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Michael W.

Apple

Políticas Culturais e Educação


Michael W. Appls
É professor "John Bascom" de Cumculo e Instrução e de Estudos
de Política Educacional na Universidade de Wisconsin, em
Madison. Antigo professor dos ensinos primário e secundário e
antigo presidente de um sindicato de professores, trabalhou com
governos, educadores, sindicatos e grupos de activistas e dissi-
dentes em todo o mundo, a fim de democratizar a investigação,
as políticas e as práticas educacionais. Entre a sua vasta obra,
encontram-se Ideology and Curriculum, Education and Power,
Teachers and Texts, Oficial Knowledge e Dernocratic Schools.

Anita Oliver lecciona na Escola de Educação da Universidade


de La Sierra.

Christopher Zenk está a fazer um doutoramento e é activista


educacional na Universidade de Wisconsin, em Madison.

Políticas Culturais e Educação


Existe a convicção de que as soluções "liberais" falharam e de
que as respostas para os problemas sociais residem num retorno
às políticas e aos valores conservadores. A medida que esta
ofensiva conservadora vai ganhando força na educação, o pró-
prio sistema público de educação tornou-se alvo de ataques.
Michael Apple proporciona-nos uma análise profunda dos actuais
debates e, consequentemente, faz a denúncia das propostas de
mudança apresentadas pelos conservadores. Apple dá-nos a
conhecer as causas e os efeitos resultantes da integração das
escolas nessa política e mostra quem poderá ser considerado
vencedor e vencido à medida que a restauração conservadora se
for fortalecendo. Longe de defender o status quo, Apple sustenta
que a índole conformista e burocrática de muitos sistemas edu-
cativos tem, de facto, empurrado as pessoas para uma política
de direita. "Contudo", diz ele, "numa 6poca em que nos confron-
tamos com o desmantelamento maciço das conquistas que têm
sido alcançadas, no que se refere a segurança social, direitos das
mulheres, racismo, sexo, sexualidade e conhecimentos que
sobre esses conceitos são ensinados nas escolas, A fundamental
assegurarmo-nos de que estas conquistas sejam defendidas".
Com esta dupla perspectiva, a presente obra constitui uma
defesa eloquente da possibilidade de uma educação pública
mais democrática.

Na capa: Pintura de Acácio Malhador


políticas Culturais e Educação
I

L ? L E C Ç Ã OC I Ê N C I A S D A EDUCAÇÃO- I

~w+Asc\%o
d por Maria Teresa Estrela e Albano Estrela

Michael W. Apple k

Políticas C iiltiirais e E tliica~ão

PORTO EDITORR
I ~ í t u l o POLITICAS
: CULTURAIS E EDUCAÇÃO
Autor: Michael W. Apple
Tradutor: Joáo Menelau Paraskeva
Design gráfico: Isabel Monteiro
Capa e frontispício: E. Aires Design
Na capa, Pintura de Acácio Malhador
Editora: Porto Editora 1

Título da edição original: Cultural Politics and Education


Edição original: ISBN 0-8077-3504-3 (cloth). - ISBN 0-8077-3503-5 (pbk.)
Publicado por: Teachers College Press
1234 Arnsterdarn Avenue, New York, NY 10027
O 1996 by Teachers College, Colurnbia University

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capítulo i 1 Educação, Identidade e Batatas Fritas Baratas 25
"Eles" não são como "nós" 31
Culturas hegemónicas 41
Políticas culturais e educação 45

Capítulo 2 As Políticas do Conhecimento Oficial: Faz Sentido a Ideia de


um Currículo Nacional? 49
53
Entre o neoconservadorismo e o ne 56
Currículo, avaliação e uma cultura comum 61
66
68

Capítulo 3 1 Tornar-se "Direita": A Educação e a Formação de


Movimentos Conservadores (com Anita Oliver) ........ . . 73
Compreendendo os movimentos de "Direita"
Formações "acidentais"
Um mundo perigos
A formação do Est
Profissionais e censores
A construção de uma D
A política de identidade e o Estado
Tem que ser deste modo

Capítulo 4 Realidades Norte-americanas: Pobreza, Economia e Educação


(com Christopher Zenk)
. . Encarar seriamente a economia
Realidades norte-a
A estrutura actual do trabalho assalariado
A economia futura
A experiência do trabalho assalariado
Colocar a culpa em quem a tem
Capítulo 5 1 Conclusão: Tirando Proveito da Reforma Educacional 133
Conexões mal interpretadas
O prático e o crítico

Nem tudo é local


L

Bibliografia ..... 163

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Prólogo

Um dia, John Dewey escreveu: "O pré-requisito específico para a plena e livre uti-
hzação do método de recolha de informação é uma sociedade em que os interesses
de classe, decorrentes da experimentação social, se encontrem abolidos. Tal é incom-
i3 pativel com toda a actividade e filosofia social e política, bem como com qualquer sis-
tema económico que aceite a organização em classes e os direitos adquiridos por
essas classes na sociedade."'
A análise de Dewey, tanto na forma como no conteúdo, mostra as características
cldssicas daquilo que, com toda a justiça, se denomina uma filosofia pública de edu-
cação. Durante toda a sua vida de trabalho, Dewey estimulou, incessantemente, uma
prática de investigação educacional em que as problemáticas da formação, e da
reformação, da vida pública fossem interpretadas através de um raciocínio relaciona1
sobre as conexões existentes entre economia, política, cultura e escolarização, já que
os modelos de investigação educativa são distintos, quer quanto ao ponto de partida,
quer, geralmente, quanto ao ponto de chegada.
Na obra Políticas Culturais e Educação, Michael W. Apple prova, uma vez mais, a
sua pertinência como um praticante desta tradição crítica sobre o conhecimento pro-
gressista e a educação pública. Inicialmente concebido para a conferência sobre John
Dewey, em 1992, Políticas Culturais e Educação centra-se na compreensão do que
conduz: a manutenção de determinadas atitudes, historicamente contextualizadas; as
tensões existentes entre as consequências globais e locais do capitalismo colectivo
internacional; ao desenvolvimento e a formação de movimentos conservadores esta-
tais e sociais; a retórica e a política concreta de "reforma" curricular e escolar.
A própria análise de Apple, que assenta na abordagem estruturalista e em diver-
sas perspectivas pós-modernas, configura um quadro de investigação educacional
baseado em relações criativas das tradições teóricas.
No centro desta problemática, a sua obra Políticas Culturais e Educação debruça-
-se sobre as questões que se vão formulando em torno da teoria e da prática, permi-
tindo determinadas formas de educação pública, num mundo que, cada vez mais,
celebra a diferença e, simultânea e perniciosamente, a reforça.
Porventura, a questão nuclear de todos os estudos críticos sobre a educação
repousa no facto de que todas as verdadeiras teorias educacionais são teorias de
democracia e todas as verdadeiras teorias democráticas são teorias da educação.
Michael Apple retoma esta questão com uma voz original; a voz que espelha uma
análise rigorosa e uma preocupação compassiva.
Políticas Culturais e Educação é uma obra de valor inestimdvel para todos aqueles
que se consideram educadores públicos.
James M. Giarelli
Co-chair, John Dewey Lecture Commission

' John Dewey, "The Underlying Philosoply of Education", in William H. Kilpatrick (ed.), The Educational
Frontier (pp. 316-317). The Century Co., 1933, New York and London.
Prefácio

0 s autores não são mecanicamente determinados pela ideologia,


ou pela classe, ou pela história. Estão, todavia, muito inseridos no
seio da história das suas sociedades, "moldando e moldando-se por
essa história e pelas suas experiências s ~ c i a i s " ~É. precisamente o que
acontece com este autor e esta obra.
Escrevo este livro numa fase e m que m e encontro envolvido e m
muitas tensões e impulsos. Por vezes, os livros tanto escrevem os
autores quanto os autores escrevem os livros. Este, concretamente,
inscreve-se e m ambas as situações.
O livro começou por ser u m esboço para a Conferência John
Dewey, para a qual fui convidado pela John Dewey Society e, poste-
riormente, foi apresentado como comunicação na AERA3 e no "Teachers
College", na Universidade de Columbia. Inicialmente, v i o meu tra-
balho sob duas facetas: solidificar os argumentos defendidos no livro
Official Knowledge4, acerca das tendências conservadoras e m edu-
cação, e na sociedade e m geral, e expandi-las para abordar, de uma
forma mais especfica, as propostas de u m currículo nacional, testes
nacionais e planos "choice"~omercializadosnos Estados Unidos.
Estou profundamente preocupado com estas supostas reformas. Se
bem que a obra Políticas Culturais e Educaqáo contemple estas duas
facetas, como frequentemente acontece, a minha tarefa complicou-se
rapidamente.
Ninguém - e eu, não, de certeza - pode abarcar toda a complexi-
dade da educação. Ainda que este livro represente e m si a formulação
actual do meu entendimento sobre esta questão, ele constitui, "sim-
plesmente", u m a continuação da minha luta - com o apoio e de
acordo com muitos outros - para compreender e questionar as formas
prevalecentes de desenvolvimento da educação nesta sociedade.
Quanto a este aspecto, o seu progenitor original é o livro O f f i c i a l
K n o w l e d g e . Todavia, as questões que formula encontram-se,

* Edward Said (1993), Clrltlrre and Imperialism, New York: Vintage Books, p. 22.
Associação Norte-Americana de Investigação em Educaqão. (NT)
'Michael W. Apple (1993), Official Knowledge: Democratic Education in a Conservative Age, New York:
Routledge.
Planos ou programas de escolha. (NT)
facilmente, nas obras Ideology and Curriculum, Education and
Power e Teachers and Texts6
Iniciei este livro numa altura e m que tinha acabado de passar uma
temporada n u m campo de refugiados na Bósnia com pessoas (maiori-
tariamente mulheres e crianças) que conseguiram, de algum modo,
escapar de uma situação de morte quase certa.
O que constatei no campo, e as histórias que a maior partr dos
professores muçulmanos bósnios m e contaram, deixou-me com uma
mágoa tão profunda que jamais poderei esquecer. Fiquei também com
uma sensação de gratidão e de admiração como educador. Porque no
meio de privações, receios, desesperos e de uma coragem incomum,
uma das primeiras acções das pessoas que se encontravam naquele
campo foi a construção de uma escola para os seus filhos. Foi u m
indicador fortíssimo que m e fez recordar como a educação é impor-
tante para a manutenção do indivíduo e da comunidade e, ainda,
aquilo que Raymond Williams, de u m a forma tão brilhante, denomi-
nou jornada de esperança.'
Para os argumentos analisados neste livro é extremamente impor-
tante ter e m consideração que a jornada de esperança não se torna
mais facilitada pelo facto de este livro ter sido escrito numa altura e m
que a Direita está a ressurgir, quando parece, basicamente, que temos
dois partidos de Direita nos Estados Unidos da América e quando se
fala da educação, e de tantas outras coisas, como se tudo o que mere-
cesse a pena se reduzisse à competição e ao lucro, o u a u m regresso à
roman tização da "tradição ocidental ".
Actualmente o fundamentalismo religioso de Direita continua a
crescer a adquirir maior influência nas políticas eleitorais, nas políti-
cas sociais e naquilo que os professores ensinarão, ou não, nas esco-
las. O mesmo se poderá afirmar e m relação ao crescente nativismo
racista. Esse discurso racista não se encontra limitado, por exemplo,
aos debates públicos sobre a imigração.
O facto de existir, hoje e m dia, tanta propaganda à pseudociência
de Richard Hurrstein e Charles Murray defendida no seu livro The
Bell Curve8- embora a sua interpretação do conceito de genética seja
absolutamente ingénua e os seus argumentos explícita e tacitamente
racistas - cria u m horizonte contra o qual se constrói o meu livro.

Michael W. Apple (1990), Ideology and Curriculum, 2nd edition, New York: Routledge; Michael W. Apple
(1985), Education and Power, New York: Routledge; e Michael W. Apple (1988), Teachers and Texts: A Poli-
tical Economy of Class and Gender Relations in Education, New York: Routledge.
'Raymond Williams (1983), The Year 2000, New York: Pantheon, pp. 243-269.
Richard Herrstein and Charles Murray (1994), The Bell Cume, New York: Free Press.
Parece que muitos de nós se tornaram imunes ao sofrimento humano,
tanto nos planos nacional como internacional. Este é u m período difí-
cil para todos os que estão comprometidos com a transformação social
e educa tiva progressis ta.
É também u m período complexo e intelectualmente tenso. A s
guerras culturais da Direita fazem estragos. N o entanto, igualmente
importante, este livro é escrito n u m a época e m que as teorias pós-
-modernas e pós-estruturais se tornaram cada vez mais influentes nos
estudos culturais e estudos educacionais críticos ( u m rótulo que pre-
firo utilizar, em vez de u m outro mais limitado como "teoria crítica"
ou "pedagogia crítica ").
Existem partes significativas daquilo que os meus amigos denomi-
nam abordagens "pós" que são muito acutilantes e necessitam de uma
atenção mais cuidada - especialmente a sua focalização nas políticas de
identidade, nas múltiplas e contraditórias relações de poder, nas análises
não redutoras e no local como u m importante campo de luta. A influên-
cia de alguns destes aspectos é claramente visível neste livro.
N u m a altura e m que as alianças são importantes, não tenho a
mínima intenção e m aumentar as divisões. Todavia, há também par-
tes significativas destas abordagens que, a medida que têm sido intro-
duzidas na educação, m e deixam estarrecido devido a sua arrogância
estilística, a sua maneira de estereotipar outras abordagens, a sua
concomitante certeza de que eles têm "a" resposta, a sua cínica falta
de vinculação a qualquer acção que se realize nas escolas, a sua apa-
rente equação de que qualquer focalização séria na economia é de
algum modo redutora, a sua confusão conceptual e, finalmente, a sua
retórica tendenciosa que, quando descodificada, demonstra algumas
coisas bonitas ao nível do senso comum que os educadores reflexivos
já sabem e praticam há anos. Deixem-me acrescentar, rapidamente,
que isto se refere apenas a algumas das abordagens mencionadas, mas
tudo isto causa-me motivos de preocupa~ão.~
Assim, existe u m a linha muito ténue entre as necessárias trans-
formações conceptuais e políticas e a tendenciosidade. Infelizmente, a
última surge por vezes numa apropriação relativamente acrítica, feita
por alguns teóricos educacionais do pós-modernismo. Por exemplo,
há certamente (muitos) planos para adequar as escolas as forças de
mercado, para diversificar os tipos de escolas e para oferecer mais
opções aos "consumidores".

Vide Michael W . Apple (1994), "Cultural capital and Official Knowledge", in Michael Burube and Cary
Nelson (eds.), Higher Edtrcntion Under Fire, New York: Routledge, pp. 91-107. Refiro-me aqui a abordagens
porque é extremamente fácil estereotipar as teorias pós-modernas e pós-estruturais. Seria inadequado,
uma vez que, habitualmente, são muito importantes as diferenqas políticas que existem entre as diversas
tendências que surgem associadas às respectivas teorias.
Alguns podem argumentar se trata do "equivalente educativo
ao.. . emergir da 'especialização flexível em substituição do velho
mundo da linha de montagem, de produção em massa' conduzida por
imperativos de um consumo diferenciado, em vez de uma produção
em massa".1° Isto tem, de facto, uma ligação ao pós-modernismo.
No entanto, como em muitas das novas reformas propostas, há
menos de "pós-moderno" do que parece a primeira vista. Muitas têm
uma imagem de "alta tecnologia". Habitualmente, são guiadas por
"uma fé subjacente à racionalidade técnica, como fundamento para
resolver os problemas sociais, económicos e educativos". A especiali-
zação é tão poderosa, como, quiçá ainda mais poderosa do que, a preo-
cupação com a diz~ersidade."
Em vez de uma adesão a "heterogeneidade, ao pluralismo e ao
local" - embora estas possam ser as formas retóricas nas quais algu-
mas destas reformas se encontram inseridas -, o que, na verdade,
podemos estar a presenciar é uma revivfiação das hierarquias mais
tradicionais de classe, de género e, especialmente, de raça.
O compromisso inquestionável de que "nós" nos encontramos
verdadeiramente implicados num mundo pós-moderno pode facilitar-
-nos a visão das transformações superficiais (algumas das quais se
encontram, sem dúvida, em curso) e, no entanto, ao mesmo tempo,
pode dificultar o reconhecimento de que podem ser novas formas de
reorganizar e reproduzir as antigas hierarquias." Do mesmo modo, o
facto de existirem aspectos do pós-modernismo, como uma teoria e
como u m conjunto de experiências, que não são aplicáveis a uma
grande parte da população do mundo, deveria tornar-nos um pouco
mais cautelosos.
A medida que lêem este livro, tornar-se-á claro que parte daquilo
que digo, embora certamente não tudo, baseia-se numa compreensão
estrutural crítica (e autocrítica) da educação. Muito embora não
sejamos redutores do ponto de vista económico, há que reconhecer
que vivemos sob relações capitalistas. Milton Friedmanl3 e toda a

'O Geoff Whitty, Tony Edwards and Sharon Gewirtz (1993), Specialisation nnd Choice in Urban Educntion,
New York: Routledge, pp. 168-169.
" Ibid., pp. 173-174.
Ibid., pp. 180-181.
l3 Economista norte-americano, professor da Universidade de Chicago e Prémio Nobel da Economia em
1976. Entre as muitas obras publicadas destacam-se Capitalism arid Freedom (1962), A Moneta y Histoy of
the United States 1867-1960 (1963) e Money and Trends ofthe United Stntes ~ n the
d United Kiii~dorn(1981).
Argumenta que o ciclo económico é essencialmente determinado pelo suporte financeiro e pelas taxas
de juro e não pela política fiscal do Governo. O seu pensamento foi estruturante na década de 70 e início
da década de 80, defendendo uma teoria macroeconómica que divergia substancialmente da escola key-
nesiana. (NT)
gama de privatizadores e apologistas das políticas do mercado, que
tanta influência t ê m nos media e nos corredores do poder das
empresas, das fundações e do nosso Governo, a quase todos os níveis,
despenderam quantias consideráveis de tempo a promover essas
relações.
Se eles podem falar sobre elas, porque não nós? Estas relações náo
determinam tudo. Constituem-se e reconstituem-se pelas relações de
raça, de classe e de género, mas parece u m pouco ingénuo ignorá-las.
Existe u m mundo de diferenças entre falar seriamente de poder e de
estruturas económicas e reduzir tudo a u m pálido reflexo das nresmas.
Estou perfeitamente consciente de que existeni muitos perigos
numa abordagem deste género. Parte da sua história consiste na ten-
tativa de criar uma ''grande narrativa", uma teoria que explique tudo
a partir de uma causa unitária. Teni ainda tendência para nos fazer
esquecer que, não só existeni múltiplas e contraditórias relações de
poder eni quase todas as situações, como também que o(a) próprio(a)
investigador(a) participa nessas relações.14
Finalmente, as abordagens estruturalistas podem, por vetes,
negligenciar as formas, a partir das quais são construídos os nossos
discursos, ajudando-nos elas próprias a construir o que fazemos. Na
verdade, há que toniar seriamente e m consideração estas questões. A
este respeito, as críticas pós-estruturais e pós-modernas das análises
estruturais da educação têm sido frutqeras, especialmente quando
surgem do interior de diversas comunidades feministas e pós-colonia-
listas15, embora deva ser dito que algunras destas críticas criaram
caricaturas muito imprecisas das tradições neomarxistas.
Porém, ainda que a "revolução linguística", conio tem sido deno-
minada pelos estudos sociológicos e culturais, tenha sido iniensa-
mente produtiva, é importante recordar que o mundo da educação e
outros não são apenas u m texto. Na educação existem realidades fir-
mes, cujo poder, habitualmente, se baseia nas relações estruturais,
que não são simples construções sociais criadas pelos significados
outorgados por u m observador.
Penso que parte da nossa tarefa consiste e m não perdermos de
vista estas realidades firmes na econonria e no Estado, embora reco-
nheçamos, ao mesmo tempo, os perigos do essencialisrno e das análises
reducionistas.

l4 Leslie Roman e Michael Apple (1990),"1s Naturalism a Move Beyond Positivism?", in Elliot Eisner e
Alan Peshkin (eds.),Qirnlitatiue Inquiry iiz Education, New York: Teachers College Press, p p 38-73.
l5 Vide Carmen Luke e Jenny Gore (1992) (eds.), Feminisms and Critical Pedagogy, New York: Routledge; e
Cameron McCarthy and Warren Crichlow (1993) (eds.), Race, Identify and Representation iti Education,
New York: Routledge.
Não é minha intenção negar nem a existência de muitos elementos
da "pós-modernidade", nem a força de determinados aspectos da teo-
ria pós-moderna. Pelo contrário, pretendo evitar o exagero, evitar a
substituição de uma grande narrativa por outra - uma grande narra-
tiva que realmente nunca existiu nos Estados Unidos, uma vez que a
classe social e a economia só recentemente vieram a superfície nos
trabalhos sobre educação e, raramente são encarados como na Europa,
onde a maior parte das críticas pós-modernistas e pós-estruturalistas
desenvolveram as suas ferramentas explicativas.
Será conveniente recordar mo^ que muita da história intelectual e
política dos Estados Unidos era bem distinta daquela que era conde-
nada por alguns críticos pós-modernos. A s análises reducionistas tor-
nam-se simplistas e não há garantia de que as posições pós-modernas,
como as que são tomadas por alguns indivíduos e m educação, sejam
mais imunes a este perigo do que qualquer outro posicionamento.
Assim, não surpreende que neste livro, paralelamente a estas ideias
pós-estruturalistas e pós-modernas, surjam outras ideias baseadas nas
teorias estruturalistas. Embora não se encontrem completamente fun-
didas, cada uma delas funciona como correcção e complemento da
outra.
Há uma questão que pretendo realçar. E m vez de despender tanto
tempo a interagirmos tão cautelosamente -por vezes como inimigos -,
deveremos considerar a tensão criativa que existe como u m dado posi-
tivo. Temos muito a aprender u n s com os outros sobre uma política
da, e e m torno da, educação que estabeleça a diferença ( e não há
intenção de realizar, aqui, trocadilhos).
Há uma série de outras tensões intelectuais que giram e m torno
deste livro. Quando reflicto sobre o crescimento de determinados esti-
los de análise crítica e m educação, torna-se evidente que tem existido
u m rápido crescimento de dois outros tipos de trabalho: as análises
pessoais/literárias/autobiográficas e os estudos da cultura popular.
A s análises pessoais/literárias/autobiográficastêm sido, frequente-
mente, estimuladas pelas abordagens fenomenológicas, psicoanalíti-
cas e feministas. O s estudos da cultura popular surgem dos estudos
culturais. Digamos alguma coisa acerca destas análises.
Grande parte do ímpeto que subjaz as históricas pessoais é moral.
A educação é correctamente vista como u m empreendimento ético. O
"pessoal" aparece como uma forma de reavivar as sensibilidades éticas
e estéticas que, cada vez mais, têm sido expurgadas do discurso cientí-
fico de muitos educadores. Contempla-se o "pessoal" como uma forma
de dar voz as subjectividades das pessoas que têm sido silenciadas. Há
muito a recomendar nesta posição. De facto, qualquer abordagem que
elimine o estético, o pessoal e o ético das nossas actividades como edu-
cadores não tem nada a ver com a educação. É puro treino.
N o entanto, e m muitas variantes dessas histórias, alguma coisa
permanece do seu substrato - u m sentido acutilante do político, das
estruturas sociais que condenam tantas pessoas a uma vida de luta
económica, cultural (e corporal) e e m alguns casos de desespero. É
essencial a realização de conexões entre o que poderíamos denominar
imaginação literária e os movimentos concretos - tanto na educação,
como na sociedade e m geral - que procurem transformar as nossas
instituições por forma a que a sensibilidade e a justiça social não
sejam "slogans" mas, sim, realidades.
O s argumentos políticos não são alternativas às preocupações
morais e éticas. Pelo contrário, essas mesmas preocupações são leva-
das a sério com a apreciação de todas as suas consequências16. E isto
leva-me afazer uma advertência relacionada com alguns efeitos ocul-
tos do nosso interesse (geralmente recomendável) e m utilizar o
aspecto pessoal e autobiográfico para esclarecer as nossas (sem dúvida
distintas) experiências ed ucativas.
Durante cerca de 20 anos, até à publicação do livro Official Know-
ledge, não escrevi nada acerca das minhas experiências como realiza-
dor de cinema com professores e alunos, pois, e m parte, não pude
encontrar uma "voz" apropriada. Isto requereria uma dose adequada
de autobiografia.
Frequentemente, as considerações autobiográficas e as interpreta-
ções narrativas parecem-me convincentes e acutilantes e, de modo
algum, pretendo minimizar o seu poder na teoria e prática educati-
vas. Contudo - e com toda a franqueza -, esses escritos, habitual-
mente, correm o risco de resvalarem para o que tem sido denominado
individualismo p o s s e ~ s i v o . ~ ~
Mesmo que u m autor faça "a coisa correcta", e discuta sobre a sua
localização social n u m mundo dominado por condições opressivas,
tais escritos podem cumprir a friafunção de levarem, simplesmente, a
dizer "Basta de falares sobre ti, deixa-me dizer-te algo a meu res-
peito," a não ser que sejamos muito mais reflexivos a este respeito do
que, por norma, somos. Continuo a estar bastante comprometido para
levantar questões sobre as dinâmicas de classe, para poder preocupar-
-me com as perspectivas que, supostamente, reconhecem as vozes
ausentes de muitas pessoas no nosso pensamento sobre a educação,
mas que continuam a privilegiar a necessidade de auto-exibição do
homem ou mulher brancos da classe média.

l6 Terry Eagleton (1983), Literay Theoy, Minneapolis:University of Minnesota Press, p. 208


" Vide Michael W . Apple (1985), Education and Power.
Não interpretem mal o que estou a dizer. Como tem sido documen-
tado em muitos trabalhos feministas e pós-colonialistas, o "pessoal" é
quase sempre uma presença ausente, encobrindo-se por detrás do
escrito mais minimalista; necessitamos de continuar a explorar for-
J mas de realçar o sentido do "pessoal" nas nossas "histórias" sobre a
educação. I

Ao mesmo tempo, é igualmente importante que interroguemos os


nossos próprios motivos "ocultos". Porventura, a insistência no
"pessoal", uma insistência que sustenta em grande parte a nossa
revivificação das formas literárias e autobiográficas, será um discurso
de classe? O "pessoal pode ser o político", mas será que o político ter-
mina no pessoal? Além do mais, por que razão deveremos assumir
que o "pessoal" é muito menos difícil de compreender do que o
mundo "exterior"? Não posso responder a estas perguntas para todas
as situações, mas creio que as mesmas devem ser colocadas por todos
aqueles que, como nós, se encontram comprometidos com os múlti-
plos projectos envolvidos na luta por uma educação mais emancipa-
dora. Por esta razão especqica, abro o primeiro capitulo deste livro
com uma história pessoal, conscientemente relacionada com u m
sentido claro da realidade das desigualdades, geradas estrutural-
mente, que desempenham u m papel tão importante na educação.
Contudo, as minhas tensões intelectuaislpolíticas não terminam
aqui. Os "momentos áureos" no capital académico e respectivas obri-
gações vêm e vão.'*
Nalguns sectores da comunidade educativa crítica, o estudo da
cultura popular - música, dança, filmes, linguagem, vestuário, trans-
formações corporais, políticas de consumo, etc. - é também rtm
grande negócio. E deverá sê-10, em muitos sentidos. Afinal, já devía-
mos saber que a cultura popular é, em parte, uma forma de resistên-
cia e de luta,'g mas também devíamos estar conscientes de que a esco-
larização, para conseguir estabelecer a diferença, deve estar relacio-
nada com as interpretações populares e as formas cztltrtrais.
Porém, a fascinação com "o popular", a intoxicação com todas
estas questões, tem tido, por vezes, u m efeito paradoxal e infeliz. Tem-
-nos levado a ignorar, com frequência, o conhecimento real que é
ensinado nas escolas, todo o conjunto e toda a estrutura dos processos
formais de currículo, ensino e avaliação que permanecem tão poderosos.

"Jim McGuilan (1992), Cultu~alPopulism, New York: Routledge, p. 61.


l9 Vidc Paul Willis com Simon Jones, Joyce Canaan e Geoff Hurd (1990), Common Cultu~e,Boulder: Westview
Press; Henry Giroux (1994), Doing cultural studies: youth and the challenge of pedagogy, Harvard Educa-
tioiinl Reviezu, pp. 278-308; e Julia Koza (no prelo) Reap music. The Reviezu of Education/Pedagogy/Cultu?al
Strrdies.
E m muitos sentidos, isto constitui uma fuga da educação enquanto
campo. Nos meus momentos mais cínicos, tomo isto como u m discurso
de classe e m que novos elementos da educação, no meio académico,
lutam pelo poder não só sobre as pessoas das escolas como também no
seio da própria academia.
Falarei, ainda, neste livro da importância da cultura popular e
defendê-la-ei como núcleo, tanto para a compreensão das políticas
culturais, quanto para as lutas que se geram para instituir modelos
de currículo e ensino socialmente mais justos. Sem dúvida, muitos
membros da comunidade educativa crítica têm sido muito tendencio-
sos acerca deste tópico. Esqueceram-se das escolas, dos currículos,
dos professores, dos alunos, dos activistas da comunidade, entre
outros.
Lidar com estas questões é como se fosse algo "poluidor", como se
tivessem receio de sujar as mãos com as realidades quotidianas da
educação; talvez sintam que, do ponto de vista teórico, não seja sufi-
cientemente elegante lidar com estas realidades "mundanas".
Embora compreenda a necessidade vital de nos centrarmos n o
popular, como u m educador crítico encontro-me ainda mais com-
prometido e m considerar seriamente a realidade das questões da
escola.20 Por esta razão específica, a obra Políticas Culturais e Edu-
caqão dedica grande parte da sua atenção a questões relacionadas
concretamente com as políticas do currículo e do ensino.
Não pretendo ser rotundamente negativo. Muitos de nós têm senti-
mentos, de algum modo, ambivalentes acerca da escola. Temos uma
relação contraditória com a escola porque nos preocupamos, profunda-
mente, com o que é, ou não, ensinado e com quem tem capacidade, ou
não, de lidar com essas questões. Queremos criticá-la com rigor e, sem
dúvida, essa mesma crítica é u m compromisso, uma esperança, de que
a escola pode ser mais vital, mais significativa, no plano pessoal, e crí-
tica, no plano social. Se alguma vez existiu uma relação de amor/ódio,
esta é uma delas.21
Tal facto alude directamente a u m a situação que hoje e m dia
enfrentam muitas pessoas dedicadas aos estudos educativos críticos e
diz respeito a alguns aspectos que realçarei neste livro.

20 O facto de que é possível lidar conjuntamente, de uma forma elegante, com a cultura popular e escolar
surge muito bem documentado em Matthew Weinstein (1995), Robot World: A Study of Science, Reality
and Strz~gglefor Meaning. Unpublished doctoral dissertation. Madison: University of Wisconsin.
2' Na verdade, Ian Hunter afirma que os investigadores críticos da educação estão tão ligados as escolas
que as suas críticas funcionam como parte das estratégias de mobilidade de uma elite intelectual. Isto é
provocante mas essencial in extremis. Vide Ian Hunter (1994), Rethinking the school, St Leonards, Austra-
lia: Allen & Unwin, vide também a minha resposta a este livro em Michael Apple (1995), Review of Ian
Hunter, Rethinking the School. Australian Joz~rnalof Education, 39, pp. 95-96.

CCE2-PCE - 2
17
Actualmente, a nova Direita é muito poderosa. Conseguiu ter o
estranho efeito de, simultaneamente, interromper a crítica progres-
sista da escolarização e levar muitos de nós a defender uma institui-
ção, cujas práticas estavam, e continuam a estar, abertas a críticas
severas.22 Como alguém que tem dedicado anos a analisar e discutir
os meios e os fins sociais e culturais dos currículos, do ensino e da
avaliação nas escolas, de modo algum pretendo actuar como apolo-
gista de práticas inadequadas.
Assim, numa época e m que - devido aos ataques da Direita - nos
confrontamos com o desmantelamento maciço das conquistas que têm
sido alcançadas nos domínios da segurança social, direitos das
mulheres, racismo, sexo, sexualidade e o conhecimento que sobre estes
conceitos são ensinados nas escolas, é fundamental assegurarmo-nos
de que essas conquistas sejam defendidas.
Existe, neste livro, uma outra tensão evidente. Quero defender a
ideia de uma educação pública e uma série de benefícios que existem
na actualidade e, simultaneamente, criticar muitos dos seus atribu-
tos. Este duplo interesse pode, a primeira vista, parecer algo contradi-
tório, contudo, faz alusão a u m aspecto crucial que pretendo realçar e
que está relacionado com o nosso modo de pensar sobre as instituições
de educação formal na maioria dos países.
Desejo, agora, dizer algo que pode ser, de algum modo, inconfortá-
vel para u m determinado número de educadores que, justificada-
mente, se revelam críticos perante as relações de poder existentes na
educação. N u m a primeira análise, o problema que abordarei poderá
parecer uma questão menor, no entanto, as suas implicações práticas,
aos níveis conceptual, político e prático, não o são. Refiro-me ao dis-
curso da mudanqa que está presente e m todas as reivindicações, quer
acerca do autobiográfico, quer acerca da cultura popular, e que se
encontra subjacente as pressões que pretendem estabelecer uma rela-
ção muito mais próxima da escola com os objectivos económicas e as
suas necessidades.
Esquecemo-nos, muito frequentemente, de que nas nossas inten-
ções para alterar e "reformar" a escolarização há elementos que não
devem ser transformados, mas sim preservados e defendidos. Apesar
das minhas críticas sobre as relações desiguais de poder que giram e m
torno da educação e da sociedade, e m geral, convém recordar que a
escolarização nunca foi simplesmente u m a imposição a pessoas
supostamente inaptas, política e culturalmente. Pelo contrário, tal
como demonstrei noutro local, as políticas e as práticas educativas
foram, e são, o resultado de lutas e de compromissos sobre o que é

Education Group ii (1991)(eds.),Education Limited, London: Unwin Hyman, p. 33.


reconhecido como conhecimento, pedagogia, objectivos e critérios
legítimos para determinar a eficácia.
De uma forma mais abstracta, podemos afirmar que a educação
tem sido uma das maiores arenas na qual se tem esgrimido o conflito
entre os direitos de propriedade e os direitos i n d i v i d ~ a i s . ~ ~
O resultado destes conflitos n e m sempre se tem saldado a favor
dos grupos dominantes. Frequentemente, têm emergido tendências
democráticas e têm-se cimentado nas práticas quotidianas da insti-
tuição. Tal como nos revela W i l l i a m Reese, na sua história da
reforma populista das escolas, muitos dos aspectos que consideramos
garantidos são consequência directa dos movimentos populistas, que
forçaram os grupos poderosos a comprometerem-se e, até, a sofrerem
perdas i n q ~ e s t i o n á v e i s . ~ ~
Assim, antes de condenarmos por completo o que as escolas fazem
e de procurarmos o que supomos ser a alternativa (digamos, a cultura
popular), necessitamos de u m a avaliação muito mais clara e infor-
mada, do ponto de vista histórico, sobre quais os elementos das práti-
cas e políticas dessas instituições que já são progressistas e que devem
ser preservados.
Não o fazer, será assumir que, por exemplo, os professores radi-
cais, pessoas de cor, mulheres, grupos da classe trabalhadora e grupos
de pessoas fisicamente diminuídas (estas categorias obviamente não
se excluem m u t u a m e n t e ) t ê m sido marionetas, cujos cordéis são
puxados pelas forças mais conservadoras desta sociedade, e que não
obtiveram nenhuma vitória duradoura e m educação. Claramente, não
é este o caso. Não defender algumas das ideias que se encontram sub-
jacentes aos direitos das pessoas, que actualmente estão inseridas nas
escolas, é estar a conferir mais poder aos ataques conservadores.
Não pretendo adiantar-me mais sobre esta questão, mas, de facto,
ela estabelece uma diferença fundamental no modo como abordamos a
educação. Por vezes, alguns educadores críticos têm sido tão críticos
que, com frequência, assumem - conscientemente ou não - que tudo o
que existe n o seio do sistema educativo transporta, apenas, as marcas
da dominação. É tudo capitalista, racista, patriarcal, homofóbico.
Como podem imaginar, face aos meus esforços nas últimas três
décadas, não pretendo minimizar o extremo poder destas e de outras
formas de opressão na educação, ou e m qualquer outra questão. Sem
dúvida, ao ter-se uma postura que assuma - sem uma investigação

23MichaelApple (1993), Official Knowledge: Democratic Education in a Conservative Age, New Yok:
Routledge.
24 William Reese (1986), Power and the Promise of School Reform, New York: Routledge.
detalhada - que tudo é, de algum modo, o resultado das relações de
dominação, tornamos muito difícil a possibilidade de estabelecermos
relações com educadores progressistas e com membros da comunidade
que, actualmente, lutam para construir u m a educação mais democrá-
tica, na verdadeira acepção do termo (e existem muitos educadores e m
exercício que nessas lutas têm conseguido bons êxitos). É muito fácil
para os educadores críticos caírem nesta posição.
Esta assunção é problemática do ponto de vista conceptual, histó-
rico e político. Baseia-se n u m a teoria do papel das instituições do
Estado que é demasiado simplista e numa compreensão a-histórica do
poder dos grupos que pendem para a democracia.25 Transporta con-
sigo também as marcas do que parece ser uma forma de autodesprezo,
como se, quanto mais nos distanciássemos da história e do discurso
da educação - e orientássemos todas as perspectivas para outros cam-
pos mais respeitáveis -, tanto mais academicamente estivéssemos
legitimados.
O s efeitos últimos desta posição consistem e m incapacitar-nos de
continuar na longa e indispensável luta, de modo a conseguirmos que
as instituições educativas não respondam unicamente as necessidades
dos poderosos.
Para os que se encontram envolvidos, tal como nós, na educação,
isto consiste n u m equilíbrio difícil numa corda bamba. N u m a época
de ressurgimento da ala direita, como é que podemos criar as condi-
ções educativas, através das quais os nossos estudantes possam ver (e
ensinar-nos também) as relações de profunda e autêntica desigual-
dade, bem como o papel da escolarização que, e m parte, as reproduz e
as contesta e, ao mesmo tempo, criar as condições que nos ajudem a
actuar nestas realidades?
Gramsci tinha uma forma de afirmá-lo: pessimismo do intelecto,
optimismo da vontade. M a s eu vou muito mas além do que isto. O
intelecto, estimulado pela paixão e pelas sensibilidades éticas e políticas
- e u m sentido particular da acção histórica -, verá também vitórias e
derrotas, esperança e desespero. Parece-me que é esta a nossa tarefa.
Finalmente, e directamente relacionado com o que acabo de afir-
mar, existiu uma outra tensão subjacente a este livro. Quando come-
cei a escrevê-lo, não só pretendia criticar e defender grande parte do
que acontece na educação, como desejava, de igual modo, realçar o
que na realidade existe e que deve ser defendido. Que políticas e prá-
ticas existem, actualmente, nas escolas e nas salas de aulas que são

25 Vide, por exemplo, Martin Camoy e Henry Levin (1985), Schooling and Work in the Democratic State, Stan-
ford: Stanford University Press; e Didacus Jules e Michael W. Apple (1995), The State and Educational
Reform, in William Pink e George Noblit (eds.), Tl1t7Firtures of Sociology of Edzlcation, Norwood, N J :Ablex.
social e educativamente críticas? Existirão, o que denominei noutro
lugar, "reformas não reformistas" cruciais que necessitam de ser
man ti da^?^^
Tais questões têm-me causado infindáveis dores de cabeça. Embora
ao longo deste livro me refira a estas políticas e práticas, por razões
políticas e éticas (e talvez por razões de sanidade mental), decidi que
as descrições extensas dessas práticas críticas mereciam claramente
que se lhes dedique u m livro inteiro.
Além do mais, devem ser escritas com as próprias palavras dos
educadores-activistas que, na verdade, as executam. Devido a isto,
embora não seja totalmente u m livro complementar, no sentido habi-
tual do conceito, a este que se encontram a ler, ao mesmo tempo que
escrevia este, eu e o meu colega e amigo Jim Beane escrevemos u m
livro desse teor - Democratic Schools2'. A í se analisa com muito
maior profundidade o que, na actualidade, é possível fazer nas escolas
públicas.
Este prefácio é u m pouco excêntrico. Todavia, o que se segue é uma
"leitura" das realidades actuais com que se confrontam os educadores.
Assim, é importante que conheçam as múltiplas preocupações que
constituem as lentes através das quais vos será pedido que observem a
política que rodeia o actual mundo da educação.
r-
O s problemas a que se referem estas preocupações - uns pessoais,
outros conceptuais e outros políticos - não serão totalmente "resolvi-
dos" neste livro. Por vezes, senti-me como u m malabarista que tenta
manter muitas bolas no ar. Se deixar cair uma aqui e outra ali ... bem,
estou certo que muitos leitores me dirão e ajudar-me-ão a recolhê-las.

26 Michael Apple (1985), Education and Power, New York: Routledge.


27 Michael Apple e James Beane (1995) (eds.), Democratic Schools, Washington, D. C.: Association for Super-
vision and Curriculum Development. Centrando-se nas histórias de uma série de escolas públicas com-
prometidas nos planos social e educativo, dirigidas por educadores que relacionam directamente os
seus currículos e ensino com um sentido claro das relações de poder económico, político e cultural no
mundo, o livro Democratic Schools fornece-nos o que cremos ser uma evidência irrefutável: a caminhada
de esperança continua na educação nas escolas autênticas, com professores, estudantes e membros da
comunidades também eles autênticos. Se depois de acabarem de ler o livro Políticas Culturais r Educação
se encontrarem numa posição em que perguntem "Muito bem, Apple, e agora? Que ideias concretas
tens tu para praticar o que pregas? Que alternativas propões e o que manterias para levar a sério a tua
análise crítica ao nível da prática?", eu limitar-me-ia a responder que as respostas a estas perguntas se
encontram de uma forma muito mais completa no livro Democratic Schools.
Agradecimentos
I

Felizmente, j6 tenho recebido importantes ajudas de indivíduos em muitos países.


Uma das coisas que peço aos meus amigos e colegas é a crítica construtiva. A última coisa
de que precisamos é de acólitos que estão sempre de acordo com tudo o que dizemos.
Na verdade, em vez de vermos a crítica construtiva como um acto traiçoeiro, ela
deve ser percebida como um sinal de que a nossa postura foi seriamente considerada.
Há muitas pessoas que me ajudaram a ver as coisas que poderia não ter visto e um
determinado número de instituições que me providenciaram um contexto formativo
no qual se puderam desenrolar essas conversas.
Durante vinte e cinco anos ensinei na Universidade de Wisconsin, em Madison.
Continua a ser um lugar especial. Diferenças políticas, crenças sobre o que é actual-
mente a educação, o que deveria ser, como deveria ser orientada e a compreensão
sobre a utilidade da investigação são significativamente divergentes em Madison. No
entanto, estas diferenças raramente surgem em ambientes menos saudáveis. O traba-
lho crítico nunca foi marginalizado e em muitos aspectos constitui a norma nesta Uni-
versidade. Nesta conformidade, gostava de manifestar o meu reconhecimento ao auxí-
lio financeiro da Graduate School Research Fund, da Universidade de Wisconsin, em
Madison, pelo seu apoio financeiro a partes deste livro.
Fora de Wisconsin, os argumentos deste livro foram inicialmente apresentados em
várias universidades e em fóruns académicos e políticos por esse mundo fora. Embora
sejam muitos para poder citá-los, vocês sabem a quem me refiro e quero agradecer-vos
pelos comentários críticos.
Há, todavia, quatro instituições que necessitam de ser salientadas porque mantive
contactos repetidos com as suas faculdades e estudantes. Também elas foram locais
especiais, onde trabalhei estes argumentos em conversas públicas e privadas. São elas
a Universidade de Trondheim, a Universidade de Auckland, a Universidade de Ljubl-
jana e a Universidade Nacional Autónoma do México.
As instituições são feitas por pessoas e beneficiei do apoio crítico das seguintes
individualidades: Peter Aasen, Alicia de Alba, Peter Apple, Eva Bahovec, Len Barton,
Basil Bernstein, Thomas Carpenter, Kathleen Casey, Lourdes Chehaibar, Seehwa Cho,
John Codd, Bob Connell, Roger Dale, Ann DeVaney, Mariano Fernandez Enguita, Wal-
ter Feinberg, Elizabeth Fenemma, James Giarelli, David Gillbourn, Edgar Gonzales, Liz
Gordon, Jenny Gore, Nathan Gover, Beth Graue, Maxine Greene, Ove Haugalokken,
Alen Hunter, David Hursh, Didacus Jules, Joyce King, Gloria Ladson-Billings, James
Ladwig, Rigoberto Lasso, Regina Leite Garcia, Alan Lockwood, Allan Lucke, Carmen
Lucke, Cameron McCarthy, Peter McLaren, Sue Middleton, Akio Nagao, Michael
Olneck, Paige Porter, Fazal Rizvi, Cathy Robinson, Thomas Romberg, Judyth Sachs,
Walter Secada, Tomaz Tadeu da Silva, Graham Smith, Linda Smith, Richard Smith, William
Tate, Keneth Teitelbaum, Alfred Oftedal Telhaug, Jurjo Torres Santome, Lois Weis, Yuji
Yamamoto, Anna Zantiotis e Keneth Zeichner.
Pelo que diz respeito a este livro, tenho uma dívida autêntica para com alguns
colegas que nunca deixaram que a amizade e o amor impedissem de me ensinar
aspectos importantes sobre os meus argumentos: Rima Apple, James Beane, Steven
Selden, Carlos Alberto Torres e Geoff Whitty.
Tal como nos meus restantes livros, tenho de agradecer a ajuda de todos os mem-
bros do "Friday Seminar"** da Universidade de Wisconsin, em Madison. Os antigos e
actuais alunos de doutoramento e amigos que constituíam este grupo continuam a
demonstrar-me que eu levo a sério a necessidade de manter-me aberto política e inte-
lectualmente.
Jessica Trubek realizou um importante trabalho de biblioteca para o segundo capí-
tulo. Christopher Zenk actuou como assistente do projecto para algumas partes deste
livro e é co-autor do quarto capítulo. O seu esforçado trabalho e os seus pontos de
vistas foram essenciais para a concretização deste livro, tal como os esforços de Diane
Falkner, a secretária com quem trabalho. Dados os problemas que, por vezes, enfrento
devido a minha artrite, é bem provável que este livro nem sequer existisse sem ela.
Carole Saltz e Carol Chambers Collins, da Teachers College Press, proporcionaram-me
uma agradável combinação de amizade e de excelência editorial. A sua ajuda merece
também o meu profundo agradecimento.
Anita Oliver, professora da Universidade de La Sierra e co-autora do terceiro capí-
tulo, realizou a investigação que me estimulou a interpretar os movimentos sociais de
Direita na educação como estando em constante formação. Os seus pontos de vista e
a sua investigação foram extremamente significativos neste projecto.
Por fim, este livro é dedicado ao meu pai, Harry Apple - tipógrafo, professor e acti-
vista político. Sempre que nos juntamos desencadeiam-se debates políticos. Claro que
agora não é diferente do que acontecia no passado.
Na verdade, entre as minhas mais afectuosas memórias, lembro-me de estar sen-
tado com os meus pais - ambos activistas políticos - e, até onde consegue ir a minha
memória, expectantes quanto as minhas próprias posições sobre questões de reconhe-
cida importância social, e tomando-as suficientemente a sério para discuti-las. Agora
que o meu pai e eu já somos um bocado mais velhos, a vivacidade nao diminuiu. Nem
tão-pouco o seu - e o meu - compromisso em lutar(mos) por uma sociedade menos
explorada. Por vezes, tenho a sensação de que a minha mãe, Mimi, que faleceu há
mais de uma década e que era parte integrante nessas intensas conversas, nos está a
ouvir, deleitada pelo facto de a tradição Apple continuar.
Qualquer um que tenha tido o "prazer" de assistir as discussóes políticas e educa-
tivas entre mim e os meus dois filhos Peter e Paul, agora já crescidos, reconhecerá a
continuidade (e porventura pretenderá também colocar tampões nos ouvidos). E culpa
do Harry e da Mimi. E estou encantado que continue a ser assim.

"Trata-se de um seminário que às sextas-feiras reúne alunos dos cursos de Mestrado e Doutoramento e
ainda muitos docentes e investigadores das mais variadas universidades. (NT)
Educação, Identidade e Batatas Fritas Baratas
O Sol reflectia na capota do pequeno carro a medida que viajávamos numa rua
com dois sentidos. O calor e a humidade fizeram-me pensar se, quando a viagem ter-
minasse, não estaria completamente desidratado. Permitiu-me também apreciar um
pouco mais o Inverno em Wisconsin. Neste país asiático', pelo qual nutro um grande
afecto, a noção de Inverno é muito remota.
Todavia, o que estava em causa, nesta minha viagem, não era propriamente o
estado do tempo, mas sim as lutas dos educadores e activistas sociais pela construção
de uma educação que fosse consideravelmente mais democrática do que a que,
agora, se encontrava institucionalizada no país. Este tópico era perigoso. Uma coisa
seria discuti-lo em termos filosóficos e formalmente académicos, o que até seria tole-
rado. Outra coisa seria discuti-lo abertamente, contextualizando-o num vasto conjunto
de análises sérias das estruturas de poder económico, político e militar que, actual-
mente, exercem o controlo sobre o dia-a-dia da vida deste país.
A medida que viajávamos por uma estrada rural, no meio de uma das melhores
conversas, em que me vi envolvido, sobre as possibilidades das transformações educa-
tivas e as realidades das condições opressivas a que tanta gente se submetia neste
país, o meu olhar desviou-se para um dos lados da estrada. Num desses acontecimen-
tos, quase acidentais, que clarificam e cristalizam o que realmente a realidade é, o
meu olhar recaiu num objecto aparentemente trivial. De espaço a espaço existiam
pequenos sinais afixados na lama, a uma distância muito curta onde a estrada se
transformava em campos. Eram anúncios que me pareciam muito familiares. Apresen-
tavam o logótipo de uma das mais famosas cadeias de fastfood dos Estados Unidos.
Percorremos bastantes quilómetros de campos, aparentemente desertos numa pla-
nície coberta de calor, passando anúncios atrás de anúncios, cada um deles uma
réplica do anterior, e com cerca de 30 cm de altura. Não eram anúncios alusivos ao
código da estrada - seria aliás muito difícil encontrá-los nesta pobre região rural. Pelo
contrário, pareciam-se exactamente - exactamente - com os anúncios que encontramos
junto as propriedades agrícolas no midwest dos Estados Unidos da América, e que

' O autor opta por não identificar o país por razões que se prendem com possíveis represalias que pode-
riam vir a sofrer os professores que o convidaram. (NT)

L 3
identificam o tipo de cereal que os agricultores plantam na sua propriedade. Esta
. 3
minha associação viria a revelar-se uma boa conjectura.
Ao condutor, um antigo aluno, muito meu amigo, que havia regressado a este país
para trabalhar em prol das reformas sociais e educacionais que eram tão necessárias,
fiz uma pergunta que, muito embora a primeira vista pudesse parecer ingénua, foi, na
verdade, muito importante para a minha própria educação: "Por que razão estão ali
aqueles anúncios alusivos ao XXX?", "Há algum restaurante XXX perto daqui?".
O meu amigo olhou-me com um ar pasmado. "Michael, não sabes o que signifi-
cam esses anúncios? Não há nenhum restaurante típico do Ocidente num raio de
oitenta quilómetros. Esses anúncios representam exactamente o que está errado com
a educação neste país. Escuta". E eu escutei.
A história deixou em mim uma marca indelével, pois condensa, num conjunto
poderoso de experiências históricas, as relações entre as nossas lutas, como educado-
res e activistas em muitos países, e as diferentes formas de actuação do poder na vida
quotidiana. c-me completamente impossível transcrever as tensões e paixões contidas
na voz do meu amigo, a medida que me ia contando a história; nem tão-pouco con-
sigo transmitir, com exactidão, o conjunto de sensações quase misteriosas que se tem
quando se contempla uma imensa planície, por vezes bonita, e cada vez mais despo-
voada.
Sem dúvida que 6 crucial ouvirmos a história. Prestem atenção.
O governo do país decidiu que a entrada de capital estrangeiro era decisivo para a
sua própria sobrevivência. A entrada maciça de fábricas e investidores, provenientes
dos Estados Unidos, da Alemanha, do Reino Unido, do Japão e de outros países, per-
mitiria o surgimento de mais postos de trabalho, criaria capital para o investimento e
ofereceria ao país as condições necessárias para poder entrar no século XXI. (Este é,
sem dúvida, o discurso típico dos grupos de elite. Todavia, partamos do princípio que
os grupos dominantes também nele acreditam piamente.)
Uma das várias estrategias concebidas pelo Governo - dominado pelo exercito -
para conseguir concretizar este plano consistiu em concentrar parte dos seus recursos
na obtenção de capital para o mercado agro-alimentar. Deste modo, o Governo ofere-
ceu, a baixo custo, enormes extensões de terreno a empresas internacionais do ramo
agro-alimentar. As planícies que estávamos a atravessar são disso um bom exemplo.
Grande parte desta terra tinha sido cedida a um fornecedor de uma cadeia de restau-
rantes de fastfood dos Estados Unidos, com a finalidade de cultivar batatas destinadas
ao consumo de batatas fritas nos restaurantes da referida cadeia, uma das marcas de
maior sucesso em todo o Mundo.
A referida cadeia agarrou, de imediato, a oportunidade de transferir grande parte
da sua produção de batata dos Estados Unidos para a Asia. Considerando que muitos
agricultores nos Estados Unidos se encontravam sindicalizados e exigiam - com toda a
justiça - um salário digno, e uma vez que a nação do país asiático em causa proibia
qualquer tipo de sindicalismo, o custo de produção de batata seria inferior.
Para além disso, o terreno naquela planície apresentava condições favoráveis para
o emprego de novas tecnologias de plantio e de colheita, com muito menos trabalha-
dores. A maquinaria substituiria o Homem.
Ao fim e ao cabo, o Governo estava muito pouco preocupado com as leis de
defesa do meio ambiente. Acima de tudo, tratava-se de um grande negócio para o
capital.
Sem dúvida que uma determinada parte desta terra era habitada por pessoas que
a cultivavam para o seu próprio sustento e que, uma vez satisfeitas as suas necessida-
des, relativamente mínimas, venderiam o produto excedente. Contudo, isto não viria a
dissuadir nem o Governo, nem a dita cadeia agro-alimentar.
Além do mais, as pessoas poderiam ser desalojadas, dando lugar ao "pro-
gresso", até porque os camponeses desta planície não possuíam, sequer, escrituras
que garantissem os seus direitos sobre a terra. Porventura, viviam ali há 100 anos,
muito antes da invenção dos bancos, das escrituras, das hipotecas. Sem papéis, não
há propriedade.
Não seria muito difícil deslocar os camponeses daquelas terras para outras áreas,
para "libertar" a planície, preparando-a para a produção intensiva de batatas e para a
"criação de empregos", acabando assim com o sustento de milhares e milhares de
pequenos agricultores da região.
A medida que íamos passando pelos campos, com os seus pequenos anúncios, e
pelas aldeias abandonadas, continuava a ouvir o resto da história com profunda aten-
ção. Decerto, as populações, que haviam sido expropriadas a custos reduzidos, muda-
ram-se para outros locais. Tal como em tantos outros países, considerados pelos gru-
pos dominantes como "Terceiro Mundo", deslocaram-se para a cidade. Recolheram os
seus parcos haveres e mudaram-se para barracas, situadas na zona limítrofe da cidade,
o único local que Ihes podia dar alguma esperança de trabalho assalariado, permi-
tindo-lhes sobreviver (se todos, incluindo as crianças, trabalhassem).
Importantes sectores da elite empresarial e o Governo opunham-se oficialmente a
este tipo de migrações, ora contratando criminosos para incendiarem as barracas, ora
nada fazendo para melhorar as condições de habitabilidade, tão miseráveis que nin-
guém queria ali viver. Não obstante esta animosidade, continuavam a chegar, a estes
locais, dezenas de milhar de desalojados.
É que, afinal, os pobres não são irracionais. Que outras opções existiam, se a perda
de terra cultivável teria de ser compensada, de algum modo, nem que para tal fosse
necessário superlotar espaços, até então desertificados? No interior e nos arredores das
cidades construíam-se fábricas que pagavam salários incrivelmente baixos - muitas vezes
insuficientes para repor as calorias despendidas pelos trabalhadores no processo de pro-
dução -, contudo, pelo menos com alguma sorte, conseguia-se um trabalho assalariado.
Com efeito, o capital internacional possuía razões para estar feliz. Por um lado, no
campo, a pesada maquinaria colhia as batatas e, por outro, as populações invadiam as
cidades. Claro que não estamos na presença de um episódio agradável, mas, o que
tem toda esta história a ver com a educação? O meu amigo continuou a ensinar-me.
O Governo, dominado pelos militares, para cativar as multinacionais, facilitou-lhes
as condições de entrada no país, concedendo-lhes isenção de impostos por um
período de vinte anos.
Daí que o Governo não possuísse meios financeiros adequados para garantir condi-
ções mínimas de saúde, habitação, água canalizada, electricidade, saneamento básico e
educação aos milhares e milhares de pessoas que tinham ido procurar a sua sorte, ou que
tinham sido literalmente forçadas a deslocarem-se para a cidade. O mecanismo despole-
tado para inviabilizar estas necessidades básicas foi, de certo modo, bem conseguido.
A falta de qualquer tipo de instituições de educação formal é um caso paradigmático.
Para que o Governo despendesse quantias avultadas na construção de escolas, deveria
existir uma necessidade "legitimada" que justificasse esses gastos. As estatísticas deve-
riam ser elaboradas, de tal modo que fossem "oficialmente" aceites, e tal só poderia ser
conseguido através do número oficial de registos de nascimento. Todavia, este processo
tornara-se inviável, pelo simples facto de muitas crianças não se encontrarem registadas.
De modo a matricular os filhos nas escolas, os pais deveriam registar o nascimento
do seus filhos na repartição do Governo - aliás, muito raras nas zonas do interior - ou
nos hospitais locais. E, mesmo que os pais conseguissem localizar uma repartição
governamental nas imediações mais próximas, as entidades oficiais desencorajavam as
pessoas que eram oriundas de outras zonas a estabelecerem-se naquela região, recu-
sando-se, com frequência, a reconhecer a legitimidade da mudança. Esta era a forma
encontrada para evitar que os agricultores expropriados das suas terras se mudassem
para as cidades, aumentando a densidade populacional.
Assim, os nascimentos de pessoas que não possuíam o direito "legítimo" de
viver ali não eram, de modo algum, reconhecidos. Foi uma brilhante estratégia, atra-
vés da qual o Estado criou categorias de legitimidade que definiam os problemas
sociais de uma forma muito interessante2. Estou certo que Foucault sentir-se-ia
muito orgulhoso.
Na verdade, não há escolas, nem professores, nem hospitais, nem tão-pouco
infra-estruturas. A causa desta situação não se encontra nas questões imediatas e só
6 possível descobri-la se focalizarmos a nossa atenção nas cadeias nacionais e inter-
nacionais de formação de capitais, nas contraditórias necessidades do Estado, nas
relações de classe e nas relações que existem entre o campo e a cidade que organi-
zam, e desorganizam, este país.
Eu e o meu amigo já tínhamos percorrido um bom troço de estrada. A história
levou-me a esquecer, por completo, o calor que se fazia sentir. A frase final da história
- pronunciada tão vagarosa e calmamente, o que a tornou ainda mais confrangedora -
foi fulminante: "Michael, estes campos são o motivo pelo qual a minha cidade não
possui escolas. Não há escolas devido a algo tão trivial como o facto de as pessoas gos-
tarem de batatas fritas baratas".
Relato esta história por diversas razões. Em primeiro lugar, entendo que 6 uma das
formas mais poderosas para me recordar, e recordar a todos, a importância vital de
entendermos a escolarização numa perspectiva relacional, numa conexão - fundamen-
talmente - com as relações de domínio e de exploração (e com as resistências que se
vão gerando) da sociedade, no seu todo.
Em segundo lugar, e igualmente importante, narro esta história com o objectivo de
tecer uma consideração teórica e política essencial. Sem dúvida que as relações de

Vide, por exemplo, Nancy Fraser (1989), Unruly Practices, Minneapolis: University of Minnesota Press,
pp. 144-187; e Bruce Curtis (1992), True Government by Choice Men?, Toronto:University of Toronto Press.
poder são complexas e devemos ter sempre em consideração a preponderância pós-
-moderna, centrada no local, e as múltiplas formas de luta que se mantêm a esse nível.
É igualmente importante reconhecer as transformações que se vão produzindo em
muitas sociedades e ter sempre em consideração a complexidade que envolve a rela-
ção "poder/conhecimento". Contudo, nas nossas tentativas de evitar alguns perigos
inerentes as "grandes narrativas" precedentes, não devemos, de modo algum, actuar
como se o capitalismo tivesse realmente desaparecido. IVão podemos actuar como se
as relações de classe não fossem importantes para fundamentar a nossa análise. Não
podemos actuar como se todas as coisas que aprendemos sobre o modo de com-
preender o mundo, numa perspectiva política, fossem superadas pelo simples facto de
que as nossas teorias são agora mais complexas.
Aspectos como a negação dos direitos humanos básicos, a destruição do meio
ambiente, as condições desumanas em que sobrevivem as pessoas, a ausência de um
futuro com sentido para as milhares de crianças, a que me refiro na minha história, não
constituem unicamente, nem tão-pouco primordialmente, um "texto" a ser decifrado
nos nossos volumes académicos sobre diversos temas pós-modernos. No entanto, 6
uma realidade experimentada diariamente por milhões de pessoas. O trabalho educa-
tivo que não se encontre profundamente relacionado com a compreensão sólida destas
realidades - e esta compreensão não pode ignorar uma análise séria da economia polí-
tica e das relações de classe, pois perde grande parte da sua força - corre o risco de
perder a sua alma. No mínimo, a vida das nossas crianças exige-nos isso.

"Eles" não são como "nós"


Claro que a relação entre a educação e as questões mais gerais da economia e da
política não se limita ao país que produz batatas para o consumo de batatas fritas
baratas. Isso está aqui bem ilustrado. De facto, os grupos políticos e económicos mais
poderosos, nos Estados Unidos e noutras nações idênticas, tornaram bem claro que
uma boa educação era aquela que estaria directamente ligada as necessidades econó-
micas - obviamente que essas necessidades seriam definidas por esses mesmos grupos
poderosos.
Como já referi numa outra obra3, e como demonstrarei nesta, este processo é
muito complexo e encontra-se repleto de tendências e impulsos contraditórios.
Mesmo assim, grande parte da sua base de desenvolvimento e da sua história podem
ser descritas com bastante facilidade, se nos debruçarmos com acuidade na política
actual de restauração conservadora.
Muitas das políticas de Direita que, actualmente, dominam a educação - e não só
- encerram em si próprias uma tensão entre a ênfase neoliberal, colocada nos "valores
de mercado", e o apego neoconservador aos "valores tradicionaisn4.

Michael Apple (1993), Oficial Knowledge: Democratic Education in a Conservative Age, New York:
Routledge.
Geoff Whitty, Tony Edwards e Sharon Gewirtz (1993), Specialisation and Choice in Urban Education,
New York: Routledge, pp. 48-49.
De acordo com os neoliberais. o Estado deve ser minimizado, de preferência,
criando um espaço amplo e dando uma margem de liberdade a empresa privada, tal
como acontecia na produção de batatas fritas baratas; pelo contrário, os neoconserva-
dores defendem que o Estado deve ser forte para poder ensinar o conhecimento, as
normas e os valores "correctos".
Tanto os neoliberais como os neoconservadores entendem que a sociedade se
vai gradualmente desmoronando, precisamente porque as escolas não conseguem
assegurar nem uma coisa nem outra. Pelo contrário, as escolas encontram-se dema-
siado controladas pelo Estado e não ensinam aquilo que supostamente deveriam
ensinar.
Estamos perante algo contraditório mas, como analisaremos, o programa da
Direita possui estratégias para lidar com estas contradições e conseguiu formar, de um
modo criativo, uma aliança - por vezes com algumas tensões violentas - que reúne os
seus diversos movimentos.
Esta nova aliança hegemónica dispõe de uma ampla cobertura. Combina quatro
grandes grupos: 1) as elites económicas e políticas dominantes decididas a "moderni-
zar" a economia e as instituições com que se relacionam directamente; 2) a maior
parte dos grupos da classe trabalhadora de raça branca e da classe média, que não
confia no Estado, preocupada com a segurança, a família, o saber e os valores tradi-
cionais. Este movimento, cada vez mais activo, poderíamos designá-lo "populista
autoritário"; 3) os conservadores económicos e culturais, como é o caso de William
Bennett, que pretendem um regresso aos "níveis elevados", a disciplina e a competi-
ção social darwinista; 4) um sector da nova classe média, que não concorda completa-
mente com os restantes grupos, cujos interesses profissionais e esfor~ospendem para
a responsabilidade, a eficiência e os procedimentos de gestão, os quais constituem o
seu próprio capital cultural5.
A educação tem sido uma das esferas sociais onde a Direita tem ganho maior
ascendente. O objectivo social-democrata da expansão da igualdade de oportunidades
(em si própria, uma reforma muito limitada) perdeu grande parte da sua força política
e da sua capacidade para mobilizar as pessoas.
O "pânico" gerado pela queda dos padrões, pelos abandonos escolares e pela ilite-
racia; o medo da violência nas escolas; a preocupação com a destruição dos valores
familiares e da religiosidade -tudo isto produziu efeito. Estes receios são exacerbados,
e manipulados, pelos grupos dominantes nas esferas política e económica, conse-
guindo assim desviar os debates sobre a educação (e demais questões sociais) para o
seu próprio terreno - o terreno do tradicionalismo, da estandardização, da produtivi-
dade, da rnercadoriza@o e das necessidades da indústria.
Em virtude de muitos pais se encontrarem justificadamente preocupados com o
futuro económico e cultural dos seus filhos - numa economia cada vez mais condicionada

Para uma análise mais detalhada sobre esta alianca ou coliga~ão,vide Michael Apple (1993), Official
Knowledge: Democratic Ediication in a Conservative Age, New York: Routledge. Também para uma infor-
macão mais pormenorizada acerca da nova classe média, suas tendências e tensões ideológicas, uide
Basil Bernstein (1990), The Striicturing of Pedagogic Discourse: Class Codes and Control (volume 4), New
York: Routledge.
! pelos baixos saldrios, pela fuga de capitais e pela insegurança - o discurso de Direita
identifica-se muito bem com as vivências de muitas pessoas da classe trabalhadora e
/
I
da classe média6.
Subjacente a esta restauração conservadora, encontra-se uma clara sensação de
perda de controlo sobre um grande número de aspectos: segurança pessoal e eco-
nómica; o conhecimento e os valores que deveriam ser transmitidos as crianças;
aquilo que se considera autoridade e textos sagrados; e as relações de sexo e de
idade na fami'lia. A oposição binária nósleles torna-se importante neste contexto.
"Nós", "trabalhadores esforçados, decentes, virtuosos e homogéneos", somos os
que respeitam as leis. Os "eles" são muito diferentes: "preguiçosos, imorais, permis-
sivos e heterogéneos"'.
Estas oposições binárias distanciam a maioria das pessoas de cor, das mulheres (i.e.
"feministas"), dos homossexuais e das lésbicas, e outros, da restante comunidade. Os
sujeitos que são discriminados já não são propriamente grupos historicamente oprimi-
dos, mas sim "verdadeiros norte-americanos" que personificam as suas virtudes ideali-
zadas de um passado romantizado. Os "eles" são indignos. Conseguem alguma coisa
a troco de nada. As políticas que os apoiam estão a "minar o nosso estilo de vida" e a
maior parte dos nossos recursos económicos e a criar um controlo governamental das
nossas vidas8.
Tal como para grande parte do programa ideológico que fundamenta estas críti-
cas, os problemas da educação não se resumem apenas a abolição do controlo estatal
e burocrático das escolas, ao reforço da privatizaçáo e comercializaçáo e a reconstru-
ção do carácter do indivíduo, fortemente baseado nos valores individuais empresariais
ou em interpretações fundamentalistas da " moralidade cristã". Subjacente a isto,
encontra-se também um ataque dissimulado aos professores e, especialmente, aos
sindicatos de professores. Desempenham, aqui, papéis importantes a desmobilizaçáo
sindical ou, pelo menos, o enfraquecimento maciço do poder dos professoresg.
Deparamo-nos frequentemente com uma "gestáo mediante o stress"lO.Conheço
poucos professores que, neste momento, não se sintam directamente atacados, e i
menos, ainda, que não acreditem que esta sociedade utilize as suas escolas e os fun-
cionários públicos, em geral, como bodes-expiatórios para problemas sociais mais
i
complexos que não se encontra disposta a enfrentar.
Muito embora o meu timbre possa ser negativo quando abordo estesataques ao
Estado, as escolas e as organizações de professores, tal não deveria ser interpretado

1 Explico o modo como estas relaqóes sáo conseguidas em Michael Apple (1993), Oficial Knowledge: Demo-
cratic Education in a Conservative Age, New York: Routledge.
'Allen Hunter (1987), The Politics of Resentment and the Construction of Middle America. Unpublished
Paper, Departement of Sociology. Madison: University of Wisconsin, p. 23.
lbid., p. 30.
. Geoff Whitty, Tony Edwards e Sharon Gewirtz (1993), Specialisation and Choice in Urban Education, New
York: Routledge, p. 11.
'O David Robertson (1992), The meaning of multiskilling, in Nancy Jackson(ed.).Trainingjor Wl~at?Labour
Perspectives on Skill Training, Toronto: Our Schools/Our Selves Education Foudations, p. 136.
como uma apologia 3 actuação dos governos. Com efeito, a actuação dos governos,
sob a chancela do "interesse público", no domínio da educação ou até noutras áreas
da sociedade, nem sempre tem sido a mais prudente.
Na realidade, devido aos conflitos ideológicos, aos recursos insuficientes, aos seus
próprios interesses e as próprias estruturas internas, é possível argumentar que os
governos, normalmente, estão organizados para gerar o fracasso. De facto, e numa
perspectiva provocatória, alguns analistas sustentam que, paradoxalmente, uma das
condições de expansão do Governo (como devem saber, uma questão muito dolorosa
para os conservadores) consiste no incumprimento dos seus objectivos.
Ainda que de um modo exagerado, lan Hunter afirma: "O Governo programa o
seu próprio fracasso e fá-lo como condição indispensável para assegurar o seu pro-
gresso e as suas notáveis características inventivas."" Habitualmente, os governos têm
horizontes, metas e esferas de interesse (por exemplo, a imparcialidade, a igualdade
de oportunidades, etc.) que, de acordo com a distribuição actual de poder e de recur-
sos, são de todo impossíveis de cumprir.
De facto, para conseguir manter a sua própria legitimidade e a necessidade perma-
nente dos seus vários departamentos, programas e funcionários, o Estado deve ser
visto como uma entidade que luta pelo cumprimento dos seus objectivos, e que, cons-
tantemente, se vai avaliando em relação a esses mesmos objectivos. Assim, o
Governo, "demonstrando o seu fracasso, cria condições para o surgimento de novas
vias na vida da sociedade, que viabilizam a cristalização do conhecimento burocrático
e as estratégias de intervenção"'*. Deste modo, não deve constituir surpresa o facto
de nem todas estas formas de conhecimento e de intervenção serem, necessaria-
mente, a longo prazo, do interesse de todos os que a elas se encontram sujeitos.
Claro que isto não significa, tal como pretende a nova Direita, que o que é público
é mau e o que é privado é bom. Nem tão-pouco permite a leitura de que, em essên-
cia, a ideia da regulação governamental constitui uma ameaça a liberdade. Pelo con-
trário, a ideia de que a regulação governamental constitui uma ameaça para a liber-
dade relembra-nos as conexões que existem entre os recursos, o poder, os interesses
institucionais, o fracasso e, por isso, a permanente burocratização e expansão.
Ainda nesta obra, quando mais adiante abordar as lutas travadas pelos pais nos
Estados Unidos da América em relação ao currículo, terei oportunidade de provar que
existem elementos de bom e mau senso num determinado número de críticas a estas
questões, efectuadas pelos conservadores. No entanto, é por demais evidente que
esta sensação de burocratização, ineficácia e expansão serve de fundamento a muitos
dos ataques que se vão efectuando as escolas.
Consideremos as exigências actuais de reformas educativas que envolvem as relações
entre a educação e o trabalho (assalariado). A maioria das actuais iniciativas de reforma
encontra-se, em parte, fundamentada no desejo de reforçar as relações entre a educação

Ian Hunter (1994), Reth~nkingschool. St Leonards: Allen e Unwin, p. 134. Devo dizer que não estou de
acordo com muitas das ideias que surgem nesta obra. Todavia, julgo que neste caso concreto a sua aná-
lise está correctíssima.
l2 Ibid.
e um projecto mais global que "satisfaça as necessidades da economia". A crítica eco-
nómica do sistema educativo, cada vez mais poderosa, assenta numa série de desa-
fios. O sistema é basicamente antiempresarial e profundamente destruidor.
E, numa época de grave competição internacional, as escolas falham ao não pro-
duzirem mão-de-obra suficientemente qualificada, adaptável e flexível13. Como já
referi, ligado a esta ideia das escolas entendidas como produtoras de "capital
humano", encontra-se um programa cultural, igualmente importante, relacionado
com os conjuntos de lógicas sociais que deveriam orientar a nossa conduta diária.
Tanto para os neoliberais como para os neoconservadores, a função da educação
"não consiste apenas em estimular os membros inseridos numa economia de mercado
para que pensem como indivíduos, de modo a maximizarem os seus próprios benefí-
cios". Esta é a meta essencial, no entanto, a problemática é ainda mais complexa. As
pessoas necessitam também de ser encorajadas a aceitar, como um "dado trivial, que
"o sistema possui vencedores e perdedores"14.Um processo como este é "gerador de
riqueza".
Pode comprovar-se esta postura acerca da distribuiçao de riqueza - a desigualdade
como um bem social, e quanto mais desigualdade tanto melhor - através de um
excerto de Keith Joseph, antigo ministro da Educação do Governo de Margaret
Thatcher:
"Antigamente, não se imaginava que a abolição da pobreza passasse pela cons-
trução de uma sociedade igualitária e, ainda hoje, se torna muito difícil encontrar
uma relação entre ambas. Pelo contrário, pela experiência que o país nos mostra
já desde a Segunda Guerra Mundial, tudo se combina para demonstrar que não
podemos fazer o pobre mais rico, tornando o rico mais pobre. Só é possível tornar
o pobre mais rico fazendo com que todos sejam ricos, incluindo os rico^."'^
Num trabalho anterior, Frederich Hayek, um dos teóricos da economia em que se
baseiam os conservadores, aborda esta questão de um modo mais objectivo:
"Se, actualmente, nos Estados Unidos o u noutras nações da Europa ociden-
tal, o indivíduo relativamente pobre consegue ter acesso a u m frigorvico, fazer
uma viagem de avião ou até possuir u m rádio a u m custo relativamente razoá-
vel e m relação ao seu salário, isso só é possízlel porque, n o passpdo, outros,
com maior poder salaria1,foram capazes de consumir o que era tido, então,
como u m luxo social. O ritmo de desenvolvimento tornou-se muito facilitado,
pelo facto de o caminho se encontrar antecipadamente desbraziado. Atingiu-se
esta plataforma precisamente porque os exploradores, ao descobrirem o alvo,
permitiram a construção do caminho para os menos afortunados e menosfortes.

l3 Geoff Whitty, Tony Edwards e Sharon Gewirtz (1993), Specialisation and choice in urban education, New
York: Routledge, p. 11. Esta obra é de longe o melhor estudo empírico sobre a génese e os efeitos das
reformas da Direita.
l4 Ibid., p. 11.
l5 Citado em Ted Honderich (1990), Consmatism, Bouldar: Westview Press, p. 196.
Hoje e m dia, as classes mais desfavorecidas devem o seu relativo bem-estar
material às desigualdades sociais do passado. " I h
,Decerto, todas estas afirmações empíricas necessitam de ser comprovadas. Na ver-
dade, devemos questionar a nova Direita, nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha, se
realmente o aumento da riqueza das classes mais favorecidas implicou, ou não, a
diminuição da pobreza das classes mais desfavorecidas17.Como terei oportunidade de
referir no capítulo IV, a resposta seria hilariante, não propriamente devido as desastrosas
consequências que a redistribuição de riqueza provoca, mas porque a vida de muitas
pessoas se tem tornado cada vez mais insegura e, inclusive, desesperante.
Todavia, para muitos neoliberais e neoconservadores, mais uma vez, existe um cul-
pado fundamental que é a escola, e não as suas políticas económicas e sociais. Orga-
nize-se a escola e tudo o resto se ordenará por arrastamento.
De que modo é que organizamos a escola? Poder-se-á conseguir esta intenção
mediante um controlo mais restrito, através de currículos e testes nacionais, ou deixar
que, novamente, os mercados actuem através dos seus planos de privatização
"choice". Sem dúvida que estes instrumentos não são totalmente neutros. Pelo con-
trário, encontram-se repletos de custos encobertos e de contradições.
Ainda que as mesmas críticas possam ser dirigidas aqueles que se fascinam com as
"soluções" de mercado para a resolução de todos os problemas, Jonathan Kozol, no
seu estilo tipicamente apaixonado de abordar as questões, em resposta a uma posição
inicial da administração que defendia os planos "choice" baseados nas leis de mer-
cado, salienta:
"A Casa Branca, ao apresentar os planos "choice", deposita a sua confiança nos
mecanismos de mercado. Como é que os negros e as classes mais desfavorecidas
podem dar crédito a u m sistema de mercado que se tem mostrado tão inflexível e reti-
cente a todas as suas exigências? É atractivo para os conservadores - reafirmando a
sua fé na ambição e autonomia individual - responsabilizarem os indivíduos a abri-
rem as portas para uma educação melhor. N o entanto, exigir que u m indivíduo abra
caminhos que antecipadamente encerramos a sete chaves, é injusto."18
Tal como a posição neoliberal, que assume uma visão romântica do mercado, o
programa neoconservador possui também contradições interessantes. Muito embora
as posições neoconservadoras apoiem aquilo que na sociedade é "tradicional", o facto
é que a sua lealdade é extremamente selectiva, ou seja, não apoiam tudo o que é tra-
dicional na sociedadelg.
Uma das características distintivas das posições neoconservadoras é a sua visão do
carácter humano. Há uma clara preferência pelos sistemas de incentivo, em vez de se
optar pela estimulação de um determinado altruísmo social, muito embora, por vezes,

l6 Citado em ibid., p. 167.


I' Ibid., p. 199.
IR Jonathan kozol (1991), Sauage Inequalities, New York: Crown, p. 62.
l9 Ted Honderich (1990), Conseruatism, Boulder: Westview Press, p. 160.
este último surja mencionado na abordagem da educação moral, base de um "con-
junto de virtudes". Sem dúvida que a tradição altruísta tem raízes profundas no nosso
país e a sua expressão precisa de ser expandida e não atrofiada. O egoísmo é, simples-
mente, outra forma de individualismo possessivo que se constituiu num dos aspectos
mais devastadores das políticas sociais institucionalizadas nos países, durante as últi-
mas duas décadas.
Com frequência, os analistas de tendência neoconservadora, quando criticam o
sistema educativo, revelam-se extremamente preocupados com a pretensa falta de
valores que se constata, por exemplo, no seio das crianças das cidades. Por isso, não
deveríamos centrar a nossa análise nesta questão. Talvez fosse necessária a formula-
ção de questões críticas relacionadas com aqueles grupos de pessoas - grupos que
possuem consideravelmente mais dinheiro e poder - que têm tomado decisões políti-
cas e económicas que segregaram estas comunidades racial e economicamente.
Em essência, em vez de estudarmos o pobre, seria de todo justificável se nos
debruçássemos sobre o "alheamento quase patológico" dos grupos mais poderosos e
dos seus respectivos aliados no Governo, nos círculos intelectuais e nos políticos neo-
con~ervadores~~.
Ainda que se registem diferenças entre as múltiplas, embora extremamente inter-rela-
cionadas, tendências presentes no movimento neoconservador, parece existir um con-
senso fundamental no seio de todas estas distintas perspectivas: o acordo no que diz
respeito a história da classe, da raça e do sexo que, convenhamos, não é, certamente,
de todo inocente.
Na maior parte dos países de expressão inglesa - e não só - as mais diversas fac-
ções da Direita fizeram com que a relação entre o mercado e o bem comum fosse
transposta para o plano político. Entre as ideias mais influentes desta questão, encon-
tramos as seguintes: o estado de bem-estar, tal como o contrato social que o funda-
menta, tem sido "nefasto" a saúde económica, na medida em que "nós" não pode-
mos suportá-lo; limitou-se o exercício da livre escolha democrática devido aos interes-
ses, na sua maior parte profissionais, que se encontram em jogo; corrói o carácter dos
pobres porque "os" torna dependentes2'.
Quase toda a literatura que apoia esta posição evoca o "período áureo" anterior a
implantação do Estado de bem-estar, época em que as políticas eram económica e
moralmente sólidas, as estruturas institucionais e normativas eram estáveis e prevale-
cia a harmonia entre raça, classe e sexo, a medida que se avançava rumo ao "pro-
gresso". O Estado não era necessário para a prática do bem comum. O debate sobre o
papel do Estado na criação e na manutenção do bem comum, na educação e em
outros quadrantes da sociedade é tão antigo quanto o próprio goveino em si.
Nos Estados Unidos, subjacente a este conflito sobre o acto de trabalhar e estudar
e ainda sobre as exigências de que as pessoas "indignas" não deveriam obter "algo
gratuitamente", encontra-se uma história muito longa. As raízes desta questão

O
' Jonathan kozol(1991), Savage inequalities, New York: Crown, pp. 193-194.
Jane Lewis (1991), Back to the future. A comment on American new right ideas about the welfare and
citizenship in the 1980s. Gender and History, 3 (Autumn), p. 326.
remontam aos "asilos dos pobres" que, nos Estados Unidos, desempenharam um
papel tão importante na resolução do problema da pobreza, causada por desastres
económicos.
Frequentemente, as primeiras tentativas de abordagem deste problema tinham a
intenção consciente de separar, entre os pobres, aqueles que eram tidos como "úteis"
e como "inúteis". Usualmente, também eram caracterizados por uma distinta falta de
pudor na culpabilizaçáo do destino que os pobres possuíam (como é sabido, as pes-
soas deslocam-se das suas plantações de batatas para as cidades, não propriamente
devido as condições económicas precárias, mas simplesmente porque algo de errado
existe com "elas").
Nas palavras de Jane Lewis:
"No século XIX, a lei dos pobres, vigente na Grã-Bretanha, e m diversas partes
dos Estados Unidos, Canadá e Austrália, pretendia distinguir, sem qualquer erro, o
pobre do indigente. O s pedintes eram submetidos a itm teste de ''asilo de pobres"
para determinar se realmente possuíam, ou não, meios mínimos de subsistêilcia,
uma vez qite as condições nos asilos seriam menosfavoráveis do que as de u m traba-
lhador com u m salário mínimo. Se o pedinte estivesse preparado para aceitar esta
dádiva, seria então reconhecido como u m verdadeiro indigente.
O princípio era suficientemente claro. O sistema de provisão do bem-estar do
sécitlo X I X tinha como objectivo a efectiva segregação do indigente do mercado,
encarcerando-o n u m asilo onde os homens/niulheres se encontravam privados do
voto (se realmente tivessem direito a ele, itnia vez que o número de votos era limi-
tado) e e m que o trabalho, que na maior parte dos casos era oferecido (nos homens,
partir pedra e às mulheres colheita de estopa), não interferisse com o mercado de
trabalho
Em essência, os pobres eram uma "raça a parte"23.Poderiam ser encarcerados,
coarctados dos direitos básicos de cidadania e tratados como seres indignos de si pró-
prios. A relação entre estas ideias e as dinâmicas de classe é clara. Todavia, sempre
existiu uma relação entre estas políticas, a raça e o sexo.
Consideremos, por exemplo, o ideal vitoriano tal como foi institucionalizado no
virar do século, num determinado número de nações. Para os vitorianos, assim como
para muitos dos actuais conservadores, os problemas sociais diluíam-se quando a
família era forte e eficaz. Famílias deste tipo - maridos que se assumiam como chefes
de família dignos de confiança e mulheres que eram eficientes donas de casa - zela-
vam pelos idosos e enfermos e iniciavam, de igual modo, a socialização da criança nos
"hábitos de trabalho e ~ b e d i ê n c i a " ~ ~ .
O trabalho remunerado das mulheres nao era bem visto porque poderia colocar
em perigo os incentivos do trabalho dos homens.

l2 Ibid., p. 329.
Ibid.
24 Ibid., p. 331.
Todavia, entre os vitorianos, as opiniões encontravam-se divididas no que diz res-
peito as mulheres pobres, especialmente as que se encontravam sozinhas. Muito
embora pretendessem encorajar elou reforçar a participação dos homens no mercado
de trabalho e defendessem a ideia de que o papel "adequado" da mulher era manter-
-se em casa, a intenção de implementar o mesmo padrão para com um número cada
vez mais crescente de, por exemplo, viúvas, mães solteiras e abandonadas represen-
tava um sério dilema25.
E assim se instituiu uma complexa hierarquia moral, de modo a complementar os
efeitos das antecedentes perdas de dignidade, de respeito e dos direitos de cidadania
dos pobres.
Os funcionários do Governo tinham de decidir. Estas mulheres seriam tratadas
como mulheres ou como trabalhadoras? Optavam sempre pela segunda alternativa.
Neste caso, a hierarquia moral institucionalizava-se de outra forma, considerando as
viúvas "mais dignas". IVa maior parte dos casos, eram autorizadas a manter tantos
filhos quantos pudessem, habitualmente um ou dois, de acordo com o seu salário. Os
restantes deveriam ingressar em asilos ou orfanatos.
As "esposas abandonadas", que tinham coragem (e seria preciso muita) para pedir
ajuda e declarar oficialmente que haviam sido abandonadas pelos seus maridos, rece-
biam um tratamento muito mais ríspido. As autoridades governamentais suspeitavam
profundamente de um possível conluio entre esposos. Os homens da classe trabalha-
dora poderiam muito bem estar a viver dos benefícios das "suas mulheres". As "mães
solteiras" eram tratadas como moralmente repreensíveis. Habitualmente, a sua única
saída seria ingressarem num asilo para desamparado^^^.
Existem aqui demasiados aspectos que nos fazem recordar o actual discurso de
Direita no que concerne aos pobres, especialmente as mulheres (e homens) pobres.
Por exemplo, esta retórica constrói a imagem do pobre afro-norte-americano que vive
da senha de beneficência da "sua mulher"; das mulheres pobres moralmente incon-
troláveis; das mulheres solteiras, pobres, que abandonam a escola e que têm muitos
filhos, com o intuito de obterem um subsidio mais avultado.
Esta imagem, amarguradamente parcial e empiricamente problemática do pobre,
encontra-se subjacente a muitas políticas sociais e educativas da actual restauração
conservadora. Para a coligação de Direita, a resposta consiste na revivificação da
noção de família tradicional, de modo a impor aos pobres de cor e aos pobres em
geral uma determinada forma de escravidão ou de trabalho forçado, com base num
contrato e, mais uma vez, criar a imagem de que os pobres são os únicos culpados da
sua miserável condição27.Regresso ao futuro?
No capítulo 3 debruçar-me-ei com maior acuidade sobre este assunto. Todavia, a
imagem da família (não a sua realidade, que foi e tem sido muito variável no percurso

Ibid , p. 332.
2"bid.
27 Ibid., pp. 332-333. Para uma impressionante análise da história deste processo, uide Nancy Fraser e Linda
Gordon (1994), "A Genealogy of Dependency", Signs,19 (1994),pp. 309-336.
da História dos Estados unido^)^' desempenha um papel nuclear neste drama ideoló-
gico. Tal como no passado, o discurso da família pode muito bem ser utilizado para
múltiplos propósitos sociais. Neste caso, tal como em outros anteriores, o seu uso é
regressivo.
Por exemplo, para a Direita neoconservadora e populista autoritária, o papel da
família deve pautar-se pela "garantia da estabilidade social no seio de uma economia
agressivamente competitiva". Como é que vamos minimizar o papel do Estado? Parte
da resposta está na maximização da família2'. Tal como refere Arnot, "reabilitando a
família, (nós) podemos derrubar o 'Estado parasita' e, através de uma 'cruzada moral',
contrariar os efeitos da permissividade e do feminismo d i ~ c u t í v e l " ~ ~ .
Mediante tudo o que tenho vindo a expor, é evidente que no interior da restaura-
ção conservadora existem elementos e intencionalidades patriarcais; contudo, o que se
encontra subjacente a muitas das suas políticas sociais não é apenas uma atitude anti-
feminista. Convém que recordemos sempre que o princípio estruturante de uma boa
parte do seu programa se traduz no incremento dos benefícios, aumentando a produ-
tividade, reduzindo os custos, debilitando as organizações colectivas dos trabalhadores
assalariados e disciplinando os trabalhadores, atemorizando-os com o desemprego3'.
Perante as necessidades de capital para o trabalho assalariado das mulheres, a
Direita não podia limitar-se a promover, apenas, uma política de regresso das mulheres
a família e ao trabalho doméstico. Devia também promover a integração da mulher no
mercado laboral. No entanto, o processo através do qual se concretizaria esta integra-
ção viria a ocorrer nas "piores condições possíveis" para estas mulheres32.
A sua protecção foi reduzida; as taxas de desemprego permaneceram elevadas; o
Estado não providenciou a atenção necessária as crianças; os encargos domésticos
aumentaram, com o Estado a retirar o seu apoio a serviços e programas de assistência
social, relegando as suas responsabilidades para o sector privado que, todavia, jamais
conseguiria compensar as perdas. Para as mulheres da classe trabalhadora e para as
mulheres de cor, o efeito acumulativo destas políticas foi devastador. As suas oportu-
nidades restringiram-se severamente e as possibilidades de emprego de que dispu-
nham eram, sem dúvida, "nas piores condições possíveis". Esta situação fez e faz-nos
avivar o episódio das "batatas fritas baratas".
Daí que a compreensão do sexo, da raça e da classe seja essencial para podermos
entender tanto os efeitos como as intenções contraditórias da restauração conserva-
dora. Aliás, esta questão surgirá bem clarificada ao longo deste livro.
Por vezes, estas intenções e efeitos parecem contraditórios; por exemplo, o papel ade-
quado para as mulheres é o de, simultaneamente, serem recrutadas como mão-de-obra

28 Vide Stephanie Coontz (1988), The social origins of private life, New York: Verso; e Stephanie Coontz
(1992), The way ZL~Cnever were, New York: Basic Books.
" Madeleine Arnot (1991), Feminism, education and the new right. Unpublished paper presented at the
American Educational Research Association, Chicago, p. 15.
" Ibid., pp. 15-16.
31 lbid., pp. 25-26.
" lbid.
por questões económicas e permanecerem em casa com a finalidade de garantirem a
reprodução da "família tradicional".
A aliança de Direita criou, sobretudo, condições que lhe garantem um determi-
nado poder hegemónico cada vez maior sobre as políticas e, mais do que isto, sobre a
forma de abordar o que está certo ou errado na economia, no bem-estar social, na
política e também, como muitos de vós bem sabeis, pela vossa própria experiência, na
educação.
O discurso desta aliança de Direita combina duas linguagens diferentes: uma, refe-
rente as crianças como "futuros trabalhadores", a privatização e ao mercado de con-
corrência para os "consumidores", as necessidades das empresas e a uma prestação
de contas mais rígida e controlada; outra, alusiva aos valores "cristãos", a tradição
ocidental, a tradição familiar e ao "back to the b a s i c ~ "O~ retorno
~, ao "fundamental".
Estas linguagens, usadas em simultâneo, criaram tamanho ruído que se torna prati-
camente impossível ouvir outra coisa. Colocando estas linguagens em sintonia, como
aliás faz a coligação de Direita, confere-lhe um enorme poder. Ameaça mesmo con-
verter-se numa verdadeira hegemonia.

Culturas hegemónicas
Neste livro, tal como em outros livros meus, utilizo frequentemente a palavra que
surge na última frase do parágrafo anterior: hegemonia. Trata-se de um conceito que
tem uma longa e variada história34.Permanece como um dos conceitos mais privilegia-
dos, não propriamente pelo modo poético como é verbalizado (o que de todo não
acontece), nem tão-pouco porque possa outorgar a alguém determinada legitimidade
teórica (em alguns domínios deixa as pessoas bem nervosas). Pelo contrário, utilizo a
palavra hegemonia porque se revela uma ferramenta útil para desmontar partes cru-
ciais, não só do poderoso programa económico e familiar, como aliás já anteriormente
referi, mas também para analisar o programa de restauração das políticas culturais, no
domínio da educação. É um utensílio essencial na descoberta de determinadas formas,
através das quais o poder diferencial circula e é utilizado na educação, em particular, e
na sociedade, em geral.
O conceito de hegemonia refere-se a um processo em que os grupos dominantes
de uma determinada sociedade se unem, de modo a formarem um bloco social que
mantém e garante a sua liderança perante os grupos dominados. Um dos elementos
mais importantes que perfazem esta ideia é precisamente o facto de estes bloqueios
de poder não dependerem, necessariamente, de estratégias de coacção (muito
embora em alguns casos tal se venha a verificar. Como exemplo, tomemos o caso dos --..
Estados Unidos, em que uma larga percentagem da sua população, muito superior a
qualquer outra nação do Mundo, com as suas características - sobretudo homens e
mulheres de cor -, foi encarcerada).

Regresso aos conteúdos escolares básicos. (NT)


Vide Peter Bocock (1986), Hegemony. New York: Tavistock, e também Raymond Williams (1977), Mar-
xrsm and Literature, New York: Oxford University Press.
I
Pelo contrário, estas forças de bloqueio social tendem a conseguir a aquiescência
da ordem social pre~alecente~~, formando um guarda-chuva ideológico debaixo do
qual muitos grupos sociais se resguardam, embora, possivelmente, apresentem diver-
gências profundas entre si. A estratégia utilizada para que se cristalize este consenso
consiste em criar um compromisso, de modo a que todos os grupos sintam que as
suas exigências se encontram legitimadas (por isso, a retórica é neste processo essen-
cial) sem que, contudo, os grupos dominantes desistam da liderança das tendências
mais gerais da sociedade.
Como já tive oportunidade de referir no início deste capítulo, isto é exactamente o
que se está a passar na maior parte dos países, a medida que o discurso de Direita se
torna cada vez mais poderoso e dominante, na formulação do nosso senso comum36.O
simples facto de tacitamente regressarmos a uma forma de teste de asilo para desam-
parados e a uma condição de negação dos direitos humanos a muitos dos pobres - e
esta ideia encontra-se cada vez mais generalizada -comprova o meu raciocínio.
De facto, é essencial assinalar que, em qualquer situação histórica, o controlo
hegemónico só aparece como exercício parcial de liderança por parte dos grupos
dominantes, ou mediante uma determinada aliança entre grupos dominantes, em
algumas, certamente não todas, esferas da sociedade.
As forças mais poderosas da nossa sociedade não apresentam sucesso idêntico na
economia, no direito, nas instituições educacionais financiadas pelo Estado, nos meios
de comunicação social, nas artes, na religião, na família e na sociedade civil, em
geral3'. Como salienta Jim McGuigan, "a cultura dominante nunca consegue dominar
completamente o campo: tem que lutar continuamente com as culturas residuais e
emergentesf13'. Igualmente importante é o facto de que, embora as relações hegemó-
nicas devam ser pensadas, com frequência, em termos de classe - e é extremamente
importante que se continue a pensar desta forma -, como já salientei, é essencial que
se reconheça, sempre, a multiplicidade das relações de poder que envolvem as proble-
máticas da raça, do sexo, da sexualidade e da "capacidade".
A raça - que não é uma entidade biológica mas sim uma construção social - cons-
titui, a este respeito, um exemplo39.Consideremos as intenções dos neoconservadores,
de modo a que as escolas e os meios de comunicação criem uma "identidade norte-
-americanav única e unificadora. Esta estratégia não é imposta na verdadeira acepção
do termo; pelo contrário, ela é proposta mediante uma aliança entre os grupos domi-
nantes, por forma a que todos os seus membros encontrem, nessa mesma estratégia,

-
3"ide JimMcGuigan (1992), Cultural Populism, New York: Routledge, p. 63.
36 Para uma exposi~ãomais abrangente destas tendências vide Michael Apple (1993), Oficial Knowledge:
Democratic Education in a Conservative Age, New York: Routledge.
37 Peter Bocock (1986),Hegemony, New York: Tavistock; e também Raymond Williams (1977). Marxism and
literature, New York: Oxford University Press, p. 94.
"Jim McGuigan (1992),Cultural Populism. New York: Routledge, p. 25.
39 Vide Michael Omi e Howard Winant (1994), Racial Formation in the United States, 2nd edition, New York:
Routledge; e também Cameron McCarthy e Warren Crichlow (eds.) (1993),Race, Identity and Representa-
tion in Education, New York: Routledge.
elementos que os identifiquem. Sim, alguns de vós encontrais-vos em posições econó-
micas extremamente instáveis, sentis-vos marginalizados cultural ou religiosamente,
estais condenados a assistir ao fracasso de escolas em que existem tensões raciais, e
carecem de apoio financeiro suficiente, e sentis-vos inseguros em quase todos os
aspectos da vida. Alguns de vós viveis em áreas rurais ou urbanas onde as condições
de vida são quase tão medíocres como as que assinalei no início do capítulo, na histó-
ria que fundamenta este livro.
Todavia, todos "nós" somos um todo. Somos todos parte de uma mesma identi-
dade, de uma nação de imigrantes. É este o rosto do discurso hegemónico, no
"melhor" da sua criatividade.
Edward Said elucida-nos, com toda a acuidade, sobre alguns aspectos do perigo:
"Antes de nos colocarmos de acordo sobre o que constitui a identidade norte-
-americana, temos de admitir que, como sociedade colonizadora de imigrantes
sobreposta as ruínas de uma considerável presença indígena, a identidade norte-
-americana é demasiado variada para poder constituir-se numa realidade unitária
e homogénea; na realidade, a problemática que envolve estas questões desenvolve-
-se entre os defensores de uma identidade unificadora e os que vêem o conjunto
como u m todo complexo que, de modo algum, se pode unificar de uma forma
redutora."40
Tal como Said, penso que só a segunda perspectiva se revela plenamente sensível a
realidade das experiências históricas. Said salienta: "Em parte devido ao império, todas as
culturas se mesclam entre si e nenhuma se consegue revelar como cândida e pura, são
todas híbridas, heterogéneas, extraordinariamente diferenciadas e não mon~líticas"~'.
Tem-se debatido muito esta heterogeneidade como algo que encaminhará os Esta-
dos Unidos para uma "balcanização" e "libanização" como se, porventura, a repú-
I blica pudesse ser dissolvida (a obra de Arthur Schlesinger "The Disuniting of America"
é um bom exemplo)42.Pelo contrário, na minha perspectiva, parece-me muito melhor
explorarmos os nossos múltiplos relatos históricos em vez de reprimi-los, ou - pior do
que isso - negá-los, como muitos neoconservadores gostariam que fizéssemos.
Novamente Edward Said, um dos nossos comentadores da política cultural mais
inteligentes, faculta-nos a melhor parte do argumento:
" O s Estados Unidos da América encerram e m si próprios tantas histórias,
muitas delas exigindo uma grande atenção, que não há justificapio para este
emergente receio, uma vez que elas sempre existiram na sociedade.
Na verdade, foi a partir delas que a sociedade norte-americana e as suas conse-
quentes políticas ... se foram criando. Por outras palavras, os recentes debates
sobre o multiculturalismo dificilmente poderão conduzir a sociedade a uma "liba-
nização"; e se estes debates nos apontam o caminho para a realização das reformas

JD
Edward Said (1993). Culture and Imperialism, New York: Vintage Books, p. 25.
4' lbid.
" Arthur M. Schlesinger (1991), The Disuniting of America, New York: Whittle Communications.
políticas, de acordo com o modo como as mulheres, as minorias (honiossexuais e
lésbicas) e imigrantes mais recentes se vêem a si próprios, então não há que ter
receios e nem há que optar por uma posição de desconfiança e m relação a eles. -
O que é necessário é recordar que as narrativas de emancipação e de ilustra-
ção, nas suas formas mais poderosas, foram também narrativas de integração e
não de segregação, histórias de pessoas que foram excluídas dos grupos mais
poderosos, mas que agora lutam para obter u m lugar nesse mesmo grupo. E se as
velhas e habituais ideias do grupo mais poderoso não fossem flexíveis e generosas
para admitir novos grupos, então essas ideias necessitariam de uma transforma-
ção, facto que se revela nluito mais justo, do que optar pela rejeição dos grupos
emergentes.
Já anteriormente frisei que, em minha opinião, grande parte do raciocínio de Said
está correcto.
Todavia, possui também os seus perigos. Argumentos deste género posicionam o
"grupo dominante" como árbitro último, como o juiz da inclusão e exclusão, quando,
numa época de políticas de restauração, esta questão surge apenas como parte do
problema e do que é necessário ser reequacionado. Por acaso, a cultura dominante,
na sua grande maioria de raça branca, tem o pleno direito de julgar que tipo de tradi-
ções afro-norte-americanas, indo-norte-americanas, latinas, asiático-norte-americanas
e tantas outras do passado, do presente e do futuro são "legítimas" e quais devem
receber a aprovação oficial? É uma questão complexa, mas certamente muitas das
nossas convicções levam-nos a responder "não" e, creio eu, com inteira razão.
O raciocínio de Said acerca da natureza da história e da cultura poderia ser refor-
mulado de outra maneira, uma vez que a linguagem que utiliza pode servir para
apoiar uma determinada postura multicultural que, aliás, é actualmente muito pode-
rosa, muito embora revele falhas profundas. É um discurso que, apesar de possuir ele-
mentos progressistas e de ser reconhecido por alguns neoliberais, revela a postura do
guarda-chuva hegemónico vigente.
Tomemos, como exemplo, a visão do passado norte-americano que mencionei
anteriormente. Muitos dos manuais e materiais curriculares das nossas escolas projec-
tam os Estados Unidos como uma história de "imigrantes". "Nós" somos uma nação
de imigrantes. "Nós" somos todos imigrantes, desde a primeira nação original (índios)
que atravessou o estreito de Bering, até as mais recentes cadeias de imigração oriun-
das da Europa Oriental, da América Latina, da Ásia e da Africa. Bem, claro que somos,
Todavia, esta história desfigura, por completo, as condições diferenciadas que exis-
tiram nesse mesmo processo migratório. Muitos dos imigrantes que chegaram, acor-
rentados, eram escravos e tiveram de suportar séculos de repressão e de segregação,
impostos pelo Governo. Há aqui um claro quadro de diferenciação.
Embora as palavras não sejam tudo - e alguns dos nossos debates políticos acerca
das "palavras correctas" possam realmente servir de justificação para evitar um com-
prometimento em relação as questões mais amplas, ou até para estereotipar, de um

'"dward Said (1993), Culture and lmperialistri, New York: Vintage Books, p. 26.
modo infeliz, o emissor de tais palavras - elas são realmente importantes. Encerram
em si próprias, com frequência, uma determinada lógica histórica.
Assim, devemos ser cautelosos quando empregamos o discurso sobre a nação de
imigrantes, de modo que esse mesmo discurso não ignore as verdadeiras diferenças
das experiências históricas de grupos de cidadãos que se posicionam em pólos sociais
distintos. Mais adiante, aprofundarei esta questão na análise que efectuarei a proble-
mática em torno do currículo nacional.
Portanto, a linguagem é importante. Tomemos, como exemplo, a palavra aparen-
temente simples "desfavorecido". Convém salientar que a palavra desfavorecido
implica que os problemas da pessoa em causa - o desfavorecido - sejam, em grande
parte, culpa da sua falta de sorte. Em essência, não há agentes de dominação. Dizer
"oprimido", em vez de desfavorecido, implica algo mais forte. Significa que existem
estruturas de opressão44.É exactamente esta diferença que desejo deixar aqui bem
clarificada. Não quero perder de vista os campos que adoptam estas condições opres-
soras, à medida que exploro as complicadas formas através das quais o poder opera
nos domínios cultural, político e económico desta sociedade.

Políticas culturais e educação


As questões que tenho vindo a levantar para desenhar o quadro das tendências
actuais, e parte dos seus respectivos passados, contêm elementos distintos: valores e
objectivos económicos; concepções acerca das relações da família e da raça, do sexo e
de classe; as políticas da cultura, diferença e identidade; o papel do Estado em todo
este processo.
Em ordem a formulação de um raciocínio sério sobre as políticas culturais da edu-
cação, nenhum destes elementos pode ser ignorado. Os capítulos seguintes demons-
tram o fundamento da minha afirmação e facultam exemplos de como podemos, com
seriedade, tomar em consideração estes elementos.
Alguns capítulos centram-se nas grandes lutas culturais/ideológicas, em torno e
dentro das escolas; outros ilustram a acuidade da análise crítica sobre a economia e as
suas relações com o discurso educativo, suas políticas e práticas respectivas. Alguns
direccionam a nossa atenção para as políticas culturais e para a criação de um senso
comum, a nível nacional; outros há que são decidida e propriamente locais.
O segundo capítulo examina as propostas mais significativas para a "reforma" edu-
cativa, oriundas da aliança neoliberal e neoconservadora. Centra-se, sobretudo, nas pro-
postas de currículo nacional e de testes de âmbito nacional. Este capítulo situa estas pro-
postas dentro das grandes tendências e contradiçóes da referida aliança e revela como a
coligação conservadora consegue criativamente reunir, debaixo de sua alçada, grupos
sociais que nem sempre conseguiram encontrar plataformas consensuais entre si.
Eu defendo que um dos efeitos mais perversos do currículo nacional será o de
"legitimar as desigualdades". Independentemente das diferenças que existem entre as

Sherene Razack (1994), "What is to be gained by lookiig white people in the eye? Culture, race and gen-
der in cases of sexual violence", Signs, 19 (Summer), p. 905.
escolas, o currículo nacional pode, de facto, ajudar a construir a ilusão de que elas
possuem algo em comum45.Todas elas são culturalmente idênticas.
Uso intencionalmente a palavra ilusão para exemplificar o poder total que existe
nas verdadeiras distinções entre, por exemplo, as escolas pobres do centro das cidades
e as escolas rurais e aquelas que se encontram nos bairros da classe rica. Tal como
Jonathan Kozol claramente salienta, as diferenças de recursos e de poder e as expe-
riências vividas por alunos, professores e membros da comunidade que resultam dessa
diferenciação são realmente " s e l ~ a g e n s " ~ ~ .
Defendo também que a rápida evolução em ordem a centralização do currículo e
dos testes pode muito bem ser o primeiro passo ideal para a consecução de um dos
objectivos a longo prazo da Direita: a privatização. Neste processo, sugiro que deve-
mos pensar nas questões em torno de uma cultura e de um currículo comuns, de uma
maneira muito diferente da análise que é hoje realizada.
No início deste capítulo introdutório, salientei que uma das razões que têm levado a
restauração conservadora a conseguir cativar as pessoas reside no receio de uma maior
burocratização e expansão do Estado. Não precisamos de nos aliar as posições veicula-
das pela Direita para concordar que um governo que não ouve os cidadãos, que
assume saber mais do que qualquer cidadão comum, que estabelece fórmulas para se
divorciar das preocupações profundas dos seus cidadãos, não faz qualquer sentido.
Na verdade, este tipo de críticas constitui parte da força impulsionadora de muitos
dos planos sociais-democratas e democratas populares. Portanto, muito embora eu me
sinta profundamente preocupado com os impulsos autoritários que subjazem a grande
parte da restauração conservadora - e especialmente das facções conservadoras funda-
mentalistas religiosas desta aliança -, quero que levemos muito a sério as suas críticas.
No terceiro capítulo, eu e a Anita Oliver fazemos precisamente isso. Analisámos as
posturas ideológicas que constituem a base através da qual os fundamentalistas cons-
troem os seus argumentos contra as escolas públicas e salientámos que as escolas se
devem preocupar, em virtude do poder crescente do referido movimento. No entanto,
o capítulo vai muito mais longe. Penetra dentro dos próprios distritos escolares, para
demonstrar como, na realidade, as estruturas e respostas burocráticas das escolas
criam, por vezes, condições para que os movimentos de Direita cresçam e prosperem.
Também afirmámos que é ao nível local que esses movimentos nacionais podem ser
bloqueados e contestados.
Contudo, o terceiro capítulo serve também outras finalidades. Tal como o capítulo
sobre o currículo e os testes nacionais, este capítulo possui um fundamento teórico. É
nossa intenção demonstrar, de uma forma concreta, como é que, habitualmente, tra-
dições tão diferentes como as neogramscianas, as pós-modernas e as pós-estruturalis-
tas se podem conjugar tão pragmaticamente para ilustrar a dinâmica de poder em
torno da educação, no seio das verdadeiras escolas.
Quer do ponto de vista conceptual, quer do ponto de vista político, é uma tarefa
arriscada. Aproximar estas tradições de modo a que, simultaneamente, entrem em

Geoff Whitty, Tony Edwards e Sharon Gewirtz (1993), Specialisation and Choice in Urban Education, New
York: Routledge, p. 179.
"6 (1991), Savage Inequalities, New York: Crown.
KOZO~
fricção e colidam, de forma criativa, poderá permitir-nos detectar, como espero,
aspectos importantes da política e prática educativas que, de outra forma, passariam
despercebidos.
Todavia, um considerável número de pessoas das universidades constrói a sua car-
reira realizando dissertações. Fazem longas divagações para distanciar o "novo" do
"antigo" e/ou estabelecem distinções metateóricas, cada vez mais áridas, entre ambas
as tradicões ou até no seio de cada uma.
Contudo, na minha opinião, o valor das teorias depende do trabalho que nos per-
mitem realizar. Tal como refere Pierre Bourdieu, "a transgressão é um pré-requisito
para se poder avançaru4'. E se a transgressão sistemática dos limites entre o "neo" e o
"pós" nos permite desenvolver um trabalho educativo crucial - analítico - empírico -
político, por mim, tudo bem. Deixo aos outros a vigilância dos limites. Estou pouco
interessado nas distinções académicas arcaicas ou na mobilidade das políticas no seio
da academia que faz com que essas distinções sejam ''importantes"; estou mais preo-
cupado em compreender os limites e as possibilidades das acções críticas que rodeiam
a política cultural e a educação.
Embora muitos segmentos da aliança hegemónica pretendam eliminar a diferencia-
cão, através da imposição do seu sentido de identidade norte-americana ou através da
construção de uma cultura comum que dilua diferenças e experiências históricas impor-
tantes, existem outros elementos, no seio desta coligação, que estão pouco interessados
nestas batalhas culturais, excepto naquelas que os ajudem a atrair os conservadores fun-
damentalistas religiosos para debaixo da auréola da sua liderança. Para eles, assim como
para o estereótipo generalizado dos marxistas da velha escola, "É a economia, estú-
pido".
Os nossos problemas serão resolvidos se reorganizarmos todas as nossas institui-
ções em torno do seu sentido de necessidades económicas. Assim, a educação con-
verte-se num produto, tal como o pão ou os carros, e a única cultura que vale a pena
abordar é a "cultura empresarial" e as destrezas flexíveis, conhecimentos, disposições
e valores, necessários para a competicão económica4'.
Uma das justificações primordiais para o ataque As escolas públicas é, como j6
salientei, o carácter da economia. O potencial competitivo da "nossa" economia vê-se
bloqueado pelos baixos níveis, pela falta de disciplina no trabalho e ainda pelos maus
resultados. O abandono escolar e os estudantes "em situação de risco", como justifi-
cação do problema essencial da nossa falta de competitividade económica, é o exemplo
protótipo de como os grupos dominantes transferem as culpas da economia para as
escolas.
Utilizando a problemdtica dos abandonos escolares como alavanca para averiguar
as conexões entre a escolarização e a economia, o capítulo IV examina a interpretação

47 Pierre Bourdieu citado em Loic J. D. Wacquant (1989), "Towards a reflexive sociology", in Sociological
Theory, 7 (Spring),p. 46.
48 Para um modo de pensar muito diferente, e consideravelmente mais progressista, sobre a relaqáo entre a
educação e o trabalho, vide Walter Feinberg (1993), Japan and the Pursuit of a New American Identity, New
York: Routledge.
social do abandono escolar como um problema, situando-o directamente no que, na
realidade, parece ser a economia presente e futura.
A verdadeira economia, por oposição ao quadro cor-de-rosa que pretende deixar
transparecer uma rápida recuperação que a todos beneficiará, pode causar motivos de
alarme, não só no momento actual, como também em termos de previsões futuras
relacionadas com milhões de crianças.
Tomando este aspecto em consideração, o capítulo IV dará a palavra a uma série
de alunos que - depois de terem permanecido na escola em vez de a abandonarem -
experimentam, agora, o que é realmente a vida em tantos dos postos de trabalho que
se encontram disponíveis na tal suposta economia cor-de-rosa. Estas vozes fornecem-
-nos testemunhos eloquentes acerca das vidas que tanto condenamos, se aceitarmos
as definições dominantes dos problemas e soluções desta sociedade.
Não tenho a mínima intenção que a última frase do último parágrafo seja apenas
retórica. Os termos que se utilizam para descrever a vida social e educativa são tam-
bém forças activas na sua própria configuração. Um dos aspectos mais cruciais da polí-
tica é a luta para definir a realidade social e para interpretar as aspirações e as necessi-
dades imperfeitas das pessoas49.
As políticas culturais na educação não se referem apenas às complexas questões
sobre qual será o capital cultural que se torna em conhecimento oficial e a quem per-
tence esse mesmo capital cultural. Nem tão-pouco analisam que concepções de famí-
lia, governo, identidade e economia deverão ser veiculadas nas nossas instituições e
no nosso quotidiano. Claro que tudo isto que acabo de referir é de capital importância.
As políticas culturais relacionam-se também, e com muita profundidade, com os
recursos que empregamos para confrontar as relações existentes, para defender as
formas contra-hegemónicas que já existem, ou até para criar novas formas.
Tal como saliento na conclusão desta obra, tudo isto faz parte de uma tentativa
colectiva, consciente, para denominar o mundo de uma forma diferente, para recusar,
com veemência, a aceitação dos significados dominantes e para fundamentar, rigoro-
samente, a possibilidade de que se poderia ser diferente. Falando, quiçá, de um modo
algo metafórico, posso afirmar que manifesta a nossa intenção, constante, de viver
sem batatas fritas baratas.

9' Fraçer e Gordon (1994), "A genealogy of dependency", Signs, 19 (Winter), p. 310.

48
' As Políticas do Conhecimento Oficial:
Faz Sentido a Ideia de um Currículo Nacional?
A educação está profundamente implicada nas políticas da cultura. O currículo
nunca é apenas um conjunto neutro de conhecimentos que, de algum modo, aparece
nos textos e nas salas de aula de uma nação. É sempre parte de uma tradição selec-
tiva, da selecção de alguém, da visão de algum grupo do conhecimento legítimo. O
currículo é produto das tensões, conflitos e compromissos culturais, políticos e econó-
micos que organizam e desorganizam um povo.
Tal como referi nos livros Ideology and Curriculum e Official Knowledge, a decisão
de definir o conhecimento de determinados grupos como o mais legitimo, como
conhecimento oficial, enquanto o conhecimento de outros grupos raramente conse-
gue ver a luz do dia, revela algo de extremamente importante sobre quem tem o
poder na sociedade.'
Consideremos os textos de estudos sociais que continuam a falar da "Idade
Média", em vez da denominação, historicamente mais exacta e menos racista, "idade
da ascendência africana e asiática" ou de livros que referem Rosa Parks meramente
como uma mulher afro-norte-americana que se encontrava, simplesmente, demasiado
cansada para ir para a parte de trás do autocarro, em vez de discutir a sua formação
em desobediência civil organizada na Highlander Folk School. A constatação de que o
ensino, especialmente ao nível da escolaridade básica, tem sido, em grande parte,
definido como trabalho feminino remunerado - com as respectivas lutas pela autono-
mia, salário, respeito e desqualificação - revela as ligações que se estabelecem entre
currículo e ensino, bem como entre a história das políticas relativas ao sexo.2
Deste modo, quer seja do nosso agrado ou não, o poder diferencial introduz-se no
coração do currículo e da avaliação. O que conta como conhecimento, as formas
como se encontra organizado, quem tem autoridade para ensiná-lo, o que conta
como evidência verdadeira de o ter aprendido e - igualmente significativo - quem se
encontra autorizado a perguntar e a responder a todas essas questões, tudo isso está

' MichaelW . Apple (1990), Ideology and Curriculum, 2nd edition, New York: Routlegde; e Michael W.
Apple (1993), Official Knomledgr: Democratic Edncation in a Conservativr Age, New York: Routledge.
Michael W. Apple (1988), Teachers and Texts: a Political Economy ofClass and Gender Relations in Education,
New York: Routledge.
directamente relacionado com o modo como o domínio e a subordinação são repro-
duzidos e alterados nesta ~ociedade.~
Assim, existem sempre políticas do conhecimento oficial, políticas que exprimem o
conflito em torno daquilo que alguns vêem simplesmente como descrições neutras do
mundo e outros como concepções de elite que privilegiam determinados grupos,
enquanto marginalizam outros.
Pierre Bourdieu, falando genericamente sobre o modo como a cultura, os hábitos e
os "gostos" da elite funcionam, salienta o seguinte:
" A negação de u m prazer baixo, inferior, vulgar, venal, servil - em suma, natu-
ral -que constitui a esfera sagrada da cultura, implica uma afirmação da superiori-
dade dos que conseguem satisfazer-se com os prazeres sublimados, refinados, desin-
teressados, gratuitos e distintos que são eternamente vetados ao profano. É por isso
que os consumos artístico e cultural estão predispostos, consciente e deliberada-
mente ou não, a desempenhar a função social de legitimar a diferença ~ o c i a l . " ~
Como Pierre Bourdieu continua a dizer, estas formas culturais, "através das condi-
ções económicas e sociais que pressupõem, ... estão intimamente ligadas aos sistemas
de disposições (habitus) característicos de classes diferentes e de facções de c l a ~ s e " . ~
Assim, a forma e o conteúdo culturais funcionam como indicadores de ~1ass.e.~ A
concessão de uma legitimidade exclusiva a tal sistema de cultura, através da sua incor-
poração no currículo centralizado oficial, cria, por sua vez, uma situação em que os
indicadores de "gosto" se tornam indicadores das pessoas. A escola torna-se numa
escola de classes.
A tradição de investigação e activismo, em que me formei, tem vindo a basear-se
precisamente nestes discernimentos: as complexas relações entre o capital económico
e o capital cultural, o papel da escola na reprodução e no desafio das abrangentes
relações desiguais de poder (que, obviamente, transcendem, em muito, a classe) e os
modos como o conteúdo e a organização do currículo, a pedagogia e a avaliação fun-
cionam em tudo isto.
E exactamente nesta altura que estas questões devem ser levadas mais a sério. É
uma época - que denomino como restauraçáo conservadora - de gravíssimos conflitos
em torno das políticas do conhecimento oficial. Acredito que esteja em jogo a própria
ideia de educação pública e a própria ideia de um currículo que responda as culturas e
histórias de amplos e crescentes segmentos da população norte-americana. Mesmo
com uma administração democrática "moderada" no poder em Washington, no
momento em que escrevo este livro, muitos dos seus compromissos expressam as ten-
dências que abordarei aqui.

Vide Basil Bernstein (1977, Class, Codes and Control, volume 3, New York: Routledge; e Michael W.
Apple (1988), "Social Crises and Curriculum Accords", in Educational Theory, 38 (Spring), pp. 191-201.
Pierre Bourdieu (1984), Distinction, Cambridge, MA: Harvard University Press, p. 7.
Ibid., pp. 5-6.
Ibld., p. 2.
Na realidade, é exactamente devido a actual existência de uma administração fede-
ral relativamente mais "moderada", a nível nacional, que necessitamos de reflectir,
com extrema acuidade, sobre o que pode acontecer no futuro, a medida que - por
razões políticas - esta é impelida para direcções cada vez mais conservadoras, não só
pelos seus próprios compromissos débeis, como também pelo poder crescente dos
políticos de Direita no Congresso, no Estado e em contextos locais.
Gostaria de fundamentar esses argumentos através de uma análise das propostas
para um currículo e uma avaliação nacionais. Mas, para compreendê-las, temos de
pensar relacionalmente, temos de associar essas propostas ao programa mais abran-
gente de restauração conservadora. Pretendo mostrar que, por detrás das justificações
educacionais para introdução de um currículo e de uma avaliação, está um ataque
ideológico muito perigoso.
Os seus efeitos serão verdadeiramente devastadores para aqueles que já têm muito
a perder nesta sociedade. Em primeiro lugar, farei algumas advertências interpretati-
vas. Em segundo lugar, analisarei o projecto abrangente do programa da Direita. Em
terceiro lugar, demonstrarei, por um lado, as ligações entre currículos e avaliação
nacionais e, por outro, a crescente ênfase nos planos de privatização e "choice".' Por
último, gostaria de discutir os tipos de benefícios que, provavelmente, resultarão de
tudo isto.

A questão de um currículo nacional


Onde se deveriam posicionar aqueles que, como nós, se consideram parte da longa
tradição progressista na educação em relação a um currículo nacional?
Para começar, pretendo clarificar uma questão. Em princípio, não me oponho a um
currículo nacional. Nem me oponho, em princípio, a ideia ou a actividade de avaliação.
Pelo contrário, desejo apresentar um conjunto de argumentos mais conjuntural,
baseado na reivindicação de que, neste momento - dado o equilíbrio das forças
sociais -, há perigos muito reais para os quais precisamos de estar plenamente cons-
cientes.
Neste capítulo, procurarei restringir-me ao aspecto negativo. A minha tarefa é sim-
ples: levantar questões suficientemente sérias que nos obriguem a parar e a pensar
sobre as implicações de ir nesta direcção, numa época de triunfalismo conservador.
Não somos a única nação em que uma coligação predominantemente de Direita
incluiu tais propostas no programa educacional. Em Inglaterra, encontra-se já pratica-
mente instituído um currículo nacional, introduzido ainda no Governo de Thatcher.
Consiste em "disciplinas básicas e fundamentais", tais como Matemática, Ciências,
Tecnologia, História, Arte, Música, Educação Física e uma língua estrangeira moderna.
Os grupos de trabalho, formados para determinar os objectivos estandardizados, os
"objectivos de aproveitamento" e os respectivos conteúdos, já apresentaram os seus

Planos de escolha. (NT)


resultados. Tudo isto 6 acompanhado por um sistema nacional de avaliação do apro-
veitamento - um sistema dispendioso e que demora muito tempo a ser aplicado nas
salas de aula (a todos os alunos das escolas públicas com idades de 7, 11, 14 e 16
anos).8
Em muitos quadrantes de nossa sociedade, supõe-se que devemos seguir os per-
cursos de outras nações - como a Grã-Bretanha e, especialmente, o Japãog -, caso
-
contrário, ficaremos para trás. Contudo, é fundamental percebermos que já temos um
currículo nacional, mas que é determinado pela complicada relação entre as políticas
do Estado para a adopção de manuais e o mercado editorial dos mesmo^.'^
Com efeito, devemos questionar se um currículo nacional - que estará, sem
dúvida, vinculado a um sistema de objectivos nacionais e a instrumentos de avaliação
nacionalmente estandardizados (muito provavelmente testes estandardizados, devido
ao tempo e aos custos envolvidos) - é melhor do que um currículo nacional, igual-
mente difundido, mas um pouco mais oculto, estabelecido pelos Estados que adoptam
o manual escolar estatal (tais como a Califórnia e o Texas, que controlam entre 20% e
30% do mercado de manuais escolares)." Independentemente de já existir, ou não,
um currículo nacional oculto, há um sentimento crescente de que um conjunto estan-
dardizado de objectivos e directrizes curriculares nacionais é indispensável para "elevar
os standards" e fazer com que as escolas sejam responsabilizadas pelo sucesso ou
insucesso dos seus alunos.
É certo que muitas pessoas, de distintas posições políticas e educacionais, se
encontram envolvidas na defesa de standards mais elevados, de currículos mais rigoro-
sos a nível nacional e de um sistema de avaliação nacional.
Todavia, devemos sempre formular uma questão: qual 6 o grupo que lidera estes
esforços "de reforma"? Naturalmente, esta questão conduz-nos a uma outra mais
abrangente: em consequência de tudo isto, quem beneficiará e quem perderá? Sus-
tentarei que, infelizmente, os grupos de Direita estão, na realidade, a estabelecer o
programa político na educação e que, em geral, o mesmo padrão de benefícios, que
tem caracterizado quase todas as áreas da política social - nos quais os 20% mais
ricos da população colhem 80% dos benefícios12-, será também aqui reproduzido.
Sem dúvida, teremos de ser muito cuidadosos com a falácia genética, ou seja, a
suposição de que, devido a uma política ou a uma prática serem oriundas de uma
posição desagradável, esta é fundamentalmente determinada, em todos os seus

Geoff Whitty (1992), "Education, economy and national culture", in Robert Bocock e Keneth Thompson
(eds.), Social and Cultural Forms of Modcrtiity, Cambridge: Polity Press, p. 292.
'Tanto a Grã-Bretanha como o Japão possuem um currículo nacional. (NT)
'O Vide Apple (1988), Teachers ntid Texts, e Michael W. Apple e Linda Christian-Smith (1990) (eds.), The Politics
of the Textbook, New York: Routledge.
l1 Ibid.
l2 Vide quarto capitulo e também Sheldon H. Danziger e Daniel Weinberg (1986) (eds.), Fighting Poverty:
What Works and Whnt Doesn't, Cambridge, MA.: Harvard University Press; e Gary Burtless (1990) (ed.), A
Future of Lousy [obs?, Washington, DC: The Brookings Institution.
a

aspectos, pela origem nessa tradição. Veja-se o exemplo de Edward L. Thorndike, um


dos psicólogos da educação mais famosos nos inícios do século XX. O facto de as suas
crenqas sociais serem, na maior parte dos casos, repugnantes - com a sua participação
no movimento popular pela eugenia e as suas noqões de hierarquias de raça, sexo e
classe - não destrói, necessariamente, em todo e qualquer momento, a sua investiga-
ção sobre a aprendizagem. Embora não seja, de forma alguma, um apologista deste
paradigma de investigação - cujas implicações epistemológicas e sociais necessitam
ainda de uma crítica a altura13-, para o contrariar é necessário um tipo de argumenta-
qão diferente daquele baseado na origem (de facto, podem-se encontrar alguns edu-
cadores progressistas que recorreram a Thorndike para fundamentar algumas das suas
reivindicações sobre o que tinha de ser transformado no nosso currículo e pedagogia).
E óbvio que não são só aqueles que estão identificados com o projecto de Direita
, que defendem um currículo nacional. Outros, que historicamente se encontram iden-
tificados com um programa mais liberal, tentaram também justificar o currículo
naciona1.14
Smith, O'Day e Cohen propõem uma visão positiva, mas prudente, para um currí-
t culo nacional. Um currículo nacional envolveria a criação de novos exames, tarefa esta
difícil, técnica, conceptual e politicamente. Requereria o ensino de um conteúdo mais
rigoroso e, portanto, exigiria que os professores se envolvessem num trabalho mais
exigente e estimulante.
Assim, os nossos professores e administradores seriam obrigados a "aprofundar os
seus conhecimentos das disciplinas académicas e mudar as suas concepqões do pró-
prio conhecimento". O ensino e a aprendizagem teriam que ser vistos como "mais
activos e inventivos". Os professores, os administradores e os alunos teriam de "tor-
nar-se mais solícitos, cooperantes e participati~os".'~
De acordo com as palavras de Smith, O'Day e Cohen:
"Aconversão para u m currículo nacional só teria sucesso se o trabalho de con-
versão fosse concebido e empreendido como uma enorme aventura de aprendiza-
gem cooperativa. U m processo deste génerofracassaria rotundamente caso fosse
concebido e organizado, primordialmente, como u m processo técnico de desenvol-
vimento de novos exames e materiais e sua posterior "disseminação" ou imple-
mentação. " I 6
P

l3 Vide, por exemplo, Stephen Jay Gloud (1981), The Mismeasure of Man, New York: W. W. Norton. Para
este fim são essenciais as críticas feministas da ciência. Vide, por exemplo, Donna Haraway (1989), Primate
Visions, New York: Routledge; Sandra Harding e Jean F. Barr (eds.) (1987), Sex and Scientific Inquiry,
Chicago: University of Chicago Press; Nancy Tuana (1989) (ed.), Feminism and Science, Bloomington:
Indiana University Press; Sandra Harding (1991), Whose Science, Whose Knowledge?, Ithaca, NY: Cornell
University Press.
" Marshall S. Smith, Jennifer O'Day e David K. Cohen (1990), "National curriculum, American style:
What might it look like?",American Educator, 14 (Winter),pp. 10-17,40-47.
l5 Ibid., p. 46.
l6 Ibid.
1

Prosseguem os autores:
" U m currículo nacional, válido e eficaz, exigiria também a criação de um novo
tecido articulado social e intelectualmente. Por exemplo, o conteúdo e a pedagogia
da formação de professores teriam de estar intimamente relacionados com o con-
teúdo e a pedagogia do currículo das escolas. O conteúdo e a pedagogia dos exa-
mes teriam de estar intimamente ligados aos do currículo e da formação de pro-
fessores. Actualmente, estes vínculos não existem.""
Os autores concluem que um sistema assim revitalizado, em que se construa tal
coordenação, "não será fácil, rápido ou barato", especialmente se se pretende preser-
var a variedade e a iniciativa. "Se os norte-americanos continuarem a desejar uma
reforma educacional a baixo custo, será um erro um currículo n a c i ~ n a l " .Concordo,
'~
absolutamente, com este último ponto.
No entanto, o que eles não reconhecem propriamente é que muito daquilo que
temem já está a acontecer na própria ligação que reivindicam. E ainda mais impor-
tante é aquilo a que eles não prestam a devida atenção - as ligações entre um currí-
culo e uma avaliação nacionais e abrangente programa de Direita - que constitui um
perigo ainda maior. É nisto que desejaria concentrar-me.

Entre o neoconservadorismo e o neoliberalismo


O conservadorismo, pelo seu próprio nome, denuncia uma interpretação do seu
programa. Conserva. É claro que são possíveis outras interpretações. Poder-se-ia dizer,
quiçá deturpando um pouco o sentido, que o conservadorismo acredita que nada

t deveria ser feito pela primeira vez.lg Porém, em muitos sentidos, na actual situação
isto é ilusório. Porque com a Direita em ascensão em muitos países, estamos a assistir
a um projecto muito mais activista.
A política conservadora é hoje, em larga medida, uma política de mudança; clara-
mente a ideia do "não faça nada pela primeira vez" não é uma explicação adequada
para o que está a acontecer na educação ou em outros se~tores.~'
O conservadorismo tem, na verdade, significado coisas diferentes em épocas e
lugares diferentes. As vezes, implica acções defensivas; outras vezes, implica ofensivas
contra o statu q ~ o .Actualmente,
~' estamos a testemunhar as duas coisas.
Em função disso, é importante que descreva o contexto social mais abrangente em
que a actual política do conhecimento oficial opera.
Houve uma ruptura no acordo que orientava grande parte da política educacional
desde a Segunda Guerra Mundial. Grupos poderosos, no seio do Governo, da economia

l7 Ibid.
l8 Ibid.
l9 Ted Honderich (1990),Conservatism, Boulder: Westview Press, p. 1.
'O Ibid., p. 4.
Ibid., p. 15.
e dos movimentos sociais "populistas- autoritário^"^^, têm sido capazes de redefinir -
na maior parte dos casos de uma forma muito retrógrada - os termos de debate nas
áreas da educação, da segurança social e noutras áreas do bem comum. O propósito
da educação está a ser alterado. A educação já não é vista como parte de uma aliança
social reunindo muitos grupos " m i n ~ r i t á r i o s " ~
mulheres,
~, professores, activistas da
comunidade, legisladores progressistas, funcionários de Governo e outros que, em
conjunto, propunham políticas sociais-democráticas (limitadas) para as escolas: por
exemplo, expansão das oportunidades educacionais, esforços limitados para igualar os
resultados, desenvolvimento de programas especiais em educação bilingue e multicul-
tural, etc.
Tal como salientei no primeiro capítulo, formou-se uma nova aliança que cada vez
tem mais poder nas políticas educacional e social. Este bloco de poder combina o
mundo dos negócios com a nova Direita e com os intelectuais neoconservadores. Os
seus interesses não se concentram na melhoria das oportunidades de vida das mulhe-
res, das pessoas de cor ou da classe trabalhadora.
Pelo contrário, empenha-se em promover as condições educacionais que julga
necessário para não só aumentar a competitividade internacional, o lucro e a disci-
plina, como também para nos fazer regressar a um passado romantizado do lar, famí-
lia e escola "ideais"24.
O poder desta aliança pode ser visto numa série de políticas e propostas educacio-
nais: (1) programas "choice", por exemplo, planos de garantia e créditos fiscais para
tornar as escolas parecidas com a economia de livre mercado, meticulosamente ideali-
zada; (2) o movimento a nível nacional e estadual, por todo o país, para "elevar os
standards" e para regulamentar as "competências", tanto dos professores como dos
alunos, metas e conteúdos curriculares básicos, sobretudo, agora, através da imple-
mentação da avaliação estadual e nacional; (3) os ataques, cada vez mais eficazes, ao
currículo escolar pela sua "tendência" antifamília e antilivre iniciativa, pelo seu huma-
nismo secular, pela sua falta de patriotismo e pela sua suposta negligência face ao
conhecimento e aos valores da "tradição ocidental" e do "conhecimento real"; e (4) a
crescente pressão para que as necessidades das empresas e das indústrias se conver-
tam nos princípios orientados da escola.25
Em essência, a nova aliança a favor da restauração conservadora integrou a educa-
ção num conjunto mais amplo de compromissos ideológicos. Os objectivos da educa-
ção são os mesmos que conduzem as suas metas para a economia e para o bem-estar

22 Vide Michael W . Apple (1993), Official Knowledge: democratics schools iri a conservative age, New York:
Routledge.
23 Coloco a palavra "minoritários" entre aspas para nos relembrar que a vasta maioria da populaqão mun-
dial é composta por pessoas de cor. Será bastante salutar para as nossas ideias sobre a cultura e sobre a
educaqão lembrarmo-nos deste facto.
24 Michael Apple (1993), Official Knowledge: democratics schools in a conservative age, New York:
Routledge.
" Michael Apple (1988), Teachers and Texfs:a political economy of class arid gerider relntions in education, New
York: Routledge; e Michael Apple (1993), Official Knou~ledge:democratics schools iti n conservative age, New
York: Routledge.
social. Entre eles encontram-se a expansao do livre mercado, areducão drástica da
responsabilidade governamental em relação as necessidades sociais (embora a admi-
nistracão Clinton tenha inicialmente mediado isto de formas simbólicas não muito
extensas - e não muito dispendiosas), o reforço de estruturas de mobilidade altamente
competitivas, a diminuição das expectativas das pessoas em relacão a seguranca eco-
nómica e a popularizacão do que é, claramente, uma forma de pensamento social
darwini~ta.~~
Conforme já amplamente argumentei noutro livro, a Direita polltica nos Estados
Unidos tem sido muito bem sucedida na mobilizacão de apoios contra o sistema edu-
cativo e seus funcionários, atribuindo, com frequência, as escolas a responsabilidade
pela crise da economia.
Assim, uma das suas principais conquistas foi transferir a culpa pelo desemprego e
subemprego, pela perda de competitividade económica e pela suposta ruptura dos
valores e padrões "tradicionais" na família, educacão e locais de trabalho remunerado
e não remunerado, das políticas económicas, culturais e sociais dos grupos dominantes
e as suas consequências para a escola e outras agências públicas.
Tal como afirmei no primeiro capítulo, o "público" tornou-se agora o centro de
tudo o que é mau; o "privado", o centro de tudo o que é
Fundamentalmente, quatro tendências têm caracterizado a restauração conserva-
dora, tanto nos Estados Unidos como na Grã-Bretanha: privatização, centralizacão,
vocacionaliza~ãoe diferencia~ão.~~ Na verdade, estas tendências são, em grande parte,
resultado de diferencas dentro dos sectores mais poderosos desta alianca - o neolibera-
lismo e o neoconservadorismo - que salientei inicialmente.
O neoliberalismo defende um Estado fraco. Uma sociedade que deixa a "mão invi-
sível" do livre mercado conduzir todos os aspectos das suas formas de interaccão
social 6 considerada tanto eficiente quanto democrática. Por outro lado, o neoconser-
vadorismo orienta-se por uma visão de um Estado forte em determinadas áreas,
sobretudo sobre a política das relacões de corpo, sexo e raca, sobre os padrões, valo-
res e conduta e, ainda, sobre o tipo de conhecimento que deve ser transmitido as
geracões futuras.29 Dentro da coligacão conservadora, estas duas posições não são
facilmente conciliáveis.
Deste modo, constata-se que o movimento de Direita é contraditório. Não existe
algo de paradoxal em relacionar todos os sentimentos de perda e nostalgia com a
imprevisibilidade do mercado, "em substituir a perda por um simples fluxo"?30

" Ann Bastian, Norm Fmchter, Marilyn Gittell, Colin Greer e Kenneth Haskins (1986), Choosing Equality,
Philadelphia: Temple University Press.
'' Vide Michael W. Apple (1985), Edrrcation and Power, New York: Routledge.
Andy Green (1991), "The peculiarities of english education", in Education Group I1 (eds.), Education
Liniited, London: Unwin Hyman, p. 27.
" Allen Hunter (1988), Children in the Service of Conservatism, Madison: University of Wisconsin,
Madison Law School, Institute for Legal Studies. Actualmente, o neoliberalismo não nega a ideia de um
Estado forte, no entanto, pretende limitá-lo a determinadas áreas (por exemplo, a defesa dos mercados).
"Richard Johnson, "A new road to serfdom?", i71 Education Group I1 (eds.), Education Limited, p. 40.
As contradições entre elementos neoconservadores e neoliberais da coligação de
Direita é "resolvida" através de uma política denominada por Roger Dale moderniza-
cá0 con~ervadora.~'
Esta política empenha-se em:

"libertar" os indivíduos para fins económicas e, simultaneamente, controlá-los


para fins sociais; de facto, na medida e m que a "liberdade" económica aumenta as
desigualdades, é provável que aumente também a necessidade de controlo social.
Uni "Estado pequeno e forte" lirilita o âmbito das siias actividades, transferindo
para o mercado, que ele defende e legitima, tanta responsabilidade, sobre a segu-
rança social Te outras actividadesl, quanto possível.
Na educação, a recente crença na competição e na escolha não é inteiramente
difundida; e m vez disso, "o qiie se pretende é u m sistema duplo, polarizado entre
escolas de mercado e escolas
Quer dizer: haverá um sector relativamente menos regulamentado e cada vez mais
privatizado para os filhos dos mais privilegiados. Para os restantes - e o estatuto eco-
nómico e a etnia das pessoas, por exemplo, das nossas zonas urbanas, que frequenta-
rão as tais escolas mínimas, serão totalmente previsíveis -, as escolas serão rigida-
mente controladas e policiadas, continuarão a receber verbas reduzidas e permanece-
rão desvinculadas de empregos com uma remuneração decente.
Um dos efeitos mais perversos da combinação das regras de marketing com um
Estado forte é "a exclusão das políticas educacionais do debate público". Ou seja, a
escolha é deixada aos pais do indivíduo e "o resto fica por conta da mão oculta das
consequências não premeditadas". Neste processo, a própria ideia da educação, como
parte integrante de uma esfera política pública, em que os seus meios e fins são deba-
tidos publicamente, acaba por ser a t r ~ f i a d a . ~ ~
Existem grandes diferenças entre os esforços democráticos para ampliar os direitos
das pessoas as políticas e práticas de escolarização e a ênfase neoliberal em torno da
comercialização e privatização. O primeiro tem como objectivo expandir a política,
"restaurar a prática democrática, criando formas de alargar a discussão pública, o
debate e a negociação". Está intrinsecamente baseado numa visão de democracia
como prática educativa. O último, por sua vez, busca conter a política. Pretende redu-
zir toda a política à economia, a uma ética de "choice" e de "consumo".34 NOfundo,
o mundo torna-se num vasto supermercado.

31 Citado por Tony Edwards, Sharon Gewirtz e Geoff Whitty (1992), "Whose choice of schools?", in Made-
laine Arnot e Len Barton (eds.), Voicing Concerns: Sociological Perspectir~eson Coriternporay Educational
Reforrns, London: Triangle Books, p. 156.
32 Ibid. OS autores citam Roger Dale (1989), "The thatecherite project in education", Critica1 Social Policy, 9
(n." 3).
33 "Introduction to Part Three - Altematives: public education and a new professionalism", ir1 Education
Group I1 (eds.), Educatiori Lirnited, p. 268.
34 Johnson, "A new road to serfdom?", p. 68.
8

Expandir o sector privado de forma a que a compra e a venda - em suma, a com-


petição - se tornem na ética dominante da sociedade envolve um conjunto de propo-
sições profundamente relacionadas. Pressupõe que mais indivíduos estão motivados
para trabalhar arduamente sob estas condições. Afinal, "já sabemos" que os funcio-
nários públicos são ineficientes e indolentes e que as empresas privadas são eficientes
e activas. Pressupõe, ainda, que o egoísmo e a competitividade são os motores da
criatividade. Criam-se e utilizam-se mais conhecimentos e experiências para transfor-
mar a situação actual. Com o decorrer deste processo gera-se menos desperdício. A
oferta e a procura permanecem numa espécie de equilíbrio. É, assim, criada uma
máquina mais eficiente que minimiza custos administrativos e que, em última análise,
distribui recursos de uma forma mais ampla.35
Claro que a intenção não é simplesmente privilegiar uma minoria. Porém, 6 o
mesmo que afirmar que todos os indivíduos, sem excepção, têm o direito de escalar o
vertente norte do Monte Eiger ou o Monte Everest, desde que, evidentemente, sejam
óptimos alpinistas e disponham dos recursos institucionais e financeiros para o
fazer.36
Assim, numa sociedade conservadora, o acesso aos recursos privados de uma socie-
dade (e, lembremo-nos, a tentativa10 empenho é para privatizar quase todos os recur-
sos da sociedade) depende, em larga medida, da capacidade de pagamento que cada
um tem. E isto, por sua vez, depende da pessoa pertencer a uma classe empresarial ou
a uma classe com poder aquisitivo. Por outro lado, o acesso aos recursos públicos da
sociedade (segmento em rápido declínio) depende da nece~sidade.~' Numa sociedade
conservadora, os primeiros devem ser maximizados e os últimos minimizados.
Contudo, o conservadorismo da aliança conservadora, no que se refere a grande
parte dos seus argumentos e políticas, não depende meramente de uma determinada
visão da natureza humana - uma visão da natureza humana como sendo, essencial-
mente, movida por interesses próprios. Foi muito mais além: começou a degradar essa
natureza humana, a forçar todas as pessoas a conformarem-se com o que no início
parecia ser apenas a verdade possível. Infelizmente, já teve bastante sucesso.
Ofuscados, porventura, pela sua própria visão absolutista e reducionista do que
significa ser humano, muitos dos nossos "lideres" políticos parecem ser incapazes de
reconhecer o que fizeram. Empenharam-se, agressivamente, em enfraquecer o carác-
ter de um povo3' e, paralelamente a tudo isto, atacaram os pobres e os marginaliza-
dos pela sua suposta falta de valores e de carácter.
Aqui, começa a revelar-se alguma da minha revolta. Irão perdoar-me, espero eu;
mas, se não conseguimos ficar revoltados quando se trata das vidas das nossas crian-
ças, que outro motivo nos poderá criar sentimentos de revolta?

" Honderich, Consrrwatism, p. 104.


Ibid., pp. 99-100.
37 Ibid., p. 89.
" Ibid., p. 81.
-
Currículo, avaliação e uma cultura comum
Conforme nos relembra Whitty, o que é impressionante nas políticas de coligação
de Direita é a sua capacidade de associar a ênfase no conhecimento, valores, autori-
dade e padrões tradicionais e na identidade nacional, defendida pelos neoconservado-
res, com a ênfase na extensão dos princípios de mercado a todas as áreas da nossa
sociedade, defendidos pelos neoliberai~.~'
Desta forma, um currículo nacional - associado a padrões nacionais rigorosos e a
um sistema de avaliação orientado para o desempenho - torna-se capaz de, simulta-
neamente, visar uma "modernização" do currículo, uma "produção" eficiente de um
melhor "capital humano" e de representar um anseio nostálgico por um passado
r o m a n t i ~ a d o Quando
.~~ associado a um programa de políticas de mercado, tais como
os planos " v o ~ c h e r "e~ '"choice", tal sistema nacional de padrões, avaliações e currí-
culos - ainda que intrinsecamente inconsistente - é um compromisso ideal no seio da
coligação de Direita.
Mas, poder-se-ia ainda perguntar: um currículo nacional, aliado a um sistema
nacional de avaliação do aproveitamento, não contraria, na prática, a concomitante
1 ênfase na privatização e na escolha da escola? Será realmente possível colocar, simul-
taneamente, as duas em prática? Na verdade, entendo que essa aparente contradição
poderá não ser tão substancial quanto aparenta ser.
Um dos objectivos de longo prazo das forças poderosas no seio da coligação con-
servadora não é, necessariamente, o de transferir o poder do nível local para o centro,
embora para alguns neoconservadores, que defendem um Estado forte quando se
trata de moralidade, valores e padrões, isto possa, de facto, aplicar-se.
Pelo contrário, tais forças poderosas prefeririam descentralizar totalmente esse
poder e redistribuí-lo de acordo com as forças de mercado e, desta forma, desautori-
zar tacitamente aqueles que já detêm menos poder, enquanto utilizam uma retórica
para fortalecer o "consumidor". Em parte, tanto um currículo nacional como um sis-
tema de avaliação nacional podem ser entendidos, a longo prazo, como "concessões
necessárias na prossecução deste o b j e ~ t i v o " . ~ ~
Numa época de perda de legitimidade governamental e de crise nas relações de
autoridade educacional, é preciso que se veja o Governo a fazer alguma coisa para
elevar os níveis educacionais.
Além do mais, é exactamente isto o que o Governo promete oferecer aos "consu-
midores" da educação. Um currículo nacional é crucial neste contexto. O seu principal
valor não se encontra no suposto estímulo a padronização dos objectivos e do con-

~ teúdo e de níveis de aproveitamento naquelas áreas disciplinares consideradas como


as mais importantes: um objectivo que não deveria ser totalmente excluído.

39 Whitty (1992), "Education,economy and national culture", p. 294.


'O Ibid.
41 Planos de garantia. (NT)
" Green (1991),"The peculiarities of english education", p. 29.
e

Pelo contrário, o principal papel de um currículo nacional reside em providenciar


uma estrutura que irá permitir o funcionamento do sistema nacional de avaliação. O
currículo nacional possibilita o estabelecimento de um procedimento que, suposta-
mente, poderá dar aos consumidores escolas com "etiquetas de qualidade" para que
as "forças de livre mercado" possam operar no máximo da sua capacidade.
Se pretendermos ter um livre mercado na educação, oferecendo ao consumidor
um atraente espectro de "escolhas", então o currículo nacional e, sobretudo, o sis-
tema de avaliação nacional actuarão, essencialmente, como uma "comissão de vigi-
lância do Estado" para controlar os "nefastos excessos" do mercado.43
Contudo, sejamos aqui honestos em relação a nossa própria história. Mesmo com
a suposta ênfase nas cadernetas e noutras formas mais flexíveis de avaliação, defendi-
das por alguns educadores, não há indícios de espécie alguma que sustentem a espe-
rança de que o que será finalmente e permanentemente instalado - pelo menos,
devido ao tempo e aos custos - será algo diferente de um sistema massificado e
padronizado de testes de lápis e papel.
Todavia, precisamos também de entender muito bem a função social de uma tal
proposta. Um currículo nacional pode ser visto como um instrumento de prestação de
contas, ajudando-nos a estabelecer parâmetros para que os pais possam avaliar as
escolas.
Porém, um currículo nacional também acciona um sistema em que as próprias
crianças serão classificadas e categorizadas como nunca o foram antes. Uma das suas
funções básicas será a de actuar como um "mecanismo para a diferenciação mais
rigorosa das crianças segundo normas fixas, normas essas cujo significado e origem
social não são passíveis de análise" .44
Muito embora os proponentes do currículo nacional o possam ver como meio para
criar uma determinada coesão social e para nos dar a possibilidade de melhorar as
nossas escolas avaliando-as segundo critérios "objectivos", os seus efeitos serão preci-
samente contrários.
Os critérios poderão até parecer objectivos; mas os resultados não serão, dadas as
diferenças de recursos, a segregação de classe e racial. Em vez de conduzirem a uma
coesão cultural e social, serão produzidas socialmente diferenças, ainda mais acentua-
das, entre "nós" e "os outros", agravando os antagonismos sociais e o delapidar cul-
tural e económico daí resultantes (o mesmo acontecerá em relação ao actual fascínio
com a educação baseada nos resultados, uma expressão para versões mais antigas de
estratificação educacional).
Richard Johnson ajuda-nos a perceber os processos sociais que eclodem neste
contexto:

" Ibid.Estabeleço aqui uma explicação "funcional" e não necessariamente uma explicação "intencional".
Vide Daniel Liston (1988), Cnl~itnlistScliools, New York: Routledge. Para uma discussão interessante
sobre como estes programas de testes de avaliação podem, na realidade, opor-se aos esforços mais
democráticos da reforma escolar, uide Linda Darling-Hammond (1992), "Bush's testing plan undercuts
school reforms", Rethinking Scliools, 6 (March/April), p. 18.
Johnson, "A new road to serfdom?", p. 72. Itálico no original.
"Esta nostalgia pela "coesão" é interessante, mas a grande ilusão está e m
supor que todos os alunos - meninos e meninas negros e brancos, da classe traba-
lhadora, pobres e da classe média - receberão o currículo da mesma maneira.
Na verdade, será interpretado de modos diferentes, de acordo com a posição
desses alunos nas relações sociais e na cultura. U m currículo comum, numa
sociedade heterogénea, não é a receita para a "coesáo", mas sim para resistências
e para a renovação das divisões. U m a vez que assenta sempre nos seus próprios
fundamentos culturais, não qualificará os alunos pela sua "capacidade", mas de
acordo com a classificação das suas respectivas comunidades culturais, segundo
os critérios considerados como "padrão". Uiiz currículo que não seja "auto-expli-
cativo", que não seja irónico ou autocrítico, terá sempre este efeito."45
Estas questões são significativas, sobretudo o desejo de que todos os currículos se
expliquem a si próprios. Em sociedades complexas como a nossa, marcadas por uma
distribuição desigual de poder, o único tipo de "coesão" possível é aquele em que
podemos reconhecer abertamente as diferenças e as desigualdades.
Desta forma, o currículo não deveria ser apresentado como "objectivo". Pelo con-
trário, deveria subjectivar-se constantemente, ou seja, deveria "reconhecer as suas
próprias raízes" na cultura, na história e nos interesses sociais que lhe deram origem.
Nesta conformidade, não homogeneizará nem a cultura, história e interesses
sociais nem, tão-pouco, os alunos. "Tratamento idêntico", por sexo, raça, etnia ou
classe, de modo algum será o mesmo. Um currículo e uma pedagogia democráticos
devem começar pelo reconhecimento dos "diferentes posicionamentos sociais e reper-
tórios culturais nas salas de aula e das relações de poder entre eles".
Assim, se estivermos preocupados com um "tratamento realmente igual" - como
entendo que devemos estar -, temos que fundamentar o currículo no reconhecimento
dessas diferenças que privilegiam e marginalizam os nossos alunos de formas evidente^.^^
Foucault lembrou-nos que, se quisermos compreender o modo como funciona o
poder, basta que olhemos para as margens, que observemos os conhecimentos, as
autocompreensões e as lutas daqueles que foram relegados a condição de "o outro"
por poderosos grupos desta ~ociedade.~'
A nova Direita e os seus aliados criaram grupos inteiros como estes "outros" - pes-
soas de cor, mulheres que se recusam a aceitar o controlo externo das suas vidas e cor-
pos, homossexuais e lésbicas, os pobres e, como bem sei pela minha própria biografia,
a vibrante cultura da vida da classe trabalhadora (e poder-se-ia estender a lista).
É a partir do reconhecimento destas diferenças que o diálogo do currículo pode prosse
guir. Este diálogo nacional começa com a exploração concreta e pública do modo "como
estamos diferentemente posicionados na sociedade e na cultura". O que a nova Direita

45 Ibid.

46 Ibid., p. 80. Vide, também, Elizabeth Ellsworth (1989), "Why doesn't this feel empowering?", Hamard
Educational Rwiew, 59 (August), pp. 297-324.
47 Vide Steven Best and Douglas Kellner (1991),Postmodern Theory: Criticnl Interrogations, London: Macrnillan,
pp. 34-75.
bloqueia - o conhecimento das margem, o modo como a cultura e.o poder estão indisso-
luvelmente unidos - torna-se, neste caso, um conjunto de recursos indispen~áveis.~'
É claro que o currículo nacional proposto reconheceria algumas destas diferenças.
Porém, conforme eu e Linda Christian-Smith salientámos no livro The Politics o f the
Textbook, o currículo nacional serve para reconhecer, em parte, as diferenças e, ao
mesmo tempo, recuperá-las, no suposto consenso que existe sobre o que deveríamos
ensinar.49Faz parte de uma tentativa de reinstituir o poder hegemónico que foi par-
cialmente dividido pelos movimentos sociais.
A própria ideia de uma cultura comum, a partir da qual deve ser construído u m
currículo nacional - conforme a definição dos neoconservadores -, é, ela própria, uma
forma de política cultural. Na imensa diversidade linguística, cultural e religiosa que é
a essência da nossa criatividade e das mudanças constantes das nossas vidas, é a polí-
tica cultural da Direita que "supera" esta diversidade. Pensando que está a a reinstituir
uma cultura comum, está, de facto, a inventá-la, repetindo praticamente o que E. D.
Hirsch tentou fazer na sua autoparódia sobre o significado de ser letrado.50
Nos Estados Unidos nunca existiu uma cultura verdadeiramente uniforme, mas
uma versão selectiva, uma tradição inventada que é periodicamente reinstalada
(embora de diferentes formas) em tempos de crise económica e de crise nas relações
de autoridade, as quais constituem uma ameaça a hegemonia dos grupos cultural e
economicamente dominantes.
A expansão de vozes participantes na discussão curricular e as veementes reacções
da Direita tornam-se cruciais neste contexto. Currículos multiculturais e anti-racistas
representam ameaças ao programa da nova Direita, ameaças essas que questionam a
própria essência da sua visão.
Um currículo nacional predominantemente monocultural (que lida com a diversi-
dade colocando o sempre ideológico "nós" como a génese e, posteriormente, men-
cionando geralmente apenas "as contribuições" das pessoas de cor, mulheres e
"outros", ou criando uma falsa equivalência, sgundo a qual "todos somos imigran-
tes") realça a manutenção das hierarquias vigentes, sobre o que é importante como
conhecimento oficial, a restauração dos valores e padrões tradicionais "ocidentais", o
retorno a uma pedagogia "disciplinada" (e, poder-se-ia dizer, predominantemente
machista), etc. Uma ameaça a qualquer destes aspectos constitui também uma
ameaça a própria visão do mundo da Direita."
A ideia de uma "cultura comum" - sob o pretexto da tradição ocidental romanti-
zada dos neoconservadores (ou mesmo como surge expressa nos anseios de alguns

" Johnson, "Ten theses on a Monday morning", i n Education Group I1 (eds.), Education Limited,
p. 320.
" Vide Michael Apple and Linda Christian-Smith (1990) (eds.), The Politics of the Textbook, Apple (1993),
Official Knoridedge, e Whitty, "Education, economy and national culture", p. 290.
Richard Johnson, "Ten theses on a Monday morning", p. 319. Vide também E. D. Hirsch, Jr. (1986), Cul-
tirral Lilierircy, New York: Houghton Mifflin.
Richard Johnson, "A new road to serfdom?", p. 51. Vide também Susan Rose (1988), Keeping Them out of
Hirnds rifSatan, New York: Routledge.
socialistas) - não presta suficiente atenção, portanto, 2 imensa heterogeneidade cultu-
ral de uma sociedade que extrai as suas tradições culturais do mundo inteiro. A tarefa
de defender o ensino público como público, como merecedor de um amplo apoio
"por parte de um povo extremamente diverso entre si e profundamente dividido,
envolve muito mais do que uma simples r e s t a u r a ~ ã o " . ~ ~
O debate em Inglaterra é semelhante. Um currículo nacional é visto pela Direita
como essencial para evitar o relativismo. Para a maioria dos seus proponentes, um cur-
rículo comum deve basicamente transmitir, não só a "cultura comum", como também
a cultura superior que dela emerge. Qualquer outra coisa resultará em incoerência, em
ausência de cultura, simplesmente num "vazio". Deste modo, uma cultura nacional é
"definida em termos exclusivos, nostálgicos e frequentemente racistas".53
A análise de Richard Johnson acerca deste processo documenta a sua Iógica social:

" E m formulações como estas, a cultura é considerada como uma forma homo-
génea de vida ou tradição, não como uma esfera de diferenças, relações ou poder.
Não se reconhece a verdadeira diversidade das orientações e culturas sociais exis-
tentes no seio de u m determinado Estado-nação o u povo.
Contudo, institui-se uma versão selectiva de uma cultura nacional como condi-
ção absoluta para qualquer identidade social. A adopção, mistura efusão de elemen-
tos de diferentes sistemas culturais, uma prática trivial no quotidiano de sociedades
[como a nossa], são impensáveis dentro desta estrutura, ou são vistas como uma
espécie de desordem ou transgressão cultural que nada produzirá além de u m vazio.
Portanto, as 'escolhas' situam-se entre ... uma cultura nacional ou absoluta-
mente nenhuma cultura."54
Neste contexto, talvez o subtexto racial esteja camuflado, mas mesmo assim está
presente em formas significativa^.^^
Muitos mais poderiam ser focados. Todavia, uma coisa 6 perfeitamente clara: o cur-
rículo nacional é um mecanismo para o controlo político do c o n h e ~ i m e n t oPara
. ~ ~ uma
profunda compreensão, devemos reconhecer a sua Iógica subjacente de falsos consen-
sos. Uma vez instituído, haverá poucas hipóteses de voltar atrás. Poderá até sofrer
transformações em função dos conflitos gerados pelo seu conteúdo, mas é justamente

52 "Preface" Education Group I1 (eds.), Education Lirnited, p. 10. Falando da Grã-Bretanha (embora se possa
dizer o mesmo dos Estados Unidos), Homi Bhabha salienta bem o sentido internacional. "A metrópole
ocidental deve confrontar-se com a sua história pós-colonial, descrita por muitos emigrantes e refugia-
dos do pós-guerra como uma narrativa nativa ou indígena própria da sua identidade nacional; e a razão
de tudo isto torna-se bem clara nas palavras de "Whiskey" Sisodia dos Versos Satânicos: "O problema
com os Ingleses é que a sua história ocorreu além-mares, de modo que nào sabem o que significa." Vide
Homi Bhabha (1994), The Location of Culture, New York: Routledge, p. 6.
53 Richard Johnson, "A new road to serfdom?", p. 71.
54 Ibid.
55 Para uma análise mais completa de subtextos raciais nas nossas poIiticas e práticas, vide Michael Omi e
Howard Winant (1994), Racial Forrnation in the United States, 2nd edition, New York: Routledge; e Came-
ron McCarthy e Warren Crichlow (eds.) (1993), Race, Identity and Representation in Education, New York:
Routledge.
56 Johnson, "A new road to serfdom?", p. 82.
no seu estabelecimento que reside a estratégia política. Uma vez instituído, tornar-se-á,
sem dúvida, mais solidificado a medida que se vincula a um sistema massificado de
avaliação nacional.
Quando isto se relaciona com outros pontos do programa de Direita - a comerciali-
zação e a privatização -, existem motivos suficientes para estarmos hesitantes, espe-
cialmente devido as conquistas conservadoras, cada vez mais poderosas, a níveis local,
regional e estadual.

Quem beneficia?
Fica ainda pendente uma questão final, e a qual já fiz uma breve alusão no início.
Uma vez que a liderança nestes esforços para "reformar" o nosso sistema educativo, e
as suas políticas e práticas do currículo, ensino e avaliação são, em grande parte, exer-
cidas pela coligação de Direita, temos sempre de perguntar: "de quem são estas refor-
mas?"; "quem beneficia com elas?" .
Esta é, sem dúvida, uma reforma a baixo custo. Quando faltam recursos humanos
e materiais, um sistema de currículos e avaliações nacionais só pode ratificar e exacer-
bar as diferenças de sexo, raça e classe social.
Assim, quando a crise financeira na maioria das nossas áreas urbanas é tão severa
que as aulas são ministradas em ginásios e corredores, quando muitas escolas não dis-
põem sequer de verbas suficientes para se manterem abertas durante os 180 dias lec-
tivos, quando os edifícios literalmente desabam diante dos nossos olhos,s7quando, em
algumas cidades, três salas de aula do ensino básicos8necessitam de partilhar os mes-
mos manuais - e poderia continuar a ampliar este quadro -, é simplesmente um voo
de fantasia assumir que a solução está em sistemas de avaliação mais padronizados e
em directrizes para um currículo nacional.
Tal como demonstrarei no quarto capítulo, com a destruição da infra-estrutura
económica destas cidades, devido a evasão de capital, com o desemprego dos jovens
a atingir cerca de 75%, em muitas delas, com os quase inexistentes cuidados de
saúde, com vidas quase sempre despojadas da esperança de terem uma ascendência
social significativa, devido aquilo que poderia ser qualificado como pornografia da
pobreza, assumir que a fixação de parâmetros curriculares, baseados em concepções
culturais problemáticas e numa avaliação mais rigorosa, irá fazer mais do que simples-
mente afixar rótulos em alunos pobres, de uma forma aparentemente mais neutra, é,
de igual modo, revelar uma visão equivocada de toda a situação. Levará a uma maior
cupabilização dos alunos, dos pais pobres e, sobretudo, das escolas que frequentam.
A sua implantação será também muito dispendiosa. Significará aderir aos planos "vou-
cher" e "choice" com uma aprovação pública ainda maior.
A análise de Basil Bernstein das complexidades desta situação e das suas consequên-
cias é aqui bastante útil. Tal como afirma, "as práticas pedagógicas do novo vocaciona-
lismo [neoliberalismo] e as da velha autonomia do conhecimento [neoconservadorismo]

57 Vide Apple, Oficial Knowledge.


" Vide as maravilhosas descri~õesde JonathanKozol(1991), Savage Inequalities, New York: Crown.
representam um conflito entre duas ideologias elitistas distintas, uma baseada na hie-
rarquia de classe do mercado, a outra baseada na hierarquia do conhecimento e nos
seus apoios de classe".59
Quaisquer que sejam as oposições entre as práticas pedagógicas e curriculares
orientadas para o mercado e para o conhecimento, as actuais desigualdades baseadas
na raça, sexo e classe serão provavelmente reproduzi da^.^^
O que Bernstein designa por "pedagogia visível autónoma" - baseada em padrões
explícitos e modelos altamente estruturados de ensino e avaliação - justifica-se pelo
seu próprio valor intrínseco. O valor da aquisição, digamos, da "tradição ocidental"
repousa no seu status de princípio norteador para "tudo o que mais prezamos" e para
as normas e disposições que incute nos alunos:
"Asua arrogância reside na reivindicação de elevadas bases morais e da supe-
rioridade da sua cultura, na indiferença em relação às consequências da sua pró-
pria estratificação, na sobranceria pela falta de relação com qualquer outra coisa
excepto ela própria, na sua abstracta autonomia auto-referen~ial."~'
O seu pretenso oposto - baseado nos conhecimentos, destrezas e disposições "exi-
gidas" pelas empresas e indústrias, e com o objectivo de procurar orientar a escolari-
dade segundo os princípios de mercado - é, na realidade, uma construção ideológica
muito mais complexa.
"Incorpora algumas das críticas à pedagogia autónoma visível, críticas aofra-
casso da escola urbana, à passividade e ao status inferior lconcedido1 aos pais, ao
tédio... dos alunos e as suas consequentes roturas com a resistência aos currículos
irrelevantes, aos procedimentos de avaliação, que especificam u m fracasso rela-
tivo em vez do esforço positivo daquele que aprende. Mas assimila estas críticas
incorporando-as n u m novo discurso: u m novo I a n u s pedagógico.
O compromisso explícito para com uma maior escolha por parte dos pais não é
uma homenagem à democracia participativa mas uma fina capa que esconde a
velha estratificação das escolas e dos currículo^."^^
Estarão correctas as conclusões de Bernstein? Será que a combinação de um currí-
culo nacional, avaliação nacional e privatização irá levar-nos, realmente, a um distan-
ciamento dos processos e fins democráticos? É necessário que olhemos não propria-
mente para o Japão (para onde, infelizmente, muitas pessoas insistiram que olhásse-
mos), mas para a Grã-Bretanha, onde esta combinação de propostas se encontra
muito mais avançada.
Actualmente, na Grã-Bretanha existem indícios significativos de que os efeitos glo-
bais das várias políticas orientadas para o mercado, introduzidas pelo Governo de

59 Basil Bernstein (1990), T h e Struturing of Pedagogic Discourse: Class, Codes and Control, volume 4, New
York: Routledge, p. 63.
" Ibid., p. 64
" Ibid., p. 87.
Ibid.
Direita, não representam nem um pluralismo genulno, nem uma "interrup~áo[das]
formas tradicionais de reprodução social".
Pelo contrário, poderão fornecer amplamente "um pretexto legítimo para a perpe-
tuação de formas duradouras de desigualdade e~truturada".'~ O facto de um dos seus
principais efeitos ter sido a perda de poder e a desqualificação de um grande número
de professores também não é inc~nsequente.~~
Edwards, Gewirtz e Whitty, que aprofundaram ainda mais esta questão, chegaram
a conclusões semelhantes. Fundamentalmente, a preocupação da Direita com "vias de
saída" desvia a atenção dos efeitos destas políticas naqueles (provavelmente a maio-
ria) que serão deixados para trás.65
Desta forma, é de facto possível - e até mesmo provável - que as abordagens de
mercado na educação (mesmo quando associadas a um Estado forte quanto a um sis-
tema de currículos e de avaliação nacionais) exacerbem as já existentes e expandidas
divisões de classe e de raça. No novo mercado educativo, a "liberdade" e a "escolha"
serão apenas para os que tiverem condições e recursos. A "diversidade" na escolari-
dade será simplesmente uma palavra mais elegante para a condição de apartheidb6
edu~ativo.~'

Repensando a cultura comum


Fui bastante negativo nas minhas considerações sobre esta temática. Salientei que
as políticas do conhecimento oficial - neste caso, propostas circum-jacentes para a
introdução de um currículo e de uma avaliação nacionais - não podem ser inteira-
mente compreendidas de forma isolada.
Tudo isto precisa de ser contextualizado numa ampla dinâmica ideológica, na qual
constatamos a existência de uma tentativa, empreendida por um novo bloco hegemó-
nico, para transformar as nossas próprias ideias acerca do objectivo da educação.
Esta transformação envolve um enorme desvio - tão notório, que faria Dewey
estremecer - onde a democracia se converte num conceito económico, e não político,
e onde a ideia de bem público envergonha as suas próprias raízes.
Talvez tenha sido demasiado negativo. Existem, porventura, boas razões para
apoiar os currículos e a avaliação nacionais, mesmo como estáo actualmente constituí-
dos, precisamente devido ao poder da coligação de Direita.

Geoff Whitty (1991), "Recent education reform: is it a pos-modem phenomenon?", Unpublished paper
presented at the Conference on Reproduction, Social Inequality and Resistence, University of Bielefeld,
Bielefeld, Germany, October 1-4, pp. 20-21.
Compare-se isto com a experiência nos Estados Unidos em Michael W. Apple e Susan Jungck (1990),
"You don't have to be a teacher to teach this unit", American Ediicational Resrarch lournal, 27 (Summer),
pp. 227-251.
65 Edwards, Gewirtz e Whitty (1992), "Whose choice of schools?", p. 157.
Segregação, discriminação. (NT)
67 Green, "The peculiarities of english education", p. 30. Para abordagens mais pormenorizadas dos efeitos
ideológicos, sociais e econórnicos dos planos "choice", vide Stan Karp (1992), Massachusetts achoicev
plan undercuts poor districts", Retliinking Schools, 6 (March/April), p. 4; e Rober Lowe (1992), "The illu-
sion of 'choice"' Rethinking Schools, 6 (March/April), pp. 1,21-23.
É possível, por exemplo, afirmar que s6 atravks do estabelecimento de um currículo
e avaliação nacionais seremos capazes de deter a fragmentação, que advirá em conse-
quência da dimensão neoliberal do projecto de Direita. Somente esse sistema poderia
proteger quer a ideia de uma escola pública, quer os sindicatos de professores (que,
num sistema privatizado e comercializado, perderiam grande parte de seu poder),
quer, ainda, as crianças pobres e as crianças de cor contra as vicissitudes do mercado.
Além do mais, para começar, é o "livre mercado" que comprova a pobreza e a
destruição da comunidade que actualmente estas pessoas testemunham.
É também possível afirmar, tal como fez Geoff Whitty, no caso britânico, que o
próprio currículo nacional não só estimula um intenso debate público sobre qual o
conhecimento que é declarado oficial, como encoraja a formação de coligações pro-
gressistas, através de uma variedade de diferenças, contra as ditas definições de
conhecimento legítimo apoiadas pelo E~tado.~'
O currículo nacional poderia ser o veículo para o retorno do aspecto político que a
Direita tanto deseja eliminar do nosso discurso público e que os especialistas em efi-
ciência desejam transformar numa mera preocupação técnica.
Assim, é muito provável que o estabelecimento de um currículo nacional desencadeie
a união de grupos oposicionistas e oprimidos. Dada a natureza da actual fragmentação
dos movimentos educacionais progressistas, e dado o sistema de financiamento e admi-
nistração escolar, que força os grupos a concentrarem-se principalmente a nível local ou
estadual, uma entre muitas outras funções do currículo nacional pode ser a aglutinação
de determinados grupos em torno de um programa comum. O resultado pode ser um
movimento nacional para uma visão mais democrática da reforma educativa.
Em muitos sentidos - e digo isso com toda a seriedade - temos para com os conser-
vadores íntegros (e existem muitos) uma dívida de gratidão, de uma forma estranha. Foi
a sua percepção de que as questões curriculares não se restringem apenas ao campo
técnico e metodológico que ajudou a estimular o debate actual. Quando muitas mulhe-
res, pessoas de cor e organizações de trabalhadores (obviamente, que estes grupos não
se excluem entre si) lutaram para que a sociedade reconhecesse a tradição selectiva, que
reside no conhecimento oficial, os seus movimentos foram, com frequência (embora
nem sempre), silenciados, ignorados ou reincorporados nos discursos dominante^.^'
O poder da Direita - na sua contraditória tentativa de estabelecer uma cultura
comum nacional, de modo a contestar o que está actualmente a ser ensinado e a tor-
nar essa cultura parte integrante de um vasto supermercado de opções, tornando-nos,
assim, insensíveis as políticas culturais - fez com que fosse impossível ignorar a política
do conhecimento oficial.

Geoff Whitty, correspondência pessoal. Andy Green, no contexto inglês, defende também que existem
vantagens em ter um currículo nacional amplamente definido, mas acrescenta que isto torna mais perti-
nente a necessidade de as escolas terem um grau de controlo muito significativo sobre a sua implemen-
tacão, "como forma para comprovar se o Estado utiliza a educacão para promover uma determinada
ideologia. Vide Greeen (1991), "The peculiarities of english education", p. 22. O facto de grande parte
dos professores em Inglaterra, em essência, terem aderido a greve - recusando activamente a realizacão
de testes nacionais - fornece algum fundamento ao argumento de Whitty.
69 Vide Apple e Christian-Smith, The Politics of the Textbook.
Deveríamos, então, apoiar um currículo e uma avaliação nacionais para marginali-
zar completamente a privatizaçáo e comercialização? Nas actuais condições, penso
que o risco não compensa - não só pelo seu enorme potencial destrutivo a longo e
curto prazos, mas também porque penso que seria interpretar erradamente as ques-
tões de um currículo e de uma cultura comuns.
Aqui, tenho que repetir os argumentos que apresentei na segunda edição do livro
Ideology and C u r r i ~ u l u r nO
. ~apelo
~ actual para o "regresso" a uma "cultura comum",
na qual todos os alunos deverão receber determinados valores de uma cultura especí-
fica - habitualmente do grupo dominante - não tem nada a ver, na minha opinião,
com uma cultura comum.
Uma abordagem deste género dificilmente consegue riscar a superfície das ques-
tões políticas e educacionais envolvidas. Uma cultura comum nunca poderá ser uma
extensão geral para todos daquilo que uma minoria significa e em que acredita. Pelo
contrário, e fundamentalmente, uma cultura comum requer não uma estipulação dos
factos, dos conceitos, das destrezas e dos valores que nos fazem a todos "literatos
culturalmente", mas sim a criação das condições necessárias para que todas as pes-
soas participem na criação e recriação dos significados e valores.
Requer ainda um processo democrático, no qual todos os indivíduos - n2o apenas
aqueles que são os guardiões intelectuais da "tradição ocidental" - possam participar
na deliberação do que é importante. Não deveria ser necessário afirmar que isto
obriga a remoção dos verdadeiros obstáculos materiais - poder, riqueza e tempo de
reflexão desiguais - que dificultam esta parti~ipação.~'
Tal como afirma Raymond Williams:

" A ideia de uma cultura comum não é, de modo algum, a ideia de um simples
consentimento nem, certamente, de uma sociedade meramente conformada.
Envolve uma determinação comum de significados por parte de todas as pessoas,
actuando, ora como indivíduos, ora como grupos, num processo que não apre-
senta u m objectivo espec@co e que nunca se deverá interpretar como algo que
finalmente se realizou, completamente, por si mesmo. Neste processo comum, a
única certeza será a manutenpio em aberto dos canais e instituições para que
. ,. todos possam participar e sejam realmente ajudados a c o n t r i b ~ i r . " ~ ~
Com efeito, ao falarmos de uma cultura comum não deveríamos estar a falar de
algo uniforme, de algo com que todos nos conformamos. Em vez disso, deveríamos
"precisamente estar a exigir esse processo livre, contributivo e comum de participação
na criação de significados e valores".73É o próprio bloqueamento deste processo, nas
nossas instituições, que nos deveria interessar a todos.

Apple, Ideology and Curriculum, pp. 13-14.


" Raymond Williams (1989), Resources ofHope, N e w York: Verso, pp. 35-36.
R lbid., pp. 37-38.
lbid., p. 38.
I

A nossa linguagem actual revela como este processo está a ser definido durante a
restauração conservadora. Em vez de sermos vistos como pessoas que participam na
luta para construir e reconstruir as nossas relações educativas, culturais, políticas e
económicas, somos definidos como consumidores (desse "género de classe particular-
mente aquisitiva"). Trata-se de um conceito verdadeiramente extraordinário, porque
vê as pessoas como estômagos ou fornalhas. Nós utilizamos e gastamos. Não criamos.
Outro o fará. Isto é bastante perturbador, em geral, mas na educação é verdadeira-
mente desqualificante. Deixem estas questões para os guardiões da tradição, para os
especialistas da eficiência e da prestação de contas, para os detentores do "conheci-
mento real", ou para os Christophers Whites deste mundo que nos construirão "esco-
las de escolha" comuns para uma geração baseada no lucro.74
Porém, tal facto coloca-nos, não só perante um grande risco, como também coloca
em perigo aqueles estudantes que já são privados económica e culturalmente pelas
instituições dominantes.
Conforme observei logo no início deste livro, vivemos numa sociedade com vence-
dores e vencidos identificáveis. Futuramente, poderemos dizer que os vencidos fizeram
más "opções de consumo" e que, afinal, é assim mesmo que funcionam os mercados.
Mas será realmente esta sociedade apenas um vasto mercado?
Como nos lembra Whitty, numa época em que tantas pessoas descobriram, a
partir das suas experiências quotidianas, que as supostas "grandes narrativas" do
progresso são inconsequentes, será apropriado regressar a uma outra grande narra-
tiva, a do mercado?75Os resultados desta "narrativa" são visíveis todos os dias, na
destruição das nossas comunidades e do nosso meio ambiente, no crescente racismo
da sociedade, nos rostos e corpos das nossas crianças que vêem o futuro e perdem a
esperança.
Muitas pessoas conseguem dissociar-se destas realidades. Há um distanciamento
quase patológico entre os ricos.76No entanto, face a persistência da fome e da falta
de habitação, da ausência confrangedora de assistência médica e degradações da
pobreza, como pode alguém não se mostrar moralmente indignado perante um fosso
cada vez maior entre ricos e pobres?
Se isto fosse (sempre numa perspectiva autocrítica e de constante subjectivação) o
tema central de um currículo nacional, quicá um currículo deste género pudesse, na
realidade, valer a pena.
No entanto, como poderia o currículo nacional ser testado com eficiência e a baixo
custo, e como é que a Direita poderia controlar os seus meios e os seus fins?
Enquanto isso não acontecer, podemos utilizar um "slogan" da Direita, que se tor-
nou popular num outro contexto, e aplicá-lo ao seu programa educativo. Qual é esse
"slogan"? "Diga, simplesmente, não."

" Apple (1993),OfJlcinl Knowledge.


" Whitty (1992), "Education, economy and national culture",p. 22.

76 Ver a posição de Kozol, Savage Inequalities.


Tornar-se "Direita":
A Educação e a Formação
de Movimentos Conservadores
com Anita Oliver
Terminei o segundo capítulo com uma conclusão, de algum modo retórica, ape-
lando para a rejeição da tendência que se tem revelado, não só em relação a um currí-
culo nacional, como também aos testes nacionais, ainda que não seja suficiente dizer
"não". Muito embora, no que diz respeito ao controlo rígido do conhecimento e dos
valores, possamos dizer "não" as tónicas neoliberais de comercialização e privatização
e as insistências neoconservadoras, o facto é que a aliança de Direita cresce de uma
forma cada vez mais poderosa.
Um dos motivos pelo qual a aliança de Direita vai conquistando terreno reside na
sua capacidade de integrar, sob o seu "guarda-chuva" ideológico, os sentimentos
de um grande número de pessoas que acreditam que as escolas e o Governo, em
muitos dos seus níveis, se encontram "desactualizados" e "não dão ouvidos a nin-
guém". Estas pessoas orientam-se de acordo com os ideais populistas, ideais que
contêm determinados pontos de vista sobre a natureza das relaçoes de poder nesta
sociedade.
Os sentimentos populistas não têm que tornar-se autoritários, nem tão-pouco têm
que integrar-se na política da nova Direita; no entanto, frequentemente, tal facto
acontece. Neste processo, milhares e milhares de pais que se preocupam profunda-
mente com o futuro dos seus filhos convencem-se que devem aderir a movimentos
sociais que, em última análise, se opõem as formas institucionalizadas de currículo e
cada vez mais negam a legitimidade da escola pública.
Neste capítulo trataremos de esclarecer o modo como esta realidade acontece.

Compreendendo os movimentos de "Direita"


Nos Estados Unidos, os conservadores formaram instituições nacionais para luta-
rem contra aquilo que realmente é considerado como "conhecimento oficial" nas
escolas. Tais organizações aproximam-se, frequentemente, de grupos locais de "cida-
dãos preocupados", oferecendo-lhes apoio financeiro e legal, para as suas batalhas
com os sistemas escolares, a nível local e estadual. Entre as organizações mais activas
encontram-se: "Citizens for Excellence in Education"; "Eagle Forum"; "Western Cen-
ter for Law and Religious Freedom"; e "Focus on the Family".
#

Mel e Norma Gabler' desenvolveram um sistema de oposição para amparar os pais


e os grupos de Direita espalhados por todo o país no combate as políticas e práticas
educativas, tentando ou modificar os conteúdos dos manuais, ou retirá-los do mer-
cado.
Nos Estados Unidos, a "Direita cristã" converteu-se num movimento cada vez mais
-
poderoso, cujos principais efeitos se fizeram sentir nas deliberações sobre a política
- educativa, o currículo2 e o ensino.
Além do mais, seria muito fácil ver os nomes destas organizações estampadas por
todo lado. De facto, isto seria um erro grave, não apenas empiricamente, mas também
conceptual e politicamente. Muito embora exista uma certa intencionalidade, frequen-
temente consideramos os movimentos de Direita numa perspectiva de conspiração.
-
Neste processo, não só diluímos a complexidade que rodeia as políticas educativas,
como também nos refugiamos em oposições binárias do "bem" e do "mal". Por isso,
ignoramos os elementos de algum modo perspicazes em alguns grupos da oposição -
inclusive a ala de Direita - bem como os locais onde as decisões poderiam ter sido
tomadas, de modo a que não tivessem contribuído para o crescimento destes movi-
mentos.
A questão crucial deste capítulo é a seguinte: como é que crescem os movimentos
da Direita religiosa? É nossa convicção que esta problemática só poderá ser completa-
mente percebida se nos debruçarmos sobre as interacções - algumas delas ocorrem
com alguma frequência - que, a nível local, se criam entre o Estado e a vida quoti-
diana do cidadão comum, a medida que este interactua com as instituições.
Também pretendemos minimizar as implicações do crescimento dos movimentos
sociais de Direita. Na verdade, a restauração conservadora tem provocado efeitos ver-
dadeiramente negativos nas vidas de milhões de pessoas num determinado número de
países3, efeitos esses que, tal como tivemos oportunidade de revelar no capítulo ante-
rior, podem causar graves danos.
Pelo contrário, pretendemos fornecer uma visão mais dinamica de como e porquê
estes movimentos se revelam tão atractivos na actualidade. Com frequência, as análi-
ses correntes não só assumem o que tem de ser explicado, como também atribuem

'Mel e Norma Gabler são activistas de Direita no Estado do Texas, líderes de uma organização "popu-
lista autoritária" muito poderosa na contestação que têm feito aos manuais escolares no Estado d o
Texas e em todo o país. Têm muito poder junto das editoras, obrigando-as a uma censura de modo a
que os manuais contenham o maior número possível de temas sociais defendidos pela agenda conser-
vadora e não tenham nenhum conteúdo de teor crítico. Opõem-se ao ensino evolutivo, a uma sociedade
em que as mulheres não se situem dentro dos padrões tradicionais e ao currículo multicultural. Uma
vez que o Estado do Texas tem uma política de adopção de manuais escolares muito poderosa - a selec-
ção é centralizada de modo a que o Estado decida quais os textos específicos que podem ser adquiridos
e utilizados em todo o território -, os conteúdos, que as editoras colocam nos manuais para todo o país,
baseiam-se no que se vende no Estado d o Texas. Mel e Norma Gabler têm mesmo muito poder, pressio-
nando as editoras a manter os manuais escolares de acordo com os conteúdos defendidos pela agenda
conservadora. (NT)
Joan Delfattore (1992), What Johnny Should't Read, New Haven: State University Press.
'Michael W. Apple (1993), Official Knowledge. Democratic Education in a Conservative Age, New York: Rou-
tledge; e Michael B. Katz (1989), The Undeserving Poor, New York: Panthenon; e Jonathan Kozol (1991),
Sailnge Inequalitlt~s,New York: Crown.
e

toda a culpa do crescimento das posições de Direita as pessoas que "se tornaram de
Direita". Ninguém presta atenção a um vasto conjunto de relações que bem pode ter
empurrado as pessoas a assumir posições de Direita mais agressivas. Na verdade, é
este o nosso objectivo. Habitualmente, as pessoas "tornam-se de Direita" devido as
interacções negativas que vão estabelecendo com instituições insensíveis.
Assim, parte do nosso argumento repousa na denúncia da existência de uma rela-
ção muito próxima entre o modo como o Estado se estrutura e actua e a formação
dos movimentos e identidades sociais.
Posteriormente, combinamos elementos das análises neogramsciana e pós-estrutu-
ralista. Em parte, o nosso objectivo é demonstrar de que modo os primeiros - inci-
dindo no Estado, na formação de blocos hegemónicos, na construção de novas alian-
ças sociais e na geração da permissão - e os últimos - que se debruçam sobre o local,
na formação da subjectividade e da identidade e na criacão de posições subjectivas -
podem trabalhar, criativamente, em conjunto para iluminar aspectos cruciais da polí-
I tica educativa4. Subjacente a esta análise repousa uma posição específica sobre o que
a investigação crítica deveria fazer.
Noutras publicações, um de nós afirmou que "as nossas palavras se têm difun-
/ dido" em muita da actual literatura sobre a educação, que adopta uma postura crítica
e de oposição. isto é, colocam-se camadas teóricas umas atrás das outras sem se com-
preender, em profundidade, a verdadeira complexidade da escolarização. Não se trata
de um argumento contra a teoria. Pelo contrário, parte-se do princípio de que as abs-
tracções eloquentes se revelam fracas se não se configurarem numa relação com os
supostos objectos destas abstracções - a escolarização e as suas condições de existên-
cia política, económica e cultural.
Nesta conformidade, é bastante salutar deixar que o quotidiano que envolve as
políticas das instituições educativas nos incomode. Na ausência disto, muitos dos
"teóricos críticos da educação" tendem a cunhar neologismos, que permaneçam com-
pletamente desligados da vida e das lutas reais vividas pelas pessoas em instituições
reais5.Esperamos não incorrer no mesmo erro.

Formações "acidentais"
Tal como Whitty, Edwards e Gewirtz documentam nas suas análises sobre o cresci-
mento das iniciativas conservadoras, como os colégios técnicos urbanos em Inglaterra,
as políticas de Direita e os seus efeitos nem sempre resultam de iniciativas cuidadosa-
mente planificadas6. São, habitualmente, de carácter acidental, o que, de modo
algum, nega a sua intencionalidade.

Para um exemplo elucidativo sobre a integraqão destes programas de análises de algum modo distintos,
vide Bruce Curtis (1992), True Government by Choice Meil?, Toronto: University of Toronto Press.
Michael W. Apple (1988), Teachers and Texts. A Political Economy of Class and Gender Relations in Education,
New York: Routledge; e Michael Apple, Official Knowledge.
Geoff Whitty, Tony Edwards e Sharon Gewirtz (1993), Specialisation and Choice in Urban Education, New
York: Routledge.
1

Pelo contrário, a especificidade histórica das situações locais e as complexidades


das múltiplas relações de poder em cada lugar significam que as políticas conservado-
ras são profundamente mediadas e têm consequências imprevisíveis.
Se isto é um facto em muitas das intenções manifestadas para modificar a política
e as práticas educativas, orientando-as numa perspectiva conservadora, mais evidente
se torna quando examinamos o modo como os sentimentos de Direita se propagam e
crescem em torno dos actores locais.
Muitas das análises sobre a "Direita" assumem um determinado tipo de aspectos.
Todas elas, com frequência, assumem-na como um movimento ideológico único e relati-
vamente consensual, em vez de o analisarem como uma montagem complexa de tendên-
cias diferentes, muitas das quais mantêm uma relação tensa e instável com as restantes.
Diversas análises consideram também a "Direita" como um "facto", como um
dado, como se já existisse uma força estruturante maciça capaz de impor os seus prin-
cípios na vida quotidiana e nos nossos discursos de uma maneira bem planificada. Tal
facto prende-se com a seguinte questão que necessita de ser investigada: como é que
a Direita se forma?
No segundo capítulo, afirmámos que, frequentemente, as políticas de Direita tra-
duzem não só compromissos entre a "Direita" e outros grupos, como entre as várias
tendências presentes no seio da aliança conservadora.
Desta forma, os grupos neoliberais, neoconservadores, fundamentalistas religiosos
autoritários e populistas e uma franja particular da nova classe média encontraram
espaço sob a auréola ideológica criada pelas tendências de Direita.
Do mesmo modo, mostrámos como os discursos conservadores actuam de um
modo criativo para desarticular conexões prévias, rearticulando grupos de pessoas den-
tro deste movimento ideológico mais abrangente, relacionando-os com as esperanças,
receios e condições reais da vida diária das pessoas e fornecendo explicações aparente-
mente "razoáveis" para os problemas actuais que as pessoas vão enfrentando7.
Esta realidade dá também a impressão de que o projecto educativo criativo em que
a Direita se encontra envolvida - para convencer um número considerável de pessoas
a aderirem a uma aliança mais abrangente - funciona ao nível local numa perspectiva
suave e racional. Na verdade, pode não acontecer deste modo.
Pretendemos salientar que experiências e acontecimentos mundanos subjazem,
frequentemente, a uma viragem para a "Direita" a nível local. Muito embora a Direita
se encontre envolvida na concentração de esforços para modificar os nossos discursos
e práticas em determinada direcção, o seu êxito em convencer as pessoas depende de
determinados aspectos que Whitty, Edwards e Gewirtz denominam por "acidentes".
De facto, os "acidentes" configuram-se, habitualmente, num determinado padrão
e resultam de complexas relações de poder. Contudo, falta ainda referir a questão
principal. A aceitação das tendências conservadoras constrói-se - nem sempre de
forma planificada - e pode envolver tensões e sentimentos contraditórios entre as pes-
soas que, definitivamente, "se tornaram de Direita"

'Apple, OficialKnou7ledge.
Para um melhor esclarecimento desta questão, descreveremos, em primeiro lugar,
com maior profundidade, o conjunto de assunções culturais, receios e tensões que
sustentam a "Direita" cultural e religiosa nos Estados Unidos8. Posteriormente, abor-
daremos o modo como o desenvolvimento do Estado burocrático é ideal para a con-
firmação destes receios e tensões. Em terceiro lugar, iniciaremos esta aproximação
centrando-nos num caso específico sobre a controvérsia em torno de um manual,
que conduziu a formação de sentimentos de Direita na comunidade local. Por último,
queremos sugerir um número importante de implicações desta análise para a política
educativa e para as tentativas de contrapor o crescimento dos movimentos de ultra-
-Direita na educação.

Um mundo perigoso
H6 uma história contada por uma professora sobre uma discussáo que aconteceu
na sua sala de aula de uma escola básica. Um grupo de alunos discutia, fervorosa-
mente, acerca de "palavrões" que se encontravam gatafunhados na parte lateral de
um edifício, durante a festa das bruxas.
Mesmo depois de a professora ter pedido aos alunos para se prepararem para a
sua aula de dicção, a maior parte deles continuava a falar acerca dos "palavrões". Tal
como habitualmente acontece, a professora percebeu que não poderia ignorar por
completo a questão. Perguntou aos alunos o que fazia com que as palavras se tornas-
sem "obscenas".
Daí adveio uma discussão longa e produtiva, entre estes alunos do segundo grau,
acerca do modo como certas palavras podem ser utilizadas para magoar as pessoas e
como "isso não era muito bonito".
Durante todo este processo, um dos alunos manteve-se completamente calado,
muito embora estivesse clara e profundamente atento. Finalmente, ergueu a máo
dizendo que conhecia a "palavra mais obscena do mundo". Estava muito embaraçado
para poder dizer a palavra em voz alta (e sabia também que não seria correcto pro-
nunciá-la na escola). A professora pediu-lhe que lhe dissesse posteriormente em voz
baixa ao seu ouvido.
Durante o recreio o aluno aproximou-se da professora, colocou a boca junto A
orelha dela e, com a voz muito baixa, pronunciou, vagarosamente, a "palavra obs-
cena". A professora quase que se desmanchou a rir. O "palavrão", a tal palavra que
nunca se deveria pronunciar, era "estatística". O pai de uma das crianças trabalhava
para uma estação de rádio local e sempre que os números das audiências eram tor-
nados públicos dizia furioso: "Estas malditas estatísticas". O que é que poderia ser
mais obsceno?
Para muitos pais e activistas conservadores existem outras coisas muito mais obsce-
nas. Discussões sobre o corpo, a sexualidade, a política e valores pessoais e sobre

'Estas assuncões podem não coincidir com as de outras nacões, especialmente no que diz respeito ao
poder relativo do fundamentalismo religioso. Além do mais, nem todos os sectores da Direita cultural e
religiosa se encontram de acordo. Todavia, para facilitar a nossa apresentacáo, abordaremos algumas
questões divergentes no seio deste movimento.
*
quaisquer outras questões sociais que se relacionam com estes aspectos são assuntos
que se situam numa zona perigosa.
No entanto, não seria prudente tratá-las nas escolas. Se as vão tratar, estes activis-
tas conservadores exigem que as mesmas sejam abordadas, mas contextualizando-as
nas relações tradicionais de género, no núcleo familiar, na economia de "livre mer-
cado" e de acordo com textos sagrados como os da Bíblia.
Tomemos como exemplo o caso da educação sexual. Para os conservadores cul-
turais, a educação sexual é uma das últimas formas do "humanismo secular" nas
escolas. É atacada pela nova Direita porque constitui, por um lado, uma ameaça ao
controlo dos pais sobre as escolas e, por outro, supõe o ensino de valores "não tra-
dicionais".
Para a coligação de forças que aglutina a nova Direita, a educação sexual pode
destruir a família e a moralidade religiosa, "encorajando a masturbação, o sexo pré-
-matrimonial, o sexo em abundância, o sexo sem responsabilidade, o sexo como diver-
são, a homossexualidade, o sexo. "'
Estes grupos vêem esta questão como educação para o sexo e não educação sobre
o sexo, o que criará uma obsessão que poderá destruir a "moralidade cristã" e amea-
çar o papel que Deus nos confioulO. Estes elementos foram importantes na intensa
controvérsia que envolveu, por exemplo, o "Rainbow Curriculum"", na cidade de
Nova lorque, e que contribuiu, sem dúvida, para os movimentos que acabaram por
afastar o inspector escolar da cidade.
A visão dos papéis confiados ao género humano que subjaz a estes ataques é sur-
preendente. Allen Hunter, um dos comentadores mais perspicazes do programa conser-
vador, defende que a nova Direita entende a família como uma unidade orgânica e divina
que "resolve o egoísmo masculino e o altruísmo feminino"'*. E continua, afirmando:

"Uma vez que o género é divino e natural ... (não) há lugar para u m conflito
político legítimo. Na família, mulheres e homens - a estabilidade e o dinamismo -
fundem-se harmoniosamente quando não são perturbados pelo modernismo, libe-
ralismo, feminismo, (e) humanismo que ameaçam, não só, directamente, a mascu-
linidade e afeminilidade, como também, através dos seus efeitos, as crianças e a
juventude. As 'verdadeiras mulheres', ou seja, mulheres que sabem ser esposas e
mães, não ameaçarão a santidade da casa em seu próprio benefício. Quando o

Allen Hunter (1988), Children in the Service 01Conservatisrn, Madison: University of Wisconsin, Madison
Law School, Institute for Legal Studies, p. 63.
'O Ibid
" O "Rainbow Curriculurn" é o currículo defendido em Nova Iorque. É muito progressista em termos de
raça, género e sexualidade. Este currículo criou um enorme conflito uma vez que muitos grupos neocon-
servadores e populistas autoritários - especialmente as facções ultraconservadoras da Igreja Católica e
os fundamentalistas protestantes - se opunham com veemência a alguns dos padrões veiculados por
este currículo, nomeadamente, a aceitação da homossexualidade e a importância da diversidade cultural.
A reacção conservadora foi um dos grandes factores que levou os directores locais de todas as escolas
de Nova Iorque a demitirem-se. (NT)
'' Ibid., p. 15.
homem ou a mulher desafiam os papéis do género humano rompem com Deus e
com a Natureza; quando os liberais, feministas e humanistas seculares os impe-
dem de desempenhar estes papéis, destroem os apoios divinos e naturais sobre os
quais assenta a sociedade. "I3
Tudo isto está relacionado com a sua convicção de que a escola pública em si
mesma é um palco extremamente perigoso14. Nas palavras do activista conservador
Tim La Haye, "a educação pública moderna é a força mais perigosa na vida da criança,
quer do ponto de vista religioso, quer sexual, económico, patriótico e físico15". Esta
perspectiva relaciona-se com a sensação de perda que o conservadorismo cultural tem
em relação a escolaridade e a comunidade.

"Até há muito pouco tempo, tal como entende a nova Direita, as escolas eram
extensões do lar e da moralidade tradicional. O s pais podiam confiar os seus
filhos as escolas públicas porque eram controladas localmente e reflectiam os
valores bíblicos e da família.
Todavia, tomadas por forças estranhas e elitistas, as escolas colocam-se a p
entre os pais e as crianças. Muitas pessoas experimentam afragmentoção da uni-
dade entre afamília, a igreja e a escola como uma perda de controlo do vida qitoti-
diana das próprias crianças e dos Estados Unidos. Na verdade, a nooa Direita
sustém que o controlo da educação, pelos pais, é bíblico, porque 'nos planos de
Deus a primeira responsabilidade de educar os jovens repousa no lar e directa-
mente no pai'. "I6
Assim, pode-se constatar com toda a clareza a razão por que, por exemplo, a edu-
cação sexual se tornou numa questão tão importante para os movimentos conserva-
dores. A sua própria existência, e especialmente os seus momentos mais progressistas
e honestos, ameaça elementos cruciais da visão do mundo destes pais e activistas.
Claro que questões como a sexualidade, o sexo e o corpo não são os únicos pólos
de atenção dos conservadores culturais. Estas preocupações estão relacionadas com
um conjunto muito mais vasto de aspectos acerca do que se considera como conteú-
dos "legítimos" nas escolas.
E nesta vastíssima arena de preocupações acerca do corpus global do conhecimento
escolar, os activistas conservadores têm tido um êxito considerável exercendo pressões
sobre as editoras dos manuais modificando também aspectos da política educativa

l3 Ibid. É importante que não se considerem estas posifões como "irracionais". Muitas mulheres de Direita,
por exemplo, tomam-se sensíveis a esta crenfa dadas as suas condifões de vida. Joan Sherron DeHart
está correcta quando afirma que "devemos considerar os gritos das mulheres antifeministas como res-
postas racionais de pessoas que vivem num mundo profundamente precário - um mundo onde a identi-
dade, a legitimaqão social, a viabilidade económica e a ordem moral estão profundamente enraizadas
nas categorias convencionais de género". Vide: Joan Sherron DeHart (1991), "Gender on the right:
behind the existencial scream", Gender and Hiçtory, 3 (Winter), p. 261.
l4 Michael Apple, Official Knowledge.
l5 Tim La Haye, citado por Allen Hunter (1988), Ckildren in tke Service o/Consemantism, p. 57.
l6 Allen Hunter (1988), Ckildren in tke Service of Conçervantiçm, p. 57.
estatal. Esta situação é importante porque o manual permanece precisamente como a
definição dominante do currículo nas escolas, não só nos Estados Unidos, como tam-
bém em muitos outros países1'.
O poder destes grupos pode ser visto na "autocensura" em que se envolvem as
editoras. Por exemplo, um determinado número de editoras de antologias literárias da
escola secundária escolheu incluir o discurso de Martin Luther King " I have a dream",
mas só depois de eliminadas todas as menções ao intenso racismo praticado nos Esta-
dos Unidos18.
Outro exemplo é proporcionado pela lei de manuais do Estado do Texas, que
obriga a inclusão de textos que coloquem em relevo o patriotismo, a autoridade e o
desencorajamento da "fuga a norma". Uma vez que a maioria das editoras aspira, e
tenciona conseguir, a aprovação do conteúdo e organização dos seus manuais num
reduzido número de Estados populosos, que em essência aprovam e compram os
manuais para todos os Estados, isto confere ao Estado do Texas (e a Califórnia) um
enorme poder na determinação sobre o que efectivamente contará como conheci-
mento legítimo para todo o paíslg.
Citando a legislação do Estado do Texas sobre os manuais, o autor de um estudo
recente sobre a controvérsia que envolve os manuais salienta:
" O conteúdo do manual promoverá a cidadania e a compreensão dos aspectos
essenciais e benéficos do sistema livre de imprensa, enfatizando o patriotismo e o
respeito da autoridade reconhecida e promoverá o respeito dos direitos individuais."
O s manuais não deverão "incluir selecções ou obras que encorajem ou tolerem a
desobediência civil, o conflito social, o desprezo pela lei", nem tão-pouco "conterão
material que sirva para debilitar a autoridade", ou "que possa causar situações incó-
modas ou interferências na atmosfera de aprendizagem na sala de aula". Por último,
os manuais aprovados para serem usados no Estado do Texas "não deverão encora-
jar estilos de vida que se desviem das normas aceites pela sociedade e m geral".
A lei do Estado do Texas, que legitima o livre mercado, os estilos de vida tradi-
cionais e a proibição da ilegalidade e rebelião, é utilizada, habitualmente, pelos
activistas dos manuais para justificarem os seus esforços na eliminação de mate-
riais que, de acordo com a sua perspectiva, promovem o socialismo, a imoralidade
e a desobediên~ia."~~
Com a lei do Estado do Texas a colocar a sua ênfase nos "estilos de vida tradicionais",
podemos constatar, claramente, que a "família" se assume como a pedra angular na
construção da sociedade, "o fundamento através do qual se apoia toda a cultura".
Pela sua base moral, a família constitui a civilização. A solidez e estabilidade da família,

l7 Vide Michael Apple e Linda Christian-Smith (eds.) (1991), The Politics of the Textbook, New York:
Routledge.
l8 Joan Delfattore (1992), What johnny should't read, p. 123.
Vide Michael Apple (1988), Teachers and Texts; Apple (1993), Oficial Knowledge; e Apple e Linda
Christian-Smith (eds.)(1991), The Politics of the Textbook.
Joan Delfattore (1992), What lohnny Should't Read, p. 139.
o

em essência, determinam a vitalidade e a vida moral da sociedade em geral2'. Uma


das formas de o garantir é através do lugar central que ocupa para inculcar nas crian-
ças os valores morais e traços de carácter adequados que possam ultrapassar a "deca-
dência moral" que nos rodeia.
Todavia, não é só o lugar que a família ocupa, como fonte da autoridade moral,
que se torna importante. A família e, no seu seio, os papéis "tradicionais" confiados
ao género exigem que "as pessoas actuem em prol do bem geral", condenando a
busca do interesse individual que é tão poderosa no (suposto) mundo público mascu-
Rebecca Klatch salienta:
"Implícita, nesta imagem da família, encontra-se uma concepção conservadora
da natureza humana. 0 s humanos são criaturas de apetites e instintos ilimita-
dos. Entregues a si próprios, transformariam o mundo num caos de paixões
ardentes abalroado por um egoísmo mesquinho. Só a autoridade moral da família
ou da Igreja resfria as paixões humanas, transformando o interesse individual
num bem comum. A sociedade ideal é aquela em que os indivíduos se integram
numa comunidade moral, solidificada pela fé, pelos valores morais comuns e pela
obediência aos ditados da família, da Igreja e de Deus."23
De acordo com esta visão do Mundo, todos os problemas da nação se devem A
decadência moral. Os sinais da decadência encontram-se por todo o lado: "promiscui-
dade sexual, pornografia, legalização do aborto, substituição do casamento, família e
maternidade"24.Mesmo a imensa pobreza é, de facto, um problema moral, mas não
do modo como podem entender os progressistas: como resultado das políticas sociais
que revelam poucas preocupações éticas nos seus efeitos sobre os pobres e sobre a
classe trabalhadora.
Pelo contrário, como refere George Gilder, num discurso proferido em homena-
gem ao activista conservador Phyllis Schlafly sobre a anulação final da Emenda dos
Direitos de Igualdade, "os problemas cruciais dos pobres nos Estados Unidos não são
materiais. E algo que devemos compreender. Os pobres nos Estados Unidos são mais
ricos do que a quinta parte de toda a população, durante a maior parte da história dos
Estados Unidos. São das pessoas mais ricas do mundo. Os problemas cruciais dos
pobres não são materiais mas sim e ~ p i r i t u a i s " ~ ~ .
Definindo-se o problema desta maneira, a pobreza e outros aspectos da decadên-
cia moral, tão visíveis nas nossas instituições mais importantes, tais como as escolas,
só poderão ser solucionados através da renovação moral, da oração, do arrependi-
mento e de um claro reconhecimento da centralidade da fé religiosa, da moralidade e
da "decadência".

'' Rebecca Klatch (1987), Women of the N m Right, Philadelphia:Temple University Press, p. 23.
''Ibid., p. 24.
23 Ibid. ..

" Ibid., p. 26.


" George Gilder, citado por Rebecca Klatch (1987), Women of the New Right, pp. 28-29.
I

Não devemos aceitar de ânimo leve a visão de escolaridade que estes movimentos
propóem nem tão-pouco a percepção de realidade que lhe é subjacente. Porventura,
o melhor exemplo onde se encontra veiculada esta percepção surge-nos numa carta
da autoria d o "Eagle Forum" - u m dos grupos de Direita mais activos que surgem
associados a Phyllis Schlafly - que circulou entre os pais e activistas conservadores.
Outras cartas semelhantes circularam também por todos os sistemas escolares nos
Estados Unidos. Esta(s) carta(s) é(sáo) uma notificação formal aos conselhos escolares
sobre os direitos dos pais.

- -

L n h o r Presidente do Conselho Escolar


Estimado Senhor - . -. .- --- --

EU, . sou o pai do aluno


-- ..que frequenta a Escola
De acordo com a legislação dos Estados Unidos, e com as decides do tribunal, os pais têm uma
responsabilidade primordial na educação do seus filhos, e os alunos possuem determinados
direitos que as Escolas não Ihes podem negar. Os pais têm o direito de assegurar que os valores
morais e as crenças dos seus filhos não sejam destruidos pelas escolas. Os alunos têm o direito
de possuir e assegurar os seus valores e padrões morais sem que as escolas os manipulem,
directa ou indirectamente, através dos currículos escolares, dos manuais, dos materiais audiovi-
suais e até de outras tarefas complementares.
Nesta conformidade, eu abaixo assinado exijo que o meu filho NÃO participe em nenhuma das acti-
vidades escolares, nem tenha contacto com os materiais a seguir discriminados, salvo eu os tenha
revisto antecipadamente e, por escrito, tenha dado o meu consentimento para a sua utilização:
Exames psicológicos e psiquiátricos, testes ou inquéritos estabelecidos para obter informações
ilícitas sobre atitudes, hábitos, traços, opiniões, crenças ou sentimentos de um indivíduo ou de
um grupo.
Tratamentos psicológicos e psiquiátricos desenhados para afectar as características comporta-
mentais, emocionais ou atitudinais de um indivíduo ou de um grupo.
Clarificação de valores, utilização de dilemas morais, discussões sobre padrões morais e reli-
giosos, simulações ou discussões abertas de situações envolvendo aspectos morais e jogos de
decisão que incluam exercícios de vida/morte.
Educação para a morte, incluindo o aborto, a eutanásia, o suicídio, o uso da violência e as dis-
cussões em torno da morte e do morrer.
Currículos relacionados com o álcool e drogas.
Ensino sobre a guerra nuclear, política nuclear e jogos sobre temas nucleares na sala de aula
Currículos antinacionalistas, sobre um governo mundial ou a globalização.
Discussões e testagem de relações interpessoais; discussão de atitudes sobre os pais e sobre a
paternidade e maternidade.
Educação sobre a sexualidade humana, incluindo o sexo pré-matrimonial, o sexo extramatri-
monial, a contracepção, o aborto, a homossexualidade, o sexo em grupo e os casamentos, a
prostituição, o incesto, a masturbação, o sexo com animais, o divórcio, o controlo da natali-
dade e os papéis de homens e mulheres; a conduta e as atitudes sexuais do aluno e da família.
Pornografia e qualquer material que contenha, explicitamente, exemplos de profanação e
de sexo.
Técnicas de orientação para a fantasia; tecnicas hipnóticas; tecnicas de imaginaçáo e sugestão.
Evolução orgânica, incluindo a ideia de que o Homem se desenvolveu a partir de formas de
vida anteriores e de tipos inferiores.
1

Discussóes sobre bruxedo e o oculto, sobre o sobrenatural e o misticismo oriental.


Filiacões e crencas políticas do aluno e da sua família; crencas e práticas religiosas pessoais.
Problemas mentais e psicológicos e comportamentos auto-incriminatórios potencialmente
incómodos para o aluno ou família.
Valorizacão crítica de outros indivíduos com quem o aluno tem relacões familiares.
Relacóes legalmente reconhecidas e análogas, tais como as rela~óescom os advogados, os
médicos e agentes religiosos.
Salário, incluindo o papel do aluno nas actividades e financas da família
Testes de personalidade não-académica; questionários sobre a vida e atitudes familiares.
Trabalhos autobiográficos; agendas, diários e jornais pessoais
Incidentes conjecturados com o intuito de manifestar ideias ou sentimentos pessoais; treino
da sensibilidade; sessões de grupos de encontro; motejos; técnicas de círculo mágico; auto-
-avaliacão e autocrítica; estratégias planeadas para a manifestacão pessoal (por exemplo,
ziguezague).
Sociogramas; sociodrama; psicodrama; passeios As cegas; tkcnicas de isolamento.
O propósito desta carta é preservar os direitos do meu filho ao abrigo da "Protection of Pupil
Rights Amendment" - "The Hatch Amendment" -, da "General Education Provisions Act" e
sua consequente regulamentacão publicada no "Federal Register," de 6 de Setembro de
1984, e que entrou em vigor a 12 de Novembro de 1984. Esta regulamentacão estabelece o
procedimento a seguir em caso de queixa, em primeiro lugar, a nível local e, posteriormente,
ao departamento de educacão dos Estados Unidos. Se não for encontrada um solucão volun-
tária para possíveis problemas, que possam eventualmente surgir, poder-se-ão suprimir os
fundos federais aqueles que não cumpram com o que se encontra legislado.
Rogo-lhe, respeitosamente, uma resposta substantiva a esta carta, anexando uma cópia da
norma sobre os requisitos a cumprir para a anuência paterna, que notifique todos os professo-
res do meu filho e que guarde no seu arquivo pessoal permanente do meu filho uma cópia
desta carta.
Muito grato pela sua cooperação.
Atenciosamente

O teor desta carta permite-nos constatar a enorme desconfiança que existe em


relação ao Estado. A escola é um local de imenso perigo. O conjunto de proibições
documenta a sensação de alarme que demonstram estes pais e activistas, e o motivo
pelo qual pretendem examinar, com acuidade, o que os seus filhos supostamente
experimentam nas escolas.
Na mente dos conservadores, levantar estas objecções não traduz uma censura;
trata-se apenas de proteger todo um conjunto de aspectos que estão no centro do
seu próprio ser.

A formação do Estado e o controlo burocrático


É neste tipo de conflitos acerca de questões desta índole que se formam novos
organismos do Estado. Habitualmente, assumimos uma visão coisificada do Estado. O
Estado é visto como uma coisa. Está simplesmente aí. Todavia, em todos os níveis, o
Estado está em formação. O Estado é não só "a" arena onde diferentes grupos se
confrontam para legitimarem e estabeleceram as suas próprias necessidades e os seus
próprios discursos sobre essas necessidade^^^, como também é formado e transfor-
mado, quer ao nível do conteúdo, quer ao nível da forma, através desses confrontos.
Ao nível local, nos Estados Unidos, os distritos escolares estabeleceram mecanis-
mos para regular o conflito em torno do conhecimento oficial. Tal como já salientá-
mos, os movimentos sociais populistas de Direita, especialmente os fundamentalistas
cristãos, levantaram objecções profundas - não tencionamos jogar com as palavras -
sobre um vasto conjunto de currículos, pedagogias e procedimentos avaliativos.
Desta forma, por exemplo, os manuais de leitura e de literatura foram colocados
em causa - censurados - pelo seu "humanismo secular", pelo seu apoio ao "socia-
lismo", ao oculto, pela "importância excessiva" dada As culturas minoritárias e, até,
pela presumível veleidade dada aos costumes vegetariano^^^.
Dar aten~ãoA controvérsia em torno dos manuais é, de facto, importante. Em pri-
meiro lugar, dada a ausência actual de um currículo nacional oficial nos Estados Uni-
dos - muito embora, como já documentámos, esta realidade possa estar em transfor-
macão -, o manual estandardizado é regulado, até certo ponto, pelo Estado. De facto,
o Estado orienta a sua adopção e constitui grande parte do quadro de referência do
currículo nacional oculto28.
Em segundo lugar, embora muitos professores utilizem o manual como ponto de
partida, em vez de algo que deve ser seguido a letra, pode-se dizer que os professores
nos Estados Unidos utilizam, na realidade, o manual de um modo notável, como arte-
facto fundamental do currículo na sala de aula.
Em terceiro lugar, a ausência de um currículo nacional codificado e a história do
sentimento populista levam a que muitos dos poderosos protestos sobre o que conta
como conhecimento oficial nas escolas se encontrem historicamente focados no pró-
prio manual. O manual constitui o ponto de apoio ideal para desvendar as dinâmicas
subjacentes a política cultural da educação, e os movimentos sociais que a formam e
nela se formam.
Dado o poder destes grupos, muitos distritos escolares dispõem de departamentos
elou procedimentos padronizados para lidar de modo "eficiente e seguro" com estes
incessantes desafios. Um dos efeitos habituais de tais procedimentos prende-se com o
facto de as instituiq3es interpretarem, de um modo específico, quase todas as oposi-
ções que se levantam em relação ao conhecimento oficial: a censura e as expressões
provenientes de grupos organizados da nova Direita.
Deste modo, o aparelho educativo do Estado expande-se como um mecanismo
defensivo, protegendo-se contra estas pressões populistas. Na verdade, uma vez esta-
belecida esta estrutura, a sua perspectiva centra-se na definição da crítica social, de
modo a percebê-la e a enfrentá-la.

Nancy Fraser (1989), Urzruly Practices, Minneapolis:University of Minnesota Press.


27 Vide JoanDelfattore (1992), What lohnny Shoiild't Read.
Vide Michael Apple (1993), Official knowledge, Michael Apple e Linda Christian-Smith (eds.) (1991), The
Politics of the Textbook.
1

Este contexto tem implicações teóricas e políticas cruciais em relação a nossa


forma de ver o papel do Estado nas políticas educativas. A Direita encontra habitual-
mente terreno fértil, não só devido ao aumento de tais procedimentos burocráticos,
como também ao tempo que se perde a lidar com tais pressoes/oposições. Para uma
melhor compreensão desta questão, necessitamos de dizer mais alguma coisa acerca
do modo como vemos o Estado.
"Porventura, a melhor maneira de estudar o Estado é. como processo de
governo"29.Nas palavras de Bruce Curtis, a formação do Estado envolve "a centraliza-
ção e a concentração de relações de poder económico e político e de autoridade na
sociedade". A formação do Estado envolve tipicamente o surgimento ou reorganiza-
ção de monopólios sobre os meios de violência, cobrança de impostos, administração
e ainda sobre os sistemas simbólico^^^. Em essência, a formação do Estado gira em
torno da criação, estabilização e normalização das relações de poder e autoridade3'.
A educação não é imune a este processo. É parte de uma história muito mais
abrangente onde o Estado, através da sua administração burocrática, tenta salvaguar-
dar os "interesses da educação", quer do controlo das elites, quer da influência dos
impulsos populistas provenientes da base32.Este aspecto é crucial em relação a histó-
ria que aqui narramos.
Os sistemas burocráticos têm substância. Émile Durkheim reconheceu, faz agora
um século, que a eficiência "era uma construção ética cuja adopção supunha uma
opção moral e política". A institucionalização da eficiência, como padrão burocrático
dominante, não é uma questão técnica neutra. É, profundamente, um exemplo de
relações de poder cultural33.
Nenhuma burocracia pode funcionar bem, a não ser que aqueles que com ela inter-
actuarem "adoptem atitudes, hábitos, crenças e orientações específicas". Atitudes
"adequadas" em relação a autoridade, crencas "apropriadas" acerca da legitimidade
da perícia e disponibilidade para seguir todos os regulamentos e procedimentos
"necessários" são os pontos fundamentais para a manutenção do poder34, mesmo
quando esse poder é reconhecidamente aceite.
Este processo de libertação dos interesses da educação do controlo das elites e dos
populistas foi, e é, um elemento crucial na formação do Estado35.O Estado cresce
para se proteger a si mesmo e para proteger os autoproclamados interesses "demo-
cráticos", representando uma resposta aquelas tentativas de controlo. No caso dos
fundamentalistas cristãos, as forças culturais insurgentes provenientes da base - os
"censores" - criaram uma situação em que o Estado amplia a sua função reguladora

" Bruce Curtis (1992),True Government by Choice Men?, p. 9 (a ênfase 6 de Curtis).


Ibid., p. 5 (a ênfase é nossa).
31 Ibid., p. 32 (Curtis anexa a lista dominação e exploraçgo).
32 Ibid., p. 172.
33 Ibid., p. 175.
54 Ibid., p. 174.
35 Ibid., p. 192. Vide também Michael Apple (1993), OfJicial Knowledge, pp. 64-92.
sobre o conhecimento e estabelece novos departamentos e procedimentos burocráti-
cos para canalizar a discórdia por vias "legítimas".
Curtis aborda esta questão correctamente quando refere que "a estandardização e
a neutralização dos juízos propendem a tornar cada vez mais implícita - e não explícita
- a classe específica do conteúdo do governo e d u ~ a c i o n a l " ~ ~ .

Os procedimentos burocráticos que se têm estabelecido para promover "o inte-


resse público" - e que mediante algumas interpretações o podem conseguir - estão
aí, na tentativa de forjar um consenso em torno da sua aceitação e legitimidade cultural,
que talvez possa fundamentar-se em percepções do mundo claramente antagónicas.
Todavia, o que acontece quando estas crenças e respostas "apropriadas" e "ade-
quadas" se fracturam? O que acontece quando o Estado perde a sua influência como
autoridade legítima? O que acontece quando os seus clientes - que consigo interac-
tuaram durante um determinado período de tempo - se opõem ao seu monopólio
sobre o que se considera como autoridade simbólica legítima?
Para responder a estas questões, regressemos ao modo como opera esta dinâmica nò
mundo real, centrando-nos no conflito sobre uma colecção de manuais num distrito esco-
lar local, onde as partes conflituantes se tornaram profundamente polarizadas e onde a
pressão populista, proveniente das bases, se tornou cada vez mais activamente conserva-
dora. Neste processo, mostraremos como o funcionamento do Estado burocrático pro-
porciona, paradoxalmente, um terreno fértil para que os pais "se tornem de Direita".

Profissionais e censores
Foi em Citrus Valley que se desenvolveu este estudo. É uma comunidade semi-rural
com cerca de 30 mil habitantes, situada a uma distância que permite viagens diárias
de ida e volta a várias cidades do Oeste, em virtude da construção da auto-estrada
intere~tadual~~.Encontra-se numa fase em que a construção se expande significativa-
mente e prevê-se que quase duplique a população da área.
É bem provável que a atmosfera desta área - uma comunidade rural, silenciosa e
de pouco movimento - se transforme numa cidade pequena com um ritmo de vida
muito mais acelerado. A maior parte da sua população jovem, composta por indiví-
duos que trabalham nas grandes cidades, faz dela uma cidade-dormitório.
No início da controvérsia, em 1989, a média do rendimento familiar rondava os
23 500 dólares. Os dados demográficos indicam que um quarto da população actual
possui uma idade compreendida entre os 65 e 79 anos. Os muitos cidadãos de "ter-
ceira idade" e os cerca de 50 parques de caravanas indicam que Citrus Valley também
era vista por muita gente como um local atractivo para descanso.
Não havia grandes indústrias em Citrus Valley, contudo a cidade veria de bom
grado que algumas aí se estabelecessem.

Bruce Curtis (1992), True Government by Choice Men?, p. 197.


= O material deste subcapítulo foi retirado de Anita Oliver (1993), "The politics of textbook controversy:
parents challenge the implementation of a reading series". Unpublished doctoral thesis, Madison:
University of Wisconsin.
De facto, a maior entidade empregadora é o distrito escolar com pouco menos de
600 funcionários, metade dos quais são professores. Em 1972, 72% dos adultos resi-
dentes com mais de 25 anos possuíam apenas o ensino secundário, ou até nem isso.
Aproximadamente 10% formaram-se pela universidade. Uma porcão significativa de
residentes com formação universitária trabalhava no distrito escolar. 95% da popula-
cão de Citrus Valley é norte-americana, de origem europeia, e observa-se um ligeiro
crescimento da populacão de origem latina.
Trata-se, sobretudo, de uma comunidade de classe trabalhadora, todavia é cada
vez mais evidente o crescimento significativo de uma classe média, para quem a
cidade é apenas dormitório.
Mesmo com o aumento de pessoas que trabalham fora da localidade, grande parte da
populacão vive e trabalha nela. Uma pessoa descreve a comunidade da seguinte maneira:
"As pessoas, aqui, possuem uma ética verdadeira. As pessoas acreditam nos valores tradi-
cionais. E acreditam na responsabilidadee trabalham como uma comunidade".
Algumas coisas são evidentes nesta breve descricão demográfica. Uma delas é a
natureza transformadora das relacões de classe na comunidade. As pessoas movem-se
da grande área metropolitana que se encontra, agora, a uma distância adequada, per-
mitindo viagens de ida e volta a partir de Citrus Valley. O receio da violência, a pro-
cura de "melhores escolas", o mercado de habitacão mais barato e outros elementos
estão a criar uma situacão na qual os membros da nova classe média se tornam cada
vez mais visíveis na cidade. Este segmento de classe é conhecido pela simpatia deposi-
tada na pedagogia centrada na crianca e por aquilo que Basil Bernstein denomina de
currículo regulado de um modo flexível e de classificação débil3*.
Assim, em termos superficiais, pode bem encontrar-se uma tensão entre o
"campo" e a "cidade" e entre as perspectivas educacionais relacionadas com a classe.
Outro aspecto, evidente nesta breve descricão demográfica, é o estigma transfor-
mador da comunidade, que ocorre numa época de receio face as perspectivas de
mobilidade social e de uma verdadeira crise económica nos Estados Unidos, onde mui-
tos Estados do Oeste - e particularmente onde se situa Citrus Valley - vivem desequilí-
brios económicos e a consequente apreensão perante o futuro
É desnecessário dizer que as economias agrícolas não são imunes a tais receios e
desequilíbrios. Para muitos indivíduos, esta situacão produzirá um impacto profundo
na sua opinião sobre a razão de ser da escolaridade, sobre o que deve, e não deve, ser
ensinado e sobre quem deve exercer o seu controlo. Para muitas mulheres e homens
da classe trabalhadora, as ansiedades económicas e os receios de um colapso cultural
são na verdade muito difíceis de separar.

3s Nós pretendemos ser cautelosos para não exagerarmos a nossa visão de dinâmica de classe nesta situa-
ção. A nova classe média está ela própria dividida. Nem todos os seus segmentos apoiam "as pedago-
gias invisíveis", tais como o método de leitura global. Basil Bernstein estrutura a hipótese de que os
membros da nova classe média, que são funcionários do Estado, estão muito mais dispostos a apoiar
estas pedagogias de classificação e de reg~ilaçãodébil do que aqueles qiie trabalham no sector privado.
Isto, e, em particular, determinadas ideologias profissionais, pode explicar, em parte, o facto de mui-
tos professores - não todos - em Citrus Valley apoiarem o método de leitura global que se encontra
não só nas orientaçóes emanadas pelo Departamento de Ediicação do Estado como também no manual
Impressões.
No meio destas transformações e possíveis tensões que subjazem 2 aparente tran-
quilidade e "tradição" da cidade, o distrito escolar decidiu dar uma nova orientação
ao seu programa de Iíngua. Assim, seguiram-se as orientações e o horário fornecidos
pelo Departamento de Educação do Estado para todos os distritos escolares.
As orientações do Estado recomendavam, com veemência, aos distritos escolares
que o ensino da Iíngua se baseasse na literatura e, de facto, Citrus Valley já havia ini-
ciado essas práticas, socorrendo-se de um conjunto de livros seleccionados pelos pró-
prios professores. Tanto os professores como os administradores escolares estavam
entusiasmados com aquilo que parecia ser o êxito inicial do seu programa de Iíngua,
muito abrangente, centrado na literatura. Logicamente que, para ambos, a etapa
seguinte seria a busca de uma colecção de manuais que complementaria as práticas e
os objectivos que, em parte, se encontravam implantados.
Este Estado distribui fundos para a aquisição de materiais adoptados pelo Estado -
na maior parte, manuais que atravessaram um complicado processo de filtragem polí-
tica e educativa necessário para poder ser aprovado como texto recomendado pelo
Conselho Escolar do Estado. 70% destas distribuições devem ser gastas nos textos
recomendados, muito embora a maior parte do dinheiro remanescente possa ser utili-
zado na compra de material suplementar que não tenha sido adoptado.
Os distritos escolares podem também utilizar os seus próprios fundos na compra de
material não adoptado, contudo, numa época de crise económica, isto torna-se conside-
ravelmente mais difícil. Deste modo, na sua maior parte, o dinheiro encontra-se disponí-
vel para a compra de manuais estandardizados e produzidos comercialmente pelas edi-
toras. A tarefa é encontrar os que se aproximam mais do objectivo que se pretende
alcançar.
Assim, há muitos manuais deste tipo disponíveis. Para promover a escolha de um
determinado manual, as editoras oferecem incentivos. Habitualmente, a quantidade
de material "grátis", por exemplo, entregue aos distritos escolares pelas editoras é
significativa. Isto é uma prática comum entre as editoras, uma vez que a publicação
dos manuais é um empreendimento muito c o m p e t i t i ~ o ~
No~ .caso concreto de Citrus
Valley, as "ofertas" influenciavam, com certeza, a escolha dos manuais.
Citrus Valley iniciou o processo de selecção da nova colecção de manuais de Iíngua
no ano lectivo de 1988-1989. Foi nesse ano lectivo que os distritos escolares tiveram
que adoptar as orientações revistas pelo Estado, alterando os manuais de Iínguallei-
tura e introduzindo novas colecções de manuais. Como consequência deste processo,
surge a colecção Irnpressions, publicada pela editora Holt, Rinehart & Winston. Esta
colecção utiliza a leitura global, baseada na metodologia da literatura - cujo princípio
assenta numa orientação curricular de classificação flexível - que, especificamente,
este Estado tenta implementar em todas as escolas.
Quando a escola se inicia, no Outono de 1989, não h6 nenhuma razáo para sus-
peitar que haja algum problema com a colecção Irnpressions, muito embora tenham
surgido contestações noutros distritos do Estado e noutros Estados.

" Vide Michael Apple (1988), Teachers and Texts, especialmente pp. 81-105.
t
1
'
Além do mais, tinham-se dado todos os passos, com o maior cuidado, para a apro-
vacão e implementacão da nova colecção. O distrito introduziu a nova coleccão com
confiança e entusiasmo. Os "memorandos" que circulavam pelo distrito, depois de
realizada a seleccão da coleccão Irnpressions, reflectiam o prazer, após muito trabalho,
de se ter efectuado uma escolha que parecia estar em consonância com os objectivos
do distrito. Em Junho, depois de os professores serem informados de que tinham che-
gado cerca de 150 caixas de novos manuais, uma administradora escolar disse profeti-
camente: "Tenham um Verão maravilhoso. Espera-nos um novo ano lectivo excitante".
Jamais se disseram palavras tão verdadeiras.
Durante os primeiros dois meses do ano lectivo, alguns pais e professores comeca-
ram a queixar-se da nova coleccão de manuais. Os pais comecavam a preocupar-se
com o conteúdo dos textos. As histórias não só eram "assustadoras", como também
eram preocupantes os valores que difundiam e alguns erros de ortografia e de
impressão. Colocavam também objecções a um certo número de seleccões efectua-
das. Por exemplo, um poema de um manual do 5." ano do ensino básico referia-se a
uns porcos que se encontravam num pântano perto de algumas casas. Os porcos
"vivem no meio de peixes mortos e coisas podres, animais afogados, plásticos e excre-
mentos vários". O poema termina com os porcos consumindo a carne do pântano e
adquirindo o gosto por carne que vêem em terra. O distrito explicou que o poema
transportava uma mensagem ambiental. Para os pais, era violento e aterrador, pro-
testo este que era mais forte no que diz respeito a outros materiais que se encontra-
vam nos manuais destinados a criancas mais jovens.
Os pais comecaram a contactar uns com os outros, e, paulatinamente, começou a
emergir um movimento mais organizado, a medida que os membros da comunidade
iam a reuniões do conselho escolar e nas igrejas locais. Por fim, numa tentativa de
convencer o conselho escolar a retirar a coleccão de manuais, um grupo de pais for-
mou a associacão "Concerned Citizens of Citrus Valley".
O conselho escolar e a administracão da escola actuaram de duas formas parado-
xais: assumiram a questão como se se tratasse de um acto de agressão. Em essência,
"preparam-se para uma guerra"; simultaneamente, abrandaram o processo de oposi-
cão, encaminhando-o para procedimentos burocráticos que haviam desenvolvido -
por várias razões - em muitos distritos, para que os professores e administradores
pudessem estar protegidos contra ataques vindos do exterior. Deste modo, como res-
posta local do Estado uniram "atitudes adequadas" e procedimentos eficientes. ,
Quase todos os pais, que foram entrevistados e que se opunham a coleccão de
manuais, afirmaram que o seu contacto inicial com o conteúdo dos manuais se deu
quando os seus filhos chegaram a casa e se incomodaram com determinadas seleqões
de textos neles incluídos. Uma vez que estavam organizados, os pais do "Concerned
Citizens of Citrus Valley" não se encontravam dispostos a serem confundidos com gru-
pos exteriores. Sentiam que a sua inteligência era colocada em causa quando os apoian-
tes dos manuais os acusavam de estarem a ser controlados por "forcas exteriores".
Segundo os pais, quando os seus filhos chegavam a casa com histórias perturbantes
que, por exemplo, Ihes causavam pesadelos e os assustavam, a sua primeira reaccão foi
de incredulidade. Os manuais eram "inócuos". Daí que os pais se tenham surpreendido
I

muito quando leram determinadas histórias nos manuais dos seus filhos e que se
tenham surpreendido, ainda mais, face A "severa" resposta do conselho e administração
escolare~~~.
A medida que o conflito aumentava, o "Concerned Citizens of Citrus Valley" orga-
nizou uma campanha para a demissão de determinados membros do conselho esco-
lar. O sistema escolar manteve-se firme contra "os censores da Extrema Direita" e a
comunidade ficou seriamente dividida. Para o conselho e administração escolares, o
movimento "Concerned Citizens of Citrus Valley" era um sintoma de um grupo de
censura a mais larga escala nacional, organizado em torno do programa da Extrema
Direita. "Ceder" significava a capitulação das forças profissionais perante as forças de
I reacção política. Para o "Concerned Citizens of Citrus Valley", a questão rapidamente
se converteu num problema entre o poder dos pais e um conselho e uma burocracia
escolares arrogantes, que recusavam levar a sério as preocupações dos cidadãos.

i Para compreender esta situação, é aqui crucial o facto de que a liderança do movi-
mento "Concerned Citizens of Citrus Valley" só começou a estabelecer alianças com a
Direita religiosa depois de passado um longo período de confrontos com o conselho e
administração escolares.
De facto, as relações entre o movimento "Concerned Citizens of Citrus Valley" e
outros grupos exteriores nunca foram muito fortes. Posteriormente, na fase final da
controvérsia, uma pessoa tornara-se no elo de ligação entre os grupos de Direita,
encontrando-se agora firmemente cimentado no seio de uma organização nacional
para os "direitos religiosos", e colaborando nas campanhas políticas da Direita. Con-
tudo, neste caso concreto, antes desta controvérsia, este indivíduo não só não se inte-
ressava por causas deste tipo como até se opunha a elas.
Quando eram incessantemente rejeitados pela liderança escolar local, os pais do
movimento "Concerned Citizens of Citrus Valley" foram atraídos para as visões e retó-
rica da nova Direita. Os pais sentiam, com ou sem razão, que o conselho e a adminis-
tração escolares tinham menosprezado e banalizado, desde o princípio, as suas preo-
cupações. Só muito depois de as autoridades educativas os ignorarem é que começa-
ram a procurar fora da comunidade grupos que partilhassem os mesmos pontos de
vista sobre a natureza dos manuais que se encontravam implementados nas escolas.
Do ponto de vista organizacional, os pais do movimento "Concerned Citizens of
Citrus Valley" mantiveram-se independentes, mas a nova Direita surgia cada vez mais
como um aliado ideológico.
Assim, mesmo que o distrito tenha esboçado algumas tentativas limitadas - tal
como as fez - para convencer os que se opunham aos benefícios educativos da nova

mMais ou menos pela mesma altura em que surgiram as primeiras queixas dos pais por causa dos
manuais, alguns professores também colocaram algumas queixas, mas de natureza muito diferente. Os
professores afirmavam que algumas histórias dos manuais não se encontravam ajustadas ao índice das
antologias destinadas aos alunos. Obviamente, existia a possibilidade de terem recebido os livros erra-
dos ou até de os mesmos poderem ter erros de impressão. Todavia, a medida que o conflito se intensifi-
cava, o sindicato local de professores foi mostrando cada vez mais o seu apoio a colecqão Impressions e à
Administra~ãod o distrito escolar. De todos os grupos implicados neste estudo, os professores foram os
mais relutantes a serem entrevistados. Isto é aliás compreensível perante os receios e as tensões gerados
por esta situa$ão.
pedagogia e dos currículos, estas tentativas calram no vazio. As pessoas não estavam
dispostas a subscrever perspectivas oriundas de autoridades que as menosprezavam.
Nesta conformidade, a resposta imediata da escola - tratar os pais como ideólogos
de Extrema Direita que só estão interessados em censurar os manuais e os professores
- contribuiu para a criação de condições que conduziram ao crescimento de movimen-

tos verdadeiramente ideológicos que, afinal, tanto os assustavam.

A construção de uma Direita activa


Examinemos, cuidadosamente, esta questão. A maioria dos membros do movi-
mento "Concerned Citizens of Citrus Valley" era aquilo que poderíamos denominar
de "tradicionalistas". Na verdade, eles desconfiam da mudança. Pretendiam manter a
sua comunidade tal como estava (ou, pelo menos, como parecia estar). Opunham-se a
colecção dos manuais pela violência demonstrada, pela capacidade que tinham de
assustar os seus filhos e pela sua natureza negativa. Em geral, a maioria da comuni-
dade parecia estar de acordo com essa orientação tradicional.
Todavia, os pais do movimento "Concerned Citizens of Citrus Valley" deram con-
sigo a disputar um lugar intermédio entre a Direita e o que consideravam ser a
"Esquerda liberal". Muitos deles ficaram deveras surpreendidos quando os identifica-
ram como uma f a c ~ ã oda Direita.
Pelo contrário, tinham a percepção de serem "cidadãos trabalhadores esforçados",
que pretendiam manter posições que Ihes permitissem conduzir as suas vidas tal como
haviam feito no passado. Várias vezes reafirmaram que a sua posição era a do "cida-
dão comum" que só pretendia o melhor para os seus filhos.
Os pais que inicialmente se organizaram para se oporem a colecção de manuais
pertenciam a distintas confissões religiosas e crenças políticas. Entre eles, havia católi-
cos, judeus, protestantes da "corrente principal", protestantes evangélicos e funda-
mentalistas, mórmones, indivíduos que não pertenciam a nenhuma Igreja e agnósti-
cos. É também interessante que nem todos os Iíderes religiosos se envolviam na con-
trovérsia, apoiando abertamente os pais que pertenciam ao movimento "Concerned
Citizens of Citrus Valley". Há poucas provas de que, inicialmente, fosse uma questão .

religiosa fundamentalista, organizada quer por grupos exteriores, quer por Iíderes
evangélicos ansiosos de se apoderarem das escolas enquanto bastiões do humanismo
secular.
De facto, muitos pais membros do movimento "Concerned Citizens of Citrus Valley",
devido a diversidade religiosa e a relutância de serem identificados com a nova Direita,
hesitavam em fazer reuniões na igreja. Todavia, ante a escassez de edifícios suficiente-
mente amplos para a realização de reuniões públicas, quando um pastor local Ihes
oferecia voluntariamente a sua igreja para as reuniões do movimento "Concerned
Citizens of Citrus Valley", os pais só aceitavam depois de muitas cautelas e apesar de
muitos receios.
Contudo, existiam outras características que pareciam distinguir os membros do
movimento "Concerned Citizens of Citrus Valley" dos restantes membros da comuni-
dade. Embora existissem diferenças religiosas entre si, geralmente não ocupavam cargos
públicos e não se sentiam parte de uma rede que era fundamental para as relações de
poder do quotidiano da comunidade. Muitos expressavam a sensação de se encontra-
rem a margem do poder local. Nem, tão-pouco, eram economicamente homogéneos;
o grupo incluía alguns homens de negócio e profissionais locais e pessoas da classe
trabalhadora.
Na primeira reunião do movimento "Concerned Citizens of Citrus Valley" estive-
ram presentes entre 2 5 e 30 elementos. Na segunda, estiveram 75 pessoas. A
medida que o conflito se intensificou 700 pessoas lotaram a igreja local, que tinha
oferecido o seu espaço. A polícia posicionou-se perante uma concorrida reunião do
conselho e administração escolares convocada para discutir os manuais. A tensão
era visceral.
Assim, de qualquer modo, no início, a maior parte dos pais do movimento "Con-
cerned Citizens of Citrus Valley" era o que podemos designar por "conservadores
medianamente comuns", sem filiações significativas nos grupos activistas de Direita; a
maior parte dos pais não possuía uma filiação ideológica ou religiosa que pretendesse
impor aos demais. Certamente, os pais não se reviam como ideólogos censores que
pretendiam transformar os Estados Unidos numa "nação cristã" e que desconfiam de
tudo o que é público.
Reduzir o conflito a uma questão de pais relativamente ignorantes'ou fundamen-
talistas religiosos de mentalidade linear, que tratam de usar a censura para promo-
ver os fins de um movimento de Direita mais abrangente é, simultaneamente, não
entender a forma como se organizam os actores comuns perante questões locais e
subestimá-los.
Tais posições vêem os actores como "incautos" -fantoches -, simplificando radical-
mente a complexidade destas situações. Em muitos aspectos, visões simplistas como
estas reproduzem, nas nossas próprias análises, os estereótipos que corporizam as res-
postas do conselho e administração escolares face as questões levantadas pelos pais.
A rapidez e a força colossal com que o distrito respondeu, como se estivesse, em
essência, a preparar-se para uma guerra, parece ter sido o catalisador que, na reali-
dade, levou os pais a aliarem-se aos grupos de Direita e originou que aqueles que
eram membros do movimento "Concerned Citizens of Citrus Valley" formassem uma
oposição fortissima, a qual, de outra forma, jamais teria existido.
Assim que os pais, membros do movimento "Concerned Citizens of Citrus Valley",
se opuseram ao distrito, este, de imediato, reduziu a querela a uma questão de "cen-
sura". Esta muito bem conseguida interpretação dos factos reduziu as complexidades
a uma forma bem conhecida do discurso "profissional" dos administradores escolares
e dos professores, permitindo ao distrito responder de modo a não criar espaço possí-
vel a outras interpretações sobre as motivações e preocupações dos pais.
No início desta controvérsia, a informação era difundida através das mulheres que
falavam entre si em lugares públicos e em suas casas. As mães falavam entre si acerca
dos conteúdos dos manuais quando iam buscar os filhos a escola, quando se encon-
travam para almoçar e quando se visitavam. (Todavia, a medida que a controvérsia
aumentava, cada vez se foram envolvendo mais homens e exercendo estes uma maior
liderança, destacando a relação consistente entre o sexo e a esfera pública4'.)
Para algumas das mulheres que trabalharam arduamente no movimento "Concer-
ned Citizens of Citrus Valley", a sua persistência advém do desprezo com que foram
tratadas as suas preocupações - exigiam respostas a questões relacionadas com os
manuais e acerca dos processos envolvidos na sua selecção, organizando ainda activi-
dades contra esses mesmos manuais.
A sua resposta a resistência da escola e 2 forma, de algum modo irresponsável,
como as entidades oficiais locais as tratavam implicaria um redobrar de esforços na
difusão de informação sobre os manuais. Se bem que as mães não parecessem visi-
velmente enfurecidas e dispostas a confrontação, muito embora se tornassem cada
vez mais fortes na sua oposição em relação à colec~ãode manuais, elas foram
empurradas para uma posição de resistência/oposição porque não deram ouvidos as
suas reivindicações.
Inicialmente, estas mulheres envolvidas no movimento "Concerned Citizens of
Citrus Valley" tinham intuições políticas, mas não se encontravam completamente
estruturadas em forma de oposição. No seu seio incluíam tanto conservadoras sociais
e culturais quanto conservadoras "laissez-faire". As primeiras tinham como base a
crença na importância da religiosidade na "familia" e na "tradição". As segundas
baseavam a sua crença em ideias acerca da "liberdade individual", do "patriotismo
norte-americano" e do "mercado livre", que colocava em evidência a diversidade que
existia no seio daquelas que mantinham posições conservadoras mais moderadas.
Assim, os temas mais comuns das mulheres que pertenciam ao movimento "Con-
cerned Citizens of Citrus Valley" eram a soberania da família e a percep~ãoque
tinham em relação aos ataques que eram realizados aos seus direitos como mães, de
controlarem a educação dos seus filhos. Quanto a esta questão, tinham ainda a
comum ideia de que a colecçáo de manuais Impressions não reflectia, de uma forma
precisa e suficiente, os Estados Unidos.
Todavia, estas mulheres não iniciaram a controvérsia partindo de posturas conser-
vadoras, consciente e previamente definidas. Pelo contrário, assustaram-se logo de iní-
cio quando descobriram que havia um problema com os manuais da sua comunidade.
Durante os meses de conflito, as suas posições foram-se formando e clarificando,
uma vez que tinham que descobrir uma forma de dar sentido a resposta das escolas.
Assim, a medida que o conflito se aprofundava, uma das líderes do movimento
"Concerned Citizens of Citrus Valley" tornou-se cada vez mais influenciada por Fran-
cis Schaeffer, teólogo conservador que defendia a ideia da verdade absoluta. A
medida que a líder do movimento "Concerned Citizens of Citrus Valley" procurava
formas de perceber o seu cada vez mais intenso desassossego, as ideias de Schaeffer
pareciam-lhe mais e mais atraentes.

41 Nancy Fraser (1989), Unruly Practices, pp. 113-144; e também Michael Apple (1994), "Texts and contexts:
the state and gender in educational policy", Curriculum Inquiry, 24 (Fall),pp. 349-359.
Para Schaeffer existiam "verdadeiras verdades". Há coisas certas e erradas, valores
básicos imutáveis, que nos permitem saber, com alguma certeza, que algumas coisas
são absolutamente boas e que outras são absolutamente erradas. Sem isto, e de
acordo com Schaeffer, não há cristianismo4*.
Tomemos outro exemplo de uma pessoa profundamente envolvida no movimento
"Concerned Citizens of Citrus Valley": a mãe de uma criança que frequenta uma das
escolas que utiliza a colecção de manuais. Numa primeira fase, ela não era uma pes-
soa profundamente religiosa. Raramente frequentava a igreja, não possuía lealdades
fortes com nenhuma organização e teria rejeitado o rótulo de "nova Direita". No iní-
cio aconselhava os restantes elementos a colaborarem com o distrito sem necessidade
de nada organizarem.
A medida que o distrito se ia opondo directamente as suas perspectivas, estereoti-
pando a sua posição, ela começou a reconsiderar melhor o que queria e o que havia
de fazer perante a oposição que sentia em relação aos manuais. As suas opiniões
eram constantemente minimizadas e era acusada de ser da "ala da Direita".
Em consequência, a referida mãe não só aderiu ao movimento "Concerned Citi-
zens of Citrus Valley", como também, no final da controvérsia, se encontrava profun-
damente envolvida em grupos de mulheres cristãs relacionados com questões políticas
nacionais. O que começou como uma preocupação sobre o conteúdo dos manuais,
terminou com pessoas como ela a tornarem-se membros activos de movimentos
nacionais de Direita.
No final do conflito, o distrito escolar anunciou uma "solução": continuaria a usar
a colecção Impressions e todo o seu vasto programa de literatura; permitiria também
aos pais (e continua a permitir actualmente) que solicitassem, em cada semestre, até
dois trabalhos escolares em alternativa a estes materiais.
E foi mais longe. O distrito criou turmas alternativas para os alunos cujos pais se
tinham oposto a colecção de manuais Impressions. Solicitou-se ainda aos pais que res-
pondessem a uma carta, onde eram inquiridos se pretendiam manter os seus filhos em
turmas especiais que não utilizavam a colecção de manuais Impressions. Foi-lhes ainda
explicado que tal decisão poderia "levar a que o filho tivesse que mudar de turma ou
mesmo de escola. E no caso de ser necessário realizar esta mudança, necessitaria de
providenciar, por sua conta e risco, o transporte do aluno".
Embora esta resposta revele alguma flexibilidade por parte do sistema escolar, colo-
cava, de imediato, situações difíceis para os pais que trabalhavam fora da cidade, ou
para os pais que tinham dificuldade em providenciar transporte para os seus filhos. Os
horários laborais, a falta de dois carros - ou mesmo de um -, problemas económicos e
outros aspectos criaram um quadro em que os pais, na maioria dos casos, não possuíam
outra alternativa a não ser a de manter os seus filhos em turmas que seguiam a colecção
de manuais Impressions. Estava, assim, lançada a semente para novas alienações.
Com o início do ano lectivo do ano seguinte, o distrito informou que 82% dos pais
tinham optado por colocar os seus filhos em turmas que seguiam a colecção de manuais

Vide Francis A. Schaeffer (1990),The Francis A. Schaeffer Trilogy, Westchester, IL: Crossway Books
8

Impressions. Fica por explicar se esta decisão dos pais revela uma escolha ou uma falta
de alternativas. Contudo, uma vez que cerca de 20% dos pais optaram activamente por
experiências bem diferentes das que definiam oficialmente o conhecimento escolar para
os seus filhos, está claro que a controvérsia continua viva e em aberto.
Ainda em relação ao processo de selecção de conhecimento oficial, fizeram-se
outras transformações. Por exemplo, os pais encontram-se agora inseridos nas etapas
iniciais do processo de selecção dos manuais escolares. Os administradores do distrito
e os conselhos escolares encontram-se muito mais conscientes da complexidade polí-
tica que envolve as preocupações dos pais e as consequências das decisões "profissio-
nais" que se têm de tomar.
Acima de tudo, existe uma expectativa tensa em todas as partes, tendo-se produ-
zido uma polarização que tem dividido profundamente a comunidade. Agora, existe
uma Direita activa que se manifesta através de formas muito poderosas.

A política de identidade e o Estado


Temo-nos preocupado não só em esclarecer o processo complexo, através do qual
as pessoas se tornam de Direita, muito embora estas análises sejam importantes para
perceber as políticas culturais em educação, como também em aclarar o posiciona-
mento teórico.
I
Nos estudos educativos críticos, muito frequentemente as tradições manifestam-se
umas contra as outras. As teorias neogramscianas, pós-modernas e pós-estruturalistas
são vistas como sendo opostas. Rejeitamos estas divisões optando por uma aborda-
gem mais integradora. Socorremo-nos de utensílios da tradição neogramsciana - a
ênfase quer no poder do Estado quer nas correntes ideológicas de sentido comum,
I
quer ainda no poder dos movimentos culturais de base - sem ignorar o contexto eco-
nómico da acção social. Complementarnos esta abordagem dando atenção a política
de identidade e ao papel do Estado na divulgação de posições pessoais que são rea-
propriadas por pessoas reais nas complexas políticas ao nível local.
Subjacente a nossa abordagem, encontra-se a reivindicação de que o estudo dos
movimentos sociais, e as condiçóes da sua formação - numa época traduzida por
agressivos e cada vez mais numerosos ataques de grupos de Direita as escolas e A
ideia do que é "público" -, é essencial. A integração destas variadas perspectivas é
um plano ambicioso. Todavia, a política educativa necessita de ser tratada com uma
seriedade integradora de acordo com a sua complexidade.
As implicaçóes sobre o que aqui descrevemos são da maior importância para qual-
quer análise sobre a formação dos movimentos de Direita e sobre o papel da escola na
formação da identidade. Muitos autores têm-se referido a escola como um local pro-
dutivo, um local para a produção das identidades dos alunos e para a produção de
uma política de formação da identidade43.
Na verdade, através da interacçao com outros organismos do Estado, como as
escolas, produzem-se outro tipo de identidades. Também se formam identidades de

43 Vide, por exemplo, Philip Wexler (1992),Becoming Somebody. New York: The Falmer Press.
oposição centradas em torno da política cultural conservadora. No caso concreto que
temos vindo a investigar - um de muitos que poderíamos prever - isto é muito claro.
As posições em causa, admitidas pelo Estado eram apenas duas: pais "responsá-
veis" que basicamente apoiavam "tomadas de decisão profissionais" ou censores
"irresponsáveis" de Direita. A construção desta oposição binária criou uma determi-
nada situação em que a única forma de os pais e outros membros da comunidade
serem ouvidos era através da ocupação dos espaços proporcionados pelo Estado. É
claro que estes espaços foram-se expandindo e transformando.
Todavia, a única forma que estes indivíduos preocupados tinham para atrair a
atenção era tornarem-se cada vez mais agressivos nas suas reivindicações e cada vez
mais organizados em torno dos temas conservadores culturais e religiosos. As identi-
dades sociais formam-se deste modo. Assim, os membros da comunidade moderada-
mente conservadores e "moderados" transformam-se, lentamente, em algo muito
diferente. A Direita torna-se Direita através de um conjunto complexo e dinâmico de
interacções com o Estado44.
No início desta análise, baseámo-nos nos argumentos de Whitty, Edwards e Gewirtz:
argumentos que reivindicam que a Direita cresce mediante "acidentes". Ela cresce de
um modo vacilante, difuso e, em parte, de maneiras indeterminadas, localizadas num
vasto complexo de relações económicas, políticas e culturais. Perceberemos muito mal
esta complexa dinâmica se nos centrarmos apenas nos movimentos conservadores do
exterior. Em vez disso, necessitamos de examinar as situações em que eles se constroem.
Salientámos que o actor principal é o Estado burocrático, que pode ter ampliado as suas
funções de regulação do conhecimento, por boas razões, mas que responde de tal
forma que aumenta o potencial de crescimento dos movimentos de Direita.
Uma coisa se tornou clara neste estudo. As relações entre os pais, que se opunham
aos manuais, e os "populistas autoritários" nacionais cresceram durante a controvérsia
e como consequência dela, em vez de tais relações se forjarem por intermédio de gru-
pos exteriores.
No caso que temos vindo a relatar, é evidente uma transformação radical. Muitos
pais do movimento "Concerned Citizens of Citrus Valley" não só se tornaram parte
integrante de uma vasta rede de activistas da nova Direita, como também se sentem
orgulhosos de terem estabelecido tais relações, que até então pareciam impossíveis.
Aqui, necessitamos novamente de sublinhar que estamos perante indivíduos que,
antes de eclodir o conflito em torno da colecção de manuais Impressions, não tinham
tido qualquer relação com organizações da nova Direita e não tinham desejo algum
em estabelecer relações com grupos conservadores. Igualmente importante, é o facto
de estas relações, recentemente formadas, continuarem a crescer poderosamente a
medida que novas identidades políticas conservadoras - extensões das posições em
questão originalmente oferecidas pelo Estado local - são assumidas por estas pessoas.
O populismo e o conservadorismo económico ligaram-se ao fundamentalismo reli-
gioso através destas perspectivas locais. Os "cidadãos preocupados" irritados com

Sem dúvida que o modo como o próprio Estado se transforma merece ser investigado. Contudo, isso
tem que esperar por outra investigacão.
.
aquilo que as escolas definiram como conhecimento oficial e preocupados -justifica-
damente - com a perspectiva de decréscimo do nível de vida dos seus filhos e com os
valores que Ihes eram ensinados nas escolas não uniram estas duas formas de conser-
vadorismo através de um processo natural, mas sim de um modo que colocava o
"controlo/fiscalização do conhecimento", por parte do Estado, no centro do processo
de formacão de movimentos e de lealdades sociais.
As nossas posicões não pretendem sugerir que todas as pessoas têm "liberdade de
accão", que as pessoas "escolhem livremente" tornarem-se de Direita - o u outra coisa
qualquer - no vazio.
Na verdade, acontece precisamente o contrário. O domínio, cada vez maior, das
posicões conservadoras em todos os aspectos que envolvem a educacão, a economia,
a sexualidade, o bem-estar, a "inteligên~ia"~~, entre outros - nos meios de comunica-
cão e nas discussões públicas -, significa que pessoas de cidades como Citrus Valley, e
outras, vivem num mundo onde o discurso de Direita circula constantemente.
É agora cada vez mais difícil não ouvir tais interpretacões e muito mais difícil é
ouvir as posturas que se opõem a esse discurso. Todavia, há múltiplas maneiras de
ouvir ou ler esses discursos. A sua aceitacão é apenas uma delas46.

~ Tem que ser deste modo?


Chegamos a este ponto suscitando muitas questões. Todavia, entre as mais impor-
tantes encontra-se esta: poderia ter sido diferente? Se as escolas tivessem escutado com
mais atencão os pais e se não os tivessem rotulado de censores de Direita, os resultados
teriam sido mais progressistas? Isto não é uma simples questão de investigação.
Se as escolas são um local crucial onde ocorrem estas transformações, face ao pro-
jecto hegemónico da Direita e ao sucesso das suas transformacões ideológicas, então
as interrupcões da perspectiva burocrática da escola e das lutas ao nível local podem
ser mais importantes do que pensamos, tanto a curto como a longo prazo47.
Na verdade, é de igual modo importante que as escolas focalizem a sua perspec-
tiva crítica em si próprias e sobre a sua forma de participarem na criação de condições
para que os cidadãos comuns se "tornem de Direita".
Os receios perante uma economia em declínio, ou as preocupa~óessobre o que 6
ensinado 2s crianças, não têm necessariamente que traduzir-se num ataque populista
autoritário ao Estado, nem têm de estar relacionados com o vasto espectro de ques-
tões defendidas pela Direita.
!

45 Vide, por exemplo, o livro, todo ele desastroso e já amplamente discutido, de Richard Herrnstein e
Charles Murray (1994), The Bell Curve, New York: Free Press. É de salientar não só o facto de este livro e
dos seus autores terem sido subsidiados por fundações conservadoras, como também a habilidade que
estes grupos demonstram em criar visibilidade aos autores nos meios de comunicaqão social. Seria
importante investigar o papel desempenhado por estes grupos conservadores no patrocínio e difusão
deste livro, ajudando assim a legitimar publicamente determinadas posições que, em muitas outras oca-
siões, foram já desacreditadas cientificamente.
46 Vide Michael Apple (1993), Ofiicial Knowledge, pp. 61-62.
47 Exemplos de respostas mais democráticas podem encontrar-se em Michael Apple e James Beane (eds.)
(1995), Democratic Schools. Washington, DC: Association for Supervision and Curriculum Development.
Provavelmente, nem todos os nossos leitores crêem em posições moderadas ou
moderadamente tradicionais, no entanto, estamos perante um mundo de diferenças
entre essas posturas e a campanha agressiva contra tudo o que é público - e contra a
ideia pura de uma escola verdadeiramente pública - que provém da extrema Direita.
Os vastos efeitos desses grupos só podem ser limitados, se um grande número de pes-
soas com preocupações populistas em relação as escolas não forem empurradas para
os movimentos de Direita.
Se a escola tivesse dado uma resposta diferente perante a contestação das políticas
de conhecimento oficial, há indícios de que os resultados seriam bem distintos; por
isso valerá a pena salientar as experiências das escolas que lidaram com essa possibili-
dade polarizando as situações de formas mais abertas4'.
Tomemos, por exemplo, o caso da Fratney Street School, em Milwaukee, no
Estado de Wisconsin - cidade que sofreu gravemente com a redução de postos de tra-
balho na indústria de manufactura e que revela verdadeiros antagonismos de classe e
raciais -, que enfrentou uma situação em que os conflitos políticos em torno das dinâ-
micas raciais e de classe poderiam ter criado um terreno muito fértil para o cresci-
b mento de sentimentos de Direita.
A Fratney Street School, que se situa numa zona limítrofe, tem uma população
estudantil que se divide do seguinte modo: 1/3 - classe trabalhadora de norte-ameri-
canos, de origem europeia; 1/3 - afro-norte-americanos; 1/3 - de origem latina. Nesta
escola, questões sobre qual o conhecimento que se encontra representado nos
manuais, sobre qual seria a pedagogia mais apropriada e quais as vozes que no seio
da tensão e da diversidade deveriam ser ouvidas, poderiam ter criado as mesmas divi-
sões que se verificaram em Citrus Valley. Essas questões poderiam ter sido um campo
fértil para o desenvolvimento de movimentos semelhantes aos que analisámos aqui.
No entanto, tal não aconteceu, e de facto conduziu a formação de coligações
entre classes e raças em benefício de currículos mais progressistas e com o apoio
generalizado da escola.
Em parte, isto deveu-se aos professores e administradores que - como um verda-
deiro grupo - abriram a discussao dos currículos e da pedagogia as muitas vozes que
eram parte directamente interessada na escola, incluindo os pais, activistas da comuni-
dade e alunos.
Prestou-se uma atenção constante A multiplicidade de perspectivas não como habi-
tualmente acontece em muitos distritos escolares, como uma forma de "relações
públicas" que usualmente é uma forma de "engenharia de consenso", mas como
uma tentativa genuína e incessante de relacionar o conteúdo do currículo e as deci-
sões sobre o mesmo com a vida das pessoas que nele se encontravam envolvidas.
Em parte, foi o resultado da enorme quantidade de trabalho levada a cabo pelos
educadores para publicamente justificarem o que queriam de melhor para os seus alu-
nos, com uma linguagem e um estilo que não poderiam ser interpretados como arro-
gantes, elitistas ou distantes e para ouvir cuidadosa e simpaticamente os receios, as

* Ibid.
preocupações e esperanças das várias vozes da comunidade. E, finalmente, isto deveu-se
a um conjunto de crenças, decididamente não hierárquicas, sobre o que acontece
quer no interior da escola, quer entre a escola e a(s) comunidade(s) em que se insere.
Nada disto garante que o projecto restaurador da Direita seja transformado. As
situações e as suas causas são, na verdade, "acidentais". No entanto, as experiências
na Fratney Street School e em outras escolas revelam uma articulação muito distinta
entre o Poder local e a sua população e denunciam uma possibilidade, muito real,
de interrupção de um determinado número de condições que levam ao desenvolvi-
mento de movimentos sociais de Direita. Assim, dizer "não" não é suficiente. Há
muito trabalho a fazer. -'C
I
Realidades Norte-americanas:
Pobreza, Economia e Educação
com Christopher Zenk
Nos dois últimos capítulos, grande parte da atenção foi dedicada a analise das
dinâmicas culturais e ideológicas subjacentes a importantes elementos da aliança con-
servadora, e a investigação de algumas condições políticas mais cruciais que favore-
cem o seu desenvolvimento ao nível local. No entanto, os argumentos culturais e polí-
ticos são insuficientes para compreender este desenvolvimento.
Tal como eu e Anita Oliver demonstrámos no terceiro capítulo, em Citrus Valley, e
em tantas outras comunidades espalhadas pelo país, os receios económicos - receios
apoiados em intuições seguras acerca do que está a suceder com esta economia e
numa compreensão parcial do modelo de diferenciação dos benefícios que emergem
da nossa economia - constituem um terreno fértil para o surgimento das políticas de
restauração.
Os neoliberais utilizam muito bem o discurso da crise económica para produzirem
esta situação, colocando, sem dúvida, em circulação um quadro muito particular desta
crise. Assim, as escolas ocupam um espaço central, quer na qualidade de instituições,
que assumem grande parte das responsabilidades dos problemas económicos, quer
como instituições que resolverão quase tudo o que está mal.
Deste modo, pode ser criada uma aliança hegemónica, que tem como objectivo
uma mudança radical na educação para a Direita, se a maioria das pessoas forem con-
vencidas de que a educação é a causa primeira dos problemas económicos e de que a
reforma educativa é uma panaceia universal.
Neste capítulo, eu e Christopher Zenk pretendemos colocar em questão tanto as
pressuposiçóes acerca das escolas e da economia como as supostas ligaçóes existentes
entre ambas e que se encontram inerentes as abordagens neoliberais sobre a "educa- ? , . .
ção e postos de trabalho". Todavia, não há utilidade alguma em abordar estas ques-
tões num sentido geral.
Desta forma, recolheremos um conjunto importante de dados económicos que
permitam perspectivar um quadro bem distinto daquele que é fornecido pelos neoli-
berais. Para entrarmos neste debate, utilizaremos a problemática dos abandonos esco-
lares e dos estudantes "em risco".
Encarar seriamente a economia
É quase impossível descobrir um exemplar das revistas mais populares de educa-
ção, ler os jornais periódicos ou ouvir as declarações das entidades educativas, locais,
estaduais ou federais sem que sejamos confrontados com os problemas quotidianos
dos alunos das escolas básicas e secundárias.
Estes problemas vão desde o abandono escolar no ensino secundário, níveis de
literacia, decréscimo dos resultados nos testes de Matemática e Ciências, privatiza-
ção falhada das escolas, até ao diagnóstico, a classificação e, mesmo frequente-
mente, drogar os alunos de modo a possibilitá-los a suportarem o quotidiano esco-
lar. Os problemas parecem não acabar e a sua compreensão popular permite-nos
acreditar que a verdadeira essência do problema encontra-se nas lutas dos próprios
estudantes; todo o problema tem implicações económicas, directa e implicitamente

I imediatas.
Debrucemo-nos sobre a questáo dos níveis'de abandono do ensino secundário,
sempre elevados entre as populações com salários baixos, especialmente entre as pes-
soas pobres de cor que se encontram "em risco"'.
Para muitos funcionários escolares, especialmente aqueles que se preocupam com
o nosso futuro económico, a estrutura habitual de pensamento, em relação ao aban-
dono escolar, segue um percurso idêntico ao seguinte: se os alunos não abandonas-
sem os estudos, quase não existiria nem desemprego nem pobreza nas nossas cida-
des. Os estudantes que forem capazes de se formar têm a sua espera empregos mais
bem pagos e muito mais atractivos. O país, no seu todo, recuperará a sua produtivi-
dade e competitividade económicas. Finalmente, as normas e as destrezas, aprendidas
pelos alunos nas escolas, prepará-los-iam para serem cidadãos mais produtivos e res-
ponsáveis num futuro económico cor-de-rosa que daí resultaria.
Se resolvermos a problemática do abandono escolar conseguiremos avançar muito
na resolução dos problemas sociais e económicos nas comunidades locais. Ordenemos
o sistema educativo e quase tudo o resto serd ordenado. "Arranjemos" os alunos que
fracassam, os professores que se revelam incapazes, o currículo "liberal" e a nação
testemunhará um bem-estar económico sem precedentes. Assim reza a maior parte da
litania aceite.
A abordagem dominante para a compreensão, andlise e tratamento das preocupa-
ções escolares envolve a utilização de uma análise patológica, isto é, as dificuldades
enfrentadas por alunos e professores são percebidas e descritas como sendo derivadas
das dificuldades inerentes aos alunos, e motivadas pelos "défices" e "enfermidades"
que se encontram nos próprios alunos. As críticas realizadas ao nosso sistema educa-
tivo, baseadas nesta abordagem, são tantas que corremos o risco de perder a capaci-
dade de contextualizar estas questões num quadro critico mais abrangente, relacio-
nado com os seus contextos políticos e económicos mais globais.

' Marian Wright Edelman (1994), "Introduction", in Arloc Sherman, Wasting America's Future: The Children
Defense F~tridReport on The Costs of Child Poverty, Boston: Beacon Press, p. 23. Em si, o termo "em risco" é
decididamente problemático, na medida em que aponta basicamente para as características do aluno em
vez d e remeter para as condições produzidas pela sociedade em que vive. Supõe também alguns estereó-
tipos muito perigosos que podem conduzir a uma profecia que se satisfaça a si própria.
A título de exemplo, utilizemos a taxa de abandono escolar no ensino secundário.
Embora a ênfase colocada no abandono escolar não seja totalmente uma forma
de "exagero educacional", a insistência nesta questão, como um problema em
grande medida (frequentemente, apenas) educativo - que pode ser resolvido
através de pequenos incrementos financeiros, transformações relativamente pequenas
nas políticas e práticas educativas ou programas limitados de "cooperação" entre escolas
e empresas - pode conduzir-nos, em última instância, a não compreendermos
a profundidade desta questão. Por outro lado, faz crer que é quase inconcebível
gerar políticas, numa arena social mais abrangente, que permitiriam que o trabalho esfor-
çado dos educadores e de outras pessoas tenha, na verdade, impacto na vida dos alunos.
A nossa finalidade consiste em realçar que a questão do "abandono escolar" e dos
alunos "em risco" como um problema essencialmente educacativo, cuja solução tem de
ser primordialmente educativa, não é parte da solução do problema, mas constitui, em
si, uma grande parte da problemática da diferenciação cultural e económica.
Devemos deixar de enquadrar a questão de como responder aos fracassos educativos
- e, em particular, ao abandono escolar no ensino secundário - de modo que as únicas

soluções (práticas dos professores, rendimento dos alunos e políticas dos legisladores)
não se limitem a uma completa culpabilizaçáo ou credibilização dos alunos, dos profes-
sores e das escolas por resultados, tais como os índices de abandono.
Por conseguinte, perante uma perspectiva tão redutora como esta, a consideração
do fracasso dos alunos, dos professores e das escolas como a raiz de todos os males eco-
nómico~mais não é do que o passo seguinte. A nossa meta consiste em problematizar a
compreensão popular acerca de onde recai a responsabilidade primordial
de perpetuação - e interrupção - dos ciclos do fracasso escolar e localização da pobreza.
A assunção de que, se mantivermos a nossa atenção no seio da escola, encontrare-
mos respostas a longo prazo para o dilema do abandono escolar, para a pobreza e
desemprego é perigosamente nai\/e. As respostas sólidas exigem a investigação de um
conjunto muito mais incisivo de questões económicas, sociais e políticas e a restaura-
ção, consideravelmente mais abrangente, dos nossos compromissos sociais.
Além do mais, estas questões deverão ser acompanhadas por uma democratização
da nossa visão sobre a distribuição e controlo de postos de trabalho, a educação e o
poder. Enquanto não formos capazes de considerar de um modo sério, como aliás
merecem, estes contextos económicos e sociais mais globais, não seremos capazes de
responder, adequadamente, as necessidades dos jovens deste país, não indo além de
fornecer um conjunto infindável de placebos de curta duração.
Neste processo, permitimos que a Direita determine os termos do debate sobre a
educação e sobre as demais questões sociais. Por forma a compreendermos esta ques-
tão, necessitaremos de examinar como são realmente estes contextos.

Realidades norte-americanas
Inerente a retórica de recuperação e sustentação econ6mica, o desenvolvimento
abrangente da economia é outra realidade. A verdade é que nos encontramos perante
uma crise marcada por uma economia que multiplica a distância entre os ricos e os
pobres, entre os negros, os mulatos, vermelhos, amarelos e brancos. Esta realidade
surge impulsionada por um conjunto de políticas em que as vidas reais de milhões de
pessoas contam menos que a "competitividade", a "eficiência" e, acima de tudo, a
maximização de todos os lucros.
A linguagem corrompida da "democracia" económica tem legitimado estas políti-
cas, onde os compromissos sociais e as relações humanas somente são julgados pelos
seus sucessos do mercado. Assim, como assinalámos anteriormente, as decisões da
"democracia" estão cada vez mais informadas e, frequentemente, cada vez mais iden-
tificadas totalmente com as regras do capitalismo e do consumo.
Vivemos numa época em que a concentração económica aumenta, e o sector
empresarial adquire um poder reforçado nas nossas vidas económica, política e cultu-
ral. Vivemos numa época em que as comunidades negoceiam, com regularidade, as
necessidades básicas de impostos provenientes dos lucros das comunidades locais -
impostos utilizados para os serviços básicos sociais e municipais, como escolas, estra-
das e saneamento - de pessoas com salários baixos, trabalhos sem compensações
sociais e dos proprietários ricos e ausentes2.
Muito embora isto provavelmente ajude os ricos, muitos autores têm levantado
sérias dúvidas acerca dos efeitos naqueles que historicamente têm recebido menos das
nossas estruturas políticas e económicas.
Carnoy, Shearer e Rumberger colocam a questão do seguinte modo:
"Adam Çmith, não obstante o aumento dos lucros em geral, a multiplicação
das corporações privadas economicamente poderosas não niaximizou o bem
público."
As decisões de investimento e emprego tomadas pelas empresas geraram, na sua
maior parte, "deslocação, discriminação, quebras nos salários reais, desemprego ele-
vado, poluição, sistema pobre de transportes e cidades marcadas por uma criminali-
dade crescenten3.Quando o sector privado toma decisões deste tipo não considera
estes aspectos, todavia, o sector público tem que suportar estes custos sociais. Os efei-
tos produzidos nas comunidades, na saúde e bem-estar da maioria da população e
ainda nas nossas vidas culturais e na educação têm sido enormes4.

'Refere-se à perda de controlo e da propriedade dos negócios e das fábricas. Em muitas áreas, grandes
corporações multinacionais (nos Estados Unidos chamam-se conglomerados) compram armazéns e fábri-
cas por todo o mundo despedindo empregados com salários altos e empregando outros com salários
mais baixos, ou então encerram as suas fábricas transferindo-as para outros países onde os trabalhadores
ganham menos, não estão sindicalizados e são explorados. Um bom exemplo desta situaqão é a área das
fábricas de calcado desportivo onde quase toda a produqão que era realizada nos Estados Unidos é agora
feita em nações "em vias de desenvolvimento", por mulheres que trabalham muitas horas com baixos
salários e em péssimas condiqões. Isto representa uma ameaça muito grande para os trabalhadores dos
Estados Unidos caso não aceitem trabalhar com salários muito baixos, uma vez que os grandes empreen-
dimentos capitalistas encerram a sua produção no país e transferem-na para outros países. (NT)
Martin Carnoy, Derek Shearer e Russell Rumberger (1983), A new social contract, New York: Harper and
Row, p. 61.
' Para uma discussão mais detalhada sobre esta questão, vide Michael Apple (1988), Teachers atid Texts: A
Political Economy of Class and Gender Relations in Edrrcntion, New York: Routledge, e Michael Apple (1995),
Education and Power, 2." ediqão, New York: Routledge.
Para aqueles cidadãos e educadores interessados em trabalhar num conjunto de
políticas e práticas que produzam resultados mais democráticos, o primeiro passo a
dar consiste em construir um quadro que seja o mais adequado possível a esta reali-
dade em crise. Para a sua construção, torna-se necessário que nos concentremos
directamente na economia, não a considerando redutora e como algo que deve ser
evitado.
Certamente que outros líderes, educadores e industriais nacionais têm-nos apelado
a fazer isto mesmo. Porém, do ponto de vista democrático, as suas intenções são sus-
peitas. De relatório em relatório dizem-nos que devemos tornar claras as ligações
entre a escolaridade e a economia. A razão da existência de desemprego, o facto de
os trabalhadores - particularmente as populações de trabalhadores que já se encon-
tram a sofrer - estarem pouco motivados e de os Estados Unidos terem cada vez mais
dificuldades em competirem na arena económica internacional deve-se ao fracasso
das escolas. Ou, pelo menos, as escolas não ensinam as destrezas do mundo do traba-
lho e os conhecimentos "básicos" que deveriam, caso estivessem intimamente relacio-
nadas com as prioridades económicas, como de facto deveriam estar.
De acordo com esta perspectiva, as escolas tornaram-se ineficientes e não nos con-
duzem a lado nenhum. Naturalmente, os estudantes "em risco" abandonam os seus
estudos. E, assim, o ciclo continua.
Tal como foi referido anteriormente, as posições conservadoras e neoconservado-
ras que fundamentam os apelos para a redefinição dos objectivos do sistema educa-
tivo de acordo, preferencialmente, com os interesses da indústria e da Direita, servem,
simplesmente, para exportar a crise da economia para as escolas5. De uma forma mais
directa, pretendemos analisar o que a actual e futura economia nos podem reservar.
Não é possível nenhuma discussão séria sobre os problemas educativos, em geral,
e sobre os abandonos escolares, em particular, a não ser que situemos estas questões
na zona do que acontece fora da escola.
Num capítulo relativamente breve, não será possível lidar com todos os aspectos da
nossa economia. Limitar-nos-emos a seleccionar determinados aspectos que colocam
em destaque as perspectivas actuais e futuras do mercado de trabalho assalariado.
Prestaremos particular atenção as estruturas de pobreza nos Estados Unidos e as ten-
dências emergentes sobre a perda e criação de novos postos de trabalho na nossa
economia.
Neste processo, queremos dar ênfase a algumas dinâmicas de classe, raça e género
que têm desempenhado um papel importante na estruturaçáo de oportunidades do
desempenho educativo dos jovens e de emprego juvenil. Finalmente, pretendemos
relacionar algumas experiências que muitos jovens vivem no local de trabalho, expe-
riências que nos devem levar a questionar as nossas noções de sucesso.

Michael Apple (1988), Teacherç md texts. O autor escreveu extensivamente sobre a importância de se uti-
lizar uma abordagem "relacional" e não-redutiva para as conexões entre a educaqão e a sociedade em
geral, advertindo-nos para que as nossas análises não sejam de carácter fundamentalmente economista.
Todavia, é importante relembrar que, mesmo perante estes argumentos, as dinâmicas económicas encon-
tram-se entre as forças mais poderosas do sistema capitalista. Para uma exposiqão mais ampla sobre este
assunto vide: Michael Apple (1995), Education and Powe?.
Numa serie de estudos prévios, foi elaborado um quadro da estrutura das desigual-
dades da sociedade norte-americana. Actualizemos e resumamos estas descobertas6.
Entre 1967 e 1992, a quota de rendimento familiar acumulado de 20% das famí-
lias norte-americanas mais ricas aumentou, paulatinamente, passando de 43,8% para
46,9%. Durante este mesmo período, a quota de rendimento de 60% das famílias
medianas diminuiu de 52,3% para 49,4% e a quota de 20% das famílias de nível
inferior diminuiu de 4,0% para 3,8%.
Desta forma, em 1992, 415 da população dos Estados Unidos ganhava quase
metade do rendimento total do país7. Pode dizer-se que, durante as últimas três déca-
das, 80% da população do nosso país cedeu uma porção cada vez maior dos seus
ganhos a uma minoria que já era injustificadamente rica.
Se considerarmos a raça na análise da distribuição de rendimentos e, ao mesmo
tempo, especificarmos os montantes dos rendimentos em dólares que se encontram
nas percentagens de distribuição de rendimentos, verifica-se que o grau desta redistri-
buição de riqueza alcança limites verdadeiramente preocupantes. Desde 1967, o ren-
dimento médio de 5% do nível mais alto das famílias de raça branca aumentou 38%,
a uma média de 160 dólares por ano. Durante o mesmo período, o rendimento médio
de 115 das famílias mais pobres de raça negra diminuiu 21 %, resultando, em 1992,
num rendimento médio familiar de 4,255 dólares por ano.
Uma simples divisão demonstra que as famílias de raça branca mais ricas dos Esta-
dos Unidos, e que ganhavam cerca de vinte vezes mais do que as nossas famílias
negras mais pobres levavam para casa, há quase trinta anos, passaram a ganhar quase
quarenta vezes mais do que as mesmas famílias negras acumulavam em 1992'.
Estes números, ainda que considerados isoladamente, indicam uma redistribuição
acentuada, contínua e crescente de rendimentos e de benefícios dos pobres para os
ricosg. Adquirem ainda maior significado porque, na realidade, a própria classe média,
porventura, está a diminuir, a medida que crescem os extremos da distribuição. Temos
uma distribuição económica cada vez mais acentuada em "dois picos": o aumento do
número dos mais ricos e o aumento do número dos mais pobres.
Embora crescentes, tais desigualdades têm-se mantido há já algum tempo. Nos
Estados Unidos, 20% do nível mais baixo da população recebe uma percentagem
menor de rendimento total, depois de cobrados os impostos, do que grupos congéne-
res no Japão, Suécia, Austrália, Noruega, Holanda, França, Alemanha Ocidental, Reino
Unido e um determinado número de outros países. Na verdade, 20% da nossa popu-
lação de nível mais baixo ganha menos de metade da percentagem total de rendi-
mento, depois de cobrados os impostos, ganho por 20% da população japonesa de

Os dados originais foram inicialmente apresentados em Michael Apple (1988), Teachers and Texts. Este
capítulo transcende significativamente os dados inicialmente apresentados na obra referida, quer na sua
amplitude, quer na sua actualidade.
'U. S. Bureau of the Censiis (1993),Moriey Income ofHouseholds, Faniilies nnd Persons ln the United States: 1992,
Washington, DC:U. S. Govemment Printing Office, Current Population Reports, series P60-184, p. 18.
lbid., pp. B-13, B-14.
Martin Camoy, Derek Shearer e Russell Rumberger (1983),A New Social Contract, pp. 22-23.
nível mais baixo1'. Além do mais, em comparação com esses mesmos países, 10% do
nível mais alto da população dos Estados Unidos acumula a percentagem mais alta do
rendimento total nacional - uns fenomenais 28,2%11. E 20%, do nível mais alto da
população, recebe uns astronómicos 42% do rendimento familiar total nacional, mon-
tante este significativamente mais elevado do que o de todos os países anteriormente
mencionados, com a excepção da França12.
De certo modo, a quantidade de dinheiro representada nestas estatísticas é vasta e
indicadora de uma tendência que favorece, vigorosamente, 20% do nível mais alto da
população dos Estados Unidos e do mundo ocidental.
Análises recentes da relação entre rendimento juvenil e níveis altos de abandono
escolar no ensino secundário, realizadas pelo "National Center for Education Statis-
tics"13, fornecem-nos uma visão imediata do valor que o rendimento tem para a con-
clusão do percurso escolar. 20% dos jovens mais pobres, com idades compreendidas
entre os 16 e 24 anos, possuíam uma probabilidade dez vezes superior de abandona-
rem os estudos secundários do que os 20% de jovens mais ricos - facto evidenciado
pela comparação dos níveis de desistência, respectivamente de 24,6% e 2,3%.14 E a
probabilidade de abandono escolar dos jovens negros mais pobres era trinta vezes
superior a dos jovens negros mais ricosT5.
Todavia, isto não é tudo. Um em cada sete norte-americanos vive na pobreza,16
assim como uma em cada quatro crianças de idade inferior a 6 anos." E quase um em
cada três norte-americanos terá conhecido a pobreza em algum momento da sua vida
quando atingir os 16 anos1' -justamente quando abandonarem a escola e encontra-
rem um trabalho que se revela como o meio mais seguro para sair da pobreza, ou
quando a permanência na escola se torna pouco pragmática do ponto de vista acadé-
mico, não oferecendo, a curto prazo, nenhuma oportunidade de êxito e ainda menos
hipóteses de conseguir quaisquer benefícios a longo prazo.
De acordo com as estatísticas dos últimos dez anos, estes números continuam a
aumentar, como aliás demonstraremos mais adiante.
Perto de 30% de todos os hispânicos e 113 de todos os norte-americanos vivem
abaixo do limiar de pobreza.lg Em 1992, quase 30% das famílias que viviam abaixo da

'O George Thomas Kurian (1991),The New Book of World Rankings, N e w York: Facts o n File, p. 73
" Ibid., p. 72.
l2 International Bank for Reconstruction and Development/The World Bank: Social indicators of develop-
ment: 1994, Baltimore, MD: Johns Hopkins University Press.
l3 Centro Nacional de Estatísticas para a Educa~ão.( N T )
l4 Arloc Sherman, Wasting America's Future, p. 81.
'"bid.
'' U.S. Bureau o f the Census (1993),Poverty in the United States: 1992 Washington, DC: U.S. Govemment
Printing Office,Current Population Reports, séries, P60-185, p. 8.
l7 Arloc Sherman, Wasting America's future, p. 4.
'' Mariam Wright Edelman (1994),"introduction", p. 16.
l9 U . S. Bureau o f the Census (1993),Poverty in the United States: 1992 Washington, DC: U. S. Govemment
Printing Office,Current Population Reports séries, P60-185, p. 11.
linha de pobreza não recebiam senhas de alimentação, assistência médica, subsídios
de habitação, alimentacão escolar a precos reduzidos, enquanto apenas cerca de 42%
recebiam apoio económico em dinheiro através de programas como "Aid t o Families
with Dependent Children" .20
O Governo estabeleceu, inclusivamente, que a dieta praticada por aqueles que
vivem em níveis oficiais de pobreza é tão deficiente "que só é concebível para 'uso
temporário ou de emergên~ia"'.~'E, numa época em que os programas de providên-
cia são criticados, sendo vistos como "doacões gratuitas" para pobres "preguicosos",
torna-se especialmente incrédulo que as famílias das criancas pobres ganhem, pelo
seu trabalho, cerca do dobro do que recebem da assistência social.22
É muito difícil, a esta altura, não questionarmos qual o impacto directo da pobreza
infantil na frequência e rendimento nas escolas, nos índices de abandono escolar no
ensino secundário, nos prováveis rendimentos futuros dos indivíduos e no bem-estar
económico da nacão em geral.
O relatório "Wasting America's F ~ t u r e " ~que ~ , se debruca sobre os custos da
pobreza infantil - publicado pelo "Children's Defense F ~ n d -," faculta-nos
~ ~ as res-
postas a estas questões, todas elas em termos desoladores. Em geral, a probabilidade
que os jovens que experimentam a pobreza durante a sua infância têm de nunca ter-
minarem o seu ensino secundário é 300% superior a dos jovens que nunca viveram
experiências de pobreza.25Por cada ano que mantemos o nível actual de pobreza
infantil, a nossa nacão sofre uma sangria estimada entre 36 e 177 biliões de dólares
na perda da produtividade e emprego dos futuros t r a b a l h a d o r e ~ E. ~os
~ resultados
estimativos - nivelados por baixo - que se alcancariam pelo simples facto de acabar
com um ano de pobreza infantil variam entre um custo fixo de 10 biliões de dólares a
um lucro potencial de 131 biliões de d ó l a r e ~ . ~ '
No entanto, estes resultados, "nivelados por baixo", não constituem os únicos efeitos
da pobreza infantil. Não providenciam, também, um quadro preciso das dificuldades ine-
b rentes quando nos debrucamos sobre o problema da pobreza infantil nos Estados Unidos.
Marian Wright Edelman articula do seguinte modo a complexidade das relacões
entre pobreza infantil e oportunidades futuras:
"A pobreza infantil ameaça os seus sobreviventes e m todas as avenidas da sua
vida. Coloca-os numa situação de maior risco -fome, falta de habitação, falta de

2o Ibid., p. 8.
21 Joshua Cohen e Joel Rogers (1983), O n Democracy: Toward a Transformations of Atrierican Society, New
York: Penguin Books, p. 31. O nível de rendimento e a taxa de pobreza oficiais flutuam e, decerto, são

R manipulados com propósitos políticos.


Mariam Wright Edelman (1994), "Introduction", p. 21.
"Desperdício d o Futuro dos Estados Unidos". (NT)
"Fundo de Protecqão à Crianqa. (NT)
l5 Ibid., p. 23.
26 Ibid., p. 19.
Ibid.
saúde, incapacidade física ou mental, violência, fracasso escolar, paternidade ou
maternidade na adolescência, stress familiar -privando-os das experiências posi-
tivas da prinieira infância, de estínzulos da adolescência e de saídas criativas que
permitam preparar as crianças mais ricas para a escola e, posteriorniente, para a
Universidade e para o trabalho ... O pior disto é que a pobreza despoleta não só
uni, dois e até dez problemas específicos que possam ser facilmente isolados e tra-
tados. Muitos problenias e défices relacionados com a pobreza interactuanz e
combinanz-se entre si de uma forma muito particular e m cada criança, o que nos
impede de lutar contra os efeitos da pobreza, individualmente considerados. É u m
milagre que a grande maioria das crianças pobres permaneça na escola, não
cometa crimes e lute para se tornarem cidadãos produtivos de uma sociedade que
lhes garanta uma cama na prisão caso fracassem (que custa mais de 30 mil dóla-
res por ano), vias que recusa proporcionar-lhes o acesso ao programa "Head
Start"28 (por menos de 3800 dólares por ano) o u u m trabalho de Verão (por
menos de 1400 dólares por ano) para os ajudar a obter êxito."29
As condições de vida e saúde das crianças pobres - e o potencial impacto destas
condicões no sucesso académico e conclusão dos estudos - também não são frequen-
temente consideradas.
A probabilidade que as crianças pobres têm de viver entre vestígios de ratos é
quase quatro vezes superior as das crianças que não são pobres, e quanto aos que
vivem em habitacões que são "demasiado frias", todo o dia, durante o Inverno, a pro-
babilidade é quase três vezes superior as das crianças que superam o limite de
pobreza.30
As crianças pobres enfrentam uma elevada probabilidade (tão elevada como qua-
tro vezes superior as criancas que não são pobres) de serem classificadas ora como
ligeiramente atrasadas mentais, ora como possuindo incapacidades físicas e mentais,
de serem hospitalizadas por lesões, de terem carências de ferro e de faltarem a escola
devido a deficientes condições sanitárias crónicas ou aguda^.^'
A pontuacão em testes de coeficiente de inteligência, administrados a crianças
com a idade de 5 anos, de famílias com rendimentos baixos, é nove vezes inferior A
média, ao mesmo tempo que a probabilidade de estas crianças manifestarem dificul-
dades de aprendizagem é 113 superior a média. E em cada ano da infância passado
em condicões de pobreza, aumenta a probabilidade dessa crianca se encontrar num
nível escolar inferior ao que seria normal na sua idade.32

O "Head Start" é um programa nacional financiado pelo Governo que providencia experiências pré-
-escolares para as crianças pobres por toda a nação. A Direita tem-se oposto a este programa conside-
rando-o "demasiado dispendioso". No entanto, este programa tem provado ser eficaz na melhoria dos
resultados das crianças. As crianças ao abrigo d o programa "Head Start" tendem a ter um melhor
desempenho quando entram na escola. (NT)
" Mariam Wright Edelman (1994), "Introduction", p. 17.
30 Arloc Sherman, Wasting Arner~ca'sFirture, p. 18.
31 Ibid., p. 62.
" lbid.
É impossível considerar a existência destes níveis de pobreza infantil - e as conse-
quentes desigualdades básicas que provocam na saúde e na educação - como sendo
consequência "inevitável" do nosso sistema económico, ou como um mal necessário a
transformação do bem-estar económico em geral. Estes níveis de pobreza infantil
constituem um fenómeno tipicamente norte-americano: as crianças norte-americanas.
A probabilidade de uma criança norte-americana ser pobre é duas vezes superior a de
uma criança canadiana, três vezes superior as de uma criança britânica, quatro vezes
superior a de uma criança francesa e entre sete e 13 vezes superior as crianças suecas,
holandesas e alemãs.33
Não é irónico que uma nação que proclama como um dos seus primeiros objecti-
vos da vida familiar e da escolaridade formal o ensino dos "valores" faça muito menos
que os restantes países industrializados para proteger da pobreza as suas crianças e as
suas famílias?34
A taxa de pobreza 6 basicamente um indicador do estado da e~onomia.~' Os efei-
tos das deterioradas condições económicas dos últimos 15 anos são claramente visí-
veis, porque desde 1980 (ou mais concretamente desde que Ronald Reagan foi eleito
para a Casa Branca) a taxa de "pobreza pré-transferida" (ou seja, a taxa de pobreza
antes de estar incluída a ajuda governamental) não baixou dos 209'0, aproximando-se
dos 23% em 199236.Para os negros e para os hispânicos, em 1992, estas taxas per-
maneceram num número igual ou inferior a 42%.37110mesmo período, mesmo
depois de contabilizados todos os pagamentos realizados de ajudas governamentais,
a taxa de pobreza disparou de cerca de 1 1 % para um valor bem superior a 15%.
Muito embora tenha flutuado ligeiramente nos últimos anos, aproxima-se novamente
dos 1 5%.38
Grande parte deste efeito resultou do declínio da economia e - tão importante
como ele - da constante erosão no valor das ajudas recebidas pelos pobres.39Por
outras palavras, muito embora a taxa de pobreza mostrasse um declínio real entre
1959 e 1969 e um modesto aumento até 1978, o facto é que nos anos 80 aumentou
abruptamente4', mantendo-se em níveis elevados nos anos 90.41 Em vez de registar
melhorias, para os que se encontram num nível mais desfavorecido, de facto, a taxa

33 Mariam Wright Edelman (1994), "Introduction", p. 20.


34 Ibid.
35 David T. Ellwood e Lawrence H. Summers (1986), "Poverty in America"; in Sheldon H. Danzinger e
Daniel Weinberg (eds.), Fighting Poverty: What Works and What Doesn't, Cambridge, MA: Harvard
University Press, p. 82.
36 U. S. Bureau of the Census (1993), Measuring the Efects of Benefits and Taxes on Income and Poverty: 1992,
Washington, DC: U. S. Govemment Printing Office, Current Population Reports, séries P60-186RD, p. 24.
37 Ibid., pp. 28-30.
lbid., p. 24.
" Sheldon H. Danziger, Robert H. Haveman e Robert D. Plotnick (1986), "Antipovertypolicy: effects on
the poor and the nonpoor", in Danziger e Weinberg (eds.),Fighting poverty, p. 69.
40 Ellwood and Summers (1986), "Poverty in America",p. 81.
" U. S. Bureau of the Census, Measuring the Effects ofBenefits and Taxes on Incomeand Poverty: 1992, p. 19.
piorou. Esta realidade pode ser, porventura, aceite por muitos norte-americanos em
virtude da habilidade da Direita em criar uma sociedade mais egoísta, em que a nossa
noção de bem comum se está a dissipar.42
Sobre esta realidade, Gary Burtless pinta um quadro nada optimista:
" N u m a análise das crenças profundas estigmatizadas nos Estados Unidos,
existem poucos motivos para o optimismo no que diz respeito a uma melhoria
drástica da vida da grande quantidade dos pobres da nação. O inacreditável
aumento dos gastos no bem-estar social entre 1960 e 1980 melhorou substancial-
mente o bem-estar de muitas famílias pobres e essas melhorias não podem ser
superficialmente ignoradas. Todavia, grande parte desse aumento dos gastos no
bem-estar concentrou-se nos pobres afortunados por se encontrarem amparados
pelos programas de seguros sociais - os velhos, os doentes e os desempregados
com seguros. N u m passado recente, a iniciativa do Governo para reduzir a
pobreza deteve-se e pode até ter-se i n ~ e r t i d 0 . O ~ ~
As desigualdades de sexo, da raça e da idade são tão subtis que é quase doloroso
descrevê-las. Em 1992, o rendimento médio anual das mulheres trabalhadoras em
regime de exclusividade só chegava a 213 do que ganhavam os homens na mesma
categoria laboral, superando apenas, em poucos pontos percentuais, os rendimentos
de há uma década.44
E verificando-se o rendimento medi0 dos indivíduos em 1992 (indiscutivelmente
um dado estatístico que melhor reflecte os rendimentos do trabalhador médio nos
Estados Unidos, precisamente por se encontrar, antes de mais, relacionado com a
população de pessoas assalariadas, em vez de se encontrar relacionado com os rendi-
mentos totais em dólares de todos os indivíduos), constatamos que os homens negros
ganhavam justamente 59% da média de rendimentos dos homens brancos, enquanto
os homens hispânicos recebiam apenas 6 4 % dessa mesma média. Pior ainda, as
mulheres brancas ganhavam 51 %, as mulheres hispânicas cerca de 41 % e as mulhe-
res negras somente 39% do rendimento médio dos homens brancos.45
E se esta diferenciação de rendimentos não é suficientemente angustiante, pode-
mos debruçar-nos mais detalhadamente sobre as intersecções de rendimentos, da
raça, do sexo e da pobreza. Em 1992, o rendimento médio de mulheres negras e his-
pânicas que são chefes de família4= (isto é, mulheres que são chefes de familia
aquando da ausência de um esposo) encontrava-se mais de mil dólares abaixo dos
rendimentos correspondentes ao limite de pobreza no caso das famílias com quatro

42 Michael W. Apple (1993),Oficial Knowledge: Devii?cratic Educntion in a Conservative Age, New York: Routledge.
43 Gary Burtless (1986), "Public spending for the poor: trends, prospects and econornic limits", in Danziger
e Weinberg (eds.), Fighting Poverty, p. 48.
" 1.S. Bureau of the Census (1993), Money Income of Households, Fnmilies nnd Persons in the United Stntes:
1992, pp. 10-11.

" Ibid., pp. 92-93.


46 Ibid., p. 12. O rendimento anual médio de cabeças de casal nas famílias negras era de 13,159 dólares; o
das famílias hispânicas era de 13,289 dólares.
ou mais dependente^.^^ Entre 1980 e 1993, a percentagem de familias negras que
ganhavam menos de 5 mil dólares por ano disparou, na realidade, cerca de 50%, atin-
gindo uns incríveis 11,3%.48
Percorrida mais de uma década, não só se encontram mais famílias negras em
situações de pobreza, como também um número cada vez maior de famílias negras
desce do nível de rendimento oficial de pobreza.
Estamos perante um dado que já é arbitrário e 6 ridiculamente baixo, uma vez que,
como determinaram as comissões de Idaho e New Hampshire, o rendimento que
define o limite da pobreza a nível federal situa-se entre 17% e 20% abaixo do orça-
mento mínimo para um agregado familiar de quatro pessoas.49
Face a estas análises e médias, os programas de ajuda pública (já por si severa-
mente limitados, que complementam o rendimento das famílias numa tentativa de
elevar - ou manter - o nível de rendimentos até ao limite de pobreza) não só se trans-
formam em algo cada vez mais ineficaz, como também são tão massiçamente insufi-
cientes que são quase irrelevantes, do ponto de vista económico e pragmático.
Em 1992, as mulheres precisavam de adquirir um grau universitário de modo a
igualarem a média de rendimentos dos homens que tinham apenas o ensino secun-
dário c o n c l ~ i d o Por
. ~ ~ um ano inteiro, e em caso de trabalhadores de 25 anos ou
mais, em regime de exclusividade, a segunda maior disparidade de rendimentos
entre sexos é a que se regista entre mulheres e homens sem o diploma do ensino
secundário (a maior diferença é a que se regista entre mulheres e homens com
graus profis~ionais).~'
Em 1981, cerca de 53% das famílias que tinham mulheres negras como chefe do
agregado familiar e mais de 27% daquelas que tinham mulheres brancas como chefe
do agregado familiar eram oficialmente pobres, em 1992 estes índices dispararam até
60,4%, no caso das familias negras, e 40,3%, no caso das famílias brancas.52Se con-
siderarmos os idosos pobres, 71 % são mulheres53e, em 1992, das mulheres negras
idosas que viviam sozinhas, 86% eram consideradas como pobres sem se tomar em
consideração as ajudas sociais recebidas.54
Ao todo, homens e mulheres negros e mulatos ganham menos que 213 do rendi-
mento dos brancos; mesmo aqueles homens e aquelas mulheres negros e latinos
que conseguem obter níveis superiores de educação formal - sempre através de

47
Sherman, Wasting America's Future, p. 3. Em 1992, o rendimento limite de pobreza para famílias de qua-
tro membros era de 14,335 dólares.
4R U. S. Bureau of the Census (1994), Statistical Abstract of the United States: 1994. Washington, DC: U. S.
Government Printing Office, p. 48.
49 Sherman. Wasting America's Future, p. 4.
SO U. S. Bureau of the Census (1993), Money Inconic, of Households, Families and Persons in the United States:
1992, pp. 116,130.
Ibid., p. 16.
" U. S. Bureau of theCensus (19931, Meaçuring the Eficts ofBenq5tç and Taxes on I n c a e and Povoy:1992, p. 21.
U. S. Bureau of the Census Pouerty in tht. United States: 1992, p. 10.
U. S. Bureau of the Census, Measuring the Effects of Benefits and Taxeç on Income and Puuerty: 1992, p. 28.
graus de mestrado - ganham só cerca de 80% do rendimento dos brancos com
níveis de educação Cerca de 40% (73% para idades compreendidas ente
os 18 e os 24 anos) dos homens negros e de 24% dos homens hispânicos (68% para
as idades compreendidas entre os 18 e os 24 anos) estavam oficialmente classificados,
em 1989, como trabalhadores com "rendimentos mínimos anuais".56
E, face as condições políticas e económicas actuais, o acesso a este tipo de traba-
lho encontra-se quase vedado, não havendo indícios de qualquer melhoria.
Por último, examinando o desemprego, o quadro desta parte da nossa economia
torna-se ainda mais grave. Algumas medidas econométricas indicam que um impacto
cumulativo desigual do desemprego sobre as minorias e mulheres, de facto, duplica,
entre 1951 e 1981. Os dados sobre as taxas de desemprego apresentam um registo
similar. Embora os índices actuais de 12,9% para os negros e de 6,0% para os bran-
cos sejam inferiores as respectivas taxas registadas em 1982 de 2 1 % e 9,7% respecti-
vamente, a diferença não se atenuou.57
Em 1993, a taxa de desemprego dos adolescentes brancos era de 16,2%; a dos
jovens hispânicos era dramaticamente mais elevada, 26,2%; e a dos adolescentes
negros subia vertiginosamente a 38,9%, sendo ainda superior em muitas áreas urba-
n a ~Por . ~estas
~ e outras razões, a diferença de rendimento entre as famílias brancas e
negras continua a aumentar numa proporção cada vez mais elevada.

A estrutura actual do trabalho assalariado


O problema do desemprego assume uma importância crucial, tornando-se urgente
uma discussão mais aprofundada, especialmente quanto a sua relação com as divisões
raciais e de sexo na sociedade norte-americana, que acabámos de descrever. Há certas
tendências que se revelam verdadeiramente preocupantes.
As transformações históricas são muito sugestivas. Embora a participação dos
homens brancos na força de trabalho tenha descido de 82%, em 1940, para 76%, em
1980, tendo-se mantido estável desde então (em grande parte devido a descida de
participação de homens brancos com idade superior a 55 anos), para os negros o
registo é dramaticamente diferente. Em 1940, 84% situavam-se na força de trabalho
assalariado, descendo, em 1980, para 67%.
Estes números tornam-se ainda mais impressionantes se aumentarmos o marco
cronológico de referência. Em 1980, 80% de todos os negros estavam empregados;
em 1983, este número caiu até aos 56%. Em 1993, esta percentagem subiu apenas
até aos 67%.59

55 U. S. Bureau of the Census, Statistical Abstract of the Unlted States: 1994, p. 158.
" U. S. Bureau of the Census, Workers Witli Loul Eernings: 1964-1990, Washington, DC: U . S. Govemment
Printing Office, Current Population Reports, Series P60-178, pp. 19-20.
57 U. S. Bureau of the Census, Statistical Abstract of the United States: 1994, p. 416.
" Zbid.
59 Economic Report of the President (1994), Washington, DC: U. S. Govemment Printing Office, p. 312.
Decerto, esta situação encontra-se relacionada com as transformações do trabalho
agrícola nos Estados Unidos. O declínio revelou-se particularmente dramático para os
negros com 24 anos, ou ainda mais jovens.60Sendo já perigosamente baixa, a taxa de
participação na força laboral dos homens negros com idade inferior a 20 anos recusa-
-se a estabilizar6'.
Muito embora isto já seja suficientemente mau, o facto é que não revela a his-
tória no seu todo. Devemos também reflectir sobre as fulminantes taxas de mortali-
dade e as causas de morte entre os homens negros. Em 1991, a taxa de "previsão
de morte" para os homens negros, com 20 anos de idade, era quase o dobro da
dos jovens brancos dentro do mesmo escalão etário, ou seja, 1,39 por 1000, versus
2,74.62
Durante os governos de Reagan e Bush (1980-1992) esta taxa disparou 30%, no
caso dos jovens negros, e decaiu 26%, no caso dos jovens brancos.63E estas mortes
são cada vez mais violentas para os jovens negros. As mortes violentas e por acidente
de homens negros, com idades compreendidas entre os 15 e os 24 anos, aumentaram
em 43% durante os anos 80;64 para os homens brancos, no mesmo escalão etário,
durante o mesmo período de tempo a taxa de mortalidade por violência ou acidente
baixou quase cerca de 25%.65
Uma análise ainda mais minuciosa revela que a frequência de mortes por armas de
fogo de jovens negros, em idade escolar ao nível do secundário, é quase cinco vezes
superior à dos jovens brancos com a mesma idade.66Face às taxas globais de mortali-
dade dos jovens em idade escolar ao nível do secundário e o diferencial que se regista
entre as taxas relacionadas com os jovens negros e brancos, podemos inclusive argu-
mentar que a razão pela qual são menos os alunos negros do que brancos a terminar
o ensino secundário se deve ao facto de os primeiros não conseguirem viver o tempo
suficiente.
O aumento das percentagens de homens negros e mulatos presos, especialmente
jovens, é também alarmante e revelador. Claro que necessitamos de enquadrar qual-
quer discussão sobre as taxas de encarceramento nos Estados Unidos numa separação
racial no que diz respeito a população no seu todo.
Em 1992, os homens e as mulheres latinos e negros constituíam apenas 16% da
população dos Estados Unidos, enquanto que a população branca era superior a
80%.67Comparando estes números com as estatísticas de 1991, verifica-se que

O' William Julius Wilson e Kathryn M. Neckerman (1986), "Poverty and family structure", it1 Danziger e
Weinberg (eds.), Fighfing Poverty, p. 252.
6' Economic Reporf oftiie Presidenf, p. 312.
62 U. S. Bureau of the Census, Sfatistical Abstract of the United States: 1994, p. 88.
Ibid., p. 89.
H Ibid., p. 100.
.:
Ibid.
Ibid., p. 103.
671bid.,p. 13. S.'
58,8% dos prisioneiros locaisb8,64,7% dos prisioneiros estaduais6' e 35% dos prisio-
neiros federais eram indivíduos de cor.70
Embora a percentagem geral de delinquentes juvenis internados em reformatórios
tenha aumentado em 5%, entre 1987 e 1989, a percentagem das "minorias" jovens
nessas instituições aumentou em 13% (14% para os negros e 10% para os hispâni-
cos), enquanto a percentagem dos jovens que não pertencem as minorias diminuiu em
5°Yó.71Em 31 de Dezembro de 1991, nos Estados Unidos, um total de 395 245 presos
negros encontravam-se sob a jurisdição de autoridades correccionais estaduais e fede-
rais, enquanto os presos brancos eram apenas 385 347.72OS negros têm uma proba-
bilidade cinco vezes superior à dos brancos de se encontrarem sob a custódia das
autoridades correccionais e oito vezes superior a dos homens brancos de serem assas-
sinados ou mortos pelas forças da lei.73
Segundo estes números, é evidente que os Estados Unidos parecem ter decidido
lidar com a pobreza aprisionando ou permitindo a morte a uma larga percentagem de
indivíduos de cor, cujos crimes e necessidades estão directamente relacionados com as
condições económicas, habitacionais e com os padrões de segregação racial a que
estão submetidos. Isto tem tido um impacto dramático na estrutura da família e nas
perspectivas de futuro entre a juventude negra.
No início dos anos 80, o Center for the Study of Social P o l i ~ yestimava
~~ que, no
final do século XX, e a manterem-se as actuais tendências económicas, 70% das famí-
lias negras teriam uma mulher como chefe do agregado familiar. As análises de esta-
tísticas relativas a 1993 revelam-nos com rigor a previsão de uma taxa de 60% no ano
2000,75muito embora, presentemente, quase 70% dos jovens negros sejam filhos de
mães solteiras.76
A melhor interpretação desta situação é-nos dada por Ellwood e Summers nos seus
debates sobre as possibilidades de emprego dos jovens negros: "Qualquer medida
concebível revela que a situação do mercado de trabalho para os jovens negros se
encontra péssima e tende a piorar." E continuam, acrescentando que "a magnitude
do problema não pode ser sobreavaliada: em 1980, antes da recessão exercer os seus

Jessie Carnie S m i t h e Robert L. Johns (eds.) (1995), Statistic Record of Black America, Detroit: Gale
Research Incorporated, pp. 104-105.
''Ibid., p. 119.
70 Kathleen Maguire, Ann L. Pastore, and Timothy J . Flanagan (eds.) (1992), Sourcebook of Criminal justice
Statistics: 1992, Washington, DC: U . S. G o v e m m e n t Printing Office,U.S. Department o f Justice, Bureau
o f Justice Statisctics, p. 635.
7' Ibid., p. 576.
"Ibid., p. 613.
73 U . S. Bureau o f the Census (1994),Statistical Abstract of the United States: 1994, p. 96.
74 Centro d e Estudos das Políticas Sociais. ( N T )
"Ibid., p. 66.
76 U . S. Bureau o f the Census (1994),Statistical Abstract of the United States: 1994, p. 80.
efeitos directos, apenas um em cada três jovens negros que saiam da escola conseguia
arranjar emprego."77Hoje em dia, as perspectivas não são melhores.
Além disso, as taxas de ascensão dos indivíduos de cor contratados continuam a
ser mais lentas. Estes indivíduos são também muito mais vulneráveis a perda do
emprego durante os períodos de restrição económica. O suposto desenvolvimento da
"nova" economia de serviços não alterou esta situação de uma forma apreciável. Os
padrões de trabalho assalariado revelam as posições habituais: o mercado de trabalho
de segunda categoria dominado por trabalhos com salários baixos, muitos dos quais
em tempo parcial, com poucos ou nenhuns benefícios, pouca segurança no trabalho e
ausência de sindicato^.'^
Isto salienta um aspecto importante. As taxas de desemprego diferenciam-se de
acordo com o tipo de trabalho assalariado. Em todos os países ocidentais, as probabili-
dades de desemprego são muito superiores nos trabalhadores "na0 especializados"
(manuais) do que nos indivíduos de ocupações profissionais (não manuais).
Neste caso, a raça e o sexo desempenham um papel fundamental, tal como
sucede com a divisão internacional do trabalho, vulgarmente denominada por fuga
de capital, quando as empresas mudam as suas fábricas de um país para outro, pro-
curando mão-de-obra mais barata e sem filiação sindical em países do Terceiro
Mundo.
Qualquer análise sobre os efeitos da NAFTA7' e do GATTBOrevelará que estes
"acordos" só aceleraram o abandono dos trabalhadores dos Estados Unidos em detri-
mento de países onde a mão-de-obra é mais fácil de explorar." O trabalho assalariado
das mulheres também se concentra no mercado de trabalho de segunda categoria tal
como as minorias de trabalho assalariado.
Em 1993, as mulheres constituíam 61,7% dos trabalhadores da indústria de servi-
ç o ~ , ~cujo
* salário médio era, frequentemente, o mais baixo de toda a indústria dos
Estados Unidos e cujos benefícios são, quando muito, mínimos.83

Ellwood and Summers, "Poverty in America", p. 99.


78 Charles V. Hamilton e Dona C. Hamilton (1986), "Social policies, civil rights and poverty", in Danziger e
Daniel Weinberg (eds.), Fiyhting porierty, p. 307.
79 "North American Free Trnde A~reerrient".É um acordo que eliminou as tarifas aduaneiras para as merca-
dorias fabricadas no Canadá, México e Estados, tornando o movimento de fábricas e de mercadorias
entre estes países muito mais fluido. Todavia, conduziu ao crescimento de "rriuyuillas" no México, onde
as companhias norte-americanas transferiram os seus locais de produção para a fronteira sul dos Esta-
dos Unidos com o México, estabelecendo salários muitos baixos. Esta mudança contribuiu também bas-
tante para a destruição do meio ambiente, uma vez que as leis de defesa do ambiente raramente se
sobrepuseram aos interesses de mercado. (NT)
SO É um tratado idêntico ao NAiTA embora com uma abrangência mundial, para que o capital e os produ-
tos circulem entre as nações d e uma forma mais facilitada. Tem sido objecto das mesmas críticas feitas
ao NAFTA. (NT)
" Vide a análise sobre as batatas fritas baratas no capítulo I.
" U.S. Bureau of the Census, Stntistical Abstract of the United States: 1994, p. 412.
Ibid.,p. 429.
De facto, na maioria dos países industrializados ocidentais, e de modo frequente-
mente dramático, a taxa de desemprego entre os homens é menor que entre as
mulheres.84Na verdade, tais diferenças podem ser minimizadas na medida em que "o
efeito do trabalhador desmotivado" tende a ter um impacto muito maior nas mulhe-
res, especialmente nos momentos de declínio e c ~ n ó m i c o . ~ ~
Um último e cada vez mais significativo elemento nesta situaçáo necessita de ser
referido, especialmente se tivermos em consideração que se encontra intimamente
relacionado com a problemática dos abandonos escolares. Desde 1973, uma caracte-
rística concreta do desemprego tem vindo a aumentar. Trata-se do efeito despropor-
cional do desemprego sobre os potenciais jovens trabalhadores.
Nos Estados Unidos, em 1993, a taxa de desemprego juvenil (idades compreendi-
das entre os 16 e os 19 anos) era de 19,0%, embora a taxa equivalente a todos os tra-
balhadores fosse de 6,8%.86
Como assinalámos anteriormente neste capítulo, as taxas de desemprego juvenil
nos Estados Unidos eram, pelo menos, o dobro, e até seis vezes superiores, a taxa de
emprego geral, dependendo da raça dos indivíduos.
Decerto, poderíamos considerar a significativa taxa global de 24,3% para os aban-
donos no ensino secundário nos Estados Unidos, salientando que tal número legitima
o argumento de que a nossa juventude só consegue evitar um futuro económico
deprimente se permanecer na escola. Todavia, este número é, na realidade, inferior a
26,8% de negros, com idades compreendidas entre os 16 e os 24 anos, que termina-
ram o ensino secundário e que se encontram desempregados."
Isto apresenta um problema tanto ideológico quanto económico. O que se está a
oferecer, a um número generalizado de jovens, é um futuro sem perspectivas a longo
prazo, impedindo-os de ganhar a vida sem dependerem dos parcos benefícios da
assistência social. "Face a esta experiência é muito difícil assistir ao emergir da diligên-
cia, da disciplina e do consumo de massas."88
Nas crises económicas do passado não se registaram estas concentrações de
desemprego entre os jovens. Contudo, actualmente, em vez de ser um indício da exis-
tência de uma crise fundamental e geral, parece ter-se convertido numa das normas
do nosso sistema económico.
Náo obstante, a medida que a elevada taxa de desemprego dos jovens se conver-
teu estruturalmente num lugar-comum, as apreciações populares das origens de todos
os nossos males económicos rapidamente posicionam a causa nas crianças ou nas

ffl United Nations (1994), Statistical Yearbook, New York: United Nations Department for Economic and
Social Informations and Policy Analysis.
ss Francis Green e Bob Sutcliffe (1987), The Profit System: The Economics of Capitalism, New York: Penguin
Books, p. 321.
86 U. S. Bureau of the Census, Statistical Abstract ofthe United States: 1994, p. 416.
s7 Ibid., p. 173.
''Green and Sutcliffe, The Profit System, pp. 321-322.
escolas. Sem dúvida que as consequências sociais desta normalização nos acompanha-
rão por muitos anos.89
Assim, é evidente que o fardo do desemprego recai de forma desigual na idade, na
raça e no sexo. Os mais afectados são os indivíduos de cor, as mulheres e os jovens.g0
Estes grupos predominam nas posições mais mal pagas e menos autónomas da econo-
mia, sobretudo aquelas que estão relacionadas com a prestação de serviço^.^'
Em 1989, as mulheres ocupavam 80% de todos os postos de apoio administrativo,
mas só 9% estavam em sectores de produção, manipulação e reparações de precisão.
As mulheres preenchiam 68% das posições das vendas a retalho e serviços pessoais
mas só 40% ocupavam posições executivas, administrativas e de gestão.92 E, em
1990, a probabilidade de as mulheres, as pessoas de cor e os jovens terem um "baixo
rendimento anual" (6,lO dólares por hora ou até menos) era, em média, duas vezes
superior a dos homens brancos.93Estas formas óbvias, através das quais a nossa eco-
nomia cria divisões no emprego e no desemprego - e contribui para que se gerem e
exacerbem tensões sociais -, deveriam fazer-nos reflectir.
Apesar de tudo, estas estatísticas sobre o desemprego são ilusórias. A taxa de
desemprego oficial não consegue descrever com veracidade a gravidade do problema.
Não reflecte as alterações da duração da situação de desemprego.
Alguns inquéritos aplicados em países capitalistas ocidentais documentam que a
duração média da situação de desemprego aumentou de sete semanas, em 1970,
para quarenta e cinco semanas, em 1984. E, entre 1980 e 1993, a percentagem de
trabalhadores nos Estados Unidos, que experimentam períodos de desemprego supe-
riores a seis meses quase duplicou, embora a duração de desemprego global para
todas as pessoas desempregadas tenha aumentado em mais de 50% numa média
de 1 1,9 semanas para 18,l semanas.94Esta média era quase 10% mais elevada para
os negros do que para os brancos.95Assim, estas estatísticas sobre o desemprego

89 Vide Paul Willis (s.d.), "Youth unemployment: thinking the unthinkable", Unpublished paper, Wolverhamp-
ton Polytechnic: Wolverhampton, England. Paul Willis faz uma afirmalão provocatória argumentando
que uma das principais consequências das elevadas taxas de desemprego juvenil repousa no foro ideo-
lógico. Uma vez que muitos homens e muitas mulheres jovens não possuem cheques salariais, ainda
que continuem a "passar o tempo" em centros comerciais, só consomem produtos com os olhos. Isto
pode, porventura, subverter as bases do acordo salarial capitalista com os trabalhadores jovens. A rela-
ção entre o consumo e trabalho assalariado será quebrada. O efeito sobre as relalões patriarcais no seio
de famílias da classe trabalhadora pode também ser enorme.
Rebecca M. Blank e Alan S. Blinder (1986), "Macroeconomics, income, distribution and poverty", Danzi-
ger and Weinberg (eds.), Fighting Poverty, p. 191.
91 U. S. Bureau of the Census, Statistical Abstract of the United States: 1994, p. 412; Kathleen Droste (ed.),
(1994), Gale Book of Auerages, Detroit: Gale Research Incorporated, p. 387; e Linda Schmittroth. (ed.)
(1994), Statistical Record of Women Worlwide, Detroit: Gale Research Incorporated, p. 323.
92 Schmittroth (ed.), Statistical Record of Women Worlwide, p. 387.
93 U. S. Bureau of the Census, Workers With Low Earnings: 1964-1990, p. 2.
94U.S. Bureau of the Census (1994), Statistical abstract of the United States: 1994, Washington, D. C.:
Government Printing Office, p. 416.
"Jessie Camie Smith e Robert L. Johns (eds.) (1995), Statistic record ofblack America, Detroit: Gale Research
Incorporated, p. 725.
referem-se, frequentemente, a indivíduos que ainda permanecem desempregados e
"dizem respeito apenas ao seu actual período de d e ~ e m p r e g o " . ~ ~
Tão significativo quanto o anterior, é o facto de as medidas habituais de desem-
prego não registarem aquilo que normalmente se denomina por desempregados ocul-
tos, ou seja, os indivíduos que se desmotivaram de procurar activamente um trabalho
assalariado, face as constantes experiências negativas na procura de trabalho, encon-
trando apenas empregos em part-time, temporários, com remuneração baixa ou até
não encontrando emprego algum.
É habitual encontrarmos quase tantos indivíduos nesta categorias quantos os que
se encontram nas estatísticas oficiais de de~emprego.~'Se estas categorias fossem
incluídas, por forma a termos um quadro mais preciso do que na realidade está a
acontecer, poder-nos-íamos aproximar, no mínimo, do dobro das taxas oficiais.
Com efeito, todos os quadros referidos não reflectem a problemática no seu todo.
Como assinalámos anteriormente, a diferenciação das taxas e os tipos de emprego
entre homens e mulheres, e entre indivíduos brancos e de cor, tornam evidente que as
divisões do trabalho por raça e por sexo estruturam as experiências dos grupos de
indivíduos de modos muito distintos.
Finalmente, considerando simplesmente os números dos trabalhadores assalaria-
dos, não se verificam as transformações ocorridas nos tipos de trabalho que as pes-
soas efectuaram. Por exemplo, trabalhar como porteiro/empregado de limpeza, com
um salário mínimo é qualitativamente diferente do que trabalhar numa fábrica de aço
por 15 dólares a hora. Ambos estão empregados. Contudo, o tipo de emprego, o
nível salarial, as relações sociais de trabalho, a autonomia, o respeito, etc., são radical-
mente diferentes. A descida da taxa oficial de desemprego pode ocultar o que real-
mente sucede de uma forma muito significativa.

A economia futura
A secção anterior descreveu-nos o aspecto que apresenta a economia e o mercado
de trabalho, se nos reposicionarmos de modo a observarmos, não de cima para baixo,
mas de baixo para cima, na perspectiva da mulher, das pessoas de cor e dos jovens
(claro que é importante registar, de novo, que estes grupos não se excluem mutua-
mente). Dada esta estrutura actual, o que reserva o futuro, em termos de mercado de
trabalho assalariado, para os jovens que tenham que tomar decisões sobre a sua esco-
larização?
Necessitamos, decerto, de ser muito cuidadosos para não generalizarmos rapida-
mente, partindo de dados económicos que abordaremos nesta secção. Estamo-nos a

% Ronald Kutscher (1987),The impact of technology on employment in United States, i n Gerald Burke e
Russell Rumberger (eds.), Tlre f i r h r ~irripact
~ cif technology on work and education, Philadelphia: Falmer
Press, p. 57.
97 Ibid, mantemo-nos aqui a um nível estatlstico, contudo é importante náo ignorarmos os enormes custos
sociais e emocionais que um indivíduo sofre pelo facto de estar desempregado. Nenhum conjunto de
estatísticas poderá de modo algum acompanhar completamente a realidade destes custos e das vidas
perdidas que significam.
lembrar de duas frases contundentes acerca dos economistas: "se todos os economis-
tas fossem colocados frente a frente, mesmo assim não se chegaria a nenhuma con-
clusão"; "um economista é um profissional que saberá amanhã a razão pela qual as
coisas que ele previu ontem não aconteceram hoje".98
Todavia, mesmo com estas precauções, existem certas tendências que podem ser
observadas. Entre as mais importantes, para a análise dos abandonos escolares e
jovens em situação de "risco", estão as tendências da perda e da criação de postos de
trabalho a longo prazo. Essas tendências começaram a surgir há uma década, con-
tudo, desde então, transformaram-se em normas solidamente estabelecidas.
No sector industrial, prevê-se, aproximadamente, a perda de 600 mil postos de tra-
balho entre 1990 e 2005.99 Mudanças tecnológicas e pressões para o aumento da
produtividade, embora limitando postos de trabalho e reduzindo os salários, impedi-
rão o aumento dos postos de trabalho.
A maioria dos novos postos de trabalho surgirá no sector da prestação de serviços.
Este sector, em geral, agrupa assistência pessoal, assistência médica ao domicílio,
assistentes sociais, empregados de hotel e outros alojamentos, empregados de restau-
rante, trabalhadores de transportes, serviços comerciais e outros serviços. Prevê-se
que os 95% de novos postos de trabalho, criados entre 1990 e 2005, pertençam a
este sector.loOEsses denominados "outros serviços" continuarão a crescer a um ritmo
célere na próxima década e na metade da década seguinte. Um em cada quatro
novos postos de trabalho situar-se-á no sector dos serviços de saúde e de empresas
comerciai~.'~'
O Bureau of Labor S t a t i s t i c ~ desenvolveu
'~~ projecções para 1500 ocupações indivi-
duais. As dez ocupações mais relevantes são indicadas no quadro que se segue e a sua
projecção traduz um quarto da transformação global de emprego nos Estados Unidos
durante o período 1992-2005.1°3
Dessas 10 ocupações, as 8 mais significativas - vendedores a retalho, caixas,
camionistas, empregadoslempregadas de mesa, auxiliares de enfermagem, empregos
na preparação de alimentos e porteiroslempregados de limpeza (quadro 1) -, em
geral, não requerem grandes níveis de educação.104

98 Donald N. McCloskey (1985), The Rethoric of Economics, Madison: University of Wisconsin Press, p. 19.
P> U. S. Department of Labor, Bureau of Labor Statistics (1992), Outlook: 1990-2005, Washington, DC:
Govemment Printing Office, p. 44.
IM Ibid.
'O' Ibid., p. 43.
'O2 Agência para as Estatisticas do Trabalho. (NT)
'O3 U. S. Bureau o£ the Census, Statistical Abstract of the United States: 1994, p. 410.
la4 Kutscher, "The impact of technology on employment in the United States", p. 46. Muitos destes traba-
ihos que estão a surgir serão realizados por mulheres e serão em part-time. Isto não só conduzirá a uma
redução salarial como também não sujeita as empresas ao pagamento de outros benefícios. Assim, as
consequências económicas fundamentam-se não só ao nível dos salários e condições de trabalho, como
também ao nível da assistência de saúde, reformas, etc. Em última análise, o custo público desta situação
pode ser enorme.
I QUADRO 1 I Empregos civis c o m maior aumento d o
número de postos de trabalho: 1992-2005
(projecçóes em milhões de postos de trabalho).

As dez ocupações com as taxas mais rápidas de crescimento durante o período


em causa estão ligadas a emergente reestruturação tecnológica de sectores distin-
tos da nossa economia ou dos serviços de saúde. O quadro 2 documenta estas ten-
dência~.''~

Secretárias médicas
I I I

I QUADRO 2 1 Empregos c i v i s e m ocupações o n d e se


regista o maior aumento d o número de
postos de trabalho (projecções em milhares
de postos de trabalho).

A maioria das ocupações registadas nestes dados requer uma adequada formação
e destrezas e significa a emergência paulatina de um sector de trabalho assalariado
tecnologicamente sofisticado.
Não obstante, dito isto, é muito importante examinarmos com a maior acuidade o
quadro 2. Num determinado período, as taxas de crescimento mais rápidas verificavam-se

'" U. S. Department of Labor, Outlook: 1990-2005, p. 79.


nestas ocupações que, analisadas no seu conjunto, constituem apenas 115 do cresci-
mento total de emprego de toda a nação.'06Assim, a comparação conduz-nos a uma
compreensão pouco optimista sobre onde se vai situar o aumento de emprego.
Mesmo com o crescimento relativamente rápido dos postos de trabalho, relaciona-
dos com a alta tecnologia, os tipos de trabalho que existirão, cada vez com maior fre-
quência, para a grande maioria da população nos Estados Unidos, não corresponderão
a posições altamente especializadas e tecnicamente delicadas.
De facto, acontecerá precisamente o contrário. O mercado de trabalho será cada
vez mais dominado por empregos com salários baixos e rotineiros nos sectores da
prestação de serviços e do comércio a retalho. Isto torna-se muito evidente por um
aspecto: em 2005 serão criados mais empregos de caixas - cerca de 7 0 0 000 - do que
qualquer outro tipo de posto de trabalho para técnicos de informática, analistas de
sistemas, fisioterapeutas, analistas de operações e técnicos radiologistas, no seu todo.
Na verdade, não e só a criação e a perda de postos de trabalho, nas áreas com
salários mais baixos do sector de serviços da nossa economia, que serão motivo de
preocupação. A própria classe média começou já a sentir o impacto deste processo,
algo que se deteriorará no futuro. Um reconhecido economista interpreta a questão
da seguinte maneira:
"Tal como as entidades empregadoras têm um incentivo económico parafrag-
mentarem as actividades do trabalho, em partes constitutivas, porforma a redu-
zirem os custos de mão-de-obra, assim também as mesmas entidades recebem
incentivos para a automatização dos postos de trabalho que requerem os salários
mais altos.
Assim, os peritos em sistemas e outras tecnologias sofisticadas tendem, cada
vez mais, a eliminar os postos de trabalho sujeitos a uma formação mais avançada
com salários muito altos, em vez dos postos de trabalho que exigem menos espe-
cializaçio e possuem salários mais baixos.
Todavia, as recentes projeções de empregos para os Estados Unidos indicam
que serão criados poucos postos de trabalho nestas áreas."'07
Mesmo os postos de trabalho de alta tecnologia, que implicam destrezas prévias
consideráveis - a programação de computadores dá-nos um bom exemplo -, gra-
dualmente sujeitar-se-ão a uma desprofissionalização, a uma menor autonomia e a
salários baixos. Isto pode estar relacionado não só com a "feminização" de muitos
destes trabalhos, como também com a tendência que existe para mecanizá-los e
estandardizá-10s.'~~

'"U. S. Department of Labor, Outlook: 1990-2005, p. 79.


lbid., p. 80.
'O7 Russell Rumberger, "The potencial impact of technology on the skill requirements of h t u r e jobs",
Burke and Rumberger (eds.), "The Future Impact of Technology on Work anil Education, p. 90.
'O8 Vide Apple, Teacliers and Texts, W . Norton Grubb (1987), "Responding to the constancy of change: new
technologies and future demands on U.S. education" in Burke e Rumberger (eds.), The Ftlttlre Impact of
Technology on Work and Edtlcation, Philadelphia: Falmer Press, p. 122.
Infelizmente, face ao poder das pretensões e das relações patriarcais na nossa socie-
dade, o trabalho assalariado e não assalariado da mulher tem sido, historicamente,
sujeito a pressões significativas para a sua racionalização, proletarização, perda de
autonomia e controlo e para a falta de respeito.log
Assim, ocupações que tradicionalmente eram vistas como "trabalho de mulheres"
serão afectadas pela reestruturação tecnológica em curso. Os trabalhos administrati-
vos, os serviços bancários, as telecomunicações, etc., todos eles sentirão os efeitos
destes processos de desprofissionaliza~áo."~
Deste modo, nenhuma discussão sobre o que se está a passar com o "trabalho de
mulheres" estará completa a não ser que enfrentemos, com seriedade, uma questão
de importância crítica em qualquer análise de cariz económica. Convém não nos
esquecermos que as mulheres jovens enfrentam as perspectivas de um mercado de
trabalho paralelo. Elas são preparadas para o mercado de trabalho assalariado fora de
casa e para um trabalho não assalariado dentro de casa.
Frequentemente, as problemáticas dos abandonos escolares, emprego e desem-
prego dos jovens e estruturas económicas, que envolvem a escola, centram-se
exclusivamente no trabalho assalariado. Isto é uma deficiência séria e vicia grande
parte do poder destas análises, na medida em que não conseguem tratar adequa-
damente as realidades que as mulheres jovens enfrentam quotidianamente, não só
tomando decisões relacionadas com a escolarização e com o trabalho assalariado,
como também na estruturação das experiências de uma parte significativa das suas
vidas.
Daí que estas análises tendam, frequentemente, a basear-se na falta de compreen-
são da importância do trabalho providencial levado a cabo pelas mulheres, quer em
termos de economia, quer em termos de identidade. A lógica destas análises pode
reflectir, tacitamente, posições patriarcais. Muito embora não possamos entrar aqui
nos detalhes desta problemática, é essencial que comecemos a compreender melhor
tanto os efeitos da economia política do capitalismo nas vidas e no futuro da juven-
tude, como a economia política das relações patriarcais."'

lm Apple, Teachers and Texts, especialmente os capítulos I1 e 111.


"O Decerto organizaram-se contestando estas ameaças e frequentemente conseguem com sucesso mediá-
-las e alterá-las. Vide Alice Kessler Harris (1982), Out to Work. A History of Wage-Earning Womeri ir1 the
United States, New York: Oxford University Press. Não devemos assumir que o género consegue expli-
car tudo isto por completo. Isto está também fortemente relacionado com os imperativos económicos
compreendidos para lucros a curto prazo e a consequente criação de corporações "mais pequenas" que
actualmente são tão populares. O facto da I.B.M., G.M., A.T.T., Sears Roebuck e G.T.E., nos últimos três
anos, terem anunciado o "despedimento" de 325 mil empregados, numa estratégia agressiva de "dimi-
nuição" de custos, documenta esta dinâmica. Vide Richard J. Barnet. (1994), "Stateless corporations",
The Nation, 259 (December 19), pp. 754-757.
"' Vide Michele Barrett (1980), Women's Oppressiori Today, London: New Left Books. Um tratamento exce-
lente sobre o que experimentam as mulheres jovens no seu trabalho assalariado e não assalariado pode
ser encontrado em Christine Griffin (1985), Typical Girls, London: Routledge. Vide também Heidi Safia
Mirza (1992), Young, Female and Black, New York: Routledge. A problemática do trabalho não remune-
rado relaciona-se com uma outra questão mais geral, a da identidade. Podemos necessitar de uma rede-
fiição de trabalho que não se encontre totalmente ligada à economia capitalista, na qual o "trabalho de
providência", frequentemente a cargo das mulheres, se valorize cada vez mais.
A experiência do trabalho assalariado
Face ao que temos vindo a referir acerca do que nos reserva o futuro, deveria estar
claro que uma grande maioria dos jovens - especialmente aqueles que são pobres ou
pertencem a classe trabalhadora, muitas mulheres jovens e indivíduos de cor - encon-
traria tipos específicos de trabalho assalariado. Estes trabalhos tenderiam a concen-
trar-se no mercado de trabalho de segunda categoria. Maioritariamente, caracterizam-
-se por oferecerem salários baixos, deficientes condições de trabalho, poucas regalias
e processos de trabalho desqualificados ou até sem qualquer qualificação."* Isto é, se
esta juventude sobreviver para além da idade do ensino secundário ou não for aprisio-
nada aquando da sua adolescência.
Poder-se-á questionar por que razão os jovens escolheram, tão rapidamente, e em
primeiro lugar, trabalhos deste género ou por que razão estabeleceram uma relação
entre a escolaridade e o futuro, hipoteticamente maravilhoso, de trabalho assalariado
e não assalariado.
Esta problemática torna-se ainda mais pungente perante os comentários - que
outros, vez após vez, repetem em circunstâncias idênticas - proferidos por homens e
mulheres jovens que conseguiram encontrar o primeiro emprego assalariado no mer-
cado de trabalho secundário. A natureza não especializada dos trabalhos assalariados
disponíveis pode ser detectada numa citação de uma jovem mulher que, após o ter-
ceiro dia de um trabalho administrativo, sentiu, de imediato, a sobrecarga de trabalho
que a esperaria naquele emprego.
"É muito maçador e eu (passei) os três dias (afazer)fotocópias. Não está certo
que eles mandem uma pessoa fazer o mesmo serviço constantemente. Eu deveria
ter rodado por outros sectores como os restantes empregados. Não gostaria de ter
u m emprego deste género para toda a vida. "'I3
Outro estudante coloca a questão de uma forma muito sugestiva ao descrever os
trabalhos de manutenção de um edifício, trabalho que conseguiu arranjar com um
salário baixo.
"Trataram-me como u m escravo. Detestei e abandonei-o logo n o primeiro dia.
Eles diziam-mefaz isto e eles próprios nãofaziam, então eu disse-lhes que sefos-
sem.. . e a tardefui para casa e não voltei mais. "'I4
Uma última citação poderá esclarecer a realidade destes trabalhos:
"Estava a trabalhar nas cozinhas e estava aborrecido. Não podesfalar com os
outros porque elas (as máquinas) estavam organizadas, separadamente, por sec-
ções, e cozinhas numa ou noutra secção. Era realmente estúpido. Eles nüo tinham
necessidade de trabalhar assim. M a s trabalhavam.""5

'I2 Chris Shilling, "Work experience as a contradictory practice", British Journal of Sociology of Educatioti, i n
press, p. 22.
'I3 Ibid., p. 9.
'I4 Ibid.
'I5 Ibid., p. 14.
O que é realmente interessante nestas percepções é que cada um destes indivíduos
estava desejoso de abandonar os estudos para, finalmente, encontrarem um trabalho
assalariado.l16
No entanto, a experiência do trabalho foi tão maçadora e, frequentemente, tão
desprovida de bom senso que, rapidamente, o sonho de se tornarem autónomos e
obterem recompensas financeiras associadas ao trabalho assalariado foi desvanecido
pela realidade do próprio posto de trabalho. Todos estes comentários relembram-nos
os versos de John Masefield:
"Fazer com que todo o mundo se levante da cama,
E que se lave, e que se vista, e que se aqueça e que se alimente,
Para trnbalhar e regressar novamente à cama,
Acredita-me, Saul, custa mundos de dor."'"
O futuro mundo do trabalho assalariado e não assalariado, que tantos estudantes
terão que enfrentar, as estruturas de desigualdade e as realidades da pobreza, que
eles experimentarão e que estão a aumentar cada vez mais, fazem-nos pensar se real-
mente resolveremos os nossos problemas educativos sem que lidemos com a génese
das causas dos nossos dilemas. Isto é uma questão que quero realçar na secção final.

Colocar a culpa em quem a tem


Culpabilizar as escolas pelo declínio da "excelência" e pela crise económica é fácil. Mas
é muito mais difícil lidar com o processo que, efectivamente, provoca toda esta situação.
Tal como sugerimos no final da secção anterior, fracassaremos rotundamente se
não abordarmos as causas sociais dos abandonos escolares e a questão mais geral da
diferenciação educativa, se ignorarmos o domínio histórico das estruturas de estratifi-
cação de classe, raça e sexo, que são uma parte tão fundamental da sociedade dos
Estados Unidos, dentro e fora da escola."*
Devemos resistir a pressão de culpar o sistema educativo pelos problemas do nosso
declínio económico, pela nossa falta de competitividade económica, pelo desemprego,
etc. Se considerarmos dois casos paradigmáticos de indústrias que entraram em declí-
nio durante os últimos anos - as do aço e automóvel -, verificaremos que tais crises
podem estar mais relacionadas com uma gestão falhada e com decisões conscientes de
desindustrialização do que com outras questões como, por exemplo, a falta de destre-
zas. "Estes exemplos podem conduzir a uma reforma das escolas comerciais ou das
práticas de investimento" ou, ainda, a políticas económicas nacionais que são conside-
ravelmente mais democráticas no que diz respeito a planificação e aos resultados.
Contudo, estes exemplos não conseguem fornecer uma justificação consistente
para que se culpem as escolas pela desordem económica que testemunha mo^.'^^

""bid.
11' Citado por Lillian Rubin (1976),Worlds o f h i n , New York: Basic Books, p. 14.
"
'"Grubb", Respoildiilg to the constancy of change, p. 130.
li9 ibid.

CCE2-PCE - 9
Por que razão se dá tanta importância a reestruturação educativa, como forma de
fazer frente ao emprego e ao desemprego? Em primeiro lugar, o Governo necessita de se
legitimar, devendo ser visto como estando a fazer algo em relação a estes problema^.'^^
De um modo geral, reformar a educação não só se revela como aceitável e relativa-
mente seguro, como também " o seu êxito, ou fracasso, não será tão evidente a curto
prazo". Em segundo lugar, encontra-se subjacente um princípio darwinista social, que
distancia a economia como causa fundamental dos seus próprios problemas. "A afir-
mação de que o desemprego é motivado pela falta de destrezas do operariado ajuda a
manter a crença nas virtudes básicas do sistema económico. Se um indivíduo estu-
dasse arduamente, ou aceitasse empregos com baixos salários, poder-se-iam eliminar
as desigualdades que emergem na sociedade em consequência do desemprego! "I2'
Ainda que o público norte-americano "se conforme em acreditar que as crianças
pobres desfrutarão das mesmas probabilidades económicas tal como as outras, desde
que aprendam a ler e a calcular, esta crença encorajadora é errada."
De facto, quando examinamos os casos em que estudantes provenientes de distin-
tos meios económicas se desenvolvem de um modo igual, geralmente através de tes-
tes estandardizados, esta suposta igualdade de sucesso só reduziu em 113 a diferença
dos vencimentos que eles auferiram, enquanto adultos.
Assim, a chave da questão pode não estar no sucesso escolar, mas sim nas relações

I: e estruturas socioeconómicas que organizam a ~ 0 c i e d a d e . l ~ ~


Na realidade, é bem possível que a redução da diferença de sucesso escolar, entre
os pobres e os não pobres, tenha pouco impacto nas diferenças existentes, em termos
de pobreza e desigualdade. Podemos estar perante uma situação em que a inflação de
títulos poderá criar aquilo que se denomina por sistema de "fazer filas", com os gru-
pos mais favorecidos a manterem as suas posições. O nível de sucesso educativo e o
grau que, outrora, qualificava o indivíduo para um determinado tipo de emprego "são
desvalorizados". As qualificações necessárias para um emprego são cada vez mais ele-
vadas e o nível de desempenho que se exigia anteriormente só é útil para abrir portas
a empregos mais mal pagos.123A questão do abandono escolar necessita, portanto,
de ser considerada neste contexto.
Temos de encarar o facto de as disparidades económicas "baseadas na raça, no
sexo e no chefe de família serem extremamente difíceis de reduzir". Regressaremos a
este assunto na conclusão.
Muito embora seja essencial que nos centremos nas áreas do nosso sistema educa-
tivo, que necessitam de ser reestruturadas, as respostas seguras As problemáticas do

'O Gerald Burke (1987), "Reforming the structure and finance of education in Australia", in Burke e
Rumberger (eds.), The Future Impact of Technology on Work and Education, p. 180. Sobre a necessidade
de o Governo manter a sua legitimidade, especialmente em épocas de crise, uide Apple, Edilcntion nnd
Power.
Ibid.
'"Christopher Jencks (1987), "Comment", in Sheldon H. Danziger e Daniel Weinberg (eds.), Fighting
Poverty, pp. 176-177.
lU Nathan Glazer (1987), "Education and training programs and poverty", Danziger e Weinberg (eds.),
Fighting Poverty, p. 154
abandono escolar e dos estudantes em situação "de risco" exigem mais do que meras
intervenções de curta duração, tais como programas limitados de formação profissio-
nal, aconselhamento pedagógica e centros de emprego. São necessárias transforma-
ções a longo prazo na estrutura do mercado de trabalho, "na provisão de rendi-
mentos transitórios, empregos e um apoio sólido". Envolve também a expansão
das oportunidades educativas e um financiamento continuado, em grande escala,
de tais programas educativos. Finalmente, e talvez mais importante, requer uma eco-
nomia em crescimento que crie postos de trabalho significativos no "terminus" da
e~colaridade.'~~
E questionável que tudo isto possa ser cumprido, face aos nossos padrões econó-
micos actuais e dada a restauração conservadora. Contudo, há um conjunto de políti-
cas económicas e sociais progressistas que têm sido articuladas e que poderiam servir
de apoio, conduzindo-nos para um sistema económico, político e educativo mais
democraticamente controlado. Em particular, os trabalhos de Nove, Carnoy, Shearer e
Rumberger, Raskin e Simon, Dippo e Schenke merecem especial atenção da parte dos
educadores preocupados com a relação entre a economia e a educação.'25
Uma meta de transição deveria ser o acréscimo de mais um direito inalienável a
todo o cidadão norte-americano: o direito a um trabalho decente e r e ~ p e i t á v e l . ' ~ ~
Claro que isto exigiria que não só trabalhássemos para a reestruturação fundamental
das nossas prioridades económicas, como também desafiássemos as assunções darwi-
nistas sociais que, em grande parte, permanecem subjacentes ao nosso sistema eco-
nómico (bem sabem - eles ficaram pobres ou desempregados a maneira antiga. Mere-
ceram-no). Os pobres, os subempregados e os desempregados não "o mereceram". A
destruição das suas esperanças e dos seus sonhos; a desintegração das suas famílias,
das comunidades e das instituições educativas; o desespero e as lutas são uma
"dádiva" da nossa economia. Eis o género de presente que deveria ser devolvido ao
remetente sem sequer ser aberto.
Como documentámos neste capítulo, se confinássemos a análise dos abandonos
escolares e dos jovens em situação "de risco" as qualidades intrínsecas do nosso sis-
tema educativo, ignoraríamos as realidades económicas que envolvem a escola e pro-
videnciam o contexto actual e futuro em que esses jovens actuarão.

'24 Danziger, Haveman e Plotnick (1986), "Antipoverty policy", p. 75.


12' Neste contexto são úteis as afirmações de Alec Nove (1983), The Economics of Feasible Socialism, Boston:
Allen e Unwin; Carnoy, Shearer e Rumberger (1983), A New Social Contract, Martin Carnoy e Derek
Shearer (1980), Economic Democr~lcy,White Plains, New York: M.E. Sharpe; e Marcus Raskin (1986), The
Common Good, New York: Routledge. Para um aprofundamento das problemáticas em torno das políti-
cas e práticas educacionais, z ~ ~ d Roger
e: Simon, Don Dippo e Arleen Schenke (1991), Learning Work: A
Criticnl Pedngogy of Work Educntion, New York: Bergin e Garvey; e Michael Apple e James Bean (1995),
Democrntic Schools, Washington, D. C.: Association for Supervision and Curriculum Development.
'26 Hamilton and Hamilton (1986), "Social policies, civil rights and poverty", p. 311. Tal como mencioná-
mos na nota 106, isto requer, todavia, um questionamento sério sobre o que realmente conta como tra-
balho. A maioria das definições privilegia as actividades masculinas e dá menos atenção as actividades
de apoio social e de atenção pessoal que, em muitas sociedades, habitualmente se encontram a cargo
das mulheres. Assim, necessitamos de modificar as nossas assunções básicas sobre o trabalho e deve-
mos apoiar uma maior diversidade ideológica e económica.
O nosso tipo de economia - com as suas crescentes desigualdades; a sua estrutura-
ção apoiada em trabalhos cada vez mais alienantes, mais desprofissionalizados e sem
significado; a sua ênfase nos lucros, não se importando com os custos sociais - cria,
"naturalmente", as condi~õesideais conducentes ao abandono escolar. Se estabele-
cêssemos um paralelismo com a falta de escolas, de habitações decentes e de assistên-
cia social na nação asiática referida no início deste livro, não seria de todo exagerado
afirmar que, em ambos os casos, estamos perante uma economia produzida pelas
batatas fritas baratas.
O fenómeno do abandono escolar não se revela como uma aberração rara que
emerge, aleatoriamente, do nosso sistema escolar. É gerado estruturalmente, criado a
partir das relações autênticas e desiguais dos recursos econórnicos, políticos, culturais
e de poder que organizam esta sociedade. A pobreza é cíclica - e, na realidade, existe
uma relação genuína entre a economia e a educação -, mas temos de reconhecer que
a origem deste ciclo repousa nas nossas relações económicas e sociais e não nas
nossas escolas. As soluções para as elevadas taxas de abandono escolar e outros insu-
cessos educativos exigem que deixemos de nos esconder destas realidades. O primeiro
passo consiste em observar honestamente a nossa economia e reconhecer como é que
funcionam as relações de classe, raça e sexo que a estruturam.
O que nos deve guiar na análise destes dilemas é o princípio político do bem
comum e não, simplesmente, do lucro. Este princípio defende que "nenhum acto
desumano deve ser usado como um atalho para um dia melhor" e que qualquer pro-
grama em educação, política, saúde e segurança social, economia, ou em qualquer
outra área, deve ser avaliado "face a probabilidade de poder resultar numa união de
equidade, partilha, dignidade pessoal, segurança, liberdade e assistência as pes-
s o a ~ " ' As~ ~políticas
. económicas e sociais que se encontram, actualmente, em vigor, e
especialmente aquelas que têm sido instituídas nesta época de triunfalismo conserva-
dor, revelam-se muito pobres neste aspecto.
O resultado é uma miséria inenarrável para milhões de pessoas e um futuro que é
pouco mais do que ermo para muitos dos jovens desta nação. Talvez seja boa ideia
começarmos por fazer, a nós próprios, uma pergunta que já tem uma longa história
na t r a d i ~ ã odos movimentos democráticos nos Estados Unidos: De que lado estás?

Raskin (1986), The Common Good, p. 8.


lZ7
I Conclusão:
Tirando Proveito da Reforma Educacional
"De que lado estás?" 6 uma pergunta poderosa, contudo extremamente complexa.
Para a abordar seriamente, este livro teve que abarcar muitos aspectos. Todavia, o livro
está ancorado a uma apreciação não romântica dos perigos que enfrenta uma educa-
ção crítica no mundo actual. Está também ancorado na experiência pessoal: não só no
meu trabalho na nação asiática com o qual iniciei o primeiro capítulo, como também
nas memórias profundas dos anos em que ensinei em bairros pobres e fui presidente
de um sindicato de professores que tentou fazer alguma coisa, face as angustiantes
condições educativas vividas diariamente por alunos e professores nestas áreas.
Quando iniciei a minha carreira de professor, o meu primeiro acto de ensino con-
sistiu em trabalhar com alunos afro-norte-americanos e latinos numa escola dentro da
cidade. Fomos instruídos que não deveríamos permitir que qualquer criança não utili-
zasse a "língua inglesa padrão", ou que falasse espanhol. Devíamos intervir activa-
mente quando tal sucedesse. A nossa missão era transformá-los, o mais rapidamente
possível, em "norte-americanos autênticos". O racismo subtil (e não tão subtil) e a
rearticulação de padrões da dominação cultural eram, certamente, visíveis, quer para
os estudantes e membros da comunidade, quer para muitos dos professores que acre-
ditavam piamente que estas políticas eram profundamente destrutivas, não só para a
autovalorização dos alunos, como também para as culturas e histórias que necessita-
vam de ser cuidadas e promovidas, não destruídas.
Durante anos, estas e outras políticas similares mantiveram-se como uma prática
comum. A história dos desafios concertados contra elas, na maior parte dos casos com
sucesso, tem uma enorme importância.
No entanto, com o crescimento do movimento "English Only"' e a reivindicação da
Direita pelo primado da (profundamente romantizada) "tradição ocidental" e outras
ofensivas da Direita, encontramo-nos numa posição de podermos vir a perder muito do

'Em muitos Estados dos Estados Unidos, os grupos conservadores têm lutado por uma legislação que
torne a língua inglesa como língua oficial, em todas a actividades governamentais e em todas as escolas.
Qualquer outra língua será proibida. Os efeitos da sua implantação serão muito negativos, uma vez que
os Estados Unidos têm um enorme número de emigrantes provenientes de distintas parte do Mundo. As
entidades governamentais se os impedirem de utilizar as suas línguas a nível local, estadual e nacional
privá-los-ão dos seus direitos, benefícios e programas. Claro que isto terá também efeitos muito negati-
vos na educação bilingue. (NT)
que conquistámos. A dominação cultural e a criação do "outro" -factos autênticos em
muitas das nossas instituições2-têm-se tornado no palco central do drama humano da
educação, a medida que o triunfalismo conservador se estende por toda a realidade.
Por esta razão, grande parte da minha argumentação neste livro depende de uma
posição particular. A aceitação irreflectida dos discursos neoconservador e neoliberal
(amplamente autorizados) serve para ilustrar algumas interpretações da vida social e
cultural e obscurecer outras. Esta realidade, habitualmente, tem um efeito duplo, favo-
recendo os grupos dominantes da sociedade e prejudicando os grupos dominado^.^
As propostas actuais para o currículo nacional, avaliações nacionais, privatização e
comercialização, relacionando as escolas mais directamente com uma economia explo-
radora, e o crescimento dos sentimentos de Direita, produzirão os seus efeitos de um
maneira muito previsível. O resultado será um individualismo possessivo e um autorita-
rismo populista, em vez de uma justiça social.
Os neoliberais e os neoconservadores, especialmente os neoliberais, argumentarão
que não deixam de estar preocupados com a justiça social. A competição intensificada,
que resultará de uma sociedade reorganizada em torno de princípios gerais derivados
do mercado, produzirá melhorias na qualidade e no número de serviços disponíveis
para os "consumidores" que terão "liberdade de escolha". Crê-se que isto, por sua
vez, "construirá riqueza, intensificando o potencial de riqueza produtiva da economia
e, por consequência, criando ganhos para os menos afortunados, assim como para os
socialmente favorecidos".
Deste modo, o mercado poderá, na verdade, conduzir a uma maior justiça social
para os menos acomodados, colocando nas suas mãos a possibilidade de e ~ c o l h a . ~
Esta série de reivindicações é conceptualmente débil em termos de uma teoria jus-
tificada de justiça social e, ainda, mais fraca numa perspectiva empírica.
Tal como referi no segundo capítulo, e como têm demonstrado as recentes investi-
gações sobre estes modelos, dentro e fora do sistema educativo, é provável que o
resultado destas políticas se traduza numa sociedade cada vez mais estratificada.
Falando acerca do crescimento da ênfase neoliberal na privatização e comercialização
da educação, Geoff Whitty fornece-nos um resumo bem claro sobre um determinado
número de perigos:
"A tendência crescente e m fundamentar, cada vez mais, os aspectos sociais
na noção dos direitos do consl~tnidor,e m vez de se basearem nos direitos dos cida-
dãos, implica mais do que u m afastamento dos sistemas públicos de educação
para escolas individuais que competem por uma clientela n u m determinado mer-
cado. Embora pareça ir ao encontro das críticas a u m Estado-Providência impessoal
e detnasiado burocratizado, também transfere grandes aspectos das tomadas de

Vide Michael W. Apple (1990), Ideology and Curriculum, 2nd edition, New York: Routledge; e Cameron
McCarthy and Warren Crichlow (1993) (eds.), Race, Identity and Rr;~rrsrntationin Education, New York:
Routledge.
' Nancy Fraser and Linda Gordon (1994), "A genealogy of dependency", Signs, 19 (Winter), p. 311.
'Geoff Whitty (1994), "Consumer rights versus citizen rights in contemporary education policy",
unpublished paper, University of London: Institute of Education, pp. 1-2.
decisão educacionais, da esfera pública para a privada, com consequências poten-
cialniente significafizias para a justiça social.
A atomização das tomadas de decisão numa sociedade já por si estratificada
pode criar a sensação da concessãoformal de igualdade de oportunidades a todos,
embora, na realidade, reduza a possibilidade de lutas colectivas que poderiam aju-
dar os menos capazes a ajudarem-se uns aos outros. Tal como referem Henry
Giroux e Peter McLaren, a "competição, mobilidade, acesso à informação, lidar
com a burocracia, providenciar alimentação e assistência média adequada para os
filhos não são recursos que todas as famílias possuani por igual. Por isso, a trans-
ferência de muitos dos aspectos da tomada de decisões do foro público para o pri-
vado minimiza a defesa dos interesses dos indivíduos e dos grupos desfavorecidos e
intensifica, potencialmente, a desvantagem e m que se encontram estes grupo^."^
Whitty conclui com uma afirmação condenatória de que a proliferação de tais
modelos económicos neoliberais - quando unidos aos objectivos dos neoconservado-
res sobre um Estado forte que regula os valores, as condutas e o corpo - não provi-
denciará um contexto para uma cidadania activa, através da qual a justiça social possa
ser conseguida6. Em vez disso, tais reformas criarão as condições ideais para a exacer-
bação das desigualdades existentes.'
A este respeito, R. W. Connell, um dos autores mais sensíveis em educação, alerta-
-nos para algumas verdades simples, no entanto profundas. Argumenta o autor que
existem três razões cruciais que nos levam, a todos nós que estamos envolvidos na
escolarização, a ficar preocupados com a justiça social.
Em primeiro lugar, todo o sistema educativo é um bem público importante. Desta
forma, é uma das "maiores indústrias em qualquer economia moderna; é um dos
maiores empreendimentos públicos". Assim, dadas as inúmeras dimensões deste bem
público, uma das questões mais sérias que deveríamos colocar seria "quem obtém a
maior parte dos seus benefícios"? Trata-se de uma questão complexa, mas em termos
de acesso e de resultados o sistema educativo distribui os bens sociais de um modo
muito desigual.'
Em segundo lugar, é provável que o sistema educativo seja valorizado, no futuro,
como um bem públicog, devido, em grande parte, ao facto de o conhecimento organizado
ter cada vez maior importância como força impulsionadora da produção económica,
para a expansão e controlo dos mercados e para o estabelecimento e manutenção de
mercados que apoiem as divisões de trabalho nos planos social, sexual e racial.1°

Ihid., p. 13.
L lbid., p. 18.
Ibid., p. 21.
R. W. Connell (1993), Schools and Social Justice, Philadelphia: Temple University Press, pp. 11-14.
Ibid., p. 14.
O' Vide, por exemplo, Michael W. Apple (1985), Education aiid Pouler, New York: Routledge. Sobre as estra-
tégias de conversão que se vinculam no uso social de tais graus sociais, vide Pierre Bourdieu (1984), Dis-
tinction, Cambridge, MA: Harvard University Press.
De acordo com Connell, " o sistema educativo não só distribui os bens sociais
actuais, mas também modela o tipo de sociedade que está a emergir. A justiça social
da nossa sociedade futura depende, maioritariamente, da utilização que fazemos hoje
em dia do sistema educativo" .I1
Finalmente, a terceira questão a que se refere Connell relaciona-se com o que sig-
nifica educar. Para o autor, e muitos outros, o ensino é um "ofício moral". Quando os
fundamentalistas conservadores cristãos questionam a moralidade da educação, e o
papel da escola no ensino de determinados tipos de moralidade, estão a levantar um
problema autêntico.
Ainda que esteja em profundo desacordo com as tendências autoritárias, subjacen-
tes a sua postura populista, há alguns aspectos do seu raciocínio que me parecem sen-
satos. Tal como Connell, podemos transformar estes aspectos numa crítica sobre os
efeitos estratificadores das actuais práticas escolares.
Enquanto práticas sociais, o "ensino e a aprendizagem envolvem sempre questões
acerca dos propósitos e critérios de acção (quer se esteja ou não de acordo com esses
propósitos), acerca da aplicação de recursos (incluindo a autoridade e o conheci-
mento) e acerca da responsabilidade e das consequências da acção".
Este carácter moral da educação afecta directamente a qualidade moral das insti-
tuições educativas. Se, de modo sistemático, os sistemas escolares lidam injustamente
com muitos dos seus alunos, estes alunos não serão os únicos a sofrerem. "A quali-
dade de educação para os restantes encontra-se degradada."12
Prossegue Connell, concluindo numa linguagem contundente:
"Gostaria de dizer isto e m altos berros dos telhados, cada vez que oiço outro
argumento a favor de programas para crianças "talentosas e sobredotadas", a
favor de "níveis" mais exigentes e de uma disciplina mais férrea, a favor do esta-
belecimento de percursos curriculares distintos de acordo com os níveis e capaci-
dades dos alunos, a favor de recompensas para o mérito, de escolas de oportunidades
e de programas para os melhores alunos - e m suma, gostaria de gritar contra os
inúnieros ataques à igualdade da educação. U m a educação que privilegia unia
criança e m relação a outra está a dar à criança privilegiada uma educação cor-
rupta, mesmo que a beneficie do ponto de vista social e ec~nómico."'~
Os aspectos assinalados por Connell baseiam-se numa visão social que exige que
prestemos atenção a nossa própria retórica e aos efeitos encobertos de muitos dos
nossos programas educativos, supostamente meritórios. Estou tentado a concordar
com o que ele afirma, mas algo nos impede de reconhecer e actuar de acordo com os
seus argumentos. Talvez uma das razões seja o nosso próprio modo de pensarmos a
educação.

l1 Come11 (1993), Schoolç and Social [ustice, p. 14.


l2 Ibid., pp. 14-15.
I' Ibid., p. 15.
Conexões mal interpretadas
Na obra The Naval Treaty, de Arthur Conan Doyle, Sherlock Homes e Dr. Watosn
relatam ao leitor:
"Holrnes estava absorvido numa profunda meditação e quase não abriu a boca
até passarmos a junção Capham.
- É bastante divertido vir a Londres por qualquer destas linhas que correm

alto e te permitem observar de cima para baixo casas como esta.


Pensei que estava a gozar porque a vista era deviasiado sórdida, mas rapida-
mente explicou-se:
- Repara naqueles grupos isolados de edifícios que surgem e m cima das
pedras, como ilhas de tijolos n u m mar de cor cinzenta.
- A s escolas-internato.
- Faróis, meu rapaz! Sinais do futuro! Cápsulas com centenas de pequenas
sementes e m cada uma, das quais nascerá a Inglaterra do futuro, mais sábia e
rnelhor."14
Neste pequeno esboço, temos quase tudo o que 6 necessário para contar a história
da escolarização não só desta sociedade, como também da cidade londrina de Holmes
e Watson.
A escola surge como um sinal de esperança acima das condições sórdidas dos bair-
ros pobres e da classe trabalhadora. Fornece as sementes para a mobilidade individual.
Não obstante, são conjuntos isolados de edifícios desligados do dia-a-dia desse
"mar de cor cinzenta". É o seu carácter simbólico, como cápsulas situadas acima de
tudo, que Ihes permite plantar as sementes que trarão um futuro mais "sábio e
melhor".
O diálogo entre Holmes e Watson revela as tensões que se encontram presentes na
nossa compreensão da escolarização. Transporta consigo a esperança que todos nós
temos enquanto educadores: a esperança de um futuro melhor para todas as crianças.
No entanto, ao mesmo tempo, o referido esboço apropria-se de uma aceitação
acrítica do mito da escolarização, do mito de que as escolas - como "instituições neu-
tras" - providenciarão pontos de partida equitativos para todos aqueles que desejem
entrar na corrida.
Também importante, o diálogo inclui um subtexto. É uma história de classe. O
mundo é visto de cima. As metáforas criam o surgimento da imagem de "ilhas de
tijolo" sólidas, que permanecem hirtas contra as marés de turbulência nefasta. Uma
boa escola é aquela que se desliga das realidades mundanas, que ignora o mar. A cul-
tura popular e as vidas reais são "sórdidas".
Esta visão não está confinada ao mundo da ficção, nem tão-pouco é defendida
apenas por viajantes de comboio como Holmes e Watson. Pelo contrário, muitas pes-
soas, incluindo muitos educadores e comentadores neoconservadores, assumem uma

l4 Citado em Jarnes Donald (1992), Sentittiental Education: Schooling, Popular Culture and the Rgulation of
Liberty, New York: Verso, p. 17.
posição similar. Tudo o que é "popular", tudo o que vem daquele mar é sujo. Não é
um conhecimento muito sério.
Assim, frequentemente, assumimos que a literatura popular, a cultura popular, a
ciência e a matemática popular são conhecimentos faihados. IVão é suficientemente
real. O conhecimento popular é visto como uma patologia,'' pelo menos em compara-
ção com o currículo académico existente, que é visto como edificante e neutral.
Todavia, o currículo vigente nunca é uma montagem neutra de conhecimentos. Tal
como demonstrei no segundo e terceiro capítulos, os currículos baseiam-se sempre na
asserção da autoridade cultural. O mesmo deve ser dito em relação as escolas.
Embora existam muitas escolas (e professores) que são modelos de vitalidade e de
riqueza, na generalidade, a escolarização para as criancas desse "mar de cor cinzenta"
- estudantes pobres e da classe trabalhadora, rapazes e raparigas de cor, e tantos

outros - não é neutra, nem nos seus significados nem, decididamente, nos seus resul-
tados. Quiçá, a melhor descricão desta realidade seja a de Jonathan Kozol, que se
limita a descrever as condições e os resultados nos termos que já mencionei anterior-
mente: "desigualdades selvagens".16
Sem dúvida, esse mar pode parecer sórdido; mas quem controla as condições eco-
nómicas, sociais e educativas que o fazem ser assim? De quem é a visão da sociedade,
de quem é a visão sobre qual é o conhecimento autêntico (e para quem) organiza a
vida nas salas de aulas desse mar?
Ao longo deste livro, tenho procurado demonstrar que estas questões se encon-
tram entre as mais cruciais que devem ser formuladas durante o período de restauração
conservadora. A relação entre a escolarização e o poder económico, político e cultural
não é uma reflexão posterior. É uma parte constitutiva da verdadeira essência da
escola. A conversa entre Holmes e Watson refere-se a isto de uma forma implícita e
oculta. A compreensão destas problemáticas requer uma visão das escolas - dos currí-
culos, do ensino e da avaliação que Ihes dizem respeito - de modo a que náo se man-
tenham imperceptíveis estas conexões entre o que fazemos enquanto educadores e as
relações de poder mais abrangentes.
Em diversos campos de estudo - ocorre-me agora a história das ciências - 6 feita
uma distinção entre as análises interna e externa. Na análise interna, entendemos um
fenómeno ao longo da história do desenvolvimento das características internas da pró-
pria disciplina. Na análise externa, devemos ver as conexões entre o desenvolvimento
de uma teoria, ou de uma área de conhecimento, e as relações sociais mais amplas,
ou a micropolítica da comunidade de investigação que cria a necessidade, ou as condi-
cões, dessa mesma evolu<ão.
Embora os neoliberais e os neoconservadores conheçam melhor esta realidade -
eles compreendem completamente que as escolas se encontram relacionadas com os
conflitos económicos, culturais e ideológicos mais globais -, actualmente, no campo
da educação quase todos os debates sobre o conteúdo, a organização dos currículos e

l5 Ibid., pp. 55-57.


l6 Jonathan Kozol (1991),Savage Inequalities, New York: Crown.

11401
o ensino têm sido surpreendentemente subjugados às análises internas. Ou, quando
os educadores realmente se viram para fontes "externas", fazem apenas uma
pequena viagem - até a psicologia.
Parece existir uma forte convicção de que conjugando "melhores conteúdos" com
as novas teorias da psicologia se resolverá a maior parte dos problemas da educação.
No entanto, as dinâmicas que analisei no capítulo anterior deste livro não podem,
por si só, ser entendidas como problemas de aprendizagem. Referem-se, fundamen-
talmente, a visões sociais antagónicas: fundamentalmente, são formas diferentes de
denominar o mundo. O político não pode ser reduzido ao psicológico sem viver num
mundo divorciado da verdadeira essência da escolaridade.
Este problema faz referência a continuação de uma história muito longa de copiarmos
os nossos paradigmas básicos, partindo de um conjunto muito limitado de marcos dis-
ciplinares (e, de algumas posturas pós-modernas, antidisciptinares). A perspectiva psi-
cológica da teoria e prática educacionais - embora tenha trazido um bom contributo
para algumas áreas - infelizmente tem tido um determinado número de efeitos limitado-
res importantes. Eliminou completamente as considerações críticas, culturais, políticas e
económicas do terreno das deliberações curriculares, excepto quando determinados
movimentos sociais activos forçam a inclusão dessas questões na educação.
Tal como demonstram cada um dos capítulos deste livro, incluindo a conclusão, é
praticamente impossível lidar seriamente com questões como os currículos, os testes,
os manuais, os estudantes e todo um conjunto muito vasto de eventos, que urdem e
constituem a trama das políticas e as práticas educativas, sem aquelas considerações.
No processo de criação do indivíduo psicológico, a educação praticamente perdeu
o seu sentido autêntico das estruturas sociais e das relações de raça, sexo, classe e reli-
gião que têm um poder considerável na formação destes indivíduos, as vezes de uma
forma contraditória.
Além do mais, é incapaz de situar os currículos, o ensino e a avaliação num con-
texto social mais vasto, um contexto que inclua na sua esmagadora maioria programas
para uma educação democrática e para uma sociedade mais democrática.
Finalmente, em consequência do que foi afirmado, deixa-nos visões debilitadas de
uma prática crítica." Embora não seja um discurso tão acrítico como o de Holmes e
Watson, o discurso com uma forte componente psicológica não inclui, na maior parte
dos casos, análises sistemáticas sobre o que Secada denomina por "tipos de investiga-
ção que nos ajudam a compreender como as oportunidades se distribuem de forma
desigual nesta sociedade; o papel que ... a educação desempenha nessa estratificação;
e como podemos reivindicar a égide de uma reforma educativa que inclua a criação de
uma ordem social mais justa como finalidade legítima" .I8
Com efeito, são tão importantes novas abordagens "externas" como uma orienta-
ção mais crítica. É que sem o reconhecimento do carácter socialmente contextualizado

l7 Vide Michael W. Apple (1990), Ideology and Curriculum; e Michael W. Apple (1993), Official Knowledge:
Democratic Education in a Conservative Age, New York: Routledge.
" Walter Secada (1995), "Introduction", in Walter Secada, Elizabeth Fennema e Lisa Byrd Adajian (eds.),
N m Directions in Equity for Matlleniatics Education, New York: Cambridge University Press, pp. 4-5.
de todas as políticas e práticas educativas, sem o reconhecimento dos vencedores e
perdedores nesta sociedade, sem uma compreensão mais estrutural de como e por
que razão as escolas participam na criação destes vencedores e perdedoreslg,acredito
que estamos condenados a reproduzir um ciclo sem fim de esperanças cada vez mais
diminutas, reformas retóricas e promessas não cumpridas. Foi precisamente por este
motivo que valorizei as intricadas políticas que envolvem a educação e as lutas relacio-
nadas quer com a "reforma" das políticas e das práticas educativas, quer com a nossa
forma de pensar estas questões.

O prático e o crítico
O próprio conceito de "reforma" 6 importante. Para algumas pessoas, nos Estados
Unidos, uma quantidade de público muito superior a aliança de Direita, o papel da
"reforma" consiste em elevar os níveis de rendimento do que os académicos defini-
ram como conhecimento de estatuto elevado. Para outros como eu, a reforma supõe
uma reconstrução muito mais completa dos fins e meios, não só da educação, mas
também das relações de dominação e subordinação da sociedade.
Assim, subjacente a qualquer história que se narra sobre a educação - mesmo que
seja de um modo tácito -, repousa uma teoria social sobre o que "de facto" é esta
sociedade e sobre o que é necessário que os educadores e demais pessoas façam, de
modo a participarem tanto nas transformações necessárias, como na defesa do que já
é progressista. Estas teorias ou perspectivas sociais podem ser contraditórias.
Encontramo-nos hoje em dia no meio de tais conflitos - e a educação ocupa um
lugar central. Decerto, nem todos os grupos possuem poderes iguais para definir os
contornos desses conflitos, ou para avançar com as resoluções dos mesmos, de acordo
com os seus próprios programas.
Com efeito, como já tenho vindo a argumentar, embora estejam em jogo múltiplas
forças ideológicas na educação e em todas as instituições, parece ser o programa con-
servador a providenciar a liderança do discurso da educação, e que, infelizmente, tem
preparado o encaminhamento para a consecução da "reforma", não só na educação,
como também noutras áreas relacionadas com a pobreza, assistência social e médica e
em muitas outras.
Em Inglaterra, nos inícios do seu primeiro governo, Margaret Thatcher anunciou os
objectivos evangélicos do seu programa político: "a economia é o método". Mas não
foi tudo. " O objectivo é transformar a alma".20 E a alma deveria ser transformada
drasticamente numa direcção conservadora. Embora Thatcher falasse pela Grã-Breta-
nha, o mesmo podia ser dito quanto ao que estava a acontecer, e que continua a
acontecer, nos Estados Unidos.
Nos capítulos iniciais abordei, numa perspectiva critica, muitos dos atributos da
restauração conservadora e não tenho agora necessidade de recapitular todos os

l9 Vide Michael W . Apple (1985), Eduration and Power e Jeannie Oakes (1985), Keeping Track, New Haven:
Yale University Press.
Donald (1992), Sentiniental education, p. 122.
meus argumentos. Todavia, os objectivos e os efeitos deste movimento encontram-se
por toda a parte. Recordemos, portanto, as quatro grandes tendências para a "trans-
formação da alma" da educação:
1. Propostas para "choice", tais como planos "voucher" e linhas de crédito
para tornar as escolas numa economia de "livre rtzercado" (completamente ideali-
zada), ao mesmo tempo que os cortes no orçamento obrigam à tomada de medidas
severas por parte dos distritos escolares locais.
2. O nioz1imento nas legislatilras estaduais e nos departamentos de educaçáo a
riízlel estadual, assim como a nível nacional, para impor as "competências" e os
perfis, quer dos professores, quer dos alunos, e para estabelecer a riível nacional e
local currículos e testes nacionais, ceritralizando, desta forma, ainda mais o con-
trolo sobre o erisirio e os currículos.
3. O s ataques, cada vez mais eficazes, aos currículos - e aos professores - pelo
seu suposto enviesamento antifamiliar e anti/Zivre-mercado, pelo seu "huma-
nismo secular", pela sua falta de patriotismo e pela sua negligência no que diz
respeito aos "valores" e a "tradição ocidental".
4. Finalmente, a mais poderosa: a pressão crescente para que as necessidades
das empresas e da i n d ú s t r i a se t o r n e m n o s únicos objectivos do sistema
educati~o.~'
Não acredito que estas tendências constituam, no seu cômputo geral, um conjunto
adequado de políticas, embora, como tentei demonstrar, existam elementos valiosos
que não devem ser nem menosprezados nem ignorados.
Mas, na minha opinião, qualquer discussão sobre as transformações em, e pela,
defesa da educação deve centrar-se nas concepções que estão subjacentes. Na base
destas discussões encontra-se uma questão que deve ser colocada incessantemente:
quem beneficia? Provavelmente, o quarto aspecto por mim apontado, sobre as neces-
sidades das empresas e das indústrias, pode ser um caso paradigmático.
Tomemos como exemplo algo que se encontra evidentemente presente em muitas
das propostas actuais de "reforma". Refiro-me ao apelo para a elaboração de currículos
e estratégias de ensino que se relacionem mais directamente com aquilo que Holmes e
Watson consideravam não ser necessário: o "mar de cor cinzenta" da vida quotidiana.
Esta questão assume uma importância muito mais relevante, uma vez que parte do
programa conservador é ele próprio, crítico quanto a uma escola que se limita a um
conhecimento "académico" de elite.
Na realidade, muitos dos porta-vozes dos grupos que pretendem uma relação mais
próxima entre a educação e a economia, especialmente os neoliberais, defendem,
tenazmente, escolas que ensinem apenas aquilo que se relaciona directamente com a
prática, o papel que cada um tem de desempenhar no futuro, enquanto trabalhador
assalariado. Por esta razão, a nossa análise deve ser mais subtil e não se limitar sim-
plesmente a uma pálida denúncia dos propósitos neoconservadores para um regresso
as perspectivas antigas do estudo académico. E, muito embora possa fazer parte de

Apple (1993), Oficial Knowledge.


uma resposta, a solução não consiste simplesmente em apelar para a instituição do
"prático" e de currículos que cativem mais os estudantes, tal como fazem muitas pes-
soas que subscrevem os argumentos económicos examinados no quarto capítulo -
assim como muitos dos elementos do movimento centrado na criança, que advogam
currículos integrados e que vêem numa posição oposta, do ponto de vista pedagó-
gico, aqueles que defendem uma postura orientada para a economia.
Poucas pessoas que tenham testemunhado os níveis de aborrecimento e de aliena-
ção dos nossos alunos nas escolas manifestarão o seu desacordo com a afirmação de
que os currículos devem estar mais relacionados com a "vida real". O problema não é
este. O que realmente está em causa é a questão: quem impõe a visão da vida real
que se assume como válida? Consideremos os currículos de Matemática, que têm
como objectivo primordial a "literacia matemática" para um desempenho mais flexível
do trabalho. A construção da "vida real" - preparação para o trabalho assalariado -é,
por norma, totalmente acrítica. Marginaliza qualquer preocupação real com as actuais
condições de deterioração em que trabalham tantas pessoas. Ignora, ainda, o que foi
demonstrado no quarto capítulo: a tendência, no sector dos serviços, em ordem para
salários baixos, emprego em part-time, não sindicalizado, sem regalias para milhões de
trabalhadores norte-americanos. A falta da integração directa deste tipo de questões
nos currículos de Matemática significa que o objectivo de utilizar a Matemática para
preparar os estudantes para a "vida real" não só é em parte fictício, mas também ins-
titucionaliza como conhecimento oficial apenas os aspectos que beneficiam aqueles
grupos que já possuem a maior parte do poder na sociedade2*.
Comparemos esta situação com a avaliação de John Dewey sobre os perigos de se
definir a educação como uma actividade estritamente prática, supostamente delineada
para preparar as pessoas para o "mundo do trabalho". Esta educação, perspectivada
em torno de uma definição muito particular do "prático", desfez a relação entre a
actividade quotidiana e a compreensão crítica, tão necessária em qualquer educação
digna desse nome.
Assim, quando Dewey se refere a educação vocacional (redefinida e orientada para
todos), considera-a como sendo constitulda pelo "pleno significado intelectual e social
de uma vocação". Falando na linguagem do seu tempo, Dewey insistiu que a educa-
ção vocacional deveria incluir: "o ensino da origem histórica das condições presentes;
formação em ciências, por forma a proporcionar desenvolvimento intelectual e capaci-
dade de iniciativa para lidar com os materiais e agentes de produção; e economia,
educação cívica e política, a fim de colocar o futuro trabalhador em contacto com os
problemas do dia-a-dia e com os distintos métodos propostos para a sua m e l h ~ r i a " . ~ ~
Em consequência, o "prático" nunca se poderia divorciar do conhecimento histórico,
ético e político sem perder algo nesse processo. A escolaridade nunca deveria ser vista
como um simples treino para satisfazer as necessidades da indústria.

" Vide Michael W. Apple (1988), Teachers and Texts: A Political Econoni!~of Class and Geilder Relations in Edu-
cation, New York: Routledge.
John Dewey, citado por Ken Jones (1989), Right T ~ i r nThe
: Conservative Rwolution in Education, London:
Hutchinson, p. 104.
--
Todos estes aspectos podem tornar-se muito mais claros se nos centrarmos na
questão da relação entre a formação e a economia, uma relação que está no centro
de muita da retórica acerca da nossa presumível produtividade económica decadente
e da suposta falta de competitividade. Há formas de encarar esta questão que não
ratificam, de modo algum, o sonho neoliberal de reduzir toda a educação e a forma-
ção a um mero adjuvante do projecto industrial.
Na sua proposta sobre as políticas de educação e de formação para trabalhadores,
a Ontario Federation of Labour redigiu nove princípios-chave que me parecem essen-
ciais como um conjunto de primeiros passos, e que fornecem uma alternativa muito
mais democrática as tristes realidades que os estudantes, cujas vozes ouvimos no
quarto capítulo, experimentam. Vale a pena citá-las aqui integralmente, pois testemu-
nham posturas diferentes no que diz respeito a finalidade da alfabetização - mesmo
em relação ao aspecto mais prático das destrezas e conhecimentos próprios de qual-
quer local de trabalho - e sobre quem devem, na verdade, recair os benefícios.
1. A formação é u m direito. Este direito deve ser universal - disponível sem
barreiras para todos os trabalhadores contratados e desempregados e para quem
queira entrar ou reentrar no mercado de trabalho.
2. A formação é urna ferramenta para conseguir uma maior equidade. É u m
instritmento para superar as desigualdades específicas que as mulheres, minonas
visíveis, os lpovosl nativos, os deficientes e os imigrantes enfrentam no mercado
de trabalho.
3. A formação é uma parte fundamental do trabalho. O s trabalhadores contra-
tados devem ter acesso à formafão durante o seu horário laboral, recebendo o salá-
rio na íntegra. O s trabalhadores desempregados e aqueles que ingressam no mer-
cado de trabalho devem ter acesso à formação com o salário garantido e o apoio de
servifos necessários como, por exemplo, infantários e centros de aconselhaniento.
4. O s direitos da formação incluem a oportunidade para que os trabalhadores
possam, atraz~ésde faltas por motivos educativos com vencimento assegurado,
prosseguir os estudos.
5. O contelído da formafão deve ser orientado para as necessidades sentidas
pelos trabalhadores e deve ser evolutivo. A s destrezas devem ser ensinadas de
uma forma que ultrapasse a especificidade de u m trabalho concreto e apetreche os
formandos para assumirem tarefas distintas no futuro. A formação deve aumen-
tar o controlo dos trabalhadores sobre a tecnologia e o seu trabalho.
6. O s trabalhadores e os seus sindicatos dez~emter u m papel preponderante, a
todos os níz~ezs,na determinação da orientação da formação.
7. O financiamento da formação para todos os trabalhadores deve obtido atra-
z~ésde u m novo imposto sobre as entidades patronais. O s fundos provenientes
deste novo imposto devem ser administrados por uma comissão, recentemente
criada, composta equitativamente por representantes dos trabalhadores e das
empresas.
8. A formação para os trabalhadores desempregados e para pessoas que preten-
dem ingressar ou reentrar no mercado de trabalho lassalariadol deve ser financiada
pelos dinheiros do erário público. Devem existir rendimentos económicos lade-
quadosl providenciados por u m programa financiado, ou por u m novo programa
económico de apoio. Também devem ser providenciados os serviços sociais.
9. O s programas de formação devem ser desenvolvidos e m conjugação com a
I
educação pública e m situações onde o operariado tenha u m a voz muito mais
activa. Estas instituições podem ser obrigadas a modificar as suas próprias estru-
turas e critérios de acesso, contudo são u m recurso de dimensão incalculável ade-
quado para a canalização da formação numa perspectiva mais ampla, sensível as
necessidades dos trabalhadores como clientes e responsável perante o
Estes princípios são importantes pois não só reconhecem a necessidade de uma
educa~áo- neste caso para adultos - que se relacione com o tal "mar de cor cin-
zenta", como também não minimizam a importância que a "forma@o" prática tem
neste processo.
Contudo, temos de estar conscientes de que isto não e um substituto da estrategia
para um emprego pleno, com postos de trabalho que oferecem seguranca, dignidade
e regalias, tais como assistência médica e um salário decente. Também não pode ser
um substituto de programas que providenciem um apoio económico suficiente e um
leque abrangente de servicos educativos, de saúde, de habita~ão,jurídicos e outros,
quando as pessoas são obrigadas a encontrar trabalho alternati~o.~'
Tal como a literacia matemática, a f o r m a ~ ã opara ser eficaz deve, não só, ir ao
encontro das necessidades da economia, mas, tal como a problemática do currículo
comum abordada no segundo capítulo, deve ser definida por um segmento mais vasto
da populacão do que aquele que já possui poder económico, político e cultural.
Em segundo lugar, a categoria social do empregado não é suficiente para abarcar
as necessidades das pessoas.26Essa categoria necessita de englobar não só o que e
inerente ao conceito da pessoa, mas deve, também, basear-se naquilo que as pessoas
já sabem e nas capacidades que já possuem. Requer também, sem dúvida, para além
de um estímulo a formula~ãocrítica, a discussão e a participa~áosobre os seus objec-
tivos, conteúdos e procedimentos.
Finalmente, e de uma importância extrema, a formacão deve capacitar as pessoas
para "um maior controlo dos seus trabalhos e da sua vida laboral", para aprenderem
mais acerca dos direitos individuais e colectivos2' e para assumirem uma perspectiva
social e educativa relaciona1 mais ampla, mais participativa do que aquela que corres-
ponde à prepara~ãode "capital humano", necessário as empresas e a indústria. Esta
questão pode também fazer parte de uma estratégia mais alargada de elimina~ãodas
distin~óesbaseadas na raca, sexo, classe social e sexualidade.

24 Ontario Federation of Labour (1992), "Education and training", in Nancy Jackson (ed.), Training for
What? Labour Prrspectiurs on Skill Training, Toronto: Our Schools/Our Selves Education Foudation,
pp. 102-103.
Jim Turk (1992), "If training is the answer, what is the question?", in Nancy Jackson (ed.), Training for
What?, p. 5.
26 Ibid., p. 6.

.- 27 Ibid.
Tenho-me referido ate aqui a combinação do "prático" com o "crítico" e o "teó-
rico" em termos de educação de adultos. E igualmente importante estender estas
questões aos estudantes das nossas escolas básicas e secundárias.
E precisamente este o caso dos estudantes cujas vidas marginais se devem a deci-
sões dos grupos economicamente dominantes e, posteriormente, legitimadas pelo dis-
curso dos neoconservadores cuja visão de justiça social parece não ir mais além do que
culpar a vítima.
O perigo que reside numa ênfase completamente prática para as crianças das clas-
ses pobres, desfavorecidas e trabalhadoras foi reconhecido há muito tempo pelo notá-
vel teórico político e activista italiano António Gramsci. Teceu uma dura crítica as
escolas que se limitavam a satisfazer os "interesses imediatos e práticos", sob o dis-
farce de uma retórica igualitarista. Por detrás dos "slogans" democráticos, advertia
Gramsci, encontrava-se uma negligência face a necessidade premente de desenvolver
nos estudantes as capacidades "de raciocinar, de pensar abstractamente, mas sendo
capazes de regressar da abstracção a vida real e imediata, de detectar em cada facto
ou dado o geral e o particular, de distinguir o conceito do caso e s p e ~ í f i c o " . ~ ~
Limitando os currículos exclusivamente aos problemas práticos da vida quotidiana,
as escolas deixam as capacidades de raciocínio critico nas mãos daqueles que já pos-
suem o domínio da ~ociedade.~' Pensemos nas vozes das crianças, transcritas no capí-
tulo anterior, que, certamente, tinham intuições críticas e compreensões inatas do
que significava esta economia e a sua suposta educação "prática". Uma educação que
não se relacione com estas instituições críticas e não as integre será uma educação
inefi~az.~'
Estas questões realçam uma tensão real em qualquer programa educativo que pre-
tenda considerar seriamente o "mar de cor cinzenta", não se conformando com as
perspectivas retóricas. Por um lado, é importante considerar a seguinte pergunta e res-
pectiva resposta: "Como se consegue que alguém compreenda uma abstracção? Rela-
cionando-a com a realidade de que provém a a b ~ t r a c ç ã o . " ~ '
Por outro lado, a questão central nesta discussão, desde Dewey a Gramsci, não é
simplesmente um apelo a pedagogias que se limitam, e porventura de uma forma
indirecta, a relacionar-se com as sensibilidades dos estudantes.
Na verdade, necessitamos de ser muito cautelosos para que tais estratégias educa-
tivas não sejam pedagogias para a adaptação individual em vez de pedagogias para a
transformação social.
Do ponto de vista social, os currículos e o ensino práticos e "progressistas" nem
sempre são críticos. Numa sociedade extremamente estratificada, tal como aquela em
que vivemos, "a aprendizagem baseada na experiência afectiva e emocional pode

António Gramsci citado por Ken Jones (1989), Right Turn, p. 104.
29 Jones (1989), Right Turn, p. 104.
30 Para um exemplo concreto de como estas relaqões se podem realizar, vide Roger Simon, Don Dippo e
Arleen Schenke (1991), Learning Work: A Critica1 Pedagogy of Work Education, New York: Bergin e Gar-
vey.
" JudithWilliamson citada por Jones (1989), Right Turn, p. 182.

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moldar aptidões e lealdades", com muita facilidade, em direcções que favoreçam ou
os mais poderosos ou os menos favorecidos. Em vez de reforçar, pode inibir o desen-
volvimento das capacidades de uma crítica rigorosa.32
Assim, face a cada uma das propostas de "reforma", nas escolas existentes, deve-
mos questionar se as suas análises e propostas estão, de facto, relacionadas com o
desenvolvimento de tais aptidões críticas.
Os próprios estudantes determinam, por vezes, com rapidez se a ênfase na vida
real é ou não séria. Se essa ênfase não se relaciona de uma forma poderosa com as
suas experiências quotidianas, muitos estudantes regressarão, simplesmente, a "nego-
ciação cínica" de fazerem o quanto baste para conseguirem o que Linda McNeil
demonstrou e que caracteriza a maior parte da experiência escolar.33Isto torna ainda
mais pertinentes as recentes abordagens realizadas por Gloria Ladson-Billings sobre a
forma como os professores relacionam, criticamente, o seu ensino com a realidade da
vida dos estudantes e, mais importante ainda, com as condições materiais, uma vez
que os professores se regem, claramente, por uma avaliação crítica de como grande
parte da educação, proporcionada aos alunos afro-norte-americanos e a muitos outros
de cor nesta sociedade, tem a particularidade de excluir a maioria dos alunos, sobre-
tudo em épocas de profundos desequilíbrios económicos e sociais.
Tal como demonstra Ladson-Billings, é possível relacionar currículos socialmente
justos com uma ênfase na cultura popular dos estudantes e, ao mesmo tempo, não
ignorar o conhecimento dominante que é o capital cultural dos mais poderosos.
Assim, partindo de uma resposta social crítica a questão "quem beneficia?", Lad-
son-Billings desvenda uma história de professores afro-norte-americanos, que assumi-
ram seriamente as posições propostas por Gramsci, nas suas acções diárias, e inverte-
ram o processo através do qual os benefícios educativos são distribuído^.^^ Temos
muito a aprender com estas histórias, especialmente no modo de contrariar, na prá-
tica, a insistência neoconservadora em impor um controlo cultural ainda mais rígido e
uma escolarização mais estratificada.

Sejamos honestos
O que foi afirmado exige a concentração de todos os nossos esforços, na defesa de
uma "reforma" educativa centrada nas macro e microrrelações de poder no seio das
escolas, e entre estas e as relações de exploração e de dominação que preparam o
contexto social em que opera a educação.
Deste modo, o sucesso na criação de currículos e de um ensino mais adequados
depende, em geral, de uma avaliação realista e crítica das forças em conflito que exis-
tem no interior das escolas e na sociedade. Salientei, neste livro, que o nosso objectivo
não deverá ser apenas o da formação de uma "literacia crítica" nos estudantes mas,
em essência, o da alfabetização, numa perspectiva crítica acerca dos conflitos econó-
micos e culturais e, ainda, do papel do Estado.

" A n d y Hargreaves e David Reynolds (1989) (eds.), Education Policies: Controversies and Critiques, N e w
York: Falmer Press, p. 22.
" Linda McNeil(1986), Contradrctions of control, N e w York: Routledge.
- Gloria Ladson-Billings (1994), The Dreamkeepers, Çan Francisco: Jossey Bass.
Tal como referi, a maior parte da literatura alusiva a reforma educativa marginaliza
estas questões sociais. Mesmo a literatura, que lida expressamente com alguns aspec-
tos do galopante fracasso das populações escolares nas escolas (por exemplo, sobre os
abandonos escolares e os alunos em situação "de risco"), incorre nesse erro, reme-
tendo, tacitamente, o problema para o campo da psicologia.
Tomemos como exemplo a linguagem das reformas qwe visam apoiar os estudan-
tes em situação "de risco", uma linguagem que está por detrás de grande parte do
discurso analisado no quarto capítulo. No cerne do problema, a construção social des-
via a nossa atenção de algumas questões muito importantes e que se relacionam com
a sua génese. Michelle Fine articula esta questão da seguinte maneira:
"Potencialmente, a classificação dos alunos em situação "de risco" apresenta
dois grupos de consequências bem distintas. Dentro de uma consequência bené-
vola, as necessidades dos alunos podem, na realidade, ser atendidas. A noção "em
risco" oferece também afalsa imagem de um grupo de estudantes identificável e
passível de ser isolado que, em virtude de uma característica pessoal, não é prová-
vel que acabem o curso.
Como salientaria Foucault, a imagem encobre mais do que aquilo que revela.
Desviando a nossa atenção de uma economia que se revela inóspita para adoles-
centes e adultos, particularmente afro-norte-americanos e latinos nascidos nos
Estados Unidos, bem como do colapso que atravessam os sectores industriais do
país, da falta de habitação e das empobrecidas escolas urbanas, divagamos em
torno da criança individual, da sua família e das intervenções, em pequena
escala, que teriam como objectivo "solucionar" a criança, como se a sua vidafosse
completamente separada da nossa.
[Eles] direccionam a atenção social para crianças e adolescentes individuais,
para as suas famílias e para as comunidades ... [muito emboral, na realidade,
representem problemas "reais", muito mais perigosos, contudo, ao mesmo tempo,
imaginários. Reproduzem ideologias existentes, eliminam quadros alternativos e
recomendam como "naturais" aqueles programas de reforma que servem apenas
para exacerbar as estratificações de classe, raça e sexo."35
Para além do perigoso estereótipo que rótulos como "em risco" criam, nas respos-
tas que damos aos jovens "em risco" encontramos "soluções" simplistas, planos que
podem ser úteis enquanto parte de uma estratégia alargada de transformação social e
educacional, mas que, por serem intervenções isoladas, se revelam inadequadas para
responder a realidade maciça da educação e aos profundos problemas com que esta
se confronta. Esta realidade pode ser vista, por exemplo, no argumento que defende
um maior envolvimento dos pais como "a resposta" para os problemas do rendimento
escolar dos estudantes em situação "de risco" nas áreas urbanas.
Depois de uma profunda análise da investigação sobre as reformas orientadas para
a participação dos pais - muito embora, na generalidade, se possa dizer o mesmo de
muitas reformas -, Michelle Fine elabora, de novo, uma síntese convincente.

35MichelleFine (1993), "[Aplparent involvement: reflections on parents, power and urban public
schools", Teachers College Record, 94 (Surnrner),p. 684.
"Podemos não subscrever o pressuposto de que pais participativos e acti71os
produzem alunos educados. N o cômputo geral, pais com poder de participação
não produzem, e m si e de per si, melhorias nos resultados dos alunos e m áreas
como retenção, absentismo, pontuações do "California Achievement Test" e de
anos escolares. O envolvimento dos pais é necessário, mas não é suficiente para a
obtenção de melhorias nos resultados dos alunos.
Sem u m compromisso sério a nízlel nacional, estadual e da comunidade que se
coloque ao serviço das crianças e m geral, e que se disponha a reconstrução de
escolas e m bairros e zonas periféricas de baixo rendimento económico, o forte
envolvimento dos pais nas escolas não afectarrí rnuito - o u manterá -, numa pers-
pectiva positiva, nem os resultados dos alunos com rendimento económico mais
baixo, nem as suas escolas. "36
Embora Fine não tenha presente o argumento exposto no terceiro capítulo, sobre a
importância que uma escola mais responsável - que oiça cuidadosamente os pais, sem
estereotipar as suas preocupações - pode ter na interrupção do crescimento da Direita
a nível local, ela aborda um determinado número de argumentos pertinentes.
Assim, Fine tem toda a razão quando refere que a importância dada a um único
elemento - neste caso, o envolvimento dos pais em áreas economicamente depressi-
vas e radicalmente segregadas - falha não só na profundidade do problema, como
também no que poderá ser necessário para que se consigam transformações dura-
doiras. Tal como salienta, durante a última década, os governos federais e estaduais
tentaram desviar as responsabilidades e as culpas dos problemas educacionais, colo-
cando-as nos pais com baixo rendimento económico.
Todavia, os projectos de participação dos pais, a título individual, não conseguem
restaurar uma esfera pública, rica, crítica e criativa. O envolvimento dos pais só terá
[êxito] se inserido num programa nacional para as crianças que seja poderoso, apoiado
e activista, e se esse programa provocar uma investigação reflexiva e crítica sobre a
burocracia p ú b l i ~ a . ~ '
Estas questões têm implicações efectivas nas reformas educativas mais
abrangentes. As intenções de democratizar parcialmente as tomadas de decisão ocor-
rem, quase precisamente, num momento histórico "errado". Esta é uma época de grave
redução do sector público e não de expansão. "Os recursos e as tomadas de decisão, ao
nível da escola, têm-se reduzido e não expandido". Por exemplo, muitos conselhos de
escola, que foram constituídos para darem poderes aos pais e aos professores, a nível
local, sentem-se "apenas com poderes para determinar quem ou o que será cortado".38
Deste modo, a defesa do que existe (que, tal como salientei anteriormente, pode
ser extremamente importante em determinadas circunstâncias) torna-se, frequente-
mente, mais importante do que transformar os currículos ou expandir os próprios hori-
zontes educativos.

36 Ibid., p. 69.
" lbid., pp. 691-692.
38 Ibid.,p. 696.
Neste tipo de situação, não deveremos ser românticos. Estas novas formas de ges-
tão das escolas, de ensino e de desenvolvimento curricular "baseadas na equidade"
exigem muitíssimo tempo. Mais, esta realidade ter-se-á de observar em instituições
onde o trabalho intelectual e emocional do ensino é já intenso e onde, na maior parte
dos casos, os recursos são difíceis de encontrar, inclusive para a manutenção dos edifí-
cios abertos durante um número mínimo de dias por ano.39Quando isto se conjuga
com as exigências emocionais e económicas, enfrentadas pelos pais e membros dessa
mesma comunidade, dá-nos motivos para não confiarmos nessas reformas.
Como constata Fine, e eu estou completamente de acordo, a medida que conti-
nuamos a lutar na busca das melhores experiências educativas para as nossas crianças
em todas as áreas curriculares, há que prestar uma "atenção implacável ao poder e A
crítica s~sternática".~~
Na verdade, tudo o que ficar aquem disso servirá para encobrir os modos como o
poder existente diferencia, sistematicamente, os membros mais desfavorecidos das
comunidades. Sem uma combinação destes dois projectos podemos estar entregues a
um cenário que já abordei em capítulos anteriores: uma abordagem compreensível,
neste momento, pode exacerbar as desigualdades sociais e culturais já existentes e
estabelecer, de facto, mais componentes de estratificação, enquanto todas as culpas
são desviadas para os pobres e para as suas crianças.
Estamos perante um passo perigoso, sobretudo numa época em que, mais uma
vez, ouvimos os argumentos genéticos e darwinistas sociais sobre a razão dos pobres
serem pobres e sobre o motivo de terem maus resultados nas escola^.^'

Sobre as reformas não-reformistas


Perguntar, tal como o fiz, quem beneficiará do trabalho esforçado que estamos a
realizar é um empreendimento doloroso. Todos os educadores (esperemos bem que
sim) estão profundamente comprometidos com a ideia de tornar as escolas lugares
mais aprazíveis. Os esforços para melhorar os currículos que se desenvolvem nestas ins-
tituições continuam a ser cruciais. Relacioná-los com as lutas democráticas mais abran-
gentes, com os movimentos sociais que tencionam superar as desigualdades de sexo,
classe e raça dentro e fora da escola é, actualmente, mais importante do que nunca.
Muitos de nós salientamos os educadores de imenso talento que trabalham esfor-
çadamente e os activistas da comunidade que, diariamente, se empenham na criação
de experiências escolares mais responsáveis e socialmente críticas. No entanto, que
experiências têm milhões de outras crianças naquele "mar de cor cinzenta", que
enfrentam desigualdades selvagens que marcam profundamente esta nação, desigual-
dades essas que são eloquentes quanto aos compromissos dos grupos dominantes em
relação as crianças desta sociedade?

" Vide Apple (1993), Oficial Knowledge.


" Ibid., p. 692 (itálico no original).
41 Vide, por exemplo, Richard Herrnstein and Charles Murray (1994), The Bell Curve, New York: Free Press.
Os meus comentários, neste capítulo do livro, não significam que as abordagens -
centradas nas novas formas de pedagogia, de currículo, avaliação e tomadas de deci-
t' são - não tenham valor. Estamos num período inusual de fermentação em educação
e, paralelamente aos ataques da Direita, têm-se efectuado notáveis progressos na
construção de programas mais sensíveis do ponto de vista reflexivo, social e pessoal.42
Não peço que abracemos um fatalismo que nos conduza a crença de que é impos-
sível transformar as escolas, a não ser que, em primeiro lugar, se transformem as rela-
ções sociais e económicas da sociedade em geral.
Além do mais, tal modelo de análise ignora que as escolas não estão separadas da
sociedade mas são parte integrante dessa sociedade e participam integralmente nas
suas lógicas e dinâmicas socioculturais.
Como diariamente demonstram as escolas públicas, como, por exemplo, a Fratney
Street School, em Milwaukee, a Central Park East School, em Nova lorque, a Rindge
School of Technical Arts, na área de Boston e outras mais, é possível criar uma educa-
ção que, na prática, destaque e contrarie as desigualdades sociais de vários tipos, que
ajude os estudantes a investigar de que modo o seu mundo e as suas vidas se torna-
ram no que são, e considere seriamente o que se poderá fazer para que se produzam
alterações sub~tanciais.~~
A criação de uma educação deste tipo requer, tambbm, importantes alterações na
organização do ensino e da aprendizagem e nas suas relações com a comunidade e,
ainda, com os objectivos que orientam a razão de ser da escola. Estas escolas públicas
dão-nos esperança de que estas transformações são, efectivamente, possíveis, mesmo
em épocas dominadas pelo triunfalismo conservador.
Todavia, tal como referi, para que estas transformações se desenvolvam e sejam
duradouras, os educadores que trabalham com (e em) escolas deste género necessi-
tam de uma avaliação muito mais perspicaz e honesta da sociedade, discutindo, quer
o modo como esta se organiza para negar a probabilidade de um êxito em larga
escala, quer os movimentos educacionais, sociais e culturais, de maior abrangência
social, a que se podem coligar para alterar esta situação.
Entendo que as intenções de construir modelos curriculares e de ensino mais justos
e adequados devem ser as primeiras etapas e acredito, ainda, que devem ser apoiadas.
Contudo, pretendo retirar algum do "prazer" na sua execução. Não tenciono, no
entanto, converter o papel de Michael Apple em " G r i n ~ h " . ~ ~
Além do mais, deverá existir alguma alegria quando se trabalha nas escolas com
alunos, professores e membros da comunidade e se possibilitam, de uma forma parti-
lhada, as condições necessárias para o sucesso.

42 Vide, por exemplo, Michael W . Apple e James A. Beane (1995) (eds.), Democratic Schools, Washington,
D. C.: Association for Supervison and Curriculum Development; Gregory Smith (1994) (ed.), Public
Schools That Work, N e w York: Routledge; Secada, Fennema e Adajian, New Directions in Equity for
Mathematics Education.
43 Vide Apple e Beane (1995) (eds.),Democratic Schools; Michael Apple (1993),Official Knowledge.
fi É uma personagem verde, horrível, que estraga as festas d e Natal nos contos infantis criados por Dr. Seuss
(pseudónimo de Theodor Seuss Giesel) e que personifica o mau-humor o u apresenta sempre o lado
negativo da vida. ( N T )
Como passei muitos anos a ensinar em escolas do centro da cidade, jamais me
atreveria a aniquilar essa alegria. Porém, não nos tornemos românticos. Não actuemos
como se os problemas de uma dada área curricular (matemáticas, ciências, literatura,
etc.) pudessem ser "resolvidos" se fossem isolados dos problemas provenientes de
outras áreas do conhecimento, adicionando mais conteúdos sobre a "cultura popu-
lar", ou isolando-os dos problemas do próprio sistema educativo na sua totalidade,
cuja estrutura global (não apenas nas áreas urbanas) é, frequentemente, autoritária
elou manipulativa na sua relação com os estudantes, professores e membros da
comunidade.
Não assumamos, tal como o fazem as propostas de currículos e testes nacionais
estandardizados, que um controlo mais rigoroso criará, de facto, algo de diferente que
não seja culpar esses mesmos estudantes, professores e pais. Não actuemos como se a
nossa principal tarefa consistisse em fazer com que mais alguns alunos demonstrassem
um bom rendimento, de acordo com os padrões de capital cultural dos grupos de elite,
ou simplesmente como se a nossa tarefa se limitasse a tornar os currículos mais "práti-
cos". Não actuemos isolados das questões sociais mais vastas, que nos facultam um cri-
tério crítico relativo a todas as preocupações sérias relacionadas com a justiça social.
Ainda falta muito para o conseguirmos. Todavia, o que dá a todos o direito de
denominar algo como "realizado" é que - ao contrário do Dr. Watson e do senhor
Holmes - eles descem do comboio, entram no "mar de cor cinzenta" e descobrem
que o que parecia incolor, através dos espelhos - que Bourdieu denomina, no
segundo capítulo, por "leitores sublimados, refinados, desinteressados e distintos" -
é, pelo contrário, um rio de democracia criativo e em movimento, de pessoas que não
só buscam e lutam por uma vida melhor para si e para os seus filhos, como também
pretendem que jamais Ihes seja negado o direito de ajudar a determinar o curso desse
rio. Holmes e Watson são ficções. Também a justiça educativa pode permanecer como
uma ficção, a não ser que estejamos constantemente em contacto com essas lutas
pela justiça social.
Não quero ser, novamente, mal interpretado. Não sou contra as lutas locais -
muito longe disso, aliás, como demonstra o terceiro capítulo. Pelo contrário, faço
questão de afirmar que essas lutas só têm sentido em termos de problemáticas sociais
abrangentes. O teste da sua eficácia é o seu estatuto de reformas não reformistas, tal
como denominei em Education and Power. São reformas que se traduzem em tentati-
vas orientadas para a transformação das práticas das escolas, tal como existem actual-
mente, e para a sua defesa, sobretudo quando são subjugadas pela avidez das lógicas
económicas que se encontram em rápida expansão. Devem, porém, ter outra caracte-
rística, já que estão conscientemente ligadas a uma visão social abrangente e a um
movimento social mais global.
No entanto, há centenas de aspectos que merecem a nossa acção nas escolas.
Donde, há que escolher aquelas que têm a maior probabilidade de expandir a esfera
de acção futura, de criar mais espaço para a mobilização e construção, assente em
princípios de desvelo e de justiça social. É esta combinação da actividade prática na
escola com a potencialidade de reformas continuadas de longa duração que dá o
poder as estratégias não reformistas.
Esta posição reconhece algumas das perspectivas dos pós-modernistas, quando os
seus argumentos defendem que ainda que não exista um fim utópico para as relações
de poder, isso não significa que as coisas não possam ser diferentes ou até melhores.45
IVo entanto, vai mais longe: concretiza a reivindicação que "tornar-se melhor" pode
ser justificado apenas em termos da relação que o sujeito estabelece com movimentos
sociais específicos.
De facto, parece-me uma postura consideravelmente mais prudente do que a fre-
quente indiferença cínica ou pragmatismo simplista que expurgam a necessidade de
políticas mais abrangentes e que encontramos nalgumas posturas educativas pós-
-modernas e pós-estruturais.

Nem tudo é local


Há um perigo em afirmar o que disse na secção anterior. Os problemas das escolas
são tão exigentes e a urgência de lá chegar, e lidar com o que se está a passar com as
nossas crianças, é tão profundamente compreensível (tal como a muitos de vós, isto
causa-me, diariamente, dores de barriga) que algumas vezes perdemos a capacidade,
ou não vamos a tempo, de recuar e questionar criticamente a organização da socie-
dade em que vivemos.
Rapidamente, as reformas não-reformistas tornam-se em desculpas para o simples
"reformismo", para trabalhar em meios locais como as escolas - para, por exemplo,
tentar conseguir um maior envolvimento dos pais, melhores currículos, etc. - sem ten-
tar, com idêntico empenho, o estabelecimento de uma relação com movimentos
transformadores mais abrangentes.
Assim, pretendo que tornemos a adquirir o sentido destas dinâmicas sociais mais
gerais que organizam e desorganizam esta sociedade. Regressemos aos aspectos his-

Li tóricos que levantei na minha discussão inicial, sobre o teste para o asilo dos pobres e
como os grupos dominantes construíram, frequentemente, a forma adequada de pen-
sar e lidar com a pobreza, suas causas e seus resultados. Tomemos a raça e a constru-
ção social de dependência como exemplo.
Tal como nos relembra Cornel West, a escravidão dos africanos - mais do que
20% da população na época - "serviu como eixo da democracia norte-americana".
Assim, não é exagero sugerir que "muita da proclamada estabilidade da democra-
cia norte-americana se baseou na opressão e degradação dos negros" .46A escravidão,
1 um acto legalmente sancionado, pode estar ultrapassada, contudo, a estruturação
racial deste país deteriora-se todos os dias.47
Durante décadas, novos padrões de segregação tornaram-se evidentes e desenvol-
veram-se a medida que os norte-americanos, de origem europeia, se deslocaram para
os subúrbios e abandonaram o centro das cidades. Uma das consequências reside no

45
James Donald (1992), Soltiri~eiltalEdircation, p. 137.
46 Cornel West (1993), Race Mattcrs, New York: Vintage Books, p. 156.

47 Vide, por exemplo, Michael Omi e Howard Winant (1994), Racial Formation in the United States, 2nd edition,
New York: Routledge.
facto de as áreas urbanas, em essência, se terem transformado em "reservas", com
populações maioritariamente afro-norte-americanas e latinas, decrescendo ou desinte-
grando as bases tributárias. Nestas áreas urbanas, os governos locais são cada vez
menos capazes de, inclusive, dar resposta as necessidades básicas dos seus cidadãos.
No seu todo, e de acordo com estas tendências, a nação está a orientar-se para uma
política centrada em torno do voto suburbano.
O crescimento da suburbanização permite aos votantes da classe media de raça
branca "satisfazer os impulsos da comunidade, fixando eles próprios os impostos para
os serviços directos (por exemplo, escolas, bibliotecas, polícia), embora ignorem a
decadência urbana e se mantenham conservadores, do ponto de vista fiscal, quanto
aos gastos feder ai^".^' Esta é a situação ideal para as populações suburbanas, uma vez
que Ihes permite vedar os impostos em dólares, impedindo que sejam canalizados
para programas que beneficiem os pobres e as minorias raciais.49E como as condições
nas cidades do interior (e áreas rurais) pioram significativamente, as relações estrutu-
rais que vinculam, de uma forma específica, os benefícios suburbanos a desintegração
urbana - de tal modo que nos aviva, quer a história das batatas fritas baratas para as
afluentes e destroçadas vidas das pessoas naquela planície verde, quer a história da
democracia estável e do progresso económico a custa da escravidão e exploração dos
negros - leva-nos a culpabilizar os pobres por serem tão "dependentes".
De modo algum é um fenómeno novo para os Estados Unidos. Em função desta
realidade, e de modo a compreendermos as raízes dos nossos dilemas actuais, necessi-
tamos de interligar as ideias estruturalistas com as pós-estruturalistas.
Em termos históricos, os Estados Unidos têm sido particularmente favoráveis ao
desenvolvimento da crença de que a dependência é "um defeito de carácter individual".
Dado o facto de que este país carece de um forte legado feudal e aristocrático, o
sentido popular generalizado das relações recíprocas entre o senhor e o "homem"
estava subdesenvolvido. Os antigos significados pré-industriais de dependência, como
uma condição vulgar da maioria, que se encontravam profundamente espalhados, por
exemplo, pela Europa, eram muito ténues nos Estados Unidos, e os significados pejo-
rativos eram muito mais sólidos.
Embora, no período colonial, a dependência fosse amplamente entendida como uma
condição voluntária (excepto para os escravos) - por exemplo, no caso do criado contra-
tado -, a revolução americana "valorizou tanto a independência que despiu a depen-
dência do seu voluntarismo, enfatizando a sua fragilidade e convertendo-a num
estigma" .50
Na sua investigação sobre a ideia de dependência e os seus usos sociais nos Esta-
dos Unidos, Nancy Fraser e Linda Gordon sugerem-nos o seguinte:
" A ligação afectiva norte-americana com a questão da independência era poli-
. ticamente uma faca de dois gumes. Por um lado, ajudou a nutrir determinados

48 Ibid., p. 150.
49 Ibid.
Fraser e Gordon (1994), "A genealogy of dependency",p. 320.
movinientos poderosos de trabalhadores e de mulheres. Por outro, a ausência
de uma tradição social hierarquizada, na qual a subordinação fosse compreen-
dida como estruturada e não dependente de questões de carácter, facilitou a
hostilização da ajuda pública aos pobres. Influente também foi a verdadeira
essência do Estado norte-aniericano, fraco e descentralizado, e m comparação
com os Estados europeus ao longo do século X I X . Por conseguinte, os Estados
Unidos demonstraram ser u m solo fértil para o discurso moral/psicológico de
dependência. "5'
Nas condições actuais, existe uma crescente estigmatização de toda e qualquer
dependência. "Toda a dependência é suspeita e a independência é imposta a todas as
pessoas."52No entanto, o salário é o sinal identificável da independência. Em essência,
"o trabalhador" - auto-suficiente - torna-se num sujeito universal. Qualquer adulto que
não seja considerado trabalhador transporta uma imensa carga de autojustificação. Afi-
nal, todos "sabemos" que esta economia e esta nação eliminaram as barreiras para
que todo aquele que queira trabalhar o possa realmente fazer.
IVão se trata, porém, de uma definição neutra da realidade, tal como claramente
demonstra a discussão no quarto capítulo. Introduz-se de uma forma dissimulada um
considerável número de reivindicações normativas, não sendo menos pertinente a que
supõe que o "trabalhador" tem acesso a um emprego suficientemente remunerado
para poder viver, para além de não ser ele a cuidar dos filhos quando nascem.53
Daqui advêm duas grandes consequências: a primeira, é o aumento das já fortes
conotações negativas associadas a dependência; a segunda, consiste em aumentar
ainda mais a sua individualização. Ambas são idealmente adequadas para articular as
relações entre a raça, o sexo e a dependência, que têm desempenhado um papel bas-
tante forte na construção dos discursos dominantes da história da nação.
Como já salientei, entender a dependência como um rasgo de carácter começou a
ser algo poderoso nos primeiros anos da nação. Na actualidade, esta noção adquiriu
maior força dado que as barreiras legais (por exemplo, a segregação aberta formal e
legalmente reconhecida) foram, supostamente, extintas.
Com as transformações no estatuto da mulher casada (o estatuto legal da mulher
no casamento) e com o sucesso das lutas das mulheres e dos afro-norte-americanos,
conseguidas por Jim C r ~ w tornou-se
~~, agora possível que alguns grupos defendam a

5U Fraser e Gordon (1994), "A genealogy of dependency", p. 320.


51 Ibid.
52 Ibid., p. 324
53 Ibid.
"As leis Jim Crow foram estabelecidas depois da guerra civil, no Sul dos Estados Unidos. Com o fim da
guerra, em finais de 1860, os negros tiveram o direito de voto, de participar em todos os aspectos da
vida do governo e da economia - pelo menos oficialmente. Por todo o Sul da nação, racistas brancos
criaram leis para conseguirem a (re)segregação da sociedade. Assim, estabeleceram testes arcaicos de
literacia para se poder votar, para que o negros não pudessem votar. Estabeleceram ainda leis que proi-
biam os negros de ir a escola juntamente com os brancos. Quase todos os aspectos da vida social foram
(re)segregados. Isto criou muitos protestos sociais durante décadas contra as leis Jim Crow. O expoente
de toda esta cadeia de protestos foi atingido com Martin Luther King. (NT)
existência real da igualdade de oportunidades; que o mérito individual, e nada mais, é
quem determina os resultado^.^^ A este respeito, referem Fraser e Gordon:
"Ofundarnento desta perspectiva radica nos costumes industriais que definem a
dependência de modo a excluir as relações capitalistas de subordinação. Com a depen-
dência económica capitalista já abolida por definição, e com a dependência legal e
política agora abolida por lei, para alguns conservadores e liberais, a sociedade pós-
-industrial revela-se como algo que eliminou toda a base social estrutural de depen-
dência. Assim, qualquer dependência, que ainda subsista, pode ser interpretada como
uma falha dos indivíduos. De facto, esta interpretação não deixa de ser contestada,
contirdo, o peso do seu argumentofoi alterado. Agora, aqueles que negam que ofra-
casso reside em si próprios têm que nadar contra as marés semânticas prevalecentes.
A dependência pós-industrial encontra-se cada vez mais indi~idualizada."~~
Estes aspectos estão claros nas análises que efectuei sobre a economia e sobre o facto
de se colocar a culpa no abandono escolar e nas escolas. Neste cenário, os pobres ficam
pobres "a moda antiga"; eles merecem-no. Eles são dependentes e, por isso, são o
"outro", quer devido ao rasgo do seu carácter individual, quer pela sua dotação genética
colectiva, tal como é descrito no livro The Bell Curve.57De qualquer dos modos, tanto no
caso dos subúrbios como no das batatas fritas baratas, não é um problema "nosso".
Deparamo-nos, agora, com um problema em que a "dependência económica" se
tornou num sinónimo de imensa criação de pobreza, devido ao aparelho económico
da sociedade. Com a sensação do surgimento de uma nova "desordem da personali-
dade", denominada dependência moral/psicológica, é raro considerar-se a dependência,
inteiramente, como uma relação social de s u b o r d i n a ~ ã oNeste
. ~ ~ processo, o poder e a
dominação tornam-se invisíveis.
A transformação destas condições requer a reconstrução completa da nossa com-
preensão sobre o modo como esta sociedade opera. O senso comum é uma das ques-
tões-chave.
Na verdade, temos de deixar de pensar - tal como a Direita o faz - nos pobres
como os "outros" e precisamos de reformular o conceito de "nós". Esta mudança
necessita de ser acompanhada por uma restrição nos modelos de mercado de mer-
cado existentes, confinando-os as suas devidas e limitadas fronteiras. Devemos reafir-
mar a importância da liberdade positiva, assente na dignidade humana e na comuni-
dade, bem como da concretização da democracia em todas as nossas i n s t i t u i ~ õ e s . ~ ~

55 Ibid., pp 324-325.
56 Ibld., p. 325.
57 Herrnstein e Murray, The Bell Curve.
Fraser e Gordon, "A genealogy of dependency", p. 331.
5Y Michael B. Katz (1989), T l i ~Underserving Poor, New York: Pantheon, p. 239. Concluí que a democracia,
como conceito, é um "significante escorregadio" e, na verdade, abordei esta questao em Official Knowledge,
onde demonstrei como o constroem e o utilizam diferentes grupos com programas bem distintos. Toda-
via, a subtileza teórica pode, nalguns casos, intrometer-se nas nossas interiorizaqões acerca de determi-
nados aspectos que podem unir-nos para contestarmos as reconstruqões de Direita. É o que pretendo
demonstrar.
Tendo em conta a verdadeira natureza da economia, revista no quarto capítulo,
tudo isto exige a reconstrução do nosso discurso acerca da pobreza e do bem-
-estar; uma reconstrução que procure recuperar o nosso sentido de ética e de
comunidade. Fazendo eco de algumas das questões referidas por R. W. Connell,
Michael Katz salienta que tal reconstrução necessita de basear-se em cinco premis-
sas essenciais:
1. Despertar o nosso sentido de ofensa moralface à persistência da privação de
habitação, da fome, da ausência ou da inadequação de assistência médica e de
outrasformas de privação.
2. Defender e expandir os princípios da dignidade humana, da comunidade
e da realização da democracia e m acontecimentos concretos do nosso quoti-
diano, e m v e z de colocar, na arena pública, a ênfase nas políticas sociais 'dar-
winistas'.
3. Reinventar formas para que se insista na visão das pessoas pobres, e se fale
acerca delas, não como "eles", mas como "nós".
4. Restringir os modelos de mercado a esferas muito limitadas para que a jus-
tiça social - e não lucros e prejuízos - providencie as lentes através das quais
examinemos as políticas sociais e educativas.
5. Relacionar estrategicamente estes aspectos progressistas c o m outros
valores norte-americanos mais abrangentes, tal como a liberdade, mostrando
como a pobreza destrói as famílias (de vários modos), a comunidade, a economia,
etc60
Ainda que estes aspectos exijam o desenvolvimento de políticas detalhadas e fon-
tes de financiamento, de entre os principais requisitos necessários salientam-se os
recursos criativos (algo que existe em todas as partes da população norte-americana) e
a vontade política.
Contudo, as questões fundamentais relacionam-se com "as bases da comunidade,
as condições de cidadania e a consecução da dignidade humana".
Em termos ainda mais categóricos, estas questões estão simples e profundamente
relacionadas com a nossa definição de América, concretamente, o que estamos dis-
postos a fazer para concretizar esta definição e quem se envolverá, a todos os níveis,
na decisão de tudo isto.6'
Sem dúvida que a expansão do senso comum da Direita tornará esta questão difí-
cil. Todavia, como referi no terceiro capítulo, não há uma predeterminação natural
para que os sentimentos populistas, partilhados por muitas pessoas, devam ser organi-
zados em torno dos movimentos sociais conservadores. A necessidade premente de se
ter poder sobre a própria vida, de se ser realmente ouvido pelo Estado e de se preocu-
par com a preservação das raizes culturais e as tradições pode constituir as bases de
uma formação menos autoritária e socialmente mais justa.

60 Ibid.
Ibid.
Assim, estudar a Direita, tal como o fiz aqui, pode ser mais importante do que
parece. A Direita reconheceu a importância da construção de movimentos sociais que
liguem o local ao global; têm tido pouco sucesso na reorganização do senso comum,
comprometendo-se com um projecto educativo verdadeiramente abrangente em
todas as esferas da sociedade - na economia, na política, nos meios de comunicação e
no aparelho cultural.
Há nesta questão lições com as quais temos a aprender. A Direita demonstrou que
a participação a longo prazo na política cultural pode ser eficaz. Os que censuram as
tendências autoritárias nas mensagens da Direita fariam melhor se estudassem de que
modo essas mensagens com êxito abordam as esperanças, os receios, os sonhos e os
desesperos de muitas pessoas.
Não estou a pedir que copiemos alguns aspectos da Direita, na sua política cínica,
bem financiada e frequentemente manipuladora. Saliento, porém, que há algo de
importante, algo que é, em essência, um dos maiores projectos "educativos" que este
século tem testemunhado. As transforma~õesdo senso comum levam o seu tempo,
requerem organização e implicam compromissos; contudo, devem também estabele-
cer relações com o quotidiano das pessoas se pretendem ser bem sucedidas.
Estas questões não são inconsequentes, especialmente porque se baseiam numa
posição que exige que os estudos educacionais críticos se deixem "de divertir até a
morte" nos seus voos metateóricos, desviados das realidades que estão a ser construí-
das a nossa volta. Este trabalho, altamente abstracto, pode ser importante mas, na
minha opinião, apenas quando se encontra conscientemente relacionado com os
movimentos sociais de oposição e não apenas com o estatuto e a mobilidade acadé-
micos, tal como ocorre, actualmente, na maior parte dos casos.
Em Políticas Culturais e Educacão tentei seguir um caminho diferente. Em alguns
casos, decididamente, empreguei alguma teoria "pesada", mas esforcei-me por rela-
cioná-la, explicitamente, com o projecto de compreensão das transformações concre-
tas que, actualmente, têm impacto nas políticas e práticas educativas. Ao fazê-lo, rea-
lizei incursões num determinado número de áreas: como reequacionar o que significa,
realmente, um currículo comum e uma cultura comum; a necessidade de considerar
seriamente as intuições populistas sobre o Estado burocrático; a necessidade de uma
outra focalização da análise, partindo do "problema" do abandono escolar e dos estu-
dantes "em risco" para o estudo de padrões estruturais de oportunidades económicas
existentes e das experiências concretas das pessoas que trabalham nesta sociedade.
Ao colocar em relevo estas questões, e as suas implicações políticas e educacio-
nais, movi-me do global para o local e vice-versa. Esta movimentação é consciente,
uma vez que rejeita a divisão frequentemente existente entre ambos. Recuso-me a
privilegiar uma em detrimento da outra. Ambas são necessárias, pois isoladamente
são insuficientes.
Assim, quando sugiro que é possível, e necessário, deter o crescimento da ultra-
-Direita, a nível local, detendo também a "visão" do Estado, tal não significa que
acções mais organizadas, a nível nacional, contra a restauração conservadora e suas
políticas arrogantes sejam menos importantes.
Ao fazer as minhas reivindicações reuni três tipos de argumentos: culturais, políticos
e económicos. Não são redutíveis entre si. São todos necessários para alcançar uma
compreensão mais complexa dos limites e das possibilidades do trabalho educacional
e cultural, em gera1.'j2
Como mencionei nas notas introdutórias deste livro, uma das tragédias do cresci-
mento relativamente acrítico de algumas teorias pós-modernas, nos estudos críticos,
tem sido o facto de muitas pessoas começarem a associar qualquer discussão séria
sobre a economia com o essencialismo e o reducionismo, o que não é uma boa opção.
Tal como referi no terceiro capítulo, por exemplo, uma análise da política de for-
mação de identidade oposta, que combine o crescimento de reacções antiescola e
antigoverno, necessita também de ter em consideração os receios económicos e a
natureza das transformações económicas que, justificadamente, preocupam tantas
pessoas. E, como demonstrei no quarto capítulo, é crucial desconstruir a "falsa" reali-
dade económica que está a ser erguida pelos grupos economicamente poderosos nas
suas tentativas, não só de exportar as culpas da crise económica para as escolas, como
também de convencer o público de que as escolas devem ser interpretadas tão-só em
termos dos seus efeitos na produção de "capital humano".
Tudo isto é nuclear nas políticas culturais. I\lecessitamos de estar preocupados,
quer com o conhecimento que é declarado "oficial" e com as identidades que são for-
madas - questões centrais nos debates sobre as políticas da cultura -, quer com o que
os recursos discursivos veiculam e que leva as pessoas a compreenderem o mundo e
os seus respectivos lugares. O discurso económico, organizado em torno dos progra-
mas conservadores, desempenha um papel muito importante como recurso cultural
primordial para as pessoas "conhecerem o seu respectivo lugar" (em ambos os senti-
dos da frase) no mundo.
Assim, deve ser seriamente considerado, não só como discurso, mas também como
um conjunto de práticas materiais muito reais que ajudam alguns grupos e que colo-
cam milhões de outros na miséria, nos Estados Unidos e em todo o Mundo.
Estou dolorosamente consciente de que muito mais poderia e necessitaria de ser
dito acerca das implicações programáticas relativamente ao que analisei. Encontram-se
aqui duas "contrariedades": a primeira, traduz-se no facto de, num livro tão pequeno,
ser inevitável que as exposições breves substituam explicações mais detalhadas; a
segunda, deriva da primeira e faz-me sentir, de algum modo, menos preocupado com
este problema do que poderia estar.
Tal como salientei no prefácio, as questões da prática são e devem ser tão cruciais
para todos nós - que nos encontramos profundamente comprometidos na criação de
instituições educativas mais justas e sensíveis para pessoas - que decidi dedicar um
livro inteiro a este tema. Esse livro, Escolas Democráticas, apresenta a história de quatro
escolas públicas, autênticas, que têm tido êxito na sua luta pela construção e defesa de
uma educação crítica digna desse nome. Cada história - narrada nas palavras dos acti-
vistas educacionais que, de facto, se encontram envolvidos nos afazeres das realidades

" Vide Michael W. Apple e Lois Weiss (1983) (eds.), Ideology and Practicc in Schooling, Philadelphia: Temple
University Press, especialmente o primeiro capítulo.
quotidianas - documenta que é possível participar agora num trabalho contra-
-hegemónico, estabelecendo formas de estar com os alunos, os professores, os admi-
nistradores, os membros da comunidade e outros que não reproduzam as normas e
valores da aliança conservadorab3e providenciem, ainda, um contexto possível para a
expansão destes ganhos a outras esferas.
Todavia, estas histórias assumem um significado maior e mais profundo se se colo-
carem no seio dos argumentos que articulei neste livro, Políticas Culturais e Educa~ão.
Compreender os contextos culturais, políticos e económicos destes esforços pode
estabelecer a diferença entre o seu êxito e seu fracasso. Caso contrário, continuamos
na tendência lamentável, existente em educação, de ignorar as condições que podem
tornar possível, ou impossível, o sucesso e o crescimento destas lutas.
Infelizmente, há muitos educadores nas universidades deste país que sáo basica-
mente "especialistas de aluguer", ou que são supostamente críticos, do que se está a
passar actualmente, mas que se sentam nos seus gabinetes a escrever, desnecessaria-
mente, textos académicos "arcaicos". (Isto não significa que o trabalho teórico não
seja importante. É crucial mas, em grande medida, forma uma totalidade orgânica
com grupos que tanto reconhecem as vastas relações de dominação e exploração
como lutam contra elas.) Converteram-se nos Watsons e nos Holmes dos nossos dias.
Asseguram-nos que o comboio viaja numa direcção que é "emancipatória" (ou rejei-
tam de forma categórica essas frases por considerá-las demasiado "modernistas"),
embora observem das suas janelas o que as suas lentes limitadas vêem como "mar de
cor cinzenta".
O único terreno ao dispor das suas mãos é a fita da impressora ligada ao seu com-
putador. As relações retóricas com a política são atiradas pelas janelas do comboio a
medida que este avança rapidamente no seu rumo até a central pós-moderna. Con-
sola-nos o facto de Holmes e Watson estarem ligados a este caso? Nestas circunstân-
cias, a minha resposta é não.
As teorias pós-modernas e pós-estruturais não podem ser atiradas, por "intelec-
tuais descomprometidos" mannheimianos, para fora do comboio como alimento cép-
tico do pensamento. Se consideradas seriamente, e se reinseridas com um sentido
estrutural das realidades-padrão, que não são "meramente" construções sociais mas,
sim, verdadeiramente devastadoras, oferecem-nos promissoras ferramentas políticas e
analíticas. Se não se relacionarem desta forma e apenas se entregarem a um plano
cinicamente desconstrutivo, então o meu conselho é que saiamos do comboio na pró-
xima estação.
Estes argumentos colocam em relevo o papel que muitos indivíduos agora denomi-
nam "intelectual público". A Direita tem a sua quota-parte de pessoas assim. Não
deveríamos ter também alguns? No final deste livro, e a este respeito, vale a pena
regressarmos a Edward Said, a partir de quem eu inferi, logo no início deste livro, um
determinado número dos meus argumentos.
. ,

" Apple e Beane (1995) (eds.), Drmucratic Schools. Igualmente importante é a obra de Gregorv Smith, Public
Schools That Work.
A profissionalização da vida intelectual tornou-se tão penetrante que o sentido
de vocação, corno descreve Julian Benda ern relação ao intelectiral, tem sido quase
apagado. O s intelectuais orientados politicamente interiorizaram as normas do
Estado que quando compreensivelmente os chama a capital, converte-se, de facto,
no seu padroeiro. C o m frequência, o sentido crítico é convenientemente abando-
nado.
Tal como os intelectuais, cujos cargos inclireni valores e princípios - especia-
listas e m literatura, filosofia e história -, a Universidade norte-americana, san-
tuário utópico coni a sua generosidade e notável diversidade, tira-lhes as defesas.
Gírias de uma repulsa quase inimaginável dominam os seus estilos. Cultos como
o pós-modernisnio, as análises do dis, >o, o novo historicismo, o desconstrucio-
nismo e o neopragmatismo tratisportam-nos para o país do azul; u m assonibroso
sentido de lez~eza,relacionado com a gravidade da história e da responsabilidade
individual pulveriza a atenção das questões públicas e do disciirso público.
O resultado é uma espécie de esforço sobre o que é mais desencorajador teste-
munhar, ainda que a sociedade como u m todo esteja a deriva sem direcção nem
coerência. Racisnio, pobreza, estragos ecológicos, doenças e uma aterradora igno-
rância generalizada: estas questões sfio deixadas para os meios de cornirnicação e
para o candidato político excêntrico durante a sua campanha eleitoral64.
É possível que, às vezes, a condenação feita por Said seja excessiva no que diz res-
peito a algumas implicações políticas de abordagens teóricas que se encontram extre-
mamente relacionadas com novos movimentos sociais e, porventura, tenha exagerado
a suposta diversidade gloriosa e as condições de trabalho na maior parte das universi-
dades. Porém, penso que, globalmente, os seus argumentos devem ser reconhecidos.
Muitos dos "nossos" esforços não são mais do que o tocar da lira a bom preço
enquanto Roma arde. Muitos deles não têm a mínima importância pública.
Provavelmente, muitos de nós gostam demasiado das batatas fritas. Fundamental-
mente, estamos a falar das vidas e dos futuros das nossas crianças. Lembremo-nos
sempre da relação próxima entre escolarização e as batatas fritas baratas.

"Edward Said (1993), Culture and Imperialism, New York: Vintage Books, p. 303

11621
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Orientada por Maria Teresa Estrela e Albano Estrela

1 Investigar a Arte de Ensinar


Peter Woods

2 Formação de Professores
Para uma mudança educativa
Carlos Marcelo Garcia

3 Políticas Culturais e Educação


Michael W. Apple

4 A Metacognição, um Apoio
ao Trabalho dos Alunos
Michel Grangeat
I 1 investigar a Arte de Enslnar
Peter Woods

2 Formação de Proiossoros
Para uma mudança educatwa
Carlos Marcelo GercrCs
3 Políticas Cuiturair e Educação
Michael W. Apple

4 A MacicognlçBo, um Apoio
ao Trabalho dor Aluno8
Michel Grangeat (coord.)
Nunca como hoje a investigação e a reflexão foram tão necessárias à
Educação. Nunca como hoje a acção educativa necessitou tanto de
uma fundamentação rigorosa e muitirreferenciada. Esta 6 a perspectiva
em que se situa a nova "Colecção CiQnciasda Educação - S6culo
XXI", enquanto espaço de debate e divulgação de problemáticas
actuais.

Código 34153.10 ISBN 972034153X


üep. Legai N: 141342/99

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