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PENSATAS • RELAÇÕES DEALLAN

TRABALHO
CLAUDIUS
E RECURSOS
QUEIROZ
HUMANOS
BARBOSAEM BUSCA DE IDENTIDADE

RELAÇÕES DE TRABALHO E RECURSOS HUMANOS


EM BUSCA DE IDENTIDADE
Allan Claudius Queiroz Barbosa
UFMG

Em 1987, em um clássico artigo1 acer- Sem a intenção de questionar ou Ao procurar construir uma argu-
ca das relações de trabalho e políticas discutir a validade de pressupostos mentação que olhe ao mesmo para
de recursos humanos, a professora historicamente aceitos, esta pensa- a dimensão macro, com as altera-
Rosa Maria Fischer demarcou de ma- ta pretende manter aceso, ainda que ções que se fizeram sentir na dimen-
neira inequívoca uma tendência que de maneira tênue, um debate ines- são produtiva, e para a dimensão
tornou visível uma reflexão mais com- gotável sobre relações de trabalho e micro, por meio de uma lógica or-
bativa e abrangente sobre duas dimen- recursos humanos, dentro de um ganizacional que desconstruiu toda
sões absolutamente imbricadas, quais ambiente distinto daquele existen- uma argumentação pautada no em-
sejam, relações de trabalho e políti- te nos anos 1980. Mesmo assim pre- bate e debate entre empregadores e
cas de recursos humanos. Com uma tende-se guardar similaridades na empregados, é possível identificar
bem elaborada argumentação que necessária utilização de um arca- pistas para explicar um quadro no
mantém suas raízes nos estudos soci- bouço mais abrangente e reflexivo qual prevalece a dúvida e a dificul-
ológicos sobre o trabalho e sua cen- sobre a temática. dade de legitimar uma lógica con-
tralidade2 na sociedade contemporâ- Nessa perspectiva, o argumento sistente no plano teórico, e adequa-
nea, a autora sedimenta uma discus- central – ainda que pareça distante das da em sua aplicação ferramental.
são que em grande parte condicionou “modernas” e recentes abordagens Nesse caminho aberto, as pistas aca-
ou, de maneira mais precisa, influen- sobre capital humano, gestão do co- bam sinalizando e evidenciando
ciou reflexões ditas acadêmicas em re- nhecimento, gestão de competências, pressões de natureza externa e in-
cursos humanos. aprendizagem, dentre outras aborda- terna sobre a lógica das relações de
Mas, seria essa a preocupação dos gens e linhas de pesquisa3 que acom- trabalho e sobre a gestão de recur-
estudos sobre recursos humanos e panham essa tendência – é o relativo sos humanos que acabam por con-
relações de trabalho contemporâneas, esvaziamento da instância relações de dicionar o próprio entendimento
depois de quase duas décadas de trabalho. Esse esvaziamento contri- do quadro atual.
transformações e mutações no espa- buiu para que a área de recursos hu- Para buscar um caminho razoá-
ço organizacional? Afinal, os pingos manos agravasse uma crise de identi- vel de compreensão dessa situação,
foram devidamente colocados nos dade que demonstra seus efeitos na é importante, em primeiro lugar,
“is”, conforme sugere a autora no produção acadêmica da área, como evidenciar quais seriam as fortes
título de seu artigo? Ou estaríamos, bem atestam diferentes autores. 4 pressões que a área de recursos hu-
no espaço acadêmico, interpretan- Identidade essa corroída externa- manos sofreu e vem sofrendo, ao
do a teoria para entender e atender mente pelas impressionantes e velo- mesmo tempo em que é possível vi-
aos desígnios ditos irreversíveis da zes transformações no espaço produ- sualizar de que maneira foi perden-
lógica empresarial e mercadológica? tivo, que alteraram, ao que parece, do densidade a ênfase em um enfo-
Ou, ainda mais, estaríamos realmen- de maneira irreversível, a dinâmica que marcadamente voltado à discus-
te “gerando” novos conhecimentos, social e de seus atores. E internamen- são sobre relações de trabalho.
capazes de demarcar avanços signi- te, pela dificuldade em legitimar de Um primeiro argumento que de-
ficativos em uma área com fortes forma consistente e convincente um monstra a forte pressão existente diz
contradições e dificuldades de afir- discurso e uma prática que atendes- respeito ao fato de ser a área de re-
mação? sem aos interesses organizacionais. cursos humanos pressionada por

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duas forças vitais. A primeira delas, nos custos organizacionais, acabou dos.7 Some-se a isso o discurso con-
externa, tem origem nas intrincadas impondo alternativas de reorganiza- temporâneo, que traz consigo uma
e complexas mutações que têm sido ção produtiva6 às empresas. Calca- idéia de busca de capacitação que
observadas na sociedade e no mo- das na incorporação de novas tec- enfatiza o indivíduo. Com o foco
delo produtivo nos últimos 20 anos. nologias organizacionais, destacam- direcionado para o indivíduo, as
A partir de uma transformação sem se características que ganham ênfa- ações de natureza coletiva perdem
precedentes na história do capitalis- se no contexto de globalização dos fôlego e consistência, pois até mes-
mo, e sem querer discorrer sobre a mercados. A discussão sobre com- mo a remuneração passa a ser trata-
já exaurida argumentação alinhada petitividade, reestruturação produ- da de maneira específica, isto é, em
aos cânones de um mundo unifica- tiva e mercado, dentre as diversas conformidade com os resultados al-
do ou internacionalizado, é possí- variações que assume a intensa re- cançados pelo indivíduo.
vel identificar que os diferentes ato- organização do mundo do trabalho A primeira força vital apresenta
res sofreram reconfigurações e mu- e da produção, trouxe consigo um três atores – Estado, empresas e sin-
tações. Um dos atores, o Estado, novo impulso à gestão como um dicatos – com papéis distintos daque-
“eterno” fiador de uma lógica que todo e à gestão de recursos huma- les representados até então, forçan-
minimizou conflitos e impediu rup- nos em particular. O fato é que o do uma revisão na lógica de atuação
turas ideológicas ou sistêmicas, aca- gerenciamento cotidiano e de lon- e no posicionamento frente às pro-
bou sendo repensado à luz de um go prazo dos recursos humanos nas fundas modificações que atingiram
discurso que apregoou o esgotamen- organizações passou a ser visto a sociedade.
to de seu papel como agente promo- como um importante diferencial O quadro, de desordem aparen-
tor do bem-estar social. A lógica do para alcançar ou atingir os objeti- te, com papéis e posturas distintas
Estado mínimo, em voga a partir da vos organizacionais. Isso significa até então, acabou por demonstrar
ascensão conservadora na Inglaterra dizer que o que se observa hoje são que a segunda força do processo,
e da hegemonia republicana nos Es- as organizações sendo levadas à que teoricamente surge do próprio
tados Unidos nos anos 1980, passou modernização ou adequação ao papel de recursos humanos, eviden-
a fazer parte do discurso e das práti- novo contexto produtivo por dife- cia uma fragilidade maior e mais
cas de governos ao redor do mundo. rentes caminhos. Seja pela via tec- avassaladora. A dificuldade em ga-
Some-se a isso o poderoso argu- nológica, seja pela via gerencial, di- rantir legitimidade ganhou destaque
mento do fim das ideologias iguali- ferentes mecanismos e/ou ferramen- tendo em vista o relativo colapso de
tárias, simbolicamente representado tas são utilizados visando, em últi- alternativas mais afeitas ao discur-
pela queda do Muro de Berlim e ten- ma instância, a melhor adequação so, com pouco embasamento técni-
do como marco divisor os aconteci- das pessoas ao lócus de trabalho. co, desprovida de uma racionalida-
mentos de 1989. A derrocada do Naturalmente, essa situação atin- de compatível com aquela pensada
chamado “socialismo de caserna”5 e giu também as formas de represen- pelo novo arranjo organizacional.
o agravamento de conflitos distribu- tação do trabalho, expressas por No gerenciamento de recursos hu-
tivos foram a contrapartida da alte- meio do movimento sindical, tercei- manos, têm sido testadas soluções
ração no padrão produtivo, com a ro ator atingido pela redefinição de em que a crença de que a humani-
incorporação maciça de novas tec- papéis. O sindicato, considerado zação das ações e/ou práticas, asso-
nologias produtivas e gerenciais, e historicamente espaço por excelên- ciada a um clima de trabalho mais
o conseqüente redesenho organiza- cia de representação de interesses, cordial e saudável, seria suficiente
cional. A força desse processo en- acabou ficando às voltas com uma para alterar um quadro que tem exi-
contra naturalmente ressonância na alteração significativa em sua pers- gido aportes mais consistentes no
reformulação atual das empresas, pectiva de atuação. A crise de repre- campo racional. Esse discurso e essa
segundo ator do processo, frente ao sentação de interesses, que surge no prática têm sido fortemente comba-
novo arranjo produtivo e institucio- bojo de um amplo processo de reor- tidos por aqueles mais afeitos e dis-
nal que se configurou. ganização, atingiu-os de maneira postos a uma via mais adaptada a
A apregoada crise do modelo de intensa, em contexto de esvazia- critérios objetivos e pragmáticos de
acumulação com base taylorista- mento sistemático de sua base de entendimento da realidade. Esse ar-
fordista, que identificou queda nos sustentação, por meio da redução ranjo tem como palavra de ordem a
níveis de produtividade e aumento paulatina do número de sindicaliza- maximização da equação do aumen-

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to de receitas versus redução de cus- marcos normativos e funcionais ou, vel a falta de alternativas, de expli-
tos, o que impõe ações de natureza quando muito, a uma lógica quase cações convincentes no espaço pro-
organizacional que atingem direta- comportamental –, serviu também posto. Isso, em grande medida, aca-
mente a lógica de gestão de pessoas. como elemento gerador de estudos bou por fragilizar toda uma argu-
A esse respeito, é visível o impacto com abordagem mais crítica a esse mentação pautada no embate entre
nos níveis de emprego, não apenas enfoque “quase” legalista imposto às atores sociais.
causado pela desaceleração econô- práticas de recursos humanos. Com Nesse quadro de crescente com-
mica global, mas por ações locali- efeito, a proliferação, nos anos 1970 plexidade e de revisão de papéis, é
zadas nas empresas visando a redu- e 1980, de análises que observaram visível uma “nova” lógica, que ten-
ção do quadro efetivo. o mundo do trabalho acabou servin- de a esvaziar a discussão em torno
Naturalmente, o argumento ex- do como contraponto ao enfoque de aspectos relacionados às relações
terno às empresas, oriundo de uma “manualesco” que era prática no ge- de trabalho. Quando se observa uma
aparente necessidade de rearranjo renciamento de recursos humanos.8 falência do discurso argumentativo
frente às exigências impostas pelo A perspectiva crítica, naturalmen- que propunha uma clivagem entre
novo cenário produtivo, poderia, te associada à dicotomia direita capital e trabalho pela simples opo-
por si só, minimizar o impacto so- versus esquerda – que por muito tem- sição entre as partes ou pela via de
bre o gerenciamento e as práticas de po identificou abordagens favoráveis argumentos mais pragmáticos, tais
recursos humanos. Mas, por mais ou desfavoráveis, críticas ou passi- como os efeitos do trabalho sobre o
forte que ele possa parecer, torna- vas, ligadas ao universo do trabalho indivíduo, emerge um discurso for-
se insuficiente ao se observarem al- e da gestão –, voltada ao embate e temente pautado por uma lógica
guns pontos que surgem da própria quase enfrentamento entre o capital objetiva, privilegiando resultados
lógica de recursos humanos. e o trabalho, e fortemente enraizada quase sempre individuais em detri-
Um primeiro ponto que eviden- na tradição sociológica das relações mento dos coletivos, e de ações
cia isso tem a ver com a própria tra- de trabalho, perdeu grande parte de amplas e diluídas pelo conjunto.
jetória dos recursos humanos, em seu apelo com o colapso das ideolo- Essa situação se torna ainda mais
especial no Brasil, fortemente influ- gias ditas socialistas na década de dramática quando as exigências co-
enciada e, por que não dizer, con- 1990. Apelo esse agravado pela falta locadas atingem a gestão de recur-
dicionada pela configuração social de perspectivas ou respostas objeti- sos humanos em sua busca de legi-
e produtiva existente. Muito já foi vas, na acepção dos gestores, que timidade organizacional. Premida
dito sobre essa evolução dos recur- dessem um norte ou direcionamento pelas mudanças quase conceituais
sos humanos no Brasil, e a já clás- adequado ao gerenciamento de recur- de uma prática até então tida como
sica categorização em fases e/ou sos humanos. Ou seja, a orfandade intocável no campo das relações de
momentos históricos com caracte- atingiu em cheio a trajetória dos re- trabalho, e com um quotidiano afei-
rísticas peculiares serve como refe- cursos humanos quando faltou o sus- to à lógica da gestão de pessoal, aca-
rência ao entendimento dessa traje- tentáculo crítico presente nas abor- ba por ser forçada a demonstrar que
tória nem sempre linear. Sempre a dagens com enfoque sociológico das pode resistir às reestruturações or-
reboque de ações e medidas de im- relações de trabalho. ganizacionais, que tendem, quase
pacto estrutural, com pouca tradi- Isso significa que os estudos li- sempre, a um enxugamento que
ção de envolver-se na empresa como gados aos recursos humanos, den- atinge inicialmente áreas vistas
negócio, a gestão de recursos huma- tro de uma tradição fortemente mar- como geradoras de despesas.
nos, de forma análoga ao que ocor- cada pela ideologização ou, de ma- Entretanto, o que se observa na
reu com o movimento sindical no neira mais clara, por uma postura prática é um paradoxo. De um lado,
Brasil, mas com timing diferencia- frontalmente contrária à “lógica or- a pressão para demonstrar alguma
do, acabou transformando-se em ganizacional”, acabaram sendo tra- capacidade em ser inclusiva, isto é,
braço ou suporte operacional do gados pela falência de um ideal que estar de alguma forma ligada ao core
quadro organizacional dominante, postulava a igualdade pela via “qua- business. De outro, a pressão da pró-
tendo atribuições normativas com se” revolucionária, ou fora dos limi- pria organização, com um discurso
pouca densidade estratégica. tes do modo de produção capitalis- de valorização das pessoas que traz
Se isso foi um limitador – pois ta. Ou seja, ao desnudar uma ver- embutido um aumento da capacida-
acabou deixando a atividade presa a dade até então intocável, ficou visí- de de trabalho, leia-se produtivida-

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de, nem sempre com resultados equi- paço de recursos humanos. Isso pode avaliam os embates ou controvérsias
librados entre as partes envolvidas. ser observado de maneira mais obje- de interesses dentro de uma perspec-
Em meio a esse verdadeiro fogo- tiva no Quadro 1, que procura siste- tiva mais subjetiva.
cruzado, surgem com muita força matizar, de forma simplificada, algu- Por sua vez, “tradicional, inter-
evidências da fragilidade da área de mas possibilidades, dentro de uma mediário e moderno” se referem à
recursos humanos e sua difícil inte- linha que se propõe temporal para a sua posição no tempo, sem nenhu-
ração contemporânea com as rela- inserção e o posicionamento das re- ma conotação negativa ou juízo de
ções de trabalho. O que se observa lações de trabalho no espaço da ges- valor que eclipse sua aplicabilidade.
é que a falência de um discurso for- tão de recursos humanos. Ou seja, o tradicional está mais afei-
temente enraizado no embate capi- O Quadro 1, que vai do tradicio- to às práticas usuais em recursos
tal–trabalho, com um papel de nal ao moderno passando por uma humanos, o intermediário se refere
intermediação de interesses media- perspectiva intermediária, e do com- à possibilidade de avançar os estu-
do pela gestão de recursos humanos, portamental ao reflexivo/crítico pas- dos até então tidos como “quase
cede espaço à ênfase exclusiva na sando pelo funcional, não se propõe paradigmáticos”, e o moderno pres-
organização, mas com sinais contra- engessar o conhecimento, mas sim supõe uma análise de fronteira do
ditórios em direção a uma valoriza- dar um norte apropriado que permi- conhecimento na gestão de recursos
ção do indivíduo como verdadeiro ta identificar, dentro de uma perspec- humanos.
diferencial competitivo. tiva minimamente organizada, a in- Novamente, é importante salien-
Isso acaba por impor um redire- serção das relações de trabalho. E tar que essa tipologia, que tem as
cionamento que significa simulta- essa identificação já permite dizer desvantagens naturais de qualquer
neamente uma readequação aos no- que a própria explicação de cada um tentativa de modelagem e formata-
vos tempos e também a própria so- dos compartimentos existentes em ção, ainda mais quando não estão
brevivência, tendo em vista a inter- grande medida explica as dificulda- identificadas todas as abordagens
minável busca da minimização de des da própria área. possíveis (e impossíveis), serve
custos organizacionais pela via da De forma objetiva, entende-se como guia para tentar situar uma
eliminação daquilo que é conside- nessa reflexão que a “abordagem natural restrição a uma reflexão cen-
rado “supérfluo” ou, de maneira comportamental” seria uma forma trada somente nas relações de tra-
mais elaborada, incapaz de agregar de enxergar a gestão de recursos hu- balho em uma moldura conceitual
qualquer valor à organização. Esse manos com forte ênfase no indiví- multifacetada e com diferentes pos-
quadro impõe um novo debate, em duo e nos grupos e suas relações in- sibilidades de abordagem.
patamares distintos e com uma terpessoais visando o desempenho da Um segundo ponto de reflexão no
dose de objetividade até então pou- organização. Essa abordagem atua debate deve estar ligado às inquie-
co usual em recursos humanos e basicamente em aspectos relaciona- tações sobre o que seria a gestão de
relações de trabalho. dos ao comportamento dos indiví- recursos humanos dentro da tradi-
O que aconteceu, então, com a duos. Por “abordagem funcional” ção que norteia estudos com raízes
discussão em torno das relações de se entendem as diferentes atividades ideologizadas. Seria ela então ape-
trabalho? Onde estão os “pingos nos que compõem a prática cotidiana de nas um anteparo entre as contra-
is”? Um caminho em direção a uma recursos humanos em uma organi- dições e os interesses diversos que
explicação minimamente articulada zação no que se refere às diretrizes direcionam o capital e o trabalho?
pode sugerir, pelo quadro traçado, previamente definidas para atuação Ou seria, conforme observado pe-
que os “is” são vários, tanto pela tática ou estratégica. Ou seja, ativi- los funcionalistas, uma área volta-
forte tradição democrática de recur- dades ligadas à pratica de recursos da à reprodução operacional de uma
sos humanos em estar aberta a dife- humanos em sua gestão cotidiana. práxis? Ou, em uma perspectiva ra-
rentes abordagens quanto pelas Por “abordagem reflexiva/crítica” cional pragmática, uma área que
pressões ambientais e organizacio- entende-se aquela que proporciona precisa somente demonstrar como
nais. Como ponto de partida, pon- uma leitura que incorpora elemen- se cria valor para a organização por
tuar os “is” significa identificar de tos “novos” na análise sobre gestão meio das pessoas?
forma sistematizada onde se encai- de recursos humanos, notadamente Essa discussão, ao que parece
xam e como se articulam às diferen- aqueles relacionados aos atores so- descolada dos debates atuais, traduz
tes abordagens que agem sobre o es- ciais em suas interações, e como se a própria formação dos gestores que

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atuam em recursos humanos e pode diferentes possibilidades. E exige meros “recursos” – de natureza fer-
sinalizar para uma mudança de per- uma leitura mais abrangente e me- ramental ou política, para atingir fins
fil e de formação. Ou seja, se até fins nos determinista da realidade, o que que transcendem o ideário cotidia-
da década de 1980 a tradição de re- pressupõe capacidade e rigor con- no dos indivíduos – deve fazer parte
cursos humanos – de agir como um ceitual e metodológico mais apro- de uma nova lógica. Essa perspecti-
anteparo ao embate existente sus- priados. va, aliás, em grande medida pode
tentado por uma ação de natureza Da mesma forma, o desafio atual evidenciar um paradoxo frente ao
assistencial e/ou comportamental, a é superar um quase preconceito a novo papel dos recursos humanos.
partir da percepção de que esse se- uma leitura com aporte sociológico Ou seja, como garantir a integrali-
tor não mais poderia ser um centro na lógica dos recursos humanos. dade do indivíduo sabendo que é
gerador de despesas – fez com que Quase como irmãos siameses, os re- imprescindível alcançar resultados e/
houvesse a inserção de profissionais cursos humanos e as relações de tra- ou metas que quase sempre deslocam
com experiência em áreas de natu- balho devem permanecer indisso- o eixo dos interesses individuais para
reza técnica (produção, logística e ciáveis e interdependentes, pois o interesse organizacional.
finanças) na prática de recursos uma dimensão não consegue sobre- Independentemente da aborda-
humanos, como gestores e respon- viver, academicamente e em termos gem, ou na busca de uma síntese
sáveis por reposicionar a área. operacionais, sem a outra. Quando mais adequada, esta pensata tem a
À luz do “preâmbulo” até aqui es- se observa o grande mosaico cons- simples intenção de manter aceso
boçado, um grande desafio contem- tituído pelos recursos humanos no um debate sobre a relevância das
porâneo que move a efetiva intera- universo organizacional, isso fica relações de trabalho, mas em um
ção entre relações de trabalho e ges- visível e reforça a importância de um contexto diverso daquele de 20 anos
tão de recursos humanos passa, ini- tratamento ampliado e que procure atrás. O debate, longe de ser um mero
cialmente, pelo reconhecimento da envolver as diferentes dimensões revival, permanece atual e importan-
diversidade de enfoques e perspec- existentes, independentemente da tíssimo para buscar um caminho que
tivas. Isso evita um erro bastante co- perspectiva adotada. recoloque a tradição e a relevância
mum de pré-julgamento ou um po- Também, o reconhecimento de dos estudos ligados às relações de
sicionamento prévio que descarta as que os recursos humanos não são trabalho no seu devido lugar dentro

Quadro 1 – Abordagens em Recursos Humanos – Um esquema para situar as relações de trabalho.


ABORDAGENS TRADICIONAL INTERMEDIÁRIA MODERNA
COMPORTAMENTAL • Liderança • Comprometimento • Gestão do conhecimento
• Motivação • Aprendizagem
• Qualidade de vida
• Estresse

FUNCIONAL • Cargos e salários • Remuneração variável • Competências


• Desempenho • Participação dos lucros e • Capital humano
• Treinamento Resultados • Capital intelectual
• Desenvolvimento • Novos formatos de carreira
• Recrutamento e seleção
• Carreiras
• Rotinas de pessoal

REFLEXIVA/CRÍTICA • Relações de trabalho • Psicopatologia do trabalho • Subjetividade no trabalho


• Negociação coletiva • Cultura de empresa
• Poder • Gerência de empresa
• Conflitos
• Relações sindicais

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da discussão sobre recursos huma- sentam a grande produção existente sobre o tema, balho em grupos e autonomia como instrumentos da
notadamente por meio de inúmeras dissertações competição. São Paulo: Atlas, 1998.
nos. E, por tabela, resgatar a legiti-
de mestrado, teses de doutorado, artigos nas re-
midade duramente atingida por uma vistas especializadas nacionais e internacionais,
7
Segundo R. Antunes, as últimas décadas evi-
área que parece à deriva. como a RAE, RAC, RAUSP, Academy of denciaram queda nas taxas de sindicalização em
Management Journal, e Human Resource países como Estados Unidos, Japão, França, Itá-
Finalizando, os “is”, tão bem iden-
Management. lia, Alemanha, Holanda, Suíça, Reino Unido (Tra-
tificados pela professora Rosa Maria balho, reestruturação produtiva e algumas reper-
Fischer, estão aí para ainda serem 4
Em recente artigo publicado na RAE–revista de cussões no sindicalismo brasileiro. In: ANTUNES,
adequadamente pontuados. Pois isso administração de empresas, Caldas et al. desnudam R. (Org.). Neoliberalismo, trabalho e sindicatos. São
a situação da área de Recursos Humanos a partir Paulo: Boitempo, 1997). S. Williams observa que
significa não somente manter um
da produção acadêmica na década de 1990. Veja desde 1979, por exemplo, a Inglaterra teve uma
debate em patamares consistentes, substancial redução no número de sindicaliza-
em CALDAS, M. P.; TONELLI, M. J.; LACOMBE,
mas fundamentalmente assegurar B. M. B.; TINOCO, T. Produção acadêmica em dos, caindo de aproximadamente 13 milhões em
que a perda de legitimidade e o con- Recursos humanos no Brasil: 1991-2000. Revis- 1979 para perto de 5 milhões em 1997 (The
ta de Administração de Empresas, v. 43, n. 1, p. nature of some recent trade union modernization
seqüente esvaziamento de sua iden-
105-122, 2003. policies in the UK. British Journal of Industrial
tidade sejam revertidos. Cabe à co- Relations, v. 35, n. 4, p. 495-514, 1997). T.
munidade envolvida no debate sobre 5
Essa expressão é utilizada por Kurz, R. (O co- Kochan também identifica isso para os Estados
recursos humanos e relações de tra- lapso da modernização. São Paulo: Paz e Terra, Unidos, chamando a atenção de que em 1986 os
sindicatos representavam 20% dos empregados,
balho avançar na discussão e procu- 1992) para identificar os países do leste europeu.
Esse autor sustenta que o sentido da vitória do enquanto na década de 1950 chegava a 35% esse
rar não cometer os erros passados. percentual (The future of worker representation:
mundo ocidental, antes de confirmar a hegemonia
Erros que certamente têm forte rela- do mercado, expõe sua fragilidade frente às difi- an American perspective. Labour and Society, v.
ção com uma compreensão afeita a culdades encontradas seja nos países avançados, 13, n. 2, 1988). No caso italiano, P. Giovannini
(El sindicato en Italia: una crisis de
um modelo analítico restrito. seja nos países em desenvolvimento do terceiro
mundo. representación? Revista de Sociología, v. 32, p. 11-
36, 1989) destaca que no final dos anos 1980 a
6 crise do sindicato é um acontecimento crucial em
Nas décadas de 1980 e 1990 diferentes autores
NOTAS um país que sempre se caracterizou pela ampla e
contribuíram para esse importante debate. Por
forte presença das organizações de representação
1
exemplo, J. Humphrey chama a atenção para o
FISCHER, R. M. Pondo os pingos nos is, sobre dos trabalhadores.
abandono da produção em larga escala e a opção
relações do trabalho e políticas de administração
por uma produção diferenciada (Novas formas 8
Uma longa tradição de estudos observando o
de recursos humanos. In: FLEURY, M. T.;
de organização do trabalho na indústria: suas mundo do trabalho e seus impactos na produção
FISCHER, R. M. Processos relações do trabalho no
implicações para o uso e controle da mão de obra e organização serviu como referência e crítica,
Brasil. São Paulo: Atlas, 1987.
no Brasil. In: Seminário Internacional Padrões em última instância, de uma lógica de recursos
2
A esse respeito, veja C. Offe (Trabalho como Tecnológicos e Políticas de Gestão: Comparações humanos afeita a uma mera reprodução de ad-
categoria sociológica fundamental? In: OFFE, C. Internacionais. Anais. São Paulo, mai.-ago. ministração de pessoal. De uma forma geral, essa
(Org.). Trabalho e sociedade. Rio de Janeiro: Tem- 1989.). Womack et al., com base em estudo do tradição é herdeira e ao mesmo tempo parceira
po Brasileiro, 1989. v. 1), que discute a centrali- Massachusetts Institute of Technology, tratam do principalmente dos estudos de H. Braverman
dade do trabalho como categoria sociológica fun- surgimento da chamada produção enxuta, desen- (Trabalho e capital monopolista. Rio de Janeiro:
damental. volvida pelos japoneses (A máquina que mudou o Zahar, 1978), C. Dejours (A loucura do trabalho.
mundo. São Paulo: Campus, 1992). Esse, aliás, é São Paulo: Cortez-Oboré, 1988), e Pagès et al.
3
Diferentes autores nacionais e estrangeiros têm um dos aspectos importantes do modelo japo- (O poder das organizações. São Paulo: Atlas, 1987).
ocupado grande espaço abordando esses assun- nês de gestão, e R. Marx, ao analisar o trabalho
tos. Seja em livros, seja nas publicações acadê- em grupo na década de 1990, observa que os O autor agradece à professora Ana Paula Paes de
micas, com maior ou menor robustez teórica, é resultados alcançados por empresas automobi- Paula (UFMG) pelos comentários e reflexões, que
possível sugerir que seria quase um mainstream lísticas japonesas nos anos 1980 são um impor- ajudaram na formulação do argumento central
em Recursos Humanos, que seguramente repre- tante fator que levou ao seu fortalecimento (Tra- deste artigo.

Pensata convidada. Aprovada em 25.07.2005.

Allan Claudius Queiroz Barbosa


Professor adjunto IV da UFMG e coordenador do Núcleo Interdisciplinar sobre Gestão em Organizações Não-
Empresariais (Nig.one) da UFMG. Doutor em Administração pela USP.
Interesses de pesquisa nas áreas de gestão de recursos humanos e do trabalho, gestão de competências em organi-
zações.
E-mail: allan@ufmg.br
Endereço: Rua Curitiba 832, sala 1204, Centro, Prédio da FACE/UFMG, Belo Horizonte – MG, 30170-120.

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