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O humanismo
como categoria
constitucional

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Carlos Ayres Britto

O humanismo
como categoria
constitucional

2ª reimpressão

Belo Horizonte

2012

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© 2007 Editora Fórum Ltda.
2010 – 1ª reimpressão
2012 – 2ª reimpressão

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Bibliotecária: Alessandra Rodrigues da Silva – CRB 2459 – 6ª Região
Projeto gráfico e formatação: Walter Santos
Capa: Michelangelo, A criação de Adão, detalhe.

B862h Britto, Carlos Ayres

O humanismo como categoria constitucional / Carlos Ayres Britto. 1. ed.


2. reimp. Belo Horizonte: Fórum, 2012.

124 p.
ISBN 978-85-7700-088-3

1. Humanismo. 2. Poder Judiciário. 3. Justiça. 4. Democracia. 5. Cons­


tituição. I. Britto, Carlos Augusto Ayres de Freitas. II. Título.

CDD: 342
CDU: 342(81)

Informação bibliográfica deste livro, conforme a NBR 6023:2002 da Associação


Brasileira de Normas Técnicas (ABNT):

BRITTO, Carlos Ayres. O humanismo como categoria constitucional. 1. ed. 2. reimp. Belo
Horizonte: Fórum, 2010. 124 p. ISBN 978-85-7700-088-3.

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A todas as pessoas que procuram fazer do
breve o intenso. Modo infalível de se fazer
da eternidade uma experiência.

Também a todos os juízes que abrem as


janelas do Direito para o mundo circundante,
solícitos aos reclamos de uma justiça que se
quer tão real quanto a vida que há lá fora.

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“Bom mesmo é ir à luta com determinação e
abraçar a vida com paixão, perder com classe
e vencer com ousadia, pois o triunfo pertence
a quem mais se atreve e a vida é muito para
ser insignificante”

Charles Chaplin

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Sumário

CAPÍTULO I
O humanismo como ilustração mental................................................................................................15

CAPÍTULO II
O humanismo como doutrina de exaltação ou culto à humanidade...........19

CAPÍTULO III
O humanismo como expressão de vida coletiva civilizada........................................25

CAPÍTULO IV
O humanismo como transubstanciação
da democracia política, econômico-social e fraternal.........................................................31

CAPÍTULO V
O necessário vínculo operacional entre humanismo e Direito...............................37

CAPÍTULO VI
O descompasso entre a teoria e a prática humanista como
atestado de pobreza eficacial do Direito.............................................................................................43

CAPÍTULO VII
A imperiosa mudança de mentalidade como condição de
encurtamento de distância entre o discurso humanista e sua prática........51

CAPÍTULO VIII
A mudança de mentalidade que implique analogia entre
o humanismo e a justiça e que ainda diferencie justiça
em abstrato e justiça em concreto.............................................................................................................55

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CAPÍTULO IX
O operador do Direito na condição de ponte entre a justiça
em abstrato e a justiça em concreto.......................................................................................................59

CAPÍTULO X
A estrutura dual do próprio cérebro humano como impulso
para a busca da justiça em concreto.....................................................................................................65

CAPÍTULO XI
A inteireza do ser que maneja a reflexão e se abre para a intuição.............71

CAPÍTULO XII
O sentimento como o lado do cérebro que mais interage
com o mundo dos valores. O rebento da consciência ..................................................77

CAPÍTULO XIII
A Constituição como o Direito mais axiológico e de mais forte
compromisso humanista........................................................................................................................................87

CAPÍTULO XIV
A Constituição dirigente como garantia de efetivação do humanismo......91

CAPÍTULO XV
A Constituição dirigente como imperativo de reconceituação
das chamadas “normas constitucionais programáticas”.............................................101

CAPÍTULO XVI
O Poder Judiciário como garantidor da Constituição dirigente
e do humanismo..........................................................................................................................................................107

CAPÍTULO XVII
Conclusão: a governabilidade constitucional como o clímax
da governabilidade humanista...................................................................................................................115

BIBLIOGRAFIA ..........................................................................................................................................................................119

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O HUMANISMO COMO CATEGORIA CONSTITUCIONAL

CAPÍTULO I

O humanismo
como ilustração mental

1.1. Humanismo é vocábulo plurissignificativo.


Polissêmico, então, como passamos a expor.
1.2. Uma das mais conhecidas acepções do verbete
é de aprofundado conhecimento das línguas e litera­
turas antigas. Inicialmente, cultivo do grego e do latim.
Com o passar do tempo, cultivo também do italiano e do
francês, que nesse conjunto de idiomas é que foi escrita
a maior parte das obras representa­tivas da literatura
ocidental (nela encartada a poesia). Sem obscurecer,
registre-se, a contribuição do inglês em que se expressou
o gênio de William Shakespeare, tanto quanto o espanhol
de que se valeu Miguel de Cervantes para compor o seu
imortal “DON QUIJOTE DE LA MANCHA”.

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1.3. Outra vertente do vocábulo é a de pendor ou


gosto pelas ciências ditas “humanas”, em oposição
ao estudo das ciências tidas como “exatas”. Dicotomia
que bem se manifestava na antiga divisão dos cursos de
formação escolar de 2º. grau, aqui no Brasil, em “curso
clássico” e “curso científico”. Ambos preparatórios para o
exame-vestibular dos cursos de nível superior, sendo que
o clássico se destinava ao estudo das ciências humanas;
também chamadas de ciências sociais.

1.4. O engate lógico já se percebe: humanista é a


pessoa versada nas referidas línguas, ou, então, voca­
cionada para as ciências sociais; pois que se trata de
um modelo acadêmico de humanismo. Humanismo
dos doutos, subjetivado, marcadamente, nos filólogos,
historiadores, filósofos, juristas, cientistas políticos,
literatos, enfim. Estrato social ainda hoje referido como
ícone de erudição ou cultura comumente adje­tivada de
enciclopédica. Tudo muito próprio de uma sociedade
que exagera um pouco no prestígio à pura ilustração
mental de suas intelectualizadas elites, confundindo,
não raras vezes, bons costumes com boas maneiras;
acúmulo mecânico de informações com aprofundada
formação cultural; talento com memória; conhecimento
com sabedoria.

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O HUMANISMO COMO CATEGORIA CONSTITUCIONAL

1.5. Era, e ainda é, residualmente, o humanismo


típico de uma sociedade não por acaso apelidada de
bacharelesca; ou seja, palavrosa, enfatuada, conser­va­­dora
(conservadora no plano da Política, conservadora no
plano das convenções sociais). O que não tem impe­dido
o despontar de estudiosos que aliam ao mais sólido lastro
cultural o mais vivo compromisso com a emancipação
político-social das massas empobrecidas.
1.6. O mais vivo compromisso, acresça-se, também
com o fazer da questão nacional uma trincheira de
resistência a um tipo de colonialismo mental que responde
pela descrença em nossa incomparável originalidade.
Esse colonialismo invisível, camuflado, que, na aguda
percepção de Eduardo Galeano, “te convence de que a
servidão é um destino e a impo­tência, a tua natureza: te
convence de que não se pode dizer, não se pode fazer,
não se pode ser” (em O livro dos abraços. 11. ed. Porto
Alegre: LP&M , 2004. p. 157).

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O HUMANISMO COMO CATEGORIA CONSTITUCIONAL

CAPÍTULO II

O humanismo
como doutrina de exaltação
ou culto à humanidade

2.1. Uma terceira dimensão conceitual do humanismo


se nos dá como doutrina. Consiste num conjunto de
princípios que se unificam pelo culto ou reverência
a esse sujeito universal que é a humanidade inteira.
Logo, o humanismo no sentido de crença na aventura
humana. Isto no pressuposto de ser o homem a obra-
prima da Criação. O “animal político” de que falava
Aristóteles, porquanto dotado da aptidão de sobrepor ao
espontâneo mundo da natureza o elaborado mundo da
pólis; ou, como viria a teorizar Rousseau, o homem como

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único ser capaz de pactuar com os seus semelhantes uma


vida em “estado de sociedade”, tendo por contraponto
um virginal “estado de natureza”.1
2.2. De fato, o desenrolar do tempo tem situado
o gênero humano no centro do universo. Da procla­
mação de que “o homem é a medida de todas as coisas”
(Protágoras) ao “cógito” de René Descartes, passando pela
máxima teológica de que todos nós fomos feitos à imagem
e semelhança de Deus, o certo é que a pessoa humana
passou a ser vista como portadora de uma dignidade inata.
Por isso que titular do “inalienável” direito de se assumir
tal como é: um microcosmo. Devendo-se-lhe assegurar
todas as condições de busca da felicidade terrena.
2.3. Essa altissonante dignidade do ser humano está
pressuposta na Magna Charta Libertatum dos ingleses, de
1215, e com explicitude passou a figurar nas modernas
declarações constitucionais de direitos, numa espécie de
viagem civilizatória sem volta. Isto ainda a partir da própria
Inglaterra, sobretudo com a Petition of Right, de 1628,

1
Ver a obra O contrato social (Princípios de Direito Político), de Jean-
Jacques Rousseau, Ediouro, tradução de Antônio de P. Machado,
estudo crítico de Afonso Bertagnoli, capítulo VI, p. 34-36. Quanto
à expressão “estado de sociedade”, de se ver que ela ganhou foros
de positivação jurídica na secção I da “Declaração de Direitos”,
de Virgínia, datada de 16 de junho de 1776.

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O HUMANISMO COMO CATEGORIA CONSTITUCIONAL

a Lei de Habeas Corpus, de 1679, e o Ato de Estabelecimento,


de 12 de junho de 1701, assim como das emblemáticas
declarações de direitos das revoluções liberais que se
deram nos Estados Unidos da América e na França.
Aqui, tendo por linha de partida a famosa “Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão”, de 26 de agosto de
1789; ali, a menos conhecida porém igualmente meritória
“Declaração de Direitos de Virgínia”, datada de 16 de
junho de 1776.
2.4. Diga-se mais: toda essa perspectiva do humanismo
até hoje conserva o seu originário caráter político-civil
de prevalência do reino sobre o rei. Que outra coisa não
significou senão a consubstanciação de três paulatinas
e correlatas idéias-força: a) o Direito por excelência é o
veiculado por uma Constituição Política, fruto da mais
qualificada das vontades norma­tivas, que é a vontade
jurídica da nação; b) o Estado e seu governo existem
para servir à sociedade; c) a sociedade não pode ter outro
fim que não seja a busca da felicidade individual dos
seus membros e a perma­nência, equilíbrio e evolução
dela própria.2

2
Expressam bem essas três idéias-força as seguintes passagens
da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 26
de agosto de 1789: “Art. 1º. Os homens nascem e são livres e
iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundar-se na

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2.5. Mas é claro que, por conhecido desdobramento


histórico desses três entrelaçados princípios reitores, o
que se deu foi uma considerável ampliação na lista dos
clássicos direitos individuais, como, verbi gratia, o direito
à informação, ao desembaraçado acesso às instâncias
judiciárias, ao tratamento não-precon­ceituoso e até
mesmo favorecedor dos segmentos sociais historica­
mente discriminados (notadamente o dos negros e dos
índios, das mulheres e dos portadores de deficiência).
Tanto quanto se verificou o reconhe­cimento formal
dos direitos de cunho econômico-social, mormente os
de matriz constitucional e incluídos, hoje, no rol dos
direitos fundamentais da pessoa humana (Santo
Agostinho dizia que “sem um mínimo de bem-estar
material não se pode sequer servir a Deus”). Sendo
que tais direitos de índole econômico-social se filiam,
historicamente, às Consti­tuições mexicana (1917),
soviética (1918) e alemã (Weimar, 1919), enquanto que

utilidade comum”; “Art. 2º. O fim de toda a associação política é


a conservação dos direitos naturais e imprescindíveis do homem.
Esses direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e a
resistência à opressão”; “Art. 3º. O princípio de toda a soberania
reside essencialmente na Nação (...)”; “Art. 6º. A lei é a expressão da
vontade geral (...)”; “Art. 16. Qualquer sociedade em que não esteja
assegurada a garantia dos direitos, nem estabelecida a separação
dos poderes não tem Constituição”.

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O HUMANISMO COMO CATEGORIA CONSTITUCIONAL

os direitos neste nosso estudo designados por fraternais se


definem com mais precisão nas Constituições portuguesa
de 1976 e brasileira de 1988.3
2.6. É o que se pode designar por constitu­cionalismo
cumulativo. Um constitucionalismo crescentemente
superavitário, como se dá com a ciência e a cultura, a
ponto de autorizar a ilação de que, graças a ele, o Estado
de Direito termina por desembocar num Estado de direitos.
O que não significa uma generalizada situação de afrouxa­
mento dos deveres e responsabilidades de cada indivíduo
para com o próprio Estado e a sociedade civil. As duas
coisas bem podem conviver na mais perfeita harmonia.

3
Constituições de cujo preâmbulo faz parte o vocábulo “fraterno
(a)” como objetivo a ser alcançado ora pelo “País” (Portugal), ora
pela “sociedade” (Brasil).

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O HUMANISMO COMO CATEGORIA CONSTITUCIONAL

CAPÍTULO III

O humanismo
como expressão de
vida coletiva civilizada

3.1. Passo a consignar uma terceira significação do


humanismo. Não sem antes realçar o seguinte: toda essa
histórica e formal proclamação de ser a pessoa humana
portadora de uma dignidade “inata” é o próprio Direito
a reconhecer o seguinte: a huma­nidade que mora em
cada um de nós é em si mesma o fundamento lógico ou
o título de legitimação de tal dignidade. Não cabendo a
ele, Direito, outro papel que não seja o de declará-la. Não
propriamente o de constituí-la, porque a constitutividade
em si já está no humano em nós.

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3.2. Em palavras outras, a circunstância do humano em


nós é que nos confere uma dignidade primaz. Dignidade
que o Direito reconhece como fator legitimante dele
próprio e fundamento do Estado e da sociedade.
Percepção tão recorrente nos escritos do inglês John
Locke e do franco-suiço Jean-Jacques Rousseau, tanto
quanto no iluminismo francês de Voltaire, Diderot,
Marat, Mirabeau, Danton e Emanuel Joseph de Sieyès
(todos eles sob ponde­rável influência de Rousseau, tanto
quanto Rousseau foi ponderavel­mente influenciado por
Locke). Mas uma percepção que também permeia os
ensinamentos dos místicos e as composições dos poetas,
de que serve de amostra este belíssimo verso dos artistas
brasileiros Tom-zé e Ana Carolina: “Cada homem é
sozinho a casa da huma­nidade”. Sem falar no antológico
poema “Tabacaria”, do português Fernando Pessoa, que
principia com os seguintes versos:

“Não sou nada.

Nunca serei nada.

Não posso querer ser nada.

À parte disso, tenho em mim todos os sonhos

do mundo”.

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O HUMANISMO COMO CATEGORIA CONSTITUCIONAL

3.3. Não há negar. O princípio jurídico da dignidade


da pessoa humana decola do pressuposto de que todo ser
humano é um microcosmo. Um universo em si mesmo.
Um ser absolutamente único, na medida em que, se é
parte de um todo, é também um todo à parte; isto é, se
toda pessoa natural é parte de algo (o corpo social),
é ao mesmo tempo um algo à parte. A exibir na lapela
da própria alma o bóton de uma originalidade que ao
Direito só compete reconhecer até para se impor como
expressão de vida comum civilizada (o próprio Direito
a, mais que impor respeito, se impor ao respeito, como
diria o juiz-poeta sergipano João Fernandes de Britto).
3.4. Sucede que, ao reconhecer por modo jurídico a
inata dignidade da pessoa humana — sobretudo quanto
à modelagem de um pluralismo que não desem­boque
jamais no preconceito como traço cultural, de parelha
com a preceituação de uma aproximativa igualdade de
acesso às fontes do poder, da riqueza e do saber —,
a sociedade termina por se autoconferir a cre­dencial
de civi­lizada. O qualificativo de evoluída. Sendo esse,
precisa­mente, o terceiro significado do huma­nismo: tra­
duzir uma vida em comum que mereça o galardão de
cul­turalmente avançada. Entendendo-se por sociedade
culturalmente avançada, ao menos no plano norma­
tivo, a que institui: a) mecanismos de oportunidades

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aproximativamente iguais nos campos da política, da


economia e da educação formal; b) acesso facilitado
aos órgãos do Poder Judiciário, aos serviços públicos
e à seguridade social (saúde, previdência e assistência
social); c) vivência de um pluralismo político e também
cultural (ou social genérico), tendo este por limite a não-
incidência jamais em preconceito.

3.5. Por que estamos a indicar esses domínios de


interação humana como denotadores de humanismo,
neste último sentido de sociedade evoluída ou cultu­
ral­mente avançada? Porque são eles que, em seu
conjunto, mais respondem pela qualidade de vida
de todo um povo. Por isso que jurisdicizados, contem­
pora­neamente, como situações jurídicas ativas que se
desfrutam às expensas do Estado e de toda a sociedade.
E em se tratando de direitos ambientais, sociais e do
tipo fraternal, a sua efetividade se eleva à condição de
dado conceitual de toda a economia do País. É dizer,
economia que já não restringe a sua noção de dina­mismo
à abertura para as inovações tecnológicas e aos ganhos
de produtividade; tem que passar pelo atendimento às
neces­sidades de preservação do meio ambiente e às postu­
lações de segurança social e de uma deci­dida integração
comunitária (logo, fraternal).

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O HUMANISMO COMO CATEGORIA CONSTITUCIONAL

3.6. Convém repetir, com ligeiros acréscimos: focado


pelo prisma dos interesses do todo social, o desenvol­
vimento tem que ser mais do que um mecâ­nico ou linear
crescimento econômico. Ele há de exibir uma dimensão
política ou de soberania nacional, pela exigência que
se lhe faz de ser um desenvol­vimento do tipo auto-
sustentado ou sem temerária dependência externa.
Como também há de exibir três outras dimensões:
a) a dimensão da pura justiça social, a se dar por um
progressivo compartilhamento dos seus frutos com
todos os estratos de que a sociedade se compõe; b) a
dimensão do mesmo e respeitoso tratamento para os
referidos grupos de pessoas que até hoje experimentam
o travo da discriminação social (por isso que destinatárias
da compensação em que se traduz a ferramenta das
ações afirmativas; d) a definitiva absorção da idéia de
equilíbrio ecológico enquanto elemento de sua própria
definição. É como está, por sinal, na própria Consti­tuição
brasileira de 1988, conforme um pouco mais à frente
comprovaremos.

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O HUMANISMO COMO CATEGORIA CONSTITUCIONAL

CAPÍTULO IV

O humanismo
como transubstanciação
da democracia política,
econômico-social e fraternal

4.1. Eminentemente cultural, portanto, é essa terceira


dimensão conceitual do humanismo. Visto, porém, sob
roupagem jurídica, e mais especifica­mente sob roupagem
jurídico-constitucional, esse padrão de humanismo se
confunde com a própria democracia. Transubstancia-
se na democracia que grada­tivamente se impôs
como idéia-força ou princípio de organização dos
Estados e das socie­dades nacionais do Ocidente,
após a segunda guerra mundial.

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C A R L O S A Y R E S B R I TTO

4.2. Deveras, a Democracia ocidental dos dias


correntes é a que se constitui em inexcedível para­digma de
mobili­dade vertical nos campos, justamente: a) da política
enquanto área específica do poder governamental-
adminis­trativo; b) da economia en­quanto fonte de toda
riqueza material; c) da educação formal enquanto espaço
de um saber direcionado “ao pleno desenvolvimento da
pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho” (art. 205 da Constituição
brasileira de 1988). Tudo isso de parelha com as citadas
relações sociais de facilitado acesso à jurisdição, aos
serviços públicos e à seguridade social, mais o pluralismo
político e o social genérico (estes últimos a significar o
direito de ser pessoalmente inconfundível com quem
quer que seja, contanto que esse direito de ser diferente
não resvale para a prática da discriminação de outrem).
Sendo que o campo da política é de ser entendido na
sua renovada configuração político-civil, de modo a
abarcar os clássicos e novos direitos individuais (dentre
estes, o direito à informação, à ética na Adminis­tração
Pública e às ações afirmativas), a vigorar de modo paralelo
às relações de soberania popular e de cida­dania. Já o
campo da economia, a se materializar na dualidade básica
do capital e do trabalho, de sorte a compor uma ordem
econômico-financeira de prestígio, a um só tempo, da

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O HUMANISMO COMO CATEGORIA CONSTITUCIONAL

liber­dade de iniciativa e do atendimento das necessi­­dades


materiais básicas dos empregados e dos trabalha­dores
autô­nomos. E quanto ao campo do saber, enfim, a se
espraiar pelos domínios da educação formal, dos cursos
profis­­sio­nalizantes e do mencionado preparo para o
exercício da cidadania.
4.3. Sendo assim, dá-se verdadeira fusão entre vida
coletiva civilizada (culturalmente vanguardeira, foi dito) e
democracia. Isto no sentido de se entender por vida em
comum civilizada aquela que transcorre, circularmente,
nos arejados espaços da contem­porânea democracia.
Com o que o humanismo e a democracia passam a
formar uma unidade incin­dível. Inapartável.
4.4. Recolocando a idéia: status civilizatório ou
elevado padrão de civilidade de todo um povo é
uma terceira dimensão conceitual do huma­nismo.
A mais recorrente, por sinal. A ser alcançada mediante
mecanismos de Direito positivo que já se contêm no
contemporâneo conceito de democracia. Demo­cracia
que em Constituições como a portuguesa de 1976
e a brasileira de 1998 ostentam os seguintes traços
fisionômicos:
I – democracia procedimentalista, também conhe­
cida por Estado Formal de Direito ou Estado
Democrático de Direito, traduzida no modo

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popular-eleitoral de constituir o Poder Político


(composto pelos parlamentares e pelos que se
investem na chefia do Poder Executivo), assim
como pela forma dominantemente represen­tativa
de produzir o Direito legislado;
II – democracia substancialista ou material, a se
operacio­nalizar: a) pela multiplicação dos nú­
cleos decisórios de poder político, seja do lado
de dentro do Estado (desconcentração orgânica),
seja do lado de fora das instâncias estatais
(descentralização personativa, como, por amos­
tragem, o plebiscito, o referendo e a iniciativa
popular); b) por mecanismos de ações distribu­ti­vistas
no campo econômico-social. Vínculo funcional,
esse (entre a democracia e a segurança social), que
a presente Constituição italiana bem expressa na
parte inicial do seu art. 1º., verbis: “A Itália é uma
República demo­crática fundada no trabalho”;
III – democracia fraternal, caracterizada pela positi­
vação dos mecanismos de defesa e preservação
do meio ambiente, mais a consagração de um
pluralismo conciliado com o não-preconceito,
espe­cial­mente servido por políticas públicas de
ações afirmativas que operem como fórmula de
com­pen­sação das desvan­tagens historicamente

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O HUMANISMO COMO CATEGORIA CONSTITUCIONAL

sofridas por certos grupamentos sociais, como os


multirreferidos segmentos dos negros, dos índios,
das mulheres e dos portadores de deficiência física
(espécie de igualdade civil-moral, como ponto
de arre­­mate da igualdade política e econômico-
social).
4.5. É o quanto basta para a dedução de que o huma­
nismo enquanto vida coletiva de alto padrão civili­za­tório
é aquele que transcorre nos mais dilatados cômodos da
contemporânea democracia de três vértices: a procedi­
mentalista, a substancialista e a fraternal. Os dois termos
(humanismo e democracia) a se interpe­netrar por osmose,
e não mais por simples justaposição. Donde a metáfora
da transubstanciação.

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PÁGINA EM BRANCO

Jefferson Carús Guedes e Luciane2 2 3/8/2009 09:02:11


O HUMANISMO COMO CATEGORIA CONSTITUCIONAL

CAPÍTULO V

O necessário
vínculo operacional
entre humanismo e Direito

5.1. Esse atualizado humanismo significa atribuir à


humanidade o destino de viver no melhor dos mundos.
A experimentar o próprio céu na terra, portanto. Mas
assim transfundido em democracia plena, ele passa a
manter com o Direito uma relação necessária. O Direito
enquanto meio, o humanismo enquanto fim. É como
dizer: o humanismo, alçado à condição de valor jurí­
dico, é de ser realizado mediante figuras de Direito. Que
são os institutos e as instituições em que ele, Direito
Positivo, se decompõe e pelos quais opera. No caso, e
perti­nen­­temente à formatação do Estado, tais figuras de

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C A R L O S A Y R E S B R I TTO

Direito se traduzem em coisas como audiências públicas,


sufrágio universal, voto direto e secreto, eleições perió­­
dicas, refe­rendos, iniciativa popular, programações orça­­­
men­tárias, polí­ticas públicas, acordos internacionais
(entre as políticas públicas, as de natureza tributária que
se mostrem seleti­­va­mente estimuladoras de uma ordem
econômico-financeira que se volte para a crescente partilha
social dos seus ganhos).
5.2. Não que as Constituições precisem nominar
o humanismo. Basta que elas falem de democracia
para que ele esteja automaticamente normado.
Como se pode concluir dos incisos de I a V do art. 1º.
da Constituição de 1988, que, sob a denominação de
“fundamentos” da República Federativa do Brasil, fez
da democracia (logo, do humanismo) uma feérica estrela
de cinco pontas: “sobe­rania”, “cidadania”, “dignidade da
pessoa humana”, “valores sociais do trabalho e da livre
iniciativa”, “pluralismo político”. Sendo que a expressão
“digni­dade da pessoa humana”, ali naquele dispositivo,
ainda não é todo o humanismo; é a parte do humanismo
que mais avulta, de modo a ocupar uma posição de
centralidade no âmbito mesmo dos direitos funda­mentais
de todo o sistema constitucional brasileiro.
5.3. Também por instantânea dedução, infere-se
que, dissolvendo-se na democracia, ou em outro valor
universalmente aceito como o próprio fim de uma

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O HUMANISMO COMO CATEGORIA CONSTITUCIONAL

civilizada convivência humana (paz, bem comum, justiça,


bem-estar geral...), o humanismo não podia ficar do
lado de fora do Direito. Não podia ser indi­ferente ao
Sistema Jurídico de cada povo soberano. Sabido que o
Direito é a realidade normativa que mais se aproxima
dos atributos da unidade, coerência e plenitude. Única,
além do mais, a se caracterizar pela heteronomia e
garantida possibilidade de execução dos seus comandos
(só as normas jurídicas são “impe­rativos autorizantes”,
preleciona Goffredo Telles Júnior). Numa frase, o Direito
é o mais engenhoso esquema que a humanidade até hoje
concebeu para viabilizar o absolutamente necessário
“estado de sociedade”. Estado de sociedade sem o qual
a expe­riência humana estaria condenada à barbárie,
num autofágico pugilato de todos contra todos. O anti-
humanismo por definição.4

4
O rousseauniano estado de sociedade pressupõe, já foi dito, um
contrato social que Afonso Bertagnoli assim comenta: “Em
sentido mais filosófico, o contrato aparece como forma bilateral
ou multilateral, incluindo compromissos recíprocos. O contrato
social de Rousseau — também designado como pacto social — é
o conjunto de convenções fundamentais que, ainda que nunca
hajam sido formalmente enunciadas, resultam implícitas na vida
em sociedade, sendo a sua fórmula a designada de que cada um
de nós coloca em comum a pessoa em seu total poderio, sob a
suprema direção da vontade geral; em conseqüência, recebemos,
cada um, uma parte indivisível do todo comum” (prefácio do livro
O contrato social, anteriormente indicado).

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C A R L O S A Y R E S B R I TTO

5.4. Por assim entender foi que o emblemático Von


Ihering falou do Direito como o complexo das próprias
condições existenciais da sociedade, garantidas pelo Poder Público.
“O modus vivendi” possível, na síntese feliz de Tobias
Barreto, por se constituir numa “força cultural destinada
a ser domadora das forças naturais da vida” (apud José
Silvério Leite Fontes, em O pensamento jurídico sergipano,
Ed. UFS, ano de 2003, p. 19). Tudo na linha dos brocardos
latinos que tanto se sabe de cor e salteado: “ubi societas ib
jus”, “ubi jus ib societas” (onde houver sociedade haverá
direito, onde houver direito haverá sociedade), a traduzir
duas realidades que se exigem e se complementam, na
trama de uma dialética de verdadeira “implicação e
polaridade”, na precisa linguagem de Miguel Reale.
5.5. Realmente, salta aos olhos que o Direito é o sistema
de normas que melhor concilia imperatividade com
exigibilidade. Imperatividade, na medida em que todo
dispositivo jurídico é um comando, uma deter­minação,
um mandamento, uma ordem, enfim, ditada por órgãos e
agentes de pronto referidos como auto­ridades do Sistema.
A própria face visível do poder. Exigibilidade, a seu turno,
por sempre haver previsão legal de sanções ou medidas
de constrição que tais autoridades ficam habilitadas a
impor contra quem lhes resista às determinações. De
modo coerente, aliás, com o princípio da presunção de

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O HUMANISMO COMO CATEGORIA CONSTITUCIONAL

verdade e licitude dos atos do Poder Público. Princípio


que, na Consti­tuição de 1988, tem uma de suas matrizes
no seguinte enunciado:

“Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito


Federal e aos Municípios:
II – recusar fé aos documentos públicos”.

5.6. São considerações que cimentam a radica­lidade


deste juízo: mais do que não poder ser visto como um
indiferente jurídico, o humanismo teria mesmo que se
positivar como a própria democracia de três vértices.
Principalmente se considerarmos que esse paradigma
de democracia é um processo de afirmação do poder
ascendente. Que é um poder que nasce de baixo
para cima, e não de cima para baixo. Logo, poder
umbilicalmente compro­metido com os interesses da
maioria do povo (situada na base da pirâmide social), e
não daquelas pessoas já situadas no topo da hierarquia
estatal, ou econômica. Noutro dizer, próprio da
democracia é o constante empenho para tirar o povo
da platéia e colocá-lo no palco das decisões que lhe
digam respeito. De passivo espectador para autor do seu
próprio destino. “Todos decidindo sobre tudo”, como
preconizava Rousseau. Quem quer que seja a dizer o

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C A R L O S A Y R E S B R I TTO

que quer que seja (acrescentamos), de sorte a se poder


inferir que ela, democracia, é o único regime que faz da
mais ampla participação popular o aplainado caminho
de busca da mais abrangente inclusão social e integração
comuni­tária (nunca é demais lembrar que a palavra
comunidade vem de comum unidade, na holística percepção
espiritual-quântica de que, afinal, “tudo é um”).
5.7. E aqui vem o arremate da idéia do necessário traço
de união entre o humanismo como valor cultural genérico
e a democracia como específico valor jurídico, a ponto de
o primeiro se dissolver na segunda: é que não há nada
de essencial ao humanismo que já não se contenha
no espectro atual da democracia. Por isso que esta o
absorve e a ele comunica sua natureza de tema central
de Direito Constitucional.

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O HUMANISMO COMO CATEGORIA CONSTITUCIONAL

CAPÍTULO VI

O descompasso entre
a teoria e a prática humanista
como atestado de pobreza
eficacial do Direito

6.1. Juridicamente, pois, estamos a lidar com


preciosas formulações regratórias. Lapidares “normas
de organização e de conduta” (Bobbio), tracejadoras de
um padrão de humanismo que já é a própria democracia
de três vértices. Mas não podemos esquecer que mesmo
um excelente referencial normativo para o concreto agir
humano ainda não é o concreto agir humano. Pois o certo
é que o humanismo não se tem feito acompanhar senão
de uma prática muito aquém dos prometidos mundos e
fundos. Tem sido algo muito mais retórico do que real.

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C A R L O S A Y R E S B R I TTO

Bom para a auto-estima das pessoas patrimonializadas e


dos países ditos desenvolvidos, mas incapaz de esconder
a vexatória verdade de que somente uma micro-minoria
de seres humanos é que vive de regular para ótimo. Já a
macro-maioria, muito ao contrário, vive mesmo é de ruim
para péssimo. Como evidenciam os dramáticos des­níveis
de riqueza e de saber entre os Estados Unidos da América
do Norte e países membros da União Européia, de um
lado, e, de outro, parte dos países da Ásia e a grande
maioria dos povos da África e da América do Sul. Tanto
quanto as gritantes assimetrias entre habitantes dos
próprios Estados mais ricos. No interior deles, então.
Não sendo despropositado dizer, trocadilhando, que o
planeta está empanturrado de gente com fome.5

5
Um dos maiores paradoxos da globalização é que ela universaliza
a informação mais aliciante para o consumo de tudo quanto é
bem material, porém elitiza a respectiva aquisição. Do que decorre
uma crescente insatisfação por parte das massas econômica e
socialmente excluídas, a se manifestar sob a forma tendencial
de violência urbana. O que faz eclodir, a seu turno, o conhecido
fenômeno da criminalidade de situação ou de ambiência de vida.
Pelo que ela, globalização, bem pode ser visualizada como correia
de transmissão desse maestro ideológico que atende pelo nome
de “neoliberalismo”. Fincado, este, no tripé economicista da
financeirização (trânsito sem fronteiras do capital especulativo,
sempre sedento dos mais altos juros), da terceirização e da
privatização. Estes dois últimos aspectos incessantemente
denunciados na arrebatadora fala e nos luminosos escritos de Celso
Antônio Bandeira de Mello.

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O HUMANISMO COMO CATEGORIA CONSTITUCIONAL

6.2. Numa frase, o humanismo dos dias atuais ainda


é mais de fachada do que autêntico. Feito o ditado popular
do “faça o que eu digo mas não faça o que eu faço”, mesmo
no círculo de uma economia mundial que atravessa um
eufórico período de autopropulsão. Daí que os enver­
gonhados semáforos e marquises de Nova Iorque (capital
financeira dos Estados Unidos da América) e de Bruxelas
(capital política da União Européia) não consigam
esconder que por debaixo deles há grupos de mendigos
dividindo com a sarjeta suas últimas sobras de gente. Isso
como conseqüência do fato de que o presente modelo
de globa­lização reduz tão sistematicamente postos
de trabalho para o homem de baixa instrução escolar
que já se pode dizer que a luta de classes, hoje, é entre
desempregados e desempregadores. Assim como agudiza
o problema do fechamento das fronteiras dos países
economi­camente mais prósperos para as levas e levas
de imigrantes que o exausto sistema produtivo dos seus
países de origem não tem como absorver. A comprovar
que esse padrão globalizante de vida não significa livre
circulação de pessoas e idéias, propriamente, porém de
capitais avessos a qualquer tipo de controle jurídico por
parte dos Estados de baixo teor de poupança interna
(por isso que dispostos a pagar juros muito mais altos
que os praticados nos países de origem desses capitais
tão sanguessugas quanto voláteis).

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C A R L O S A Y R E S B R I TTO

6.3. Ora bem, constatar esse renitente quadro factual


de esqualidez do humanismo é também comprovar
que o Sistema Jurídico dos Estados soberanos
não vem cumprindo a sua específica função de
qualificar a vida dos seus humanos destinatários, ao
menos como característica central. Sabido que tal
qualificação é a que se põe como exigência mesma
da justiça enquanto “valor fundante do Direito”
(Miguel Reale). E que a realização de nenhum valor
humano essencial pode ter outra ferramenta institucional
mais eficaz do que ele, Direito Positivo.
6.4. Nesse ritmo argumentativo, e somente para
tomar de empréstimo o discurso da Constituição de 1988,
é de se pôr em realce a marcante atualidade do que ele tem
como objetivos fundamentais da Repú­blica Federativa do
Brasil, a saber: “I – construir uma sociedade livre, justa
e solidária; II – garantir o desen­volvimento nacional;
III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as
desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem
de todos, sem pre­con­ceitos de origem, raça, sexo, cor,
idade e quaisquer outras formas de discriminação”. Nada
obstante, o que se tem ao rés-do-chão ou no plano dos fatos?
Tem-se que na Terra Brasilis o humanismo persiste como
um ideal de reduzido teor de concretude democrática.
Pois inquestionável é que pelas bandas de cá prosseguem
de extrema gravidade os descompassos sócio-regionais;

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O HUMANISMO COMO CATEGORIA CONSTITUCIONAL

o subemprego; a incipiente educação ambiental do povo


e até dos governantes; os mais atávicos precon­ceitos; a
teimosíssima indistinção entre o espaço público e o privado
(confunde-se tomar posse nos cargos com tomar posse
dos cargos); uma economia informal que não pára de
crescer e cada vez mais sem-cerimônia; a triste ciranda do
contingenciamento de despesas de investimento para a
formação dos altíssimos superávits primários (em torno
de 4,5% do PIB) com que são pagos os juros mais altos
do mundo à casta dos rentistas; os estratosféricos lucros
do setor bancário (só no primeiro semestre do corrente
ano de 2007 o Banco Itaú e o Banco Bradesco obtiveram
lucros que, somados, ultrapassaram a casa dos 8 bilhões
de reais; a corrupção sistêmica, enfim. Corrupção que
mais responde por u’a massiva exclusão socioeconômica
e que já se manifesta no enquadrilhamento de não poucos
setores das classes “dominante e dirigente” (Gramsci)
para o profissionalizado saque do patri­mônio e dos
dinheiros públicos. Donde o seguinte comentário de
Marcelo Neves:
“A corrupção sistêmica se associa ao problema da
exclusão. De um lado, a subinclusão significa que
amplos setores sociais dependem das exigências dos
subsistemas da sociedade mundial complexa (ter
conta no banco, educação formal, saúde etc.), mas

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C A R L O S A Y R E S B R I TTO

não têm acesso aos respectivos benefícios. No campo


do direito, isso implica subordinação aos deveres
impostos pela ordem jurídica, mas falta de acesso
a direitos básicos. De outro lado, a sobreinclusão
significa que certos setores privilegiados têm acesso
aos bene­fícios dos sistemas sociais, mas não se
subordinam às suas imposições restritivas, o que
implica exercício dos direitos sem subordinação a
deveres” (artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo,
caderno A3, edição de 27 de junho de 2007).6

6.5. Também Eduardo Lins da Silva, num rompante


de santa indignação, bradou que “a corrupção é nefasta
não apenas por ser imoral. Ela é uma das causas mais

6
Certo que economistas e cientistas sociais de peso, como o
português Antônio Borges, não deixam de creditar ao atual sistema
econômico brasileiro a virtude dos investimentos que dão mostras
de se deslocar do mercado financeiro para a produção, tendo por
pano de fundo uma certa continuidade histórica de políticas públicas,
taxa de inflação competentemente controlada, responsabilidade
fiscal, moeda forte e crescentes níveis de exportação (conferência
feita em seminário promovido pela Faculdade de Direito da
Universidade de Coimbra, no dia 9 de julho de 2007, sob a
coordenação do professor-doutor Manoel Carlos Lopes Porto).
Mas impossível negar que permanecem assustadores os altos
índices brasileiros de economia informal, o baixo teor de renda
per capita e coisas como prostituição e trabalho infantil, trabalho
escravo, moradores de rua, catadores de lixo, proliferação de favelas
nos grandes centros urbanos, como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo
Horizonte, Salvador e Recife.

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O HUMANISMO COMO CATEGORIA CONSTITUCIONAL

profundas da ineficiência e aumento de custos em


qualquer organismo no qual ocorra” (mesmo jornal
Folha de S.Paulo, caderno A, p. 3, em data de 10 de
junho de 2006). Renitência num patrimonialismo que
chega ao mais deslavado saque do Erário, pois o fato
é que o padre Antônio Vieira, desde o século XVII,
já denunciava o colonizador espanhol e o português
com estas corajosas palavras: “os governadores chegam
pobres às Índias ricas e saem ricos das Índias pobres”
(referindo-se às Índias Ocidentais, nome dado à América
por Cristóvão Colombo, que acreditava haver atingido a
Ásia). Caldo de cultura que responde pela triste afirmativa
de que “a corrupção é o cupim da República”, feita pelo
presidente da Assembléia Nacional Constituinte brasi­
leira de 1986/1988, deputado Ulysses Guimarães. Tudo
a mostrar a permanência da necessidade de um redobrar
de esforços de toda a sociedade civil e das instituições
públicas para a compreensão de que, ali onde a ética na
política não é tudo, a política não é nada.
6.6. Cabe perguntar, naturalmente: que meto­dologia
ou providência institucional a tomar, diante de tão
grandes distâncias entre o discurso e a prática do Direito?
Como fazer da melhor normatividade em abstrato a
melhor experiência? Acasalar o dever-ser dos comandos

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C A R L O S A Y R E S B R I TTO

legislativos e o ser das concretas relações interindividuais


e intergrupais? Sair das pranchetas da Constituição para
entrar nos altiplanos da vida?

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O HUMANISMO COMO CATEGORIA CONSTITUCIONAL

CAPÍTULO VII

A imperiosa mudança
de mentalidade como
condição de encurtamento
de distância entre o discurso
humanista e sua prática

7.1. Reperguntando: como principiar a reduzir o


tamanho desse enorme fosso entre um discurso tão
altruísta e uma prática tão egocêntrica? Penso que por uma
radical mudança de mentalidade. Uma decidida disposição
para retrabalhar a noção de humanismo, que já não deve
ser visto apenas como o caminho que vai da humanidade
para o homem, porém, simultanea­mente, do homem para
a humani­dade. Equivale a dizer: o humanismo é culto

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C A R L O S A Y R E S B R I TTO

ou exaltação à humanidade, sem dúvida, contanto que


tal reverência também se dê perante cada qual das
células de que essa humanidade se compõe. Chegue
até ao ser humano em carne e osso. Ser humano, ajunte-se,
tão mais fisicamente próximo de nós quanto carente de
oportunidades socioeconômicas e de igual tratamento
cortês, respeitoso, fraterno.
7.2. Esse novo humanismo de necessária mão dupla
absorve, sim, a referida máxima de que “o homem é a
medida de todas as coisas” (Protágoras), porém, primeiro,
o homem enquanto gênero; isto é, de sorte a abranger
todos os exemplares masculinos e femininos sem nenhuma
exceção. Depois, todos os homens e mulheres em suas
efetivas condições exis­tenciais de idade, regionalidade,
cor da pele, etnia, classe social, conformação psicofísica,
assim como em suas preferências rigorosamente pessoais:
a reli­giosa, a filosófica, a profissional, a partidária, a
sexual, etc.. Pois somente assim é que se consegue viver
numa “sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos,
fundada na harmonia social e comprometida, na ordem
interna e internacional, com a solução pacífica das
controvérsias”, conforme a profissão de fé que se lê no
preâmbulo da Constituição brasileira de 1988.
7.3. De fato, não é só amando a humanidade que
se ama o homem, porém, reciprocamente, é amando o

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O HUMANISMO COMO CATEGORIA CONSTITUCIONAL

homem que se ama a humanidade. Até porque é muito


fácil, muito cômodo, muito conveniente dizer que se ama
o sujeito universal que é a humanidade inteira. Difícil,
ou melhor, desafiador é amar o sujeito individual que
é cada um de nós encarnado e insculpido. Aqui, um ser
humano em concreto, visível a olho nu, ao alcance da
nossa mão estendida ou do nosso ombro solidário. Ali,
não. Ali o que se tem é um abstrato sujeito coletivo.
Tão espacialmente distante quanto fisionomicamente
indefinido. Logo, amor sem risco nenhum de que nos
façam as únicas perguntas que mais importam para a
definição da nossa persona­lidade: como efetivamente
lidamos com os nossos pais, filhos, esposos e esposas, de
papel passado ou não? Em clima de amor, efetiva presença
e responsabi­lidades divididas? Dando-lhes o exemplo
pessoal de toda uma vida permeada de compromisso
ético e devoção cívica? E quanto aos nossos empregados,
colegas de trabalho, porteiros do nosso condomínio,
ascensoristas dos prédios que freqüentamos, jornaleiros,
garçons, entregadores de pizza? Como nos relacionamos
com cada qual deles? Chamando-os pelos respectivos
nomes? Reconhecendo seus elementares direitos e
dispensando-lhes um tratamento cordial? Do mesmo
jeito que apreciamos ser pessoalmente tratados?
7.4. Essas as perguntas que mais contam, dissemos,
porque não pode haver humanismo sem humanistas.

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C A R L O S A Y R E S B R I TTO

República sem republicanos. Como impossível é


praticar a democracia sem demo­cratas. O que nos
remete para os domínios do nexo causal entre o modo
habitual de agir de uma cole­tividade (práxis) e a sua
peculiar visão de mundo. Donde a referência a uma
urgente mudança de mentalidade, para que, na senda
do verbo que se faz carne, o olimpicamente objetivo se
transmute em concretos fazeres subjetivos.

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O HUMANISMO COMO CATEGORIA CONSTITUCIONAL

CAPÍTULO VIII

A mudança de
mentalidade que implique
analogia entre o humanismo
e a justiça e que ainda
diferencie justiça em abstrato
e justiça em concreto

8.1. Bem, para nós, os operadores do Direito, os


lidadores jurídicos, a aplicação dessa nova mentalidade
ao nosso cotidiano labor passa por uma analogia entre
o humanismo e a justiça; isto é, passa pela colocação
da justiça como tema-alvo de estudo, como fizemos até
agora com o humanismo.

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C A R L O S A Y R E S B R I TTO

8.2. Explico. A justiça em abstrato, aquela que desfila


pela passarela do Ordenamento legislado (a partir da
Constituição), essa costuma ser de boa qualidade em
todos os Estados onde vigora o sistema jurídico da
democracia de três vértices. E assim em abstrato ou em
tese, é justiça que bem corresponde às mais depuradas
postulações humanistas. O problema, então, não é esse. O
gargalo do Direito não está aí, porque nunca se contestou
que esse tipo retórico de justiça incor­pora, sim, os avanços
que têm assinalado a marcha triunfalmente democrática
do constitucio­nalismo oci­dental dos últimos 20, 25 anos
(tirante a ditadura cubana, não há mais como esconder).
Porém não passa de justiça como discurso legislado ou
valor simbó­lico, insista-se. Por isso mesmo que distante,
fria, orgulhosa de sua imperturbável objetividade (“a
lei é um padrão objetivo de justiça”, escreveu Hans
Kelsen). Justiça meramente pensada, por conseguinte, e
não propriamente vivida. Necessária referência teórica, é
certo, no sentido de que, sendo a justiça das leis, coloca-
se como inafastável ponto de partida para a resolução
dos casos concretos (“Ninguém será obrigado a fazer ou
deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”,
reza o inciso II do art. 5º da Constituição do Brasil). Não,
porém, como necessário ponto de chegada.
8.3. Ponto de chegada — essa a questão central — é
a justiça que quase todo litígio ou caso concreto exige

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O HUMANISMO COMO CATEGORIA CONSTITUCIONAL

somente para si. Com exclusividade, destarte, porque


o mais das vezes cada caso é um caso mesmo. E cada
caso é um caso, o mais das vezes, devido à irre­primível
versatilidade da vida, que é surpreendente e novidadeira
por sua própria natureza. Um arrumar as malas para o
infinito, como no inspirado verso de Fernando Pessoa.
Daí porque habitualmente irredutível às formulações
jurídico-positivas. Aos esquemáticos enunciados do
Direito legislado.
8.4. Como de remansoso conhecimento, a lei em
sentido material quer valer para todas as ações a que
se refere e por isso é que se adorna do atributo da
generalidade. Quer valer para todos os sujeitos a que
se destina e por esse motivo se confere a característica
da impessoalidade. Quer valer para sempre (enquanto
não for revogada ou formalmente mexida, lógico) e daí
o seu traço de abstratividade. Ora, querendo-se assim
genérica, impessoal e abstrata — é dizer, querendo-
se, de uma só cajadada, imperante para tudo, para todos
e para sempre, a lei não tem como fugir do discurso
esquemático ou clicherizador da realidade; que é um
discurso inescondivelmente simplista. Donde ter que
pagar um preço por esse discurso-rótulo, e esse preço
que a lei paga por incidir num tipo de comunicação
verbal reducionista é a sua exposição a interpretações

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C A R L O S A Y R E S B R I TTO

polissêmicas e à contínua rebeldia da vida (cambiante


por natureza).
8.5. Fechando o pensamento: a justiça das dispo­
sições legislativas é abstrata. A justiça do caso entre
partes é concreta. A primeira está para a humani­dade
assim como a segunda está para o homem. Ambas são
mutuamente complementares, na acepção de que as
duas se imbricam e nenhuma é mais básica do que a
outra. E as duas juntas são o que o direito é: dual,
bifronte, binário, como na figura mitoló­gica de Jano.
Corresponde a falar: o Direito é, na sua estru­turalidade,
tanto a abstrata justiça das leis (inclusive e sobretudo
a justiça das Constituições) quanto a empí­rica justiça
das decisões judiciais. E também na sua funcionalidade
o Direito é binário, porque tanto se manifesta sob a
forma de norma geral (Direito-lei) quanto sob a forma
de norma individual (Direito-sentença).

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O HUMANISMO COMO CATEGORIA CONSTITUCIONAL

CAPÍTULO IX

O operador do Direito
na condição de ponte
entre a justiça em abstrato
e a justiça em concreto

9.1. Nessa perspectiva, se o Direito é estrutural e


funcionalmente bifronte, o que importa para o lidador
jurídico é transitar pelo sempre custoso, trabalhoso,
é certo, mas necessário e instigante caminho do meio
(medius in virtus). Em linguagem metafórica, nem
ancorar tão-só no cais da justiça objetiva, nem navegar
exclusivamente no mar da justiça do caso concreto. Pois
muitas vezes o cais do porto apenas contém a primeira
metade do Direito. Situação em que a outra metade só
pode estar nas ondulações do mar aberto.

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C A R L O S A Y R E S B R I TTO

9.2. No tema, o princípio regente das coisas


continua a ser o da complementaridade (implicação e
polaridade, conforme Reale). Por isso que, se a primeira
metade do Direito condiciona o visual da segunda, esta
última costuma repercutir sobre aquela primeira para
redimensionar o respectivo perfil. Uma como que a
ajudar a outra para a feitura de um trabalho comum de
plenificação. Como num aparelho auto-reverse. Ou numa
gangorra em que o justo-real só pode se postar em
ambos os assentos. Donde a ilação de que o resgate da
norma jurídica em sua inteireza exige um processo de
interpretação que seja: a) uma virginal revelação do que
se contém no texto norma­tivo ainda sem a influência do
caso concreto; b) um refundir dessa inicial revelação, se o
caso concreto reverberar sobre o texto que o descreve.
9.3. Noutro modo quiçá mais ilustrativo de colocar
a idéia: entre o texto legislado e a decisão judicial navega
o sentido. Ali, algo significante. Aqui, algo significado.
Mas algo significado que pode ser o fruto de idas e
vindas do intérprete entre o texto referente e o caso
referido, se a relação entre ambos caracterizar-se por
uma tão mútua quanto irresistível influência. É quando
o dever-ser do Direito se concilia com o ser da vida e aí
já não há descompasso entre a justiça como formulação
meramente objetiva e a justiça material do caso entre
partes. O que nos transporta para recente entrevista do

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O HUMANISMO COMO CATEGORIA CONSTITUCIONAL

ministro César Asfor Rocha, do Superior Tribunal de


Justiça, na parte em que Sua Excelência assim verbaliza
o mais belo ideal de todo o Poder Judiciário nacional:
“Nosso maior sonho é ter um Judiciário brasileiro que
possa distribuir justiça não como iguaria de festa, mas
como o pão nosso de cada dia” (p. 19 do número 83 da
revista Justiça e Cidadania, mês de junho de 2007).
9.4. Também em Konrad Hesse, na sua profissão de
fé pelo reconhecimento de mais e mais força normativa
à Constituição, lê-se:
“O significado da ordenação jurídica na realidade e
em face dela somente pode ser apreciado se ambas
— ordenação e realidade — forem consideradas
em sua relação, em seu inseparável contexto, e
no seu condicionamento recíproco. Uma análise
isolada, unilateral, que leve em conta apenas um
ou outro aspecto, não se afigura em condições de
fornecer resposta adequada à questão. Para aquele
que contempla apenas a ordenação jurídica, a norma
‘está em vigor’ ou ‘está derrogada’; não há outra
possibilidade. Por outro lado, quem considera,
exclusivamente, a realidade política e social, ou não
consegue perceber o problema na sua totalidade, ou
será levado a ignorar, simplesmente, o significado da
ordenação jurídica.

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C A R L O S A Y R E S B R I TTO

‘A despeito de sua evidência, esse ponto de partida


exige particular realce, uma vez que o pensamento
constitucional do passado recente está marcado
pelo isolamento entre norma e realidade, como se
constata tanto no positivismo jurídico de Escola de
Paul Laband e Georg Jellinek, quanto no ‘positivismo
sociológico’de Carl Schmitt. Os efeitos dessa
concepção ainda não foram superados. A radical
separação, no plano constitucional, entre realidade
e norma, entre ser (sein) e dever ser (sollen) não
leva a qualquer avanço na nossa indagação. Como
anteriormente observado, essa separação pode
levar a uma confirmação, confessa ou não, da tese
que atribui exclusiva força determinante às relações
fáticas. Eventual ênfase numa ou noutra direção leva
quase inevitavelmente aos extremos de uma norma
despida de qualquer elemento de realidade ou de uma
realidade esvaziada de qualquer elemento normativo.
Faz-se mister encontrar, portanto, um caminho entre
o aban­dono da normatividade em favor do domínio
das relações fáticas, de um lado, e a norma­tividade
despida de qualquer elemento da realidade, de
outro. Essa via somente poderá ser encontrada se se
renunciar à possibilidade de responder às indagações
formuladas com base numa rigorosa alternativa.

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O HUMANISMO COMO CATEGORIA CONSTITUCIONAL

A norma constitucional não tem existência autônoma


em face da realidade. A sua essência reside na sua
vigência, ou seja, a situação por ela regulada pretende
ser concretizada na realidade. Essa pretensão de
eficácia (Geltungsanspruch) não pode ser separada
das condições históricas de sua realização, que
estão, de diferentes formas, numa relação de interde­
pendência, criando regras próprias que não podem ser
desconsi­deradas” (em A força normativa da Constituição.
Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre:
Sergio Antonio Fabris, 1991. p. 13-15).

9.5. Elucidar é preciso, porém, que estamos a falar


de “texto normativo” como expressão sinônima de
“dispositivo”. Enunciado que se exprime em signos
lingüísticos ou estruturas de linguagem, natural­mente.
Corresponde a dizer: dispositivo ou texto normativo é
qualquer das partes lógicas de que se compõe o esqueleto, a
estrutura formal de toda Consti­tuição, todo código, toda
lei, todo regulamento. Logo, partes que se exteriorizam
sob a forma de um artigo, ou de um parágrafo, um inciso,
uma alínea, um número arábico, na invariável condição de
invólucro de norma jurídica. Seja uma norma-princípio,
seja uma norma-preceito ou simplesmente “regra”, ambas
as categorias a ter o seu conteúdo significante e grau de
eficácia desvelados a cada momento de sua particularizada

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C A R L O S A Y R E S B R I TTO

aplicação. Donde o caráter de descoberta-construção,


assim geminadamente, da norma afinal aplicada. Com
o que o próprio conteúdo do justo deixa de ser uma
formulação tão prévia quanto definitiva para se tornar
uma constante garimpagem nos veios do processo cultural
da vida.

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O HUMANISMO COMO CATEGORIA CONSTITUCIONAL

CAPÍTULO X

A estrutura dual do
próprio cérebro humano
como impulso para a busca
da justiça em concreto

10.1. Como aceder, porém, aos apelos do justo em


concreto? Esse justo em concreto que certamente é
algo vivo, cambiante, como tudo o mais que faz parte
da mesma corrente sanguínea do mundo? Que virtude leva
o intérprete a atentar para a força rever­berante do caso
entre partes, de maneira a passar do justo contingente
para o justo objetivo e vice-versa, quantas vezes for
preciso para o visual da norma por inteiro?

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C A R L O S A Y R E S B R I TTO

10.2. Resposta: por efeito de uma virtude pessoal


que atende pelo nome de senso de justiça real, material.
Que não é senão sensibilidade social à flor da pele. Ou
o mais sólido compromisso com a vida no seu eterno
agora (Krishnamurti, Osho, Eckhart Tolle, Neal Donald
Walsch, William Segal), sem, contudo, perder de
vista as coordenadas mentais do Direito legislado.
Qualidades próprias daqueles que agregam ao manejo
da reflexão o espocar da intuição. Essas duas outras
categorias que provêm, respectivamente, do hemisfério
esquerdo e do hemisfério direito do cérebro humano.
Como sempre disseram os místicos orientais e passaram
a dizer os maiores expoentes da física quântica.
10.3. Particularmente ilustrativo desse pensar quân­
tico são os ensaios da norte-americana Danah Zohar,
para quem
“A mais revolucionária e, para nossos fins, a mais
importante afirmação que a física quântica faz
acerca da natureza da matéria, e talvez do próprio
ser, provém de sua descrição da dualidade onda-
partícula (...) a afirmativa de que todo ser, no nível
subatômico, pode ser igualmente bem descrito
como partículas sólidas, como um certo número de
minúsculas bolas de bilhar, ou como ondas, como as
ondulações na superfície do oceano. Mais que isso, a

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O HUMANISMO COMO CATEGORIA CONSTITUCIONAL

física quântica prossegue dizendo que nenhuma das


duas descrições tem real precisão quando isolada e
que tanto o aspecto onda como o aspecto partícula
do ser devem ser levados em conta quando se
procura compreender a natureza das coisas. É a
própria dualidade do processo básico. A ‘substância’
quântica é, essencialmente, ambos: o aspecto onda e
o aspecto partícula.

Esta natureza tipo Jano do ser quântico está


condensada numa das colocações mais funda­mentais
da teoria quântica, o princípio da complementaridade,
que declara que cada modo de descrever o ser, como
onda ou como partícula, complementa o outro e que
o quadro completo somente surge do ‘pacote’. Como
os hemis­férios direito e esquerdo do cérebro,
cada uma das descrições fornece um tipo de
infor­mação que falta à outra (...)” (em O ser quântico,
publicado pela Editora Best Seller, p. 24-25, ano de
1990, tradução de Maria Antonia Van Acker, mas
sem os caracteres negritados).

10.4. Façamo-nos entender com mais clareza. O


cérebro humano, também ele, tem duas dimensões.
Dois hemisférios. Dois lados, enfim. O primeiro lado
é o da mente, que tenho como sinônimo de intelecto
ou inteligência. O segundo lado é o do sentimento, que

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C A R L O S A Y R E S B R I TTO

também designo por alma ou coração (coração-neurônio,


lógico, e não coração-músculo-cardíaco). Sendo que este
lado sentimento é tão intuitivo quanto o lado da mente
é reflexivo.
10.5. Muito bem. Pelo uso de sua porção mente, o
cérebro faz-se reflexivo para poder seqüenciada­mente
isolar, analisar, descobrir e conhecer tudo que preexista
a ele. Sem tirar nem pôr. Indiretamente ou por metó­dicas
aproximações do objeto investigado. Discursivamente.
Já pelo uso de sua porção senti­mento, o cérebro faz-se
contemplativo e por um passe de intuição captura o real. É
dizer: o cérebro libera a nossa imaginação para que ela
possa, num súbito de percepção, privar da intimidade
do real e nele provocar um tipo inovador de reação.
Donde se afirmar que a intuição é criativa, enquanto a
razão, especulativa. Nesta residindo o conhecimento,
e, naquela, a sabedoria (é de Einstein a proposição de
que, “nos momentos de crise, só a inspiração supera o
conhecimento”).
10.6. Diga-se agora: quando se movimenta nos
quadrantes do Direito-lei, a mente se volta para o
conhecimento do texto normativo e assim é que a
apreende a justiça objetiva ou em abstrato. Caminho
inverso ao do sentimento, que, ao interagir com o fenô­
meno jurídico, o faz mediante uma particularizada linha

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O HUMANISMO COMO CATEGORIA CONSTITUCIONAL

direta com o caso entre partes, se vier a intuir que tal caso
é dotado de reflexividade o bastante para desencadear
no dispositivo que o descreve um efeito reciclador da
sua inicial compreensão. É o que se pode chamar de
reação normativa inédita do texto, mas não inédita por
inexistir anteriormente, porém inédita por somente
ganhar espaço de irrupção após impactar-se com
a reverberação do caso concreto. Vale dizer, reação
virginal do texto que se depara com o surgimento de
um espaço anímico no sujeito que o visualiza pela ótica
da vida em seu ininterrupto e sempre novidadeiro fluir
(“o ser das coisas é o movimento”, anotava Heráclito,
fundador da Escola Jônica).

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PÁGINA EM BRANCO

Jefferson Carús Guedes e Luciane2 2 3/8/2009 09:02:11


O HUMANISMO COMO CATEGORIA CONSTITUCIONAL

CAPÍTULO XI

A inteireza do ser
que maneja a reflexão
e se abre para a intuição

11.1. A dedução é imediata: o lidador jurídico assim


ao mesmo tempo reflexivo e intuitivo somente concilia o
Direito legislado com a vida vivida porque antes disso se
concilia consigo próprio. Se se prefere, o intérprete que
faz uso dos dois elementares lados do cérebro somente
tem a chance de apanhar o Direito por inteiro porque
ele mesmo se permite encontrar-se em plenitude. Não
incompleto ou muti­lado, quando como refreia em si uma
das duas elementares funções do seu próprio cérebro.

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C A R L O S A Y R E S B R I TTO

11.2. Foi nesse específico sentido — acredito — que


o poeta Vinícius de Moraes afirmou que “a vida só se dá
pra quem se deu”. Vale dizer: a vida só se dá por inteiro a
quem por inteiro se dá a ela. E não seria assim na sinérgica
relação entre o Direito e seu intérprete? Mormente o
seu jurisdicional aplicador? O Direito a reconhecer,
orteguianamente, “eu sou eu e as minhas circuns­
tâncias”? Circunstâncias de que faz parte o juiz que sobre
ele atua na plenitude do seu potencial reflexivo e intuitivo?
Como no poema de Fernando Pessoa,

“Para ser grande, sê inteiro: nada


Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa, Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive”.

11.3. Em diferentes palavras, se o cérebro humano


se manifesta ora como inteligência ora como sentimento,
porque as duas coisas juntas são o que ele efetivamente
é, também assim o Direito ora se manifesta como
justiça da lei (vida pensada) ora como justiça do caso
concreto (vida vivida), porque as duas coisas são o que

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O HUMANISMO COMO CATEGORIA CONSTITUCIONAL

ele efetivamente é. A justiça da lei a ser descoberta pela


inteligência (mente, intelecto), a justiça do caso concreto
a ser intuída pelo sentimento (alma, coração). Os dois
envolvidos no mesmo e altaneiro empenho de alcançar
um ponto de unidade que deixe para traz a própria
dualidade por eles originariamente formada. Ponto de
unidade que vai possibilitar a visão estelar do justo por
si mesmo; que é o justo tão auto-evidente que afasta ou
dispensa qualquer discussão em torno dele. Porque o seu
acontecer já é um absoluto convencer.
11.4. A se colocar um nome específico nesse ponto
de unidade entre o pensamento e o sentimento, tenho
como apropriado o termo “consciência”. Esse vocá­
bulo a que Pascal expressamente recorreu, quando disse
que “Ciência sem consciência é ruína da alma”. Isso
de permeio com uma das frases mais recorrentes da
cultura ocidental, que é reconheci­damente a de que “o
coração tem razões que a própria razão desconhece”. A
mesma consciência, por sinal, de que falam os místicos
orientais com a designação de “terceiro olho”. Esse olho
que ninguém vê, por certo, mas que para eles é o único
a ver tudo.
11.5. Esse mesmo termo “consciência” também
perpassa a mencionada obra de Konrad Hesse (embora sem
nenhum comentário quanto ao seu particula­rizado modo

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C A R L O S A Y R E S B R I TTO

de surgimento), como espécie de mola propulsora de


uma psíquica “vontade de Consti­tuição”. Isso para
que ela, Constituição, venha a se dotar de “força ativa”.
Daí a seguinte passagem do prefácio que traz a abalizada
assinatura do ministro Gilmar Mendes: “Sem desprezar
o significado dos fatores históricos, políticos e sociais
para a força normativa da Constituição, confere Hesse
peculiar realce à chamada vontade de Constituição (Wille zur
Verfassung). A Constituição, ensina Hesse, transforma-se
em força ativa se existir a disposição de orientar a própria
conduta segundo a ordem nela estabelecida, se fizerem-se
presentes, na consciência geral — particular­mente, na
consciência dos principais responsáveis pela ordem
constitucional —, não só a vontade de poder (Wille zur
Macht), mas também a vontade de Constituição (Wille
sur Verfassung)” (p. 5, negritos à parte).
11.6. Por outro modo de dizer as coisas, sem afeti­vi­
dade a andar de braços dados com a inteligibilidade não se
chega ao ponto ômega da consciência e aí já não se tem a
garantia da efetividade do Direito-justo. Quer o Direito-
justo a desatar dos comandos adjetivos ou processuais
(sobretudo as chamadas garantias constitucionais do
processo), quer o Direito-justo a desabrochar dos
pre­ceitos substantivos ou materiais (especialmente os
rotulados de “direitos fundamentais” pelas próprias
Constituições positivas).

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O HUMANISMO COMO CATEGORIA CONSTITUCIONAL

11.7. Esse o caminho para se fazer da melhor


regração em tese a melhor experiência cotidiana.
Para relacionar por modo holístico (unitário, portanto)
o dever-ser do Direito legislado e o ser das concretas
decisões judiciais. Para aproximar um pouco mais o
Ordenamento Jurídico romano-germânico (nações
latinas e germânicas) e o da tradição anglo-americana
(common law). Somar à vontade da Constituição a
vontade de Constituição do operador jurídico. Tornar
cada homem em particular um decidido humanista. Um
militante, enfim, da máxima cristã do “amai ao próximo
como a vós mesmos”. Pois não se pode ignorar que o
Direito, como ensinava o sergipano Tobias Barreto, “não
é só uma coisa que se sabe; é também uma coisa que se
sente”. Talvez até uma coisa que se sente em primeiro
lugar ou com anterioridade em relação à inteligência, pois
não se pode esquecer jamais que o próprio substantivo
“sentença” vem do verbo “sentir” (é da poetisa Adélia
Prado o juízo de que “o olhar amoroso sobre as coisas
descobre um sentido atrás daquilo, na perspectiva final
do sentido da vida”).
11.8. Deveras, o fiat lux é a subida do operador jurídico
aos páramos da própria consciência. Porque somente ela é
que lapida o observador em um nível tal de depu­ração que
lhe permite ver o quanto de mais lapidado já se encontra,
potencialmente, na própria realidade observada. Antes da

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C A R L O S A Y R E S B R I TTO

consciência, o observador é um; depois da consciência,


ele já é outro. Mármore em estado bruto versus a Pietá de
Michelangelo. Inexplicável dom de picotar o manto da
noite e flagrar o dia escondido lá dentro.

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O HUMANISMO COMO CATEGORIA CONSTITUCIONAL

CAPÍTULO XII

O sentimento como
o lado do cérebro
que mais interage
com o mundo dos valores.
O rebento da consciência

12.1. Ainda um tanto é de se comentar sobre a


disponibilidade da pessoa humana para o seu lado
coração (alma, sentimento, conforme insistentemente
anotado). É que esse lado coração tem a propriedade
de mais fortemente interagir com a esfera dos valores.
Assim entendidos os bens coletivos que se aninham
nas regiões ônticas do civismo, da ética, da verdade,
da estética e da bondade. Mais: interação com o

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mundo onde se hospeda, num momento da mais


intensa luminosidade, a decisão justa para o caso
concreto. Que para esse padrão de justiça é que o Direito
se põe como o anseio maior da humanidade. Anseio sem
o qual “já não valeria a pena que os homens vivessem
sobre a terra”, para lembrarmos festejada pregação de
Immanuel Kant.

12.2. Essa propriedade que tem o sentimento de nos


catapultar para o mundo dos valores é, portanto, a que mais
intrinsecamente qualifica a existência. Porque nos valores
estão os mais sólidos fundamentos e os mais cristalinos
propósitos de toda uma vida individual e ao mesmo
tempo coletiva (conforme vimos nos “fundamentos” e
nos “objetivos fundamentais” da República Federativa
do Brasil, versados, respectiva­mente, nos arts. 1º. e 3º. da
Constituição de 1988). Neles residindo a elevação do ser
a um patamar muito acima da sua mera biologicidade e
até mesmo da sua mais cartesiana racionalidade. Pois que
se trata de uma elevação que já é enlevo, encantamento,
êxtase tão-só experimentado pelos que se vêem a serviço
do seu próprio crescimento interior e do aprimoramento
do Direito e da sociedade. Feito o mesmo Kant a dizer,
tomado de seráfico orgulho: “o céu estrelado sobre mim
e a lei moral dentro de mim”.

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O HUMANISMO COMO CATEGORIA CONSTITUCIONAL

12.3. Fácil perceber que são eles, os valores, usinas


de comportamentos sociais convergentes, porque inter­
na­lizados como bens coletivos; quer dizer, bens que
favorecem a todos. Operando, então, como fatores
de fixidez, estabilidade, coesão, o que já se traduz num
contínuo plasmar do que se poderia designar por uma alma
comum. Uma só personalidade ou caráter comuni­tário.
Tudo por se tratar de idéias-força que se vão depurando
no cadinho da História, de maneira a ganhar a objetiva
consistência dos costumes. Daí que muitas vezes o
desrespeito a eles seja socialmente tido por um escândalo
ou proceder absolutamente intolerável, porque o fato é
que os valores, assim guindados à condição de locomotivas
sociais, vão-se se tornando leis em sentido natural. Com
um poder de persuasão ou uma vis-atrativa ainda maior
que a resultante das leis em sentido estatal-positivo.
12.4. Seja como for, e para além de todo debate
filosófico sobre as características centrais dos valores
(domínio da axiologia pura), são eles a mais consis­
tente forja de um padrão de conduta retilíneo, firme,
solidário e transparente. Não sinuoso, não bruxuleante,
não egoístico, não opaco. Por isso que formadores de
uma decantada práxis. Donde o reconhecimento de que,
uma vez internalizados, passam a fazer parte da natureza
mesma de cada pessoa e do corpo social por inteiro.

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Aqui, plasmando o caráter coletivo e se tornando fator de


coesão nacional (renove-se a proposição). Ali, injetando
no moral de cada indivíduo a seiva da alegria e da paixão
sem soberba por uma personalidade que deixa de ser filha
do acaso pra se tornar uma obra de arte.
12.5. Como também uma obra de arte, em certa
medida, pode se tornar a própria descoberta-construção
da norma de que o julgador precisa para a justa resolução
do caso concreto. Afinal — ainda uma vez recorro ao
magistério de Tobias Barreto — há um pouco de ciência em
cada arte, e um pouco de arte em cada ciência. Sendo que essa
arte jurídica está para o sentimento assim como a ciência
do Direito está para o pensamento. E se trou­xermos
essas noções para o campo da decisão judicial, deduzi­
remos que a fundamentação da sentença tem que ser
uma obra de ciência, enquanto a respectiva conclusão
(parte dispo­sitiva), uma obra de arte.
12.6. Repaginando a proposição, pensamento e alma
fazem como que um matrimônio por amor para o empírico
partejar do rebento que ainda há pouco chamamos de
“consciência”. Consciência que é próprio das pessoas que
se postam na existência com toda pureza de propósitos
e que por isso têm maiores chances de operar em seu
interior a fusão do eu e do nós; do particular e do geral;
do individual e do universal; do breve e do eterno. O que

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O HUMANISMO COMO CATEGORIA CONSTITUCIONAL

as leva com muito mais facilidades a focar o Direito com


um novo par de olhos. A surpreender nos dispositivos-
objeto uma certa propriedade, um determinado aspecto,
uma dada possibilidade normativa que o puro intelecto
não consegue enxergar sozinho (“o essencial é invisível
aos olhos”, dizia Antoine de Saint Exupery). Ou, por
outra, uma franja que seja da normatividade agasalha­
dora do justo-concreto já estava lá no Ordenamento,
mas que deixou de acontecer por falta, justamente, de
espaço consciencial no operador jurídico (não raras vezes
essa franja de normatividade somente se obtém por
uma refinada ponderação de valores que se veiculam por
princípios que, embora harmônicos no plano do dever-
ser em que o Direito legislado consiste, se antagonizam
no concreto mundo do ser).7
12.7. Em suma, algo de constitutivamente novo se
desprende do dispositivo-objeto, ou dos dispositivos-alvo,
quando em contato com o operador que se adorna do

7
Para o que tem especial serventia o critério hermenêutico da
proporcionalidade em sentido estrito, que leva o intérprete a se
perguntar qual dos princípios em concreto estado de tensiona­
mento ofende menos a Constituição como um todo, se vier a ser
o escolhido para reger o caso concreto. Ou, inversamente, qual
dos princípios em estado de fricção mais confirma os comandos
todos da Constituição, se vier a ser escolhido para a regência do
conflito entre partes.

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C A R L O S A Y R E S B R I TTO

halo da sua própria consciência. Sendo que esse algo de


constitutivamente novo já é o ponto de engate da justiça
em abstrato com a justiça do caso concreto. Do Direito
enquanto ciência e da justiça enquanto arte.
12.8. Não que esse modo consciencial de interagir
com o Direito passe a significar uma recusa ao emprego
do que desde sempre se chamou de “métodos de inter­
pretação jurídica”. Não é isso. A interpretação do Direito
continua a ser feita por esses tradicionais métodos, que
mais recentemente passei a substituir pelo fraseado
“processo hermenêutico”. Processo hermenêutico, óbvio,
com as fases ou etapas que a idéia mesma de processo
evoca. No caso, as primeiras quatro fases se nos dão por
uma forma solteira ou em separado (fase literal, fase lógica,
fase teleológica, fase histórica ou histórico-evolutiva),
enquanto a de n. 5 é a única a se nos dar por uma forma
casada ou em bloco (fase sistemática ou contextual). Com
o seguinte acréscimo de idéia:
I – em todo esse processo hermenêutico nenhuma
das fases é de ser aprioristicamente descartada;
II – o espaço da consciência pode se abrir para
qualquer das etapas do processo, ou para duas
delas, ou três, ou todas indistintamente, seja por
efeito do que na teoria quântica é explicado como
o poder de interferência do observador consciente

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O HUMANISMO COMO CATEGORIA CONSTITUCIONAL

“no acontecer” da realidade obser­vada, seja por


efeito daquela fenomenologia do imponderável
que William Shakespeare insuperavelmente
grafou, no Hamlet, com a asserção de que entre o
céu e a terra há muito mais coisas do que supõe a nossa
vã filosofia.8
12.9. Fenomenologia do imponderável — acabamos
de falar — porque das insondáveis regiões da existência
(categoria maior que a de sociedade) é que partem
os estímulos de irrupção dos nossos mais profundos
sentimentos de amor, solidariedade, família, nação, bem
comum, entre outros diletos vizinhos de porta do que
vimos designando por senso de justiça real ou material,
sensibilidade social à flor da pele, firme compromisso com
a vida em seu tão ininterrupto quanto renovado passar.
É a parte da existência que os antigos gregos chamavam

8
No que toca ao poder de interferência do observador consciente
no acontecer da realidade observada, a mesmo Danah Zohar
escreve (p. 293, op.cit.): “Em resumo, a cosmovisão quântica
enfatiza o relacionamento dinâmico como a base de tudo o que
existe. Diz que o nosso mundo surge através de um diálogo
mutuamente criativo entre mente e corpo (interior e exterior,
sujeito e objeto), entre o indivíduo e seu contexto material e
pessoal, e entre a cultura humana e o mundo da natureza. Dá-nos
uma visão do ser do homem como livre e responsável, reagindo aos
outros e ao ambiente, essencialmente relacionado e naturalmente
comprometido, e, a cada instante, criativo”.

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C A R L O S A Y R E S B R I TTO

de “fortuna”, para se referir àquilo de que a ciência nem


a filosofia até hoje não conseguiram dar conta. E que
Santo Agostinho preferia denominar de doce mistério, na
companhia dos teólogos que o sucederam no tempo.
12.10. Essa categoria do mistério, vê-se, é a que
se aloca na esfera do “incognoscível”, para formar
com o conhecido e o desconhecido os três possíveis
estados-de-existência. Incognoscível, não no sentido de
anticientífico, mas de inacessível à ciência. Pois o certo é
que os fenômenos situados nos domínios do mistério (aí
encartado o Divino) têm por nota caracte­rizadora nem a
sua possibilidade de confirmação nem a sua possibilidade
de desconfirmação pela ciência. São fenômenos a eclodir
na seara do indizível ou do inefável. Coisas que não
são apropriáveis pelo ser humano, porque existem,
justamente, para do ser humano se apropriar num
rompante da mais alumbrada emotividade. A exigir,
para sua objetiva descrição, deslocamentos semânticos
já situados nos domínios da licença poética. Algo assim
como dizer que o desemprego é uma dor que atinge o
osso da alma. Neruda a escrever que “a palavra é uma asa
do silêncio”. Ou como na história que Eduardo Galeano
conta sobre um garoto que, ao ver pela primeira vez a
monumental estrutura líquida do mar, disse para o pai ali
ao lado, cambaleando em cada fibra do corpo e sacudido

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O HUMANISMO COMO CATEGORIA CONSTITUCIONAL

de tremores em cada corda vocal: “pai, me ajude a olhar”


(op. cit., p. 15). Donde os seguintes comentários de
Rajneesh Srhee Baghuann (que foi professor de filosofia
da universidade de Jabalpur, vindo a se tornar, com o
pseudônimo de Osho, um dos místicos mais influentes
da história da Índia):
“O intelecto está envolvido com o conhecido e o
desconhecido, não com o incognoscível. E a intuição
trabalha com o incognoscível, com o que não pode
ser conhecido. (...) A intuição é possível porque o
incognoscível existe. (...) A razão é um esforço para
conhecer o desconhe­cido, e a intuição é a ocorrência
do incognoscível. Penetrar o incognoscível é possível,
mas explicá-lo não. (...) Deixe a razão atuar em seu
próprio campo, mas lembre-se de que existem esferas
mais profundas” (em Intuição: o saber além da lógica.
São Paulo: Cultrix, 2001. p. 12-13).

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O HUMANISMO COMO CATEGORIA CONSTITUCIONAL

CAPÍTULO XIII

A Constituição como
o Direito mais axiológico
e de mais forte
compromisso humanista

13.1. Se voltarmos, porém, à consideração de que o


novo humanismo é um gravitar na órbita dos valores mais
paradigmaticamente democráticos, e que os valores mais
paradigmaticamente democráticos já não podem deixar
de se positivar como figuras de Direito, con­cluiremos
que o teórico habitat desse novo huma­­­nismo é
a Constituição Positiva. Isto por ser a Consti­tuição
Positiva o mais onivalente repositório de valores jurídico-
democráticos. A casa normativa deles, por excelência.

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C A R L O S A Y R E S B R I TTO

13.2. Deveras, sendo a Constituição a lei de todas as


leis que o Estado produz, os valores nela positi­vados são
também os valores de todos os valores que as demais
leis venham a positivar. Reexplicando: os valores de
berço constitucional são o hierárquico referencial de
todos os outros valores de matriz infraconstitucional.
Valores, estes últimos, que de alguma forma têm que se
reconduzir aos primeiros, pena de invalidade (que para
isto serve o princípio da supremacia formal e material da
Constituição). Tudo afunilando para esse valor-síntese
em que se traduz a democracia de três vértices.

13.3. Esse reconhecimento da Constituição como o


inicial e o derradeiro espaço lógico de toda a axio­logia
jurídico-democrática transfere para ela, contudo, a mais
imediata responsabilidade pela prefalada subeficácia do
Direito quanto à concreção do novo humanismo. Que é
o humanismo diluído na multi­citada democracia de três
vértices. Ela, Constituição, a responder primeiro pela
fragilidade operacional de todo um sistema normativo
que quanto mais particu­lariza os seus comandos mais
a desrespeita. Numa espécie de ricochete que evoca
José Saramago a falar, desalentado, que a única espécie
que não deu certo foi o ser humano, porque inventou
a crueldade.

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O HUMANISMO COMO CATEGORIA CONSTITUCIONAL

13.4. Não pode ser diferente a crítica. Se os diplomas


constitucionais dos dias presentes se tipi­ficam pela
centralidade do tratamento que dispensam à democracia
de três vértices, como deixar de primei­ramente acusá-
los pela sua reduzida taxa de empírica aplicação? Se o
fato em si do baixo teor de concreção constitucional
da democracia é um factual dar às costas ao novo
humanismo que sob a túnica dessa democracia mesma
se jurisdiciza?

13.5. Nessa ambiência lógica de casa por definição


dos valores jurídicos, todos afunilando para esse
novo humanismo que é a democracia de três vértices,
a Constituição ganhou uma importância tal que já
não pode deixar de fazer da preocupação com a sua
máxima efetividade o seu princípio instrumental de
maior envergadura. Máxima efetividade por si mesma
ou por merecimento próprio, o que recoloca na agenda
das prioridades com que deve trabalhar o profissional
do Direito o tema que se convencionou chamar de
dirigismo constitucional. Dirigismo constitucional ou
“Constituição dirigente”, a significar um tipo de Direito
que atua no centro do poder político para conduzi-lo.
Vinculá-lo com todo rigor ou sem possibilidade de
escape. Imperativamente, por conseguinte.

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O HUMANISMO COMO CATEGORIA CONSTITUCIONAL

CAPÍTULO XIV

A Constituição dirigente como


garantia de efetivação do
humanismo

14.1. Este o necessário foco, a que se precisa


retornar com toda urgência. E se falo de retornar com
toda urgência é porque a idéia de Constituição dirigente
atravessa um período de esmaecimento, depois de
esgrimida com todo entusiasmo por juristas do elevado
porte de um José Joaquim Gomes Canotilho (Constituição
dirigente e a vinculação do legis­lador: contributo para a
compreensão das normas constitucionais programáticas.
Coimbra: Coimbra Ed., 1994). Esmaecimento que se

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C A R L O S A Y R E S B R I TTO

deve, em grande parte, a duas ordens de consideração:


a primeira, pelo receio de que o ativismo judiciário em
defesa desse caráter diretivo da Constituição termine
por negar ao Poder Executivo o que é próprio dele:
governar, administrar, tocar o Estado no ritmo acelerado
com que se dão os próprios fatos deste século mais e mais
internetizado e da informação eletrônica em tempo real;
a segunda, residente no respeito a uma natural cláu­sula
financeira “da reserva do possível”, sabido que os deveres
estatais para com os investimentos em infra-estrutura
econômica e social, na ampliação e modernização de
órgãos como o Poder Judiciário, o Ministério Público,
os Tribunais de Contas e as defen­sorias públicas, na
prestação dos serviços públicos, no atendimento dos
direitos econômico-sociais e no desencadear das ações
afirmativas implicam desem­bolso de recursos nem
sempre orçamentariamente disponíveis, nem passíveis
de extraordinário aporte.

14.2. Percalços financeiros à parte, o que se deve


perguntar é se determinada Constituição é ou
não do tipo dirigente. Se ela mesma fez da gover­
nabilidade que é própria do Poder Executivo uma
governabilidade caracteristicamente consti­tu­cional.
Submetida, portanto, não apenas a meios de atuação de

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O HUMANISMO COMO CATEGORIA CONSTITUCIONAL

logo figurantes da Lei Maior, como também a bases de


inspiração que se enlaçam inex­trincavelmente a metas
e programas de governo que nessa mesma Lei Maior
estejam previstos.

14.3. No caso brasileiro, a resposta nos parece


afirmativa. A começar pela anotação de que:

I – todo o a priori lógico da montagem do Estado


e do governo brasileiro já está no que a nossa
Constituição denominou, no seu art. 1º., de “funda­
mentos” da República Federativa do Brasil. Ei-los,
ainda uma vez: “soberania” (inciso I), “cidadania
(inciso II), “dignidade da pessoa humana” (inciso
III), “valores sociais do trabalho e da livre iniciativa”
(inciso IV), “pluralismo político” (inciso V);

II – já no seu art. 3º. a Constituição passou a


nominar os “objetivos fundamentais” dessa
mesma República Federativa, a saber: “construir
uma socie­­dade livre, justa e solidária” (inciso I),
“garantir o desen­vol­vi­mento nacional” (inciso II),
“erradicar a pobreza e a margi­na­lização e reduzir
as desi­gual­dades sociais e regionais” (inciso III),
“promover o bem de todos, sem preconceito de
origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras
formas de discri­­minação” (inciso IV);

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C A R L O S A Y R E S B R I TTO

III – por modo estratégico, a nossa Magna Carta


situou entre os fundamentos do seu art. 1º. e os
objetivos do seu art. 3º. os Poderes da União, literis:
“Art. 2º. São poderes da União, inde­pendentes e
harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo
e o Judiciário”. Vale dizer, a Constituição
teve o cuidado de fazer dos três elementares
Poderes da União verda­deiros elos ou pontes
entre as normas-base do seu art. 2º. e as
normas-fim do seu art. 3º, de sorte a deixar
claro que os Poderes existem para, inspirados
nos fundamentos da República, prestigiando
sempre tais fundamentos, concretizar os
fins a que essa mesma República se destina.
Ou velar para que tais fins não deixem de ser
eficazmente procurados, que é o modo próprio de
atuação do Poder Judiciário, do Ministério Público
e dos Tribunais de Contas (que para tanto foram
aquinhoados com atribuições extraordina­ria­
mente facilitadoras do exercício de suas dilatadas
competências).
14.4. Mas não ficou nisso a nossa Lei Mais Alta.
Ao longo do seu encorpado rol de dispositivos foi
ante­cipando para os governantes os programas ou
as políticas públicas (normas-tarefa) mais servientes

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O HUMANISMO COMO CATEGORIA CONSTITUCIONAL

daquelas normas-base (“fundamentos”) e normas-fim


(“objetivos fundamentais”) com que recheou o seu título
de n. I, adjetivado de “Princípios Funda­mentais”. São
coisas como “manter o serviço postal e o correio aéreo
nacional”, “planejar e promover a defesa permanente
contra as calamidades públicas, especialmente as secas e
as inundações”, “executar os serviços de polícia marítima,
aeroportuária e de fronteiras”, “organizar, manter e
executar a inspeção do trabalho”, todas encartadas nas
competências materiais da União (art. 21, incisos X,
XVIII, XXII e XXIV, respectivamente). E já no círculo
das compe­tências materiais comuns a todas as pessoas
políticas federadas, listou programas com a mesma carga
de acentuada faticidade, como, por exemplo: “cuidar
da saúde e assistência pública, da proteção e garantia
das pessoas portadoras de deficiência”, “proteger os
documentos, as obras e outros bens de valor histórico,
artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais
notáveis e os sítios arqueológicos”, “propor­cionar os
meios de acesso à cultura, à educação e à ciência”,
“preservar as florestas, a fauna e a flora”, “fomentar
a produção agropecuária e organizar o abastecimento
alimentar”, “promover programas de construção de
moradias e a melhoria das condições habitacionais e de
saneamento básico”, “combater as causas da pobreza e

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C A R L O S A Y R E S B R I TTO

os fatores de marginalização, promovendo a integração


social dos setores desfavo­recidos”, “estabelecer e
implantar política de educação para a segurança do
trânsito” (art. 23, incisos II, III, V, VII, VIII, IX, X e
XII, respectivamente). Isto sem deixar de embutir nas
competências materiais tipica­mente municipais o dever
de “organizar e prestar, diretamente ou sob regime de
concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse
local, incluído o de transporte coletivo, que tem
caráter essencial” (inciso V do art. 30, sem negritos
no texto original).
14.5. Fez mais a Lei Fundamental desta nossa Terra
de Santa Cruz. Jungiu o desempenho das atividades
econômicas a coordenadas constitutivas de deveres
como a “defesa do consumidor” e “do meio ambiente”,
“busca do pleno emprego” e “tratamento favorecido
para as empresas de pequeno porte constituídas sob
as leis brasileiras e que tenham sua sede e adminis­
tração no País” (incisos V, VI, VIII e IX do art. 170,
nessa ordem). Sem deixar de dizer que todo o sistema
financeiro nacional só pode ser estruturado “de forma
a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a
servir aos interesses da coletividade” (art. 192) e que “O
mercado interno integra o patrimônio nacional e será
incentivado de modo a viabilizar o desenvol­vimento

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O HUMANISMO COMO CATEGORIA CONSTITUCIONAL

cultural e sócio-econômico, o bem-estar da população


e a autonomia tecnológica do País, nos termos de lei
federal” (art. 219).9
14.6. Tudo isso e muito mais — como o regime
jurídico dos serviços públicos (art. 175), da política agrí­
cola e fundiária e da reforma agrária (arts. 184 a 186), da
seguridade social (art. 194 a 204), da educação, da cultura
e do desporto (arts. 205 a 217), da ciência e da tecnologia
(arts. 218 e 219), da comunicação social (arts. 220 a 224)
e do meio ambiente (art. 225) — tudo isso e muito
mais, dizíamos, só para evidenciar que ela, Constituição
Federal, não se fez tão robusta de dispositivos por amor
à prolixidade. Nada disso! Ela se fez inusitadamente
recamada de dispositivos para detalhar as coisas e assim
revestir-se da força de governar o próprio governo e a

9
Mesmo no exclusivo campo da iniciativa privada, se esta é positivada
como um direito de todos (parágrafo único do art. 170), a partir
da apropriação individual de certos bens de produção (inciso II
do mesmo art. 170), ainda assim é um geminado direito-dever.
Um direito que têm as pessoas naturais de realizar a sua vocação
para os negócios, é certo, mas debaixo de um propósito último
que a Constituição vocaliza como de “justiça social”. Não sendo
por outra razão que o art. 170 (caput) estatui que o fim da ordem
econômica é “assegurar a todos existência digna, conforme os
ditames da justiça social”. No que é seguido (esse dispositivo)
pelo art. 193, segundo o qual “A ordem social tem como base
o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça
social”. Comandos de significação mais clara, impossível!

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sociedade. Chegando ao requinte de incluir no título


devotado aos “Direitos e Garantias Fundamentais”
situações jurídicas ativas que já correspondem
àquela noção do “mínimo existencial”, de modo a
sobre­pujar a própria cláusula financeira da reserva
do possível. Caso típico, inicialmente, do inciso LXXIV
do art. 5º., segundo o qual “o Estado prestará assis­
tência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem
insuficiência de recursos”. Depois, o inciso IV do art.
7º., determinante de que o salário mínimo seja fixado
em ordem a atender aos seguintes itens de des­pesas
do trabalhador e sua família: “moradia, alimen­tação,
educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e
previdência social”. Itens de despesas que ela mesma,
Constituição, designa por “necessidades vitais básicas”,
resultando óbvio que “necessidades vitais básicas”
não comportam desatendimento. Têm que ser
supridas como o epicentro mesmo da democracia
social, por se tratar de lídima questão de honra
humanista.
14.7. Efetivamente, ou se faz dessa espécie diretiva
de Constituição uma trilha de obrigatório palmilho pelos
governantes, exatamente naquilo em que eles atuam
enquanto governantes mesmos, ou se renuncia à idéia
de que ela é feita pra valer. Feita para governar de modo

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O HUMANISMO COMO CATEGORIA CONSTITUCIONAL

permanente quem governa de modo transitório. Isto


por ser a expressão formal de uma vontade que também
se define como permanente, que é a vontade da nação
brasileira. A se impor à vontade apenas quadrienal dos
que se investem nos cargos parlamentares e naqueles de
chefia do Poder Executivo.
14.8. É isso mesmo. Mais do que ser a Lei Fun­
damental do Estado e de todo o povo brasileiro, a
Constituição é a Lei Fundamental de toda a nação
brasileira. Sabido que a nação, por ser a linha invisível que
faz a costura da unidade entre o passado, o presente e o
futuro, é instituição que tanto engloba o povo de hoje
como o povo de ontem e o povo de amanhã. Logo,
à semelhança de cada família em particular, nação é um
misto de idéia e sentimento que faz a contemporaneidade
não perder de vista a ancestralidade nem deixar de se
antenar com a posteridade (“A nação é uma alma; um
princípio espiritual”, disse Renan).

14.9. Assim visualizada como produto dessa reali­dade


atemporal que é a nação, a Magna Lei Federal exprime
uma vontade coletiva que já é transgeracional desde o seu
nascedouro. Vontade que unifica história e geografia
do Brasil por todo o tempo. Por isso que de natureza
permanente, a preponderar sobre a vontade transitória
dos governantes que se sucedem a cada eleição geral.

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O HUMANISMO COMO CATEGORIA CONSTITUCIONAL

CAPÍTULO XV

A Constituição dirigente como


imperativo de reconceituação
das chamadas “normas
constitucionais programáticas”

15.1. Para esse tipo de Constituição assumidamente


dirigente, reduz-se em muito a serventia do proverbial
conceito de normas constitucionais programáticas. Conceito
que as tem como normas de eficácia apenas limitada ou
parcial (é como está no próprio livro que escre­vemos em
parceria com o pranteado Celso Ribeiro Bastos, que a
editora Saraiva publicou, no ano de 1982, com o título de
Interpretação e aplicabilidade das normas constitucionais), mesmo
em se tratando daquelas definidas como “normas-

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tarefa”. Vale dizer, normas que encerram programas


de governo, é certo, porém como uma simples diretriz,
um complacente roteiro, u’a mera indicação para uma
desejável atuação gover­namental. Desejável, mas não
exatamente compulsória.
15.2. Agora, não. Agora a programaticidade tem
que ser vista como descrição dos programas mínimos
de todo e qualquer governo. Antecipado molde para
o recorte de políticas públicas passíveis de ampliação,
sem dúvida, mas não de descarte. Um fazer primeiro
o que a Constituição ordena, impessoalmente, para
somente depois se pensar (havendo folga financeira)
em empreitadas que já signifiquem a personalizada
ocupação da cadeira do Poder por esse ou aquele
bloco de parlamentares, por esse ou aquele chefe do
Poder Executivo. Aqui, bastando que tais empreitadas
(sempre de assento legal) sejam compatíveis com o
Magno Texto. Não o afrontem. Ali, mais que uma fria
ou linear compatibilidade, mais que um simples não-
desrespeitar a Constituição, um somente fazer o que
ela imperativamente deter­mina. Logo, um contracenar
no palco das ações político-administrativas sem a mínima
possibilidade de fuga do script constitucional.
15.3. Nesse ponto é que o novo conceito de normas
constitucionais programáticas exige que elas sejam, mais

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O HUMANISMO COMO CATEGORIA CONSTITUCIONAL

que tudo, o nervo e a carne das programações orçamentárias,


das concretas políticas públicas e dos atos, acordos e
tratados internacionais. Com o que a Constituição se
torna, na prática, o que ela já é em teoria: o mais estru­
tural, abarcante e permanente projeto nacional de vida.
15.4. É assim debaixo de um novo e operacional
conceito (os conceitos operacionais são os que tornam
eficazes os comandos constitucionais) que elas, normas
constitucionais programáticas, passam a encarnar o
máximo de segurança jurídica. Pois já se sabe previa­
mente, em boa medida, o que os governantes deverão
fazer. Inclusive e sobretudo no campo das atividades
econômicas e financeiras, devido a que os empresários
são os agentes sociais mais aferrados à idéia de não-
alteração das regras jurídicas sob cujo vigor fizeram
os seus cálculos de investimentos. Assus­tados como
passarinhos e prontos para fugir como coelhos, segundo
o jargão midiático.
15.5. Acresce que, debaixo desse novo e opera­
cional conceito é que se cria toda uma ambiência
psicossocial exigente de um mais denso conhecimento
da Constituição pelos agentes estatais de proa, já a partir
da respectiva disputa eleitoral. Dado que deverão saber
por anteci­pação — esse é o ponto — que chegarão
ao poder para trabalhar com pautas normativas que

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encerram um quase completo programa de governo e


de administração pública. Inclusive quanto à precedência
valorativa de deter­minadas ações oficiais perante outras,
como, v.g., as consubstanciadoras da idéia nuclear do
mínimo exis­tencial. Ou da “absoluta prioridade” que o
art. 227 (cabeça) impõe aos deveres estatais-societários
para com as crianças e os adolescentes. Aí, sim, fará todo
sentido a solenidade de uma posse presidencial que se dá
mediante “o compromisso de manter, defender e cumprir
a Constituição, observar as leis, promover o bem geral
do povo brasileiro, sustentar a união, a integridade e a
independência do Brasil” (art. 78 da Carta de Outubro).

15.6. É certo que nem todo comando do tipo


programático se define como norma-tarefa ou de
antecipada política pública (a programaticidade ainda
marca presença nos dispositivos que veiculam princípios
estruturantes e fins a alcançar, conforme se lê em Normas
constitucionais programáticas, p. 253, Editora Revista dos
Tribunais, da autoria de Regina Maria Macedo Nery
Ferrari). Mas o que importa é a nova atitude para vê-las,
dogmaticamente, como orde­nações que se entrelaçam
para compor um quadro de inescapável vinculabilidade
estatal-societária. Mais estatal do que societária, sem
dúvida, mas que pelo menos aí nesse âmbito do Estado

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elas se revistam da sua necessária dimensão operativa.


Como tudo que é feito para alcançar o plano das
ocorrências fáticas.10

10
Verdade é que não se pode obrigar o legislador a legislar. Mas,
ainda aqui, a Lei Republicana de 1988 contém eficaz remédio
para tal inapetência legiferante. Por isso que aviou o receituário do
mandado de injunção, de modo a possibilitar ao Poder Judiciário
preencher o vácuo de legislação com um tipo de sentença que,
excepcionalmente, se define como de aplicação primária da
Constituição (sem a intercalação da lei, portanto). Embora válida
tão-somente para as partes em litígio. E se considerarmos que
somente cabe a impetração do mandado injuntivo no pressuposto
de uma norma constitucional “de eficácia limitada” que deixou de
ser regulamentada, não faz sentido responder a esse tipo de norma
de eficácia limitada com uma sentença igualmente de eficácia
limitada... A decisão judicial tem mesmo de ser mandamental em
plenitude.

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O HUMANISMO COMO CATEGORIA CONSTITUCIONAL

CAPÍTULO XVI

O Poder Judiciário
como garantidor
da Constituição dirigente
e do humanismo

16.1. Acontece que a Constituição, por mais humanista


que seja, por mais que ela prestigie a Democracia de três
vértices, não pode fazer o milagre de atuar sem os seus
humanos aplicadores. São eles — e somente eles — que
particularizam por modo progressivo os comandos dela
constantes. Particu­larização que obedece à seguinte e
natural ordem cronológica: principia com os atos do
Poder Legis­lativo, passa em imediata seqüência pela

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atuação do Poder Executivo (ou dos particulares que


atuam, ou deixam de atuar, após a edição do Direito-lei),
para terminar nas decisões do Poder Judiciário. Donde
a lógica enumeração que faz o art. 2º. da Constituição
de 1988, a saber: “São três os Poderes da União,
independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o
Executivo e o Judiciário”.11
16.2. Se o Judiciário vem nominado por último, é
por se constituir, não-propriamente num aplicador do
Direito-lei em sentido material, mas numa instância que
vai dizer se aquele que elaborou o Direito-lei e o outro
que o aplicou empiricamente (ou deixou de aplicar)
agiram ou não de modo válido. O que já pressupõe
um terceiro momento lógico na vida do Estado e do
Próprio Direito, que é o julgamento. Afinal, jurisdição
em processos de índole subjetiva é exatamente isso: um
aguardar a protagonização dos dois primeiros momentos
lógicos da legislação e da execução para, e só então, aferir
da sua englobada juridicidade.

11
Cogitando-se, porém, dos processos de índole objetiva ou em
abstrato, instaurados por efeito da propositura de uma ação direta
de inconstitucionalidade (ADIN), a atuação do Supremo Tribunal
Federal já se faz por atalho ou per saltum, no sentido de que não
precisa aguardar a prática de nenhuma conduta sub-lege ou de
concreta aplicação de diploma normativo federal, ou estadual.

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O HUMANISMO COMO CATEGORIA CONSTITUCIONAL

16.3. É nessa formatação institucional que o Poder


Judiciário se revela como instância especificamente
garantidora da efetividade dos comandos constitucionais. A
esfera de poder que não pode jamais deixar de sentenciar
(contrapartida necessária da garantia de acesso à jurisdição
ou da não-negação de justiça) e que, na interpretação do
Magno Texto, demarca as fronteiras da válida atuação
dos outros dois Poderes e dela própria. Operando, então,
como escudo ou guardião da Constituição. O que avulta
ainda mais de importância quando se trata do Supremo
Tribunal Federal, esse guardião-mor de toda a ordem
consti­tucional brasileira. Oficiando assim nos processos
de controle concentrado de constitucionalidade como
nos feitos de controle difuso ou desconcentrado.
16.4. De pronto, contudo, advirta-se: para desem­
penhar com autenticidade o seu estratégico ofício, o
Judiciário, ainda mais que os outros dois Poderes,
tem que se apetrechar da sobredita “vontade de
Constituição”. Disponibilizar-se para ela com o fervor
cívico-profissional de quem sente e sabe que:
I – a Constituição que provém de uma Assembléia
Nacional Constituinte eleita pelo voto popular
— caso da brasileira de 1988 — é o mais legítimo
dos diplomas jurídicos. É que tal modalidade de
Assembléia presenta a nação enquanto realidade

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C A R L O S A Y R E S B R I TTO

anterior, exterior e superior ao Estado. Pelo que


a submissão dele, Estado, a deveres e respon­
sabilidades passa a ter um fundamento lógico
superador da idéia de autolimitação; ou seja,
esse fundamento lógico deixa de ser interno
ao Estado para se tornar exógeno, porque
residente na superior vontade normativa da
nação. Por isso que a elaboração constituinte é
o único momento jurídico que vai da sociedade
ao Estado, enquanto todos os outros momentos
jurídicos já são aqueles que vão do Estado à Socie­
dade. Também por isso que a primeira macro-
classificação do Direito Positivo não é aquela que o
tem como Direito Público e Direito Privado; mas,
sim, a classificação que o bifurca em Direito-
Constituição e Direito Pós-Constituição. A
Cons­ti­tuição a ocupar solitária centralidade no
âmbito do Ordenamento Jurídico a que dá início
(início lógico, não cronológico, segundo a irreto­
cável proposição de Hans Kelsen);

II – essa tão legitimada Constituição de 1988 foi


elaborada com o explícito desiderato de “ins­
tituir um Estado democrático” (parte inicial do
preâmbulo da nossa Lei Mais Alta). Mas não
um Estado democrático qualquer. Porém um

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O HUMANISMO COMO CATEGORIA CONSTITUCIONAL

Estado democrático “destinado a assegurar o


exercício dos direitos sociais e individuais, a
liber­dade, a segurança, o bem-estar, o desen­vol­
vi­mento, a igualdade e a justiça como valores
supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e
sem preconceitos, fundada na harmonia social e
comprometida, na ordem interna e internacional,
com a solução pacífica das controvérsias” (ainda
de acordo com os seqüenciados dizeres do mesmo
preâmbulo). Por conseguinte, uma democracia
requinta­damente estruturada para garantir ao País
a melhor qualidade de vida política, econômico-
social e fraternal. Que já é a tradução do mais recor­
rente humanismo e razão de ser da cen­trali­dade
material de que ela, democracia de três vértices,
desfruta no interior da Consti­tuição mesma;
III – o acesso a um Poder Judiciário independente é,
em si mesmo, elemento conceitual do Estado de
Direito, conforme preconizava Giorgio Balladori
Pallieri. Além do que a maior de todas as garantias
constitucionais (Mauro Capelleti, José Afonso
da Silva), porque logicamente condicionadora
da eficácia de todas as outras situações jurídicas
subjetivas.

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C A R L O S A Y R E S B R I TTO

16.5. Melhor motivação de trabalho para o Poder


Judiciário, inconcebível! Estou a dizer: melhor inspi­ração
não pode haver para que os magistrados se postem diante
do Texto Magno com toda reverência, entusiasmo e
gratidão. Até porque a legitimação deles como agentes
estatais de primeiro escalão advém desse mister de
guardar um Diploma que surgiu por efeito de uma
originária e permanente vontade nor­ma­tiva da nação.
Diferente da legitimidade que tipifica os outros dois
Poderes, já resultante de uma quadrienal escolha eleitoral
do povo. E já vimos que a nação é mais do que o povo
aqui e agora, por encarnar uma instância atemporal de
poder. A instância em cujas mãos invisíveis é manejada
a também invisível agulha com que se costura a unidade
do passado, do presente e do futuro de um povo.
16.6. Exatamente por se colocar a serviço da vontade
permanente da nação, depositada no corpo normativo
da Constituição originária, é que a chamada atuação
contramajoritária do Poder Judiciário em nada ofende a
pureza do protoprincípio da Separação dos Poderes.
Como não agride o sumo princípio da Democracia, pois
a majoritariedade que é inerente a ela, Democracia, tem
a precedê-la uma outra e mais alta majoritariedade: a que
provém das decisões tomadas pela nação que se reúne em
Assembléia Constituinte. Por isso que importa conhecer

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a sobe­rania de que trata a Constituição, de uma parte,


e, de outra, a soberania que trata da própria Consti­
tuição (elaborando-a de modo temporalmente inicial,
processualmente incondicionado e materialmente ilimi­
tado). Esta, titularizada unicamente pela nação. Aquela,
dividida entre o Estado e o povo que lhe serve de âmbito
pessoal de incidência das respectivas leis.
16.7. Mas é claro que tal legitimidade judiciária será
tanto mais autêntica quanto sustentada no poder-dever
de reconhecer à Constituição o seu caráter dirigente.
Para que a governabilidade legislativa e executiva seja
tão-só a que verdadeiramente conta: a governabilidade
constitucional. Não outra.
16.8. Esse o desafio do Poder Judiciário brasileiro:
entender que a meta é a fonte. Como no filme de Steven
Spillberg, de nome “A volta para o futuro”, o que incumbe
às nossas instâncias jurisdicionais é fazer a viagem de
volta para a Constituição de 1988, sempre e sempre,
porquanto nos princípios por ela alber­gados e no seu
nítido caráter dirigente é que se tem todo o potencial de
futuridade. O que ainda repercute por modo afirmativo
na auto-estima jurídica de toda a popu­lação brasileira, que
passa a ver juízes e tribunais a home­nagear mais o Direito
que a sociedade fez para o Estado do que o Direito que
o Estado fez (e faz) para a sociedade. Aqui, o Direito

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pós-Constituição; ali, a originária Constituição Positiva,


diploma jurídico tão insimilar que nem número tem.
16.9. Essa oficial e cristalizada compreensão de ser
a Constituição de 1988 um tipo de Direito que atua
diretamente no centro do poder político-administrativo
é tudo de que a Ciência Jurídica precisa para se assumir
como pós-positivista; quer dizer, modelo de Ciência
do Direito que tem nos prin­cípios jurídicos uma
força normativa ainda maior que a das regras, de
par com o entendimento de que os valores nesses
princípios transfundidos são os que mais conferem
uni­dade material à Constituição e promovem a espon­
tânea adapta­bilidade dela às mutações do mundo
circundante. Sem maior necessidade de um formal
processo de emenda ou revisão, portanto.

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O HUMANISMO COMO CATEGORIA CONSTITUCIONAL

CAPÍTULO XVII

Conclusão:
a governabilidade
constitucional como
o clímax da
governabilidade humanista

17.1. Não se diga, todavia, que esse modo mais


orgânico de entender e praticar a Constituição termina
por fazer do Poder Judiciário uma instância de governo
da pólis. Um usurpador de funções que só podem ser
exercidas pelos Poderes eminentemente políticos da
nossa República Federativa, que são o Legislativo e o
Executivo. Não é isso, porque uma coisa é governar
(que o Judiciário não pode fazer). Outra coisa é impedir

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o desgoverno (que o Judiciário pode e tem que fazer). É


como falar: o Judiciário não tem do governo a função,
mas tem do governo a força. A força de impedir o
desgoverno, que será tanto pior quanto resultante
do desrespeito à Constituição.
17.2. O que interessa ao povo, à economia, à nação
e ao Poder Judiciário é essa governabilidade constitu­
cional. Governabilidade que, tornada uma práxis,
corresponderá ao clímax do humanismo. O clímax
do humanismo e da democracia de três vértices em
que ele se consubstancia como categoria jurídica. E
tudo a depender de u’a Magistratura que se assuma
como reverente, entusiasmada e orgulhosa escudeira
de uma Carta Política não por eufemismo chamada
de “Constituição cidadã” e “Constituição-coragem”
pelo parlamentar que mais esteve à frente da epopéia
constituinte de 1986/1988: Ulysses Guimarães.
17.3. Que o fecho deste pequeno livro passe pela
afirmativa — agora feita — de que o Sistema Jurí­dico
brasileiro tem virtualidades emancipatórias que há
muito estão à espera de aplicadores que se disponham a
auscultá-lo com o tensiômetro da consciência. Consciência
que tem como ponto de partida, não o Congresso
Nacional, não o Palácio do Planalto, menos ainda a Casa
Branca ou o Palácio de Buckingham, mas o sensível e ao

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mesmo tempo destemido coração de cada juiz. Esta a


razão pela qual Martin Luther King, ao visitar um país
estrangeiro e ser informado da excelência do Direito
Legislado ali produzido, res­pondeu: não quero saber
das suas leis. Quero saber dos seus intérpretes.
Brasília, 4 de setembro de 2007

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Esta obra foi composta em fontes Garamond e ClearyGothic Light,
corpo 7 a 22 e impressa em papel couchê fosco 90 g (miolo) e
Supremo 350 g (capa) pela Gráfica e Editora O Lutador.
Belo Horizonte/MG, agosto de 2012.

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