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 REVISTA DE ESTUDOS JURÍDICOS UNESP
Comissão Editorial
Alfonso Luis Calvo Caravaca (Univ. Carlos \lI-Madrid)
Alfredo José dos Santos (Unesp)
António José Avelãs Nunes (Univ. Coimbra)
Carlos Eduardo de Abreu Boucault (Unesp)
Elisabete Maniglia (Unesp)
Fernando Andrade Fernandes (Unesp)
José Luiz Borges Horta (UFMG)
José Manuel Aroso Linhares (Univ. Coimbra)
Luiz Antonio Soares Hentz (Unesp)
Norman Palma (Univ. Paris VIII-Sorbonne)
Sérgio Salomão Shecaira (USP)
Vera Andrade Pereira (UFSC)
Yvete Flávio da Costa (Unesp)
COllselho COllsultivo
Antonio Alberto Machado (Unesp)
Artur M~rques da Silva Filho (Unesp)
Elcio Trujillo (Unesp)
Jete Jane Fiorati (Unesp)
João Bosco Penna (Unesp)
José Carlos de Oliveira (Unesp)
José Carlos Garcia de Freitas (Unesp)
Nélson Néry Júnior (Unesp)
Paulo César Corrêa Borges (Unesp)
Paulo Roberto Colombo Amoldi (Unesp)
Riva Sobrado Freitas (Unesp)
Roberto Brocanelli Corona (Unesp)
Publicação Semestral - Solicita-se pennuta
Endereço para correspondência - Avenida Eufrasia Monteiro Petráglia n° 900
Cep 14409-160 - Franca -SP
Endereço eletrônico / e-mail -publica@franca.unesD.br
APRESENTAÇÃO
Nesta edição de nO 16, de dezembro de 2007, temos uma marcante
participação de professores de outras instituições universitárias e, desde agora,
ficamos agradecidos pelo espírito de colaboração. Os agradecimentos estendem-
se, também, aos professores do Curso de Direito da Unesp, que mais uma vez
apresentaram valorosa contribuição para a revista.
Dentro da preocupação com a temática do Programa de Pós-Graduação,
os temas explorados pelos diferentes artigos são diversos: a questão do menor,
dos crimes falimentares, da desigualdade social, do meio ambiente, da
capitalização das empresas, dos abusos da autoridade administrativa, do
ambiente de trabalho e da dignidade humana. O corpo discente colabora ,
também, com a resenha de obras de lançamento recente e de importância para o
âmbito das Ciências Sociais.
A diversidade de temas permite à revista continuar privilegiando a
multidisciplinaridade das temáticas abordadas nos artigos publicados,
viabilizando uma visão plural do mundo jurídico. Da mesma forma,
permite uma abordagem multi facetada das questões exploradas no programa
de mestrado, como a questão da cidadania, da dignidade humana' e a do
desenvolvimento sustentável.
Assim, a Revista de Estudos Jurídicos da Unesp, mais uma vez, procura
contribuir para as discussões mais significativas para o entendimento da
realidade brasileira. Agradecendo, uma vez mais, aos colaboradores que
pem1itiram manter a qualidade deste trabalho, deseja-se que todos possam
apreciar o conteúdo de mais este número da revista.
Presidente do Conselho Editorial

Revista de Estudos Jurídicos UNESP (Faculdade de

História, Direto e Serviço Social- UNESP) Franca-SP,
Brasil, 1996 -
2007,1 - 16

ISSN 1414-3097

Capa: Orlineya Maciel Guimaraes

 FAZZIO JUNIOR, W. Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas. 2.
ed. São Paulo: Atlas, 2005.
FRAGOSO, H. C. Direito Penal Econômico e Direito Penal dos Negócios.
Revista de Direito Penal e Criminologia, n. 33, Rio de Janeiro: Forense, jan.-
jun. 1982, p. 122-129.
MACHADO, R. A. (Coord.). Comentários à Nova Lei de Falências
Recuperação de Empresas. São Paulo: Quartier Latin, 2005.
MIGLIARI JÚNIOR, A. et aI. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas
e Falência. Paulo F. C. Salles de Toledo e Carlos Henrique Abrão (Coords.).
São Paulo: Saraiva, 2005.
MOSSIN, H. A. Comentários ao Código de Processo Penal: à luz da doutrina e
da jurisprudência. Barueri/SP: Manoel, 2005.
PITOMBO, A. S. Contribuição aos Estudos dos Crimes Falimentares. Luiz
Fernando Valente de Paiva. (Coord.) Direito Falimentar e a Nova Lei de
Falências e Recuperação de Empresas. São Paulo: Quartier Latin, 2005.
PODV AL, R.; MANOEL HAKIM, P. K. Aspectos processuais penais da lei de
falências. Luiz Fernando Valente de Paiva. (Coord.) Direito Falimentar e a
Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas. São Paulo: Quartier Latin,
2005.
REQUIÃO, R. Curso de Direito Falimentar. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 1995.
SILVA, J. A. da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 23. ed. São Paulo:
Malheiros, 2004.
SIMÃO, A. Comentários aos artigos 168 ao 178. Obra coletiva coordenada por
Newton de Lucca e Adalberto Simão. Comentários à Nova Lei de Recuperação
de Empresas e de Falências. São Paulo: Quartier Latin, 2005.
TEOTÔNIO, L. A. F. Culpabilidade: Concepções e Modernas Tendências
Internacionais e Nacionais. Campinas/SP: Minneli, 2002.
106 Rf'l'i.~lfI EsludfJ.~.Iurídiro.~ l'XE)I'. fmnnJ. n.16.1'. R;'-106.jllfl.df'.;.:,!(JOi
ABORTO EM CASO DE ENFERMIDADE INCURÁVEL
João Bosco PENNA*
José Américo ZAMPAR JÚNIOR**
Juliana Carolina Frutuoso BIZARRIA**
e
SUMÁRIO: I O aborto na legislação brasileira e comparada; 2 Aborto e
enfennidade inCurável; 2.1 Enfennidade incurável; 2.2 Algumas anomalias
fetais; 3 Agentes teratogênicos; 4 Principais métodos para diagnóstico de
anomalias fetais; 5 Antecipação terapêutica do parto, eugenia e
enfennidade incurável.
RESUMO: O tema aborto é assunto bastante controverso no meio juridico e, em que pese a
ausência de previsão legal para a realização da prática em caso de enfennidade incurável do feto,
existem diversos projetos em tramitação para modificar a legislação penal e pennitir essa
modalidade, consoante várias legislações estrangeiras que assim o fizeram. Debate-se, deste modo,
a possibilidade de abOlto em caso de enfennidade incurável, diferenciando, ainda, o denominado
aborto eugênico e a antecipação terapêutica do parto, tudo através da visão médico-legal.
AflSTRACT T7,e theme aborlioll is a quite conlroversial subject in lhe juridical field and,
concerning lhe absence of legal forecast for the accomplishment of the practice in case of
incurable i/Iness oflhefetus, several projects exist in procedure lO modifY the penallegislalion and
to allow t/wt modality, consonanl lo several foreign legislalions. It is in debate, this way, the
abortion possibility in case of incurable iIIness, differentiating the aborlion denominated eugenic
and the therapeutic anticipation ofthe childbirth, everything through theforensic vision.
PALAVRAS-CHAVE: Aborto; enfennidade incurável; anomalia fetal; legislação penal brasileira.
KEYWORDS: Abortion: incurable iIIness;fetal anomaly; Brazilian penallegislation.
1. O aborto na legislação brasileira e comparada
Antiga é a discussão sobre o aborto na história da humanidade. A
sociedade grega assumia profunda divisão quanto ao tema, pois enquanto Sólon
e Hipócrates eram veementemente contra a prática, Aristóteles e Platão a
• 1
apoIavam.
Já para os Romanos o tema variou conforme os ciclos desta
civilização. No período da República o feto era considerado parte do corpo-da.
gestante, e, esta podia dispor dele tal como quisesse. Em momento posterior,
contudo, a prática passou de um direito da esposa a ser considerado uma
"lesão ao direito do marido à prole", punido com altas penas chegando até
mesmo ao exíli02.
Com a ascensão da cultura judaico-cristã a reprovação ao aborto tornou-
se um dogma, consolidando-se durante a Idade Média com a forte influência da
• Livre-docente e professor de Medicina Legal pela UNESPIFranca .
••Discentes do 5° ano do Curso de Direito da UNESP/Franca.
I HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1942, v. 5, p. 234.
2 HUNGRIA, op. cit., p. 234-235.
Ifl'ri.~,(l E~I!J(I(J.~.Iurídi(,II.~L\E\'/'. Frt//I('(J. fi. 16./1. J1C·13;.jlltl.lfl,=.:!(J(J~ 107
 Igreja Católica e a idéia de vida na concepção, ou especificando, o recebimento
da alma.
Difundida, assim, a incriminação do aborto na sociedade moderna, este
foi regulado na legislação penal brasileira pelo Decreto n. 847 de 11 de outubro
de 1890, o Código Penal dos Estados Unidos do Brasil, o delito de aborto não
sofreu grandes alterações em sua estrutura típica básica nos últimos 125 anos.
Estabelecia o Código Penal da República, em seu art. 300, que provocado o
aborto o agente sofreria "prisão celular" de dois a seis anos, e caso houvesse morte
da gestante a pena seria de seis a vinte e quatro anos, a mesma do homicídio
simples (art. 294, §2°); no caso de tentativa, a pena seria de seis meses a um ano. Já
para o aborto consentido a pena variava de um a cinco anos, e para o aborto legal ou
necessário, somente seria apenado o agente se atuasse com impericia ou negligência
ocasionando, assim, a morte da gestante com pena de dois meses a dois anos, além
da privação do exercício da profissão pelo prazo da condenação.
O Decreto 847 foi revogado pelo Decreto 2.848 de 27 de dezembro de
1940, atual Código Penal Brasileiro que tipifica o aborto nos arts. 124 a 128 em
suas categorias: criminoso (art. 124 - auto aborto; art. 125 - por terceiro, não
consentido; art. 126 - por terceiro, mas consentido; e art. 127 qualificado pelo
resultado), sentimental (art. 128, lI), necessário (art. 128, I), e culposo (art. 129,
§2°, V).
Incluído no Título I da Parte Especial, dos "Crimes Contra a Pessoa",
especificamente no Capítulo I "Dos crimes contra a vida", traz como sua
objetividade jurídica a vida humana, em especial, a vida humana que está se
formando, contra possíveis agressões externas, tanto por parte da gestante, quanto
por parte de terceiros. Nelson Hungria dizia ser o feto uma spes personae3,
enquanto que Júlio Mirabete afirmava que "desde a concepção [...] existe um
gern1e, que cresce, se aperfeiçoa',4, é a proteção a que alguns denominam de vida
intra-uterina. Deste modo, o sujeito passivo do crime de aborto será sempre o feto
em formação, podendo ser a mulher nos casos em que o aborto é praticado sem o
seu consentimento; alertava ainda, Mirabete5, que embora seja o feto o sujeito
passivo do delito, não é este o titular do bem jurídico ofendido, sendo talo "Estado
ou a comunidade nacional".
Contudo para que se configure o tipo penal é necessário que estejam
presentes os elementos: "(a) dolo; (b) o estado fisiológico da gravidez; (c) o
emprego de meios dirigidos à provocação do aborto; e (d) a conseqüente morte
do feto,,6.
Necessária é a presença ·do elemento dolo, ou seja, consciência e
3 HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1942, v. 5, p. 248.
4 MIRAI3ETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2004, v. 2, p. 94.
5 MIRABETE, loc. cit.
6 HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1942, V. 5, p. 253.
108 /I/Ti.'/II fI/udo., .If1rídiro .•I'.IEI"I', fflHlflL /llh. fi. /IIi·/:i7.jml.ll/·;.!/IIC
vontade de realizar os elementos do tipo, em suas mais diversas espécies (direto,
de 1° ou 2° grau ou indireto, em sua subespécie eventual). Assim, é necessário
que o agente (gestante ou terceiro - médico ou parteira) tenha a intenção de
causar a morte do concepto, ou mesmo assuma o resultado de produzi-la,
quando causa lesões corporais na gestante sabendo da gravidez. Não há punição
a título de culpa, ainda que a gestante haja com negligência. Ainda não basta
que o agente queira o aborto, deve existir o real estado fisiológico de gravidez,
pois caso este não ocorra, ou seja, apenas um estado psicológico, recairá em
crime impossível, respondendo o agente por eventuais lesões corporais
provocadas à mulher.
Terceiro elemento essencial para a configuração do tipo penal é o
emprego de meios que visem o aborto (físicos, químicos e psíquicos\ ou seja,
ainda que o agente desfira um golpe contra a face da gestante este não passará
de uma lesão corporal, pois caso se admitisse a punibilidade nestas hipóteses,
estar-se-ia falando de punição a título de culpa consciente.
Por fim, Hungria elenca a "conseqüente morte do feto" como último
elemento do tipo, donde se podem auferir, em realidade, dois elementos para a
tipificação penal do aborto: a consumação e o nexo causal. A conduta dirigida
do agente tem que estabelecer um nexo direto com o resultado morte do feto
para que se configure o crime de aborto, porque, como adverte Alberto Silva
Franco, mesmo com a "adoção de um meio abortivo é indispensável apurar se o
aborto foi conseqüência dele ou de outra causa"s.
Já em relação à consumação do delito de aborto, discutiu-se se é com a
morte do feto ou com a expulsão deste, chegando a doutrina e jurisprudência à
conclusão de que desnecessária é a expulsão do feto, distinguindo, a partir daí, a
condição de que se ocorrer a morte do feto, consumado estará o delito, mas se,
no entanto, a expulsão não ocorrer, ou ocorrendo, haja a sobrevivência do feto
(antecipação do parto), estar-se-á diante da hipótese de tentativa.
O quantum punitivo varia conforme o agente e a gravidade do caso,
sendo que se for a espécie de auto-aborto ou aborto consentido, a pena para a
gestante será de um a três anos; já quando é praticado por terceiro a pena poderá
variar de reclusão de um a dez anos, dependendo se foi ou não consentido pela
gestante, sendo presumida a violência quando a gestante é menor de 14 anos. Em
sua forma qualificada, por lesões corporais ou morte da gestante, a pena pode ser
aumentada de um terço ou duplicada, dependo do grau do dano causado à
paciente.
Cuida, ainda, a legislação penal, em seu art. 128, das duas formas não
puníveis: o aborto necessário e o aborto sentimental. Tipificado no inciso I do
7Confira abaixo alguns dos meios empregados para a realização do procedimento abortivo.
S FRANCO, Alberto Silva; et a!. Código Penal e sua interpretação jurisprudencial. 5.cd. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 1655.
/lpri.\/II/:'s/l/Ilo .•.If1rídifll.\ I\ESI', rmllm. 11.16./'. /II;./:ii.jIlIlAe=.2fllli 109
 art. 128, o aborto necessário ocorre quando não há outro meio de se salvar a
vida da gestante, sendo, pois, requi,sitos deste estado de necessidade o perigo à Deputados. Os três projetos que tramítam no Senado Federal13 tratam
especificamente da excludente para o aborto nos caso de feto anencéfalo e
vida da gestante e a ausência de meios diversos para sua salvaguarda. No aborto
necessário, a legislação ao valorar um possível conflito entre os bens jurídicos justificam os senadores sua proposta no alto grau de risco desta gravidez, bem
como no forte impacto psicológico causado à gestante.
vida da gestante e vida do concepto, atribui maior valor à primeira, devendo
esta ser conservada em detrimento da segunda, entendimento oposto ao da Já dos 18 projetos em tramitação na Câmara dos Deputados, 7 buscam
Igreja, que propugna pelo nascituro. Pode-se, ainda, subdividir este estado de uma maior incriminação deste delito, enquanto 11 propugnam desde uma maior
necessidade em duas subespécies: o aborto terapêutico (curativo) ou o liberação até a total descrimina1ização da prática abortiva. Entre aqueles
profilático (preventivo). projetos que buscam uma maior incriminação para o delito de aborto, doisl4
Hungria9 lembra ainda, que no aborto necessano, não é exigível o buscam inclUÍ-lo entre o rol dos chamados crimes hediondos. Justificam os
consentimento da família ou da própria gestante, pois esta, muitas vezes poderá autores que tal prática não só atinge a vida em si, mas o faz com requintes de
estar, até mesmo, em estado de inconsciência e a preservação do ser (mulher) é, crueldade e sem defesa para a vitima. Já outrosl5 buscam revogar as hipóteses
de excludente previstas no art. 128 do Código Penal. Há também aqueles
para o ordenamento, superior a do dever ser (feto). Posição contrária é a
sustentada por Franco 10, que, em suas lições, alerta que muitas vezes esta projetos que buscam penalizar mais severamente o aborto na forma várias vezes
hipótese é usada para acobertar um verdadeiro aborto e que necessário é a maior aceita em nossos tribunais, de fetos anencéfalosl6. Chegando, até mesmo, a um
atenção dos profissionais quanto a isto, amíúde as novas técnicas e avanços da projeto de Emenda Constitucional, a PEC 25/1995, de autoria do então
medicina que tem conseguido evitar tais hipóteses. Deputado Severino Cavalcante que buscava dar nova redação ao caput do art. 5°
A segunda hipótese legal para a interrupção da gravidez desprovida de da Constituição Federal para nele incluir a "garantia do direito à vida, desde a
pena é o chamado aborto sentimental, ou seja, conforme descreve o tipo (art. sua concepção".
128, 11)é a interrupção da gravidez proveniente de estupro, desde que seja esta
interrupção consentida pela gestante. Essa espécie se justifica, como lembra PROP~TAS LEGISl,ATIVAS NA "AMARA DOS DEPUTADOS
Pro fitos ontra";~l.~~:.dW;~;:Q<;~"';.~'~~t:</'~",,':~
-i'i;~.}";:>J;t;(3o}~<;4';', ..(:fPro atos F-avoraveis""'Y=::,c ;-;""'~; Total
Hungria, porque não se pode obrigar a mulher a "aceitar uma maternidade Partido tO~putadO'(' ;'~utada
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odiosa, que dê vida a um ser que lhe recordará perpetuamente o horrível PT',;.:z:,01'·'.;.:):i- ~$->~h{~-'~',~1 _-.r:;.~'1t.:~ l.i1B:. ·V-1'02 :.r,;::t~'7 ,~~"'<8
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grande a discussão acerca da descrimínalização do aborto ou de um possível

aumento das causas de aborto não punível.
O projeto de Reforma da Parte Especial do Código Penal inclui um
inciso III no art. 128, para não punir o aborto quando houver "fundada
probabilidade, atestada por dois outros médicos, de o nascituro apresentar
graves e irreversíveis anomalias que o tomem inviável,,12, ou seja, para incluir o
aborto em caso de anomalia incompatível com a vida.
Não somente este projeto tramita no Congresso Nacional, mas mais 21
tratando especificamente da temática: 3 no Senado e 18 na Câmara dos
Já no segundo grupo, daqueles projetos que buscam uma maior
liberalização do aborto junto à sociedade brasileira, pode-se realizar uma
divisão em quatro sub-grupos bem definidos: o primeiro daqueles que buscam
uma maior liberalização quando o feto padecer de anencefalia ou outra
incompatibilidade com a vidal7; já o segundo grupo busca a supressão total do
13 Projeto de Lei n. 183/2004 de autoria do Senador Duciomar Costa, 22?/2004 de autoria do
Senador Mozarildo Cavalcanti e 312/2004 de autoria do Senador Marcelo Cnvella.
14 Projeto de Lei n. 4703/1998 de autoria do Deputado Francisco Silva e 4917/200 I de autoria do

9 HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1942, v. 5, p. 273. Deputado Givaldo Carimbão. '.
10 FRANCO, Alberto Silva; et a!. Código Penal e sua interpretação jurispnldencial. 5.ed. São 15 Projeto de Lei n. 7235/2002 de au~oria do Deputado Sevenno Cavalcanti e 5364/2005 de
Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 1662. autoria dos Deputados Luiz Bassuma e Angela Guadagnm.
11 HUNGRIA, loc. cit. 16 Projeto de Lei n. 1459/2003 de autoria do Deputado Severino Cavalcanti e 5166/2005 de
12 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Anteprojeto da parte especial do autoria do Deputado Takayama. .
código penal: (texto entregue ao ministro da justiça). São Paulo: Procuradoria Geral de Justiça do 17 Projeto de Lei n. 1174/1991 de autoria do Deputado Eduardo Jorge, 328011992 de autona do

Estado: Associação Paulista do Ministério Público, 1999, p. 40. Deputado Luiz Moreira, 195611996 de autoria da Deputada Marta Suplicy, 4834/2005 de autoria
dos Deputados Dr. Pinotti e Luciana Genro, 660/2007 de autoria da Deputada Clda DlOgo.
110 Unistfl Estudos.lurítlims LlfS/'. Fmllul. n./6. p. /lC·J:C.jl/lu/I':.211I1i
R,•.i.,tll [,tUl/OS.Il1rídirus [flESI'. FrWWII.n./6./,. /O~-/3~.jlln.d,:.2/HI~ 111
delito em nosso ordenamentol8; o terceiro grupo busca ampliar o rol do aborto mista. Já no Senado Federal, a apresentação foi feita unanimemente por
sentimental, para nele incluir o atentado violento ao pudor ou quando a gravidez senadores.
for provocada por parente próximol9; por fim, o último grupo busca disciplinar A legislação civil brasileira, por sua vez, protege os direitos do
a matéria tal qual é feita em países no exterior, estabelecendo prazos específicos nascituro desde a sua concepção, prevendo, por exemplo, instrumentos
para a realização do aborto, tal como 16 semanas sem justificativa ou 24 processuais capazes de resguardar a posse em nome do nascituro23, todavia
semanas no caso de o nascituro sofrer de doença congênita incurável20. sublinha que a personalidade civil da pessoa somente começa com o nascimento
O projeto em estado mais avançado de tramitação, de autoria do com vida (Art. 2° do Código Civil). Conforme se analisou, a legislação penal
Deputado Eduardo Jorge, previa a descriminalização do aborto, contudo, após brasileira protege o nascituro de possível atentado contra a sua vida que a mãe
passar pela Comissão de Seguridade Social e Família, com o parecer e ou terceiro possa realizar através da prática do aborto em casos que não são
Substitutivo apresentado pela Deputada e Relatora Jandira Feghali, não prêve aqueles expressamente autorizados pelo Código Penal.
mais a descriminalização da prática, mas sim o estabelecimento de prazos Importa salientar que a proteção dada a certos direitos do nascituro na
esfera civil difere da discussão acerca da proibição do aborto por interrupção
específicos para a realização do procedimento, sendo:
voluntária ou em caso de enfermidade incurável na esfera penal e não
Art. 2" Fica assegurada a interrupção voluntária da gravidez em condiciona, de qualquer modo, a crescente incriminação de todo e qualquer
qualquer das seguintes condições: atentado contra o feto como se já indivíduo fosse, porque está implícita nas
I - até doze semanas de gestação; disposições penais que o legislador considera que o feto tem potencialidade para
" - até vinte semanas de gestação, no caso de gravidez resultante
se tomar pessoa, mas não é pessoa propriamente dita. Conforme destaca Diaulas
de crime contra a liberdade sexual;
1II - no caso de diagnóstico de grave risco à saúde da gestante; Ribeiro:
IV - no caso de diagnóstico de malformação congênita
incompatível com a vida ou de doença fetal grave e incurável21. (...) o Direito Penal, ao punir o aborto, está, efetivamente, punindo
a frustração de uma expectativa, a expectativa potencial de
surgimento de uma pessoa. Por essa razão, o cr~me de aborto é
No entanto, o grande problema que se pode observar nas Casas contra uma futura pessoa - nesse ponto reside a sua vÍI1ualidade-
Legislativas brasileiras é o da falta de sistematização das matérias tratadas. Isto não porque o Código Penal teria atribuído o status de pessoa ao
não só em relação à temática do aborto, mas em todo o conjunto da obra do feto - o que nem o Código Civil atribuiu - mas porque o feto
nosso Congresso que produz reformas pontuais à luz do clamor social, e é o que contém a energia genética potencial para, em um futuro próximo,
constituir uma realidade jurídica distinta de seus pais, o que
se pode observar pela grande quantidade de projetos tratando do tema de aborto
ocorrerá se for cumprido o tempo natural de maturação fetal e se o
e com tão dispares soluções adotadas. Em realidade, o ideal seria a união de
todas as propostas em uma única tramitação legislativa, mas não é o que se
°
parto ocorrer com sucesso. (...) Direito Civil não atribui o status
de pessoa ao nascituro, mas apenas antecipa a eficácia da
observa no Congresso. personificação para a preservação de alguns interesses, todos eles
Em verdade, talvez a razão esteja com Márcia Tiburi22 quando esta condicionados ao nasciment02~.
afirma sobre a discussão do aborto que "os principais participantes são homens,
os mesmos (...) que nunca irão parir, jamais serão mães, não abortarão", mas Verifica-se, entretanto, que a legislação comparada denota uma forte
que detêm o poder social e que dele não querem se desvencilhar. Na Câmara tendência à liberalização da prática de aborto em razão de diversos fatores que
dos Deputados dos 18 projetos em tramitação, somente 2 projetos foram não se restringem apenas à exclusiva proteção da vida do nascituro. Nos países
apresentados exclusivamente por Deputadas, enquanto 3 por uma comissão que adotaram dispositivos de lei mais permissivos ou ampliaram as hipóteses
em que o aborto é permitido a preocupação com a saúde física e psíquica da
18 Projeto de Lei n. 1135/1991 de autoria dos Deputados Eduardo Jorge e Sandra Starling,
17611995 de autoria do Deputado José Genoino e 21/2003 de autoria do Deputado Roberto
23 Art. 877. A mulher que, para garantia dos direitos do filho nascituro, quiser provar seu estado
Gouveia.
de gravidez, requererá ao juiz que, ouvido o órgão do Ministério Público, mande examiná-Ia por
19Projeto de Lei n. 374412004 de autoria do Deputado Coronel Alves e 2929/1997 de autoria do
Deputado Wigberto Tartuce. um médico de sua nomeação.
(...) Art. 878. Apresentado o laudo que reconheça a gravidez, o juiz, por sentença, declarará a
20Projeto de Lei n. 4304/2004 de autoria do Deputado Eduardo Valverde.
21Para maiores detalhes confira abaixo comentário sobre a legislação estrangeira sobre aborto. requerente investida na posse dos direitos que assistam ao nascituro.
24 DlNIZ, Débora; RIBEIRO, Diaulas Costa. Aborto por anomalia feta/. Brasília/DF: Letras
22 TlBURI, Márcia. Aborto, soberania e mudez das mulheres. Fo/ha de São Pau/o, p. A3, quinta-

feira, 26. jul., 2007. Livres, 2004, p. 98-99.

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112 Hrri.\/fl E\/I/I/o.<./urídiro., /..\J:S/'. r"'''ffl. n./6./" /IJ;·/37.jfln.///'o.20117
 gestante e com sua autonomia ou direito à privacidade para decidir sobre a
mulheres, que dificilmente sofrem condenações criminais27, acabam por se valer
continuidade da sua gestação é fator de grande realce nos dispositivos legais,
de abortos clandestinos que, de qualquer forma, servem para retirar a vida de
bem como a possibilidade de interrupção da gravidez quando o feto apresenta
fetos e expor a risco a saúde e a vida das mulheres.
algum tipo de anomalia grave ou incompatível com a vida. Nesses países,
Nesse contexto o recurso a processos químicos e mecânicos para
percebe-se que o debate acerca do aborto discute questões que envolvem os
interrupção da gestação é freqüente. Com o emprego de substâncias químicas (a
direitos fundamentais da gestante e problemas de saúde pública que,
quinina, as prostaglandinas como o Cytotec, a tintura de iodo, a estricnina, entre
suplantando o viés religioso, apontam para a realidade de que os direitos do feto
outros) que podem ser ora "aplicadas localmente, no colo uterino ou dentro da
não podem ser considerados em pOSlçao superior aos direitos de
cavidade arrmiótica, ora são ingeri das ou injetadas para ação farmacológica
autodeterminação da mulher, em verdadeira autonomia do feto em face da
gestante. sistêmica,,28 as mulheres ficam expostas a graves intoxicações que podem
causar: "a disfunção ou lesão renal, hepática, cardíaca ou do sistema nervoso
No Brasil, a despeito da legislação penal, foi possível constatar que
central", "hemorragia cerebral, rotura uterina ou laceração cervical,,29 e embolia
existem projetos de lei que, em vez de propiciarem a discussão e a busca de
pulmonar. Os métodos mecânicos também se mostram deveras agressivos
soluções que acolham o problema também pela ótica da gestante e dos seus
porque atuam no útero através da "colocação de corpos estranhos no canal
reflexos na saúde pública, propõem a inviolabilidade do direito à vida desde a
cervical, tais como sondas, cateteres, laminárias, talos de mamona, agulhas de
concepção, incriminando mesmo as modalidades de aborto permitidas pela lei,
tricõ,,30 ou aspiração e curetagem que podem causar infecções, endometrites,
e, ignorando que com os métodos de diagnósticos da Medicina atual é possível
peritonite, perfuração do útero e/ou das vísceras e hemorragias.
detectar diversas afecções já em estágio precoce da gravidez, mas que nem
todas são passíveis de tratamento. As complicações sofridas durante o procedimento de aborto
clandestino, geralmente realizado sem higiene e segurança, fazem com que as
A resistência encontrada no debate sobre o aborto no Brasil e na
mulheres necessitem de inúmeros tratamentos médicos, como, por exemplo, a
América Latina tem sido apontada como conseqüência da influência política e
curetagem31, internações e tratamento em UTI para tratar das conseqüências do
moral da Igreja Católica que recrimina a prática de aborto em todas as
uso de métodos precários.
situações; mas para os pesquisadores da área o aborto deveria ser tratado,
A Alemanha está entre os países que adotaram uma legislação que
essencialmente, como uma questão social e epidemiológica25. Entre os
expõe a preocupação com a própria saúde da gestante além da vida do feto.
argumentos utilizados para considerar o aborto como crime mesmo em casos
Num primeiro momento predominou uma posição mais restritiva em face da
em que o feto apresenta má-formação grave ou enfern1idade incurável
edição de uma lei em 1974 que possibilitava a realização do aborto nas doze
incompatível ou não com a vida extra-uterina estão os seguintes: a sacralidade
primeiras semanas de gravidez, pela posição adotada pelo Tribunal
da vida humana, a teoria da "ladeira escorregadia" e a idéia de potencialidade.
Constitucional no sentido de que o direito à vida deve ser preservado também
Débora Diniz explica que na defesa do argumento da sacralidade da vida
antes do nascimento, apesar da importância dos direitos da mulher grávida.32
humana está a idéia de que "a vida é um dom ou bem divino e que não deve ser
Após essa decisão foi editada uma outra lei em 1992 que propiciou a pronúncia
objeto de intervenção humana"; no argumento da ladeira escorregadia sustenta-
do Tribunal novamente no sentido da inconstitucionalidade do aborto nas
se que "uma maior tolerância da legislação que rege o aborto provocaria uma
primeiras semanas de gravidez, porém, agora com a consideração de que "a
flexibilização moral no campo da reprodução" e, concluindo, através do
proteção ao feto não precisava ser realizada necessariamente através dos meios
argumento da potencialidade "transfere para o feto os direitos e prerrogativas
sociais de um indivíduo e (...) incorpora o princípio da reciprocidade, ao sugerir
27 Em recente matéria publicada em jornal a Secretaria da Administração Penitenciária de São
que um indivíduo não deve tolerar danos à vida do feto, pois estes são, Paulo realizou levantamento, constatando que não há nenhuma mulher cumprindo pena por aborto
potencialmente, danos contra a sua própria vida.26" no Estado de São Paulo. CARAMANTE, André. SP não tem nenhuma presa por aborto. Folha de
Diz-se que o aborto também se apresenta como um problema de saúde S. Paulo, São Paulo, 20. maio 2007. Ribeirão, p. C4.
28 GOM ES, Hélio. Medicina legal. 33.ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2004, p. 426.
pública porque muitas mulheres não deixam de praticar o aborto de forma
29 GOMES, op. cit., p. 429.
voluntária devido à previsão legal de punição e a conseqüência é que essas 30 GOMES, op. cit., p.428.

3/ O procedimento de curetagem representa gastos de aproximadamente R$30 milhões por ano

para o Poder Público. Cf: SARMENTO, Daniel. Legalização do aborto e Constituição, Revista de
25 DINIZ, Débora; RIBEIRO, Diaulas Costa. Aborto por anomalia fetal. Brasília/DF: Letras
Livres, 2004, p. 30. Direito Administrativo, Rio de Janeiro, FGV, n. 240, p. 43-82, abr./jun. 2005, p. 75.
26 DINIZ, op. cit., p. 67-69. 32 Cf: SARM ENTO, Daniel. Legalização do aborto e Constituição, Revista de Direito
Administrativo, Rio de Janeiro, FGV, n. 240, p. 43-82, abr/jun. 2005, p. 5 I-52.
lU
H.'ris/Ii LI/ud/l.\ .Iurídims {MSP. Fm/lflt 11.16. 1'. /(/;·137. jlln.d";.2U1C Iil-ris/Il fI/fldos .I/lrídif/ls /'.\E.\I'. fmllfll. n.16.1/. {(I;·{:i7.jllnAr:.711I1i 115
 repressivos do Direito Penal e poderia ser buscada através de outras medidas de para a realização do aborto para 12 semanas.
caráter assistencial e administrativo,,33. Nessa decisão o Tribunal deixou Na Itália e em Portugal é possível a realização da interrupção da
explícita a necessidade de se resolver as possíveis colisões de interesses através gravidez, entre outras hipóteses, em casos de má-formação fetal, reconhecendo-
da ponderação entre os valores constitucionais envolvidos, ou seja, o direito à se, assim, que quando o feto possui anomalia grave e incurável, e que pode até
vida do nascituro e o direito à proteção e à dignidade da mulher, ressaltando que representar risco à vida e saúde da gestante, não deve prevalecer a total e
o direito à vida do nascituro não elimina os direitos de autodeterminação das absoluta proteção do embrião em face da mãe.
mulheres. Em Portugal primeiramente prevaleceu uma legislação mais restritiva
A regulamentação hoje vigente veio através da edição de uma lei em quanto às hipóteses de pennissão do aborto dispostas na Lei n. 6/84 e no
1995 que adotou o denominado "modelo de aconselhamento", adequando-se, Decreto-lei n. 48/95, todas prevendo a interrupção da gravidez quando houvesse
assim, à decisão do Tribunal Constitucional. Segundo Claus Roxin, esta "seguros motivos para prever que o nascituro virá a sofrer, de fonna incurável,
regulamentação não pune o aborto quando "realizado por médico, a pedido da de grave doença ou malfonnação", porém somente se a interrupção fosse
gestante, nas primeiras doze semanas desde a concepção, se a gestante, pelo realizada nas primeiras 16 semanas de gravidez. A Lei n. 90/97, por sua vez,
menos três dias antes da cirurgia, tiver se submetido à orientação da 'repartição alterou os prazos de exclusão de ilicitude nos casos de interrupção da gravidez
de aconselhamento em casos de conflitos na gravidez' (§§218, I, 219, StGB),,34. para fetos com doença grave do art. 142 do Código Penal português para as
Essa disposição legal não exclui os casos em que há situações excepcionais que primeiras 24 semanas e trouxe a permissão de aborto a qualquer tempo para as
justificam o aborto além do prazo fixado, como os casos de indicação médica e situações de fetos inviáveis.
de gravidez resultante de delito sexual, apenas permite o aborto sem punição A última disposição a regular o aborto veio em abril de 2007, através da
nos três primeiros meses quando não há indicação ou justificativa específica. Lei n. 16/2007, após a realização de dois plebiscitos sobre o assunto. Essa lei,
Ainda, conforme o mesmo autor, "a solução de aconselhamento ao menos além de manter os prazos e a alteração da lei anterior, prevê (para os casos de
assegura um assessoramento médico competente, dando à mulher a interrupção voluntária nas 10 primeiras semanas de gravidez) a realização de
possibilidade de pensar com calma a respeito da própria decisão,,35. uma consulta destinada a facultar à mulher grávida o acesso à infonnação que
A França adotou solução próxima à alemã a partir da edição da Lei n. auxilie na formação de sua decisão. Nessa consulta obrigatória a mulher deve
75-17 de 1975 que pennitia a realização de aborto por médico também até um ser informada acerca das condições de efetuação da interrupção e suas
certo prazo, isto é, nas dez primeiras semanas, "a pedido da gestante, quando conseqüências para a saúde, as condições de apoio que o Estado pode dar caso
alegue que a gravidez lhe causa angústia (detresse)"; também é possível o ela resolva prosseguir com a gestação e a disponibilidade de acompanhamento
aborto em situações excepcionais além do prazo estipulado "quando haja risco à psicológico e de um técnico de serviço social durante o período de reflexão. A
sua vida ou saúde, ou exista forte probabilidade de que o feto gestado venha a lei de Portugal faz alusão expressa à consulta obrigatória que a mãe deve passar
sofrer, após o nascimento, de 'doença particulannente grave reconhecida como numa tentativa de aconselhar a continuidade da gestação para que a mulher não
incurável no momento do diagnóstico,,,36. tenha que optar pelo aborto devido a dificuldades financeiras, prevendo
A lei francesa também optou pela solução de aconselhamento da lei inclusive a ajuda do Estado para sanar essa situação e o encaminhamento dessas
alemã acima descrita, porque "deveria a gestante, antes do aborto, submeter-se mulheres para uma consulta de planejamento familiar.
uma consulta (...) para a resolução de eventuais problemas sociais que Nos Estados Unidos a discussão acerca do aborto sempre gerou muita
estivessem induzindo à decisão pela interrupção da gravidez,,37; atualmente, a polêmica e é reconhecido que o direito da mulher sobre interromper a gravidez
Lei n. 2001-588 tornou facultativa a consulta prévia, além de aumentar o prazo está na esfera do direito à privacidade. Nesse sentido foi a decisão da Suprema
Corte em 1973, e que tem sido aplicada até hoje, para que "no primeiro
trimestre da gestação o aborto deveria ser livre, por decisão da gestante
33 SARMENTO, op. cit., p. 53.
34 ROXIN, Claus. A proteção da vida humana através do Direito Penal. Conferência realizada no
aconselhada por seu médico. No segundo trimestre, o aborto continuaria sendo
dia 07 de março de -2002, no encerramento do Congresso de Direito Penal em Homenagem a pennitido, mas o Estado poderia regulamentar o exercício deste direito,,38.
Claus Roxin, Rio de Janeiro. Disponível em: <http://www.mundojuridico.adv.br>. Acesso em: 09 jul. Entretanto, mesmo com a pennissão do aborto, Daniel Sarmento aponta um
2007, p.3. dado importante, que foi reiterado em diversas decisões da Suprema Corte após
35 ROXIN, op. cit., p. 4.
36 Cf: SARMENTO, Daniel. Legalização do aborto e Constituição, Revisla de Direito
Adminislralivo, Rio de Janeiro, FGV, n. 240, p. 43-82, abr./jun. 2005, p. 49. 38SARMENTO, Daniel. Legalização do aborto e Constituição, Revisla de Direilo Administrativo,
37 SARMENTO, loc. cit. Rio de Janeiro, FGV, n. 240, p. 43-82, abr/jun. 2005. p. 47.

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 o caso Harris v. McRAE: "o Estado não está obrigado a realizar abortos
gratuitamente na rede pública de saúde ou arcar com os respectivos custos, Também é, por vezes, confundida com a enfermidade a figura da
mesmo tratando-se de mulheres carentes,,39. defonnidade permanente, ligada ao dano estético e que exige os seguintes
requisitos: dano visível ou aparente, de certo vulto e permanente. Está ínsito ao
2 Aborto e enfermidade incurável dano causado pela deformidade permanente o aspecto subjetivo, pois a
2.1 Enfermidade incurável impressão que o seu portador causa é desagradável, ou seja, há uma
O Código Penal de 1940 não dispõe sobre o aborto em caso de interferência negativa da lesão causada na vida de seu portador de forma que lhe
enfennidade incurável, porém constatou-se que a legislação estrangeira e provoque constrangimento. Além disso, "é indispensável que, depois de
algumas propostas legislativas prevêem a inclusão de dispositivo específico que completada
~ . ,,42
a sua evolução, se tome permanente nas condições de sua
possibilitaria a interrupção da gravidez em caso de anomalia grave de caráter aparencla
físico ou mental do feto. A enfermidade incurável pressupõe a existência de estado mórbido,
Apesar de ser utilizada a denominação anomalia grave ou enfennidade porém sem a necessária correlação com a incompatibilidade com a vida, mas
grave estas, em verdade, distinguem-se da enfennidade incurável, pois há a com a presença de uma incurabilidade relativa, pois, segundo Almeida Júnior,
possibilidade de existirem anomalias que apesar da sua gravidade são passíveis "se a cura depender de tratamento excepcional, arriscado, ou que dure anos, ou
de cura através da administração de medicamentos ou intervenção cirúrgica, fora das possibilidades da vítima, é como se a enfermidade fosse incurável,,43.
como ocorre com alguns defeitos estruturais do coração. Nesse sentido,
interessa a diferenciação porque, como se esclarecerá, não se trata de pennitir o 2.2 Algumas anomalias fetais
denominado aborto eugênico. No sistema esquelético apresentam-se diversas anomalias que se
O Código Penal brasileiro utiliza a expressão enfermidade incurável referem a defeitos de forma devido ao desenvolvimento anormal dos ossos,
para designar um dos resultados que podem advir da lesão corporal grave, falha no rearranjo das vértebras ou das suturas ósseas. Entre as anomalias que
prevista no art. 129, §2°, lI. Para a configuração da enfennidade incurável é atingem a coluna vertebral há a fenda vertebral, uma espécie de spina bifida que
necessário, deste modo, "o desvio definitivo da normalidade, perturbações "resulta duma fusão imperfeita ou não união dos arcos vertebrais,,44, esse
permanentes da saúde, reliquat de estado patológico consolidado',4O. defeito no rearranjo vertebral é grave, podendo ser acompanhado de anomalias
Na medicina a caracterização do que seja enfermidade envolve também da medula espinhal, ficando exposta a fenda ao meio externo. A microcefalia e
os conceitos de moléstia, afecção e doença, por constituírem elementos a acrocefalia são defeitos de formação da caixa craniana e resultam do
aproximados, e podem ser assim conceituados: fechamento prematuro das suturas entre os ossos chatos do crânio. A acrocefalia
caracteriza-se por ser a cabeça achatada lateralmente, testa muito levantada e a
Moléstia é o conjunto de fenômenos de reação, que se produzem no região occipital alongada para o alto, formando um conjunto semelhante a um
organismo, provocados pela ação da mesma causa mórbida. Ex.: tronco de cone irregular.
tuberculose, sífilis, lepra. Nos membros pode ocorrer ameiia, que é a ausência dos quatro
Afecção é o conjunto de fenômenos dependentes da mesma lesão, membros, micromelia, que é o encurtamento dos membros ou focomelia, que é
mas independentes da causa original. Ex.: otite, laringite, bronquite,
artrite, arterite, etc. a ausência da parte média dos membros, parecendo que as mãos e os pés estão
Doença é o tenno genérico, significando qualquer desvio do estado diretamente ligados ao tronco. Há casos de ausência total ou parcial das
nonnal. Ex.: diabetes, hipertiroidismo, etc. extremidades como, por exemplo, na sirenomelia, em que há fusão da cintura
Enfennidade é a falta ou perturbação de uma ou mais funções, quer pélvica e extremidades inferiores em uma simples estrutura cônica, pode vir
por ausência congênita, quer por alteração ou abolição definitiva
acompanhada de agnesia ou hipoplasia renal. A síndrome da garra de lagosta ou
delas e compatível com relativo estado de saúde. Ex.: perdas dos
olhos por trauma, a pseudo artrose por fratura, a paralisia por síndrome EEC (Ectrodactyly Ectodermal Dysplasia Clefting), por sua vez, é
isquemia cerebral, o pé torto, idiotia, a demência, etc41 caracterizada pelas defonnidades peculiares nas mãos ou pés originadas de
"uma fenda anormal entre ossos metacarpais centrais e as partes moles,
39 Ibld., p. 49.
40 CROCE, Delton; CROCE JÚNIOR, Delton. Manual de medicina legal. 2. ed. São Paulo:
Saraiva, 1995, p. 127. 42 FÁ VERO, Flamínio. Medicina lega/. 12. ed. Belo Horiz~mte: Villa Rica, 1991, p. 239.
41 ARANHA, Mário E. S. Lições de patologia. apud PENNA, João Bosco. Enfermidade incurável 43 ALMEIDA JÚNIOR, Antonio Ferreira de; COSTA JUNIOR, J. B. de Oliveira e. Lições de
x defc.rmidade permanente sob a óptica médica e médico-legal. Franca: UNESP, 2004, p. 25. medicina legal. 5.ed São Paulo: Nacional, 1978, p. 228.
44 LANGMAN, Jan. Embriologia médica. 2.ed. São Paulo: Atheneu, 1970, p. 144.
1J8
1I"I·i.\11I61",[u.I .Iuridiru.I f .\E~I'./-if//WIl. n. [6. [I. [fI,.r:;;.jllfl.dl'o.2f1f1,-
IIni."" E.I/udll.\.IurídilUs nISt'. Frafltll. n.[6. [I. 1IJ;.t:i7.jlln.ilro.2f1{/;
1J9
dividindo a mão em duas partes.',45
Nos sistemas gastro-intestinal e uro-genital podem ocorrer algumas
anomalias graves como a hérnia diafragmática, a onfalocele e a agnesia renal. A
hérnia diafragmática pode detenninar a morte para o recém-nascido logo após o
parto porque a ausência de fechamento dos canais pleurais propicia que alguns
órgãos como o estômago, baço e figado entrem na cavidade toráxica,
deslocando o coração e comprimindo os pulmões (que podem estar
hipoplásticos), o que dificulta a respiração.46 A onfalocele é um dos defeitos de
fechamento da parede abdominal que ocorre devido à não retração das alças
intestinais e sua posterior volta à cavidade abdominal; assim, "algumas alças
intestinais permanecem fora da cavidade abdominal,,47.
Na agnesia renal a ausência do rim pode ser unilateral (compatível com
a vida) ou bilateral e vir associada a outras malformações graves. Na agnesia
bilateral há "ausência completa do parênquima renal,,48, que detennina a morte
logo após o nascimento e pode significar a existência da síndrome de Potter que
tem como outras características as malformações da face, defonnidades das
extremidades inferiores e hipoplasia pulmonar com insuficiência respiratória.
Atualmente é possível detectar a maioria dos problemas cardíacos
através do ecocardiograma fetal e eles podem ser de ordem estrutural ou
funcional. Entre as anomalias que afetam a via de saída do coração para os
pulmões tem-se o fechamento completo da válvula pulmonar (atresia pulmonar)
ou obstrução parcial dessa via (estenose pulmonar).49 O fechamento prematuro
do orifício oval é uma anomalia rara, mas que apresenta gravidade em virtude
de que quando o orificio oval se fecha antes do nascimento "dá origem a uma
hipertrofia maciça do hemicárdio direito e desenvolvimento insuficiente do
esquerdo", assim, "a criança morre pouco depois do nascimento,,5o.
De pior diagnóstico é a anomalia de Ebstein da válvula tricúspide que,
na sua forma grave, freqüentemente detennina o óbito intra-uterino porque há
"importante displasia e deslocamento caudal da válvula tricúspide e, geralmente
existe maciça regurgitação em direção à porção atrializada do ventrículo direito
e ao átrio direito.51" O óbito se dá quando não é possível atingir a maturidade
pulmonar através da administração de corticóides para pernútir a interrupção da
gravidez pela cesárea ou não é indicado o procedimento da cordocentese devido
ao risco gerado para o feto.
45 LANGMAN, Jan. Embriologia médica. 2. ed. São Paulo: Atheneu, 1970, p. 145.
46 Cf: LANGMAN, op. cit., p. 303.
47 LANGMAN, op. cit., p. 283.
48 MARCONDES, Eduardo (Coord.). Pediatria básica. 7. ed. São Paulo: Sarvier, 1987, v. 11, p.
1211.
49 MARCONDES, op. cit., p. 1450.
50 LANGMAN, Jan. Embriologia médica. 2.ed. São Paulo: Atheneu, 1970. p. 215-216.
51 ZIELlNSKY, Paulo. Malfonnações cardíacas fetais. Arquivo Brasileiro de Cardiologia, v. 69,
n. 3, p. 209-218,1997, p. 215.
120
As malformações da cabeça e do sistema nervoso são, geralmente, de
alta gravidade, entre essas anomalias podem ser citadas: a mielomeningocele, a
hidrocefalia, a hidranencefalia, a encefalocele e a anencefalia. A
mielomeningocele é uma espécie de spina bifida caracterizada pela presença de
um quisto na região dorsal coberto por uma fina camada de pele, esse quisto
contém tecidos que cobrem a medula espinhal, líquido cefalorraquidiano, raízes
nervosas e parte da medula espinhal. É de natureza grave, pois provoca paralisia
ou perda de sensibilidade abaixo da região lesada e problemas de incontinência
urinária e/ou fecal.
A hidrocefalia é uma espécie de macrossomia localizada, isto é, excesso
de volume do feto. A característica dessa anomalia é "um acúmulo anormal de
fluido cerebrospinal dentro do sistema ventricular, ou então, como no caso da
hidrocefalia externa, entre o cérebro e a dura mater52", no aspecto externo é
possível que essa anomalia seja acompanhada "por uma dilatação moderada das
suturas do crânio, enquanto os ossos gradualmente se adelgaçam. 53" Na
hidranencefalia ocorre a ausência total ou quase total dos hemisférios cerebrais
e, nas formas mais graves, há apenas o cerebelo, o mesencéfalo, gânglios da
base e porções inferiores do lobo occipital e temporal. Na encefalocele ocorre o
extravasamento do conteúdo cefálico devido a defeitos ósseos, em geral no
occipital, o que resulta em dano cerebral.
A anencefalia é a anomalia que desperta grande atenção porque
detennina a morte do feto devido à gravidade dos sinais que apresenta, isto é, a
"ausência da abóbada craniana, massa encefálica reduzida a vestígios da
substância cerebral. 54" Essa anomalia - que se apresenta, segundo algumas
pesquisas, como a de maior incidência entre as malformações fetais - é de fácil
percepção quando do exame de ultra-sonografia porque "a abóbada craniana
não está presente, o que empresta à cabeça um aspecto característico: os olhos
apresentam-se saltados, o pescoço ausente, e a superfície da face e o tórax
formam um plano contínuo. 55"
Não há no feto as estruturas importantes para o desenvolvimento
normal, pois estão ausentes os hemisférios cerebrais e o córtex, restando apenas
resíduos do tronco encefálico. "Há ausência de todas as funções superiores do
sistema nervoso central, responsável pela consciência, cognição, vida relacional,
comunicação, afetividade e emotividade.5ó" Assim, "restam apenas funções
vegetativas que controlam parcialmente a respiração, as funções vaso motoras e
52 LANGMAN, Jan. Embriologia médica. 2. ed. São Paulo: Atheneu, 1970, p. 343.
53 LANGMAN, loc.cit.
54 REZENDE, Jorge de; MONTENEGRO, Carlos A. B. Obstetrícia fundamental. 5. ed. Rio de
Janeiro: Guanabara Koogan, 1991, p.467.
55 LANGMAN, loc. cit.
56 DINIZ, Débora; RIBEIRO, Diaulas Costa. Aborto por anomalia fetal. Brasília/DF: Letras
Livres, 2004, p. 101.
U('ri,~tl/ I:"sll/lfos .Il1rÍtJiros 1.\1St'. fnll!nI. (1.16. 11. HC- J:);. jflfulf':.:!OO; 121
 as funções dependentes da medula espinha1.57"
Existe ainda a incidência de anomalias ligadas aos cromossomos, entre
as quais merece ser citada a Síndrome de Down. Os sinais que são encontrados
freqüentemente em portadores dessa síndrome são: "fissuras palpebrais
oblíquas, ponte nasal achatada, prega palmar única, estatura baixa, mãos e pés
pequenos, hiperflexibilidade e língua relativamente grande e profusa,,58; além
disso podem apresentar cardiopatias, hérnia diafragmática, duplicações
intestinais, ânus imperfurado e retardo mental acentuado.
3 Agentes teratogênicos
O desenvolvimento embrionário e fetal pode sofrer alterações das mais
diversas resultando nos defeitos do desenvolvimento que nem sempre são
hereditários. Na análise dos defeitos de forma e/ou função devem ser
considerados os fatores que individualmente ou relacionados propiciam a
alteração do desenvolvimento normal do feto e que podem ser divididos em:
fatores externos ou ambientais, como, por exemplo, os agentes físicos (radiação),
agentes biológicos ou infecciosos (vírus e parasitas) e os agentes químicos
(naturais como o cobre e o mercúrio e sintéticos como os fármacos e drogas em
geral); fatores internos, como as alterações genéticas ou cromossômicas e a
desnutrição. Os autores comumente apontam parâmetros que podem
condicionar a ação dos agentes teratogênicos: a fase do desenvolvimento
embrionário, o genótipo e o aspecto do metabolismo celular que é atingid059.
Assim, é importante o estágio de desenvolvimento embrionário para a
manifestação da ação nociva porque, segundo Jan Langman,
quando um agente teratogênico age nas primeiras fases do
desenvolvimento, ou ele lesa toda ou a maior parte das células do
embrião, levando-o à morte, ou então, apenas algumas células, e
neste caso, as potencialidades reguladoras do embrião
compensarão pela perda, sem a produção de anomalias aparentes.
Durante a segunda fase, isto é, na fase de diferenciação intensa, a
maioria dos agentes teratogênicos é altamente eficiente e produz
numerosas malfonnações. O tipo de malfonnação produzida
depende porém de qual é o órgão mais suscetível no período da
lesão. Cada órgão parece passar por sua fase de maior
suscetibilidade no início da sua diferenciação, e os vários órgãos
do corpo humano tomam-se suscetíveis em períodos sucessivos.
(...) Durante o terceiro período do desenvolvimento, caracterizado
pelo crescimento dos órgãos, a suscetibilidade a agentes
teratogênicos decresce rapidamente tomando-se extremamente
pequena.
57 DINIZ, op. cit., p. 101-102.
58 MARCONDES, Eduardo (Coord.). Pediatria básica. 7. ed. São Paulo: Sarvier, 1987, v. I, p.
514.
59 LANGMAN, Jan. Embriologia médica. 2.ed. São Paulo: Atheneu, 1970, p. 99-10 I.
122 Rl'ri,~tll E.~IU/los.lurídi('o.~nISt'. fmnnl. fl/6.1'.
(...) Um pequeno número de órgãos, tais como o cerebelo, córtex
cerebral e algumas estruturas uro-genitais, contudo, continuam sua
diferenciação. Não é impossível, portanto, que algumas dessas
estruturas pemlaneçam sensíveis à ação de fatores teratogênicos
até o fim da gravidez6o.
Entre os agentes fisicos as radiações, como os raios x e os raios gama
(emitidos pelas radiações atômicas61), podem produzir efeitos biológicos por
serem ionizantes e atuarem através da alteração dos átomos que constituem a
molécula protéica. As anomalias originadas podem ser: retardo do crescimento
intra-uterino, malformações congênitas do sistema nervoso central como a
anencefalia e a spina bifida, microcefalia, catarata, fenda palatina, microftalmia
ou futuros tumores malignos.
Entre os agentes biológicos ou infecciosos encontram-se diversas
doenças que, causadas por vírus ou parasitas, podem não provocar alterações na
gestante, mas afetar gravemente o feto. A penetração do vírus ou parasita pode
se dar através da via placentária ou arnniótica.
A rubéola trata-se de uma doença causada por vírus do gênero
Rubivirus, ela impede a duplicação do material genético celular nos três
primeiros meses de gravidez, resultando em malformações no feto. O tipo de
malformação também depende do período do desenvolvimento em que a doença
atua, pois sabe-se que o risco de complicações para o feto é de 50% no primeiro
mês62; no primeiro trimestre as anomalias principais são: surdez, catarata,
microftalmia, defeitos cardíacos como a persistência do canal arteríal e a
tetralogia de Fallot, microcefalia e retardamento mental, crescimento intra-uterino
retardado, entre outras. O abortamento também é conseqüência determinada
pela doença em 1/3 dos casos no primeiro trimestre63•
A doença por citomegalovírus também é a causa de diversas
anomalias congênitas no feto. A contaminação se dá através do contato com
secreções do organismo como a saliva, urina, esperma, fezes ou sangue. Essa
doença apresenta maior risco de seqüelas para o feto quando ocorre durante o
primeiro trimestre da gravidez e o seu diagnóstico é possível através da
arnniocentese. As principais anomalias causadas são a microcefalia,
calcificações cerebrais e cegueira, porém, "a doença é freqüentemente fatal
quando afeta o embrião ou feto, mas em caso de sobrevivência deste, a
60 LANGMAN, Jan. Embriologia médica. 2.ed. São Paulo: Atheneu, 1970, p. 100.
61 LANGMAN, op. cit., p. 90: "Estudos realizados nos descendentes de japonesas grávidas na
época da explosão das bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki, mostraram que entre os
sobreviventes, 28% abortaram, 25% deram à luz crianças que morreram no primeiro ano de vida e
25% das crianças sobreviventes tinham anomalias do sistema nervoso central, tais como
microcefalia e retardação mental."
62 REZENDE, Jorge de; MONTENEGRO. Carlos A. B. Obstetrícia fundamental. 5. ed. Rio de
Janeiro: Guanabara Koogan, 1991, p. 386.
63 REZENDE, op. cit., p. 385.
1Oi"·J:{7.jwu!r.;.:!"O;' /:VSI'. fmnnl.. n./6.1'_ frc-/:í7.jun.dl':::.:!O(l;'
RI'ris/fI fslwl/}.~.IurÍlfi("IIJ 123
 64
meningoencefalite pode causar grave atraso menta1. " Existem alguns fatores de risco matemos que podem desencadear
A toxoplasmose é uma doença causada pelo parasita Toxoplasma gondii anomalias nos fetos como ocorre com o diabete; de acordo com pesquisas há
e ao contrário da rubéola e do citomegalovírus quanto mais precoce a gravidez "uma incidência elevada em 2 a 4 vezes de malformações maiores em conceptos
menor é o risco de transmissão da doença para o feto, porém, o risco de de diabéticas, em comparação com a população obstétrica nonnal, que está em
complicações para o feto aumenta em relação ao avanço da gravidez. As tomo de 1,7%,,68. Há o risco de anomalias estruturais no feto na fase da
anomalias apresentadas podem ser: calcificação cerebral, hidrocefalia, formação do coração e as complicações mais freqüentes são as que
65
retardamento mental, microftalmia, hepatomegalia e espasticidade . comprometem a saída das grandes artérias, além do espessamento aumentado
Os agentes químicos que com mais freqüência causam anomalias fetais das paredes musculares cardíacas, especialmente do septo entre os ventrículos.
quando administrados a gestantes durante a gravidez são os fármacos entre eles A fenilcetonúria materna também pode afetar o desenvolvimento normal
a talidomida e o misoprostol (Cytotec). A talidomida é uma substância química do feto quando a gestante não é submetida a tratamento adequado durante a
que foi sintetizada na Alemanha na década de 50, indicada como sedativo e gravidez. O distúrbio que se encontra na conversão do al1Únoácido fenilalanina
antiemético, como auxílio nos enjôos para mulheres grávidas. A alta incidência em tirosina devido à deficiência da enzima fenilalanina-hidroxilase pode provocar
69
de crianças que nasceram com ausência ou deformidades dos ossos longos, deficiência psicomotora, l1Úcrocefalia e distúrbios auditivos e da fala .
atresia intestinal e anomalias cardíacas fez com a droga fosse considerada uma Entre os demais fatores que denotam a anormalidade do
das mais perigosas e por isso foi retirada de circulação em diversos países. A desenvolvimento fetal está a brida anmiótica. "As bridas anmióticas são
talidomida é uma substância que pode afetar o desenvolvimento fetal através da prolongamentos do ânmion. Podem aderir a qualquer parte do concepto ou ao
administração de doses baixas, principalmente quando é feita no primeiro mês cordão umbilica1.70" A incidência da síndrome é rara, cerca de 81 casos já foram
de gravidez, porque atuando no "desenvolvimento músculoesquelético ela afeta os constatados, porém a sobrevida fetal é mínima porque quando as bridas
membros (focomelia) e a face (micrognatia, defonnações dos pavilhões anmióticas "envolvem o cordão funicular, dificultam ou interrompem a
auriculares), podendo, ainda, atingir outros setores (coração e trato circulação do cordão, gerando abortamentos ou óbitos intra-uterinos: raramente
alimentar).66" A talidomida tem efeito grave sobre os vasos sangüíneos do feto a gravidez chega ao termo e é mantida a vitalidade fetal.71" As malfonnações
porque obstrui a angiogênese, ou seja, inibe a formação de novos capilares o também são freqüentes nesses fetos porque as bridas amnióticas afetam
que atrofia o desenvolvimento fetal porque dificulta a passagem de nutrientes diretamente o desenvolvimento das estruturas embrionárias e "as deformações
que possibilitam o crescimento. devem-se à compressão do feto pela parede uterina, pois, em geral, há
O l1Úsoprostol é o princípio ativo do Cytotec, medicamento utilizado na oligoanmia secundária e/ou, ainda, através de estrangulamento pelas bridas
72
anmióticas. "
prevenção e tratamento de úlceras por inibir a secreção gástrica e quando
empregado durante a gravidez ocasiona contrações uterinas com o risco de A variação patológica de líquido anmiótico durante a gestação também
aborto. Esse medicamento é uma das substâncias utilizadas no início da é fator que pode desencadear as anomalias fetais. Dessa forma, pode ocorrer o
gravidez para a prática de abortos clandestinos através da administração oral, excesso de líquido anmiótico (polidranmia) ou a sua ausência (oligoidranmia).
vaginal ou conjugada. Quando empregado como método abortivo o Cytotec A polidranmia pode decorrer de "desequilíbrio resultante da falta de deglutição
73
nem sempre provoca aborto completo, resultando em distúrbios ginecológicos fetal, posto que a excreção urinária, fonte produtora, continua nonnalmente. "
como sangramentos e dismenorréia, além de diarréias e dores abdominais. No O excesso de líquido anmiótico está relacionado à anomalias fetais, que podem
feto a substância pode causar a denominada Síndrome de Moebius,
caracterizada pela paralisia dos nervos faciais e malfonnações dos membros, 68 MONTENEGRO JÚNIOR, Renan M. et aI. Associação entre o uso de sulfoniluréias por
porque afeta "a irrigação sangüínea do feto, gerando isquemia com necrose e gestantes diabéticas e malformações fetais, Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia,
67 Brasília/DF, v. 21, n. 7, p. 393-397, 1999, p.395.
ocasional calcificação do núcleo do nervo facia1. " 69 FIGUEIRÓ-FILHO, Ernesto A. et aI. Fenilcetonúria materna: relato de caso, Revista Brasileira
de Ginecologia e Obstetrícia, Brasília/DF, v. 26, n. 10, p. 813-817,2004, p. 813.
70 NOVO, José L. G. Brida amniótica envolvendo o cordão umbilical na gestação de tenno com
64 LANGMAN, Jan. Embriologia médica. 2. ed. São Paulo: Atheneu, 1970, p. 89.
65 Cf: REZENDE, Jorge de; MONTENEGRO, Carlos A. B. Obstetrícia fimdamental. 5. ed. Rio sobrevida fetal, Revista da Faculdade de Ciências Médicas de Sorocaba, Sorocaba, v. 5, n. 2, p.
de Janeiro: Guanabara Koogan, 1991, p. 398. 37-39,2003, p. 37.
66 MARCONDES. Eduardo (Coord.). Pediatria básica. 7. ed. São Paulo: Sarvier, 1987, v. I, p. 71 NOVO, op. cit., p. 37.
72 NOVO, op. cit., p. 38.
288.
67 BARBOSA, Renata C. et aI. Síndrome de Moebills relacionada ao uso do misoprostol 73 REZENDE, Jorge de; MONTENEGRO, Carlos A. B. Obstetrícia fill1damental. 5.ed. Rio de
(CYTOTEC) como abortivo, Revista Brasileira de P S, v. 18, n. 3, p. 140-144,2005, p. 141. Janeiro: Guanabara Koogan, 1991, p. 294.

Ikri.\/II E~IU/fll.\.Il1rM;I'IJ.~ ISES/'. ,dó. I'. Jlr;.13;-.jlllu/f';;.:!fJl/~ Ifnisll/ F\lwlm .fllrÍlliws l':\E)f'. fmni'l/. lI. 16.1'. W;'-J37.jwulf·.=.:!{J(J; /25
124 fmflfí/.
 estar "presentes em 1/3 dos casos, especialmente as do sistema nervoso central
(anencefalia, meningocele, espinha bífida, mais raramente a hidrocefalia) e as
atresias altas do tubo digestivo (esôfago, duodeno).74" Na oligoidramnia, por
sua vez, há a presença de malformações do sistema geniturinário, hipoplasia
pulmonar e crescimento intra-uterino retardado.
4 Principais métodos para diagnóstico de anomalias fetais
Conforme se pode verificar quando do estudo da ação dos agentes
teratogênicos a maturidade dos vários órgãos e sistemas do feto não ocorre
simultaneamente, por isso são utilizados diversos métodos para diagnóstico pré-
natal que são capazes de identificar possíveis patologias nas diversas fazes do
desenvolvimento fetal. Entretanto, ainda assim é dificil a obtenção de material
fetal bem como a visualização intra-uterina com sucesso para diagnosticar
algumas anomalias que podem ser confundidas com outras ou mesmo não
serem percebidas pelo obstetra.
Destaca-se entre esses métodos a ultra-sonografia que, seguramente, é
um dos mais utilizados, mas que somente foi aplicado em ginecologia a partir
do final da década de 1950 e implantado no Brasil a partir da década de 1970. O
aprimoramento dessa técnica permitiu que se passasse da visualização de
imagens estáticas na ecografia para se captar as estruturas em movimento e em
tempo real, possibilitando a observação dos batimentos cardíacos, dos
movimentos respiratórios, da função renal, informações sobre a placenta e o
líquido amniótico e, principalmente, o auxílio às técnicas invasivas como a
amniocentese e a biópsia de vilosidades coriônicas que eram realizadas sem
qualquer guia ao obstetra e aumentavam, assim, os riscos de acidentes.
O sistema Doppler é utilizado para a identificação dos batimentos
cardíacos do coração fetal e da velocidade de fluxo nas artérias, facilitando a
observação de crescimento intra-uterino retardado e cardiopatias congênitas
através do mapeamento em cores. A ressonância magnética também foi um
avanço porque permite o exame das estruturas fetais como o coração, fígado,
estômago, pulmões e vértebras, além de possuir as vantagens de
diagnosticar anomalias fetais, em presença de
mensuração da pelve materna e no exame
concepto, de suas estruturas intracranianas e
tecido adiposo subcutâneo, vislumbrando o
fetal.75
Ultimamente a ecografia também tem sido utilizada para o método de
translucência nucal. O exame de translucência nucal foi desenvolvido por
74REZENDE, loc. cit.
75 REZENDE, Jorge de; MONTENEGRO, Carlos A. B. Obstetrícia fundamental.
Janeiro: Guanabara Koogan, 1991, p. 106.
126 J1f'rislll Esludos.lurídiro$ mE~I'.franrlL n.J6./,. 1II;--I:~;'.jun.(II'.;.2()(lí
Kypros Nicolaides na década de 1980, depois de estudos que apontaram que a
maioria dos fetos com doenças genéticas e cardíacas possuíam uma má
adaptação circulatória que resulta em um inchaço alterado na região que
corresponde à nuca, entre a lOa e a 14a semana de gestação. Na região
correspondente à nuca existe uma área com líquido, entre a pele e o tecido
subjacente (translucência nucal), que aparece como um espaço escuro no exame
de eco grafia e pode ser medido para se diagnosticar o risco de o feto possuir
alguma anomalia cromossômica como a Síndrome de Down, a Síndrome de
Turner, entre outras.
Entre os métodos invasivos encontra-se a amniocentese, exame
realizado entre a 15a e a 20a semana de gravidez, que foi um dos primeiros
métodos a auxiliar o diagnóstico de anomalias fetais. Através da arnniocentese é
possível analisar o líquido amniótico, que contém células de descamação da
pele fetal e com a cultura artificial dessas células permite-se, por meio da
espectrofotometria do líquido amniótico, a avaliação da maturidade fetal,
informações sobre o cariótipo e erros do metabolismo, dosagens da
alfafetoproteína para o diagnóstico de defeitos do tubo neural como a
anencefalia, a encefalocele e a meningomielocele.
, A biópsia de vilosidades coriônicas também se trata de um exame
invasivo e serve para avaliar os cromossomos do feto através da coleta de
fragmentos da placenta. Esse exame se assemelha às indicações da amniocentese,
com exceção das anomalias estruturais como os defeitos de fechamento do tubo
neural, porém possui a vantagem de ser realizado já na 11a semana de gestação, o
que permite a precocidade e rapidez nos resultados.
A cordocentese, por sua vez, trata-se de método de coleta do sangue do
feto através da punção do cordão umbilical para a análise dos cromossomos,
que pode ser realizado a partir da 20a semana de gravidez e permite, juntamente
com a dosagem de alfafetoproteína, detectar a hemofilia, anomalias da
hemoglobina, anomalias da estrutura cromossômica e processos infecciosos
como a rubéola e a toxoplasmose.
Outros métodos de diagnóstico também são utilizados, como o
rastreamento bioquímico para trissomias, reação em cadeia de polimerase
oligoidrâmnio, na
dos pulmões do (peR), estudo bioquímico da urina fetal, método de coloração por Giemsa, entre
da quantidade de outros76, demonstrando que o avanço das técnicas médicas e laboratoriais só
grau de nutrição tem a contribuir com a melhoria e rapidez no diagnóstico das anomalias fetais.
5 Antecipação terapêutica do parto, eugenia e enfermidade incurável
Ao lado das discussões e das propostas legislativas acerca do aborto
faz-se importante distinguir as situações em que a ampliação do rol de hipóteses
76 Cf: FRIGÉRIO, Marcos V. Aspectos bioéticos, médicos e jurídicos do abortamento por
5. ed. Rio de
anomalia fetal grave no Brasil, Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo: RT, n. 41, p.
273.
H,ris/II Es/urlos ./urÍl/ims I:\EW'. Fnlllfl/. 11./6./1. lIIi-/3i.jl/lll/p;.2t11/7
127
em que essa prática não constituiria crime é relevante a partir da ótica médico-
legal. Como se pode constatar é realidade crescente a concessão de alvarás
judiciais para a prática de aborto em casos especiais, notadamente em que o feto
não apresenta viabilidade extra-uterina, porém é interessante salientar que nem
todas as anomalias graves que acometem o feto são incompatíveis com a vida,
ou, ao menos com a vida autônoma biologicamente, destacando-se nesse ponto
o aborto por indicação eugênica, ou mais propriamente, o aborto seletivo.
O aborto eugênico ou a eugenia é expressão que pressupõe uma carga
negativa porque guarda uma história de abusos que foram cometidos pelos
médicos durante o período do regime nazista, onde as mulheres eram obrigadas
a abortar devido a razões étnicas e religiosas. Assim, "a lei para a purificação da
raça (Erbgesund/heitsgesetz) introduziu, por motivo da chamada saúde do povo
(Vo/ksgesundheit) a justificação dos casos de indicação eugênica (esterilização,
interrupção da gravidez, extirpação de glândulas sexuais).77"
A denominação abortamento seletivo (adotada pelo Conselho Federal
de Medicina) parece ser a mais adequada para designar os casos de interrupção
da gravidez devido a anomalia fetal, englobando tanto a indicação eugênica
como a antecipação terapêutica do parto - situações em que o feto pode ser
portador de enfennidade incurável - bem como limitando o campo de atuação
para não ser confundida com aquelas hipóteses do passado em que o objetivo
era o de provocar melhoria genética na sociedade.
Na denominada indicação eugênica não há incompatibilidade de vida
extra-uterina do feto, senão anomalias físicas ou psíquicas que, apesar de
apresentarem natureza grave que implicam numa redução significativa no
patamar da capacidade de aquisição da humanidade, ou seja, fatalmente trarão a
impossibilidade da vida plena e independente, não constituem por si só fator
letal no tocante ao aspecto biológico. Nesse ínterim, a indicação eugênica busca
solucionar um conflito de caráter social, que envolve a mínima qualidade de
vida de qualquer indivíduo, pois
trata-se de eleger entre o interesse social na qualidade de vida
independente de todo o ser humano que se disponha a nascer c
integrar-se numa comunidade e o interesse social em assegurar a
existência de qualquer um desses seres e em quaisquer
condições78.
o legislador penal brasileiro acolheu o sistema de indicações para
77 FRANCO, Alberto Silva. Aborto por indicação eugel1lca. In:
BARRA, Rubens P. (Coord.). Estudos jurídicos, em homenagem a
Paulo: Revista dos Tribunais, 1992, p. 80-108, p. 97-98.
78 FRANCO, Alberto Silva. Aborto por indicação eugênica. In:
BARRA, Rubens P. (Coord.). Estudos jurídicos, em homenagem a
Paulo: Revista dos Tribunais, 1992, p. 80-108, p. 100.
128 IÍI'l'islH btwlos .JuríllinJ.~ I ,\/:SI'.
admitir a prática de aborto através das hipóteses do aborto terapêutico e do
aborto sentimental; em outros países foi possível constatar que a preocupação
com a qualidade de vida do feto acometido por anomalia grave é o fator
preponderante para a pennissão legal de intenupção da gravidez. Os projetos de
lei e anteprojetos brasileiros que trouxeram disposições para ampliar o rol de
hipóteses de interrupção da gravidez se aproximam muito das disposições
estrangeiras no t-ocante à inserção de preceitos legais que autorizam o aborto em
caso de enfennidade grave do feto.
Entretanto, a questão que gera discussão e dúvidas é sobre o alcance das
proposições quando se considera a possibilidade de aborto em caso de anomalias
fetais, porque "a fronteira entre saúde e doença é muito tênue.79" É possível
realizar o diagnóstico da maioria das anomalias fetais com grande sucesso e cada
vez mais com maior rapidez, propiciando a intervenção através de procedimentos
cirúrgicos intra-uterinos e/ou a adoção de providências para uma terapia corretiva
após o nascimento, mas em alguns casos isso não é possível. Importa esclarecer,
sobretudo, que a pennissão para aborto em caso de anomalia fetal não pode ser
confundida com a interrupção voluntária da gravidez, em que podem estar
envolvidos outros fatores (como a situação econômica) e que nem todas as
anomalias constituem situação extrema que comprometa a qualidade de vida e a
saúde do bêbe, podendo, em diversas situações, constituírem apenas alterações
mais simples como ocorre, por exemplo, com a ausência de um membro e o
lábio leporino. Nesse sentido, seria de grande ajuda a futura abordagem legal
através da ótica médica, isto é, a previsão de que a enfermidade que dê suporte
para a permissão do aborto em caso de anomalia fetal seja incurável, o que
afastaria a incidência de pedidos para aborto de fetos com alterações
compatíveis com a vida praticamente normal.
A antecipação terapêutica do parto corresponde à situação que se insere
já no âmbito de decisão privada da gestante, vez que o feto é acometido por
anomalia que o toma inviável, isto é, incompatível com a vida extra-uterina.
Nesses casos tem sido sustentada a tese de atipicidade penal e, portanto, de
possibilidade de interrupção da gravidez sem que a mulher incorra na prática de
aborto, pois:
° suporte fático do crime de aborto é exclusivamente um feto
(apenas) prematuro, com potencialidade plena de nascer e de ser
uma pessoa. Logo, o feto inviável por má-fonnação incompatível
com a vida não é suporte fático do crime de aborto.
° interesse da sociedade a ser preservado na gravidez não é a
gravidez como fato fisiológico em si mesmo, mas a expectativa de
que o feto, decorrida a gestação, dê lugar a um ser humano,
ANDREUCCI, Ricardo A.;
previsivelmente vivo. Se, ao contrário, não há mais essa
Manoel Pedro Pimentel. São
ANDREUCCI, Ricardo A.;
Manoel Pedro Pimcntel. São 79 DINIZ, Débora; RIBEIRO, Diaulas Costa. Aborto por anomalia fetal. Brasília/DF: Letras
Livres, 2004, p. 64.
FfllflnL n.lh. /'. JfC-I3;-. jlllu/f'::.:!OfC Iff)l·i.~I(/ r:.~II/(JfJ.~.Il1rítlifoS f-SESI'. fnlflm. n.J6./,. /07-J37.j'lrl,flf';.2Im;- 129
 expectativa, não há bem jurídico a ser preservado,
tipicidade penal, não há crime80.
Com base na atipicidade penal o Superior Tribunal de Justiça permitiu
no mês de julho de 2007 a interrupção da gestação, na 26 semana, de um feto 3
portador de encefalocele occital, rins policísticos e polidactilia (características
da Síndrome de Meckel-Gruber), patologia que não permite a sobrevivência
segundo diagnóstico dos médicos, depois da negação do pedido nas duas
instâncias gaúchas por impossibilidade jurídica. O Ministro Barros Monteiro
consignou que:
o legislador ordinário, ao tratar das causas de exclusão de ilicitude,
apenas tratou do aborto necessário - único meio de salvar a vida da
gestante - e do aborto sentimental, em que a gravidez é resultante de
estupro. Nota-se, que nesses dois casos, o legislador procurou
proteger a saúde fisica e psicológica da mãe, em detrimento da vida
plenamente viável e saudável do feto fora do útero.
Certamente, não houve, àquela época, a preocupação de proteger
juridicamente a interrupção de gravidez de feto que não terá
sobrevivência extra-uterina, por incapacidade científica de
identificação de patologias desta natureza, durante a gestação.
(...) Diante de uma gestação de feto portador de anomalia
incompatível com a vida extra-uterina, como no caso dos autos, a
indução antecipada do parto não atinge o bem juridicamente
tutelado, uma vez que a morte desse feto é inevitável, em
decorrência da própria patologia8l.
As ações que adentraram o Supremo Tribunal Federal tendo como
pedido a interrupção da gravidez de feto inviável, em especial nos casos de
anencefalia, não tiveram o julgamento do mérito realizado vez que, em regra,
com a demora do processo judicial, as gestações foram levadas a termo com a
conseqüente morte dos fetos após curto momento de sobrevida extra-uterina.
Em geral as petições adotam a tese de atipicidade da conduta de antecipação do
parto em caso de feto inviável e ressaltam a necessidade de proteção da
dignidade humana da gestante, como se pode ver no trecho a seguir:
Impor à mulher o dever de carregar por nove meses um feto que
sabe, com plenitude de certeza, não sobreviverá, causando-lhe dor,
angústia e frustração, importa violação de ambas as vertentes de sua
dignidade humana. A potencial ameaça à integridade física e os
danos à integridade moral e psicológica na hipótese são evidentes. A
convivência diuturna com a triste realidade e a lembrança
80 DINIZ, Débora; RIBEIRO, Diaulas Costa. Aborto por anomalia fetal. Brasília/DF: Letras
Livres, 2004, p. 138.
8l STJ pennite interromper gravidez se há risco de morte da mãe e do feto. Disponível em:
<http://ultimainstancia.uol.com.br/imprime_noticia.php?id Noticia=39780> Acesso em: 12 jul.
2007.
130
R"risll/ Esll/tlos ./urítliros lfM;SP. FfIlfll:ll. 0.16.11. lIIi.137.jllo.d,,=.2IJ1J7
não há
ininterrupta do feto dentro de seu corpo, que nunca poderá se tomar
um ser vivo, podem ser comparadas à tortura psicológica82.
A existência de anomalia incompatível com a vida no feto envolve,
outrossim, um problema de saúde da própria gestante porque há o risco de
complicações da gestação sem a possibilidade de sobrevi da do feto que
assegurariam a interrupção da gravidez, como foi a decisão do Conselho Federal
de Medicina em consulta sobre um caso de feto anencéfalo:
A morte é perda de função. Neste caso, não houve porque esta
função nunca existiu. Se não podemos falar em morte cerebral,
podemos falar de 'não-vida-cerebral'. Entendemos que pelos
critérios do Conselho Federal de Medicina esta interrupção seria
válida. Mas temos que levar em conta o Código Penal Brasileiro,
que proíbe a interrupção da gestação antes da viabilidade fetal _
aborto. Esta interrupção estaria então condicionada a uma
condição temporal, que pennitisse a maturação de órgãos e
sistemas capazes de pennitir ao recém-nascido uma vida autônoma,
apartado do organismo matemo. Neste caso, isso não acontecerá,
ainda que se espere um tempo maior. Poderá ter por um certo tempo
uma vida vegetativa, sem qualquer atividade cerebral, e o desfecho
letal é inevitável. (...) O quadro provoca, e, no caso já existe o
polidrâmnio. Esta situação leva comumente à toxemia gravídica,
principal causa de mortalidade materna, síndrome que permite
tratamento, mas para a qual não há prevenção. O risco de
'descolamento prematuro da placenta nonnalmente inserida' é alto e
acarreta, por vezes, a gravíssima condição de síndrome de
coagulação intravascular disseminada, de alta mortalidade. A
presença de polidrâmnio é causa também de atonia uterina,com
graves hemorragias pós-parto, que também levam a aumento do
risco de mortalidade materna. Entendemos que, por estes motivos,
caracteriza-se o risco matemo, aceito pela legislação brasileira como
motivo para a interrupção de gestaçã083.
Um grande número de alvarás que têm sido expedidos para a
interrupção da gravidez considera também o dano psicológico da gestante que
se vê obrigada a esperar o término da gestação, mesmo sabendo que o filho não
vai viver, por isso há o intuito de abreviar a angústia e o sofrimento da mãe e da
familia, quando o feto não tem condições de sobrevida. Com o diagnóstico de
anomalia fetal, a familia passa por um período de difícil enfrentamento da
82 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental
n. 54-DF (Petição inicial). Argüente: Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde.
Relator: Ministro Marco Aurélio. Disponível em: <http://www.stf.gov.br>. Acesso em: 09 jul.
2007, p. 16.
83 Consulta n. 0055/97, relator Cons. Pedro Chacel, Brasília, 28 de julho de 1997, apud DINIZ,
Débora; RIBEIRO, Diaulas Costa. Aborto por anomalia fetal. Brasília/DF: Letras Livres, 2004, p.
115-116. -
Hi'ri.da E~IUlIM.Iurídirtl.~ {INES". Franf/l. n.16./,. /117- J 37_ jllfuft'.:.2f1l1i
131
 realidade, porque "ao gerar um filho malformado, os pais, muitas vezes, sentem no caso, possuía más-formações múltiplas (hidrocefalia, ausência de rim
que o que eles tem de pior foi passado ao filho e agora estão expostos para a esquerdo, displasia do rim direito, deformidade do pólo cefálico e
sociedade todos os seus erros, todos os seus defeitos.84" Por isso se mostra mielomeningocele) que punham em risco a vida da gestante. O relator do caso
importante o acompanhamento psicológico antes e após a interrupção da decidiu pela concessão da liminar, que foi posteriormente confirmada pela
gravidez, se houver, para auxiliar na decisão a ser tomada e minimizar o Câmara, com base nos seguintes fundamentos:
sofrimento vivido. No caso de anomalia fetal incompatível com a vida o
assessoramento do obstetra aos pais é importante para explicar o diagnóstico Estudos médicos demonstram a procedência do pedido e
recebido e suas possíveis implicações. enfatizam a existência de sério risco a vida da gestante, além do
estado do concepto, cuja saúde não se pode cientificamente
Tradicionalmente a sociedade relegou às mulheres a responsabilidade
estabelecer devido às múltiplas malfonnações, nem sua vida
no cuidado para evitar a gravidez através da utilização de métodos salvar, lamentavelmente. A existência de perigo atual a saúde da
contraceptivos, tratando a questão da maternidade como uma situação natural e gestante e, para mais disso, de risco iminente a sua vida, em maior
é comum o argumento de que a gestação traduz um processo de mudança do ou menor grau, são bastantes em si à caracterização da
corpo da mulher para adaptar-se ao novo ser que está se formando, por isso, seu necessidade do aborto, como único meio seguro para resguardo da
pessoa da gestante, caso não haja interrupção natural da gestação.
corpo não é mais somente seu. No entanto, a transfonnação biológica no corpo Em medida ou proporção adequada, deve-se exigir a existência de
da mulher não pode ser utilizada como argumento para obrigá-la a levar a termo perigo sério à vida da gestante, entretanto, não a ponto de exigir
a gestação se não existem condições "internas", ou seja, psíquicas para isso. A que lhe seja iminente ou quase atual a própria morte, porque jà
dignidade da mulher não é suprimida quando da existência do feto em seu então poderá ser tardia qualquer intervenção médica85
corpo, pois a mulher não é apenas o útero, isto é, o feto não pode ser visto como
individualizado e separado do corpo matemo, tanto é assim que o legislador Não é O bastante para a permissão de interromper a gravidez a simples
penal protegeu os sentimentos da mulher ao permitir o aborto em casos de presença de anomalia e aqui importa a discussão acerca da enfermidade
violência sexual, em atenção à sua individualidade. incurável como elemento para o aborto. A enfermidade incurável constitui
Primordial na discussão acerca do aborto é saber que mesmo com a situação irreversível, mas nem sempre incompatível com a vida, como se pode
possibilidade de interrupção da gravidez, seja através da requisição judicial de constatar em anomalias como: micromelia, síndrome da garra de lagosta,
alvará nos casos de anomalia fetal incompatível com a vida, seja devido a agnesia renal unilateral, síndrome de Down, entre outras. Por isso, na concessão
gravidez resultante de violência sexual, a mulher deve ter espaço para tomar sua do alvará está presente, via de regra, a preocupação em se permitir a interrupção
decisão consciente e não deve em hipótese alguma ser pressionada para realizar o quando constata-se que há enfermidade incurável e que a inviabilidade existente
aborto. O sofrimento da mulher existirá em qualquer situação que ocorra o aborto, é extraordinária, isto é, a enfermidade produzirá a morte do feto durante a
pois não se trata de mecanismo natural e sempre haverá a frustração do filho gestação, o parto ou logo após o nascimento, sem que hajam meios atuais q~e
perdido. possibilitem reverter essa situação. Assim, anomalias como a anencefaha,
A condição de o feto ser portador de anomalia incompatível com a vida é acrania, agnesia renal bilateral, agnesia pancreática, onfalocele, hidropisia fetal
o principal fundamento considerado em muitas decisões judiciais que concedem o e atresia pulmonar que denotam diagnósticos letais são as mais comuns a
alvará para a antecipação terapêutica do parto, amparando-se na atipicidade ou em ensejar a interrupção da gravidez, porque é evidente que com a falta de cérebro,
excludentes de ilicitude (como o estado de necessidade) e de culpabilidade (como rins ou pulmões o feto não pode viver.
a inexigibilidade de conduta diversa). Para isso também é considerada na Desta forma, ainda que não se tenha a previsão legal de permissão de
avaliação a documentação com o parecer de médico atestando a gravidade da interrupção da gravidez nesses casos, deve ser autorizada a antecipação porque
situação e a inviabilidade extraordinária do feto. No Agravo Regimental n. é figura penalmente atípica em vista de que a proteção do ordenamento jurídico
70002099836, julgado pel9 Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul em 2001, visa resguardar a possibilidade de vida do feto que, aqui, não será possível.
pode-se verificar a concessão de liminar que possibilitava a interrupção Quanto aos projetos de lei que buscam ampliar o rol de hipóteses em que se
terapêutica de gestação com fundamento no estado de necessidade porque o feto, permita o aborto, seria necessário prever também os casos em que não se insere

84 BENUTE, Gláucia R. G. et aI. Interrupção da gestação após o diagnóstico de malfonnação fetal 85 BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Agravo Regimental n. 70002099836.
letal: aspectos emocionais, Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia, Brasília/DF, v. 28, n. Agravante: G.P.C e C.A.l Agravado: Ministério Público. Relator: Carlos Cini Marchionatti.
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Disponível em: <http://www.tj.rs.gov.br> Acesso em: 31 jul. 2007, p. 1.
132 fI"I'i.~IIlI:sll/lfflS jllrí/liftls F\EW'. franra. n. 16.,,_ W;-·137.jwul/':.:!(J(J7 133
IIni.-III I:."UI/"s .Iurú/iw., l.\Ic~I'. I'rIllI('II. n.16.I'. 11J7.13'.jwl.<I";.2110í
 j •
a categoria de enfennidades incuráveis incompatíveis com a vida, mas as
enfennidades incuráveis que comprometem a vida plena e restringem o
desenvolvimento do indivíduo de forma grave.
O legislador incluiu também na Lei n. 11.340/06 (Lei Maria da Penha)
entre as formas de violência contra a mulher: "a violência sexual, entendida
como qualquer conduta que a (...) impeça de usar qualquer método
contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à
prostituição (...); ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e
reprodutivos (art. r, I1I)", protegendo a mulher da imposição, muito comum,
por parte de alguns companheiros, à realização de aborto.
Observando as condutas proibidas vislumbra-se, igualmente, o direito
da mulher à autodetenninação que inclui a escolha do melhor momento para ter
seus filhos e também a impossibilidade de assumir sacrifício que não lhe é
razoável exigir quando se encontra em risco a sua saúde, tanto no aspecto físico,
como psíquico. Portanto, vê-se que a escolha pelo aborto demonstra experiência
difícil para a mulher e a incriminação severa dessa prática não deve ser tratada
como meio capaz de coibi-la. Nesse sentido, Aníbal Faúndes adverte que "não é
uma maior ou menor liberalidade das leis que irá determinar a opção de uma
mulher pelo aborto", pois "para conseguir baixas taxas de aborto, é preciso
educação em sexualidade desde a infância e maior igualdade de poder entre
mulheres e homens, além de amplo conhecimento e acesso a todos os métodos
- 86" C ontmua
e filcazes de con t racepçao. . o mesmo autor a Iertando que:
Criminalizar a mulher que aborta não seria tão grave se não fosse,
além de inficaz, injusto e perigoso.
Injusto, pois afeta exclusivamente as mulheres com menos
educação e meios econômicos, que engravidam porque não têm
poder de controlar sua vida sexual e não têm acesso a infonnação
nem a serviços de anti concepção. E perigoso, sobretudo para essas
mulheres, já que as de maior poder aquisitivo têm acesso a clínicas
que fazem abortos seguros (e caros) e jamais são acusadas ou
condenadas.
(...) O que temos dificuldade de entender é que, para cada mulher
ou casal, as circunstâncias que levam ao aborto são também
absolutamente excepcionais e, nesse contexto, moralmente
justificáveis87.
Resta claro que a penalização do aborto no Brasil deve ser revista pela
sociedade ante a realidade do país onde a prática é largamente utilizada, atentando-
se para casos como de anomalia grave do feto que vêm sendo, inclusive, o suporte
de grande parte das decisões que a autorizam a interrupção da gravidez, mas
86' •
FAUNDES, AOIbal. Por um novo consenso sobre o aborto. Folha de S. Paulo, São Paulo, 07
ago. 2007. Tendências e Debates p. A3.
87 • '
FAUNDES, loc. cit.
134 Rrri"/I/ E../udodurídiw .•ISESI'. FmnClI. rd6.
esclarecendo que se a proposta de descriminalização não vier acompanhada de
medidas de atendimento à saúde das mulheres, como tratamento ginecológico e
aconselhamento sobre métodos anticoncepcionais, "se estará fazendo do aborto um
método de planejamento familiar ou, o que é pior, de controle da natalidade,,88.
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