Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
1º Semestre- 1º Ano
Ano Letivo 2018-2019
Tópicos
Teoria Geral do Poder Público
Importa que o aluno tenha ainda em atenção a consulta do programa e do syllabus, a fim
de ter acesso à informação necessária no que respeita ao programa e respectiva
bibliografia de apoio.
1
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA,
Ciência Política e Direito Constitucional – Teoria Geral do Estado e Formas de Governo, Vol. I, 5ª
edição, Universidade Lusíada Editora, Lisboa, 2013.
I – Introdução
O objecto da Teoria Geral do Poder Público é o facto político (incidindo o seu estudo
sobretudo nos fenómenos do poder e na estrutura do Estado). O facto político
consubstancia-se na constatação dos factos que dimanam das relações sociais
subjacentes ao mundo dos homens. É “todo o acontecimento ligado à instituição,
existência e exercício do poder político”4.
2. O poder
2
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., pp. 33-34.
3
JAIME NOGUEIRA PINTO, MARTIM DE ALBUQUERQUE, Política in Polis, Enciclopédia da
Sociedade e do Estado, Verbo, Vol. 4, p.1317. Note-se que o conceito de política não é unívoco, portanto
suscetível de ser objeto de diversos desenvolvimentos conceituais. Diz-se que a política tem por objeto a
prossecução dos fins considerados necessários pela classe dominante, dependendo da situação conjuntural
(espacio-temporal).
4
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., p. 35.
5
O Poder muitas vezes está associado a conceitos como Dominação, Autoridade e Influência, não
obstante cada um destes ter uma formulação teorética própria. A Dominação é a vontade de fazer valer a a
denomina por despotismo o poder do patrão sobre o escravo (porquanto absoluto e
ilimitado), por poder marital o poder do marido exercido sobre a mulher, por poder
paternal o poder do pai exercido sobre os filhos (o seu limite é o exercício dele no seu
interesse), e o poder político o poder que os governantes exercem sobre os governados,
no interesse da generalidade6.
sua vontade, ainda que contra quem se oponha a isso, com o recurso à força. Vale, portanto, a lei do mais
forte. Autoridade é uma forma de poder legítimo, i.e., um poder que se faz obedecer voluntariamente.
Influência reporta-nos à ideia de capacidade de orientação da conduta ou juízos de outrem sem recorrer à
coação.
6
Vide ARISTÓTELES, Tratado da Política, trad. de M. de Campos, 2ª edição, Publicações Europa-
América, Mem-Martins, 2000.
7
JAIME NOGUEIRA PINTO, MARTIM DE ALBUQUERQUE, op. cit., p318.
8
JOSÉ DURÃO BARROSO, Poder in Polis, Enciclopédia da Sociedade e do Estado, Verbo, Vol.4 p.
1292.
9
MARCELLO CAETANO cit. in CARLOS BLANCO DE MORAIS, O Sistema Político – No Contexto
da Erosão da Democracia Representativa, Almedina, Coimbra, 2017.
e universalidade (vocação do poder político de tomar decisões legais e eficazes sobre
todos problemas e recursos coletivos)10.
Por seu turno, o poder político assenta na autoridade exercida sobre os membros da
sociedade, autoridade essa que se impõe através da observância de normas jurídicas,
sancionando, com o monopólio do uso da força, quem as violar11.
10
JAIME NOGUEIRA PINTO, MARTIM DE ALBUQUERQUE, op. cit., pp. 1318-1319.
11
CARLOS BLANCO DE MORAIS, op. cit., pp. 16-17.
12
DIOGO FREITAS DO AMARAL, Direito Público in Polis, Enciclopédia da Sociedade e do Estado,
Verbo, Vol. 2, p. 543.
II – Estado
1. Introdução
O Estado é uma realidade não materializável, não física (não obstante a controvérsia em
sede de doutrina no concernente à dimensão física ou não física do Estado), contanto
que seja omnipotente e omnipresente. É uma realidade que vive connosco no
quotidiano, desde a transição do estado de natureza (ao qual subjaz a expressão “o
homem é o lobo do homem”) para o contrato social, no qual o povo delega o poder a um
“soberano”, a fim de este o exercer no seu especial interesse.
Sem embargo, o Estado pode ser visto como uma entidade que atua na orden
jusinternacional, como pessoa coletiva que prossegue a função administrativa, ou ainda
como forma de organização política13.
13
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., p. 60.
14
DIOGO FREITAS DO AMARAL, Estado in Polis, Enciclopédia da Sociedade e do Estado, Verbo,
Vol. 2. p. 1128.
Decompondo o presente conceito, temos que um determinado agregado populacional,
inserido num território, lá institui um ordenamento jurídico, a fim, através de
prerrogativas de autoridade própria, de prosseguir os seus interesses.
15
DIOGO FREITAS DO AMARAL, op. cit., pp. 1156-1577.
16
CARLOS BLANCO DE MORAIS, op. cit., p.18.
17
Consultem-se as obras da mais remota filosofia política, de PLATÃO e ARISTÓTELES.
2.3. Estado Romano
É dentro deste tipo estadual, que observamos a primeira grande evolução, no que tange
às formas de governo: A civilização romana começa pela Roma do rex e da gens, i.e.,
uma monarquia, passando por uma república e acaba no império.
É ainda no tipo de Estado romano que se vem a desenvolver a ciência do direito, o que
desemboca na distinção entre direito público e direito privado.
É marcado por uma forte descentralização política, onde ganham destaque os regimes
senhorial ou feudal. Estes regimes assentam em relações de vassalagem centradas entre
o senhor e o súbdito, o que tem por consequência o enfraquecimento do poder do
“soberano”, visto que se encontra congregado na autoridade central.
18
Há quem defenda que na Idade Média não houve Estado. È o caso do professor JORGE MIRANDA.
Nessa época, vislumbramos uma luta sistemática entre o Papado e o Sacro-Império
romano germânico, o que teve por consequência a concorrência entre várias fontes de
direito (direito interno, direito canónico e direito imperial).
Num primeiro momento, o que marca este tipo estadual assenta na concentração dos
poderes no Estado e os poderes deste no monarca, o que se consubstancia na expressão
imediata do absolutismo na definição precisa dos limites do território e no controle do
território pelos orgãos estaduais, na afirmação do Estado-Nação e no surgimento do
conceito de soberania como poder supremo na ordem interna e poder independente na
ordem internacional (veja-se, a título de exemplo, a célebre expressão de Luís XIV:
L’Etat C’est Moi – O Estado é meu).
O aperfeiçoamento das garantias do indivíduo face aos poderes públicos surge mais
tarde, aquando das revoluções americana e francesa e da consequente afirmação do
constitucionalismo19.
As organizações humanas, i.e., os estamentos (povo, clero e nobreza) e o rei têm uma
relação de interdependência, na qual este e os demais devem ter em conta os seus
19
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., pp. 74-76.
interesses recíprocos. Essas relações proporcionam-se e desenvolvem-se através da
Corte.
À medida que o poder real vai ganhando força, são, de forma progressiva, diminuídas as
garantias individuais.
Aqui observamos a diminuição substancial da força dos estamentos com isso emergindo
uma nova classe social, a burguesia, e a centralização total dos poderes públicos no
monarca. Expressão mediática e histórica deste tipo de Estado (repetimo-la) é a de Luís
XIV: L’Etat C’Est Moi – O Estado é meu.
O limite das fronteiras ganham maior visibilidade, como expressão da autoridade do rei.
3. Figuras Afins
São comunidades humanas que, embora fixadas dentro de certa circunscrição territorial
e dotadas de uma organização política própria (v.g. Governo Regional), não exercem
poder político por autoridade própria; essa pequena parcela de poder, subjacente à sua
forma de organização, é derivada ou delegada pelo Estado (v.g. Arquipélagos dos
Açores e da Madeira)21.
3.1.2. Colónias
20
CARLOS BLANCO DE MORAIS, op. cit., p. 20.
21
FREITAS DO AMARAL, op. cit., pp. 1136-1137.
São entidades infra-estatais, isto é, comunidades humanas de civilização diversa da da
metrópole, fixadas num território e subordinadas ao poder político da metrópole ou de
um delegado do poder central (v.g. antigas províncias ultramarinas).
Já aqui foi referido que a soberania estadual consiste no poder supremo na ordem
interna e no poder independente na ordem externa (ou jusinternacional)22.
Sem embargo, casos há em que os Estados estão defronte a uma capacidade jurídica
diminuída, mercê de características peculiares ou de circunstâncias várias.
Não raras vezes, há uma tendência para confundir os conceitos de Estado e de Nação. O
que diferencia e o que aproxima estes dois conceitos?
26
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., p. 85.
27
ADRIANO MOREIRA, Nação in Polis, Enciclopédia da Sociedade e do Estado, Verbo, Vol. 4, p. 494.
28
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., p. 87.
29
FREITAS DO AMARAL, op. cit., p. 1139.
Contudo, Estado e Nação não correspondem necessariamente. Podem ser identificadas
várias relações que se estabelecem entre Estado e Nação30:
Nação sem Estado – Comunidade que partilha uma herança comum (a nível
cultural), pese embora não esteja politicamente organizada (v.g. Timor-Leste
antes da criação do seu Estado);
Nação repartida por vários Estados – Repartição de uma só comunidade
histórico-cultural por diversos Estados (v.g. Nação árabe);
Estado sem Nação – No momento em que o Estado é criado, não corresponde a
uma Nação ou a várias comunidades Nacionais (v.g. primóridos dos E.U.A.);
Estado correspondente a várias Nações – No mesmo Estado é observada a
convivência entre diversas comunidades nacionais, que, não obstante a
possibilidade de aproximação, conservam a sua peculiaridade e as suas
características individuais (v.g. em Espanha encontramos as Nações basca,
catalã, etc.).
Estado e Nação coincidentes – Num Estado existe apenas um substrato nacional,
mercê da comum partilha da herança cultural (v.g. Portugal). Nesta situação,
pode falar-se em Estado-Nação.
4.1. Povo
Em primeiro lugar, cumpre traçar a advertência de que não devemos confundir povo
com população: o povo é um conceito político, constituído pelo conjunto de cidadãos,
enquanto que a população se remete a um conceito económico, abrangendo não só o
conjunto de cidadãos, como os apátridas e os estrangeiros residentes em território
nacional.
30
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., p. 88.
BLANCO DE MORAIS, numa aceção mais sintética, define povo como “o conjunto de
pessoas ligadas a uma coletividade estadual pelo vínculo jurídico da nacionalidade”31.
É o elemento humano do Estado, a quem pertence o poder político (v.g. art. 111º CRP),
não obstante ser, concomitantemente, objeto do poder, sobre quem o Estado vai exercer
a sua autoridade.
31
CARLOS BLANCO DE MORAIS, op. cit., p.21.
32
JOÃO PEREIRA NETO, Povo in Polis, Enciclopédia da Sociedade e do Estado, Verbo, Vol. 4. p.
1443.
33
RUI MOURA RAMOS, Cidadania in Polis, Enciclopédia da Sociedade e do Estado, Verbo, Vol. 1. p.
824.
34
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., p. 95.
Encontramos, outrossim, em diplomas internacionais, que entram diretamente no nosso
ordenamento jurídico, alguns preceitos concernentes à cidadania. Veja-se o artigo
15º/1/2 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, que estatui que todo o
indivíduo tem direito a uma nacionalidade e que ninguém pode ser arbitrariamente
privado da sua nacionalidade nem do direito de mudar de nacionalidade.
A aquisição derivada ocorre, na maior parte das vezes, por uma manifestação de
vontade do indivíduo, contanto que certos requisitos estejam preenchidos (v.g. o
35
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., p. 98.
36
RUI MOURA RAMOS, op. cit., p. 827.
casamento de um estrangeiro com um nacional pode permitir ao estrangeiro adquirir a
nacionalidade do seu cônjuge)37.
Casos há, em que um só indivíduo pode ser considerado cidadãos de vários Estados –
casos denominados de dupla cidadania.
37
RUI MOURA RAMOS, op. cit., p. 828.
38
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., p. 99.
39
Idem.
O artigo 4º da CRP estatui que “são cidadãos portugueses todos aqueles que como tal
sejam considerados pela lei ou convenção internacional”. Pese embora não dê uma
definição precisa do que é ser cidadão português, a presente norma relega para o
legislador ordinário a tarefa de a definir e regular. É a Assembleia da República o orgão
de soberania competente para legislar sobre esta matéria em regime de exclusividade
(reserva absoluta de competência) (art. 164º al. f CRP).
O artigo 15º da CRP divide a cidadania em três círculos e regula o estatuto dos
estrangeiro e apátridas em território português:
A primeira opera somente através da lei (critério do ius sanguini), ou da lei e da vontade
(critério do ius soli) (art. 1º LN).
Não obstante, a aquisição da nacionalidade pode ter oposição judicial por parte do
Ministério Público, se algum dos fundamentos tipificados no artigo 10º da Lei da
Nacionalidade estiver reunido.
40
MARGARIDA SALEMA D’OLIVEIRA MARTINS, A União Europeia – O Direito e a Atividade,
Quid Juris, Lisboa, 2018, p. 250.
O artigo 9º do Tratado da União Europeia estatui que “é cidadão da União qualquer
pessoa que tenha a nacionalidade de um Estado-Membro. A cidadania da União
acresce à cidadania nacional, não a substituindo”.
4.2. Território
41
FREITAS DO AMARAL, op. cit., p. 1131.
De um ponto de vista geográfico, o território define as fronteiras do Estado. É dentro de
certa circunscrição territorial que é exercido o poder político; o território, é, portanto,
objeto existencial do Estado, porquanto só existe poder do Estado quando este impõe a
sua autoridade a certa comunidade dentro dum território.
Em suma, o território pode definir-se como o espaço geográfico e físico onde o Estado
exerce os seus poderes de domínio, sendo o mesmo delimitado pelas linhas de
fronteiras42.
É o território que define a soberania do Estado e define a autoridade que pode ser
exercida sobre as pessoas.
O território terrestre é composto pelo espaço físico, delimitado pelas fronteiras, sendo
este constituído não só pelo solo, como também pelo subsolo (sem limite de
profundidade). O Estado exerce soberania plena sobre o seu território terrestre, i.e., o
Estado exerce jurisdição sobre as pessoas e coisas dentro do território terrestre (não
obstante, claro está, o respeito pelos limites impostos pelo direito internacional)43.
Exemplo disto, é a necessidade de apresentação de um visto, para efeitos de entrada de
um estrangeiro no território de outro Estado.
Está estabelecido pelo direito internacional que cada Estado possui soberania plena e
exclusiva sobre todo o espaço aéreo que compreenda o seu domínio terrestre e
42
CARLOS BLANCO DE MORAIS, op. cit., p.28.
43
JAMES BRIERLY, Direito Internacional, trad. de M.R. Crucho de Almeida, 3ª edição, Fundação
Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1972, p. 159.
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op. cit.,
pp. 118-119.
marítimo44 (v.g. um Estado só vê o seu território aéreo sobrevoado por um avião
mediante autorização).
O território aéreo é, pois, constituído pelo espaço aéreo suprajacente (o mesmo é dizer
“por cima de”), no sentido vertical, às fronteiras terrestres e ao mar territorial.
O Estado detém uma soberania semi-plena sobre o território marítimo, i.e., a soberania
encontra-se limitada por um mecanismo de índole consuetudinária, que se traduz no
direito de passagem inofensiva (na medida que não seja prejudicial à paz, à segurança e
à boa ordem do Estado).
Se for caso disso (porquanto nem todos os Estados a nível geográfico se encontram
defronte ao mar), o domínio do Estado pode extender-se a uma parcela de mar adjacente
44
BRIERLY, op. cit., p. 216.
45
BRIERLY, op. cit., pp. 216-218.
46
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., pp. 122-123.
às suas costas, parcela essa que se designa de mar territorial e tem um limite de 12
milhas marítimas, tendo como ponto de partida a linha normal de maré-baixa47.
Desígnio diferente é dado às àguas interiores, que são compostas pelas àguas situadas
entre a linha normal da maré-baixa e o território terrestre (v.g. àgua dos portos, golfos,
baías, etc.). A soberania exercida sobre as àguas interiores é plena (não sendo limitada
mesmo pelo limite de passagem inofensiva acima aludido)48.
Por seu turno, a zona contígua é uma faixa marítima adjacente ao mar territorial, na qual
(podendo atingir uma largura máxima de 12 milhas marítimas) o Estado ribeirinho
(costeiro) apenas poderia exercer poderes de fiscalização em matéria aduaneira, fiscal,
sanitária e de emigração49.
A Zona Económica Exclusiva (ZEE) é uma àrea marítima que se extende por 200
milhas além do mar territorial, sobre a qual o Estado exerce direitos de gozo e fruição, a
fim de explorar e conservar recursos marítimos, para fins económicos50.
52
FILIPE URBANO CALVÃO, MANUEL FONTAINE CAMPOS, CATARINA SANTOS BOTELHO,
Introdução ao Direito Público, 4ª edição, Almedina, Coimbra, 2017, p. 66.
Podem suceder outras exceções, entre as quais53:
Estatui o artigo 5º/1 da CRP que “Portugal abrange o território historicamente definido
no continente europeu e os arquipélagos dos Açores e da Madeira”, relegando o nº 2
para o legislador ordinário a tarefa de definir a extensão das àguas territoriais, da ZEE e
dos direitos de Portugal aos fundos marinhos contíguos. Este preceito delimita o
território português.
Ao Estado português está vedada a possibilidade de alienar o seu território (ou parte
dele) (art. 5º/3 CRP).
53
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., pp. 129-132.
54
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., p. 132.
4.3. O Poder Político
O poder político tem como fim asseguirar a justiça, a segurança e o bem-estar, manter a
paz e proporcionar progresso aos cidadãos de um Estado. Numa palavra, resume-se a
regular a vida em coletividade57.
Autores há, que estabelecem uma relação de sinonímia entre o poder e a governação,
traduzindo-se o poder na definição de opções estratégicas, no âmbito político-
legislativo, e na sua ulterior execução58.
55
FREITAS DO AMARAL, op. cit., p. 1133.
56
JORGE MIRANDA, Curso de Direito Constitucional, Vol. 2, Universidade Católica Editora, Lisboa,
2016, p. 45.
57
FREITAS DO AMARAL, op. cit., p. 1134.
58
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., p. 150.
O expoente máximo do poder político é a soberania, porquanto é a forma mais perfeita e
completa do poder.
Hodiernamente, a soberania dos Estados está deparada com enormes desafios, mercê do
desenvolvimento da comunidade internacional e da adesão de Estados a organismos
internacionais. Veja-se o caso da União Europeia, no qual os Estados-Membros
delegam poderes de soberania para a UE, o que quer dizer que autolimitam a sua
soberania.
59
FREITAS DO AMARAL, op. cit., p. 1135.
III – Legitimidade do Poder Político
1. Legalidade e Legitimidade
A legalidade tem que ver com a realização das leis e a aplicação dessas mesmas leis61.
Daqui resulta que legalidade e legitimidade podem não ser coincidentes. Assim, pode
estabelecer-se um conjunto de relações entre legalidade e legitimidade63:
60
Trata-se de uma conformidade lógico-formal.
61
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., p. 162.
62
MARTIM DE ALBUQUERQUE, Legitimidade in Polis, Enciclopédia da Sociedade e do Estado,
Verbo, Vol. 3. p. 1017.
63
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., p. 163.
Outro conceito que não deve ser confundido com o conceito de legitimidade, é o de
legitimação. Este conceito arvora-se na fundamentação do poder de autoridade64, i.e., o
processo que irá justificar a acatação do poder pelos cidadãos65.
64
CARLOS BLANCO DE MORAIS, op. cit., p. 47.
65
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., p. 164.
66
CARLOS BLANCO DE MORAIS, op. cit., p. 48.
67
CARLOS BLANCO DE MORAIS, op. cit., pp. 48-49.
68
CARLOS BLANCO DE MORAIS, op. cit., p. 49.
Este tipo de legitimidade pode subdividir-se noutros tipos de legitimidade69:
69
CARLOS BLANCO DE MORAIS, op. cit., p. 51.
70
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., pp. 168-169.
71
LUÍS BARBOSA RODRIGUES, Semipresidencialismo Português – Autópsia de uma Ficção, Quid
Juris, Lisboa, 2017, pp. 87 e ss.
Por outro lado, os regimes políticos ditatoriais (autoritários e totalitários), servem-se do
fator legalidade para fundamentar a sua autoridade, i.e., o poder é aceite por ter
fundamento legal.
Fins e Funções do Estado
1. Fins do Estado
Em tempos remotos, não havia Estado. Vivia-se num estado de natureza, no qual
reinava a lei do mais forte (o mais forte era o detentor do poder)72.
Mas para que serve o Estado? Essencialmente, para prosseguir o interesse e o bem-
comum, subjacentes à coletividade nele fixada.
72
Daí a célebre expressão de Hobbes: O homem é o lobo do homem.
73
FREITAS DO AMARAL, op. cit., p. 1142.
74
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., p. 179.
75
FREITAS DO AMARAL, op. cit., pp. 1142-1143.
Todos estes fins se complementam, criando uma ordem social, política, económica e
jurídica equilibrada. São como que a razão de ser do Estado. O Estado deve, pois, servir
a pessoa humana e não a si próprio.
O artigo 9º da CRP dispõe uma pluralidade de fins que o Estado português é incumbido
de prosseguir. Quer isto dizer que o Estado português está vinculado àquilo que a
Constituição diz, no que tange à prossecução dos seus fins.
O bem-estar assenta na efetivação dos direitos económicos, sociais e culturais (al. d),
em assegurar o ensino e difundir a língua portuguesa (al. f) e na promoção harmoniosa
de todo o território nacional (al. g).
2. Funções do Estado
Nos dias que correm, a propósito da organização política do Estado, vislumbra-se uma
divisão, no que tange às funções e poderes estaduais. Faz, pois, sentido reportar-nos ao
princípio da separação de poderes.
76
JORGE MIRANDA, Curso de Direito Constitucional, Vol. 2, Universidade Católica Editora, Lisboa,
2016, p. 137.
2.1. Princípio da Separação de Poderes
77
NUNO PIÇARRA, Separação de Poderes in Polis, Enciclopédia da Sociedade e do Estado, Verbo,
Vol. 5. p. 683.
78
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., p. 185.
79
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., pp. 187-190.
A função jurisdicional visa aplicar o direito ao caso concreto, na decorrência da
violação à Constituição ou às leis, aplicação essa que irá sancionar quem violou a ordem
jurídica e nesse sentido irá repô-la. Visa, em suma, dirimir conflitos de interesses. É
realizada pelos tribunais (estes administram a justiça em nome do povo) (orgãos
independentes, imparciais e inamovíveis).
A função política está repartida por vários orgãos do Estado, que se propõem praticar
atos de natureza política, a fim de definir as opções essenciais da coletividade (arts. 133º
e ss.; 163 als d e e; 200º CRP).
A função administrativa está atribuída ao Governo (art.s 182º e 199º CRP), sendo este o
orgão superior da administração pública, e aos orgãos das Regiões Autónomas, do
poder local (v.g. autarquias) e às pessoas coletivas da Administração Pública.
A função jurisdicional está confiada aos tribunais, orgãos que “administram a justiça em
nome do povo”, i.e., dirimem conflitos de interesses, aplicando e interpretando o direito
ao caso concreto.
V – Orgãos do Estado
1. Definição
Assume-se que orgão do Estado seja um centro, que pode assumir a forma de cargo
singular ou de orgão colegial, constitucionalmente consagrado, de onde brota a vontade
do Estado (compreendida esta v.g. na emanação de atos legislativos ou na prática de
atos de natureza política ou administrativa), vontade essa que será imputável ao Estado
enquanto coletividade.
2. Vontade Funcional
3. Elementos
80
JORGE MIRANDA, Orgãos do Estado in Polis, Enciclopédia da Sociedade e do Estado, Verbo, Vol. 4.
p. 915.
A instituição assenta na ideia de obra ou empreendimento que se realiza e
perdura no tempo e no meio social;
A competência consubstancia-se no complexo de poderes funcionais respeitantes
à participação no exercício de uma ou mais funções do Estado;
O titular corresponde à pessoa física, ou conjunto de pessoas físicas que tornam
real a vontade do orgão do Estado.
O cargo ou função do titular, corresponde à relação específica que se estabelece
entre o titular e o Estado.
Quando existem vários orgãos, tem necessariamente de haver uma demarcação das
respetivas competências, não podendo nenhum orgão invadir a esfera de competência de
qualquer outro.
A competência provém da norma. Esta tanto pode ser explícita (norma que
explicitamente declare a competência), como implícita (norma cujo sentido carece de
interpretação para ser clarificado), não havendo diferença entre estes dois tipos de
norma para o efeito (de atribuição da competência). A afirmação de poderes implícitos
muitas vezes é utilizada para aumentar a esfera de competência de um orgão, ou mesmo
aumentar a sua influência. Este sentido é, no entanto, inadmissível.
5. Orgão e Titular
Os titulares dos orgãos do Estado podem ser designados por mero efeito do direito (v.g.
sucessão hereditária, sorteio, rotação, inerência, antiguidade), ou por efeito do direito e
da vontade (cooptação, nomeação, eleição, concurso, aquisição revolucionária). Da sua
observância dependem a investidura e a legitimidade de título.
No artigo 110º/1 da CRP estão enumerados os orgãos de soberania (aqueles que são
imediatamente criados pela Constituição, dispõem de poder de auto-organização e não
podem ser modificados ou extintos por lei ordinária). São eles o Presidente da
República (Chefe de Estado; orgão de arbitragem e moderação; detém o poder de
promulgar ou vetar diplomas; exerce a magistratura de influência; pode dissolver a AR
e demitir o Governo, reunidos determinados pressupostos; etc.), a Assembleia da
República (orgão legislativo por excelência, representativo do povo), o Governo (detém
funções políticas, administrativas e legislativas) e os tribunais (compete-lhes aplicar o
direito e fazer a justiça)81.
A Constituição institui, também, orgãos das Regiões Autónomas (art. 231º CRP), sendo
eles o Governo e a Assembleia Legislativa Regional, e orgãos do poder local (art. 239º
CRP; orgãos deliberativos e executivos).
Temos, ainda, como orgãos de Estado o Provedor de Justiça (art. 23º CRP), a Entidade
Reguladora da Comunicação Social (art. 39º CRP), o Conselho de Estado (art. 141º
CRP), o Conselho Superior da Magistratura (art. 218º CRP), a Procuradoria-Geral da
República (art. 220º CRP), os Representantes da República nas Regiões Autónomas
(art. 230º CRP) e o Conselho Superior de Defesa Nacional (art. 274º CRP).
No que concerne aos orgãos colegiais, o artigo 116º da CRP estabelece um quórum
mínimo, i.e., um número mínimo de membros para que o orgão possa funcionar. Estatui
o nº 2 do presente artigo que “as deliberações dos orgãos colegiais são tomadas com a
81
A propósito da análise do Governo, Presidente da República e da Assembleia da República, faremos
um estudo mais aprofundado no âmbito do sistema de governo português.
presença da maioria do número legal dos seus membros”. A regra é a da pluralidade de
votos.82.
Temos, depois, os orgãos sem expressa consagração constitucional, que são aqueles que
resultam da lei.
82
Para a Assembleia da República poder funcionar, é exigível a presença de, pelo menos, 116 deputados,
o que corresponde à maioria do número legal dos seus membros (veja-se que a AR é composta por 230
deputados).
VI – Formas de Estado
1. Definição
Forma de Estado é o modo de o Estado dispor o seu poder em face de outros da mesma
natureza e quanto ao povo e ao território (v.g. a possibilidade de ficar sujeito a um ou a
mais do que um poder político)84.
O Estado unitário pode ter vários modelos: pode ser Estado unitário centralizado (com
ou sem desconcentração administrativa), ou pode se Estado unitário descentralizado
(administrativamente, ou administrativa e politicamente – v.g. Estado Regional)86.
Ressalve-se que nunca deixa de existir um só centro de poder e uma só Constituição no
Estado unitário87.
83
CARLOS BLANCO DE MORAIS, op. cit., p. 37.
84
JORGE MIRANDA, Curso de Direito Constitucional, Vol. 2, Universidade Católica Editora, Lisboa,
2016, p. 77.
85
JORGE MIRANDA, Curso de Direito Constitucional, Vol. 2, Universidade Católica Editora, Lisboa,
2016, p. 78.
86
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., p. 219.
87
Independentemente do tipo e grau de descentralização.
A desconcentração administrativa consubstancia-se num decongestionamento de
competências, no qual se confere a um orgão inferior ou periférico competências e
poderes decisórios, que estariam reservados em exclusivo ao superior (orgão superior e
central, respetivamente), de forma a haver maior celeridade nas decisões (v.g.
transferência de competências do Ministro das Finanças para uma repartição de finanças
local)88.
Por seu turno, o Estado composto ou complexo configura-se como uma federação, ou
Estado Federal, ou como União Real.
88
DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, Vol. I, 4ª edição (reimp.),
Almedina, Coimbra, 2016, p. 690.
89
DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, Vol. I, 4ª edição (reimp.),
Almedina, Coimbra, 2016, pp. 723-724.
90
DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, Vol. I, 4ª edição (reimp.),
Almedina, Coimbra, 2016, p. 408.
91
JORGE MIRANDA, Curso de Direito Constitucional, Vol. 2, Universidade Católica Editora, Lisboa,
2016, p. 79.
sobreposição, porquanto um novo poder, resultante dessa união, o poder federal, surge
acima dos poderes políticos dos Estados Federados92.
A maioria dos Estados tem apenas um centro de poder, um só poder político e uma só
Constituição. O Estado unitário pode comportar vários níveis de descentralização
administrativa (v.g. municípios, distritos, regiões administrativas, etc.). Mas a
descentralização apenas administrativa não comporta uma autonomia política,
legislativa e estatuto jurídico próprio, como se vislumbra no Estado unitário regional93.
Pode distinguir-se entre Estados regionais integrais, nos quais todo o território se divide
em regiões autónomas (v.g. Espanha), e Estados regionais parciais, nos quais se
92
JORGE MIRANDA, Curso de Direito Constitucional, Vol. 2, Universidade Católica Editora, Lisboa,
2016, p. 80.
93
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., pp. 222-223.
94
CARLOS BLANCO DE MORAIS, op. cit., p. 40.
encontram regiões politicamente autónomas e regiões ou circunscrições só com
descentralização administrativa (v.g. Portugal)95.
Por regra, as regiões são criadas pela Constituição, pelo poder central, sendo que as
atribuições políticas podem ser alargadas ou extintas por este.
As regiões não têm poder constituinte, i.e., não participam na elaboração ou no processo
de revisão da Constituição; a elaboração ou alteração dos seus estatutos políticos
pertencem ao poder central; carecem de soberania e só podem legislar dentro de uma
esfera de competência própria96.
5. O Estado Federal
95
JORGE MIRANDA, Curso de Direito Constitucional, Vol. 2, Universidade Católica Editora, Lisboa,
2016, p. 85.
96
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., p. 224.
97
RICARDO LEITE PINTO, A Democracia Constitucional nos E.U.A., Universidade Lusíada Editora,
Lisboa. 2016, p. 52.
98
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., p. 226.
cidadão fica, assim, sujeito a duas Constituições: A Constituição Federal e a do Estado
federado99.
O sistema federal assenta num duplo plano constitucional, que se desdobra em duas
Constituições, a Federal e a de cada Estado, e num duplo plano legal, no qual coexistem
leis federais e leis estaduais. As competências federais são as que resultam diretamente
da Constituição, atribuídas pelos Estados no momento em que esta é elaborada
(estamos, pois, perante um tipo de federalismo centrípedo100, o qual nasce de um prévio
acordo entre Estados primeiramente independentes que renunciam à sua soberania, ou
parte dela, para dar origem à Federação), e tudo o que não se encontrar na Constituição
federal pertence aos Estados. Coabitam a supremacia federal e a determinação de que só
são competências federais as previstas na Constituição.101 O Estado Federal é um
“Estado de Estados”.
Princípios Unitários:
99
JORGE MIRANDA, Curso de Direito Constitucional, Vol. 2, Universidade Católica Editora, Lisboa,
2016, p. 82.
100
Existem, por outro lado, federalismos centrífugos, que correspondem a Estados unitários que iniciaram
um processo de transferência de poderes constitucionais, políticos e administrativos para regiões ou
províncias, de forma a transformá-los em Estados federados. É o caso do Brasil, Bélgica, Alemanha, etc.
101
RICARDO LEITE PINTO, op.cit., p. 53.
102
Os Estados federados têm governo próprio, administração própria, legislação própria, poder político
interno. Mas é à federação que cabe participar na cena internacional. É o Estado federal que tem poderes
v.g. para celebrar acordos/tratados internacionais e não os Estados federados.
103
JORGE MIRANDA, Curso de Direito Constitucional, Vol. 2, Universidade Católica Editora, Lisboa,
2016, p. 83.
104
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., pp. 226-227.
Supremacia da Constituição Federal;
Cidadania Federal (v.g. os cidadãos do Estado do Texas, contanto que lá
habitem, são cidadãos dos Estados Unidos da América);
Igualdade jurídica dos Estados federados (igualdade dos direitos dos seus
cidadãos).
Princípios Diferenciadores:
Por seu turno, as regiões autónomas são formas de descentralização política: gozam de
autonomia legislativa e governamental e dirigem a sua própria política, dotadas de
estatuto político próprio. Este, porém, não pode ser alterado pelas regiões, porquanto
não detêm autonomia constituinte, função essa confinada exclusivamente à AR (arts.
161º al. b; 226º CRP).
105
J.J. GOMES CANOTILHO, VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada –
Artigos 1º a 107º, Vol. I, 4ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 233.
106
J.J. GOMES CANOTILHO, VITAL MOREIRA, op. cit. p. 234.
107
Idem.
108
Por essa razão, há quem advogue que os estatutos político-administrativos gozam de um duplo reforço.
República, tendo funções representativas, certificatórias e de controlo dos atos regionais
(assinatura e veto).
1. Introdução
2. Tipologias Clássicas110
109
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., pp. 255-258.
110
JORGE MIRANDA, Curso de Direito Constitucional, Vol. 2, Universidade Católica Editora, Lisboa,
2016, pp. 98-102.
Em seguida, com a sua obra “A Política”, ARISTÓTELES legou-nos a mais célebre
análise das formas de governo, que assenta na simbiose entre um critério quantitativo
(se quem governa é um homem, se são poucos ou muitos) e um critério qualitativo
(como se governa – qual o interesse prosseguido pelos governantes, se o bem comum,
ou o interesse egoístico deles).
Temos a distinção entre formas puras e formas degeneradas. Formas puras revelam-se a
monarquia, a aristocracia e a politeia (nas quais o interesse prosseguido é o bem
comum). Formas degeneradas são a tirania, a oligarquia e a democracia.
Mais tarde, MONTESQUIEU vem a ser muito influente, com a sua obra “Do Espírito
das Leis”. Uma principal referência desta obra prende-se com o desenvolvimento do
princípio da separação de poderes.
111
JORGE MIRANDA, Curso de Direito Constitucional, Vol. 2, Universidade Católica Editora, Lisboa,
2016, pp. 102-106.
112
Esta matéria será abordada com maior profundidade a propósito dos regimes políticos.
VIII – Regimes Políticos
1. Introdução
O regime político reporta-se strictu sensu à relação existente entre os cidadãos e o poder
político113.
Tem que ver com a propagação e o culto de certa ideologia, que irá corresponder à
filosofia de Estado, pelo poder político, com o papel dos cidadãos nas decisões e
atividades políticas, com o maior ou menor controlo (fiscalização) do poder pelo povo,
com a existência e efetivação, ou não, de um conjunto de direitos fundamentais
constitucionalmente consagrados, com a forma de designação dos governantes, etc.
São nosso objeto de estudo dois tipos de regimes políticos: o regime democrático e o
regime ditatorial. O primeiro tem que ver com o respeito pelo pluralismo, a salvaguarda
dos direitos fundamentais dos cidadãos, a participação destes nas decisões e na
atividade política, etc. O segundo concerne a uma imposição de certa ideologia ou
filosofia de Estado, onde poderá ser vislumbrada uma aniquilação dos direitos
fundamentais.
113
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., p. 274.
114
CARLOS BLANCO DE MORAIS, op. cit., p. 55.
LINCOLN formulou o conceito de democracia na seguinte frase: “Democracia é o
poder do povo, pelo povo e para o povo”.
Autores há, que advogam que para estarmos perante um regime democrático, têm de
estar reunidos os seguintes pressupostos: soberania popular, igualdade política, consulta
popular e regra da maioria115.
Podemos dizer, neste sentido, que a democracia corresponde ao governo dos cidadãos, o
qual é caracterizado pela existência de responsabilidade dos governantes perante os
governados, pelo pluralismo, livre concorrência, existência de eleições, governo este
que se antangoniza ante os conceitos de monocracia e ditadura, porquanto corresponde
ao governo do povo, da maioria.
115
JOSÉ DURÃO BARROSO, Democracia in Polis, Enciclopédia da Sociedade e do Estado, Verbo, Vol.
2, p. 71.
116
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., pp. 281-283.
117
CARLOS BLANCO DE MORAIS, op. cit., pp. 77-90.
Eleições Regulares – Tem que ver com o cumprimento da lei e com o controlo
dos governantes, através da escolha;
Sufrágio Direto e Secreto – O sufrágio é direto, na medida em que os cidadãos
elegem os seus representantes sem intermediários. É secreto, na medida em que
é garantia de liberdade de escolha para o eleitor, podendo este escolher sem
qualquer tipo de condicionamentos ou influências (v.g. urnas fechadas, cabines
de voto, etc.);
Eleições Periódicas – As eleições devem realizar-se com uma periodicidade
regular, de forma a evitar os cargos a título vitalício e a garantir os direitos das
oposições (v.g. de contraponto ao poder e de fiscalização; de se poderem
apresentar como uma alternativa ao poder);
Eleições com Alternativa e Equivalência de Opções – O eleitorado deve ter a
possibilidade de escolha entre candidaturas alternativas e concorrentes, as quais
correspondem a um programa político próprio, que será sufragado
popularmente.
Sufrágio Universal e Igualitário – Todos os cidadãos maiores e capazes devem
ter acesso ao voto, em detrimento das anteriores conceções do sufrágio
censitário e capacitário (nos quais v.g. só quem detivesse um grau elevado de
poder económico é que poderia votar; o direito de voto era vedado às mulheres,
etc.).
Princípio da Maioria – Princípio, segundo o qual a maioria deve impor-se à
minoria e governar. Manifesta-se na conversão de votos em mandatos (quem
tem mais votos, mais mandatos tem) e no processo de tomada de decisões pelos
titulares do poder democraticamente eleitos nos orgãos colegiais (prevalência da
opção que obtiver maior número de votos).
Importa, ainda, ter em conta dois modelos de democracia formulados por LIPHART118:
118
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., p. 287-288.
poder legislativo numa assembleia de uma só câmara, pela flexibilidade da
Constituição, pela ausência de “judicial review” e pelo controlo do Banco
Central pelo executivo (v.g. Inglaterra);
Modelo Consensual: Caracteriza-se pela partilha do poder executivo (v.g.
coligações), pelo equilíbrio dos poderes legislativo e executivo, por um sistema
multipartidário, por uma representação proporcional, pelo corporativismo de
grupos de interesse, pelo federalismo e governo descentralizado, por um forte
bicameralismo, pela rigidez da Constituição, pela existência de “judicial review”
e pela independência do Banco Central (v.g. Portugal, Itália, etc.).
3.1. Introdução
119
CARLOS BLANCO DE MORAIS, op. cit., pp. 195-196.
120
JOSÉ MIGUEL JÚDICE, Ditadura in Polis, Enciclopédia da Sociedade e do Estado, Verbo, Vol. 2, p.
635.
dos cidadãos no controlo do poder. As oposições podem ser objeto de perseguição. O
pluralismo político é reduzido ou aniquilado e a força é elemento fundamental para
efeitos de preservação do poder. O Estado apresenta uma ideologia que demanda a
justificação da concentração de poder na esfera do homem ou do grupo que o detém, o
qual pode apresentar uma vertente social, religiosa, ou militar.
Tem como atributos a existência de uma ideologia estatal (v.g. Deus, Pátria e Família)
integrada por valores de abertura e consistência variável, que logra a justificação da
concentração de poder, a existência de um poder supremo, em regra o Chefe de Estado
ou Chefe de Governo, que exerce poderes de direção e controlo decisivo sobre as
demais instituições, um poder de mobilização social pouco intenso, a tolerância do
pluralismo social com limites, a existência de um aparelho policial repressivo, dirigido
mormente a inimigos do regime e opositores, a compressão da liberdade de expressão e
de informação e o respeito pelos direitos de propriedade e iniciativa privada (v.g.
regime corporativo salazarista)122.
121
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., p. 293.
122
CARLOS BLANCO DE MORAIS, op. cit., pp. 202-203.
exemplo do salazarismo, regime instituído após uma ditadura militar, assente num
consulado vitalício baseado na autoridade e carisma pessoal do seu criador123.
123
JAIME NOGUEIRA PINTO, Autoritarismo in Polis, Enciclopédia da Sociedade e do Estado, Verbo,
Vol. 1, pp. 498-499.
124
CARLOS BLANCO DE MORAIS, op. cit., p. 199.
125
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., pp. 293-294.
decisões arbitrárias, a direção concentrada de toda a economia, na qual a expressão
máxima é a restrição do direito de propriedade e de iniciativas privadas126.
126
CARLOS BLANCO DE MORAIS, op. cit., pp. 201-202.
127
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., p. 294.
IX – Sistemas de Governo
1. Introdução
Outros autores partem de uma terminologia diferente para definir a mesma realidade. É
o caso de BLANCO DE MORAIS, que define sistema político como “o modelo de
estruturação e de relacionamento dos orgãos de soberania no exercício do poder
político”130, ou de GOMES CANOTILHO, que utiliza a expressão “forma de governo”,
englobando realidades distintas num só conceito, definindo-a como “a posição jurídico-
constitucional recíproca dos vários orgãos de soberania e respetivas conexões e
interdependências políticas, institucionais e funcionais”131.
O sistema de governo envolve o elenco dos orgãos do poder político soberano, a sua
composição e processo de designação, a sua competência e a sua inter-relação
institucional.
2. Divisão de Poderes
128
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., p. 302.
129
LUÍS BARBOSA RODRIGUES, op. cit., p. 9. O autor parte de uma visão puramente jurídica.
130
CARLOS BLANCO DE MORAIS, op. cit., p. 225.
131
J.J. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 4ª edição, Almedina,
Coimbra, 2000 , p. 557.
Qualquer dos sistemas de governo que serão nosso objeto de estudo assenta no princípio
da divisão e separação de poderes do Estado. Este visa, em primeira instância, limitar o
poder a quem o possui, com vista a evitar a arbitrariedade no seu exercício e a garantir a
liberdade dos governados; veja-se que todo aquele que possui poder tem tendência para
dele abusar132.
Na separação rígida de poderes, cada poder detém uma força de tal forma igual aos
demais (poderes), que não há quaisquer relações institucionais entre os vários orgãos do
poder político. É o caso do sistema presidencial, no qual o Presidente, detentor do poder
executivo, é irresponsável perante o parlamento (leia-se Congresso).
132
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., p. 304.
133
J.J. GOMES CANOTILHO, op. cit, pp. 563-565.
134
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., pp. 308-309.
sistema de governo parlamentar, no qual o Governo é políticamente responsável perante
o parlamento (v.g. no máximo, pode ser por este demitido).
É caracterizado, em primeiro lugar, por uma separação flexível de poderes, i.e., pela
colaboração dos poderes públicos entre si e pela limitação recíproca dos orgãos do
poder político.
135
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., p. 310-314.
136
J.J. GOMES CANOTILHO, op. cit., p. 567.
137
CARLOS BLANCO DE MORAIS, op. cit., pp. 228-229.
Num contexto de separação flexível de poderes, a coexistência da função
política entre três orgãos (nomeadamente os dois últimos): Chefe de Estado,
Parlamento e Governo;
Responsabilidade do Governo perante o parlamento, carecendo da confiança
deste para o exercício das suas funções;
Diarquia institucional e simbólica do poder executivo, i.e., o poder executivo é
formado pelo Chefe de Estado e pelo Governo, conquanto que o Chefe de
Estado se reduza a uma função simbólica, exercendo funções honoríficas de
representação nacional e alguns (poucos) poderes arbitrais.
138
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., pp. 317-318.
contexto de um sistema bipartidário. Aí, o parlamento pode ser dissolvido, sob
proposta do Gabinete (v.g. Grã-Bretanha).
139
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., p. 317.
140
CARLOS BLANCO DE MORAIS, op. cit. ,p. 228.
O sistema de governo presidencial remonta à proclamação de independência dos
Estados Unidos, no fim do século XVIII, contrapondo-se ao parlamentarismo britânico.
Caracteriza-se, em primeiro lugar, pela separação rígida de poderes, i.e., pela ausência
de relações inter-institucionais entre os orgãos do poder político. Os poderes legislativo,
executivo e judicial são rigorosamente independentes. O poder executivo é atribuído a
um Presidente, o poder legislativo é orgânicamente atribuído a um Congresso, o
Congresso dos Estados Unidos, formado por um Senado e por uma Câmara dos
Representantes, e o poder judicial é atribuído a um Tribunal Supremo e tribunais
inferiores criados pelo Congresso141. Cada um dos orgãos atua, portanto, de forma livre
e sem a intervenção de outros orgãos.
141
J.J. GOMES CANOTILHO, op. cit., p. 570.
142
Idem.
143
RICARDO LEITE PINTO, op. cit., pp. 57-58.
O Presidente é eleito por um colégio de eleitores em número igual ao de Senadores e
representantes, o que lhe confere uma legitimidade democrática quase direta. Com este
sistema, há a possibilidade de um Presidente ser eleito com mais mandatos eleitorais,
mas sem a maioria de votos populares (v.g. caso da eleição de Harrison, em 1888)144.
144
J.J. GOMES CANOTILHO, op. cit., loc. cit.
145
J.J. GOMES CANOTILHO, op. cit., p. 571.
146
RICARDO LEITE PINTO, op. cit., p. 87.
147
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., p. 325.
leis) ou o veto de bolso, i.e., o Presidente limita-se a não assinar o texto da lei votada
no Congresso (não a promulga)148.
Veja-se, por último, a prática política dos contactos estabelecidos entre os Secretários de
Estado e o Congresso, a fim de lograr influenciar a atividade do Congresso em função
dos seus interesses, ou a influência que têm os grupos de pressão na condução política
(através de lobbies).
O sistema de governo semipresidencial é uma figura híbrida, que emerge como resposta
aos vícios e incapacidades de que padecem os anteriores sistemas de governo.
Apresenta uma junção de características do sistema parlamentar e do sistema
presidencial.
148
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., p. 327.
149
A doutrina político-constitucional acerca do semipresidencialismo está longe de ser unânime e atingir
um ponto de convergência. Adiante, abordaremos alguma conceções, a propósito do caso português.
150
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., p. 336.
O Governo é formado tendo em conta os resultados eleitorais;
O Chefe de Estado pode controlar a atividade do Governo.
151
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., p. 338.
152
CARLOS BLANCO DE MORAIS, op. cit., p. 231.
1933; surgiu, pois, como uma reação, como uma solução. Fixava-se a ideia de que o
Presidente não devia ser mais uma figura meramente representativa, nem um Presidente
autoritário, mas sim um Presidente com poderes de arbitragem, regulador do sistema
político, o qual deve presidir, mas não governar. Esta ideia foi corroborada na revisão
constitucional de 1982 (em nosso ver, a principal até hoje)153.
Não obstante, autores há que não concordam (total ou parcialmente) com a classificação
do sistema de governo português como semipresidencial. Vejamos alguns exemplos:
153
JORGE MIRANDA, Curso de Direito Constitucional, Vol. 2, Universidade Católica Editora, Lisboa,
2016, pp. 131-132.
154
CARLOS BLANCO DE MORAIS, op. cit., pp. 475-477.
155
J.J. GOMES CANOTILHO, op. cit., p. 581; 593.
156
LUÍS BARBOSA RODRIGUES, op. cit., pp. 47 e ss.
Seguimos a classificação do sistema como semipresidencial, para efeitos de orientação
do nosso estudo. Este tem, atualmente, as seguintes características157:
6.1. Governo
No que concerne ao primeiro momento, estatui o artigo 187º/1 da CRP que “o Primeiro-
Ministro é nomeado pelo Presidente da República, ouvidos os partidos representados
na Assembleia da República e tendo em conta os resultados eleitorais”. Ora, a
157
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., pp. 364-365.
expressão “tendo em conta os resultados eleitorais” não corresponde necessariamente à
obrigatoriedade do Presidente da República nomear como Primeiro-Ministro a figura
apontada pelo partido mais votado, até porque não está a isso vinculado, mas somente
limitado pelo preceito e pelo seu alcance hermenêutico. Quando haja lugar a uma
maioria absoluta, o Presidente da República deve limitar-se a nomear como Primeiro-
Ministro o cabeça de lista do partido com maior assento parlamentar. Caso não se
observe essa maioria, a regra praxiológica tem sido a de nomear como Primeiro-
Ministro a personalidade parlamentar do partido mais votado, mas tudo depende da ação
no parlamento e dos acordos estabelecidos entre diveros partidos. Veja-se, a título de
exemplo, que a coligação PSD/CDS-PP saíu com uma vitória das eleições legislativas
de 2015, embora não com maioria absoluta. O Presidente CAVACO SILVA, seguindo a
tradição constitucional, nomeou PEDRO PASSOS COELHO como Primeiro-Ministro.
Porém, o programa de Governo não foi aprovado (o que corresponde ao segundo
momento, no que concerne à formação do Governo) e o Governo “caíu”. ANTÓNIO
COSTA, líder do segundo partido mais votado (PS) estabelece acordos bilaterais com os
partidos da esquerda do espetro político do arco parlamentar e é nomeado novo
Primeiro-Ministro, com o suporte parlamentar da “Frente de Esquerdas” PS, PCP e
Bloco de Esquerda)158159.
158
Note-se que, atendendo às diligências, fechadas posteriormente em acordos bilaterais com o Bloco de
Esquerda e o Partido Comunista, em termos formais, nada impedia o Presidente da República de nomear
em primeira instância ANTÓNIO COSTA como Primeiro-Ministro, desde que fosse apresentado o devido
suporte parlamentar, para efeitos de formação do Governo.
Não obstante, discussões há na doutrina portuguesa acerca de legitimidade e constitucionalidade desta
nova solução política.
159
RICARDO LEITE PINTO, JOSÉ DE MATOS CORREIA, FERNANDO ROBOREDO SEARA, op.
cit., pp. 367-368.
a estabilidade política e permitem a existência de Governos minoritários. Há quem
considere que a atual Constituição defende e promove, político-partidariamente falando,
as minorias.
Também o papel do Presidente da República não é aqui despiciendo. Este pode demitir
o Governo quando tal se torne necesário para assegurar o regular funcionamento das
instituições democráticas, ouvido o Conselho de Estado (art. 195º/2 CRP).
O Governo, strictu sensu, tem por competência a condução da política nacional, legislar
sobre algumas matérias (mediante lei de autorização e sobre as matérias não reservadas
à Assembleia da República) e é o orgão central da Administração Pública.
O Presidente tem um poder de grande relevo, no âmbito do seu papel de “árbitro”, que
se consubstancia na magistratura de influência. Segundo BLANCO DE MORAIS,
“designa-se por magistratura de influência o poder formal e informal desenvolvido
160
O que não impede outras reeleições, desde que não sejam sucessivas ao segundo mandato. É
necessário cumprir um intervalo de tempo entre a segunda reeleição e uma hipotética futura (terceira)
eleição. Veja-se o exemplo de MÁRIO SOARES, que depois de ter sido Presidente da República entre
1986 e 1996, tendo cumprido dois mandatos seguidos, se recandidatou a Presidente da República em
2006, pese embora tenha perdido nestas últimas eleições presidenciais para CAVACO SILVA.
161
Esta figura será melhor estudada na cadeira de Direito Constitucional, onde se irá traçar a distinção
entre veto político e veto jurídico. Para maiores desenvolvimentos vide MARGARIDA SALEMA, Veto in
Polis, Enciclopédia da Sociedade e do Estado, Verbo, Vol. 5, pp. 1487-1490.
pelo Chefe de Estado para induzir as instituições políticas e entidades da sociedade
civil à assunção positiva ou negativa de determinadas condutas, relativas a questões
que se enquadrem no âmbito das suas funções constitucionais ou que com as mesmas
guardem uma relação de conexão instrumental”162 (v.g. função mediadora entre
formações políticas conflituantes; uso da palavra para exprimir o seu pensamento
político-institucional sobre temas relevantes da política pública; críticas, conselhos,
etc.).
No que tange ao veto político (art. 136º CRP), trata-se de um verdadeiro poder negativo,
porquanto para ser superado carece de uma maioria absoluta ou qualificada de
Deputados. O Presidente da República, através do veto pode opor-se a diplomas
dimanados do Governo ou da Assembleia da República e pode maxime suscitar a
fiscalização preventiva da constitucionalidade de diplomas (art. 278º CRP)163.
Salvo alguns prazos, o Presidente não sofre qualquer tipo de limite para exercer a sua
prerrogativa de dissolução da Assembleia da República (art. 172º CRP). Veja-se, a
título de exemplo, quando JORGE SAMPAIO dissolveu a Assembleia da República em
2004, pondo termo ao executivo de SANTANA LOPES (apoiado por uma maioria
parlamentar), decisão, ademais, muito contestada.
Estamos a tratar do orgão legislativo por excelência, porquanto tem competência para
legislar sobre uma pluralidade assaz alargada de matérias (arts. 164º e 165º CRP).
Tem, o poder de eleger vários cargos ou titulares, alguns deles por maioria qualificada
de dois terços (v.g. dez juízes do Tribunal Constitucional).
Bibliografia Elementar
Bibliografia Complementar