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2010
Downloaded from: Biblioteca Digital da Produção Intelectual - BDPI, Universidade de São Paulo
Produção, v. 20, n. 1, jan./mar. 2010, p. 135-147
doi: 10.1590/S0103-65132010005000007
Resumo
Esta pesquisa tem por objetivo discutir os elementos de colaboração logística importantes para a construção de
um melhor relacionamento entre o varejista e seus fornecedores. Esses elementos foram identificados a partir da
literatura e observados em um estudo de caso em uma grande rede de varejo supermercadista. As teorias relacionadas
à pesquisa são referentes à natureza da colaboração, ao desempenho logístico e à economia dos custos de transação.
Dentre os elementos usualmente mais citados para o processo de colaboração, como confiança, reciprocidade,
compartilhamento de informações, interação entre as áreas funcionais, objetivos e metas conjuntas, e integração
interpessoal, os resultados sugerem que este último elemento é o mais importante no processo de colaboração
logística.
Palavras-chave
Colaboração. Desempenho logístico. Custos de transação. Varejo.
1. Introdução
Observa-se em uma cadeia de suprimentos que o complexas (devido às diferentes origens e destinos
processo de aquisição de insumos para a fabricação das entregas em várias partes do território nacional)
do produto até a sua entrega ao consumidor e conflituosas (devido ao poder de barganha dos
final é acompanhado, em vários momentos, de grandes parceiros).
problemas no relacionamento entre os elos, muitas Assim, esta pesquisa tem por objetivo discutir,
vezes provocados por falhas gerenciais de um dos em um contexto real, os elementos de colaboração
agentes envolvidos (PIGATTO, 2005). Tais fatos logística importantes para a construção de acordos
têm contribuído para a ineficiência do desempenho colaborativos entre parceiros: particularmente,
logístico, como entregas em atraso, entregas entre uma grande empresa varejista e seus principais
incompletas, entregas com erro de pedidos ou em fornecedores. Tal discussão será apresentada por
notas fiscais (VIEIRA; COUTINHO, 2008). meio de depoimentos e análises de entrevistas de
Nesse cenário, destacam-se as grandes redes um estudo de caso.
de supermercados e seus fornecedores que, Os estudos existentes acerca de colaboração
juntos, estudam novos modelos de parcerias ou em logística entre o varejo supermercadista e seus
acordos colaborativos, buscando, assim, melhorar fornecedores são pouco explorados na literatura
o desempenho das firmas nas operações logísticas nacional, na qual se observam apenas dois dos temas
e, consequentemente, reduzir custos (ANDERSON; tratados neste artigo (colaboração, desempenho
NARUS, 1990; VIEIRA; YOSHIZAKI; DIAS, 2007). O logístico e custos de transação) (VIEIRA, 2006).
estudo do relacionamento entre as grandes redes A literatura internacional é mais rica no tema.
supermercadistas e seus fornecedores serve de Recentemente, Whipple e Russell (2007) analisaram
exemplo para as redes de médio e pequeno porte, diferentes visões dos relacionamentos colaborativos,
pois se refere a transações volumosas, frequentes, quanto à transação, evento e processo. Sandberg
*UFSCar, São Carlos, SP, Brasil
Recebido 25/06/2007; Aceito 28/06/2009
Vieira, J. G. V. et al.
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Um estudo ... varejo supermercadista. Prod. v. 20, n. 1, p. 135-147, 2010
(2007) e Maylett e Vitasek (2007) pesquisaram valor, trocas relacionais, relacionamentos cliente-
acerca dos efeitos de uma colaboração logística fornecedor, entre outros. Para Vieira (2006, p. 20),
sobre os parceiros. Vieira, Yoshizaki e Ho (2009) esse conceito define-se assim:
propuseram um modelo de colaboração na cadeia ... colaboração significa que duas ou mais empresas
de abastecimento do varejo supermercadista que trabalham juntas ao longo do tempo (com
visa medir por meio de indicadores a intensidade da base na confiança, flexibilidade, reciprocidade,
colaboração estratégica, tática e interpessoal. interdependência, comprometimento, comunicação
Em se tratando de colaboração logística, o aberta, conhecimento do parceiro e no longo tempo)
estudo de seus elementos operacionais é importante por meio de decisões conjuntas, compartilhando
informações logísticas e comerciais, custos e benefícios,
para identificar os indicadores de eficiência logística
e com o objetivo de atender às necessidades dos
que podem ser afetados pela colaboração entre os clientes...
parceiros. Para se entender a colaboração entre
os agentes desta pesquisa como forma de evitar Em todos esses relacionamentos, os parceiros
assimetrias de informação, buscas desnecessárias de trabalham conjuntamente para atingir melhorias
informação, desperdício de tempo em negociações para o sistema, o que contrasta com o foco
e em operações diárias, ações oportunistas e tradicional de competição ou clima adverso entre
renegociações (ou disputas judiciais) de acordos ao eles (PIGATTO; ALCÂNTARA, 2007).
longo do tempo (devido à racionalidade limitada e Embora o conceito de colaboração, mesmo
à inevitável imperfeição dos contratos), buscou-se entre pares (como no caso fornecedor e varejista),
examinar os custos de transação. Como relatado por ainda tenha vários sinônimos e complementos,
Begnis, Estivalete e Pedroso (2007), relacionamentos entende-se que esta pesquisa busca relacionar os
de longo prazo podem conduzir a contratos mais elementos de sua formação, adicionando aqueles
perfeitos por meio da construção de um elevado referentes à logística.
nível de confiança entre os parceiros. A consideração
desses custos – dado os seus pressupostos serem 2.2. Elementos de colaboração
intrinsecamente relevantes para esta pesquisa – se
mostra adequada quando se analisa a frequência, Ellram (1991) advoga que os elementos de
a incerteza e os ativos específicos presentes na sucesso de colaboração têm base nos fatores de
transação, tanto em termos estratégicos como natureza estratégica (contrato, conhecimento do
operacionais. parceiro, etc.), sociocultural (comprometimento
Um estudo dos elementos de colaboração, de pessoal, confiança, flexibilidade, mutualidade e
desempenho logístico e de custos de transação pode compatibilidade cultural/organizacional) e tático
revelar aspectos importantes para um gerenciamento (compartilhamento de informação, riscos e ganhos,
logístico mais eficiente e contribuir para ampliar etc.). Sandberg (2007) cita que para colaborar é
novas pesquisas tanto no meio empresarial como preciso ter objetivos e metas comuns, comunicação
no meio acadêmico. Entender o relacionamento entre os elos, presença de indicadores de desempenho
entre os parceiros pode revelar em que setores uma que assegurem a eficiência do relacionamento,
maior intensidade de colaboração deve ensejar benefícios concretos, relacionamentos empresariais
melhor desempenho logístico e menores custos de próprios e comprometimento de funcionários e da
transação. alta gerência.
Os tópicos deste artigo estão assim organizados: Para Barratt (2004), os elementos estratégicos e
revisão acerca de colaboração, elementos de os elementos culturais conjuntamente formam a base
colaboração, de desempenho logístico e de custos para a colaboração. Os elementos estratégicos são
de transação. Posteriormente, descrevem-se a formados a partir da tomada de decisão estratégica
metodologia, os resultados e as considerações (foco corporativo), envolvendo os executivos com
finais. base nos casos de sucesso, como no suporte das
áreas funcionais e de tecnologia. Por outro lado,
os elementos culturais – chamados por Kanter
2. Revisão de literatura (1994) de “integração interpessoal” – são formados
por atributos que envolvem comportamento
2.1. Colaboração humano e cultura da empresa (ZANQUETTO;
FEARNE; PIZZOLATO, 2003). Esses dois elementos
Whipple, Frankel e Daugherty (2002) resumem, (estratégico e cultural) são considerados essenciais
de forma geral, o conceito de colaboração: são para o processo de colaboração, já que não há
alianças estratégicas, parcerias que adicionam acordo entre os executivos se não houver confiança,
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Assim, para captar o conceito de colaboração, parceiro, dar-lhe credibilidade. Ou seja: confiança
segundo a rede varejista, utilizou-se um dos Fóruns está mais ligada ao comportamento das pessoas
com a presença de 15 participantes da equipe de (confiança interpessoal) do que à “confiabilidade”
logística da empresa (gerentes e coordenadores (pouca propensão para falhar) ou à integridade da
e analistas). Nesse Fórum, primeiramente, os transação (confiança interorganizacional). Nesse
participantes deram a sua opinião acerca do sentido, a segurança, a ética e a consistência são
que é preciso para colaborar e qual o conceito alguns dos atributos citados que podem representar
de confiança (Quadro 1), já que são palavras a confiança interorganizacional.
frequentemente citadas entre os parceiros. Em Observa-se, pela Tabela 2, que as menores
um segundo momento, foi apresentado um médias (“simetria entre as empresas” e “contrato
questionário com um conjunto proposto de formalizado”) têm os maiores desvios-padrão,
variáveis (Tabela 2) para que eles julgassem o grau sugerindo discordância entre respondentes.
(dentro de uma escala de zero a dez) de importância Quanto à “simetria”, a maioria declarou esse
de colaboração. Esse questionário foi construído elemento como pouco importante no relacionamento.
com base nos elementos obtidos na revisão de Segundo um dos entrevistados (gerente), “... o
literatura (descritos acima) e por alguns elementos parceiro não precisa ser do mesmo porte da minha
intrínsecos e peculiares ao estudo de caso, empresa, mas quando se fala em estrutura logística,
como: “compartilhamento de custos logísticos”, padronização de informação, inovação, etc., as
“compartilhamento de perdas e riscos”, “horizonte empresas de maior simetria têm mais condições de
de longo prazo”, “simetria entre empresas” e atender às nossas necessidades...”.
“contrato formalizado”. Deve-se ressaltar que a A maioria dos entrevistados também considerou
maioria desses elementos foram identificados como que não é preciso ter contrato formal. Outros disseram
termos sinônimos ou intimamente relacionados a que o contrato é a única forma de fazer cumprir os
outros encontrados na literatura (VIEIRA, 2006). deveres do fornecedor. Observa-se, ainda, que, no
Percebe-se, pelo Quadro 1, que o entendimento geral, os elementos utilizados (seis primeiros) para
do termo “colaboração” tem muito a ver com o construção do conceito de colaboração (em especial
sentido original, ou seja, de trabalhar com um os elementos de integração tática e interpessoal)
objetivo comum. Isso, naturalmente, envolve pelos participantes são os encontrados na literatura
itens de integração tática, como ações conjuntas, e confirmam outros dados coletados durante o
compartilhamento (de informações, custos, riscos, estudo de caso.
etc.), traçar objetivos comuns, ter sintonia, entre Com o melhor entendimento acerca dos
outros. “Colaboração” também se associa com alguns elementos de colaboração, segundo os profissionais
aspectos mais abstratos e fluidos, como confiança, de logística da rede varejista, a pesquisa se voltou
flexibilidade, reciprocidade, responsabilidade, para a discussão desses elementos tendo como foco
dedicação, transparência, etc. Já o elemento a aplicação do conceito por esses profissionais junto
“confiança”, para a maioria, significa acreditar no aos seus parceiros fornecedores no dia a dia.
(de um contrato informal) fiquem mais claras. Cria- É importante salientar que nem sempre esse
se, também, maior comprometimento de outras compartilhamento de custos é compensador
áreas envolvidas (como a comercial) na resolução dos para o fornecedor ou para o varejo. No caso do
problemas de logística, quando estas participam das fornecedor, a distribuição para outras regiões tem
reuniões. Esses contatos ajudam a dar credibilidade um custo (contratual) menor de entrega, pois não
à relação e aumentam o compartilhamento de há desconto no preço do produto em contrato;
informações. mas, em compensação, esse fornecedor arca com
Observou-se que a falta de transparência os custos de distribuição (frete, veículos, etc.) no
de comunicação entre as áreas internas da rede território nacional. No caso do varejo, os custos de
varejista dificultava a padronização da informação entrega são menores, porque o fornecedor realiza a
para uso pelo fornecedor. Segundo um entrevistado entrega, mas, em compensação, o fornecedor eleva
(fornecedor), “... a falta de comunicação transparente os custos do produto porque assume outros custos,
e entre as áreas das duas empresas onera os nossos como avarias, devoluções, cargas roubadas, etc.
Segundo um entrevistado (fornecedor), “... existe
custos, pois fazemos o mesmo trabalho duas ou
mais vezes e ainda não resolvemos os problemas. O transportadora que cobra 40% a mais no preço do
frete para atender às exigências deste varejo...”.
alinhamento deve existir sempre...”.
Sob a ótica do compartilhamento de ganhos
Às vezes, os mesmos dados são apresentados de
logísticos, embora eles estejam associados aos
forma diferenciada por categoria e, além disso, eles
custos de entrega, existem outras oportunidades:
são resgatados de diferentes bases de informação.
adicional logístico (o fornecedor dá desconto à
Isso dificulta o acesso rápido às informações e gera
rede para a entrega dos produtos ao centro de
assimetrias, pois nem todos dados necessários para
distribuição e, em troca, a rede realiza a distribuição
a coordenação são disponibilizados às equipes da desses produtos loja a loja); isenção de multas em
rede varejista. Nesse caso, a integração das áreas troca de bom desempenho logístico, e frequência
funcionais (como diferentes setores de categorias de entrega periódica e pré-determinada (tipo cross-
– mercearia, não alimentos, informática, dentre docking).
outros) poderia auxiliar na padronização das
Dentre as cláusulas logísticas contratuais mais
apresentações dos dados aos fornecedores.
frequentes, estão: o uso de troca eletrônica de
dados (ou Eletronic Data Interchange – EDI ) para
4.1.3. Integração tática (compartilhamento de transmissão de pedido e de nota fiscal; o adicional
custos e ganhos logísticos) logístico para entrega centralizada nos centros
de distribuição; as penalidades para devoluções e
O compartilhamento de custos logísticos se avarias de produtos, e as penalidades para entregas
refere aos custos de entrega, de armazenagem e de em atraso ou de pedidos incompletos. Para muitos
movimentação de materiais. Nesse sentido, a rede fornecedores, esses adicionais representam um
varejista realiza alguns acordos de colaboração que compartilhamento de ganhos logísticos, pois
incluem fretes de retorno, retorno de paletes, cross- são parte de um serviço que seria realizado por
docking, estoque gerenciado pelo fornecedor (ou eles. Para outros, os adicionais cobrados não são
Vendor Managed Inventory - VMI), etc. O propósito compensadores, devido ao baixo volume de vendas
é conhecer a logística do parceiro e procurar para a rede varejista. Assim, não produziriam ganhos
oportunidades e formas de reduzir os custos com logísticos, apenas transfeririam custos do varejo
transporte usando essas e ou outras práticas. para o fornecedor.
Segundo um coordenador (varejo), “... se gasta
muito dinheiro para abastecer outros centros fora 4.1.4. Integração tática (compartilhamento de
de São Paulo com produtos de baixo valor agregado informações logísticas e comerciais)
(commodities). Nesse sentido, as entregas que são
feitas aqui (na cidade de São Paulo), para depois Um dos grandes desafios na colaboração é o
serem distribuídas nesses centros, poderiam ser compartilhamento de informações logísticas e
realizadas pelos próprios fornecedores diretamente comerciais. Constatou-se que, frequentemente,
nas regionais, o que acarretaria compartilhamento muitos produtos apresentam erros no cadastro da
de custos de entrega, pois os custos contratuais rede varejista. Esses erros são devidos à falta de
poderiam ser reduzidos...”. atualização de parâmetros ou ao erro de entrada no
Existem casos em que os produtos são cadastro de produto. Quando um fornecedor muda
transportados do Nordeste para o centro de o código do produto ou deixa de fabricá-lo, nem
distribuição (CD) na cidade de São Paulo e depois sempre essas informações são passadas – em tempo
retornam para abastecer as regiões do Nordeste. – para o varejo.
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Mesmo que a probabilidade de ocorrência das duas empresas estejam sempre alinhadas.
desses erros seja pequena, suas consequências e Igualmente importante é a flexibilidade para lidar
sua retificação representam um custo substancial com situações anômalas.
quando se trata de milhares de itens. Além disso, O compartilhamento de informações logísticas
quando uma entrega não é realizada, o fornecedor também é dificultado pelo baixo envolvimento da
tem a opção de colocar aquele produto em compra área comercial das empresas. No caso do varejo, as
suspensa. Isso significa que, por um determinado reuniões logísticas, na maioria das vezes, não têm a
período, os pedidos automáticos disparados presença do setor comercial. Segundo um analista
pela rede varejista são rejeitados pelo sistema do (varejo), “... o Comercial tem um caráter soberano.
fornecedor. Logo, se não há pedido, não há espera Ele, além de não dar importância para essas
pela entrega e, consequentemente, não há registro reuniões, não repassa as informações (promoções,
de multa para o fornecedor. ações comerciais, etc.) dos fornecedores...”.
Entretanto, se o fornecedor não colocar os É importante salientar que o envolvimento
produtos em compra suspensa, pedidos podem ser dessas duas áreas melhora a colaboração logística.
gerados indevidamente, o que cria problemas, como Segundo uma analista (varejo), “... a média de
falha de entrega, ruptura de estoques, multas, etc. compra do fornecedor é 40 a 50 carretas de
Tais casos são mais frequentes com fornecedores de produto por mês. Neste mês foram compradas
grande porte ou com muitos itens cadastrados na 110 carretas a um preço menor. Porém, não adianta
rede. Por outro lado, alguns pedidos de mudança comprar por um preço mais baixo se os estoques se
de parâmetro (troca de código de produto, tipo de mantiverem por três meses ou mais, pois o custo
veículo, tipo de carga, frequência de entrega, etc.) com a armazenagem será maior, e se estes estoques
feitos pelo fornecedor nem sempre são efetivados não tiverem saída, a perda será maior ainda...”.
pelo varejo no tempo que o fornecedor espera.
“Colocaram o prazo de um dia para eu realizar as 4.1.5. Integração interpessoal
entregas do Sul para o Nordeste... impossível...,
relata um fornecedor”. As reuniões promovidas pela rede varejista
Às vezes, a falta de colaboração interna – por ser e seus principais fornecedores talvez sejam um
uma grande empresa e com várias divisões funcionais dos pilares de construção do relacionamento
– gera demora no atendimento do pedido. Por interpessoal. Essas reuniões são importantes para
exemplo: houve casos em que o fornecedor entrega abrir e estreitar contatos, conhecer e resolver
sua carga em veículos de um tipo, enquanto o varejo pendências logísticas, negociar novos acordos
alocou uma doca para veículo de outro tipo (erro logísticos, entender as prioridades dos parceiros,
de mudança de parâmetro). As consequências são: discutir os resultados logísticos medidos por meio
devolução de toda a carga, pela impossibilidade de dos indicadores de desempenho, etc. Segundo um
descarregar; possibilidade de ruptura no estoque entrevistado (fornecedor), “... essas reuniões são de
e nas lojas; multa pela “não entrega”; custo com extrema importância, pois podemos compartilhar
frete de retorno, e repaletização da carga na informações, resolver problemas e alinhar os
origem. Enfim, retrabalhos e custos que poderiam objetivos com o nosso parceiro...”.
ser evitados. Observou-se que, ao longo das reuniões, o
Nos casos de pedidos automáticos, o varejo relacionamento interpessoal entre os agentes
calcula o pedido de acordo com as vendas. Se influencia diretamente no relacionamento
há pouca venda de um determinado produto, os interorganizacional. Neste sentido, se as partes
pedidos são menos frequentes e quando é disparado têm bom convívio social, elas são receptivas e
um pedido para o fornecedor, nem sempre se abertas a sugestões e críticas, e, principalmente,
completa uma carga do veículo. Como o fornecedor dão credibilidade à fala oposta e têm crença
recebe um pedido e tem de cumpri-lo na data no que foi dito; ou seja: há uma enorme
prometida, o custo de entrega pode ser elevado se pré-disposição à colaboração (em todos os níveis
a carga que cabe em um veículo menor tiver que de integração: estratégica, tática, interpessoal). As
ser entregue por um veículo parametrizado que é consequências disso seriam: mais agilidade nas
maior. Segundo um dos entrevistados, “... às vezes operações; maior transparência na comunicação;
é melhor entregar com atraso e pagar multa do que mais compartilhamento de informações; maior
entregar uma carga pequena...”. flexibilidade; menores custos com busca de
Logo, o compartilhamento de informações informação desnecessária a outras áreas funcionais
logísticas e comerciais é extremamente importante da empresa; maior disposição em resolver as
para que as áreas funcionais (comercial e logística) contingências logísticas, entre outros benefícios.
Vieira, J. G. V. et al.
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problemas com ruptura, como de atendimento de que contratar mão-de-obra temporária, comprar
pedido urgente e de embalagens (por causa do matéria prima urgente, planejar a produção, os
transporte). estoques, etc. A logística, neste caso, fica por
Já o setor de bebidas apresenta alto índice último... no nosso caso, tem consequência direta na
de devolução quando comparado com os demais armazenagem, pois como geralmente são produtos
setores de mercearia. A maioria destes produtos é volumosos, de baixo giro e que ocupam grandes
de baixo valor agregado, de difícil manuseio, que áreas, os custos acabam sendo maiores do que os
ocupam muito espaço e com alto risco de avarias. benefícios...”.
Vale lembrar que cada setor apresenta um índice Quando os fornecedores são pequenos,
de referência diferente de outro. Por exemplo: observou-se que grande parte da produção é
enquanto o índice de devolução acima de 10% dedicada à rede e, como este é um dos principais
para o setor de bebidas é altíssimo, para o setor clientes varejistas, sempre há planos contingenciais
de eletroeletrônicos, este mesmo índice se encontra para atendimento de pedido emergencial. Segundo
dentro dos patamares do mercado. Estes últimos um fornecedor, “... atender a este cliente é
são oriundos principalmente de Manaus, sendo o preferencial. Ele é o nosso referencial. Se o produto
transporte realizado via balsa e carretas (fora de São está faltando nele, no mercado também estará
Paulo) e por operador logístico (dentro do Estado faltando...”.
de São Paulo). No trajeto desde a origem (Zona
Franca de Manaus) ao destino final (rede varejista),
existe alta probabilidade de avarias, roubo e atrasos 4.3. Elementos de custos de transação
na entrega, que contribuem para diminuição do
desempenho logístico. Logo, raramente pedidos 4.3.1. Especificidade de ativo
urgentes ou em períodos de demanda alta são
cumpridos na data programada. Os custos são
Observa-se que a rede varejista tem investido
elevados não só pelo transporte da origem, mas
em recursos humanos para atendimento aos seus
também pela inexistência de carga de retorno.
fornecedores. Para cada setor, há um analista e um
Produtos originados do Sul (commodities) e do
coordenador que realiza reuniões mensais, sendo
Norte (eletroeletrônicos) são transportados como
que alguns fornecedores estratégicos recebem
carga estivada (ou a granel) e depois paletizados
atenção diferenciada em relação a outros.
no destino.
Por outro lado, os fornecedores têm investido
O setor têxtil é um dos que apresenta os
menores desempenhos logísticos. Geralmente, em tecnologia de informação (EDI, programas de
são fornecedores de pequeno e médio porte, que planejamento de produção e otimização de carga,
produzem produtos sob encomenda e mesmo os etc.) e em linhas de produção dedicadas para se
grandes fornecedores deste setor têm o varejo como adequar às grandes redes de varejo. Há vários
pequena parcela de seu faturamento (em torno de casos em que o fornecedor teve de mudar a sua
até 3%). Além da falta de colaboração (por meio de estrutura logística (equipes dedicadas e linhas de
ações conjuntas, compartilhamento de informações produção) para atendimento exclusivo da rede.
e integração interpessoal), é um setor que apresenta Segundo um grande fornecedor, “... utilizamos um
ainda problemas básicos de logística, como: entrega rolo de stretch film de melhor qualidade só para
de carga não paletizada; baixa utilização de EDI; atender à rede varejista. Além disso, colocamos
alta oscilação de devolução de pedido (5 a 50%); funcionários treinados para amarrar a carga e
embalagens sem a identificação do pedido, sem acompanhar a entrega da carga ao destino final...”.
data de validade ou com código de barras ilegível Para outro fornecedor, de pequeno porte, “... este
ou ausente; embalagens reaproveitadas de outros é o meu maior cliente e para atendê-lo contrato
fornecedores, etc. Tais problemas contribuem para transportadoras que já conhecem as exigências da
o baixo desempenho logístico. Por outro lado, falta rede e que garantem a entrega. Logicamente, os
planejamento de estoques e de pedidos por parte da custos disso são repassados de alguma forma para
rede varejista. Segundo um coordenador (varejo), “... a rede...”. Segundo outro grande fornecedor, “...
às vezes o comercial compra um pequeno volume tenho uma linha dedicada e docas separadas para
e, de repente, por meio de ações comerciais (por atender aos pedidos da rede diariamente...”. Porém,
exemplo, descontos no pedido) pede um alto o mesmo fornecedor relata: “... este varejo é a minha
volume para o cliente e para uma data que este não prioridade, pois as minhas metas dependem desse
tem condições de atender. Logo, o fornecedor tem fornecimento...”.
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Segundo os fornecedores do setor de das equipes responsáveis pelo projeto, tanto pelo
commodities, é dispendioso investir em recursos lado fornecedor como pelo lado varejista.
humanos, pois eleva os custos de operação que são As incertezas são mais evidentes ainda quando
altos devido à distância para entrega dos produtos. os fornecedores são pequenos. Alguns deles têm
Segundo um diretor, “... o frete para as grandes operações dedicadas à rede varejista e, às vezes,
redes (CIF) encarece até 11% no preço dos produtos deixam de atender pedidos de outros clientes para
a mais do que para o pequeno varejo (frete FOB), manter o bom nível de serviço para esta. Porém,
pois nas grandes redes temos que pagar adicional isso acarreta custos extras com armazenagem, com
logístico, transportadoras especializadas, veículos compra antecipada de material e com produção
novos e motoristas já treinados para trabalhar com dedicada.
essas redes...”.
Os fornecedores também investem em 4.3.3. Frequência
treinamento de seus funcionários para atendimento
específico da rede varejista. Alguns analistas são A frequência de entrega reduz o custo de
exclusivos para atendimento à rede. manutenção de estoques para a rede e aumenta os
custos logísticos para o fornecedor, pois este tem
4.3.2. Incerteza um custo fixo por entrega e menor economia de
escala na produção de lotes menores. Por outro
A incerteza de fornecimento é gerada pela lado, quando as entregas são automáticas, a
demora na renegociação dos contratos anuais. Eles entrega é realizada segundo um planejamento de
envolvem elevados custos de transação, pois até que produção, pois o fornecedor é suprido com melhor
ocorra um acordo entre as partes, além do próprio previsão de vendas. O aumento da frequência de
custo de contrato – elaboração de novas regras, entrega eleva o número de repedidos e contribui
tempo despendidos em reuniões, etc. –, podem-se para reduzir as incertezas da relação, devido à
reduzir as transações entre as partes e prejudicar o confiança, à troca de informações constantes e à
desempenho logístico, pois a falta do contrato gera segurança no abastecimento, sendo os processos
desconfiança e desinteresse em atender aos pedidos mais padronizados.
com os níveis de serviço desejáveis. Segundo um Do lado do varejo, os custos de estoques
gerente (fornecedor), “... nós ficamos cinco meses diminuem, pois não há a necessidade de manter
negociando o acordo anual e, durante este tempo, estoques nos centros de distribuição, apenas nas
os nossos produtos, que são os mais procurados lojas. Logo, uma maior frequência de entrega
dentro da categoria, ficaram em ruptura (chegamos leva ao aumento de transações recorrentes, maior
a entregar um único item enquanto que a nossa credibilidade para as partes e, portanto, menores
carteira para este cliente é de 700 itens). Diante custos de transação. Porém, salvo se o volume de
da falta de acordo, o nosso desempenho logístico vendas for elevado, geralmente aumentam‑se os
foi baixíssimo, pois nunca se formava carga que custos logísticos para o fornecedor. Maior frequência
compensasse a entrega dos produtos, o que exige melhor monitoramento das entregas, pois
acarretava pedido não entregue ou pedido entregue aumenta a probabilidade de falta de produto na
incompleto”. gôndola. Quando isso acontece, os custos logísticos
A incerteza também está relacionada ao tempo se elevam, pois os pedidos devem ser atendidos em
de espera para a efetivação de novos acordos situações emergenciais, o que mobiliza as equipes
logísticos. Esse tempo se eleva à medida que operacionais das empresas para se regularizar a
aumenta a complexidade da estrutura organizacional situação.
das empresas. Durante os 11 meses de observação,
alguns acordos logísticos – como fretes de retorno 5. Considerações finais e implicações
e CPFR – não chegaram a gerar projetos pilotos. gerenciais
Percebeu-se que as principais razões para isso
foram a demora na efetivação dos contratos, que O artigo apresentou uma breve revisão da
envolvia várias áreas funcionais (principalmente a literatura pertinente ao tema pesquisado e, por
Comercial que não observava prazos, quantidades e meio de um estudo de caso, buscou contribuir
previsões acordadas entre as áreas de logística das para a construção de uma base teórica sobre os
duas empresas), e a pequena participação efetiva da elementos de colaboração logística, trazendo
alta gerência. Como causas, podem-se citar poucas evidências empíricas de uma forma viva. Durante
ações conjuntas e também a saída de pessoas-chave os meses de investigação, concluiu-se, por meio
Vieira, J. G. V. et al.
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dos depoimentos de participantes das equipes coerente com os objetivos propostos, procurando
de logística dos fornecedores e da rede varejista, amalgamar conceitos importantes para tratar o
que o relacionamento interpessoal é fundamental tema, este merece continuidade em maior escala.
para uma parceria ativa e produtiva. Com maior O assunto é instigante e inspira novas pesquisas na
integração das equipes, resolvem-se com maior medida em que se observa uma maior concentração
facilidade problemas operacionais que escapam das grandes redes de varejo e das empresas
à formalidade da TI e problemas estratégicos fornecedoras, uma crescente competição e uma
conforme o melhor conhecimento dos parceiros. redução das margens de lucro, pressionando a
A participação e o envolvimento da alta redução dos custos logísticos.
gerência nos projetos de logística promovem Deve-se citar como limitação da pesquisa o
maior longevidade nos acordos e segurança da período de coleta dos dados (11 meses com mais
equipe nas negociações, pois transmitem maior de 250 horas de entrevistas e interações). Mesmo
comprometimento. O relacionamento interpessoal sendo longo, este pareceu, para os autores, reduzido
também é importante para o nível estratégico, pois para um estudo aprofundado de colaboração. As
leva a conhecer as dificuldades e as estratégias análises das parcerias e o acompanhamento de
do parceiro, permitindo identificar melhor as reuniões e interações entre as empresas envolvidas
oportunidades de colaboração. Isto pode ocorrer demandam tempo e são complexas, pois envolvem
por meio de reuniões logísticas e, principalmente, várias áreas funcionais, diferentes níveis gerenciais
de visitas técnicas. e vários processos tanto internos quanto externos
Não só a colaboração externa importa. A logística à empresa.
não é uma área funcional desvinculada das outras, Para trabalhos futuros, sugere-se a formalização
particularmente da comercial. Existem processos de modelos de colaboração que permitam a
gerenciais que envolvem ambas e muitas ações de quantificação dos elementos levantados e discutidos
uma influenciam diretamente os campos de ação nesta pesquisa. Isso proporcionaria maior evidência
da outra. Por exemplos: a postergação de pedido e generalização empírica e, ainda, contribuiria para
por falta de espaço no supermercado; os pedidos outras pesquisas, por exemplo, sobre as redes de
exagerados do produto para aproveitar condições varejo em geral.
comercialmente atraentes; os itens faltantes por
desconhecimento das limitações do fornecedor, e Referências
produtos recebidos com avarias ou baixa qualidade
deteriorada. Tais ocorrências podem ser claros ANDERSON, J. C.; NARUS, J. A. A model of distributor firm
and manufacturer firm working partnerships. Journal of
resultados de má coordenação entre essas áreas. Marketing, v. 54, n. 1, p. 42-58, 1990.
O compartilhamento de informações logísticas e BARRATT, M. Understanding the meaning of collaboration
comerciais talvez seja também uma das prioridades in the supply chain. Supply Chain Management: an
para a melhoria do desempenho logístico dos International Journal, v. 9, n. 1, p. 30-42, 2004.
fornecedores e para a diminuição de custos com BEGNIS, H. S. M.; ESTIVALETE, V. F. B.; PEDROZO, E. A.
retrabalho. Além disso, maior integração entre as Confiança, comportamento oportunista e quebra de
contratos na cadeia produtiva do fumo no sul do Brasil.
áreas funcionais das empresas e a melhoria da Gestão e Produção, v. 14, n. 2, p. 311-322, 2007.
transparência na comunicação, ou seja, mais ações
CONCEIÇÃO, S. V.; QUINTÃO, R. T. Avaliação do desempenho
conjuntas, podem reduzir os custos de transação logístico da cadeia brasileira de suprimentos de
envolvidos na parceria e criar novas oportunidades refrigerantes. Gestão e Produção, v. 11, n. 3, p. 441-453.
de colaboração. 2004
Entende-se que colaboração também exige ELLRAM, L. M. Life-cycle patterns in industrial buyer-
seller partnerships. International Journal of Physical
pré-disposição, tempo de relacionamento (por meio
Distribution and Logistics Management, v. 21, n. 9,
de renovação de acordos e tempo de transação) e p.12‑21, 1991.
investimentos iniciais que podem refletir em ganhos FORTUIN, L. Performance indicators. Why, where and how.
futuros. Além disso, nem todos querem – ou estão European Journal of Operation Research, v. 34, n. 1,
preparados – para esse convívio íntimo e diário. E p.1‑9, 1988.
pode ser ainda que lhes falte, mesmo, a visão de HEIDE, J. B.; JOHN, G. Alliances in industrial purchasing:
longo prazo necessária para entender os benefícios the determinants of joint action in buyer supplier
relationships. Journal of Marketing Research, v. 27, n. 1,
da colaboração.
p. 24-36, 1990.
Por fim, embora a discussão dos elementos
HEIDE, J. B.; JOHN, G. Do norms matter in marketing
necessários para uma colaboração logística entre os relationships?. Journal of Marketing, v. 56, n. 2, p. 32‑44,
parceiros no caso estudado tenha se apresentado 1992.
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em Engenharia de Produção) - Universidade de São financiamento parcial desta pesquisa e aos que
Paulo - USP. colaboraram no fornecimento de informações.