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P.º n.º C.P. 76/2012 SJC-CT Expropriação. Exercício do direito de reversão.

Registo.

PARECER

1. Tendo em vista a regularização de um concreto ato de registo, lavrado com base em


decisão judicial de adjudicação tomada na sequência do exercício do direito de reversão
de bem expropriado e comunicada pelo tribunal ao serviço de registo, vem a Sra. adjunta
do conservador colocar um conjunto de questões, todas elas formuladas segundo as
circunstâncias do caso concreto e desacompanhadas de qualquer apuramento técnico-
jurídico fundamentado.

2. Visto que o apoio técnico-jurídico solicitado se destina a orientar a retificação do


registo e, portanto, a alicerçar matéria cuja sindicância cabe, em exclusivo, aos tribunais,
a pronúncia não deverá, pois, constituir resposta ao caso concreto, nem ir além da
apreciação das questões jurídicas que se destacam dos factos apresentados.

3. Assim, as questões jurídicas que, em abstrato, importará resolver são estas:

- Que registo deve ser feito com base na comunicação a que se refere o artigo 79.º do
Código das Expropriações;

- Como proceder quando o bem expropriado tenha sido fracionado e, no registo, figure
atualmente disperso por duas ou mais descrições;

- Qual o regime do direito adquirido em virtude da reversão do bem expropriado;

- Qual o tratamento emolumentar devido pelos atos necessários ao reatamento do prédio


expropriado.

1
Pronúncia

1. De acordo com o disposto no artigo 5.º do Código das Expropriações (CE) 1, o


expropriado tem o direito de reversão do bem sobre o bem objeto de expropriação, no
caso de o expropriante não o aplicar aos fins que determinaram a expropriação ou se,
entretanto, tais finalidades tiverem cessado.

1.1. Visto que a expropriação se traduz em ablação da propriedade por causa da


utilidade pública, e que é este destino que justifica o sacrifício de um direito com garantia
constitucional, a falta de destinação dos bens expropriados aos fins que a motivaram
torna injustificável a expropriação, sendo, pois, determinante de um direito de reversão
ou retrocessão, que pode ser exercido no tempo legalmente definido.

1.2. Na proposta de José Osvaldo Gomes, trata-se, assim, de um poder legalmente


conferido ao expropriado de readquirir o bem objeto de expropriação, em regra mediante
a restituição ao beneficiário da expropriação ou à entidade expropriante da indemnização
que lhe foi atribuída ou outro valor, quando o bem não tenha sido aplicado aos fins
indicados no ato de declaração de utilidade pública ou essa aplicação tenha cessado 2.

1.3. Embora não falte polémica doutrinal em torno da natureza jurídica do direito de
reversão, ora qualificado como condição resolutiva tácita (de direito público) da
expropriação, ora como direito de preferência na reaquisição do bem expropriado, ora
ainda como um direito legal de compra, para a questão que nos ocupa, fundamental é
perceber o modo como este direito pode ser exercido.

1.3.1. Assim, compulsando o disposto nos artigos 74.º e seguintes do CE, temos que,
em regra, o processo de reversão comporta duas fases: uma fase administrativa, na qual
se define a existência do direito de reversão, e uma fase judicial, na qual se definem e se
procede às transferências patrimoniais inerentes3.

1
Aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de setembro, e sucessivamente alterado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de
fevereiro, pela Lei n.º 4-A/2003, de 19 de fevereiro, pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro, e pela Lei n.º
56/2008, de 4 de setembro.
2
Expropriações por Utilidade Pública, Lisboa, 1997, p.397.
3
Dissemos em regra, porque, no caso previsto no artigo 74.º/4 do CE, o interessado pode fazer valer o direito
de reversão mediante ação administrativa comum, e porque não haverá lugar à fase judicial quando haja
acordo entre o interessado e a entidade expropriante sobre os termos, condições e montante indemnizatório da
reversão (artigo 76.º-A do CE).

2
1.3.2. A competência para decidir sobre a reversão e respetivos fundamentos pertence à
Administração, e a adjudicação e a investidura na posse do bem revertido competem ao
tribunal (artigos 77.º a 79.º do CE), tal como no processo de expropriação (artigo 51.º
do CE).

1.3.3. A fase judicial a que alude o 77.º do CE não é, todavia, destinada ao acertamento
jurídico do direito do requerente, ou de sindicância da legalidade substantiva da decisão
tomada pela entidade administrativa competente, mas de fixação do valor a retornar ao
expropriante e de obtenção de um título (formal) de aquisição e de especificação dos
ónus ou encargos em vigor sobre o objeto da reversão.

1.3.3.1. Isto parece o bastante para afastar o ato judicial de adjudicação da propriedade
do leque das decisões judiciais sujeitas a registo.

1.3.3.2. É que a registabilidade prevista no artigo 3.º do CRP tem como critério uma
pretensão substantivada e dirigida ao reconhecimento, constituição, modificação ou
extinção do um direito sujeito a registo e uma definição ou acertamento do direito ou do
efeito em causa, como consequência do que se averiguou.

1.3.3.3. E, como já vimos, esse não é o propósito da fase judicial do processo de


reversão, nem tal constitui matéria do ato de adjudicação que nela se integra.

1.4. Sobra, ainda assim, a dúvida sobre se o registo oficioso a efetuar há de


corresponder a um cancelamento da inscrição de aquisição a favor da entidade
expropriante, fazendo-se revivescer o registo a favor do expropriado, de forma a
patentear no registo um retorno ao status quo ante, ou se, ao invés, caberá efetuar uma
nova inscrição de aquisição.

1.4.1. Por nossa parte, entendemos que, para o registo, mais do que atentar na ligação
entre o direito de reversão e a transferência originada pela expropriação ou na intenção
de repristinação das coisas que se elicia do disposto nos artigos 75.º, 77.º e 79.º/1 do
CE, interessará notar que a situação resultante do exercício deste direito (de reversão)
poderá não coincidir, ao menos, do ponto de vista da estrutura subjetiva e do regime do
direito de propriedade, com a que existia a tempo da expropriação (artigos 74.º/2,
77.º/2, 78.º/3 e 79.º/1 do CE).

1.4.2. E interessará, outrossim, notar que, por força do princípio da legitimidade


aparente (artigos 9.º/3, 37.º/5, 40.º/2 e 53.º do CE), o expropriado e beneficiário do

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direito de reversão pode não ser o sujeito ativo do registo que antecede a inscrição a
favor da entidade expropriante, pelo que o cancelamento desta inscrição traduziria a
extinção do direito de propriedade na esfera patrimonial do expropriante, mas não o
efeito aquisitivo documentado no ato de adjudicação.

1.4.3. Pelo que, nesta ordem de razões, propendemos a considerar, como no processo
C.P. 31/97 DSJ-CT, que, para efeitos de publicidade registal, o exercício do direito de
reversão se traduz num facto aquisitivo, a lavrar por inscrição.

2. Como atrás se disse, pressuposto do exercício do direito de reversão é que o bem não
tenha sido aplicado ao fim que determinou a expropriação ou que, entretanto, tenham
cessado as finalidades da expropriação, contudo, essa falha de destinação não significa
que entre um período e o outro, isto é, que entre o ato de expropriação e o ato de
reversão, o bem não tenha sido objeto de benfeitorias ou de modificações relevantes,
como o fracionamento do bem expropriado ou a sua anexação.

2.1. E pode também suceder que a ficha de registo respetiva tenha sido inutilizada, em
face da colocação efetiva do bem ao serviço da finalidade pública entretanto extinta e a
pretexto do regime de dominialidade.

2.2. Assim, mesmo que se queira atribuir à reversão a natureza jurídica de condição
resolutiva tácita, a verdade é que o exercício deste direito não é de molde a apagar a
realidade material existente, ou a dar azo a qualquer correção da realidade registal
atinente ao bem expropriado; antes se impõe, em face do disposto nos artigos 75.º/1 e
77.º/1/b) do CE, que tal realidade seja considerada no processo de reversão e que neste
se alcance a necessária sobreposição física e registal do prédio a reverter.

2.3. Com efeito, ao registo predial convém, antes de mais, que a realidade material
sobre que versa o direito de reversão venha identificada no ato de adjudicação em
termos que permitam localizar ou criar o suporte descritivo do prédio e as menções
(atualizadas) que dele devam constar.

2.4. E claro que ao serviço de registo competirá lidar com as vicissitudes do objeto da
expropriação retratadas no registo, se necessário for, através de averbamentos de
desanexação ou de anexação, de forma a que passe a figurar o bem objeto do direito de
reversão, com os sinais descritivos indicados no ato judicial de adjudicação.

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2.5. Daí que, num caso como o da consulta, coubesse a abertura de uma nova descrição,
resultante da anexação das parcelas que perfazem o prédio expropriado, sendo que a
retificação que houver de ser feita pedirá também, em termos de técnica e nos termos
explicitados no despacho judicial adrede proferido, que se crie a descrição nova,
mediante anexação das parcelas anteriormente desanexadas ao remanescente descrito
sob o n.º ... 4.

3. Quanto ao regime do direito a inscrever, designadamente, quando a reversão tenha


sido requerida pelos herdeiros do expropriado, começamos por salientar que também
neste âmbito ressuma a compreensão do direito de reversão como decorrência do direito
de propriedade segundo duas perspetivas: a de que o direito de reversão é a
ressurreição do direito de propriedade, ou a de que o direito de reversão tem apenas
como causa um direito de propriedade que foi restringido ou extinto pela expropriação.

3.1. Como se sublinha no acórdão n.º 827/96 do Tribunal Constitucional 5, ambas as


perspetivas podem justificar o reconhecimento do direito de reversão em qualquer
situação de expropriação por utilidade pública, porém, com a diferença de que a primeira
impõe uma automaticidade na génese desse direito, implicando a absorção do direito de
reversão pelo direito de propriedade6, enquanto a segunda permite condicioná-lo ou
restringi-lo mais facilmente, concebendo-se a reversão como situação jurídica ativa de
que o antigo proprietário é titular, mas com maior autonomia perante o direito de
propriedade originário.

4
A execução da retificação projetada na consulta demandará que, com referência à anotação no diário do
pedido de retificação ou do auto de verificação da inexatidão, e em conformidade com os documentos judiciais
pertinentes, se realizem os seguintes atos:
- Anexação das parcelas que compõem o prédio adjudicado, implicando, quanto ao prédio X, averbamento de
desanexação de parcela para anexação aos prédios Y e Z; quanto ao prédio Y, averbamento de anexação ao
prédio Z e a parcela do prédio X; e quanto ao prédio X, averbamento de anexação ao prédio Y e a parcela do
prédio X, com abertura de nova descrição;
- Transcrição do registo (ap. … de 2011/02/21) na nova ficha;
- Inutilização das fichas Y e Z;
-Retificação do conteúdo da inscrição, para que passe a constar o facto (aquisição) titulado nos documentos
apresentados e as menções correspondentes.
5
Publicado no Diário da República, II Série, nº 53, de 4 de março de 1998.
6
Assim concebido, o direito de propriedade não será apenas causa do direito de reversão, mas uma espécie de
direito «ressuscitado», que inclui, como faculdade, a própria reversão.

5
3.2. Dada a ligação existente entre o direito de reversão e a transferência originada pela
expropriação, os herdeiros do expropriado assumem a qualidade de interessado que
pertencia ao de cuius e, dessa forma, atuam como titulares de uma situação jurídica
ativa do falecido (expropriado).

3.3. Todavia, diante do que dispõem os artigos 74.º/2, 77.º/2 e 78.º/3 do CE e


conquanto o direito de reversão se apresente como direito de recuperação do bem
expropriado, o efeito real decorrente do exercício deste direito não se acha juridicamente
talhado como resultado simples de uma eliminação retroativa dos efeitos da
expropriação, colocando o direito na esfera patrimonial do expropriado (neste caso, do
autor da sucessão) como se dela nunca tivesse saído7.

3.4. É que, para além de a aquisição depender de um ato judicial de adjudicação, a


reversão pode operar apenas a favor dos que a requeiram e segundo a forma por estes
proposta, podendo, por isso, acontecer que o prédio seja adjudicado apenas a algum ou
a alguns dos interessados8.

3.5. Além disso, impondo-se a satisfação de uma indemnização e, se for o caso, do valor
correspondente às benfeitorias realizadas no prédio (artigos 78.º e 79.º do CE), a menos
que alguma construção jurídica vingue em torno da ideia de que se trata de uma situação

7
Referência útil neste domínio parece-nos ser o acórdão n.º 127/2012 do TC, no qual se sublinhou que «… seja
qual for o entendimento jurídico-constitucional de expropriação que se perfilhe, a expropriação implica a
privação de um concreto objeto de propriedade. Através dela, o proprietário é privado de uma concreta posição
jurídica, garantida pela Constituição, com base no pressuposto de que a expropriação serve o interesse público
e é necessária à realização de um fim de interesse público determinado».

Donde, segundo o decisor constitucional, «… a garantia de um direito de reversão não significa que o bem
expropriado continua a ser propriedade dos expropriados, ou que a transação esteja sujeita a uma cláusula
resolutiva de prossecução dos fins de utilidade pública justificativos do ato expropriativo. E assim é porque a
expropriação se configura inequivocamente como um ato extintivo de direitos subjetivos constituído sobre
determinados bens, pelo que o direito de propriedade não perdura na esfera jurídica do expropriado após a
consumação da expropriação».

8
Como se refere no acórdão do STA, processo n.º 041983, de 2003/10/15, uma vez que a recuperação do
bem tem de ser total, não podendo ser divisível em termos de possibilitar a cada interessado recuperar uma
quota indivisa, havendo apenas alguns interessados que queiram exercer esse direito, assumirão estes os
encargos que competiam àqueles que não o quiseram fazer.

6
jurídica (passiva) não hereditária abrangida pela sucessão, caberá sempre apurar a
proveniência das quantias envolvidas9.

3.6. Mas, seja como for, também aqui cumprirá que o registo se ocupe de refletir os
termos do ato de adjudicação, devendo o extrato do registo cingir-se a esse conteúdo,
sem lhe acrescentar, portanto, um regime do direito que não esteja patenteado no ato
judicial, sobre o qual, é sabido, nenhum poder-dever de sindicância lhe compete10.

4. Finalmente, sobre a iniciativa de retificação do registo, julgamos que do artigo 121.º/1


do CRP resulta com clareza bastante que ao conservador cabe o dever de retificação do
registo logo que tome conhecimento da irregularidade, sem prejuízo de o interessado a
poder pedir antes disso, se assim o entender11.

4.1. Quanto à tributação emolumentar dos atos de regularização da situação tabular,


também será bom de ver, diante do que dispõe o RERN, que a retificação é taxada de
acordo com o nível de complexidade implicado (artigo 21.º/5. a 5.5.), mas que,
tratando-se de erro ou inexatidão imputável aos serviços, que, por exemplo, não tenham
interpretado adequadamente o título quanto ao facto a inscrever ou aos prédios
envolvidos, os atos de retificação são gratuitos (artigo 14.º) e gratuito deverá ser
igualmente o processo a eles conducente12.

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Isto na certeza de que a herança integra os bens deixados no momento da abertura da sucessão, os que
foram sub-rogados no lugar de bens da herança por meio de troca direta e os adquiridos com dinheiro ou
valores da herança, desde que a proveniência do dinheiro ou valores seja devidamente mencionada no
documento de aquisição (artigo 2069.º do CC).

10
Note-se que, no caso relatado na consulta, a adjudicação é feita às três requerentes sem qualquer alusão à
sucessão ou à proveniência das quantias pagas à entidade expropriante.

Também nenhuma referência é feita aos cônjuges das requerentes, e, realmente, quer tivesse de se entender
que o bem integra a herança indivisa, quer se diga que é bem adquirido pelo herdeiro por virtude da
titularidade do direito de reversão adquirido por sucessão, não vemos por que deveria o cônjuge do herdeiro
casado na comunhão de adquiridos comungar dessa titularidade (cfr. artigo 1728.º do CC).

11
“Se o conservador não viu o erro, nada impede que o interessado o tenha notado e […] envie o
requerimento solicitando a sua reparação. Ora, recebido este, terá de ser apresentado, sendo então a
retificação efetuada com base nele.”. Mouteira Guerreiro, Noções de Direito Registral, 1993, p. 263.

12
Considerando o caso descrito na consulta, não custa admitir que a retificação se fundamente em
desconformidade com o título (quer quanto à distinção do facto sujeito a registo, quer quanto ao objeto do

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Encerramento

Cremos que tanto basta para dar resposta às questões colocadas, mas não para vincular
o serviço consulente ou substitui-lo no dever de decisão do caso concreto, já que,
consabidamente, é este quem, em primeira instância, decide e se responsabiliza pela
técnica registal e pela qualificação jurídica dos factos.

Parecer aprovado em sessão do Conselho Técnico de 23 de novembro de 2012.


Maria Madalena Rodrigues Teixeira, relatora, António Manuel Fernandes Lopes,
Luís Manuel Nunes Martins, Isabel Ferreira Quelhas Geraldes, José Ascenso Nunes da
Maia.
Este parecer foi homologado pelo Exmo. Senhor Presidente em 23.11.2012.

direito a inscrever) e se enquadre na previsão de gratuitidade, posto que, para nós, o despacho judicial
produzido após o ato de adjudicação não serviu senão para reforçar o que já se extraia da conjugação dos
elementos de identificação do prédio e da identidade dos sujeitos indicados na decisão judicial comunicada.

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