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JUSTIÇA

CURSO
CURSO

NA SALA DE AULA
Gra
tuit
DESAFIOS DA MAGISTRATURA
o!
O JUIZ BRASILEIRO
E O SEU PAPEL NA SOCIEDADE
DO SÉCULO XXI:
PESOS E CONTRAPESOS
KONRAD SARAIVA MOTA

4
FASCÍCULO
Copyright © 2018 by Fundação Demócrito Rocha

FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA (FDR)


Presidência: João Dummar Neto
Direção Geral: Marcos Tardin

UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE (UANE)


Gerência pedagógica: Viviane Pereira
Coordenação geral: Ana Paula Costa Salmin

CURSO JUSTIÇA NA SALA DE AULA


Concepção e coordenação geral: Cliff Villar
Coordenação pedagógica: Ana Cristina Pacheco de Araújo Barros
Gerência de marketing e projetos: Ricardo Pinheiro
Coordenação adjunta: Rebeca Sabóia
Direção de marketing: Cliff Villar
Analista de marketing: Sarah Dummar
Estratégia e relacionamento: Adryana Joca e Alexandre Medina
Direção administrativa: Cecília Eurides
Gerência de produção: Gilvana Marques
Produção: Ana Luisa Duavy
Coordenação de conteúdo: Gustavo Brígido
Edição de design e projeto gráfico: Amaurício Cortez
Editoração eletrônica: Marisa Marques de Melo
Ilustrações: Rafael Limaverde
Revisão de texto: Jonas Viana
Catalogação na fonte: Edvander Pires

Este fascículo é parte integrante do “Curso Justiça na Sala de Aula –


Ferramentas Pedagógicas para Difusão e Promoção de Temas e Conteúdos
Sobre o Papel da Justiça no Ambiente Escolar”, composto por 12 fascículos
oferecido pela Universidade Aberta do Nordeste (UANE), em decorrência do
contrato celebrado entre Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJ/CE) e a
Fundação Demócrito Rocha (FDR), sob o nº 40/2017.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação


Fundação Demócrito Rocha
Ficha catalográfica elaborada por:
Francisco Edvander Pires Santos (CRB-3/1212)

C984

Curso Justiça na Sala de Aula: ferramentas pedagógicas para difusão e promoção de temas e
conteúdos sobre o papel da justiça no ambiente escolar / Gerência pedagógica: Viviane Pereira;
coordenação de conteúdo: Gustavo Brígido; ilustrações: Rafael Limaverde. – Fortaleza: Fundação
Demócrito Rocha/Universidade Aberta do Nordeste, 2018.
192 p. : il. color.

Dividido em 12 fascículos.
ISBN 978-85-7529-869-5

Concepção, coordenação geral e direção de marketing: Cliff Villar.


Coordenação pedagógica: Ana Cristina Pacheco de Araújo Barros.
Gerência de marketing e projetos: Ricardo Pinheiro.
Coordenação adjunta: Rebeca Sabóia.

1. Direito. 2. Poder Judiciário. 3. Organização judiciária. 4. Tribunais. 5. Ministérios públicos.


6. Defensorias públicas. I. Pereira, Viviane. II. Brígido, Gustavo. III. Limaverde, Rafael. IV. Fundação
Demócrito Rocha. V. Universidade Aberta do Nordeste. VI. Título.

Todos os direitos desta edição reservados a: CDD 340

Fundação Demócrito Rocha


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Cep 60.055-402 - Fortaleza-Ceará
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fundacao@fdr.com.br
SUMÁRIO

1- Introdução............................................................................................................................................ 52
2- Do sonho à preparação: em busca do equilíbrio entre as perdas
e os ganhos ......................................................................................................................................... 52
3- A carreira: expectativas e desapontamentos .................................................................. 54
4- Modelos de juiz................................................................................................................................. 56
5- Judiciário oligárquico: existe uma caixa preta a ser aberta? .................................. 58
6- Justiça e legitimidade: qual deve ser o papel do juiz brasileiro na
sociedade do século XXI .............................................................................................................. 59
Referências ............................................................................................................................................. 62
Síntese do Fascículo .......................................................................................................................... 63
Perfil do Autor ....................................................................................................................................... 63

OBJETIVO DO FASCÍCULO
Refletir sobre a realidade da magistratura no Brasil, incursionando no processo
de acesso à carreira, nos possíveis modelos de juiz, na organização do Poder
Judiciário e na forma de legitimação democrática da judicatura.
1
INTRODUÇÃO

2
VOCÊ SABIA? Compreender o papel do juiz bra-
sileiro na sociedade do século XXI
Você sabia que o candidato exige uma séria ponderação sobre o
ao cargo de juiz precisa processo de ingresso na magistratu-
abdicar de convívios sociais ra, o modo de estruturação do Poder
e familiares para obter Judiciário brasileiro e como o magis- DO SONHO À
aprovação no concurso trado pode atrair assentimento so-
público? cial para sua atuação. Talvez nunca PREPARAÇÃO:
em tempo algum tenha se falado
tanto no Poder Judiciário. Nas rodas
EM BUSCA DO
de conversas entre amigos e familia-
res, usualmente vem à tona uma co-
EQUILÍBRIO ENTRE
locação ou opiniões sobre a postura AS PERDAS E OS
dos juízes, sobretudo no combate a
corrupção. Juízes que, a um só pas- GANHOS
so, são tachados de privilegiados e,
ao mesmo tempo, aclamados como Quando, em sala de aula, um es-
combativos e responsáveis pela in- tudante dos primeiros semestres do
tegridade de todo um sistema de curso de bacharelado em Direito foi
Poder. Magistrados que não podem indagado sobre o que pretendia fa-
errar, mas cujos erros são eviden- zer após o término do curso, “encheu
ciados o tempo todo, sem que a boca” e respondeu: “eu quero ser
haja uma avaliação sensata de juiz”. O astuto professor, o mesmo
suas reais condições de traba- que fez a indagação inicial, comple-
lho e independência funcio- menta o questionamento, pergun-
nal. O presente artigo tem tando: “por que você quer ser juiz?”.
por objetivo refletir sobre a O aluno, ainda no prelúdio de sua
realidade da magistratura formação jurídica, titubeia, mas res-
no Brasil, incursionando no ponde: “porque este é meu sonho!”.
processo de acesso à car- Muitos, tal como o aluno acima
reira, nos possíveis modelos mencionado, alimentam em seus
de juiz, na organização do sonhos profissionais o desejo de in-
Poder Judiciário e na forma gressarem em uma carreira públi-
de legitimação democrática ca. Contudo, talvez dentre todos os
da judicatura. Ao final, o que se inúmeros e prestigiados assentos no
deseja é instigar um debate em serviço público, o de juiz seja aque-
torno dos pesos e contrapesos le sobre o qual se fomenta a maior
que verdadeiramente interessam idolatria. Se, como diria Mario Quin-
à consolidação de uma magistratura tana, “sonhar é acordarse para den-
comprometida com a importância tro”, o sonho de ingressar na magis-
de suas atribuições. tratura não raro se introspecta de

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Apesar de os concursos públicos encosto na comunidade produtiva.
no Brasil serem tradicionalmente Muito perderei!”.
pautados por uma análise dogmáti- A terceira reflexão dificilmente é
co-normativa do Direito, na qual vale feita pelo candidato, porquanto ine-
mais a capacidade mnemônica do briado no ânimo incontido de trans-
candidato do que sua desenvoltura formar o sonho em realidade. Toda-
interpretativa; tem-se percebido, nos via, seus “sinais e sintomas” começam
concursos para ingresso na magis- a aparecer de maneira sutil e podem
tratura, uma mudança progressiva deturpar todo o processo. Ganha-se
de paradigma, já que as provas pro- muito em não se preparar para o con-
curam inserir o candidato em situa- curso de juiz. Ganha-se tempo para
ções concretas, problemas rotineiros, diversão, amizades, lazer, presença fa-
modo tão profundo, que o anseio para os quais a filosofia, sociologia e, miliar. Ganha-se o gozo da jovialida-
de atingi-lo provoca uma robusta principalmente, o nobre exercício do de e uma coleção de momentos que,
transformação na forma de agir e bom senso, são fundamentais. decerto, seriam obstados pelos anos
pensar do sonhador. Para disputar uma vaga, o can- de estudo e resiliência. Finalmente,
Porém, se é verdade que pode- didato – aquele mesmo que um dia ganha-se a agradável sensação de
mos sonhar, também o é que po- sonhou em ser juiz – precisa estabe- não estar “parado no tempo”, embo-
demos transformar nossos sonhos lecer o equilíbrio entre as perdas e ra esta seja uma impressão relativa-
em realidade, afinal, parafraseando os ganhos da preparação. Muitas são mente alucinatória.
Aristóteles, “a esperança emerge no as reflexões nesse processo de con- A quarta e última reflexão está as-
sonho do homem acordado”. Acon- dicionamento pessoal e profissional, sociada à primeira: “se não me pre-
tece que o caminho para a realiza- quatro delas merecendo maior des- parar para o concurso de juiz perde-
ção desse sonho, notadamente no taque: 1) o que vou ganhar me pre- rei a chance de realizar meu sonho.
Brasil, é árduo e tortuoso, implica parando para o concurso de juiz? 2) Deixarei no passado o futuro que
renúncias e provações e, na maioria o que vou perder com essa prepara- almejei na minha juventude. Jogarei
das vezes, não consegue ser percor- ção? 3) o que vou ganhar não me pre- fora minhas expectativas e, infeliz-
rido com sucesso. parando para o referido concurso? 4) mente, terei que abraçar meus de-
De acordo com o art. 93 da Cons- o que perderei se não me preparar? sapontamentos. Talvez passe o resto
tituição brasileira, o ingresso na car- A primeira reflexão é geralmente da minha vida frustrado em não ter
reira de juiz se faz mediante aprova- fácil de ser respondida: “ganharei um desenvolvido emprenho suficiente
ção em concurso público de provas e bom emprego, com um bom salário; para alcançar meu objetivo”.
títulos (BRASIL, 1988). Trata-se de cer- ganharei prestígio e poder, além de O resultado do “caldo” feito pelas
tame altamente complexo e com- competências para, através da mi- mencionadas reflexões – e muitas
petitivo, que conta com pelo menos nha função, impactar positivamente outras que não convém, aqui, explo-
cinco fases: objetiva, dissertativa, sen- na sociedade em que vivo”. rar – coloca o candidato ao cargo de
tença, oral e títulos, nas quais o can- A segunda reflexão já é mais in- juiz em um turbilhão de emoções,
didato é avaliado nos mais variados digesta, e coloca a preparação em desejos, esperanças e frustrações.
tipos de conhecimentos jurídicos1. perspectiva diversa: “se eu me de- Ademais, a preparação não é “ba-
dicar verdadeiramente a esse desa- rata”. No seio de uma sociedade de
fio, terei que renunciar muita coisa. consumo, cujo capitalismo se apre-
Passarei anos estudando, sofrerei senta hegemônico, estudar para
1 Para uma maior compreensão
sobre as etapas do concurso para ingresso com a cobrança de meus familiares, concurso exige recursos financeiros
na magistratura, sugere-se a leitura da perderei amigos, amores e, quiçá, que o candidato nem sempre possui.
Resolução nº 75 de 2009, do Conselho minha própria autoestima. Durante Cursos, livros, pagamento de inscri-
Nacional de Justiça (CNJ), disponível em: ções, compras de passagens e hos-
<http://www.cnj.jus.br/images/stories/
a preparação, serei um mero “con-
curseiro” que, na dinamicidade so- pedagem para a realização das pro-
docs_cnj/resolucao/rescnj_75b.pdf>.
Acesso em: 15 mar. 2018. cial pós-moderna, não passa de um vas, entre outros pequenos e grandes

CURSO JUSTIÇA NA SALA DE AULA 53


VOCÊ SABIA? investimentos precisam ser feitos
constantemente. O suporte finan-
Você sabia que a carreira ceiro vem, sobretudo, dos familiares,

3
de magistrado nem que, direta ou indiretamente, co-
sempre reserva ao novo bram pelo resultado, o que termina
juiz condições de trabalho por pressionar ainda mais o já fragili-
adequadas e compatíveis zado candidato.
com a relevância de suas Como se não bastasse, o preten-
atribuições. so magistrado ainda precisa cons-
truir ao longo de, pelo menos, três
A CARREIRA:
anos, a chamada “atividade jurídica”,
exigência inserida na Constituição
EXPECTATIVAS E
Federal pela Emenda Constitucio- DESAPONTAMENTOS
nal nº 45 de 2004, que, de acordo
com a Resolução nº 75 de 2009 do Em sua obra, Niklas Luhmann
Conselho Nacional de Justiça (CNJ), (1983, p. 42-93), um renomado so-
comprova-se pelo exercício da advo- ciólogo alemão, siste-matizou uma
cacia, de cargos, empregos ou fun- sofisticada teoria das expectativas.
ções que exijam o conhecimento ju- Para o autor, o mundo apresenta
rídico, além do exercício das funções ao homem uma multiplicidade de
de conciliador, mediador ou árbitro experiências, que se contrapõem ao
(BRASIL, 2009). seu limitado potencial. Neste am-
Alie-se a tudo isso o fato de que, biente, o indivíduo desenvolve uma
durante a preparação, o candidato série de expectativas comporta-
deverá manter-se “na linha” em ter- mentais, voltadas a minimizar seus
mos de integridade e moralidade, desapontamentos.
pois, durante o concurso, terá sua Existiriam dois tipos de expectati-
vida pregressa e social submetida vas: as normativas e as cognitivas. As
à sindicância, devendo desfrutar expectativas normativas, que não são
de plena saúde física e mental, sob passíveis de adaptação, precisam de
pena de ser eliminado do certame, um direcionamento que as tornem
conforme artigo 5º, inciso III, da Re- bem sucedidas, sob pena de pro-
solução nº 75 de 2009 do Conselho fundos desapontamentos. Já as ex-
Nacional de Justiça. pectativas cognitivas, que admitem
De fato, a consolidação do sonho adaptações, podem ser moldadas à
de ser juiz perpassa por uma dura realidade, modificando-se no tempo
realidade, cuja tênue barreira entre o e no espaço e, com isso, igualmente
foco e a resignação, entre o “insistir” eliminando os desapontamentos.
e o “desistir”, constrói diariamente as Ao fim e ao cabo, o que Luh-
fronteiras daquilo que se convencio- mann deseja sustentar é que o ser
nou denominar de perseverança. humano, na complexa teia social,

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Não tarda para que o recém em- gas tributárias na renda individual
possado depare-se com um “choque do mundo, somado ao desconto de
de realidade”. De repente ele perce- contribuições previdenciárias para
be que será lotado em uma peque- a percepção de proventos futuros
na cidade do interior, normalmente que a instabilidade política do país
com condições de saúde, educação, não lhe pode certificar, tudo “retido
transporte e moradia absolutamente na fonte”. Aprende, ainda, que, por
precárias. O carro oficial confunde-se conveniências políticas, sua remune-
com seu próprio veículo e o moto- ração geralmente não sofre os reajus-
rista particular é ele mesmo à frente tes periódicos previstos na Constitui-
da direção. Isso se o lugar no qual irá ção Federal.
desempenhar sua jurisdição for aces- O mais disruptivo, porém, é o de-
sível pela via terrestre, pois é comum sempenho da profissão em si. Lidar
que as comarcas, especialmente nos com conflitos diários, ser um so-
tenderá a lutar para concretizar rincões deste imenso país, somente lucionador de problemas, ter que
suas expectativas normativas e/ou sejam acessíveis por barcos ou pe- atender aos pedidos e saber que
adaptar suas expectativas cogniti- quenos aviões. suas decisões, por melhores que se-
vas, combatendo os potenciais de- Por imperativo constitucional, o jam, sempre irão desagradar um ou
sapontamentos que a vida coloca magistrado terá que residir na co- ambos os litigantes, é algo extrema-
na trilha de sua existência. marca (aquela pe-quena cidade do mente cansativo.
Ao transladar a teoria das expec- interior). Levará consigo sua família Além disso, o novo juiz vê-se envol-
tativas de Luhmann para a carreira ou, inevitavelmente, ficará longe dos to a incontáveis vedações. Legalmen-
do juiz, o que se verifica é a confir- seus, se quiser lhes conservar o míni- te, não pode exercer outra função,
mação da tese em torno da qual o mo de privações. salvo uma de magistério, não pode
magistrado lidará com os desapon- Na unidade jurisdicional, contará dedicar-se a atividade política, exer-
tamen-tos que podem permear sua com uma quantidade inimaginável cer o comércio ou outras atividades,
realidade profissional. de processos. Conflitos que lhes sub- remuneradas ou não. Não pode se
Após superar o árduo obstáculo traem a tranquilidade e o sono. Injus- afastar da comarca, sem autorização
da aprovação no concurso público, o tiças que comete pela falta de estru- do Tribunal e deve cumprir as metas
novo juiz usual-mente imagina que, tura. Poucos servidores lhe auxiliam, a de produção estabelecidas pela Cor-
dali em diante, “estará com a vida maioria já assoberbada com o volume regedoria, que, por sua vez, reproduz
ganha”. Aludido pensamento, fruto de trabalho. As partes e seus advoga- aquilo que é exigido pelo Conselho
de uma construção social deturpa- dos exigem uma prestação jurisdicio- Nacional de Justiça (CNJ).
da de que “todo juiz ganha muito nal rápida e eficaz. O novo juiz com- Na vida privada, passa a ser ro-
e trabalha pouco”, faz o neófito ma- promete-se com o bom trabalho, mas tulado como ícone de moralidade.
gistrado acreditar que terá excelen- logo percebe que o ofício põe em ris- Deve selecionar as amizades e lo-
tes condições de trabalho, motorista co sua higidez psicofísica. Muitos ma- cais que frequenta. Não pode dar
particular para lhe levar onde quiser gistrados são ameaçados e precisam um passo “fora do quadrado” que
em veículo oficial, segurança osten- se valer “da própria força” para defen- os maiores julgadores sociais lhe
siva (afinal, trata-se de uma profissão der o único bem insubstituível: a vida. “apontam o dedo”. Deve ser íntegro
de risco), além de subsídios e auxílios A segurança ostensiva que imaginava e, ao mesmo tempo, sensível aos
que garantirão o conforto próprio e ter, não passou de uma quimera. reclamos sociais. Deve ser probo e,
da família até os derradeiros dias de Mas, alguns podem pensar: “o ao mesmo tempo, combater a cor-
sua história na terra. subsídio vale a pena! O trabalho é rupção. Deve julgar, mas não pode
E o novo juiz não está sozinho bem pago!”. Ao final do mês, o novo se auto absolver das críticas sociais.
nesse pensamento. A sociedade bra- juiz aprende que o montante legal- Não lhe é possível o erro, pois é “o
sileira não só imagina, mas verdadei- mente previsto – e estampado no melhor dentre os melhores” e suas
ramente acredita, que a profissão de edital do concurso público – vem di- falhas terão sempre um peso muito
juiz é um “mar de rosas”. minuído por uma das maiores car- maior do que suas conquistas.

CURSO JUSTIÇA NA SALA DE AULA 55


Sem que se aperceba, o magis-
4
MODELOS DE JUIZ:
trado já adaptou suas expectativas
e passa a desempe-nhar seu ofício JÚPITER, HÉRCULES
com a dignidade que o contexto lhe
concedeu. Exerce sua tolerância, fo- E HERMES
menta sua sensibilidade, ajusta-se às
aspirações sociais e acomoda suas François Ost (1993), jurista e filó- dade e das máximas de experiência.
esperanças na legitimidade de ten- sofo belga, descreve três modelos O magistrado Hermes talvez seja o
tar, ao menos, ser justo. de juiz, associando-os aos deuses da tipo ideal, sério e criterioso, sabe
Mas, decerto há o lado bom da mitologia grega: Júpiter, Hércules e quando deve aplicar a literalidade
profissão. O Poder Judiciário é uma Hermes. O juiz Júpiter seria aquele da lei e também quando pode, atra-
instituição funda-mental em qual- alinhado à dogmática normativa. vés da hermenêutica, estabelecer o
quer sociedade democrática e o Reto e aplicador inconteste das leis, real alcance de seu conteúdo.
juiz, como órgão daquele poder, não se importa com a realidade so- Independentemente do modelo
tem seu papel na comunidade. Na cial e antropológica dos seus desti- de juiz adotado, haverá sempre im-
sua atuação, repousam as mais va- natários. Hércules seria o magistrado plicações sociais na atividade jurisdi-
riadas esperanças e aspirações, não típico do Estado Social, preocupado cional, com impactos significativos
só daqueles que litigam, mas dos com a situação concreta do jurisdi- na vida das pessoas. No fundo, é a
que, direta ou indiretamente, são cionado e disposto a usar de ativis- interpretação que o juiz fará do orde-
afetados pelas decisões. mos para conferir a solução que con- namento e a consistência dos funda-
Se um direito está sendo violado sidera mais equânime. Finalmente, mentos que utilizará que responde-
ou ameaçado de violação, é ao Poder Hermes seria o magistrado pondera- rão pela legitimidade de sua atuação.
Judiciário que o vitimado irá recorrer, do, que sabe se posicionar juridica- Eros Roberto Grau (2014, p. 45-
do pobre ao abastado, do analfabe- mente, a luz do ordenamento, mas 47), filósofo e ministro aposentado
to ao intelectual, todos, de algum que não ignora as peculiaridades do Supremo Tribunal Federal, utiliza
modo, dependerão de uma tutela ju- dos casos difíceis, tampouco se re- a metáfora da Vênus de Milo2 para
risdicional eficiente, cabendo ao juiz duz a improvisações. falar do processo de interpretação
exercê-la na correta medida, o que Todos os dias, os jurisdicionados da norma. Supõe o autor que três
nem sempre é uma tarefa simples. se deparam com os três modelos escultores recebam três blocos de
Evidente que o juiz não faz tudo de juiz desenhados por Ost, alguns mármore idênticos para esculpir a
sozinho. Serventuários, advogados, com vocação bem definida, outros famosa estátua da Vênus de Milo.
defensores públicos, promotores e resultado de uma mistura de ca- Os três produziriam três esculturas
demais auxiliares da Justiça contri- racterísticas típicas de um ou outro perfeitamente identificáveis como
buem significativamente para o re- padrão de atuação. Em determina- Vênus de Milo, contudo diferentes
sultado da prestação jurisdicional. das circunstâncias, o juiz Júpiter é entre si.
Porém, ao juiz será sempre impu- clamado para impor o rigor da lei,
tada a sublime tarefa de decidir, o afinal “a lei é dura, mas é a lei” (dura
que faz de si um agente capaz de lex sed lex). Em outras circunstân-
impactar de forma expressiva as cias, pugna-se pelo juiz Hércules. A 2 Escultura grega, criada em al-
judicatura se torna um instrumento gum momento entre 100 e 130 aC.
pessoas que o circundam, viabili-
Acredita-se que retrate Afrodite (Vênus
zando a construção de estima e re- de Justiça Social e, por vezes, a lei para os romanos), a deusa do amor e da
conhecimento social. é deixada de lado em prol da equi- beleza.

56 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE


Cada escultor preservará seu estilo, Nada obstante, não raro a inter-
colocará na arte sua vivência de mun- pretação do texto da lei, na análise
do, a realidade na qual está inserido. do caso concreto, produzirá os efeitos
Por fim, produzirá aquilo que dele se distintos, dentre os vários efeitos pos-
requereu. Será uma Vênus de Milo, síveis. Eis a beleza da interpretação
melhor dizendo, uma das várias Vê- jurídica e, ao mesmo tempo, o temor
nus de Milo possíveis, dentro da mol- que recai sobre o juiz. Julgar não é
dura de uma obra grega. tarefa fácil e decerto não pode ser
Trazendo a metáfora da Vênus de desmerecida pela sociedade. Achar
Milo para a interpretação da norma, o caminho correto não significa que
pode-se afirmar que o sentido do que ele é o único caminho a ser seguido.
foi prescrito dependerá muito mais Os argumentos é que suportarão o
da formação e do estilo do intérpre- peso das decisões judiciais.
te do que daquilo que o legislador Portanto, os modelos de juiz são
pretendeu quando a editou. Isto não importantes, na medida em que
quer dizer que cada juiz, na qualidade definem o estilo do julgador, sen-
de intérprete e aplicador do Direito, do equivocado indicar aprioristica-
mente o melhor modelo. No fundo,
PARA
REFLETIR
tem a prerrogativa de fazer da norma
o que bem entende. Nas sociedades não haverá certo ou errado, mas um
democráticas, não há espaços para posicionamento escolhido dentre
os vários posicionamentos possí- Não existe um modelo
solipsismos. Lembre-se de que haverá
veis. As características e a formação pronto e acabado
sempre uma Vênus de Milo, e não um
do juiz sem dúvida influenciarão de magistrado.
David3 ou uma Pietá4.
nas suas decisões e no modo como Dependo da situação
exercerá a judicatura. Entretanto, concreta, o juiz
3 Escultura renascentista criada precisará ser versátil,
pelo artista italiano Michelangelo, retra- será a coerência semântica entre
as motivações utilizadas e o pacto mas sempre atento
ta o herói bíblico Davi.
social que gerou o ordenamento às normas jurídicas
4 Escultura criada pelo artista ital- e ao compromisso
iano Michelangelo, retrata a Virgem Ma- jurídico dentro do qual atua que
conferirá consistência e aceitação à constitucional
ria segurando seu filho unigênito, Jesus
Cristo, depois de descido da cruz. postura adotada. assumido.

CURSO JUSTIÇA NA SALA DE AULA 57


VOCÊ SABIA?
que os juízes de primeiro
grau não participam da
escolha dos dirigentes dos
Tribunais a que se vinculam?

tendo como órgão de cúpula o Su- gos são geralmente escolhidos como
premo Tribunal Federal (STF), posi- dirigentes. Note-se que os juízes de

5
cionado acima dos Tribunais Supe- primeira instância não elegem sua
riores e estes acima dos Tribunais de cúpula, apenas se submetem ao
Base, aos quais se vinculam os juízos comando funcional dos escolhidos
monocráticos. A Emenda Constitu- pelo próprio Tribunal.
cional nº 45 de 2004, a propósito de Essa estrutura hierarquizada pre-
instituir a “Reforma do Judiciário”, sente nos Tribunais brasileiros, sem
JUDICIÁRIO criou o Conselho Nacional de Justi- a participação dos juízes de primeira

OLIGÁRQUICO: ça (CNJ), que integra o Poder Judi-


ciário, mas tem na sua composição
instância na eleição dos dirigentes
ou na formulação dos regimentos,
EXISTE UMA CAIXA conselheiros não necessariamen-
te egressos da carreira, figurando
fez Hugo Cavalcanti de Melo Filho,
doutor em ciência política, chamar
PRETA A SER como tal apenas durante um deter- o Judiciário brasileiro de “oligárqui-
minado período de tempo. co”. O autor quis verdadeiramente
ABERTA? Em nenhum de seus níveis, dos evidenciar o sentido pejorativo do
mais elevados aos mais rasteiros, o vocábulo, uma vez que a adminis-
Muito se ouve falar do Poder Poder Judiciário brasileiro possui ju- tração dos Tribunais no Brasil estaria
Judiciário. Alguns tão somente es- ízes eleitos democraticamente. Nos nas mãos de um restrito grupo de
peculam. Outros apresentam uma seus primeiros segmentos, o acesso pessoas, não escolhidos democrati-
sombra distorcida da realidade. se dá por concurso público, confor- camente (2014, p. 71-72).
Seria um Poder respeitado pela for- me já mencionado. Nos Tribunais, a O autor salienta, ainda, que a re-
ça de fazer valer aquilo que determi- entrada ocorre por promoções ou ferida estrutura oligárquica, além de
na ou um impenetrável reduto de escolhas políticas, a critério do chefe não se alinhar com os postulados de-
notáveis compadrios? Afinal, o que do executivo, com ou sem aprovação mocráticos de participação e cidada-
verdadeiramente se pode falar do do parlamento. Sem olvidar a regra nia, acaba atentando contra a inde-
Poder Judiciário brasileiro? Trata-se constitucional que destina um quin- pendência funcional da maior parte
de uma indagação difícil de ser res- to das vagas dos Tribunais a advoga- dos juízes, que, embora não tenham
pondida e que, certamente, ultrapas- dos e membros do Ministério Público escolhido seus dirigentes, terminam
sa as fronteiras do presente fascículo. com mais de dez anos de atuação. tendo de se submeter às diretrizes
Entretanto, certas reflexões sobre o A administração dos Tribunais é por eles estabelecidas, criando o que
modelo de Judiciário no Brasil serão formada por componentes eleitos chamou de déficit de democracia
sempre muito bem vindas. por seus próprios pares, integrantes (MELO FILHO, 2014, p. 73-76).
O Poder Judiciário brasileiro, tal do mesmo colegiado. Em atenção a Em certa medida, não se pode
como ocorre em outros países, se- um tradicional e longevo “acordo de deixar de conferir razão ao autor. Isto
gue uma estrutura hierarquizada, cavalheiros”, os membros mais anti- porque, de fato, os Tribunais brasilei-

58 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE


ros são governados por poucos que Para o cidadão comum, o Poder
nem sempre estão preparados para Judiciário brasileiro parece mes-
tal, uma vez que a incumbência mo um espaço impenetrável. Mui-
administrativa comumente desafia to disso se deve, como bem assina-
competências que os juízes não pos- lou Jorge Neto, à falta de vontade
suem, como ordenação de despesas, institucional e política de querer
gestão de pessoas, governança, pla- uma abertura condizente com
nejamento estratégico, entre outras. aquela exigida pela legitimidade
Todavia, esquece-se o autor de evocada nas democracias madu-
que as competências administrati- ras. Nada obstante, o Poder Judici-
vas acima destacadas, e muitas ou- ário não pode renunciar seu papel
tras que somente a rotina poderia na sociedade moderna, que clama
elencar, também são exigidas dos por um ambiente adequado para
juízes de primeira instância, chefes a solução de seus conflitos e que
maiores de suas unidades jurisdicio- quer, da maneira mais célere pos-
nais. Por óbvio, as proporções são di- sível, uma prestação jurisdicional
ferentes, mas os juízes monocráticos eficiente. Eis o desafio!
são também gestores de suas Varas
e dos serventuários ali lotados.

6
Para além das questões inter-
na corporis, outra crítica que se faz
ao Judiciário brasileiro reside na
pouca ou quase nenhuma in-
terferência da sociedade no
seu funcionamento. Alega-
-se que o Poder Judiciário
JUSTIÇA E
no Brasil é fechado, uma LEGITIMIDADE:
verdadeira “caixa preta”.
Nagibe de Melo Jorge QUAL DEVE SER
Neto, juiz federal e dou-
tor em direito, propôs- O PAPEL DO JUIZ
-se a escrever sobre o
tema. Segundo o au-
BRASILEIRO NA
tor, seriam inúmeros SOCIEDADE DO
os componentes que
estariam por dentro SÉCULO XXI?
dessa “caixa preta”, indo
desde a formação e in- Vivemos em uma sociedade
gresso dos juízes, pas- cuja satisfação imediata e a super-
sando pela composição fluidade de interesses desconstrói
e forma de atuação dos aos poucos os laços de longevida-
Tribunais, a relação do Ju- de. Consumo, globalização, novas
diciário com os demais po- tecnologias são, dentre outros fa-
deres e a política, até o gra- tores, os grandes responsáveis pelo
ve problema gerencial das que Zygmun Bauman denominou
cortes e a corrupção endêmi- de “modernidade líquida”. Para o
ca, que assola o país e não anseia sociólogo polonês (2001, p. 16), a
por uma Justiça verdadeiramente sociedade do século XXI, dita pós-
atuante (JORGE NETO, 2016). -moderna, é mole, fluida, flexível.

CURSO JUSTIÇA NA SALA DE AULA 59


PARA
REFLETIR
por não ocupar A velocidade daquilo que vem e
um cargo eletivo, a vai faz com que tudo se limite ao
legitimidade do juiz tempo de um “click”. O pluralismo
se faz através de sua social é inconteste e o respeito às
atuação, devendo diferenças se impõe de maneira
primar pela clareza, cada vez mais decisivo, tornando cionar conflitos, decidir questões
celeridade e impossível a convivência sem o es- complexas e tentar, respeitando às
fundamentação de tímulo à tolerância. suas limitações, fazer seu trabalho da
suas decisões, com Evidente que o respeito às esco- melhor forma possível. O fato de se-
a consciência de lhas e às subjetividades das pessoas rem humanos e falíveis não é, entre-
que elas afetam a depende de uma capacidade de tanto, desculpa para erros crassos ou
vida das pessoas. autodeterminação que, por impe- devaneios jurídicos. Aqui, sobressai
rativo de consenso, somente se en- a segunda premissa: o juiz deve ser
contra nos Estados Democráticos. qualificado e saber compreender o
No Brasil, porém, o modelo de Ju- ordenamento jurídico que aplica.
diciário ainda é extremamente con- Falar em ordenamento jurídico
servador e hermético, o que torna não é restringir a atuação jurisdicio-
oportuna a seguinte pergunta: qual nal àquilo textualmente prescrito na
o papel do juiz brasileiro na socie- literalidade da lei. Conforme falado
dade do século XXI? anteriormente, a aplicação do Direito
Na tentativa de apresentar, ao é muito mais resultado daquilo que
menos, um esboço de resposta, al- se interpreta do que das intenções
gumas premissas precisam ser es- genéticas do legislador. O importan-
tabelecidas. A primeira delas é a te é que a interpretação se aperfei-
de que não se pode esperar de çoe com observância das diretrizes,
um juiz a perfeição. Os juízes são princípios e preceitos dispostos, ex-
seres humanos e, nesta qualida- plícita ou implicitamente, na Cons-
de, mediados pela linguagem, tituição Federal. Esta representa o
arte, religião e ciência. Como pacto social que imanta toda a so-
bem prenuncia Ernst Cassirer, ciedade, os desejos e as aspirações
filósofo alemão, o ser humano é dos indivíduos e as funções estatais.
movido por símbolos, assim en- Além do mais, é nela que se enun-
tendidos como sinais, dotados de ciam os direitos fundamentais, cujo
significados que só o seu pensa- núcleo contém um dos valores mais
mento reflexivo é capaz de conferir caros ao ser humano: sua dignidade.
e cujo conjunto forma aquilo que se O juiz moderno, portanto, deve está
reconhece como cultura humana atento à Constituição!
(CASSIRER, 2012, p. 45-50). A terceira premissa refere-se à legi-
Portanto, os juízes são falíveis e timidade da atuação judicial. No Brasil,
influenciados pela sua formação como se disse, os juízes não são eleitos.
cultural. Apesar disso, devem solu- Daí a importância do caminho que

60 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE


deve seguir para alcançar sua legitimi- deve ter do processo. Alguns magis-
dade. A única forma de trazer para o trados consideram o processo como
Poder Judiciário o assentimento social um instrumento a serviço de si, o que
é através da lisura, transparência e, so- os leva a fazer um uso quase exclusi-
bretudo, consistência da judicatura. vo das prescrições processuais. Ou-
As decisões judiciais precisam ser tros juízes – e talvez esta seja a forma
fundamentadas, redigidas de ma- mais democrática – o veem como
neira clara e compreensível. O juiz um espaço de construção comparti-
precisa “antenar-se” ao mundo em lhada da decisão judicial.
que vive, assimilando os valores e Ora, o processo não é e nem deve
demais expectativas da comunida- ser uma mera ferramenta a ser ma-
de. Por outro lado, o juiz precisa ser nuseada pelo magistrado do modo
coerente com o Direito e afastar-se como bem entende. As partes são,
das improvisações (casuísticas e de- na verdade, as mais interessadas no
veras perigosas). O juiz precisa ser resultado, portanto devem cooperar
probo e exercer o bom senso. O juiz para uma solução que retrate essa
necessita, acima de tudo, ser sensí- participação. Vale ressaltar que o
vel com a realidade do jurisdiciona- princípio da cooperação processual
do, exercendo a empatia e se colo- foi, inclusive, expressamente assimi-
cando como vetor de pacificação. lado pelo Código de Processo Civil
Finalmente, a quarta e última de 2015, assinalando, no seu art. 6º,
premissa situa-se na visão que o juiz que “todos os sujeitos do processo
devem cooperar entre si para que se
obtenha, em tempo razoável, deci-
são de mérito justa e efetiva” (BRA-
SIL, 2015).
A sociedade brasileira somente
legitimará o juiz quando perceber
que pode participar de sua atuação,
reconhecendo a importância do ofí-
cio e se sentido representada no am-
biente decisório. Ainda que não con-
corde com o resultado apresentado,
o jurisdicionado saberá que para ele
cooperou e isso, por si, já configura
um avanço democrático.
Desse modo, pode-se dizer que o
juiz brasileiro, a despeito de sua fa-
libilidade, deve ser qualificado, em-
pático e aberto à participação dos
litigantes no processo de tomada de
decisões. É provável que, ao reunir
essas características – ou ao menos
tentar reunir –, o magistrado do sé-
culo XXI consiga se legitimar frente
ao pluralismo e à superfluidez pós-
-modernos, no Brasil ou em qual-
quer outro Estado Democrático.

CURSO JUSTIÇA NA SALA DE AULA 61


SÍNTESE DO
FASCÍCULO
A tarefa do juiz brasileiro não é fácil. Mesmo conside-
rando os desafios de sua preparação, na busca de con-
cretizar o sonho de ingresso na carreira, não se pode
ter como verdadeira a impressão de que tudo melhora
depois da posse. A atividade jurisdicional é complexa e,
usualmente, exige do juiz mais do que aquilo que ele
humanamente pode dar. As condições de trabalho, o
engessamento das progressões funcionais, as influências
políticas e tudo mais que interfere na sua atuação fazem
do magistrado brasileiro alguém que, verdadeiramente,
precisa está consciente da relevância de seu papel social.
No Brasil, o Poder Judiciário ainda conserva uma es-
trutura pouco compreendida pela sociedade. Muitos im-
putam aos juízes um corporativismo exacerbado, como
se a sociedade tivesse apenas que suportar anunciados
“privilégios”, sem obter a solução efetiva de seus recla-
mos. Por outro lado, os litígios se multiplicam e essa
mesma sociedade anseia por respostas eficientes, de-
positando no Poder Judiciário a esperança de combate
às injustiças. No meio dessa contradição, afiguram-se os
juízes, indivíduos que escolheram a judicatura como pro-
fissão e que carregam o peso da responsabilidade que a
toga naturalmente lhes traz.
Os juízes não ocupam seus cargos por escolha do
povo, mas o povo acaba sendo o destinatário final de sua
atuação. Assim, o exercício da jurisdição não pode pres-
cindir da legitimidade popular, a qual só pode ser adqui-
rida com o respeito às garantias da magistratura e com a
inserção progressiva de postulados democráticos na sua
realidade funcional.

62 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE


REFERÊNCIAS PERFIL
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DO AUTOR
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CURSO JUSTIÇA NA SALA DE AULA 63


Este fascículo é parte integrante do curso online gratuito
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