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Processo: 00048/10.7BEVIS
Secção: 2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão: 23-01-2020
Tribunal: TAF de Viseu
Relator: Paulo Ferreira de Magalhães
Descritores: IMPUGNAÇÃO JUDICIAL; IRS; VENDA DE IMÓVEL; HABITAÇÃO PRÓPRIA E
PERMANENTE; MAIS VALIAS.
Sumário: 1 – O artigo 10.º, n.º 5 do CIRS exclui da tributação as mais valias provenientes da transmissão onerosa
de imóveis [“de partida”] destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo e do seu
agregado familiar, sendo que para esse efeito, no imóvel adquirido [imóvel “de chegada”] também nele
tem de ser prosseguido o mesmo destino [da habitação própria e permanente].
2 - A tributação das mais-valias surge na medida em que a alienação de um determinado bem por um
valor superior àquele por que foi adquirido tem por resultado um acréscimo patrimonial na esfera do
sujeito alienante, em relação ao qual o princípio da capacidade contributiva reclama a existência de
normas de incidência objectiva, sendo que, uma mais-valia é, precisamente, nos termos do artigo 10.º,
n.º 4, alínea a) do CIRS, a diferença entre o valor da realização [o montante da alienação do bem] e o
valor da aquisição [o montante pelo qual o bem entrou na esfera patrimonial do alienante].*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente: V. e Outra
Recorrido 1: Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação: Unanimidade
Decisão: Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico: Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal
Central Administrativo Norte:
I - RELATÓRIO
No âmbito das Alegações por si apresentadas [Cfr. fls. 161 a 174 dos autos em
suporte físico], elencaram a final as conclusões que ora se reproduzem:
“Em conclusão:
1) A sentença deve ser considerada nula, pois existe erro na pronúncia sobre
questões que a Juíza deva apreciar, cf. Art.º 125º, do CPPT.
2) Pois, o que está em causa nos autos é saber se existiu reinvestimento ou não.
Nestes termos,
Deve a douta decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue
procedente a impugnação judicial, com efeitos na anulação da liquidação recorrida
com todas as consequências legais, para que assim se faça JUSTIÇA.”
*
A Recorrida Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou Contra alegações.
**
O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu Parecer pelo qual, a final e em
suma, foi do entendimento de que deve ser negado provimento ao recurso
jurisdicional.
***
III - FUNDAMENTOS
IIIi - DE FACTO
“FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
“[…]
DISSE O PRIMEIRO OUTORGANTE NA QUALIDADE EM QUE OUTORGA:
----Que livre de ónus ou encargos e pelo preço de OITENTA MIL EUROS, que o
seu representado declara já ter recebido, em nome dele vende ao segundo
outorgante a fracção autónoma designada pela letra “B” correspondente ao RÉS-
DO-CHÃODIREITO, destinada a habitação, com uma arrecadação no sótão, do
prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na freguesia de (...),
concelho da (...), na Praceta (...), número 1 – C, com traseiras para a Estrada do
(...), número …, na freguesia de (...), descrito na Segunda Conservatória do Registo
predial da (...) sob a ficha zero zero duzentos e sessenta da referida freguesia […],
inscrito na respectiva matriz urbana da freguesia de (...) sob o artigo …. com o
valor patrimonial (IMT) de 46 199,06 €.
PELA TERCEIRA OUTORGANTE FOI DITO:
Que para inteira validade deste contrato dá o consentimento ao seu marido para a
presente venda.
DISSE O SEGUNDO OUTORGANTE:
Que aceita a venda nos termos exarados, destinando-se a fracção a habitação.
[…]”
“[…]
DISSE O PRIMEIRO OUTORGANTE:
----Que pela presente escritura e, em nome dos seus representados, vende aos
segundos outorgantes, pelo preço de CENTO E CINCO MIL EUROS, que já
recebeu, a fracção autónoma designada pela letra “J”, destinada exclusivamente a
habitação, ou seja o SEGUNDO ANDAR DIREITO, com uma arrecadação no
sótão, do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na RUA (…),
número um com traseiras para a ESTRADA DO (...), números – A, na freguesia de
(...), concelho da (...), descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de (...)
sob o número ….da referida freguesia, com a aquisição registada a favor d eles
pela inscrição G – um, e a propriedade horizontal pela inscrição F – dois, inscrito
na respectiva matriz sob o artigo …, com o valor patrimonial de € 42.349,13.
[…]
DISSERAM OS SEGUNDOS OUTORGANTES
Que aceitam a presente venda nos termos exarados e que o referido imóvel se
destina, exclusivamente, a habitação própria permanente.
[…]”.
6. Através do ofício n.º 006101, de 22.05.2009, remetido por carta registada, foi o
Impugnante notificado do projeto de conclusões do Relatório de Inspeção e para,
querendo, exercer o direito de audição. – cfr. fls. 12 do processo administrativo
apenso.
8. Em 23.06.2009, foi elaborado o relatório final de inspeção que consta de fls. 6/11
do processo administrativo apenso, que se dão por reproduzidas, e do qual consta,
entre o mais, o seguinte:
“[…]
DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES
MERAMENTE
ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL
CATEGORIA G-
O sujeito passivo procedeu à alienação conforme escritura de compra e venda
lavrada no C.N. de R… – (…) em 2005-06-16, do prédio .. sito na freguesia de (...),
-(...), inscrito na matriz predial respectiva sob o art. n.º .., fracção .., pelo valor de
105 000,00 €.
Como valor de aquisição, tem-se em atenção o valor patrimonial inicial -33 085,26
€ que adveio da inscrição matricial do ano de 1 994 do imóvel, por parte do s.p.
Porém, o s.p. não entregou qualquer Anexo G junto à dec. De rendimentos de 2005,
omitindo desta forma rendimentos da categoria G, rendimentos de Mais ou Menos
Valias, e por consequência uma omissão dos ganhos derivados da transmissão
atrás referida, sujeitos nos termos da alínea a) do nº 1 do art. 10º do CIRS e de
englobamento obrigatório, nos termos do art. 22º do mesmo Diploma legal.
Assim, face aos valores referidos, a Mais Valia resultante da alienação corresponde
à apurada no quadro que segue, tendo ainda em atenção o coeficiente de
desvalorização da moeda, nos termos do art. 50º do CIRS.
105 33
000,00 085,26 60 334,90
2005 € € 1,35 €
No entanto, nos termos do n.º 2 do art. 43º do CIRS, apenas 50% destas Mais -
Valias são consideradas para efeitos de englobamento. Assim constitui rendimento
omisso a importância de 30 167,45 €.
Desta forma, do rendimento identificado resulta o seguinte rendimento coletável a
corrigir no quadro que segue:
Para além dos referidos supra, não foram provados outros factos com relevância
para a decisão da causa.
IIIii - DE DIREITO
Está em causa a Sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, datada de
28 de Outubro de 2015, que julgou improcedente a pretensão impugnatória
deduzida pelos Recorrentes contra a Autoridade Tributária e Aduaneira, atinente à
impugnação judicial da liquidação de IRS referente ao ano 2005, inserta na
Demonstração de Acerto de Contas n.º 2009 00001683602, com valor a pagar de
€8.791,70, e consequentemente, prejudicado o conhecimento do direito a
juros indemnizatórios.
Dispõe o n.º 1 do artigo 627.º do Código de Processo Civil [anterior artigo 676.º do
mesmo Código], que “As decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de
recursos.”, ou seja, que o recurso é o meio processual que se destina a impugnar as
decisões judiciais, e nessa medida e nesse tempo, o tribunal superior é chamado a
reexaminar a decisão proferida e os seus fundamentos.
Apreciando e decidindo.
Segundo o disposto no artigo 125.º, n.º 1 do CPPT, a Sentença é nula quando ocorra
“a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre
questões que não deva conhecer”, tratando-se de uma nulidade que está
directamente relacionada com o dever que é imposto ao juiz pelo artigo 660.º, n.º 2
do CPC [a que é atinente o artigo 608.º, n.º 2 do NCPC], de resolver todas as
questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e de não poder ocupar-se
senão dessas questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento
oficioso de outras, determinando a violação dessa obrigação a nulidade da sentença
por omissão ou por excesso de pronúncia.
Ora, atenta a causa de pedir e o pedido imanente à Petição inicial, e bem assim,
depois de cotejada a fundamentação da Sentença recorrida, mormente, no quanto foi
fixada a questão a apreciar e a decidir, no sentido de que se impunha saber se “… os
ganhos provenientes da transmissão onerosa do imóvel identificado no ponto 4 do
probatório se encontram excluídos de tributação de IRS por verificação dos
pressupostos de exclusão prevista no artigo 10.º, n.º 5 do CIRS.”, julgamos que a
pretensão recursiva dos Recorrentes não pode por aqui proceder.
Prosseguindo.
Para esse efeito alegaram que fizeram prova testemunhal, por decorrência da
inquirição prestada em Audiência final [realizada em 11 de abril de 2016], da
testemunha V. H.. [filho dos Recorrentes], da testemunha E. R.. [vizinho dos
Recorrentes], e da testemunha A. B. [que enquanto economista prestou serviços
para uma empresa de que o Recorrente marido era sócio], tendo no âmbito das
Alegações de recuso apresentadas transcrito os excertos dos seus depoimentos, nas
partes em que sustentam esse pedido de alteração dos factos dados como provados.
Já quanto ao depoimento prestado pelo filho dos Recorrentes [Cfr. extracto a fls.
162 dos autos em suporte físico], e como dele se extrai, o mesmo depôs de forma
expressiva e fundamental, no sentido de que nunca viveu no anterior apartamento, e
que pensa que também aí nunca viveram os seus pais, cujo depoimento se reporta,
óbviamente, ao apartamento sito no 2.º andar direito da rua (…), que os ora
Recorrentes venderam em 16 de junho de 2005 por €105.000,00 – Cfr. pontos 3 e 4
das conclusões.
Por outro lado, desse seu depoimento também resulta, de forma muito clara, que a
sua irmã aí vive no novo apartamento há cerca de 4 anos a essa data [portanto,
desde 2012], e o seu irmão há dois [portanto, desde 2014], cujo depoimento se
reporta, óbviamente, ao apartamento sito no r/c direito, que os ora Recorrentes
compararam em 12 de maio de 2005 por €80.000,00 – Cfr. pontos 1 e 2 das
conclusões.
Daí que este depoimento, também não contribui em absolutamente nada para que
possa ser alterada/aditada a matéria de facto que o Tribunal recorrido deu como
provada, mormente, para dar como provada a factualidade vertida sob os pontos 3 e
4 das conclusões, por se tratar de depoimento imprestável para tanto.
Bem pelo contrário, o que resulta claro face ao depoimento do filho dos
Recorrentes, é que no apartamento que venderam, nenhum dos seus filhos lá viveu,
e que também aí não terão os mesmos vivido, pois que, como o próprio [filho]
testemunhou, antes de 2005 sempre viveu com os seus pais, os ora Recorrentes, em
(...), no concelho de (...).
Neste conspecto, para aqui extraímos a motivação da matéria de facto dada como
provada pelo Tribunal recorrido, que no domínio da apreciação da prova
testemunhal fundamentou que “Da prova testemunhal resultou que o Impugnante
marido e seu agregado familiar nunca residiram no imóvel alienado, inscrito na
matriz sob o artigo .., fração J. Com efeito, V.H..., foi perentório sobre este facto
afirmando que “não chegou a viver lá [apartamento alienado em 2005] e os pais
também não”. Acrescentou ainda que o apartamento era apenas usado
pontualmente aos fins de semana.
Mais referiu que em 2005, antes de ir viver para a (...), residia em (...), concelho de
(...), e que durante o curso os pais permaneceram em (...), visitando-o nos fins de
semana.”
De maneira que a pretensão recursiva dos Recorrentes, também nesta parte, atinente
à modificação da matéria de facto, tem de improceder.
Ora, como se extrai da Sentença proferida pelo Tribunal recorrido, e como assim
vertido na respectiva fundamentação de direito,
“[…]
O thema decidendum dos presentes autos prende-se em saber se os ganhos
provenientes da transmissão onerosa do imóvel identificado no ponto 4 do
probatório se encontram excluídos de tributação de IRS por verificação dos
pressupostos de exclusão prevista no artigo 10.º, n.º 5 do CIRS.
[…]
Como é consabido, a exclusão de tributação sobre as mais-valias é um benefício
cuja atribuição está dependente de prova a efetuar pelo sujeito passivo, maxime a
prova de que o produto da alienação tenha sido utilizado na aquisição de outro
imóvel destinado a habitação, para o que são admitidos todos os meios de prova
permitidos em direito.
Volvendo ao acaso em apreço, do quadro probatório resulta desde logo que o
imóvel de partida, ou seja, o imóvel alienado não constituía habitação própria e
permanente do Impugnante marido e respetivo agregado familiar uma vez que
sempre residiram em (...), (...), sendo aquele apenas utilizado pontualmente, aos
fins de semana. Falece assim o pressuposto base para a exclusão da tributação
prevista no artigo 10.º, n.º 5 do CIRS pelo que terá de improceder a pretensão dos
Impugnantes.
[…]”
Ora como resulta do probatório – Cfr. pontos 1 e 2 -, o ora Recorrente V., casado
com a também ora Recorrente M., compraram a A.. por escritura pública de compra
e venda outorgada em 12 de maio de 2005, para habitação e pelo preço de
€80.000,00, a fracção autónoma designada pela letra “B” correspondente ao r/c
direito, sito na Praceta (...), número 1 - C, com traseiras para a Estrada do (...),
número 75, na freguesia de (...), descrito na Segunda Conservatória do Registo
predial da (...) sob a ficha 260 da referida freguesia, inscrita na respectiva matriz
urbana sob o artigo .., com o valor patrimonial de 46 199,06 €.
Com efeito, os Recorrentes não lograram provar que tivessem fixada a sua
habitação permanente na fracção J, a qual venderam, nem que o reinvestimento foi
feito na aquisição de apartamento onde a tenham vindo a fixar, pois que residiam e
continuam a residir em (...), no concelho de (...).
Neste patamar.
Este Tribunal já apreciou e decidiu pelo Acórdão deste TCA Norte, datado de 31 de
outubro de 2018, proferido no Processo n.º 01450/08BEVIS, as questões nucleares
que também neste recurso jurisdicional são suscitadas pelos ora Recorrentes, pelo
que, por semelhança ao caso sub judice e por economia de meios, visando a
interpretação e aplicação uniforme do direito [cfr. artigo 8.º n.º 3 do Código Civil],
aqui acolhemos a argumentação jurídica aí aduzida, por não ocorrer justificação
para nos afastarmos dessa jurisprudência, pelo que para aqui extraímos, por
facilidade, a fundamentação vertida naquele Acórdão, aderindo a todo o seu
discurso fundamentador, com as adaptações indispensáveis à situação jurídica em
análise, quando se justifiquem, como segue:
“[…]
Em suma - do ponto de vista do imóvel de «partida» - não sendo o imóvel do qual
resultaram as mais-valias impugnadas a habitação própria e permanente do sujeito
passivo não poderia beneficiar da exclusão de tributação prevista no art.º 10º n.º 5
do CIRS.
Do mesmo modo, o imóvel de «chegada» terá que ter como destino exclusivamente
a habitação própria e permanente do sujeito passivo - “Qualquer outro destino de
ambos, ou só de um deles, destrói as condições de aplicação da exclusão da
incidência e a mais-valia realizada no imóvel “de partida” será tributável” e
conforme referido aquando do procedimento de reclamação graciosa, cuja
factualidade deveria ter sido levada ao probatório nos termos acima propostos, o
impugnante e respectivo agregado familiar constituiu e sediou a sociedade “C.,
Lda.” no imóvel cuja aquisição o impugnante pretendia reinvestir os ganhos
provenientes da transmissão onerosa do primitivo imóvel e no mesmo local os
impugnantes exercem a actividade da sociedade em causa (cujo início de actividade
data de 05-08-2005) - Organização de feiras, congressos e outros eventos similares,
motivo porque, e bem, a entidade decisora da reclamação graciosa indeferiu o
pedido dos impugnantes, quer por não ter sido feita prova que o imóvel de partida
constituía a habitação própria e permanente dos sujeitos passivos nem tão pouco o
imóvel de chegada se destinou exclusivamente a tal propósito - requisitos de que o
art.º 10º n.º 5 do CIRS faz depender a exclusão de tributação que o impugnante
pretende fazer valer.
[…]
Nesta matéria, é sabido que o art. 10º nº 5 do Código do IRS dispõe que “são
excluídos de tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis
destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado
familiar”, sendo claro que a norma postula a necessária simultaneidade da
propriedade e da permanência da habitação na titularidade do sujeito passivo ou do
seu agregado familiar, não se referindo a lei a qualquer limite temporal mínimo para
a observância de tais requisitos, mas exigindo a destinação do imóvel a esse fim.
Além disso, o legislador não se bastou em referir que são excluídas de tributação as
mais-valias resultantes da transmissão onerosa de imóveis que consistam na
habitação própria e permanente do sujeito passivo, antes refere, expressamente, que
são excluídas de tributação as mais-valias derivadas da transmissão onerosa de
imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu
agregado familiar.
Tal significa que se o legislador distingue, deve o intérprete também distinguir (uma
vez que, de igual forma, onde a lei não distingue, não cabe ao intérprete distinguir -
ubi lex non distinguit, nec nos distinguere debemus), deve entender-se que essa
habitação que é sua (porque apenas aquilo que se encontra na sua titularidade
poderá ser sujeito a alienação), esse imóvel que é seu, tem também de consistir num
imóvel dirigido / determinado a consistir não apenas na sua habitação permanente,
mas igualmente na sua habitação própria. Ou, por outras palavras, da alusão feita
pela lei ao “destino” do imóvel, resulta a exigência legal de que o imóvel alienado
tenha sido destinado à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu
agregado familiar em momento anterior ao da constituição do facto tributário.
Esta interpretação do preceito legal, para além de ser aquela que encontra reflexo na
letra da lei, é também aquela que encontra eco na finalidade da norma, sendo que
importa atentar que a norma em análise não é um mero benefício à aquisição de
casa própria, nem sequer ao reinvestimento de qualquer mais-valia na aquisição de
habitação própria, pois que não é indiferente a origem ou natureza do bem alienado.
Ao legislador interessa também a “origem” da mais-valia, ou seja, interessa-lhe que
a mesma tenha resultado da aquisição, e posterior alienação, de um imóvel
destinado a habitação própria e permanente do sujeito passivo.
Tal como aponta o Prof. Rui Duarte Morais, “Sobre o IRS”, Almedina, Coimbra,
2006, pág. 114, “o objectivo da lei é claro: eliminar obstáculos fiscais à mudança de
habitação, em casa própria, por parte das famílias”, referindo também José
Guilherme Xavier de Basto, “IRS: Incidência Real e Determinação dos
Rendimentos Líquidos”, Coimbra Editora, 2007, que “o objectivo do regime de
exclusão da incidência é pois, o de não embaraçar a aquisição, imediata ou mediata,
de habitação própria e permanente financiada com o produto da alienação de um
outro imóvel a que fora dado o mesmo destino. Usa-se uma técnica de roll-over, que
torna não tributáveis essas mais-valias enquanto os valores de realização forem
reinvestidos em imóveis também destinados à habitação (...). A exclusão referida só
vale pois para as mais-valias de imóveis destinados à habitação própria e
permanente quando o reinvestimento se opera em imóveis com o mesmo destino. O
imóvel «de partida» e o «de chegada» têm de ser destinados à habitação própria e
permanente»”. (cfr. Ac. do S.T.A. de 22-11-2017, Proc. nº 0384/16, www.dgsi.pt).
Como já ficou dito, a decisão recorrida valorizou o facto de os impugnantes terem
sempre mantido a sua vida cívica, social e politica (o impugnante marido) em B...,
São..., aí permanecendo no imóvel sua propriedade, ai recebendo familiares e
amigos e aí desenvolvendo as suas actividades de labor particular, ou seja,
utilizando o seu imóvel como habitação própria com permanência, desvalorizando a
sua relacionada com a casa de função, apontando que a casa de função que foi
atribuída ao impugnante marido por efeito das suas funções públicas, não constitui
habitação própria, nem tal atribuição determinava que nela residisse com carácter
permanente.
[…]
Isto para dizer que o domicílio fiscal descrito não é algo isolado, tratando-se
efectivamente da morada dos Impugnantes, pois que só assim se podem
compreender as declarações vertidas nas duas escrituras referidas nos autos, do
mesmo modo que o tal requerimento de Agosto de 1994 está perfeitamente
enquadrado neste âmbito.
Não se olvida que a prova produzida evidenciou que o Recorrente marido tinha
grande ligação a B..., São..., aí desenvolvendo a sua vida cívica, social e política, aí
permanecendo no imóvel sua propriedade, aí recebendo familiares e amigos e aí
desenvolvendo as suas actividades de labor particular.
No entanto, trata-se de uma realidade que, ao contrário do decidido, não tem o
significado apontado, dado que, sem prejuízo de toda actividade desenvolvida em
São..., tal não pode escamotear o que ficou exposto, do qual se retira que o
Recorrido e o seu agregado familiar residiam na morada indicada em V....
Diga-se ainda que os Recorridos juntaram aos autos um atestado de residência com
data de 23 de Setembro de 2008, no qual se aponta o Recorrido, esposa e filha
residem na freguesia de B... desde 1994.
Neste domínio, em circunstâncias normais, se nada houver que faça duvidar do
facto atestado, sendo que o atestado é, apenas, um meio de prova da residência, terá
de ser ponderado tal elemento nos termos descritos, pois que o atestado de
residência é, sem dúvida, um documento autêntico (art.º 363º/2 do Cod. Civil).
Como tal, a sua força probatória é a estabelecida no art.º 371º do Cod. Civil: faz
prova plena dos factos que referem como praticados pelo oficial público, bem como
dos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora;
porém, os meros juízos pessoais do documentador só valem como elemento sujeito
à livre apreciação do julgador.
O art. 34º do D.L. nº 135/99, de 22 de Abril dispõe que:
"Artigo 34.º
Atestados emitidos pelas juntas de freguesia
1 - Os atestados de residência, vida e situação económica dos cidadãos, bem como
os termos de identidade e justificação administrativa, passados pelas juntas de
freguesia, nos termos das alíneas f) e q) do n.º 1 do artigo 27.º do Decreto-Lei n.º
100/84, de 29 de Março, devem ser emitidos desde que qualquer dos membros do
respectivo executivo ou da assembleia de freguesia tenha conhecimento directo dos
factos a atestar, ou quando a sua prova seja feita por testemunho oral ou escrito de
dois cidadãos eleitores recenseados na freguesia ou, ainda, mediante declaração do
próprio.
2 - Nos casos de urgência, o presidente da junta de freguesia pode passar os
atestados a que se refere este diploma, independentemente de prévia deliberação da
junta.
3 - Não está sujeita a forma especial a produção de qualquer das provas referidas,
devendo, quando orais, ser reduzidas a escrito pelo funcionário que as receber e
confirmadas mediante assinatura de quem as apresentar.
4 - As falsas declarações são punidas nos termos da lei penal.
5 - A certidão, relativa à situação económica do cidadão, que contenha referência à
sua residência faz prova plena desse facto e dispensa a junção no mesmo processo
de atestado de residência ou cartão de eleitor.
6 - As certidões referidas no número anterior podem ser substituídas por atestados
passados pelo presidente da junta.".
No caso, em função da fonte de ciência da Junta, segundo o que no atestado se diz,
não se alcança que a realidade em apreço (residência) tenha sido atestada com base
na percepção da entidade documentadora, o que significa que o atestado em apreço
não faz prova plena da residência, podendo tal matéria ser posta em crise através
dos meios probatórios admissíveis no processo.
Ora, como se viu, a realidade documentada nos autos revela-se susceptível de
colocar em crise o atestado apontado no que concerne à residência dos Recorridos.
Para além do exposto, cabe notar que uma pessoa, um agregado pode ter várias
residências; no entanto, o que releva para efeitos de ponderação quanto à matéria
em equação nos autos é a residência habitual, o lugar preparado para servir com
estabilidade de base de vida, verificando-se que nesta sede a realidade aponta para
outro local que não o exposto no atestado de residência e que é reclamado pelos
Recorridos.
Assim sendo, como é, ganha acuidade o exposto pela Recorrente quando refere que
o local da residência habitual do sujeito passivo, no exercício de 2004 (data da
venda do imóvel que originou as mais valias impugnadas, sendo essa a data que
releva para efeitos de reinvestimento - apenas poderá ser reinvestido se o imóvel de
partida tiver como destino a habitação própria e permanente do sujeito passivo) é a
casa de função atribuída pela Autoridade Florestal Nacional e utilizada pelo
impugnante e respectivo agregado familiar, sendo que o mais apurado nos autos não
contende com o facto de os Recorridos residirem na tal casa de função nos termos
já apontados, pelo que, do ponto de vista do imóvel de «partida» - não sendo o
imóvel do qual resultaram as mais-valias impugnadas a habitação própria e
permanente do sujeito passivo não poderia beneficiar da exclusão de tributação
prevista no art.º 10º n.º 5 do CIRS.
[…]”
IV - DECISÃO
Notifique.
*