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Industria 4.0 no Brasil. Que fazer?

Uma das discussões que vem chamando a atenção da mídia e da academia é sobre a
indústria 4.0, ou quarta revolução industrial, e os esforços a serem feitos para
desenvolver esse tipo de indústria no Brasil. Apesar da falta de consenso e rigor quanto
à definição desse termo, aceitam com unanimidade que uma das características dessa
indústria é o uso de tecnologias que são “poupadoras de trabalho” e que aumentam a
produtividade.

O histórico industrial do Brasil é marcado por imensas dificuldades no âmbito


econômico, social, político etc. Atualmente, também temos que lidar com essas
questões, o fato de sermos uma economia dependente e subdesenvolvida nos submete a
dificuldades e impasses ao desenvolver avanços tecnológicos. Vemos que países como
Portugal já tomam atitudes relacionadas a esse fenômeno [1], enquanto o Brasil luta
para reverter seu processo de desindustrialização. Boa parte dessas dificuldades e
impasses são ignorados na maioria das discussões sobre esse assunto.

Para falar das dificuldades, podemos começar pela inexistência de um programa de forte
desenvolvimento industrial, que foi deixada em segundo plano pelos nossos
governantes há alguns anos. Os saltos industriais do Brasil sempre foram feitos com
grandes investimentos que possuem retornos de longo prazo, o Estado foi precursor
desses momentos, seja com investimentos diretos ou com a captação de financiamentos,
a iniciativa privada nunca esteve a frente desses saltos da indústria brasileira [2]. A
inexistência de um atual plano de avanço industrial nos deixa sem um horizonte sólido
para guiar a quarta revolução industrial, sem um planejamento que priorize o
desenvolvimento tecnológico no Brasil. Essa situação faz com que os poucos setores
que estão começando a implementar tecnologias da indústria 4.0 precisem ser
abastecidos com tecnologia importada.

A preocupação de onde virão as tecnologias implementadas na indústria 4.0 fica em


segundo plano, é muito comum ver questões ordinárias, como o aumento de
produtividade de uma empresa ou setor, diminuição de greves, relações de tributação
etc., mas é difícil achar uma discussão sobre a instalação de uma indústria de tecnologia
avançada no Brasil, que supra a demanda interna por tecnologia. Implementar
tecnologias importadas, agrava a nossa condição de baixa produtividade relativa a
outros países, aumentando a nossa dependência tecnológica [3].

Algumas pré-condições necessárias para esse tipo indústria parecem inalcançáveis se


mantivermos a estrutura produtiva e política do Brasil. A implantação de tecnologias
necessárias a indústria 4.0, como, por exemplo, computação em nuvem e internet das
coisas [4], parece muito distantes da realidade brasileira, o próprio empresariado não
conhece os benefícios dessas tecnologias “capacitadoras” [5]. Pouco se discute como se
lidará com a matriz energética brasileira, que pode atingir a sua capacidade total com o
crescimento da indústria e estagnar o processo de implantação de tecnologias [6]; nem
os projetos de pesquisa e desenvolvimento que serão possíveis com o corte de gastos do
governo [7]; nem mesmo como aumentar a qualificação da força de trabalho num país
que possui 7,2% de adultos analfabetos. [8]

Além das dificuldades encontradas nessa questão, existem impasses que precisam ser
resolvidos nesse processo: a questão ambiental que surgirá, tanto com o lixo produzido,
quanto com a dificuldade energética; as ameaças à democracia e à igualdade social que
surgem com o avanço do que o mercado chama de big data [9]; e o desemprego que
acompanha todo esse processo.

A questão da força de trabalho parece ser o ponto mais polêmico desse assunto. Mesmo
com a eliminação parcial da mão de obra do processo produtivo, alguns argumentam
que essa eliminação será compensada com a criação de novos empregos no setor de
criação e manutenção de tecnologias. Mas como isso se dará, já que é provável que
essas tecnologias sejam importadas e não produzidas no Brasil? Se boa parte desses
empregos estão lá fora, quais serão os novos empregos aos quais essa massa
desempregada vai migrar?

Outra discussão envolvendo a força de trabalho é a necessidade de maior qualificação


para essa indústria. Num país que elimina matérias essenciais de seu currículo
fundamental e corta gastos públicos em educação por décadas, esse aumento de
qualificação sob essas condições parece, no mínimo, utópico. Também se fala na
diminuição do “trabalho penoso” e do aumento da qualidade de vida dos trabalhadores,
mas parece que não é isso que os trabalhadores da Amazon têm a dizer [10].

De fato, o desenvolvimento de tecnologias avançadas traz benefícios de toda ordem e


deve ser almejado. Esse desenvolvimento acontece num cenário concreto e depende de
condições que estão relacionadas com todos os outros âmbitos da sociedade, condições
essas que foram estabelecidas no decorrer de nossa história e que não devem ser
ignoradas, pelo contrário, precisam ser levadas em consideração para pensar em como
desenvolver uma indústria que amenize ou elimine a nossa condição de país dependente
e que eleve a qualidade de vida da população.

Quando será dada a atenção necessária para esse assunto, de forma autentica e
comprometida? Mais do que um problema de interesses privados de lucratividade,
competitividade, ufanismo tecnológico ou qualquer outra questão simplista, a indústria
4.0 se coloca como um problema complexo, que envolve todas as relações
socioeconômicas existentes no Brasil. A nossa indústria de base foi conquistada nos
momentos mais autoritários de nossa história, com custos sociais altíssimos e com
consequências que reverberam até hoje, não se pode ignorar esses fatos, deixando de
lado todos os problemas que envolvem o processo da industrialização brasileira. É
urgente um debate que tenha clareza que o processo da chamada quarta revolução
industrial envolve fatores além de um simples fator de competitividade.

Estamos vivendo um período de grande avanço das chamadas forças produtivas, talvez
estejamos até vivenciando um momento de revolução dessas. Não se pode esquecer que
esses avanços não só alteram a “base técnica” em que a economia funciona, mas podem
mudar as próprias relações sociais [11]. Portanto, devemos falar desse assunto sem
esquecer que se trata de um momento complexo e que pode ser fundamental para o
futuro que virá.

Toda essa discussão nos coloca novamente em contato com a pergunta que martela
nossas cabeças desde 1902: Que fazer? Precisamos colocar mais fermento no bolo,
dividir o bolo em pedaços mais justos ou mudar o forno do bolo?

Luiz Vieira, graduando em ciências econômicas pela PUC-SP


Referências:

1. Governo de Portugal lança o programa Indústria 4.0. Disponível em


<http://consuladoportugalsp.org.br/governo-de-portugal-lanca-o-programa-industria-4-0/>.
Acesso em 02 jun. 2018.

2. SARTI, F. HIRATUKA, C. Desenvolvimento industrial no Brasil: oportunidades e desafios


futuros. Disponível em <www.eco.unicamp.br/docprod/downarq.php?id=1817&tp=a> Acesso
em 02 jun. 2018.

3. MARINI, R. M. América Latina: dependência e integração. São Paulo: Brasil Urgente, 1992.

4 IEDI. América Latina entre riscos e oportunidades da Indústria 4.0. Disponível em


<http://www.iedi.org.br/artigos/top/analise/analise_iedi_2018_industria.html> Acesso em 02
jun. 2018.

5. CNI. Indústria 4.0: novo desafio para a indústria brasileira. Disponível em <https://bucket-
gw-cni-static-cms-si.s3.amazonaws.com/media/filer_public/e0/aa/e0aabd52-53ee-4fd8-82ba-
9a0ffd192db8/sondespecial_industria40_abril2016.pdf> Acesso em 02 jun. 2018.

6. Brasil enfrenta a pior crise energética da história. Disponível em


<http://noblat.oglobo.globo.com/geral/noticia/2015/01/amp/brasil-enfrenta-pior-crise-
energetica-da-historia.html> Acesso em 02 jun. 2018.

7. Suspensão de recursos para ciência e tecnologia põe em risco futuro do país, dizem gestores
universitários. Disponível em:
<https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2016/11/08/suspensao-de-recursos-para-
ciencia-e-tecnologia-poe-em-risco-futuro-do-pais-dizem-gestores-universitarios> Acesso em 02
jun. 2018.

8. IBGE: Brasil tem 11,8 milhões de analfabetos; metade está no Nordeste. Disponível em
<http://www.valor.com.br/brasil/5234641/ibge-brasil-tem-118-milhoes-de-analfabetos-metade-
esta-no-nordeste> Acesso em 02 jun. 2018.

9. Weapons of Math Destruction: Cathy O'Neil adds up the damage of algorithms. Disponível
em <https://www.theguardian.com/books/2016/oct/27/cathy-oneil-weapons-of-math-
destruction-algorithms-big-data> Acesso em 02 jun. 2018.

10. Trabalhadores da Amazon protestam contra condições durante visita de Bezos a Berlim.
Disponível em <https://www.dn.pt/lusa/interior/trabalhadores-da-amazon-protestam-contra-
condicoes-durante-visita-de-bezos-a-berlim-9283839.html> Acesso em 02 jun. 2018.

11. Revolução 4.0 e a lição de Marx. Disponível em <http://www.ihu.unisinos.br/78-


noticias/571238-revolucao-4-0-e-a-licao-de-marx> Acesso em 02 jun. 2018.

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