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08/07/23, 10:30 Acordão do Tribunal Central Administrativo Norte

Acórdãos TCAN Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte


Processo: 00616/14.8BEPRT
Secção: 1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão: 19-11-2021
Tribunal: TAF do Porto
Relator: Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores: CÓDIGO DOS CONTRATOS PÚBLICOS - ENTIDADES ADJUDICANTES - CONCEITO DE
“FINANCIAMENTO MAIORITARIAMENTE PÚBLICO”
- REQUISITO TEMPORAL
Sumário: I – Nos termos do disposto na alínea a) do nº. 2 do artigo 2º do CCP, são entidades adjudicantes os (i)
organismos de direito público, considerando-se como tais quaisquer pessoas coletivas que, independentemente
da sua natureza pública ou privada, (i.1) tenham sido criadas especificamente para satisfazer necessidades de
interesse geral, sem caráter industrial ou comercial, entendendo-se como tais aquelas cuja atividade económica
se não submeta à lógica concorrencial de mercado, designadamente por não terem fins lucrativos ou por não
assumirem os prejuízos resultantes da sua atividade; e (i.2) sejam maioritariamente financiadas por entidades
referidas no número anterior ou por outros organismos de direito público, ou a sua gestão esteja sujeita a
controlo por parte dessas entidades, ou tenham órgãos de administração, direção ou fiscalização cujos membros
tenham, em mais de metade do seu número, sido designados por essas entidades.

II – Sendo o conceito de “financiamento maioritariamente público” plasmado no ponto ii) da alínea a) do nº. 2
do artigo 2º do CCP aferido com recurso a critérios, de entre outros, temporais, imediatamente se conclui, na
exata medida do enquadramento pleno da situação económica da entidade beneficiária, pela verificação do
aludido critério temporal e, qua tale, pelo direito de subsunção da Recorrente ao âmbito subjetivo do CCP para
efeitos da normação vertida da alínea a) do nº. 2 do artigo 2º do CCP
.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente: PRESIDÊNCIA DO CONSELHO DE MINISTROS
Recorrido 1: CONSERVATORIO (...)
Votação: Unanimidade
Meio Processual: Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão: Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico: Não emitiu parecer.
1
Decisão Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de
Texto
Integral:Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
**
I – RELATÓRIO
PRESIDÊNCIA DO CONSELHO DE MINISTROS, com os sinais dos autos, vem
intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença promanada pelo
Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que, em 28.11.2019, julgou procedente
a presente ação e, consequentemente, anulou “(…) o acto administrativo comunicado à
Autora por ofício com a referência “EAT 2013”, com data de 26 de novembro de 2013,
assinado pela gestora do POAT/FSE (…)”
Em alegações, a Recorrente formula as conclusões que ora se reproduzem, que
delimitam o objeto do recurso: “(…)
1ª) A presente ação foi julgada procedente porque a douta sentença recorrida julgou que “falta
um dos pressupostos do direito de subsunção da Autora ao âmbito subjetivo do CCP, para
efeito do art.° 2°, n° 2, alínea a)”;
2ª) Está em causa a subalínea ii) da alínea a) do n° 2 do art.° 2° do CCP, que considera estar
submetida ao regime desse Código, a entidade que seja financiada maioritariamente pelo
Estado, pelas autarquias locais ou regionais ou por outros organismos de direito público, ou
cuja gestão esteja sujeita ao controlo por parte destes últimos (...)”;
3ª) A Inspeção-Geral de Finanças, na auditoria que fez à candidatura da Autora ao Programa
Operacional de Assistência Técnica do Fundo Social Europeu, considerou estar ela sujeita ao
regime do CCP, isto porque ela apenas tinha, como receitas, os financiamentos públicos a que
se candidatava;
4ª) Deste modo, a Autora, na contratação de serviços que lhe foram prestados para realizar a
atividade a que se candidatara, teria que submeter tal contratação às regras do CCP, o que
não o fez;
5ª) A Autora defendeu a não aplicação do regime de CCP, porque ela não receberia subsídios
da entidade pública, mas sim a contrapartida por serviços por si prestados;

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6ª) Tal tese não é admissível, porque não há, entre a Autora e a entidade pública em causa,
qualquer relação sinalagmática;
7ª) Por outro lado, ao invés do defendido na douta sentença recorrida, o relatório da IGF
analisou todas as contas da Autora a partir do período em que se iniciou o concurso público
em causa e concluiu que, em todos esses períodos, se constata que a Autora não teve
“quaisquer receitas para além dos financiamentos dos projetos, apresentando anualmente
resultados líquidos negativos”;
8ª) O que quer dizer, que a Autora preenche a norma do CCP que impõe a submissão
subjetiva ao seu regime (alínea a), do n° 2, do art.° 2°);
9ª) Assim, o ato impugnado é legal (…)”.
*
Notificado que foi para o efeito, o Recorrido Conservatório de Ciências e
Tecnologias – Associação para a Divulgação das Novas Tecnologias e Avanços
Da Ciência não produziu contra-alegações.
*
O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus
efeitos e o modo de subida.
*
O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal
Superior não emitiu parecer a se alude no nº.1 do artigo 146º do C.P.T.A.
*
Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a
tal obsta.
**
II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de
acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos
artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e
140.º do CPTA.
Neste pressuposto, a questão essencial a dirimir resume-se a saber se a decisão
judicial recorrida, ao julgar nos termos e com o alcance explicitados no ponto I)
do presente Acórdão, incorreu em erro de julgamento de direito, por errada
interpretação do art.º 2º, nº 2, alínea a) do C.C.P.
Assim sendo, esta será a questão a apreciar e decidir.
**
III – FUNDAMENTAÇÃO
III.1 – DE FACTO
O quadro fáctico apurado na decisão recorrida foi o seguinte: “(…)
1) A Autora é uma associação de direito privado que tem como objeto a criação e
gestão dos centros “Conservatoire National des Arts et Métiers” [CNAM] e a
promoção de eventos de ordem científica e cultural, cujos estatutos se dão
integralmente por reproduzidos (cfr. documento 3 junto com a p.i.);
2) A Autora candidatou-se a um financiamento junto do Programa Operacional de
Assistência Técnica do Fundo Social Europeu [POAT/FSE], com vista à
concretização do Programa USP - Unidades de Serviço de Proximidade, que tinha
por objectivo a realização de estudos de deteção de necessidades no domínio da
promoção do emprego e da formação profissional nas comunidades fora dos
grandes centros urbanos (por acordo);
3) Em 25 de julho de 2009, a Autora celebrou com a sociedade “F., S.A.” um
contrato de prestação de serviços com vista à execução do projeto identificado em
2), cujo teor se dá integralmente por reproduzido, designadamente o seguinte (cfr.
documento 4 junto com a p.i.):
“Cláusula 1.
F+G obriga-se a:
1. Prestar ao Conservatório todo o apoio logístico necessário à realização do estudo UPS -
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UNIDADES DE SERVIÇOS DE PROXIMIDADE – 1ª FASE, nomeadamente no que respeita à


utilização de espaços, meios de comunicação e reprografia.
2. Prestar ao Conservatório todos os serviços necessários à realização dos trabalhos
implicados pelo estudo, nomeadamente, disponibilizando o pessoal técnico para a
coordenação distrital e entrevistas, construção do questionário do inquérito e sua aplicação,
guiões das entrevistas e realização destas, bem como as indispensáveis ações de recall e a
posterior análise e tratamento dos dados recolhidos.
3. Fornecer ao Conservatório todos os elementos necessários à construção e atualização
permanente do website do CCT para a divulgação dos resultados.
4. Estudo, conceção e supervisão do design, lay out e execução dos trabalhos gráficos a
produzir, designadamente da brochura que divulgará o estudo.
Cláusula 2.
F+G obriga-se a elaborar as suas faturas, correspondentes aos trabalhos realizados, de
forma a permitir a associação das verbas que as integrem, às rubricas da nomenclatura
estabelecida no Termo de Aceitação da Decisão de Aprovação da Candidatura
000117402009 apresentada pelo Conservatório no quadro do POAT/FSE QREN
Cláusula 3.
O Conservatório obriga-se a pagar a F+G pela realização dos serviços que são objeto deste
contrato, à medida que forem sendo realizados e dentro dos noventa dias que se seguirem às
datas de emissão das faturas respetivas, a importância global de € 508.780,00 (Quinhentos e
oito mil setecentos e oitenta euros)
§ Único: O crédito concedido por F+G ao Conservatório no quadro de presente contrato, não
vence juros.”
4) Em 2013, em dia e mês não concretamente apurados, a Autora foi notificada
para se pronunciar em sede de audiência prévia sobre o relatório elaborado na
sequência de auditoria realizada pela Inspeção Geral de Finanças, e cujo teor se
dá integralmente por reproduzido (por confissão; cfr. documento 4 junto com a p.i. do
processo cautelar n.° 230/14.8BEPRT, apenso aos presentes autos), designadamente o
seguinte:
“Com efeito, a CCT é uma associação privada que tem como objeto definido no art.° 3.° dos
seus estatutos, a criação e gestão dos centros CNAM (Conservatoire National des Arts et
Metiers) e a promoção de eventos de ordem científica e cultural. Não obstante os estatutos
definirem aquele objeto, constatámos, da análise efetuada aos documentos de prestação de
contas, que a CCT procede ao levantamento das necessidades de formação em diversas
áreas e desenvolve estudos financiados exclusivamente pelos fundos comunitários, em
concreto pelo FSE.
Apurámos ainda que a CCT celebrou um contrato de aquisição de serviços, por ajuste direto,
com a “F., SA”, no valor de €508.780, através do qual contratou a quase totalidade do projeto,
conforme resulta da cláusula 1ª do referido contrato.
Da análise à documentação do processo, identificámos existirem relações especiais entre o
beneficiário e o fornecedor do serviço contratado, na medida em que, pelo menos um dos
constituintes da associação CCT, é igualmente sócio da “F., SA”, encontrando-se mesmo
classificado como acionista de referência na informação constante do site daquela sociedade.
Apurámos ainda que pelo menos 2 membros dos órgãos sociais da CCT desempenham
igualmente funções nos órgãos sociais da “F., SA”.
Identificámos ainda que os relatórios e contas da CCT referem que esta não dispõe de
quaisquer receitas para além dos financiamentos dos projetos, apresentado anualmente
resultados líquidos negativos. Por seu turno, do mencionado contrato celebrado com a “F.,
SA”, resulta que é esta entidade que financia as despesas da CCT.”
5) Na sequência da notificação identificada em 4), a Autora exerceu o
contraditório, cujo teor se dá integralmente por reproduzido (cfr. documento n.° 5
junto com a p.i.);
6) A Autora foi notificada do ofício com a referência “EAT 2013”, com data de 26
de novembro de 2013, assinado pela gestora do POAT/FSE, cujo teor se dá
integralmente por reproduzido, designadamente o seguinte (cfr. documentos 1 junto
com a p.i.):
“De acordo com o previsto no artigo 41° do Decreto Regulamentar n.° 84-A/2007, de 10 de
dezembro e no uso dos poderes conferidos pela alínea e) do seu artigo 9.° e pelo n.° 4 do

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artigo 16.° do Decreto-Lei n.° 312/2007, de 17 de setembro, fica V. Exa. por este meio
notificado de que, por despacho de 2013/11/25 da Gestora do POAT/FSE, foi revista a
decisão de aprovação do pedido de pagamento de saldo final relativo ao projeto supra
mencionado, pelos montantes que a seguir se indicam:
FINANCIAMENTO PÚBLICO:
Contribuição do FSE: 344.405,57 € Contribuição Pública Nacional: 60.777,45 €
CUSTO TOTAL: 405.183,02 €
Os fundamentos da revisão da decisão constam do parecer técnico financeiro e no mapa de
análise financeira que agora se junta conforme.
Face à estrutura de custos aprovada e aos pagamentos efetuados tem essa entidade a
obrigação de devolver o montante de 127.863,88€, sendo 108.684,30€ do FSE e 19.179,58€
da contribuição pública nacional.
(...)
Parecer da Análise Técnico-Financeira de Saldo Final
Na sequência da ação de auditoria com o processo n.° 2013/12/A2/351, realizada pela IGF,
foram detetadas relações especiais entre a entidade beneficiária e o fornecedor de serviços e
o não cumprimento das regras do CCP, relativamente a um contrato no valor de 508.780
euros, pelo que a IGF condicionou esses montantes à apresentação de elementos relevantes.
A entidade pronunciou-se em sede de contraditório, referindo que a aludida derrogação às
regras da contratação pública era à data aplicável ao caso em apreço, atento que o
"Conservatório de Ciências e Tecnologias Associação para a Divulgação das Novas
Tecnologias e Avanços da Ciência" é uma associação de direito privado que prossegue, a
título principal, finalidades de natureza científica e tecnológica, nos termos estatutariamente
previstos, pelo que se aplica aquele dispositivo legal ao contrato em presença, dispensando a
aplicação da parte II do CCP à formação de contratos a celebrar por associações de direito
privado que prossigam finalidades a título principal de natureza cientifica e tecnológica.
Este entendimento não foi acolhido por parte da IGF uma vez que a redação do n.° 3 do art.°
5.° do CCP, na parte em que estende a exclusão da aplicação da parte II do código relativa á
formação dos contratos, teria sido introduzida pelo Decreto-Lei n.° 278/2009 de 2 de outubro,
pelo que as alterações introduzidas, apenas se aplicavam a procedimentos iniciados após a
data de entrada em vigor do referido diploma, não sendo aplicável ao contrato em questão,
pelo que é entendimento da IGF que o CCT encontra-se sujeito ao regime da contratação
pública, nos termos da alínea a) do n.° 2 do art.° 2.° do CCP.
Face ao exposto, e com vista ao cumprimento da recomendação produzida pela IGF, a
Autoridade de Gestão procede à reabertura do presente saldo final para correção da despesa
não elegível no montante de 127.863,88 euros (total de despesa certificada 511.455,50 euros
X 25%).
Não obstante o valor do contrato inicial ser de 507.780,00 euros acrescidos de IVA, a despesa
efetivamente realizada e certificada foi de 425.565,00 euros acrescidos de IVA (Total de
511.455,50 euros), pelo que a aplicação dos 25 % da tabela COCOF foi calculada sobre este
montante e não sobre o contrato inicial.”
7) Em 17 de dezembro de 2013, a Presidente do Conselho Diretivo do Instituto de
Gestão do Fundo Social Europeu, I.P., no verso do documento de restituição com
vista a desencadear o procedimento de recuperação de verbas, proferiu o seguinte
despacho (cfr. fls. 2 verso do processo administrativo): “Promova-se a recuperação”
8) Em 30 de dezembro de 2013 foi enviado à Autora o ofício
IGFSE/S/4234/2013, assinado pela Presidente do Conselho do Fundo Social
Europeu, I.P. (cfr. documento 2 junto com a p.i. e fls. 6 do processo administrativo), cujo teor
se dá integralmente por reproduzido, designadamente o seguinte:
“Assunto: Restituição de verbas
PO Assistência Técnica FSE (QREN) - Pedido de Financiamento N.° 000117402009
Conforme determina o n.° 2 do art.° 45° do Decreto Regulamentar n.° 84-A/2007, de 10 de
dezembro, o Gestor do (a) PO Assistência Técnica FSE (QREN) comunicou a este Instituto que,
relativamente ao pedido de financiamento acima identificado, essa entidade se constituiu na
obrigação de restituir o montante de 127 863,88 Euros (componente FSE 108 684,30 Euros e
componente OSS 19 179,58 Euros), emergente de auditoria.
Assim, em conformidade com o disposto no n° 3 do mesmo preceito e diploma, fica essa
entidade notificada de que; nos termos do despacho "Promova-se a recuperação" de 17 de
dezembro de 2013 da Presidente deste Instituto, deve proceder à restituição daquele
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montante em dívida no prazo máximo de 30 dias contados a partir da data de receção do


presente ofício, devendo para o efeito ser efetuada transferência bancária para a conta do
IGFSE, com o seguinte NIB 0781.011201120013975.25 (DGT). como NIPC 504987682, do 2°
Bairro Fiscal de Lisboa.
No seguimento da realização do pagamento deverá ser remetido a este Instituto o respectivo
comprovativo e enviada a Guia de Restituição n.° 511/2013 anexa, que será devolvida
posteriormente como prova de regularização.
O não pagamento naquele prazo determinará a aplicação de juros de mora, nos termos
previstos no n° 3 do já citado art.° 45° do Decreto Regulamentar n.° 84-A/2007, de 10 de
dezembro.
No caso de não cumprimento da obrigação de restituição no prazo referido, terá este Instituto
de proceder à sua cobrança coerciva, no âmbito das atribuições que lhe estão cometidas
(alínea i), do n. ° 2, art.° 3° do Decreto-Lei n° 188/2012, de 22 de agosto) , através de
execução fiscal, nos termos da legislação aplicável, conforme determina o n.° 11, do mesmo
artigo e diploma referido no parágrafo anterior.”
*

FACTOS NÃO PROVADOS


Inexistem factos não provados com interesse para a decisão da causa.
MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
A convicção do tribunal para a decisão da matéria de facto resultou do exame dos
documentos constantes dos autos, conforme discriminado nos vários pontos da
fundamentação de facto, atendendo à posição assumida pelas partes nos
respetivos articulados (…)”.
*
III.2 - DO DIREITO
A questão decidenda que ora importa dissolver traduz-se em determinar se a
sentença recorrida, no segmento que julgou procedente o denominado vício “Da
exclusão das regras da contratação pública”, incorreu em erro de julgamento de
direito, por errada interpretação do art.º 2º, nº 2, alínea a) do C.C.P.
Vejamos, convocando, desde já, a ponderação de direito que, neste particular
conspecto, se discorreu na 1ª instância:“(…)
Imputa a Autora um vício material de erro sobre os pressupostos de direito, na medida em que
o órgão decisor entendeu que é reconduzível ao âmbito subjetivo do CCP, mormente artigo 2.°,
n. 2, alínea a) do CCP. Entende a Autora que não cai no âmbito subjetivo de nenhum dos
números do artigo 2.° do CCP, nem tão-pouco do seu n.° 2, uma vez que não é um organismo
de direito público (n.° 2 do artigo 2.° do CCP), por não cumprir os requisitos subsumíveis
àquela caracterização. Alega que, dos pressupostos ali previstos, só preenche o pressuposto
de ser uma pessoa coletiva criada “sem carácter industrial ou comercial” (artigo 2.°, n.° 2, al.
a), subal. i), do CCP), mas não cumpre os restantes requisitos, nomeadamente, ter sido criada
para satisfazer necessidades de interesse geral e ter uma influência dominante de qualquer
das entidades elencadas no n.° 1 do artigo 2.° do CCP.
A Entidade Demandada ADC defende apenas que o acto impugnado não infringe qualquer
comando normativo, norma legal ou princípio de direito.
A Entidade Demandada PCM, por sua vez, defende que só a verificação da subalínea ii) da
alínea a) do n.° 2 do artigo 2.° do CCP é que é controvertida no presente caso, concluindo que
sendo a Autora uma associação sem fins lucrativos, com finalidades alegadas e reconhecidas
como de interesse público (interesse geral), só por isso tendo o autor obtido o financiamento
que solicitou, correspondentes a uma atividade não comercial nem industrial, mas exterior ao
mercado, e sendo financiada por uma entidade adjudicante (cfr. n.° 1 do artigo 2.° do CCP),
cumpre todos os requisitos da alínea a) do n.° 2 do artigo 2.° do CCP.
Vejamos.
Refere-se no artigo 55.° do Decreto Regulamentar n.° 84-A/2007, de 10/12, diploma que
estabelece o regime jurídico de gestão, acesso e financiamento no âmbito dos programas
operacionais financiados pelo Fundo Social Europeu, que as “entidades abrangidas pela
legislação nacional relativa à contratação pública não ficam dispensadas do cumprimento
dessas normas quando contratem a aquisição de bens e serviços para a realização dos
projetos cofinanciados”.
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As Entidades Demandadas imputam à Autora um dever de contratar nos termos do CCP, uma
vez que cai no âmbito subjetivo de aplicação do código, nos termos do artigo 2.°, n.° 1, alínea
a), do CCP, na redação à data dos factos. Ou seja, e por outras palavras, defendem as
Entidades Demandadas que a Autora é um organismo de direito público e, portanto, sujeita
às regras da contratação pública, pelo que não podia celebrar um contrato de prestação de
serviços com a sociedade “F+S” sem auscultar o mercado, na lógica de concorrência
subjacente àquele diploma.
O Código dos Contratos Públicos foi introduzido no ordenamento português pelo Decreto-Lei n.
° 18/2008, de 29/01, que procedeu à transposição das Diretivas nos. 2004/17/CE e
2004/18/CE, ambas do Parlamento Europeu e do Conselho. O legislador europeu vinculou o
legislador nacional nalgumas matérias e deixou margem de conformação noutras. A matéria
em apreço - classificação como organismo de direito público, para efeitos de subsunção ao
âmbito subjetivo de aplicação do CCP - é objeto de regulação europeia nas diretivas em
apreço. Com efeito, dispõe o artigo 1.°, n.° 9, da Diretiva 2004/18/CE que “[p]or «organismo
de direito público» entende-se qualquer organismo: a) Criado para satisfazer especificamente
necessidades de interesse geral com carácter não industrial ou comercial; b) Dotado de
personalidade jurídica; e c) Cuja atividade seja financiada maioritariamente pelo Estado,
pelas autarquias locais ou regionais ou por outros organismos de direito público; ou cuja
gestão esteja sujeita a controlo por parte destes últimos; ou em cujos órgãos de
administração, direção ou fiscalização mais de metade dos membros sejam designados pelo
Estado, pelas autarquias locais ou regionais ou por outros organismos de direito público.”
Foi aquele critério vertido na alínea a) do n.° 2 do artigo 2.° do CCP, em traços gerais, mas
não corresponde exatamente aos requisitos da Diretiva. Atendendo ao princípio do primado
do direito da União Europeia sobre o direito nacional, em matérias da competência da União
Europeia, os requisitos a ter em conta serão os contidos na Diretiva, integrados pela
interpretação que o Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”) faça deles.
Assim, para que estejamos perante um organismo de direito público têm de se verificar
cumulativamente três requisitos, a saber:
(i) Ter sido criado para satisfazer especificamente necessidades de interesse geral com
carácter não industrial ou comercial;
(ii) Ser dotado de personalidade jurídica, de direito público ou de direito privado; e
(iii) A sua atividade seja financiada maioritariamente pelo Estado, pelas autarquias locais ou
regionais ou por outros organismos de direito público; ou cuja gestão esteja sujeita a controlo
por parte destes últimos; ou em cujos órgãos de administração, direção ou fiscalização mais
de metade dos membros sejam designados pelo Estado, pelas autarquias locais ou regionais
ou por outros organismos de direito público.
O legislador europeu recorreu a um critério essencialmente funcional, isto é, sem dar
relevância à forma jurídica de quem adjudica (ou adjudicaria) o contrato, e recorrendo a um
conjunto de indícios, que, na conjugação dos vários elementos de facto e de direito, permitam
extrair uma conclusão sobre a natureza daquela entidade. Ora, se o objectivo do direito da
contratação pública é a prossecução de um mercado interno da União Europeia, tal objectivo
só é atingido mediante o controlo de uma “fuga” para o direito privado, fuga que se traduz
amiúde na criação de pessoas coletivas apenas formalmente privadas, mas verdadeiramente
utilizada como veículo de prossecução do interesse público pela Administração Pública,
evitando-se que escolha o seu cocontratante por considerações não puramente económicas e a
subversão da criação de um verdadeiro mercado único.
Vejamos, agora, se se encontram preenchidos aqueles requisitos.
(i) Ter sido criado para satisfazer especificamente necessidades de interesse geral com
carácter não industrial ou comercial
Este requisito desdobra-se em dois requisitos: (i)-a) a criação para a satisfação de
necessidades de interesse geral e (i)-b) a atividade desenvolvida deve ter carácter não
industrial ou comercial.
Começando pelo segundo. Atendendo ao probatório (ponto 1) do probatório), tratando- se a
Autora de uma associação privada que tem por objeto a criação e gestão dos centros
“Conservatoire National des Arts et Métiers” e a promoção de eventos de ordem científica e
cultural, a atividade que desenvolve não tem carácter comercial nem industrial, pelo que se
cumpre parcialmente o requisito (i).
Não basta, contudo, que a sua atividade não tenha carácter industrial ou comercial; tem,
também, de ter sido criada para satisfazer especificamente necessidades de interesse geral.

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E quanto a este critério, tem o TJUE contribuído para a sua densificação de forma alargada,
reconhecendo a presença deste atributo numa multiplicidade bastante heterogénea de
atividades.
O leading case do TJUE nesta matéria continua a ser, ainda hoje, o acórdão de 15 de janeiro
de 1998, tirado no processo n.° C-44/96, conhecido por “Mannesmann”. Decidiu o TJUE
naquele processo que “a condição constante do primeiro travessão do artigo 1.°, alínea b),
segundo parágrafo, da diretiva, de que o organismo deve ter sido criado para satisfazer «de
um modo específico» necessidades de interesse geral, sem carácter industrial ou comercial,
não implica que o mesmo esteja unicamente, encarregado de satisfazer essas necessidades”
(§26). A entidade não tem de ser criada para perseguir aquele propósito única e
exclusivamente, tem é de satisfazer necessidades de interesse geral, sem carácter industrial
ou comercial, independentemente de satisfazer outras necessidades.
Nas conclusões daquele processo, apresentadas pelo Advogado-Geral (“AG”) Philippe Léger,
propõe-se que o conceito de necessidades de interesse geral seja reconduzido a uma “ideia de
«... atividades que beneficiam diretamente à coletividade», por oposição aos interesses
individuais ou de grupo” (§65).
A entidade criada não tem de perseguir exclusivamente a satisfação de necessidades de
interesse geral, bastando que os persiga na sua atividade, ainda que de forma conjugada
com a satisfação de outros objetivos. Ora, a Autora é uma associação de direito privado que
tem por objeto associativo a criação e gestão dos centros CNAM e eventos de ordem científica
e cultural (ponto 1) da matéria de facto provada), o que, só por si, não determina que persiga
a satisfação de necessidades de interesse geral. Mas o financiamento de que beneficiou ao
abrigo do POAT-FSE visava a concretização do Programa USP - Unidades de Serviço de
Proximidade, que tinha por objectivo a realização de estudos de levantamento de
necessidades no domínio da promoção do emprego e da formação profissional nas
comunidades fora dos grandes centros urbanos (ponto 2) da matéria de facto). A realização de
estudos daquela índole não beneficia interesses individuais ou de grupo, mas sim um
interesse da comunidade em geral.
Se num primeiro momento (no acórdão Mannesmann) foi defendido pelo Advogado Geral do
processo que as necessidades de interesse geral se reconduzem a atividades que beneficiam
diretamente à coletividade, por oposição aos interesses individuais ou de grupo, o TJUE tem
vindo a fazer uma interpretação muito lata do que devem ser consideradas atividades que
beneficiam diretamente a coletividade. Assim, cabem neste conceito, atendendo à
jurisprudência daquele Alto Tribunal (seguimos de perto, na exemplificação, BERNARDO
AZEVEDO, Organismos de Direito Público - Uma Categoria Jurídica Autónoma de Direito
Comunitário Intencionalmente Aberta e Flexível, in Estudos de Contratação Pública, Vol. III,
2010, págs. 63 e 64 e PEDRO FERNÁNDEZ SÁNCHEZ, O âmbito de aplicação do regime de
contratação pública: Organismos de Direito Público e Entidades Privada, in Contratação
Pública I, coleção Formação Contínua do CEJ, disponível em:
http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/Administrativo_fiscal/Direito_Administrativo.pdf):
- a produção de documentos administrativos em regime de confidencialidade e de segurança,
porque estreitamente ligada à preservação da ordem pública e ao funcionamento institucional
do Estado (Proc. C-44/96, Mannesmann);
- a organização de feiras, porque umbilicalmente destinada ao estímulo do comércio, quer por
via do encontro entre produtores e comerciantes, quer por via da divulgação de informação
sobre produtos comercializáveis junto dos consumidores (Procs. apensos C-223/99 e 260/99,
Agorá);
- construção e comercialização de escritórios destinados a atrair a instalação de empresas
privadas num município, porque favorável ao desenvolvimento económico local (Proc. C-18/01,
Korhonen);
- a exploração de parques florestais e de atividades de lazer conexas, porque funcionalizada
à otimização dos índices de bem-estar da população (Proc. C-353/96, Comissão vs. Irlanda);
- o fornecimento de aquecimento urbano a habitações particulares e edifícios públicos, porque
associado à melhoria das condições de vida das populações locais (Proc. C-393/06, Aigner).
Como refere PEDRO FERNÁNDEZ SÁNCHEZ (op. cit.), “prossegue “necessidades de interesse
geral” qualquer entidade que promove (também, isto é, mesmo que não exclusivamente) a
defesa de interesses da coletividade que possam ser autonomizados dos interesses privados
dos seus associados ou dos grupos de pessoas que lhe incumba defender, e ainda que o faça
apenas residualmente”.

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Também é jurisprudência do TJUE que a prossecução de necessidades de interesse geral não


tem de se verificar ab initio a constituição da entidade, podendo, no decorrer da sua
atividade, ter assimilado a prossecução daqueles interesses (cfr. acórdão de 12 de dezembro
de 2002, Proc. C-470/99, Universale-Bau).
É o caso em apreço. A realização de estudos sobre promoção do emprego e da formação
profissional tem interesse sobretudo para a comunidade em geral, para efeitos de
levantamento estatístico das necessidades educativas/formativas da população, ou para
conhecimento das valências educativas e formativas da população, só para exemplificar. É
certo que o objeto da associação é a criação e gestão de centros de formação, os centros
CNAM, pelo que poderá ter interesse para o objeto da sua atividade associativa o estudo em
apreço. Mas tal não descura a sua relevância enquanto interesse da coletividade. De facto, a
realização de estudos como o proposto está indissociavelmente ligado a um levantamento de
necessidades da população fora dos centros urbanos a nível educativo e formativo, visando a
prossecução de necessidades de interesse geral da comunidade: para alinhamento de
políticas educativas e de formação ou para alinhamento de políticas de financiamento e
subsidiação de projetos, só para concretizar alguns exemplos.
Esta interpretação do que são necessidades de interesse geral compatibiliza-se com a latitude
de situações que têm sido subsumidas a esse critério pelo TJUE. Como refere, uma vez mais,
PEDRO FERNÁNDEZ SÁNCHEZ (op. cit.), “[u]ma possível explicação para esta interpretação
expansiva foi sugerida por SUE ARROWSMITH: a ideia de limitar o Direito Administrativo da
Contratação Pública à prossecução de necessidades “de interesse geral” pode parecer
razoável e intuitiva; mas ela é de bondade muito discutível se se recordar que o regime de
contratação pública tem o propósito de assegurar as liberdades comunitárias inerentes à
realização de um mercado interno e, desde logo, evitar os obstáculos que para esse efeito são
criados pela adoção de critérios discriminatórios na seleção dos co-contratantes da
Administração Pública. Ora, tendo isso em vista, será difícil compreender por que se deve
admitir que os poderes públicos sejam dispensados da aplicação do regime de contratação
pública - e, portanto, estejam legitimados para discriminar os nacionais de outros Estados-
membros - só porque estão envolvidos na prossecução de necessidades que não são de
interesse geral. De facto, se uma entidade pública entende empreender uma atividade que
não pode ser identificada com uma “dimensão coletiva ou pública”, não se vê por que razão o
legislador comunitário entende admitir que a escolha dos seus co-contratantes pode atentar
contra as liberdades fundamentais protegidas pela ordem jurídica comunitária (cfr. SUE
ARROWSMITH, The Law of Public and Utilities Procurement, 2ª ed, Sweet & Maxweel,
London, 2005, p. 266)”.
Ora, como resulta do probatório (e que foi alegado pela própria Autora), a realização daqueles
estudos visava a deteção de necessidades fora dos grandes centros urbanos (ponto 2) da
matéria de facto), sendo o levantamento dessas necessidades notoriamente de interesse geral
da comunidade, pelo que se verifica integralmente o requisito (i).
(ii) Ser dotado de personalidade jurídica, de direito público ou de direito privado
O requisito relativo à personalidade jurídica encontra-se verificado, atenta a factualidade
dada como provada em 1), conjugada com o disposto nos artigos 158.°, n.° 1, 167.°, n.° 1, e
168.°, todos do Código Civil.
(iii) A sua atividade seja financiada maioritariamente pelo Estado, pelas autarquias locais ou
regionais ou por outros organismos de direito público; ou cuja gestão esteja sujeita a controlo
por parte destes últimos; ou em cujos órgãos de administração, direção ou fiscalização mais
de metade dos membros sejam designados pelo Estado, pelas autarquias locais ou regionais
ou por outros organismos de direito público
Quanto a este requisito, refira-se desde logo que os “sub-requisitos” elencados são
alternativos e não cumulativos. Assim, para verificação do último dos requisitos, que se
reconduz a indícios de influência dominante de um poder público, a atividade da entidade ou
é financiada maioritariamente pelo Estado, pelas autarquias locais ou regionais ou por outros
organismos de direito público ou a sua gestão está sujeita a controlo por parte daqueles ou
mais de metade dos membros dos órgãos de administração, direção ou fiscalização sejam
designados pelo Estado, pelas autarquias locais ou regionais ou por outros organismos de
direito público.
Não é controvertido entre as partes que a Autora não está sujeita a controlo na sua gestão por
parte de entidades públicas, nem os membros dos órgãos de administração, direção ou
fiscalização são designados por entidades públicas. O que é controvertido, por referência ao

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parecer identificado no ponto 4) do probatório, é que a Autora seja financiada


maioritariamente pelo Estado, pelas autarquias locais ou regionais ou por outros organismos
de direito público.
Vejamos.
Também quanto a esta matéria é determinante aquilo que tem vindo a ser decidido pelo TJUE,
sendo leading case o acórdão de 3 de outubro de 2000, no processo n.° C- 380/98, University
of Cambridge. Decidiu o TJUE fixar alguns critérios para aferir do conceito de financiamento
maioritariamente público, a saber:
- quantitativamente, equivalerá a mais de metade, ou seja, mais de 50% da receita da
entidade (§§30-33);
- qualitativamente, ou seja, relativamente à composição daquela base de cálculo, refere o
tribunal que deverá ter-se em conta o conjunto das receitas de que beneficia a entidade,
incluindo as resultantes de uma atividade comercial (§§34-36);
- temporalmente, ou seja, quanto ao período a ter em conta no cálculo do seu modo de
financiamento e, por outro, de que modo deverão ter-se em conta as alterações que poderão
surgir no decurso do processo em causa, definiu que a qualificação de um organismo como
entidade adjudicante deve ser feita com base anual e o exercício orçamental em que é iniciado
o processo de concurso público deve considerar-se o período mais adequado para o cálculo do
modo de financiamento deste organismo. Por imperativos de segurança jurídica e de
transparência, o cálculo do seu modo de financiamento deve efetuar-se com base em números
disponíveis no início do exercício orçamental, ainda que a título de previsão. Por outro lado,
também por imperativos de segurança jurídica e de proteção de interesses dos concorrentes,
ainda que ocorram alterações no seu financiamento durante o processo, um organismo que, à
data em que foi iniciado um processo de concurso público, constitua uma entidade
adjudicante para efeito das Diretivas continua, quanto ao concurso em causa, sujeito às
exigências destas diretivas até ao fim do respectivo processo (§§37-43).
Baixando à factualidade do caso.
A fundamentação dos indícios apurados para efeitos de subsunção aos requisitos enunciados
encontra-se no relatório de auditoria elaborado pela Inspeção Geral de Finanças (item 4) do
probatório), para onde remete sucessivamente o parecer que fundamenta o acto impugnado
(pontos 5) e 6) do probatório). Naquele refere-se que a Autora “não dispõe de quaisquer
receitas para além dos financiamentos dos projetos”, o que demonstra a verificação dos
limiares quantitativo e qualitativo: ponderada toda a receita da Autora, mais de 50% daquela
é proveniente de financiamento público.
O que não resulta demonstrado, e faz claudicar a pretensão de subsumir a Autora à norma
da alínea a) do n.° 2 do artigo 2.° do CCP, é o requisito temporal. Como referido, resulta da
jurisprudência do TJUE que a qualificação de um organismo como entidade adjudicante deve
ser feita com base anual, e o exercício orçamental em que é iniciado o processo de concurso
público deve considerar-se o período mais adequado para o cálculo do modo de financiamento
deste organismo. Ora, aquele relatório, produzido em 2013 (ponto 4) do probatório), não faz
qualquer referência se os valores apurados respeitam àquele exercício, ao exercício em que o
concurso deveria, na sua perspetiva, ter ocorrido, ou a qualquer outro exercício.
E não é de somenos. O contrato celebrado com a sociedade “F+G” data de 2009 (cfr. ponto 3)
da matéria de facto), e o facto de em 2013 apenas só prosseguir projetos com recurso a
financiamento público não determina que em 2009 fosse essa a sua situação financeira. É
que uma entidade pode ser organismo de direito público num exercício, e no seguinte já não o
ser, uma vez que não sendo controlada na sua gestão por entidades públicas, é através do
seu financiamento que se buscam os indícios de camuflagem de um organismo público a
atuar como se fosse um privado. Sem essa amarra - sem controlo na sua gestão ou nos
órgãos decisórios, e sem controlo indireto, por via do financiamento da atividade - soçobra
qualquer indício de ligação. Aliás, nem de um elemento meramente formal, como os estatutos,
se pode retirar conclusão diferente, uma vez que nos termos do artigo quinto dos estatutos os
recursos da associação são provenientes, em teoria, de uma série de fontes (“a. Entradas e
cotizações dos sócios que venham a ser criadas pela Assembleia Geral. b. Juros e
rendimentos de bens da associação. c. Doações e subsídios que lhe venham a ser atribuídos
por entidades nacionais ou estrangeiras. d. Valor das propinas cobradas aos participantes
nas ações que desenvolva”).
Nestes termos, procede o vício de violação de lei do acto impugnado, uma vez que falha um
dos pressupostos de direito de subsunção da Autora ao âmbito subjetivo do CCP, para efeitos

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do artigo 2.°, n.° 2, alínea a) (…)”.


Sintetizando a motivação que se vem ora de transcrever, dir-se-á que o juízo de
procedência do denominado vício “Da exclusão das regras da contratação pública”
mostra-se estribado no entendimento de que falha in casu a pretensão de
subsumir a Autora à norma da alínea a) do n.° 2 do artigo 2.° do CCP.
Realmente, o Tribunal a quo entende que não é possível enquadrar
temporalmente a situação económica da Recorrente apurada no Relatório
elaborado pela Inspeção Geral - no qual se mostra arrimado o acto impugnado -,
falhando, assim, a verificação do requisito temporal alusivo à densificação do
conceito de “financiamento maioritariamente público” plasmado no ponto ii) da
alínea a) do nº. 2 do artigo 2º do CCP, daí emergindo a inverificação de direito de
subsunção da Autora ao âmbito subjetivo do CCP, para efeitos da normação que
se vem de referenciar.
Discordando desta decisão judicial, a ora Recorrente imputa-lhe erro de
julgamento de direito, que substancia no entendimento de que, ao invés do
defendido na douta sentença recorrida, “(…) o relatório da IGF analisou todas as contas
da Autora a partir do período em que se iniciou o concurso público em causa e concluiu que,
em todos esses períodos, se constata que a Autora não teve “(…) quaisquer receitas para além
dos financiamentos dos projetos, apresentando anualmente resultados líquidos negativos (…)
O que quer dizer, que a Autora preenche a norma do CCP que impõe a submissão subjetiva ao
seu regime (alínea a), do nº 2, do art.º 2º)”;
Adicionalmente, sustenta não ser defensável a tese da Autora no sentido da
inaplicabilidade do regime de CCP - por esta não receber subsídios da entidade
pública, mas sim a contrapartida por serviços por si prestados -, já que não há,
entre a Autora e a entidade pública em causa, qualquer relação sinalagmática.
Do que se vem de expor resulta absolutamente cristalino que as questões
recursivas suscitadas nos autos traduzem-se, essencialmente, em determinar (i)
se o Relatório da Inspeção Geral de Finanças permite [ou não] enquadrar
temporalmente a situação económica da Autora, e, bem assim, (ii) se, na relação
de financiamento existente entre a Autora e Ré, existe [ou não] qualquer
sinalagma.
E, podemos, desde já, adiantar que assiste inteira razão à Recorrente quanto à
primeira questão recursiva supra elencada.
De facto, escrutinado o teor do Relatório da Inspeção Geral de Finanças,
facilmente se apreende que este permite enquadrar temporalmente a realidade
económica da Autora ali apurada.
Tal é o que deriva abundantemente dos segmentos do relatório da IGF que ora se
transcrevem: “Com efeito, a CCT é uma associação privada que tem como objeto definido no
art.° 3.° dos seus estatutos, a criação e gestão dos centros CNAM (Conservatoire National des
Arts et Metiers) e a promoção de eventos de ordem científica e cultural. Não obstante os
estatutos definirem aquele objeto, constatámos, da análise efetuada aos documentos de
prestação de contas, que a CCT procede ao levantamento das necessidades de formação em
diversas áreas e desenvolve estudos financiados exclusivamente pelos fundos comunitários,
em concreto pelo FSE. Apurámos ainda que a CCT celebrou um contrato de aquisição de
serviços, por ajuste direto, com a “F., SA”, no valor de €508.780, através do qual contratou a
quase totalidade do projeto, conforme resulta da cláusula 1ª do referido contrato. Da análise
à documentação do processo, identificámos existirem relações especiais entre o beneficiário e
o fornecedor do serviço contratado, na medida em que, pelo menos um dos constituintes da
associação CCT, é igualmente sócio da “F., SA”, encontrando-se mesmo classificado como
acionista de referência na informação constante do site daquela sociedade. Apurámos ainda
que pelo menos 2 membros dos órgãos sociais da CCT desempenham igualmente funções nos
órgãos sociais da “F., SA”. Identificámos ainda que os relatórios e contas da CCT
referem que esta não dispõe de quaisquer receitas para além dos financiamentos
dos projetos, apresentado anualmente resultados líquidos negativos. Por seu turno,
do mencionado contrato celebrado com a “F., SA”, resulta que é esta entidade que
financia as despesas da CCT.” [destaque nosso].
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Conforme emerge grandemente do que se vem de transcrever, a realidade


económica equacionada no Relatório da IGF – devidamente assinalada na
transcrição destacada a negrito - é reportável a uma realidade económica
posterior à concessão do financiamento dos autos, ou seja, ao exercícios
económicos posteriores aos anos de 2009 e seguintes.
Por sua vez, a menção aposta no Relatório do IGF “(…) apresentado anualmente
resultados líquidos negativos (…)” é inequívoca na afirmação da existência de uma
pluralidade de resultados negativos relativos aos exercícios económicos anteriores ao
referenciados na primeira parte da alegação, supra caracterizada, ou seja, aos exercícios
económicos anteriores à concessão do financiamento dos autos situado no ano de 2009.
Neste quadro, é de manifesta evidência que não pode asseverar-se a insuficiência do relatório
do IGF em ordem a concluir-se o concreto enquadramento temporal da realidade económica
da Autora, até porque tal colidiria com a eventual falta de fundamentação do ato impugnado,
que o Tribunal a quo declarou expressamente não subsistir no ato impugnado.
Deste modo, não tendo sido este o entendimento perfilhado na sentença recorrida, é
mandatório concluir que esta é merecedora da censura que a Recorrente lhe dirige.
Dissolvida a primeira questão no domínio do erro de julgamento da matéria de
facto, importaria agora, de acordo com a substanciação vertida nos pontos 4) a 6)
das conclusões de recurso, determinar se, na relação de financiamento existente
entre a Autora e Ré, existe [ou não] qualquer sinalagma.
Julgamos, porém, que tal tarefa é destituída de relevância, considerando a
ponderação de direito assumida na decisão judicial recorrida e o quadro
normativo que se nos impõe e deriva da alínea a) do n.º 2 do artigo 2.º do CCP.
Realmente, não integrando a suscitada “questão sinalagmática” a natureza de
qualquer de um dos requisitos analisados na decisão judicial recorrida para efeito
de subsunção da situação da Autora ao âmbito subjetivo do CCP, sempre a
resolução pretendida integraria um exercício inócuo e estéril, por desprovido de
qualquer utilidade.
E nesta impossibilidade de “apropriação” da alegação da Recorrente veiculada na
segunda questão recursiva supra elencada reside o “punctum saliens” distintivo
da falta de préstimo à boa decisão de causa, que assim improcede.
Mercê de tudo o quanto ficou exposto, deverá ser concedido provimento ao
recurso interposto, e, em conformidade, revogada a decisão judicial recorrida e
julgada totalmente improcedente a presente ação.
Assim se decidirá.
**
IV – DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso
Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo
202º da CRP, em CONCEDER PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional,
revogar a decisão judicial recorrida e julgar improcedente a presente ação.
Custas pela Recorrida.
Registe e Notifique-se.
**
Porto, 19 de novembro de 2021,

Ricardo de Oliveira e Sousa


João Beato
Luís Migueis Garcia

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