sistemas parlamentares monárquicos, o Chefe de Estado não é eleito: aplica-se o


princípio da hereditariedade. Nos sistemas parlamentares republicanos, o Chefe de
Estado é eleito, não pelo povo, mas sim pelo parlamento (v.g. Constituição portuguesa
de 1911)136.

Em síntese, o sistema de governo parlamentar tem como características137:

135
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., p. 310-314.
136
J.J. GOMES CANOTILHO, op. cit., p. 567.
137
CARLOS BLANCO DE MORAIS, op. cit., pp. 228-229.
 Num contexto de separação flexível de poderes, a coexistência da função
política entre três orgãos (nomeadamente os dois últimos): Chefe de Estado,
Parlamento e Governo;
 Responsabilidade do Governo perante o parlamento, carecendo da confiança
deste para o exercício das suas funções;
 Diarquia institucional e simbólica do poder executivo, i.e., o poder executivo é
formado pelo Chefe de Estado e pelo Governo, conquanto que o Chefe de
Estado se reduza a uma função simbólica, exercendo funções honoríficas de
representação nacional e alguns (poucos) poderes arbitrais.

Dentro do sistema de governo parlamentar, há três modelos a diferenciar: o sistema


parlamentar puro, ou de assembleia; o parlamentarismo mitigado, ou racionalizado; o
sistema parlamentar de gabinete138:

 Sistema Parlamentar Puro, ou de Assembleia – Assenta na ideia de que é no


parlamento que se tomam todas as decisões e se estabelecem os demais acordos,
e na dependência exclusiva do Governo perante o parlamento. Aqui, o
parlamento bloqueia a ação do Governo, o que culmina numa forte instabilidade
governamental. O Governo apenas prossegue aquilo que o parlamento fixa como
linhas de orientação política, ficando a todo o momento suscetível de ser
demitido (v.g. Constituição portuguesa de 1911);
 Parlamentarismo Mitigado ou Racionalizado – Consubstancia uma reação aos
excessos do parlamentarismo puro (mormente da tendência para a instabilidade
política), o que resultou na atribuição de poderes especiais ao Chefe de Estado.
Aqui, o Chefe de Estado tem poderes para dissolver o parlamento, pese embora
só o possa fazer em casos muito excecionais. O Governo vê os seus poderes
reforçados, no que tange à definição das prioridades políticas (v.g. Espanha);
 Sistema Parlamentar de Gabinete – Como o próprio nome indica, é caracterizado
pela existência de um Gabinete, o qual se traduz no núcleo duro de condução do
Governo. O Primeiro-Ministro ouve os Ministros que entender e daí toma
decisões. O Gabinete (Governo) resulta do partido com maioria absoluta, no

138
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., pp. 317-318.
contexto de um sistema bipartidário. Aí, o parlamento pode ser dissolvido, sob
proposta do Gabinete (v.g. Grã-Bretanha).

No que concerne à responsabilidade política do Governo perante o parlamento, esta


remonta à evolução do sistema britânico, ao processo penal de impeachement, que
consistia numa acusação contra um ou vários ministros (mais tarde contra o Governo,
em regime de solidariedade, pela Câmara dos Comuns perante a Câmara dos Lordes)139.

Hodiernamente, a infração penal dá lugar a uma responsabilidade de natureza política, à


qual subjaz a ideia de apreciação de atividade do Governo pelo parlamento; o Governo
tem de prestar contas da sua atuação perante uma assembleia. A responsabilidade
política tem que ver, pois, com as relações de confiança ou desconfiança do Governo
perante o parlamento, e nesse sentido, com a continuação ou não do Governo em
exercício de funções (v.g. através da aprovação de uma moção de censura).

No sistema de governo parlamentar, o controlo sistemático do governo á azo a uma


forte instabilidade governativa e política. É nesse sentido, que a Alemanha introduziu na
sua atual Constituição a noção de desconfiança construtiva, que consiste numa
possibilidade de demissão do Governo condicionada: o parlamento só pode dissolver o
Governo (no caso, demitir o Chanceler) se ao mesmo tempo a maioria dos deputados
apresentar uma solução governativa (eleição de novo chanceler. Isto, sublinhe-se, no
sentido de dirimir a instabilidade política decorrente do sistema parlamentar.

Em suma, seguindo a lição de BLANCO DE MORAIS, os sistemas parlamentares


assentam “exclusivamente na vontade funcional de um parlamento democraticamente
eleito, do qual resulta a fonte de investidura ou legitimação, a responsabilidade política
e a subsistência em funções do Governo, e em que o Chefe de Estado não exerce
poderes independentes de direção e controlo político sobre as demais instituições”140.

4. Sistema de Governo Presidencial

139
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., p. 317.
140
CARLOS BLANCO DE MORAIS, op. cit. ,p. 228.
O sistema de governo presidencial remonta à proclamação de independência dos
Estados Unidos, no fim do século XVIII, contrapondo-se ao parlamentarismo britânico.

Caracteriza-se, em primeiro lugar, pela separação rígida de poderes, i.e., pela ausência
de relações inter-institucionais entre os orgãos do poder político. Os poderes legislativo,
executivo e judicial são rigorosamente independentes. O poder executivo é atribuído a
um Presidente, o poder legislativo é orgânicamente atribuído a um Congresso, o
Congresso dos Estados Unidos, formado por um Senado e por uma Câmara dos
Representantes, e o poder judicial é atribuído a um Tribunal Supremo e tribunais
inferiores criados pelo Congresso141. Cada um dos orgãos atua, portanto, de forma livre
e sem a intervenção de outros orgãos.

O Presidente é, concomitantemente, Chefe de Estado e Chefe do Governo, sendo


auxiliado na função executiva pelos Secretários de Estado e pelo Vice-Presidente142.

Constitutem traços fundamentais do sistema de governo presidencial143:

 Irresponsabilidade política do Presidente, porquanto, sendo eleito pelo povo, não


tem de ganhar ou perder a confiança do Congresso;
 O Presidente governa sempre, independentemente das maiorias conjunturais do
Congresso;
 As câmaras legislativas não podem ser dissolvidas, cumprindo o seu mandato
até ao fim;
 Inamovibilidade dos juízes;
 Possibilidade de o Presidente se opor às leis do Congresso, através do direito de
veto (suspensivo e de bolso);
 Nomeação dos juízes federais pelo Presidente;
 Aprovação do orçamento pelo poder legislativo;
 Possibilidade de criação e abolição de tribunais (com excessão do Supremo
Tribunal) pelo poder legislativo;
 Aprovação, pelo Senado, das nomeações do Presidente;
 Possibilidade e dever de controlo da constitucionalidade das leis pelos tribunais.

141
J.J. GOMES CANOTILHO, op. cit., p. 570.
142
Idem.
143
RICARDO LEITE PINTO, op. cit., pp. 57-58.
O Presidente é eleito por um colégio de eleitores em número igual ao de Senadores e
representantes, o que lhe confere uma legitimidade democrática quase direta. Com este
sistema, há a possibilidade de um Presidente ser eleito com mais mandatos eleitorais,
mas sem a maioria de votos populares (v.g. caso da eleição de Harrison, em 1888)144.

No que concerne ao poder judicial, destaca-se o papel do Supreme Court (Supremo


Tribunal de Justiça dos E.U.A.) no controlo da constitucionalidade e legalidade dos atos
que emanam dos diferentes orgãos do Estado, bem como em momentos históricos de
relevância (v.g. direitos das mulheres; recusa de privilégios ao executivo; entre
outros)145.

A respeito do sistema partidário, note-se que estamos perante um bipartidarismo


perfeito, porquanto há dois partidos que dominam em exclusivo a vida política
americana: o Partido Repúblicano, de feição mais conservadora, e o Partido
Democrático, mais progressista ou moderado, no que toca à sua localização no espetro
político146.

Sem embargo da caracterização do presidencialismo pela extrema rigidez, existem


aspetos que atenuam ou flexibilizam esse seu caráter, desde logo a possibilidade de
suscitar um processo de impeachement.

O processo de impeachement é um mecanismo de responsabilidade, não política, mas


sim jurídica, suscitado contra o Presidente, por qualquer infração penal de natureza
grave que este tenha cometido no exercício das suas funções institucionais (v.g.
corrupção; traição; etc.). É necessária a acusação pela Câmara dos Representantes (ante
o Senado) e uma maioria de dois terços dos Senadores presentes para que a condenação
possa ser por este pronunciada147.

Acresce aos aspetos da atenuação da rigidez a possibilidade de veto, por parte do


Presidente, a uma lei do Congresso (visto que o Presidente tem poderes para promulgar

144
J.J. GOMES CANOTILHO, op. cit., loc. cit.
145
J.J. GOMES CANOTILHO, op. cit., p. 571.
146
RICARDO LEITE PINTO, op. cit., p. 87.
147
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., p. 325.
leis) ou o veto de bolso, i.e., o Presidente limita-se a não assinar o texto da lei votada
no Congresso (não a promulga)148.

Veja-se, por último, a prática política dos contactos estabelecidos entre os Secretários de
Estado e o Congresso, a fim de lograr influenciar a atividade do Congresso em função
dos seus interesses, ou a influência que têm os grupos de pressão na condução política
(através de lobbies).

Em suma, é uma realidade que se aproxima mais da teoria da separação de poderes,


preconizada por MONTESQUIEU.

5. Sistema de Governo Semipresidencial149

O sistema de governo semipresidencial é uma figura híbrida, que emerge como resposta
aos vícios e incapacidades de que padecem os anteriores sistemas de governo.
Apresenta uma junção de características do sistema parlamentar e do sistema
presidencial.

No sistema de governo semipresidencial coexistem os sistemas parlamentar e


presidencial, no entanto releva realçar algumas características muito peculiares desta
figura. São elas150:

 Responsabilidade do Executivo perante o Parlamento e perante o Chefe de


Estado;
 Eleição por sufrágio universal do Chefe de Estado (isto, se estivermos perante
uma república);
 Atribuição de um conjunto de prerrogativas ao Chefe de Estado que
transcendem em muito o mero caráter representativo (v.g. poder para dissolver a
AR);

148
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., p. 327.
149
A doutrina político-constitucional acerca do semipresidencialismo está longe de ser unânime e atingir
um ponto de convergência. Adiante, abordaremos alguma conceções, a propósito do caso português.
150
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., p. 336.
 O Governo é formado tendo em conta os resultados eleitorais;
 O Chefe de Estado pode controlar a atividade do Governo.

Daqui resulta que, tendo em conta a legitimidade democrática direita do Presidente da


República, a subsistência do Governo depende agora não só da confiança do
Parlamento, como da confiança do Chefe de Estado.

Entre nós, JOSÉ DE MATOS CORREIA E RICARDO LEITE PINTO, rejeitando o


caráter misto do sistema, definem o sistema de governo semipresidencial como “o
sistema de governo em que, da conjugação do mesmo grau de legitimidade do Chefe de
Estado e do Parlamento, porque ambos eleitos por sufrágio universal, neles se
consubstancia a faculdade de exercitarem os poderes jurídicos que a Constituição lhes
atribui, no sentido de, em maior ou menor grau, controlarem a ação do Governo, de
molde a qualquer deles, mesmo que individualmente, possa fazer cessar as funções
daquele”151.

De forma diversa, BLANCO DE MORAIS define o semipresidencialismo como “um


sistema híbrido ou misto em que o Governo encabeçado por um Primeiro-Ministro é
duplamente responsável, no plano institucional ou político, perante o Parlamento e
perante um Presidente eleito por sufrágio universal que dispõe da faculdade de exercer
poderes com alguma relevância a nível de controlo ou até de direção inter-
institucional, destacando-se nestes a competência livre ou autónoma para dissolver o
Parlamento”152.

6. Sistema de Governo na Constituição da República Portuguesa

Maugrado a subsistência do Conselho da Revolução até 1982, em virtude do qual o


sistema de governo português apresentava aspetos de um sistema semipresidencial e de
um sistema diretorial-militar, o sistema de governo subjacente à Constituição de 1976
tem como substrato histórico os vícios de que padeceram o parlamentarismo de
assembleia da Constituição de 1911 e da concentração de poderes da Constituição de

151
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., p. 338.
152
CARLOS BLANCO DE MORAIS, op. cit., p. 231.
1933; surgiu, pois, como uma reação, como uma solução. Fixava-se a ideia de que o
Presidente não devia ser mais uma figura meramente representativa, nem um Presidente
autoritário, mas sim um Presidente com poderes de arbitragem, regulador do sistema
político, o qual deve presidir, mas não governar. Esta ideia foi corroborada na revisão
constitucional de 1982 (em nosso ver, a principal até hoje)153.

A revisão constitucional de 1982, no que tange ao sistema de governo, ao extinguir o


Conselho da Revolução, introduzindo, outrossim, o Conselho de Estado como orgão
consultivo do Presidente da República, consagrou um verdadeiro sistema
semipresidencial, o qual procuraremos caracterizar adiante.

Não obstante, autores há que não concordam (total ou parcialmente) com a classificação
do sistema de governo português como semipresidencial. Vejamos alguns exemplos:

 Para muitos autores, como JORGE MIRANDA e MARCELO REBELO DE


SOUSA, o semipresidencialismo é aceite e conservado;
 Para BLANCO DE MORAIS, o nosso sistema de governo é um sistema
semipresidencial de geometria variável, no momento de pendor primo-
ministerial, não obstante a possibilidade da proeminência parlamentar154;
 GOMES CANOTILHO caracteriza o sistema de governo como misto
parlamentar-presidencial, no qual o Presidente da República arbitra, o Governo
conduz a política e a Assembleia da República fixa as grandes orientações155;
 BARBOSA RODRIGUES rejeita liminarmente a prática de qualquer
semipresidencialismo durante a vigência da nossa Constituição, classificando o
sistema de governo simples (porquanto advoga que a função da direção política
do Estado está confinada a um orgão de soberania) Governamental Primo-
Ministerial156.
 Outros autores defendem que se trata de um sistema parlamentar racionalizado.

153
JORGE MIRANDA, Curso de Direito Constitucional, Vol. 2, Universidade Católica Editora, Lisboa,
2016, pp. 131-132.
154
CARLOS BLANCO DE MORAIS, op. cit., pp. 475-477.
155
J.J. GOMES CANOTILHO, op. cit., p. 581; 593.
156
LUÍS BARBOSA RODRIGUES, op. cit., pp. 47 e ss.
Seguimos a classificação do sistema como semipresidencial, para efeitos de orientação
do nosso estudo. Este tem, atualmente, as seguintes características157:

 O Presidente da República é eleito por sufrágio universal e direto;


 O Governo é responsável perante o Presidente da República e o Parlamento;
 O Presidente da República goza de importantes poderes de arbitragem;
 O Governo é formado de acordo com a maioria parlamentar que o sustenta.

Não obstante o relevo dado ao Presidente da República, é o Governo que dirige a


política do Estado e é o Parlamento que legisla, à semelhança dos sistemas
parlamentares. O Primeiro-Ministro e o Governo prosseguem a ação política, sujeitos,
claro está, a uma fiscalização parlamentar.

O sistema de governo semipresidencial é, outrossim, caracterizado pela separação


flexível de poderes, o que se consubstancia numa interdependência institucional entre os
vários orgãos que exercem o poder político.

Em sede de legitimidade, o Presidente e o Parlamento têm uma legitimidade


democrática direta, porquanto diretamente emanados do voto popular, e o Governo
assenta numa dupla legitimidade: a do Presidente da República e a do Parlamento.

6.1. Governo

O Governo é o centro predominante de impulsão e direção político-legislativa e a


estrutura central da Administração Pública, sendo composto por um Primeiro-Ministro,
por Ministros e demais Secretários de Estado.

Em Portugal, o Governo é formado, num primeiro momento, por nomeação pelo


Presidente da República, e num segundo momento, através de um voto de confiança
(aprovação do programa de Governo) do Parlamento.

No que concerne ao primeiro momento, estatui o artigo 187º/1 da CRP que “o Primeiro-
Ministro é nomeado pelo Presidente da República, ouvidos os partidos representados
na Assembleia da República e tendo em conta os resultados eleitorais”. Ora, a

157
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., pp. 364-365.
expressão “tendo em conta os resultados eleitorais” não corresponde necessariamente à
obrigatoriedade do Presidente da República nomear como Primeiro-Ministro a figura
apontada pelo partido mais votado, até porque não está a isso vinculado, mas somente
limitado pelo preceito e pelo seu alcance hermenêutico. Quando haja lugar a uma
maioria absoluta, o Presidente da República deve limitar-se a nomear como Primeiro-
Ministro o cabeça de lista do partido com maior assento parlamentar. Caso não se
observe essa maioria, a regra praxiológica tem sido a de nomear como Primeiro-
Ministro a personalidade parlamentar do partido mais votado, mas tudo depende da ação
no parlamento e dos acordos estabelecidos entre diveros partidos. Veja-se, a título de
exemplo, que a coligação PSD/CDS-PP saíu com uma vitória das eleições legislativas
de 2015, embora não com maioria absoluta. O Presidente CAVACO SILVA, seguindo a
tradição constitucional, nomeou PEDRO PASSOS COELHO como Primeiro-Ministro.
Porém, o programa de Governo não foi aprovado (o que corresponde ao segundo
momento, no que concerne à formação do Governo) e o Governo “caíu”. ANTÓNIO
COSTA, líder do segundo partido mais votado (PS) estabelece acordos bilaterais com os
partidos da esquerda do espetro político do arco parlamentar e é nomeado novo
Primeiro-Ministro, com o suporte parlamentar da “Frente de Esquerdas” PS, PCP e
Bloco de Esquerda)158159.

No que respeita ao segundo momento da formação do Governo, o executivo está sempre


sujeito à aprovação do seu programa de Governo, que será sufragado ante a Assembleia
da República, num prazo de dez dias após a sua nomeação (art. 192º/1 CRP). O voto de
rejeição do programa de Governo carece da aprovação pela maioria absoluta dos
Deputados em efetividade de funções (nº 4). O Governo pode ainda solicitar um voto de
confiança (nº 3). Se o voto de rejeição não for aprovado, ou se o programa de Governo
for aprovado sem qualquer constestação, o Governo considera-se em plenitude de
funções. O multipartidarismo e a fraca ocorrência de maiorias absolutas põem em causa

158
Note-se que, atendendo às diligências, fechadas posteriormente em acordos bilaterais com o Bloco de
Esquerda e o Partido Comunista, em termos formais, nada impedia o Presidente da República de nomear
em primeira instância ANTÓNIO COSTA como Primeiro-Ministro, desde que fosse apresentado o devido
suporte parlamentar, para efeitos de formação do Governo.
Não obstante, discussões há na doutrina portuguesa acerca de legitimidade e constitucionalidade desta
nova solução política.
159
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., pp. 367-368.
a estabilidade política e permitem a existência de Governos minoritários. Há quem
considere que a atual Constituição defende e promove, político-partidariamente falando,
as minorias.

Antes da apreciação do seu programa pela Assembleia da República, ou após a sua


demissão, o Governo limita-se a praticar atos estritamente necessários para assegurar a
gestão dos negócios públicos (art. 186º/5 CRP) (o denominado Governo de Gestão).

Tal como o nascimento do Governo está sujeito a um dúplice processo presidencial e


parlamentar, que lhe confere dupla legitimidade, o seu fim pode estar ligado à dupla
responsabilidade política. O Presidente da República tem a possibilidade de veto
absoluto sobre os diplomas do Governo; este deve informar o Chefe de Estado, através
do Primeiro-Ministro, acerca da condução política do Estado. A Assembleia da
República tem poder para interpelar o Governo, com perguntas escritas e orais, o que
consubstancia outro mecanismo de fiscalização.

No entanto, no que toca à subsistência do Governo, o papel da Assembleia da República


tem substancial relevo: se o Governo solicitar um voto de confiança ao parlamento e
não for aprovado, isso implica a sua demissão; o mesmo acontece com a rejeição de
Governo ou com a aprovação de uma moção de censura pela maioria absoluta dos
Deputados em efetividade de funções (art. 195º/1 als. d, e, f).

Também o papel do Presidente da República não é aqui despiciendo. Este pode demitir
o Governo quando tal se torne necesário para assegurar o regular funcionamento das
instituições democráticas, ouvido o Conselho de Estado (art. 195º/2 CRP).

O Governo, strictu sensu, tem por competência a condução da política nacional, legislar
sobre algumas matérias (mediante lei de autorização e sobre as matérias não reservadas
à Assembleia da República) e é o orgão central da Administração Pública.

6.2. O Presidente da República

O Presidente da República é o Chefe de Estado e regulador das instituições políticas.


Nos termos do artigo 120º da CRP, o Presidente da República “(...) representa a
República Portuguesa, garante a independência nacional, a unidade do Estado e o
regular funcionamento das instituições democráticas e é, por inerência, o Comandante
Supremo das Forças Armadas”. É eleito por sufrágio universal e direto, tendo um
mandato de cinco anos, com possibilidade de uma única reeleição sucessiva (arts. 121º a
128º CRP)160. O seu mandato pode cessar em virtude do termo do mandato, renúncia,
morte, destituição por impossibilidade física permanente e destituição em virtude da
prática de crimes de responsabilidade no exercício de funções (arts. 128º; 130º CRP).

Para se ausentar do território nacional, o Presidente da República carece de autorização


da Assembleia da República, salvo em passagens de trânsito ou em viagem sem caráter
oficial num período não superior a cinco dias (art. 129º/1/2 CRP). Durante esse
impedimento temporário, o Presidente da República é substituído a título transitório e
temporário pelo Presidente da Assembleia da República, investido de poderes limitados
(art. 132º CRP).

O Presidente da República independe formalmente de uma vinculação a partidos


políticos, não exercendo qualquer função governamental (art. 124º CRP), não podendo,
a não ser que para isso seja convidado, presidir ao Conselho de Ministros (art. 133º al. i
CRP).

O Presidente da República tem como funções basilares nomear o Primeiro-Ministro,


nomear e exonerar os restantes membros do Governo, demitir o Governo, aceitar ou
recusar o pedido de demissão apresentado pelo Primeiro-Ministro, marcar eleições
parlamentares, dissolver a Assembleia da República, entre outras. Não descuramos, no
entanto, a prerrogativa do veto161 que lhe é atribuída e que tem um papel de enorme
relevo na prática constitucional (arts 133º e 134º CRP).

O Presidente tem um poder de grande relevo, no âmbito do seu papel de “árbitro”, que
se consubstancia na magistratura de influência. Segundo BLANCO DE MORAIS,
“designa-se por magistratura de influência o poder formal e informal desenvolvido

160
O que não impede outras reeleições, desde que não sejam sucessivas ao segundo mandato. É
necessário cumprir um intervalo de tempo entre a segunda reeleição e uma hipotética futura (terceira)
eleição. Veja-se o exemplo de MÁRIO SOARES, que depois de ter sido Presidente da República entre
1986 e 1996, tendo cumprido dois mandatos seguidos, se recandidatou a Presidente da República em
2006, pese embora tenha perdido nestas últimas eleições presidenciais para CAVACO SILVA.
161
Esta figura será melhor estudada na cadeira de Direito Constitucional, onde se irá traçar a distinção
entre veto político e veto jurídico. Para maiores desenvolvimentos vide MARGARIDA SALEMA, Veto in
Polis, Enciclopédia da Sociedade e do Estado, Verbo, Vol. 5, pp. 1487-1490.
pelo Chefe de Estado para induzir as instituições políticas e entidades da sociedade
civil à assunção positiva ou negativa de determinadas condutas, relativas a questões
que se enquadrem no âmbito das suas funções constitucionais ou que com as mesmas
guardem uma relação de conexão instrumental”162 (v.g. função mediadora entre
formações políticas conflituantes; uso da palavra para exprimir o seu pensamento
político-institucional sobre temas relevantes da política pública; críticas, conselhos,
etc.).

O Presidente da República preside ao Conselho de Estado e ao Conselho Superior da


Defesa Nacional.

No que tange ao veto político (art. 136º CRP), trata-se de um verdadeiro poder negativo,
porquanto para ser superado carece de uma maioria absoluta ou qualificada de
Deputados. O Presidente da República, através do veto pode opor-se a diplomas
dimanados do Governo ou da Assembleia da República e pode maxime suscitar a
fiscalização preventiva da constitucionalidade de diplomas (art. 278º CRP)163.

Salvo alguns prazos, o Presidente não sofre qualquer tipo de limite para exercer a sua
prerrogativa de dissolução da Assembleia da República (art. 172º CRP). Veja-se, a
título de exemplo, quando JORGE SAMPAIO dissolveu a Assembleia da República em
2004, pondo termo ao executivo de SANTANA LOPES (apoiado por uma maioria
parlamentar), decisão, ademais, muito contestada.

6.3. Assembleia da República

A Assembleia da República é uma instância representativa, legiferante e fiscalizadora.


Representativa, porque é “a assembleia representativa de todos os portugueses”. Resulta
de um voto popular, onde estão representados, pelos partidos políticos, o povo eleitor e
demais portugueses. Legiferante, porque é o orgão legislativo por excelência.
Fiscalizadora, porque lhe compete fiscalizar o Governo, mormente a sua condução
política, através de interpelações, da oposição e maxime dos mecanismos de
respomsabilidade política.
162
CARLOS BLANCO DE MORAIS, op. cit., p. 666.
163
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., p. 374.
É composta por 230 deputados, que são eleitos em listas plurinominais partidárias, de
acordo com um sistema de eleição proporcional, segundo o método de Hondt, para um
mandato de quatro anos (arts. 149º a 155º; 171º CRP), durando cada sessão legislativa o
período de um ano, que se inicia a 15 de setembro e vai até 15 de junho (art. 174º/1
CRP). Não obstante, fora desse período funciona uma Comissão Permanente, com
amplos poderes (art. 179º CRP).

A Assembleia da República é presidida pelo Presidente da Assembleia da República,


que é eleito pelo parlamento (art. 180º CRP).

A Assembleia da República é constituída por comissões especializadas (art. 178º),


compostas de acordo com a representatividade dos partidos com assento parlamentar,
tendo por objeto qualquer assunto de relevo político e mesmo a fiscalização do Governo
(v.g. Comissão Parlamentar de Inquérito).

Estamos a tratar do orgão legislativo por excelência, porquanto tem competência para
legislar sobre uma pluralidade assaz alargada de matérias (arts. 164º e 165º CRP).

É, outrossim, um orgão de fiscalização. Através de inquirições e escritas, interpelações,


etc., podem os Deputados e os Grupos Parlamentares fiscalizar a atividade do Governo,
devendo realizar-se periodicamente sessões e reuniões nesse sentido (art. 177º CRP).

A Assembleia da República pode, ainda, derrubar o Governo, através da aprovação de


uma moção de rejeição do programa do Governo, por uma moção de censura, ou pela
não aprovação do voto de confiança solicitado pelo Executivo (art. 195º als. d, e, f
CRP).

Tem, o poder de eleger vários cargos ou titulares, alguns deles por maioria qualificada
de dois terços (v.g. dez juízes do Tribunal Constitucional).

Releva não descurar outras competências da Assembleia da República de capital


importância, entre as quais a aprovação das leis das grandes opções dos planos nacionas
e o Orçamento de Estado, sob proposta do Governo, autorizar o Governo a contrair e a
conceder empréstimos, aprovar tratados, autorizar e confirmar a declaração de estado de
sítio e do estado de emergência, entre outras (art. 161º CRP).
Bibliografia

Bibliografia Elementar

PINTO, Ricardo Leite, CORREIA, José de Matos, SEARA, Fernando Roboredo,


Ciência Política e Direito Constitucional – Teoria Geral do Estado e Formas de
Governo, Vol. I, 5ª edição, Universidade Lusíada Editora, Lisboa, 2013.

Bibliografia Complementar

AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, Vol. I, 4ª edição


(reimp.), Almedina, Coimbra, 2016.

BRIERLY, James, Direito Internacional, trad. de M.R. Crucho de Almeida, 3ª edição,


Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1972.

CALVÃO, Filipa Urbano, CAMPOS, Manuel Fontaine, BOTELHO, Catarina Santos,


Introdução ao Direito Público, 4ª edição, Almedina, Coimbra, 2017.

CANOTILHO, J.J., Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 4ª edição,


Almedina, Coimbra, 2000.

CANOTILHO, J.J., MOREIRA, Vital, Constituição da República Portuguesa Anotada –


Artigos 1º a 107º, Vol. I, 4ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2007.

MARTINS, Margarida Salema D’Oliveira, A União Europeia – O Direito e a Atividade,


Quid Juris, Lisboa, 2018.

MIRANDA, Jorge, Curso de Direito Constitucional, Vol. 2, Universidade Católica


Editora, Lisboa, 2016.

PINTO, Ricardo Leite, A Democracia Constitucional dos E.U.A., Universidade Lusíada


Editora, Lisboa, 2013.

RODRIGUES, Luís Barbosa, Semipresidencialismo Português – Autópsia de uma


ficção, Quid Juris, Lisboa, 2017.
SOARES, Albino Azevedo, Lições de Direito Internacional Público, 4ª edição (reimp.),
Coimbra Editora, Coimbra, 1996.

Vários Autores, POLIS, Enciclopédia VERBO da Sociedade e do Estado, VERBO,


Lisboa/São Paulo.

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