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Processo nº 22/84.
2.ª Secção.
Relator: Conselheiro Messias Bento.
II - Fundamentação
1 - Liminarmente, dir-se-á que o tribunal da Relação partiu do pressuposto dc que
o afirmar-se que determinada fundamentação das respostas aos quesitos é imoral traduz o
emprego de expressões ofensivas.
De facto, no nº 1 do artigo 154º do Código de Processo Civil, preceitua-se que se
podem «mandar riscar quaisquer expressões ofensivas», que os mandatários judiciais tenham
utilizado. E, no nº 1 do artigo 155º, acrescenta-se que «nos processos pendentes nos tribunais
superiores só por acórdão se pode mandar riscar o que estiver escrito [...]».
Ora, foi esta norma que o acórdão recorrido deixou de aplicar, por a ter por
inconstitucional - como se viu.
É, pois, tão-só porque a Relação partiu de um tal pressuposto que, aqui, se pode
falar em recusa de aplicação de uma norma com fundamento em inconstitucionalidade.
Na verdade, a aplicação (ou a desaplicação) de uma norma jurídica pressupõe uma
actividade de prévia subsunção de determinados factos a essa norma.
3 - O artigo 37º da Constituição, depois de, no seu nº 1, estabelecer que «todos têm
o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou
por qualquer outro meio [...]», acrescenta, no seu nº 2, que o exercício de um tal direito «não
pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura». E, no seu nº 3,
preceitua que «as infracções cometidas no exercício deste(s) direito(s) ficam submetidas aos
princípios gerais de direito criminal, sendo a sua apreciação da competência dos tribunais
judiciais».
Tanto o nº 1 (na parte transcrita), como o nº 2, reproduzem os correspondentes
textos iniciais. Relativamente ao nº 3, na revisão operada pela Lei Constitucional nº 1/82, de
30 de Setembro, substituiu-se a expressão ficarão submetidas ao regime de punição da lei
geral, constante do texto originário, por estoura - ficam submetidas aos princípios gerais de
direito criminal.
8 - Era esta uma querela que já não era nova, entre nós.
De facto, tinha havido já quem tivesse entendido que o artigo 98º do Código de
Processo Civil de 1876 já citado se devia considerar revogado pelo artigo 3º, nº 13, da
Constituição de 1911, que prescrevia que «a expressão de pensamento, seja qual for a sua
forma, é completamente livre, sem dependência de caução, censura ou autorização prévia
[…]».
O certo, porém, é que o Supremo Tribunal de Justiça, pelo seu acórdão de 11 de
Maio de 1917 (v. Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 50º, p. 398), rejeitou uma tal
doutrina. E isso, com o aplauso de Alberto dos Reis (Revista cit., ano 59º, p. 3).
13 - Como se vê, pois, «lei geral» e «princípios gerais de direito criminal» são
diferentes modos de dizer uma e a mesma coisa.
Ao substituir-se, no texto constitucional, aquela expressão por esta, não se quis
inovar. Quis-se, isso sim, ser mais preciso e tecnicamente mais perfeito.
«O nº 3 é apenas uma correcção técnica de linguagem. Falar-se-ia nos princípios
gerais de direito criminal, em vez de se falar - como hoje - no regime de punição da lei geral.
Aliás isto já não é assim, existe um regime especial de punição para este tipo de infracções» -
disse-se na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional [v. Diário da Assembleia da
República, II Legislatura, 2a sessão legislativa (1981-1982), 2a série, 2º suplemento ao nº 80,
de 21 de Abril de 1982, p. 1508-(36)].
III - Decisão:
Nestes termos, acorda-se em:
a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 154º, nº 1, referido ao nº 1 do
artigo 155º, ambos do Código de Processo Civil na parte sub iudicio;
b) Julgar procedente o recurso e revogar o acórdão da Relação na parte recorrida;
c) Mandar que a decisão sob recurso seja reformada em conformidade (artigo 80º,
nº 2, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro).
Sem custas, por não serem devidas.