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Antes da barbárie...

palavras

Em 1933 o filósofo judeu Walter Benjamin escreveu um texto em que tratava da


experiência. Seu diagnóstico era ao mesmo tempo nostálgico e perturbador: a sociedade
estava ficando mais pobre de experiências. Em 1940, nas suas teses sobre o conceito de
história, Benjamin anunciava o saldo que o progresso técnico trouxera para Europa: a guerra e
em sua sombra a Barbárie. Ele não chegou a ver o cogumelo de Hiroshima pintar com fogo
uma das piores cenas da história da humanidade, suicidou-se antes, em 1940.

Antes da barbárie... palavras. Se a sociedade está ficando pobre em experiência, a


virtude da experiência está cada vez custando mais caro. Os congressos, conferências e livros
sobre as atrocidades do regime militar no Brasil não inibiram que um vice candidato ao cargo
máximo de nossa República falasse em rede nacional, não por acaso na Globo, sobre a
possibilidade de um "autogolpe". Xingado por alguns, deliciou os ouvidos de outros, mas o
pior: foi um discurso aceitável. Foi proferido e muitos o tomaram como parte do jogo.

Mas o jogo, neste caso, não vale pontuação ou queda na tabela. Este jogo coloca em
risco o pouco que se conseguiu. O trabalho de formiga realizado nos últimos anos entre os
muros das universidades pode ter sido apenas uma pedra no meio do caminho, mas a barbárie
quando alimentada pelo ódio consegue ultrapassar muralhas. Em Serra da Raiz, as pessoas
ainda seguiram, como em uma procissão fúnebre, "figuras políticas" que representam aquilo
que de pior temos em nossa política. Vez ou outra alguém coloca o número que soma 8 nos
comentários de algum outro alguém. E de alguém em alguém, o que antes parecia morto abre
seus olhos famintos e parece piscar em direção aos que já perceberam sua presença.

O odor do ódio, sem razão lógica, já pode ser sentido. "O outro" é o alvo principal
desta canalização de energia fascista. O pior é quando descobrirmos, da pior forma, que todos
podem ser este "outro”. A euforia das conquistas sociais na primeira década do nosso século
XXI me lembra um pouco o louvor à técnica que antecedeu a catastrófica guerra. O progresso
tão odiado pelos novos paradigmas pode ter se disfarçado de bem social. E enquanto todos
comemoravam as merecidas vitórias daqueles que sempre rastejaram pelo esquecimento, os
ressentidos conseguiram plantar uma pequena semente de ódio. E no silêncio esta semente
cresceu. Em outubro pode gerar frutos. Lutemos agora para que a germinação seja
interrompida. Se isso não acontecer deixo pelo menos palavras... antes da barbárie.

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