Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
DESENHOS
E OUTROS TEXTOS EM PROSA E VERSO
GUILHERME COPATI
LUÍZA LAMAS
ROSELI BARROSO
VALÉRIA BERGAMINI
(Orgs.)
2014
INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO SUDESTE DE
MINAS GERAIS
CÂMPUS BARBACENA
com outras artes no contexto acadêmico que se revela a nós no cenário contemporâneo.
local em que nem sempre há oportunidades suficientes para a revelação dos talentos
sintomático de uma sede pela escrita o fato de muitos alunos de nosso Câmpus
manterem blogs e postagens de seus trabalhos em redes sociais, o que nos levou a
perseguir o sonho de reunir alguns trabalhos em um livro – volume físico, papel na mão,
estreitar as ligações entre a comunidade acadêmica e a civil, cumprindo, assim, com uma
país.
3
Eventos do Câmpus Barbacena, setores sem os quais a idealização e divulgação desse
especial aos professores que se dispuseram a ler e avaliar os textos recebidos. E, é claro,
a todos aqueles que colocaram em nossas mãos seus mais preciosos escritos e
desenhos. Sem vocês, esse livro continuaria sendo um sonho, apenas. Somos muito
A Comissão Organizadora.
4
PREFÁCIO
CADERNO DE DESPEJO
conto que dá título a este volume, escritores diferentes pintam, aqui, quadros dos mais
singelos aos mais brutais, e nos oferecem figuras móveis e cambiantes, sentidos
encontrados e perdidos, palavras exatas e inexatas que desfilam diante de nossos olhos
das rosas são as mesmas que derramam tintas mórbidas e obscuras sobre o caixão de
uma professora, em cores que escorrem do céu de uma cidade interiorana que presencia
um violento assassinato. O vestido branco da noiva que cavalga noite adentro é, quem
sabe, do mesmo pano de que se fez o coração dilacerado da mulher que desenha o céu
página a página, mas desencontrados e inertes, automáticos e azuis – inefável cor que
escapa da tela fria dos computadores que dominam mundos apocalípticos e pós-
5
O contato efêmero com o corpo do outro, metaforizado no abraço nunca
sinos dobram em cores arfantes e os sons pintam o céu e as galáxias, ora correndo,
escritor. Sanidades questionadas, busca-se despir da roupa, da pele, da cor, até que se
caos e à observação lúdica das imagens escritas, resta-nos a reflexão metamórfica sobre
As cores deste caderno são camadas de corpos que se vão arrancando. Fulguram
e gritam de dor e desejo. Despejam-se sobre nós como banho de tinta fervente que
Guilherme Copati
6
ÍNDICE
TEXTOS PREMIADOS
Primeiro lugar
Des(p)ejo PÁGINA 10
Autora: Deborah Walter de Moura Castro
Pseudônimo: Ma. Ira
Segundo lugar
Mulher PÁGINA 11
Autora: Tailinier Maria Mística Pereira
Pseudônimo: Mary Wollstonecraft
Terceiro lugar
NINHO – fragmentos PÁGINA 12
Autor: Luciano de Carvalho
Pseudônimo: Pássaro Livre
TEXTOS SELECIONADOS
9
Des(p)ejo
10
Mulher
11
NINHO – fragmentos
Luciano de Carvalho
(Pássaro Livre)
Blim-blém, blim-blém
Conversam,dobram os sinos,
soantes, sibilinos
pelo lépido menino
pelo sofrido, padecido
por Jesus, pela cruz que conduz
pela morte, pela sorte,
pelo santo, pelo sagrado manto.
De volta ao ninho
do então pintainho,
contemplo a aldeia.
Ao soar dos sinos,
O eu rei,citadino,
12
não mais menino,
penitente, reverente,
em alma me inclino.
13
Caderno de desenhos
Juliana Matozinhos
(Margaret Delumeau)
14
uma pitada de conservadorismo. Não raro, aparecia com livros dos quais ninguém nunca
ouvira falar, simpatizando com os 1000 tópicos sobre qualquer coisa, livros da história que
não aparece nos livros didáticos, noções de medicina para iniciantes, técnicas de
combate ou o metabolismo das abelhas – sim, isso aconteceu.
Não obstante, o que Suzana realmente apreciava era criar personagens.
Via mágica em cada um deles, na possibilidade de esculpir minuciosa e
carinhosamente cada uma de suas personalidades, cada uma de suas aparências, e,
quando estava sozinha, escrevia também uma conversa. Tomava-os como amigos
imaginários tardios, e, muitas vezes, deixava um escrito ao seu lado para fazer
companhia enquanto encontrava alguma história para ele.
Lembro-me uma vez de ter-lhe perguntado por que escrevia tanto: respondeu
simplesmente que gostava da companhia das letras, embora também desfrutasse das
pessoas. E, então, me ofereceu uma história para ler, tão maravilhosamente bem
imaginada e escrita que nunca mais li outro texto com os mesmos olhos.
Não convivi muito tempo com ela; em pouco tempo, mudou de cidade – talvez
procurando novos ambientes para preencher com suas histórias. Vez ou outra, tive
notícias suas.
Mas eu contentava-me em me lembrar de assisti-la submergir em seu caderno de
desenhos e escrever furiosamente até que o sol baixasse, e só então parar para assisti-lo.
Depois saía andando, cantarolando qualquer coisa e balançando o caderno. Dizia sempre
que gostava de tê-lo por perto, para poder fugir quando sentisse que o mundo estivesse
um pouco cinza.
Por algumas tardes, eu me sentei debaixo de uma árvore com um papel e uma
caneta, na esperança de que o sol também me ajudasse a escrever algum parágrafo que
fosse; nada consegui de tão fantástico – privilégio é de poucos – e eu só ficava ali
sentado, vendo o céu.
Ah, e antes que eu me esqueça: Suzana também gostava do céu.
15
Contato
Tato. Contato
Contando nos corpos
Fissuras, refrescos.
Pedaços molhados
A sentir digitais
Sem malha. Afresco.
Toca. Retoca
Sente o caminho
Caminha nas curvas
Nas formas das uvas
A raposa dos vinhos.
Entra. Penetra
No inconsciente vazio
Da forma inexata
Da maneira insensata
De tanto senso, estio.
Toca. Provoca
Amacia o nervo
Mata a razão
Anima a ação
De corpo em acervo.
16
Instiga. Castiga
A carne perversa
Mostra-me os dentes
Da pureza aparente
Que o pecado alicerça.
Cerra. Encerra
O ato. A crença
A densa presença
A avença imensa
O vício dispensa
Um cigarro.
É hora de acabar.
17
Poema
Vinícius Mahier
(Mahier)
Não ligo!
Chego à porta e sorrio, dono
Nem do meu fumo.
18
Suas mãos
19
Dúvida
20
Rosa última de copas
23 de junho de 1959
19 de junho de 1959
22
– Senhor Prefeito, que andas fazendo com a verba pública esses anos todos além
de pintar a fachada da prefeitura e de outros prédios públicos? – disse Luzia – Não
acredito que a tinta custe tão caro...
A professorinha. Novamente se metendo onde não é chamada e me expondo ao
ridículo, pensava o prefeito. Ainda na semana passada tivera a audácia de invadir seu
gabinete e acusar-lhe de ímprobo. Estava indo longe demais.
– Professora, como já lhe expliquei em outra oportunidade, a prefeitura alimenta os
necessitados do Morro da Pedra e presta assistência às famílias carentes.
– Senhor Prefeito – disse, levantando-se –, ainda assim a verba pública daria e
sobraria para reformar esse velho colégio.
– Pois não dá – sobressaltou-se.
As outras professoras olhavam assustadas. Algumas faziam sinais para que Luzia
se sentasse.
– Não dá porque não quer. Sua família está no poder há gerações e nunca fez
nada. Embolsam descaradamente o dinheiro que nos pertence.
– Ora, professorinha...
– Ora digo eu, Sr. Prefeito. Já cansei de baixar cabeça pros seus caprichos. Só
estou dizendo o que todos pensam, mas não têm coragem de falar.
– Seu pai é homem de bem, professora. Quando souber disso, ficará muito
aborrecido. Peça-me desculpas e fingimos que isso nunca aconteceu.
– Isso é hipocrisia! – exaltou-se – O senhor é quem tem de pedir desculpas ao
povo de Alto do Xopotó por impedir a chegada do progresso.
O prefeito bateu forte na mesa, fazendo com que uma pequena nuvem de pó se
lançasse das laterais.
– Pois agora é que não mando verba nem pras maçanetas. – Dirigiu-se às outras
professoras – Os justos pagam pelos pecadores. Peçam dinheiro a Srta. Luzia, ela deve
ter de sobra.
– Não existe pecado maior que o vosso.
O prefeito apenas despediu-se e avançou para a saída. Um silêncio mórbido
abarcou o colégio.
23
24 de junho de 1959
20 de junho de 1959
Noite de sexta-feira. Café Central. Habitual jogo de cartas com os amigos. Risadas,
chopp, homens falando alto.
– Sua vez, Hernandez – disse o Prefeito.
O outro jogou a carta.
– Ora, Hernandez, assim me complicas a vida... – riu-se.
– Falando nisso, fiquei sabendo que a professorinha continua lhe afrontando.
24
O prefeito sorveu um gole de chopp e disse:
– Isso não é papel de mulher fazer. A rapariga anda me desmoralizando na cidade.
Ah, se fosse minha filha, já teria lhe passado o cinto há muito tempo.
– Alberto Ulrich é frouxo. Não é à toa que perdeu gado, terras e as propriedades
dos velhos Ulrichs. Estão falidos.
– “Essazinha” está fazendo com que as pessoas percam o respeito por mim,
autoridade máxima desta cidade – pigarreou – Ontem, depois que estive no colégio,
enlamearam todo o meu carro. Outro dia jogaram ovos no capô!
– Muito atrevimento...
– Pra mim já foi a gota d’água. – Sorveu mais gole de chopp. – Isso não fica assim.
Não fica...
Levantou-se e depositou, virada, sua última carta sobre a mesa.
– Passar bem, cavalheiros. – Foi-se.
Hernandez desvirou a carta: Dama de Copas.
25 de junho de 1959
Já não era mais aquela tristeza chorosa. Agora era o silêncio penoso de olhar para
a cara dos parentes e querer sair do clima pesado do casarão. Ninguém tocava no
assunto. Nem sequer falava-se um simples “bom dia” ou “olá”. Os Ulrichs se calaram
como nunca se haviam calado antes.
Ali, sozinho, debaixo da velha copaíba do quintal, Luiz Fernando pensava nos
acontecimentos dos últimos dias. Era difícil acreditar. Parecia que tudo fazia parte de um
pesadelo o qual se findaria ao despertar de um novo dia. Mas qual, vira com seus
próprios olhos o corpo de Luzia estendido na sarjeta, o sangue a escorrer-lhe pelo corpo e
percorrer o mesmo caminho das imundícies da rua. Tocara-o e sentira-o inerte, sem vida.
Recostado ao tronco, cabeça inclinada e braços largados, via-se submetido a uma
resignada aceitação. Parecia um ser sem sentimentos, oco. Não tinha forças, ou
coragem, de chorar e expurgar de uma só vez aquilo tudo que vinha sentindo, nem de se
levantar e continuar a vida.
25
Em pensar que Luzia voltava do Morro da Pedra onde estava fazendo caridade,
levando roupas e mantimentos pros miseráveis. E o que recebera em troca? Aquilo... A
polícia, naturalmente, não faria grandes esforços para resolver o caso. Em alguns meses,
as pessoas parariam de comentar o assunto e o episódio, aos poucos, seria esquecido.
Para sempre. Logo, também, a figura de Luzia seria esquecida. A mulher, a única com
audácia e bravura de lutar pelo que acreditava em uma terra de submissão e medo. Uma
voz de esperança calada brutalmente. Mas não haveria de ser em vão. Só seria em vão
se sua memória fosse enterrada junto a seu corpo. Alguém teria de dar continuidade ao
novo caminho iniciado por ela. Sim, inspirar seus anseios e lutar com o mesmo alento.
Luiz Fernando levantou-se. Uma lágrima escorreu-lhe pelo rosto. Olhou para o céu,
sorriu.
26
Metalinguístico – oração
Gostaria de lhe dizer as mais belas palavras de todas as línguas – até as não inventadas
Substantivos comuns, próprios, abstratos, concretos, primitivos, derivados, compostos e
[coletivos que fossem capazes de a nomear.
Junções de grafias eruditas que exprimissem o furacão etimológico das minhas ternuras
Vocábulos encabulados que gritassem meus anseios por verbos de presente e de futuro
Adjetivos incomuns que caracterizassem todos os micro-detalhes das suas exceções
Artigos precisos que determinassem nada, porém as mais sinceras intenções
Conjunções conjuntas que nos conectassem como dois termos de mesma função
[sintática.
Preposições versáteis que me fizessem, com graça, ser regido pela regente
Numerais exponenciais que não fossem os partitivos ou fracionários, apenas os que nos
[multiplicassem.
Marcas gráficas perenes que nos acentuassem apenas em ditongos bem abertos
Advérbios sem ressentimentos que modificassem os verbos do passado para passarem
[mais ligeiros.
Apostos hiperbólicos que nos explicassem e nos desenvolvessem, entretanto jamais nos
[resumissem.
Predicados bitransitivos que complementassem todos os meus verbos, pois, sem ti,
[tenho sentido incompleto.
Separações silábicas não tão separativas que sempre nos separassem em ditongos e
[nunca em hiatos, excluindo os tritongos.
Períodos compostos que compusessem diversos momentos de completo desfrutamento
[entre nós.
Concordâncias sensatas que sempre concordassem o substantivo “teu nome” com o
[verbo “possuir”.
Fundamentos sintéticos da análise sintática que apenas se preocupassem em nos
[analisar como os únicos sujeitos da oração
27
Estudos atenciosos da fonética que comprovassem que meu “eu” consonantal necessita
[do teu “eu” vogal para emitir os sons da boa-ventura
A única salvação gramatical que me resta para reconquistá-la são meus vocativos
[desesperados que suplicam pelo seu retorno:
– Lindinha, venha cá!
– Florzinha, volta pra mim!
28
Desamor ao próximo
29
De fato o amor, assim como os discos de vinil,
Assim como as serenatas embaixo da janela,
Aqui, hoje e agora, simplesmente sumiu
E devemos sentir luto por sumir coisa tão bela.
30
Nem sei dessa pressa toda
31
Poema ex(corrido)
Desculpem,
Não tinha reparado, na verdade não tenho parado
É o preço que tenho pago por te deixar tão de lado.
Me esquecendo
Abafando ou ignorando aquilo que acho belo.
32
Efêmero
Bernardo passava a maior parte de seu tempo lendo nas sombras calmas de uma
grande árvore profundamente enraizada, a alguns metros do Campus de sua
universidade, mas não havia sempre sido assim. Houve uma época na qual não se
interessava muito por palavras, conceitos ou ideias. Apenas vivia aventura após aventura
mergulhado em álcool e mulheres de índole duvidosa. Se alguém perguntasse, ele não
saberia dizer porque havia mudado. Porque, subitamente, livros de filosofia passaram a
interessá-lo, porque pensar nas coisas havia passado a fazer sentido. Ele havia
abandonado tudo, as festas, as bebidas, a diversão e, ele gostaria de dizer, a leviandade.
Mas, depois de apenas alguns meses, ele havia percebido que não havia real diferença
entre o que fazia antes e o que fazia agora, pois, no fim de tudo, quando retiramos o pano
enfeitado com rendas, quando retiramos as cores, quando rasgamos a pele e a carne,
quando enfrentamos o medo ou ele simplesmente nos abre os olhos com um tapa na
cara, tudo o que vemos são ossos. Brancos, lisos perfeitos.
E este não é o fim.
Os ossos também desaparecem, sua existência é tão efêmera quanto uma bolha de
sabão. O que sobra no final é apenas pó. Palavras, conceitos, filosofia, orgias, beijos,
amor, ódio, roupas, casas, bandeiras, ideologias, patriotismo. Tudo um gigantesco
amontoado de pó, encerrado no âmago dos seres humanos, e Bernardo tentava
compreender, de todo coração, o medo das pessoas do vento que eventualmente viria
para levar tudo isso embora.
Para que tantos alicerces? Para que tantas convicções? Para que a alma? Como
alguém pode passar uma vida inteira tentando preencher algo inexistente? Como alguém
pode afirmar tê-lo feito? Como tolos podem acreditar? Como um simples homem pode
criar um rebanho de milhões sob um pedaço de pano chamado bandeira? Como um
homem pode enriquecer até vomitar notas sujas em um carpete de veludo apenas sob a
crença em uma entidade muda, invisível e ausente?
Sua namorada, Débora, subia a pequena colina em sua direção. Sim, ele possuía
uma namorada, e ela sempre sabia como encontrá-lo. O vento de fim de tarde balançava
33
de maneira preguiçosa as folhas e seus longos cabelos loiros, e Bernardo se sentia
especialmente chateado sobre os pensamentos que cruzavam sua mente enquanto a
olhava sorrir de longe. Ele imaginava o que havia por baixo, mas não da maneira como a
maioria dos homens imaginaria. Sim, ele retirava suas roupas com a imaginação, mas
isso não era o fim. Retirava sua pele, retirava seus músculos, até ver apenas os ossos.
Imaginava o crânio por debaixo dos olhos azuis, dos lábios meio abertos, de suas
bochechas rosadas. Imaginava tudo aquilo virar pó e ser varrido, e a noção de tempo
abarcava sua mente num abraço indesejado. Não havia beleza no efêmero, não havia
beleza em lugar algum, pois nada era eterno.
Bernardo olhou seus pequenos sapatos rosa amassando a grama e um sentimento
de nostalgia irrompeu em seu cérebro. Ele não fez esforço para rechaçá-lo, pelo contrário,
saudou-o como um substituto aceitável para todo aquele alvoroço em sua mente.
Bernardo olhou uma última vez. Ele tinha pena de Débora, tinha pena de seus sapatos
rosa e seus cabelos loiros. Bernardo tinha pena de si e de todo o resto. Apenas pó
esperando para ser varrido pelo vento vazio da ausência de sentido.
- Olá, Bernardo - disse Débora, um pouco ofegante devido à subida.
- Olá, Débora - respondeu Bernardo, com seu sorriso honesto e encantador.
- Vamos para casa?
- Por que não se senta um pouco, meu amor?
Débora sorriu.
- Você não pretende me ensinar sobre esses livros estranhos que lê, certo?
Bernardo sentiu-se realmente feliz pela pergunta, sem saber muito bem por quê.
- Não, Débora, quero apenas sentir o vento e seu corpo contra o meu nesse
momento tão belo, para que eu possa me recordar disso daqui a anos, quando talvez a
vida não seja tão agradável quanto agora.
Débora deu uma risadinha muito graciosa.
- Você é estranho às vezes, Bernardo.
- Nunca se sabe, querida. Nunca se sabe quando veremos outro céu como este.
34
Psique
Minha alma é invadida por uma profunda inquietação, uma angústia, destas que
não tem um porquê, uma razão.
São estas e aquelas que nos tiram o sono, roubam a paz!... Fragmentos do
passado, fantasmas do presente ou até bem mais.
A escuridão como um véu na madrugada, um frio constante em incessantes e
delicadas rajadas de vento, acaricia meu rosto, em face da solidão do momento... Solidão
eterna em horas... Perpétua em segundos...
Tudo está em seu lugar, mas há uma desorganização severa no compasso das
coisas. Mensagens que gritam em um silêncio absurdo da razão, do que não pode ser
entendido pela expressão humana. É o vazio que transpassa a mente, é o coração que
arde em brasas de incertezas.
É certo que nada vem da pureza, é sabido que não tem nada a ver com sonhos
materializados em sono profundo. É só um sussurro perto do ouvido, da forma e jeito
como se compartilham segredos.
Esta voz que não vem de dentro do meu ser, não fala de amor ou prazer, sugere
traição. Impõe em minhas narinas o cheiro da morte.
É perverso o inconsciente que te conta historinhas em reflexo da verdade. Mesmo
pelo mal entendido, avisado é. É o dedo na ferida, é um espinho no pé!
35
Ser poeta!
36
Quero meu mundo de volta
37
As mãos não têm a quem se unir, abraço frio
O sorriso é somente para poses, para fazer um selfie.
38
Correndo...
39
Ermitão descobre O Segredo
40
Usou uma velha tela de comunicação, esquecida anos antes na Terra. Quando gravou e
enviou sua mensagem em vídeo para todos os seus irmãos, somente uma mensagem
automática lhe respondeu:
– Se você vê esta mensagem, saiba que estamos passando por uma situação urgente.
Os alienígenas encontrados no quinquagésimo exoplaneta, denominados Dragões, estão
vencendo a guerra conosco. Nossa raça bate em retirada para o sistema solar, nossa terra
natal. Precisamos de cada braço nesta nova luta travada pela vida de nossa espécie.
O Ermitão percebeu que a mensagem era repetida infinitas vezes há pelo menos cinco
anos. Então, ele soube, em seu âmago, que todos os seus semelhantes estavam mortos.
Soube que ele era o último de sua espécie. Mas lamentou apenas que não tivesse tido tempo
de falar para todos sobre O Segredo que descobrira. O Ermitão havia descoberto novamente
o amor, o respeito por outras formas de vida. Ele encontrou tudo nos livros e sonhou que a
humanidade pudesse ser como os índios um dia foram: amantes de todas as formas de vida e
capazes de viver em harmonia com elas, sem obliterá-las.
Uma escolha seria tomada pelo Ermitão. Seus olhos fundos, cingidos por uma pele
cinza e enrugada, brilharam com a possibilidade de ele ser considerado um Deus algum dia.
Para isso, ele só teria que programar uma Máquina de Produção da Vida com seu material
genético para que fossem criados seus clones. Essas máquinas estavam espalhadas aos
milhares pela Terra, e elas funcionavam por bateria. Não deveria ser difícil achar alguma
funcionando. Elas eram capazes de produzir clones com qualquer idade desejada, e, para
proliferar a humanidade novamente, só bastaria produzir clones fêmeas recorrendo ao banco
de dados da Máquina.
O Ermitão pensou muito e chegou a uma conclusão. Concluiu que sua espécie era
portadora de uma mácula terrível: a ganância. Ele decidiu findar isso. Porém, eliminar a
mácula deveria ser algo feito de uma forma poética, e O Ermitão partiu para uma busca. E
encontrou o que buscava numa velha farmácia.
O Ermitão, amante de livros, levou a substância letal à boca, deitou-se no chão frio,
fechou os olhos e pensou:
– Como em Romeu e Julieta... – E partiu para um eterno sono profundo, sonhando com
formas de vida realmente inteligentes que talvez existissem. Formas de vida que entendem e
respeitam outros seres.
41
Despertar
42
Coração de tinta
Risco...
E em um traço certeiro, torno-me forte!
Cubro-me de tintas, colores, tantas coloro-te.
Rabisca-me suas ofensas...
Apago-as.
Pinto de branco suas palavras...
E faço heróico seu silêncio!
Louvável silêncio...
Oro.
E na fina tela arrasto meus cabelos,
Tingidos de velho... Apenas tingidos...
Assopro, assombro, acolho.
No preto há quem me veja,
E no claro há quem se esconda.
Beijo o breu, o vinho e a sujeira... Que também é minha!
Suo em sua sala...
Exponho-me à observação.
Risco nua sua aparência;
Agita os instintos!
Seus lábios confundo...
Seus ombros construo.
Seu corpo assumo!
Levanto escravos pincéis,
Desmancha a mim, todo e qualquer resto!
Perco-me nas cores, e também nelas me acho!
Confuso e trágico coração de tinta!
43
Plural é melhor
44
Rever amigos que há muito andam sumidos
E elogiar (sinceramente!) faz tão bem
São coisas simples que arrancam um sorriso
Daquela pessoa que te quer tão bem.
45
Nightmare
Lidia Oliveira
(Flor-de-lis)
Recuo no espaço.
Gelado canto do quarto
animal ameaçado.
Recuo do medo que me pressiona
contra a parede.
Faço força,
contrária à saída da porta
estagnada pelos ponteiros.
Correria do frio constante
não me fossem as pálpebras escuras.
E se o medo é uma pressa
que vem de todos os lados,
Rosa não me pode salvar.
As pétalas me tocam os pés
com secura e sem perfume.
De onde vêm as mãos
que me sufocam o crânio?
Buscando a explosão
desse grito abafado.
Não me posso salvar, ruído.
Carcaças mentais aflorando
nas paredes.
Já posso acordar.
46
A lenda do contador de histórias
André Geraldo de Sá
(Alves de Oliveira)
Há pessoas nas Minas Gerais de extremo talento oratório, que são capazes de
criar exímias histórias. Durante a minha estada na fazenda Recanto do Luar, pude
conhecer Seu Gregório e suas surpreendentes e aterrorizantes histórias. Era quando a
noite caía, e nos reuníamos em volta da fogueira, que Seu Gregório tomava a voz do
ambiente para si; e nós eu, moradores e empregados da fazenda lhe emprestávamos
os ouvidos. Éramos todos a plateia daquele homem, que com sua narração, nos
transportava para diversos lugares dentro da sua cabeça, como em uma viagem de trem.
Foi em uma noite de lua cheia que presenciei a mais pavorosa história que jamais ouvi.
Sim, digo presenciei pelo fato de que coisas sobrenaturais aconteceram enquanto eu
ouvia mais uma história de Seu Gregório. Lembro-me ainda daquela história e dos
sentimentos que despertara dentro de mim; assim ela me foi contada:
Clara era uma jovem mulher que sonhava com um marido. Como morava na
fazenda, distante da cidade e de outras fazendas da região, ela sentia necessidade de
cavalgar pelos campos à procura de amizades e amor. O Coronel Antenor é que não
gostava de ver a filha cavalgando por terras que ela não conhecia. Tinha medo de que ela
encontrasse, pelo caminho, malfeitores, que dela poderiam se aproveitar. Foi quando
Coronel Antenor descobriu que Clara havia conhecido Seu Rafael, e com ele se
encontrava todas as tardes. Desse modo, resolveu proibir a filha de cavalgar para longe
da fazenda.
Mas, pai, que mal há em cavalgar com Seu Rafael?
É que esse moço é filho de Quirino, e esse homem já aprontou tanto que só tem
o meu rancor e meu ódio. E, sabendo Quirino que o filho cavalga com minha filha por aí, é
capaz de querer fazer alguma maldade só para me aborrecer. Então, trata de não
encontrar nunca mais esse Seu Rafael. E, se faço isso, é porque quero o seu bem.
Até esse momento, prestava eu atenção à história com certa curiosidade. As
pessoas à minha volta não faziam um ruído sequer, pois sabiam que uma história
memorável começara a se desenvolver junto ao calor do fogo. Nosso narrador continuou
47
a contar:
Clara, por se sentir injustiçada pelo castigo imposto, devido à desavença do pai e
de Quirino, um dia mandou um menino da fazenda entregar uma carta a Seu Rafael. Na
carta, estava combinado um lugar próximo à fazenda para um encontro na manhã
seguinte. Clara se aprontou logo, e tão bela se pôs a cavalgar para o campo, a oeste da
fazenda. Eu estava tão imerso na história de Seu Gregório que, no exato momento, ouvi
os cascos do cavalo de Clara castigando o chão em seu galope. Porém, ela não
encontrou Seu Rafael nesse dia, e nem nos próximos dois meses. Clara vivia agora
trancada no quarto; estava tão magra e pálida, parecendo muito doente, como se já
esperasse a morte chegar. Coronel Antenor se compadeceu, e resolveu dar uma festa na
fazenda para a filha, que faria aniversário na próxima semana. Matou um porco, chamou
os violeiros e sanfoneiros, deixou um cartaz na cidade; queria a fazenda cheia, em festa,
para ver de volta a alegria da filha. E, então, uma festa como um baile de máscaras
aconteceu; porque Clara se julgava tão feia, que somente aceitou a festa sob condição de
que pudesse esconder o rosto. Eu mesmo ouvia as músicas em meus pensamentos.
A festa se estendeu por toda a noite, e, ainda de madrugada, Clara não parecia
feliz. Comera pouco e recusava os convites para dançar. Somente havia dançado com o
pai aquela noite, algumas músicas, ficando sentada no banco encostado à parede na
maior parte da festa. Coronel Antenor foi tomado pela tristeza da filha e imaginou que
Clara jamais teria um sentimento de felicidade. Eu, ouvindo a história, já sentia pena da
jovem mulher. Nesse momento, percebi alguém sentado num banco mais distante.
Parecia uma moça e estava sozinha no escuro. Somente via o branco do vestido a
balançar na fresca brisa da noite. A esta altura da história, Clara foi convidada por um
estranho mascarado para uma dança. Algum sentimento adormecido dentro dela
despertou, e nos braços daquele homem ela se envolveu numa dança graciosa. A dança
era imitada pela mulher de vestido branco que nos acompanhava de longe. Parecia se
divertir com a história, e agora incorporava a personagem Clara dançando solitária.
Coronel Antenor foi tomado de súbita alegria, e a verdadeira festa começou. Todos
dançavam e cantavam, e comiam, e riam, e conversavam, e bebiam, e beijavam, e caíam.
Enquanto a festa continuava, o casal se retirou para fora da casa em busca de
privacidade e caminhavam de mãos dadas enquanto trocavam conversas diversas. Nem
48
foi preciso o homem retirar a máscara para Clara saber que se tratava de Seu Rafael.
Amaram-se durante aquela noite e as outras seguintes, com o consentimento do Coronel
Antenor, que não mais se opunha à felicidade da filha. O casamento foi marcado para o
mês seguinte, e Clara já havia recuperado todo o vigor.
Chegado o dia do casamento, a capela de Nosso Senhor Jesus do Bonfim se
encontrava cheia de gente, de toda a cidade e da roça. O noivo, ansioso, esperava no
altar a sua noiva, que estava atrasada, como acontecia com noivas em tantos outros
casórios. Depois de quase uma hora de atraso, a carruagem da noiva para próxima à
porta da capela, e dela desce Clara exuberante em um longo vestido branco. Coronel
Antenor, tomado pela emoção, acompanhou a filha e a entregou ao genro. Foi quando o
casal se preparava para trocar as alianças que entrou na capela o Quirino, acompanhado
de muitos capangas. Neste momento, a fogueira bruxuleava como se apavorasse e, presa
às toras e o carvão, tentasse escapar. Os estalos estridentes eram como gritos de
lamento e clemência.
Meu filho não vai se casar com essa vagabunda.
E sacou um revólver, disparando contra a jovem Clara. Dois dos disparos atingiram
no peito, enquanto os capangas chacinavam os convidados, que assistiam ao casamento.
Somente o padre e Seu Rafael foram poupados, mas não poupado dos açoites do chicote
de Quirino este último.
Vem pra casa, moleque desobediente.
E foi arrastando Seu Rafael pela capela até que as luzes se apagaram e a porta se
trancou. Do altar, Clara se levantou, e agora, era ela a luz. Uma rajada de vento partiu
dela empurrando tudo e todos contra a parede. Nenhum disparo, e nem as orações do
padre foram capazes de enfrentar a fúria daquela mulher. De sua boca saíram as
palavras:
Devolva-me aqui o meu marido, pois quero cavalgar com ele pelos campos.
E, contra a própria vontade, Seu Rafael foi de encontro à sinistra e branca mulher,
que se recusou a morrer. Clara apanhou um cavalo fora da capela e se pôs a cavalgar
com o marido para os campos, enquanto os moradores da cidade fugiam da frente do
cavalo daquela mulher apaixonada. E, nessa hora, um cavaleiro interrompeu a história,
invadindo o pátio de fora da fazenda e parando ao lado da mulher de branco. Ela subiu no
49
cavalo, e partiram em cavalgada, através da noite de lua cheia. Eu mal pude compreender
se aquela história era real, ou se teria escapado da mente de Seu Gregório. Nosso
narrador jogou água na fogueira e nos chamou para dentro da casa:
Vamos nos deitar, não traz bom agouro interromper o amor destes dois.
Deixemos que cavalguem alegremente pelos campos; e, se outra vez os encontrarem,
deem a eles os devidos cumprimentos e desejos de felicidade.
50
Abraçar-te
51
Anseios
52
Amizade
53
Dia do abraço
54
Momento...
55
São momentos que sustentam quem sou e me revigoro.
56
Pátria Minha Pátria
57
Hospitais psiquiátricos
Valéria Bergamini
59
Os autores
Arquimedes Dias cursa o 7º período do curso de Polyanna Riná Santos é formada em Direito pelo
licenciatura em química no IF Sudeste MG – Instituto de Ensino Superior: “Presidente Tancredo
Câmpus Barbacena. Grande fã de Ficção Científica de Almeida Neves” e é estudante do primeiro
e Fantasia, aprecia muito a obra de autores como período de Licenciatura em Letras (Português e
George R. R. Martin e Douglas Adams. Espanhol) do IF Sudeste MG - Câmpus São João
del-Rei.
Vinícius Ribeiro Alves é aluno do 3º ano do ensino Ana Carolina Dias é estudante de Letras pela
médio da Escola Estadual Joaquim Afonso Universidade Estácio de Sá, professora de Língua
Rodrigues em Carmo da Mata - MG. Além de Inglesa na escola CNA Barbacena, Técnica em
escrever poesias, é artista plástico. Secretariado pelo IF Sudeste MG – Câmpus
Barbacena, cantora e compositora.
60
Lídia Oliveira é graduanda em Letras pela André de Sá tem 24 anos e está se graduando em
Universidade Federal de São João del-Rei. História pela Universidade Federal de São João del-
Rei.
Kakau Souza é formada no curso Técnico em Deivide Almeida Ávila é formado em Música pela
produção de eventos pelo Hotel SENAC Grogotó Universidade Federal de São João del-Rei e aluno
MG. Aluna na escola de teatro Rotunda Cia Elas por do primeiro período de Licenciatura em Letras
Elas. (Português e Espanhol) no IF Sudeste MG –
Câmpus São João del-Rei.
Diana de Oliveira cursa o 3º ano do ensino médio Simone Mara da Rocha Oliveira é formada em
na Escola Estadual Amilcar Savassi. Letras pela Universidade Presidente Antônio Carlos
de Barbacena e atua como Gerente Administrativo
da Câmara de Dirigentes Lojistas de Barbacena há
15 anos.
Mary Mendes Camilo é graduanda em Ciências Dulcineia Beatriz Oliveira é formada curso Normal
Biológicas pelo IF Sudeste MG – Campus Superior pela UNIPAC- Barbacena, com
Barbacena e é Técnica em Ecologia e Meio especialização em Psicopedagogia - FIJI e aluna
Ambiente e Segurança do Trabalho. curso Técnico em Agropecuária do IF Sudeste MG –
Câmpus Barbacena.
Bruno José Rufino é estudante do curso de Hemerson Alves de Faria é formado em
Administração do IF sudeste MG - Campus Licenciatura em Ciências Agrícolas pela
Barbacena e diretor de Marketing da empresa Ello Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro -
Consultoria Jr. UFRRJ, Mestre em Melhoramento Animal pela
Universidade Federal de Lavras – UFLA e
Professor de Zootecnia e Genética no IF Sudeste
MG – Câmpus Barbacena.
61
Os avaliadores
Os organizadores
62
63
Impressão e acabamanto
Gráfica ......
Endereço e contato
64
“As cores deste caderno são camadas
apagada.”
Guilherme Copati
65