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DEFINIÇÃO DO DIREITO PENAL

Estrutura da norma penal:


 Previsão = Crimes
 Estatuição = Penas e Medidas de Segurança = Sanções Criminais
 Penas: aplicáveis em geral aos agentes com capacidade de culpa e de
responsabilidade, sendo todas restritivas de direitos fundamentais –
pressuposto é a culpa do agente e ser pessoalmente censurado (pelo
Direito) pela prática dum facto
 Medidas de Segurança: sanções que se fundamentam na perigosidade
do agente e que apresentam, sobretudo, caráter preventivo –
pressuposto é o perigo

Figueiredo Dias: Direito Penal é ramo ou parte integrante do Direito Público – o particular está
submetido ao ius puniendi de que o Estado está dotado.1
 Pelo relevo prático e especificidade de elaboração teórica (há dignidade da matéria penal),
o Direito Penal autonomizou-se historicamente e passou a ser disciplina inteiramente
própria.

Definição Formal de Direito Penal:


Conjunto de normas, que se autonomizam no Ordenamento Jurídico por atribuírem a certos
factos jurídicos – crimes (previsão) – consequências jurídicas/sanções criminais profundamento
graves – penas e medidas de segurança (estatuição).2
 Não pode ser aceite esta definição.
o Pois definir o Direito penal como um mero conjunto de normas era aceitar uma
definição em que num sistema positivo injusto considerar-se-iam crimes certas
situações e atribuir-se-iam sanções criminais. Ex: julgamento de Galileu
 Perspetiva demasiado positivista
 O crime e a pena têm um conteúdo pré-legislativo indisponível.
o O sistema funciona com base em juízos de valor – é axiomático e não pode
apenas funcionar numa lógica de “se está no Código é crime”

Definição Material de Crime


Que factos podem ser caracterizados como crime?
 Não todos os que são objeto de sanção criminal – argumento circular e arbitrário, sem
validade normativa e que não caracteriza os factos – não basta haver pena atribuída
para ser crime; ser punido não determina a qualidade do facto como crime. Ex: jovem
condenada por usar minissaia, segundo uma comissão saudita
 Não todos os que têm gravidade moral – argumento pressupõe confusão entre Direito
e Moral, que não estão no mesmo plano.

1
Daí que o Direito Penal tenha uma estreita conexão o direito constitucional com a teoria do Estado.
2
Figueiredo Dias:
 Direito Penal Subjetivo – ius puniendi – resulta da soberana competência do Estado em considerar como
crimes certos comportamentos humanos e ligar-lhe sanções específicas.
 Direito Penal Objetivo – ius poenale – é a definição formal, que é a expressão ou emanação do poder
punitivo do Estado.
 Não todos os que revelam perigosidade emergente – argumento que desloca a
caracterização do crime para a personalidade do agente e não para o seu
comportamento – há factos irrelevantes que podem ser perigosos, assim como crimes
esporádicos ou em situação limite, sem grande perigosidade.
 Não todos os que são danosos para a sociedade – argumento com entendimento
demasiado amplo e aberto (MFP) – há factos acidentais muito danosos para a sociedade
e alguns Estados consideram diferentes situações como crime ou atribuem diferentes
sanções criminais para o mesmo facto, alterando a relevância e a própria definição de
“dano” consoante o caso. Ex: estatuto de refugiado ilegal é considerado um crime grave
nalguns países

Então,
Para se definir materialmente um crime é preciso:
1. Fundamento normativo aceitável pelo Direito, através da relação dos factos e não por
mera descrição formal – necessidade de uma razão universalizável no âmbito do sistema
jurídico
2. Razão normativa que abarque o plano objetivo do facto, bem como o seu plano
subjetivo
3. Descoberta de quais os factos que podem, de acordo com os critérios do sistema
jurídico, justificar as sanções criminais

O conceito material de crime tem como ponto de partida a 2) justificação racional-


normativa, 1) no âmbito do sistema jurídico, 3) para a gravidade das sanções criminais.
 I.e., na perspetiva dos critérios do sistema jurídico3 pondera-se se se deve
atribuir consequências jurídicas a determinada conduta – algo é crime se merecer
uma pena
o A gravidade das sanções criminais relativamente às restrições dos
direitos fundamentais só é justificável por factos proporcionalmente
danosos desses mesmos direitos fundamentais ou bem.
 Lógica do Estado de Direito e do princípio da necessidade da pena ditam
a gravidade da sanção criminal – art. 18º/2 CRP

A qualificação dum facto como crime, para ser válida e normativa, tem de passar pelo crivo da
relação entre o Estado e os cidadãos4 e tem de respeitar os princípios constitucionais.

Por que devem os cidadãos submeter-se ao Estado e aceitar ser punidos? Quando é que é
racional as pessoas submeterem-se a restrições das suas liberdades pelo Estado?
Hobbes: pessimista que acreditava que a necessidade do Estado advinha da péssima natureza
humana e, portanto, tratar-se-ia dum pacto de submissão para garantir a proteção e a
representação de todos os cidadãos.

3
Princípios e fundamentos do sistema jurídico-penal
4
Tendo em conta aquilo que se entende como restrição legítima pelo Estado de direitos fundamentais –
pena estatal.
 Cidadãos concordam em ceder direitos naturais ao Estado de forma a obter proteção,
na medida que sem ela existiria uma competição por recursos, numa “guerra de todos
contra todos”.
 O Estado é o Leviatã5 – entidade mais forte que assegura o cumprimento do contrato
social.

Locke: pensador liberal da tradição liberal individualista em que vê o Estado como o guardião
dos direitos individuais, sendo esse o fundamento do poder.
 Associação livre entre Estados e cidadãos – Estado oferece proteção, mediante
consentimento6 (de Homens que são livres, iguais e independentes no Estado
Natureza7), e é instrumento para a realização plena dos direitos e liberdades individuais,
pois no Estado Natureza estão sujeitos à invasão de outros (e assim preservam a
propriedade, que de outra forma era incerta).
o Crime é uma ofensa a direitos, que justifica, pela sua gravidade, a restrição dos
direitos fundamentais.

Rosseau: pensador democrático que vê a Associação dos indivíduos no Estado como aquilo
que permite o seu desenvolvimento através da vontade coletiva, que permite a realização da
igualdade – o Homem só se conserva se se unir a outros, de forma a “encontrar forma de
associação que defenda e proteja os bens de cada associado e pela qual, cada um, unindo-se a
todos, não obedeça senão a si mesmo e permaneça tão livre como anteriormente”.
 O interesse coletivo é condição de realização dos indivíduos.
o União à vontade coletiva garante os interesses individuais (ganha o equivalente
a tudo o que tinha), que ganham mais força num coletivo (que é uma forma de
realização do indivíduo).
 Homem perde a liberdade natural mas ganha a liberdade civil (delimitada pela liberdade
geral) e garante a propriedade de tudo o que possui – contrato social produz corpo
moral e coletivo.
o Crime é ofensa à vontade coletiva, da qual depende a igualdade dos direitos e
o desenvolvimento individual.8

Kant: vê o interesse individual como racional e não como psicológico em que a Moralidade é a
pedra angular da Racionalidade.
o É a racionalidade do ser humano, como ser moral, que legitima qualquer
restrição da liberdade e nunca a produção de felicidade
 Restrição do livre arbítrio de cada um justifica-se na medida da articulação da
liberdade de cada um com a liberdade dos outros.9
o Paradoxo: Aquele que rouba viola a propriedade alheia, mas rouba-se a si
mesmo. Quando furtou quis ser proprietário do furtado, portanto, tem
interesse que as leis da propriedade sejam respeitadas. Mas viola-as porque
furtou.

5
Que pode ser tanto um indivíduo como uma assembleia.
6
Princípio da sociedade política depende do consenso dos indivíduos que decidiram associar-se
7
Homens abandonam o Estado Natureza entregando todo o poder à comunidade para esta cumprir os
fins para os quais se uniram em sociedade.
8
Pensamento que dá aso a que se qualifique como crime aquilo que é a vontade da maioria.
9
A autonomia da vontade é o princípio único de todas as leis morais e de todos os deveres que estão em
conformidade com elas.
o O que justifica o aceitar de penas é a liberdade – que só pode ser assegurada
em articulação com a dos outros (tratando as pessoas como fins em si mesmos).
 Aceitar penas é pagar o preço de ser livre – “o Direito é o conjunto de condições em
que o arbítrio de cada um se concilia com o arbítrio de todos, numa lei universal para
todos”. 10
o O que está em causa é a racionalidade – arbítrio e liberdade é racionalmente
falando.
o Contrato social não é negócio e a vontade não é escolha arbitrária e sem a razão
prática em que se inclui a subordinação à lei e ao Estado – profundamente
racional.
o Não é o interesse individual que justifica, mas sim o Direito justificado como
liberdade para todos.

MFP: as respostas até Kant são modelos normativos que partem da racionalidade, mas
desprezam a racionalidade imediata e a história – o contrato social não é histórico e sim uma
experiência de pensamento.
 Os filósofos contemporâneos repensam a pergunta numa outra lógica.

Rawls: não coloca a questão em modos idealistas, como Kant. Não fala de contrato social nem
de Estado de natureza. – ideia de um consenso original cujo o objeto são os princípios de justiça
para a estrutura básica da sociedade.
 Fala numa experiência de pensamento da posição original11 e do conceito do “véu de
ignorância” – é essa racionalidade de interesses, considerando o que existe
historicamente no momento, apenas abstraindo de quem se é (partes mutuamente
desinteressadas), que permite escolher os (2) princípios de justiça, numa escolha
racional que justifica a subordinação ao Estado.
o Princípio da liberdade – o máximo de direitos a cada um para todos termos o
máximo de direitos;
o Princípio da diferença – as diferenças entre as pessoas são legítimas, mas na
redistribuição de riqueza só se justificam quando redundem em benefício dos
mais fracos12
 Justificação das restrições na liberdade de direitos baseiam-se em princípios de justiça
que permitem organizar mais racionalmente a sociedade – o que justifica a
subordinação do cidadão ao Estado é a escolha voluntária com base nos princípios de
justiça.
o Penas são admissíveis quando são beneficiam os mais fracos, promovendo a
liberdade e a segurança.

Martha Nussbaum: aceita em parte Rawls e faz uma capabilities approach. São as capacidades
humanas que determinam qual a escolha justa.
 Partilha ideias do contratualismo de Rawls mas aponta-lhe 3 problemas: pessoas com
dificuldade e deficiência, nacionalidade, outras espécies.

10
Direito é coerção no sentido que o comportamento criminoso é restrição à liberdade, pelo que é
necessário essa coerção para restituir essa liberdade.
11
Em que estavam pessoas livres e racionais
12
Sem isto há arbitrariedade na distribuição
o Rawls pensa no ser humano sempre como racional e escolhe os princípios para
os seres racionais – o que pode ser injusto para os seres não racionais.
 Só há uma restrição racional de direitos se a contrapartida for o florescimento das
capacidades de cada ser humano, de forma a viver a vida dignamente.
o A racionalidade da subjugação de alguém ao Estado é o florescimento das
capacidades humanas e a possibilidade de se ter uma vida digna.
o Somos diferentes e temos capacidades diferentes – essa diferença tem de ser
reconhecida e tem de haver um consenso (pós esse reconhecimento) para que
a vida de todos floresça.
o Capacidades humanas são os critérios de escolha justa e cabe ao Estado o
desenvolvimento destas capacidades individuais, que são as fontes dos
princípios políticos subjacentes ao Estado.
 Princípios de justiça mais diversificados e inclusivos – redefine o contrato social e inclui
as pessoas com menos capacidades e os próprios animais – em que a restrição de
direitos através das penas deve ancorar na realização de interesses tidos como
fundamentais.
o Gravidade das penas não se define pela tradição ou moral dominante nem pela
vontade da maioria. É necessária uma relação com os fins do Estado e os seus
princípios de justiça.
 O direito penal que protege as capacidades não é retributivo, mas sim reintegrativo,
justificado pelo melhor desenvolvimento, tanto da personalidade das potencias vítimas
como dos próprios agentes.
 Só é criminoso o comportamento que mereça uma pena (apena à discussão da
legitimidade constitucional).
 Deve estudar-se quais as condições necessárias para se dar as melhores condições.

MFP critica: até agora só tirámos conclusões normativas, em que pensamos em modelos
normativos que pressupõem a total liberdade dos agentes e a não existência de um modo social
de produção de fenómenos.

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