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FIS01020 - Termodinâmica - Aula 3

15 de agosto de 2018

The laws of thermodynamics, as empirically determined, express the approximate and probable behavior of systems of a great number of
particles, or, more precisely, they express the laws of mechanics for such systems as they appear to beings who have not the fineness of
perception to enable them to appreciate quantities of the order of magnitude of those which relate to single particles, and who cannot
repeat their experiments often enough to obtain any but the most probable results.
J. Willard Gibbs, Elementary Principles in Statististical Mechanics (1902), Preface

Sistemas macroscópicos têm energias bem definidas, sujei- um conjunto de pás acoplado a um peso, etc), onde energia é
tas à princı́pios de conservação. Porém, somente diferenças dissipada e absorvida pelo sistema na forma de calor, pode-
de energia, e não valores absolutos, têm significado fı́sico em mos medir a diferença de energia entre o estado inicial e final
termodinâmica. Assim, um estado particular do sistema é es- (pois o processo mecânico é controlado), ou seja, a energia é
colhido para marcar o zero da escala. A energia do sistema mensurável. Este processo é denominado de procedimento
em qualquer outro estado, relativa a este estado de referência, de Joule20,21 . Especificamente, Joule (1845) utilizou um ca-
é sua energia interna (U ). lorı́metro de pás, feito de cobre e preenchido com água. Um
conjunto fixo de pás era usado para diminuir a velocidade de
rotação do lı́quido22 , aumentando a dissipação de energia e fa-
Exemplo 5: Podemos fazer uma analogia com um lago, zendo com que as massas suspensas rapidamente atingissem a
onde a variação total na quantidade de água é obtida através velocidade terminal de queda. Conhecida a variação na altura,
do nı́vel da superfı́cie, enquanto o volume total de água de- essa velocidade e a variação na energia potencial podem ser
pende da forma detalhada do lago. Porém, a contribuição facilmente estimadas. Usando então esse procedimento com-
individual dos afluentes e efluentes, da chuva, da evaporação pletamente mecânico, Joule mediu a energia necessária para
e condensação não é conhecida. aumentar a temperatura da água de 1 ◦ C e, com isso, demons-
trar a equivalência entre calor e trabalho23,24 . Assim, as duas
quantidades têm unidade de energia25 , o Joule (J=N.m).
Q
PSfrag replacements
W W
U

Para medir quantitativamente o nı́vel de água precisamos pri-


meiro calibrar uma régua para então associar uma variação na
altura com o volume de água adicionado. Para isso isolamos
uma das fontes (fazendo diques para interromper o fluxo ou
cobrindo o lago para evitar evaporação ou condensação) e com-
paramos o nı́vel com quanta água entrou. Uma vez calibrado, No procedimento de Joule, como as paredes são
podemos usar o nı́vel para saber a variação na quantidade adiabáticas, a variação na energia interna do sistema é igual
total de água em qualquer situação. Este procedimento de ao trabalho mecânico26 :
calibração corresponde, em termodinâmica, aos experimentos
de Joule. dU = −δW

e, neste caso, é independente do processo (é igual a uma dife-


Se um sistema estiver envolto por uma parede adiabática rencial exata) e implica na existência de uma função energia
e impermeável, a única forma de transferir energia é na forma interna (ver a analogia com o nı́vel da água do exemplo 5).
de trabalho. Assim, se pudermos conectar dois estados por Como podemos unir quaisquer dois estados por um processo
um processo mecânico quase-estático (uma resistência elétrica, adiabático (trabalho obtido por métodos mecânicos) e outro
20 Tal procedimento é utilizado quando o sistema recebe, e não quando cede calor (pois podemos converter todo o trabalho feito no sistema em

calor, mas não o contrário). Se as paredes não forem adiabáticas, teremos então dependência do processo.
21 Os experimentos de Joule tinham uma grande precisão para a época. Alguns historiadores especulam que sua habilidade experimental pode ter

sido influência de seu trabalho na confecção de cerveja.


22 Carmo et al, Distorções Conceituais em Imagens de Livros Textos: o Caso do Experimento de Joule. Atas do VII Encontro de Pesquisadores

em Ensino de Fı́sica, Florianópolis, 2000.


23 Também podemos pensar que qualquer variação na energia interna de um sistema provém de um trabalho externo que pode ser decomposto

em trabalho macroscópico (ou somente “trabalho”) e um trabalho microscópico, feito sobre as partı́culas de um sistema por outras partı́culas que
estejam fora dele, ao qual chamamos “calor”.
24 A equivalência entre calor e trabalho também foi proposta por Julius von Mayer, causando um acirrado debate sobre a prioridade da descoberta.
25 A definição de caloria (cal) está ligada ao calor especı́fico, o qual depende da temperatura: 1 cal = 4.1858 J.
26 O sinal negativo é devido à convenção de sinal.
isovolumétrico (trabalho nulo), a energia interna de qualquer Para o gás ideal, a = N RT , onde R ≃ 8.314 J/mol.K.
estado está bem definida (se o estado dinâmico do sistema b) n = 6 1:
e as leis de interação entre as partı́culas fossem conhecidos, V
Z Vf
poderı́amos calcular a energia do sistema, mas devemos nos dV V 1−n f a  1−n 1−n

W = a = a = V − V
ater ao nı́vel macroscópico, então a equação acima fornece um Vi V
n 1 − n Vi 1−n f i

modo de obter a energia do sistema). Se as paredes não forem Pi Vi − Pf Vf


adiabáticas, a energia interna do sistema pode ser alterada = ,
n−1
também pela troca de calor pelas paredes, e a equação acima
fica onde usamos a = Pi Vin = Pf Vfn .
dU = δQ − δW, (2)
A troca de calor entre dois objetos depende das suas carac-
que expressa a conservação da energia. Esta equação
terı́sticas fı́sicas. Definimos a capacidade térmica28 de um
também é conhecida como a primeira lei da Termo-
corpo como a proporção entre o calor (infinitesimal) trocado
dinâmica. Podemos também escrever, para as variações to-
pelo corpo e a correspondente variação de temperatura:
tais:
∆U = Q − W. (3) Z Tf
δQ = CdT → Q = C(T )dT. (4)
Portanto, dado um processo termodinâmico, a variação na Ti
energia interna do sistema será igual à diferença entre o ca-
Em geral, C = C(T ), caso contrário, Q = C∆T . Esta quanti-
lor e o trabalho trocados nesse processo. Por outro lado, não
dade depende da massa do sistem e convém, portanto, definir
podemos interpretar a equação acima como se a quantidade
o calor especı́fico:
de energia de um sistema fosse a soma de calor e trabalho, C
pois estas quantidades não são funções do estado do sistema, c= (5)
M
e sim do processo, ou seja, não podemos falar em “calor (ou
trabalho) de um corpo”. ou o calor especı́fico molar:
Se o processo for cı́clico, ∆U = 0 e C
c= . (6)
N
Q = W,
Por exemplo, cágua = 1 cal/g.K = 4.186 J/g.K.
ou seja, o trabalho feito pelo sistema durante um ciclo é igual Quando o sistema passa por uma transição de fase do tipo
ao calor absorvido pelo sistema (a diferença entre o calor que gás-lı́quido ou lı́quido-sólido, o sistema recebe calor mas a tem-
entra e o que sai). peratura não se altera. Esta energia é absorvida (ou liberada)
para alterar a estrutura microscópica do material. O calor ne-
Exemplo 6: Calcular o trabalho quando P V = a, cessário n para a mudança de fase é proporcional à quantidade
de massa M no sistema, e a constante de proporcionalidade é
onde a é uma constante (tais processos são denominados po-
chamada de calor latente29,30 :
litrópicos27 ). Para um gás ideal, se n = 1 temos um processo
isotérmico, enquanto que se n = γ ≡ cP /cV > 1, o processo é |Q| = LM. (7)
adiabático (equação de Poisson).
Temos que distinguir dois casos: Para a solidificação e vaporização da água, Lágua
s = 333 J/g e
a) n = 1: Lágua
v = 2256 J/g, respectivamente. Ou seja, é preciso muito
Z Vf
dV Vf mais energia para 1 g mudar de fase do que para aumentar
W =a = a ln .
Vi V Vi 1 ◦ C sua temperatura.

27 Fluidos politrópicos são utilizados em alguns modelos em astrofı́sica.


28 Este é um exemplo de resposta termodinâmica, que relaciona uma perturbação (δQ) e seu efeito sobre o sistema (dT ).
29 Um sistema de massa M que recebe uma quantidade de calor insuficiente para converter toda massa para a nova fase, Q = Lm (m < M ), terá

duas fases coexistindo, de massas m (na nova fase) e M − m (na fase original).
30 O sinal pode ser positivo ou negativo dependendo se o sistema recebe ou perde calor, respectivamente.
FIS01020 - Termodinâmica - Aula 4
17 de agosto de 2018

cpele = 3.56 J/g.K, além de ser pouco denso. Assim, em


contato com o pé, o carvão perde calor e a região de con-
Exemplo 7: Tomemos dois objetos de mesma massa, tato fica escura, o que evidencia a diminuição local da
1 kg, os quais recebem Q = 10 J: temperatura. Por ser um mau condutor de calor e e por
estar fragmentado, há pouco fluxo de calor das regiões
c (J/kg.K) Q (J) ∆T (K) vizinhas para compensar esta perda. Além disso, o con-
0.1 10 100 tato é rápido e como a superfı́cie é irregular, ocorre em
1 10 10 alguns poucos pontos do pé e estes variam a cada passo.
Assim, quanto maior for c, menor é a variação de tempera- 2. O efeito Leidenfrost35 . A umidade (suor) que envolve o
tura ∆T . Se dois corpos recebem a mesma quantidade de calor pé vaporiza rapidamente ao se aproximar do carvão in-
por unidade de massa, aquele que tem maior calor especı́fico candescente, formando uma fina camada de vapor entre
apresentará uma menor variação na temperatura. Em outras a pele e o carvão. Esta camada funciona como isolante
palavras, a capacidade de armazenar energia, por unidade de térmico pois o vapor é mau condutor térmico.
massa e de temperatura, cresce com o valor de c. Devemos distinguir, principalmente para um gás36 , en-
tre processos feitos a volume e pressão constante, respecti-
A água, por exemplo, possui um grande calor especı́fico, vamente:
4.186 J/g.K. Para diminuir expressivamente de temperatura,    
muita energia precisa ser perdida, o que leva tempo (depende δQ δQ
CV = e CP = . (8)
da superfı́cie do objeto). Na presença de grandes volumes de dT V dT P
água (portanto, grande capacidade térmica), as variações de Em uma transformação infinitesimal, pela primeira lei da ter-
temperatura são mais suaves do que em lugares secos (deser- modinâmica, a quantidade de calor trocada será
tos, por exemplo).
Em um forno aquecido, tanto a grade metálica quanto o δQ = dU + P dV, (9)
ar no seu interior estão à mesma temperatura. O ar, porém, a qual precisa ser comparada com dT para o obter o calor es-
possui baixo calor especı́fico (car ≃ 0.72 J/g.K, à 300 K), e por pecı́fico. Consideremos, primeiramente, que o volume é man-
ser pouco denso, baixa baixa capacidade térmica (há pouca tido constante. Neste caso, é conveniente37 que as variáveis
energia térmica disponı́vel). Assim, ao colocar a mão dentro independentes sejam T e V (a pressão é dada pela equação de
do forno por um breve intervalo de tempo, ela absorve ca- estado38 ), isto é, U = U (T, V ). Caso o volume seja constante,
lor do ar em torno, o qual esfria rapidamente. Além disso, U = U (T ), δQ = dU e
como o ar não é um bom condutor térmico31 , demora para      
esta região receber energia da vizinhança. Logo, não temos ∂U ∂U ∂U
dU = dT + dV = dT
a sensação imediata de nos queimarmos. Porém, se tocar- ∂T V ∂V T ∂T V
mos a grade, queimamos a mão pois esta possui uma maior onde a notação das derivadas indica qual variável indepen-
capacidade térmica32 e, ao perder energia para a mão, não di- dente é mantida constante. Então:
minui consideravelmente a temperatura. Além disso, por ser    
um bom condutor térmico, o metal recebe energia das outras ∂U ∂U
δQ = dT −→ CV = , (10)
regiões. ∂T V ∂T V
Também é possı́vel33 caminhar sobre carvão em brasa (ou ou seja, o calor trocado é usado para alterar a energia (e, conse-
pedras vulcânicas, bastante porosas), cuja temperatura pode quentemente, a temperatura) do sistema. Por outro lado, caso
chegar a 500 ◦ C. Quando adequadamente preparada, e na pre- a pressão seja mantida constante, convém que as variáveis in-
sença de uma pessoa tecnicamente habilitada34 , os riscos para dependentes sejam T e P . Com isso, U = U (T, P ) e, no caso
caminhar na trilha são reduzidos graças a dois mecanismos: de pressão constante, U = U (T ):
 
1. O carvão tem baixo calor especı́fico (ccarvao = 1 J/g.K) ∂U
quando comparado ao da água ou da pele humana, dU = dT.
∂T P
31 Outro exemplo ilustrativo é um balão cheio d’água, sobre uma chama, que não estoura.
32 Apesar do calor especı́fico não ser muito diferente.
33 D. Willey, Phys. Educ. 45 (2010) 487 ou na sua página.
34 Mas não é necessário nenhum treinamento mı́stico ou pensamento positivo.
35 O papel deste efeito no processo é menor e ainda tema de debate.
36 Para lı́quidos e sólidos praticamente não há diferença pois o volume pouco varia.
37 Se a quantidade mantida constante for uma das variáveis independentes, reduzimos o número efetivo dessas variáveis.
38 Um estado de equilı́brio termodinâmico de um fluido homogêneo é caracterizado por qualquer par das três variáveis (P, V, T ). Os três parâmetros

macroscópicos não são independentes, sendo relacionados pela equação de estado, f (P, V, T ) = 0.
Note que este coeficiente não é CP pois do lado esquerdo temos indica um processo feito a volume constante, mas uma propri-
dU , e não δQ. Para eliminar o termo dV na Eq. (9) diferen- edade do sistema.
ciamos a equação de estado, V = V (T, P ), considerando P Assim42 :
constante:  
∂U
      = N cV
∂V ∂V ∂V ∂T P
dV = dT + dP = dT.  
∂T P ∂P T ∂T P ∂V NR
= ,
∂T P P
Então, a primeira lei, Eq. (9), fica:
     e, da Eq. (11),
∂U ∂V
δQ = +P dT. cP = cV + R.
∂T P ∂T P
Pelo Teorema da Equipartição da Energia, o calor especı́fico a
Assim, a capacidade térmica, a pressão constante é volume constante de um gás ideal é
   
∂U ∂V f
CP = +P . (11) cV = R. (12)
∂T P ∂T P 2
O número f de graus de liberdade está associado ao tipo de
Além do calor absorvido aumentar a energia do sistema (pri-
moléculas:
meiro termo), também altera o seu volume para manter a
pressão constante (segundo termo). • Monoatômicas: 3 coordenadas = 3 graus de liberdade.
A expansão livre de um gás ideal envolto por paredes
adiabáticas não envolve nem trabalho nem troca de calor, • Diatômicas: 2×3−1 = 5 graus de liberdade (5 coordena-
Q = W = 0. Então, pela primeira lei, ∆U = 0. Num gás ideal, das independentes). Ou seja, precisamos de 3 coordena-
a energia interna é somente a soma das energias cinéticas de das para especificar a posição da primeira partı́cula. A
todas as moléculas pois não há interação entre elas. Portanto, segunda pode estar na superfı́cie de uma esfera centrada
39
a energia interna depende somente da temperatura e não do na primeira, logo f = 3 + 2 = 5.
volume do sistema, U = U (T ). Supondo que o calor especı́fico
• Poli-atômicas: se incluı́rmos mais uma partı́cula, esta
não varie40 com a temperatura, da Eq. (10):
pode se mover em um cı́rculo entre as outras duas, logo
  f = 3 + 2 + 1 = 6. Qualquer partı́cula adicional não terá
∂U
dU = dT = N cV dT → U = N cV T liberdade de se mover em relação às outras.
∂T V
É útil também definir (ver Ex. 6):
onde eliminamos a constante de integração escolhendo um es-
tado de referência conveniente41 . É importante notar que cP 2
nesta expressão, válida para um estado do sistema, cV não γ≡ = 1 + > 1.
cV f

39 Isto não é válido quando há interação entre as moléculas (gás não ideal) pois ao aumentar o volume ocupado, crescem as distâncias entre elas,

modificando a energia potencial total do sistema. Como ∆U = 0, isto implica numa variação da energia cinética e, portanto, da temperatura. Assim,
tanto T quanto V se modificam na expansão livre para manter ∆U = 0, ou seja, U depende dessas duas variáveis.
40 Esta hipótese é válida para gases ideais, mas não para gases reais.
41 Esta constante, a energia do sistema quando T = 0, não é importante, somente a diferença de energias é relevante.
42 Equivalentemente, podemos utilizar a primeira lei da Termodinâmica, N c dT + P dV = δQ, e diferenciando a equação de estado, P dV + V dP =
V
N RdT . Em termos das variáveis T e P : N (cV + R)dT − V dP = δQ. Quando P for constante, obtemos cP = cV + R.
FIS01020 - Termodinâmica - Aula 5
20 de agosto de 2018

In this house, we obey the laws of thermodynamics!


Homer Simpson43

Se um processo ocorre num certo sentido (sequência tem- A eficiência aumenta quando o calor rejeitado diminui. Pela
poral), conservando a energia total em cada instante, nada formulação acima, é impossı́vel ter Qf = 0 e, portanto, η = 1.
impediria (pela primeira lei), que ele ocorresse em sentido Ou seja, não podemos ter um motor perfeito.
inverso (neste caso ele seria reversı́vel). Por outro lado, a
experiência mostra que há processos observados na escala ma- Formulação de Clausius:
croscópica, que tendem a ocorrer num só sentido, ou seja, são
irreversı́veis. Alguns exemplos dessa assimetria fundamental É impossı́vel realizar um processo cuja único
da natureza: i) o calor passando de um corpo com tempera- efeito seja transferir calor de um corpo para outro
tura alta para um de temperatura mais baixa e ii) a expansão cuja temperatura seja mais elevada47 .
livre. Portanto, deve existir outro princı́pio geral, que identi-
fique os processos que, mesmo obedecendo à primeira lei da Logo, não existe um refrigerador perfeito.
Termodinâmica, nunca ocorrem. Pode-se mostrar que estes enunciados são equivalentes.
Embora as leis da mecânica, as quais regem o movimento Supondo que o enunciado de Clausius seja falso, acoplamos
microscópico (clássico), sejam reversı́veis (v → −v e t → −t), um refrigerador perfeito a uma máquina normal. Essas duas
macroscopicamente muitos processos ocorrem somente em um máquinas, efetivamente, correspondem a um motor perfeito,
sentido. Portanto, não basta obedecer à conservação de ener- falsificando o enunciado de Kelvin-Planck:
gia, precisamos de outro princı́pio que nos diga quais processos
Tq Tq Tq
podem ocorrer. Há dois enunciados, equivalentes, para a se-
gunda lei embasados em séculos de testes experimentais, e que 100 J 60 J 40 J
formalizam os resultados dessas observações empı́ricas44. 40 J
+ = 40 J
PSfrag replacements
Formulação de Kelvin-Planck: 60 J 60 J

Tf Tf Tf
É impossı́vel realizar um processo cujo único
efeito seja remover calor de um reservatório45
térmico e produzir uma quantidade equivalente de Por outro lado, caso o enunciado de Kelvin-Planck seja falso,
trabalho. acoplamos um refrigerador normal a uma máquina perfeita:

Por único efeito entendemos que o sistema volta ao es- Tq Tq Tq


tado inicial, ou seja, o processo é cı́clico. Por exemplo, durante 150 J 50 J
uma expansão isotérmica de um gás ideal, como ∆U = 0 (pois 100 J
50 J 50 J
T = cte), temos W = Q, ou seja, todo calor injetado no sis-
tema é transformado em trabalho. Porém, o enunciado acima
+ =
PSfrag replacements

não é violado pois este não é o único efeito, o estado final pos- 100 J 100 J
sui um volume diferente do inicial.
Tf Tf
Em um ciclo, ∆U = 0, então pela primeira lei46 :

W = Q = |Qq | − |Qf |, Assim, a existência de uma máquina perfeita implica na


existência de um refrigerador perfeito, e vice-versa.
onde Q e F se referem aos dois reservatórios com Tq > Tf . De forma genérica, temos uma máquina efetiva perfeita,
Definimos a eficiência de um ciclo por onde o calor lı́quido que entra no sistema, |Qq | − |Qf | é com-
pletamente transformado em trabalho. Conversamente, con-
trabalho obtido W |Qf | seguimos retirar Qf da fonte fria, eliminando na fonte quente,
η≡ = =1− . (13) sem o uso de trabalho.
calor fornecido |Qq | |Qq |
43 Após Lisa ter construı́do um moto perpetuo cuja energia aumentava com o tempo, em The Simpsons (S06E21, “The PTA disbands”).
44 Essas formulações da segunda lei seguem a evolução histórica do assunto. Formulações mais gerais não fazem referência à máquinas térmicas, e
sim à entropia.
45 Um reservatório (ou fonte) é um sistema que, por ser muito grande, não tem suas propriedades (temperatura, pressão, potencial quı́mico, etc)

alteradas por variações finitas de energia, volume ou número de partı́culas.


46 Como o calor pode se referir ao que sai/entra no reservatório e ao que entra/sai na máquina, para evitar ambiguidades, usamos o módulo.
47 Experimentalmente, o corpo com maior temperatura será aquele que, em contato com outro à temperatura diferente, perderá calor.
Tq Qf Qq Tq Qq Qq − Qf
máquina perfeita

PSfrag replacements
PSfrag replacements
Exemplo 8: Consideremos uma máquina reversı́vel que
W W opera entre dois reservatórios, T1 e T2 .
refrigerador
perfeito
máquina T1 T1
perfeita

refrigerador máquina refrigerador 100 J 100 J


perfeito normal normal

Tf Qf Qf Tf Qf
40 J 40 J

O enunciado de Kelvin-Planck da segunda lei impede a PSfrag replacements PSfrag replacements


existência de um processo cı́clico cujo único efeito seja reti- 60 J 60 J

rar energia (na forma de calor) de uma única fonte térmica e


T2 T2
transformá-la toda em trabalho. Se tivermos apenas um re-
servatório, a fração deste calor que não pode ser aproveitada
deve permanecer no sistema, aumentando sua energia interna A eficiência dessa máquina é η = 40/100 = 0.4. Tomamos ou-
(ou ser devolvida ao reservatório, o que seria equivalente a tra máquina, reversı́vel ou não, funcionando entre os mesmos
receber menos calor inicialmente). Mas isto impede que o sis- reservatórios mas supondo, hipoteticamente, uma eficiência
tema retorne ao seu estado inicial, não satisfazendo então a maior do que a máquina acima. Por exemplo, com η = 0.45:
condição de “único efeito”. Assim, precisamos de um segundo T1
reservatório para transferir esse calor e eliminar o excesso de
energia. O caso mais simples possı́vel, portanto, envolve dois 100 J
reservatórios a temperaturas diferentes. Sadi Carnot estabe-
leceu o limite máximo de eficiência para uma máquina traba- 45 J
lhando com esses dois reservatórios e propôs um ciclo com tal
eficiência. Primeiramente, como um processo em que calor flui PSfrag replacements
55 J
de um corpo mais quente para um mais frio, espontaneamente,
é irreversı́vel, os únicos processos reversı́veis que podemos ter, T2
envolvendo um reservatório de temperatura constante são ou
isotérmicos ou adiabáticos. No primeiro o fluxo de calor é Combinando com o refrigerador anterior:
entre corpos à mesma temperatura e no segundo não há fluxo.
O Teorema de Carnot afirma
5J
Entre dois reservatórios térmicos, nenhuma
máquina pode funcionar mais eficientemente do 5J
que uma máquina de Carnot, cuja eficiência é PSfrag replacements

T1
Tf
ηR = 1 − , Tf < Tq (14)
Tq
O trabalho lı́quido produzido é 5 J, mesma quantidade ab-
independentemente do material e dos processos envolvidos. sorvida pelo sistema na forma de calor, nenhum calor sendo
Um corolário é: liberado. Portanto, a existência de uma máquina mais efici-
ente do que a de Carnot violaria a segunda lei!
Todas as máquinas térmicas reversı́veis que
operam entre os mesmos reservatórios têm a De qualquer maneira, não se exclui que a segunda lei não
mesma eficiência. possa ser violada fora de seu domı́nio de aplicação.
FIS01020 - Termodinâmica - Aula 6
22 de agosto de 2018

Os ciclos termodinâmicos reais são geralmente complexos P


1
(há atrito entre o fluido e as tubulações, que também não são
termicamente isoladas, os processos não são quase-estáticos, PSfrag replacements
2
podem ocorrer mudanças de fase, desvio do comportamento
W TQ
de gás ideal, combustão não uniforme, etc). Para analisá-los, 4
podemos simplificá-los ou idealizá-los48:
TF
3
V

Vamos calcular a eficiência desse ciclo, considerando um


gás ideal como fluido operante. O trabalho total é a área en-
tre as curvas: W = |Qq | − |Qf | > 0. Como T1 = T2 = Tq e
T3 = T4 = Tf e o trabalho adiabático é
Pf Vf − Pi Vi NR
Wad = = (Tf − Ti ),
1−γ 1−γ
temos que W41 = −W23 e os trabalhos nas etapas adiabáticas
se cancelam. Portanto, o trabalho total é W = W34 + W12 .
Nas etapas isotérmicas:
O ciclo de Carnot é um exemplo de máquina térmica W12 = N RTq ln(V2 /V1 )
(motor), onde o calor (energia) absorvido é parcialmente apro- W34 = N RTf ln(V4 /V3 ).
veitado para a produção de trabalho, o processo sendo repe-
tido ciclicamente. Existem vários outros ciclos, como os de Além disso, nessas etapas, ∆U = 0 e W = Q. O calor absor-
Otto, Diesel, Carnot, Stirling, etc. Se o ciclo da máquina vido é
térmica for reversı́vel (cada etapa pode ser efetuada no sen- Q12 = Qq = N RTq ln(V2 /V1 ),
tido inverso), ela pode funcionar também como refrigerador, e a eficiência η ≡ W/|Qq |:
retirando calor de um sistema. O calor removido, combinado
com o trabalho (energia) usado para operar o refrigerador, são N RTq ln VV12 + N RTf ln VV34 Tf ln (V4 /V3 )
despejados em algum reservatório (e.g., ambiente). η = =1+ .
N RTq ln(V2 /V1 ) Tq ln (V2 /V1 )
Mas na expansão adiabática, T V γ−1 = cte, logo:
Exemplo 9: O ciclo de Carnot, efetuado por uma
Tq V2γ−1 = Tf V3γ−1
máquina de Carnot, envolve dois reservatórios térmicos e
consiste de dois processos isotérmicos e dois adiabáticos, todos Tq V1γ−1 = Tf V4γ−1
reversı́veis:  γ−1  γ−1
V2 V3 V2 V3
= → = .
V1 V4 V1 V4
1 → 2 Expansão isotérmica: o gás realiza trabalho e absorve
Qq da fonte quente (Tq > Tf ); Portanto, a eficiência da máquina de Carnot é
Tf
η =1− , (15)
2 → 3 Expansão adiabática: o gás realiza trabalho e sua T q

energia interna diminui (pois não recebe calor), portanto para qualquer valor de γ, ou seja, independente do tipo de gás
sua temperatura diminui; ideal49 . É também importante observar que o ciclo de Carnot
nos fornece a relação entre quantidades mensuráveis (calor) e
3 → 4 Compressão isotérmica: o gás recebe trabalho e for- a temperatura absoluta: Tf /Tq = Qf /Qq .
nece uma quantidade de calor Qf à fonte fria;
Exemplo 10: Duas máquinas térmicas operam em série
4 → 1 Compressão adiabática: o gás recebe trabalho e au- de tal modo que o calor rejeitado pela primeira é usado para
menta sua energia interna e, portanto, sua temperatura, alimentar a segunda. Em função das respectivas eficiências,
até voltar a Tq . η1 e η2 , qual é a eficiência total do sistema?
48 Maximizar a eficiência pode não ser o único objetivo. Por exemplo, podemos também minimizar os resı́duos descartados ou aumentar a potência.
49 O resultado é ainda mais geral, não dependendo do tipo de gás. Ver, por exemplo, Tjiang e Sutanto, Eur. J. Phys. 27 (2006) 719.
PSfrag replacements

Qa Qi Qi Qb
Ta Ti Tb Exemplo 11: Calcular a eficiência do ciclo Otto ide-
alizado, constituı́do de duas isocóricas e duas adiabáticas51 e
W1 W2 PSfrag replacements PSfrag replacements
usado em motores de quatro tempos.
T1 T2
P
Pela definição: T2
T3
W1 W2 T3
T4
η1 = e η2 = T1
|Qa | |Qi | V1
V4 T4
A eficiência total é, portanto: P
V V1 V4 V
W1 + W2 |Qi | |Qa | − W1
η= = η1 + η2 = η1 + η2
|Qa | |Qa | |Qa | Para o trabalho total contribuem os processos adiabáticos:
= η1 + η2 (1 − η1 ),
NR
W = [(T3 − T2 ) + (T1 − T4 )].
válida para máquinas reversı́veis ou não. No caso ideal, ambas 1 −γ
as máquinas são reversı́veis e a eficiência se reduz a
As etapas onde há troca de calor são 1 → 2 e 3 → 4. Na
  primeira, calor é absorvido (o volume é mantido constante
Ti Tb Ti Tb
η =1− + 1− =1− . enquanto a pressão aumenta), ao passo que na segunda, é li-
Ta Ti Ta Ta
berado. Então, o calor absorvido é
Assim, as duas máquinas reversı́veis em série são equivalentes
fR
à uma única máquina reversı́vel entre os reservatórios exter- Q12 = N (T2 − T1 ).
nos. Outra maneira de interpretar este resultado é o seguinte. 2
Uma máquina sempre libera uma certa quantidade de calor Lembrando que
que, em princı́pio, poderı́amos tentar aproveitar e recuperar
algum trabalho. Para isso, precisarı́amos de outro reservatório 2 1 f
γ = 1 + −→ =− ,
térmico, com temperatura ainda menor. Quando a segunda f 1−γ 2
máquina é adicionada50 , a eficiência da primeira diminui (a 52
temperatura do seu reservatório frio é agora mais alta) e menos a eficiência é :
trabalho é produzido. A segunda máquina recebe uma quan- W T3 − T4 T4
tidade de calor (1 − η1 )|Qa | e produz exatamente a quantidade η= =1− =1− ,
Q12 T2 − T1 T1
de trabalho que falta para completar o que seria produzido por
uma única máquina reversı́vel entre os reservatórios externos. onde usamos que nesses processos adiabáticos, T2 /T1 = T3 /T4 .
Em outras palavras, é inútil tentar extrair mais trabalho do Como T1 < T2 , uma máquina de Carnot trabalhando entre as
calor que uma máquina de Carnot rejeita. temperaturas extremas T2 e T4 seria mais eficiente.

50 Não confundir o caso em que temos infinitas máquinas intermediárias (e reservatórios) com um processo vertical. Embora o número de reser-

vatórios também seja infinito, no primeiro caso temos um processo cı́clico a cada passo dT enquanto que no segundo caso, não.
51 Substituindo as adiabáticas por isotermas, temos o ciclo Stirling.
52 Usando P V γ = P V γ e P V γ = P V γ pode-se escrever também em função da razão r ≡ V /V (fator de compressão):
2 1 3 4 1 1 4 4 4 1

P3 − P4 V4
η =1− = 1 − r γ−1 .
P2 − P1 V1
FIS01020 - Termodinâmica - Aula 7
24 de agosto de 2018

Exemplo 12: Após uma expansão linear que dobra seu


volume, um gás ideal monoatômico é comprimido adiabatica-
mente (P V 5/3 = cte), fechando o ciclo. Calcule o trabalho e
o calor trocado em cada processo, bem como o trabalho total,
em termos de P1 e V1 .

Primeiramente calculamos o calor trocado em cada etapa.


De 2 para 3, a pressão é constante, a temperatura diminui e o
sistema perde calor (Q < 0):

5 5 5
Q2→3 = R (T3 − T2 ) = (P3 V3 − P2 V2 ) = − P1 V1 .
2
|{z} 2 4
cP

Por consistência, temos De 3 para 1, o processo é isovolumétrico, a temperatura au-


menta e o sistema ganha calor (Q > 0):
P1 V1γ = P2 (2V1 )γ −→ P2 = 2−5/3 P1 ≃ 0.315P1 .
3 3 3
Para qualquer ciclo no sentido horário, ∆U = 0 e a área in- Q3→1 = R (T1 − T3 ) = (P1 V1 − P3 V3 ) = P1 V1 .
2
|{z} 2 4
terna é positiva (W > 0), então Q = W > 0. Como Q2→1 = 0, cV
na etapa linear, o calor lı́quido trocado pelo sistema deve ser
positivo (Q1→2 > 0). Nas etapas adiabática e linear temos, No trecho linear, o calor lı́quido trocado pode ser calculado
respectivamente: usando a primeira lei da termodinâmica. Como ∆U = 0:
1 V1 3
W1→2 = P2 V1 + (P1 − P2 )V1 = (P1 + P2 ) Q1→2 = W − Q2→3 − Q3→1 = P1 V1 > 0,
2 2 4
1
= P1 V1 (2−5/3 + 1) > 0
2 onde a área do triângulo fornece W = P1 V1 /4.
(2−5/3 P1 )(2V1 ) − P1 V1 3 Em nenhum trecho do exemplo 12 o calor (lı́quido) é ne-
W2→1 = = (2−2/3 − 1)P1 V1 < 0.
5/3 − 1 2 gativo, e a aparente incompatibilidade com a segunda lei era
evidente. Aqui, como Q2→3 < 0, a situação é mais sutil e
Então, o trabalho total é propensa a erros.
W = W2→1 + W1→2 = P1 V1 (7 × 2−8/3 − 1) ≃ 0.102P1V1 . Apesar de Q1→2 > 0, o sistema tanto recebe quanto perde
calor durante esta etapa. Para ver isso, vamos escrever δQ em
Como ∆U = 0: termos de dV . Combinando a primeira lei da termodinâmica,
Q = Q1→2 + Q2→1 = Q1→2 = W. 3
δQ = R dT + P dV,
O fato de Q1→2 ser positivo e não aparecer nenhum outro ca- 2
|{z}
cV
lor negativo não significa que calor não saia do sistema, o que
violaria a segunda lei da termodinâmica. Embora neste trecho
a equação linear que descreve o processo:
especı́fico o calor lı́quido seja positivo, outros processos linea-
res podem ter Q < 0 ou mesmo Q = 0 (pseudo-adiabático53 ). P1 3
P (V ) = mV + b = − V + P1
2V1 2

e a equação de estado
Exemplo 13: Considere um mol de um gás ideal mo-
noatômico e calcule a eficiência durante o ciclo54 . RdT = P dV + V dP = (mV + b)dV + V mdV = (2mV + b)dV,
53 Arenzon, Eur. J. Phys.
54 Dickerson e Mottmann, Am. J. Phys. 62 (1994) 558.
obtemos: Se não levarmos em conta o ponto A e calcularmos, equi-
vocadamente, a eficiência com o valor de Q1→2 , obtemos:
3
δQ = (2mV + b)dV + (mV + b)dV  
2
    P1 V1 /4 1 16
5 2 15 η= = = .
= 4mV + b dV = − V + P1 dV. 3P1 V1 /4 + 3P1 V1 /4 6 96
2 V1 4
Note que o apelativo critério estético para escolher entre as
O coeficiente vai de 7P1 /4 em V1 até −P1 /4 em 2V1 , trocando duas respostas falha aqui.
de sinal quando Ao longo do processo linear podemos também calcular o
15
VA = V1 , comportamento da temperatura:
8
que está no intervalo [V1 , 2V1 ]. A pressão correspondente é PV V
T (V ) = = (mV + b) ,
PA = 9P1 /16. A existência deste ponto e, portanto, de um R R
trecho com Q < 0, depende da escolha dos volumes inicial e
final (ver nota 53). É interessante também notar que no ponto que é uma parábola invertida com máximo em V ∗ = −b/2m =
A o processo linear tangencia uma adiabática (o percurso, por 3V1 /2 < VA . Assim, antes do máximo, o trabalho feito pelo sis-
ser linear, pode ter no máximo uma curva adiabática tangente tema é menor do que o calor que entra e T aumenta. Logo após
a ele pois por cada ponto do diagrama PV passa somente o máximo, o sistema faz mais trabalho do que o calor absorvido
uma55 ). A declividade da adiabática que passa ali, e a temperatura diminui. No intervalo V ∗ < V < VA o sistema
absorve calor mas a temperatura diminui, ou seja, neste trecho

dP γPA do processo, o calor especı́fico é negativo57 (c < 0). No ponto
P V γ = cte −→ =− = −P1 /2V1 = m, em que a temperatura é máxima, dT = 0 e c → ∞ (calor é
dV A VA
adicionado, e embora a temperatura não mude, não confunda
é igual à declividade do processo linear, ou seja, são tangentes. com calor latente, que nem existe neste problema por ser um
Podemos então calcular Q1→A > 0 e QA→2 < 0 ao longo gás ideal).
do processo linear. Basta então integrar:
Z A Z A 
2 15 49 Se o processo tiver um trecho linear, mas de inclinação po-
Q1→A = δQ = − V + P1 dV = P1 V1 .
1 1 V1 4 64 sitiva, o calor não troca de sinal. As adiabáticas cruzam o
processo, mas não o tangenciam (como Q não é função de es-
Analogamente para QA→2 : tado, não faz sentido atribuir Q = 0 a um ponto mas somente
Z 2 a um processo ao longo da adiabática, mesmo que infinitesi-
1
QA→2 = δQ = − P1 V1 . mal).
A 64
Podemos montar um ciclo triangular sem incluir um ponto
Alternativamente, poderı́amos ter calculado os trabalhos e as adiabático (A). Mas no exemplo 12, onde uma adiabática é
variações de energia56. Esses resultados concordam com o que cortada por uma reta, necessariamente há um, senão terı́amos
havı́amos calculado anteriormente para o trecho completo: uma violação da segunda lei.
O critério da tangência a uma adiabática é útil em outros
3 ciclos onde pode não ser simples identificar os trechos onde
Q1→2 = Q1→A + QA→2 = P1 V1 .
4 entra calor. Por exemplo58 :
O calor total que entra no sistema é, portanto, ADIAB.

97 P
2
Q3→1 + Q1→A = P1 V1 ,
64
e a eficiência do ciclo:
W 16 1
η= = . V
Q3→1 + Q1→A 97
55 Processos
parabólicos, por exemplo, podem ter até dois pontos adiabáticos (ver nota 53) e o processo circular, dois ou quatro (ver nota 58).
56Integrando:
Z f
1 17 175
Wi→f = (mV + b)dV = m(Vf2 − Vi2 ) + b(Vf − Vi ) → WA→2 = P1 V1 e W1→A = P1 V1
i 2 256 256
e W1→2 = W1→A + WA→2 = 3P1 V1 /4 como já havı́amos calculado. Usando que RTA = 135P1 V1 /128, a variação de energia é
3 21 21
∆UA→2 = R∆T = − P1 V1 e ∆U1→A = P1 V1 .
2 256 256
Logo:
1 49
QA→2 = − P1 V1 e Q1→A = P1 V1 .
64 64
57 A. Calvo Hernández, Am. J. Phys. 63 (1995) 756.
58 Marcella e Sheldon, J. Phys. D 33 (2000) 2402; di Liberto et al, J. Phys. D 36 (2003) 1222.
FIS01020 - Termodinâmica - Aula 8
31 de agosto de 2018

Macroscopic systems do not behave as they do in order to frustrate our attempts to build an engine that takes heat from a
colder to a hotter body. Therefore, our basic thermodynamic laws should not be formulated in that way. Instead, our basic
thermodynamic laws should reflect, simply and accurately, the true mechanism that is driving the system’s macroscopic
behavior. Garrod (1995)

Considere um processo cı́clico no qual um sistema troca Q0 do reservatório auxiliar e a realização de igual quantidade
calor (Qi , positivo, negativo ou nulo) com várias59 fontes de trabalho (pela primeira lei). O calor total extraı́do da fonte
térmicas diferentes (caracterizadas por sua temperatura Ti ), auxiliar é (a soma é sobre o ciclo)
realiza trabalhos positivos ou negativos, e retorna ao estado X X Qi
inicialPSfrag replacements
(essas etapas não precisam ser, necessariamente, re- Q0 = Wtotal = Q0i = T0 .
versı́veis). i i
Ti

Pela segunda lei, não podemos extrair calor de uma fonte e


Q01 T1 T2 ... Tn
transformá-lo completamente em trabalho. Mas para o pro-
Q02
Q0n Q cesso inverso, não há problema, ou seja, este calor deve ser
Q2 n
Q1 negativo63 (quando trabalho é convertido em calor, ou seja,
W um processo irreversı́vel) ou nulo (no caso que não se extrai
T0 sistema calor do reservatório e o processo é reversı́vel):
reservatrio auxiliar X Qi
Q0 ≤ 0 =⇒ ≤ 0. (16)
Introduzimos um reservatório térmico auxiliar à temperatura i
Ti
T0 e uma máquina de Carnot60 entre cada fonte térmica. Deste
conhecida como a desigualdade de Clausius. No caso de
modo, além do sistema, todas as fontes (mas não o reservatório
uma distribuição contı́nua de fontes:
auxiliar) também retornam ao seu estado inicial: se no ciclo I
retiramos Qi da i-ésima fonte, a máquina de Carnot repõe este δQ
≤ 0.
calor à ela, extraindo Q0i da fonte auxiliar. T
T0 reservatório auxiliar Se for possı́vel inverter o ciclo, Qi → −Qi , chegamos a
PSfrag replacements Q01 Q0n X Qi X Qi
Q02
− ≤0→ ≥ 0,
MC MC ... MC
i
Ti i
Ti
Q1 Q2 Qn
WMC P
T1 T2 ... Tn
o que somente pode ocorrer se i Qi /Ti = 0. Assim, efeti-
Q2 Qn vamente, a igualdade vale para processos reversı́veis. Quando
Q1
W Wtotal = W + WMC
computamos o calor ao longo de um ciclo completa ou par-
sistema cialmente irreversı́vel, a função acima não retorna ao valor
original quando o ciclo é completado H (neste caso, a integral é
Como a máquina que opera entre o reservatório auxiliar e o estritamente negativa). Portanto, δQ/T não representa uma
i-ésimo reservatório é uma máquina de Carnot, este calor é61 função de estado. A igualdade ocorre, por outro lado, quando
o processo é reversı́vel, o que permite então definir uma função
Qi Ti T0 de estado, a entropia, que vale
= → Q0i = Qi .
Q0i T0 Ti Z B
δQR
SB − SA = . (17)
Note que se Qi < 0, Q0i < 0, e vice-versa, pois se o sistema A T
cede calor à fonte i (a convenção de sinal é em relação ao sis- O ı́ndice R nos lembra que utilizamos um processo reversı́vel
tema), esta transfere este excesso à fonte auxiliar. No final do na definição. Em forma diferencial, a equação acima fica:
ciclo, todos as fontes62 voltaram aos seus respectivos estados
iniciais. Ou seja, o único efeito da operação foi extrair o calor δQ = T dS,
59 Se n = 2 temos o caso tratado anteriormente, o qual é generalizado aqui.
60 Como a máquina é reversı́vel, pode funcionar também como refrigerador.
61 Note que não podemos simplesmente extrair Q do reservatório auxiliar e entregar diretamente à fonte i, pois para alguns dos reservatórios
i
podemos ter Ti > T0 , o que seria impossı́vel. Precisamos então uma máquina de Carnot operando entre os dois reservatórios, o que envolve algum
trabalho (feito ou recebido). Esta máquina extrai Q0i e rejeita Qi .
62 O sistema original, as fontes térmicas e as máquinas de Carnot auxiliares, tomados em conjunto, formam uma grande máquina efetiva. Assim,

o universo é composto por essa máquina e o reservatório auxiliar.


63 A convenção de sinal se refere ao calor trocado pelo sistema, então, neste caso, o sistema recebe trabalho e perde calor para o reservatório

auxiliar.
e podemos escrever a primeira lei da termodinâmica como Exemplo 14: Considere a expansão livre de um gás.
Este processo é irreversı́vel e não há troca de calor com a vi-
dU = T dS − P dV. zinhança. Então
Z f
δQI
Vamos considerar agora um processo reversı́vel indo do = 0.
i T
estado A para o B e retornando por um caminho diferente,
mas também reversı́vel. Da equação acima: Sendo irreversı́vel, devemos ter ∆S > 0 (e a expressão acima
Z B (1) Z A (2) não é a variação de entropia do sistema). Para obter ∆S, de-
δQ δQ vemos calcular a integral usando um processo reversı́vel, como
+ = 0.
A T B T a expansão isotérmica. Neste caso, para um gás ideal:
Como cada processo é reversı́vel: Q Vf
∆S = = N R ln > 0.
Z A (2) Z B (2) T Vi
δQ δQ
=− .
B T A T
Ou seja: Z Z
B (1)
δQ

B (2)
δQ
= 0. Exemplo 15: Um gás ideal é aquecido reversivelmente
A T A T de T1 até T2 por dois processos distintos: a) isocórico ou b)
Logo: isobárico. Em cada um, qual a variação de entropia? Qual é
Z B (1) Z B (2) o maior e por quê?
δQ δQ
= . (18) Para o processo isobárico:
A T A T
Isto é, como (1)
R e (2) são processos arbitrários (e reversı́veis), δQ dT
dS = = N cP .
a quantidade δQ/T não depende do caminho escolhido. T T
Vamos tomar agora um processo irreversı́vel entre A e B,
seguido de outro reversı́vel para retornar ao ponto A. Pela Logo: Z T2
desigualdade de Clausius: dT T2
∆S = N cP = N cP ln .
Z B Z A T1 T T 1
δQI δQR
+ <0 Para o processo isocórico:
A T B T
ou Z B Z A Z B dT T2
δQI δQR δQR dS = N cV → ∆S = N cV ln .
<− = = SB − SA T T 1
A T B T A T
Z B Como cP > cV , este segundo valor é menor (note que o estado
δQI final é diferente). Mais calor precisa ser fornecido pelo reser-
< SB − SA .
A T vatório quando a pressão é constante porque o volume varia
Em particular, se o sistema (universo) for isolado, não há tro- (e energia é usada para isso). A variação (negativa) de entro-
cas de calor, Q = 0. Se o processo for irreversı́vel: pia do reservatório é maior (em módulo), e para compensar
(já que os processos são reversı́veis), a do sistema também é
0 < SB − SA =⇒ SB > SA (19) maior.

e se for reversı́vel
SB = SA . (20) Exemplo 16: Vamos calcular a entropia de um gás
Assim, podemos enunciar a Segunda Lei da Termo- ideal. Da primeira lei:
dinâmica em termos da entropia:
N RT
δQ = N cV dT + P dV = N cV dT + dV
Em qualquer processo, a variação de entropia V
do universo é positiva (processo irreversı́vel) ou δQ dT NR
dS = = N cV + dV = d (N cV ln T + N R ln V ) .
nula (processo reversı́vel). T T V

Em um ciclo, a variação de entropia do sistema é nula. Se Integrando, obtemos


houver alguma mudança no valor da entropia do universo, será !
devida à variação da entropia da vizinhança. É importante no- T V T f /2 V
R S = N cV ln + N R ln + S0 = N R ln + S0 .
tar que embora a integral δQ dependa do caminho, quando T0 V0 f /2
T0 V0
multiplicamos a diferencial inexata δQ por 1/T (também cha-
mado de fator integrante), obtemos uma diferencial exata, O argumento do logaritmo é equivalente à P V γ . Se o processo
cuja integral é independente do caminho. for adiabático, P V γ = cte e ∆S = 0, ou seja, isoentrópico.
FIS01020 - Termodinâmica - Aula 9
10 de setembro de 2018

Na formulação axiomática da Termodinâmica, adotamos estado de equilı́brio, assume o valor máximo entre todos os
o seguinte conjunto de postulados que nos permite entender estados virtuais.
melhor a estrutura da teoria. Esta função, conhecida como relação fundamental, contém
Postulado I: Existem estados de equilı́brio de um sistema toda a informação termodinâmica do sistema.
macroscópico, completamente caracterizados por um pequeno Postulado III: A entropia de um sistema composto é adi-
número de variáveis extensivas. tiva em relação aos subsistemas constituintes, é contı́nua, di-
Uma quantidade X é dita extensiva quando escala com o ferenciável, e uma função monotônica crescente da energia.
tamanho do sistema (o limN →∞ X/N é finito). Por exemplo, A entropia dos dois subsistemas termodinâmicos é aditiva
o volume V , o número de mols N e a energia interna U . se:
Considere um cilindro com um pistão completamente res- S (1∪2) = S (1) + S (2) .
tritivo: fixo, rı́gido, impermeável e adiabático: Se um sistema é homogêneo, a aditividade é equivalente à
extensividade. A propriedade de aditividade requer que a en-
U (1) , V (1) , N (1) U (2) , V (2) , N (2) tropia de um sistema simples seja uma função homogênea66
PSfrag replacements
de primeira ordem dos parâmetros extensivos, ou seja67 ,
S(λU, λV, λN ) = λS(U, V, N ). (21)
Se retirarmos uma ou mais dessas restrições, teremos um pro-
cesso espontâneo cujo estado final terá novos valores para os Assim, as propriedades de um sistema de N mols escalam com
parâmetros U , V e N . O problema central da termo- as de um sistema com N = 1. Usando λ = 1/N :
dinâmica então é: dados os estados iniciais de equilı́brio de
vários sistemas termodinâmicos que são colocados em contato, S(U, V, N ) = N S(U/N, V /N, 1) ≡ N s(u, v)
determinar seus estados de equilı́brio termodinâmico finais. onde u ≡ U/N (energia por mol), s ≡ S(U/N, V /n, 1) =
Por exemplo, tornando a parede diatérmica, colocamos os dois S(U, V, N )/N (entropia por mol) e v ≡ V /N (volume mo-
volumes termicamente em contato. Podemos também liberar lar). Neste caso, s é uma função somente de duas variáveis,
o pistão, fazer um buraco, etc. O estado final de equilı́brio é onde a dependência em N está implı́cita. A monotonicidade
escolhido no espaço dos possı́veis estados macroscópicos (com- da entropia significa que68
patı́veis com os vı́nculos e com o estado inicial, o qual também  
pertence a esse espaço), chamado de espaço dos estados vir- ∂S
> 0. (22)
tuais. Como o sistema é fechado, a energia total64 é fixada ∂U V,N
pela condição inicial, U = U (1) + U (2) . Os estados virtu-
Em conjunto, as propriedades de continuidade, diferenciabili-
ais correspondem então a todas as possı́veis combinações de
dade e monotonicidade69 implicam que podemos inverter S em
(U (1) , U (2) ) que respeitam essa condição. O problema da ter-
relação à energia U , e que a energia U (S, V, N ) é uma função
modinâmica pode então ser formulado como a determinação
unı́voca, contı́nua e diferenciável. As formulações em termos
do estado de equilı́brio que resulta após a remoção de algum
de S e U , que são formas alternativas da relação fundamen-
vı́nculo interno de um sistema composto fechado, entre todos
tal, contêm toda a informação termodinâmica e são chamadas,
os estados virtuais.
respectivamente, de representação de entropia e de ener-
Em diversas áreas (como a mecânica, ótica, etc), os gia.
princı́pios podem ser formulados de modo elegante em termos
Postulado IV: A entropia de um sistema se anula quando
de um princı́pio variacional que é justificado a posteriori  
(por consistência interna e externa, por experimentos, etc): ∂U
= 0. (23)
Postulado II: Existe uma função65 das variáveis extensivas ∂S V,N
do sistema, S = S(U, V, N ), chamada de entropia que, no
64 Rigorosamente, a energia interna não é uma variável aditiva, pois normalmente temos U = U + U + U , onde U
1 2 int int é a energia de interação
entre os subsistemas. Se as interações moleculares (cuja descrição está fora do escopo da termodinâmica clássica) forem de curto alcance, Uint
será proporcional à medida da interface entre os subsistemas, enquanto que os termos U1 e U2 são proporcionais aos respectivos volumes. Quando
o sistema for suficientemente grande, estes últimos são os únicos termos relevantes e U é assintoticamente aditiva. Existem situações onde não
podemos desprezar os termos superficiais, como quando as interações são de longo alcance ou mesmo de curto alcance, como em microemulsões.
65 A primeira lei da Termodinâmica, em forma diferencial, dU = T dS − P dV , é uma indicação de que existe uma função de estado U = U (S, V )

(para N fixo), e fornece também a interpretação para as derivadas, coerentemente com o formalismo sendo introduzido aqui.
66 Uma função homogênea de ordem k satisfaz f (λx , λx , . . .) = λk f (x , x , . . .).
1 2 1 2
67 Por exemplo, considere λ sistemas idênticos. Se a entropia é aditiva, S(λU ) = S(U ) + . . . + S(U ) = λS(U ), ou seja, homogênea (de ordem 1).
68 Esta condição implica que a temperatura é uma quantidade positiva. Porém, se a energia do sistema for limitada superiormente, ao absorver

energia, ele se aproxima deste limite e o número de estados microscópicos acessı́veis diminui. Assim, ∆U > 0 e ∆S < 0. Neste caso podemos
interpretar a temperatura como sendo negativa: Q = T ∆S > 0.
69 Embora exista uma velocidade máxima de acordo com a Teoria da Relatividade, a velocidade da luz, a energia cinética diverge quando v → c.

Deste modo, não há um limite superior para a temperatura, mesmo para um gás relativı́stico.
Em outras palavras, o postulado IV, que corresponde à ter- Na representação de entropia:
ceira lei da termodinâmica, significa70,71 que S = 0      
quando T = 0 (e que, portanto72 , S(T ) ≥ 0). Algumas ∂S ∂S ∂S
dS = dU + dV + dN.
relações fundamentais, como a do gás ideal e do gás de van ∂U V,N ∂V U,N ∂N U,V
der Waals, não satisfazem73 este postulado, o que significa que
elas não são válidas para baixas temperaturas. Comparando com a Eq. (24), os parâmetros intensivos
Em resumo, conhecida a equação fundamental para o sis- entrópicos são:
tema, basta maximizar a entropia do sistema composto para
1 P µ
encontrar os estados de equilı́brio estáveis. dS = dU + dV − dN.
T T T

Parâmetros intensivos Equações de estado


Estamos interessados em processos, ou seja, em variações nos As quantidades T , P e µ são derivadas parciais de funções de
parâmetros extensivos. Assim, a forma diferencial da equação S, V e N , logo também são funções destas variáveis:
fundamental, na representação de energia, é74 .
      T = T (S, V, N )
∂U ∂U ∂U
dU = dS + dV + dN P = P (S, V, N )
∂S V,N ∂V S,N ∂N S,V
µ = µ(S, V, N ).
= T dS − P dV + µdN (24)
Nas representações de entropia e energia, relações que expres-
onde introduzimos alguns parâmetros intensivos, ou cam-
sam parâmetros intensivos em termos de parâmetros exten-
pos termodinâmicos (não escalam com o tamanho do sis-
sivos independentes são chamadas de equações de estado.
tema75 ), como a temperatura, a pressão76 e o potencial
Toda a informação termodinâmica de um sistema é conhe-
quı́mico77 , respectivamente, como:
cida ou pela equação fundamental ou pelo conjunto de todas
  equações de estado.
∂U
≡T (25) Como a equação fundamental deve ser homogênea de pri-
∂S V,N
  meira ordem, é preciso que as equações de estado sejam ho-
∂U mogêneas de ordem zero. Por exemplo, derivando a Eq. (21)
≡ −P (26)
∂V S,N em relação a U :
 
∂U
≡ µ. (27) ∂ ∂
∂N S,V S(λU, λV, λN ) = λ S(U, V, N )
∂U ∂U
O termo µdN contribui para a variação da energia pela mu- ∂ ∂
dança (quase estática) no número de partı́culas, δWc ≡ µdN S(λU, λV, λN ) = S(U, V, N ).
∂(λU ) ∂U
(como a pressão, que representa uma resitência à diminuição
de volume, o potencial quı́mico é a resistência ao aumento do Logo, a temperatura em uma parte do sistema é igual à tem-
número de partı́culas). Assim: peratura do sistema total, em concordância com o conceito in-
tuitivo de temperatura. O mesmo vale para as outras variáveis
dU = δQ − δW + δWc . intensivas.

70 O enunciado não faz referência à temperatura pois esta ainda não foi definida. Microscopicamente, quando T = 0, o sistema está preso a uma

única configuração (estado fundamental), ou seja, Ω = 1 (o número de configurações compatı́veis com os parâmetros extensivos), e S ∼ ln Ω = 0.
71 Como ∂S/∂U > 0 e ∂S/∂U → ∞ no ponto em que S → 0, o postulado IV estabelece a concavidade de S.
72 Se S é uma função crescente da energia e como o último postulado estipula que S(T → 0) = 0, a entropia será sempre uma quantidade positiva.
73 Alguns postulados não podem ser violados, mas outros, como este, quando não satisfeitos, somente restringem o intervalo de aplicação da relação

fundamental.
74 A forma molar desta equação é du = T ds − P dv. Substituı́ndo u = U/N , v = V /N e s = S/N e diferenciando, obtemos:

1 U T TS P PV
dU − 2 = dS − 2 dN − dV + 2 dN → dU = T dS − P dV + N −1 (U − T S + P V )dN = T dS − P dV + µdN,
N N N N N N
onde fizemos uso da Eq. de Euler, U = T S − P V + µN , que será discutida mais adiante, para identificar µ.
75 São propriedades do sistema, ou do material, não dependendo da quantidade deste.
76 Pressões negativas não são excluı́das a priori e podem ocorrer em algumas situações. Ver, por exemplo: Imre, Phys. Stat. Sol. 244 (2007) 893.
77 A unidade de potencial quı́mico é J/mol. Uma boa discussão sobre µ pode ser encontrada em Baierlein, Am. J. Phys. 69 (2001) 423.
FIS01020 - Termodinâmica - Aula 10
12 de setembro de 2018

Exemplo 19: Verifique se a equação fundamental de


Exemplo 17: Verifique se a equação abaixo satisfaz os um gás ideal monoatômico na representação de energia,
postulados para ser uma equação fundamental78 .
 2/3   
r   V0 2 S S0
R√ UV U = U0 exp − ,
S= N U exp − . V 3R N N0
θ N Rθv0
Reescalando todas variáveis extensivas: satisfaz os postulados.
r   Multiplicando todas79 as variáveis extensivas (volumes, en-
2
R λ U V tropias e números molares) por λ, obtemos λU , ou seja a
S(λU, λV, λN ) = (λN λU )1/2 exp −
θ λN Rθv0 função é homogênea de ordem 1 (aditiva). Além disso:
6= λS(U, V, N ),  
∂U 2
= U > 0,
violando, portanto, o segundo postulado. Outra maneira é ∂S V,N 3N R
notando que o argumento da exponencial não pode ser escrito
somente em termos de quantidades molares. Além disso, S desde que U > 0. Então a equação de estado é:
não é monotônica em U , violando o terceiro postulado, pois  
r √ ! ∂U 2 3
    T = = U → U = N RT.
∂S RN UV 1 V U ∂S V,N 3N R 2
= exp − √ − ,
∂U V,N θ N Rθv0 2 U N Rθv0
Para a pressão:
e o último termo multiplicativo pode ser negativo. Finalmente,  
a temperatura é nula quando U = 0 e, neste caso, o último ∂U 2U 2u
P =− = = .
postulado é satisfeito pois S = 0. ∂V S,N 3V 3v

Em termos de T e V :
2 13 N RT RT
Exemplo 18: Considere a relação fundamental P =
3V 2
N RT =
V
=
v
.

S = AU n V m N r , Podemos também calcular µ:


onde A > 0 é uma constante. Quais os valores permitidos de  
∂U 2U S 2us
n, m e r pelos postulados? µ= =− =− .
∂N S,V 3N 2 R 3R
Reescalando as variáveis extensivas:

S(λU, λV, λN ) = Aλn+m+r U n V m N r = λS(U, V, N ) Em todas elas, U deve ser escrita, a partir da equação fun-
damental, em função de S, V e N . Note que esta equação
quando n + m + r = 1. Além disso: fundamental viola o último postulado pois no limite T → 0, a
  energia se anula (U → 0) e S → −∞.
∂S nS
= AnU n−1 V m N r = >0
∂U V,N U

se n > 0 (U > 0 garante que S > 0 para qualquer n). Como Equilı́brio Térmico
T (U ) ∼ U 1−n , para termos U = 0 quando T = 0 é preciso que
n < 1. Logo, 0 < n < 1. Note que substituindo r = 1 − n − m Considere um sistema fechado, composto de dois subsiste-
na expressão inicial, podemos reescrevê-la como s = Aun v m , mas simples separados por uma parede rı́gida, impermeável
ou seja, na forma reduzida a equação já obedece a condição e diatérmica. Os volumes e números molares são fixos em
de homogeneidade. cada subsistema e, portanto, dV (1) = dV (2) = 0 e dN (1) =
Para que P > 0, embora não seja uma exigência dos pos- dN (2) = 0. Por outro lado, a energia obedece
tulados, devemos ter m > 0.
U (1) + U (2) = cte → dU (1) = −dU (2) .
78 Para garantir que uma relação fundamental esteja dimensionalmente correta pode-se introduzir constantes dimensionais, θ, v e R, ou usar o
0
valor de algumas variáveis em um estado de referência. A temperatura e o volume são medidos, respectivamente, em unidades de θ e v0 . Como R
serve para equacionar energia e temperatura (por exemplo, em U = f N RT /2), a unidade de energia é Rθ. Já a entropia (energia por temperatura),
escala com R.
79 Note que as variáveis no estado de referência, S , V e N , devem ser reescaladas pois também são extensivas.
0 0 0
Queremos encontrar os valores de U (1) e U (2) que maximi- embora impermeável. Então:
zam a entropia (a condição de extremo é dS = 0). A entropia
total do sistema, pela aditividade, é U (1) + U (2) = cte → dU (1) = −dU (2)
(1) (1) (1) (1) (2) (2) (2) (2)
V (1) + V (2) = cte → dV (1) = −dV (2) .
S = S (U , V , N ) + S (U , V , N ).
Como dS = 0:
Diferenciando e usando os vı́nculos para os volumes e números    (1) 
molares: 1 1 (1) P P (2)
dS = − dU + − dV (1) = 0.
 (1)   (2)  T (1) T (2) T (1) T (2)
∂S ∂S
dS = (1)
dU (1) + dU (2)
∂U V (1) ,N (1) ∂U (2) V (2) ,N (2) Logo, como dU (1) e dV (1) são independentes:
 
1 1 1 1
= (1) dU (1) + (2) dU (2) = − (2) dU (1) = 0. T (1) = T (2)
T T T (1) T
P (1) = P (2) .
Logo, o estado de equilı́brio está associado à homogeneidade
da temperatura, de acordo com nosso conceito intuitivo: Este é o resultado intuitivo esperado do ponto de vista
mecânico80 . Além disso, as duas equações acima, juntamente
T (1) = T (2) . com os dois vı́nculos (para a energia e volume total) permitem
encontrar os valores das quatro incógnitas (U (i) e V (i) ).
Para caracterizar o estado final de equilı́brio precisamos Se a parede for móvel, mas adiabática, teremos um mo-
obter as duas incógnitas, U (1) e U (2) . Como T (i) = vimento oscilatório perpétuo da parede se não houver atrito
T (i) (U (i) , V (i) , N (i) ), a expressão acima, juntamente com o na parede ou devido à viscosidade do lı́quido. Neste caso, o
vı́nculo U (1) + U (2) = cte, fornecem as duas equações ne- pistão se desloca comprimindo o gás de menor pressão e au-
cessárias para isso (caso a relação fundamental de cada sub- mentando a temperatura e a pressão deste, ultrapassa o ponto
sistema, que não precisam ser iguais, forem conhecidas). de equilı́brio para, em seguida, inverter o sentido do processo,
Se no estado inicial as duas temperaturas forem diferentes, criando um movimento oscilatório. Como δQ(i) = 0, dU (i) e
por exemplo, T (1) > T (2) , podemos determinar a direção do dV (i) não são mais independentes: dU (i) = −P (i) dV (i) . No
fluxo de energia. Próximo ao estado de equilı́brio final: ponto de equilı́brio, as pressões se igualam pois, como a ener-
  gia total é constante:
1 1
∆S = (1)
− (2) ∆U (1) .
T T dU (1) = −dU (2) → −P (1) dV (1) = P (2) dV (2) → P (1) = P (2) .
Como o termo entre parênteses é negativo e ∆S > 0 (o sistema
As temperatura são, porém, indeterminadas porque dS se
se aproxima do valor máximo de S), temos que ∆U (1) < 0. Ou
anula identicamente, não fornecendo uma equação extra:
seja, o sistema 1, que inicialmente tem a temperatura maior,
perde energia ao longo do processo, e o fluxo é no sentido da    (1) 
1 1 (1) (1) P P (2)
maior para a menor temperatura. Esta é outra propriedade dS = − (−P dV ) + − dV (1)
T (1) T (2) T (1) T (2)
intuitiva que T satisfaz e nos leva a identificá-la como a tem-
peratura empı́rica do sistema. = 0.

Logo, se houver dissipação (atrito com as paredes, viscosidade,


Equilı́brio Mecânico etc), o sistema atinge o equilı́brio com igualdade nas pressões,
mas os valores finais de T (1) e T (2) vão depender da viscosi-
Vamos considerar um sistema composto, fechado, onde os sub- dade relativa (não há troca de calor entre os sistemas, mas o
sistemas estão separados por uma parede móvel e diatérmica, atrito interno81 , se houver, gera calor).

80 No equilı́brio mecânico, as forças de cada lado da parede móvel são iguais. Como a área é a mesma, as pressões também devem ser iguais.
81 Destemodo a energia permanece no sistema, se o atrito fosse no movimento do pistão, calor seria transferido para a parede (a menos que essas
tivessem capacidade térmica nula).
FIS01020 - Termodinâmica - Aula 11
12 de setembro de 2018

Fluxo de matéria Extremizando S:


3
"    #
Seja uma parede rı́gida e diatérmica, permeável a N1 mas im- X ∂Si ∂Si
dS = dUi + dVi
permeável às outras espécies moleculares. Queremos os valores i=1
∂Ui Vi ,Ni ∂Vi Ui ,Ni
de equilı́brio das energias e números molares. Então:    
1 1 1 1
= − dU1 + − dU2
(1) (2) T1 T3 T2 T3
1 µ1 (1) 1 µ (2)  
dS = (1)
dU (1) −(1)
dN1 + (2) dU (2) − 1(2) dN1 P1 P2 P3
T T T !T + +2 −3 dV1 = 0.
  (1) (2) T1 T2 T3
1 1 (1) µ1 µ1 (1)
= − (2) dU − − (2) dN1 ,
T (1) T T (1) T Como U1 , U2 e V1 são variáveis independentes, no equilı́brio:

(2) (1) T1 = T2 = T3
onde usamos que dU (2) = −dU (1) e dN1 = −dN1 . No
(1) (2) P1 + 2P2 = 3P3 ,
extremo, T (1) = T (2) e µ1 = µ1 . Assim, do mesmo modo
que diferenças de temperatura e pressão induzem, respectiva- que corresponde ao equilı́brio dos torques (as seções retas são
mente, transferência de calor e de volume, uma diferença no iguais, logo F1 + 2F2 = 3F3 ).
potencial quı́mico gera um fluxo de matéria, cuja corrente será
proporcional ao gradiente. Próximo ao ponto de equilı́brio, su-
pondo que as temperaturas já tenham se igualado, a diferencial Exemplo 21: Dois gases ideais, um mono e outro
acima fica: diatômico, têm as seguintes equações de estado, respectiva-
1  (1) (2)

(1) mente:
dS = − µ1 − µ1 dN1 .
T
1 3 N (1) P (1) N (1)
(1) (2)
Como dS > 0, se µ1 > µ1 , teremos dN1 < 0, ou seja,
(1) = R , = R (1)
T (1) 2 U (1) T (1) V
as partı́culas migram das regiões com alto potencial quı́mico 1 5 N (2) P (2) N (2)
(altas energias) para regiões com baixo µ. Assim, o potencial = R (2) , = R (2) .
T (2) 2 U T (2) V
quı́mico tende à homogeneidade.
O número de mols do primeiro sistema é N (1) = 0.5, e do se-
gundo, N (2) = 0.75. Os dois sistemas estão confinados em um
Exemplo 20: Considere três cilindros de mesma seção cilindro fechado, separados por um pistão fixo, impermeável
reta82 , preenchidos com gases (que podem ser diferentes). Os e adiabático. As temperaturas iniciais são T (1) = 200 K e
pistões são conectados através de uma barra a distâncias 1, 2 T (2) = 300 K, e o volume total é de 20 ℓ. O pistão é subs-
e 3 (escala arbitrária) a partir do eixo: tituı́do por outro, diatérmico e livre para se mover. Qual a
energia, volume, pressão e temperatura de cada subsistema
quando o equilı́brio é atingido?
No estado inicial:
1 3 1 1 (1)
= R → U0 = 150R
200 2 2 U (1)
0
1 5 3 1 (2)
= R → U0 = 562.5R,
300 2 4 U (2)
0

(1) (2)
ou seja, a energia total é U = U0 + U0 = 712.5R. No
Há fluxo de calor entre os cilindros através da mesa, o sistema
equilı́brio, T (1) = T (2) :
é fechado e há vácuo externo. Encontre a relação entre as
temperaturas e entre as pressões. 3 N (1) 5 N (2) 5
O sistema é fechado, a energia é constante e R (1) = R (2) → U (2) = U (1) .
2 U 2 U 2

dU1 + dU2 + dU3 = 0 → dU3 = −dU1 − dU2 . Logo:


5
As variações de volume obedecem: U (1) + U (1) = 762.5R → U (1) = 1689.6 J,
2
dV2 = 2dV1 e dV3 = −3dV1 . onde usamos R = 8.3 J/mol.K. Assim, U (2) = 4224.1 J.
82 Se não fossem iguais, a variação de volume teria que levar isso em conta.
Com as energias, calculamos as temperaturas:

2U (1)
T (1) = = 271.4 K = T (2) .
3RN (1) Exemplo 22: Encontre as adiabáticas P = P (V ) para
um sistema gasoso cuja energia é dada por
No equilı́brio, P (1) = P (2) . Assim
5
U= P V + C,
N (1) N (2) 2
(1)
= (2) → 2V (2) = 3V (1) .
V V
onde C é uma constante.
Sabendo que V (1) + V (2) = 20 ℓ = 20 × 10−3 m3 :
Como δQ = 0, dU = −δW = −P dV . Assim:
(1) 3
V = 8 ℓ = 0.008 m 5 dP 7 dV
(2) (P dV + V dP ) = −P dV → + = 0.
V = 12 ℓ = 0.012 m3. 2 P 5 V

Logo, usando que 1 atm = 1.01 × 105 N/m2 : Integrando, P 5 V 7 = cte.

N (1) T (1)
P (1) = P (2) = R = 140789 Pa = 1.39 atm.
V (1)
FIS01020 - Termodinâmica - Aula 12
Jeferson J. Arenzon – 24 de setembro de 2018

Equação de Euler As variáveis extensivas podem ser eliminadas, dividindo a


primeira e a segunda equação pela terceira. Respectivamente:
Considere uma função homogênea de primeira ordem:
T 3 3µ
=− →s=−
f (λx1 , . . . , λxn ) = λf (x1 , . . . , xn ) µ s T
P 1 µ
a qual derivamos83 em relação a λ: =− →v=− .
µ v P
X ∂ ∂
f (λx1 , . . . , λxn ) (λxi ) = f (x1 , . . . , xn ) Substituindo em qualquer equação de estado, restam somente
i
∂λxi ∂λ os parâmetros intensivos, além das constantes:
X ∂
xi f (λx1 , . . . , λxn ) = f (x1 , . . . , xn ). v0 θ
∂λx i T 3 = −27 µP.
i R2
Fazendo84 λ = 1: Esta equação relaciona as três variáveis intensivas, indicando
X ∂f
xi = f, que elas não são todas independentes.
i
∂xi

conhecido, genericamente, como85 Teorema de Euler. Para


f = U obtemos a Equação de Euler86 : Equação de Gibbs-Duhem
∂U ∂U ∂U
U =S +V +N = T S − P V + µN. (31) O número de parâmetros intensivos capazes de variações in-
∂S ∂V ∂N dependentes é chamado de número de graus de liberdade
87
Assim, se conhecemos todas as equações de estado, podemos termodinâmicos de um dado sistema .
substituı́-las na Eq. (31), recuperando a relação fundamental. A partir da equação de Euler podemos obter uma relação
De modo equivalente, na representação de entropia: entre as variações das quantidades intensivas, conhecida como
equação de Gibbs-Duhem. Diferenciando a equação de
∂S ∂S ∂S U PV µN
S= U+ V + N= + − . (32) Euler na representação de energia:
∂U ∂V ∂N T T T
dU = T dS + SdT − P dV − V dP + µdN + N dµ

Exemplo 24: [Callen 2.2-1] Considere a relação funda- e usando que dU = T dS − P dV + µdN , obtemos:
mental
v0 θ S 3 0 = SdT − V dP + N dµ → dµ = −sdT + vdP, (33)
U=2
.
R NV que pode ser integrada para obter µ, a menos de uma cons-
Podemos calcular as variáveis intensivas (equações de estado): tante. Uma vez obtidas todas as equações de estado, a substi-
tuição na equação de Euler recupera a relação fundamental88 .
v0 θ S 2 v0 θ s2
T = 3 2 =3 2 A equação de Gibbs-Duhem é consequência do fato de que
R NV R v podemos trabalhar somente com as variáveis molares, sem re-
v0 θ S 3 v0 θ s3 ferência explı́cita à quantidade de massa no sistema e, a partir
P = =
R2 N V 2 R2 v 2 do comportamento de um mol, obter as propriedades para um
v0 θ S 3 v0 θ s3 sistema de N mols.
µ = − 2 2 =− 2 .
R N V R v Analogamente, da Eq. (32), na representação de entropia:
Substituı́ndo na equação de Euler, reobtemos U :     µ µ
1 1 P P
  dS = U d + dU + V d + dV − N d − dN
v0 θ 3S 2 S3 S3 v0 θ S 3 T T T T T T
U = 2 S× −V × 2
−N × 2 = 2 .
R NV NV N V R NV
83 Considere, como exemplo, uma função do tipo f = ax21 x22 + bx3 e aplique a regra da cadeia.
84 Se λ 6= 1, do lado esquerdo temos a função que descreve um sistema reescalado, diferente portanto da que aparece no lado direito (mas a
derivada, que corresponde à uma quantidade intensiva, é a mesma).
85 No caso de uma única variável, a função deve ser uma reta que passa pela origem, xdf /dx = f .
86 Note que esta equação não foi obtida pela integração de dU .
87 No Ex. 24 há dois graus de liberdade. Um sistema simples, com r espécies moleculares, tem r + 1 graus de liberdade termodinâmicos: r + 2

variáveis intensivas (T , P e r valores de µj ), mas é preciso descontar o vı́nculo entre elas. Os graus de liberdade termodinâmicos não correspondem
aos graus de liberdade f das moléculas. Por exemplo, gases ideais com f distintos têm o mesmo número de graus de liberdade termodinâmicos.
88 Outra possibilidade é simplesmente integrar du = T ds − P dv, o que nos fornece a equação fundamental diretamente.
que, combinada com e subtraı́ndo, s − s0 , obtemos:
1 P µ "   #
f /2
dS = dU + dV − dN, u v
T T T s = R ln + s0 .
u0 v0
fornece:
    µ
1 P SOLUÇÃO 2: integrando ds diretamente:
0 = Ud +Vd − Nd ,
T T T
1 P f R du dv
a qual pode ser usada para obter µ/T : ds = du + dv = +R ,
T T 2 u v
µ    
1 P obtemos obviamente o mesmo resultado, mas de
d = ud + vd . (34)
T T T um modo bem mais simples.
SOLUÇÃO 3: as equações de estado, na repre-
sentação de entropia, podem ser escritas como
Exemplo 25: Considere um gás ideal89 :  
1 fNR ∂S
f = =
P V = N RT e U = N RT. T 2U ∂U V,N
2  
P NR ∂S
Qual a equação fundamental na representação de entropia? = = .
T V ∂V U,N
SOLUÇÃO 1:
  Integrando a primeira equação:
1 fNR fR 1 fR
= = → d = − 2 du
T 2U 2u T 2u f
  S= N R ln U + g(N, V )
P NR R P R 2
= = → d = − 2 dv.
T V v T v onde g(N, V ) é uma função a ser determinada. De-
Da equação de Gibbs-Duhem: rivando em relação ao volume:
µ      
1 P fR R ∂S ∂g NR
d = ud + vd =− du − dv. = = .
T T T 2u v ∂V U,N ∂V V
Agrupando as diferenciais: Logo:
µ  
fR f g = N R ln V + h(N ),
d =− d ln u − Rd ln v = −Rd ln u + ln v
T 2 2
µ onde a constante de integração é uma função so-
µ fR mente de N . Para que S seja uma função ho-
=− ln u − R ln v + .
T 2 T 0 mogênea de primeira ordem, é preciso que h(N )
Assim, quando as variáveis de integração aparecem também seja. Como é uma função de uma única
separadamente, reagrupar todas as contribuições variável (ver nota 85), sua forma deve ser h(N ) =
em uma única diferencial é trivial90 e equivalente aN . No estado de referência:
a integrar termo a termo. Substituı́ndo na equação f
de Euler S0 = N0 R ln U0 + N0 R ln V0 + aN0 .
2
u Pv µ
s= + − Subtraindo S0 /N0 de S/N eliminamos a constante
T T T
fR fR µ a e obtemos:
= +R+ ln u + R ln v −
2 2 T 0 S S0 f U V
= + N R ln + N R ln .
Escolhendo um estado de referência, N N0 2 U0 V0
fR fR µ
s0 = +R+ ln u0 + R ln v0 − ,
2 2 T 0

89 Podemos generalizar para um gás cuja energia seja somente função de T , não necessariamente uma função linear.
90 Embora aqui as variáveis tenham aparecido separadamente, facilitando a integração, na maior parte dos casos isso não ocorre.
FIS01020 - Termodinâmica - Aula 13
Jeferson J. Arenzon – 26 de setembro de 2018

Combinando os termos e integrando:


µ  
Exemplo 26: Obtenha a relação fundamental a partir d
T
= −A−1/2 d u1/4 v 1/2
das equações de estado: µ
= −A−1/2 u1/4 v 1/2 + C.
1 T
U =PV
2 Agora podemos substituir na equação de Euler:
AU 3/2 u Pv µ
T2 = . s= + − = 4A−1/2 u1/4 v 1/2 + C.
V N 1/2 T T T
Como U é variável, estamos na representação
de entropia. Então:
Au3/2 1
T2 =
v

T
= A−1/2 v 1/2 u−3/4 Exemplo 27: Vamos considerar um caso em que não
e seja imediato reconstruir a diferencial:
2U 2u P dz = (4xy 3/2 − 5x−1 )zdx + (3x2 y 1/2 + 2y)zdy.
P = = → = 2A−1/2 v −1/2 u1/4 .
V v T Para obter z(x, y) vamos primeiro considerar y constante
Solução 1: substituindo na primeira lei: (e, portanto, dy = 0). Separando as variáveis:
1 P dz
ds = du + dv = (4xy 3/2 − 5x−1 )dx → ln z = 2x2 y 3/2 − 5 ln x + f (y),
T T  z
= A−1/2 v 1/2 u−3/4 du + 2v −1/2 u1/4 dv onde f (y) é uma função arbitrária de y. Mantendo agora x
  constante:
= 4A−1/2 d u1/4 v 1/2 ,
dz
= (3x2 y 1/2 + 2y)dy → ln z = 2x2 y 3/2 + y 2 + g(x).
e integrando: z
Por consistência:
s = 4A−1/2 u1/4 v 1/2 + s0
S = 4A−1/2 U 1/4 V 1/2 N 1/4 + N s0 . f (y) = y 2 + C
g(x) = −5 ln x + C,
Solução 2: para usar a equação de Gibbs-Duhem
precisamos diferenciar as equações de estado, logo:
    ln z = 2x2 y 3/2 + y 2 − 5 ln x + z0 .
1 1 −1/2 −3/4 3
d = A−1/2 v u dv − v 1/2 u−7/4 du
T 2 4
   
P −1/2 1 −3/2 1/4 1 −1/2 −3/4
d = 2A − v u dv + v u du .
T 2 4 Exemplo 28: Uma substância obedece às seguintes
Substituı́ndo na Eq. (34), obtemos d(µ/T ): equações:
µ    
1 P s3 = aT v u = P v,
d =ud + vd
T T T onde a é uma constante positiva. Note que, pela presença

1 −1/2 1/4 3 tanto de u quanto de s, as equações de estado não podem ser
=A−1/2 v u dv − v 1/2 u−3/4 du
2 4 imediatamente escritas na forma (1/T, P/T ) ou (T, P ).

1 Usando a representação de entropia91 , a pri-
− v −1/2 u1/4 dv + v 1/2 u−3/4 du
2 meira equação fica:
 
1 −1/2 1/4 1 1 av ∂s s4
= − A−1/2 v u dv + v 1/2 u−3/4 du . = 3 = → = auv + f (v).
2 4 T s ∂u 4
91 Podemos, equivalentemente, usar a representação de energia. Neste caso:
s3 ∂u s4
T = = → u= + f (v)
av ∂s 4av
u ∂u g(s)
P = =− → ln u = − ln v + ln g(s) → u =
v ∂v v
onde escrevemos a constante como ln g por conveniência. Notando que g pode ser escrita como g(s) = h(s) + c, e comparando as duas expressões,
obtemos f (v) = c/v e h(s) = s4 /4a, recuperando o resultado do exemplo.
Da segunda equação: Por exemplo, no gás de van der Waals, w =
R/(v − b) e q = a/v 2 . Podemos então integrar
P ua ∂s s4 dr = (−a/v 2 )dv e obter r = a/v. A função q(v)
= 3 = .→ = auv + g(u).
T s ∂v 4 se origina da interação entre as moléculas, então
Comparando as duas equações, por consistência, se espera que a contribuição desta interação para
devemos ter: a energia (potencial) do sistema, r(v), seja rela-
cionada a ela. É interessante notar que nenhuma
f (v) = g(u) = cte. restrição é imposta à função w(v).
Aqui as variáveis u e v não aparecem, em
Logo: princı́pio, separadamente e não podemos integrar
s = (4auv + C)1/4 . termo a termo (conhecidas as funções w, q e r).

Como dS é uma diferencial exata, e dS = (1/T )dU +


(P/T )dV − (µ/T )dN , as equações de estado devem obedecer à Exemplo 30: Considere as equações de estado
condições de consistência uma vez que a ordem das operações
em uma derivada segunda pode ser invertida92 . Por exemplo, T3 v
P =A u = BT n ln ,
    v v0
∂ 1 ∂ P
= (35)
∂V T U ∂U T V onde A, B, n e v0 são constantes. Calcule B e n para que elas
sejam consistentes.
e, analogamente, para os outros possı́veis pares de derivadas
cruzadas. Na representação de entropia
  1/n
1 B v
Exemplo 29: Considere um gás cujas equações de es-
T
=
u
ln
v0
tado têm a forma:   −2/n
P T2 A B v
P = T w(v) − q(v) u = cT − r(v) =A = ln .
T v v u v0
onde w, q e r são funções somente de v. Mostre que por con- Por consistência:
sistência, estas funções não podem ser totalmente arbitrárias.    
∂ 1 ∂ P
Podemos colocá-las na seguinte forma: =
∂v T u ∂u T v
1 c
=
T u + r(v)  1/n   1/n−1
B 1 v
P q(v) cq(v) ln
= w(v) − = w(v) − . u nv v0
T T u + r(v)   −2/n
2A v
Logo: = B ln u2/n−1 .
nv v0
 
∂ 1 c dr(v)
=− Do expoente de u:
∂v T u [u + r(v)]2 dv
1 2
  − = −1→n=3
∂ P cq(v) n n
= .
∂u T v [u + r(v)]2 e, igualando os coeficientes:

Substituindo na Eq. (35), vemos que r e q estão 1 A 2


B 1/3 = 2/3 → B = 2A.
relacionadas por: 3 B 3
dr(v)
q(v) = − .
dv

92 A condição para que as derivadas comutem é que a derivada segunda seja sempre contı́nua (teorema de Schwarz ou de Clairaut).
FIS01020 - Termodinâmica - Aula 14
Jeferson J. Arenzon – 28 de setembro de 2018

Processos possı́veis são aqueles que não violam as leis da Neste caso, o processo é irreversı́vel e a variação de entropia,
termodinâmica, ou seja, nenhuma lei fundamental impede a máxima. Quando trabalho é extraı́do, a energia total do sis-
existência do processo: em um sistema isolado, a energia total tema composto diminui, ∆U < 0. Colocando uma máquina
permanece constante e a entropia não diminui. Em equilı́brio, cı́clica entre eles para aproveitar o fluxo de calor (não estão
o estado do sistema é tal que dentre todos os estados virtu- mais em contato térmico direto), o trabalho produzido será94 :
ais, o sistema se encontra naquele que maximiza a entropia
(1) (2)
(dS = 0). Ao remover ou modificar algum vı́nculo, o sistema W = −∆U = C(T0 + T0 − 2TF ) > 0
(composto) deve maximizar sua entropia levando em conta os
novos estados virtuais que se tornam acessı́veis. Como o es- e, portanto, TF < TFMAX . Uma parte do excesso de energia que
tado inicial também faz parte do espaço de estados virtuais, o o sistema 2 tem em relação ao sistema 1 será convertida em
sistema permanece com ou aumenta sua entropia, ∆S ≥ 0. trabalho, e o restante será entregue a este último até que a
temperatura dos dois sistemas se iguale, cessando o fluxo de
calor. Quanto maior for TF , menor será o trabalho realizado
Exemplo 31: A diferença de temperatura, T0(1) < T0(2), porque uma fração maior do calor trocado entre os sistemas
entre dois objetos idênticos pode ser usada para realizar tra- será convertida em energia interna, permanecendo no sistema.
balho em um sistema puramente mecânico. Cada sistema é A variação de entropia no processo é (a máquina intermediária
composto de um gás ideal onde N e V são mantidos constan- funciona ciclicamente e não contribui):
tes, ou seja, nenhum trabalho, nem mecânico nem quı́mico, é
feito diretamente. Qual é a quantidade máxima de trabalho TF TF T2
∆S = C ln (1) + C ln (2) = C ln (1) F (2) .
que pode ser obtida do fluxo de calor entre os sistemas? T0 T0 T0 T0
A equação fundamental do sistema é
  No caso ideal, toda a energia que sai do sistema 2 seria con-
U vertida em trabalho, portanto, o sistema 1 não receberia nada
S = S0 + C ln ,
U0 e sua temperatura não seria alterada. Se fosse possı́vel, o
(1)
processo continuaria até que T (2) = TF = T0 . Neste caso
onde C = N f R/2 é sua capacidade térmica, constante e pro- (2) (1) (1) (2)
terı́amos W = C(T0 − T0 ) e ∆S = C ln(T0 /T0 ) < 0, o
porcional à massa, e S0 é uma constante que inclui os termos
que viola a monotonicidade da entropia. Então, o menor valor
em N e V . Logo:
possı́vel aceitável para TF corresponde a uma variação nula de
∂S C 1 entropia, ∆S = 0, ou seja, um processo reversı́vel. Assim,
= ≡ → U = CT.
∂U U T a eficiência será máxima quando o processo escolhido tiver a
menor variação possı́vel de entropia95 , ∆S = 0. Neste caso,
Os dois sistemas são finitos, não podendo ser considerados
q
como reservatórios térmicos. Ao serem postos em contato, MIN (1) (2)
suas temperaturas mudam e, quando o equilı́brio é atingido, TF = T0 T0 .
serão ambas iguais93 a TF . A variação de energia é
Então, a melhor máquina, aquela que maximiza o trabalho,
(1) (2) efetua
∆U = 2CTF − C(T0 + T0 ),
 q 
(1) (2) (1) (2)
e como o sistema composto é termicamente isolado, Q = 0 e WMAX = C T0 + T0 − 2 T0 T0
∆U = −W . Se há somente o fluxo de calor entre os dois, sem q q 2
produzir trabalho (W = 0), a energia permanece constante, =C
(1)
T0 − T0
(2)
.
(1) (2)
∆U = −W = 2CTF − C(T0 + T0 ) = 0,
Assim, as temperaturas finais de equilı́brio estão no intervalo
e a temperatura final é a maior possı́vel, definido pelas médias geométrica e aritmética:
(1) (2) q (1) (2)
T0 + T0 (1) (2) T + T0
TFMAX = . T (1) ≤ T0 T0 ≤ TF ≤ 0 ≤ T (2) .
2 2
93 Aqui já estamos usando o princı́pio de maximização da entropia, o qual garante que esses sistemas atingem um estado de equilı́brio com a

mesma temperatura. Se não fossem iguais, mais trabalho poderia ser extraı́do, explorando esta diferença.
94 ∆U , que é convertido em trabalho mecânico, não inclui o calor rejeitado para o sistema 1 e que permanece, portanto, no sistema composto.
95 Quanto mais entropia produzir a máquina, menos trabalho útil ela fará. A quantidade de entropia produzida depende da máquina, mas a
(1)
segunda lei nos garante que para todo o sistema, ∆S ≥ 0. O sistema 2 perde energia para o sistema 1. Quanto mais próxima de T0 for a
temperatura final (1 recebe então pouco calor), mais trabalho é feito pela máquina, pois recebe mais energia. O estado com T (1) =T (2) = TF foi
obtido maximizando a entropia entre todos os possı́veis estados (por exemplo, com T (1) 6= T (2) ). Há vários processos que levam a este estado, com
uma maior ou menor produção de entropia e diferentes valores para TF . Para obter o máximo trabalho, a produção de entropia deve ser mı́nima.
Revertendo o processo, o trabalho produzido pela máquina A maior temperatura que satisfaz a desigualdade acima
pode ser usado para remover a energia cedida à 1 e colocá-la (ver gráfico) é TM ≃ 409.5 K (enquanto TF ≃ 320.2 K < TM ).
novamente em 2, o que só pode ser feito totalmente se ∆S = 0. Este valor corresponde à ∆S = 0, ou seja, a máxima eficiência
Podemos, também no caso reversı́vel, devolver todo o tra- em aumentar a temperatura de um dos corpos é obtida com
balho produzido (e armazenado na fonte reversı́vel de tra- um processo reversı́vel. Podemos também tentar encontrar o
balho) para os dois corpos e aumentar as suas temperatu- menor valor possı́vel de TM , invertendo os processos e usando
ras (que agora são iguais). Ao fazer isso, ambos atingem o a máquina auxiliar para resfriar o sistema. O menor valor
mesmo estado final do processo irreversı́vel, com temperatura possı́vel, compatı́vel com ∆S ≥ 0, é TM ≃ 293.75 K, enquanto
(1) (2)
TF = (T0 + T0 )/2, mas agora de forma reversı́vel. que os outros dois sistemas terão uma temperatura maior,
TF ≃ 378.12 K > TM . Novamente, a maior eficiência ao refri-
gerar é obtida com um processo reversı́vel, ∆S = 0.
Exemplo 32: Sejam três sistemas iguais aos do exem-
4.2
plo 31, com temperaturas iniciais T1 = 300 K, T2 = 350 K e 4
T3 = 400 K. Queremos maximizar a temperatura final de um

TM (1050 − TM )2 /(4 × 107 )


deles, independentemente das temperaturas dos outros dois.
3
Qual é esta temperatura máxima?
Nenhum trabalho lı́quido é produzido (se o sistema auxiliar
usado para transferir energia de um corpo para outro produzir 2
algum trabalho, este será usado para aumentar ainda mais a
temperatura de um dos corpos) nem os corpos devem estar em 1
contato (um fluxo de calor, neste caso, seria um processo irre-
versı́vel). No estado final, um dos corpos (note que o problema
PSfrag replacements
0
não faz distinção entre eles) terá temperatura TM , enquanto 0 200 400 600 800 1000
que os outros dois terão a mesma temperatura TF (se não T M
fossem iguais, poderı́amos utilizar a diferença e aumentar TM
ainda mais). Como U = CT , por conservação de energia: Por outro lado, a temperatura que corresponde à maior96
variação de entropia (o pico da figura acima) é
TM + 2TF = T1 + T2 + T3 = 1050 K.
Para as temperaturas serem positivas, 0 ≤ TM ≤ 1050 K. A d 2
TM (1050 − TM ) = 0 → TM = TF = 350 K,
variação de entropia é dTM
 
TM TF2 ou seja, no caso (irreversı́vel) em que ∆S é máxima, todos
∆S = C ln . atingem a mesma temperatura.
T1 T2 T3
Como ∆S ≥ 0: Desses exemplos concluı́mos que o trabalho máximo que
2
TM TF ≥ T1 T2 T3 = 4.2 × 10 7 podemos extrair de um sistema (ou seja, a máxima eficiência)
corresponde a um processo reversı́vel (teorema de Carnot).
 2
1050 − TM Além disso, como não depende do particular processo feito,
TM ≥ 4.2 × 107 . todos processos reversı́veis são igualmente eficientes.
2

96 Esta condição também é satisfeita por TM = 1050 K ou TM = 0, mas esses valores correspondem a mı́nimos da entropia (ver figura).
FIS01020 - Termodinâmica - Aula 15
Jeferson J. Arenzon – 1 de outubro de 2018

aos parâmetros extensivos97 U , V e N . A equação fundamen-


tal S(U, {Xj }) define uma hipersuperfı́cie neste espaço (aqui
Exemplo 34: Considere a equação fundamental Xj é qualquer variável extensiva, exceto U , a única variável
1/3 em relação a qual os postulados estipulam monotonicidade),
S = A(N U V )1/3 , A ≡ R2 /θv0 . onde cada ponto representa um estado de equilı́brio98 :
Dois destes sistemas, idênticos exceto pelas temperaturas ini-
(1) (2)
ciais distintas T0 < T0 , são usados para realizar trabalho
em um sistema puramente mecânico. Quais são a menor e a
maior temperatura final de equilı́brio? Qual é a quantidade
máxima de trabalho que pode ser retirada destes sistemas?
A função de estado térmica é
 1/3  3/2
1 ∂S A NV A
= = →U = (N V T 3 )1/2 .
T ∂U 3 U2 3

O trabalho é a variação de energia do sistema composto (por


ser isolado, Q = 0):
r
A3 N V h (1) 3/2 (2) 3/2
i
W = −∆U = (T0 ) + (T0 )3/2 − 2TF .
27
Caso nenhum trabalho seja produzido (o calor flui irreversi-
Esta superfı́cie obedece à condição de monotonicidade em
velmente de um corpo para outro), a temperatura final dos
relação à energia, ∂S/∂U > 0. Além disso, a condição sobre
dois sistemas será máxima:
a declividade no limite S → 0, T −1 = ∂S/∂U → ∞, define a
1 h (1) (2)
i2/3 concavidade da superfı́cie.
W = 0 → TFMAX = 1/3 (T0 )3/2 + (T0 )3/2 .
4 Vamos considerar um processo arbitrário, representado
Por outro lado, quanto menor for TF , mais trabalho será pro- pela curva, também arbitrária, traçada na hipersuperfı́cie,
duzido. O menor valor possı́vel de TF pode ser obtido a partir indo de A até H. Tal curva é um processo quase estático99 ,
da variação da entropia (abaixo deste valor, ∆S < 0): definido como uma sucessão densa de estados de equilı́brio.
Já um processo real sempre envolve estados intermediários
r
3
A NV h i fora do equilı́brio, que não são representáveis neste espaço100 .
1/2 (1) (2)
∆S = 2TF − (T0 )1/2 − (T0 )1/2 .
3
Assim, para um processo reversı́vel (∆S = 0):
1 h (1) 1/2 (2)
i2
TFMIN = (T0 ) + (T0 )1/2 .
4

Processos quase estáticos e reversı́veis


Para descrever e caracterizar estados termodinâmicos e, por
consequência, processos possı́veis, definimos o espaço de
configurações termodinâmico: para um sistema simples,
é um espaço abstrato cujos eixos correspondem à entropia S e
97 Lembre o conjunto {U, V, N } descreve um fluido simples. Podemos ter mais variáveis extensivas para sistemas diversos.
98 Para representar estados fora do equilı́brio seria preciso um espaço com muito mais dimensões, pois o sistema não seria descrito por um número
tão reduzido de variáveis. Note também que os estados virtuais não coincidem, necessariamente, com estados fora do equilı́brio onde as variáveis
que descrevem o sistema podem nem mesmo estar bem definidas.
99 A identificação δW = P dV e δQ = T dS é válida para processos quase estáticos, caso contrário os valores de P e T podem não estar definidos.
100 Note que os eixos horizontais diferem, nas figuras, tanto na quantidade representada quanto na sua orientação, e que não há, necessariamente

(pelos postulados), uma condição do tipo ∂S/∂Xj > 0.


Esta representação (assim como o diagrama P V ) ignora onde c1 e c2 são constantes positivas. Ou seja, para uma reta,
questões dinâmicas, como tempo, velocidades, taxas, etc. Para f (x) = f (x), mas se houver curvatura, teremos uma desigual-
que um processo seja quase estático, ele deve ocorrer em esca- dade. Se f (x) for côncava, estará sempre acima de qualquer
las de tempo que sejam longas comparadas aos tempos carac- corda (reta), f (x) ≤ f (x), no intervalo x1 ≤ x ≤ x2 .
terı́sticos de relaxação do sistema. Assim, um processo real
não é quase estático, mas podemos aproximá-lo tanto quanto
quisermos. Por exemplo, se o sistema está no estado A e um Exemplo 36: Considere a transferência, quase estática,
vı́nculo é retirado, ele desaparece de A e aparece em B (os de calor entre dois sistemas enquanto os volumes são manti-
estados intermediários não são de equilı́brio e, portanto, não dos fixos. Se os sistemas estiverem à mesma temperatura, o
podem ser representados). Porém, podemos aproximar B de processo é reversı́vel e o aumento de entropia de um dos sis-
A, fazendo com que o processo descreva cada vez melhor o temas, δQ/T , corresponde à diminuição de entropia do outro.
processo real. Se um processo não for quase estático, não será Se as temperaturas iniciais forem diferentes, T10 < T20 , te-
uma sucessão densa de estados e, portanto, não faz sentido remos fluxo de calor até os dois corpos atingirem a mesma
tentar reverter um processo que não pode ser representado. temperatura final TF . Como não há trabalho e o sistema é
Logo, processos que não são quase estáticos são irreversı́veis. fechado, Q1 = −Q2 , o que determina TF :
Por outro lado, processos quase estáticos podem ser reversı́veis
Z TF Z TF
ou não (por exemplo, podemos ter atrito com a parede em uma
expansão ou fazer uma série de expansões livres infinitesimais). C1 (T1 )dT1 + C2 (T2 )dT2 = 0.
T10 T20
A evolução de um sistema não precisa necessariamente se-
guir o gradiente, a menos que esse estado se torne compatı́vel Se as capacidades térmicas não dependerem da temperatura:
após a remoção do vı́nculo. O processo de maximização da
entropia é entre os estados virtuais, que não são representados C1 (TF − T10 ) + C2 (TF − T20 ) = 0
aqui. O estado que maximiza S será o ponto na superfı́cie, e
basta satisfazer ∆S ≥ 0. C1 T10 + C2 T20
Na figura anterior, o sistema passa ao longo dos pontos A, TF = .
C1 + C2
B, etc quando removemos algum vı́nculo. Se o sistema não
for fechado, a trajetória pode tanto subir quanto descer. O A variação de entropia em cada sistema é103 :
sistema (fechado) vai para B se e somente se B tiver entro-
pia máxima dentre todas as possibilidades (estados virtuais), δQi dTi
dSi = = Ci (Ti ) ,
isto é, SB > SA e o processo é irreversı́vel, ou seja, o ca- Ti Ti
minho inverso não pode ocorrer. Um caso limite é quando
logo
não há aumento de entropia de um passo a outro, e o pro-
cesso é reversı́vel (quando a curva representa um sistema Z TF Z TF
C1 (T1 ) C2 (T2 )
composto/fechado, podemos fixar101 U e, às vezes102 , S): ∆S = dT1 + dT2
T10 T 1 T20 T2
TF TF
= C1 ln + C2 ln ,
T10 T20

onde o primeiro termo é positivo e o segundo, negativo. Para


verificar que ∆S > 0, isto é, o processo é irreversı́vel, subs-
tituı́mos TF :

C1 T10 + C2 T20
∆S = (C1 + C2 ) ln − C1 ln T10 − C2 ln T20
C1 + C2
 
C1 T10 + C2 T20 C1 ln T10 + C2 ln T20
=(C1 + C2 ) ln − .
C1 + C2 C1 + C2

Então, pela concavidade do logaritmo, ∆S > 0. A entropia


Exemplo 35: Desigualdade de Jensen. Considere os de um dos subsistemas diminui enquanto que a do outro au-
pontos x1 e x2 sobre a função côncava f (x), e a corda (reta) menta. É sempre possı́vel diminuir a entropia de um sistema
que os une, ax + b. A média (ponderada) de f (x1 ) e f (x2 ) particular, desde que esta diminuição seja compensada por um
corresponde ao ponto da reta calculado no valor médio de x: aumento igual ou maior em algum outro sistema.
c1 f (x1 ) + c2 f (x2 ) c1 x1 + c2 x2
f (x) = =a + b = ax + b.
c1 + c2 c1 + c2
101 Nesta figura, não aparece U , que é constante para um sistema fechado.
102 Num sistema isolado não há troca de calor com o exterior, mas isso não significa, necessariamente, que ∆S = 0. A expansão livre é um exemplo:
como o processo é irreversı́vel, não podemos usar o calor do próprio processo (nulo, no caso) para o cálculo de ∆S. Precisamos encontrar um
processo reversı́vel equivalente (que leva ao mesmo estado final), e este necessita de um contato externo (pois o aumento de entropia do sistema será
compensado, afinal o processo é reversı́vel, pela diminuição da entropia desse sistema externo).
103 Cada um dos corpos é colocado em contato com n reservatórios com temperaturas entre T
i0 e Tf . No limite n → ∞ temos um processo reversı́vel.
FIS01020 - Termodinâmica - Aula 16
Jeferson J. Arenzon – 3 de outubro de 2018

perdido pelo gás é todo entregue ao reservatório,


|QR | = |Q|. Neste caso (Q = −QR ),
Exemplo 37: Um mol de um gás ideal monoatômico
efetua um processo isocórico (V0 ) que o leva da temperatura QR 3
∆Stotal = ∆Sgás + = R(1 − ln 2) > 0.
T0 até T0 /2. Qual o trabalho máximo que pode ser obtido T0 /2 2
deste processo? Considere que um reservatório térmico à tem-
Note que o caráter de reversı́vel ou irreversı́vel é
peratura T0 /2 é disponı́vel.
dado pelo destino do calor retirado do sistema no
Não há trabalho entregue diretamente pelo sis- processo representado no diagrama P V . Deste
tema no processo, W = 0 (área nula sob a curva modo, o processo isocórico necessariamente é re-
do processo), e a perda de calor é: versı́vel (caso contrário, o processo como um todo,
incluindo o reservatório, não poderia ser).
3
Q = N cV ∆T = − RT0 = ∆U.
4
Uma variação infinitesimal da pressão ao longo
do caminho, P → P − dP , envolve uma perda de Exemplo 38: [Callen 4.5-6] Um mol de um gás ideal é
3 levado do estado A para o estado C através de dois processos
δQ = N cV dT = RdT. reversı́veis distintos: a) adiabático e b) isocórico seguido de
2
isobárico. Apesar das serem distintas, mostre que o trabalho
Vamos usar este calor e alimentar uma máquina máximo que pode ser extraı́do é o mesmo nos dois caminhos.
de Carnot (reversı́vel) funcionando entre a tem-
peratura T em que ocorre o processo infinitesimal
PA A
(que pode, portanto, ser considerada constante) e a
temperatura final do processo, T0 /2. Sua eficiência
é:
P

T0
ηR = 1 − .
2T
PC B C
Ao longo do processo isocórico, o trabalho total
produzido por esta máquina de Carnot será: VA VC
Z T0 /2 Z   V
3 T0 /2 T0
W = ηR |δQ| = − 1− RdT Ao longo do processo adiabático, como não há
T0 2 T0 2T
3 liberação ou absorção de calor, o trabalho máximo
= RT0 (1 − ln 2) . que pode ser obtido é o trabalho produzido dire-
4
tamente pelo sistema (área sob a curva):
onde usamos que |δQ| = −δQ pois dT < 0 (o calor
f
que sai do sistema é o que entra na máquina). Wadiab = (PA VA − PC VC ) = Wmax .
Podemos também obter o trabalho máximo 2
pela entropia. Para o gás: A área sob o outro processo é menor:
3 WABC = PC (VC − VA ) < Wadiab .
∆Sgás = − R ln 2
2
Porém, é possı́vel obter um trabalho adicional
enquanto que para todo o sistema: aproveitando o calor trocado pelo sistema. Va-
QR 3 mos considerar o processo isocórico, no qual não há
∆Stotal = ∆Sgás + = 0 → QR = RT0 ln 2. trabalho produzido diretamente pelo sistema, so-
T0 /2 4
mente perda de calor. Como no exemplo 37, uma
Note que o reservatório recebe calor, QR > 0. O variação infinitesimal da pressão, P → P − dP ,
trabalho máximo produzido é: produz uma perda de calor:
3 3 f
W = |Q| − |QR | = RT0 − RT0 ln 2, δQ = cV dT = RdT < 0.
4 4 2
cujo valor é igual ao calculado anteriormente. Vamos usar este calor para alimentar uma máquina
Quando nenhum trabalho é obtido, W = 0, o calor de Carnot funcionando entre a temperatura em
que ocorre o processo infinitesimal, T , e a tem- ao longo dos dois processos é:
peratura final do processo TB = PC VA /R (que
é a mesma do reservatório térmico auxiliar). A W = WABC + W1 − W2
eficiência é:  
f PC
ηR = 1 − TB /T. = PC (VC − VA ) + VA PA − PC + PC ln
2 PA
 
Ao longo do processo isocórico, o trabalho total f +2 VA
− PC VC − VA + VA ln ,
produzido será: 2 VC
Z TB Z  
f R TB TB onde usamos −W2 porque invertemos o sentido do
W1 = ηR |δQ| = − 1− dT processo no cálculo. Usando que PA VAγ = PC VCγ e
TA 2 TA T
  γ = 1+2/f , os termos com logaritmos se cancelam:
f PC
= VA PA − PC + PC ln ,
2 PA f PC f +2 VA
VA PC ln − PC VA ln = 0.
2 PA 2 VC
onde usamos que |δQ| = −δQ.
Na etapa isobárica, o sistema recebe calor pois Simplificando, obtemos o mesmo valor do trabalho
sua energia aumenta apesar dele realizar trabalho. ao longo do processo adiabático:
Vamos considerar o processo inverso104, de VC para
VA , no qual o sistema perde calor, f
W = (PA VA − PC VC ).
2
f +2
δQ = cP dT = RdT < 0, Caso primeiro ocorresse uma expansão
2
isobárica, seguida de um processo isocórico termi-
uma fração do qual é convertida em trabalho por nando em C, como o trabalho obtido diretamente
uma máquina de Carnot auxiliar trabalhando en- é maior do que o adiabático, a fonte reversı́vel de
tre T (a temperatura do sistema) e a temperatura trabalho teria que fornecer para o sistema o equi-
TB , como no caso anterior. Assim, no sentido ori- valente de energia para que o trabalho total nova-
ginal, a mesma quantidade de trabalho deve ali- mente se igualasse ao adiabático (W1 + W2 < 0).
mentar a máquina de Carnot auxiliar, bastando Como A e C estão sobre a mesma adiabática,
inverter, no final, o sinal do trabalho obtido. possuem o mesmo valor de entropia, ou seja,
O trabalho feito ao longo do processo isobárico ∆Sgás = 0. Assim, para que ∆Stotal = 0, deve-
(invertido) é: mos ter também que o calor lı́quido trocado pela
Z TB Z   fonte térmica seja nulo, QR = 0. Note que este é
f + 2 TB TB diferente do calor lı́quido trocado pelo gás, pois no
W2 = ηR |δQ| = − 1− dT
TC 2 TC T trecho BC, ao calor cedido pela fonte adicionamos
 
f +2 VA o trabalho (−W2 ) fornecido pela máquina auxiliar.
= PC VC − VA + VA ln .
2 VC

Portanto, o trabalho total que pode ser extraı́do

104 No sentido original, o calor retirado do sistema, δQ, adicionado ao trabalho δW para fazer o refrigerador funcionar, é liberado para o reservatório
2
térmico auxiliar, δQ′ . Assim, ao percorrer o processo no sentido real, não é δQ que entra diretamente no cálculo de W2 , mas
Z Z  
|δQ| f +2 η f +2 VA
|δQ′ | = |δW2 | + |δQ| = η|δQ′ | + |δQ| → |δQ′ | = → W2 = η|δQ′ | = R dT = PC −VC + VA − VA ln .
1−η 2 1−η 2 VC
FIS01020 - Termodinâmica - Aula 17
Jeferson J. Arenzon – 5 de outubro de 2018

No que segue, dois sistemas auxiliares reversı́veis serão o restante pode ser convertido em trabalho106 (neste caso, o
utilizados, ambos com tempos de relaxação suficientemente calor entregue é mı́nimo e o trabalho feito, máximo). Pro-
pequenos de modo que todos processos internos sejam quase cessos distintos, mas com os mesmos estados inicial e final do
estáticos. O primeiro, uma fonte térmica reversı́vel para a sistema, podem ter diferentes partições entre o calor e o traba-
qual calor pode ser transferido é um sistema fechado por pa- lho entregues aos sistemas auxiliares, porém, tanto a variação
redes impermeáveis e rı́gidas. O outro, para o qual trabalho de energia quanto de entropia do sistema são as mesmas (em-
pode ser transferido, uma fonte reversı́vel de trabalho105 , é bora a entropia total possa ser diferente). Para maximizar o
um sistema fechado por paredes impermeáveis e adiabáticas. trabalho entregue, é preciso minimizar o calor cedido à fonte
Se essas fontes forem muito grandes, são chamadas de re- auxiliar. Quanto menos calor, menor a variação da entropia
servatórios: de volume no caso mecânico e térmico no ou- da fonte e, por consequência, da entropia total. O máximo
tro. Essas fontes/reservatórios trocam quantidades extensivas trabalho será obtido com o menor valor possı́vel da variação
com o sistema (energia ou volume), mantendo constante algum total da entropia, ∆S = 0, e esse valor é o mesmo para to-
parâmetro intensivo (temperatura ou pressão). Um exemplo dos os processos reversı́veis, ou seja, o que limita o trabalho
é a atmosfera, que pode desempenhar tanto o papel de reser- produzido é o calor cedido à fonte auxiliar (ver Exs. 31 e 34).
vatório térmico quanto de pressão. A variação da energia do sistema é
∆U = Q − W,
Teorema do Trabalho Máximo onde o trabalho W é produzido no processo interno do sis-
tema que o leva de A para B, e entregue diretamente à
Considere um sistema que é levado do estado A para o es- fonte reversı́vel de trabalho. Mas quanto trabalho adicio-
tado B e dois sistemas auxiliares reversı́veis como descri- nal a máquina auxiliar poderá extrair do calor Q que sai do
tos acima: sistema, vai depender do tipo de processo realizado por ela
fonte
(0 < |QAUX | ≤ |Q|). Por conservação de energia:
sistema W
reversı́vel de |Q| = |QAUX | + WAUX ,
A B trabalho e o trabalho total entregue à fonte de trabalho reversı́vel,
|Q| WTOT = W + WAUX , é a energia que saiu do sistema e não
foi entregue à fonte térmica reversı́vel.
WAUX
máquina A variação da entropia de todo o sistema é igual à variação
auxiliar da entropia do sistema principal e do sistema térmico auxiliar
|QAUX | (o reservatório de trabalho não troca calor e a máquina auxi-
liar trabalha ciclicamente e retorna ao estado inicial, por isso
fonte ambos não contribuem). No caso em que os estados inicial e
final estão infinitesimalmente próximos:
térmica
TR |δQ| |δQAUX |
dSTOT = dS + dSAUX = − + ≥0
T TR
A energia e a entropia do sistema principal podem ser mo- TR
dificadas ao ir de A para B, sendo determinadas pelos estados |δQAUX | ≥ |δQ|.
T
de equilı́brio inicial e final, independentemente do processo E o trabalho total é (lembre que a ≥ b → −a ≤ −b):
feito. O teorema do trabalho máximo afirma que:
δWTOT = δW + δWAUX = δW + |δQ| − |δQAUX|
Para todos os processos indo de A para B no
TR
sistema principal, o trabalho (total) entregue é ≤ δW + |δQ| − |δQ|.
máximo (e o calor entregue é mı́nimo) para um T
processo reversı́vel. O trabalho máximo é obtido quando a igualdade é válida (e
assim, o calor cedido à fonte térmica é mı́nimo e a variação da
Se o sistema principal perde calor, sua entropia diminui. Como entropia total é nula):
a entropia do sistema total não pode diminuir, uma parte do  
calor perdido deve ser entregue ao sistema térmico até que a MAX
TR
δWTOT = δW + 1 − |δQ|.
variação negativa de entropia seja pelo menos neutralizada, e T
105 O que, em mecânica, é um sistema conservativo.
106 Consideramos que o sistema perde calor, Q < 0, e realiza trabalho, W > 0. Se, por outro lado, o sistema principal ganha calor, sua entropia
aumenta. A perda de calor pela fonte térmica pode no máximo compensar isso e fazer com que a variação da entropia total seja nula. Assim, o
calor entregue pela fonte sendo máximo, faz com que o trabalho entregue pela fonte de trabalho possa ser mı́nimo.
Logo, quando ∆S > 0, o trabalho total é obviamente menor Então:
do que seu máximo valor. Portanto, num processo irreversı́vel,
uma fração da energia que poderia ser convertida em trabalho f a a
∆U1 = R(TF − T0 ) − + .
é desperdiçada, o que se conhece por degradação da energia. 2 VF V0
Assim, o trabalho máximo que pode ser entregue à fonte de
trabalho reversı́vel provém A entropia do gás de van der Waals é (lista)
  
a) do trabalho δW diretamente extraı́do do sistema princi- a f /2
pal (área sob a curva) e s = R ln (v − b) u + + s0 ,
v
b) de uma fração, η = 1 − TR /T (a eficiência), do calor |δQ|
então:
retirado do sistema principal e convertida em trabalho.
Note que η depende de TR . VF − b f TF
∆S1 = R ln + R ln .
Assim, a máquina auxiliar ideal extrai uma fração η|Q| do V0 − b 2 T0
calor que sai do sistema e a transforma em trabalho. Esta
máquina, cuja eficiência é máxima, é conhecida como107 Pela condição de reversibilidade:
máquina de Carnot.
Para o processo não infinitesimal, devemos integrar a ∆STOT = ∆S1 + ∆S2 = 0
equação para a variação de entropia:
Z VF − b f TF
δQAUX R ln + R ln + D(T2F − T20 ) = 0.
∆STOT = ∆S + (36) V0 − b 2 T0
TR
Isolando T2F :
e para isso precisamos conhecer a capacidade térmica CAUX (T )
(a volume constante). Assim podemos também obter o calor R VF − b f R TF
total transferido QAUX, integrando δQAUX = CAUX (T )dTAUX, e T2F = T20 − ln − ln .
D V0 − b 2D T0
com isso obter WAUX a partir da primeira lei.
Note que T2F não necessariamente é igual a TF .
Aqui fixamos os estados inicial e final do sistema
principal e, portanto, sua variação de energia é
fixa. Esta energia não precisa ser igual ao valor
Exemplo 39: Um mol de um gás de van der Waals é necessário para levar a fonte térmica até a tempe-
levado, por um processo não especificado, do estado (T0 , V0 ) ratura TF .
até o estado (TF , VF ). Para isso utilizamos uma fonte térmica Por conservação de energia, |∆U1 | = |W | +
com volume fixo, temperatura inicial T20 e capacidade térmica |∆U2 |, e o trabalho entregue para a fonte reversı́vel
C2 (T ) = DT (D é uma constante positiva). Qual o máximo de trabalho (a terceira, e não térmica, componente
trabalho que pode ser entregue à fonte de trabalho reversı́vel? do sistema) é
Para a fonte térmica:
Z T2F |W | = |∆U1 | − |∆U2 | = −∆U1 − ∆U2
1 2 2
 D  f a a
∆U2 = C2 dT = D T2F − T20 =− 2
T2F 2
− T20 − R(TF − T0 ) + − ,
T20 2 2 2 VF V0
Z T2F
C2
∆S2 = dT = D(T2F − T20 ). onde usamos que |∆U1 | < 0 (perde calor) e
T20 T
|∆U2 | > 0 (ganha calor).
Para o sistema principal (ver lista):
f a
U1 = RT − .
2 V

107 Num processo infinitesimal as duas temperaturas são constantes.


FIS01020 - Termodinâmica - Aula 18
Jeferson J. Arenzon – 8 de outubro de 2018

Vimos duas representações alternativas, de entropia e ener- a pressão diminui, P (1) < P (2) . Em ambos os casos, dU > 0,
gia. A transformação de uma representação em outra é usual e o que mostra que o estado de equilı́brio é um mı́nimo.
importante, podendo simplificar a descrição e solução do pro-
blema. O princı́pio de extremização em relação aos estados
virtuais, na representação de entropia, é:
Exemplo 41: Um quadrado pode ser obtido fixando a
O valor de equilı́brio de qualquer parâmetro in- área e minimizando o perı́metro de um retângulo ou fixando
terno, compatı́vel com os vı́nculos, é tal que a en- o perı́metro e maximizando a sua área.
tropia seja maximizada para o dado valor da ener- Fixando sua área A, montamos um retângulo de lados ℓ e
gia total108 . A/ℓ (para satisfazer o vı́nculo). Extremizando o perı́metro:

Na representação de energia, isso corresponde a um princı́pio p = 2(ℓ + A/ℓ) → dp/dℓ = 0 → ℓ = A,
de minimização, o qual pode ser formulado como:
além de d2 p/dℓ2 = 4A/ℓ3 > 0 (mı́nimo).
O valor de equilı́brio de qualquer parâmetro in- Agora, fixando o perı́metro P , o retângulo terá lados ℓ e
terno, compatı́vel com os vı́nculos, é tal que a ener- P/2 − ℓ. A área será
gia seja minimizada para o dado valor da entropia A = ℓ(P/2 − ℓ) → dA/dℓ = 0 → ℓ = P/4,
total109 .
além de d2 A/dℓ2 = −2 < 0 (máximo). Em ambos os casos
Assim, o estado de equilı́brio pode ser caracterizado ou como obtemos lados iguais entre si.
um estado de máxima entropia para uma dada energia ou
como um estado de mı́nima energia para uma dada entropia. Esses dois critérios nos sugerem duas maneiras de atingir
o equilı́brio. Como exemplo, consideremos um pistão fixo em
um cilindro. Queremos liberá-lo e deixar o sistema atingir
Exemplo 40: Um pistão móvel, diatérmico e im- o equilı́brio. Uma maneira é simplesmente soltá-lo. Neste
permeável separa um cilindro em duas câmaras. Cada uma caso, a energia é constante (sistema fechado) e a entropia
contém um gás e inicialmente tanto os volumes quanto as tem- aumenta (processo irreversı́vel). Este é o processo sugerido
peraturas são diferentes. Qual é o estado de equilı́brio? pelo princı́pio de máxima entropia. Alternativamente, per-
Na representação de entropia: mitimos que o pistão efetue trabalho (quase-estático) em um
agente externo até atingir a posição que equilibra as pressões
1 (1) P (1) (1) 1 (2) P (2) (2) de ambos os lados. Durante este processo, retiramos energia
dS = (1) dU + (1) dV + (2) dU + (2) dV .
T T T T do sistema, mas a entropia é constante (processo reversı́vel).
Porém, independentemente de como o sistema é trazido até o
Como a energia e o volume se conservam, dU (1) + dU (2) = 0 equilı́brio, este estado satisfaz os dois princı́pios. Vamos su-
e dV (1) + dV (2) = 0, respectivamente. Logo T (1) = T (2) e por que o sistema esteja em equilı́brio, mas que sua energia
P (1) = P (2) . não seja a menor possı́vel para a dada entropia. Podemos
Na representação de energia: então usar o excesso de energia para realizar trabalho, man-
tendo a entropia do sistema constante (por exemplo, através
dU = T (1) dS (1) − P (1) dV (1) + T (2) dS (2) − P (2) dV (2) . de uma expansão adiabática). Esta energia pode ser devol-
(1) (2) vida ao sistema na forma de calor, retornando sua energia ao
Como a entropia e o volume são fixos, dS + dS = 0 e
(1) (2) (1) (2) valor original, mas aumentando a entropia. Mas isso é incom-
dV + dV = 0, respectivamente. Logo T = T e
(1) (2) patı́vel com a hipótese de que o estado inicial era um estado de
P = P . Podemos ver que neste estado de equilı́brio
equilı́brio (tendo, portanto, máxima entropia). Logo, o estado
a energia é um mı́nimo. Por exemplo, tomando um pistão
inicial deve ter também mı́nima energia.
adiabático (para não alterar S) mas móvel, aplicamos uma
Vamos considerar a superfı́cie da equação fundamental no
força externa que move o pistão, quasi-estaticamente, em al-
espaço de configurações, onde os eixos representam todos os
guma direção. Neste caso:
parâmetros extensivos de um sistema composto:
dU = −P (1) dV (1) − P (2) dV (2) = (P (2) − P (1) )dV (1) , S = S(U (1) , V (1) , N (1) , U (2) , V (2) , N (2) ),
ou, como U (1) + U (2) = U , V (1) + V (2) = V , etc, podemos usar
onde consideramos que dV (2) = −dV (1) . Assim, se dimi-
as quantidades globais,
nuirmos o volume 1, dV (1) < 0, e sua pressão aumenta,
P (1) > P (2) . Por outro lado, se aumentarmos, dV (1) > 0, S = S(U (1) , V (1) , N (1) , U, V, N ).
108 Neste caso, o sistema (composto) é isolado e sua energia, fixa.
109 Agora, o sistema não é isolado, podendo trocar energia, por exemplo, com um reservatório reversı́vel de trabalho.
Nesse diagrama podemos representar o princı́pio de máxima escrever:
entropia através da intersecção entre a superfı́cie dos possı́veis     , 
estados de equilı́brio do sistema e o plano U = U0 = cte ∂x ∂Ψ ∂Ψ
=−
(uma vez que o sistema total é fechado, a energia total é cons- ∂y Ψ,z ∂y x,z ∂x y,z
(1)
tante). SE o parâmetro Xj (que pode ser o volume ou um
dos números molares) não tiver nenhuma restrição imposta que, quando combinada com (38), fornece:
pelos vı́nculos, o estado que maximiza a entropia ao longo da    
∂x ∂y
curva permitida é indicado por A. Obviamente, a equivalência = 1. (39)
∂y Ψ,z ∂x Ψ,z
vista acima depende da superfı́cie de estados de equilı́brio ter
as propriedades postuladas inicialmente (∂S/∂U > 0 e U ser Analogamente, podemos mostrar que:
uma função monotônica contı́nua de S).      
∂x ∂y ∂z
= −1. (40)
∂y Ψ,z ∂z Ψ,x ∂x Ψ,y

Para demonstrar a equivalência, consideramos que o


princı́pio de máxima entropia seja válido. Então:
   2 
∂S ∂ S
=0e < 0.
∂X U ∂X 2 U
Queremos mostrar que isto é equivalente a
   2 
∂U ∂ U
=0e > 0.
∂X S ∂X 2 S
Equivalentemente, na representação de energia, a entropia
total do sistema é fixa e o plano correspondente é: Usando a Eq. (38), se S tem um extremo, U também tem:
  ∂S
  
∂U ∂X U ∂S
= − ∂S  = −T = 0.
∂X S ∂U X
∂X U

Falta ainda mostrar que é um mı́nimo. Considerando110 a de-


rivada acima como função de U e X (S é mantida constante),
     
∂U ∂P ∂P
P (U, X) ≡ → dP = dU + dX.
∂X S ∂U X ∂X U
Então:
 2           
∂ U ∂P ∂P ∂U ∂P ∂X
= = +
(1) ∂X 2 S ∂X S ∂U X ∂X S ∂X U ∂X S
Se não há nenhuma restrição sobre Xj , o estado de equilı́brio | {z } | {z }
A corresponde ao mı́nimo valor da energia. =P =0 1
 
∂P
=
∂X U
Exemplo 42: A diferencial total de Ψ(x, y, z) é
      pois P = 0 no ponto extremo. Note que na expressão acima, P
∂Ψ ∂Ψ ∂Ψ ainda é calculado mantendo S constante. Usando a definição
dΨ = dx + dy + dz. (37)
∂x y,z ∂y x,z ∂z x,y de P e a propriedade (38), podemos escrever:
Se Ψ e z forem constantes:  2  ∂S
 !
      ∂ U ∂ ∂X
=− U
∂Ψ ∂Ψ ∂y ∂X 2 ∂X ∂S
0= + S ∂U X U
∂x y,z ∂y x,z ∂x Ψ,z  2 
∂ S   ∂2S  2 
∂X 2 U ∂S ∂X∂U ∂ S
Logo: = − ∂S  + 2 = −T .
    ,  ∂X ∂S ∂X 2
∂y ∂Ψ ∂Ψ ∂U X | {z U} ∂U X | {z U}
=− (38) 0 <0
∂x Ψ,z ∂x y,z ∂y x,z | {z }
>0
Note, portanto, a importância das quantidades mantidas cons-
tantes. Como os papéis de x e y são simétricos, podemos E, portanto, U possui um mı́nimo.
110 No exemplo anterior, Ψ = S, x = U , y = V e z = N .
FIS01020 - Termodinâmica - Aula 19
Jeferson J. Arenzon – 10 de outubro de 2018

Transformada de Legendre Conhecendo y(p, z), não podemos fazer o caminho inverso
e reobter univocamente a função original, y(x, z), pois perde-
Podemos passar da representação de energia para a de en- mos informação no processo.
tropia, e vice-versa, simplesmente isolando U ou S. As
duas funções possuem somente quantidades extensivas como  2
1 dy dy
variáveis independentes e contêm a mesma informação. y= → √ = 2dx → y = (x + c)2 ,
4 dx y
Porém, existem situações onde pode ser útil ter uma quanti-
dade intensiva como variável. Experimentalmente, por exem-
plo, não existem aparelhos para medir diretamente a entro- onde c = c(z) é uma função arbitrária de z.
pia, enquanto que a temperatura é um parâmetro facilmente
controlado e medido. Podemos tentar, por exemplo, eliminar Como no exemplo acima, a equação U = U (T, V, N ) é
uma equação diferencial parcial pois T = ∂U/∂S. Mesmo
S na representação de energia, usando T (S, V, N ) para obter
que pudéssemos integrá-la, apareceriam funções arbitrárias.
U = U (T, V, N ). O problema é que esta equação não contém
Assim, não podemos fazer o caminho inverso, partir de
toda a informação original, não sendo uma relação fundamen-
tal. U (T, V, N ), e obter U = U (S, V, N ). Porém, a transformada
de Legendre permite ter uma ou mais variáveis intensivas
como parâmetros independentes sem perder informação. Para
Exemplo 43: Na função y(x, z) = (x + z)2, as curvas isso, a função deve ser suave e com concavidade fixa. Desta
para diferentes valores de z são transladadas ao longo de x: maneira, existe uma relação um para um entre um ponto da
60 curva e a derivada nesse ponto.
Vamos começar com uma função de uma variável, y =
y(x), onde queremos usar
0

40
−1
−2
z=
y(x, z)

dy
p(x) ≡ (41)
20 dx

como a variável independente. Como cada ponto da curva pos-


0 sui uma única reta tangente, há dois modos de representá-la:
0 2 4 6 8 10
pelo seu lugar geométrico, y(x), e pelo envelope da curva.
x
Queremos substituir a variável x pela sua derivada:
 
∂y
p≡ .
∂x z
Isolando p na equação acima e substituindo em y:
p p2
p = 2(x + z) → x = − z → f (p, z) = , ∀z.
2 4
A famı́lia de funções (para os vários valores de z) é mapeada
numa única função de p, ou seja, uma translação horizontal, Assim, para eliminar a ambiguidade na especificação da reta é
homogênea, da função não altera o resultado. preciso também conhecer, além da inclinação dy/dx, o ponto
20 de intersecção ψ. Cada ponto da curva pode então ser espe-
cificado por (x, y) ou (p, ψ). Assim, se soubermos a relação
15 entre ψ e p, ψ(p), temos a mesma informação sobre a curva
y(p, z)

y(x). Outra notação usual é y[p].


10
Como então transformamos y = y(x) em ψ = ψ(p)? A reta
que tangencia a função no ponto (x, y) e intercepta o eixo ver-
5
tical no ponto (0, ψ) é y = px+ψ. Assim, calculamos p = p(x),
Eq. (41), invertemos e usamos x = x(p) para escrever x e y
0
0 2 4 6 8 10 em termos de p:
p ψ(p) = y − px. (42)
Então:

y 1
p= y−ψ y = − [2(x + z)]2 + 2(x + z)z + 2(x + z)x = (x+z)2 .
x | 4 {z } | {z px
}
ψ

ψ
Algumas propriedades úteis da transformada de Legendre:
x
• Linearidade: se f = λ1 f1 + λ2 f2 , sua transformada
Outra notação possı́vel para a transformada é de Legendre será λ1 g1 + λ2 g2 , onde gi = fi − pi x é a
transformada de fi .
ψ = min(y − px),
x
df df1 df2
que contém implicitamente a definição de p pois o mı́nimo p= = λ1 + λ2 = λ1 p1 + λ2 p2
dx dx dx
ocorre quando p = dy/dx. ψ = λ1 f1 + λ2 f2 − (λ1 p1 + λ2 p2 )x = λ1 g1 + λ2 g2 .

Exemplo 44: Calcule a transformada de Legendre da • Convexidade: se f é côncava (convexa) em relação a


função y(x, z) = (x + z)2 . x, sua transformada é convexa (côncava) em relação a
p. Para ver isso:
Calculamos p(x) e invertemos:
df d2 f dp
dy p =p→ 2 =
p≡ = 2(x + z) → x = − z. dx dx dx
dx 2
dψ d2 ψ dx
Então: = −x → 2
=− .
dp dp dp
p2 p  p2
ψ(p, z) = y − px = −p − z = − + pz. Multiplicando as duas equações112 :
4 2 4
Diferentemente do Ex. 43, o resultado agora de- d2 f d2 ψ
pende de z. = −1.
dx2 dp2

Para uma função côncava, y aumenta quando x > 0


cresce. Ao mesmo tempo, a inclinação da reta tangente
Note que, de fato, estamos usando a regra do produto, também cresce, mas o ponto onde esta cruza o eixo ver-
d(xp) = xdp + pdx, para fazer a troca de variáveis: tical se desloca para valores cada vez mais negativos.
Note que é fundamental a função original (e, por con-
dy = pdx → dψ = d(y − xp) = pdx − (xdp + pdx) = −xdp.
sequência, sua transformada) ter uma concavidade bem
Podemos agora calcular o problema inverso111 , ou seja, obter definida: caso contrário, existe um ponto de inflexão em
y(x) a partir de ψ(p). Da expressão acima: que a derivada segunda é nula.


x=−
dp
Exemplo 46: Vamos tomar f (x) = x3 . Então
e y = ψ + xp. r
2 p
p = 2x → x = ±
2
Exemplo 45: Calcule a transformada inversa de
e, como a função não tem uma concavidade bem definida, não
p2
ψ=− + pz. temos mais uma relação de um para um entre p e x. Isso pode
4 ser resolvido, por exemplo, restringindo os possı́veis valores de
x (e.g., x > 0).
dψ p
x=− = − z → p = 2(x + z).
dp 2
111 Esta forma da transformada de Legendre e sua inversa, usual em Termodinâmica, não é simétrica. Uma definição em que a transformada seja a

sua própria inversa é: ψ′ = −ψ = xp − f , ou seja, ψ′ + f = xp e tanto a função quanto sua transformada
P possuem papéis equivalentes. Por exemplo,
o Lagrangeano L e o Hamiltoniano H são relacionados por uma transformada de Legendre, H + L = i q̇i pi .
112 Na forma simétrica da transformada, esse produto vale 1 e a concavidade não muda.
FIS01020 - Termodinâmica - Aula 20
Jeferson J. Arenzon – 24 de outubro de 2018

Potenciais Termodinâmicos Exemplo 47: [Callen 5.3-1] Encontre a equação fun-


damental de um gás ideal monoatômico na representação de
As possı́veis transformadas de Legendre na representação de Helmholtz. A partir dela, calcule as equações de estado.
energia são chamadas de potenciais termodinâmicos113 . Para o gás ideal monoatômico:
Na representação de entropia são chamadas de funções de
3R u v
Massieu. Vamos aqui analisar as mais utilizadas, mas exis- s = s0 + ln + R ln
tem várias outras transformadas que, por não serem muito 2 u 0 v 0

usuais, não recebem uma denominação especı́fica (por exem- e, na representação de energia:
plo, U [µj ], U [P, µj ], etc).   
2 v
Primeiramente vamos calcular a transformada completa, u = u0 exp s − s0 − R ln
onde substituı́mos todas as variáveis extensivas pelas intensi- 3R v0
 v 2/3  
vas conjugadas: 0 2
= u0 exp (s − s0 ) .
v 3R
U [T, P, µ] = U − T S + P V − µN
Precisamos da temperatura:
   
onde T = ∂U/∂S, P = −∂U/∂V , µ = ∂U/∂N . Como a ener- ∂u 2  v0 2/3 2 2u
gia U (S, V, N ) é uma função homogênea de primeira ordem T = = u0 exp (s − s0 ) = ,
∂s v 3R v 3R 3R
e, por isso, satisfaz a equação de Euler, a equação acima é
identicamente nula: 3
u = RT.
2
U [T, P, µ] = 0. Fazendo a transformada de Legendre:
Assim, como o potencial é extensivo, claramente não é possı́vel f = u − Ts
escrevê-lo somente como função de variáveis intensivas.  
3 3R T v
= RT − T s0 + ln + R ln
2 2 T0 v0
( "  #)
Energia Livre/Potencial de Helmholtz: S → T 3 s0 T
3/2
v
= RT − − ln
Para um sistema em contato com um banho térmico (reser- 2 R T0 v0
vatório) a uma temperatura fixa (por exemplo, a atmosfera), "  #
3/2
convém usar T como variável independente: f f0 T v
= − ln . (47)
RT RT0 T0 v0
F = F (T, V, N ) ≡ U [T ] = U − T S. (43)
onde reescrevemos a constante como:
A diferencial total de F , dF = d(U − T S), é 3 s0 u0 s0 f0
− = − = .
2 R RT0 R RT0
dF = T dS − P dV + µdN −T dS − SdT
| {z } As equações de estado são:
dU
 
= −SdT − P dV + µdN, ∂f RT
P =− = → P v = RT
∂v T v
agora com T substituindo S como variável independente. Os   ( "  #)
3/2
coeficientes (equações de estado) são ∂f f0 T v 3
s=− = −R − ln + RT
  ∂T v RT 0 T 0 v0 2T
∂F "  #
S=− (44) 3/2
∂T V,N T v
= s0 + R ln .
  T0 v0
∂F
P =− (45)
∂V T,N
 
∂F Podemos enunciar um princı́pio de extremização nesta
µ= . (46)
∂N T,V nova representação e, com isso, obter os estados de equilı́brio
do sistema. A energia total, a energia do sistema composto
A transformada inversa pode ser calculada usando a Eq. (45) (do qual algum vı́nculo foi removido) mais a energia do reser-
e U = F + T S. vatório (banho), satisfaz a condição de mı́nimo (ou seja, entre
todos os valores das variáveis macroscópicas compatı́veis com
113 Em analogia à Mecânica, aqui também o sistema tenderá ao estado que minimiza o potencial.
os vı́nculos114,115 , o sistema escolhe aqueles que minimizam a de Helmholtz aparece naturalmente ao se estudar um sistema
energia): acoplado, e portanto em equilı́brio térmico (T = TR ), com
um banho (reservatório). A descrição do reservatório, pela
d(U + UR ) = 0 equação de Euler, é:
d2 (U + UR ) > 0,
UR PR VR µR N R UR
SR = + − = + S0 ,
enquanto que a entropia total é mantida constante: TR TR TR TR

d(S + SR ) = 0. e as variações na entropia do reservatório vão depender das


trocas de calor com o sistema (as outras variáveis, pela de-
O reservatório térmico, por definição, só troca calor, não rea- finição de reservatório térmico, permanecem constantes). Do
liza nem sofre trabalho. Então dUR = δQR = TR dSR : vı́nculo da energia:

d(U + UR ) = dU + TR dSR = dU − T dS, Utotal − U U


SR = + S0 = − + S0 ,
TR TR
onde usamos, da condição de isoentropicidade, dS = −dSR
e, da condição de equilı́brio com o banho térmico, T = TR e onde Utotal , por ser constante, foi absorvido em S0 . Assim:
constante. A condição de extremo para o sistema composto
U
pode ser então escrita usando somente variáveis do sistema, Stotal = S − + S0 ,
sem menção ao reservatório: T R

a qual deve ser maximizada. Como F = U − T S = U − TR S,


d(U + UR ) = d(U − T S) = 0 −→ dF = 0. (48)
   
TS − U F
Além disso: max(Stotal ) = max . = max − ∼ min(F ).
TR TR
d2 (U + UR ) = d2 U + d(TR dSR ) = d2 U − d(T dS)
Além disso, que a temperatura agora seja uma das variáveis
= d2 (U − T S) = d2 F > 0. independentes é natural: o banho térmico, cuja única carac-
terı́stica é sua temperatura, é uma escolha.
O potencial F tem dois termos que devem ser minimizados em A energia livre de Helmholtz pode ser interpretada como
conjunto, e para atingir o mı́nimo se pode diminuir U e/ou au- o trabalho disponı́vel (livre, máximo) àquela temperatura
mentar S (por causa do sinal negativo). Ou seja: (constante), isto é, a energia interna menos a quantidade de
O valor de equilı́brio para qualquer parâmetro energia que não pode ser usada para realizar trabalho. Con-
interno não restrito em um sistema em contato sidere um sistema que interage com uma fonte reversı́vel de
diatérmico com um reservatório térmico mini- trabalho e, ao mesmo tempo, em contato com um reservatório
miza 116
a energia livre de Helmholtz sobre os es- térmico por paredes impermeáveis (T e N constantes). Em
tados com T = TR . um processo reversı́vel, d(S + SR ) = 0, o trabalho (máximo)
é igual à diminuição da energia total do sistema composto (o
Notem que partimos do princı́pio de minimização da ener- que inclui ∆U do sistema e o calor cedido ao reservatório):
gia para o sistema composto (sistema mais reservatório117)
e chegamos a um princı́pio similar para a energia livre de δW = −d(U + UR ) = −(dU + TR dSR ) = −(dU − T dS)
Helmholtz, mas somente para o sistema (que não está isolado). = −dF.
É interessante também considerar o mesmo problema na
representação de entropia. Neste caso, Stotal = S + SR e Portanto, o trabalho entregue em um processo reversı́vel, por
Utotal = U + UR , onde a primeira é maximizada no equilı́brio um sistema em contato com um reservatório térmico, é igual
e a segunda é um vı́nculo, mantido constante. A energia livre à diminuição no potencial de Helmholtz do sistema.

114 Enquanto a condição de vı́nculo deve ser satisfeita por todos os estados de equilı́brio e virtuais, a condição de extremo é obedecida somente

pelos estados de equilı́brio.


115 Esse sistema composto por dois subsistemas térmicos pode ainda interagir com uma fonte de trabalho, entregando ou recebendo energia (a qual

pode, portanto, variar).


116 Note que mesmo U e F sendo a transformada de Legendre uma da outra, as funções são minimizadas para obter o estado de equilı́brio. As

superfı́cies com esses estados de equilı́brio é que possuem curvaturas contrárias.


117 O termo d(−T S) representa a variação de energia do reservatório, d(−T S) = d(T S ).
R R
FIS01020 - Termodinâmica - Aula 21
Jeferson J. Arenzon – 24 de outubro de 2018

Entalpia: V → P
Exemplo 48: Um cilindro diatérmico contém um pistão Através de paredes móveis e adiabáticas, um sistema em con-
interno, e de cada lado, um mol de um gás ideal monoatômico. tato com um reservatório de pressão pode ajustar seu volume,
Todo o sistema está imerso em um lı́quido mantido a tempera- mantendo constante a pressão. Neste caso, a variável inde-
tura 0◦ C (reservatório térmico). Os volumes iniciais são 10 ℓ pendente natural é P , e não V . Então:
e 1 ℓ e o pistão se move reversivelmente até que os volumes
sejam 6 ℓ e 5 ℓ, respectivamente. Quanto trabalho é feito pelo U [P ] ≡ H = H(S, P, N ). (49)
sistema?
Como há um sinal negativo em −P = (∂U/∂V )S,N , temos
A energia livre de Helmholtz é
H = U + P V. (50)
" 3/2 #
f f0 T v A diferencial total da entalpia é
= − ln .
RT RT0 T0 v0
dH = dU + P dV + V dP = T dS + V dP + µdN
Quando T e N são mantidos fixos: e as equações de estado:
v  
f = f0 − RT ln . ∂H
v0 T = (51)
∂S P,N
 
Então: ∂H
V = (52)
∂P S,N
∆f = −273R(ln 6 + ln 5 − ln 10 − ln 1)  
∂H
= −273R ln 3 ≃ −2.5 kJ. µ= . (53)
∂N S,P

A temperatura do gás não varia e toda a ener- Assim, para calcular a transformação inversa usamos V =
gia que vem do reservatório térmico na forma V (S, P, N ), Eq. (52), e U = H − P V .
de calor é completamente convertida em trabalho Para este sistema, o estado de equilı́brio minimiza a ental-
(note que o sistema não retorna ao seu estado ini- pia entre todos os estados de pressão constante. Pelo princı́pio
cial, e sua entropia aumentou). de mı́nima energia:
O mesmo resultado é obtido calculando o tra-
balho no processo isotérmico: d(U + UR ) = 0,
  e como a variação de energia do reservatório é dUR = −PR dVR ,
6 5
W = 273R ln + ln = 273R ln 3. então:
10 1
d(U + UR ) = dU − PR dVR = dU + P dV = d(U + P V ),
Outra maneira é integrar diretamente P dv su-
pondo que os volumes sejam αvT e (1 − α)vT : pois no equilı́brio as pressões são iguais, P = PR e o volume
total do sistema é constante, d(V + VR ) = 0. Logo:
RT RT
P1 = e P2 = .
αvT (1 − α)vT d(U + UR ) = d(U + P V ) = dH = 0. (54)

Se o pistão se desloca de α1 até α2 > α1 : A garantia de que é um mı́nimo:


Z v2 Z   d2 (U + UR ) = d2 U + d(−PR dVR ) = d2 U + P d2 V = d2 H > 0.
RT α2 1 1
W = (P1 − P2 )dv = − vT dα
v1 vT α1 α 1−α
Note que, agora, a função sujeita ao princı́pio de minimização
α2 1 − α2 depende somente das variáveis do sistema principal.
= RT ln + RT ln = RT ln 3,
α1 1 − α1 Podemos então enunciar o princı́pio:

onde dv = vT dα, α1 = 10/11 e α2 = 6/11. O valor de equilı́brio para qualquer parâmetro


interno não restrito de um sistema em contato com
um reservatório de pressão minimiza a entalpia
sobre os estados de pressão constante.
Se as paredes são impermeáveis (dN = 0) e o sistema está em Precisamos da pressão para eliminar v:
contato com um reservatório de pressão (dP = 0),  
∂u  v 2/3  2  
2

0 −1
dH = T dS = δQ, P =− = u0 v exp (s − s0 )
∂v s v 3 3R
ou seja, se em um determinado processo, a entalpia atinge um 2u
mı́nimo, a variação ∆H(< 0) é igual ao calor (máximo) que = ,
3v
pode ser retirado do sistema (Q < 0).
Podemos também obter o mesmo princı́pio de minimização ou
partindo da representação de entropia. Vamos considerar um 3 3
u = P v = RT.
processo (reversı́vel) em que o sistema interage somente com 2 2
um reservatório de volume (P é constante). Assim, a entropia Fazendo a transformada de Legendre vemos que h pode ser es-
do sistema é constante, mas a do reservatório pode variar118 : crita somente em função da temperatura (embora T não seja
UR PR VR uma das variáveis independentes):
SR = + + S0
TR TR
Utotal − U PR 5 5
= + (Vtotal − V ) + S0 h = u + Pv = P v = RT.
TR TR 2 2
U PV
=− − + S0 Para usar somente as variáveis independentes, s e P , pri-
TR TR meiro isolamos v(P ):
onde absorvemos, em S0 , as constantes. Assim:
  (  )3/5
2/3
U + PV 2u0 v0 2
max(Stotal ) = max − ∼ min(H). v= exp (s − s0 ) .
TR 3 P 3R

e, substituindo em h = 5P v/2:
Exemplo 49: [Callen 5.3-1] Encontre a equação fun-
damental de um gás ideal monoatômico na representação de  3/5  
entalpia. 5 2u0 2/5 2(s − s0 )
h(s, P ) = (v0 P ) exp .
Na representação de energia: 2 3 5R
 v 2/3  
0 2(s − s0 )
u(s, v) = u0 exp .
v 3R

118 Aqui, as propriedades termodinâmicas do reservatório são importantes, mesmo ele trocando somente volumes (trabalho mecânico) com o sistema

principal. Isto é diferente de sistema que, por natureza, é puramente mecânico pois, neste caso, desprezamos suas propriedades termodinâmicas.
FIS01020 - Termodinâmica - Aula 22
Jeferson J. Arenzon – 26 de outubro de 2018

Potencial de Gibbs: S → T e V → P Alternativamente, podemos analisar em termos da entro-


pia o problema de um sistema que troca energia e volume com
Quando o sistema está em contato tanto com um reservatório reservatórios dessas quantidades. Os vı́nculos agora mantêm
térmico quanto de pressão, efetuamos duas trocas de variáveis constantes a energia e o volume total:
para obter o potencial, ou energia livre, de Gibbs119 :
Utotal = U + UR
G = G(T, P, N ) ≡ U [T, P ] = U − T S + P V, (55)
Vtotal = V + VR ,
com T = (∂U/∂S)V,N e P = −(∂U/∂V )S,N . Como a
Transformada de Legendre é uma operação linear, essas duas e a entropia total deve ser maximizada Stotal = S + SR . A
transformadas podem ser feitas em qualquer ordem120 : G = descrição do reservatório, pela equação de Euler, é:
F + P V = H − T S. Usando a equação de Euler121 , podemos
escrever, para um sistema com uma única componente122 : UR PR VR
SR = + + S0 ,
TR TR
G = µN → g = µ. Utotal − U PR (Vtotal − V )
= + + S0
Por isso, o potencial quı́mico as vezes é denominado de po- T R TR
tencial de Gibbs molar. A diferencial total é123 U PV
=− − + S0
T T
dG = −SdT + V dP + µdN (56)
onde absorvemos, em S0 , diversas constantes. Assim:
e as equações de estado:
 
  U PV
∂G max(Stotal ) = max S − − ∼ min(G).
S=− (57) T T
∂T P,N
 
∂G
V = (58)

∂P T,N

Exemplo 50: [Callen 5.3-1] Encontre a equação fun-
∂G damental de um gás ideal monoatômico na representação de
µ= . (59) Gibbs, g(T, P ).
∂N P,T

Para a transformação inversa usamos as Eqs. (57) e (58) acima, Vamos calcular g = u − T s + P v = h − T s par-
juntamente com U = G + T S − P V . Para um processo feito tindo da representação de entalpia, h(s, P ). Do
à pressão e temperatura constantes, a variação na energia li- Ex. 49, onde a substituição V → P já foi feita:
vre de Gibbs nos fornece todo o trabalho reversı́vel excetu-
 3/5  
ando trabalho do tipo P dV (que pode incluir, embora não 5 2u0 2(s − s0 )
estejamos considerando todos na Eq. (56), trabalho elétrico, h(s, P ) = (v0 P )2/5 exp .
2 3 5R
quı́mico, para criar uma área superficial, etc).
Combinando os argumentos das seções anteriores, partindo Calculamos, então, T :
da minimização da energia, obtemos o princı́pio de mini-  
mização para o potencial de Gibbs: ∂h 2 5
T = = h → h = RT.
∂s P 5R 2
dG = d(U − T S + P V ) = 0 (60)

e d2 G > 0, ou seja: Devemos usar explicitamente a forma h(s, P ) na


expressão acima e isolar s para obter a transfor-
O valor de equilı́brio para qualquer parâmetro mada. Assim:
interno não restrito de um sistema em contato com
 3/5  
um reservatório térmico e um de pressão, minimiza 1 2u0 2(s − s0 )
a energia livre de Gibbs a T = TR e P = PR . T = (v0 P )2/5 exp
R 3 5R
119 Um exemplo são reações quı́micas feitas em um recipiente descoberto, onde a atmosfera é tanto um reservatório térmico quanto de pressão.

Fı́sicos e quı́micos se referem, usualmente, ao termo “energia livre” deixando implı́cito que é Helmholtz e Gibbs, respectivamente.
120 Se tomamos, como ponto de partida, F ou H (veja o Ex. 50), a derivada que precisa ser calculada para a substituição que resta é diferente. Por

exemplo, partindo de H, para transformar S → T , precisamos calcular T = (∂H/∂S)P,N , e não mais T = (∂U/∂S)V,N . Iniciando com F é preciso
calcular P = −(∂H/∂V )T,N .
121 O teorema de Euler aplicado às outras representações fica: F = U − T S = −P V + µN , H = U + P V = T S + µN e G = U − T S + P V = µN .
122 Para múltiplas componentes, G =
P
j µj Nj .
123 Note que usando Gibbs-Duhem, SdT = V dP − N dµ, obtemos, consistentemente: dG = −SdT + V dP + µdN = N dµ + µdN = d(µN ) → g = µ.
a qual, no estado de referência, vale: A transformação inversa é
 3/5 U = Ω + T S + µN
1 2u0  
T0 = (v0 P0 )2/5 . ∂Ω
R 3 S = −
∂T V,µ
Portanto:  
∂Ω

2/5   N = − .
P 2(s − s0 ) ∂µ T,V
T = T0 exp
P0 5R
5 T P
s = s0 + R ln
2 T0
− R ln .
P0
Exemplo 51: Um experimento ou simulação obtém,
para o calor especı́fico de uma substância, a seguinte relação
Logo: empı́rica:
cV (T, v) = aT 2 v 2 , a > 0.
 
5 5 T P Supondo que s e u são nulas quando T = 0, para qualquer
g(T, P ) = RT −T s0 + R ln − R ln
|2 {z } 2 T0 P0 volume, calcule u(s, v).
h
g 5 s0 5 T P Quando o volume é constante, du = T ds e:
= − − ln + ln
RT 2 R
| {z } 2 T 0 P0    
∂u ∂s
g0 /RT0 cV = =T = aT 2 v 2 .
∂T v ∂T v
T 5 T P
g = g0 − RT ln + RT ln .
T0 2 T0 P0 Integrando:
Z T
a 3 2
u(T, v) − u(0, v) = cV dT = T v
| {z } 0 3
0
Z T
cV a
Grande Potencial: S → T e N → µ s(T, v) − s(0, v) = dT = T 2 v 2 .
| {z } 0 T 2
0
Quando o potencial quı́mico é fixado e o número de partı́culas
pode variar, é interessante que µ seja uma variável inde- Eliminando T , obtemos u(s, v):
pendente. Substituindo, além de S por T , N por µ =
 1/2  1/2
(∂U/∂N )S,V : 2s 8 s3/2
T = → u(s, v) = ,
av 2 9a v
Ω(T, V, µ) ≡ U [T, µ] = U − T S − µN = −P V, (61)
a menos de uma função arbitrária de v.
cuja diferencial total é

dΩ = −SdT − P dV − N dµ. (62)


FIS01020 - Termodinâmica - Aula 23
Jeferson J. Arenzon – 7 de novembro de 2018

Respostas Termodinâmicas Derivando novamente:


 
Derivadas segundas descrevem como os sistemas respondem à ∂s 5
cP = T = R.
perturbações, o que pode ser medido experimentalmente. Na ∂T P 2
representação de Gibbs124 , com N constante,
Derivando, agora, em relação à P :
dg = −sdT + vdP  
∂g RT
onde as primeiras derivadas são s = −(∂g/∂T )P e v = v= =
∂P T P
(∂g/∂P )T . Há somente três derivadas segundas independen-
tes125 : e as segundas derivadas:
• coeficiente de expansão (dilatação) térmica126 :  
∂2g RT 1 RT 1
  = − 2 → κT = =
∂2g ∂v 1 ∂v ∂P 2 T P v P2 P
= →α≡ ,    
∂T ∂P ∂T v ∂T P ∂ ∂g R R 1
= →α= = .
∂T ∂P T P P Pv T
variação (percentual127 ) do volume quando a tempera-
tura muda e a pressão é mantida constante; Note que embora a função g acima não seja exata-
mente a de um gás ideal monoatômico, as respostas
• compressibilidade isotérmica: são as mesmas.
 
∂2g ∂v 1 ∂v
= → κT ≡ − ,
∂P 2 ∂P v ∂P T

variação (percentual) do volume quando muda a


pressão128 e T se mantém constante; Exemplo 53: Callen 7.3-1 e 3.2. Para N constante,
mostre que
• capacidade térmica molar a pressão constante: Tα
T ds = cV dT + dv
  κT
∂2g ∂s δQ
= − → CP = N cP ≡ , e, a partir desta relação,
∂T 2 ∂T dT P

calor necessário para produzir um aumento unitário na T vα2


cP = cV + . (63)
temperatura do sistema mantido a pressão constante. κT

As variáveis independentes são T e v (representação de


Helmholtz) e a função de estado s = s(T, v):
Exemplo 52: Se a energia livre de Gibbs de um dados
sistema é      
∂s ∂s
g(P, T ) = RT ln aP T −5/2 , ds = dT + dv.
∂T v ∂v T
onde a e R são constantes, calcule cP , α e κT .
Multiplicando por T e antecipando uma das relações de
Da primeira derivada obtemos a entropia: Maxwell,
       
∂g 5 ∂s ∂P
s=− = R − R ln aP T −5/2 . df = −sdT − P dv → = ,
∂T P 2 ∂v T ∂T v
124 Compilações de propriedades fı́sicas são em geral feitas em função de T e P porque essas podem ser medidas com precisão.
125 Pois ∂s ∂2g ∂2g ∂v
=− =− =− , um exemplo de relação de Maxwell.
∂P ∂P ∂T ∂T ∂P ∂T
126 Usualmente α > 0, mas existem materiais com α < 0, como a água e o telúrio lı́quido, que podem se contrair com um aumento de temperatura

(em um certo intervalo de temperatura). Outro exemplo é o Ag3 [Co(CN)6 ] com α = −120 × 10−6 K−1 . Essa contração ocorre ao longo de um dos
eixos, enquanto que nos outros α > 0, por causa da estrutura em que octaedros de Co(CN)6 formam camadas com átomos de prata no meio. Como
as ligações entre os átomos de prata são relativamente fracas, essas camadas podem flexionar facilmente (Goodwin et al, Science 319 (2008) 794).
127 Variações deste tipo podem ser escritas como a derivada de um logaritmo. Por exemplo, α = (∂ ln v/∂T ) . Variações percentuais fazem sentido
P
para quantidades como o volume e a temperatura que possuem um zero bem definido, mas não para outras, como a energia, cujo zero é arbitrário.
128 O sinal é negativo para que κ seja positiva: ao aumentar a pressão (∆P > 0), o volume diminui (∆v < 0), e vice-versa.
T
obtemos: Se a pressão for constante, dP = 0 e
   
1 δQ ∂P R
T ds = dT + T dv 1 1 R
N vdT ∂T v α= v−b =
  v RT 2a v RT 2a(v − b)
∂v − 3 −
(v − b)2 v v−b v3
∂T P Tα
= cV dT − T   dv = cV dT + dv. 1 R Rv 2
∂v κT = = .
v a 2a(v − b) P v 3 − av + 2ab
∂P T P+ 2−
v v3
Então, mantendo P constante e dividindo por dT : Se a temperatura for constante (dT = 0), obtemos:
   
∂s Tα ∂v RT 2a
T = cV + dP = − dv + 3 dv
∂T P κT ∂T P (v − b)2 v
T vα2 e
cP = cV + .
κT 1 1 v 2 (v − b)
κT = = .
v RT 2a P v3 − av + 2ab
Esta relação é bastante útil na obtenção de cV para lı́quidos − 3
(v − b)2 v
e sólidos, pois é difı́cil manter constante o volume nestes sis-
temas (problema que não ocorre com os gases). Além disso, No limite em que v → ∞ (ou equivalentemente, quando a e
como κT ≥ 0, concluı́mos que cP ≥ cV . b se tornam irrelevantes, a = b = 0), reobtemos o gás ideal,
α = 1/T e κ = 1/P .
Em particular, para um gás ideal129 , v = RT /P :
Para cV , partimos da outra equação de estado:
   
1 ∂v R 1 f a ∂u fR
α= = = u = RT − −→ cV = = .
v ∂T P Pv T 2 v ∂T 2
  v
1 ∂v 1 RT 1
κT = − = = . Como a dependência em T do gás de van der Waals é a mesma
v ∂P T v P2 P
do gás ideal, cV é igual nos dois casos. Da Eq. (63) (ver Ex. 53):
Então:  2
T vP Rv 2
cP = cV + 2 = cV + R. T vα2 fR P v 3 − av + 2ab
T cP = cV + = + Tv
κT 2 v 2 (v − b)
3
P v − av + 2ab
fR T R2 v 3
= + .
Exemplo 54: [Callen 3.9-3] Calcule o coeficiente de 2 (v − b)(P v 3 − av + 2ab)
expansão α, a compressibilidade isotérmica κT e os calores es-
pecı́ficos cV e cP em termos de P e v para um gás de van der E da outra equação de estado:
Waals. (P v 2 + a)(v − b) RT v 2
Como nem sempre obtemos uma função v(P ) invertendo RT = 2
→ = P v 2 + a.
v v−b
P (v) (depende da temperatura), não podemos calcular α e κT
diretamente, pelas suas definições, como foi feito no Ex. 53. Então:
Então diferenciamos P (v), obtendo fR Rv(a + P v 2 )
cP = + .
2 P v 3 − av + 2ab
RT a R RT 2a
P = − −→ dP = dT − dv + 3 dv.
v − b v2 v−b (v − b)2 v

129 Note que teremos α = 0 quando T → ∞: neste limite, uma variação na temperatura não mais afeta o volume (v → ∞ se P é constante).

Analogamente, κT → 0 quando P → ∞ (v → 0 se T é constante).


FIS01020 - Termodinâmica - Aula 24
Jeferson J. Arenzon – 9 de novembro de 2018

Expansão Livre (Adiabática) O coeficiente é:


     
Em uma expansão adiabática reversı́vel, o sistema realiza tra- 1 ∂u 1 ∂s
J =− = P −T
balho às custas de sua energia interna, nenhum calor entra cV ∂v T cV ∂v T
no sistema e a temperatura diminui. Por estar termicamente   
1 ∂P
isolado, sua entropia é também a entropia total do sistema130 , = P −T . (64)
cV ∂T v
que permanece constante (processo isoentrópico). Por exem-
plo, para um gás ideal, se P v γ for constante:
Assim, conhecendo a equação de estado P (v, T ) podemos cal-
"  #   γ 
u
f /2
v fR P v cular J. Por exemplo, para o gás de van der Waals:
∆s = R ln = ln = 0,
u0 v0 2 P0 v0  
∂P R a 2a
= −→ JvdW = − 2
=− ≤ 0, (65)
onde usamos que u ∼ T ∼ P v. Por outro lado, se a ex- ∂T v v−b cV v f Rv 2
pansão for adiabática e irreversı́vel (não isoentrópica), existem
várias possibilidades e outros vı́nculos precisam ser especifica- onde usamos, para cV , o resultado do Ex. 54. Portanto, a tem-
dos. Vamos considerar um gás que passa de uma câmara a peratura diminui (a 6= 0) ou, no caso em que a = 0 (gás ideal
outra, através de um orifı́cio (ou um meio poroso), as quais e gás de Tonks), permanece constante.
podem ter suas pressões ou volumes mantidos constantes. Se
o volume da câmara, que inicialmente está vazia, é mantido
constante, nenhum trabalho é realizado. Já para manter cons-
tante a pressão é preciso alterar o volume e, portanto, o pro-
cesso envolve trabalho.
Numa expansão livre, ou expansão de Joule131 , as
duas câmaras possuem volume constante (e pressões iniciais
diferentes).

Para um gás real (ou modelo mais realista), a temperatura


O gás se expande livremente através do pequeno orifı́cio, sem pode aumentar ou diminuir. Em geral, o potencial intermole-
que calor seja transferido ou trabalho seja realizado. Assim, o cular é atrativo a grandes distâncias e repulsivo para pequenas
processo ocorre à energia constante. Para um gás ideal, cuja (exclusão de volume). Quando o gás se expande, a distância
energia é totalmente cinética e u = u(T ), não há mudança na média entre as moléculas aumenta, mas se a energia poten-
temperatura. Mas quando há interações entre as moléculas132 , cial (média) diminui ou aumenta depende da temperatura.
u = u(T, v). Portanto, como a energia total é constante: Quando a energia potencial aumenta, como a energia total do
    sistema permanece constante, a energia cinética e, portanto, a
∂u ∂u temperatura, diminuem. Conversamente, a temperatura au-
du = dT + dv = 0,
∂T v ∂v T menta quando a energia potencial diminui. Se o valor inicial de
V (r) está na região atrativa (r > r0 ), a expansão envolve um
o que define133 o coeficiente de Joule, dT = Jdv: aumento da energia potencial (como ocorre com dois corpos
  atraı́dos gravitacionalmente). Se a expansão ocorrer na região
∂u
  repulsiva (r < r0 ), a energia potencial diminui. Este último
∂v T ∂T
dT = −   dv = dv. caso pode ocorrer quando a temperatura for alta o suficiente
∂u ∂v
| {z u} para que a energia cinética das moléculas consiga vencer a re-
∂T v ≡J(u,v) pulsão entre elas. Pares de moléculas muito próximas, mesmo
sendo poucos, acabam dominando134 a média da energia po-
Uma vez conhecido o coeficiente J, a diferença de temperatura
tencial. Assim, aumentando a temperatura em que ocorre a
pode ser obtida pela integral
expansão, existe um ponto em que o comportamento da tem-
Z vf
peratura do gás, ao se expandir, se inverte135 . Nem o gás
∆T = J(u, v)dv.
vi
ideal, nem o de van der Waals, apresentam esta inversão.
130 Em outras situações (por exemplo, numa expansão isotérmica), se pode ter ∆Ssist < 0, o que é compensado por ∆Sres ≥ −∆Ssist .
131 Goussard e Roulet, Am. J. Phys. 61 (1993) 845.
132 Como a força entre as moléculas depende da distância entre elas, a energia potencial associada depende da configuração (ou seja, da distribuição

de distâncias entre pares de moléculas) e, portanto, do volume disponı́vel para o gás.


133 Usamos du = T ds − P dv e uma das relações de Maxwell obtida de df = −sdT − P dv.
134 Um argumento frequente, mas equivocado, considera a distância média entre as moléculas para calcular o potencial, V (r), ao invés da média

deste, V (r). A maior contribuição para r vem de moléculas afastadas entre si, porém sua contribuição para V (r) é pequena pois tipicamente, em
gases temos r > r0 (o que dificulta explicar os casos em que a temperatura aumenta).
135 Para a maior parte dos gases, T
inv é muito alta (o termo repulsivo no potencial é forte). Alguns valores experimentais (Albarrán-Zabala et al,
Open Thermod. Journ. 3 (2009) 17): He (177 K), H2 (922 K).
FIS01020 - Termodinâmica - Aula 25
Jeferson J. Arenzon – 12 de novembro de 2018

Como as moléculas em um gás ideal são consideradas pun- O gás ideal é obtido para Bℓ = δℓ1 e o de van der Waals:
tuais, elas não colidem entre si, mas somente com as pare- ( a
des. Neste caso, é o tamanho do recipiente que determina o b− , ℓ=2
Bℓ = RT
tamanho do percurso de cada molécula. Porém, em gases re- ℓ−1
b , ℓ > 2.
ais, onde as moléculas possuem volume, a distância (média)
percorrida entre duas colisões, chamada de livre caminho O coeficiente B2 é o único a depender da temperatura neste
médio (λ), pode ser menor. Claramente, deve ser inversa- caso. A temperatura em que o sistema é mais parecido com o
mente proporcional à densidade do gás (e à área da seção reta gás ideal, chamada de temperatura de Boyle, é quando a
de cada partı́cula), λ ∼ ρ−1 , pois quanto mais partı́culas te- primeira correção ao gás ideal se anula, B2 = 0. Por exemplo,
mos no mesmo volume, menor a distância percorrida antes da no modelo de van der Waals139 :
próxima colisão. Valores tı́picos de λ para o ar são: 10−7 m a a
b− = 0 → TB = .
ao nı́vel do mar, 16 cm a 100 km de altura e 20 km a 300 km RTB bR
de altura.
Nesta temperatura, em primeira aproximação, a compensação
mútua entre os termos repulsivos e atrativos do potencial é
Virial máxima.
Voltando ao coeficiente de Joule, Eq. (64), e notando que,
A menos que as densidades sejam muito baixas ou as tempe- em princı́pio, Bℓ = Bℓ (T ), ℓ ≥ 2, temos:
raturas muito altas136 , os gases reais não obedecem à equação  
∂P X Bℓ X 1 dBℓ P RT dB2
dos gases ideais. Uma alternativa é a equação de estado de =R +RT ≃ + 2
∂T v ℓ v ℓ dT T v dT
van der Waals (1873): v ℓ ℓ≥2
| {z }
RT a P/T
P = − (66)
v − b v2
onde mantivemos somente o primeiro termo da expansão. Por-
onde a e b são constantes137 caracterı́sticas do gás. Esta tanto:   
equação apresenta uma transição lı́quido-gás, ausente no gás 1 ∂P RT 2 dB2
J= P −T ≃− .
ideal. cV ∂T v cV v 2 dT
Podemos expandir a Eq. (66) em termos de v −1 : Existe uma temperatura de inversão se B2 apresentar um ex-
P 1 1 a tremo para T > 0. No caso do gás de van der Waals, como
= − dB2 /dT = a/RT 2 6= 0, não há tal temperatura e, numa ex-
RT v(1 − b/v) RT v 2
  pansão livre, sempre esfriará.
1 b b2 b3 a 1
= 1 + + 2 + 3 + ... −
v v v v RT v 2
1 1  a  b 2
b 3 Exemplo 55: Para o gás de Dieterici, cuja equação de
= + 2 b− + 3 + 4 − .... estado é 
v v RT v v RT a 
P = exp − ,
Obviamente, no limite138 v → ∞, mantendo somente o pri- v−b vRT
meiro termo da série, obtemos o gás ideal. Se costuma caracte- calcule B2 , TB e mostre que não há temperatura de inversão.
rizar o desvio no comportamento de um gás em relação ao gás
ideal pelo fator de compressibilidade, P v/RT , que obviamente
vale 1 para um gás ideal. P 1  a 
Generalizando, obtemos a expansão virial: = exp −
RT v(1 − b/v) vRT
  
P 1 B2 B3

X Bℓ 1 b a
= + 2 + 3 + . . . → P = RT , (67) = + 2 + ... 1− + ...
RT v v v vℓ v v vRT
ℓ=1
1 1  a 
= + 2 b− + O(v −3 ).
onde B1 ≡ 1 (termo de gás ideal) e, em princı́pio, Bℓ = Bℓ (T ). v v RT
136 Neste caso, a energia cinética domina e os termos do potencial, que incluem os detalhes das interações, são pouco importantes.
137 A equação leva em conta o fato das moléculas não serem puntuais (volume zero), isto é, um gás real não pode ser comprimido até V = 0. Então,
b é o volume mı́nimo ocupado por um mol. Em um recipiente, a força resultante em moléculas próximas ao centro é nula, mas próximo à parede há
uma força, resultante da atração mútua, apontando para o centro. A pressão é proporcional ao número de moléculas que colidem com as paredes,
logo, proporcional à densidade. A força atrativa que cada uma sente também é proporcional ao número de moléculas, logo, à densidade também.
Assim, a diminuição da pressão nas paredes é proporcional a ρ2 ∼ v−2 .
138 Obtém-se v = V /N → ∞ (regime de alta diluição) quando N é fixo e V → ∞ ou quando V é fixo e N → 0.
139 Usando valores tabelados para o H, obtemos T ≃ 112 K. Note também que, como veremos, T = 8a/27bR, logo T = 27T /8.
B c B c
O segundo virial, B2 , é o mesmo do gás de van der Note que neste caso não foi preciso nenhuma expansão, a
Waals (portanto, sem temperatura de inversão e a equação de estado corresponde à escolha dos coeficientes até
mesma TB ). B4 .
Embora o cálculo da temperatura de Boyle, TB , envolva
um polinômio cúbico (e dependerá dos valores estimados para
A0 , B0 e c), para a temperatura de inversão:
Exemplo 56: Considere o gás de Beattie-Bridgemann dB2 A0 3c
(1928): = 2
+ 4 =0
dT RT T
RT  c  A r
P = 2
1− (v + B) − 2 3cR
v vT 3 v Tinv = − .
onde A0
  
a b Para que exista esta temperatura, c/A0 < 0. Note também
A = A0 1− e B = B0 1 − .
v v que para c = 0, o segundo virial é equivalente ao do gás de
Escrevendo em forma de série: van de Waals.
    
P 1 c bB0 A0 1 a
= − v + B 0 − − −
RT v2 v3 T 3 v RT v 2 v3
   
1 1 A0 c 1 cB0 aA0
= + 2 B0 − − 3 + 3 −bB0 − 3 +
v v RT T v T RT
| {z }
B2
1 bcB0
+ .
v4 T 3
FIS01020 - Termodinâmica - Aula 26
Jeferson J. Arenzon – 12 de novembro de 2018

Outras Expansões Adiabáticas ou seja, a entalpia é a mesma nos dois estados143 . Tempera-
tura, cuja variação queremos obter, e pressão, que é a variável
Pressão constante-volume constante (ou vice-versa). Va- mantida fixa em cada câmara, são as variáveis independen-
mos supor que o buraco seja suficientemente pequeno para que tes relevantes. Escrevendo então H(T, P ) e, usando que H é
a pressão na câmara (exceto muito perto do buraco) seja uni- constante144 :
forme (assim, δW = P dV ), e o processo, quase estático140 .
   
∂H ∂H
dH = dT + dP = 0 → dT = µJT dP.
∂T P ∂P T

Ao mover o pistão para a direita e esvaziar a câmara, a energia


O coeficiente de Joule-Thomson, µJT , permite obter a va-
do gás (ideal) aumenta:
riação de temperatura no processo,
∆U = Q − W = −W = −P (0 − Vi ) = P Vi = N RTi . Z Pf

Como ∆U = N cV ∆T , a variação na temperatura é indepen- ∆T = µJT dP,


Pi
dente da quantidade de gás e vale
R 2 e pode ser escrito em termos de quantidades mensuráveis (mais
∆T = Ti ≃ Ti , adiante veremos o procedimento sistemático):
cV 5
   
pois a atmosfera é essencialmente composta de moléculas ∂H ∂S
diatômicas (f = 5). Para Ti = 300 K, ∆T ≃ 120 K. Assim,   −T −V
∂T ∂P T ∂P T
141
como trabalho é feito sobre o sistema, sua energia aumenta . µ JT ≡ = −   =  
∂P H ∂H ∂S
Experimentalmente, o efeito é reduzido pois muito do calor é T
∂T P ∂T P
absorvido ou transmitido pelas paredes do recipiente.  
Inversamente, para volume constante-pressão cons- ∂V
T −V
tante, o gás exerce trabalho sobre a parede e perde energia, ∂T P T αV − V v(αT − 1)
= = =
diminuindo sua temperatura. Este é o caso, por exemplo, do N cP N cP cP
gás que escapa de um tubo de spray ou butijão para a atmos-
fera, a qual é um reservatório de pressão (e trabalho precisa onde usamos dH = T dS + V dP , dG = −SdT + V dP e
ser feito para criar o volume necessário para o gás).
   
∂S ∂V
− = .
∂P T ∂T P

Pressão constante-pressão constante. Neste processo, Assim, o sinal de dT depende da temperatura em que ocorre
chamado de Joule-Thomson (ou Joule-Kelvin142 , um gás a expansão. Por exemplo, quando T α > 1 (note que neste
passa de uma região para outra com pressão menor, através experimento, dP < 0), o gás esfria: dT = µJT dP < 0. A
de uma barreira porosa (ou orifı́cio). Em todo o processo, as temperatura de inversão então é145
duas pressões são mantidas constantes.
1
Tinv = . (68)
α

Se o pistão da esquerda realiza um trabalho Pi Vi ao em- De fato, em um diagrama T contra P observamos que as iso-
purrar o gás para a câmara da direita, ao passar para o outro entálpicas de gases reais apresentam um máximo, que cor-
lado, o gás realiza um trabalho Pf Vf no outro pistão. Assim, responde à temperatura de inversão. Assim, para um de-
a energia final será: terminado processo, a temperatura inicial do gás, a esquerda
ou a direita do máximo, determina o comportamento quando
Uf = Ui + Pi Vi − Pf Vf → Uf + Pf Vf = Ui + Pi Vi , ocorre uma pequena diminuição da pressão. Se o ponto estiver
| {z } | {z }
Hf Hi a direita (esquerda), a temperatura aumenta (diminui).
140 B. Baker, Am. J. Phys. 67 (1999) 712.
141 Se os volumes das duas câmaras são iguais, r e V permanecem constantes, não sendo, portanto, responsáveis pela variação de temperatura.
142 Lord Kelvin é o tı́tulo de nobreza que Thomson recebeu em reconhecimento ao seu trabalho.
143 Se os estados intermediários forem de equilı́brio, processo quase-estático, o processo é isoentálpico.
144 Equivale a escrever dT = (∂T /∂P ) dP , onde dP é a diferença infinitesimal de pressão entre os dois lados (a variação de pressão do gás).
H
145 Se α = α(T ), a T
inv é obtida resolvendo a Eq. (68) para um valor fixo de H.
A medida que a temperatura aumenta, todos os gases se apro-
ximam do comportamento do gás ideal, para o qual

 
1 ∂v R 1
α= = = ,
v ∂T P Pv T

e, portanto µJT = 0 (o máximo desaparece). O fato da tem-


peratura do gás ideal permanecer constante indica que este
efeito depende da interação entre as partı́culas.
FIS01020 - Termodinâmica - Aula 27
Jeferson J. Arenzon – 14 de novembro de 2018

Relações de Maxwell Podemos proceder de modo análogo para os outros potenciais


termodinâmicos.
Existem muitas formas de construir derivadas segundas da
equação fundamental, nas várias representações. Por exem-    
plo, para U = U (S, V, N ): ∂S ∂P
Exemplo 60: ∂V =
∂T V,N
T,N
∂2U ∂2U ∂2U ∂2U
, , , , etc. Do lado esquerdo temos:
∂S∂V ∂V ∂S ∂S∂N ∂S 2
Essas respostas descrevem propriedades dos materiais • paredes impermeáveis;
quando perturbados e são em geral diretamente acessı́veis aos
experimentos. Apesar das muitas combinações, apenas um • volume variável (pistão);
pequeno número dessas derivadas são independentes, devido
à condição de consistência, ou comutabilidade146 : • banho térmico (T constante);
   
∂2U ∂2U ∂T ∂P • aquecemos quase-estaticamente;
= → =− .
∂V ∂S ∂S∂V ∂V S,N ∂S V,N
• medimos o calor absorvido, que fornece a variação de
Na representação de energia, dU = T dS − P dV + µdN e, além entropia, e a variação de volume.
da equação acima, as outras relações de Maxwell são:
    Quando as variações são pequenas, temos uma boa apro-
∂T ∂µ
= ximação para a derivada. Este experimento, bem como qual-
∂N S,V ∂S V,N quer um que envolva medidas de calor tranferido, é compli-
   
∂P ∂µ cado. Já do lado direito, temos um experimento bem mais
− = .
∂N S,V ∂V S,N direto, que não envolve medidas de calor:

As relações de Maxwell, onde cada lado da equação se refere • paredes impermeáveis;


a uma medida experimental independente, são bem sucedi-
das previsões da termodinâmica. Não é óbvio, a priori, que • volume fixo;
tais experimentos devam fornecer o mesmo resultado, o que
serve, portanto, como um teste para a teoria. A sua validade • medimos as variações em P e T .
também facilita o trabalho experimental. No lado esquerdo do
exemplo acima, temos a variação de temperatura associada a Além da medida experimental, o lado direito pode ser cal-
uma expansão ou compressão adiabática. Já o lado direito, culado se a equação de estado P (V, T ) for conhecida. Por
quando escrito como T (dP/δQ)V,N , nos fornece a variação de exemplo, para um gás ideal:
pressão associada à entrada ou saı́da de calor em um sistema  
cujo volume é fixo. ∂P NR
= .
∂T V,N V

Exemplo 59: Para a energia livre de Helmholtz, Então:


 
dF = −SdT − P dV + µdN, ∂S NR
= → S(T, V, N ) = N R ln V + f (T ).
∂V V
e as relações de Maxwell são: T,N
   
∂S ∂P Ou seja, a partir de um experimento puramente mecânico,
=
∂V T,N ∂T V,N
sem qualquer medida de calor, podemos obter a dependência
    da entropia em relação ao volume. A dependência na tempe-
∂S ∂µ
− = ratura pode ser obtida integrando-se o calor especı́fico cV .
∂N T,V ∂T V,N
   
∂P ∂µ Um mnemônico para recordar todas essas relações é o qua-
− = .
∂N T,V ∂V T,N
drado de Born147 :
146 A condição para que as derivadas comutem é que a derivada segunda seja sempre contı́nua (teorema de Schwarz ou de Clairaut).
147 Usamos as variáveis S e V , portanto N não aparece. Pode-se construir variações do quadrado usando outros pares de variáveis ou generalizá-lo,

incluindo todos os potenciais (Pate, Am. J. Phys. 67 (1999) 1111) e números molares, obtendo assim um cubo (o qual contém também as várias
relações de Euler, o que não é possı́vel no quadrado original pois N não aparece).
V F T Assim, por um lado, o conhecimento da equação de
estado P (V, T ) (seja em um modelo ou numa me-
dida experimental) permite obter a dependência
U G de cV no volume.
Para o gás ideal, como também para o gás de
van der Waals, P depende linearmente de T e
(∂cV /∂v)T = 0. Quando cV depende do volume
S H P significa que o calor injetado no sistema vai par-
cialmente para a energia potencial (que depende
Para montar o quadrado, as regras148 são: da configuração e, portanto, do volume). Caso
• lados: potenciais termodinâmicos, em ordem alfabética contrário, irá todo para energia cinética, com re-
(F , G, H e U ); flexos na temperatura do sistema.

• vértices: parâmetros extensivos (V e S) do lado es-


querdo, e intensivos (T e P ) do lado direito;
Devemos tomar cuidado com a quantidade mantida cons-
• cada potencial é ladeado por suas variáveis independen-
tante. Por exemplo:
tes.
   
As setas indicam o sinal: saindo (+) ou chegando (−). Assim: ∂v ∂v
6= .
∂T P ∂T S
dU = T dS − P dV + µdN
dF = −SdT − P dV + µdN Os processos são distintos: o primeiro é isobárico enquanto o
segundo é adiabático e, portanto, os resultados diferem. De
dG = −SdT + V dP + µdN
fato, do lado esquerdo temos αv enquanto que do lado direito:
dH = T dS + V dP + µdN.
 
∂s
As relações de Maxwell também podem ser lidas a par-  
∂v ∂T cV /T c κ
tir do quadrado: se as flechas são assimétricas (simétricas), o = −  v = −   =− V T.
sinal é negativo (positivo). Por exemplo: ∂T S ∂s ∂P Tα
∂v T ∂T v
V T
Como num processo adiabático a temperatura diminui quando
o volume aumenta, o sinal é negativo.
S P S P
   
∂V ∂T
= . Exemplo 62:
∂S P,N ∂P S,N
    
Ou: ∂u ∂s ∂P
  P −T P −T
S V ∂T ∂v T ∂v T ∂T v
= −  =   =
∂v u ∂u ∂s cV
| {z } T
J ∂T v ∂T v
P T P T P Tα P κT − T α
    = − =
∂S ∂V cV cV κ T cP κT − T vα2
=− .      
∂P T,N ∂T P,N ∂h ∂s ∂P
  T +v
∂T ∂v T ∂v T ∂v T
= −  =−    
∂v h ∂h ∂s ∂P
Exemplo 61: O que podemos afirmar sobre a de- T +v
pendência de cV = N −1 (∂U/∂T )V no volume (N é constante)? ∂T v ∂T v ∂T v
 
∂P 1 α 1
Das relações de Maxwell e usando dU = T dS − T − T −
∂T v κT κT κT 1 − Tα
P dV : =− α =− α = c κ + vα
          cV + v cV + v V T
∂cV ∂ ∂U ∂ ∂U κT κT
N = =
∂V T ∂V ∂T V T ∂T ∂V T V 1 − Tα
     = ,
∂ ∂P cP κT − T vα2 + vα
= T −P
∂T ∂T V V onde usamos cP = cV + T vα2 /κT .
 2 
∂ P
=T .
∂T 2 V
148 Um mnemônico do mnemônico, da esquerda para a direita e de cima para baixo, é Valid Facts and Theoretical Understanding Generate

Solutions to Hard Problems. Em português, no sentido horário ao redor do quadrado: Vovô Fernando Tinha Gatos Pretos, Hoje São Urubus!
FIS01020 - Termodinâmica - Aula 28
Jeferson J. Arenzon – 16 de novembro de 2018

Redução de derivadas em termos de α, κT e cP :


Existe um procedimento padrão para escrever as derivadas αV T κT
parciais em termos de α, cP e κT . Os passos são os seguintes:   −S+V −S +V
∂U N cP α
1. Trazer todos os potenciais para o numerador e eli- = −T +P
∂P T 1
miná-los usando sua diferencial (dU , dF , etc).
G,N −S −S
N cP αV
2. Trazer µ para o numerador e eliminá-lo através da
V N cP αP V 2
equação de Gibbs-Duhem (dµ = −sdT + vdP ). = −αV T + + P V κT − .
S S
3. Trazer a entropia para o numerador. Para eliminá-
la, usar uma das relações de Maxwell ou dividir ∂S
por ∂T e escrever em termos de cP ou cV .
4. Traga o volume para o numerador e expresse as
derivadas em termos de α e κT . Exemplo 64:
5. Elimine cV usando      
∂µ ∂T ∂P
T vα2 = −s +v .
cV = cP − . (69) ∂v s ∂v s ∂v s
κT

Exemplo 63: Exemplo 65: Há uma propriedade das derivadas parci-
      ais que permite introduzir uma nova variável. Seja f = f (x, y)
∂U ∂S ∂V
=T −P onde x = x(t) e y = y(t):
∂P G ∂P G ∂P
   G " #
∂G ∂G       
∂f ∂f ∂f dx ∂f dy
∂P S ∂P V df = dx + dy = + dt.
= −T   +P  ∂x y ∂y x ∂x y dt ∂y x dt
∂G ∂G
∂S P ∂V P
    Tomando f constante (df = 0):
∂T ∂T
−S +V −S +V   
∂P S ∂P V ∂x ∂f
= −T   +P    
∂T ∂T ∂t ∂y ∂x
−S −S  f = −  x = .
∂S P ∂V P ∂y ∂f ∂y f
∂t f ∂x y
onde usamos149 que dG = −SdT + V dP . No primeiro passo é
mais conveniente eliminar U antes de passar G para o nume- Note que nas derivadas, a mesma quantidade (f ) é mantida
rador. Então: constante. Aplicando,
   
∂S ∂V      
  ∂S ∂S ∂V N cP
∂T ∂P T ∂T P αV T = = ,
= −  = = ∂V ∂T ∂T T αV
∂P S ∂S N cP N cP P P P

∂T P T resultado também obtido no Ex. 63.


 
∂V
 
∂T ∂P T κ
= −  = T.
∂P V ∂V α Exemplo 66:
Compressão isotérmica. Considere
∂T P um processo isotérmico, quase estático, onde a pressão varia
de Pi até Pf . Como varia a energia?
Note, novamente, a importância da notação para a quanti- O potencial conveniente é o de Gibbs, onde T e P são
dade que é mantida constante nas derivadas acima. Então, as variáveis independentes. Neste caso, U = U (T, P ) e sua
149 Para os denominadores, o mesmo resultado se obtém usando a propriedade (ver exemplo 65):
       
∂G ∂G ∂S ∂T
= = −S .
∂S P ∂T P ∂T P ∂S P
variação, num processo isotérmico, é: Há, portanto, uma singularidade tanto em α quanto em κT .
    Como veremos, este é o ponto crı́tico que existe no gás de van
∂U ∂U
dU = dP + dT der Waals. Quando dU 6= 0, δQ e δW também são diferentes:
∂P T ∂T P |{z}
0 o sistema perde calor suficiente para que sua energia cinética
     
∂S ∂V (e T ) permaneça a mesma.
= T −P dP
∂P ∂P T
  T 
∂V
= −T + P κT V dP Exemplo 67: Compressão adiabática. Considere
∂T P
um sistema fechado (paredes adiabáticas e impermeáveis) de
= V (P κT − αT ) dP.
uma única componente. Numa compressão quase estática
Em um gás ideal, como α = 1/T e κT = 1/P , dU = 0 desde Pi até Pf , qual a variação de T ?
e a energia se mantém constante durante a compressão. O Como S e N são constantes e P é a variável indepen-
mesmo não vale para o gás de van der Waals. Para calcular dente, convém trabalhar na representação de entalpia. Então
α, derivamos a equação de estado em relação a T , mantendo T = T (S, P ) e
P constante:
   
R RT ∂v 2a ∂v    
0= − + . ∂T ∂T
v − b (v − b) 2 ∂T P v 3 ∂T P dT = dP + dS
∂P S ∂S P |{z}
0
Então (expressões equivalentes foram já obtidas anterior-    
mente): ∂S ∂V
  ∂P T ∂T P αvT
1 ∂v Rv 2 (v − b) = −  dP = dP = dP.
α= = 3 . ∂S N cP cP
v ∂T P v RT − 2a(v − b)2
∂T P T
Para a compressibilidade isotérmica:
 
∂P RT 2a −RT v 3 + 2a(v − b)2 Para um gás ideal,
=− 2
+ 3 = ,
∂v T (v − b) v v 3 (v − b)2
γ
então cP = R,
  γ−1
1 ∂v v 2 (v − b)2
κT = − = 3 .
v ∂P T v RT − 2a(v − b)2
que, junto com v/R = T /P , fornece:
Logo:
v 2 (v − b) v γ−1T
P κT − T α = [P (v − b) − T R] 3 dT = dP = dP → P 1−γ T γ = cte.
| {z } v RT − 2a(v − b)2 (1 + f /2)R γ P
−a(v−b)/v 2

a(v − b)2
= .
2a(v − b)2 − v 3 RT
FIS01020 - Termodinâmica - Aula 29
Jeferson J. Arenzon – 26 de novembro de 2018

Estabilidade equivalente, portanto, à condição de estabilidade. Para pe-


quenos valores de ∆U , a equação acima se reduz a
Considere dois sistemas idênticos, em equilı́brio, separados por
 
uma parede fixa e impermeável. Se uma flutuação transfere ∂2S
uma quantidade ∆U do primeiro para o segundo sistema, a ≤ 0. (71)
∂U 2 V,N
variação na entropia total é
Si = 2S(U ) → Sf = S(U − ∆U ) + S(U + ∆U ). Esta condição sobre a curvatura, por ser local, é menos restri-
tiva do que a Eq. (70). Analogamente, para o volume,
Se a entropia fosse convexa,
 
S(U − ∆U ) + S(U + ∆U ) ∂2S
> S(U ), S(V + ∆V ) + S(V − ∆V ) ≤ 2S(V ) → ≤ 0, (72)
2 ∂V 2 U,N

e N . As condições de estabilidade150 garantem que inomoge-


S(U + ∆U )
neidades (flutuações) não aumentam a entropia.
Quando um sistema mecânico se afasta do mı́nimo do po-
[S(U − ∆U ) + S(U + ∆U )]/2 tencial surgem forças que o fazem retornar. Analogamente,
S(U ) em termodinâmica, temos o Princı́pio de Le Chatelier:
S(U − ∆U )
Qualquer não homogeneidade que possa surgir
U − ∆U U U + ∆U no sistema induzirá um processo para erradicá-la.
e o estado inicial, homogêneo, teria entropia menor do que o Por exemplo, em um gás existem flutuações de densidade
estado final, heterogêneo, em contradição com o fato dos sis- devido ao movimento errático dos átomos e moléculas, com
temas inicialmente estarem em equilı́brio (máxima entropia). regiões mais ou menos densas surgindo constantemente. Pe-
De fato, neste caso, calor espontaneamente fluiria através da quenas regiões com alta densidade têm maior pressão e se ex-
parede, fazendo com que a temperatura de um dos sistemas pandem. Isso diminui a pressão e restaura a homogeneidade.
aumentasse cada vez mais, violando a segunda lei. O mesmo
Trechos instáveis podem surgir em modelos ou a partir da
argumento pode ser usado para um único sistema, em que flu-
extrapolação de resultados numéricos ou experimentais. O sis-
xos internos de calor de uma região para outra poderiam gerar
tema da figura abaixo é globalmente instável entre B e F, en-
heterogeneidades. O sistema seria, portanto, instável. Assim,
quanto que localmente, é instável somente entre C e E (os tre-
a entropia deve ser côncava:
chos BC e EF são localmente estáveis e globalmente instáveis
S(U − ∆U ) + S(U + ∆U ) ≤ 2S(U ), (70) pois violam a condição global, mas não a local).
150 Para flutuações simultâneas, a superfı́cie de entropia deve estar sempre abaixo de seus planos tangentes. Para qualquer variação ∆U e ∆V :
S(U + ∆U, V + ∆V ) + S(U − ∆U, V − ∆V ) ≤ 2S(U, V ).
Para os casos particulares em que ∆U = 0 ou ∆V = 0, obtemos as condições (70) e (72), respectivamente. Para uma função de duas variáveis:
 
∂f ∂f 1 ∂2f 2 ∂2f ∂2f 2
f (x + ∆x, y + ∆y) ≃ f (x, y) + ∆x + ∆y + (∆x) + 2 ∆x∆y + (∆y) .
∂x ∂y 2! ∂x2 ∂x∂y ∂y 2
Expandindo até segunda ordem, obtemos uma condição local extra (as condições anteriores não são suficientes para garantir a concavidade: podemos
ter uma superfı́cie com curvaturas negativas ao longo das quatro direções ±U e ±V , mas com curvatura positiva ao longo das diagonais):
 2 
∂ S ∂2S ∂2S
S(U + ∆U, V + ∆V ) + S(U − ∆U, V − ∆V ) = 2S(U, V ) + 2
(∆U )2 + 2 ∆U ∆V + 2
(∆V )2 .
∂U ∂U ∂V ∂V
| {z }
≤0

Para completar o quadrado, multiplicamos por ∂ 2 S/∂U 2(que, por ser negativo, inverte a desigualdade), e somamos e subtraı́mos
(∂ 2 S/∂U ∂V )2 (∆V )2 . Assim, para qualquer variação ∆V e ∆U :
 2 2 " 2  2 2 #
∂ S ∂2S ∂ S ∂2S ∂ S
∆U + ∆V + − (∆V )2 ≥ 0.
∂U 2 ∂U ∂V ∂U 2 ∂V 2 ∂U ∂V

Como podemos sempre encontrar um par dessas variações que anula o primeiro termo quadrático, para garantir que seja um mı́nimo é preciso que
 2 2
∂2S ∂2S ∂ S
− ≥ 0. (73)
∂U 2 ∂V 2 ∂V ∂U
Ou seja, para N constante, os potenciais termodinâmicos (U
e suas transformadas) são funções convexas das suas variáveis
extensivas e côncavas das intensivas.

Consequências Fı́sicas
Da condição de convexidade da energia:
 2   
∂ U ∂T T
= = ≥ 0 → cV ≥ 0.
∂S 2 V,N ∂S V,N N cV

Uma condição global de estabilidade garante que as variáveis Logo, o calor especı́fico molar, a volume constante, deve ser
intensivas que descrevem um sistema sejam homogêneas espa- sempre positivo em um sistema estável. Portanto, cP ≥ cV ≥
cialmente, enquanto que uma condição local (a que é satisfeita 0. Assim, ao acrescentar calor a um sistema, seja a volume ou
na fase metaestável) não impede que heterogeneidades sejam pressão constante, sua temperatura não pode diminuir. Para
nucleadas. A equação fundamental estável é obtida pela en- a mesma variação de temperatura, mais calor é necessário
voltória das tangentes que estão acima da curva (envoltória quando a pressão é constante pois trabalho é feito pelo sis-
convexa), como veremos, ou seja, substituindo151 o trecho tema.
instável pela linha reta BHF (um ponto sobre esta reta cor- Da convexidade do potencial de Helmholtz (pois T é man-
responde a um estado de coexistência, ou separação de fase, tida constante quando queremos κT ):
no qual partes152 do sistema podem estar na mesma fase do    
ponto B e outras na ponto F). ∂2F ∂P 1
=− = ≥ 0 → κT ≥ 0.
O critério de estabilidade também pode ser formulado em ∂V 2 T ∂V T V κT
outras representações. Como a energia possui um mı́nimo, sua
superfı́cie deve ser convexa (supondo N constante): Se fosse negativo, ao se expandir, a pressão aumentaria, o que
amplificaria a expansão, ou seja, a flutuação cresceria. Além
U (S + ∆S, V + ∆V ) + U (S − ∆S, V − ∆V ) ≥ 2U (S, V ) disso, como κS ≥ 0 pois cP , cV e κT são positivos e
ou, localmente153 : κS cV
= ≤ 1 → κT ≥ κS ≥ 0.
κT cP
∂2U ∂2U
≥0 e ≥ 0.
∂S 2 ∂V 2 Diminuir o volume, isotérmica ou adiabaticamente, aumenta a
Podemos proceder de forma análoga para as transformadas pressão, mas o aumento (absoluto) é maior quando não permi-
de Legendre de U . Para a transformada X → Y , temos: timos a saı́da de calor do sistema: |(∂P/∂V )S | > |(∂P/∂V )T |.

∂U
Y = e U [Y ] = U − XY. Exemplo 68: Para o gás de van der Waals:
∂X
Logo, pela regra da cadeia:  
RT a ∂P RT 2a
P = − → =− + 3.
∂U [Y ] ∂U dX dX v − b v2 ∂v T (v − b)2 v
= −X −Y = −X.
∂Y ∂X dY dY
A partir das isotermas podemos ver que abaixo de uma certa
Então as duas derivadas segunda têm sinais contrários: temperatura surge uma região instável (κT < 0), delimitada
∂ 2 U [Y ] ∂X 1 1 pelas raı́zes de ∂P/∂v.
=− =− =− 2 .
∂Y 2 ∂Y ∂Y /∂X ∂ U/∂X 2
Assim, se U é uma função convexa de X, U [Y ] será uma função
côncava de Y . Logo:
 2   2 
P

∂ F ∂ F
F = F (T, V ) → ≤ 0 e ≥0
∂T 2 V,N ∂V 2 T,N
 2   2 
∂ H ∂ H
H = H(S, P ) → ≥ 0 e ≤0
∂S 2 P,N ∂P 2 S,N v
 2   2 
∂ G ∂ G
G = G(T, P ) → ≤0 e ≤ 0.
∂T 2 P,N ∂P 2 T,N
151 A envoltória convexa (que pode ser côncava) pode ser obtida efetuando a transformada de Legendre e, em seguida, a sua inversa.
152 Mesmo o sistema não sendo mais espacialmente homogêneo, ele está em equilı́brio, sendo uma mistura de regiões, ou domı́nios, homogêneos
dentro dos quais as propriedades fı́sicas são uniformes (e, portanto, as superfı́cies de separação passam a ser importantes).
2 2  2 2
153 Aqui, a condição mista é (o sinal é positivo pois ∂ 2 U/∂S 2 ≥ 0 e não invertemos a desigualdade como na nota 150): ∂ U ∂ U − ∂ U
≥ 0.
2
∂S ∂V 2 ∂V ∂S
FIS01020 - Termodinâmica - Aula 30
Jeferson J. Arenzon – 28 de novembro de 2018

Transições descontı́nuas
P
Vamos tomar uma pequena região no interior do sistema,
a qual efetivamente está em contato com um reservatório
térmico e de pressão (o restante do sistema). Portanto, a
condição de equilı́brio é que o potencial de Gibbs, G(T, P, N ),
do subsistema seja mı́nimo154 . Na vizinhança do ponto
de ebulição155 (transição lı́quido-gás), podemos ter dois
mı́nimos156 , um global (estável) e outro local (meta-estável). T
Para uma temperatura um pouco acima do ponto de transição, Abaixo do ponto de ebulição, o mı́nimo local anterior, que
o primeiro corresponde ao equilı́brio termodinâmico (estado ocorre a um volume menor (maior densidade) se transforma
gasoso) e um volume maior (menor densidade). Entre os dois em global: ocorre uma transição de fase. Se o sistema esti-
há uma região instável, uma barreira de energia livre que, ver em um mı́nimo local, é preciso primeiro a nucleação de
para ser ultrapassada, necessita de uma perturbação sufici- uma gota (flutuação) da fase estável maior do que um certo
entemente grande. Devido às flutuações térmicas, o sistema tamanho mı́nimo (suficiente para passar a barreira de energia)
pode, ocasionalmente, escapar do estado metaestável (a bar- de modo que não seja suprimida157 e continue a crescer, até
reira para escapar do estado de equilı́brio, o caminho inverso, dominar o sistema. Este efeito é bastante comum em lı́quidos
é muito maior quando comparada à do estado metaestável e, superresfriados (cerveja!) que, a partir de uma pequena per-
por consequência, o sistema passa, efetivamente, todo tempo turbação158 , se congelam bruscamente159 . Podemos estimar
ali). grosseiramente a altura da barreira de energia para o caso de
nucleação homogênea160. Vamos considerar uma substância
(a cerveja), no estado lı́quido (onde a energia de Gibbs é G1 )
em uma região dos parâmetros onde a fase de equilı́brio seria
a sólida (de energia G2 < G1 ). Se surgir uma gota sólida (por
simplicidade, uma esfera de raio r) no interior do lı́quido, a
variação na energia livre será161 :
4 4 4
∆G = − πr3 g1 + πr3 g2 + 4πr2 σ = − πr3 δ + 4πr2 σ,
3 3 3
onde gi é a densidade de energia livre (por volume), δ ≡
g1 −g2 > 0 e σ é a tensão superficial, ou seja, o custo energético
alocado na interface entre a fase lı́quida e a sólida. Para pe-
quenos valores de r, o segundo termo domina, ∆G > 0 e a
dinâmica é dirigida pela superfı́cie da gota. Mas quando r
fica suficientemente grande, o primeiro termo, que é negativo,
torna-se relevante e ∆G começa a diminuir depois de passar
por um máximo. A altura desta barreira determina o custo
A forma do potencial muda em cada lado da transição: energético162 (e, portanto, a probabilidade163 ) de ocorrer tal
154 Lembre que quando transformamos u(s, v) em g(T, P ), o princı́pio de minimização da energia para todo o sistema, incluı́ndo o reservatório, foi
substituı́do pela minimização da energia livre somente do sistema principal, sem o(s) reservatório(s).
155 A discussão é válida para outras transições descontı́nuas como, por exemplo, a sólido-lı́quido.
156 Mesmo o potencial sendo função de T e P , é possı́vel representá-lo como função de outras variáveis, no caso, V = V (T, P ).
157 Note que o princı́pio de Le Chatelier permanece válido e procura levar o sistema para o estado homogêneo, só que pode não ser o estado inicial.

Se a gota for grande o suficiente e ultrapassar para a outra bacia, o estado homogêneo agora é o estado de equilı́brio da outra fase.
158 Uma batida provoca, por exemplo, ondas longitudinais com sucessivas regiões de alta e baixa pressão.
159 O escritor italiano Curzio Malaparte conta, no seu romance Kaputt (1944), sobre o (provavelmente fictı́cio) caso de centenas de cavalos que, ao

fugir de um grande incêndio, se jogam no Lago Ladoga, perto da fronteira entre a Finlândia e a Rússia. Este se congela instantaneamente, e assim
permanece durante todo o inverno, com as cabeças como lápides esculpidas pelo horror.
160 A nucleação é heterogênea quando se forma em contato com uma superfı́cie ou impureza. Uma gota assim formada tem uma interface menor

entre as duas fases. Como o termo superficial (positivo) é justamente o responsável pela barreira de energia, a nucleação é mais fácil.
161 A esfera sólida ocupa o volume ocupado anteriormente pela esfera lı́quida e, portanto, suas massas podem ser diferentes.
162 Note que gotas com raios levemente superiores ao máximo ainda têm ∆G > 0 e, mesmo assim, convergem para o estado de equilı́brio estável.

Portanto, não é o sinal de ∆G que define se uma flutuação cresce ou é suprimida, mas sim se ela está antes ou depois da barreira.
163 A probabilidade desta flutuação ocorrer é P ∼ exp(−β∆G ) e diminui exponencialmente com o tamanho da barreira.

flutuação que pode levar o sistema para a fase de equilı́brio. fase. Podemos ver também que a energia livre de Gibbs é uma
O máximo ocorre quando função contı́nua, embora sua derivada (a entropia) seja des-
contı́nua nos pontos de transição. Se coletarmos os pontos de
d 2σ
∆G = 0 → r∗ = , transição para diversos valores de P , obtemos o diagrama de
dr r=r∗ δ fases do sistema.
que corresponde a
16πσ 3 Calor Latente
∆G∗ = .
3δ 2 Ao atravessar a curva de coexistência, a transição entre as
Se a gota ultrapassar esse tamanho crı́tico, controlado pela duas fases não é instantânea. A medida que a cruzamos, uma
razão σ/δ, ela continuará a crescer. fração cada vez maior do sistema sai de uma fase e entra na
Na temperatura de transição, os dois mı́nimos do poten- outra, o que envolve uma troca isotérmica de calor. Somente
cial são iguais, e por não haver preferência por nenhum, am- quando a transição está completa é que a temperatura volta a
bos coexistem estavelmente. Neste ponto, os potenciais de se modificar. O calor latente (por mol) em uma transição de
Gibbs molares ou, equivalentemente, os potenciais quı́micos primeira ordem, a quantidade de calor liberada ou absorvida
(G = U − T S + P V = µN ), são iguais: na transição, é
ℓ = T ∆s (74)
g L = g G → µL = µG .
onde T é a temperatura da transição e ∆s = sG − sL a dife-
A igualdade do potencial quı́mico garante que neste estado rença de entropia entre as duas fases. Ou seja, o calor latente
de coexistência (equilı́brio), regiões em cada uma das fases é proporcional ao salto de ∂g/∂T na transição. Lembrando
possam trocar partı́culas (mas o fluxo é nulo). É interes- que
sante graficar os valores do potencial para os vários possı́veis
mı́nimos de G em função da temperatura para um único valor H = U + P V = T S − P V + µN +P V → h = T s + µ,
164
| {z }
de pressão : Euler

e como, numa transição descontı́nua, os potenciais quı́micos


e as temperaturas permanecem iguais em ambos os lados da
transição (isto é, constantes), podemos escrever:

ℓ = ∆h. (75)

Dependendo da transformação, é chamado de calor (la-


tente) de fusão/solidificação, vaporização/liquefação ou su-
blimação/deposição. Ao passar de uma fase de temperatura
mais baixa para uma mais alta, o sistema absorve calor (a en-
tropia é maior na temperatura mais alta). O calor latente é
o mesmo quando o processo é feito a pressão ou temperatura
Para cada temperatura, escolhemos o mı́nimo de menor va- constante: não importa em que direção a linha de coexistência
lor. Os pontos de intersecção correspondem às transições de é cruzada.

164 Note que S = −(∂G/∂T )P ≥ 0, portanto, (∂G/∂T )P ≤ 0.


FIS01020 - Termodinâmica - Aula 31
Jeferson J. Arenzon – 1 de dezembro de 2018

Equação de Clausius-Clapeyron Ou seja, se a pressão for um pouco maior do que a atmosférica,


a temperatura de fusão diminui, o que faz com que a água se li-
Como consequência da igualdade do potencial quı́mico das quefaça. Uma aplicação deste efeito são os patins de gelo, onde
duas fases, a inclinação da curva de coexistência, dP/dT (i.e., o aumento local na pressão cria um filete de água lı́quida, por
como a temperatura de transição varia com a pressão), é com- onde os patins deslizariam166 . Outro caso com dP/dT < 0 é
pletamente determinada pelas propriedades dessas duas fases, o 3 He, onde vL > vS , mas sL < sS abaixo de 0.5 K.
podendo ser positiva ou negativa.

Isotermas instáveis e transição


Ao longo de uma isoterma abaixo da temperatura crı́tica TC ,
o modelo de van der Waals apresenta uma região instável
(não fı́sica) onde κT ≤ 0. No ponto de transição, o sistema
salta de um ramo (fase) a outro. A igualdade da tempera-
tura (equilı́brio térmico) entre as duas fases é trivialmente
satisfeita (isoterma), e como as pressões também precisam ser
iguais (equilı́brio mecânico), o salto é horizontal. É a condição
Considere dois pontos ao longo da linha de transição, um de igualdade entre os potenciais de Gibbs molares (ou poten-
onde coexistem os estados A e A’ e outro, infinitesimalmente ciais quı́micos) das duas fases na transição que determina a
próximo, onde coexistem B e B’. Nesses pontos: pressão onde isto ocorre. O potencial quı́mico (e, portanto,
g) pode ser obtido por meio da equação de Gibbs-Duhem ao
µA = µA ′ e µB = µB ′ → µB − µA = µB ′ − µA ′ . longo da isoterma:
| {z } | {z }
dµ dµ′ Z
dµ = −sdT + vdP = vdP → µ = vdP + f (T )
Como dµ = −sdT + vdP (Gibbs-Duhem),

−sdT + vdP = −s′ dT + v ′ dP onde f é uma função arbitrária da temperatura. A função


v(P ) é conhecida a partir da equação de estado do sistema,
dP s′ − s ∆s que no caso do gás de van der Waals:
= ′ =
dT v −v ∆v
onde ∆s e ∆v são as descontinuidades da entropia e volume
molar, respectivamente, na transição (e podem ser, portanto,
quantidades finitas, não infinitesimais). Como ℓ = T ∆s:
dP ℓ
= , (76)
dT T ∆v
que é a equação de Clausius-Clapeyron.
Para a coexistência lı́quido-gás165, ℓ = T (sG − sL ) > 0 (o
sistema absorve calor e sG > sL ). Como vG > vL (∆v > 0),
então
dP
> 0.
dT Tomando A como ponto de referência, cancelamos a constante
Na transição sólido-lı́quido, embora ainda ℓ = T (sL −sS ) > de integração f (T ):
0 (sL > sS , e o sistema absorve calor), a relação entre os volu- Z B
mes depende do sinal de α(T ) na transição. No caso da água, µB − µA = v(P )dP.
vS > vL , ∆v < 0 e, portanto, A

dP Esta integral cresce até o ponto F, diminui a partir daı́ até M


< 0. para, em seguida, voltar a crescer167 :
dT
165 Como v ≫ v e aproximando v pela equação dos gases ideais: ∆v = v − v ≃ v ≃ RT /P → dP/dT = ℓP/RT 2 , a qual pode ser integrada,
G L G G L G
conhecendo-se ℓ(T ), para obter a forma da curva de coexistência.
166 Embora isso esteja correto, o fenômeno é mais complexo, e envolve tanto o calor do atrito quanto o fato das moléculas da superfı́cie, por terem

menos ligações que as do interior, serem menos estáveis, podendo interagir com as moléculas da superfı́cie dos patins, ajudando no degelo superficial.
167 É importante notar que esta curva é para uma dada temperatura. A equação completa para µ contém uma função f (T ) que não podemos

determinar a partir da integração de somente uma das funções de estado. Mas o resultado é suficiente para os nossos propósitos.
Podemos dividir a integral em vários trechos:
Z F
Z K
Z M
Z O

vdP + vdP + vdP + vdP = 0


D F K M

Z F
Z F
Z K
Z O

vdP − vdP = vdP − vdP,


D K M M

ou seja,

Para altas temperaturas, como as pressões e os volumes dos ÁreaI = ÁreaII .


pontos F e M se aproximam, o laço de g = µ desaparece:
Esta construção geométrica é conhecida como construção de
Maxwell.

Até o ponto B e a partir de R, há somente um volume para


cada pressão, mas entre os dois temos três possı́veis soluções.
A solução intermediária está no ramo instável, e é descartada.
Dentre as duas restantes, escolhemos a de menor energia li-
vre, enquanto que a outra corresponde a um mı́nimo local,
portanto, meta-estável. No ponto D há uma intersecção entre Para T < TC temos três regiões distintas, correspondendo às
os dois ramos da energia livre, a partir do qual a solução que a duas fases puras e a uma mistura delas. Nesta região de co-
minimiza está no outro ramo. Neste ponto ocorre a transição existência de fases, podemos encontrar as frações x1 e x2 do
de fase, e a isoterma fı́sica (termodinâmica) é: sistema em cada uma das fases. Como x1 + x2 = 1, o volume
efetivo ao longo do segmento plano da isoterma é

v = v1 x1 + v2 x2 = v1 x1 + v2 (1 − x1 )

e
v − v2
x1 =
v1 − v2
v1 − v
x2 = .
v1 − v2
Os pontos D e O são obtidos pela condição µD = µO :
Z O
Ou seja, as frações de cada fase correspondem à proporção de
v(P )dP = 0. cada segmento do trecho de coexistência, OZ e ZD.
D
FIS01020 - Termodinâmica - Aula 32
Jeferson J. Arenzon – 3 de dezembro de 2018

Fenômenos Crı́ticos meiras derivadas são nulas, ou seja, precisamos nos afastar
mais do centro para começar a sentir a curvatura).
Em um ponto qualquer (T, P ), a energia livre de Gibbs pos-
sui pelo menos um mı́nimo, que corresponde ao estado de
equilı́brio do sistema. A existência de um segundo mı́nimo
ocorre nas proximidades de uma linha de transição de pri- P
meira ordem. Sobre a linha, as duas fases coexistem e, por-
tanto, têm energias livres iguais. Em lados opostos da linha,
uma ou outra domina, um mı́nimo é global enquanto o outro
é local.

T
P
Passando o ponto crı́tico temos um único mı́nimo usual. Ou
seja, no ponto crı́tico temos uma bifurcação deste mı́nimo, que
se divide em dois quanto a temperatura diminui.

P
T

Ao alterar os parâmetros ao longo da linha de coexistência,


à medida que a temperatura aumenta, diminui a distância en-
tre esses mı́nimos bem como a barreira de energia livre entre
eles. A diferença entre as duas fases fica cada vez menor (men-
surável, por exemplo, pelo salto na densidade168 ) até que no
ponto crı́tico, onde termina a linha de coexistência (além T
deste ponto há um único mı́nimo), ela desaparece completa- Como as duas primeiras derivadas da energia livre se anu-
mente. A transição é dita contı́nua ou de segunda ordem. lam no ponto crı́tico, o mecanismo restaurador (Le Chate-
Uma vez que podemos passar suavemente da fase lı́quida para lier), que impedia as flutuações de crescerem, é bastante re-
a gasosa sem uma transição de fase (contornando o ponto duzido. Isso faz com que as flutuações sejam muito impor-
crı́tico), a própria distinção entre esses estados não é clara. tantes (e grandes). Em particular, algumas propriedades di-
Por exemplo, na transição lı́quido-gás, o parâmetro de or- retamente relacionadas à essas flutuações (as respostas termo-
dem169 , que descreve o quanto estamos próximos do ponto dinâmicas170 ) podem divergir.
crı́tico, é o tamanho do salto na densidade (ou no volume mo-
lar) quando cruzamos a linha de transição:
Exemplo 71: Encontre os valores crı́ticos das variáveis
∆ρ = ρl − ρg , de estado para um gás de van der Waals.

que vai a zero quando T → TC− . O parâmetro de ordem se No ponto de inflexão171,172 :


anula quando atingimos o ponto crı́tico, e os dois mı́nimos ∂P ∂2P
dão origem a um único mı́nimo com fundo plano (as duas pri- = = 0.
∂v ∂v 2
168 Embora g (= µ) seja contı́nua numa transição descontı́nua, suas derivadas não são. Como g = −sdT + vdP e v = (∂g/∂P ) , temos um salto
T
da densidade (v−1 ). Além disso, ∂ 2 g/∂P 2 = ∂v/∂P = −vκT < 0, g(P ) é uma função convexa.
169 A escolha do parâmetro de ordem é especı́fica para cada sistema, e vai depender das suas simetrias. Em um sistema ferromagnético, o parâmetro

conveniente é a magnetização, a qual é nula acima da temperatura de Curie. Em sistemas cuja transição é do tipo ordem-desordem, temos que
analisar as simetrias do estado fundamental e dividir o sistema, quando necessário, em sub-redes. E assim por diante.
170 Por exemplo, a compressibilidade está relacionada às flutuações de densidade. No ponto crı́tico temos flutuações em várias escalas, isto é,

temos regiões do sistema com densidades efetivas diferentes e, por consequência, ı́ndices de refração diferentes também (para um sistema transpa-
rente). Assim, um lı́quido normalmente transparente, fica opaco no ponto crı́tico devido ao enorme espalhamento da luz, fenômeno conhecido como
opalescência crı́tica.
171 Como é o sinal da derivada segunda que define a curvatura de uma função, uma mudança de curvatura, que define o ponto de inflexão, implica

que a derivada segunda é nula.


172 Neste exemplo, como os dois mı́nimos coalescem neste ponto, além da condição sobre a derivada segunda, a primeira derivada também é nula

(e fornece um polinômio de terceiro grau, com três soluçoes).


Então:
∂P −RT 2a
=0= + 3 → v 3 RT = 2a(v − b)2 Usando as variáveis reduzidas (adimensionais) P̃ = P/PC ,
∂v (v − b)2 v T̃ = T /TC e ṽ = v/vC , a equação de estado é a mesma para
2
∂ P 2RT 6a todos os gases:
=0= − 4 → v 4 RT = 3a(v − b)3 .
∂v 2 (v − b)3 v 8T̃ 3
P̃ = −
3ṽ − 1 ṽ 2
Note que quando a condição v 3 RT = 2a(v − b)
é obedecida, localizando o ponto crı́tico, o co- pois não depende mais das constantes a e b. Esta inde-
eficiente de expansão (α) e a compressibilidade pendência dos detalhes microscópicos da interação (a e b), co-
isotérmica (κT ) divergem (ver exemplo 66). Di- nhecida como a lei dos estados correspondentes, é obede-
vidindo uma pela outra, obtemos: cida também por outros fluidos embora, obviamente, a forma
da curva de coexistência possa diferir. Além disso, apesar da
8a a concordância razoável na localização do ponto crı́tico, este mo-
vC = 3b, RTC = e PC = . (77)
27b 27b2 delo não é capaz de descrever corretamente o comportamento
2 de várias propriedades termodinâmicas na sua vizinhança173 .
Um exemplo é o argônio com a = 1.354 ℓ atm/mol
e b = 0.0322 ℓ/mol (esses valores podem ser obtidos
ajustando as isotermas): Exemplo 72: Para a compressibilidade isotérmica do
modelo de van der Waals, na vizinhança do ponto crı́tico, fi-
teoria experimento
xando o volume v = vC e aproximando de TC :
TC -119.7 ◦ C -122 ◦ C
PC 48 atm 48 atm  
∂P −RT 2a ∂P RT 2a
vC
3
97 cm /mol
3
75 cm /mol = + 3 → =− 2 +
∂v (v − b)2 v ∂v T,v=vC 4b 27b3
O chamado fator de compressibilidade (que R
mede o desvio de comportamento em relação ao =− (T − TC )
4b2
gás ideal) no ponto crı́tico (onde a diferença deve
ser maior) é: Logo:
κT ∼ (T − TC )−1 ,
PC vC 3
= = 0.375, o que define o expoente crı́tico γ, κT ∼ |T − TC |−γ . Expe-
RTC 8
rimentos mostram que este expoente, em sistemas reais, está
independente de a e b, demonstrando que há algum na faixa de 1.2 a 1.4. Note que a divergência na compressi-
comportamento universal. Para o Ar, experimen- bilidade corresponde à mesma condição de que o extremo na
talmente, se obtém 0.292. Para a água, 0.23, e 0.31 isoterma seja um ponto de inflexão, ∂P/∂v = 0.
para o 4 He, e a concordância é razoável.

173 Em particular, os valores dos expoentes crı́ticos, pois é equivalente a um modelo de campo médio.

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