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ANTONIA DOS SANTOS GARCIA

DESIGUALDADES RACIAIS E SEGREGAÇÃO URBANA

EM ANTIGAS CAPITAIS:

Salvador, Cidade d’ Oxum e Rio de Janeiro, Cidade de Ogum

Tese apresentada ao Curso de Doutorado do Programa


de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional
da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como
parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de
Doutor em Planejamento Urbano e Regional.

Orientador: Prof. Dr. Luiz César de Queiroz Ribeiro


Doutor em Planejamento Urbano /USP

Rio de Janeiro
2006
G216d Garcia, Antonia dos Santos.
Desigualdades raciais e segregação urbana em antigas
capitais : Salvador, Cidade d’Oxum e Rio de Janeiro /
Antonia dos Santos Garcia. – 2006.
403 f. : il. color. ; 30 cm.

Orientador: Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro.


Tese (doutorado) – Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e
Regional, 2006.
Bibliografia: f. 322-339.

1. Racismo – Salvador (BA). 2. Racismo – Rio de


Janeiro (RJ). 3. Segregação – Salvador (BA). 4.
Segregação – Rio de Janeiro (RJ). 5. Discriminação na
habitação. I. Ribeiro, Luiz Cesar de Queiroz. II.
Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de
Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional. III. Título.

CDD: 305.8
Ao Adô, querido companheiro, e nossos filhos, Gabi,
Marcinho e Caiê, nosso neto Henrique, nossas noras
Carol e Paulinha, ao querido cunhado e amigo Aú e
ao povo de Salvador, cidade d’Oxum e Rio de
Janeiro, cidade de Ogum.
AGRADECIMENTOS

Agradeço ao meu orientador, professor Luiz César Ribeiro, por aceitar orientar uma
tese com um tema tão controverso, especialmente na área de estudos urbanos. À
banca, constituída pelas professoras, Beatriz A. Heredia, Luciana Corrêa do Lago e
Tamara Egler e pelos professores Ubiratan Castro, Moacir Palmeira e Michel Agier e
Adauto Lúcio Cardoso que muito contribuíram com suas experiências na análise
desta tese.

Aos professores do Doutorado, especialmente Jorge Natal, Hermes Tavares (nosso


querido baiano) e Pedro Abramo, entre os professores da disciplina de Economia e
Território. Aos de outras disciplinas, com os quais muito aprendi: Rodolph Rainer,
Tâmara Egler, Ana Clara Ribeiro. Na disciplina de Movimentos Sociais em parceria
com o Museu Nacional/IPPUR, tive o prazer de ser aluna do professor José Sergio
Lopes e Lígia Sigaud com quem pude retomar de certa forma, algumas reflexões
sobre os movimentos sociais a partir de diferentes olhares.

Quero agradecer especialmente às pessoas de Plataforma, que de alma aberta


concederam-me entrevista sobre o bairro, o racismo em suas diferentes dimensões o
que muito nos ajudou a compreender este grave dilema brasileiro.

Aos colegas com os quais compartilhei momentos interessantes de aprendizagem e


cumplicidade, próprios de um grupo que foi muito amigo, a famosa “Turma de 2002”
e também divergências instigantes, sobretudo quanto ao meu tema. Foi gratificante
receber de alguns/mas colegas reportagem sobre o racismo no Brasil, mostrando
assim a pertinência da questão, que não é um “problema do negro”, é da sociedade, é
de grande parte da sociedade que não quer ver este dilema brasileiro. Agradeço,
particularmente, a Márcia Andrade e Kátia, com as quais estabeleci maior vínculo de
amizade. Também devo agradecer aos colegas e professores do CDHP/IBGE 14. O
curso realizado foi de grande importância, tanto para os estudos estatísticos desse
trabalho, como pelas amizades construídas. Como foram 27 participantes de vários
estados do Brasil, entre funcionários do IBGE e de outras instituições, inclusive
africanas, não é possível falar de todos.

No IPPUR, agradeço aos funcionários, por toda a atenção e carinho nestes 4 anos de
convivência, em especial a Josemar, Vera Cruz, João, Zuleika, Márcia, Maria José,
Alberico, Paulo César (PC), Tia Maria Ao pessoal da Biblioteca, Ana Lúcia, Maria
Luiza, Cláudia, Kátia, Paulo Sérgio bons exemplos de funcionárias públicos. Da
mesma forma, sou grata a Elizabeth Alves, a quem dei muito trabalho na
interlocução com meu orientador e que sempre foi muito gentil.

À FAPERJ e CAPES, pela bolsa concedida, viabilizando parte desta pesquisa, mas,
sobretudo à primeira que financiou por 23 meses esta tese através da bolsa nota 10.
Na FAPERJ, contei durante este período com muita atenção de Wander Siqueira, a
quem agradeço especialmente. Agradeço também ao sempre querido amigo Ângelo
Serpa, que me incentivou desde o mestrado, como orientador, a prosseguir nestes
estudos, ajudando-me com os mapas de Plataforma, onde muitas atividades
realizamos juntos, ele com o trabalho de extensão universitária e eu como moradora
e militante do movimento de bairro, através da AMPLA e da FABS e, em parte, na
extensão como participante do projeto Espaço Livre. Também agradeço a Ana Rosa,
orientanda de Ângelo Serpa, que foi muito gentil em resolver um problema do mapa
de Salvador. Ao amigo Carlos Carvalho, um entusiasta dos estudos sobre nossas
raízes negras, que me sugeriu bibliografia, inclusive me presenteando com um livro
sobre o assunto.

Ao amigo e cunhado Afrânio Raul Garcia Jr, agradecimentos especiais, por ter
contribuído decisivamente com suas reflexões, comentários, sugestões, incentivo
próprio de professor experiente e solidário, além do entusiasmo que me transmitiu
nessa dura caminhada. Igualmente à amiga e comadre Marie France Garcia, sempre
tão amiga e solidária nestes mais de 30 anos de convivência.

Ao Adô, querido companheiro, com quem compartilho há mais de 30 anos tantos


momentos de alegria, mas também de tristezas inerentes à vida, que foi fundamental
na elaboração das tabelas, mapas e que tanto contribuiu para que eu superasse, pelo
menos parcialmente, as grandes dificuldades com a estatística, o que quase me fez
desistir da Sociologia. Lembro que durante a graduação, quando nos fins de semana,
depois das longas jornadas de trabalho no Pólo Petroquímico, tinha que me ensinar a
complicada Estatística I e II e nossos filhos, esperando o passeio de fim de semana,
perguntavam: “ainda tem de estudar mainha e painho? Que horas vamos sair?” Além
disso, sempre foi o maior incentivador dos meus estudos, mostrando que era possível
conciliá-lo com minhas muitas jornadas: trabalho, militância e mãe, embora com as
cobranças dos filhos pelas longas ausências, preenchidas pela minha mãe, que era
mãe-vó em tempo quase integral. A ela agradeço eternamente tudo que conquistei,
também na área acadêmica que ela não pode em vida comemorar. Ao meu pai, que se
foi quando ainda era criança mas que muito me marcou pela sua dignidade de
trabalhador. Como exceção na família nuclear e quase exceção na família, tanto do
lado materno como paterno, carrego essa condição de ter conquistado um capital
escolar muito acima de parentes, amigos de militância e vizinhos, com um
sentimento paradoxal desse peso que a sociedade desigual me impõe. Ou seja, eu sou
um exemplo do enorme fosso sócio-racial existente na sociedade. Ao longo da minha
vida de casada, grande parte tive a felicidade de conviver com meu sogro, Afrânio
Garcia, minha sogra Aparecida Garcia, grandes incentivadores dos meus estudos que,
infelizmente, não estão mais entre nós, mas se somos eternos no que fazemos,
certamente, eles estarão em algum lugar, com minha mãe, festejando este momento,
assim como a meiga e muito querida comadre Dadá. Agradeço também à comadre
Marlene, a grande protetora da família que também nos protegeu e deu muito carinho
nesta caminhada, assim como o casal 100, Inha e Tio Aníbal, que tem sido de um
carinho enorme com este casal de doutorandos, obrigado a recusar convites para
eventos familiares por “causa da tese”, embora as companhias sejam muitíssimo
agradáveis. O mesmo acontece com os demais familiares, mas a lista seria imensa e
por isso não vou citá-los. Me permitam, contudo, citar tia Elisa, a poeta e pintora da
família pelo emblemático “Preto Velho” que está na nossa sala, com o seu olhar
carinhoso, que foi tão companheiro da minha sogra Aparecida quando a ditadura
militar forçou a separação do seu filho e dizia: ”Ele me consolava”. Por fim,
parafraseando a Dazinha, quero agradecer ao “cunhadinho” e sua família, que tanto
insistem pelo almoço de domingo para juntar a família a que, infelizmente muitas
vezes recusamos, pelo sufoco da tese. Lembro, Kiko, do dia em que cheguei para
tornar-me uma “quase moradora” da “Cidade Maravilhosa” (infelizmente não para
todos), que você me ofereceu um jarro de azaléia dizendo: “É para você criar raízes
na terra” que você, como bom carioca, diz “maior do mundo”, melhor do mundo”.
Aprendi muito com e sobre esta bela cidade e suas contradições, para além das
relações familiares que são obviamente de um tempo mais longo, mas não posso
ficar: a “Cidade d’Oxum” é uma das minhas paixões e onde está parte dos filhos e o
queridíssimo neto Henrique e meus irmãos Bililiu, Dina, Mundinha e Ari (in
memorium) além das companheiras e companheiros de militância!
Ser cidadão, perdoem-me os que cultuam o direito, é ser como o estado, é ser
um indivíduo dotado de direitos que lhe permitem não só se defrontar com o
estado, mas afrontar o estado. O cidadão seria tão forte quanto o estado. O
indivíduo completo é aquele que tem a capacidade de entender o mundo, a
sua situação no mundo e que se ainda não é cidadão, sabe o que poderiam ser
os seus direitos."
O modelo cívico brasileiro é herdado da escravidão, tanto o modelo cívico
cultural como o modelo cívico político. A escravidão marcou o território,
marcou os espíritos e marca ainda hoje as relações sociais deste país.
Tenho instrução superior, creio ser personalidade forte, mas não sou um
cidadão integral deste país. O meu caso é como o de todos os negros deste
país, exceto quando apontado como exceção. E ser apontado como exceção,
além de ser constrangedor para aquele que o é, constitui algo de momentâneo,
impermanente, resultado de uma integração casual" (Milton Santos, 2000).
RESUMO

Nesta tese buscamos analisar as desigualdades raciais e a segregação urbana em


Salvador e Rio de Janeiro, fazendo um estudo geral comparativo, utilizando os
microdados do Censo do IBGE de 2000 e recorte territorial por AED. A forma
particular pela qual o racismo se introduziu e se desenvolveu na nossa sociedade é
estudada a partir dos conceitos de desigualdade e segregação residencial, visando
compreender a organização sócio-territorial à luz de uma revisão dos estudos sobre
relações raciais e sobre estudos urbanos, em diferentes abordagens, principalmente os
que focalizaram a lógica da distribuição das habitações no espaço urbano. Foram
realizados também estudos de caso em dois bairros destas cidades, significativos para o
exame das mertamorfoses do espaço brasileiro desde a colonização portuguesa até a
contemporaneidade. As transformações históricas são analisadas brevemente,
contextualizando o papel estratégico que estas cidades tiveram no Brasil-Colônia e na
República, focalizando a habitação popular da senzala ao quilombo, do cortiço à favela,
em seu forte contraste com as casas-grandes, os sobrados e os condomínios de prédios e
casas de luxo. Destacamos o protagonismo das lutas dos subalternos na busca para
participar da formação de territórios onde vivem, sobretudo a importância simbólica dos
quilombos como motor das lutas populares pelo direito à cidade. Analisam-se ainda as
mudanças demográficas e simbólicas, com o processo de branqueamento ligado aos
incentivos à imigração européia e seus significados na cidade contemporânea,
reforçando o interesse do estudo da distribuição espacial da população urbana por cor
ou raça, através de mapas temáticos, objetivando a repartição de diferentes indicadores
no território das cidades. Tomando a variável cor ou raça como central, para construção
dos indicadores de ocupação, educação, renda, bens urbanos e serviços de consumo
coletivos, analisamos como a metrópole moderna recria a hierarquia racial, examinando
a distribuição espacial dos indivíduos e a distribuição das residências, para compreender
como a estratificação social e racial dos indivíduos se vincula aos locais de moradias e
as oportunidades sociais a que dá acesso. Todos os indicadores revelaram grande
desigualdade racial nas duas metrópoles, sobretudo em Salvador, com grande distância
social entre negros e brancos, mesmo quando há proximidade espacial. Plataforma e
Bangu são exemplares, no sentido de mostrar o processo histórico da segregação da
classe trabalhadora, sobretudo negra, ou seja, sem o direito pleno à cidade que constrói.
Palavras-chave: racismo, Rio de Janeiro, Salvador, segregação residencial, desigualdade
racial, desigualdades urbanas.
ABSTRACT

We analyze racial inequalities and urban segregation in two Brazilian cities-Salvador


and Rio de Janeiro-by means of a general comparative study, using data from the 2000
IBGE census and AED (Demographic Expansion Area). The particular form through
which racism was introduced and developed in the Brazilian urban society is studied,
resorting to residential inequality and segregation as basic elements to explain the
social-territorial organization, against a background provided by a general review of
the literature on ratial relations and urban studies, mainly those focused on housing
issues. Case studies on two boroughs of those cities were conducted. These case studies
portray the changes of the Brazilian urban space since the colonization by the
Portuguese until nowadays. Those changes are briefly analyzed, focusing on popular
housing, and the leading role of the fights of popular classes to build their territory,
overall the symbolic importance of the "quilombos" as engines of the popular battles to
gain rights to the cities. We analyze demographic changes, as well as the "whitening"
process and its meanings in the contemporaneous city with the spatial distribution of the
population by race or color, via thematic maps with different indicators. Taking race or
color as the central variable to build indicators of occupation, education, income, urban
goods and collective consumption services, we analyze how the modern metropolis
recreates the racial hierarchy. We study the spatial distribution of individuals and the
distribution of households to analyze the social and racial stratification of individual and
its correlation with who lives there. All indicators showed large racial inequality in both
cities, especially in Salvador, with a significant social distance between blacks and
whites, even when spatially close. This goes to show that the polarization slum-borough
(favela-bairro) in the best spaces does not reveal the full extent of inequalities in
Brazilian cities. Blacks are concentrated predominantly in poor suburbs. Plataforma (a
suburb in Salvador), and Bangu (a suburb in Rio) are examples that show the historical
process of working class segregation, especially the black. These citizens do not have
right to the city they help to built.
Key words: racism, Rio de Janeiro, Salvador, residential segregation, racial inequalities,
urban inequalities.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Mapa 1 - População por Área de Ponderação e Cor ou Raça – Salvador - 2000 ........ 116
Mapa 2 População por Área de Ponderação e Cor ou Raça - Rio de Janeiro - 2000 ... 119
Mapa 3 – Distribuição Espacial de Apartamentos por Cor ou Raça - Salvador - 2000
...................................................................................................................................... 126
Mapa 4 – Distribuição Espacial de Apartamentos por Cor ou Raça – Rio de Janeiro -
2000 .............................................................................................................................. 127
Mapa 5 – Distribuição Geográfica de Domicílios Próprios – Salvador - 2000.......... 129
Mapa 6 – Distribuição Geográfica de Domicílios Próprios – Rio de Janeiro - 2000 .. 130
Mapa 7 – Posse de Telefone por Cor ou Raça – Salvador - 2000 ............................... 135
Mapa 8 – Posse de Telefone por Cor ou Raça – Rio de Janeiro - 2000 ....................... 136
Mapa 9 – Posse de 1 Automóvel por Domicílio – Salvador - 2000 ............................. 139
Mapa 10 – Posse de 1 Automóvel por Domicílio – Rio de Janeiro - 2000 .................. 140
Mapa 11 – Posse de Microcomputador por Cor ou Raça – Salvador - 2000 ............... 142
Mapa 12 – Posse de Microcomputador por Domicílio – Rio de Janeiro - 2000 .......... 143
Mapa 13 – Domicílios na Rede Geral de Esgotamento Sanitário – Salvador - 2000... 146
Mapa 14 – Domicílios na Rede Geral de Esgotamento Sanitário – Rio de Janeiro - 2000
...................................................................................................................................... 147
Mapa 15 – Distribuição Espacial de Domicílios com Coleta Geral do Lixo – Salvador -
2000 .............................................................................................................................. 149
Mapa 16 - Distribuição Espacial de Domicílios com Coleta Geral do Lixo – Rio de
Janeiro - 2000 ............................................................................................................... 150
Mapa 17 – Distribuição Espacial de Ruas com Calçamento Total – Salvador - 2000 152
Mapa 18 – Distribuição Espacial de Ruas com Calçamento Total – Rio de Janeiro -
2000 .............................................................................................................................. 153
Mapa 19 – Distribuição Espacial de Gerentes Por Cor ou Raça – Salvador – 2000 .... 162
Mapa 20 – Distribuição Espacial de Gerentes Por Cor ou Raça – Rio de Janeiro - 2000
...................................................................................................................................... 163
Mapa 21 – Distribuição Espacial de dos Intelectuais Por Cor ou Raça – Salvador – 2000
...................................................................................................................................... 164
Mapa 22 – Distribuição Espacial de Intelectuais Por Cor ou Raça – Rio de Janeiro -
2000 .............................................................................................................................. 165
Mapa 23 – Distribuição Espacial de Trabalhadores do Setor Secundário Por Cor ou
Raça – Salvador – 2000 ................................................................................................ 168
Mapa 24 – Distribuição Espacial de Trabalhadores do Setor Secundário por Cor ou
Raça – Rio de Janeiro – 2000 ....................................................................................... 169
Mapa 25 – Distribuição Espacial dos Trabalhadores do Serviço e Comércio Por Cor ou
Raça – Salvador – 2000 ................................................................................................ 170
Mapa 26 – Distribuição Espacial dos Trabalhadores do Serviço e Comércio Por Cor ou
Raça – Rio de Janeiro – 2000 ....................................................................................... 171
Mapa 27 – Empregadores Por Cor ou Raça – Salvador – 2000 ................................... 175
Mapa 28 – Empregadores Por Cor ou Raça – Rio de Janeiro - 2000 ........................... 177
Mapa 29 – Posição na Ocupação: Emprego Formal .................................................... 178
Mapa 30 – Posição na Ocupação: Emprego Formal .................................................... 178
Mapa 31 – Distribuição Espacial dos Trabalhadores sem Rendimento Por Cor ou Raça –
Salvador – 2000 ............................................................................................................ 187
Mapa 32 – Distribuição Espacial dos Trabalhadores sem Rendimento por Cor ou Raça –
Rio de Janeiro - 2000.................................................................................................... 188
Mapa 33 – Distribuição Espacial da Renda Pessoal até 1 Salário Mínimo Salvador –
2000 .............................................................................................................................. 189
Mapa 34 - Distribuição Espacial da Renda Pessoal até 1 Salário Mínimo Por Cor ou
Raça – Rio de Janeiro - 2000........................................................................................ 189
Mapa 35 – Distribuição Espacial da Renda Pessoal de 1 a 2 Salários Mínimos –
Salvador - 2000............................................................................................................. 191
Mapa 36 – Distribuição Espacial da Renda Pessoal de 1 a 2 Salários Mínimos– Rio de
Janeiro - 2000 ............................................................................................................... 191
Mapa 37 – Distribuição Espacial da Renda Pessoal de 2 a 3 Salários Mínimos –
Salvador – 2000 ............................................................................................................ 193
Mapa 38 – Distribuição Espacial da Renda Pessoal de 2 a 3 Salários Mínimos – Rio de
Janeiro - 2000 ............................................................................................................... 193
Mapa 39 – Distribuição Espacial da Renda Pessoal de 3 a 5 Salários Mínimos –
Salvador – 2000 ............................................................................................................ 195
Mapa 40 – Distribuição Espacial da Renda Pessoal de 3 a 5 Salários Mínimos – Rio de
Janeiro - 2000 ............................................................................................................... 195
Mapa 41 – Distribuição Espacial da Renda Pessoal de 5 a 10 Salários Mínimos –
Salvador – 2000 ............................................................................................................ 197
Mapa 42 – Distribuição Espacial da Renda Pessoal de 5 a 10 Salários Mínimos – Rio
de Janeiro - 2000 .......................................................................................................... 197
Mapa 43 – Distribuição Espacial da Renda Pessoal de 10 a 20 Salários Mínimos –
Salvador – 2000 ............................................................................................................ 198
Mapa 44 – Distribuição Espacial da Renda Pessoal de 10 a 20 Salários Mínimos – Rio
de Janeiro - 2000 .......................................................................................................... 199
Mapa 45 - Distribuição Espacial de Brancos e Negros na Rede Particular de Ensino. 211
Mapa 46 - Distribuição Espacial de Brancos e Negros na Rede Particular de Ensino –
Rio de Janeiro ............................................................................................................... 212
Mapa 47 – Distribuição Espacial de Negros e Brancos em Escola Pública – Salvador215
Mapa 48 - Distribuição Espacial de Negros e Brancos em Escola Pública – Rio de
Janeiro........................................................................................................................... 217
Mapa 49 – Distribuição Espacial dos estudantes de 1 a 4 Anos de Estudo.................. 224
Mapa 50 – Distribuição Espacial dos Estudantes de 1 a 4 Anos de Estudo por Cor ou
Raça .............................................................................................................................. 224
Mapa 51 – Distribuição Espacial de Negros e Brancos com 9 a 11 Anos de Estudo –
Salvador ........................................................................................................................ 226
Mapa 52 - Distribuição Espacial de Negros e Brancos com 9 a 11 Anos de Estudo – Rio
de Janeiro...................................................................................................................... 226
Mapa 53 – Distribuição Espacial de Negros e Brancos com 12 a 16 Anos de Estudo –
Salvador ........................................................................................................................ 233
Mapa 54 - Distribuição Espacial de Negros e Brancos com 12 a 16 Anos de Estudo –
Rio de Janeiro - 2000.................................................................................................... 234
Mapa 55 – Localização de Plataforma ......................................................................... 245
Mapa 56 - – Divisão por Área de Ponderação – AED – Salvador - 2005 .................... 377
Mapa 57 – Divisão por Área de Ponderação – AED - Rio de Janeiro - 2005 ............. 378
LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – População por Cor ou Raça – Salvador e Rio de Janeiro - 2000.................. 84


Tabela 2 - Município de Origem por Cor ou Raça – Salvador e Rio de Janeiro - 2000 85
Tabela 3 - Evolução da População do Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo - 2005..... 97
Tabela 4 – Religião por Cor ou Raça – Salvador e Rio de Janeiro - 2000 ................... 105
Tabela 5 – Tipo de Domicílio por Cor ou Raça – Rio de Janeiro e Salvador - 2000 ... 125
Tabela 6 – Condição do Domicílio por Cor ou Raça – Rio de Janeiro e Salvador - 2000
...................................................................................................................................... 128
Tabela 7 – Densidade por Dormitório Salvador e Rio de Janeiro - 2000................... 132
Tabela 8 - Número de Banheiro por Cor ou Raça – Rio de Janeiro e Salvador - 2000 133
Tabela 9 – Posse de Máquina de Lavar – Salvador e Rio de Janeiro - 2000.............. 134
Tabela 10 - Proporção de Domicílios com Telefone – Salvador e Rio de Janeiro - 2000
...................................................................................................................................... 134
Tabela 11 - Proporção de Domicílios com Automóvel – Salvador e Rio de Janeiro -
2000 .............................................................................................................................. 138
Tabela 12 - Proporção de Domicílios com Microcomputadores – Rio de Janeiro e
Salvador - 2000............................................................................................................. 142
Tabela 13 - Proporção de Domicílios por Tipo de Escoadouro - Salvador e Rio - 2000
...................................................................................................................................... 145
Tabela 14 – Domicílios com Coleta de Lixo – Rio de Janeiro e Salvador - 2000 ..... 148
Tabela 15 – Distribuição Espacial dos Domicílios com Calçamento de Ruas – Salvador
e Rio de Janeiro - 2000................................................................................................. 151
Tabela 16 – Hierarquias Ocupacionais por Cor ou Raça.............................................. 161
Tabela 17 – Posição na Ocupação por Cor ou Raça..................................................... 174
Tabela 18 – Posição na Ocupação: Contribuintes do INSS......................................... 182
Tabela 19 – Mercado de Trabalho e Procura de Emprego .......................................... 183
Tabela 20 Total de Rendimentos de Todos os Trabalhos Por Cor ou Raça ................. 186
Tabela 21 – Horas Trabalhadas por Cor ou Raça – Salvador e Rio de Janeiro........... 202
Tabela 22 – Redes de Ensino por Cor ou Raça – Salvador e Rio de Janeiro - 2005.... 208
Tabela 23 – Analfabetismo por Cor ou Raça – Salvador e Rio de Janeiro .................. 222
Tabela 24 – Anos de Estudo por Cor ou Raça – Salvador e Rio de Janeiro................. 223
Tabela 25 – Curso Concluído por Cor ou Raça – Salvador e Rio de Janeiro............... 235
Tabela 26– Religião por Cor ou Raça – Plataforma - Salvador ................................... 247
Tabela 27 – Ocupação por Cor ou Raça - Plataforma .................................................. 248
Tabela 28 – Posição na Ocupação por Cor ou Raça - Plataforma................................ 250
Tabela 29 – Previdência Social por Cor ou Raça - Plataforma .................................... 251
Tabela 30 – Renda Domiciliar por Cor ou Raça - Plataforma...................................... 251
Tabela 31 – Rede de Ensino por Cor ou Raça - Plataforma ......................................... 254
Tabela 32 – Anos de Estudo por Cor ou Raça - Plataforma......................................... 256
Tabela 33 – Condição do Domicílio por Cor ou Raça ................................................. 260
Tabela 34 – Domicílios com Telefone por Cor ou Raça - Plataforma ......................... 266
Tabela 35 – Máquina de Lavar por Cor ou Raça - Plataforma..................................... 266
Tabela 36 – Automóvel por Cor ou Raça ..................................................................... 268
Tabela 37 – Saneamento Básico por Cor ou Raça - Plataforma................................... 268
Tabela 38 – Coleta de Lixo por Cor ou Raça ............................................................... 269
Tabela 39 – Calçamento por Cor ou Raça - Plataforma ............................................... 270
Tabela 40 - Racismo no Brasil ..................................................................................... 273
Tabela 41 – Racismo na Escola.................................................................................... 275
Tabela 42 - Racismo na Cidade.................................................................................... 279
Tabela 43 -Separação entre Bairros Brancos e Bairros Negros.................................... 283
Tabela 44 – Racismo no Bairro .................................................................................... 286
Tabela 45 – Integração do Bairro à Cidade .................................................................. 289
Tabela 46 – Mudar de Bairro........................................................................................ 291
Tabela 47 – Composição Racial do Bairro................................................................... 296
Tabela 48 - Rede de Ensino por Cor ou Raça - Bangu................................................. 297
Tabela 49 – Anos de Estudo por Cor ou Raça - Bangu............................................... 298
Tabela 50 – Ocupação por Cor ou Raça – Bangu......................................................... 300
Tabela 51 - Posição na Ocupação por Cor ou Raça ..................................................... 301
Tabela 52 - Previdência Social por Cor ou Raça.......................................................... 301
Tabela 53 – Renda Domiciliar por Cor ou Raça - ........................................................ 302
Tabela 54 – Máquina de Lavar por Cor ou Raça - Plataforma..................................... 303
Tabela 55 – Domicílios com Telefone por Cor ou Raça - Bangu ................................ 304
Tabela 56 – Automóvel por Cor ou Raça ..................................................................... 305
Tabela 57 – Condição do Domicílio por Cor ou Raça ................................................. 310
Tabela 58 – Coleta do Lixo por Cor ou Raça ............................................................... 313
Tabela 59 – Saneamento Básico por Cor ou Raça - Bangu.......................................... 313
Tabela 60 – Calçamento por Cor ou Raça.................................................................... 314
Tabela 61 – Coeficientes de Correlação por AED entre as Categorias de Cor ou Raça
...................................................................................................................................... 349
Tabela 62 – Calçamento por renda e cor ou raça – Rio de Janeiro .............................. 350
Tabela 63 – Calçamento por renda e cor ou raça – Salvador ....................................... 351
Tabela 64 – Coleta de Lixo por renda e cor ou raça – Rio de Janeiro.......................... 351
Tabela 65 – Coleta de lixo por renda e cor ou raça – Salvador.................................... 352
Tabela 66 – Tipo de Escoadouro por renda e cor ou raça – Rio de Janeiro ................. 352
Tabela 67 – Tipo de Escoadouro por renda e cor ou raça – Salvador .......................... 353
Tabela 68 – Analfabetismo por renda e cor ou raça – Rio de Janeiro.......................... 353
Tabela 69 – Analfabetismo por renda e cor ou raça – Salvador................................... 353
Tabela 70 - Anos de estudo por renda e cor ou raça – Rio de Janeiro ......................... 354
Tabela 71 – Anos de estudo por renda e cor ou raça - Salvador .................................. 354
Tabela 72 – Variáveis Analisadas e Faixas Consideradas........................................... 356
Tabela 73 - Hierarquização por Cor ou Raça - Salvador.............................................. 369
Tabela 74 - Hierarquização por Cor ou Raça - Rio de Janeiro..................................... 372
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AED – Área de Expansão Demográfica.


AFL-CIO – Centro de Solidariedade
AMPLA - Associação de Moradores de Plataforma
ASSEMAE – Associação Nacional de Serviços Municipais de Saneamento
BIM – Base de Informações Municipais
BNH – Banco Nacional de Habitação
CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CDHP - Curso de Desenvolvimento de Habilidades em Pesquisa
CEPES – Centro de Educação e Cultura Popular do Subúrbio Ferroviário
CFEMEA – Centro Feminista de Estudos e Assessoria
CGT – Central Geral dos Trabalhadores
CIA – Centro Industrial de Aratu
CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
CONDURB - Conselho de Desenvolvimento Urbano
COPEC – Complexo Petroquímico de Camaçari
CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito
CPM – Centro de Planejamento Municipal
CUFA - Central Única de Favelas
CUT – Central Única dos Trabalhadores
DF – Distrito Federal
DIEESE – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos
INSPIR – Instituto Sindical Interamericano pela Igualdade Racial
ENCE - Escola Nacional de Ciências Estatísticas
EPUCS – Escritório de Planejamento Urbano na Cidade do Salvador
FABS - Federação das Associações de Bairro de Salvador
FAFERJ – Federação de Associações de Moradores de Favelas do Rio de Janeiro
FAMERJ – Federação das Associações de Moradores do Rio de Janeiro
FAPERJ – Fundação Carlos Chagas Filho de Apoio à Pesquisa do Estado do Rio de
Janeiro
FFLCH - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
FLACS – Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais
FS – Força Sindical
GEOID – Identificação Interna de Geo-Objetos
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDH – Índice de Desenvolvimento Humano
INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
INOCOOP – Instituto de Orientação de Cooperativas Habitacionais
INPE – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
IPEA – Instituto de Pesquisa Aplicada
IPP – Instituto Pereira Passos
IPPUR – Instituto de Planejamento Urbano e Regional
ISER - Instituto Superior das Religiões
ISIR - Instituto Sindical Interamericano pela Igualdade Racial
IUPERJ - Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro
MDF – Movimento de Defesa dos Favelados
MEC - Ministério da Educação e Cultura
MNRU – Movimento Nacional pela Reforma Urbana
NEIM - Núcleo de Estudos sobre a Mulher
ONGs – Organizações Não-Governamentais
ONU – Organização das Nações Unidas
ORIT – Organização Interamericana de Trabalhadores
PDT – Partido Democrático Trabalhista
PED – Pesquisa de Emprego e Desemprego
PETROBRAS – Petróleo Brasileiro SA
PIB – Produto Interno Bruto
PLANDURB – Plano de Desenvolvimento Urbano de Salvador
PMD – Plano Metropolitano de Desenvolvimento
PMS - Prefeitura Municipal de Salvador
PNAD – Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios
PNAD - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios:
PNUD - Nações Unidas para o Desenvolvimento
RA – Região Administrativa
RFFSA – Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima
RMS – Região Metropolitana de Salvador
SEC - Secretaria Estadual de Educação
SEI – Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia
SEPLAM – Secretaria de Planejamento Municipal
SETRAB – Secretaria do Trabalho da Bahia
SFH - Sistema Financeiro de Habitação
SUDENE - Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste
TSE – Tribunal Superior Eleitoral
UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro
UFBA – Universidade Federal da Bahia
UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro
UNESCO – Organização das Nações Unidas para Educação a Ciência e a Cultura
URBANDATA – Banco de Dados Bibliográficos
URBIS – Habitação e Urbanização da Bahia S.A
USP - Universidade de São Paulo
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 1
CAPÍTULO 1 ABORDAGENS SOBRE A QUESTÃO RACIAL E A QUESTÃO
URBANA: DEBATES CONTEMPORÂNEOS......................................................... 18
1.1 RACISMO E DOMINAÇÃO SOCIAL ..................................................................... 18
1.2 HIERARQUIAS RACIAIS E MESTIÇAGEM ........................................................... 40
1.3 A QUESTÃO URBANA E SUAS ABORDAGENS ................................................... 44
1.4 ARTICULAÇÃO DAS CATEGORIAS: RAÇA-CLASSE-GÊNERO............................. 61
CAPÍTULO 2 SEGREGAÇÃO URBANA: SALVADOR E RIO DE JANEIRO 64
2.1 DA CIDADE ESCRAVISTA À CIDADE CONTEMPORÂNEA: SALVADOR E RIO DE
JANEIRO ....................................................................................................................... 66
2.1.1 Aldeia, Senzala, Quilombo e Favela: Trajetória da Resistência ...... 73
2.2 PERFIL SÓCIO-RACIAL CONTEMPORÂNEO DO RIO DE JANEIRO E DE SALVADOR
81
2.2.1 Cidade Capitalista e a Segregação: Favelas-Invasões ....................... 87
2.3 PERFIL RELIGIOSO POR COR OU RAÇA: SALVADOR E RIO DE JANEIRO .......... 102
CAPÍTULO 3 DESIGUALDADES RACIAIS E SEGREGAÇÃO URBANA
CONTEMPORÂNEAS .............................................................................................. 109
3.1 DESIGUALDADES RACIAIS E SEGREGAÇÃO RESIDENCIAL: SALVADOR E RIO DE
JANEIRO ..................................................................................................................... 109
3.2 CONDIÇÃO DE MORADIA POR COR OU RAÇA ................................................ 125
3.2.1 Tipo de Domicílio................................................................................ 125
3.2.2 Casa Própria ....................................................................................... 127
3.2.3 Densidade por Dormitório ................................................................. 131
3.2.4 Banheiros............................................................................................. 132
3.3 ESTRUTURA URBANA E POSSE DE BENS URBANOS ........................................ 133
3.3.1 Acesso aos Bens Urbanos por Cor ou Raça...................................... 133
3.3.2 Telefone ............................................................................................... 134
3.3.3 Mobilidade Espacial Urbana: Automóvel como Prioridade .......... 136
3.3.4 Exclusão Digital: Microcomputador................................................. 141
3.4 DEMOCRACIA E DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DOS SERVIÇOS DE CONSUMO
COLETIVO .................................................................................................................. 144
3.4.1 Rede de Esgotamento Sanitário ........................................................ 144
3.4.2 Coleta de Lixo ..................................................................................... 147
3.4.3 Calçamento Total de Ruas ................................................................. 151
CAPÍTULO 4 ESTRATIFICAÇÃO SOCIAL E ESPAÇO URBANO:
OCUPAÇÃO, RENDA E EDUCAÇÃO ................................................................... 156
4.1 ESTRUTURA DAS OCUPAÇÕES E DESIGUALDADES RACIAIS ........................... 158
4.2 CATEGORIAS SÓCIO-OCUPACIONAIS POR COR OU RAÇA ............................... 160
4.2.1 Grupos Dirigentes: Gerentes ............................................................. 161
4.2.2 Categoria dos Intelectuais.................................................................. 163
4.3 CATEGORIAS MÉDIAS: ADMINISTRAÇÃO ....................................................... 166
4.4 PROLETARIADO DO SETOR SECUNDÁRIO ....................................................... 166
4.4.1 Proletariado do Setor Terciário ........................................................ 169
4.4.2 O Negro e o Serviço Militar ............................................................... 171
4.5 CATEGORIA DOS DIRIGENTES: EMPREGADORES ............................................ 174
4.5.1 Posição na Ocupação: Emprego Formal .......................................... 177
4.6 SUB-PROLETARIADO: TRABALHADOR DOMÉSTICO? ...................................... 179
4.7 SEGURIDADE SOCIAL: CONTRIBUINTES DO INSS .......................................... 181
4.8 PROVIDÊNCIAS PARA INSERÇÃO NO MERCADO DE TRABALHO ...................... 182
4.9 A COR E A DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DA RENDA TOTAL ................................ 183
4.10 HORAS TRABALHADAS NO RIO DE JANEIRO E SALVADOR: PREGUIÇA BAIANA?
201
4.11 DESIGUALDADES EDUCACIONAIS E RACIAIS NA CIDADE ............................... 203
4.12 RACISMO E EDUCAÇÃO: DILEMAS E DESAFIOS .............................................. 204
4.13 REDE DE ENSINO E DESIGUALDADES EDUCACIONAIS .................................... 207
4.13.1 Educação como Mercadoria: Rede Particular de Ensino............... 208
4.13.2 Rede Pública: Limites e Possibilidades............................................. 214
4.14 RACISMO E EDUCAÇÃO INFANTIL: DA INFÂNCIA À VIDA ADULTA, MARCAS DAS
DESIGUALDADES ....................................................................................................... 218
4.15 ANALFABETISMO: BRANCOS E NEGROS NA ENCRUZILHADA DAS
DESIGUALDADES ....................................................................................................... 221
4.16 ANOS DE ESTUDO E COR: CONCENTRAÇÃO DO CAPITAL ESCOLAR ............... 222
4.17 ENSINO FUNDAMENTAL: 1 A 4 ANOS ............................................................. 223
4.17.1 Ensino Médio ...................................................................................... 225
4.18 O ENSINO SUPERIOR E AS DESIGUALDADES RACIAIS .................................... 227
4.18.1 Acesso ao Pré-Vestibular e a Cor...................................................... 227
4.18.2 Ensino Superior: Hierarquias Raciais e Educacionais ................... 229
4.18.3 Desigualdades Regionais .................................................................... 231
4.18.4 Desigualdades Intra-Urbanas............................................................ 232
CAPÍTULO 5 PLATAFORMA: DE SENZALA A BAIRRO OPERÁRIO-
POPULAR 237
5.1 PLATAFORMA NO CONTEXTO HISTÓRICO ...................................................... 237
5.2 O RETRATO RACIAL DE PLATAFORMA NO CONTEXTO SUBURBANO:
COMPOSIÇÃO SÓCIO-RACIAL .................................................................................... 243
5.3 RELIGIÃO E RAÇA .......................................................................................... 245
5.4 POSIÇÃO NA OCUPAÇÃO ................................................................................ 247
5.5 COR E RENDA DOMICILIAR ............................................................................ 251
5.6 SITUAÇÃO EDUCACIONAL DA POPULAÇÃO .................................................... 252
5.7 MORADIA DESIGUALDADES RACIAIS E SEGREGAÇÃO ................................... 257
5.8 BENS URBANOS E DESIGUALDADES RACIAIS ................................................ 265
5.8.1 Telefone ............................................................................................... 265
5.8.2 Máquina de Lavar: Um Bem de Poucos (as).................................... 266
5.8.3 Meios de Transporte: Automóvel e Desigualdade Sócio-racial...... 266
5.9 SERVIÇOS DE CONSUMO COLETIVO E DISCRIMINAÇÃO RACIAL .................... 268
5.9.1 Rede de Esgotamento Sanitário ........................................................ 268
5.9.2 Coleta de Lixo ..................................................................................... 269
5.10 PERCEPÇÕES SOBRE RACISMO EM DIFERENTES ESCALAS .............................. 271
5.10.1 Racismo no Brasil: Uma Convergência ............................................ 271
5.10.2 Racismo na Escola .............................................................................. 275
5.10.3 Racismo na Mídia ............................................................................... 277
5.11 RACISMO EM SALVADOR ............................................................................... 278
5.11.1 Separação Entre Bairros Ricos e Bairros Pobres ............................ 282
5.11.2 Separação Entre Bairros Brancos e Bairros Negros ....................... 282
5.12 RACISMO NO BAIRRO .................................................................................... 285
5.12.1 Integração e Isolamento ..................................................................... 287
5.12.2 Razões para Mudar ou Não do Bairro ............................................. 291
CAPÍTULO 6 BANGU: UM BAIRRO-CIDADE NEGRA ................................ 293
6.1 BREVE HISTÓRICO ......................................................................................... 293
6.2 PERFIL SÓCIO-RACIAL DO BAIRRO ................................................................ 295
6.3 ESTRUTURA SÓCIO-ESPACIAL DO BAIRRO..................................................... 295
6.4 REDE DE ENSINO PÚBLICA E PARTICULAR ..................................................... 296
6.4.1 Anos de Estudo por Cor ou Raça ...................................................... 297
6.5 PERFIL SOCIOECONÔMICO E DESIGUALDADE RACIAL ................................... 299
6.5.1 Mercado de Trabalho e Desigualdade Racial .................................. 299
6.5.2 Renda Domiciliar e Desigualdades Sócio-Raciais............................ 301
6.6 BENS URBANOS E DESIGUALDADES RACIAIS ................................................ 303
6.6.1 Transporte Coletivo e Individual ...................................................... 304
6.7 DE SENZALA À VILA OPERÁRIA-BAIRRO-POPULAR ...................................... 306
6.8 SERVIÇOS PÚBLICOS E DISCRIMINAÇÃO RACIAL ........................................... 311
6.8.1 Saúde e Saneamento ........................................................................... 311
6.8.2 Coleta de Lixo ..................................................................................... 313
6.8.3 Rede de Esgoto .................................................................................... 313
6.8.4 Calçamento de Ruas ........................................................................... 314
CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................... 316
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 324
APÊNDICES 341
1

INTRODUÇÃO

A epígrafe desta tese é uma homenagem in memriam a um negro baiano-


brasileiro, cidadão do mundo, que projetou nossa terra internacionalmente e a nossa
“raça” numa das áreas de maiores barreiras para o negro/negra na nossa sociedade que é
o meio intelectual. No Brasil é comum utilizar-se de algumas exceções de “negros que
deram certo”, que em geral vêm do esporte (principalmente no futebol) e da música por
talentos especiais que talvez demandem menos rupturas dos bloqueios do racismo
institucional, como trunfos para negar o racismo. O que disse Milton Santos sobre a
nossa sociedade racista, se sentindo como os demais negros brasileiros, sobretudo
aqueles que formam a base da pirâmide social, um cidadão de segunda classe, nos faz
refletir sobre relações sociais altamente hierárquicas, tão desiguais ao ponto de fazer um
cidadão do mundo como ele se sentir no próprio país um subcidadão.

Diante do paradoxo contemporâneo brasileiro de reconhecer a existência do


racismo sem racistas, mecanismos sociais que perpetuam a desigualdade racial, a
presente tese tenta entender este enígma analisando o fenômeno das desigualdades
raciais e a segregação residencial em Salvador, cidade d’Oxum1 e no Rio de Janeiro,
cidade de Ogum2 a partir da hipótese de que a categorização racial como princípio
hierarquizador dos indivíduos é específica e não se esgota na exploração de classes,
segundo critérios econômicos (acesso menor ou maior aos bens de produção) ou
culturais (maior ou menor escolaridade). Conseqüentemente, procuramos compreender
como nosso racismo à brasileira3 tem perpetuado as desigualdades raciais através da
retórica anti-racialista, que reforça a naturalização das desigualdades raciais, assim
como as sociais, confinando amplos segmentos negros a posições inferiores na
hierarquia social e espacial. Nesse sentido, questiona-se também o uso de retórica dos
valores igualitários universalistas, para verificar como atributos pessoais, como raça,
escolaridade, ocupação e setor de atividade produzem estratificação e segregação
urbana também de natureza racial. Também analisamos nesta tese como se dá a desigual
distribuição dos equipamentos de consumo coletivo no espaço urbano e as formas

1
Oxum, deusa das águas doces (rios, fontes e lagos) é um dos principais orixás do Candomblé da Bahia.
2
Na Mitologia Yoruba, é o Orixá ferreiro, Senhor dos metais, ele mesmo forjava suas ferramentas tanto
para a caça, como para a agricultura e para a guerra.
3
Sobre a historicidade do conceito ver Kabengele Munanga (2004) e Racismo e Anti-Racismo no Brasil
de Antonio Sérgio Guimarães (1999).
2

segregadoras praticadas pela mão “invisível” do mercado e do Estado nesta distribuição.


Conforme Guimarães:
o racismo brasileiro atravessou, grosso modo, duas grandes fases: a
discriminação racial aberta, mas informal, secundada pela discriminação de
classe e de sexo, que gerava segregação, de fato, em espaços públicos e
privados (praças, ruas, clubes sociais, bares e restaurantes, etc.); e a fase
atual, em que com a discriminação e a segregação raciais sob mira, apenas os
mecanismos de mercado (discriminação de indivíduos e não de grupos) ou
psicológicos de inferiorização características individuais (autodiscriminação)
permitem a reprodução das desigualdades raciais (GUIMARÃES, 1999, p.
210) .
A forma particular pela qual o racismo se introduziu e se desenvolveu na nossa
sociedade coloca maiores desafios em interpretá-lo e combatê-lo. Embora os estudos
quantitativos e qualitativos que abordam as desigualdades raciais tenham crescido nas
últimas décadas, e contribuído para tornar mais evidente a desigualdade específica que a
população negra sofre, contribuindo para o enfrentamento da questão, o nosso racismo
dissimulado em anti-racialismo, o paradoxo se mantém, como é possível observar na
pesquisa de opinião do Datafolha, em 1995, repetida pela Fundação Perseu Abramo em
2003.4 A referida pesquisa revelou que 87% dos brasileiros reconhecem que existe
racismo, mas somente 6% conhece vítimas do mesmo. É o paradoxo do racismo sem
racistas que levou algumas ONGs não-negras a lançarem uma campanha “Diálogos
contra o Racismo”, com a pergunta: “Onde você guarda seu racismo?”. Embora os
brasileiros se orgulhem de não serem racistas, em situações em que o racista não espera
a reação da vítima, ou aposta no caráter anônimo do seu ato, ele se explicita.

O jornal O Globo, em sua edição de 05 de dezembro de 2005, relata um fato que


corrobora nossa observação: uma menina de 12 anos, que ia para casa, na Cruzada de
São Sebastião, em Ipanema (Rio de Janeiro), com sacolas de compras de supermercado,
quando atravessava a rua, com o sinal aberto, quase foi atropelada por uma moto:
O professor de educação física Carlos Veiga Ferreira Costa Neto, 41 anos, foi
preso ontem, acusado de racismo, após quase atropelar, de moto, uma menina
de 12 anos, num cruzamento da Avenida Afrânio de Melo Franco, no Leblon,
Rio de Janeiro. De acordo com policiais do Posto de Policiamento
Comunitário da Cruzada São Sebastião, ele agrediu verbalmente a menor,
gritando "sai da frente, crioula".
O crime prevê pena de prisão de dois a cinco anos, que pode ser agravada em
até um terço se cometido contra menores, de acordo com o Estatuto da
Criança e do Adolescente. Elaine Marinho, tia da menor, afirmou que o
motociclista não pediu desculpas e alegou na delegacia ter gritado com a
menina por medo de machucá-la (O Globo, 5/12/05).
Note-se que o autor do crime é morador da Selva de Pedra - conjunto de prédios
4
Um estudo sobre a percepção da desigualdade racial e do racismo no país, com uma síntese abrangente
da questão acompanhado de um conjunto de artigos de pesquisadores de diversas localidades.
3

de classe média vizinho à Cruzada, por sinal localizados em terrenos ocupados até os
anos 1950 pela antiga favela da Praia do Pinto, removida à força. E este não é
seguramente um fato isolado, mas que se torna público muitas vezes por acaso ou
quando a vítima denuncia, atitude incomum na nossa sociedade, embora tenha crescido
nos últimos anos.

Enfrentar a questão racial no Brasil, inclusive no meio acadêmico, não é tarefa


fácil. Conta o sociólogo baiano radicado no Rio de Janeiro, Luiz Aguiar Costa Pinto
(1998, p.97), que fez um estudo e publicou na década de 1950, sobre o negro desta
cidade, então capital da República, que uma dama da alta sociedade carioca, quando
soube do seu estudo, mandou dizer que ele estava perdendo tempo em se dedicar ao
estudo do negro. Antes dele, a antropóloga americana que realizou um estudo sobre a
religião afro-brasileira na Bahia, considerada paraiso racial em oposição ao seu país,
Ruth Landes (2002, p. 37), no final da década de 1930 observou reação semelhante.
Segundo suas palavras: “Acho que o cônsul brasileiro também se surpreendeu, quando
estive no seu escritório em Nova York para obter o meu visto e expliquei esse
propósito. Negros! Exclamou – mas por que você deve estudá-los? Não são diferentes
dos outros cidadãos do meu país! E pediu para ver minha ficha policial”. Mais de cinco
décadas depois, as reações sobre a minha tese, manifestadas por professores e colegas,
revelam a força da ideologia racial, dos estereótipos que envolvem a questão, o que boa
parte da academia brasileira ainda pensa sobre a questão. Por esta razão, Antonio Sérgio
Guimarães (1999, p.37) alerta que qualquer estudo sobre racismo no Brasil deve
observar que “o racismo é um tabu”(...), pois “os brasileiros se imaginam numa
democracia racial que é fonte de orgulho nacional”, e na comparação com outras
nações, serve “como prova inconteste de nosso status de povo civilizado”. De fato, a
afirmação seguinte sintetiza bem nossa forma de reagir: (...) “o racismo se constitui
como uma sintomática que caracteriza a neurose cultural brasileira... Racismo? No
Brasil? Isso é coisa de americano!...“ (GONZALES apud BENTO, 1999, p.4).

Claude Lévi-Strauss (1970, p.231), ao analisar a relação entre história humana,


progresso, diversidade cultural contruída e raça ao longo dos séculos, chama a atenção
sobre o paradoxo de falar de raça em estudo destinado a lutar contra o preconceito
racista. Este paradoxo vai, necessariamente permear este estudo que obviamente não
supera os enormes desafios que uma questão dessa magnitude envolve em suas
diferentes dimensões, em particular no caso brasileiro.
4

Como aponta a historiadora Raquel Rolnik5 (1989, p. 29) é comum nas referências
que são feitas à posição dos negros e mulatos nas cidades brasileiras, a menção sobre a
inexistência de guetos, ausência de qualquer tipo de segregação racial a partir da
imagem do gueto norte-americano. No outro pólo, “estaria o Brasil, onde negros e
brancos pobres compartilham o espaço das vilas e favelas, numa espécie de
promiscuidade racial sustentada pelo laço comum da miséria e da opressão econômica”
Para ela os mais importantes trabalhos na área de sociologia do negro não discutem
especificamente a questão urbana, e muito menos de um ponto de vista físico-territorial,
e os estudos sobre o negro na antropologia, trazem descrições e análises apenas de
instituições negras específicas como terreiros religiosos e escolas de samba. Ressalta,
ainda, que o tema empírico do negro nas cidades até agora foi pouco explorado.

Nossa tese visou examinar, em detalhes, as proposições teóricas de cientistas


sociais brasileiros e estrangeiros que constituiram as relações raciais nas metrópoles
brasileiras como seu objeto de análise; para estudar a pertinência de suas afirmações,
buscando confrontar o conteúdo das afirmações teóricas com testes empíricos que
tornassem objetivas as desigualdades raciais inscritas no espaço urbano. Esperamos
assim contribuir para que nossos colegas e professores examinem a validade de nossas
teses não como premissas infundadas de nosso raciocínio, mas apenas como evidências
para todo e qualquer cientista social que se disponha a desenvolver, pelo trabalho de
campo, uma reflexão séria sobre os fundamentos sociais da coletividade brasileira.

Em verdade a questão racial permeia o estudo da matriz social brasileira desde a


colônia; esta sociedade colonial se assentou sobre a tríade senhores de escravos brancos
de origem européia, escravos negros de origem africana, ameríndios deslocados dos
seus territórios de origem ou exterminados. Assim, no corpo de cada indivíduo se
exprime a origem social da linhagem de que provem. Em uma das obras de
interpretação do ethos brasileiro, Gilberto Freyre chamou a atenção sobre a
espacialidade das relações raciais, já que sua trilogia célebre começa por Casa Grande e
Senzala (mundo rural) passando a Sobrados e Mucambos (mundo urbano). Analisando
esta transição Freyre (1968) aponta que as fazendas junto às cidades explicam, em parte
pelo menos, a extensão de áreas das cidades brasileiras segundo padroes tradicionais do
campo:

5
Artigo apresentado num evento da International Sociological Association/IUPERJ, 1988.
5

Elas foram crescendo com os interesses de concentração urbana prejudicados


pelos de autonomia das casas dos ricos, que precisavam de verdadeiro luxo de
espaço para senzala, chiqueiro, estrebaria, cocheira, horta, baixa de capim,
pomar, parreiral, árvores grandes a cuja sombra se almoçava em dias mais
quentes, açougue, viveiro, banheiro de palha no rio ou riacho. Para todo um
conjunto de atividades impostas à casa burguesa pela imperfeita urbanização
da vida e pela escassa ou difícil comunicação das cidades com os engenhos e
as fazendas (FREYRE, 1968, p.188).
Ele descreve o processo da urbanização como foi se dando, tanto em sentido
vertical nas cidades de topografia mais difícil como o transbordamento em casario em
sentido horizontal. Segundo o autor, em Salvador, no Rio de Janeiro, na capital de São
Paulo e em Ouro Preto, os sobrados parecem ter variado mais do que em Recife que dá
como exemplo desse processo de urbanização desde o século XVII: “ (...) os sobrados
parecem ter variado entre um e dois andares, alguns indo a três, no Rio de Janeiro, raros
a quatro ou cinco na Bahia; no Recife é que chegaram a cinco ou seis” (ver fotos
anexas). Embora a retórica de relações raciais ditas benignas sejam antigas e anteriores
a Freyre, ele é apontado por muitos autores críticos de sua obra, assim como pelos
movimentos anti-racistas, como um dos principais intelectuais que forneceu
instrumentos legitimadores do racismo científico ou pseudocientífico configurado na
noção de “democracia racial”. Como ressalta Clóvis Moura (1988, p.29-30), o
crescimento dos movimentos negros e o questionamento da história oficial ou oficiosa
do Brasil, contribuiu com rupturas acadêmicas e políticas e seu trabalho trouxe à tona
assunto que era tabu ou zona nevrálgica para sociólogos e historiadores
tradicionais, especialmente em consequência da obra de Gilberto Freyre que
apontava o Brasil como o paraíso da democracia racial, fruto da benignidade
inicial do nosso escravismo patriarcal, e, depois, em consequência das
relações interétinicas, democráticas estabelecidas após o 13 de maio
(MOURA, 1988, p.29-30).
Para Guimarães, contudo, é necessário distinguir duas fases do pensamento social
brasileiro: o racismo científico predominante entre 1870 e 1920 e a democracia racial
que se desenvolve nos anos 1930 a 1940.

Se, de um lado, as ciências sociais, biológicas, etc, avançam e permitem que este
estudo se beneficie disso, assim como o combate ao racismo, do outro, as teorias e
práticas racistas continuam ativas e, conseqüentemente, em boa medida sendo tratadas
no Brasil como não-problema, embora o nosso cotidiano seja repleto de classificações
raciais, e, em conseqüência, torna-se difícil entender as profundas diferenças e
desigualdades específicas entre negros, índios e brancos por uma visão mistificadora da
realidade racial da nossa sociedade. Nesse sentido, esta tese tenta entender a
desigualdade como histórica, estrutural e política, e, portanto, passível de transformação
6

pelos sujeitos sociais e políticos que organizam o território, a nação, a sociedade.

Considerando-se que os princípios fundadores de nossa sociedade não são nem de


igualitarismo e nem de pluralismo, faz-se necessário compreender que o modelo racial
brasileiro é estruturante das assimetrias sócio-raciais e espaciais. Como a sociologia e a
geografia urbanas têm demonstrado, as metrópoles modernas são espaços estruturados,
onde a hierarquia social se inscreve no plano de distribuição das residências e serviços
urbanos. Desse modo, a análise da relação entre a distribuição espacial das residências e
a estratificação social contribui para a compreensão da associação entre desigualdade
racial, hierarquização social e segregação urbana. Assim, embora a segregação urbana e
racial no Brasil seja significativa, especialmente nas metrópoles brasileiras ela não é
auto-evidente, e, portanto, exige dos estudos e das políticas urbanas torná-las uma
prioridade para sua superação. A relevância do fenômeno é apontada por vários autores,
especialmente Jordi Borja e Manuel Castells (1997) que tratam a problemática urbana
sob o conceito de segregação urbana e demonstram um aumento tanto do racismo, como
da segmentação, quanto da segregação nas metrópoles em todo o mundo.

Para a elaboração desta tese, na primeira parte fez-se uma breve revisão
bibliográfica, tanto de autores estudiosos das relações raciais no Brasil de diferentes
tendências teóricas, como de estudiosos da questão urbana, sobretudo os que se
inspiram no pensamento marxista que tentam explicar e também superar as lacunas
deixadas pelos pensadores clássicos tanto em relação à raça como ao espaço urbano. À
luz dessas contribuições foram estabelecidas hipóteses do trabalho, seus objetivos e
metodologia. A partir da análise da literatura sobre as relações raciais no Brasil e o
fenômeno da segregação urbana, e refletindo sobre como estes fenômenos se
manifestam em Salvador e no Rio de Janeiro, o objetivo geral deste estudo foi realizar
uma análise comparativa sobre essas cidades, examinando como a estrutura das classes
e a distribuição dos grupos raciais se inscrevem no espaço urbano, conformando uma
estrutura social e racial do território de ambas as cidades. Para tanto, procedemos ao
estudo dos seguintes tópicos: a) Análise da dimensão racial das desigualdades sociais
nas cidades de Salvador e do Rio de Janeiro e sua relação com a segmentação social e
segregação espacial; b) Estudo de caso em um bairro singular de cada cidade, para
verificar a compreensão/percepção de seus moradores sobre a problemática racial,
estereótipo, discriminação e segregação residencial no espaço urbano; c) Análise da
relação entre bens e serviços urbanos e hierarquias social, racial e espacial, para
7

verificar em que medida a localização do bairro favorece ou desfavorece as condições


de bem-estar de seus moradores.

Acatamos a hipótese de que a discriminação racial é específica e não se esgota na


exploração de classes, e que o racismo à brasileira tem contribuído para perpetuar as
desigualdades raciais através da retórica anti-racialista, que naturaliza tanto as
desigualdades raciais como as sociais, confinando amplos segmentos negros a posições
inferiores na hierarquia social. Nesse sentido, questionamos as perspectivas
igualitaristas, pretensamente universalistas, que se limitam à retórica, buscando verificar
se e como atributos pessoais como raça, escolaridade, ocupação e setor de atividade
produzem segmentação social e segregação urbana. Assim, analisamos a associação
entre a estratificação social e a estrutura urbana, focalizando a variável
moradia/habitação/residência, para entender como a forma, o local e o tipo de residência
apresentam correlação com a estratificação sócio-racial-econômica dos indivíduos. Em
resumo, ver como o tecido urbano fornece uma imagem poderosa da hierarquia do
espaço social, e analisar como a componente racial incide nas diversas posições sociais
e sua categorização.

A segunda hipótese é a de que a desigual distribuição espacial dos serviços de


consumo coletivo de ambas as cidades reflete a organização espacial da cidade,
estratificada em bairros de alto status social, de médio status social, de baixo status
social e favelas-invasões. Desta forma, à medida que esta estratificação tem
correspondência com a segmentação social e segregação urbana, a distribuição dos
serviços se dá na mesma lógica que preside a estrutura social: hierarquização social,
racial e espacial dos indivíduos, através de sua localização no espaço físico das
metrópoles.

Partindo-se, então, da hipótese de que o racismo, ao hierarquizar os indivíduos


segundo atributos físicos em superiores e inferiores, é determinante na formação sócio-
histórica no Brasil, procuramos retomar um breve histórico da questão racial para
analisar, especificamente, as cidades de Salvador e Rio de Janeiro como partes
importantes deste processo, já que foram capitais na Colônia, Imperio e República,
sobretudo o Rio de Janeiro, que se manteve na condição de principal cidade por muito
mais tempo. A partir deses pressupostos realiza-se um estudo comparativo geral do Rio
de Janeiro e Salvador, cidades de tradição histórica marcadas por terem sido capitais
desde a colonização portuguesa (Salvador restrita ao período de 1549-1763), hoje
8

cidades industriais e o estudo de caso nos bairros de Plataforma, em Salvador e Bangu,


no Rio de Janeiro, que também representam bem a formação histórica de ambas as
cidades e revelam, tanto quanto elas, semelhanças e diferenças nas suas trajetórias. No
estudo geral comparativo, o objetivo foi fazer uma análise teórica e empírica de como
classe e raça expressam mutuamente a estrutura social e racial no território, a partir de
uma estratificação social e racial em ambas as cidades, e, conseqüentemente, os padrões
de segregação.

Para estudar esses processos de forma imbricada, mas considerando que classe e
raça são variáveis independentes, organizamos os microdados do censo 2000 do IBGE –
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - cruzando as variáveis de educação,
ocupação, rendimento, entre outras, com raça, sendo uma das unidades de análise
pessoas por AEDs – Área de Expansão Demográfica e a outra por domicílios. Assim,
utilizamos os domicílios como unidade de análise sobre a posse de bens urbanos e a
distribuição espacial dos serviços de consumo coletivos em ambas as cidades, e se tal
distribuição reflete a organização espacial da cidade, estratificada em bairros de alto
status social, bairros de médio status social, bairros de baixo status social. Infelizmente,
favelas-invasões não entram nessa classificação, porque este tipo de amostra do IBGE
não permite isolá-las sem tecnologia muito sofisticada (de difícil acesso individual), o
que dificulta maior compreensão do fenômeno da separação espacial. Note-se porém
que, através de técnicas estatísticas mais complexas, Luiz Cesar Ribeiro (2006)6 Através
do Observatório das Metrópoles/IPPUR, realizou uma análise sobre a segregação na
Região Metropolitana do Rio de Janeiro separando favelas e bairros. O objetivo geral do
texto do autor é responder a seguinte questão: “em que medida as desigualdades sociais
verificadas entre os segmentos brancos e ‘negros’ no espaço metropolitano decorrem
das diferenças das condições sociais entre os “bairros” ou das desigualdades ‘raciais’ já
descritas por outros pesquisadores”.

Do outro lado, a divisão territorial por AED talvez tenha a vantagem de trabalhar
com as favelas como parte dos bairros em que se inscrevem e permitir estudar os
impactos de sua existência, das relações contraditórias resultantes do processo de
organização do espaço urbano. A análise do conjunto das cidades e seus processos de
segmentação social e segregação sócio-racial, podem ser vistos pelos dados empíricos

6
Status, Cor e Desigualdades Sócio-Espaciais na Metrópole do Rio de Janeiro Luiz César de Queiroz
Ribeiro (2006) – não publicado.
9

da nossa pesquisa. Isto significa uma análise sociológica que tenta pensar a
configuração total das relações sociais e raciais históricas concretas resultantes do
processo de formação do nosso território, e em particular das cidades exemplares como
Salvador e Rio de Janeiro. Nosso recorte temporal refere-se apenas ao ano do censo
2000, por força da utilização da AED como divisão territorial, que só ficou disponível a
partir do último censo do IBGE, principal fonte dos dados estatísticos com que
trabalhamos.

No que se refere à organização dos dados, deve-se ressaltar o longo caminho


percorrido pelas enormes dificuldades da autora com estudos quantitativos e o acesso às
técnicas para obter e organizar os dados da amostra do censo 2000, que permitiria o
cruzamento da variável cor ou raça com todas as variáveis utilizadas neste estudo7.
Após o acesso aos microdados no IBGE, foi necessário adquirir o software que abrisse
tais dados, para só então poder organizá-los com as variáveis de interesse para este
estudo. Maiores informações sobre a amostragem se encontram no apêndice 1 que
descreve a metodologia. Utilizamos duas unidades de análises neste estudo: pessoas e
domicílio por AEDs. A categoria negro é composta pela soma dos pretos e pardos, de
acordo com as categorias do IBGE (branco, preto, pardo, amarelo e indígena).
Deixamos também de focalizar os indivíduos da raça “amarela”, em geral, descendentes
de japoneses e chineses, por sua pequena representatividade estatística, sobretudo em
Salvador. Note-se que esta categoria se aproximam mais das características sociológicas
das populações que se intitulam brancas, superando-as em certos indicadores, como
escolaridade.

Apesar dos povos indígenas terem uma história comum de opressão, como os
povos negros, não os incluímos na categoria negro, por entendermos a sua
especificidade como grupo racial-étnico e por não serem o objeto específico deste
estudo. Sabe-se que quando os portugueses chegaram ao Brasil, havia cerca de 3
milhões de indígenas, que viviam ainda num processo de transição, do paleolítico para o
neolítico, dependendo da caça, da pesca ou da prática da coleta, e iniciando uma
agricultura ainda muito rudimentar. Com o processo dizimador que ocorreu, o Brasil é o
país com a menor população relativa, apenas 254.453 (0,16 %) de índios (MAR,1993,
p.232). Ou seja, no Brasil, se praticou um dos maiores genocídios contra as populações

7
Toda organização dos dados teve a fundamental contribuição de Agenor Garcia, doutorando em
Planejamento Energético/ PPE/COPPE/UFRJ.
10

que habitavam estas terras antes da colonização européia imposta ao Novo Mundo. As
cidades brasileiras formadas ao longo desse processo refletem-no no atual quadro
demográfico brasileiro. Na cidade do Rio de Janeiro são contabilizados apenas 15.063
indígenas (0,3%), contra 19.645 (0,8%) em Salvador, no censo IBGE/2000.

O genocídio multissecular que quase dizimou os índios das Américas, foi


portanto, gigantesco, o que está demonstrado no fato que quase no final do século
passado, a população total das Américas tenha chegado a 720.647.000 e a indígena de
apenas 36.224.933, representando apenas 5,03% da população, distribuídos
desigualmente nos diferentes países que compõem as Américas (MAR,1993, p.232).

Embora a categoria “pretos” represente, em Salvador, 20,1% e no Rio de Janeiro


9,0%, optamos por convertê-la numa única categoria: a de “negros”, como somatório de
“pretos” e “pardos”. Cabe esclarecer que a opção por agrupar pretos e pardos como uma
única categoria, ou seja, como negros, não significa que desconhecemos ou ignoramos
que os processos de miscigenação produziram diferenças sociais entre pretos e pardos,
inclusive de modalidades particulares de representação do lugar de cada individuo no
mundo. O agrupamento das categorias em negro e não-negro, branco e não-branco, ou
afro-descendente, tem sido utilizado por autores e instituições de pesquisas bastante
reconhecidos, a exemplo de Carlos Hasenbalg e Nelson Valle e Silva, Ricardo
Henriques, IBGE/PNAD, DIEESE, IPEA, entre outros, sem prejuízo da compreensão
deste fato social de grande relevância para a sociedade brasileira e suas particularidades
históricas, que de alguma forma são examinadas no Capítulo 1. Como ressalta
Guimarães (1999, p.65-66), os estudos sobre desigualdades raciais, como o de
Hasenbalg (1979), Hasenbalg e Silva (1992), Bairros (1988), Castro e Guimarães
(1993), Lovell (1989), Porcaro (1988), Telles (1992) têm todos “uma metodologia
precisa, que consiste, em geral, na análise multivariada de dados agregados, baseados
em estatísticas oficiais, principalmente censos e pesquisas amostrais por domicílios”.
Além disso:
Com base nessas análises, foi possível demonstrar primeiro que é possível e
correto agregarem-se os dados de cor existentes em dois grupos (brancos e
não-brancos) pois não há diferenças substantivas entre os grupos não-brancos
entre si (pardos e pretos), sobretudo em termos de qualquer variável
importante: renda, educação, residência, etc.; ao contrário, a grande diferença
encontrada é entre o conjunto desses grupos e o grupo branco. Segundo, que,
mesmo quando se esgotam as variáveis de status e de classe social nos
modelos explicativos (renda, escolaridade, naturalidade, local de residência,
etc), persiste inexplicado um resíduo substantivo, que só pode ser atribuído à
própria cor ou raça dos indivíduos (GUIMARÃES, 1999, p. 65- 66).
11

Mas esta agregação de “pretos” e “pardos” na categoria “negros” também pode


ser justificada apenas com os dados oficiais utilizados por nosso estudo. De fato,
segundo a tela de distribuição da população pelo quesito cor (apêndice 1), Salvador
apresenta 54,9% de pardos, 20,14% de pretos, apenas 23,11% de brancos, amarelos
(0,33%), e menos da metade dos indígenas e do item residual dos ignorados (0,72%). A
análise do quadro mostra que a concentração dos pretos varia no mesmo sentido que a
categoria majoritária dos pardos, e ambos em sentido inverso da categoria dos brancos.
Tal evidência fica melhor demonstrada pelos coeficientes de correlação, pois os pardos
e os brancos variam inversamente, com o coeficiente de -0,93836, e pretos e brancos
com o coeficiente de -0,81768. A variação direta entre pretos e pardos é menos
significativa, já que o coeficiente é de 0,576802 (ver apêndice 1).

Para o Rio de Janeiro, onde os brancos são majoritários, com 58,13%, os pardos
representam 31,28%, fração acima da conhecida por Salvador, e os pretos representam
uma proporção menos da metade daquela da antiga capital do Brasil (9,31%); as
categorias de amarelos (0,25%) e indígenas (0,26%) continuam a ser inferiores, mesmo
àquele residual de ignorados (0,77%). As correlações estatísticas continuam a referendar
as tendências estudadas para Salvador. A correlação inversa entre pardos e brancos
atinge o elevado coeficiente de -0,97572, sendo o de pretos e brancos inferior, mas
também significativo – 0,8349. A variação direta entre pretos e pardos é atestada pelo
coeficiente de correlação de 0,701966. Portanto, ao desagregar a população entre
brancos/não brancos, brancos/negros ou ainda brancos e “indivíduos de cor”, estamos
reproduzindo categorias de percepção usadas correntemente, para observar, ou mesmo
para “julgar”, as pessoas e distribuições de variáveis estatísticas que seguem padrões
semelhantes. O abandono das categorias residuais, como amarelos e indígenas, encontra
fundamento na pouca representatividade estatística, mas poder-se-ia notar que os
imigrantes de origem asiática, classificados pelo IBGE de amarelos, variam no mesmo
sentido que os brancos e no sentido inverso dos pretos e pardos.

A partir desta hierarquização, podemos dizer que Salvador, com uma população
total de 2.444.604 e de 2.399.397, excluídos os indígenas, amarelos e ignorados, tem
1.834.539 negros (76,46%) e 564.858 brancos (23,54%), racial e espacialmente
apresentando duas divisões principais: 9 áreas com supremacia branca e 81 áreas de
maioria negra, considerando-se a divisão territorial por AED. Por outro lado, o Rio de
Janeiro, com uma população total de 5.861.612 e 5.407.338 excluídos indígenas,
12

amarelos e ignorados, com 170 AEDs, compostas por 3.407.338 (58,88%) de brancos e
2.379.584 (41,12%) de negros, tem uma configuração espacial e racial com 111 AEDs
de maioria branca, 53 de maioria negra e 6 com composição equilibrada. Ou seja, em
Salvador a maioria branca mora na Orla Oceânica, incluindo Stella Maris ao norte e na
AED Iguatemi. Na Orla Oceânica, embora haja bairros populares de maioria negra,
como Nordeste de Amaralina Nordeste de Amaralina e Boca do Rio, o primeiro se
destaca por ser o bairro com o maior percentual de negros dessa área da cidade: 90% de
seu moradores se auto-declaram pardos-pretos (ver tabelas e mapas no Capítulo 2)

No Rio de Janeiro, a maior concentração de brancos é na Zona Sul, nos


bairros/AEDs: Humaitá, Lagoa, Ipanema, Copacabana, Gávea, São Conrado, Flamengo,
Leblon, Botafogo, Leme, Laranjeiras, Jardim Botânico, e Glória8; na Zona Norte
destacam-se Jardim Guanabara e Maracanã, e na Zona Oeste, Barra da Tijuca e Recreio.
Por outro lado, a Zona Oeste é a que tem os mais altos percentuais de negros, logo
seguida pela Zona Norte, observadas áreas de certo equilíbrio. Os Mapa 1 e Mapa 2 das
duas cidades, com identificação numérica, contribuem para o acompanhamento das
análises espaciais. Note-se que apesar de identificarmos as áreas como AED, a
numeração dos mapas segue as GEOIDs (Identificação Interna de Geo-Objetos). O que
nos levou a esta opção foi uma dificuldade técnica, por ser mais simples e, cremos, sem
prejuízo do entendimento. Assim esclarecido, passemos aos pontos que, baseados nesta
metodologia, buscam tratar das questões antes esboçadas. Esclarecemos também que a
Ilha de Maré, que pertence ao município de Salvador, foi retirada por problemas de
representação cartográfica.

O recorte espacial por AED, como assinalado anteriormente, não permite que
bairros situados na chamada área nobre sejam uma só unidade territorial, garantindo
assim analisar o grau de homogeneidade sócio-racial, já que existem aglomerações de
pobres e negros nestas áreas, numa condição de extrema hierarquia social, e
provavelmente palco de relações nada harmoniosas. As dificuldades para se identificar
os moradores dos micro-espaços nestas análises, não significa uma visão
homogeneizadora das relações sociais e raciais, de situações sócio-espaciais desiguais e
vivenciadas como opostas, marcadas por profunda desigualdade de indicadores, de
estilos de vida. Nesse sentido, a aplicação da metodologia de Ribeiro (2006) supera esta
dificuldade, embora dialeticamente deva-se fazer as análises dos opostos em qualquer

8
Remoções de favelas (1960-70: Praia do Pinto, Pasmado, Catacumba, reforçaram a supremacia branca.
13

divisão territorial.

Por reivindicação dos movimentos negros e dos estudiosos das relações raciais, o
IBGE promete, no próximo censo, por cor ou raça no questionário do universo, e não
apenas na amostra, como acontece hoje, o que permitirá agregações por setores
censitários e, conseqüentemente, uma maior visibilidade do panorama das cidades. Não
é demais repetir que a categoria raça está sendo utilizada neste estudo no sentido
sociológico, que assim “tem um potencial crítico (...) e pode desmascarar o persistente e
sub-reptício uso da noção errônea de raça biológica” (GUIMARÃES, 1999, p.68). Ao
retomarmos raça como categoria de análise, de modo algum desejamos tratar de grupo
social cujo fundamento seria biológico, mas de grupo social reconhecido por marcas
inscritas no corpo dos individuos (cor da pele, tipo de cabelo, estatura, forma do crânio,
etc), herdeiro de passado histórico que colocou uns no topo da hierarquia social e outros
em sua base. Racismo é aqui entendido tal como define Appiah apud Guimarães (1999,
p.32) que deriva de uma doutrina racialista e que define dois tipos de racismo: o
extrinseco e o intrínseco. O primeiro ‘traça distinções morais entre os membros de
diferentes raças porque se acredita que a essência racial implica em em certas
qualidades moralmente relevantes (...), e o segundo como ‘pessoas que fazem distinções
de natureza moral entre indivíduos de raças diferentes porque acreditam que cada raça
tem um status moral diferente independentes das características morais implicadas em
sua essência racial”. Para Guimarães essa dupla definição de racismo, “permite
considerar todas as possibilidades nas quais a idéia de ‘raça’ empresta um sentido
subjetivamente visado à ação social, cobrindo, portanto, aquele campo que podemos
definir, de modo estrito como o campo das relações raciais”. Contudo, sua posição dos
dois tipos de racismo se diferencia de Appiah, na medida em que este confunde posturas
muito diferentes em termos políticos, e permite considerar os membros dos movimentos
negros como racistas (intrínsegos), enquanto Guimarães considera que estes
movimentos seriam apenas racialistas, ou seja, acreditam em raças humanas. Além
disso, o autor alerta que o conceito ‘racialista’ é limitado para “referir-se a pessoas que
não acreditam em raças biológicas, mas reconhecem a existência de ‘raças’ sociais”.
Sugere o autor modificar a definição de Appiah em dois pontos: 1) trata-se de um
sistema de marcas físicas (percebidas como indeléveis e hereditárias), ao qual se associa
uma “essência” que consiste em valores morais, intelectuais e culturais; 2) apesar de
todo racialismo precisar de uma idéia de “sangue”, como veículo transmissor dessa
14

‘essência’, as regras de transmissão podem variar, amplamente, segundo os diferentes


racialismos.

Na perspectiva de Munanga (2004, p. 24), por razões lógicas e ideológicas o


racismo é geralmente abordado a partir da raça e nestas relações entre ‘raça e ‘racismo’,
esse seria teoricamente uma ideologia essencialista que postula a divisão da humanidade
em grandes grupos chamados raças contrastadas que têm características físicas
hereditárias comuns, sendo estas últimas suportes das características psicológicas,
morais, intelectuais e estéticas que se situam numa escala de valores desiguais

Ressaltamos também a ausência de um cruzamento mais refinado de variáveis, a


exemplo de idade e escolaridade, renda e ocupação, renda com variáveis habitacionais
(saneamento, pavimentação de ruas), cruzamentos que não foram realizados. Contudo,
acrescentamos algumas tabelas (apêndice 2) que mostram uma coerência com os dados
mais gerais, o que não prejudica de todo a compreensão do fenômeno da segregação
racial-urbana na medida que elas mostram que, para além da variável classe
determinada por critérios socio-econômicos, a raça também contribui a explicar tanto a
desigualdade social como a segregação urbana, sobretudo quando se aplica o conceito
de segregação no sentido utilizado por Costa Pinto (1997), que analisa segregação no
sentido transitivo: “segregação como processo segregador; e um sentido substantivo: a
segregação como estado segregado, dado o fato objetivo, que resulta daquele processo”
(PINTO, 1997, p. 127).

A discussão sobre qual a variável mais importante para determinar classe social
está superada, sobretudo graças ao historiador E. P. Thompson (1987) e ao sociólogo
Pierre Bourdieu (2005). Para Bourdieu, os indivíduos possuem uma infinidade de
caracteristicas particulares (sexo, idade, nacionalidade ou etnia, escolaridade, “cor”ou
“raça”, rendimento, profissão, religião, origem rural ou urbana, região de origem,
patrimônio econômico dos pais, local de residência, etc, etc) e a análise de
correspondência permite interrogar concretamente quais as caracteristicas que mais
aproximam os individuos e quais caracteristicas que mais os diferem. Quando usado tal
método estatístico, obtemos apenas “nuvens” de individuos mais proximos ou distantes,
socialmente falando, mas somente individuos “no papel”, ou seja, estudados por
observadores externos aos encontros e conversas entre as pessoas de carne e osso . Não
temos classes sociais, nem por status, nem por ocupação, nem por raça, nem por sexo
ou origem geográfica, etc. O que dá consistência à classe social são as batalhas
15

classificatórias, o trabalho de representação material e simbólico que cada individuo é


levado a fazer quotidianamente e palco das mais variadas encenações de todo grupo que
pretende existir como tal e ser reconhecido pelo conjunto dos demais. Por outras
palavras, as mobilizações políticas permitem tornar determinadas características visíveis
e símbolos de fronteiras entre grupos sociais (como trabalhadores/não trabalhadores,
patrões/empregados), diminuindo a sensibilidade a outras variáveis e variações que
continuam a existir (como a origem nacional diferenciada do operariado francês).
Assim, classe social não implica homogeneidade dos indivíduos, mas a história do
espaço social - como haver no passado escravidão de africanos negros e seus
descendentes - é central para a percepção das características pertinentes a serem
retomadas pelas ciências sociais. As estratégias classificatorias dos diferentes agentes
sociais permitem conservar ou modificar a distribuição das “classes” que estrutura o
espaço social. De acordo com Bourdieu:
Em suma, o trabalho científico tem em vista estabelecer um conhecimento
adequado não só do espaço das relações objetivas entre as diferentes posições
constitutivas do campo mas também das relações necessárias estabelecidas,
pela mediação dos habitus dos seus ocupantes, entre essas posições e as
tomadas de posição correspondentes, quer dizer, entre os pontos ocupados
neste espaço e os pontos de vista sobre este mesmo espaço, que participam na
realidade e no devir deste espaço. Por outras palavras, a delimitação objetiva
de classes sociais construídas, quer dizer, de regiões do espaço construído das
posições, permite compreender o princípio e a eficácia das estratégias
classificatórias pela quais os agentes têm em vista conservar ou modificar este
espaço – e em cuja primeira fileira é preciso contar a constituição de grupos
organizados com o objetivo de assegurarem a defesa dos interesses dos seus
membros (BOURDIEU, 2005, p.150).
Assim, entendemos que as limitações teóricas e metodológicas da nossa tese,
devem ser superadas por trabalhos futuros, já que ela não esgota a necessidade de
aprofundamento de ordem epistemológica e metodológica e a utilização de forma mais
eficaz dos instrumentos tecnológicos mais modernos que facilitam maior sofisticação
estatística, maior precisão nos resultados. Apesar das nossas limitações, pode-se afirmar
a partir da análise do modelo de organização e desenvolvimento do espaço das cidades
do Rio de Janeiro e Salvador, que elas apresentam um grau importante de segregação
espacial, que é também racial, na medida que os brancos que ocupam os estratos
superiores destas cidades estão recorrentemente sobre-representados nos territórios de
concentração dos capitais sociais, econômicos, culturais, educacionais e políticos
promovidos tanto pelos mecanismos de mercado como de Estado, e, em sentido oposto,
os negros estão confinados aos territorios mais desprovidos destas diferentes
modalidades de capitais.
16

Assim, nosso tese examina como a metrópole moderna recria a hierarquia racial
estudando a distribuição espacial dos indivíduos (variáveis de pessoas) e a distribuição
das residências (variáveis de domicílios), nas cidades do Rio de Janeiro e Salvador. O
procedimento que adotamos para a análise concreta destas metrópoles está melhor
descrito no apêndice 1. Nele, apresentam-se as questões metodológicas, seus
pressupostos e limitações no uso da variável cor ou raça para o estudo espacial mais
aproximado da realidade urbana de cada cidade. Reconhece-se, entretanto, que as
unidades espaciais por AEDs são um avanço, esperando-se que no próximo censo do
IBGE a variável cor ou raça esteja no questionário geral e assim possibilite, pela divisão
territorial menor (setores censitários), agregar ou desagregar setores e se aproximar mais
da história de cada bairro-invasão-favela, de acordo com a visão de bairro do morador e
o interesse de cada pesquisador.

No Capítulo 2, tomando-se as cidades de Salvador e do Rio de Janeiro como base


do estudo comparativo, aborda-se, muito brevemente, a história da formação destas
cidades a partir do papel estratégico que tiveram no Brasil-Colônia e na República,
focalizando a habitação popular da senzala ao quilombo, do cortiço à favela, destacando
o protagonismo das lutas dos subalternos na formação de seus territórios, sobretudo a
importância simbólica dos quilombos como motor das lutas populares pelo direito à
cidade. Analisa-se, ainda, as mudanças demográficas em ambas as cidades e o processo
de branqueamento, com dados dos censos de 1872 a 1960, e, sobretudo, mostra-se,
contemporaneamente, a composição racial de ambas as cidades a partir dos dados do
censo IBGE/2000, como já assinalado.

No Capítulo 3, a partir dos dados organizados por AEDs, analisamos a


distribuição espacial da população por cor ou raça e mapas temáticos, com diferentes
indicadores para análise da estratificação social e racial dos indivíduos e sua correlação
ou não com a moradia, incluindo a posse de bens urbanos e sua distribuição espacial,
assim como dos serviços de consumo coletivo. A partir destes indicadores, busca-se
analisar estatística e espacialmente o fenômeno das desigualdades raciais e seu
rebatimento no território, evidenciando a segregação. Para uma visão mais ampla do
perfil das cidades estudadas, acrescentamos algumas reflexões sobre origem, por
município e religião, também por cor ou raça, que é variável central em todo o estudo.

No Capítulo 4, analisa-se a estrutura urbana de ambas as cidades no tocante às


variáveis ocupação, renda e educação, o sistema educacional sendo encarado como uma
17

das instituições centrais de produção e reprodução de bens simbólicos, à luz das


evidências empíricas das desigualdades raciais diante da educação em Salvador e Rio de
Janeiro. Nesse sentido, o estudo faz uma análise teórica e empírica da hierarquia do
setor educacional e seu impacto na mobilidade social, que abrangeu os seguintes
aspectos: a rede de ensino publica e privada, a distribuição dos matriculados por cor, os
contingentes sem instrução, ou distribuídos por anos de estudo e curso concluído.

No Capítulo 5 passamos ao estudo de micro-espaços e, no estudo de caso de


Plataforma, analisa-se a compreensão-percepção de seus moradores sobre a
problemática do racismo, a desigualdade racial, os estereótipos no dia-a-dia, a
discriminação e segregação residencial, trabalhando-se com entrevistados-chave. Nessa
análise prioriza-se o entendimento qualitativo da realidade social, tomando, como
material de análise, as entrevistas individuais, os relatórios de observação.

Cabe ressaltar que o Capítulo 6, dedicado ao bairro de Bangu, onde infelizmente


não realizamos trabalho de campo prolongado, pela exigüidade de tempo, e portanto,
sua análise se baseia totalmente nos dados quantitativos das AEDs que compõem esse
populoso bairro. Mas, para o estudo geral desses bairros utilizam-se os dados das AEDs,
uma análise também quantitativa. Os resultados obtidos nesse estudo, antes de pretender
(o que seria extremamente pretensioso), esgotar o assunto, representam uma modesta
tentativa de compreensão de um fenômeno tão antigo, e simultaneamente tão atual na
sociedade brasileira, como o racismo. Com efeito, retomar um assunto tão polêmico,
complexo e já estudado, embora em escalas diferentes, significa muito mais um
estímulo para tentar melhor compreender a cidade nas suas múltiplas dimensões e
complexidades. A militância no movimento de bairro e no movimento feminino,
principalmente, embora seja fonte de grande aprendizado pessoal, não dá acesso direto a
uma reflexão e teorização explicativa da prática, por requerer muito tempo de dedicação
para pensar em problemas urgentes que exigem respostas imediatas. Desse modo,
espera-se também que este estudo sirva a estes movimentos sociais para refletirem sobre
suas práticas, tornando-as mais transformadoras dos fundamentos que sustentam as
diferentes formas de opressão social e as legitimam aos olhos mesmo de suas maiores
vítimas.
18

CAPÍTULO 1 ABORDAGENS SOBRE A QUESTÃO RACIAL E A QUESTÃO


URBANA: DEBATES CONTEMPORÂNEOS

1.1 Racismo e Dominação Social

Neste capítulo o objetivo é fazer um breve histórico da questão racial, com um


recorte temporal que diz respeito à formação da sociedade brasileira e não uma exegese
do processo global de dominação social e suas relações com a discriminação racial,
questão, aliás, que vai muito além dos nossos objetivos e as limitações teórico-
metodológicas. Reconhecendo os grandes saltos históricos desta breve contextualização,
cabe nos referirmos, inicialmente, ao século XVI e ao processo de colonização e
escravização empreendido pelos europeus no Novo Mundo. Para a compreensão do
problema racial brasileiro e suas interfaces com a formação da sociedade nacional, a
formação da sociedade capitalista, o desenvolvimento das classes sociais e de suas
implicações com a cristalização das raças, vamos partir do debate histórico que se dá
nas ciências sociais, principalmente as ciências sociais brasileiras, que tem início na
colonização portuguesa, em terras americanas, como marco da constituição de nova
sociedade, hierarquizada segundo a origem étnica de cada indivíduo: portugueses,
reinóis, ameríndios e africanos negros como escravos.

Analisando racismo e as teorias que o justificam Kabengele Munanga (2004),


aponta duas origens para um fenômeno que marca decisivamente a vida humana: uma
religiosa e a outra pseudo científica:
A primeira origem do racismo deriva do mito biblico de Noé do qual resulta a
primeira classificação religiosa da diversidade humana entre os três filhos de
Noé ancestrais das três raças: Jafé (ancestral da raça branca), Sem (ancestral
da raça amarela) e Cam (ancestral da raça negra). Segundo o nono capítulo de
Gênese, o patriarca Noé, depois de conduzir por muito tempo sua arca nas
águas do rio dilúvio, encontrou finalmente um oásis. Estendeu sua tenda para
descansar, com seus três filhos. Depois de tomar algumas taças de vinho, Noé
deitou-se numa posição indecente. Cam, ao encontrar seu pai naquela postura,
fez, junto aos seus irmãos Jafé e Sem, comentários desrespeitosos sobre o pai.
Foi assim que Noé ao ser informado pelos dois filhos descontentes da risada
não-lisongeira de Cam, amaldiçoou este último dizendo: seus filhos serão os
últimos a ser escravizados pelos filhos do seus irmãos. Os calvinistas
baseiam-se nesse mito para justificar e legitimar o racismo antinegro
(MUNANGA, 2004, p. 24-25).
Na segunda origem ressalta o autor a ligação com o modernismo ocidental e
afirma:
Ela se origina na classificação dita cintífica derivada da observação dos
caracteres físicos (cor da pele, traços morfológicos). Os caracteres físicos
19

foram considerados irreversíveis na sua influência sobre os


comportammentos dos povos. Essa mudança de perspectiva foi considerada
como um salvo ideológico importante na construção da ideologia racista, pois
se passou de um tipo de explicação na qual Deus e o livre arbítrio constituem
o eixo central da divisão da história humana, para novo tipo, no qual a
biologia (sob sua forma simbólica) se erige em determinismo racial e se torna
chave da história humana (MUNANGA, 2004, p. 24-25).
No que se refere aos fundamentos históricos da relação capitalismo e racismo
buscamos os estudos de Octávio Ianni (1988, p.24), um dos pioneiros no uso do método
dialético para desvendar os enigmas de nossa formação histórica e as contradições
econômicas, políticas e sociais que marcaram a nossa transição e o nosso ingresso na
modernidade capitalista. O autor mostra como a escravidão aberta ou disfarçada de
índios e negros na encomienda, hacienda, plantation, engenho, fazenda e outras
modalidades de organização social e técnicas das relações de produção e das forças
produtivas no Novo Mundo é contraditório com o que ocorria na Europa onde se
expandia a manufatura e depois a grande indústria generalizando-se o trabalho livre.

Assim, analisando as relações entre o capitalismo, a escravidão e o racismo, o


autor mostra como o sistema capitalista criou e destruiu a escravidão e todas as
contradições que marcam este processo. Isso é fundamental para entender a nossa
formação sócio-histórica, como a escravidão e o racismo se desenvolvem no interior do
capitalismo ao longo dos séculos XVI a XIX no Novo Mundo e, particularmente no
Brasil.

Como aponta Ianni (1988, p. 15), na Europa, primeiro expandiu-se a manufatura e


depois surgiu a grande indústria, ao mesmo tempo que se generalizou o trabalho livre.
Nessa mesma época, nas colônias do Novo Mundo, criaram-se e expandiram-se as
plantations, os engenhos e as encomiendas. O trabalho escravo era a base da produção e
da organização social nos engenhos; ao passo que nas encomiedas e outras unidades
produtivas predominavam distintas formas de trabalho compulsório. Trata-se, então, de
dois processos contemporâneos desenvolvendo-se no âmbito do processo mais amplo e
principal de reprodução do capital comercial. “O motor desse processo mais amplo era o
capital comercial, que subordinava a produção de mercadorias na Europa e nas colônias
do Novo Mundo e em outros continentes”. Em decorrência, expandia-se o capital
comercial, criavam-se as condições estruturais no seio das quais iria desenvolver-se o
capitalismo.

Ainda de acordo com Ianni (1988, p.24-27), Marx ressalta dois pontos em sua
análise sobre as condições que produziram a escravatura no Novo Mundo e suas
20

contradições. Em primeiro lugar, a disponibilidade de terras baratas ou devolutas, o que


permitiria que o assalariado, em pouco tempo, pudesse abandonar a plantation, o
engenho ou outra unidade produtiva, para tornar-se sitiante, ao menos produzindo o
essencial à própria subsistência. Em segundo lugar, as metrópoles não dispunham de
grandes reservas de mão-de-obra, para encaminhar às colônias e dinamizar a produção
de fumo, açúcar, prata, ouro, etc.

Apoiando-se na ampliação e intensificação do comércio internacional, no


mercantilismo, o capital comercial reproduziu-se em elevada escala:
As descobertas de ouro e de prata na América, o extermínio, escravização das
populações indígenas, forçadas a trabalhar no interior das minas, o início da
conquista e pilhagem das Índias Ocidentais e a transformação da África num
vasto campo de caçada lucrativa são os acontecimentos que marcam os
albores da era da produção capitalista. Esse processo idílicos são fatores
fundamentais de acumulação primitiva (MARX, apud IANNI, 1988, p.17).
Para Marx, o tráfico negreiro constituía-se de um método de acumulação primitiva
comandado pela Inglaterra: “Liverpool empregava 15 navios no tráfico negreiro, em
1730; 58, em 1751; 74, em 1760; 96, em 1770, e 132, 1792. Assim:
A indústria algodoeira têxtil ao introduzir a escravidão infantil na Inglaterra
impulsionava ao mesmo tempo a escravidão negra dos Estados Unidos que,
antes era mais ou menos patriarcal, num sistema de exploração mercantil. De
fato, a escravidão dissimulada dos assalariados na Europa precisava
fundamentar-se na escravatura sem disfarces, no Novo Mundo (MARX, apud
IANNI, 1988, p.16).
Para o autor, a expansão do capitalismo mercantil cria, mantém e desenvolve
contradições representadas pela coexistência do trabalho escravo e trabalho livre no
âmbito do mercantilismo e as formações sociais escravistas tornaram-se organizações
político-econômicas altamente articuladas com seus centros de poder,
independentemente dos graus e maneiras de vinculação e dependência das colônias em
face da metrópole:
Nessas formações sociais, as unidades produtivas – como os engenhos do
açúcar no Nordeste do Brasil e as plantations do Sul dos Estados Unidos, por
exemplo – estavam organizadas de maneira a produzir e reproduzir, ou criar e
recriar, o escravo e o senhor, a mais valia absoluta, a cultura do senhor (da
casa-grande), a cultura do escravo (da senzala), as técnicas de controle,
repressão e tortura, as doutrinas jurídicas, religiosas ou de cunho ‘darwinista’
sobre as desigualdades raciais e outros elementos (IANNI, 1988, p.27-28).
Ainda conforme Ianni (1988, p.19), desde o século XVI, quando se iniciou o
tráfico de africanos para o Novo Mundo, até o século XIX, quando cessou esse tráfico e
terminou a escravatura, teriam sido trazidos da África cerca de 9.500.000 negros. para o
o Brasil calcula-se que no período, foram trazidos cerca de 4 milhões de escravos. Para
Freitas (1982, p. 96), os senhores de engenho escolhiam o escravo pela força e robustez
21

e quase sempre separavam as famílias – pai, mãe e filhos iam parar em lugares distantes
e nunca mais se encontravam. Além de comprar escravos nos mercados, os senhores
formavam seu próprio patrimônio, estimulando a reprodução dos casais mais saudáveis.
As crianças trabalhavam desde os 5 anos e, com 35 anos, um escravo era considerado
velho e já não servia para o serviço pesado. A violência física era parte do cotidiano dos
negros. O escravo rebelde era castigado com açoite, ficava preso e exposto no
pelourinho. Seu sofrimento devia servir para desmotivar atitudes rebeldes que foram
muitas. Assim, o tráfico de africanos escravizados que substituiu a mão-de-obra
indígena, também escravizada nos primeiros anos de colonização, enriquecia a Coroa
portuguesa e empresas particulares da metrópole.

Para o autor (1982, p. 96), a supressão do tráfico de escravos produziu a crise do


sistema escravista e a própria natureza deste sistema excluía por completo a reprodução
da força de trabalho e ainda, que o excesso de óbitos sobre os nascimentos sempre foi
no Brasil superior ao de qualquer outro país do Novo Mundo. Para demonstrar a
natureza homicida do sistema ele apresenta dados contudentes:
(...) Nas épocas de importação abundante, a mortalidade de crianças de menos
de 8 anos alcançava 70%, segundo o deputado Pereira da Silva, um
impenitente escravocrata; para outros, como o abolicionista barão de Vila da
Barra, a mortalidade podia chegar a 95%. Depois de uma importação de
2.600.000 negros durante dois séculos e meio, a população escrava do Brasil
em 1800 não passava de 1.500.000. Em meio século, entre 1800 e 1850,
importaram-se pelo menos 1.350.000 escravos. Apesar disso, em 1850 a
população escrava continuava a mesma de 1800, ou seja, 1.500.000. Admitida
a estimativa de uma importação total de 4 milhões de escravos em toda a
extensão do tráfico conclue-se que em 1850 só restavam 41% dos escravos
desembarcados no Brasil. O caráter homicida do sistema é evidenciado pelo
contraste entre a evolução da população livre e a involução da população
escrava: num período de de 66 anos, entre 1818 e 1884, a população do Brasil
conheceu um formidável incremento de 310%; enquanto isso os escravos que
em 1818 compunham mais da metade da população, não eram mais que 5%
do total em 1884 (FREITAS, 1982, p.96-97).
Desde os primeiros dias do processo de colonização do Novo Mundo, quando
africanos e africanas são trazidos e escravizados, a miscigenação ocorreu, resultante,
inclusive, da ausência relativa de mulheres brancas. No Brasil, desde os primeiros
europeus aqui vieram para dominar territórios indígenas sob o regime colonialista-
escravista, a mestiçagem demarca a forma como nossa sociedade foi engendrada. É
relevante pensar que a miscigenação ocorreu em parte pela violência sexual praticada
pelos colonizadores brancos, e práticas definidas pelos movimentos de mulheres negras
como “estupro colonial”. De acordo com Edward Telles (2003), que faz um estudo
comparativo Brasil, Estados Unidos e África do Sul, freqüentemente, os homens
22

brancos estupravam e abusavam das mulheres africanas, indígenas e mestiças:


(...) Portanto, a tradição de mistura racial no Brasil deu-se tanto através de
relações sexuais violentas como por uniões informais e formais. Não se pode
discernir com nitidez a freqüência relativa das diferentes formas de
miscigenação a partir de registros históricos mas, mesmo assim, no Censo de
1872, quando o equilíbrio entre homens e mulheres já fora restaurado, 5,1%
dos casamentos no Distrito Federal do Rio de Janeiro foram entre brancos e
mulatos e 0,8% entre brancos e pretos (TELLES, 2003, p.42-43),
O estudo do antropólogo Luiz Mott9 sobre a vida de uma africana que tornou-se
santa, mostra nosso processo profundamente contraditório. Pouco conhecida, sua
imagem pode ser vista no Convento de Santo Antonio, no Largo da Carioca, Rio de
Janeiro:
Rosa era uma negrinha nascida na Costa de Mina, de nação Courana, também
conhecida como Coura, que desembarcou de um navio negreiro no Rio de
Janeiro, em 1725: tinha 6 anos de idade. Quando aqui chegou, o comércio de
escravos fazia-se nas imediações da Rua Direita, em pleno centro comercial
do Rio de Janeiro, e somente no governo do Marquês de Lavradio, por volta
de 1760, que se destinará o Valongo como mercado negreiro. Foi comprada
por um tal senhor José de Souza Azevedo, que a mandou batizar na Igreja da
Candelária, que no ‘tempo do Onça’ não passava de uma pequenina igreja,
sede da Freguesia da Várzea, humílima em comparação à grandiosidade do
templo neo-clássico que hoje conhecemos. Era certamente a igreja carioca
onde mais escravos eram batizados: entre 1725-1726, dos 444 batismos aí
realizados, 62% eram escravos, permitindo-nos levantar a hipótese de que a
familiaridade com a patrona desta igreja talvez explique a gênese da
associação entre Nossa Senhora das Candeias com o culto à Rainha do Mar,
Iemanjá (MOTT, 1993, p.1).
Este fato é trazido aqui não pela questão religiosa que analisaremos no capítulo
seguinte, mas para ilustrar o tema do estupro como uma prática comum no período
escravagista, e que, infelizmente, sobrevive na sociedade contemporânea. De acordo
com Mott (1993) os manuscritos da Torre do Tombo o senhor de Rosa, ‘após desonestá-
la e tratar torpemente com ela’, vendeu-a para as Minas Gerais: tinha 14 anos. “Triste
destino de tantas adolescentes da cor de ébano, presas fáceis da volúpia dos machos de
todas as cores”. E segundo o viajante alemão Carl Schlichthort, em seu livro:
O Rio de Janeiro como é, ‘doze anos é a idade em flor das africanas. Nelas
há de quando em quando um encanto tão grande, que a gente esquece a cor...
Dos olhos irradia um fogo tão peculiar e o seio arfa em tão ansioso desejo,
que é difícil resistir a tais seduções...’ (MOTT, 1993, p. 2.).
No caso de Salvador, Azevedo (1969), ainda que não afirme o estupro, mostra que
desde que a cidade foi fundada pelos portugueses, vindos na expedição com um efetivo
de 1.000 habitantes, havia escassez de mulheres brancas, pois poucas foram as famílias
que participaram desta expedição. A cidade cresceu rapidamente, “ultrapassando os
acanhados limites fortificados”, com a extraordinária natalidade resultante da união de
9
Este ensaio é um resumo do livro Rosa Egipcíaca: Uma Santa Africana no Brasil, Rio de Janeiro,
Editora Bertrand do Brasil, 1993, 750 p.
23

muitos colonos com duas, três e até quatro índias” e afirma:


(...) coisa que era corrente na terra entre os habitantes da vila Pereira e que
não tardou a ser imitado pelos que chegaram em 49. Enquanto os índios eram
violentamente submetidos e tomados para escravos ou para mandar vender no
reino, as negras eram raptadas ou presas para mancebas dos brancos, com as
quais conviviam em escandalosa poligamia (AZEVEDO, 1969, p.137-138).
A reconstrução histórica da nossa sociedade a partir do DNA parece confirmar
este fato. De acordo com Sérgio Pena (2004), que faz parte de uma equipe de
geneticistas e historiadores que traçam o retrato molecular do Brasil:
Nossos estudos filogeográficos com brasileiros brancos revelam um padrão
de reprodução direcional: a imensa maioria das patrilinhagens é européia,
enquanto a maioria das matrilnhagens (cerca de 60%) é ameríndia ou
africana. Os resultados combinam com o que se sabe sobre o povoamento
pós-cabralino no Brasil. Exceto pelas invasões (temporárias) de franceses no
Rio de Janeiro e de holandeses em Pernambuco, praticamente apenas
portugueses vieram para o Brasil até o início do século XIX. Os primeiros
imigrantes portugueses não trouxeram suas mulheres, e registros históricos
indicam que iniciaram rapidamente um processo de miscigenação com
mulheres indígenas. Com a vinda dos escravos, a partir do século XVI, o
processo de miscigenação estendeu-se às africanas (PENA, 2004, p.51).
Com a crise do escravismo, as lutas pela independência, o abolicionismo, as
classes ou frações das classes dominantes no Brasil fizeram as primeiras tentativas de
colonização com imigrantes europeus, com alemães no Nordeste e suíços, no estado do
Rio de Janeiro desde 1818 (SEYFERTH, 1996, p. 43). Analisando a política imigratória
brasileira de 1887-1914, Skidmore (1976, p.154) diz que o ideal de branqueamento
aglutinara-se ao liberalismo político e econômico para produzir uma imagem nacional
mais definida “espelha-se tal atitude através da atitude oficial em relação à imigração,
na propaganda dirigida a estrangeiros pelas agências oficiais e na produção dos
intelectuais que refletiam o pensamento da elite”. E mesmo antes de aprovar a primeira
Constituição republicana, o governo provisório havia promulgado um decreto em 28 de
junho de 1890 que revelava o ideal de branqueamento em ação na busca de imigrantes
(SKIDMORE, 1976, p.155). Tal decreto definia que:
É inteiramente livre a entrada, nos portos da república, dos indivíduos válidos
e aptos para o trabalho, que não se acharem sujeitos a ação criminal no seu
país’. Em outra cláusula: ‘Excetuados os indígenas da Ásia e da África, que
somente mediante autorização do Congresso Nacional poderão ser admitidos,
de acordo com as condições estipuladas’(SKIDMORE, 1976, p.155).
Além disso, o decreto tomava outras providências tais como: impedir a entrada de
mendigos e indigentes e garantias especiais aos fazendeiros que quizessem instalar
imigrantes europeus. Portanto, o Estado brasileiro tomou posição clara quanto a que tipo
racial desejava que viesse ao país, na medida em que poderiam utilizar a mão-de-obra
livre e abundante no Nordeste. É relevante também ressaltar que na véspera de assinar o
24

ato formal da abolição, já havia muitos negros livres em todas as regiões do Brasil. Mas
o projeto de embranquecimento estava em curso e segundo Skidmore (1976):
Em 1886, um grupo de importantes fazendeiros de São Paulo juntou-se para
fundar a Sociedade Protetora da Imigração, organização privada, de amplos
recursos, e destinada a recrutar imigrantes européus (quese exclusivamente
na Itália), pagar passagens para São Paulo e providenciar trabalho para eles
nas plantações. A Sociedade, embora não-governamental, recebia polpudo
subsídio do tesouro da província de São Paulo (SKIDMORE, 1976, p. 156-
57).
Com a Figura 1, tenta-se ilustrar o processo analisado por Ianni (1988), em
Escravidão e Racismo, alertando, contudo, que é apenas uma forma de representar,
mesmo com o perigo de reducionismo, a preocupação em contextualizar as questões
analisadas como parte de um contexto histórico mais amplo, que vai do período
colonial-escravista ao capitalismo republicano, nas suas múltiplas formas de dominação
social e racial, recriadas na atualidade. Reconhecemos, todavia, a superficialidade do
texto que em geral, obviamente, não dá conta de um período tão longo da história e de
toda a sua complexidade. Enfim, é uma modesta tentativa de tornar um pouco mais
inteligível o texto.

Figura 1 – COLONIALISMO, ESCRAVISMO E CAPITALISMO

MERCANTILIS Sociedade Sociedade


MO
ACUMULAÇÃO Escravista Capitalista
PRIMITIVA

Gênero Raça Classe

Hierarquia Hierarquia Hierarquia


Gênero Racial Social

Fonte: Antonia Garcia – 2004


25

Para entender melhor este processo, precisamos olhar o século XIX, por ser marco
do desenvolvimento das teorias racistas, da elaboração de um modelo planetário que
substitui a dominação baseada em status jurídico, opondo homens livres, escravos e ex-
escravos libertos pela ideologia com pretensões científicas, pelo chamado racismo
científico. Para Lilia Schwarcz (1996, p. 148-49), talvez o grande momento inaugurador
da percepção da diferença date mesmo do descobrimento do Novo Mundo, e este
produziu “espanto, curiosidade crescente e as interpretações buscavam entender o que
era essa grande flora, essa fauna tão diversa, e sobretudo o que eram essas gentes”. Mas,
segundo a autora, é no início do século XVIII que o assunto é retomado mais
sistematicamente, com a interpretação iluminista, da versão que a Revolução Francesa
nos legou de “Igualdade, Liberdade e Fraternidade”. Ou seja, o Iluminismo francês foi
quem estabeleceu e naturalizou a igualdade entre os homens (SCHWARCZ,
1996,.p.161-168). Por outro lado, como aponta, no século XIX prosperaram as teorias
evolucionistas, o determinismo geogáfico e o determinismo racial. “Nessa escola, não se
discute mais o indivíduo mas o grupo”. Segundo a autora são quatro as máximas do
determinismo racial: 1) que a raça constitui um fenômeno essencial. Dizia-se, com isso
que havia, por exemplo, entre o branco e o negro a mesma distância que existia entre o
cavalo e a mula. Alguns desses teóricos advogavam inclusive a tese de infertilidade do
mestiço, pautado nesse tipo de pressuposto; 2) estabelecia a relação entre atributos
internos e externos (a cor, o tamanho do cérebro, o tipo de cabelo – poderia chegar a
conclusões sobre aspectos morais das diferentes raças; 3) que os indivíduos não seriam
mais do que a soma de seu ‘grupo rácio-cultural’; 4) não é um pressuposto, mas uma
prática: a eugenia.

A história do racismo é longa e de acordo com o historiador Thomas Skidmore


(1976), .10 estudioso do pensamento das elites brasileiras do século XIX, sobretudo a
partir de 1860 aconteceram dois momentos contraditórios, no pensamento racial:
De um lado, os movimentos abolicionistas triunfaram por todo o mundo do
Atlântico Norte, e, finalmente, até o Atlântico Sul. No entanto, nesse exato
momento em que a escravidão recuava sob o impacto das mudanças
econômicas e o da pressão moral, pensadores europeus ocupavam-se em
sistematizar as teorias das diferenças inatas (SKIDMORE, 1976, p. 65).
De acordo com o autor, é neste contexto que as teorias racistas tiveram seu
desenvolvimento, apoiadas por líderes políticos e culturais dos Estados Unidos e da
Europa. No curso desse século emergiram três escolas principais de teorias racistas:
10
Thomas Skidmore (1976) fez uma análise minunciosa do pensamento racista no interior da elite
intelectual brasileira.
26

1) a etnológico-biológica, que sistematizou sua formulação filosófica nos Estados


Unidos nas décadas de 40/50. “Escola etnológica que pretendia sustentar a criação das
raças humanas através das suas mutações diferentes das espécies (poligenia)”;

2) a histórica (bem representada pelo próprio Gobineau). Esses pensadores


partiam da suposição de que raças humanas - as mais diversas – podiam ser
diferençadas uma das outras, com a branca permanente e inerentemente superior a
todas;

3) a do darwinismo social, uma fusão das teorias da escola etnográfico-biológica,


com o abandono da hipótese poligenista de Darwim, porque ele defendia um processo
evolutivo, que por definição, começava com uma única espécie. E assim, afirma o autor:
O darwinismo podia, contudo, ser usado pelos racistas, se modificassem as
suas teorias. Se a evolução para formas de vida superiores de vida natural
resultava da ‘sobrevivência dos mais aptos’, numa competição de diferentes
espécies e variedades, logicamente admitia-se que as diferentes raças
humanas tinham passado por processo evolutivo semelhante. Nesse processo
histórico-evolutivo, as raças ‘superiores’ haviam predominado, fazendo com
que as ‘inferiores’ parecessem fadadas a definhar e desaparecer
(SKIDMORE, 1976, p. 65).
Ainda de acordo com Skidmore (1976, p.67), embora a versão etnológica do
pensamento racista tenha recebido sua primeira formulação sistemática nos Estados
Unidos, logo se estendeu à Europa, e foi através desses convertidos europeus que os
etnógrafos e antropólogos ativos no Brasil durante os anos de 1870 e 1914, sofreram
influência. Mas, segundo o autor, um dos mais importantes representantes da ‘escola
americana’ que teve influência direta no Brasil foi Louis Agassiz. Sua Journney in
Brazil foi largamente citada no Brasil e deu curso, entre a elite, às idéias de diferenças
raciais inatas e de ‘degenerescência’ mulata (SKIDMORE, 1976, p.67).

Para Skidmore (1976, p.69), tomadas em conjunto, essas três escolas do


pensamento racista influenciaram sobremodo os brasileiros que se davam ao trabalho de
pensar a sério sobre o problema racial. Mas no Brasil, como em toda a América Latina,
com um passado comum de colonização européia baseado na escravidão, primeiro
indígena, depois de negros africanos, as elites sempre tiveram como referência os
padrões de identidade forjados na Europa, em primeiro plano, sem que a igualdade,
entre os vários grupos étnicos, aparecesse, até que os movimentos anti-racistas
questionaram as elites brancas latino-americanas em seus próprios países e em fóruns
mundiais de organização própria ou promovidos pela ONU – Organização das Nações
Unidas.
27

Comparando o Brasil no interior da América Latina, Hasenbalg (1993, p.52)


aponta dois eixos em torno dos quais se estabelecem as semelhanças entre o Brasil e as
outras sociedades latino-americanas: a) a concepção desenvolvida por elites políticas e
intelectuais a respeito de seus próprios países, supostamente caracterizados pela
harmonia e tolerância, e ausência de preconceito e discriminação racial (concepção que
coexiste, em todos os casos, com a subordinação social ou virtual desaparição dos
descendentes de africanos); b) o embranquecimento, entendido tanto como projeto
nacional implementado em políticas de povoamento e imigração, como em termos da
obsessão em representar as respectivas sociedades como essencial, ou
predominantemente brancas e de cultura hispânica, ou de forma mais inclusiva,
européia.

Neste contexto, e à luz dos estudos sobre as relações raciais no Brasil, vamos
tentar compreender nossos dilemas e contradições. Octávio Ianni (1987, p.344-47)
aponta três marcos históricos da formação brasileira, que têm implicações na formação
da nacionalidade e da relação entre questão racial e identidade nacional: a Declaração
da Independência, em 1822, a Abolição da Escravatura, em 1888, e a Revolução de
1930. Estas datas, todavia, como alerta o autor, marcam apenas o momento inicial em
que a sociedade se põe diante de problemas, tais como: raça, mestiçagem e população,
povo e cidadão, terras devolutas, indígenas, ocupadas, griladas, tituladas; províncias,
Estados, o Estado nacional; região e nação, etc. No final do século XIX, quando ainda
predominava o trabalho escravo, o debate era polarizado em termos de indianismo,
inicialmente, e europeísmo, depois. O abolicionismo e a política de incentivo à
imigração européia alteram o quadro inicial, com a valorização crescente do europeu.
Com a Abolição e a Proclamação da República, o poder estatal, passa para a hegemonia
da oligarquia cafeeira. Em decorrência, acontece uma alteração fundamental no enfoque
da questão racial brasileira, com a ruptura representada pela Revolução de 1930, e o
delineamento das interpretações mais importantes do problema racial brasileiro:
formula-se a tese da democracia racial; desenvolve-se o indigenismo; coloca-se o
problema racial no âmbito da reflexão da sociedade de classes.

De fato, como já demonstrou anteriormente, Thomas Skidmore (1976, p.12), a


maior parte da elite brasileira, antes do clímax da Abolição no Brasil, em 1888, pouca
atenção dava ao problema da raça em si, bem como à relação entre características
raciais do país e seu desenvolvimento futuro. Para ele, apesar da questão racial estar
28

claramente no cerne do debate, a preocupação explícita deste debate entre a elite, desde
1850, era a Abolição e as reformas institucionais que implicava.

Para João Reis (1988) somente a partir de 1888, a elite brasileira passou a se
interessa pela questão, já que antes o negro era “uma questão econômica ou uma
questão policial”. Adotando ideologias racistas da Europa, “setores importantes da
intelectualidade brasileira”, representando os interesses hegemônicos, “iniciaram a
montagem do ideário racial brasileiro. Neste ideário o negro era considerado como, “um
obstáculo a um destino nacional que se desejava em padrões europeus” (REIS, 1988,
p.88).

Este ideário apresenta vários pontos em comum com outros países, que também
viveram sob escravidão, como ocorreu em outros países da América Latina, como
aponta Hasenbalg.

Como vimos anteriormente, os estudos realizados na Europa desde o século


XVIII, que desenvolvem as modernas concepções racistas sob influência dos cientistas
de diversas áreas do conhecimento (médicos, biólogos, físicos, etc) e que, a partir do
século XIX, principalmente, influenciam as interpretações sobre o negro, têm na
craniometria, ou seja, na medição do crânio humano, uma das técnicas principais, que
comprovariam a inferioridade do negro. Os defensores desta prática consideravam que a
“raça branca” possuía crânios maiores, o que lhe conferia um maior grau de
inteligência.

O Brasil seguiu o mesmo caminho, e os primeiros estudos sobre o negro colocam


a questão com um enfoque patológico. Sob influência das teorias racistas, tendo como
pioneiro o médico legista baiano Nina Rodrigues (1862-1906), que também era
professor da Escola de Medicina da Bahia, os estudos sobre relações raciais foram
desenvolvidos nessa perspectiva. Com base nessa teoria, os estudos de Nina Rodrigues
concluem que o negro é responsável pelo nosso subdesenvolvimento e,
conseqüentemente, a solução seria o melhoramento da raça. Ele desenvolve seus
estudos eugênicos visando o processo civilizatório representado pelos europeus,
seguindo a mesma interpretação eurocêntrica que até hoje muito influencia a produção
científica do nosso país. Atualmente sabe-se que o tamanho do crânio nada tem a ver
com a inteligência, mas apesar disso, a teoria foi substituída pelos testes de inteligência
criados por Alfred Binet.
29

A trajetória de Nina Rodrigues, entretanto, é bastante ambígua, senão


contraditória. Foi ogan de um terreiro de candomblé na Bahia, condenou a perseguição
aos candomblés e ao mesmo tempo realizava e orientava pesquisas com base nas teorias
racistas. De acordo com Guimarães (1999, p.59-60), foi também “pioneiro dos estudos
antropológicos da cultura afro-brasileira”. Na mesma direção, embora tenha vivido em
outra época, Oliveira Viana (1883-1951) defende a tese do branqueamento, substituição
da mão-de-obra negra, etc, e propõe como solução a imigração européia. O chamado
racismo científico11, que foi amplamente praticado e aceito no mundo moderno e
importado para o Brasil, e somente questionado de forma mais efetiva depois da
tragédia da II Guerra Mundial.

Como aponta Ianni (1987, p. 344), com a Revolução de 30, a tese da democracia
racial é desenvolvida, tendo em Gilberto Freyre seu maior expoente, influenciando
muito as pesquisas e a interpretação da questão racial. Sob esta perspectiva acadêmica
as desigualdades raciais são tratadas como um não-problema e brancos, negros e
mestiços se relacionavam harmoniosamente.

A partir de meados de 1930, pesquisadores estrangeiros estudam as relações


raciais na Bahia e em São Paulo. Na Bahia (entre 1935 e 1937), Donald Pierson,
orientando de Robert Park, estuda as relações raciais onde predomina a explicação do
preconceito como um problema da situação de classe. Os cientistas americanos
participantes do Programa de Pesquisas Sociais do Estado da Bahia – Universidade de
Colúmbia, diante da constatação da existência de fortes preconceitos, em uma sociedade
que acreditavam ser modelo de boas relações raciais, mesmo admitindo a existência do
preconceito, alegam que o critério de cor é irrelevante para a definição dos diversos
grupos sociais.

A consolidação do ideal de branqueamento dos anos 1920 e 1930 é reforçada pela


“democracia racial” de Gilberto Freyre, que passa a interpretar a miscigenação como
um fato positivo. Com uma das obras mais conhecidas e polêmicas, interpreta a
sociedade brasileira como racialmente harmônica, e assim torna-se, para muitos autores,

11
Recentemente, um livro que reúne geneticistas, lingüistas e historiadores e conta a história do povo
brasileiro pela ótica genética, mostra que o Brasil tem a maior diversidade de DNA do mundo. Segundo
seus autores “ para a genética não há raças, e num país como o Brasil isso é mais verdade do que em
qualquer lugar. Podemos falar de cor da pele, mas ela conta pouco sobre a constituição genômica de uma
pessoa”. Nessa mesma pesquisa se ressalta a origem da humanidade, mostrando que a nossa civilização
começou na África. Note-se que a genética é um campo científico no qual o Brasil ocupa um lugar de
destaque na cena internacional. Ver sobre o assunto Sérgio Pena (2004).
30

e, principalmente para os movimentos anti-racistas, o responsável pelo mito do luso-


tropicalismo, pelo mito da democracia racial. Os trabalhos de Freyre e Pierson atribuem
o problema do negro às diferenças de classes sociais.

Para Ianni (1988), a preocupação aberta ou dissimulada das classes dominantes no


Brasil, desde a abolição, sobre a europeização e branqueamento da sociedade brasileira,
teve nessa corrente de pensamento a legitimidade científica e ideológica. Esta corrente
encontrou na mistura racial o ethos brasileiro. Para o autor, Freyre apanha elementos
sociais, culturais, psicológicos e até mesmo econômicos, mas todos eles aparecem
articulados, numa perspectiva psicologista e culturalista:
Não é por acaso que ele próprio dirá, ao explicar como e porque escreveu
Casa-Grande & Senzala, que estava interessado no ‘ethos da gente
brasileira’. Ele próprio diz que quis apreender as perspectivas diferentes e
complementares do homem, do adulto, do branco, do menino, da mulher, do
indígena, do negro, do efeminado, do escravo. Note-se o tipo de individuação.
Ao lado disso, Freyre quis compreender os significados psicológicos e sócio-
culturais da miscigenação (IANNI, 1988, p.111-12).
Ainda de acordo com o autor, Freyre elaborou uma nova interpretação de ethos da
gente brasileira, mas pelo seu percurso não seria possível apanhar a historicidade da
escravidão brasileira. Para o autor, em Casa-Grande & Senzala é uma interpretação a-
histórica da escravidão no Brasil. Ou seja, “a constante empatia com que trabalhou não
foi complementada por uma compreensão dos andamentos, dos desenvolvimentos, das
descontinuidades e antagonismos que produziram as transformações e o eclipse da
escravatura”. Entre os poucos autores e militantes negros do período se destacam:
Edison Carneiro, baiano, ativo militante político, que sofreu grande influência de Athur
Ramos e se dedicou, principalmente, a estudar a cultura afrobrasileira. Entre suas obras,
está O Quilombo de Palmares (1947), sobre a qual afirma Clovis Moura (1988, p.92):
“Obra pioneira, abriu caminho para todos aqueles que quiserem fazer uma revisão
crítica da realidade palmarina”. Abdias do Nascimento (1950), que trata do genocídio
dos negros, é um crítico da benevolência do senhor de escravo, entre outras coisas.
Outro importante autor e militante do movimento negro foi o baiano Guerreiro Ramos
(1954), grande crítico da ciência importada para interpretação da questão negra e da
sociedade brasileira. A sua contribuição está na análise histórica dos fatos sociais, na
sua interpretação bem específica da realidade e na sua proposta de se criar uma
teorização da realidade nacional. Para ele, o papel dos intelectuais é de extrema
importância para essa tarefa e para a formação de uma ciência do social, que
compreenda e interprete o real.
31

Entre os movimentos sociais negros da pós-abolição, a Frente Negra Brasileira


(1931) e o TEM - Teatro Experimental do Negro (1944) foram dos mais atuantes, sendo
que Abdias Nascimento teve papel central no último e se mantém ativo até hoje, com
mais de 90 anos.

Segundo Hasenbalg (1992, p.10-13), nas décadas de 1940 e 1950, é detectada a


existência de preconceito contra o negro, mas é um preconceito de classe e não de raça,
e isso se deve à baixa posição socioeconômica do negro. Nesta ótica, o preconceito não
levaria a comportamentos discriminatórios, a cor é um atributo secundário de
localização das pessoas na estratificação racial e, afirma-se a não existência de barreiras
à ascensão social de negros e mulatos.

Arthur Ramos (1903-1949), psiquiatra e antropólogo, “refuta a tese de


inferioridade biológica do negro, ao retirá-la do mundo da natureza, para “colocá-la no
âmbito da sociologia, da antropologia”, mas a substitui, de alguma forma, a
inferioridade biológica pela cultural. Apesar disso, ele foi importantíssimo nos estudos
sobre relações raciais no Brasil, sendo idealizador dos estudos na UNESCO, e teve
como importante conseqüência o fortalecimento das ciências sociais brasileiras
(LARAIA, 1986, p.166).

Entre os cientistas sociais, que sofreram influência de Arthur Ramos, está o


baiano Luis de Aguiar Costa Pinto, que embora originário das classes dominantes, teve
uma trajetória de militante estudantil e comunista12 Como sociólogo, realizou
importantes estudos, em particular, sobre o negro no Rio de Janeiro. O Projeto de
Pesquisa, financiado pela UNESCO na década de 1950, após a tragédia do holocausto
da II Guerra Mundial, toma o Brasil como exemplo de boas relações raciais. Para estes
estudos a UNESCO “reuniu biólogos, geneticistas e cientistas sociais para avaliar o
estado das artes no campo dos estudos sobre ‘raça’ e relações raciais” e chegou à
conclusão “de que ‘raça’ é um conceito taxinômico de limitado alcance para classificar
os sere humanos” (GUIMARÃES, 1999, p.21).

Os estudos realizados com o apoio da UNESCO não tiveram os resultados


esperados, pois reconhecem o preconceito racial no Brasil, e concluem que nosso
sistema é diferente dos Estados Unidos. Florestan Fernandes, um dos autores que mais

12
Sobre a trajetória de Luiz Aguiar Costa Pinto ver Marcos Chor Maio (1998) - apresentação da 2ª.edição
do livro O Negro no Rio de Janeiro:Relações de Raça numa Sociedade em Mudanças.
32

contribuiu para o debate, diz que “o brasileiro tem preconceito de ter preconceito”.
Desse modo, estes estudos são marcos na academia brasileira, para compreender a nossa
organização social racista e as estratégias postas em prática pelas classes dominantes
que, desde o século XIX, com a promoção da imigração européia, consolidam o
branqueamento da raça e ampliam a europeização da sociedade (entre vários autores,
ver FERNANDES, 1965 e IANNI, 1988). Entre os pesquisadores que trabalharam no
‘ciclo de estudos UNESCO’, de formação durkhaniana ou marxista, Roger Bastide
(1898-1970), Florestan Fernandes, Luiz da Costa Pinto e Pierre van den Berghe
ressaltaram que “os grupos raciais tanto quanto as classes sociais, eram fenômenos de
estrutura social, ou seja, lugares definidos numa estrutura de posições” (GUIMARÃES,
1999, p.76). Entre os estudiosos desse grupo, mas com posição diferente dos marxistas,
Thales de Azevedo, em O Povoamento da Cidade do Salvador, ainda crê na democracia
racial, afirmando:
Não era o preconceito de cor que separava a população em bairros diferentes,
antes as distinções de classe que distanciavam os ricos, os nobres dos
escravos, dos plebeus, dos que comerciavam, dos que exerciam ofícios
mecânicos. Houve, naturalmente conflitos entre os tipos étnicos que aqui se
reuniram, mas, ao que parece, esses conflitos traduzem sobretudo
antagonismos econômicos. A proibição, feita aos índios, de casar com negros
escravos ou mulatos, até quarta geração, e aos casados com mulher de cor, de
exercer cargos municipais, os casos isolados de intolerância para com pardos,
pretos e caboclos eram mais medidas de segurança das classes dominantes
contra a ascensão política da plebe do que indícios de ódio de raças
(AZEVEDO, 1969, p .221-2).
Para o autor, foi graças à quase ausência de preconceito, herdada dos séculos de
convívio com mouros e pretos, que o branco português, sempre em minoria sensível na
Bahia, conseguiu absorver grande parte dos africanos que importou. Em Elites de Cor
Numa Cidade Brasileira: Um Estudo de Ascensão Social, ele se distancia dos que
defendem a ausência de preconceito de cor no Brasil, quando afirma em suas conclusões
as dificuldades dos negros ascenderem como grupo social e constata a força da
ideologia racial.

Os estudos da UNESCO, relizados no Sudeste e no Sul, por Roger Bastide, com o


projeto de pesquisa “O Preconceito Racial em São Paulo”, que resultaram na publicação
de: Brancos e Negros em São Paulo, por Roger Bastide e Florestan Fernandes (1959);
Cor e Mobilidade Social em Florianópolis, de Fernando Henrique Cardoso e Octávio
Ianni, em 1960; As Metamorfoses do Escravo, de Octávio Ianni (1962); Capitalismo e
Escravidão no Brasil Meridional, de Fernando Henrique Cardoso (1962); A Integração
do Negro na Sociedade de Classes, de Florestan Fernandes (1965), além do Negro no
33

Mundo dos Brancos, também de Florestan Fernandes, em 1972, admitiram a existência


do preconceito racial (LARAIA, 1986, p.166). Esses estudos mostraram que a
discriminação se reforçava com a competição no mercado de trabalho, mas não
desaparecia. O estudo sobre o negro no Rio de Janeiro, de Costa Pinto, já citado,
demonstrou categoricamente a existência de preconceito, discriminação e segregação na
sociedade carioca (DF).

O trabalho de Oracy Nogueira (1955), comparando o Brasil com os Estados


Unidos da América, demonstra que no Brasil o mestiço pode deixar de ser negro, desde
que sofra um processo biológico de embranquecimento, enquanto naquele país, mesmo
que o mestiço se torne completamente branco, continuará sendo discriminado a partir do
conhecimento, por parte da comunidade, da existência de um antepassado negro
(LARAIA,1986, p.166).

Hasenbalg define bem as interpretações dominantes pós estudos UNESCO, ao


afirmar que:
Na década de 1960, a existência de preconceito, discriminação e
desigualdades raciais já passa a ter um reconhecimento inequívoco, porém
com interpretações oscilando entre reducionismo e assimilacionismo. No
primeiro caso, raça e relações raciais foram tratadas como epifenômenos de
outras categorias mais fundamentais: classe social, estrutura e dominação de
classe. Na outra interpretação, preconceito e discriminação são vistos como
manifestação do atraso cultural, legado do passado escravista. Foi somente na
segunda metade da década de 1970 que raça (ou cor), como atributo social
elaborado, passou a ser tratada como um esquema classificatório e um
princípio de seleção racial, que está na base da persistência e reprodução das
desigualdades sociais e econômicas, entre brasileiros brancos e não-brancos
(HASENBALG, 1992, p. 10-13).
Segundo Guimarães (1999, p.13 e), a sociedade brasileira pode ser interpretada
como uma sociedade estamental,13 ou seja, uma sociedade que vive uma transição entre
raça e classe e, portanto, o racismo brasileiro está umbilicalmente ligado “a uma
estrutura estamental que o naturaliza, e não à estrutura de classes, como se pensava”. Na
sua perspectiva, também as desigualdades de classe se legitimam através da ordem
estamental e o combate ao racismo começa pelo combate à institucionalização das
desigualdades de direitos individuais. Esta porém não é uma questão de consenso entre
os estudiosos das relações raciais no Brasil. De um lado, Hasenbalg (1986, p.29), por
exemplo, que faz uma crítica ao marxismo, por suas limitações, ao analisar a
problemática racial em diferentes sociedades, ressalta que a idéia de que o Brasil

13
Estamento – forma de estratificação social situada entre o regime de casta (geralmente ligado ao
conceito de honra e o regime de classe -WEBER, 1982).
34

fundou-se como sociedade de casta deixa implícito, como proposição teórica, a


consciência possível do escravo - que seria duplamente alienado, na medida em que o
próprio trabalho não lhe pertencia, assim como sua própria pessoa – retomada do
modelo teórico da consciência revolucionária do proletariado. Para o autor, esta visão
do escravo passivo anula-o como agente do processo histórico e não dá conta das
rebeliões, fugas, quilombos e outros atos de revolta da população escrava14.

Clóvis Moura, com seu trabalho pioneiro sobre as rebeliões escravas, e Décio
Freitas, ambos detentores de concepção materialista da história, consideram que estas
formas de luta foram fundamentais para a destruição da ordem escravista que resultou
na abolição. O autor, que realizou estudo sobre estes movimentos desde 1959, numa
perspectiva marxista, afrma na sua conclusão que:
O quilombola era o elemento que, como sujeito do próprio regime
escravocrata, negava-o material e socialmente, solapando o tipo de trabalho
que existia e dinamizava a estratificação social existente. Ao fazer isto,
embora sem conscientização criava as premissas para a projeção de um
regime novo no qual o trabalho seria exercido pelo homem livre e que não era
mais simples mercadoria, mas vendedor de uma: sua força de trabalho. Ao
mesmo tempo que assim procedia o escravo rebelde criava novos níveis de
desajustes, novos elementos de assimetria social, pois, ao retardar o processo
de produção, fazia com que, no polo intermediário, se desenvolvessem
elementos que também impulsionaram a sociedade no seu sentido global para
novas formas de convivência (MOURA, 1988, p. 269-70).
Na sua perspectiva, o reflexo das atividades rebeldes, e outras formas de
comportamento divergente em camadas diversas levariam o escravo, ainda passivo, a se
tornar um elemento dinâmico, passando de escravo a quilombola. E ainda afirma: “Esta
interdependência só poderá ser entendida, insistimos, se tomarmos o quilombola, não
como um termo morto ou negativo, mas como termo ativo e dinâmico” (MOURA,
1988, p. 269-70). A Inconfidência Baiana, em 1798, estudada por Stván Jancsó (1975),
por exemplo, e os estudos de João Reis (1988) sobre a Revolta dos Malês, de 1835, em
Salvador, mostram um ativismo político expressivo dos escravos, que ocorreu em todo o
território nacional e corrobora com esta interpretação.

Do outro lado, Ianni (1986, p.31-36) reconhece que, de fato, o pensamento


marxista sempre colocou a questão racial em segundo plano, mas é possível dizer que os
marxistas clássicos sempre lidaram com a questão racial, ao discutir alguns problemas
importantes, como a questão nacional, o colonialismo, o imperialismo e as classes
sociais. Reconhece, entretanto, que isso é insuficiente, porque há especificidades das

14
Ver Clóvis Moura (1988), Décio Freitas (1982), Stuart Schwart, 2001 e .João José Reis (1989 e 2003).
35

relações raciais. Mas para este autor, não há dúvidas de que existe uma dimensão
importante na questão racial que tem a ver com a sociedade como um todo.

Para mostrar as limitações do processo abolicionista brasileiro, o autor cita o


exemplo do Haiti, como diferente dos casos do Brasil, de Cuba, dos Estados Unidos e
de vários países das Antilhas. “No Haiti, os negros se emanciparam, fizeram a
revolução, conquistaram o poder. Nos outros países citados, ocorreu uma importante
participação dos movimentos negros, mas na verdade houve um logro contra os negros”.
Reconhece que o protesto do escravo foi ferramenta fundamental na abolição, mas,
diferentemente do Haiti, os escravos não tinham condições de organizarem
politicamente uma proposta alternativa de organização do poder. Esta é a mesma
perspectiva analítica de Florestan Fernandes, Octávio Ianni e Fernando Henrique
Cardoso, em seus estudos sobre o negro brasileiro.

Para Costa Pinto (1998, p.87-89), entretanto, castas e classes não são
independentes, mas antes momentos históricos distintos de um mesmo fenômeno.
“Circunstâncias históricas particulares fizeram com que estratificação de raça e
estratificação de classe não sejam duas realidades independentes, mas apenas dois
ângulos pelos quais pode ser observada a configuração única e total das relações de
classe e de raça no Brasil”.15

Embora o marxismo não tenha dado centralidade à questão da raça e nem do


gênero, como reconhecem alguns autores, compreende-se que o marxismo é uma teoria
importante como ponto de partida para análise do capitalismo contemporâneo. Nesse
sentido, David Harvey (1992, p.320-321), analisando a crise do materialismo histórico,
aponta para a necessidade de uma “concepção dinâmica da teoria e do materialismo
histórico, para apreender o significado das mudanças, que já vinham ocorrendo na
economia política, na natureza das funções do Estado, nas práticas culturais e na
dimensão do tempo-espaço em que as relações sociais tinham de ser avaliadas”. Nesse
sentido, aponta quatro questões da maior relevância:

1. O tratamento da diferença e da “alteridade”, não como uma coisa a ser


acrescentada a categorias marxistas mais fundamentais (como classe e forças
produtivas), mas como algo que deveria estar onipresente, desde o início, em toda

15
Sobre as diferenças teórico-metodológicas dos autores, ver, entre outros: GUIMARÃES, Antonio
Sérgio (1999); HASENBALG, Carlos & SILVA, Nelson (1992).
36

tentativa de apreensão da dialética da mudança social. A importância da recuperação de


aspectos da organização social como raça, gênero, religião, no âmbito do quadro geral
da investigação materialista histórica (com sua ênfase no poder do dinheiro e na
circulação do capital) e da política de classes (com sua ênfase na unidade da luta
emancipatória) não pode ser superestimada.

2. Um reconhecimento de que a produção de imagens e de discursos é uma faceta


importante de atividades que tem de ser analisada como parte integrante da reprodução
e transformação de toda ordem simbólica. As práticas estéticas e culturais devem ser
levadas em conta, merecendo, as condições de sua redução, cuidadosa atenção.

3. Um reconhecimento de que as dimensões do espaço e do tempo são relevantes,


e de que há geografias reais da ação social, territórios e espaços de poder reais e
metafóricos, que se tornam vitais, como forças organizadoras na geopolítica do
capitalismo, ao mesmo tempo em que são sede de inúmeras diferenças e alteridades que
têm de ser compreendidas, tanto por si mesmas, como no âmbito da lógica global do
desenvolvimento capitalista. Assim, o materialismo histórico finalmente começa a levar
a sério a sua geografia.

4. O materialismo histórico-geográfico é um modo de pesquisa aberto e dialético,


em vez de um corpo fixo e fechado de compreensões. A metateoria não é uma
afirmação da verdade total, e sim uma tentativa de chegar a um acordo com as verdades
históricas e geográficas que caracterizam o capitalismo, tanto em geral, como em sua
fase presente. Nesta tese, o autor discute a possibilidade de relação entre novos modos
de acumulação do capital e novas práticas culturais dentro da organização do
capitalismo. O paradigma de categoria da totalidade pode ser observado na abrangência
dos temas tratados.

As mudanças nos paradigmas, ainda que lentas, têm sido importantes para o
questionamento da condição do negro brasileiro. Nelson Valle e Silva (1978) e Carlos
Hasenbalg (1979), em seus estudos pioneiros sobre as desigualdades raciais
problematizam a persistência das desigualdades, num Brasil já bem urbano e
industrializado, e mostram que “Aqui convivem, há séculos, uma sociedade pobre e
desigual e, junto com ela, uma sociedade móvel e dinâmica”. Utilizando as estatísticas
oficiais do governo brasileiro, demonstram que existem mecanismos sociais que
obstruem a mobilidade social ascendente da população parda-negra e, portanto, as
desigualdades brasileiras não se explicam apenas pelas diferenças de classes sociais.
37

A despeito de todas as dificuldades, ambigüidades, divergências e até


contradições, no esforço de compreender a sociedade brasileira, não há dúvidas de que
os estudos sobre as desigualdades raciais brasileiras, que se desenvolvem a partir da
década de 1970, pelos sociólogos Carlos Hasenbalg, Nelson do Valle Silva (1992, 2000)
e, posteriormente, por outros estudiosos, como Marcelo Paixão e Wânia Sant’anna,
(1997, p.20-37), Ricardo Henriques (2001), Luciana Jaccoud e Nathalie Beghin (2002),
tem contribuído para mostrar, empiricamente, a existência de uma dimensão racial nas
desigualdades e clivagens sociais no Brasil.

Estes estudiosos e algumas instituições passam a estudar a questão, na mesma


perspectiva, na década de 1990. Wânia Sant’anna e Marcelo Paixão (1997, p. 20-37)
analisam o IDH – Índice de Desenvolvimento Humano, no Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e verificam que a população branca ocupa a
43a posição enquanto os afro-descendentes, que oficialmente eram 72.688.655 (45,2%),
dos brasileiros ficam na 108a posição – 34 posições. Ricardo Henriques (2001) estuda a
evolução das condições de vida na década de 1990 e Luciana Jaccoud e Nathalie Behing
(2002), que fazem um balanço da intervenção governamental, confirmam o quadro de
desigualdades raciais no país.

Apesar dos avanços do conhecimento sociológico, o racismo continua, em boa


medida, sendo tratado no Brasil como um não-problema, por cientistas, políticos, e
sociedade em geral, embora o nosso cotidiano seja repleto de classificações raciais, e, e,
conseqüentemente, continua sendo difícil entender as profundas diferenças e
desigualdades específicas entre negros, índios e brancos. Florestan Fernandes (1976, p.
73) define assim as nossas ambigüidades e contradições:
O padrão brasileiro de dominação racial engendrou uma ambivalência
inexorável no meio negro – e esta não pode ser combatida e extirpada sem a
eliminação prévia daquele. Isso quer dizer que, enquanto o negro não romper
com a visão mistificadora da realidade racial, dispondo-se a colocar o branco
no centro de um antagonismo que deve ser, inevitavelmente, de ‘classe’ e de
‘raça’, ele será vítima de várias confusões morais e da capacidade de lutar, de
fato, por posições coletivas nas estruturas de poder (FERNANDES, 1976, p.
73).
Carlos Hasenbalg (1991, p. 14) mostra que os estudos brasileiros sobre relações
raciais das últimas décadas pode se caracterizar (mesmo com simplificação), por uma
peculiar divisão disciplinar do trabalho: os historiadores, que apesar dos notáveis
progressos no estudo da escravidão, negligenciaram amplamente a história social do
negro no pós-abolição; os antropólogos, que seguindo os caminhos abertos por Nina
38

Rodrigues e Arthur Ramos, privilegiaram o estudo da cultura negra, com ênfase


particular nas religiões afro-brasileiras; e finalmente, os sociólogos, que estudam as
relações raciais, dando destaque à estratificação e às desigualdades raciais.

À luz da revisão empreendida e na busca dos avanços científicos contemporâneos


e mesmo com todas as nossas limitações teórico-metodológicas, procuramos nesse
estudo articular as categorias raça e classe, tentando demonstrar que a segregação
espacial é resultante desses dois fenômenos, igualmente fundamentais na determinação
das desigualdades. Nessa proposta, portanto, não há supremacia de nenhuma das
categorias e empiricamente, procuramos verificar em que medida as desigualdades
sociais e raciais resultam em segregação urbana. Desse modo, o que estudamos, em
ambas as cidades, na contemporaneidade, são as desigualdades raciais historicamente
construídas e seu rebatimento ou não no território, a partir dos microdados da amostra
do censo IBGE/2000. Nessa direção, procuramos analisar o fenômeno do racismo, da
desigualdade racial, da segregação e os antagonismos produzidos nas duas cidades.
Estamos certos de que o racismo enraizado nas mais diferentes sociedades e, em pleno
século XXI, continua produzindo muitas vítimas, particularmente na nossa sociedade,
onde atua silenciosa e eficazmente na sua perpetuação. Na mesma linha que os trabalhos
pioneiros de Roger Bastide, Fernandes (1976), consideramos também que a
urbanização, acompanhadada da industrialização” permitiu a reapropriação de estigmas
raciais oriundos do passado escravista, engendrando desigualdades entre brancos e não-
brancos”.

Como observa Kabengele Munanga (2004), através de uma abordagem conceitual


das noções de raça, racismo, identidade e etnia, na análise da origem e desenvolvimento
destes conceitos, a maioria dos pesquisadores brasileiros que atuam na área de relações
interétnicas recorre com mais freqüência ao conceito de raça, não mais para afirmar sua
realidade biológica, mas para explicar o racismo, na medida em que este fenômeno
continua a se basear na crença da existência de raças hierarquizadas, raças fictícias,
ainda resistentes nas representações mentais e no imaginário coletivo de todos os povos
e das sociedades contemporâneas. Para o autor, alguns fogem do conceito de raça
substituindo-o pelo conceito de etnia, para ser ‘políticamente correto’, mas continua-se
a falar das mesmas camadas hierarquizadas, da mesma oposição entre dominantes e
dominados.
Esta substituição não muda em nada a realidade do racismo, pois não destrói
a relação hierarquizada entre culturas diferentes que é um dos componentes
39

do racismo. Ou seja, o racismo hoje praticado nas sociedades contemporâneas


não precisa mais do conceito de raça ou de variante biológica, ele se
reformula com base nos conceitos de etnia, diferença cultural, mas as vítimas
são as mesmas de ontem e as raças e etnias de ontem são as etnias de hoje. O
que mudou, na realidade, são os termos ou conceitos, mas o esquema
ideológico que subentende a dominação e exclusão ficou intato
(MUNANGA, 2004, p. 32-33).
Assim, articular as categorias raça e classe em nosso estudo significa buscar a
centralidade da raça nas relações de dominação, da mesma forma que fazemos para o
conceito de classe, sem supremacia, apenas atribuindo a um só fator considerado
determinante, seja o biotipo ou a inscrição econômica dos indivíduos no espaço. Para
isso, trabalhamos com o conceito de raça como forma de classificação social,
pretensamente baseada numa hierarquia de indivíduos de potenciais biológicos
diferentes.

Na perspectiva de Kabengele Munanga (2004, 32-33):


Mas, no plano político, pode-se, a partir da tomada de consciência da
exclusão fundamentada na discriminação racial (raça aqui entendida no
sentido sociológico e político-ideológico), construir uma única identidade
negra mobilizadora, pelo fato de todos serem, apesar de oferecerem
identidades regionais diferentes, coletivamente submetidos à dominação do
segmento branco e constituírem o segmento social mais subalternizado da
sociedade (MUNANGA, 2004, 32-33):
Desse modo, a noção de raça está sendo adotada neste estudo como representação
social, usada como categoria analítica, que pode revelar que as desigualdades não se
limitam à noção de classe reduzida à sua componente econômica. As desigualdades
raciais são resultantes de processos sociais tão objetivos quanto as desigualdades de
posições nos processos de produção ou de diferenças de estilos de vida. Assim utilizada,
é uma ferramenta importante, sobretudo para se analisar a questão da segregação urbana
em seus aspectos raciais, já que se acredita, em escala apreciável, que o Brasil é um
exemplo de harmonia racial, apesar dos dados sobre desigualdades de natureza racial,
vitimando negros/as e índios/as serem bastante consistentes. Entendemos, portanto, que
o conceito de relações raciais, envolvendo uma construção sócio-cultural, é fundamental
para compreender nossa sociedade, tanto como o fenômeno do racismo em suas
dimensões de relações de poder. As práticas de estigmatização, de uma parte da
população, por seu aspecto físico, não podem ser compreendidas apenas pela posição
inferior, enquanto produtor ou consumidor. Mas também as batalhas classificatórias
pela igualdade ou mutações da hierarquia entre grupos sociais não podem ser
entendidas, se as isolamos da capacidade de ação econômica e política do grupo

Considerando-se o processo histórico da formação social de acordo com as


40

periodizações de Ianni (1987) e Guimarães (1999), que contribuem para a compreensão


das raízes do nosso racismo e segregação, estudamos a fase atual do racismo à brasileira
fazendo o cruzamento das variáveis de raça e de classe para compreensão das
hierarquias sócio-raciais em Salvador e no Rio de Janeiro. Verificamos se há segregação
de natureza racial, já que sobre a pobreza existem muitos estudos, sem tratar a dimensão
racial. Nossa análise empírica e teórica sobre o fenômeno da segregação sócio-racial em
Salvador e no Rio de Janeiro passa, então, pela compreensão de que o espaço urbano é
historicamente hierarquizado e que, no interior desse espaço, existiram e existem
relações de conflitos e contradições de naturezas diversas, como: de raça, de classes
sociais, bem como de gênero. Vejamos então, como racismo e anti-racismo são
interpretados a partir da longa miscigenação ocorrida em nosso território e suas
conseqüências, sobretudo nas cidades objeto de nosso estudo.

1.2 Hierarquias Raciais e Mestiçagem

Vimos o papel fundamental da miscigenação na nossa formação sócio-racial em


nossa sociedade e os antagonismos nas classificações e auto-classificações ao longo da
nossa história. Os recenseamentos brasileiros refletem bem o processo e têm sido um
dos obstáculos para que sejam realizadas pesquisas que retratem melhor a situação
racial do país e os efeitos das políticas de Estado que impediram, historicamente, a
integração real do povo negro na sociedade brasileira. Para Ianni (1987, p.110-11), a
omissão do quesito cor nos recenseamentos brasileiros, em alguns períodos (1889 e
1891 quando o governo republicano mandou queimar a documentação sobre a
escravatura, por exemplo), revelam a ideologia racial do branco brasileiro das classes
dominantes, dos intelectuais e técnicos que servem nas instituições de pesquisa
governamentais e privadas16. Os efeitos disso são apontados pelo autor nos seguintes
itens:

1) com a supressão dos dados suprimem-se fatos e, portanto, impede-se de


conhecer a realidade racial do país;

2) o negro e o mulato são uma presença cotidiana, que não se pode negar. Os
cânones metodológicos do técnico ou pesquisador permitem negar a objetividade e a
verificabilidade da cor. Mas o cotidiano desse mesmo técnico, ou pesquisador, mostra a
16
A reação de alguns segmentos da sociedade, supostamente anti-racistas, contra o censo escolar proposto
pelo INEP/2004, que incluiu o quesito cor, é um exemplo de como é conveniente para alguns setores
manter silêncio sobre a situação desfavorável de índios e negros.
41

ele que a cor das pessoas é uma realidade às vezes decisiva;

3) quem decide sobre as estatísticas a serem produzidas são os brancos (ou seus
subalternos), interessados em localizar, dramatizar ou resolver problemas. Os problemas
raciais não são problemas de fácil solução, sejam eles graves ou menores. Além do
mais, a resolução dos problemas do preconceito, discriminação e segregação social
(econômica e política) do negro e do mulato não cai no horizonte da contabilidade de
custos e lucros em que normalmente se coloca o branco das classes dominante;

4) ao branco é conveniente que o negro e o mulato não saibam quantos são, onde
se acham, como vivem e de que forma participam da renda, da cultura e das decisões.

A despeito de todas estas dificuldades em relação aos censos, a Figura 2,17 que
mostra os dados desde o primeiro censo geral em 1872, até o de 1991, revela a
existência de dois momentos distintos: de 1872 a 1950, quando os brancos passam a ser
maioria e crescem em ritmo mais acelerado que pardos e pretos, os primeiros com
situação quase estável; e de 1950 em diante, os brancos, ainda em maior número,
crescem mais rapidamente que antes, porém menos que os pardos, cujo crescimento
passa a ser bastante acelerado; o crescimento dos pretos também diminuiu, mostrando
que o ideal de branqueamento engendrado no século XIX com a crise do escravismo, a
abolição, e a intensa imigração tiveram efeitos na composição sociodemográfica,
importantes na formação do país de enormes contradições entre brancos e negros.

17
REIS, João José. Presença Negra: conflitos e encontros. In Brasil: 500 anos de povoamento. Rio de
Janeiro: IBGE, 2000. p: 94.
42

Figura 2 - Evolução da População Brasileira Segundo a Cor -1872/1991

80

70

60

50

Brancos
milhões

Pretos
40 Pardos
Amarelos
Sem declaração
30

20

10

0
1870 1890 1910 1930 1950 1970 1990

Fonte: REIS, João José/IBGE, 2000. Elaboração Antonia Garcia

O fato é que o crescimento da população branca, desde o processo de imigração


intensiva de europeus no século XIX, parece confirmara estratégia de branqueamento
das elites, desde a crise do escravismo, o movimento abolicionista, a substituição da
mão-de-obra escrava para a livre quando o negro e o mulato perdem, gradativamente,
espaço para o imigrante branco europeu. Mas segundo Ianni (1987, p.23), a abolição e o
próprio abolicionismo explicam apenas parcialmente a transformação do escravo em
trabalhador livre. Para o autor, os processos econômicos e sociais, responsáveis pela
expulsão do escravo da esfera dos meios de produção, são os mesmos que provocam o
afluxo de imigrantes e, em menor escala, o deslocamento de caboclos e roceiros para as
fazendas de café e para os núcleos urbanos.

Analisando a composição étnica da população brasileira de 1872-1940, Costa


Pinto (1998, p.71) mostra a tendência de branqueamento da população brasileira, desde
o século XIX, quando a imigração européia se intensificou às custas dos cofres
públicos: os brancos, que representavam 38,11% da população em 1872, passam a
63,52%, em 1940, enquanto os de cor (pretos e pardos) diminuíram para 35,88%.

Para Costa Pinto (1998, p.72), a tendência à diminuição dos grupos de cor na
massa demográfica do Brasil resulta de diversos fatores, todos atuando no mesmo
43

sentido: a) a contribuição trazida pelos imigrantes, que vem aumentando, quase


exclusivamente a parte branca da população; b) as taxas relativamente maiores dos
pardos e pretos; c) a passagem dos pardos e dos pretos à condição de brancos, em
conseqüência da constante e profunda mestiçagem que vem historicamente operando no
Brasil, entre os grupos étnicos que aqui coexistem.

Mas de acordo com a demógrafa Elza Berquó (2001, p.26), mesmo considerando-
se todas as limitações que podem ser sujeitas as informações nos últimos 50 anos a
estrutura por cor da população foi se alterando significativamente. Considerando-se os
últimos dados censitários, 48% da população se considera negra, ou melhor, parda ou
preta segundo as categorias do IBGE “As populações branca e preta vão reduzindo seu
peso relativo na população total e abrindo espaço para a importância crescente dos
pardos. Essa configuração encontra suporte no crescimento muito diferenciado dos três
segmentos populacionais” (BERQUÓ, 2001, p.26-7).

No Brasil, como sabemos, o racismo institucional é exercido de forma informal,


ao contrário do que ocorreu em países de tradição segregacionista, como Estados
Unidos e África do Sul, onde o apartheid vigorou até 1994. Todavia, os mecanismos de
barragem social brasileiro são muito eficazes, no sentido de favorecer a distância social
na recriação das desigualdades raciais, que permanecem e até se ampliam, ao longo do
século XX, atingindo também os pardos como atestam os estudos sobre desigualdades
raciais. Como vimos, as teses do branqueamento, criadas durante o século XIX, se
fortaleceram com a política imigratória de europeus e a ideologia das elites dominantes
é assimilado pela população parda-negra, que passa a fugir das suas origens étnicas dos
seus ascendentes no Brasil. Os efeitos ideológicos da tese do branqueamento parecem
ter sido ainda maiores do que suas conseqüências sobre o biotipo da população.

A crença no mito da democracia racial é, portanto, estruturante do sentimento de


nacionalidade brasileira, tendo na mestiçagem um fundamento crucial. Além disso,
pelas razões históricas anteriormente apontadas, ou seja, pela forma como se
desenvolveu a economia escravista no Brasil, as migrações resultam também numa
composição racial e distribuição geográfica muito desiguais em todo território nacional,
com os brancos sendo maioria, nas regiões mais desenvolvidas do Sul e Sudeste,
enquanto os negros são maioria nas regiões menos desenvolvidas do Norte e Nordeste,
como atestam os dados do IBGE.

O racismo brasileiro tem perpetuado as desigualdades raciais através do anti-


44

racialismo, que naturaliza tanto as desigualdades raciais como as sociais, confinando


amplos segmentos negros em posições inferiores na hierarquia social, nas duas cidades
que estudamos num contexto mais amplo.

Nossa tentativa, neste estudo, é analisar o fenômeno do racismo numa perspectiva


dialética, apesar das grandes dificuldades teórico-metodológicas que temos, já que o
marxismo não nos forneceu todas as ferramentas de análise para o estudo específico das
questões de raça e de gênero. Mas, se considerarmos, como Pierre Bourdieu (2005,
p.135), que as lutas de classificação são componentes imprescindíveis da formação ou
da destruição das classes sociais, teremos que aceitar que as diferenciações da riqueza
material podem contar tanto ou menos que diferenças de composição das classes sociais
por grupo étnico ou por gênero. O conjunto das representações sobre as classes sociais,
legitimando sua existência ou pondo-as em dúvida, pode sublimar uma forma de
percepção dos grupos em detrimento de outros, de forma autônoma da representação da
riqueza material.

1.3 A Questão Urbana e Suas Abordagens

Na questão urbana restrigimos nossa contextualização ao período do


desenvolvimento da sociedade e do pensamento social e científico dos séculos XVIII e
XIX. “Esse período reflete os impactos da Independência da América do Norte (1776),
da Revolução Francesa e das guerras napoleônicas” entre 1789/1815, (
VASCONCELOS, 1999, p. 27), as mudanças políticas (liberalismo), a Revolução
Industial, a formação do proletariado, as ideologias revolucionárias e reformadoras
(anarquismo, socialismo, sindicalismo de várias tendências), e o crescimento das
cidades, assinalam mudanças importantes que vão influenciar também a nossa
sociedade e o seu pensamento social em geral, e sobre a cidade em particular.

Como assinala Pedro Vasconcelos (1999), “entre os precursores do pensamento


geográfico sobre a cidade”18 estão Conrad Malte-Brun (1775-1826) e Alexander Von
Humboldt (1769-1859), na Geografia; o primeiro, com uma publicação sobre
‘Geografia Universal’ em que constam referências ao Brasil, às cidades do Rio de
Janeiro, São Paulo e Salvador. O segundo, Von Humboldt, foi o fundador da moderna

18
Ver sobre o assunto ENGELS, F. Do socialismo utópico ao socialismo científico (1989), Luis
Machado Neto e Zahidé Machado Neto Sociologia Básica (1976) e Pedro Vasconcelos Dois séculos de
pensamento sobre a cidade (1999).
45

geografia física, sendo sua principal obra Cosmos. Em relação às correntes socialistas,
podem-se observar duas vertentes: 1) socialistas utópicos, que tentavam dar resposta às
dificuldades vividas pelos trabalhadores urbanos, entre os quais se destacam Robert
Owen (1777-1858), Charles Fourier (1772-1837), Victor Considerant (1808-1893) e
Etienne Cabet (1788-1858); 2) socialistas revolucionários, Marx (1818-1883) e Engels
(1820-1895), cujas obras, separadas ou conjuntas, expressam a preocupação com a
questão urbana a partir, principalmente, das condições habitacionais dos trabalhadores.
Para estes autores, a cidade ocidental moderna constitui o local da produção e
reprodução do capital, produto da sociedade capitalista e, portanto, parte integrante de
processos sociais mais amplos.

A Inglaterra, berço da burguesia industrial é estudada por Engels, em 1845, a


partir da situação da classe trabalhadora naquele país. Engels estuda a cidade e ‘conclui
que os operários, naquela época, nada possuiam e viviam dos salários, submetidos às
privações’ (VASCONCELOS, 1999, p. 161-163). Na perspectiva marxista, com a
ascensão da burguesia, a cidade é também o espaço onde se evidencia a exploração dos
trabalhadores e onde, dialeticamente, tal exploração será superada, por meio da
revolução operária.

Entre os autores da sociologia clássica, destaca-se Max Weber (1864-1920),


sociólogo, economista e pensador alemão que procurou aplicar, através da teoria dos
tipos ideais, a teoria da compreensão de Dilthey à sociologia, que concebe a cidade
como tipo-ideal. Na sua forma típica ideal, a cidade caracteriza-se por constituir-se
como mercado, ser centro de atividade religiosa e possuir autonomia política. Na sua
reflexão mais sistemática sobre o tema cidade, procurou compreender o seu papel no
desenvolvimento do capitalismo moderno (MACHADO NETO, 1976, p.28).

Seu contemporâneo, Emile Durkheim (1858-1917), sociólogo e filósofo francês


por sua vez, se interessou pela cidade, graças à atenção que concedeu à morfologia
social como uma das divisões da Sociologia, que estuda a composição das populações
em suas relações com a organização social. Analisa a sociedade em determinado
território, de uma massa de população de certo volume e densidade, concentrada nas
cidades ou dispersa nos campos. Assim afirma:
(..) Este território, suas dimensões, sua configuração, a composição da
população que se desloca sobre sua superfície, são fatores naturalmente
importantes na vida social; este é o substrato e, tal como no indivíduo, a vida
psíquica varia segundo a composição anatômica do cérebro que a sustém, os
46

fenômenos coletivos variam segundo a constituição do substrato social”


(DURKHEIM, 1981, p. 42, 45 e 92-95).
É, portanto, no contexto da anatomia da sociedade, em seus aspectos
marcadamente estruturais, que a cidade surge como substrato da vida social,
acumulando e concentrando parcelas significativas da população.

Ainda no século XIX, nasce na Universidade de Chicago a Escola de Chicago,


através do trabalho de Robert Park, representante de uma corrente da sociologia norte-
americana que toma a cidade como seu objeto privilegiado de investigação, tendo como
orientação central a transposição dos princípios básicos da ecologia vegetal para o
urbano. É um exemplo de aplicação do darwinismo social de Herbert Spencer, em que a
idéia de equilíbrio social e espacial é parte do ideário. Assim, a Escola de Chicago
inaugura uma reflexão peculiar ao tomar a cidade como seu objeto privilegiado de
investigação. A teoria de Robert Park, transpondo princípios básicos da ecologia vegetal
para o estudo do fenômeno urbano, pressupõe uma analogia entre o mundo vegetal e o
animal, de um lado, e o mundo dos homens, de outro. Ou seja, a Escola Sociológica de
Chicago utiliza os conceitos de competição, processo de dominação e processo de
sucessão, para explicar a similaridade entre o mundo animal e o mundo cultural. Os
conceitos de centralização, descentralização e segregação, entre outros, foram
desenvolvidos pelos ecologistas desta escola e até hoje são considerados pelas diversas
correntes que abordam o espaço urbano. Entre os maiores expoentes desta escola estão
Ernest Burgess (1886-1966) e Roderick Mackenzie (CORRÊA, 2000, p.82).

Os estudos sobre as relações raciais brasileiras, com estes pressupostos


metodológicos e teóricos foram utilizados por Donald Pierson19, em estudos sobre a
Bahia. Orientados por Robert Park, antecederam os estudos da UNESCO, dos anos
1950, tendo grande importância na interpretação da sociedade brasileira. Estes estudos
exerceram grande influência entre os pensadores brasileiros, tanto nos estudos de
comunidade, característicos da Sociologia Rural, como nos da Antropologia Urbana,
que continua a usar métodos e alguns conceitos da Escola de Chicago, como por
exemplo a noção de ‘zona moral’ de Park (MACHADO NETO, 1976, p.77 e CORRÊA,
2000, p.82).

Todavia, o empirismo que marca a abordagem da Escola é muito criticado,


sobretudo pela sociologia francesa, mas também pela norte-americana. Louis Wirth

19
Sobre a ampla obra do autor, ver GUIMARÃES, Antonio, Racismo e Anti-Racismo no Brasil, 1999.
47

(1897-1952), outro autor de destaque da Escola de Chicago, fez sua tese de doutorado
sob a orientação de Burgess, mas teve posição oposta à tendência da escola. Para
Charles Wrigh Mills e Floyd Hunter, o urbano deveria ser compreendido como espaço
socialmente produzido, de acordo com os vários modos de organização socio-
econômico-política em que está inserido, e não pelos princípios ecológicos, como
defende a corrente liderada por Park. Se a cidade foi pensada academicamente, sob a
hegemonia da Escola de Chicago, sobretudo nos quadros da sociologia norte-americana,
o pensamento de Marx e Engels foi o que mais influenciou a produção crítica sobre a
cidade, principalmente nas últimas décadas do século XX. Note-se que desde os anos
1950, Costa Pinto (1998, p. 33), em seus estudos sobre os negros no Rio de Janeiro,20
fez crítica à tradição dos estudos étnicos desenvolvidos pela Escola de Chicago, por
conceber “as diferenças raciais como um processo em si mesmo, ou a partir dos efeitos
da dinâmica das interações interétnicas”.

A produção marxista sobre a cidade, que ocorre com a crescente urbanização da


sociedade, tem novas inspirações com os movimentos sociais que emergiram no Maio
de 1968 e que produziram uma série de debates novos dentro do marxismo, levando a
pensar sobre determinadas dimensões do conflito capital e trabalho que não estavam
apenas nas relações de produção.

Os conflitos sociais da esfera cotidiana foram estudados por autores como Henri
Lefebvre, Manuel Castells e Lojkine, por exemplo, que posteriormente vão debruçar-se
sobre a dimensão urbana: os movimentos sociais urbanos, os meios de consumo
coletivo, a estruturação social do território na sociedade capitalista e o papel do Estado
na urbanização, passam a ser temas de importância sociológica. Eles propõem uma
teoria sobre a sociedade contemporânea a partir da leitura sobre o processo urbano
como dimensão nova do conflito social. Analisando os fragmentos da questão urbana
nas obras de Marx e Engels, Henri Levebvre, alertou que estes textos só revelam o seu
sentido se remetidos ao movimento do seu pensamento integral:
Eles nos obrigaram a retomar este movimento, inicialmente perdido, depois
reencontrado. É impossível isolá-los! Retomá-los separadamente seria trair o
movimento que os conduzia e que eles levam avante. Assim, para
compreender o papel econômico das cidades, foi necessário relembrar toda a
teoria da mais-valia, da divisão do trabalho (LEVEBVRE, 1999, p.174).

Em A Questão Urbana, Castells (1983) faz uma revisão teórica desses debates no

20
Segundo Chor Maio, na apresentação do livro de Costa Pinto O Negro no Rio de Janeiro: Relações de
Raças numa Sociedade em Mudança 2ª. edição Editora UFRJ, 1998.
48

seio da corrente marxista, discute criticamente essa abordagema, para concluir que a
cidade não se configura como um objeto científico. Para compreender a organização
social na dimensão urbana, sua relação com a acumulação capitalista, a especificidade
desse processo, o autor busca estudar o processo de acumulação capitalista na
estruturação do espaço. É a partir daí que se pode entender qual é essa especificidade, e
ele conclui que a acumulação urbana, na fase atual, não especifica propriamente o
urbano. O estudo da localização industrial na França revela que a localização das
fábricas obedece muito mais aos requisitos que se exprimem em escala nacional, em
escala regional ou até em escala internacional, do que propriamente em escala urbana.
Isso porque a base tecnológica dessa acumulação capitalista permitia, já naquela época,
ainda quando da implantação das indústrias, uma escala que é muito mais alta do que a
escala de cada cidade separadamente, ao contrário do que ocorria à época do
capitalismo concorrencial.

No capitalismo concorrencial, o processo de acumulação capitalista era local, - o


estabelecimento está perto do mercado consumidor, está perto do mercado de
fornecimento de matérias-primas, um requisito fundamental que orientava a localização
dos empreendimentos. O urbano, na verdade, é a acumulação capitalista em escala de
cada cidade particular. Já a acumulação do capital, na fase do capitalismo de Estado, é
uma acumulação que se dá em escala metropolitana, em escala regional ou
internacional. A organização do processo de acumulação não se dá mais na escala
urbana e isso só se ampliou, com as novas revoluções tecnológicas.

A força do Estado de Bem-Estar Social nas sociedades avançadas, onde questões


de educação, transporte, saúde, e habitação tendiam a ser resolvidas, levou os estudiosos
a buscarem explicação para o fato do capitalismo se desenvolver com tal vigor. Nesse
processo aparentemente contraditório onde o Estado capitalista promove uma série de
bens e serviços fora do mercado, suscitou a necessidade de explicação do papel do
sistema de consumo coletivo nas relações de produção capitalistas. No período, parte da
Europa fazia parte do bloco comunista, dando lugar à nova teoria explicativa do
chamado “capitalismo monopolista de Estado”, que retoma as antigas teses de Lênin
sobre o imperialismo, e a expansão do Estado, e identificou a fase recente do
capitalismo como uma fase nova, onde o Estado tem papel de destaque na sustentação
das formas de acumulação capitalista, principalmente assegurando grandes
investimentos (energia, transporte, água e esgoto, etc) em infra-estrutura urbana o que
49

permitiu a acumulação capitalista privada.

Nesse contexto, surge a idéia de uma transição democrática para o socialismo. Na


Itália, na Espanha, em Portugal e na França, muitos setores acreditam ser possível uma
transição democrática para o socialismo, onde o projeto socialista não contaria somente
com a classe operária como força política, mas também com todas as forças envolvidas
no desenvolvimento da socialização das forças produtivas, que se contraporiam aos
grandes monopólios que barram esse desenvolvimento. A idéia de que seria possível a
aliança, entre o operariado e essas forças capitalistas marginalizadas das formas
dominantes de acumulação, é largamente defendida nesses países.

Em função disso, também os autores marxistas se colocam a necessidade de


estudar as políticas públicas e seus limites, para pensar como o governo, baseado nessa
aliança, poderia acelerar os processos de socialização das forças produtivas e ultrapassar
as relações capitalistas de produção. Houve um grande investimento de alguns autores
marxistas para estudar vários aspectos das políticas públicas no desenvolvimento
urbano. Buscavam analisar quais são os limites da intervenção estatal sob hegemonia do
capitalismo, e como esses limites puderam produzir uma política e um planejamento
diferentes do Estado capitalista, sob a hegemonia dos grandes capitais monopolistas.

Assim, a partir de 1970, a questão urbana passa a ser discutida como uma questão
social, ou seja, os problemas da sociedade relacionados com a questão urbana. A cidade
passa ser expressão da forma como o capitalismo se desenvolve no espaço urbano, e o
tema da segregação passa pela discussão das classes sociais, e, portanto, as questões de
gênero e raça, ainda não fazem parte das preocupações destes estudos.

Os estudos críticos, embora em grande parte sob influência marxista, apresentam


visões distintas sobre a cidade e o urbano. Manuel Castells e David Harvey, assim como
Henri Lefebvre (1972, 1977) e Jean Lojkine (1981) tratam distintamente a questão.
David Harvey problematiza os mecanismos de integração da cidade com seu trabalho
ontológico A Justiça Social e a Cidade, um dos marcos fundamentais da literatura sobre
o espaço urbano, dentro de uma visão crítica, tendo como preocupação central a unidade
do social e do natural. Ali discute o papel dos atores no mercado e o papel do Estado.
Diferentemente de Henri Lefebvre, que analisa a relação campo-cidade, para a situação
cidade-campo, Harvey analisa a relação cidade-cidade, por considerar que o processo de
urbanização tornou-se o centro de atenção da sociedade capitalista contemporânea.
David Harvey discute a metrópole sob três conceitos: 1) conceito de excedente; 2)
50

conceito de desintegração econômica e 3) conceito de organização espacial.

Na constituição da teoria do espaço urbano, Henri Lefebvre (1979, p. 241-291)


busca superar a primazia da categoria das classes sociais, reconhecendo que o conflito
causado pelos antagonismos espaciais atravessa as linhas de classes, porque não é
produzido apenas por relações de produção. Assim, o espaço não é apenas um
instrumento político para homogeneizar todas as partes da sociedade. Determinado
historicamente, o território assume uma espacialidade, que seria a expressão material de
relações sociais. Mostra que a dimensão territorial do conflito social no capitalismo tem
sobrevivido pela produção do espaço e os guetos da elite, da burguesia, dos
trabalhadores imigrantes, etc, todos eles não justapostos, mas hierarquizados, que
recriam espacialmente a hierarquia econômica e social, assim como a oposição entre
setores dominantes e subordinados; que a hegemonia da classe capitalista é renovada,
através dessa segregação espacial, e através dos efeitos da força normalizadora da
intervenção estatal no espaço (LEFEBVRE, 1979, p.291).

Jean Lojkine (1981) analisa o papel dos grandes grupos industriais e financeiros e
como modelaram, em função dos seus interesses de classe, o espaço social. Estuda os
vínculos desses grupos com o Estado capitalista e a segregação social do espaço. Tem
como hipótese que a urbanização, “enquanto forma desenvolvida da divisão social do
trabalho, é um dos determinantes fundamentais do caráter do Estado”. Analisa a política
estatal como organização hegemônica de classes, entendendo o Estado como um lugar
da luta de classes. Através da análise do movimento social urbano busca definir o
Político como o lugar de decomposição do bloco hegemônico dominante, e lugar do
aparecimento de uma nova hegemonia das classes dominadas.

Mas, sem dúvida, entre os marxistas do período, quem mais influenciou os


estudos urbanos em geral, e a América Latina em particular, foi o sociólogo espanhol,
formado na França, Manuel Castells. No prefácio à edição brasileira de 1983, o autor
faz uma autocrítica e ressalta que A Questão Urbana, na realidade, não diz mais que: 1)
a problemática urbana é fundamental em nossas sociedades; 2) certamente, foi tratada
de forma ideológica nas ciências sociais, mas seu interesse e sua especificidade vão
além da deformação da realidade pelo positivismo. Há que se reconhecer os problemas
concretos assim referenciados e buscar categorias adequadas para analisá-los; 3) o
marxismo não proporcionou essas categorias, porque a maior parte dos problemas
urbanos formam parte da esfera da reprodução, uma área em que a contribuição do
51

marxismo é limitada; 4) no entanto, o papel central do Estado, em todo o novo processo


de urbanização, exige uma teoria capaz de integrar a análise do espaço com a das lutas
sociais e dos processos políticos. Por isso, a referência à tradição marxista é obrigatória
como ponto de partida, mas não como última palavra.

O tema da marginalidade é também central na discussão sobre a cidade, na década


de 1970. A análise de Nun (2000) é das mais polêmicas, por seu esforço de tratar a
questão dentro da ótica marxista, e a tese de que o desenvolvimento do capitalismo na
América Latina se processava com uma população excedente, que não poderia ser
resumida ao papel de exército industrial de reserva. Sua hipótese de massa marginal
teve como propósitos: a) evidenciar a relação estrutural que existia entre os processos
latino-americanos de acumulação capitalista e os fenômenos da pobreza e a
desigualdade social, em contraste com as tendências em voga, que faziam recair as
responsabilidades sobre as próprias vítimas (promoção popular, cultura da pobreza, etc);
b) marcar a heterogeneidade e a fragmentação crescente da estrutura ocupacional, com
as conseqüências que estas têm em termos da formação de identidades sociais; c)
assinalar a rápida industrialização, que não absorvia o conjunto dos migrantes que
chegavam às cidades, engendrando novos e crescentes bolsões de pobreza.

Para ele, não era nada secundário que a visão de Marx, de superpopulação
relativa, estava dominada pela modalidade flutuante, já que ele chegou a supor que a
maioria dos trabalhadores, em algum momento de suas vidas, teria a experiência de
fábrica que ele considerava tão crucial para organizar as solidariedades e os
antagonismos. Buscou, assim, chamar a atenção acerca dos modos como incidia a
integração do sistema capitalista, dando lugar, por exemplo, a mecanismos de
dualização e de segregação da força de trabalho, que eram muito menos sobrevivências
do passado que expressões de um presente já moderno (NUN, 2000, p.294-95).

O capitalismo contemporâneo na sua visão, ao incorporar a ciência e a tecnologia


ao processo de acumulação, aumentou a qualificação dos trabalhadores e criou uma
sedimentação no mercado de trabalho: trabalhadores simbólicos (capazes de traduzir as
informações), núcleo e várias periferias. Há uma desqualificação permanente (caso da
informática) da força de trabalho. O capitalismo, na fase presente, ao contrário do
século XIX, é heterogêneo e fragmentado. Há uma enorme fragilização do trabalho e a
massa marginal, hoje, não é sinônimo de mercado informal. O trabalhador funcional não
é problema para o capitalismo, mas o disfuncional sim, na medida em que possa
52

ameaçar o capital. Ele não acredita no fim do trabalho assalariado, mas acredita que o
modo de coesão da sociedade salarial muda com a fragmentação da força de trabalho.

Wacquant (2001, p. 163-64), com o conceito de marginalidade avançada,21


analisa as novas formas de ‘encerramento social excludente’ e de marginalização que
surgiram – ou intensificaram-se na cidade pós-fordista. Para ele, esse processo não é
resultado do atraso, mas das transformações desiguais e desarticuladas dos setores mais
avançados das sociedades e economias ocidentais que, a partir da década de 1980, criou
a auto-imagem das sociedades do Primeiro Mundo como cada vez mais pacíficas,
homogêneas, coesas e igualitárias. Esta auto-imagem, contudo, vem sendo destruída por
explosões de desordem pública, por crescentes tensões etnorraciais e pelo ressurgimento
evidente de desigualdade e marginalidade das metrópoles. Neste contexto se produziram
dois debates: 1) nos EUA e na Europa Ocidental, sobre a inserção da pobreza, ‘raça’ (ou
imigração) e decadência urbana; 2) o desemprego estrutural, a privação social e os
conflitos étnicos ou raciais que aumentavam nas grandes cidades de ambos os lados do
Atlântico.

Assim, o tema da dualização torna-se central, na preocupação de muitos


pesquisadores. Juntos, estes fatos pareciam indicar uma convergência mundial notável
do padrão de marginalidade urbana. Contudo, a comparação entre os bairros de exclusão
no Cinturão Negro de Chicago e no Cinturão Vermelho de Paris, mostra que a
decadente periferia metropolitana francesa e o gueto afro-norte-americano são duas
constelações socioespaciais distintas, com heranças urbanas diferentes, produzidas por
lógicas diferentes de segregação e agregação.

Fiori (2001) discute a marginalidade, a partir do trabalho de Celso Furtado, e


analisa a construção da nação brasileira como uma “construção nacional interrompida”,
o que permite a retomada do debate, tema recorrente nas ciências sociais brasileiras, e
radicaliza a posição contra a teoria da dependência, negando a existência de um
capitalismo nacional. Nesse sentido, afirma:
(...) se olharmos com cuidado para a hegemonia do projeto liberal da década
de 90 das nossas elites econômicas e políticas e dos seus intelectuais
orgânicos, podemos inclusive pensar que se trata, ainda, de uma das mais
acabadas obras ‘modernistas’. Nessa direção, pode-se levantar a hipótese de
que o pais, hoje, está sendo conduzido por uma aliança verdadeiramente
‘antropofágica’e bem-sucedida entre o ‘cosmopolismo’dos jardins paulistas,
atrelado às ‘altas finanças internacionais’, e o ‘localismo’ dos donos do

21
Indica que formas de marginalidade não estão em nosso passado, nem vêm sendo absorvidas
progressivamente, pela expansão do ‘livre mercado’ e braços do Estado de Bem-Estar Social.
53

‘sertão’ e da ‘malandragem’ urbana. Tal aliança de poder estaria


conseguindo, finalmente, concluir a construção interrompida de um projeto
secular de inserção internacional e transnacionalização interna dos centros de
decisão e das estruturas econômicas brasileiras (FIORI, 2001, p.180).

Com a noção de espoliação urbana, Kowarick (1988) nomeia um processo


eminentemente urbano de exploração da força de trabalho, que opera mediante a
inserção precária dos trabalhadores na cidade. O autor, ao analisar as complexas
relações entre as dimensões econômicas, territoriais e políticas do desenvolvimento
urbano brasileiro, mostra a pertinência e a especificidade do urbano, como objeto de
pesquisa e recorte teórico. Influenciado pelo pensamento marxista estruturalista francês,
seu estudo analisou o modelo de urbanização resultante do “milagre brasileiro”, a partir
do papel da acumulação capitalista, da ação do Estado e dos meios de consumo coletivo.

Discutindo paradigma da sociedade dual Luciana Lago (2000, p.208), questiona


“a noção de desigualdade e segregação socioespaciais apontados pela literatura, como
típicos dos impactos da reestruturação econômica nas grandes cidades. Assim, a
segregação ocorreria como uma forma extrema de desigualdade, e o impacto espacial da
tendência à dualização social seria, numa extremidade, a apropriação cada vez mais
exclusiva dos espaços mais valorizados pelas funções ligadas ao consumo e à moradia
de luxo e, na outra, a conformação de espaços exclusivos da pobreza. Maricato (1996)
observa que a concentração homogênea e segregadora de pobres não se deve somente à
ausência do Estado, porque as políticas habitacionais oficiais promoveram, com muita
freqüência, esse fenômeno em todo o mundo. No caso brasileiro, afirma: “Na história da
política habitacional brasileira, a má localização (segregação ambiental) dos conjuntos
habitacionais tem sido mais regra esmagadora do que exceção” (MARICATO,1996,
p.90-91).

Na mesma direção, Luiz Cesar Ribeiro (2000, p.65) destaca os pontos centrais do
debate acadêmico contemporâneo: 1) os analistas da global city (Sassen, 1991;
Marcuse, 1987; Van Kempen e Marcuse, 1997; Borja e Castells, 1997) postulam que
vem ocorrendo a transformação do papel das cidades, que passam a integrar redes de
economia em escala mundial, a divisão social e espacial do trabalho, ou seja, a
globalização das economias urbanas levaria a uma estrutura bimodal, tanto em termos
da estrutura socioprofissional, quanto em termos da distribuição da renda. Outros
autores que estudaram Londres e Paris (Hamnett, 1995 e Preteceille, 1993 e 1995),
respectivamente, não observam essa bipolarização das estruturas sociais e espaciais,
54

mas ao mesmo tempo que constatam o crescimento das desigualdades sociais em termos
de renda; 2) estudos sobre a reconfiguração das “classes médias” e do operariado
industrial, em razão das transformações da estrutura produtiva e dos padrões
organizacionais e tecnológicos: expansão da economia de serviços, informatização,
automação dos escritórios, privatização dos serviços sociais, etc. Essas conclusões,
divergentes ou até contraditórias, observa Ribeiro, decorrem, provavelmente, do uso de
matrizes teóricas diferentes (pós-industrialismo x pós-fordismo) e da análise de casos
diferentes de globalização (globalização financeira x globalização produtiva); 3) uma
terceira corrente privilegia os efeitos territoriais da globalização das economias urbanas.

Desse modo, a literatura tem apontado a emergência de fraturas na antiga ordem


socioespacial da cidade fordista, caracterizada até então pelas desigualdades e, ao
mesmo tempo, por tendências integradoras. “As transformações econômicas e o recuo
da função regulatória do Estado fazem surgir um cidade pós-industrial, marcada, ao
contrário, por movimentos fragmentadores da ordem espacial, em que cada pedaço
tende a se organizar por dinâmicas próprias” (RIBEIRO, 2000, p. 68). Nesse cenário,
afirma Ribeiro, emergem conceitos para explicação das configurações espaciais
produzidas pela globalização e a reestruturação, tais como: quartered city – luxury city,
gentrified city, yuppies, tenement city, suburban city, economic or racial ghetto
(Marcuse, 1989 e Kempen, 1997); e dual city Mollenkopf e Castells (1991).

Ainda de acordo com Ribeiro (2000, p. 68-69), não há consenso sobre as análises
de uma cidade globalmente fraturada e diferenciada em lógicas de ocupação do
território e tipos sociais que se justapõem. Valtez (1996) e Preteceille (1993) têm
observado que os espaços das cidades, que estão no centro da globalização e
reestruturação produtiva, tornam-se na verdade mais homogêneos, quando examinados
na escala macro e, simultaneamente, mais fraturados, quando se faz a observação em
escala micro. Diante desse quadro, Ribeiro (2000, p. 69) propõe uma possibilidade
teórico-metodológica que considere ambas as escalas: 1) analisar o conjunto da cidade
para avaliar os impactos das transformações econômicas sobre a sua estrutura sócio-
espacial; 2) ao mesmo tempo, avaliar as tendências à fragmentação que implica também
examinar as mudanças socioespaciais na escala micro, procurando entender o que se
passa nos pedaços da cidade como resultado dos efeitos concentrados das mudanças
globais.

Para Milton Santos (1979), as condições de evolução da economia moderna e o


55

enorme peso de uma população urbana com baixo nível de vida, que não poderia deixar
de aumentar com a chegada maciça de migrantes vindos do campo, acarretaram a
existência, ao lado do circuito moderno, de um circuito econômico não moderno. Santos
(1994, p.74) chama a atenção sobre o final deste século e o papel fundamental que a
ciência, a tecnologia e a informação têm na vida humana e na lógica espacial das
cidades nas sociedades contemporâneas:
Na cidade, as formas novas, criadas para responder às necessidades
renovadas, tornam-se mais exclusivas, mais rígidas materialmente e
funcionalmente, tanto do ponto de vista da sua construção quanto de sua
localização. Disso advém uma diferença essencial entre as cidades -
sobretudo as grandes cidades – da fase histórica imediatamente anterior e do
período atual. Isso também serve para distinguir, grosso modo, as metrópoles
dos países desenvolvidos e as dos países subdesenvolvidos. Nascer cidade e
tornar-se lentamente metrópole e, em seguida necrópole, segundo Lewis
Mumford, seria o destino final da evolução das grandes cidades européias e
norte-americanas. Podemos dizer que no Terceiro Mundo as cidades
destinadas a ser grandes crescem rapidamente: e rapidamente se transformam
em necrópoles, se já não nasceram assim (SANTOS, 1979, p.154).
Analisando as transformações ocorridas ao longo do século XX, Afrânio Garcia
Jr. e Moacir Palmeira (2000) confrontam a situação do mundo rural brasileiro do início
e do fim do século passado, e constatam a profundidade de certas transformações,
também associadas à recriação, em escala ampliada, da hierarquia e da desigualdade,
que caracterizam tal universo, desde o início da colonização, não sendo, porém, um
processo unilinear e mecânico, como alertam. Se em 1940, 70% da população residia no
campo, em 2000 esse contingente se restringe a 22%. O movimento contínuo de
deslocamento das residências do campo para a cidade resulta em grandes mudanças no
território:
Como resultado da industrialização acelerada entre 1930 e 1980, o centro
dinâmico da economia e os poderes social, cultural e políticos vão se localizar
nas grandes metrópoles, com a reconstrução do Estado nacional e a ampliação
de suas áreas de intervenção, com a criação de universidades e a
reorganização do sistema de ensino em bases nacionais , com o surgimento de
partidos políticos e movimentos associativos em escala especificamente
nacional (GARCIA Jr e PALMEIRA, 2001, p.41).
Cabe assinalar, por conseguinte, que as transformações que atingem o mundo
rural repercutem diretamente sobre o tipo de crescimento das cidades brasileiras, desde
os anos 1940. As relações cidade-mundo rural são tão importantes para se entender o
crescimento urbano quanto as reestruturações do mundo industrial anteriormente
estudadas. Como assinala Max Weber, as cidades constituem centros políticos,
econômicos, religiosos e culturais de espacialidades que as transcendem.

Como vimos, a literatura nacional e internacional sobre a questão urbana tem


56

distintas abordagens, sobretudo em relação à natureza racial ou étnica do fenômeno.


Manuel Castells (1983, p.210) tratou a questão da segregação urbana, como a
distribuição das residências no espaço, como produtora de sua diferenciação social e
que especifica a paisagem urbana, pois as características das moradias e de sua
população estão na base do tipo e do nível das instalações e das funções que se ligam a
elas. Na sua abordagem, a distribuição dos locais residenciais segue as leis gerais da
distribuição dos produtos e, por conseguinte, “opera reagrupamentos, em função da
capacidade social dos indivíduos, isto é, no sistema capitalista, em função de suas
rendas, de seus status profissionais, do nível de instrução, de filiação étnica, da fase do
ciclo de vida, etc”. O autor associa a estratificação urbana à estratificação social, e
considera que há segregação urbana quando a distância social tem uma expressão
espacial forte. Num primeiro sentido, entende segregação urbana como a tendência à
organização do espaço em zona de forte homogeneidade social interna e com intensa
disparidade social entre elas, e estas disparidades são compreendidas, não só em termos
de diferença, como também de hierarquia.

Ressalta, contudo, que se é esta a tendência geral, ela não explica por si só a
composição do espaço residencial de um aglomerado concreto e nem mesmo o que ele
possui de mais significativo, pois, por um lado, “sendo a cidade um emaranhado
histórico de várias estruturas sociais, há misturas e combinações particulares na
distribuição das atividades e dos status no espaço”. Por outro lado, toda sociedade é
contraditória, “e as leis gerais do sistema são apenas tendências, quer dizer, elas se
impõem na lógica da reprodução, se as práticas, socialmente determinadas, não vierem a
se opor a tais tendências”. Para ele, isso significa que existe, por um lado, “a interação
entre as determinações econômicas, políticas, ideológicas, na composição do espaço
residencial, e, por outro, um reforço da segregação, um transbordamento de seus limites
tendenciais ou modificação dos fatores de ocupação do solo, segundo a articulação da
luta de classes no local de residência” (CASTELLS, 1983, p.210-11).

Jean Lojkine (1981), por sua vez, analisa o processo de segregação social
produzido pela política urbana com o método do materialismo histórico, e apresenta,
como principal hipótese, que a urbanização como forma desenvolvida de divisão social
do trabalho é uma das componentes fundamentais da ação do Estado, onde o urbano é
bem mais do que campo de aplicação da política estatal, é um momento da sua análise,
um componente-chave “se a política urbana capitalista não é uma planificação – no
57

sentido de um domínio real da urbanização – nem por isso deixa de responder a uma
lógica: à da segregação social”.

Jordi Borja e Manuel Castells (1997, p.1-3) ressaltam que, nos últimos anos do
século XX, a globalização da economia e a aceleração do processo de urbanização têm
incrementado a pluralidade étnica e cultural das cidades, através do processo de
migrações nacionais e internacionais, que conduzem à interpenetração de populações e
formas de vida díspares, no espaço das principais áreas metropolitanas do mundo. “O
global se localiza de forma socialmente segmentada e espacialmente segregada”. No
artigo em que os autores analisam a cidade multicultural, afirmam que o racismo e a
segregação urbana existem em todas as sociedades, mas nem sempre seus perfis são tão
marcados, nem suas conseqüências tão violentas, como as que se dão nas cidades norte-
americanas. Entre os países latino-americanos, observam que:
(...) o Brasil é uma sociedade multicultural, em que os negros e mulatos
ocupam os níveis mais baixos da escala social. Porém, ainda que as minorias
étnicas também estejam espacialmente segregadas, tanto entre regiões do país
como no interior das regiões metropolitanas, o índice de dissimilaridade, a
que mede a segregação urbana é mais inferior aos das áreas metropolitanas
norte-americanas (BORJA e CASTELLS, 1997 p. 8).

Esta visão está de acordo com a conclusão de Edward Telles (2003), que conclui
ser a segregação mais moderada no Brasil do que nos Estados Unidos, e este fato deve-
se a mistura espacial do país e à ausência de iniciativas oficiais específicas, no sentido
de implementação de segregação, nos moldes dos Estados Unidos. Contudo, o índice de
isolamento para negros (demonstra em que medida uma pessoa negra média em áreas
urbanas tem vizinhos brancos) afirma, mostra que onde a população negra é maioria,
como em Recife, Salvador, Fortaleza e Belém, os índices de exposição que se
equiparam aos padrões dos Estados Unidos, ou seja, o contato de negros com brancos é
quase tão limitado quanto nos Estados Unidos. Em relação a Salvador o autor afirma:
(...) com o resultado de 82, a cidade apresenta o maior índice de isolamento
espacial de negros do Brasil e a probabilidade de que pretos e pardos vivam
próximos a outros negros é semelhante ao isolamento de Chicago (83), a
região metropolitana mais segregada dos Estados Unidos. No entanto, ao
passo que o restrito contato interracial nos Estados Unidos é determinado
principalmente pela discriminação imobiliária, no Brasil as situações
comparáveis, quando existem, decorrem basicamente da preponderância
numérica de negros nessas áreas urbanas (TELLES, 2003, p.172-73)
Na perspectiva de uma análise de classe Corrêa (2000, p.66), mostra que a
segregação residencial implica necessariamente separação espacial das diferentes
classes sociais fragmentadas. A separação, por sua vez, origina padrões espaciais, ou
seja, “as áreas sociais que emergem da segregação estão dispostas espacialmente,
58

segundo uma certa lógica e não de modo aleatório”. O autor analisa brevemente três
modelos formalizados por Kohl, Burggess e Hoyt,22 a partir de evidências empíricas
sobre a distribuição das classes sociais e suas frações na cidade. De acordo com esta
proposta, a segregação pode seguir três modelos:

1) A cidade era marcada pela segregação da elite junto ao centro (localização das
principais instituições urbanas – o governo através do palácio, a Igreja, as instituições
financeiras e o comércio a longa distância) -, enquanto na periferia viviam os pobres. As
evidências empíricas ficam por conta da ocorrência desse padrão, em cidades africanas
latino-americanas do período colonial, Moscou do final do século XIX, até a atualidade,
cidades do sul dos Estados Unidos, anteriormente à Guerra de Secessão, etc.

2) Com base nas grandes cidades norte-americanas da década de 1920, E. W


Burgess formaliza um padrão de segregação residencial, em que os pobres residem no
centro e a elite na periferia da cidades, em aprazíveis subúrbios. O abandono do centro,
pela elite, leva a degradações dos prédios e da infra-estrutura ali localizada, tal como
descritas e analisadas por Engels para as cidades inglesas da década de 1840. Seria uma
seqüência evolutiva da organização espacial da cidade, que gera polêmica entre os
estudiosos do espaço urbano.

3) O modelo de Hoyt (1939), que concebe a segregação residencial, não como um


padrão em círculos em torno do centro, mas em setores a partir do centro. As
residências de alto status localizam-se no setor de maiores amenidades, cercadas pelos
setores de médio status. Diametralmente oposto, encontra-se um amplo setor habitado
pela população de baixo status.

Estes três modelos, contudo, devem ser vistos como possibilidades teóricas, e não
como padrões caracterizados cada um pela exclusividade descritiva da realidade urbana,
alerta Corrêa (2000, p.73-76), que vê a coexistência dos três padrões nas cidades latino-
americanas e aponta uma interessante periodização do espaço urbano latino-americano
onde, em cada período, há um correspondente arranjo espacial, realizado por Oscar
Yujnovsky (1971). É importante observar que a referida periodização nos remete ao
processo de formação da sociedade brasileira. Além disso, as cidades objeto de nosso
estudo, Salvador e Rio de Janeiro, estão no centro desse processo como cidades capitais
em quase cinco séculos de existência do Brasil.

22
Ver análise de CORRÊA (2000) sobre o assunto.
59

Segundo ele, a cidade da América Latina passou por três períodos: o primeiro
estende-se do século XVI até por volta de 1850 – genericamente período colonial. A
configuração da cidade apresentava a elite residindo no centro, e a segregação está
fundada e legitimada pela Lei das Índias, que mostra, entre outros aspectos, como deve
ser a organização sócio-espacial da cidade. O segundo período estende-se de mais ou
menos 1850 a 1930. Com a independência, o crescimento da produção visando à
exportação de produtos tropicais, afetou as principais cidades, tanto em termos sociais
como funcionais e espaciais.

Ainda segundo Corrêa, de um lado, no período que se inicia em 1930, acentua-se


a determinação dos setores preferenciais das populações de alto status; por outro lado, o
intenso processo migratório em direção às cidades culmina num poderoso processo de
periferização, com loteamentos populares e autoconstrução, ou na difusão de conjuntos
habitacionais, também periféricos, construídos pelo Estado, ou ainda a expansão das
favelas próximas a bairros de alto status..

Todavia, não há dúvida que é na sociedade norte-americana, onde mais se estuda a


segregação residencial e se afirma a sua existência pela própria natureza das relações
raciais, engendradas historicamente, cujos padrões são bem definidos no espaço urbano.
Esta posição é o contrário do Brasil, que produziu relações raciais marcadas pelo
dogma, como a proximidade dos pólos opostos, bastante ambígua que com maestria,
mantém as distâncias sociais e raciais sem conflitos abertos. Loïc Wacquant (2001),
analisando os guetos nas cidades, e em particular o apartheid norte-americano, mostra
que “enquanto persistirem as estruturas residenciais e de interação do apartheid norte-
americano a oposição dicotômica que existe entre brancos e negros, a realidade objetiva
continuará a reproduzir-se” (MASSEY apud WACQUANT, 2001, p. 147-148). Isso
contraria a maioria dos estudos urbanos brasileiros, pois estes autores mostram a
sociedade americana contemporânea bastante segregada e segregadora, mesmo depois
de abolir a formalidade do processo. Evidentemente é necessário distinguir os processos
de formação das sociedades, inclusive na sua condição de escravizador e escravizado e
conseqüentemente os dintintos padrões de segregação espacial e discriminação racial
nas sociedades de passado igualmente escravista, e, portanto, as análises não podem
esquecer das singularidades sociais, culturais e econômicas de cada sociedade.

Ressalte-se também que Munique Pinçon-Charlot e Michel Pinçon, após


estudarem as dinâmicas dos bairros ocupados pelas classes abastadas de Paris,
60

condensaram em um pequeno tese – Sociologie de Paris – as análises empiricamente


fundadas sobre a metrópole francesa. Demonstraram como o desenvolvimento de Paris
seguiu um padrão em espiral ou caracol, recriando ao longo do tempo a oposição entre
“les beaux quarters” reservados à burguesia e os bairros proletários. Esta oposição é
visível hoje, em espaço que vai além da avenida periférica, que demarcava a antiga
cidade, opondo os subúrbios chiques do oeste parisiense às “banlieus” degradados e
palco de rebeliões noturnas no leste e no norte de Paris (M.Pinçon-Charlot e M. Pinçon,
2004).

No Brasil, os estudos sobre o urbano, a periferia e a pobreza urbanas são bastante


tratados pela sociologia, sobretudo a partir da década de 1970, mas em geral tendo como
características: favela; ação governamental; periferia: loteamentos e auto-construção;
moradia e trabalho; uso do solo; movimentos sociais urbanos ligados à questão da
habitacional; e estudos mais gerais (VALLADARES e FIGUEIREDO 1987, p.38-68).
Essas características parecem mantidas, pois os poucos estudos que tratam da
segregação residencial não abordam a questão racial-étnica. Com razão, Carlos
Hasenbalg (1992, p.10) critica a ausência da categoria raça nos estudos acadêmicos de
diversas áreas:
(…) No Brasil tudo se passa como se a magnitude dos problemas sociais e
econômicos enfrentados pelo país jogasse para um futuro indefinido a
discussão sobre o racismo, um problema aparentemente menor, quase que já
resolvido pela nova Constituição no seu art.5o, parágrafo XLII. Sendo assim,
continuam a aparecer interessantes relatórios de pesquisa sobre trabalhos de
campo em favelas que sequer mencionam a composição racial das mesmas,
nem questionam por que há tantos negros e mestiços favelados
(HASENBALG, 1992, p.10).
Em Salvador, atualmente a cidade mais negra das Américas, e mesmo fora da
África, os estudos sobre o urbano em geral não têm um recorte racial e seguem a
abordagem de classes sociais (SOUZA, 1992 e 2000; MATTEDI, 1979 e BORGES,
1988), assim como os realizados sobre o Rio de Janeiro, como pode ser constatado pelos
catálogos da URBANDATA, etc).

As exceções ficam com os estudos sobre as relações raciais, é claro, e os estudos


históricos sobre a escravidão, que não poderiam evitar o elemento fundamental da
sociedade escravista: o índio e o africano: Kátia Mattoso (1992), que tem estudos mais
amplos sobre a escravidão na Bahia, e Maria de Lourdes Costa (1988), que estuda a
moradia do escravo, seguem a tendência dos estudos históricos do período escravista,
que permitem, de alguma forma, compreender as origens da moradia na cidade; Ana
61

Fernandes e Marco Aurélio Gomes (1993), além é claro, dos estudos clássicos de
Donald Pierson (década de 1930) e Thales de Azevedo, que estudou a dinâmica da
ascensão social dos negros (década 1950), já citados.

É importante destacar, todavia, o estudo pioneiro de Luiz Costa Pinto (1998), na


década de 1940, sobre os negros no Rio de Janeiro e, principalmente sua abordagem de
segregação urbana e sua natureza racial. Com mais de meio século, esta obra continua
bastante atual e o tema segregação residencial de recorte racial, apesar das muitas
controvérsias suscitadas, reflete o modo pelo qual a sociedade brasileira se interpreta
racialmente. Esudos que se iniciam atualmente com essa abordagem, a exemplo das
pesquisas sobre as metrópoles brasileiras desenvolvidas pelo IPPUR – Instituto de
Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Fedral do Rio de Janeiro,
em particular, pelo Observatório das Metrópoles tendem a crescer e contribuir para
melhor compreender a sociedade urbana.

1.4 Articulação das Categorias: Raça-Classe-Gênero

Como vimos anteriormente, os estudos sobre raça e relações raciais na sociedade


brasileira produziram importantes reflexões sobre o caráter da nossa sociedade e
seguem, em geral, três tendências: a que sofre forte influência de Freyre; a que vincula a
questão racial à classe, e aquela que compreende que raça ou cor são determinantes nas
desigualdades sociais. Uma tendência mais recente é aquela que propõe a articulação
dessas categorias, além do gênero. É relevante ressaltar a relevância dos estudos sobre
as relações raciais e de gênero, apresentados no Primeiro Simpósio Internacional “O
Desafio da Diferença: Articulando Gênero, Raça e Classe”, realizado em Salvador, em
abril de 2000, numa promoção do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais,
Programa “A Cor da Bahia”, da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, com o
patrocínio de várias instituições, entre elas o CNPq e a CAPES.

Os trabalhos apresentados tentaram mostrar a relevância científica de articular


estas categorias, propondo, portanto, um novo caminho teórico-metodológico, que
permita estudar categorias de análise antes negadas pelas ciências como gênero e raça, e
portanto, a situação específica da mulher negra. Como se sabe, as mulheres negras
representam uma componente fundamental das chefes de família de áreas periféricas e
invasões de Salvador (Bahia), e em todo Brasil elas compõem a mais baixa hierarquia
social, como mostram vários estudos, inclusive os apresentados no referido simpósio.
62

Somente para ilustrar, transcrevemos abaixo o trecho da música de um rap, o


estudante Wagner Maciel, jovem negro de 21 anos, morador do Engenho Velho de
Brotas, Salvador, que participa do projeto Passaporte do Futuro, uma iniciativa da
Secretaria Municipal de Reparação Racial que mostra como a questão começa a ter
importância para diferentes segmentos sociais:

Esperança/Esperança/Esperança de ser feliz/Esperança/Esperança de ter um


melhor país/Em ritmo de rap vou falar agora/Cidadania, raça/muita calma
nessa hora/Também não esquecendo gênero, etnia ...(A Tarde, 11/10/2004).
Nosso estudo procura, portanto, compreender que embora a dominação baseada
na raça e no gênero não tenha a sua gênese no capitalismo, este passa a se sustentar e
retroalimentar através da segregação sócio-racial de vários tipos. A tríade, dominação
masculina, dominação de raça e dominação de classe mesmo sendo anteriores ao
capitalismo, torna-se um dos pilares da sociedade moderna, recriando modos de
dominação, como mostram os dados sobre a distribuição da pobreza no mundo que
atinge, principalmente, as mulheres negras e países da África, por exemplo, e precisam
ser considerados e enfrentados em suas reais dimensões.

Além disso, a nossa formação sócio-histórica tem suas singularidades associadas à


força do mito da democracia racial baseado na miscegenação, ocorrida historicamente,
que representa um divisor de águas entre estudiosos da questão urbana brasileira,
sobretudo quando se coloca a questão da segregação urbana de recorte racial, como
vimos anteriormente.

Esta perspectiva analítica tem contribuído para que o tema do combate às


desigualdades seja de gênero, raça ou de qualquer outra forma correlata de intolerância
à diversidade que tem crescido, e influenciado pautas e agendas do debate público
brasileiro, embora ainda seja tratado de forma fragmentada. Nesse contexto, estudos que
propõem a superação da dicotomia raça-classe e/ou classe-gênero, para pensar as
desigualdades raciais, de classe e de gênero, como fenômenos multifacetados e
interdependentes, na determinação das desigualdades sociais, são fundamentais para
compreender eficácia de políticas que enfrentem o problema.

Não se trata, é bom lembrar, do retorno à homogenização do sujeito social, mas da


valorização da igualdade na diversidade, da busca de projetos comuns dos subalternos.
Pelas razões apresentadas ao longo deste texto, no nosso estudo, adotamos como
estratégia de pesquisa a articulação das categorias classe e raça, no plano geral, para
63

explorar a articulação delas nas desigualdades e segregação urbana e possível natureza


racial do fenômeno. Romper as barreiras das desigualdades e tornar-se protagonista da
própria história é o desafio dos subalternos da nossa sociedade.

Finalmente, cabe ressaltar que, apesar do nosso estudo não ter o recorte de gênero,
consideramos esta abordagem fundamental, principalmente para compreender a
condição da mulher negra que ocupa a pior posição na estrutura social, sendo vítima da
opressão social nas três principais dimensões: gênero, raça e classe. Nesse sentido,
julgo fundamental a crítica de colegas feministas, como Ana Martinez (1995, p.14), de
que muitas das ciências humanas, como a geografia, têm considerado a sociedade como
um conjunto neutro, assexuado e homogêneo, sem entender as profundas diferenças
entre homens e mulheres na utilização do espaço. Na mesma perspectiva, Alejandra
Massolo afirma que homens e mulheres percebem e usam a cidade de maneira diferente,
mesmo quando pertencem à mesma classe social, raça ou etnia, zona habitacional ou
bairro (MASSOLO, 1992, p. 13-14).

Desse modo, o nosso estudo busca uma análise dialética entre as raças e as classes
sociais na apropriação do espaço urbano, suas posições e práticas desiguais,
reconhecendo a existência de um sistema social de classificação que tem como
gradiente de diferenciação da cor da pele um dos elementos centrais à produção das
desigualdades sócio-raciais-espaciais. Portanto, nosso esttudo, à luz da revisão
bibliográfica, analisa a interação das determinações, na composição do espaço
residencial nos aspectos econômico (divisão do trabalho, classes sociais; político:
representação das classes e raças; ideológico: (instituições e associações de produção e
reprodução do racismo e da pertença de classe, escola, meios de comunicação, Estado
etc), modificação dos fatores de ocupação do espaço, segundo o movimento da luta de
classes e movimento de corte racial no local de moradia.
64

CAPÍTULO 2 SEGREGAÇÃO URBANA: SALVADOR E RIO DE JANEIRO

Neste capítulo procuramos traçar um perfil das cidades do Rio de Janeiro e de


Salvador, enfocando seu papel histórico como centros estratégicos do processo de
dominação portuguesa, como capitais ao longo do período colonial e imperial, e,
contemporaneamente, como metrópoles das mais importantes do país, ocupando a
segunda e a terceira posições, respectivamente, portanto, atrás apenas de São Paulo,
uma das maiores metrópoles do mundo. Primeiramente, apresentamos as contribuições
teóricas do pensamento sobre essas cidades, no seu recorte mais contemporâneo. Em
seguida, analisamos, através de alguns pressupostos teóricos baseados nesta revisão, os
dados empiricos, elaborando um perfil, de ambas as cidades, que permita compreender
as desigualdades raciais e a segregação, estudando as semelhanças e as singularidades
de cada uma delas.

Dentro da literatura mais especializada, analisamos os processos da segregação


residencial, a expressão espacial das distribuições de raças e classes sociais e seu peso
na segregação residencial, o peso da variável raça na produção das desigualdades no
espaço urbano, as diferenças e hierarquias entre moradia popular, camadas média e alta,
e segregação em nível de apropriação de equipamentos coletivos. Utilizaremos o
conceito de segregação pensado através do uso das perspectivas de Lefebvre, Castells,
Lojkine, Costa Pinto, Harvey e Corrêa, principalmente.

Finalmente, a partir das diferentes abordagens sobre a questão urbana e racial


anteriormente apresentadas, analisamos os dados empíricos à luz da concepção de
segregação residencial, com a seguinte perspectiva: segregação residencial como
decorrência das desigualdades de classes, o que implica, necessariamente, separação
espacial das diferentes classes sociais fragmentadas no espaço: a) segregação como
decorrência das desigualdades raciais reproduzidas pelo racismo; b) segregação como
distribuição desigual dos equipamentos e serviços que seguem as leis gerais da
distribuição dos produtos e, por conseguinte, operam reagrupamentos em função da
capacidade social dos indivíduos, isto é, no sistema capitalista, em função de suas
rendas, de seus status profissionais, do nível de instrução, de filiação étnica, da fase do
ciclo de vida, etc (CASTELLS, 1983, p.210-11; CORRÊA, 2000, p. 9 ). c) Segregação,
no sentido de PINTO (1998, p.127) conseqüência dos antagonismos que existem numa
65

sociedade repleta de diferenciações e oposições internas, que reage sobre a própria


estrutura que a engendrou, condicionando, historicamente, o surgimento de tipos sociais
definidos, que se manifestam de diversos modos – na forma da habitação, no vestuário,
na gíria, na mentalidade, nos costumes -, em tudo, finalmente em que se pode distinguir
estilos de vida diferenciados; é possível distinguir na expressão um sentido transitivo: a
segregação como processo segregador; e um sentido substantivo: a segregação como
coisa ou estado segregado, dado o fato objetivo que resulta daquele processo; e) os
guetos da elite, da burguesia, de trabalhadores imigrantes, etc., todos eles não são
justapostos, são hierarquizados e reproduzem espacialmente a hierarquia econômica e
social, particularmente a oposição entre setores dominantes e subordinados. A
hegemonia da classe capitalista é recomposta através dessa segregação espacial e
através dos efeitos da força normalizadora da intervenção estatal no espaço, conforme
Lefebvre, apud Gottdiener, (1993, p.131), assim como a força normalizadora de deter,
de forma exclusiva, os territórios urbanos característicos de “bem viver” do “bom
gosto” (Pierre Bourdieu, 1979); f)

Na perspectiva de David Harvey, como aponta Corrêa (2000), a segregação


residencial significa: 1) a diferenciação residencial deve ser interpretada em termos das
relações sociais dentro da sociedade capitalista; 2) as áreas residenciais fornecem meios
distintos para a interpretação social, a partir da qual os indivíduos derivam seus valores,
expectativas, hábitos de consumo, capacidade de se fazer valer (market capacity) e
estado de consciência; 3) a diferenciação residencial significa acesso diferenciado a
recursos necessários para adquirir oportunidades de ascensão social. As oportunidades,
como educação, podem estar estruturadas de modo que um bairro de classe operária seja
‘reproduzido’ em outro bairro ou no mesmo bairro na próxima geração. A diferenciação
social produz comunidades distintas com valores próprios de grupo, valores estes
profundamente ligados aos códigos moral, lingüistico, cognitivo, e que fazem parte do
equipamento conceitual com o qual o indivíduo ‘enfrenta’ o mundo. A estabilidade de
um bairro e os seus sistemas de valores leva à reprodução e permanência de grupos
sociais dentro das estruturas residenciais; 4) segregação significa diferencial de renda
real – proximidade às facilidades de vida urbana, como água, esgoto, áreas verdes,
melhores serviços educacionais etc., e ausência de proximidade aos custos da cidade,
como o crime, serviços educacionais inferiores, ausência de infra-estrutura, etc. Se já há
diferença de renda monetária, a localização residencial pode implicar diferença ainda
66

maior no que diz respeito à renda real (HAVEY apud CORRÊA, 2000, p. 65).

2.1 Da Cidade Escravista à Cidade Contemporânea: Salvador e Rio de Janeiro

Para a historiadora Lélia Gonzalez (1982), as condições de existência material da


população negra implicam condicionamentos psicológicos que devem ser atacados e
desmascarados, porque os diferentes modos de dominação, das diferentes fases da
produção econômica no Brasil, parecem incidir num mesmo ponto: a reinterpretação da
teoria do lugar natural de Aristóteles. Assim, desde a época colonial até os dias de hoje,
existe uma evidente separação quanto ao espaço físico ocupado por dominadores e
dominados:
O lugar natural do grupo branco dominante são moradias amplas, espaçosas,
situadas nos mais belos recantos da cidade ou do campo e devidamente
protegidas por diferentes tipos de policiamento: desde os antigos feitores,
capitães do mato, capangas, etc., até a polícia formalmente constituída. Desde
a casa grande e do sobrado, aos belos edifícios e residências atuais, o critério
tem sido sempre o mesmo. Já o lugar natural do negros é o oposto,
evidentemente: das senzalas às favelas, cortiços, porões, invasões, alagados e
conjuntos ‘habitacionais (cujo modelo são os guetos dos países
subdesenvolvidos) dos dias de hoje, o critério também tem sido
simetricamente o mesmo: a divisão racial do espaço (GONZALEZ, 1982,
p.15).
Ao contrário de Gilberto Freyre, que em Casa Grande e Senzala descreve a
civilização do açúcar como igual para todo o Brasil, Roger, (1959, p. 56 e 127-30)
considera que houve, na verdade, três civilizações: a civilização do açúcar, a civilização
do ouro e a civilização do café. A civilização do açúcar, embora sob o império do
latifúndio e da monocultura, modificou-se duas vezes.
A primeira revolução, a urbanização, inicia-se no século XVIII, mas só atinge
sua plena expansão no século XIX. A casa da cidade torna-se a residência
mais importante do fazendeiro ou do senhor de engenho, que só vai à sua
propriedade rural no momento do corte e da moenda da cana. Esta casa
conservava o estilo da casa de engenho. A oposição entre a casa do branco e o
casebre do negro persiste, mas de horizontal virou vertical: os brancos vivem
no primeiro andar e os negros amotoam-se no porão. A capela do engenho
transforma-se em altar católico(BASTIDE, 1959, p. 56 e 127-30) .
A segunda revolução foi técnica, que surge na Bahia em 1815 com a primeira
máquina a vapor e, já em 1834, existem 64. O antigo engenho de água ou de tração
animal desaparece. Isso, todavia, não modifica subitamente a sociedade, que continua
fundada na família patriarcal e no modo de produção escravista, mas anuncia uma
considerável reviravolta com a passagem do engenho para a usina. “O maquinismo mais
custoso, mais científico”, favoreceu a concentração da riqueza e gradativamente a
primazia do capital financeiro sobre o capital representado pelas terras.
67

A “civilização do ouro” descoberto pelos índios e extraído pelos negros sob o jugo
da escravidão, com técnicas rudimentares, fez a riqueza dos que mandavam, como
mostra Bastide (1959 p. 112-13):
Depois do ciclo econômico da cana-de-açúcar, o Brasil conheceu, no
decorrer do século XVIII, um outro ciclo, o do ouro; do mesmo modo que a
cana foi o fundamento de toda uma civilização, com os engenhos, conventos,
candomblés de negros, o ouro será a base de outra, diferente da primeira, mas
como aquela, também construída com os pés e as mãos dos africanos –
civilização localizada na província central montanhosa que tomaria mais tarde
o nome de província de Minas Gerais (BASTIDE, 1959 p. 112-13).
Esgotado o ciclo da mineração do ouro em Minas Gerais, outra riqueza surgia,
provocando a emergência de uma aristocracia e promovendo o progresso do Império e
da Primeira República. Originário da Etiópia, onde já era utilizado em tempos remotos,
o café atravessou o Mediterrâneo e chegou à Europa durante a segunda metade do
século XVII. Era a época do Barroco e das monarquias absolutas, e a expansão do
comércio internacional enriquecia a burguesia. No Brasil, a partir de meados do século
XIX, o café passou a patrocinar o progresso, e ao terminar o século XIX, o Brasil
controlava o mercado cafeeiro mundial. Para transportar a preciosa mercadoria, muitas
regiões foram atravessadas por vias férreas, que criavam cidades em seu percurso até os
portos do Rio de Janeiro e de Santos.

Fazendo o itinerário histórico e geográfico do café, Bastide mostra que, enquanto


as civilizações do açúcar e do ouro, apesar de tudo, não sofreram grandes modificações,
sociológica e culturalmente falando, a civilização do café atravessou a época dos barões
do Império, a transição do trabalho servil para o trabalho assalariado, a imigração, e
finalmente a passagem da grande para a média e pequena propriedade.

Na “civilização do café” operaram-se também duas revoluções. A primeira é de


ordem sociológica: cria-se no Sul o tipo de sociedade que o açúcar criara no Nordeste,
com a diferença da coexistência do latifúndio e da pequena propriedade e, entre outras
mudanças, o desenvolvimento da escravidão na província paulista. A segunda grande
revolução trazida pelo café foi uma revolução política. O poder passou do Norte para o
Sul do Brasil, dos senhores do engenho para os barões do Rio de Janeiro e de São Paulo,
e, com a República, ficou apenas nas mãos dos paulistas. Ainda de acordo com o autor:
“Se a descoberta do ouro primeiramente, e em seguida a chegada da corte portuguesa ao
Brasil, desenvolveram o Rio de Janeiro, foi o café que desenvolveu São Paulo, cidade
68

dos arranha-céus e das fábricas”23.

Afrânio Garcia Jr. e Moacir Palmeira (2001, p. 46) ressaltam a importância de se


entender nosso processo de formação e os modelos de percepção da nossa realidade
social que assinalam a recriação dos poderes enfeixados pelas antigos senhores a
posições das casas grandes:
É interessante notar que os modelos de percepção consagrados pela literatura
sociológica e histórica da década de 1930 enfatizam justamente o caráter
fundamental dos padrões sociais herdados do universo colonial e escravagista
que se impunham com o crescimento da urbanização e a aceleração do
processo de industrialização do país. No próprio título de Casa grande e
senzala – Gilberto Freyre (1933) assinalava como a sede dos domínios rurais
era uma instituição que se manteve mesmo após a abolição da escravatura, em
1888, e que a reunião de poderes econômicos, religiosos, culturais e políticos
em uma só mão funciona como princípio ordenador do mundo social,
recriando, por uma lógica que supõe complementariedade mas diferença
irredutível, o mundo dos descendentes dos senhores das casas grandes e
aqueles dos escravos da senzala (GARCIA Jr. e PALMEIRA, 2001, p. 46).
As transformações do século XIX e o processo de modernização pelo qual
passaram as cidades são fundamentais para a recriação das oposições entre espaço dos
brancos/espaço dos negros e em particular em Salvador e no Rio de Janeiro, que
viveram todas as etapas da formação do nosso território, observadas as diferentes
formas de inserção de ambas nos diferentes ciclos econômicos e políticos.

Nosso estudo não visa tratar da história destas cidades, todavia, contextualizá-las
no processos estudados historicamente é importante, porque a cidade é um “espaço-
tempo”24, ela condensa no espaço as marcas dos eventos históricos. De acordo com
Milton Santos e Maria Laura Silveira (2001, p. 31-32), “o desenvolvimento urbano
brasileiro era uma conseqüência imediata da combinação de dois fatores principais: a
localização do poder político-administrativo e a centralização correspondente dos
agentes e das atividades econômicas” e, tanto Salvador, como o Rio de Janeiro, são
exemplos desse processo.

Do nascimento até os dias de hoje, Salvador e o Rio de Janeiro viveram


encruzilhadas históricas, políticas e culturais, que tornam sua análise muito instigante,
para compreender o emaranhado histórico de várias estruturas sociais superpostas em
sua relação com a questão racial. Afinal, toda a história do país atravessou essas
encruzilhadas e estas metrópoles foram, e ainda são, palco de acontecimentos políticos,
sociais, culturais e econômicos, de forma menos intensa uma, e mais intensa a outra, e

23
Para uma visão profunda do assunto, ver Roger Bastide (1959).
24
Cf. Milton Santos, 1993.
69

ajudam a compreender os dilemas da sociedade brasileira diante das desigualdades das


distribuição dos recursos materiais e intelectuais, segundo as diferenças raciais.

Uma viveu seu apogeu como metrópole colonial, a “civilização do açúcar”, nas
atividades dos engenhos, dominada pela casa grande, domínio do senhor patriarcal, e
suas irradiações para outras regiões do Brasil; a outra viveu seu apogeu com a
“civilização do ouro”, mas principalmente a partir da “civilização do café”, ainda que
tenha perdido gradativamente importância para São Paulo, que tem nessa “civilização”,
o marco de seu desenvolvimento, como assinala Roger Bastide (1959 p. 112-13).
Assim, o ouro, primeiramente, e, em seguida a chegada da Família Real portuguesa e o
café desenvolveram o Rio de Janeiro, enquanto no Nordeste, o declínio da “civilização
do açúcar”, e em particular da outrora dinâmica Cidade da Bahia, provocaram uma
longa estagnação.

Semelhanças e contrastes marcam as histórias de ambas as metrópoles, fundadas


num modelo de organização espacial que vai das fazendas e engenhos, das casas
grandes e sobrados, às mansões e condomínios fechados de casas e apartamentos, sede
de vida dos dominantes; e da senzala, porões, lojas, passando pelos pelourinhos
urbanos, quilombos e cortiços, às favelas e bairros populares – lugares de moradia dos
dominados. Do lado dos dominantes, a trajetória é cumulativa: da casa grande e
sobrados aos palacetes e condomínios fechados de casas e apartamentos. Do lado dos
dominados, as transformações espaciais implicam ainda perda de espaços conquistados,
em remoções por vezes violentas, como no caso de antigos quilombos em áreas
atualmente nobres, a exemplo da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro, como
estudaremos adiante.

Outro caso exemplar, mas com desfecho diferente no processo histórico de


formação do nosso território, que tentamos compreender, é Santa Cruz, também no Rio
de Janeiro, assim como Bangu (este objeto do estudo de caso). Santa Cruz é,
atualmente, um extenso e populoso bairro da Zona Oeste, com 189.334 pessoas,
dividido em seis AEDs, e apresenta um dos mais altos percentuais de negros: 62%,
62%, 66%, 57%, 60%, 49%, respectivamente. Ou seja, tem uma situação oposta à da
Zona Sul da cidade, tanto na sua composição racial como na de classe. Cortado pela
estrada de ferro, com áreas rurais, comerciais, residenciais e industriais, era há centenas
de anos povoado pelos índios tupis-guaranis, que a denominavam "piracema", muito
peixe.
70

Com a colonização, muitos portugueses receberam essas terras da Coroa, como


Cristóvão Monteiro que, em 1567, por ter prestado inúmeros serviços à Corte, recebeu,
por concessão, a imensa área formada pela planície e montanhas vizinhas, tornando-se o
primeiro dono, fundador e povoador das terras de Santa Cruz. Depois do seu
falecimento, sua esposa, dona Marquesa Ferreira, doou aos padres jesuítas a área que
lhe pertencia.

Agregadas a outras sesmarias, a região passou a se chamar Fazenda de Santa


Cruz, em cujo solo foi fincado um símbolo de madeira como primeiro monumento desta
vasta planície: a Santa Cruz. Muitas foram as melhorias realizadas pelos jesuítas e seus
escravos na Fazenda de Santa Cruz. Usando habilmente sua mão de obra escrava,
ocuparam a terra com plantação, criação de gado, casas e obras de grande valor
histórico. Em 1808, com a chegada de D. João VI ao Brasil, Santa Cruz foi bastante
beneficiada, pois foi escolhida como "Sítio de Veraneio Real". Com isso a residência da
fazenda foi transformada em Palácio e toda a propriedade sofreu melhorias, a fim de
receber a Família Real e sua comitiva25. Outrora área nobre do Rio de Janeiro, Santa
Cruz abriga hoje populações pobres, entre as de maior densidade negra da cidade,
desprovida de recursos. Vemos assim que o significado social de cada bairro se altera
com as mudanças que atingem diferentes frações das camadas dominantes e dominadas.

Nesse percurso histórico, cabe lembrar que apesar das cidades coloniais brasileiras
terem sido improvisadas, o caso de Salvador foi diferente, como aponta Edison Carneiro
(1980, p.149), em sua reconstituição histórica:
(...) em muitos aspectos, a fundação da ‘Cidade da Bahia’ em 1549, para sede
do governo geral, se assemelha à Brasília. O nome da povoação Cidade do
Salvador já estava escolhido muito antes da partida de Lisboa, da expedição.
O desastre do donatário Pereira derrotado pelos tupinambás desaconselhou
uma comissão demarcadora (CARNEIRO, 1980, p.149).
Milton Santos, por sua vez, analisa o processo de urbanização brasileiro, e ressalta
a importância de Salvador como cidade estratégica da colonização. Segundo ele,
Salvador comandou a primeira rede urbana das Américas, formada, junto com a capital
baiana, por Cachoeira, Santo Amaro e Nazaré, centros de culturas comerciais
promissoras no estuário dos rios do Recôncavo. “O Recôncavo da Bahia e a Zona da
Mata do Nordeste ensaiaram, antes do restante do território, um processo então notável
de urbanização” (SANTOS, 2005, p 19).

Desde o século XVI (1549), quando Salvador foi fundada pelos colonizadores, a
25
Ver http://pt.wikipedia.org/wiki/Santa_Cruz_bairro.
71

cidade passou por diversas fases. Sua primeira ocupação foi nas áreas dos atuais bairros
da Barra e da Graça, quando foi construída a primeira capela da Graça, provavelmente
em 1534 (CALMOM, apud VASCONCELOS, 2002, p.45), e “em 1536, com a chegada
do donatário Francisco Pereira Coutinho e dos primeiros colonos, iniciou-se a formação
da Vila Velha, na Barra, com a construção de casas para 100 moradores”. A vila, em
1545, contava com cerca de 400 homens livres e 500 escravos (VARNHAGEN, 1962 e
RUY 1949 apud VASCONCELOS, 2002 p.45), “mas foi atacada pelos índios, no ano
seguinte, que queimaram dois engenhos de açúcar, destruíram todas as roças e fazendas
e mataram muitos homens” (SOUZA, apud VASCONCELOS, 2002, p .45).

Na primeira fase (1549-1650), “o desenvolvimento da cidade foi condicionado


pela escolha do sítio, que partiu de uma ótica defensiva: no alta de uma escarpa,
dificultando a ligação com o porto, surgindo aí a primeira oposição: Cidade Alta/Cidade
Baixa” (VASCONCELOS, 2002, p. 73 e 119). No período de 1650-1763, chamado de
“Idade de Ouro de Salvador”26 “o Estado, do ponto de vista militar, e a Igreja foram os
agentes das principais edificaçõe”. Influente como metrópole colonial regional,
diminuiu seus poderes, progressivamente, a partir do final do século XVIII (1763 perde
a condição de capital) e, sobretudo, a partir da terceira década do século XX, quando a
cidade, numa nova fase de refluxo econômico, restringiu consideravelmente a sua área
de influência (MATTOSO, 1992: 126).

O deslocamento da capital colonial para o Rio de Janeiro, em meados do século


XVIII, contudo, consagrou a perda de hegemonia de Salvador, de um lado, e o aumento
da importância dos interesses lusitanos com o Sudeste, do outro. A “civilização do
ouro” e a “civilização do café” foram decisivas para o desenvolvimento desta região.

O processo de estagnação da Bahia, conhecido como o “enigma baiano”, que se


estendeu por um longo período, só se rompe de forma mais efetiva com a descoberta e
exploração do petróleo e a instalação da PETROBRAS, na década de 1950, pelos
incentivos da SUDENE – Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste, na
década de 1960, que resultou na instalação do CIA – Centro Industrial de Aratu – e,
posteriormente (década de 1970), com a instalação do moderno Complexo Petroquímico
de Camaçari (todos em municípios vizinhos, que atualmente fazem parte da Região
Metropolitana de Salvador-RMS), também resultado de grandes investimentos do

26
Ver também BOXER, Charles: A idade do Ouro do Brasil: dores do crescimento de uma sociedade
colonial, 3ª, Ed, 2000.
72

Estado brasileiro para viabilização do parque industrial. Mas o padrão de acumulação


capitalista representado por este modelo de desenvolvimento foi, e continua sendo, de
grande exploração do capital sobre o trabalho, como se verifica pela alta concentração
de renda e, conseqüentemente, pelas enormes desigualdades sociais e raciais da Cidade
da Bahia, já que a cidade e sua RMS têm alta densidade negra. Como assinalado no
capítulo anterior, as desigualdades raciais só passam a ser estudadas nas últimas décadas
do século passado, mas, sobretudo, nesta década (séculoXXI).

Como Salvador, o Rio de Janeiro é uma cidade antiga que se desenvolveu pouco
nos três primeiros séculos. Fundada em 1565, só começa a transformar-se radicalmente
a partir do século XIX, como ressalta Maurício de Abreu (1997, p.35), que realizou um
amplo estudo sobre a evolução do espaço urbano no tempo e no espaço: “Até então, o
Rio de Janeiro era uma cidade apertada, limitada pelos morros do Castelo, de São
Bento, de Santo Antonio e da Conceição (...). Além dos morros havia apenas alguns
tentáculos, que se dirigiam aos ‘sertões’ do sul, do oeste e do norte”. Era uma cidade
que tinha a maioria da população escrava, poucos trabalhadores livres, uma elite
dirigente reduzidíssima, que convivia em espaços relativamente próximos,
principalmente pela inexistência de transporte coletivo, afirma o autor.

A cidade, no início do século XIX, recebe o impacto dos conflitos europeus e a


política expansionista de Napoleão Bonaparte, que altera o equilíbrio político da
Europa, resultando na vinda da Família Real portuguesa para o Brasil, tornando-se uma
cidade das mais importantes até hoje. O impacto provocado por esta nova classe, a
independência política e o reinado do café (ou “civilização do café”) foram marcantes
na expansão econômica da cidade. De acordo com Abreu (1997):
A partir de meados do século a cidade passa a atrair também numerosos
capitais cada vez mais disponíveis e a procura de novas fontes de reprodução.
Grande parte deles é utilizada no setor de serviços públicos (transportes,
esgoto, gás, etc.), via concessões obtidas do Estado (ABREU, 1997, p.140).
Assim, a segunda metade do século teve importantes acontecimentos que
modificaram a estrutura da cidade, como aponta o autor: “introdução do bonde de burro
e do trem a vapor, que transformaram os usos do espaço pelas diferentes classes e
grupos sociais. Os nobres tomam a direção da Zona Sul, dos bairros servidos por bonde,
e os das classes subalternas, os caminhos abertos pelo trem, que seguem em direção aos
subúrbios”. As freguesias da Candelária, São José, Sacramento, Santa Rita e Santana
transformaram-se, gradativamente, em local de residência preferencial das
classes dirigentes, que ocupavam sobrados das ruas estreitas da freguesia da
Candelária, ou das ruas recém-abertas do atual bairro da Lapa. Esta elite
73

também tinha como opção as chácaras, recentemente retalhadas em terras


situadas ao sul da cidade (nos atuais bairros da Glória e Catete), seguindo
assim os passos da rainha Carlota, que morava em Botafogo (ABREU, 1997,
p. 35).
Desse modo, a evolução urbana carioca, no decorrer do século XIX, se caracteriza
pela proximidade espacial das classes sociais, por uma cidade de maioria da população
escrava e poucos trabalhadores livres, elite política e econômica muito pequena,
importantes modificações na cidade a partir da chegada da família real portuguesa e a
formação de novas classes sociais, com a “cultura do ouro”, primeiro, e a “cultura do
café”, depois, desenvolvimento dos transportes e da indústria e crescimento dos
subúrbios. E ainda, já no final do século, as primeiras tentativas de erradicação dos
cortiços, acentuada na cidade republicana da primeira década do século XX, com a
reforma Pereira Passos.

Os antagonismos produzidos pela sociedade escravista se explicitam através dos


fluxos e refluxos dos espaços ocupados pelos escravos com as senzalas e os quilombos,
ou sua transformação em espaços populares: um representando o modelo imposto pela
dominação e o outro a sua negação relativa, já que apesar de espaços não controlados
pelos senhores de escravos, sua dinâmica continuou dependente dos fluxos e refluxos da
sociedade escravista. Assim, desde a ocupação do nosso território, a trajetória de lutas
dos oprimidos foi longa e persistente. No fazer e refazer da cidade, as classes populares
não conseguiram romper com o círculo vicioso da segregação, da hierarquização, e de
desigualdades dos serviços urbanos que caracterizam historicamente a organização do
espaço nas nossas cidades.

2.1.1 Aldeia, Senzala, Quilombo e Favela: Trajetória da Resistência

Na formação das duas cidades, a resistência dos índios à colonização foi muito
expressiva e pouco divulgada. Em Salvador, as primeiras tentativas de ocupação, como
aponta Edison Carneiro (1980, p.49), tiveram a resistência dos índios, que conseguiram
frustrar o empreendimento do donatário Pereira Coutinho, sendo, contudo, derrotados
pela tomada organizada da Coroa. Os tupinambás foram castigados pela guerra que
fizeram e expulsos da atual área urbana e aldeados. Segundo Vasconcelos, “os do
entorno de Salvador resistiram e sofreram guerras, primeiro em 1553, quando perderam
seus territórios até São Tomé de Paripe, ao norte (TAVARES, apud VASCONCELOS,
2002 p. 43). Em outras áreas a situação se repetiu, como”em 1555, mais de 1.000 índios
atacaram Pirajá, Bonfim, Rio Vermelho e Itapuã. A reação foi violenta por parte dos
74

colonizadores e “foi liderada pelo filho do segundo governador, Duarte da Costa, e


resultou na destruição de 13 aldeias (Carta de D. da Costa, in Varnhagen, 1962:I:292-5)
e na liberação de terras até o Rio Vermelho” (Ruy, 1949:49). Ainda de acordo com
Vasconcelos, houve outras “guerras no Recôncavo, entre 1557 e 1559, sob as ordens de
Mem de Sá, resultando no incêndio de 160 aldeias”.(VASCONCELOS, 2002, p. 43).

Também a rebeldia dos negros e negras escravizados e escravizadas durante quase


quatro séculos de escravidão formal foi grande. Afinal, os quilombos27 foram estratégias
de luta desde o início da formação do nosso território sob a dominação européia. Do
ponto de vista da história de resistência escrava, os estudos se dividem entre a fuga e
formação dos quilombos e grandes revoltas escravas.

Os Estados do Rio de Janeiro e Minas Gerais no Sudeste e Estados da Bahia e


Pernambuco no Nordeste, até o final do século XIX, foram os cinco centros de
concentração de negros no Brasil escravista, e a capitania da Bahia foi, por muito
tempo, um importante terminal de tráfico de escravos, mas teve mudanças com a
revolução no Haiti em 1792, criando novas condições de expansão da escravidão em
terras baianas. No início do século XIX, cerca de 8 a 10 mil africanos chegavam ao
porto de Salvador e na primeira década deste século, a capitania tinha uma população
de 400 mil pessoas, das quais um terço era de escravos. A cidade tinha uma população
de mais de 50 mil, com cerca de metade formada por negros, 22% por pardos e apenas
25% por brancos. Os escravos representavam talvez 40% da população da cidade
(SCWARTTZ, 1996, p. 373-375).

Os quilombos eram pequenos assentamentos rurais e também urbanos, que se


formavam espontaneamente e abrigavam, não apenas negros foragidos das senzalas,
mas também índios e mulatos; formados por escravos negros fugitivos das fazendas
e/ou engenhos, nos arredores das cidades, desde os primeiros anos de escravidão,
resistiam aos infortúnios a que eram submetidos pelos senhores e senhoras de escravos e
seus feitores, e condenados a impiedosos açoites, marcações de lacres e ferros quentes,
entre muitas outras formas de tortura. A partir dos estudos de Nina Rodrigues (final do
século XIX e Arthur Ramos, Edison Carneiro e Roger Bastide no século XIX (REIS e

27
O Quilombo de Palmares, onde nasceu o líder Zumbi, começou a ser formado no final de 1590 e
resistiu aos ataques dos holandeses, luso-brasileiros e bandeirantes paulistas até 1694, quando foi
destruído pelo bandeirante Domingos Jorge Velho. A data de Zumbi, 20 de novembro, transformou-se no
Dia da Consciência Negra “A singularidade de Palmares, entre os muitos quilombos do Brasil, está em ter
vivido 65 anos (1630-1695), não obstante as dezenas de expedições que os brancos, a partir de 1644,
enviaram para reduzi-lo” (CARNEIRO, 1980, p. 194 ).
75

GOMES, 1996, p. 11), “os quilombos têm sido revisitados, e a historiografia brasileira
mais recente reconhece que a ocupação e a formação do território brasileiro não foi tão
pacífica como se interpretava anteriormente”. O reexame de muitas destas lutas mostra
tanto a aliança entre rebeldes urbanos e rurais como entre índios e quilombolas. A
conspiração baiana de maio de 1814 está entre elas, estudada por Stuart Schwartz28
(1996).

De acordo com Edison Carneiro (19..p.193), são três as principais formas de luta
dos escravos na América Portuguesa: a) a revolta organizada pela tomada do poder, que
encontrou sua expressão nos levantes dos negros malês (mulçumanos), na Bahia, entre
1807 e 1835; b) a insurreição armada, especialmente no caso de Manuel Balaio (1839),
no Maranhão; c) a fuga para o mato, de que resultaram os quilombos tão bem
exemplificados no de Palmares.

Concordando que estas foram as três formas fundamentais, Clóvis Moura (1988,
p.104-5) ainda acrescenta: 1) as guerrilhas, extremamente móveis, pouco numerosas e
representavam sentinelas avançadas dos quilombos; 2) a participação em outros
movimentos, “que embora não sendo seus, adquirirão novo conteúdo com sua atuação”.

Com a tipologia dos quilombos brasileiros Décio Freitas (1982), contribui para a
compreensão, não apenas dos que ocorreram no mundo rural, mas também no meio
urbano: quilombos agrícolas; quilombos mineradores; quilombos extrativistas;
quilombos pastoris; quilombos mercantis; quilombos predatórios e quilombos de
serviços.
O fenômeno se manifestou em todo território nacional, e para o autor, os
quilombos de serviços se formaram na periferia dos maiores centros urbanos
coloniais e pós-coloniais, e foram numerosos e populosos no Rio de Janeiro e
em Salvador. A estratégia dos quilombolas era fazerem-se passar por libertos,
para venderem seus serviços nos centros urbanos e chegaram a representar
importante força de trabalho no Rio de Janeiro e em Salvador
(FREITAS,1982, p. 38 - 41).
Em Salvador, como no Rio de Janeiro, muitos bairros surgiram das derrotas
impostas aos índios, assim como de quilombos suburbanos ou periurbanos do período
escravista. De acordo com Vivaldo Coaracy (in Carneiro, p.195-196), desde o século
XVII, quando a escravidão de negros africanos já era numerosa, os que não queriam se
sujeitar ao cativeiro fugiam dos engenhos para regressar à vida semi-selvagem nas
matas formando quilombos. “Os quilombolas no Rio de Janeiro abandonavam as

28
In: GOMES, F e J.J, REIS (1996).
76

lavouras e estabeleciam quilombos às margens do Paraíba, onde se aliavam aos índios


bravos que eram ainda numerosos na região” (COARACY, [19], p. 195-196). Este era
um problema sério para a ordem escravista, a ponto de o governador mandar persegui-
los e destruí-los, de a Câmara criar uma companhia militar para o fim especial de caçar
os negros fugidos e destruir-lhes os quilombos e suas vidas, se necessário, ressalta o
autor que acrescenta:
Em 1669, apesar das providências anteriormente tomadas, continuavam a
fugir dos engenhos escravos africanos que se refugiavam nas matas da Serra
dos Órgãos. Mudando de campo das suas tropelias, esses quilombos passaram
a praticar furtos e assaltos nas regiões de Inhaúma, descendo muitas vezes em
seu atrevimento até a entrada de São Cristóvão. Para coibir esses atos e
policiar as estradas daquelas bandas, a Câmara nomeou o capitão-do-mato
Atanázio Pereira, para quem mandou construir uma casa de residência, donde
melhor pudesse exercer a sua ação. Esta casa foi levantada na fazenda dos
Jesuítas, a quem a Municipalidade pagava foro pelo respectivo terreno
(COARACY, [s.l] [19--], p. 195-196).
De fato, em amplo estudo sobre a vida dos escravos no Rio de Janeiro, utilizando-
se de diversas fontes, a historiadora americana Mary Karasch (2000, p. 398-408),29
aponta, entre muitas questões estudadas, a existência de numerosos quilombos nas
cercanias da cidade, no século XIX. Segundo ela, os escravos do Rio de Janeiro tinham
três abordagens básicas para obter a liberdade: fugas, resistência violenta e alforria. As
fontes consultadas por ela (teses médicas, registros policiais, registro de enterros, relatos
de viajantes, jornais) revelam que na cidade o número de fugitivos era grande e os
morros próximos estavam cheios de escravos fugidos, que viviam em comunidades e se
mantinham com agricultura de subsistência. Eles eram muito jovens (estima-se que
estavam entre 10 e 24 anos de idade), afirma, e a maioria era do sexo masculino, o que
se explica por alguns dos motivos seguintes:
Além do refúgio que podiam encontrar em esconderijos próximos, os
escravos precisavam também de oportunidade de escapar o que o ambiente
urbano tornava possível. Lavadores e lavadeiras, vendedores ambulantes,
negros de ganho, carregadores, marinheiros, todos circulavam livremente pela
cidade ou pelo porto. A maior liberdade dos homens era provavelmente outro
motivo para que as escravas representassem uma percentagem menor de
fugitivos. As criadas domésticas, especialmente crioulas e mulatas, ficavam
confinadas dentro das casas e não podiam andar sozinhas pelas ruas sem seus
senhores. As vendedoras de rua, geralmente africanas, tinham mais chance de
escapar que as escravas brasileiras (KARASCH, 2000, p.403).
Se, de um lado, eram os escravos a fugirem mais, do outro, as escravas
compravam mais as cartas de alforria, e lembra a autora que não se tratava de presente
do senhor benevolente, mas de um dos poucos meios que a escrava e seus filhos tinham

29
A autora alerta que, infelizmente, o que se sabe sobre os quilombos vem, em sua maior parte, dos
registros esquemáticos dos que tentavam eliminá-los e também da impossibilidade de precisar o número
de quilombos e quilombolas.
77

para ter liberdade. Nos seus achados verifica que as maiores concentrações de negros
fugidos da cidade e subúrbios ficavam nas áreas dos atuais bairros da Lagoa Rodrigo de
Freitas, Inhaúma, Irajá, Engenho Velho, Ilha do Governador, Campo Grande, Guaratiba,
Botafogo, Corte, Praia Pequena, Cosme Velho, Mata Porcos (Estácio) e São Cristóvão.

Na província, se espalharam por todo o território, e foram mais numerosos no que


atualmente compõe a região metropolitana, especialmente Niterói e São Gonçalo. Para a
autora, a descoberta mais surpreendente é o fato de existirem tantos quilombos dentro
ou perto da cidade. Entre os quilombos perto da cidade estavam: Tijuca, Santa Teresa e
Corcovado que, pela sua geografia montanhosa, coberta de mata, favorecia a formação
dos quilombos. De acordo com Karasch (2000, p.411), a Tijuca parece ter abrigado os
maiores e mais importantes quilombos, que já existiam quando a corte portuguesa
chegou, em 1808. Mais próximos do centro e na área florestal de Santa Tereza (morro
do Desterro) e Catumbi, os quilombolas eram mais perseguidos. Em 1823, o inspetor de
polícia Manuel Nunes Vidigal prendeu mais de 200 quilombolas nesta área. Mas outras
estratégias de resistência foram usadas (MOURA, 1988, p.72-75) e KARASCH, 2000,
p.407).

Como vimos, os quilombolas habitavam nos morros de matas fechadas, como


assinalou Karasch (2000) e na cidade:
À medida que o Rio de Janeiro crescia, com uma grande população de todas
as cores, tornava-se mais fácil encontrar refúgio nos bairros miseráveis da
cidade, especialmente se fosse da mesma cor dos seus protetores. Em 1833,
um dos mais famosos refúgios de fugitivos era o Beco do Bragança, onde se
misturavam aos pobres. Outra área onde os pobres construíam seus barracos
era ao longo do Aterrado, outrora um pântano conhecido por suas febres
mortíferas. Até o pântano ser drenado, a área em torno da estrada que levava
a São Cristóvão era o lar dos ‘miseráveis, mendigos e fugitivos que coberto
pela vegetação ali dormiam e se escondiam (KARASCH, 2000, p.407).
Ainda segundo a autora, o morro do Castelo era o terceiro refúgio, mas outros
morros e áreas marginais da cidade também abrigavam os pobres que, por sua vez,
escondiam fugitivos ou, pelo menos, alugavam inadvertidamente casas para eles. Ainda
em 1860, o chefe da polícia tentava proibir o aluguel de casas para escravos, porque
costumava esconder fugitivos.

Em Salvador, os primeiros anos de sua ocupação pelos portugueses, foi também


de resistência. Inicialmente dos índios, especialmente em Salvador, na primeira metade
do século XIX30 ocorreram vários movimentos de contestação da ordem escravista. Os

30
SCWARTTZ, 1996, p. 373-375; Clóvis Moura (1998, p. 04) e Azevedo (1969, p. 142)
78

quilombos estavam próximos da cidade e mantiveram até hoje os mesmos nomes dos
bairros: ‘Buraco do Tatu’ (1744/1765), considerado um dos mais importantes do
território baiano. Os “quilombos” de Nossa Senhora dos Mares e do Cabula, Matatu,
Itapuã, também localizados nos arredores da Cidade do Salvador. No “quilombo” do
Urubu, segundo dizem os documentos da época, formado no ano de 1826, nas matas do
Sítio Cajazeira, vizinhança da Cidade do Salvador, os quilombolas premeditavam fazer
uma revolução na Cidade com a presença de algumas mulheres, quando a polícia lhes
deu combate (PEDREIRA, 1973, p. 125-139). Atualmente, Cabula e Cajazeiras são
conjuntos habitacionais de classe média e média baixa, construídos pela URBIS –
Habitação e Urbanização da Bahia S.A e financiados pelo Sistema Financeiro de
Habitação (SFH). Além destes, outros quilombos foram recentemente mapeados: Alto
da Sereia, Calabar, Candeal e Curuzu (ANJOS, 2000, p.45).

Nos séculos XVIII e XIX (1798 e 1807-1835), portanto, Salvador foi uma cidade
palco de lutas escravas, de rebeliões. A Revolta dos Alfaiates, a Revolta dos Búzios ou
Inconfidência Baiana, uma das mais amplas, do ponto de vista político, econômico e
social ocorridas no Brasil-Colônia, foram alguns desses movimentos.31 Organizados por
escravos e seus descendentes, pretos e pardos, soldados, pequenos comerciantes,
artesãos – com um grande número de alfaiates − que aderiram ao Partido da Liberdade,
de influência da França Revolucionária, discutiam os caminhos para o Brasil livre da
tutela portuguesa, tornando-se uma república democrática, na qual a cor da pele não
fosse razão para discriminação. Uma terrível repressão tomou conta da Cidade do
Salvador, na manhã de 12 de agosto de 1798. A repressão ao movimento foi das mais
violentas, com a execução de quatro revolucionários baianos, enforcados na Praça da
Piedade32.

A Revolta dos Malês, no século XIX, foi a mais ampla de uma série de rebeliões
de escravos que vinham ocorrendo na Bahia, desde 1807, e que constituem, talvez, as
únicas insurreições urbanas de escravos nas Américas, diz João que estudou estas

31
Até o final do século XVIII, nenhum movimento político no Brasil possuíra um programa tão amplo,
com penetração tão profunda nas classes e camadas sociais, quanto este - Stván Jancsó (1975) e Tavares
(2001).
32
Todos os enforcados eram pardos, jovens, sendo dois soldados e dois alfaiates. Muitos foram
degredados para a África e Fernando de Noronha. Outros revolucionários tiveram penas de prisão e entre
eles, cinco mulheres: Luiza Francisca de Araújo, parda, 30 anos, mulher de João de Deus; Lucréia Maria
Gercent, crioula, forra; Domingas Maria do Nascimento, parda, forra; Ana Romana Lopes, parda, forra;
Vicência, crioula, forra. Houve 45 pessoas presas entre homens e mulheres, só nos três primeiros meses
de repressão policial. Ver sobre isso Luis Henrique Dias Tavares (2001).
79

revoltas, como já ressaltado. Ao contrário do movimento de 1798, a revolta de 1835 não


contou com a participação intelectual do branco. Sua organização foi obra exclusiva de
escravos e libertos e, apesar da denominação de Revolta dos Malês, termo genérico para
os negros muçulmanos que sabiam ler e escrever em árabe, dela participaram indivíduos
de todas as etnias e padrões culturais. Os libertos forneceram a maioria dos líderes -
Manuel Calafate, Aprígio, Pai Inácio e outros. Os carregadores de cadeirinhas, que
podiam circular sem serem vigiados, encarregaram-se da transmissão de mensagens.
Apesar da terrível repressão e das derrotas, em 1857, nas ruas de Salvador, os escravos
voltaram a se rebelar. Esta cidade rebelde é oposta àquela da “terra da felicidade” de
negros bem integrados à ordem vigente, tão cultuada pelas elites baianas. Thales
Azevedo (1969) explica, a partir processo de separação da criança escrava, de suas
mães, desde a senzala, a diferença da formação da família de escravos e os mecanismos
de integração biossocial que parecem contraditórios com os movimentos de resistência
acima colocados:
Certa falta de agessividade do nosso povo, ou pelo menos o seu
conservadorismo, sem dúvida uma das raízes do enigma baiano, pode derivar
do fato de ser a população da cidade do Salvador em grande parte ilegítima,
criada sem pai e sujeita à exclusiva tutela da mãe, da avó, tia ou madrinha....
(AZEVEDO, 1969, p.202-206).
Arthur Ramos, lembra que a repressão aos movimentos rebeldes ou a qualquer
forma de reação dos escravos foi violenta, tanto no campo como na cidade: açoites nos
pelourinhos; castigo dos ‘bolos’ com a palmatória, que se tornou método pedagógico
nas escolas e nos lares brasileiros:
Em alguns engenhos do Nordeste, ou nas fazendas do Sul, os senhores de
engenho e feitores aplicavam castigos cruéis: ‘novenas’ e trezenas de mata;
anavalhamento do corpo, seguido de ‘salmoura’; marcas de ferro em brasa;
mutilações; estupro de negras escravas; castração; amputação de seios;
fraturas dos dentes a marteladas.... uma longa teoria de sadismo requintado.
Mas a lista é infindável, diz Arthur Ramos, ao analisar os castigos aplicados
aos escravos33. Além deste arsenal, os escravocratas utilizavam o castigo da
roda d’água que consistia em arrancar as carnes dos escravos (RAMOS, p.
93).
Se a primeira metade do século XIX foi de intensas lutas negras, o ano de 1850,
para a questão negra, teve dois fatos jurídicos muito importantes, que influenciaram o
processo de uso da terra rural e urbana: A Lei Eusébio de Queiroz, que oficializou o fim
do tráfico negreiro e a Lei de Terras, em 1850, que reforçou o poder dos latifundiários e
impediu o reconhecimento das posses34 e também o acesso à terra aos que não podiam

33
Ver em Antroplogia do Negro Brasileiro, organizado por Edison Carneiro [s. l], [19---].
34
Sobre as terras devolutas e o latifúndio e os efeitos da Lei de Terras, de 1850, ver Lígia Osório Silva,
1996. Especificamente sobre a cidade do Rio de Janeiro, ver Fania Fridman, 1999.
80

comprá-la. Ou seja, com a previsão do fim do regime escravocrata, as classes


dominantes trataram de se organizar, com intrumentos jurídico-intitucionais que lhes
garantissem o monopólio das terras. Segundo Lígia Silva (1996, p. 335), o processo de
passagem das terras devolutas esteve especialmente vinculado a um fenômeno típico da
Primeira República: o coronelismo. “Controlando a vida municipal, por meios que iam
do paternalismo à violência, os coronéis ‘fiéis’as oligarquias, que dominavam a política
estadual, representavam um papel central no modo pelo qual as terras devolutas se
incorporaram ao patrimônio privado” (SILVA, 1996, p. 335).

Nesse período, o campo foi palco de várias formas de violência, exercida


fundamentalmente, contra a população pobre do campo, os pequenos posseiros,
agregados, ex-escravos e índios. Para a autora, o destino mais trágico foi o das
populações indígenas próximas de pólos de desenvolvimento, uma vez que a
Constituição de 1891 não garantiu a estes povos a posse dos seus territórios, levando ao
extermínio de tribos inteiras a cobiça sobre suas terras. Na verdade, uma usurpação das
terras indígenas, após os primórdios da invasão portuguesa.

No que diz respeito à análise da formação do território brasileiro, não se pode


esquecer do papel central da Igreja Católica, também na questão fundiária, já que foi a
maior proprietária de terras da época colonial, seguida da Coroa Portuguesa e de um
número pequeno de nobres (FRIDMAN, 1999, p. 235). Isso vai se refletir também na
organização do espaço urbano pelos seus diversos agentes. Entre os efeitos da Lei de
Terras de 1850, Fridman (1999, p. 238) aponta o processo de loteamento de grandes
glebas na cidade do Rio de Janeiro, que se inicia no século XIX, entre 1870 e 1890 –
sobretudo nas terras rurais, no entorno das linhas férreas, mas também em área nobre da
Quinta da Boa Vista de 1876. Na cidade capitalista, segundo a autora, de “toda área
loteada da cidade de 1938 a 1988 – 255,4km2 – metade estava consolidada até 1942.
(este parcelamento se deu nas zonas suburbanas, ressalta).

De acordo com (FERREIRA, apud FRIDMAN, 1999, p. 235), as ordens


religiosas, com seus patrimônios imobiliários e fundiários, se constituíram, nas cidades,
no vetor determinante para a ocupação:
Os jesuítas foram os maiores proprietários de terreno no Rio de Janeiro
colonial até sua expulsão em 1759. Receberam doações no termo da cidade,
além de muitas terras terem sido compradas pelos padres, ou recebidas de
herança. Seus domínios territoriais iam da Gávea até São Cristóvão e da Baía
da Guanabara até a Serra da Tijuca, onde criavam gado e produziam açúcar
(FRIDMAN, 1999, p. 235).
81

Acrescenta a autora que “os beneditinos eram proprietários de três engenhos, de


fazenda de gado, da sesmaria do Morro de São Bento, de chãos na cidade, de estaleiros
e armazéns. “Nas fazendas dessas ordens religiosas existiam olarias, ferrarias,
carpintarias, serrarias e fornos de cal” (FRIDMAN,1999, p.235). E, obviamente,
senzalas, escravos, ou seja, os princípios cristãos de justiça professados não produziram
os questionamentos e, conseqüentemente, práticas contrárias à ordem escravista.

2.2 Perfil Sócio-Racial Contemporâneo do Rio de Janeiro e de Salvador

A transição da cidade escravista, onde predominou o capital mercantil, à cidade


industrial, se observa que o tipo de habitação popular, não se traduz nas transformações
fundamentais, no sentido de uma cidade cidadã com seus moradores portadores de
direito pleno. Ao contrário, da senzala, que foi o primeiro modelo de habitação coletiva
adotado para moradia das classes subalternas, principalmente nas fazendas e engenhos;
e também nas cidades, com os sobrados, as lojas, as estalagens, os cortiços, demarcam a
divisão social e racial do espaço urbano. As contradições entre senhor e escravo, casa-
grande e senzala, sobrados e porões são substituídas por burgueses e proletários, bairros
ricos e bairros pobres, favela e asfalto, palacetes e condomínios fechados de casas e
apartamentos versus conjuntos habitacionais, ou habitações coletivas, como o cortiço, a
cabeça de porco, a casa de cômodos ou casas populares, habitadas pelo proletariado de
melhores condições.

Os lugares mudam de função, como é o caso do Pelourinho, em Salvador, que foi


por muito tempo o bairro da aristocracia baiana e hoje é um bairro comercial e de
manifestações culturais, sobretudo de afrodescendentes, que atrai turistas do Brasil e do
mundo. Com o projeto de revitalização em curso, projetado e executado pelo Estado,
volta a ser ocupado pelas classes de melhor renda. Lugar símbolo dos castigos públicos
de escravos, de açoites e condenados à forca nas cidades, assim descrito por Arthur
Ramos [19--]:
O espetáculo era anunciado pelos rufos de tambor... E grande multidão
reunia-se na praça do pelourinho para assistir ao látego do carrasco abater-se
sobre o corpo do pobre escravo condenado que ali ficava exposto à execração
pública. A multidão excitava e aplaudia, enquanto o chicote abria estrias de
sangue no dorso nu do negro escravo...” (RAMOS, [19--] p. 93).
De acordo com Thales de Azevedo (1969, p. 234-36), “no censo de 1872 o
número de habitantes do império foi apurado em 10.112.000 e o da província em
1.379.129 moradores, sendo 34% de brancos. Na população total a proporção de
82

brancos era ainda mais baixa, apenas 24,03%, devido às grandes quantidades de
escravos de cor existentes no Recôncavo e noutras áreas da província”.

Analisando a estrutura demográfica e a evolução da população baiana, em


particular de Salvador, nos séculos XVIII e XIX, principalmente a partir do censo de
1872, e as formas ambíguas de autodeclaração da cor, Kátia Mattoso (1992, p. 126)
questiona os que afirmam que a sociedade baiana estava dividida, até 1888, em
brancos, senhores de escravos, passando em seguida a dividir-se entre brancos ricos e
negros pobres. Apoiando-se em Donald Pierson, que estudou a cidade em 1938, ela
reforça seu argumento com a definição “que na Bahia ser negro é possuir ‘traços
negróides muito visíveis, ou ter uma situação social inferior”. Mas para ela, a dicotomia
branco rico e negro pobre pode revelar uma rejeição à miscigenação. Além disso, na sua
visão o termo escravo se refere a uma categoria social, e não a uma raça, pois a cor da
pele e a origem não passam de acidentes históricos numa cidade de mestiços como
Salvador.

Para Mattoso (1992, p.125), apesar de não haver dados precisos sobre a imigração
européia para a Bahia, na primeira metade do século XIX, pode-se concluir que ela foi
muito fraca em relação à importação de negros. Na segunda metade desse século,
ainda, segundo ela, existe uma série de cem teses de registros de estrangeiros que
entraram e saíram da Bahia entre 1855 e 1864, mas há dificuldades metodológicas para
saber, exatamente, quantos europeus chegaram e se estabeleceram na cidade. Na sua
opinião, na Bahia, o ‘branco fino’ – ou seja, o português branco – tornou-se cada vez
mais uma lembrança histórica; no imaginário, o modelo permaneceu europeu, mas a
realidade ficou marcada por uma miscigenação ainda mais forte do que a sugerida pelas
estatísticas. Esta visão, de alguma forma, é compartilhada por Thales de Azevedo (1969
p.235), quando afirma:
Quem visitava a Bahia desprevenido dos hábitos dos brancos, via tantos
pretos nas ruas que acreditaria estar numa ‘nova Guiné’, numa cidade de
negros, gente aliás de aparência melhor que a doutras províncias, muito
embora se vissem numerosos doentes de moléstias de pele, especialmente da
elefantíase dos membros inferiores (AZEVEDO, 1969, p. 235).
O Rio de Janeiro, por sua vez, como capital desde o século XVIII, foi onde se
concentrou a maior população escrava urbana das Américas, na primeira metade do
século XIX (KARASCH, 2000, p. 28). Para a autora, na verdade, no século XIX, mais
africanos foram importados para o Rio de Janeiro do que para Salvador – quase um
milhão de africanos passaram pelo porto do Rio de Janeiro: “Embora a maioria não
83

tenha permanecido na cidade, o número que ficou foi suficiente para influenciar as
origens nacionais dos escravos cariocas, e, portanto, sua cultura”. Ela mostra que na
metade do século XIX (1808 – 1850), a escravidão no Rio de Janeiro estava no seu
auge, e em termos numéricos, teve em 1849, quase 80 mil escravos vivendo e
trabalhando na cidade. Além disso, afirma: “Nenhuma cidade das Américas nem sequer
se aproxima da população escrava do Rio de Janeiro nesse mesmo ano. Nova Orleans,
por exemplo, tinha apenas 14.484 escravos em 1860”.

Em nível nacional e regional, na segunda metade do século XIX, o Sudeste já


tinha mais escravos que o Nordeste. A população total escrava no Brasil, por região, no
período de 1864-1887 era: 1.715.000 em 1864, 1.540.829 em 1874, em 1884 de
1.240.806 e em 1887 1.240.80635. No Nordeste tinha a seguinte distribuição:774.000
(1864); 435.687 (1874); 301.470 (1884); e 171.797 em 1887. Na Bahia, os escravos
eram 300.000, 165.403, 132.822, e 76.838, nos mesmos anos. No Sudeste, eles
representavam, no período, 745.000; 856.659; 779.175; 482.571, 1864, 1874, 1884 e
1887, respectivamente. No Rio de Janeiro, 300.000, 301.352, 258.238 e, em 1887
,162.421, mais que o dobro da Bahia. Portanto, tanto o Sudeste como um todo, e o Rio
de Janeiro em particular, foram concentradores de mão-de-obra escrava, que também
construiu a “cultura do café”, que impulsionou a industrialização e a urbanização, no
final do século, depois descartada, principalmente no pós-abolição.

Como resultado do processo de imigração européia, no século XIX, como


estudamos no Capítulo1, as mudanças demográficas do ponto de vista racial tiveram
grande importância para a questão racial tal como se apresenta hoje. Assim é que, no
Brasil, dos 176 milhões de habitantes, quase metade da população é parda-negra (76,4
milhões), contra 90,6 milhões de brancos, distribuídos desigualmente no território
nacional. A população negra encontra-se em todas as Unidades da Federação e, em 18
das 27 unidades, é majoritária, isto é, mais de 50% das pessoas se declaram pretas ou
pardas. Os estados do Sul, que conheceram a imigração européia de final do século XIX
e início do século XX, são os que possuem menores percentagens da população negra:
Santa Catarina tem 9%, Paraná 13% e o Rio Grande do Sul, 20%. São Paulo também se
destaca pela baixa porcentagem de negros (28%). Embora esta proporção seja reduzida,
no estado vivem 13% dos negros brasileiros, 10,1 milhões de pessoas em números
absolutos (IBGE, 2000). Esta população é quase a mesma da Bahia, que tem 80% de sua

35
REIS, João José. Presença Negra: conflitos e encontros. In Brasil: 500 anos de povoamento (2000, p 9).
84

população negra, e é vista pelos brasileiros como território dos negros, apesar de ter
mais negros vivendo em São Paulo do que na Bahia.

Em 2001, a população metropolitana total era de 53.783.616 e desta, os brancos


são maioria, com 30.822.384, e os negros 22.442.914. Sua distribuição, em nível
regional, era de 1.806.749 para o Norte, 9.552.119 para o Nordeste; 33.715938 para o
Sudeste; 6.596.201 para o Sul e apenas 2.112.609 para o Centro-Oeste. Ao
considerarmos como a população metropolitana se distribue por região, verifica-se que
os brancos são 61% no Sudeste e 84% no Sul. Nas regiões metropolitanas, a população,
segundo cor ou raça, no mesmo período, é composta por 58% de brancos em 1992, com
pequena variação até 2001, quando ficou em 57% e a população negra (composta de
pardos e pretos) também não variou. Em 1992 era de 41% chegando em 2001 a 42%. O
que acontece com as grandes regiões se repete nas regiões metropolitanas: o Sudeste
tem apenas 37% de negros também sem alteração e o Sul o menor percentual: 14% em
1992, chegando a 15% em 2002. Os dados, tanto das grandes regiões como das regiões
metropolitanas, mostram que o predomínio dos brancos da região Sudeste se mantém.
Ou seja, o Brasil de hoje é ainda tributário da política imigratória ligada à ideologia do
branqueamento da “raça” brasileira, que afetou a composição racial sobretudo do
Sudeste e pode ser observado na Tabela 1.

Tabela 1 – População por Cor ou Raça – Salvador e Rio de Janeiro - 2000

Cor ou raça Total


Branca Negra
População Rio de
Salvador Rio de Salvador Rio de Salvador
Janeiro
Janeiro Janeiro
Absoluta 564.858 3.407.338 1.834.539 2.379.584 2.399.397 5.786.921
Porcentagem 23,5% 58,9% 76,5% 41,1% 100,0% 100,0%
Fonte: IBGE/2000 – Elaboração: Antonia Garcia

Neste contexto, Rio de Janeiro e Salvador mantêm suas posições na histórica


distribuição espacial da população, após o início da imigração massiva européia, que
alterou a composição racial das regiões. Atualmente, conforme Tabela 1, Salvador
continua com uma composição racial sem alteração em relação aos censos do século
XIX e XX, na realidade houve um aumento, ainda que discreto, dos que assumem
ascendência negra, apesar do grande crescimento dos pardos significar a busca de
branqueamento e/ou negação das origens africanas, uma vez que os que se auto-
declaram pretos são estatísticamente minoritários (cerca de 20% - ver quadro das
AEDs). Os brancos continuam como minoria, com 23,5% e os negros (preto e pardo)
85

como ampla maioria absoluta e relativa (76,5%) da população. O Rio de Janeiro, cujo
processo de branqueamento foi mais expressivo entre 1872 e 1950, quando os brancos
passaram de 55,21% para 69,86%, a dos pretos no mesmo período, diminuiu de 24,13%
para 12,30% e a dos pardos de 20,66% para 17,50% (PINTO, 1998, p.71-73), mas
sofrendo uma redução dos brancos, que atualmente são 58,9% (2000) contra os quase
70% em período de 1872.

No que diz respeito à origem dos habitantes destas cidades, por município,
verifica-se que atualmente, tanto em Salvador como no Rio de Janeiro, os nascidos no
próprio município formam um conjunto expressivo de 69,3% e 70,9%, respectivamente.
Os migrantes repesentam, portanto, 30% dessas metrópoles. A desagregação por cor ou
raça (Tabela 2), permite observar que os negros são majoriamente naturais em ambas as
cidades (71,9% e 72,9%).

Tabela 2 - Município de Origem por Cor ou Raça – Salvador e Rio de Janeiro - 2000

Cor ou raça Total


População por Branca Negra
Município de Rio de Rio de Rio de
Origem Salvador Janeiro Salvador Janeiro Salvador Janeiro
Município de
origem 61,1% 69,5% 71,9% 72,9% 69,3% 70,9%
Outros
municípios 38,9% 30,5% 28,1% 27,1% 30,7% 29,1%

Total 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%


Fonte: Microdados IBGE/2000 – Elaboração: Antonia Garcia

No conjunto de pessoas não-naturais do município onde residem, Salvador tem


um percentual um pouco maior que o Rio de Janeiro: 30,7% e 29,1%, respectivamente.
Analisando-se a composição racial dos não-naturais, nas duas cidades, verifica-se que
os brancos são mais expressivos em Salvador (38,9% e 30,5%, respectivamente). Por
outro lado, os negros migrantes praticamente se equivalem nas duas cidades (27,1% e
30,7%).

O século XIX foi palco de enormes transformações econômicas, sociais, políticas,


demográficas e culturais na sociedade brasileira, especialmente no Rio de Janeiro, que
transformou-se ao longo dos séculos na principal cidade político-administrativa do
poder central, como já ressaltamos. A transição da cidade escravista para a cidade
republicana conheceu um forte crescimento urbano, que entre suas conseqüências
trouxe a crise de moradias, com a expansão das relações capitalistas na produção da
habitação, com a exclusão da grande massa urbana dos meios de aceder à casa ou de
86

pagar aluguéis.

Sem terra, sem casa, sem trabalho, os ex-escravos urbanos ficaram sem
possibilidade de participar do mercado de moradias, só restando ocupar morros,
baixadas, alagados. Os que antes viviam nos porões dos sobrados foram para os
quilombos existentes ou formaram novos bairros ou favelas. No caso de muitas ex-
escravas, dedicadas ao trabalho doméstico, a alternativa foi continuar nesta função, até
hoje não regulada por padrões de trabalho assalariado: trabalha-se freqüentemente por
casa e comida. Note-se que desde a Colônia, as mulheres trabalham em atividades
produtivas, mas foram consideradas por muito tempo como economicamente inativas,
embora já fossem, na incipiente industrialização do século XIX, parte importante da
força de trabalho, na indústria têxtil, principalmente36. Seria interessante a linha de
pesquisa conhecer a trajetória individual, coletiva e familiar daqueles que, livres e
abandonados à própria sorte, sobreviveram na cidade republicana, com um recorte racial
a partir dos seus descendentes.

Luiz Cesar Ribeiro (1997, p.330-31), que estudou as diferentes formas de


produção da moradia na cidade do Rio de Janeiro, abordando desde os primeiros ensaios
de formação de um mercado de habitações até a constituição da moderna empresa
incorporadora, que hegemoniza o tipo de produção da moradia, mostra como se impôs
esse novo padrão de organização do espaço urbano na cidade. O autor analisou o
processo de formação, estruturação e reprodução do setor mais avançado no processo de
produção de moradias, e identificou três grandes estágios de expansão das relações
capitalistas na cidade:
No primeiro, a moradia circula como mercadoria sob o controle das relações
de propriedade da terra, configurando uma forma de produção que
denominamos rentista; posteriormente, uma produção simples se estabelece,
sob controle de pequenos capitais imobiliários também rentistas, que
exploram os imóveis através do aluguel a que denominamos pequeno-
burguesa; num terceiro momento emerge a incorporação imobiliária que
promove a construção como forma de apropriação de um sobrelucro de
localização (RIBEIRO, 1997, p. 330-331).
Com a expansão das relações capitalistas na cidade, o cortiço, como transição
entre a “senzala urbana” e as outras formas de moradias coletivas, representa um
problema crônico nos grandes centros urbanos desde o final do século XIX. A falta de
recursos de grandes parcelas da população pobre tem marcado a urbanização, tanto dos

36
Ver Mário, A. da Silva Santos (1993.) sobre as novas e velhas ocupações na Salvador republicana
(1890 a 1930), e Cecília Soares (1994), sobre a mulher negra na Bahia do século XIX - Mestrado em
História/UFBA (1994).
87

centros, como de outras áreas nas cidades brasileiras, como atesta o crescente processo
de formação de favelas-invasões em todo território nacional.

2.2.1 Cidade Capitalista e a Segregação: Favelas-Invasões

Como já observamos, a transição entre a cidade colonial escravista e a cidade


republicana significou para os ex-escravos e pobres destas cidades enfrentar novos
desafios e, entre eles, a questão da moradia. Como ex-escravos e escravas, os
descendentes de africanos se tornaram lúpem proletários e proletários com os desafios
de uma metamorfose complexa. A cidade republicana manteve a tradição de
organização do espaço em função dos interesses das classes dominantes, muito bem
representados pelas reformas urbanas realizadas, que tiveram como objetivo preparar a
cidade para o capital, buscando consolidar a cidade européia idealizada por estas
classes. Os projetos de modernização das áreas centrais e a abertura de novas áreas de
expansão urbana significaram a expulsão-remoção dos grupos desprovidos de recursos
dos espaços que ocupam de forma precária.

Desta forma, a transformação de Salvador e do Rio de Janeiro em cidades brancas


e europeizadas, promovida pelas elites locais durante os séculos XIX e XX, teve
resultados diferentes, mas um efeito perverso comum: a expulsão dos antigos moradores
de áreas de interesse das classes ou frações das classes dominantes. Tal processo tem
em sua origem a influência da especulação imobiliária e a necessidade de expansão
urbana, que cresceu vertiginosamente nos últimos cem anos, sob o comando do capital
imobiliário e do Estado, despreocupados com a integração dos negros e pobres.

Como nas cidades européias estudadas por Engels (1979, p. 21), os bairros
insalubres, tanto em Salvador como no Rio de Janeiro, produziram epidemias de todo
tipo: cólera, varíola, febre amarela, febre tifóide, com grande letalidade. Em Salvador,
por exemplo, “algumas epidemias foram recorrentes e dizimaram muitas pessoas desde
1850” (FERNANDES e GOMES, 1993, p.59).

A capital federal, embora fosse a maior cidade do Brasil em 1900, com


800.443 habitantes (Tabela 3), era uma cidade com ruelas estreitas, sujas, cheia de
cortiços, onde se amontoava a massa trabalhadora, tal como nas cidades européias, no
início da Revolução Industrial. As condições precaríssimas da população em geral, e da
massa de ex-escravos recém-libertados em particular, morando em cortiços, resultou em
focos de epidemias, principalmente a febre amarela, a varíola e a peste. As tentativas de
88

mudar este quadro datam do final do século XIX, mas só concretizadas na primeira
década do século XX, iniciadas durante a administração Pereira Passos, indicado
prefeito pelo presidente Rodrigues Alves.

O prefeito Pereira Passos inicia então, um conjunto de obras de urbanização, que


inclui a construção de grandes avenidas e praças, além da eliminação de cortiços. De
acordo com Abreu (1997, p. 142), a Reforma Passos foi também importante em três
aspectos: 1) representa um exemplo típico de como novos momentos de organização
social determinam novas funções à cidade, muitas das quais só podem vir a ser
exercidas mediante a eliminação de formas antigas e contraditórias ao novo momento;
2) representa um grande exemplo de intervenção estatal maciça sobre o urbano; e 3)
finalmente, como as contradições dos usos de espaço, ao serem resolvidas, muitas vezes
geram novas contradições para o momento de organização social em que surge a favela.

Favela remete à Guerra de Canudos, travada entre tropas republicanas e


seguidores de Antônio Conselheiro no sertão baiano, entre 1893 e 1897, quando um
grupo de seguidores desse líder religioso é considerado fanático, monarquista e ameaça
a segurança da recém instituída República. Os soldados que participaram do massacre
em Canudos, voltando à capital federal e não recebendo as casas prometidas, fazem seus
barracos no morro da Providência, conhecido, desde essa época, como Morro da Favela.
Ao que parece, mais de cem anos depois, poucas mudanças ocorreram na precariedade
deste bairro, exceto a exacerbação da violência, como ocorre em outras favelas da
cidade. Recentemente (início de março de 2006), este morro, como outros da cidade, foi
sitiado pelo Exército Brasileiro, à procura de armas roubadas por traficantes e ex-
militares, conforme o boletim do próprio Exército. Em 12 dias de ocupação para a busca
das armas os confrontos entre soldados e traficantes foram constantes.

Entre as contradições produzidas pela cidade capitalista-republicana no espaço


carioca, duas ações simultâneas, executadas de forma autoritária pelas autoridades
tiveram grande impacto na vida dos subalternos, produzindo revolta da população. Uma
foi a obrigatoriedade da vacina para combater as epidemias, comandada por Oswaldo
Cruz, que provocou o episódio que ficou conhecido como a Revolta da Vacina37. Em 14
de novembro de 1904, véspera do quinto aniversário da Proclamação da República,
houve batalhas em barricadas, com bondes depredados e incendiados e lojas saqueadas.
A outra foi a reforma Pereira Passos (1902-1906), que apoiada na ideologia higienista,
37
Joel Rufino dos Santos (1992) trata de forma literária e interessante este episódio.
89

promoveu a remoção dos cortiços. Mas não foi apenas preocupada com a higiene e a
saúde da populção que se concretizou esta reforma. Como outras, foi feita também para
abrir espaço à reprodução do capital imobiliário, num momento de crescimento
econômico do país, onde o capital exigia padrões urbanos condizentes com as
pretensões de suas elites de figurarem entre as nações civilizadas e modernas.

Como dito anteriormente, a Revolução de 1930, dando continuidade aos


movimentos políticos e militares da década de 1920 e da Campanha Civilista, segundo
Guerreiro Ramos (1995, p. 26), promoveu mudanças positivas na vida político-
partidária do país, como atestam os seguintes fatos: a) abriu lugar nos quadros dirigentes
para numerosos quadros da classe média; b) iniciou a institucionalização das forças
econômicas; c) iniciou o processo de liquidação, no governo federal, da hegemonia de
uns poucos Estados, particularmente de São Paulo, em detrimento dos restantes; d)
firmou o princípio da intervenção do Estado na economia, embora sob a forma de
‘dirigismo’ desconexo e às vezes caótico; e) foi também o momento inicial em que a
sociedade redirecionou o debate sobre a questão racial e promoveu os estudos mais
sistemáticos sobre relações raciais e a ideologia da democracia racial, como já referido.

O período de 1930-1964 se caracteriza pela industrialização acelerada, associada


à crescente estratificação social e espacial, ainda que o processo de segregação espacial
tenha alguma diferenciação ao longo do período. No período de 1930-1950, a cidade
conhece um grande fluxo de imigração, e em 1950, quase dobra a população, que em
1940 chegou a 1.764.141 e em 1950 a 2.377.451 (Tabela 3). Entre os fatores que
contribuíram para este crescimento demográfico está o crescimento industrial da cidade,
que passou a atrair mão-de-obra numerosa, tanto de estados mais próximos, como
Minas Gerais e Espírito Santo, como, a partir da década de 1940, de estados mais
distantes do Nordeste, após a construção da Rodovia Rio-Bahia. “Este aumento
populacional, via migração, por sua vez, contribuiu em muito para o crescimento dos
subúrbios, especialmente daqueles situados nas proximidades da fronteira do Distrito
Federal – Pavuna, Anchieta, ou além dela, já nos municípios da Baixada Fluminense”
(ABREU, 1997, p.96-107). Segundo este autor, o processo de crescimento demográfico
e industrial dos subúrbios apresentou uma intensificação expressiva no período.

Para o autor, o apoio do Estado foi fundamental nesse processo, que viabilizou o
deslocamento das indústrias da área central da cidade para os subúrbios,
complementados por dois outros processos, igualmente importantes: 1) a saída dos
90

estabelecimentos fabris das proximidades do centro que viabilizou edificações amplas


nesta área; 2) com o decreto-lei 6000/37, pela primeira vez definiu-se uma área
industrial na cidade. Nessa nova área foram excluídos os bairros da zona sul e norte, e
outros de tradição fabril, como Gávea, Jardim Botânico e Laranjeiras, que sofreram
mudanças de forma de ocupação e de composição da população residente, deixando de
ser áreas de fábricas com vila operária, para se tornarem bairros de classe média alta.

Ainda de acordo com Abreu, também é o período em que as políticas populistas,


no plano das habitações, viabilizam a construção de conjuntos habitacionais nos
subúrbios cariocas para o proletariado, que precisa ter o seu lugar “natural”. O Estado e
o capital atuam nesse sentido, através de vários planos e reformas de diferentes
administrações. Se o fim da cidade colonial-escravista foi marcado pela Reforma
Pereira Passos, a administração Carlos Sampaio teve seu plano urbanístico, Plano
Agache, seguido pelas demais administrações do período.

Como resultado das migrações para as cidade, a década de 1940 teve a de maior
proliferação de favelas na cidade, embora existam divergências quanto aos números, o
censo de 1940 revelou um total de 138.837 habitantes nas 105 favelas existentes,
concentradas, notadamente, na área suburbana (44% das favelas e 43% dos favelados),
seguindo-se a zona sul (24% e 21%, respectivamente, e a zona Centro-Tijuca, 22% e
30%). “A zona Bangu-Anchieta, a mais distante dos principais locais de emprego, tinha
participação bem menos significativa: 11 favelas (10% ) e 6% de favelados” (ABREU,
1997, p. 106).

De acordo com Ribeiro (1997, p. 281): “Ao final dos anos 50, afirma-se
definitivamente no imaginário carioca a diferenciação social que separa ‘zona sul’ e
‘zona norte’ como dois mundos caracterizados por modos de vida diferentes, que
sustentará outros booms imobiliários na década de 70”. De fato, Gilberto Freyre assinala
em Sobrados e Mocambos (1936), que os bairros nobres na expansão das antigas
capitais tendem a se concentrar na orla marítima, produzindo os efeitos analisados por
Ribeiro.

No período Juscelino Kubitschek, o país tem um crescimento da sua base


econômica e de sua infra-estrutura, baseado na entrada de capital estrangeiro que gerou
crescimento industrial importante. Essa fase de industrialização acelerada também foi
acompanhada por crescimento acelerado e desordenado dos grandes centros urbanos,
aumentando a população pobre, forçada a morar em favelas e cortiços. A construção de
91

Brasília, que entre seus objetivos tinha tanto o de marcar o futuro dinâmico desejado
pelo governo, como o de distanciar-se das pressões das massas urbanas, teve
conseqüências importantes para o Rio de Janeiro, entre elas, é claro, a perda de
hegemonia política que ostentou por tanto tempo e, progressivamente também, a
econômica que foi perdendo para São Paulo desde a expansão do café. Especificamente,
no periodo desenvolvimentista de Juscelino Kubitschek, o crescimento industrial
favoreceu bem mais São Paulo, que suplantou o Rio de Janeiro como principal pólo
industrial do país, passando este à segunda posição, na qual permanece até hoje.

Mas, apesar da transferência da capital do país para Brasília, nos anos 1960, as
administrações de Carlos Lacerda (1960-1965) e Negrão de Lima (1965-1971) foram
marcadas por um grande número de obras: construção dos Túneis Rebouças e Santa
Bárbara, que aproximaram as Zonas Norte e Sul, provocando mudanças importantes na
geografia da cidade, e o Parque do Flamengo, que se consolidou como uma das maiores
áreas de lazer da cidade. Estas obras com pesados investimentos públicos, marcaram a
opção pelo transporte automobilístico individual. Além disso, nestas administrações
foram construídos: a adutora do Guandu, ampliadas as redes de água e esgoto e
concluídos os viadutos dos Marinheiros e dos Fuzileiros, na Praça da Bandeira, e Saint-
Hilaire, na Lagoa; as pistas laterais da Avenida Brasil forma complementadas; foi
encomendado à firma grega Doxiadis and Associattes, o projeto das linhas
prolicromáticas, que inclui as Linhas Vermelha e Amarela, construídas em governos
posteriores.

Foi no período autoritário, que se elabora e implementa o Plano Doxiadis,


favorecendo a organização do espaço promovendo maior separação das classes sociais.
Lacerda lançou o Plano de Habitação Popular, na lógica da limpeza étnica não explícita,
tendo para isso financiamento do governo americano. Esta limpeza étnica se
materializou com a remoção de grandes favelas da Zona Sul, como a do Morro do
Pasmado, em Botafogo, e transferência de seus moradores para os conjuntos
habitacionais de Vila Kennedy, Cidade de Deus, Vila Aliança (Bangu) e Vila Esperança
(Vigário Geral). Note-se que nem mesmo chegou a ser pensado um sistema de
transporte coletivo, que assegurasse às antigas populações faveladas da Zona Sul, o
acesso aos empregos anteriores, ou às redes de escolas e serviços médicos utilizados por
estas famílias.

No período seguinte, o governo Negrão de Lima continuou o trabalho de


92

transformar a cidade para suas elites. Realizou um conjunto de obras viárias, como o
alargamento das pistas da Avenida Atlântica, da Praia de Copacabana e um interceptor
oceânico de esgoto no bairro, projetados durante o governo Lacerda, e concluiu as obras
do Túnel Rebouças. A expansão da Zona Sul em direção ao Recreio dos Bandeirantes
foi concretizada com a construção da auto-estrada Lagoa-Barra, perfurando os túneis do
Joá, de São Conrado e Dois Irmãos (atual Zuzu Angel) e erguendo o Elevado do Joá.
Como em outras administrações, erradicou várias favelas, como as da Catacumba, na
Lagoa, Macedo Sobrinho, no Humaitá, e a da Praia do Pinto, no Leblon. Construiu
ainda o campus da Universidade da Guanabara (atual UERJ – Universidade do Estado
do Rio de Janeiro), no Maracanã, de onde também foi removida a favela do Esqueleto,
ali existente. Tais medidas, favorecereram a construção imobiliária e, as classes
dominantes. Para Abreu, “todo esse processo se fez numa associação Estado-capital
imobiliário privado, reeditando, assim, um comportamento antigo das classes
dominantes” (ABREU, 1997, p.135).

De fato, esta associação Estado-capital levou o governo a encomendar ao


arquiteto Lúcio Costa o plano da Barra para preparar esta área para os grandes
empreendimentos imobiliários, destinados às classes de alta renda. “Em 1976 é editado
o decreto nº.324, que estabelece normas construtíveis específicas para a Barra e
institucionaliza o Plano Lúcio Costa. Ao final da década de 70, a Barra está preparada
para ser ocupada” (RIBEIRO, 1997, p.322).

Em Salvador, como no Rio de Janeiro, do ponto de vista de suas elites, a


preocupação de transformá-la numa capital moderna, européia, era a mesma. Ana
Fernandes e Marco Aurélio Gomes (1993, p.55), analisando o processo de
modernização da cidade, assinalam três momentos da construção idealizada de Salvador
na perspectiva das classes dominantes:

No primeiro, com o governo do 8º Conde dos Arcos (1810-1818), quando se fez a


abertura dos portos, como resposta à necessidade de legalização de um imenso comércio
clandestino para elevação dos recursos da Metrópole; numa economia próspera, fez
obras de melhoramento no porto e no bairro comercial, deu apoio ao projeto de
transferência do centro da cidade para Itapagipe, e também ao projeto da Junta
Comercial; o estabelecimento da Escola de Cirurgia (futura Faculdade de Medicina), da
Biblioteca Pública e do jornal Idade do Ouro, a construção do Teatro São João e do
Passeio Público.
93

Nesse período também sucedem-se as revoltas escravas e as lutas pela


independência citadas anteriormente.

No segundo momento, entre 1850 e 1890, novos elementos vão somar-se àqueles
já esboçados no início do século. Período marcado por instabilidades na economia
(1842-1860), que alterna ciclos de crescimento e de grande depressão (1860-1887), mas
caracteriza-se pela multiplicidade das trocas com novos produtos na pauta de
importações e exportações da Bahia, com uma intricada rede de financiamento
internacional e com o desenvolvimento de um setor industrial urbano, que, apesar das
oscilações, contribui para aumentar as rendas públicas e a própria acumulação privada.

No terceiro e último surto de modernização do período estudado (1900-1920),


destacam-se: 1) a recuperação da economia baiana, com a consolidação de grupos
financeiros e industriais, inclusive com o estado tornando-se o maior produtor mundial
de cacau; 2) obras de modernização do porto e a reforma urbana promovida por JJ
Seabra, entre 1912 e 1916; 3) desenvolvimento dos meios de comunicação; 4) aumento
da complexidade dos aparelhos de Estado.

Todo este processo de modernização, descrito e analisado pelos autores, alterou,


inclusive, a espacialização das classes sociais (e das raças) na cidade:
com a fuga dos ricos das áreas centrais, delineando-se uma organização
espacial entre bairros burgueses e bairros proletários: nas áreas mais antigas e
mais densamente ocupadas da cidade, o aproveitamento intensivo dos grandes
imóveis antigos propiciou a proliferação de cortiços, casas de cômodos,
‘lojas’, e porões ocupados por segmentos egressos da escravidão; nos
interstícios existentes nas partes mais antigas, ou em bairros pericentrais, o
surgimento das ‘avenidas de casinhas de aluguel’, no momento em que se
estrutura na cidade um mercado locativo popular. Na periferia da cidade, em
áreas desocupadas ou rarefeitas, uma ocupação precária se acentua, desde as
últimas décadas do século XIX, composta de barracos e casebres; e
finalmente, em áreas adjacentes às indústrias de maior porte instalam-se as
vilas operárias higiênicas (FERNANDES e GOMES, 1993, p.64-65).
Os autores ainda destacam que em 1930, as idéias do urbanismo racionalista
europeu, e suas normas da higiene urbana norte-americana, que visavam o ingresso de
Salvador na modernidade, foram discutidos na Semana de Urbanismo e criado o
EPUCS – Escritório de Planejamento Urbano da Cidade de Salvador, para concretizar
melhor os projetos das elites.

O fenômeno das invasões em Salvador é tão significativo quanto o das favelas no


Rio de Janeiro, constituindo-se em um dos elementos que mais contribuem para o
crescimento e expansão da malha urbana. Com a elite sem nenhuma preocupação de
resolver os problemas do conjunto dos habitantes da cidade, a proliferação de invasões
94

tem sido a forma que a população pobre vem encontrando para resolver os seus
problemas de moradia, cujo marco ocorreu com a invasão do Corta Braço, na década de
1940 (atualmente integra a grande área do bairro da Liberdade), quando a cidade tinha
290.443 habitantes. Mas, até quase o fim da década de 1950, Salvador quase não teve
alteração na sua infra-estrutura, e seu regime fundiário, baseado na enfiteuse, se
manteve até quase o fim da década de 1960. A partir desse período, o crescimento
econômico da Bahia, principalmente durante o Regime Militar, alterou vários aspectos
da vida da Bahia e de Salvador, que iniciou a década de 1960 com uma população de
pouco mais de 400 mil habitantes. Nos últimos 50 anos, contudo, teve grande
crescimento populacional, elevando-se nos últimos anos a terceira metrópole brasileira
com mais de 2,6 milhões em 2005. De um lado, no período de 1964-1980, são
construídos 37 conjuntos habitacionais, relativamente populares, pela URBIS,
favorecendo a expansão urbana do mercado formal (MENDONÇA, 1989, p. 61); e do
outro, os trabalhadores de renda mais baixa e da informalidade, não tendo alternativa,
intensificam a luta pela terra e pela sobrevivência e reprodução de sua própria força de
trabalho, que na década de 1980 supera todos os demais períodos, como mostram estes
números.

Entre 1950 e 1968, ocorreram 79 invasões (18,4%); de 1969 a 1979, 109 (25,4%);
e no período de 1980 a 1989 chegaram a 250 - 56,1% do total (Movimento a Cidade é
Nossa, 1991:10). De acordo com SOUZA (2000, p.54), de 1981 a 1991, a área ocupada
por invasão representou quase 40% (575,95ha) do total de ocupação até então registrada
para esse tipo de moradia, desde a primeira ocorrência, em 1946, que corresponde a
1.473,06 ha. Como no Rio de Janeiro, a remoção de invasões foi também uma estratégia
das elites para liberar terrenos valorizados, mas em geral a população resistiu e
consolidou seus territórios, duramente conquistados. No período de seu maior
crescimento, que coincide com o avanço das lutas democráticas, houve uma efetiva
participação das associações de moradores e de sua Federação das Associações de
Bairros de Salvador (FABS)38, fundada em 1979, além de outros movimentos nesse
processo, que ampliavam a noção do direito à cidade, como ocorreu em todo Brasil,
com o crescimento dos movimentos sociais urbanos.

No período da ditadura militar, a cidade teve nove prefeitos indicados (1966-

38
Ver GARCIA. Movimentos Sociais da Cidade d’Oxum. In: Paulo Costa Lima {et al}.Quem Faz
Salvador? UFBA, Salvador, 2002.
95

1985), que em geral priorizaram o crescimento econômico da cidade, com grandes obras
de embelezamento e favorecimento do capital em todas as suas formas (industrial,
financeiro, comercial e imobiliário), principalmente o último. As reformas urbanas
impostas pelas elites locais produziram, recorrentemente, efeitos perversos para a parte
mais pobre. Como prefeito indicado pelos militares, Antonio Carlos Magalhães
promoveu uma reforma urbana que visou a privatização das terras públicas, onde
“vastas extensões de terras de propriedade da Prefeitura são passadas para o domínio
privado. Já nos anos 1970, então sob a administração estadual deste mesmo ex-prefeito,
agora governador nomeado, constrói-se a Avenida Paralela e, às margens, o Centro
Administrativo da Bahia” (PINHO,1993, p.78).

Nesse período consolida o seu domínio político-administrativo na cidade e no


estado, indicando vários prefeitos de seu grupo político e sendo bem sucedido, mesmo
no período democrático, já que sob o regime militar estabeleceu as bases todo seu
poderio. Apesar de hiatos de rebeldia, a cidade ficou sob seu domínio por décadas, só
interrompido no período de 1992 a 1996 com a eleição de Lídice da Matta, ex-
comunista e na atual gestão, de João Henrique Carneiro (PDT). Note-se que João
Henrique foi membro do grupo de Antônio Carlos Magalhãoes, elo rompido há muitos
anos. Foi eleito em 2004 pelo PDT, sendo o mais votado do País, com 71% dos votos,
de acordo com o TSE – Tribunal Superior Eleitoral.

Em relação ao estado, aconteceram duas rupturas importantes que quebraram a


hegemonia carlista. Uma foi em 1986, Waldir Pires, candidato ao governo do estado
pelo PMDB e representando as forças políticas mais progressistas do estado à época
derrotou o candidato carlista com uma votação das maiores do período pós ditadura
militar. A outra foi em 2006, 20 anos após, a Bahia liderada pela cidade de Salvador
impõe nas eleições de 2006 a vitória mais surpreendente destas eleições. Apesar de
todos os institutos de pesquisas de opinião (IBOPE, Datafolha entre outros) afirmarem a
vitória do candidato carlista Paulo Souto no primeiro turno, Jacques Wagner, candidato
do PT, mas com uma aliança ampla de oposição ao carlismo, venceu as eleições para
governador da Bahia com 56,30% dos votos no primeiro turno.39

Paulo Fábio Dantas Neto (1993, p.122), faz uma análise da instabilidade dos
processos político-administrativos da cidade e aponta o que representou a gestão
municipal de 1947-1988. Seu estudo mostra que, no período, do total de 17 prefeitos, 12
39
Ver Tribunal Superior Eleitoral (TSE), eleições 2006.
96

foram nomeados e 5 eleitos, tendo os mandatos uma média de duração de 2 a 7 anos,


com motivos variados de afastamento: conflitos com empresários sobre impostos,
transportes coletivos e legislação urbanística; incompatibilidade política com o
governador; golpe de estado; desincompatibilização e, finalmente, interesses
particulares. Para o autor, a gestão coletiva do crescimento urbano acelerado sofreu
grandemente, com a ausência de eleições regulares para o cargo de prefeito. A gestão
municipal autoritária foi, sem dúvida, um dos fatores a contribuir para a marginalização
dos grupos sociais desprovidos de recursos materiais e de migração recente para a
grande cidade.

O fenômeno das favelas e/ou invasões40, a sua origem e desenvolvimento no


Brasil têm sido bastante estudados. O nosso objetivo aqui é bastante modesto: refletir
muito brevemente sobre o processo de transição entre cidade colonial escravista e
cidade republicana, tentando compreender as raízes históricas das favelas ou invasões,
suas conexões com a estrutura urbana durante a vigência da escravidão, e na passagem
ao capitalismo industrial, quando ex-escravos tornaram-se trabalhadores e cidadãos de
segunda classe. Para Engels (1979), a crise da moradia é um produto da forma social
burguesa:
Uma sociedade não pode existir sem problemas de habitação quando a grande
massa de trabalhadores dispõe apenas do seu salário, isto é, da soma e dos
meios indispensáveis à sua subsistência e à sua reprodução; quando os
melhoramentos mecânicos deixam massas de operários sem trabalho; quando
violentas e cíclicas crises industriais determinam, por um lado, um grande
exército de reserva de desempregados, e por outro lado, atiram
periodicamente à rua volumosa massa de trabalhadores; quando os proletários
se amontoam nas grandes cidades, e isso se dá num ritmo mais rápido que a
construção de habitações nas condições atuais, e se encontram sempre
inquilinos para a mais infecta das pocilgas; quando, enfim, o proprietário de
uma casa, na sua qualidade de capitalista, tem não só o direito mas também,
em certa medida, graças à concorrência, o dever de exigir, sem escrúpulos,
aluguéis elevados (ENGELS, 1979, p. 24).
Assim, para o autor, em sociedade semelhante, a crise da habitação não é um
acaso mas uma instituição necessária não pode ser eliminada com medidas de saúde
pública ou de políticas públicas específicas, e sim quando toda a ordem social que a
originou for transformada pela raiz. Os problemas da urbanização contemporâneos
parecem dar razão a Engels.

O capitalismo como sistema global gerou também, na nossa sociedade, o mesmo

40
Em Salvador, a população utiliza este termo para caracterizar sua forma de se apropriar do espaço
inicialmente chamado de invasão e, posteriormente, bairro popular, e nesse sentido vamos utilizá-lo.
97

produto de forma piorada, por sermos periferia do sistema, sobretudo na atualidade,


quando a reestruturação produtiva e o crescente desenvolvimento de novas tecnologias
dispensam cada vez mais trabalhadores. O bairro, como lugar da reprodução social,
expressa bem a diferenciação entre os grupos sociais e a segregação residencial. A
grande cidade, altamente diferenciada na ocupaão de espaço residencial, com a
hierarquia social se exprimindo na hierarquia residencial, parece ser uma constante do
mundo moderno. Mas a história de cada país e de cada cidade imprime marcas
particulares nessas hierarquias.

A Tabela 3 mostra a evolução da população total de Salvador e do Rio de Janeiro,


do século XIX ao XX, e deste até 1960, quando o Rio de Janeiro cresce a uma taxa
sempre superior à de Salvador. Observe-se que São Paulo teve uma população menor do
que Salvador até 1890, com apenas 64.934, enquanto Salvador tinha 174.412 habitantes,
mas no censo de 1900 já a ultrapassa, com 239.820, contra 205.813 de Salvador, que
passou a ser a terceira maior cidade, situação que se mantém até hoje. Na comparação
com o Rio de Janeiro, Salvador tem uma população menor, pelo menos no censo de
1872. Logo após a abolição, em 1900, Salvador é uma cidade bem menor que o Rio de
Janeiro, que já tinha 811.443 habitantes enquanto a população de Salvador era de
205.813 habitantes. Em relação a São Paulo, o Rio de Janeiro só perde a condição de
maior cidade do ponto de vista demográfico, a partir de 1960, quando tem 3.281.908
contra os 3.781.446 de habitantes paulistanos, e mesmo assim, sem uma diferença muito
significativa.

Tabela 3 - Evolução da População do Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo - 2005

1872 1890 1900 1920 1940 1950 1960


Salvador 129.109 174.412 205.813 283.422 290.443 417.235 649.453
Rio de
Janeiro 274.972 522.651 811.443 1.157.873 1.764.141 2.377.451 3.281.908
São Paulo 31.385 64.934 239.820 579033 1.326.261 2.198.096 3.781.446
Fonte: REIS, João José/IBGE, 2000. Elaboração Antonia Garcia
No processo de urbanização/industrialização, que se consolida a partir de 1930, as
relações arcaicas de mando, baseadas na propriedade fundiária, não foram rompidas e
produziram mais contradições urbanas, com a intensa concentração de atividades
econômicas nestas cidades. Resultante desse processo, a crescente pobreza urbana em
termos absolutos e relativos, acentuadas a partir da década de 1940, e o crescimento de
favelas ou invasões é a marca das nossas particularidades. A abolição não dotou os ex-
escravos de patrimônio fundiário, para possuirem moradia independente, fazendo que o
98

afluxo de ex-colonos do café, ou de ex-moradores da cultura de cana-de-açúcar, ou


demais atividades agropecuárias, em direção às grandes cidades fosse tal como ocorreu.
Ou seja, sem recursos econômicos à disposição que permitissem aos migrantes entrarem
no mercado imobiliário de moradias, ou mesmo de aluguéis, só lhes restou ocupar áreas
degradadas para construção de suas precárias moradias.

Desta forma, o processo de urbanização acelerada do Brasil, transformou favelas-


invasões em fenômeno nacional, como revelam estes dados do IBGE/2005: de 6,5
milhões de pessoas que vivem no País em aglomerados subnormais,41 a metade está nos
Estados de São Paulo (2,07 milhões) e do Rio de Janeiro (1,38 milhão). Dois em cada
três desses brasileiros (65%) moram nas capitais, onde o número de favelados cresceu
39,3% na década de 1990, passando de 3 milhões para 4,2 milhões. No Rio de Janeiro,
1.092.476 pessoas moram nesse tipo de moradia, que cresce seis vezes mais que o
restante da cidade. Se de um lado, o fenômeno das favelas tem sido elemento
fundamental na história das cidades, e, em particular da parte dos mais subalternos, que
têm este como único meio de conquistar um lugar na cidade, do outro, as classes
dominantes e o Estado trabalharam, em conjunto ou separadamente, para removê-las ou
erradicá-las, sem oferecer soluções dígnas que representem a real integração à cidade,
como foi demonstrado com as políticas de remoção.

No que se refere aos estudos sobre este fenômeno, em geral a definição de favela
ou invasão é referida apenas quanto à ilegalidade da ocupação do solo, como um
componente sempre presente, revelando visão etnocêntrica e a-histórica. Luciana Lago
(2003, p. 2) tem uma visão muito interessante sobre a questão, quando propõe uma re-
conceitualização dos termos da ilegalidade e segregação, para a superação das diversas
dicotomias (formal-informal, integrado-excluído, favela-bairro, centro-periferia – que
têm em comum a ilegalidade da ocupação do terreno da moradia), nas análises
acadêmicas e aponta duas limitações principais neste debate: 1) reducionismo do
próprio universo em questão, tendo em vista a relação, quase inexorável, da ilegalidade
com a pobreza urbana; a ilegalidade das ocupações de terrenos de moradia pelas
camadas médias e altas não tem sido problematizada pelas forças progressistas que,
desde a Constituinte, vêm atuando no campo das políticas públicas42; 2) o próprio

41
Aglomerados subnormais é a definição do IBGE para favelas com pelo menos 50 habitantes.
42
Uma simples visita a áreas de antigas remoções de favelas no Rio de Janeiro pode revelar que prédios
de apartamentos, ou casas luxuosas se instalaram em áreas que haviam sido consideradas essenciais para
preservação das encostas. As áreas em torno da Lagoa Rodrigo de Freitas são exemplos nítidos tanto
99

recorte dentro do universo da pobreza urbana, à medida que a exclusão social e a


ilegalidade urbana foram ‘territorializadas’ nas favelas, minimizando-se na cena
acadêmica e política outros espaços representativos desse universo (periferias
metropolitanas e os loteamentos que as conformam).

De fato, o tratamento da segregação, tal como colocado acima, é um grande


obstáculo à compreensão de que a segregação urbana não se restrige às favelas,
sobretudo em relação à definição de ilegalidade fundiária ou de submoradia que lhe são
imputadas. Bairro como Plataforma, no Subúrbio Ferroviário de Salvador, situado no
litoral da Bahia de Todos os Santos, por exemplo, combina distância sócio-racial e
espacial, com precariedade da maioria de suas moradias. Ou seja, embora tenha as
características sociais e habitacionais do que é chamado de favela, tem sua origem numa
fazenda e se desenvolveu a partir de uma fábrica têxtil fundada no século XIX, e seus
moradores são obrigados a pagar foro anual aos donos da ex-fábrica (em ruínas) e da
terra. Nesse caso, existe segregação social e racial sem ilegalidade de ocupação do solo.

Ou, ainda, no sentido oposto, vejamos um exemplo de moradias com proximidade


de área branca e rica. A Cruzada de São Sebastião nasceu, oficialmente, em 29 de
outubro de 1955, como um conjunto habitacional, resultado de um convênio firmado
entre o então presidente da República, Café Filho, e Dom Hélder Câmara, secretário-
geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). O conjunto foi então
criado para ser o plano piloto pensado por Dom Hélder, que tinha como meta acabar em
dez anos, com as 150 favelas existentes na cidade naquela época, dando a seus
moradores vida digna. Esse conjunto habitacional, todavia, enfrentou grandes interesses
imobiliários, pois está situado numa das áreas mais valorizadas do Rio de Janeiro. A
Cruzada São Sebastião tornou permanentes no Leblon os antigos habitantes da Praia do
Pinto (foto anexa da favela removida).

Mas nada disso parece mudar o estigma que transformou a comunidade em


enclave social, num dos bairros mais ricos da cidade. Será que a proximidade territorial
produz mesmo integraçação racial e social, como muitos estudo parecem acreditar? De
acordo com uma reportagem recente, junto ao padre local, não, apesar de atualmente
haver 910 famílias e cerca de quatro mil moradores distribuídos em dez prédios, com
apartamentos conjugados, de um ou dois quartos, contando o conjunto com escola,

processo de limpeza étnica (94% de brancos) como de ilegalidades na ocupação praticadas pelas elites e
não questionadas. As novas escrituras teriam sido legalizadas? Por que meios jurídicos?
100

creche e cursos. Além disso, o conjunto tem hoje pelo menos 300 moradores de nível
superior, entre médicos, advogados, professores e psicólogos:
Segundo ele (o padre), toda vez que acontece um crime no bairro a polícia e a
imprensa voltam logo suas atenções para a Cruzada. No outro dia disseram
que o assaltante responsável pela morte de uma ciclista era da Cruzada. Fui
verificar na delegacia e não era. É claro que enfrentamos os mesmos
problemas de outros locais, como desemprego e drogas — conta o padre.
Primeira suspeita da polícia em todos os crimes que ocorrem no bairro, a
Cruzada responde por 20% dos casos, segundo levantamento do comissário
Orlando Arruda, da 14 DP (Leblon). A delegacia tem um álbum de
fotografias intitulado “Cruzada”, com 91 imagens de moradores com ficha
policial no bairro, alguns deles condenados e presos. Na maior parte dos
casos, são ladrões de bicicleta, assaltantes de transeuntes e residências. Mas
também há traficantes (O Globo, 13/02/05).
Como se vê, muitas vezes os estigmas sociais favorecem justificativas e
simplificações dos complexos problemas sociais. No Rio de Janeiro, ainda que
persistam algumas favelas na Zona Sul, elas são alvo de todo tipo de estigma, como se
pode acompanhar pela mídia, por exemplo, como justificativa da violência promovida
contra o narcotráfico e incursões da polícia, que produzem cenas de guerra civil.

Portanto, para mudar a forma como o mundo universitário tem estudado as


favelas, também se faz necessário investir em pesquisas que considerem as
representações populares, a construção de suas territorialidades, vendo a cidade como
totalidade altamente diferenciada e complexa. Além disso, não se pode esquecer que um
dos dilemas brasileiros é a desigualdade racial, que precisa sair da situação de tabu, na
análise da questão urbana, para ser estudada de forma objetiva, de forma a oferecer à
sociedade os conhecimentos necessários para o desenvolvimento de políticas urbanas
que superem as diversas manifestações de segregação, de racismo institucional, a
exemplo do debate sobre quilombos, já citado.

A variável raça não é socialmente neutra e sem conseqüências, diz Hasenbalg, que
recomenda “interromper a longa tradição de pesquisa (...) em favelas ou em Salvador
sem levar em conta este critério de diferenciação social” (HASENGALG, 1992, p. 15).
Para ele, tais pesquisas deveriam transformar-se em curiosidade do passado.
Acrescentaria que não apenas nas favelas, mas nas cidades, de um modo geral, deve-se
colocar a variável raça como central nos estudos sociológicos, já que as desigualdades
raciais se inscrevem no espaço urbano de forma mais ampla. Deve-se atentar ainda, para
a visão e prática dos subalternos, dos que percebem a cidade de um outro ponto de vista,
possuindo representações bem diferentes das classes e grupos raciais que ocupam as
posições dominantes do espaço social.
101

Nesse sentido, é relevante analisar as lutas democráticas em todo país e os


movimentos populares de Salvador, em particular do final da década de 1970 aos anos
1990, que desafiaram e desafiam o destino dado às terras expropriadas pelo Estado e
destinadas ao capital imobiliário, e promovem grandes invasões, a exemplo das
Malvinas (terreno na Paralela altamente valorizado, reservado para grandes
empreendimentos), que foi palco de muitos conflitos de classes (e raças):
Comecei a participar através da invasão, porque a gente não tinha terreno
para morar… Teve trator e até presos da penitenciária para derrubar os
barracos. A gente colocava crianças para não derrubar os barracos, porque
eles não tinham coragem de passar o trator por cima das crianças. Mas uma
mulher grávida perdeu a criança através dessa violência (In Garcia, Pacheco e
Santos, 1992, p. 51) 43.
Removida para o Subúrbio Ferroviário, parte dos seus moradores e de outras áreas
retomam estas terras durante o governo de Waldir Pires (1986), eleito com a maior
votação entre os governadores, derrotando assim os carlistas, que destinaram estas áreas
para os grupos dominantes. É importante observar, que quando existe um processo
coletivo de tomada da terra pelos moradores de Salvador, os próprios ocupantes,
inicialmente, a chamam de invasão, mas logo que ocorre um mínimo de consolidação, a
invasão passa a bairro popular, como uma forma de fugir da estigmatização produzida
por este tipo de identificação que, no entanto, revela uma forma singular de apropriação
do território.

A antiga invasão do Pela Porco é um exemplo disso. Mesmo sendo uma das mais
pobres, sem infra-estrutura, à medida que se organizaram politicamente, os moradores
trataram de trocar seu nome para Alto da Esperança. A ação coletiva dos moradores tem
efeitos também sobre a valorização simbólica dos espaços de moradia. A melhoria das
condições de vida implica ainda se livrar de todos os estigmas, num processo longo e
sofrido.

Talvez neste aspecto os soteropolitanos tenham uma forma singular de se


apropriar do espaço, diferente dos cariocas. No Rio, as favelas continuam sendo
favelas, mesmo quando consolidadas e até mesmo após o programa governamental
Favela-Bairro. Esse processo é tão significativo, que existem na organização dos
moradores dois tipos de federação: FAMERJ – Federação das Associações de
Moradores do Estado do Rio de Janeiro e FAFERJ – Federação das Associações de

43
Depoimento de uma militante da Federação de Bairros de Salvador (FABS).
102

Favelas do Rio de Janeiro e criadas no bojo das lutas dos anos 1960 e 1970 e mais
recentemente, a Central Única de Favelas (CUFA). Esta última entidade, ao contrário do
que em geral ocorre com os movimentos sociais urbanos, inclusive de moradores, trata
explicitamente da questão racial, buscando a constituição de identidades negras,
tematizando a existência de territórios étnicos, provavelmente resultado da maior
problematização e publicização das questões raciais na sociedade brasileira.

Uma entidade representa os bairros e a outra as favelas: FAMERJ – Federação das


Associações de Moradores do Rio de Janeiro (mais pluriclassista) e a FAFERJ –
Federação das Favelas do Rio de Janeiro e a Central Única das Favelas (CUFA) são
exemplos de organização destes segmentos da cidade, que lutam para serem
reconhecidos como moradores, lutam pela cidadania na cidade. A CUFA,
diferentemente das formas tradicionais de organização territorial dos moradores, usa
como forma de expressão o hip hop, que procura difundir, através da linguagem própria
desta cultura, a conscientização dos moradores das comunidades pobres e a elevação de
sua auto-estima. A busca da constituição destas identidades territoriais coletivas tem
uma importância fundamental para o repensar e o agir sobre a cidade e não podem ser
ignoradas nas políticas urbanas que, de fato, pretendem garantir o direito de todos à
cidade.

2.3 Perfil Religioso por Cor ou Raça: Salvador e Rio de Janeiro

Na diáspora negra, a questão religiosa tem importância fundamental. O povo


negro desterritorializado teve na religião a fonte guardiã dos valores da sua cultura e
sobrevivência, diante dos horrores da escravidão, que desestruturou sua família e quase
todas as suas instituições sociais. Para os povos negros, a religião é, portanto, mais que
uma manifestação de espiritualidade, é um elemento fundamental da sua resistência a
todas as violências representadas pela longa vida de escravidão, inclusive a violência
simbólica, e, na atualidade, nas formas recriadas de dominação. Constitui também a
base de uma cultura singular encontrada nas camadas mais populares. “Na diáspora, o
espaço geográfico que representa a África-mãe foi transferido e restituído no terreiro”
(SANTOS & SANTOS, 1994, p. 48). Embora todos estes significados estejam presentes
no imaginário popular, nem sempre as estatísticas permitem captar a sua verdadeira
força nas práticas cotidianas, na recriação de relações sociais e raciais.

A tabela da religião, por cor ou raça, é resultado de agregações das diferentes


103

religiões feitas por nós, a partir dos dados do IBGE/ISER - Instituto Superior das
Religiões. Assim, agrupamos todas as religiões: católicas em todas as suas variações
(7), evangélicas (31), espiritualistas (2). Em outras, estão: budismo, judaismo,
hinduísmo; novas religiões orientais (6);outras orientais (5); islamismo (2); tradições
esotéricas; tradições indígenas (6); e cristã sem vínculo. Para as religiões de origem
africana utilizaremos o conceito de afrodescendente, “que engloba todas as
manifestações de religiosidade com presença de elementos culturais identificados com a
experiência africana: umbanda, quimbanda, candomblé de caboclo, assim como as
manifestações religiosas das chamadas ‘nações’ africanas: nagô, jejê e bantu”
(XAVIER, 2005, p.112).

De acordo com Xavier (2005, p. 114), as próprias pesquisas sobre as religiões


afrodescendentes criaram um modelo de estudo que considera a religião católica como
modelo de organização do sagrado, e “essa taxologia conceitual projetada para a esfera
pública condiciona os mecanismos de adesão e filiação religiosa”.

Salvador já foi considerada a cidade das 365 igrejas, símbolo do poder católico,
bem representado pela suntuosidade dos templos, que contrastam com a simplicidade
dos Candomblés ou Terreiros de Umbanda, mesmo os mais famosos. Pensando na força
simbólica que as religiões afrobrasileiras têm na cultura popular, impressiona a baixa
representatividade estatística da adesão explicitada pelos baianos e cariocas em relação
a estes cultos, como mostra a Tabela 4. Nos bairros populares, a difusão de terreiros é
bem representativa dessa força subterrânea, que alimenta por séculos uma das religiões
de matriz africana, perseguida formalmente até a década de 1970, como era em
Salvador, onde os Candomblés tinham que pedir autorização da polícia para realizar seu
culto aos orixás.

O movimento subterrâneo de adesão religiosa talvez explique porque, ainda hoje,


conforme mostra a Tabela 4, persiste uma impressionante falta de expressão estatística
dos adeptos das religiões de matrizes africanas, especialmente na Cidade d’Oxum,
chamada por Mãe Aninha, filha de santo do Candomblé do Engenho Velho, e
posteriormente prestigiosa mãe-de-santo do Axé de Opô Afonjá no bairro de São
Gonçalo, de “Roma Negra”44 e pela antropóloga americana que estudou o Candomblé
de Salvador, a “Cidade das Mulheres”, pelo papel fundamental que têm as mulheres
nesta religião, definido por um dos seus principais estudiosos, Edison Carneiro [19--],
44
Cf Ruth Landes (2002).
104

p.263) da seguinte maneira:


Os negros têm na Bahia sociedades religiosas especiais, a que chamam de
Candomblés (...) Estes Candomblés vieram, na sua maioria, da África, mais
exatamente da Costa dos Escravos, da zona habitada pelos povos Yorubás e
Ewês. O tráfico negreiro para o Brasil concentrou no porto da Bahia a quase
totalidade dos negros desses povos, às vezes mesclados a representantes de
outros povos da mesma região, tshis, gás, mandês, haúças (CARNEIRO, [19--
-], p. 263).
Durante o longo processo de escravidão, um dos expedientes para facilitar a saída
do cativeiro eram as chamadas juntas de alforria, que funcionavam como uma espécie
de poupança para custear a emancipação. Em muitos casos, a emancipação de escravos
visava liberar líderes religiosos do candomblé. Um grupo se reunia e cada um fazia uma
pequena contribuição, e assim os seus membros iam sendo libertados. De acordo com
Arthur Ramos [19--]:
Na Bahia, antes dos Fundos de Emancipação estabelecidos pelas sociedades
abolicionistas, os negros haviam organizado ‘fundos de empréstimos’ para
facilitar a compra da alforria. A maior das suas organizações se converteu em
sociedade de emancipação, pois este se tornou seu objetivo principal. (...) Em
quase todas as províncias do Brasil, estas sociedades floresceram mais ou
menos eficazmente (RAMOS [19---, p 71].
O sincretismo levou os negros a criarem irmandades religiosas católicas que
também tinham um papel na luta para a vida livre. As devoções de Nossa Senhora da
Boa Morte,45 na Bahia, tinham juntas de alforria, que eram usadas, inclusive, para
libertar sacerdotisas importantes dos cultos africanos que viviam em cativeiro. Várias
irmandades que reuniam negros libertos, como a de Nossa Senhora do Rosário dos
Pretos, sobrevivem ainda hoje, e a do Senhor Bom Jesus dos Martírios, que se instalou
na igreja da Barroquinha, teve uma importância marcante na formação do Candomblé.

De acordo com a Tabela 4, como esperado, a Igreja Católica continua majoritária,


com mais de 60% de adeptos em ambas as cidades e os sem religião e evangélicos
empatados, no segundo maior percentual, sendo que em Salvador, os sem religião têm
um índice maior que no Rio de Janeiro (18,2% e 13,4%), respectivamente. Em relação à
cor os católicos brancos estão empatados em ambas as cidades: Salvador com 66,2% e o
Rio de Janeiro com 65,2%. As diferenças percentuais são maiores entre os negros, que
em Salvador são 60,7%, e no Rio de Janeiro 65,2%. No que diz respeito aos sem
religião, há menos brancos nessa condição em ambas as cidades, onde os brancos
representam (14,8% e 11,5%) respectivamente, enquanto os negros são

45
Na histórica cidade de Cachoeira, no Recôncavo baiano, continua preservada a Irmandade Nossa
Senhora da Boa Morte.
105

significativos:19,3% e 16,3%.

Tabela 4 – Religião por Cor ou Raça – Salvador e Rio de Janeiro - 2000

Cor ou raça Total


Tipos de Branca Negra
religião Rio de
Salvador Rio de Salvador Rio de Salvador
Janeiro
Janeiro Janeiro
Sem religião 14,8% 11,5% 19,3% 16,3% 18,2% 13,4%
Católica 66,2% 65,2% 60,7% 55,0% 62,0% 61,0%
Evangélica 12,6% 15,2% 17,0% 23,0% 15,9% 18,4%
Espiritualista 5,2% 4,5% 1,7% 2,1% 2,5% 3,5%
Umbanda 0,0% 1,2% 0,1% 1,4% 0,1% 1,3%
Candomblé 0,2% 0,3% 0,4% 0,7% 0,3% 0,5%
Outras afro-
brasileiras 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0%
Outras 0,9% 2,1% 0,8% 1,5% 0,9% 1,8%
Total 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%
Fonte: Microdados IBGE/2000 – Elaboração: Antonia Garcia

Também em relação às religiões evangélicas, há diferenças em ambas as cidades.


No Rio de Janeiro, o percentual dos adeptos é de 18,4%, enquanto em Salvador é de
15,9%. Na terceira posição, vêm as religiões espiritualistas, com um percentual bem
abaixo, em ambas as metrópoles: 3,5% e 2,5% no Rio e em Salvador, respectivamente.
Contudo, as religiões de menor peso estatístico são as de matrizes africanas.
Paradoxalmente, o Candomblé da Bahia tem menos adeptos assumidos do que no Rio
de Janeiro (0,3% e 0,7%). A Umbanda, no Rio de Janeiro, como esperado, é maior que
em Salvador (1,3% contra 0,1%).

Mas é importante ressaltar que, na Bahia, apesar de toda força cultural do


Candomblé, as mães-de-santo e pais-de-santo costumam declarar-se católicos, o que
pode significar que persiste a influência de fatores coercitivos, que os colocam em
posição defensiva. Afinal, a “legalidade” de muitos fatos importantes da vida social,
como casamentos, batizados, etc, de ritos de passagem, para usar a expressão da
antropologia social, passa pela Igreja Católica, apesar de já ter algum tempo a separação
entre a Igreja e o Estado. Mas também pode-se explicar pela força do próprio
sincretismo que, mesmo nos terreiros, tem lado a lado orixás e santos católicos
correspondentes. E ainda, como mostra Arthur Ramos [19--, p. 287], “começar e
terminar os cultos com louvação ao deus católico: as cerimônias terminam como
começaram: pela invocação ao santo protetor. O coro canta e o Embanda lança a bênção
a todos com a fórmula católica ‘Louvado seja Deus’ logo respondida ‘Para sempre seja
106

Louvado’ pela assistência contrita46. Esta é uma prática que não se alterou. Ao
participar do Congresso Mundial Contra o Racismo, realizado em Salvador, em 1999,
assisti, no seu encerramento, as mães-de-santo da Irmandade Nossa Senhora da Boa
Morte rezarem a Ave-Maria e o Padre-Nosso.

O sincretismo baiano também tem práticas religiosas inusitadas e reveladoras da


complexidade do nosso processo de formação. Sexta-Feira da Paixão, que é dia de
penitência, de jejum, para a religião católica, é o dia de mesa farta, pelo menos nos lares
do Recôncavo baiano, onde são servidas todas as comidas tradicionais da cultura afro-
baiana, que são as mesmas servidas aos orixás: caruru, vatapá, moquecas, etc.

Uma voz crítica do sincretismo é a atualmente mais famosa sacerdotisa da Bahia,


a Mãe Stella do Terreiro Ilê Opó Afonjá, situado no bairro de São Gonçalo, um sítio
onde há escola, museu que congrega um pouco da história do Terreiro, incluindo peças
que foram da Mãe Aninha e de outras Mães, adereços, materiais de trabalho, etc. De
acordo com ela, o importante é o ecumenismo, porque religião não precisa andar uma
contra a outra, crença não se impõe, e afirma:
No Candomblé, inicialmente, o sincretismo foi necessário por razões que todo
mundo sabe, foi forçado pelas circunstâncias. Mas hoje o Candomblé já sabe
de suas essências. (...) No dicionário, o sincretismo é a mistura de duas
religiões, uma se confunde com a outra e, depois, não vale mais nada para
ninguém. É um engano, nós somos independentes, temos nossa liturgia nosso
sacrifício. Não há necessidade de nos escondermos atrás de outra religião
para nos valorizarmos (Bahia:Análise & Dados, 1994, p.44).
A Bahia que se quer plural, cantada em verso e prosa como: “Ó Bahia da magia,
dos feitiços e da fé. Bahia que tem tanta igreja. E tem tanto Candomblé...”47 guarda
muitas contradições. Assim é com o racismo, que se manifesta de forma silenciosa no
cotidiano das pessoas, que vai construindo constrangimentos com a utilização de
estereótipos e, particularmente, em relação às religiões de origem africana, destruindo a
auto-estima de seus adeptos. Mas, às vezes, os atos de violência por motivos religiosos
saem do subterrâneo, como mostra a seguinte reportagem:
Em uma edição de 1999 a Universal e a Editora Gráfica Universal publicaram
uma foto de Mãe Gilda com uma tarja preta cobrindo seu rosto e a frase:
"Macumbeiros e charlatões lesam bolso e vida de cliente". Um ano depois,
em 2000, Mãe Gilda morreu de ataque fulminante ao perceber uma invasão
ao seu terreiro por membros de igrejas neopentecostais, ramo das igrejas
evangélicas ao qual a Universal pertence (A Tarde, 24.11.05).
Diante da sistemática perseguição aos Candomblés, seus representantes reagem
publicamente:
46
Arthur Ramos. Linha de Umbanda, p. 287. In: CARNEIRO, E. Antropologia do Negro.
47
Música A Bahia te Espera de Herivelto Martins e Chianca Garcia, 1950.
107

Com um canto em honra aos caboclos, inquices, orixás e voduns, e uma


corrente em torno do Dique do Tororó, sacerdotes e iniciados das religiões de
matrizes africanas finalizaram, ontem, uma caminhada histórica. Pela
primeira vez, eles fizeram, em Salvador, uma marcha própria no Dia Nacional
da Consciência Negra Cleidiana” ( A Tarde, 21/11/2005).
E ainda, segundo o doutorando em história, Jaime Sodré (sacerdote e músico) do
terreiro Tanuri Junssara e oloê (espécie de conselheiro) do Terreiro Bogum:
Esta caminhada é uma afirmação da religiosidade de identidade negra, uma
celebração contra a intolerância, mas sem perder a alegria e a vida que são as
nossas marcas mais fortes. É histórica e também um espaço privilegiado de
acolhimento a todos, inclusive com a abertura proporcionada à palavra das
mulheres negras, que aqui tiveram um fórum privilegiado (A Tarde,
21/11/2005).
Atos de intolerância religiosa, como o descrito acima, não são tão esporádicos
assim. Quem visita a maior feira livre da cidade, São Joaquim, onde se comercializam
muitos e variados produtos, inclusive da culinária afro-baiana e objetos principais do
culto africano, depara-se com um alto-falante usado por evangélicos, provavelmente
desse mesmo segmento religioso que tem promovido uma “guerra” religiosa,
esbravejando contra a “seita do diabo”. Note-se este paradoxo. Nas religiões
evangélicas, ao contrário das católicas, no topo da hierarquia há bastante negros. Além
disso, o acarajé, que faz parte das oferendas aos orixás, é comercializado pelos
evangélicos, que não vêem nisto nenhuma contradição com sua crença.

A distribuição geográfica das religiões afrodescendentes ocorreu de acordo com a


diáspora da massa de africanos e africanas no país. As religiões de matrizes africanas
tiveram como núcleo primário de expansão o Nordeste e o Norte, principalmente,
Bahia, Pernambuco e Maranhão e as afro-brasileiras, como a umbanda, o Sudeste,
especialmente o Rio de Janeiro (XAVIER, 2005, p.115). Assim, enquanto em Salvador,
predomina entre as religiões de matrizes africanas o Candomblé, no Rio de Janeiro
predomina a Umbanda mas, como vimos na Tabela 4, elas são, do ponto de vista
estatístico, insignificantes, o que denota possivelmente o medo dos estigmas de cultos
perseguidos historicamente. Segundo Roger Bastide (1959, p.149), a religião nagô
existiu outrora no Rio de Janeiro, como existira na Bahia: “encontramos traços dela nos
primeiros anos da República. Mas esta religião dos negros minas fundiu-se com a dos
bantos, mais numerosos, e a dos índios, adotada pelo africano dando nascimento à
macumba”. Mesmo tendo Salvador preservado mais a cultura e a religião afro, o povo
negro do Rio sofre também a discriminação nas suas práticas religiosas.
108

João do Rio {Paulo Barreto, 1965, 482-83},48 no artigo “Entre Umbanda e


Quimbanda Feitiços e Feiticeiros” mostra, mais de meio século depois da abolição, as
contradições que regem as relações raciais no espaço carioca. Neste artigo,
comemorativo do aniversário da cidade, o autor diz várias coisas, entre as quais:
Nós dependemos do Feitiço. Não é um paradoxo, é a verdade de uma
observação longa e dolorosa (...). É provável que muita gente não acredite
nem nas bruxas, nem nos magos, mas não há ninguém cuja vida tenha
decorrido no Rio sem uma entrada nas casas sujas onde se enrosca a
indolência malandra dos negros e das negras. É todo um problema de
hereditariedade e psicologia essa atração mórbida (...). Os feiticeiros
formigam no Rio, espalhados por toda a cidade, do cais à Estrada de Santa
Cruz. Os pretos, alufás ou orixás degeneram o maometismo e o catolicismo
no pavor dos aligenum, espíritos maus, e do exu, o diabo, e a lista dos que
praticam para o público não acaba mais (João do Rio, 1985, p. 482-483).
Os despachos nas encruzilhadas da Cidade Universitária, onde se localiza a
Universidade Federal do Rio de Janeiro, ainda devem causar horror a muitos dos
freqüentadores da área, mesmo que não o expressem, por ser, nos dias de hoje,
politicamente correto a tolerância religiosa. Mesmo não manifestado publicamente,
como neste artigo, estas reações ocorrem em ambientes brancos, não sem as
contradições apontadas no artigo.

48
Rio de Janeiro em Prosa & Verso, comemora o IV Centenário da Cidade (1565-1965).
109

CAPÍTULO 3 DESIGUALDADES RACIAIS E SEGREGAÇÃO URBANA


CONTEMPORÂNEAS

3.1 Desigualdades Raciais e Segregação Residencial: Salvador e Rio de Janeiro

Como vimos anteriormente, a relação entre segregação urbana e as desigualdades


raciais tem profundas raízes históricas. Neste capítulo vamos analisar, concretamente,
como na contemporaneidade se expressam na estrutura urbana. Para melhor analisarmos
esse processo, em suas imbricações raça-classe, organizamos um conjunto de dados
empíricos e partimos da distribuição espacial da população, por cor ou raça, através das
tabelas e mapas temáticos, estudando os diferentes indicadores da estratificação social e
racial dos indivíduos e sua correlação ou não com a moradia. Optamos, entre os vários
indicadores da variável moradia, por aqueles que revelam tanto a desigualdade social
como a racial, em ambas as metrópoles em estudo: condição da moradia, tipo de
moradia, casa própria, densidade por dormitórios e número de banheiros.

Na questão da posse de bens urbanos optamos, por razão de economia de mapas,


por apenas três deles para análise espacial: telefone, automóvel e microcomputador.
Apesar de serem estes bens mais usuais entre as classes de melhor renda, revelam que as
desigualdades raciais e a segregação nas cidades não se restrigem à comum polarização
favela-bairro, antes ultrapassam os limites dessas áreas, sem dúvida de alto nível de
segregação. Ou seja, o racismo tem capilaridades impossíveis de serem captadas sem
um olhar específico sobre ele e sobre as modalidades de sua recriação silenciosa na
sociedade brasileira.

Pela mesma razão anterior, nos bens de consumo coletivo, optamos pelos três que
melhor revelam as desigualdades raciais na sua distribuição espacial: rede de esgoto,
coleta de lixo e calçamento total de ruas. Bens muito importantes, como água e energia
elétrica não serão objetos de nossa análise, embora seja evidente que estes serviços não
funcionam com a mesma regularidade e qualidade em bairros ricos e pobres. Tal opção
se explica no fato de que estes serviços serem quase universalizados e a análise destes
aspectos exigirem outro nível de dados e análises. Apesar disso, podemos destacar que o
fornecimento de água, por exemplo, figura entre as maiores reclamações da população
pobre (situação bem conhecida do movimento de bairro); a falta d’água é um dos
maiores problemas por ela enfrentados: a distribuição não é diária e parte dos domicílios
110

não tem reservatórios e, quando tem, eles são insuficientes para reservar a água que
sempre falta nos bairros populares, mesmo quando vizinhos dos reservatórios das
companhias de água. Enquanto na Zona Sul do Rio de Janeiro, por exemplo, se
“varrem” calçadas com água, em outras áreas falta água para o consumo essencial.

É relevante assinalar, apenas como exemplo das contradições das políticas


públicas, que em Salvador fizemos um mapeamento (para a dissertação de mestrado),
dos serviços de assistência à saúde (clínicas, hospitais, laboratórios, etc.), e verificamos
que eles estão localizados nas áreas centrais mais tradicionais e na Orla Marítima,
sobretudo os serviços particulares. Ou seja, quanto maior a precariedade dos bairros,
menor a existência de serviços essenciais. Tais variações, entretanto, são difíceis de
serem objetivadas estatisticamente.

Nesta fase do estudo vamos analisar a atual composição racial da velha Salvador
de 457 anos, a terceira mais populosa capital, com 2.399.397 de habitantes, dos quais
76,5% são negros (Tabela 1). Essa metrópole tem uma distribuição da população por
cor ou raça, de acordo com o Mapa 1, que indica a existência de algumas ilhas, onde
moram os 23,5% de brancos, que se concentram, principalmente, nos bairros da elite
tradicional de classes alta e média alta, como pode ser observado pelas AEDs: Graça
(71,9%); Barrra e Barra Avenida (71,7%); Campo Grande, Canela e Corredor da Vitória
(68,5%); Pituba e Parque Nossa Senhora da Luz (67,0%); Chame-Chame, Canela,
Morro do Gato e Morro do Ipiranga (61,9%); e áreas mais modernas, como: Itaigara,
Caminho das Árvores e Iguatemi (69,4%); Stela Maris e Aeroporto (58,1%); Imbuí
(52,8%) e Armação, Costa Azul e Conjunto dos Bancários (52,5%), que correspondem a
apenas nove das oitenta e oito AEDs com maioria branca. Os bairros em que
predominam os brancos são fortemente concentrados no espaço, permitindo que se
confronte a sua maior dotação de serviços com a do resto do espaço urbano.

Nas demais AEDs, a maioria negra é espacialmente hierarquizada em bairros de


classe média, a grande maioria vivendo em bairros populares, variando sua
concentração de 51, 4% a 92,3%. Nos bairros de classe média, onde os negros são
maioria, existem muitos bairros invasões-populares, que podem mascarar o tamanho
dessa classe, a exemplo de bairros de classe média como o Rio Vermelho, com 51,4%,
Nazaré, Saúde, Tororó e Jardim Bahiano, com 56,6%. No Mapa 1 pode-se observar que
os negros são predominantes em quase todas as AEDs, tendo como exceção o Rio
Vermelho (antiga área de quilombo), com 48,6% de brancos e 51,4% de negros.
111

Observa-se que muito próximo a esta área existe a AED Santa Cruz, composta pelos
bairros da Chapada do Rio Vermelho e Vale das Pedrinhas, bairros populares, cuja
população negra chega a 87,6%, portanto, uma minoria branca pouco expressiva
compõe esta área.

Os demais bairros com proporções de mais 60% de negros podem ser


classificados como bairros de médio a baixo status, sendo que à medida que a
composição racial se torna mais homogênea, com variação de mais de 70% a 90%, eles
se localizam em pontos muito mais distantes do centro comercial e administrativo da
cidade.

Na Orla Oceânica se destaca a AED/bairro do Nordeste de Amaralina, com alta


densidade negra - 90,2%, localizada ao lado do bairro de Amaralina, onde 71,3% se
autodeclaram negros. Nestas áreas é relevante lembrar a presença de invasões
impossíveis de se identificar no conjunto das AEDs. Infelizmente, não dispomos dos
dados com recorte racial nos estudos sobre invasões em Salvador, mas é possível notar,
pela composição das AEDs, que nos atuais bairros populares que se originaram de
invasões, a concentração de negros é muito expressiva. Como exemplos citamos Pero
Vaz, originado da invasão do Corta Braço (82%), Liberdade (81,9%), Curuzu (85,7%),
Pau Miúdo (81,1%), Caixa D'Água, Lapinha e Soledade (83,9%), Água de Meninos,
Calçada, Mares, Roma, Baixa do Fiscal e Uruguai (79,8%), que fazem parte do conjunto
de bairros de antigas área populares, repetindo-se o padrão em outras menos antigas, ou
seja, na periferia mais próxima do centro antigo.

Nos conjuntos habitacionais da cidade, há também uma maioria negra, que se


estratifica de acordo com a distribuição espacial das residências, ou seja, quanto mais
popular, mais distante do centro, mais segregada. Nos conjuntos habitacionais de classe
média intermediária, como Cabula, ou média baixa, como Mussurunga, existe uma
maioria negra, que não se distribui espacialmente, da mesma forma, mesmo verificando-
se alta densidade negra em todos eles, por estarem permeados por invasões.

Nos conjuntos habitacionais de casas ou apartamentos da URBIS/BNH, para


faixas de renda mais baixas (todos construídos no período militar - 1964-1984), por
AEDs, cor ou raça, os negros são quase a totalidade da população: Fazenda Grande I e
Fazenda Grande II (80,2%); Fazenda Grande III e Fazenda Grande IV, (84,7%);
Nogueira e Cajazeira III (86,0%); Vila Canária, Sete de Abril e Jardim Nova Esperança
(84,3%); Cajazeira V, Cajazeira VI e Cajazeira VII (82,3%); Cajazeira VIII (87,2%);
112

Cajazeira X e Cajazeira XI (82,8%); Cajazeira, B. Doce, Palestina, Boca da Mata,


Águas Claras (92,3%); Castelo Branco, Cajazeira II e Cajazeira IV (84,2%).

De fato, como lembra Ermínia Maricato (1996, p.92), “na história da política
habitacional, a má localização dos conjuntos habitacionais tem sido regra esmagadora e
não exceção: (...) o ambiente construído não pode ser dissociado da sociedade desigual e
discriminatória. Discriminação social e segregação ambiental andam juntas”.

Ainda conforme o Mapa 149, os brancos se concentram na Orla Atlântica,


enquanto os negros, majoritariamente, nas outras partes da cidade, incluindo a “Orla
Marisca”50 – Baía de Todos os Santos. Mas na Orla Marítima há exceções, como o
Nordeste de Amaralina (90,2%), Boca do Rio e Caxundé (78,5%), com altissima
concentração de negros. Na Paralela, o Bairro da Paz, com 86,7% (antiga invasão das
Malvinas) também destoa, com seus barracos sem reboco, ruas empoeiradas e
concentração de negros, sendo uma área destinada pelo capital imobiliário e seus
parceiros no Estado a grandes projetos habitacionais (o PDDU – Plano de
Desenvolvimento Urbano, confirma esta destinação), como já mencionado.

Na outra orla, a “Orla Marisca”, se localiza o Subúrbio Ferroviário de Salvador,


uma extensa área de aproximadamente 4.145 ha, de formato longitudinal, que ocupa o
lado oeste de Salvador, bordeando a Baía de Todos os Santos. No lado leste é limitado
pelo Parque São Bartolomeu e ao norte pela Baía de Aratu. Tem uma extensa orla e uma
bela vista da Baía de Todos os Santos proporcionada pela sua topografia muito
acidentada, mas também da “Bahia de Todos os Pobres”51. Esta área ainda se destaca
pela história social que está intimamente ligada à história da Bahia, tanto no que se
refere ao período da colonização, como na fase do capitalismo industrial.

Estudos, como o de Sampaio (1975), mostram que na área, a partir de 1844,


surgiram as primeiras fábricas de tecido de algodão do País, e com elas as vilas
operárias. No final do século XIX, esta área teve seu desenvolvimento ligado à ferrovia,
implantada em 1850 e, posteriormente, à indústia textil. Com a decadência de ambas ao

49
Excluída a Ilha de Maré, que também pertence ao município de Salvador e foi retirada por razão de
problemas cartográficos.
50
Ironia dos movimentos de moradores do Subúrbio Ferroviário, contrapondo a riqueza da Orla Marítima
à miséria da outra orla, que sobrevive pela mariscagem, denunciando o abandono da região (FABS,
1994). A grande multidão, que aflui para o bairro de Plataforma, constitui uma ponte humana entre este
bairro e o da Ribeira, localizado do outro lado da Baía de Todos os Santos e... todos os Orixás!
51
Estudo organizado por Guaraci Adeodato de Souza e Vilmar Faria (1980), que analisa a pobreza da
cidade.
113

longo do século XX, à classe trabalhadora restou buscar seus empregos no Centro
Industrial de Aratu (CIA), instalado nas suas proximidades, na década de 1960, cujo
acesso foi facilitado pela construção da Avenida Afrânio Peixoto, conhecida por
Avenida Suburbana, na década de 1970, que tem seu traçado paralelo à ferrovia e à Baía
de Todos os Santos. É uma área de grande patrimônio histórico e natural, onde se
destacam o Parque São Bartolomeu, situado na área onde ocorreram importantes
acontecimentos para a história da Bahia e do Brasil. No século XVII, foi cenário das
lutas de resistência à invasão holandesa, enquanto, no século XIX, aí se travaram as
lutas que levaram à consolidação da Independência do Brasil. O outro é a ilha de Aratu,
onde ainda se encontra a maior quantidade de área verde. Além disso, nesta área
existiram e resistiram aldeias indígenas, senzalas, engenhos e quilombos. O parque São
Bartolomeu é também um santuário dos cultos afro-baianos.

Vale lembrar que, embora a Independência tenha sido em grande parte resultado
da recomposição das monarquias européias após o Congresso de Viena, da crise do
regime escravista e de um novo pacto das classes dominantes, sendo que na Bahia
houve uma luta sangrenta para expulsar os portugueses que representavam os interesses
da Coroa. Assim, a Independência do Brasil, na verdade, foi consolidada na Bahia,
destacando-se a Batalha de Pirajá, ocorrida em 8 de novembro de 1822, como um dos
conflitos mais importantes da guerra de independência contra os portugueses.

Foi essa vitória que consolidou o cerco a Salvador, pressionando o general


português Madeira de Mello a deixar a cidade com suas tropas. Essa é a razão pela qual,
para os baianos, o 2 de Julho (de 1823, data da vitória final) é a data magna da Bahia
comemorada com grande cortejo popular. Mas como em outros episódios da história de
dominação, as contradições são muito significativas. O General Labatut, um dos heróis
da Independência, em 12 de novembro de 1822 ordenou o fuzilamento de escravos por
hostilidades:
(...) no dia 19 do mesmo mês, um grupo de mais de 200 africanos, escravos
de diversos engenhos, saíram de lugares conhecidos por Mata-Escura e
Saboeiro, nas imediações de Pirajá, armados e com bandeira, e com o mais
notável arrojo passaram a acometer a força que defendia os pontos dessa
passagem, pela qual, depois de uma opinativa resistência, foram presos 50
homens e 20 mulheres dos mesmos insurgidos, sendo os primeiros fuzilados
no dia 21 e as segundas rigorosamente castigadas com açoites. Esse ato de
severidade, ditado pela urgência das circunstâncias, não mereceu a menor
censura dos que estavam ao fato da necessidade de um castigo exemplar, que
evitasse o desenvolvimento da total inssurreição da escravatura em tão
críticos momentos...(ACCIOLY[19--] p.128).
No aspecto das comemorações do Dois de Julho que se mantêm com muito vigor
114

até hoje, Wlamyra de Albuquerque (1999) realizou um estudo do período de 1889-1923


que mostra a importância desta festa desde então e como determinadas práticas
tradicionais impõem limites às tentativas de descaracterizar as ruas enquanto lugar de
encontros sincréticos. A afirmação de diferenças raciais manifesta pelas multidões que
ocupam as ruas, inclusive em bairros distantes como Plataforma, se opõem as tentativas
de homogeneidade cultural. Para ela:
Enquanto se esperava em vão pelos imigrantes europeus, nas ruas festivas as
explícitas relações com a herança africana continuavam evidentes. Entretanto,
isso não quer dizer que tal herança estivesse resguardada de mudanças
próprias do fazer histórico. Considero que nas celebrações da Independência
as referências culturais dos participantes eram reeditadas no exercício de
disputa e/ou transformação de espaços sociais. (...) A festa do Dois de Julho
tinha sentidos múltiplos e ambivalentes. Na ocasião, os diferentes grupos
sociais projetavam suas interpretações do seu mundo, atribuindo significados
diversos a práticas culturais compartilhadas (ALBUQUERQUE, 1999, p.
127)
Em razão do abandono da área e pelo grande patrimônio histórico, cultural e
ambiental existente no Subúrbio, a AMPLA – Associação dos Moradores de Plataforma
e a FABS – Federação das Associações de Bairros de Salvador eleboraram um projeto
de desenvolvimento para a região. Com a proposta de implantação do CEPES - Centro
de Educação e Cultura do Subúrbio Ferroviário busca-se um instrumento catalisador de
desenvolvimento comunitário participativo, que dê respostas aos problemas de
desemprego, pobreza, infra-estrutura econômica, social e urbana excludentes, que
atingem, principalmente, a população parda-negra e jovem, aproveitando a “vocação
turística” da área, bastante privilegiada pela natureza, que tem também como
patrimônios importantes a Baía de Todos os Santos e Todos os Orixás (GARCIA &
SERPA, 2001, p. 237-47).

Para o historiador Ubiratan Castro de Araújo (2002, p. 218-19), que em artigo


analisa o processo de conquista da baía pelos portugueses (que tornou-se Bahia de
Todos os Santos), seu papel estratégico no desenvolvimento do projeto de dominação
português, passando pelas hidrovias, ferrovias e o processo que a partir de 1945 deu
prioridade as rodovias, mostrando a decadência desta bela Bahia de Todos os Santos e
Todos os Orixás. Ressalta que, mais do que o impacto de uma nova atitude industrial
com a descoberta e implantação em larga escala da extração e do refino do petróleo,
impôs-se numa nova organização da economia nacional centralizada no binômio
petróleo e automóvel. Para ele, a implantação em larga escala da tecnologia do petróleo
produziu o dinamismo de um recôncavo petrolífero integrado ao desenvolvimento
nacional e, de outro lado, excluiu os recôncavos inúteis, abandonados, arruinados, os
115

recôncavos históricos. Assim:


(...) Progressivamente, a Cidade de Salvador virou as costas para a sua baía.
Foi buscar as suas provisões de boca no Centro-Sul do Brasil através da Rio-
Bahia. Encantada agora com o Oceano Atlântico, expandiu-se febrilmente
pela orla marítima como se quisesse chegar até Sergipe, deixando atrás de si
as belas praias de Itacarnha e São Tomé de Paripe. Assim, velha, inútil e
vencida, como a índia Kyrimurê, a colonial portuguesa Baía de Todos os
Santos, enfim, feneceu. Líquido espaço vazio, virou histórica, virou turística,
e dizem até que será sucedida por uma Baía Azul52 (ARAÚJO, 2002, p.219)
Por sua vez, o arquiteto Luiz Antonio Souza (2006), em um artigo crítico sobre o
desenvolvimento das orlas opostas de Salvador (a Atlântica e a Marisca) e as
intervenções realizadas pelo Estado e pelo capital na cidade, afirma:
Na realidade, discutir a Orla, a Área de Borda de Salvador — seja a do sub-
sistema geográfico Atlântico, seja a delineada pela Baía, é discutir o
ESPAÇO PÚBLICO — é discutir o uso e ocupação do solo urbano, é discutir
as condições objetivas das formas desiguais de inserção na vida urbana dos
distintos setores sociais que distribuem-se próximos a essa importante faixa
do território do Município. É, também, discutir a relação entre o espaço
público e o espaço privado num quadro complexo de abordagem das questões
urbanas, nos seus aspectos territoriais, que pressupõe adotar um sistema de
construção de valores, e aí cabe considerar que os detentores do poder de
decisão ou que os influenciam acabam por construir uma visão fragmentada e
simplista destas questões (SOUZA, 2006, p. 8).
Histórica e contemporaneamente, a zona suburbana se caracteriza por bairros de
médio baixo e baixo status, ainda que tenha uma situação heterogênea, do ponto de vista
do acesso ao mercado formal e informal de moradia, pois tem muitos bairros que ainda
vivem sob o regime de enfiteuse, como loteamentos populares, conjuntos habitacionais
e invasões. Na sua composição racial, todavia, é uma área bastante homogênea, com
alta concentração de negros em todas as AEDs: Alto de Santa Terezinha e Ilha Amarela
(84,1%); Coutos e Vista Alegre (91,9%); Fazenda Coutos (88,6%); Lobato (81,2%);
Nova Constituinte e Parque Setúbal (90,6%); Paripe, São Tomé, Bate Coração e
Tubarão (85,8%); Periperi, Mirante de Periperi e São Bartolomeu (80,7%); Plataforma
(81,8%) e Rio Sena (84,8%). São bairros que têm as mesmas características sociais,
raciais, econômicas, culturais e políticas de grande parte da cidade. Se no Rio de
Janeiro, a dualidade se dá em termos de favela-bairro, morro e asfalto, em eixo vertical,
em Salvador ela se dá mais em termos de orla marítima x subúrbios, bairro pobre x
bairro rico, em eixo horizontal.

52
Baía Azul – nome de um programa governamental de despoluição da Baía de Todos os Santos
116

Mapa 1 - População por Área de Ponderação e Cor ou Raça – Salvador - 2000

Fonte: IBGE, 2000. Elaboração Antonia Garcia.

O (Mapa 1), mostra que, de um lado, Salvador tem sua composição racial bastante
homogênea, em bairros de baixo status, na quase totalidade das AEDs onde mora a
população negra, com uma disparidade social e racial entre bairros de alto e médio
status. De outro lado, os brancos, que constituem apenas 23,5% da população, se
concentram majoritariamente em poucas AEDs, da Orla Oceânica ao Sul e ao Norte e
nas AEDs do Iguatemi, onde se localizam centros comerciais modernos, implantados a
partir dos anos 1970. Em suma, geograficamente, os negros concentram-se
principalmente em bairros de baixo status, com alguma representatividade em bairros de
status médio.

Por outro lado, o Rio de Janeiro, cidade também antiga (441 anos), com uma
população total de 5.786.921 habitantes, apenas 41,0% de negros, tem em termos
absolutos mais negros que Salvador, (2.379.584, Tabela 3). Estes se distribuem de
forma bastante desigual no território (Mapa 2), com alta densidade de brancos na Zona
Sul, composta pelas AEDs Glória (80,0%); Flamengo (90,0%); Botafogo-Praia (84,0%);
Botafogo-Soro-Humaitá (75,0%); Botafogo-Soro-Metrô (89,0%); Botafogo-Fundos-
Urca (84,0%); Humaitá (94,0%); Copacabana-Eixo1 (88,0%); Copacabana-Eixo2
(93,0%); Copacabana-Fundos (83,0%); Copacabana-P2 (84,0%); Copacabana-P6
(88%); Ipanema-Eixo (80,0%); Ipanema-Orlas (93,0%); Leblon (89,0%); Leme
(76,0%); Lagoa (94,0%); Jardim Botânico (83,0%); Laranjeiras (89,0%); Gávea
(91,0%) e São Conrado/Vidigal com 68,0% (este menor percentual deve-se certamente
à presença da favela do Vidigal). Algumas áreas da zonas Oeste e Norte, principalmente
117

nas AEDs da Barra da Tijuca com 93,0% e Recreio dos Bandeirantes-Grumari com
69,0%, têm um dos percentuais mais baixos de grande concentração de brancos,
certamente pela agregação de favelas na mesma AED. Na Zona Norte, as mais altas
concentrações estão nas AEDs Jardim Guanabara (89,0%); Maracanã (85,0%); Grajaú
(87,0%); Irajá-Monsenhor Félix (68,0%); Meier (78,0%); Maria da Graça-Del Castilho
(76,0%); Maneró-Portuguesa (71,0%); Vila Isabel (73,0%).

No Rio de Janeiro, em geral, as oposições entre morro e asfalto ocorrem,


principalmente, sobre dois pontos do território que abrigam classes ou frações das
classes dominantes: Zona Sul e Barra da Tijuca. Mas ao contrário do que sugere a
polarização, dos mais de um milhão dos residentes em favelas, só uma pequena parte de
favelados mora nesses bairros. Em termos de AED, a Zona Sul tem uma população total
de 591.100 habitantes e os negros que vivem nesta região correspondem a apenas
94.778, incluindo a Rocinha, com seus 56.296 habitantes. Ou seja, apenas 16% dos
moradores desta área se autoclassificam como negros (pretos e pardos).

A Rocinha, também localizada nesta região, por ser a mais populosa com 42.892
em 1991 e 56.296 moradores em 2000, tanto forma uma RA como uma AED. Por esta
razão, é a única favela com unidade territorial por AED, e, conseqüentemente,
composição racial passível de análise por este recorte espacial. Para nossa surpresa, aqui
a maioria não é negra, o que mostra a existência de hierarquias nas regiões faveladas, se
atentarmos para a variável racial. Em números absolutos, dos 56.296 moradores, os
brancos são 30.822 e os negros 25.473 (55% e 45%, respectivamente). Embora a
diferença não seja tão grande, a explicação pode estar no mesmo fenômeno que mostra
a concentração da população negra na periferia da cidade, ou seja, os brancos pobres,
mesmo residindo em favela, têm, provavelmente, mais chances sociais que os negros.

No que diz respeito à distribuição espacial das raças e classes sociais no território,
Rio de Janeiro e Salvador também apresentam homologias, e um padrão comum de
segregação inscrito no espaço, apesar da alta densidade relativa dos negros em Salvador,
que é quase metade da população do Rio de Janeiro, como vimos anteriormente.
Ressalve-se, entretanto, que nenhum bairro de maioria branca desta cidade consegue os
índices do Rio de Janeiro. Lá as AEDs com maior densidade branca, como Graça e
Barra /Barra Avenida chegam a 71,9% e 71,7%, respectivamente, enquanto no Rio de
Janeiro as AEDs mais brancas ultrapassam a barreira dos 90%, como Lagoa (94%),
Humaitá (94,0%), Ipanema Orlas (93,0%), Gávea (91,0%) e Flamengo (90,0%).
118

Inversamente, em Salvador, estes índices são alcançados pelos negros de áreas bem
distantes do centro antigo e algumas áreas da Orla Marítima.

Segundo o IBGE/2000, as favelas cresceram em todo o Brasil, sobretudo nas


maiores cidades. No Rio de Janeiro, passaram de 226.141 domicílios em 1991, para
308.581 em 2000, e sua população, em 1991, era de 882.483 habitantes, chegando em
2000 a 1.092.476, com densidade de 3,90 (1991) e 3,54. Para compensar a ausência da
variável raça nos dados sobre as favelas, que o recorte espacial por AED não permite, e
mesmo não tendo igual recorte espacial e temporal, trazemos alguns exemplos da
distribuição delas no espaço carioca por RA - Região Administrativa da Prefeitura do
Rio de Janeiro/199153, para melhor compreender a quase ausência de negros na Zona
Sul e na Barra.

Considerando-se por RA, verifica-se que em 26 favelas da Zona Sul residem


apenas 80.099 pessoas. A RA IV de Botafogo, composta pelos bairros de Botafogo,
Catete, Cosme Velho, Flamengo, Glória, Humaitá, Laranjeiras e Urca, tem o maior
número delas: 14 favelas que abrigam 14.965 moradores, sendo a maior a de Dona
Marta, com 3.982 habitantes, e a menor, Maloca, com 44 moradores. Em segundo lugar,
vem a RA Lagoa (Gávea, Ipanema, Jardim Botânico, Lagoa, São Conrado e Vidigal),
com 7 favelas e 14.770 moradores, sendo que a mais populosa e conhecida é a do
Vidigal, com 8.580 moradores. É importante ressaltar o quanto de emblemático
comporta a organização desse espaço na formação da cidade republicana. De área de
quilombos, virou o espaço dos mais brancos e ricos da cidade.

Por fim, Copacabana, o bairro mais populoso da região, com 147.021 residentes,
composto, em termos de RA, por ele próprio e o Leme, tem quatro favelas, onde moram
7.472 pessoas. Entre estas estão as mais populosas e conhecidas, como a do Pavão-
Pavãozinho, com 3.026, e outra menos populosa, mas também conhecida, como a do
Chapéu Mangueira, com apenas 837 moradores.

53
Instituto Pereira Passos, 1999.
119

Mapa 2 População por Área de Ponderação e Cor ou Raça - Rio de Janeiro - 2000

Fonte: IBGE, 2000. Elaboração Antonia Garcia

Fonte: IBGE, 2000. Elaboração Antonia Garcia

Como dito anteriormente, em geral os estudos sobre favelas ou invasões não têm
recorte racial, entretanto, segundo Telles (2003, p.183), em estudo realizado por ele e
por Luiz Cesar, baseado no censo de 1991, 70% dos residentes em favelas do Rio de
Janeiro eram pardos ou pretos. Este é o mesmo índice encontrado por Luiz Costa Pinto
(1998, p.137), que na década de 1940 aferiu que, de cada cem habitantes da cidade,
aproximadamente 7 vivem nas favelas, e de cada cem habitantes das favelas,
aproximadamente 71 são “de cor”. Isto significa, em outros termos, que a representação
120

dos grupos de cor na população das favelas é muitas vezes maior, quase o tríplo, da
proporção deles na população total. Para este último autor, não há dúvidas de que a
segregação, no Rio de Janeiro, é altamente expressiva na década de 1940. Ou seja, o
fenômeno continua quase inalterado mais de seis décadas depois, pelo menos no que diz
respeito à composição racial.

Na RA XXV – Barra da Tijuca (Barra da Tijuca, Camorim, Grumari, Itanhangá,


Joá, Recreio dos Bandeirantes, Vargem Grande e Vargem Pequena) existem 36
pequenas favelas, onde moram 26.493 pessoas, sendo a mais populosa a do Borel, com
7.121 moradores e a menor, França Júnior, com 44 pessoas. Considerando-se a
composição racial desta área por AED, na população de 91.906 habitantes, os brancos
são, em termos absolutos, 85.463 e, em termos relativos, se repartem por AED da
maneira seguinte: Tijuca, Bonfim e Maracanã com 93% de brancos; Barra da Tijuca
também com 93%; Tijuca Final 85%; Tijuca Bonfim e Itapagipe com (81%); Tijuca
Uruguai e Alto da Boa Vista (69%).

Outra área fora da Zona Sul que se destaca no aspecto racial é a RA XX – Ilha do
Governador, com 22 favelas e uma ilha branca: o Jardim Guanabara. Dos seus 29.886
habitantes, 89% são brancos (Mapa 2). Ou seja, nesta AED, o nível de concentração de
brancos, no mesmo território, é igual ao da Zona Sul. A explicação disso talvez esteja
no fato de ali morarem militares, da média e alta hierarquias da corporação.

Esta concentração territorial das camadas mais favorecidas em bairros da Zona


Sul, Zona Norte e parte da Zona Oeste (Barra e Recreio do Bandeirantes), que
concentram todos os equipamentos e capitais sociais, confirmam uma hierarquia racial e
espacial do tecido urbano carioca, sem que nenhuma política explícita fosse voltada
para afirmar tal padrão; é, antes, o resultado de um sem número de decisões individuais,
que configuram um padrão de auto-segregações.

Não poderíamos deixar de tratar, mesmo que superficialmente, do Porto do Rio,


que tem uma importância histórica singular. Serviu por muito tempo como principal
porto da América Latina, mais importante até que o de Buenos Aires. No passado, como
mostra Jean Baptiste Debret (1965, p. 100), foi a porta do inferno dos negros
escravizados, como também foi o porto de Salvador:
É na rua do Valongo que se encontra, no Rio de Janeiro, o mercado de
negros, verdadeiro entreposto onde são guardados os escravos chegados da
África. Às vezes pertencem a diversos proprietários e são diferenciados pela
cor do pedaço de pano ou sarja que os envolve, ou pela forma de um chumaço
121

de cabelo na cabeça inteiramente raspada. Essa sala de venda, silenciosa o


mais das vezes, está infectada pelos miasmas de óleo de rícino que se exalam
dos poros enrugados desses esqueletos ambulantes, cujo olhar furioso, tímido
ou triste, lembra uma ménagerie. Os ciganos, traficantes de negros,
verdadeiros negociantes de carne humana, não cedem em nada a seus
confrades negociantes de cavalos (DEBRET, 1965, p. 100).
Entre os muitos horrores deste lugar, assinalados pela vizinhança, e reclamações
dos armazéns, figuravam a morte maciça e os enterros de tantos escravos novos que
morriam no mercado. “Eram enterros em massa, que atormentavam, com muitos males
e ‘mau cheiro’, febres endêmicas, doenças infecto-contagiosas, tornando o lugar um dos
mais insalubres da cidade” (KARASCH, 2000, p. 79). Existia no local uma praia, onde
os pescadores armavam gamboas (ou camboas), pequenos cercados usados para reter os
peixes que ali entravam quando a maré subia. A praia foi aterrada e em seu lugar abriu-
se a rua principal do bairro, o Caminho da Gamboa. Esta depois foi chamada Rua do
Cemitério, porque lá ficava o cemitério para onde eram levados os escravos recém-
chegados da África, que morriam nos armazéns do Valongo. Hoje, é a Rua Pedro
Ernesto54.

Atualmente, como RA I – Portuária, composta pelos bairros do Caju, Gamboa,


Santo Cristo e Saúde, há 11 favelas, com um total de 15.054 habitantes. Entre elas, o
Morro da Providência que, como sabemos, é o marco das favelas, apesar de não ser das
mais populosas, pois tem apenas 2.895 habitantes. Nesta região, a mais populosa é a do
Parque da Alegria, com 4.566 habitantes.

Quando o recorte espacial é por AED, o Caju, que tem uma população total de
17.769, apresenta uma composição racial equilibrada (brancos e negros são 50% da
população cada). Não é possível, entretanto, saber, em termos espaciais, se existe o
mesmo equilíbrio entre o bairro e a favela. A julgar pelas desigualdades raciais
observadas neste estudo é provável que não. A análise por AED dos bairros da Gamboa,
Saúde e Santo Cristo, com 22.036 habitantes, revela que, ao contrário do esperado, os
brancos são maioria da população, ainda que não tão expressiva (55% de brancos e 45%
de negros).

A forte hierarquização e auto-segregação das classes sociais no Rio de Janeiro


pode também ser vista pela reportagem do jornal O Globo, em 31/03/06. Segundo este
jornal, o crescimento das favelas está provocando novo comportamento do carioca na
hora de comprar apartamento, principalmente em São Conrado. Além de visitar o

54
Educação Multirio, abril de 2005
122

imóvel, o comprador sobrevoa o bairro de helicóptero, para avaliar se é segura a


distância da favela, e se ela, na semana seguinte, não estará na porta de sua futura casa.
A auto-segregação ou “guetos da burguesia”, nas áreas da Barra e Zona Sul no Rio de
Janeiro, produz áreas residenciais de conforto cada vez maior, de perfil mais sofisticado,
como mostra a reportagem sobre o que é morar bem:
O Condomínio Rio2, lançado em 1995, abriga edifícios de várias gerações e
os mais novos contrastam muito com os mais antigos. Essa segunda fase do
empreendimento tem lançamentos com praia particular, corredeiras, cidade
das crianças e por aí vai — conta Ricardo Corrêa, diretor de marketing da
Carvalho Hosken, incorporadora do Rio2. Os condomínios estão cada vez
mais segregativos e não sabemos o que a longo prazo este modelo trará para a
cidade. Há estudos antropológicos que tratam das questões de jovens que
praticamente não saem dessa bolha e não conhecem a riqueza da diversidade
da cidade. Tecnologia e segurança contribuíram para defasagem de
empreendimentos.
O aumento da sensação de violência e o barateamento da tecnologia também
contribuíram, e muito, para a defasagem dos prédios lançados há cerca de dez
anos. Nos novos empreendimentos voltados para a classe média e média alta,
portões de garagem são abertos automaticamente quando se aproxima um
carro de um morador, graças a um chip de identificação instalado no
automóvel. Na entrada de pedestres, os condôminos são identificados por
suas digitais. Já os visitantes, são cadastrados e fotografados por sistema de
computador (O Globo, 19/03/06).
Nesta mesma data, é possível ler, nos Classificados do jornal A Tarde, que
coberturas nestas áreas têm custo variando de 250 mil a mais de um milhão e
apartamentos de 4 quartos só a partir de 450 mil reais. Esta realidade não é diferente
para as chamadas áreas “nobres” de Salvador, como nos bairros também de supremacia
branca como Vitória, Graça, Barra, Pituba, Itaigara, como mostra a reportagem
seguinte:
Na Graça um lançamento anuncia apartamentos a partir de R$ 495.000,00
Descrição: A Mansão Giacomo Puccini tem o privilégio de estar localizada
em um dos bairros mais elegantes e bem estruturados de Salvador. A Graça
sempre foi palco de grandes lançamentos imobiliários e desta vez não foi
diferente. Com uma bela vista para o mar, o empreendimento traz a você toda
a comodidade, todo o luxo e sofisticação de morar em um bairro onde tudo
acontece. Apartamentos com 197m², 1 por andar, 4 suítes, salas de estar e
jantar; Lavabo; Varandão com 27m²; 2 elevadores; Gerador; Medição
individual de água e energia elétrica. Pré-disposição para ar condicionado tipo
split; Aquecedores individuais de água; Quadra Poliesportiva; 2 piscinas;
Salão de jogos; Salão de festas; Reebok Fitness Center; Sauna; Playground
coberto e descoberto; Parque infantil; 4 vagas de garagem (5a vaga para
cobertura); Cobertura com sauna, piscina, living superior e 5ª suíte
(ClassiImobiliário, A Tarde, 9/04/06).
Distante destas áreas mais valorizadas pelo capital imobiliário, os subúrbios
cariocas, como os soteropolitanos, têm muitas similaridades, inclusive na sua formação
histórica. Ocupados inicialmente por aldeias indígenas, fazendas, engenhos, senzalas e
quilombos, têm sua expansão com a indústria têxtil e ferrovias. Segundo Abreu (1997,
123

p. 99), “o processo de crescimento demográfico e industrial dos subúrbios cariocas


apresentou, a partir de 1930, um crescimento notável, e o deslocamento das indústrias
da área central para os subúrbios foi complementado, por dois outros, também
importantes”: 1) a saída dos estabelecimentos fabris das proximidades do centro,
levando à liberação de terrenos para edificações amplas; 2) é também a partir de 1930,
que o Estado passa a intervir no processo de localização industrial, surgindo dessa
iniciativa o Decreto-lei 6000/37, que estabeleceu pela primeira vez uma zona industrial
na cidade. Com isso, excluiram-se bairros da Zona Sul e de parte da Zona Norte.

Na Zona Sul foram excluídos das regiões industriais os bairros de tradição fabril
como Gávea, Jardim Botânico e Laranjeiras, onde fábricas têxteis com vilas operárias
estavam instaladas até os anos de 1930, engendrando, assim, transformações
importantes na forma e no conteúdo espaciais. A configuração atual destas áreas,
analisando-se por áreas de ponderação (Mapa 2), revela que na Zona Norte e
principalmente na Zona Oeste concentram-se os negros que certamente compõem a
classe trabalhadora ativa ou inativa. A visão dicotômica das relações espaciais, centrada
na oposição de apenas favela e bairro, simplifica abusivamente as oposições sociais do
tecido urbano. A objetivação do conjunto do território das duas metrópoles, através de
mapas e quadros estatísticos, constitui um poderoso instrumento de ruptura com a visão
etnocêntrica, que reduz a polaridade das cidades brasileiras ao binômio favela-bairro.
Como em Salvador, no Rio de Janeiro, a maior concentração dos negros está nos
subúrbios ou áreas geografica e socialmente distantes das áreas ricas. Esta concentração
corresponde a cerca de 54 das 170 AEDs:

Coelho Neto (51%); Penha 2 (51% ) Santíssimo (51%); Pavuna (51%), Senador
Camará/SantaCruz (51% ); Padre Miguel (51%); Realengo/Borda Helena (51%);
Campo Grande 3 ( 52%); Maré/Bonsucesso/Ramos (52%); Benfica (52%); Guaratiba,
Barra de Guaratiba, Pedra de Guaratiba (52%); Tomás Coelho (53%); Guadalupe
(53%); Manguinhos (53%); Mangueira, São Francisco Xavier (53%); Campo Grande 8
(53%); Honório Gurgel (53%); Acari, Parque Colúmbia (54%); Realengo/Água Branca
(54%); Senador Camará/SantaCruz (54%); Rocha Miranda (54%); Gardênia Azul
(55%); Realengo/Limites (55%); Senador Vasconcelos (55%); Campo Grande1(55%);
Campo Grande5 (55%); Vicente de Carvalho (55%); Cordovil (55%); Parada de Lucas
(56%); Cosmos (56%); Colégio (57%); Maré/Manguinhos (57%); Maré/Bonsucesso
(57%); Santa Cruz/Guandu (57%); Complexo do Alemão (57%); Anchieta (57%);
124

Jacarezinho (58%); Camorim,Vargem Pequena, Vargem Grande (58%); Santa Cruz/


Felipe Cardoso (59%); Ricardo de Albuquerque (59%); Vigário Geral (59%);
Realengo/Borda (59%); Bangu/Avenida Brasil (60%); Inhoaíba (60%); Santa Cruz,
Urucânia, Cesário Melo (60%); Paciência (61%); Bangu, Avenida Brasil,Corretor
(60%); Senador Camará/Favelas (62%); Santa Cruz, Urucânia, Guandu (62%); Bangu,
Avenida Brasil, Marciano (62%); Cidade de Deus (63%); Santa Cruz/Cesário Melo
(66%); Costa Barros (66%). Costa Barros, situado na Zona Norte, em termos relativos é
o que mais concentra negros na cidade. Dos 5.119 habitantes 66% são negros.

Pelos dados analisados, não deve ser por acaso que as favelas cariocas estão
concentradas principalmente nas zonas Oeste e Norte, sobretudo nas AEDs de Santa
Cruz, Bangu e Campo Grande, densamente povoadas, e com os mais altos índices de
negros, tendo assim certa homologia com Salvador, quando os índices de mais de 90%
de negros são dos subúrbios. Os dados do IBGE/2000, também confirmam que o
número maior de favelas está nas zonas Oeste e Norte: Jacarepaguá (68); Bangu (21
favelas) e Realengo (14). Itanhangá, Recreio, Anchieta, Complexo do Alemão
concentram 11 delas cada uma. Entretanto, na divisão por RA, Bangu concentra o maior
número: 133. Estas áreas, portanto, são as mais homogêneas do ponto de vista da
densidade negra, em oposição à Zona Sul e parte da zona norte e oeste, em comparação
com os brancos.

Ou seja, tanto em Salvador como no Rio de Janeiro, a população mais rica e


branca concentra-se em poucos bairros, onde estão os mais escolarizados, os de maior
renda, de ocupações mais valorizadas, etc. As classes dominantes decidem a estrutura
suntuosa de seus bairros, que nada ficam a dever aos padrões das mais opulentas
metrópoles européias ou norte-americanas, enquanto as classes populares, com pouca ou
nenhuma opção, são levadas a se concentrarem em bairros sem infra-estrutura urbana
adequada, sem serviços educacionais e de saúde de qualidade, sem o mínimo de
conforto, sem o bem-estar que sobra nas áreas mais ricas e brancas. Para aprofundar tal
análise, vamos examinar, empírica e teoricamente, como as condições de moradia
podem revelar as desigualdades raciais e a segregação nos territórios soteropolitano e
carioca.
125

3.2 Condição de Moradia Por Cor ou Raça

3.2.1 Tipo de Domicílio

Examinemos as desigualdades raciais e a segregação espacial em ambas as


cidades, com os microdados organizados para este estudo. Os dados da Tabela 5
mostram que a maioria da população de ambas as cidades mora em casas. Entretanto,
fazendo um recorte racial, verifica-se que brancos e negros têm situações diferenciadas
por tipo de moradia. A casa é a principal forma de moradia dos negros, representando
76,5% desses domicílios em Salvador e 78,6% no Rio de Janeiro. Em contrapartida, a
situação dos negros em relação aos apartamentos55 é diferente, também em relação aos
brancos. Em Salvador, há mais brancos vivendo em apartamentos que no Rio de Janeiro
– 47,4% e 42,6%, respectivamente. Situação semelhante à dos negros, que são 22,4%
para os negros de Salvador, contra 19,4% para o Rio de Janeiro. No que diz respeito aos
cômodos (domicílio particular composto por um ou mais aposentos, localizado em casa
de cômodos, cortiço, cabeça-de-porco etc.), a situação dos negros tanto cariocas como
baianos é a do dobro dos brancos que moram nesse tipo mais precário de domicílio:
1,2% e 2,%, respectivamente.

Tabela 5 – Tipo de Domicílio por Cor ou Raça – Rio de Janeiro e Salvador - 2000

Cor ou raça Total


Tipo de domicílio Branca Negra
Salvador Rio
Salvador Rio Salvador Rio
Casa 52,1% 56,4% 76,5% 78,6% 70,7% 65,5%
Apartamento 47,4% 42,6% 22,4% 19,4% 28,3% 33,1%
Cômodo 0,5% 1,0% 1,2% 2,0% 1,0% 1,4%
Total 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%
Fonte: Elaboração própria, a partir da amostra do Censo 2000 (IBGE).

No que se refere à distribuição destes domicílios no espaço da cidade, escolhemos


o mapa dos apartamentos, que é um indicador das diferenças entre as classes e raças
como observadas no quadro anterior. De um lado, fica evidenciado, nesta distribuição,
que apartamento é um tipo de moradia preferencial das áreas da orla marítima, com sua
bela vista para o mar, em confortáveis condomínios e, do outro, há ainda os conjuntos
de apartamentos para a classe média baixa em áreas urbanas menos valorizadas,
construídas por decisão do Estado e do capital imobiliário como “alternativa” ao

55
Segundo a definição do IBGE, domicílio particular localizado em edifício de um ou mais pavimentos,
com mais de um domicílio, servidos por espaços comuns (hall de entrada, escadas, corredores, portaria ou
outras dependências) e, ainda, o domicílio que se localiza em prédio de dois ou mais andares em que as
demais unidades são não-residenciais e, também, aqueles localizados em edifícios de dois ou mais
pavimentos com entradas independentes para os andares (IBGE, 2000, p.60).
126

mercado informal da habitação, por limitações de recursos das classes populares.

De fato, os 47,4% dos brancos que vivem em apartamento (Mapa 3), em Salvador,
estão em áreas majoritariamente mais ricas e brancas, enquanto que os negros (22,4% -
menos da metade dos brancos), se localizam também nestas áreas, mas de forma mais
restrita. Trata-se, provavelmente, da pequena classe média negra, que adquiriu os
capitais sociais que permitem o acesso ao mercado formal de moradia. Contudo, desse
percentual, parte dos negros mora nos distantes conjuntos habitacionais de médio e
baixo status, pois as AEDs que formam estes conjuntos têm alta densidade demográfica
negra (ver relação das AEDs).

Mapa 3 – Distribuição Espacial de Apartamentos por Cor ou Raça - Salvador - 2000

Fonte: Elaboração própria, a partir da amostra do Censo 2000 (IBGE).

A espacialização dos apartamentos nos territórios do Rio de Janeiro (Mapa 4)


também revela uma tendência dos brancos de se localizarem em áreas tradicionalmente
ricas e brancas. Dos 42,6% dos brancos que moram em apartamento, 79,45% a 99,32%
concentram-se na Zona Sul, Barra e Jardim Guanabara, e os restantes em outras áreas da
cidade. Os negros de classe média, por sua vez, ocupam o mesmo território, mas de
forma muito restrita, como em Salvador. Note-se que no Jardim Guanabara a
participação negra é quase inexistente, o que confirma o “gueto” da burguesia quase
toda branca.
127

Mapa 4 – Distribuição Espacial de Apartamentos por Cor ou Raça – Rio de Janeiro - 2000

Fonte: Elaboração própria, a partir da amostra do Censo 2000 (IBGE).

3.2.2 Casa Própria

A análise sobre a condição do domicílio aponta situações aparentemente


contraditórias nas duas cidades, onde a casa própria é a condição de residência da ampla
maioria. No final da década de 1980, 60% das residências em Salvador eram próprias e,
destas, 46% foram resultado de autoconstrução, em terrenos não próprios. Mais da
metade das habitações foram edificadas em terrenos arrendados, aforados ou de posse
irregular, constituindo os grandes e antigos bairros populares, loteamentos clandestinos
128

e invasões (Movimento a Cidade é Nossa, 1991:10). É relevante notar que se trata de


casa própria e não necessariamente de terreno próprio. A maioria é proprietária da
edificação e, raramente do solo. A questão fundiária urbana é muito complexa e envolve
vários tipos de usos.

Esta tendência foi também verificada por Ribeiro (1997, p. 162), que mostra,
como nos últimos 40 anos, o fenômeno da difusão da casa própria nas grandes cidades
brasileiras, foi significativo. Em 1940, os domicílios próprios eram 26,4% e em 1980 já
eram 54,5%; isto ocorreu, predominantemente, em áreas de camadas de menor renda.
Especificamente, no Rio de Janeiro, como mostra o autor, que se baseia no censo
Predial do IBGE de 1980, 61,2% dos domicílios de Bangu eram próprios, enquanto em
Copacabana este percentual era de 53,9%.

Neste aspecto, ao contrário do que tem ocorrido com outros indicadores, a


vantagem é dos negros baianos: 75% deles tem domicílio próprio, enquanto só 67,5%
dos brancos o tem. No Rio de Janeiro há um equilibrio, à medida que tanto brancos
como negros têm casa própria, em percentuais de 68,4% e 68,6%, respectivamente.
Entre os que ainda estão pagando casa própria o percentual é maior para Salvador
(10,6%) contra 7,8% para o Rio de Janeiro. Neste aspecto, os brancos cariocas e baianos
têm percentuais mais altos provavelmente por serem mais presentes no mercado formal
de moradia: 13,8% e 7,9%, e negros 9,6% e 7,7% respectivamente.

Tabela 6 – Condição do Domicílio por Cor ou Raça – Rio de Janeiro e Salvador - 2000

Cor ou raça Total


Condições do Branca Negra
domicílio Rio de
Rio de Rio de Salvador
Salvador Salvador Janeiro
Janeiro Janeiro
Próprio , já pago 67,5% 68,4% 75,0% 68,6% 73,2% 68,5%
Próprio, ainda
pagando 13,8% 7,9% 9,6% 7,7% 10,6% 7,8%
Alugado 15,5% 18,3% 11,3% 16,5% 12,3% 17,5%
Cedido por
empregador 0,7% 1,2% 0,3% 1,2% 0,4% 1,2%
Cedido de outra
forma 2,2% 3,1% 2,4% 3,7% 2,3% 3,3%
Outra condição 0,4% 1,2% 1,5% 2,3% 1,2% 1,7%
Total 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%
Fonte: Elaboração própria, a partir da amostra do Censo 2000 (IBGE).

Em Salvador, os brancos estão mais na condição de não quitados, enquanto os


negros ficam com um percentual menor (9,6%). Isto não significa que os negros estejam
em posição melhor, e sim que têm uma participação menor no mercado imobiliário. O
129

mesmo ocorre em relação ao fato de os negros terem situação vantajosa em relação à


propriedade da casa. O Mapa 5 mostra que em Salvador os negros nesta condição
moram em áreas populares, onde predomina a autoconstrução.

Ainda analisando a Tabela 6, pode-se verificar outras situações aparentemente


paradoxais. Os negros, que segundo vários indicadores apresentam índices de condição
social bastante inferiores aos brancos, aparecem na Tabela 6, com certa vantagem em
relação aos brancos, principalmente no tocante à propriedade da casa e dos imóveis
alugados. No item referente a aluguel, os percentuais são maiores para os brancos, tanto
em Salvador como no Rio de Janeiro, enquanto que para os negros a situação é melhor:
15,8%, 18,3% entre os brancos e 11,3% e 16,5% para os negros, respectivamente, com
uma diferença maior em Salvador.

Não é fácil dar uma interpretação aos dados. A explicação desse paradoxo talvez
esteja no fato de que os negros, embora mais fora do mercado formal de habitações,
sejam proprietários em maior número , como mostra a Tabela 6, ainda que em
condições muito mais precárias, como pode ser observado nas paisagens urbanas
reveladoras da precariedade das favelas e mesmo nos bairros populares. Resulta, desse
fato, provavelmente, a menor presença do negro no mercado imobiliário formal.

Mapa 5 – Distribuição Geográfica de Domicílios Próprios – Salvador - 2000

Fonte: Elaboração própria, a partir da amostra do Censo 2000 (IBGE).

Além disso, pelo seu perfil sócio-ocupacional e presença majoritária no mercado


informal de trabalho, provavelmente, este segmento tem dificuldades de penetrar no
mercado formal de aluguel de imóveis, devido também às muitas exigências e garantias
130

exigidas pelo mercado que a maioria não possui, por isso a solução para muitos é
construir um barraco e melhorá-lo ao longo dos anos. A realidade empírica,
demonstrada pela paisagem urbana dos bairros populares de moradias inacabadas,
revela a desigualdade urbana nas cidades.

O Mapa 5 representa bem a distribuição geográfica dos domícílios próprios de


brancos e de negros, com a vantagem dos últimos, especialmente em áreas populares, o
que confirma a hipótese de que a casa própria é adquirida pelo processo muito
conhecido de bairros populares, os mutirões de fim-de-semana ou adjutório, expressão
mais comum, usada, principalmente, pelos trabalhadores da construção civil em
Salvador.

Neste mapa pode-se observar dois pontos comuns para negros e brancos, de
concentração mais fraca entre os que têm casa própria. Trata-se das AEDs 87 e 88,
conjuntos habitacionais Fazenda Grande I e Fazenda Grande II; Fazenda Grande III e
Fazenda Grande IV. Por se tratar de conjuntos habitacionais, e portanto, de um mercado
formal, provavelmente ainda existem muitos moradores ainda pagando seu imóvel. Esta
é a situação dos negros que moram em AED 82 (Cajazeira, B. Doce, Palestina, Boca da
Mata e Águas Claras).

Mapa 6 – Distribuição Geográfica de Domicílios Próprios – Rio de Janeiro - 2000


131

Fonte: Elaboração própria, a partir da amostra do Censo 2000 (IBGE).

Em relação à distribuição dos grupos raciais por casa própria, no território


carioca, pode-se fazer a mesma interpretação. Apesar de existir um certo equilíbrio entre
brancos e negros neste item, os negros que têm casa própria concentram-se
principalmente na Zona Oeste, provavelmente pela mesma razão de Salvador, ou seja,
nas áreas populares, onde o mercado imobiliário não predomina, é a autoconstrução que
permite o acesso à casa própria. A aparente contradição dos negros que têm casa própria
na Zona Sul, onde há uma concentração desse grupo nas AEDs (89) Lagoa, Ipanema
Orlas (77), uma área de alta densidade branca (94,6% e 93%, repectivamente), deve-se
ao mesmo fenômeno: nas favelas, a tendência do acesso à casa própria pela
autoconstrução é a mesma de outras áreas populares, além da pouca representatividade
estatística das favelas, especialmente nesta região, como já mencionado.

3.2.3 Densidade por Dormitório

A análise da densidade por dormitório, que representa o número de moradores


dividido pelo número de cômodos servindo como dormitório no domicílio56, mostra
diferenças raciais também expressivas. Tanto os brancos de Salvador como os do Rio de
Janeiro se concentram nas camadas de menor densidade, com uma leve vantagem para
os soteropolitanos. De um lado, a densidade por domitório de 1 a 2 pessoas dos brancos
é de 50,7% em Salvador e 47,1% no Rio de Janeiro, e do outro, os negros que,

56
O número de dormitórios corresponde ao total de cômodos integrantes do domicílio, que estavam
servindo, em caráter permanente, de dormitório para os moradores, nele incluídos aqueles que assim são
utilizados em função de não haver acomodação adequada para esta finalidade (IBGE, 2000, p. 78).
132

inversamente, são 31,3% e 29,6% neste grupo, são mais representativos nos outros
grupos: de 2 a 3, de 3 a 4 e de 4 a 5 pessoas por dormitório, ou seja, os negros, em
ambas as cidades, vivem em domicílios de maior densidade, e, portanto, em piores
condições de habitabilidade.

Tabela 7 – Densidade por Dormitório Salvador e Rio de Janeiro - 2000

Cor ou raça Total


Densidade por Branca Negra
dormitório Salvador Rio Salvador Rio Salvador Rio
De 1 a 2 50,7% 47,1% 31,3% 29,6% 35,9% 39,9%
De 2 a 3
31,4% 34,7% 36,0% 37,2% 34,9% 35,7%
De 3 a 4 9,7% 9,9% 16,6% 16,2% 15,0% 12,5%
De 4 a 5 8,2% 8,3% 16,1% 16,9% 14,3% 11,8%
Total 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%
Fonte: Elaboração própria, a partir da amostra do Censo 2000 (IBGE).

3.2.4 Banheiros

Escolhemos também a variável banheiro (Tabela 8), por ser um importante


indicador das condições sanitárias da população em geral e ao recortar racialmente, é
também revelador das muitas assimetrias raciais existentes. O número de banheiros por
domicílio, em ambas as cidades, mostra como são desiguais as condições. Entre os que
não têm nenhum banheiro, em Salvador, a situação é ainda mais grave do que no Rio de
Janeiro (6,6% e 2,%, respectivamente). Assim, os domicílios dos negros são o dobro
dos que não contam com este serviço essencial para a saúde de seus moradores (3,5% e
1,4% para os brancos e 7,5% e 3,0% para os negros, respectivamente). Também quando
se faz referência a um banheiro por domicílio, são os domicílios negros que têm o maior
percentual: 71,8% para Salvador e 78,6% para o Rio de Janeiro, respectivamente. A
situação se inverte à medida que cresce o número de banheiros por domicílio.

Analisando os domicílios com dois e três banheiros, verificam-se grandes


contrastes: os dos brancos, com dois e três banheiros, chegam aos percentuais de 25,5%
no Rio de Janeiro e 17,3% em Salvador, contra apenas 15,1% e 4,2% para os dos
negros. No Rio de Janeiro, a situação se repete: domicílios brancos têm 25,2% e 12,8%
e negros, 14,8% e 2,9%, respectivamente.
133

Tabela 8 - Número de Banheiro por Cor ou Raça – Rio de Janeiro e Salvador - 2000

Cor ou raça Total


Branca Negra
Banheiros Rio de
Salvador Rio de Salvador Rio de Salvador
Janeiro
Janeiro Janeiro
Não tem 3,5% 1,4% 7,5% 3,0% 6,6% 2,0%
1 banheiro 46,8% 56,5% 71,8% 78,6% 65,9% 65,6%
2 banheiros 25,5% 25,2% 15,1% 14,8% 17,6% 20,9%
3 banheiros 17,3% 12,8% 4,2% 2,9% 7,3% 8,7%
4 banheiros 4,5% 2,8% 0,9% 0,6% 1,7% 1,9%
5 banheiros 1,3% 0,8% 0,3% 0,1% 0,5% 0,5%
6 banheiros 0,8% 0,3% 0,1% 0,0% 0,3% 0,2%
7 banheiros 0,2% 0,1% 0,1% 0,0% 0,1% 0,1%
8 banheiros 0,1% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0%
9 ou mais
0,1% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0%
banheiros
Total 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%
Fonte: Elaboração própria, a partir da amostra do Censo 2000 (IBGE).

3.3 Estrutura Urbana e Posse de Bens Urbanos

3.3.1 Acesso aos Bens Urbanos por Cor ou Raça

No conjunto de indicadores que medem a posse de bens duráveis na vida


moderna, como fogão, geladeira, máquina de lavar, rádio, televisão, freezer, vídeo,
microondas, escolhemos quatro para análise, embora eles sejam mais presentes no
consumo das classes de maior renda.

Entre os bens duráveis, que indicam bem-estar social, a máquina de lavar roupa é
um dos que têm maior poder de diferenciar estilos de vida, até mais que o uso do fogão,
à medida que, na divisão de tarefas domésticas, ele não é um equipamento de uso geral
no domicílio, apesar dos grandes avanços que as lutas femininas e feministas têm
alcançado nas últimas décadas. Também a posse desse equipamento revela um padrão
racial de consumo desigual, em Salvador e no Rio de Janeiro.

A Tabela 9 mostra que os domicílios cariocas dispõem de muito mais máquinas


de lavar do que Salvador, e numa diferença bastante expressiva, ou seja, mais que o
dobro: 64, 5% contra apenas 27,3% dos lares de soteropolitanos. Neste aspecto, ao
contrário do que tem ocorrido entre os brancos, em ambas as cidades, a diferença é
também significativa. Na comparação entre os brancos das duas cidades, este
equipamento existe em apenas 47,8% dos domicílios dos brancos seteropolitanos, e nos
dos cariocas estão em 73,0%. Em comparação com os negros, a desigualdade é maior
134

ainda: nos domicílios dos negros, apenas 21,0% contra os 47,8% dos brancos. Ou seja,
em Salvador, em mais da metade dos domicílios dos brancos há máquinas de lavar
roupa, assim como no Rio de Janeiro, onde a diferença é de mais de 20 pontos
percentuais.

Tabela 9 – Posse de Máquina de Lavar – Salvador e Rio de Janeiro - 2000

Cor ou raça Total


Branca Negra
Lavadora de roupa Salvador Rio Salvador Rio Salvador Rio
Sim 47,8% 73,0% 21,0% 52,3% 27,3% 64,5%
Não 52,2% 27,0% 79,0% 47,7% 72,7% 35,5%
Total 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%
Fonte: Elaboração própria, a partir da amostra do Censo 2000 (IBGE).

3.3.2 Telefone

Apesar da significativa expansão do serviço de telefonia no Brasil, nos últimos


anos, especialmente nas metrópoles, o acesso a ele é muito desigual por cor ou raça. Os
domicílios onde moram os brancos de Salvador e do Rio de Janeiro são muito melhor
servidos de telefone do que os dos negros. A Tabela 10 mostra que a desvantagem dos
negros chega a mais de 20 pontos percentuais em Salvador (76,5% e 55,3%), e no Rio
de Janeiro, a disparidade é ainda maior, pois os domicílios com telefone, habitados por
brancos, são o dobro daqueles onde moram os negros (62,8% e 33,8%).

Tabela 10 - Proporção de Domicílios com Telefone – Salvador e Rio de Janeiro - 2000

Cor ou raça Total


Branca Negra
Telefone Rio de
Salvador Rio de Salvador Rio de Salvador
Janeiro
Janeiro Janeiro
Sim 76,5% 62,8% 55,3% 33,8% 60,3% 50,9%
Não 23,5% 37,2% 44,7% 66,2% 39,7% 49,1%
Total 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%
Fonte: Elaboração própria, a partir da amostra do Censo 2000 (IBGE).

A distribuição deste equipamento no território, entre as duas cidades, é também


bastante desigual. Em Salvador, de um lado, os domicílios de brancos que têm este
serviço se concentram nas áreas já conhecidas, onde predominam os brancos (Mapa 7),
com uma presença que chega a quase 50% em áreas populares; do outro, os domicílios
dos negros que se limitam mais às áreas de maior poder aquisitivo, o que deve significar
domicílios da classe média negra principalmente.

A desigualdade na posse desse equipamento se expressa bem no território, à


medida que na Tabela 10, a desigualdade muito expressiva entre negros e brancos se
135

expressa na sua distribuição em áreas tradicionalmente ocupadas por classes de melhor


renda, habitadas pelos brancos; só há similaridade, em termos de classe média, com as
AEDs de parte da orla oceânica, com exceção de AED Patamares, Pituaçu e Piatã (2) e a
15, composta pela Boca do Rio e Caxundé, áreas nas quais há muitas invasões e bairros
populares. Do ponto de vista dos negros, essa distribuição mostra que nas áreas mais
distantes o serviço é mais escasso, sobretudo nas AEDs 32 (Itinga, Ceasa e Represa de
Ipitanga); na 82, composta pelos bairros Nogueira e Cajazeira III; e no Subúrbio
Ferroviário. Entre as áreas comuns das camadas populares de fraca presença deste
serviço estão as AEDs: 4; 32; 46; 49; 55; 82.

Mapa 7 – Posse de Telefone por Cor ou Raça – Salvador - 2000

Fonte: Elaboração própria, a partir da amostra do Censo 2000 (IBGE).

No Rio de Janeiro, em relação a este serviço, há uma desigualdade maior entre os


grupos raciais, como vimos na Tabela 10, e sua distribuição territorial revela
concentração desse serviço nas tradicionais áreas onde os serviços públicos ou privados
chegam mais. A Zona Oeste, com exceção da Barra e do Recreio, tem um menor
número de domicílios com este serviço, até mesmo entre os brancos (varia entre 3,12%
a 22,50%), apesar da área sem cobertura ser maior para os domicílios ocupados por
negros. Como a Zona Oeste é a área da cidade que concentra o maior percentual de
negros e de indicadores negativos, pode-se afirmar que existe uma evidência empírica
da discriminação racial na distribuição deste serviço de concessão pública. A
distribuição geográfica mostra que ele é mais escasso em áreas mais distantes das duas
cidades. A distância, entretanto, não explica todas as desigualdades, pois como mostra o
Mapa 8, na Ilha de Paquetá, a desvantagem dos negros é semelhante à da Zona Oeste.
136

Mapa 8 – Posse de Telefone por Cor ou Raça – Rio de Janeiro - 2000

Fonte: Elaboração própria, a partir da amostra do Censo (IBGE/2000).

3.3.3 Mobilidade Espacial Urbana: Automóvel como Prioridade

A modernização urbana apresenta paradoxos: de um lado, a partir do momento em


que as classes abastadas deixaram o centro e se dirigiram para outras áreas, provocaram
uma demanda de serviços domésticos e de construção civil que somente a população
mais pobre poderia satisfazer. Sem possibilidade de arcar com o custo do transporte
diário, acabou se instalando junto ao seu local de trabalho. A mobilidade espacial nas
cidades é um fator importante de igualdade de acesso a vários bens e serviços urbanos.
Do tempo em que se andava a pé, de charrete (aristocratas) e bondes, a desigualdade no
137

uso desses meios de locomoção era uma das marcas no processo de urbanização e
segregação urbana. Ao contrário dos bondes, que ficaram nas áreas mais antigas, tanto
em Salvador como no Rio de Janeiro, os trens marcam a expansão da cidade rumo aos
subúrbios que cresceram ao longo da linha férrea, desde 1850, em ambas as cidades.
Trem e subúrbio, no Brasil, sempre foram sinônimos de pobre, de trabalhador e morador
de baixa renda, e a estruturação do espaço das cidades pelas classes dominantes não
deixa dúvidas sobre esta direção. Um exemplo inconteste deste processo está na posição
das classes dirigentes cariocas, ao impedir a instalação de ferrovia na Zona Sul, embora
ali ainda existissem bairros operários (ABREU, 1997, p. 57). Isso não foi diferente em
Salvador, cuja formação social histórica se dá pela mesma lógica capitalista e racial
como se observa na formação do subúrbio ferroviário.

Transporte coletivo é central na mobilidade de milhões de trabalhadores que


moram longe dos empregos e serviços de consumo coletivo. É sabido que os transportes
coletivos em geral são deficitários e ineficientes em todas as cidades, e o apelo ao
transporte individual é crescente, com todos os problemas que acarreta para as cidades
(engarrafamentos, poluição, etc.). Os problemas dos transportes coletivos nas cidades,
dos preços, ao péssimo serviço e, em particular, no Rio de Janeiro e Salvador, já
resultaram em grandes protestos. Em Salvador, em 1981, a revolta da população com
um sistema deficitário e ineficiente levou a um quebra-quebra que derrubou o então
prefeito carlista Mário Kertész.

O Estado tem um papel fundamental nas políticas urbanas, ainda que venha
reduzindo sua ação com a hegemonia dos liberais que controlam os aparelhos estatais. A
política de transporte, adotada por sucessivas administrações, de privilegiar o
automóvel, em detrimento do transporte coletivo, tem resultado em grandes problemas
para a classe trabalhadora e conflitos, como os já citados.

Em Salvador, o abandono quase total do transporte ferroviário é um dos muitos


exemplos que se pode apontar, desta política. O automóvel, um bem individual que
representa, além de conforto, modernidade e poder, e que sempre foi de poucos no
Brasil, é bem móvel, apropriado sobretudo por domicílios de brancos tanto em Salvador
como no Rio de Janeiro; em ambas as cidades, a metade, ou praticamente a metade dos
brancos são possuidores de veículo (ao menos 1), enquanto que 3/4 dos negros em
Salvador, e 4/5 no Rio de Janeiro, são desprovidos de automotores. Portanto, a posse de
automóvel é variável, altamente discriminante, em termos sociais e em termos raciais.
138

Tabela 11 - Proporção de Domicílios com Automóvel – Salvador e Rio de Janeiro - 2000

Cor ou raça Total


Branca Negra
Automóvel Rio de
Salvador Rio de Salvador Rio de Salvador
Janeiro
Janeiro Janeiro
Não tem 55,6% 50,5% 82,9% 74,6% 76,5% 60,4%
1 29,7% 37,0% 14,1% 22,0% 17,8% 30,9%
2 10,9% 10,1% 2,5% 2,9% 4,4% 7,2%
3 2,9% 1,8% 0,4% 0,4% 1,0% 1,2%
4 0,7% 0,4% 0,1% 0,1% 0,2% 0,3%
5 0,2% 0,1% 0,0% 0,0% 0,1% 0,0%
6 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0%
7 ou mais 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0%
Total 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%
Fonte: Elaboração própria, a partir da amostra do Censo (IBGE/2000).

A frota de carros varia de cidade para cidade, de acordo com seus habitantes e sua
riqueza. Enquanto a frota de ônibus é hoje, de 10.930 e a de micro-ônibus, de 11.315,
em 2004, no Rio de Janeiro, a de automóveis era de 1.282.583. Em Salvador, a frota de
ônibus é de 5.393 e a de micro-ônibus, de 2.828, enquanto a frota de automóveis é de
316.396 (IBGE/2004).

É relevante destacar que Salvador, apesar de ser a terceira cidade mais populosa
do Brasil, a ausência de política de transporte de massa, faz que transporte coletivo seja
dos mais precários. A implantação do metrô se arrasta ao longo de mais de uma década
e sofre grandes críticas da população e dos especialistas. Tem sido tão lento este
processo, que já existe uma aglomeração urbana denominada Via Vila do Metrô. Vale
observar ainda, os moradores do local não chamaram de invasão, e isso pode significar
uma mudança nas estratégias populares. Além disso, a fala de uma moradora mostra a
enorme precariedade do bairro, ainda com barracos de papelão e madeirite, à margem
de um rio de esgoto, e o direito que deveriam ter à igualdade de tratamento pelo Estado,
quando afirma: “Somos seres humanos também, o sangue que corre em nossas veias é
igual ao sangue de quem mora na Pituba e na Barra” (A Tarde, 26/03/06). Na matéria, o
jornal faz uma análise da “Anatomia de um Apartheid Social”. Mas sabemos que este
apartheid é também racial, como mostram as próprias fotos da reportagem.

Também no que se refere à proporção dos domicílios com automóvel, por cor ou
raça, observam-se grandes desigualdades entre brancos e negros. A maioria da
população em ambas as cidades não tem carro: 76,5% e 60,4% (são os milhões de
usuários dos serviços de transporte coletivo). De fato o recorte racial mostra que a
imensa maioria dos domicílios dos negros não dispõe deste bem. Estar “a pé” ou de
automóvel é, seguramente, uma das marcas mais fortes das desigualdades entre brancos
139

e negros, talvez só comparável a andar a cavalo ou “a pé” no tempo das casas grandes e
senzalas57. Esta constatação não deve nos conduzir à idéia de incentivo ao aumento do
transporte individual. Ao contrário, uma vida mais saudável nas cidades está
diretamente ligada ao uso do transporte coletivo que precisa ter quantidade e qualidade
que garanta acesso a todos os moradores para seus deslocamentos cotidianos.

Mapa 9 – Posse de 1 Automóvel por Domicílio – Salvador - 2000

Fonte: Elaboração própria, a partir da amostra do Censo 2000 (IBGE).

Mais uma vez este item, que exige algum grau de renda para de quem quer ter
acesso a ele, mostra como as classes e raças se distribuem no espaço urbano
desigualmente. O Mapa 9 mostra apenas os que possuem um automóvel por domicílio.
Mesmo assim, pode-se observar que os domicílios brancos, nesta condição, estão
localizados nas áreas mais bem servidas, com exceção de Castelo Branco, bairro de
classe média baixa. No caso dos domicílios negros há uma distribuição mais limitada
espacialmente, mas evidencia-se aí a presença de uma classe média negra que
corresponde, estatisticamente, a 14,1% dos domicílios (Tabela 11).

57
O geógrafo Manuel Correia de Andrade ressaltava, em seu célebre livro Terra e Homem no Nordeste,
que a afirmação da superioridade dos senhores brancos sobre os escravos negros e seus empregados,
pretos ou pardos, fazia claro uso do falar do alto para baixo: “Para marcar sua posição de superioridade,
os senhores construíam suas casas em um platô elevado, de onde falavam com seus escravos e
empregados, com os camponeses que lhes eram sujeitos. E davam ordens do alto de seus cavalos” (in
Manoel Correa de Andrade, 1964, p. 74).
140

Mapa 10 – Posse de 1 Automóvel por Domicílio – Rio de Janeiro - 2000

Fonte: Elaboração própria, a partir da amostra do Censo 2000 (IBGE).

No Rio de Janeiro, geograficamente, os domicílios de brancos com um carro se


localizam na Zona Sul, na Zona Norte e na Barra (Zona Oeste). Contudo, é importante
ressaltar que os domicílios mais ricos, geralmente, tem mais de um carro e estes se
localizam principalmente na Zona Sul, na Barra e no Recreio. Há um circuito vicioso:
nas áreas mais ricas é de maior número de carros, mais serviços de saúde, de educação,
de cultura e de lazere as mais bem servidas de transportes coletivos. Esta é a situação de
Salvador, quando se faz o mapa com mais de dois carros por domicílio (ver mapas
anexos para as duas cidades). Este modelo de organização espacial tem aumentado a
141

segregação urbana e racial, como mostram os dados empíricos aqui apresentados.

Neste contexto, Milton Santos, em sua análise sobre a metrópole paulista,


desenvolve a idéia de metrópole fragmentada, a partir da constatação do isolamento dos
pobres em seus bairros: “A imobilidade relativa do morador da periferia e de seu
isolamento em guetos em virtude das dificuldades de transporte coletivo, que exige um
longo tempo, e um custo muito alto em seu percurso” (MARICATO, apud, SANTOS,
1996, p.91).

Portanto, na sociedade capitalista atual, que separa local de moradia e local de


trabalho, com o aumento das distâncias físicas, engarrafamentos, o transporte é um
importante fator de segregação urbana. Na medida em que os meios de transporte, sejam
individuais, sejam coletivos, se distribuem de forma tão desigual, entre as raças e
classes sociais no espaço urbano, como vimos, é possível afirmar que a organização das
nossas cidades segue forma e conteúdo espaciais produtores e reprodutores de
desigualdades sócio-raciais. Isto significa o isolamento e a redução das oportunidades
dos negros e dos pobres, em muitos aspectos: no acesso aos empregos, aos serviços de
saúde e educação, a equipamentos culturais, entre outros, que, como vimos, estão mais
concentrados nas áreas centrais e ricas das cidades.

3.3.4 Exclusão Digital: Microcomputador

Entre os indicadores de bens urbanos, as desigualdades geográficas e raciais de


maior amplitude estão no acesso a computadores, tanto entre as cidades como em
relação às raças (Tabela 12). Neste item, a diferença entre as cidades é significativa,
com o Rio de Janeiro apresentando a vantagem de 10 pontos percentuais a mais de
domicílios com computador (14,0% e 23,8%). De um lado, na distribuição por cor, entre
os domicílios brancos há um certo equilibrio nas duas cidades (31,4% e 32,5%),
mostrando que, apesar de haver um número menor de domicílios com microcomputador
em Salvador, os brancos não têm diferenças significativas entre si. Do outro lado,
comparando os domicílios brancos com os domicílios negros, a diferença entre os dois
grupos é das maiores entre os indicadores pesquisados. Aqui, a diferença entre os
grupos raciais é de mais de 20 pontos, com maior desigualdade em Salvador, onde os
domicílios dos brancos com este equipamento são 31,4% e dos negros apenas 8,7%. No
Rio de Janeiro, a desvantagem dos negros é um pouco menor, já que os domicílios dos
brancos com computador chega a 32,5% e o dos negros, a 11,4%. Este índice é tão mais
significativo se considerarmos que, via internet, circulam hoje, em tempo real, as
142

informações de ponta da ciência, da tecnologia, das artes e de outros bens. A


competitividade de cada indivíduo, ou grupo social, no mercado de trabalho depende
diretamente das informações de que possa dispor e mobilizar; baixa dotação em
microcomputadores acentua as dificuldades de participar da concorrência urbana por
melhores condições de vida.

Tabela 12 - Proporção de Domicílios com Microcomputadores – Rio de Janeiro e Salvador - 2000

Cor ou raça Total


Branca Negra
Microcomputador Rio de
Salvador Rio de Salvador Rio de Salvador
Janeiro
Janeiro Janeiro
Sim 31,4% 32,5% 8,7% 11,4% 14,0% 23,8%
Não 68,6% 67,5% 91,3% 88,6% 86,0% 76,2%
Total 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%
Fonte: Elaboração própria, a partir da amostra do Censo 2000 (IBGE).

Espacialmente, em Salvador, o Mapa 12 mostra que mais uma vez as áreas de


maior concentração de brancos e ricos são onde se localizam os domicílios com este
tipo de equipamento, símbolo da modernidade e do poder. É também esta área, onde
estão os domicílios dos negros, que detém os capitais sociais equivalentes aos dos
brancos. Isto significa que os negros de nível social e econômico maior também moram
em áreas mais privilegiadas na cidade. Este fato poderia levar a minimizar o racismo na
dimensão espacial. Vale repetir, porém, que nesta cidade, os negros são quase 80% da
população e apenas 8,7% dos domicílios têm este equipamento.

Mapa 11 – Posse de Microcomputador por Cor ou Raça – Salvador - 2000

Fonte: Elaboração própria, a partir da amostra do Censo 2000 (IBGE).

A distribuição espacial de microcomputadores, no Rio de Janeiro, conforme o


Mapa 12, também mostra semelhança com Salvador, à medida que os domicílios com
143

este equipamento se localizam nas mesmas áreas brancas e ricas, apresentando uma
classe média negra limitada espacialmente, como em Salvador.

Mapa 12 – Posse de Microcomputador por Domicílio – Rio de Janeiro - 2000

Fonte: Elaboração própria, a partir da amostra do Censo 2000 (IBGE).

A recorrente concentração dos indicadores da riqueza material e intelectual em


áreas brancas e mais valorizadas, em ambas as cidades, com a presença limitada de
negros, pode ser constatada nas duas antigas capitais. A pequena diferença fica por
conta dos domicílios negros que estão um pouco mais espalhados no território carioca, o
que reforça o que estudos do IPEA, IBGE e DIEESE têm mostrado.
144

Salvador, paradoxalmente, é a capital das maiores desigualdades raciais. Nesta


cidade, no que se refere aos domicílios com bens urbanos, as desigualdades raciais são
ainda mais evidentes, embora não haja a polaridade entre morro e asfalto, como no Rio
de Janeiro, mesmo sendo uma cidade com 80% de morros. Isso mostra que, mesmo
havendo muitas homologias entre estas cidades, inclusive em sua topografia (morro e
mar, Baía de Todos os Santos e Baía da Guanabara), bairros litorâneos altamente
valorizados, com população fortemente composta por brancos, e bairros de status social
baixo, habitados sobretudo por negros, há singularidades importantes em cada uma a
demandar explicações específicas.

Neste contexto, a hierarquia e a segregação raciais estão estampadas em


paisagens contrastantes de luxo e privação, com os negros residentes nas favelas,
mocambos, palafitas, e bairros operários-populares em geral, mostrando o contraste
social e racial destas áreas com as áreas urbanas mais privilegiadas, embora a
discriminação e o preconceito não sejam evidentes para quem circula na cidade em
ambientes restritos. Há tendência à organização do espaço em zonas de forte
homogeneidade social (e também racial), entre elas, e as disparidades são
compreendidas, não só em termos de diferenças, como também de hierarquia
(CASTELLS, 1983, p. 210-11). Não é à toa que simples entrevistas de admissão de
candidatos para ingressar em empresas, administrações ou instituições de ensino, se
iniciem pela pergunta, aparentemente ingênua, sobre o endereço dos candidatos e
muitos dão endereços de amigos que moram em áreas menos estgmatizadas.

3.4 Democracia e Distribuição Espacial dos Serviços de Consumo Coletivo

3.4.1 Rede de Esgotamento Sanitário

Embora sejam cidades muito antigas e sedes de Faculdades de Medicina e de


instituições de saúde pública, como o Instituto Oswaldo Cruz, em Manguinhos,
Salvador e Rio de Janeiro ainda não têm o seviço de saneamento básico universalizado.
Apenas 76,5% e 77,2%58 dos seus moradores contam com rede geral de esgotamento
sanitário. Contudo, os domicílios dos brancos, tanto em Salvador como no Rio de

58
Quando a canalização das águas servidas e dos dejetos, provenientes do banheiro ou sanitário, é
ligada a um sistema de coleta que conduza a um desaguadouro geral da área, região ou município,
mesmo que o sistema não disponha de estação de tratamento da matéria esgotada, IBGE/2000.
145

Janeiro, estão em condições bem melhores, com uma cobertura de 82,7% e 81,1%,
enquanto os dos negros, ligados à rede geral, têm uma diferença desfavorável de quase
10 pontos percentuais (74,5% e 71,6%, respectivamente).

Tabela 13 - Proporção de Domicílios por Tipo de Escoadouro - Salvador e Rio - 2000

Cor ou raça Total


Branca Negra
Tipo de escoadouro Rio de
Salvador Rio de Salvador Rio de Salvador
Janeiro
Janeiro Janeiro
Rede geral de esgoto
82,7% 81,1% 74,5% 71,6% 76,5% 77,2%
ou pluvial
Fossa Séptica 8,5% 14,3% 9,0% 19,6% 8,8% 16,5%
Fossa rudimentar 4,1% 1,1% 7,5% 1,8% 6,7% 1,4%
Vala 2,4% 2,0% 4,3% 4,1% 3,9% 2,8%
rio, lago ou mar 1,9% 1,3% 3,7% 2,3% 3,3% 1,7%
Outro escoadouro 0,3% 0,2% 0,9% 0,5% 0,8% 0,3%
Total 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%
Fonte: Elaboração própria, a partir da amostra do Censo 2000 (IBGE).

Por outro lado, entre os domicílios cuja canalização do banheiro ou sanitário é


ligada a uma fossa séptica, os habitados por negros são, na maioria, assim, como os de
fossa rudimentar (fossa “negra”, poço, buraco etc). Juntando-se a estes os que vão
direto para a vala a céu aberto, ou quando o banheiro ou sanitário é ligado diretamente a
um rio, lago ou mar verifica-se que as condições de habitabilidade dos domicílios dos
negros são muito mais precárias, tanto em Salvador como no Rio de Janeiro.
Territorialmente (Mapa 13), em Salvador, as áreas de maior precariedade estão mais
distantes do centro antigo e daquelas áreas onde, recorrentemente, todos os indicadores
se apresentam positivos. Para os brancos, as exceções são a AED 6, formada pelo bairro
de Stella Maris; AED 81 (Cajazeiras, B. Doce, Palestina, Boca da Mata e Águas Claras)
e AED 4 (Bairro da Paz). Nas duas últimas, a condição de negros e brancos populares
coincidem, assim como os de classe média de Stella Maris. Entretanto, para os
domicílios dos negros do Rio Sena (Subúrbio Ferroviário), a situação é de exceção.
146

Mapa 13 – Domicílios na Rede Geral de Esgotamento Sanitário – Salvador - 2000

Fonte: Elaboração própria, a partir da amostra do Censo 2000 (IBGE).

No Rio de Janeiro, os domicílios ligados à rede geral também estão nas áreas onde
se concentram os melhores indicadores, principalmente na Zona Sul, e em parte da Zona
Norte, tanto para os brancos como para os negros. Uma parte da Zona Oeste também
dispõe deste serviço, mas parece tratar-se apenas da Barra. Nota-se, todavia, que nas
áreas de maior concentração de negros, que abrangem as AEDs de Bangu e Santa Cruz,
por exemplo, com alta densidade populacional, como já assinalado, brancos e negros
não têm acesso à rede. Esta “igualdade” racial se explica, provavelmente, pela própria
natureza do serviço, mas é importante notar que esta é uma região de ocupação antiga, o
que indica a ausência de prioridade das políticas públicas em áreas de maior densidade
da população negra e pobre.

Ainda se pode observar, através do Mapa 14 dos negros, outra exceção, na AED
155 (Tauá) onde os brancos são maioria, mas a minoria negra tem situação mais
precária nesse tipo de serviço.
147

Mapa 14 – Domicílios na Rede Geral de Esgotamento Sanitário – Rio de Janeiro - 2000

Fonte: Elaboração própria, a partir da amostra do Censo IBGE/2000

3.4.2 Coleta de Lixo

No que diz respeito à coleta geral do lixo, realizada por serviço de empresa
pública ou privada, verifica-se que o Rio de Janeiro tem uma cobertura maior que
Salvador (88,1% e 66,7%, respectivamente). Analisando-se o serviço, por cor ou raça,
observa-se que em ambas as cidades existe diferença quanto aos domicílios de brancos e
negros. A coleta, nos domicílios dos brancos, é de 78,0% em Salvador e 91,4% no Rio
de Janeiro, enquanto que nos de negros, atinge apenas 63,2% e 83,5%, respectivamente.
Além disso, nas modalidades mais precárias deste serviço, tão essencial (caçamba,
148

tanque ou depósito, fora do domicílio; queimado; enterrado no terreno ou propriedade


onde se localiza o domicílio; terreno baldio ou logradouro; jogado em rio, lago ou mar;
outro destino), os domicílios dos negros têm sempre mais que o dobro desse tipo de
coleta, o que revela uma evidente discriminação dos serviços em relação à população
negra, em ambas as cidades.

Tabela 14 – Domicílios com Coleta de Lixo – Rio de Janeiro e Salvador - 2000

Cor ou raça Total


Branca Negra
Rio de Rio de Rio de
Coleta de lixo Salvador Janeiro Salvador Janeiro Salvador Janeiro
Coletado por serviço de
78,0% 91,4% 63,2% 83,5% 66,7% 88,1%
limpeza
Colocado em caçamba
18,7% 7,9% 29,0% 14,6% 26,6% 10,6%
de serviço de limpeza
Queimado (na
0,4% 0,3% 1,1% 0,8% 0,9% 0,5%
propriedade)
Enterrado (na
0,0% 0,0% 0,1% 0,0% 0,1% 0,0%
propriedade)
Jogado em terreno
2,4% 0,3% 5,5% 0,6% 4,7% 0,4%
baldio ou logradouro
Jogado em rio, lago ou
0,4% 0,1% 0,9% 0,3% 0,7% 0,2%
mar
Tem outro destino 0,1% 0,1% 0,2% 0,1% 0,2% 0,1%
Total 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%
Fonte: Elaboração própria, a partir da amostra do Censo 2000 (IBGE).

Estas desigualdades que se observam na Tabela 14 se reproduzem, espacialmente


(Mapa 15), em relação à coleta geral em Salvador. Neste mapa, fica evidente que este
tipo de serviço é voltado, principalmente, para as áreas mais ricas da cidade, com as
diferenças entre domicílios de brancos e negros. Entre os serviços de consumo coletivo
relacionados a uma melhor condição de habitabilidade, a coleta de lixo, em todas as
suas formas e destinos também revela que as administrações públicas não tratam
igualmente negros e brancos, como cidadãos portadores de direitos iguais em matéria de
saúde pública. As evidências empíricas, até aqui, têm domonstrado diferenças e
desigualdades expressivas, com pouquíssimas exceções, bem traduzidas pelos mapas.
149

Mapa 15 – Distribuição Espacial de Domicílios com Coleta Geral do Lixo – Salvador - 2000

Fonte: Elaboração própria, a partir da amostra do Censo 2000 (IBGE).


150

Mapa 16 - Distribuição Espacial de Domicílios com Coleta Geral do Lixo – Rio de Janeiro - 2000

Fonte: Elaboração própria, a partir da amostra do Censo 2000 (IBGE).

No Rio de Janeiro, surprendentemente, as zonas Norte e Oeste principalmente,


que vêm acumulando indicadores negativos, têm uma cobertura desse serviço mais
eqüitativa, tanto nos domicílios brancos quanto nos negros, como traduz o Mapa 16, ao
contrário de Salvador. Entretanto, esta igualdade racial, no acesso a este serviço tão
essencial para a saúde pública, ainda apresenta diferenciações e desigualdades em parte
das AEDs, como Galeão e Cidade Universitária; Freguesia (norte); Tauá; Zumbi,
Pitangueiras e Praia da Bandeira; Complexo do Alemão; Grajaú; Jacarepaguá; Leme e
AEDs da faixa paralela à orla sul. A precariedade maior parece estar na Rocinha, que se
destaca de todas as AEDs, tanto em domicílios brancos como negros, o que mostra que
151

a proximidade física não necessariamente contribui para que os bairros mais pobres se
beneficiem dos melhores serviços prestados às áreas mais ricas.

3.4.3 Calçamento Total de Ruas

Calçamento de ruas é também um serviço público e, como tal, se esperaria


igualdade de oferta do serviço. Entretanto, a discriminação de raça, sempre tão negada,
está também evidenciada nos dados estastísticos e espaciais. Com “critérios invisíveis”,
o poder público privilegia ruas em áreas mais ricas e mais brancas.

Neste item, o Rio de Janeiro tem mais ruas calçadas (82,3%) do que Salvador,
(65,0%). Entretanto, a discriminação racial é semelhante. Com ruas totalmente calçadas,
os brancos são 78,5% em Salvador, e no Rio de Janeiro, 86,9%, enquanto que nos
bairros onde moram os negros são somente 60,8% e 75,8%, que contam com este tipo
de serviço (Mapa 17 e Mapa 18).

Tabela 15 – Distribuição Espacial dos Domicílios com Calçamento de Ruas – Salvador e Rio de
Janeiro - 2000

Cor ou raça Total


Branca Negra
Calçamento Rio de
Salvador Rio de Salvador Rio de Salvador
Janeiro
Janeiro Janeiro
Total 78,5% 86,9% 60,8% 75,8% 65,0% 82,3%
Parcial 9,1% 4,2% 16,8% 8,1% 15,0% 5,8%

Não existe 10,5% 6,0% 20,4% 12,6% 18,0% 8,7%


Ignorado 1,8% 2,9% 2,0% 3,5% 1,9% 3,2%
Total 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%
Fonte: Elaboração própria, a partir da amostra do Censo 2000 (IBGE).

Em Salvador (Mapa 17), existem três áreas com condições piores em relação à
situação de calçamento de ruas: Bairro da Paz (AED 4 - 86,7% negros); Cajazeiras,
Bairro Doce, Palestina, Boca da Mata e Águas Claras (AED 82), com 92,3% de negros;
Nova Constituinte e Parque Setúbal (AED 49), 90,6% de negros. Nestas áreas há uma
“democracia racial” dos subalternos, ou seja, brancos e negros vivem com poucas ruas
calçadas. Contudo, no Mapa 17 (dos negros) há duas situações singulares: Ondina, São
Lázaro, Cardeal da Silva e Vila Matos (AED 29), e 56,6% de negros; e Rio Sena (AED
46 e 84,8% de negros). Os negros que moram nesta área não têm, ou só têm,
parcialmente, calçamento nas suas ruas.
152

Mapa 17 – Distribuição Espacial de Ruas com Calçamento Total – Salvador - 2000

Fonte: Elaboração própria, a partir da amostra do Censo 2000 (IBGE).

No Rio de Janeiro, conforme o Mapa 18, também se evidenciam as diferenças na


distribuição de ruas totalmente calçadas, onde moram negros e brancos. Como tem sido
recorrente, na Zona Sul, Barra e Jardim Guanabara, as ruas são totalmente calçadas e
representam uma área mais ampla no território, do que aquelas onde estão os negros.
Isso decorre, certamente, da presença de grandes favelas, como Rocinha e Vidigal, por
exemplo, onde na maioria das ruas não existem vários serviços de infra-estrutura
urbana.

Na Zona Norte, a maioria dos brancos vive em ruas com calçamento total, com
exceção da Favela da Maré, que tem um equilíbrio racial com leve maioria branca (51%
e 49% respectivamente), dependendo da AED. Ou seja, como a referida favela faz
fronteira com diferentes bairros, o equilíbrio na composição racial depende da parte da
favela em que se fez a divisão territorial por AED. Desse modo, os negros são maioria
em, praticamente, toda a favela: Maré-Ramos (51% e 49%); Maré-Bonsucesso, Ramos
(52%); Maré-Manguinhos (57%); o mesmo percentual para Maré-Bonsucesso.

Embora a Zona Oeste apresente uma situação relativamente equilibrada entre


brancos e negros, em algumas AEDs, à medida que concentram proporções iguais de
ruas urbanizadas, há alguns aspectos que os diferenciam. Nesta área, temos Guaratiba,
Barra de Guaratiba, Pedra de Guaratiba com 52% de negros e ligeira vantagem dos
brancos, já que na AED de Vargem Grande, os negros são 58% e compõem a grande
área de mais fraca concentração dos que vivem em ruas totalmente calçadas.
153

Mapa 18 – Distribuição Espacial de Ruas com Calçamento Total – Rio de Janeiro - 2000

Fonte: Elaboração própria, a partir da amostra do Censo 2000 (IBGE).

Em suma, de um lado, a Zona Oeste e parte da Zona Norte, no Rio de Janeiro, são
as AEDs de maior segregação da cidade, na medida em que têm a maior presença de
negros e concentram os piores indicadores sociais, e, do outro, a Zona Sul, com alta
concentração de brancos e ricos vivendo em seus “guetos”.

Desse modo, os dados estatísticos e espaciais mostram a desigual distribuição


espacial dos serviços de consumo coletivos em ambas as cidades, caracterizada por uma
organização espacial estratificada em bairros de alto status social, bairros de médio
status social, bairros de baixo status social (bairros populares-favelas-invasões),
154

refletindo as hierarquias de classes e raças no território. Assim, através da leitura de


tabelas e mapas, verifica-se que esta estratificação tem correspondência com a
segmentação e segregação sociais e raciais, uma vez que a distribuição dos serviços no
espaço está apresentando a mesma lógica de diferenças que preside a estrutura social: a
hierarquia social e racial se exprime no acesso desigual dos domicílios aos bens
coletivos e individuais, símbolos da modernidade urbana, contribuindo para agravar a
segregação, ainda que no Brasil não existam leis que definam a existência de bairros
negros e brancos, como na África do Sul, no tempo do Apartheid. A segregação, de fato,
não se fez, no Brasil, acompanhar da segregação de direito.

Pelo processo analisado, fica evidente que a urbanização dependente do nosso


País engendrou, em todas as suas fases de desenvolvimento, mecanismos de produção e
reprodução, tanto de desigualdades raciais como espaciais. A análise do conjunto de
indicadores habitacionais, desagregados em termos raciais, confirma que há
desigualdade racial em todas as dimensões estudadas, o que nos permite afirmar que
existem, nas duas cidades, mecanismos poderosos de produção de desigualdades raciais,
que não se resumem a desigualdades econômicas e sociais, como é amplamente
debatido no meio acadêmico, já que muitos autores acreditam ainda, que as
desigualdades são apenas de natureza sócio-econômicas.

Ao ignorar a especificidade dos processos que reproduzem as diferenças e as


hierarquias raciais, o racismo institucionalizado, inscrito no espaço das cidades,
contribui-se para a perpetuação das desigualdades sócio-raciais, naturalizando-as. O
mito da “democracia racial”, presente no senso comum, é uma representação coletiva
que não resiste a qualquer objetivação sistemática das condições dos domicílios brancos
e negros nas cidades brasileiras. Note-se que os negros, que têm mais interesse em
liquidar essa falsa visão das cidades brasileiras, estão entre os mais desprovidos dos
meios, inclusive, de comunicação e locomoção, de verificarem por sua própria
experiência a falácia do pertencimento igualitário às cidades. É relevante destacar,
também, as enormes dificuldades de organização dos moradores das periferias urbanas,
inclusive no aspecto da locomoção, pelo simples fato de não terem dinheiro para
transporte, que pesa cada vez mais no seu parco orçamento.

Neste contexto, podemos afirmar que a combinação da discriminação do mercado


imobiliário e da ação do Estado tem reproduzido desigualdades raciais, e, portanto, as
políticas públicas brasileiras em geral, e as políticas urbanas, em particular, nas cidades
155

estudadas, têm agravado a segregação. Entretanto, o cotidiano de desigualdades e


segregação para milhões de pessoas pode não se fazer acompanhar da percepção e da
denúncia do mito da “democracia racial” por parte das maiores vítimas da
discriminação. A ordem (ou desordem) das grandes cidades, para ser objetivada e
compreendida, exige uso de instrumentos e de capacidades não disponíveis para os que
sofrem as conseqüências da desigual distribuição dos bens e serviços que a cidade
proporciona. A igualdade dos cidadãos das grandes cidades brasileiras está a exigir a
compreensão dos fundamentos históricos e sociais das imensas desigualdades atuais.
Até hoje, só foram removidas as favelas, os cortiços e os antigos quilombos, não as
marcas, no corpo e nas residências, das desigualdades entre os descendentes das casas-
grandes e sobrados por um lado, e os descendentes das senzalas, mocambos e
quilombos, por outro. Para quando a “democracia”?
156

CAPÍTULO 4 ESTRATIFICAÇÃO SOCIAL E ESPAÇO URBANO:


OCUPAÇÃO, RENDA E EDUCAÇÃO

Após a análise da distribuição dos serviços urbanos e sua relação com as várias
classes sociais e grupos raciais, empreendida nos capítulos anteriores, vamos analisar a
relação entre raça, classe e estrutura urbana, a partir da ocupação, da renda e da
educação. Veremos, assim, os fatores responsáveis pelo poder de compra dos indivíduos
e pela capacidade de apropriação dos serviços urbanos. É central, em nossa
metodologia, entender os fatores condicionantes da situação social dos grupos étnicos
que coexistem em Salvador e no Rio de Janeiro, bem como as relações que mantêm
entre si através da estratificação social inscrita no espaço urbano. As circunstâncias
históricas particulares que as engendraram fazem com que “não sejam duas realidades
independentes, mas apenas dois ângulos pelos quais pode ser observada a configuração
única e total das relações de classe e raça no Brasil” (PINTO, 1998, p. 88). Na mesma
perspectiva, classe é aqui entendida como:
um conjunto de relações sociais que define uma posição objetiva na
sociedade; aquelas relações e essas posições não são fixas e imutáveis, pois
mudam com a transformação histórica da organização social da produção”; e
estratificação social remete ao sistema de posições sociais que resulta da
existência, e de diferenças múltiplas entre as classes de indivíduos com estilos
de vida diferenciados no interior de uma sociedade (PINTO, 1998, p. 90).
Desse modo, buscamos compreender o desenvolvimento capitalista tardio e
dependente da nossa sociedade e suas contradições. O desenvolvimento diferenciado e
desigual, resultante da Revolução Industrial, a partir da segunda metade do século
XVIII, significou importantes transformações no mundo: na sociedade, na economia, na
política, com o surgimento de novos grupos sociais, a burguesia e o proletariado, ou o
conjunto dos assalariados. Embora não haja determinação simples ou mecânica, as
diferenças de inserção dos indivíduos na organização da produção de bens tendem a ter
correspondência nas diferenças de estilo de vida.

A classe operária que emergiu desse processo tinha péssimas condições de


vida e trabalho: longas jornadas de trabalho, tanto para homens quanto para mulheres e
crianças; falta de segurança nas fábricas; baixos salários; falta de assistência à saúde e
seguridade, tais como analisadas por Engels59, citado anteriormente. Nas cidades,
mudanças profundas alteram a vida cotidiana: os meios de transporte ganham rapidez

59
Cf. Friedrich Engels, 1975 e Karl Marx, 1859.
157

com a motorização; a iluminação a gás altera a vida noturna; a economia ganha um


dinamismo sem precedentes com o surgimento das indústrias; o deslocamento de
grandes massas do campo para a cidade empresta um peso aos centros urbanos nunca
antes imaginado. Tantos foram os marcos desse processo que foi chamado, por Karl
Polanyi (1944), de “a grande transformação”.

No Brasil, essas mudanças demoram a chegar e o impulso da industrialização só


se acelerou a partir de 1930. O nosso desenvolvimento capitalista industrial dependente
reproduziu, para os grupos sociais mais desprovidos de recursos, de forma piorada, estas
condições, em grande parte com a participação do Estado brasileiro, que promoveu
historicamente uma industrialização seletiva, escolhendo grupos econômicos, áreas para
incentivar e investir, apostando, sobretudo, no trabalhador branco europeu, ao promover
o já referido processo de imigração subsidiada, desde o século XIX. Em conseqüência,
este desenvolvimento não foi uniforme, nem regional, nem social e nem racialmente.
Como vimos no capítulo 1, na substituição da mão-de-obra escrava pela mão-de-obra
livre, o negro e o mulato perderam, gradativamente, espaço, para o imigrante branco
europeu, como salientou Florestan Fernandes, para São Paulo (FERNANDES, 1965), e
Luiz Costa Pinto (1998), para o Rio de Janeiro.

Hasenbalg (1992, p. 101-104), ressalta com razão que a participação do negro no


desenvolvimento urbano-industrial brasileiro foi tardia e desigual, e que os estudos
sobre essa inserção têm sido negligenciados, embora sejam crescentes, no que se refere
à escravidão negra, como assinalado anteriormente. Mesmo assim, tais estudos
priorizam o negro como escravo, descuidando da população negra livre durante a
vigência do sistema escravista. Para o autor, “uma revisão parcial da historiografia que
trata daclasse operária e da fase da industrialização no Brasil, desde a abolição até 1930,
permite construir algumas imagens resumidas desse processo:

- o trabalhador imigrante formou o núcleo central da classe trabalhadora e do


movimento operário;

- os ex-escravos, liberados no 13 de maio de 1888, e a imensa massa de negros e


mestiços que já eram livres antes dessa data, foram alijados do mercado de trabalho
capitalista, ou ficaram relegados a segundo e terceiro planos; eles teriam integrado a
categoria genérica e também racialmente indefinida do ‘trabalhador nacional’, objeto do
que os historiadores convencionaram chamar, ideologicamente, ‘vadiagem’;
158

- os conflitos étnicos e raciais dentro da classe trabalhadora contribuíram para


debilitar o movimento operário nas primeiras décadas de industrialização (Maram,
1977, Fausto, 1977 e Chalhoub, 1986 apud Hasenbalg, 1992, p.103);

- o processo de revalorização do ‘trabalhador nacional’, que culmina com a lei dos


dois terços de 1931, se inicia nos anos da Primeira Guerra Mundial, quando diminui o
afluxo imigratório, e se intensifica no auge da atividade grevista de 1917-1920
(KOWARICK, 1987, apud HASENBALG, 1992, p. 103).

Estas imagens, contudo, como ressalta o próprio autor, “são válidas para
entender o retardo da incorporação do negro ao núcleo central do desenvolvimento
capitalista do Sudeste-Sul, mas não dão conta das formas de inserção da classe
trabalhadora negra nas regiões menos desenvolvidas, fora do eixo Sudeste-Sul”. A
história do negro como trabalhador no pós-abolição é bastante parcial; contudo, nos
últimos anos, as lacunas vêm sendo preenchidas, ainda que lentamente, à medida que a
classe trabalhadora no seu conjunto toma consciência de que esta divisão da classe
trabalhadora limita as conquistas, principalmente dos negros, e, atualmente, a
preservação de direitos conquistados, já que a globalização e as políticas neoliberais têm
imposto muitos retrocessos às garantias trabalhistas, duramente conquistadas. Um
exemplo nessa direção é o estudo, de 1999, sobre os negros no mercado de trabalho nas
regiões metropolitanas, realizado pelo DIEESE – Departamento Intersindical de
Estatística e Estudos Socioeconômicos, por decisão do INSPIR – Instituto Sindical
Interamericano pela Igualdade Racial – formado pelas centrais sindicais de diferentes
matrizes ideológicas: CUT – Central Única dos Trabalhadores, CGT – Central Geral
dos Trabalohadores, FS – Força Sindical, AFL-CIO – Centro de Solidariedade e ORIT –
Organização Interamericana de Trabalhadores. Além disso, as PNADs, com recorte
racial, têm permitido estudos sobre a questão no meio acadêmico, mas em escalas
maiores que chegam no nível metropolitano.

4.1 Estrutura das Ocupações e Desigualdades Raciais

Na análise da estrutura das ocupações, nas duas cidades, procuramos investigar as


desigualdades existentes, particularmente as derivadas das diferenciações baseadas na
condição racial dos trabalhadores. A análise do conjunto das cidades e de seus processos
de segmentação social e segregação espacial pode ser vista pelos dados empíricos que
apresentamos a seguir. Para analisar a estrutura hierarquizada das ocupações utilizamos
159

as mesmas categorias do IBGE60. Com estas premissas, vamos analisar as tabelas de 19


a 24 e seus respectivos mapas.

A força de trabalho tem características peculiares no Rio de Janeiro, como cidade


da região mais industrializada do país. Embora esta cidade tenha muitas similaridades
com Salvador, como as observadas anteriormente, é importante ressaltar suas diferenças
históricas no desenvolvimento do mercado de trabalho capitalista. O Rio de Janeiro, em
1890, tinha uma população total de 522.65161, e mesmo com o impacto da imigração
estrangeira, contavam-se 195.000 pretos e pardos, que representavam 37,0% da
população total (HASENBALG, 1992, p. 105).

Salvador, que quase não sofreu influência da imigração estrangeira, como visto
anteriormente, desde sua formação manteve maioria negra expressiva e, em 1890, tinha
uma população total de 174.412, enquanto o Rio de Janeiro, como cidade mais
populosa, contava com 193.381 negros e pardos. Assim, Salvador era a cidade que mais
se aproximava do Rio de Janeiro, seguida de Recife (111.556), pois São Paulo, como a
quarta cidade mais populosa à época, tinha apenas 64.934 habitantes.

Mas, ao contrário de São Paulo, que teve um fluxo imigratório acelerado no pós-
abolição, o Rio de Janeiro sofreu um refluxo imigratório de estrangeiros, com a
diminuição proporcional da população total, passando de 30% em 1890, 26% em 1900 e
21% em 1920. Desse modo, o Rio de Janeiro (DF), além de maior cidade brasileira à
época, concentrava a maior população negra urbana do Brasil (HASENBALG, 1992, p.
105). Resultam disso, provavelmente, as diferenças na estrutura produtiva das duas
metrópoles, com seus reflexos na forma de inserção da população no mercado de
trabalho, inclusive em termos raciais.

Estas característcas se refletem na estrutura das ocupações, nas duas cidades, que
apresentam diferenças em quase todas estas ocupações, sobretudo quando se compara
racialmente a distribuição das categorias sócio-ocupacionais. Analisemos agora a
composição racial do mercado de trabalho nas duas cidades, a partir da hierarquia
ocupacional, expressa em tabelas e mapas.

60
O Censo Demográfico 2000 adere à padronização nacional e internacional de classificação de
ocupações, uma vez que a Classificação Brasileira de Ocupação – CBO – tem como referência a
Classificação Internacional Uniforme de Ocupação – CIUO 88, adaptada para as pesquisas domiciliares.
(IBGE, 2000, p. 252, 2000).
61
Cf. Afranio Garcia, Vassili. Rivron et Patrick. Bouvier (2000); Hasenbalg (1992) e Pinto; Pinto (1998).
160

4.2 Categorias Sócio-Ocupacionais por Cor ou Raça

Analisamos as categorias sócio-ocupacionais, a partir da agregação realizada por


nós, de uma lista ampla do novo código de ocupações do IBGE/2000 e seu cruzamento
com a variável raça por AED (Metodologia em apêndice). Portanto, a classificação das
ocupações obedeceu ao interesse da nossa pesquisa, que tem sua base de dados
organizada a partir dos microdados do IBGE, 200062. A Tabela 16 mostra que os
principais grupos de ocupação, no conjunto da cidade de Salvador, estão ligados aos
setores de:

– serviços e comércio, formado pelos trabalhadores dos serviços, vendedores do


comércio em lojas e mercados, ou seja, aqueles que prestam serviço à coletividade, bem
como os que trabalham na intermediação de vendas de bens e serviços (38,7%);

– em segundo lugar, figura o proletariado industrial (trabalhadores da produção


de bens e serviços industriais, inclusive da construção civil) perfazendo 18,7,%;

– a seguir, trabalhadores de serviços administrativos (escriturários e atendimento


ao público, exceto técnicos e pessoal de nível superior, subdivididos em dois grupos: 1)
os que trabalham em rotinas e procedimentos administrativos internos, e os que atendem
ao público – 13,5%); 2) técnicos de nível médio - técnicos polivalentes, ciências físicas,
química, engenharia e afins; ciências biológicas, bioquímica, engenharia e afins; 3)
professores leigos e de nível médio; serviços e transportes, ciências administrativas;
serviços culturais e outros técnicos do nível médio – formam 11,0%; e, por fim, os
profissionais das ciências e das artes (8,9%), componentes da força de trabalho mais
expressiva da cidade

62
Segundo o IBGE (2000), entende-se por ocupação, a função, cargo, profissão ou ofício, desempenhado
por uma pessoa numa atividade econômica, no trabalho principal, remunerado ou não-remunerado.
161

Tabela 16 – Hierarquias Ocupacionais por Cor ou Raça

Cor ou raça Total


Ocupação Branca Negra
Salvador Rio
Salvador Rio Salvador Rio
Gerentes 11,9% 9,0% 2,9% 2,4% 5,1% 6,3%
Trabalhadores Serviço e
Comércio 25,8% 28,5% 42,9% 43,1% 38,7% 34,5%
Trabalhadores em
manutenção 1,0% 1,6% 2,8% 2,7% 2,3% 2,1%
Trabalhadores
administrativos 15,4% 14,0% 12,9% 12,0% 13,5% 13,2%
Profissionais das
Ciências e Artes 19,2% 17,8% 5,5% 5,3% 8,9% 12,7%
Técnicos do nível médio
14,2% 13,4% 9,9% 9,5% 11,0% 11,8%
Trabalhadores Setor
Secundário 11,1% 13,4% 21,1% 21,4% 18,7% 16,7%
Militares 0,9% 2,0% 1,6% 3,2% 1,5% 2,5%
Trabalhadores setor
primário 0,5% 0,2% 0,4% 0,4% 0,4% 0,3%
Total 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%
Fonte: Elaboração própria, a partir da amostra do Censo 2000 (IBGE).

No Rio de Janeiro, os principais grupos de ocupação são: serviço e comércio


(34,5%); proletariado industrial (16,7%); trabalhadores administrativos (13,2%) e
trabalhadores das ciências e das artes (12,7%). Em comparação com Salvador, a
principal diferença está no grupo das ciências e das artes, em que o Rio de Jeneiro tem
mais de quatro pontos percentuais, e portanto, um mercado de trabalho de profissionais
com maior capital escolar (12,9% e 8,9%, respectivamente).

4.2.1 Grupos Dirigentes: Gerentes

A categoria gerente é composta pelos dirigentes de empresas e organismos


públicos e privados. Nesta categoria, embora existam proporcionalmente mais gerentes
no Rio de Janeiro do que em Salvador (Tabela 16), os brancos soteropolitanos são
relativamente muito mais numerosos do que os cariocas. Na comparação com os negros,
todavia, a disparidade é mais significativa: 11,9% de brancos contra apenas 2,9% de
negros em Salvador, e 9,0% contra 2,4,% de brancos e negros no Rio de Janeiro. O
perfil racial desta categoria apresenta, portanto, grandes desigualdades raciais,
sobretudo em Salvador, supostamente “paraíso racial”. As ordens no trabalho
empresarial continuam a ser dadas, em sua maioria, por descendentes dos antigos
senhores de escravos ou por descendentes de imigrantes europeus.

Na distribuição espacial dos gerentes, em Salvador, observa-se que os brancos


162

estão mais concentrados nas AEDs 2 (Patamares, Pituaçu e Piatã), 14 (Imbuí), 23 (Barra
e Barra Avenida), 69 (Candeal e Horto Florestal de Brotas), e os negros nas AEDs 25
(Chame-Chame, Apipema, Morro do Gato) e na AED 6 (Stella Maris e Aeroporto).
Aparentemente, os negros gerentes tendem a residir em áreas de status médio e
superior. Mas como vimos, é grande a desigualdade entre brancos e negros nesta
ocupação, e além disso, por esta metodologia, só indiretamente podemos saber se eles
pertencem à categoria de gerentes das categorias superiores, já que nestas AEDs
existem bairros na categoria operário-popular. De qualquer forma, mesmo quando em
grupos sociais superiores do espaço social, os negros tendem a residir, majoritariamente,
nas áreas limites, ocupadas por brancos do mesmo estrato social (Mapa 19).

Mapa 19 – Distribuição Espacial de Gerentes Por Cor ou Raça – Salvador – 2000

Fonte: Elaboração própria, a partir da amostra do Censo 2000 (IBGE).

Os gerentes brancos cariocas preferem, assim como os empregadores,


principalmente a Barra da Tijuca, à medida que sua concentração neste ponto varia de
22,80% a 28,56%, enquanto a segunda maior preferência vai para as AEDs de Paquetá,
Jardim Guanabara, Realengo, Penha 2, Engenho Novo, ao norte, e Ipanema Orlas e
Jardim Botânico, na Zona Sul. No que se refere aos gerentes negros cariocas, há uma
concentração na Lagoa Rodrigo de Freitas. Não se pode saber se isto tem relação com as
formas pretéritas de ocupação deste espaço, principalmente quilombos e locais de
grande concentração de favelas, deslocadas para a Cruzada de São Sebastião, e pelas
remoções promovidas a partir do governo de Carlos Lacerda. É relevante notar, ainda,
que os gerentes negros não se concentram em bairros próximos a seus homólogos
brancos, podendo simbolizar um estilo de vida, mas o fato é que eles se distribuem em
163

ilhas isoladas, em arquipélagos. Somente uma pesquisa qualitativa poderia mostrar


todas as implicações subjetivas e de usos de autoclassificação deste grupo social.

Mapa 20 – Distribuição Espacial de Gerentes Por Cor ou Raça – Rio de Janeiro - 2000

Fonte: Elaboração própria, a partir da amostra do Censo 2000 (IBGE).

4.2.2 Categoria dos Intelectuais

Na categoria de profissionais das ciências e das artes, ou seja, aqueles cujas


atividades principais requerem, para o seu desempenho, conhecimentos profissionais de
alto nível, e experiência em ciências físicas, biológicas, sociais e humanas, e no grupo
das artes, em que há profissionais com as mesmas características intelectuais dos grupos
164

anteriores, a exemplo de maestros, músicos, dentre outros, e, portanto, abrange o


segmento com maior capital educacional, há diferenças significativas entre as cidades.
Em ambas o capital escolar está fortemente concentrado nos contingentes brancos. Mas
o Rio de Janeiro, no conjunto, tem muito mais profissionais nessa categoria que
Salvador, já que representam 12,7% contra 8,9%, respectivamente. Comparando-se os
profissionais brancos, nas duas cidades, o Rio de Janeiro, apesar da vantagem geral em
relação a Salvador, perde para esta, à medida em que são 19,2% contra 17,8% naquela.
Os brancos de Salvador, portanto, levam vantagens, não apenas contra os negros, em
que a diferença é de 19,2% a 5,5%, 13,7 pontos percentuais, como em relação aos
homólogos brancos cariocas. No Rio de Janeiro, a diferença entre brancoe e negros é de
12,3 pontos percentuais, o que significa uma desigualdade maior em Salvador.

No que se refere à distribuição geográfica dos intelectuais de Salvador, verifica-se


a concentração, principalmente, nas AEDs 25 (Chame-Chame, Jardim Apipema e
Morro do Gato), 22 (Rio Vermelho e Parque Aguiar), 17 (Itaigara, Caminho das
Árvores e Iguatemi) e 18 (Pituba e Parque Nossa Senhora da Luz), e os negros nas
AEDs 16 (Armação, Costa Azul, Stiep e Conjunto dos Bancários), 17 (Itaigara,
Caminho das Árvores e Iguatemi), 18 (Pituba e Parque Nossa Senhora da Luz), 24
(Graça) e 25 (Chame-Chame, Jardim Apipema e Morro do Gato).

Mapa 21 – Distribuição Espacial de dos Intelectuais Por Cor ou Raça – Salvador – 2000

Fonte: Elaboração própria, a partir da amostra do Censo 2000 (IBGE).

As unidades espaciais de maior presença dos intelectuais cariocas brancos são as


AEDs 90 (Lagoa), 157 (Tijuca, Bonfim e Itapagipe), 91 (Laranjeiras) e 78 (Ipanema
Orlas). Os negros, nesta categoria, ocupam a Lagoa e Paquetá. Note-se que na
165

hierarquia social e espacial há uma tendência de os negros de melhor renda, educação e


ocupação (empresários, gerentes e intelectuais), se concentrarem na Lagoa,
ironicamente, um dos importantes lugares outrora ocupados por quilombolas, como
vimos anteriormente. A metamorfose desse e de outros espaços, com suas
características, é emblemática para a questão racial.

Mapa 22 – Distribuição Espacial de Intelectuais Por Cor ou Raça – Rio de Janeiro - 2000

Fonte: Elaboração própria, a partir da amostra do Censo 2000 (IBGE).

Portanto, a segregação urbana, nas duas metrópoles, se caracteriza pela


concentração espacial dos segmentos das classes superiores (empregadores, intelectuais
e gerentes), principalmente nos espaços mais elevados da hierarquia sócioespacial,
representados nos mapas, que também apresentam a divisão racial do espaço em quase
166

todas as classes e frações de classes.

4.3 Categorias Médias: Administração

Em relação aos trabalhadores administrativos, existe um equilíbrio entre as


cidades – 13,5% e 13,2% – mas diferem racialmente, uma vez que entre os brancos,
Salvador (15,4%) tem um grupo intermediário um pouco maior que o do Rio de Janeiro,
com 14,0% nessa categoria. Como tem sido recorrente, mesmo Salvador se situando
numa região menos desenvolvida, os brancos têm muitas vezes melhor posição na
hierarquia social e espacial do que no Rio, não apenas em relação aos negros, mas
também em relação aos homólogos brancos da outra cidade.

No que se refere aos técnicos de nível médio, a situação das cidades é igual.
Entretanto, na sua distribuição racial, há ligeira vantagem para Salvador, entre os
brancos, 14,2% contra os 13,4% do Rio de Janeiro. Na comparação brancos e negros,
em Salvador, a diferença é de mais de 4 pontos percentuais de desvantagem para os
negros e de quase 4 pontos no Rio de Janeiro, portanto, a desigualdades entre os grupos
em ambas as cidades é basicamente igual. É notável que cidades de tamanho absoluto
diferente, de morfologia social industrial contrastante, apresentem perfis relativos de tal
proximidade.

4.4 Proletariado do Setor Secundário

Comparando-se o proletariado industrial de Salvador com o do Rio de Janeiro,


nota-se uma ligeira vantagem da velha capital baiana, que tem 18,7% contra 16,7% no
Rio de Janeiro, respectivamente. Na comparação da composição racial, contudo, a
Tabela 16 revela que os negros são maioria da classe trabalhadora nessa condição, nas
duas cidades, à medida que representam 21,1% e 21,4% contra os 11,1% e 13,4% de
trabalhadores brancos em Salvador e no Rio de Janeiro, respectivamente. Mas no que se
refere a trabalhadores brancos, os cariocas são mais representativos (11,1% e 13,4%).

Nas ocupações relacionadas à manutenção, nota-se que tanto em Salvador como


no Rio de Janeiro, os negros também são maioria (2,8% e 2,7%, repectivamente),
sobretudo na primeira, na qual a diferença entre brancos e negros é de mais de um ponto
percentual. Também nas ocupações militares, os negros são maioria, tanto em Salvador
quanto no Rio de Janeiro, respectivamente 1,6% e 3,2%. Surpreende, todavia, que o Rio
de Janeiro, com uma população negra relativamente menor que Salvador (quase a
167

metade), tenha o dobro de negros nesta ocupação. Situação, aliás, que se repete com os
brancos (0,9% e 2,0%).

A análise da evolução das transformações no mercado de trabalho de Salvador,


desde os primeiros passos da industrialização, desenvolvida a partir da Petrobras, nos
anos 1950, instalação do CIA em 1960 e o Pólo Petroquímico em 1970, mostra que os
negros são expressivos neste segmento, ainda que concentrados nos extratos inferiores.
Nos dados da Pesquisa Emprego Desemprego, da Secretaria do Trabalho da Bahia
(SETRAB), de 1987-1989, pretos e mestiços representavam 85,8% dos trabalhadores da
indústria em geral, 82,9% da metalurgia, 81,1% dos da química e 72,7% da
petroquímica (AGIER, 1994). Analisando as relações sociais e raciais, em Salvador, e o
caráter limitado e frustrante das transformações no mercado de trabalho, nas décadas de
1960-1980, o autor mostra que esta presença não significa mistura racial, já que no Pólo
Petroquímico, por exemplo, os negros ocupam as funções mais desvalorizadas, e em
conseqüência, têm os salários mais baixos. Neste contexto, afirma:
Há, portanto, uma grande probabilidade para a quase totalidade dos
trabalhadores negros dessas empresas se sentirem ‘peões’, tanto pelo fato de
ingressar, e ficar, em funções negativamente valorizadas pela ideologia
profissional do pólo desenvolvida em torno do Técnico, quanto pelos
desencantos experimentados nas relações hierárquicas e no extremo
bloqueamento das suas carreiras (AGIER, 1994, p. 7-8).
Espacialmente, os trabalhadores brancos e negros da indústria, em Salvador, se
localizam mais nas AEDs situadas ao Norte da cidade, região vizinha aos municípios da
RMS - Região Metropolitana de Salvador, onde se localizam o CIA – Centro Industrial
de Aratu e o COPEC – Complexo Petroquímico de Camaçari, portanto, principais fontes
deste tipo de ocupação. Este fato deve-se, provavelmente, à instalação nesses bairros,
dos conjuntos habitacionais, associada à questão da redução do custo dos transportes,
considerando-se que a RMS não conta com um transporte de massa, e os trabalhadores
se deslocam através de ônibus das empresas. Todavia, uma análise da hierarquização,
no interior do proletariado baiano, poderia explicar melhor esta espacialização, já que
fazem parte do segmento mais valorizado da classe trabalhadora, mas, infelizmente, não
temos em nossos dados esta estratificação. Apesar desta limitação, o Mapa 23 e o Mapa
24 mostram, que nas duas cidades, o proletariado se encontra nas partes opostas àquelas
onde residem os gerentes, categorias intelectuais e burguesia, mostrando claramente
onde a hierarquia do espaço social se inscreve nos planos das duas metrópoles.
168

Mapa 23 – Distribuição Espacial de Trabalhadores do Setor Secundário Por Cor ou Raça –


Salvador – 2000

Fonte: Elaboração própria, a partir da amostra do Censo 2000 (IBGE).

É provável que, também no Rio de Janeiro, seja esta a situação dos trabalhadores
negros, uma vez que também moram em áreas distantes da cidade e de maioria negra,
como a Zona Oeste e parte da Zona Norte, áreas majoritariamente proletárias.
169

Mapa 24 – Distribuição Espacial de Trabalhadores do Setor Secundário por Cor ou Raça – Rio de
Janeiro – 2000

Fonte: Elaboração própria, a partir da amostra do Censo 2000 (IBGE).

4.4.1 Proletariado do Setor Terciário

Quanto aos trabalhadores do serviço e comércio, a estrutura destas ocupações


apresenta diferenças importantes. Salvador tem 38,7% desta categoria, contra 34,5% do
Rio de Janeiro. Nesta categoria, os negros também são maioria, e em posição similar,
nas duas cidades, respectivamente, 42,9% e 43,1%, e, portanto, quase metade da força
de trabalho. Por outro lado, os brancos são 25,8% e 28,5%, sendo, portanto, os brancos
cariocas mais representativos que os baianos nesta categoria.

A distribuição geográfica destes trabalhadores, nas duas cidades, mostra


170

similaridades, à medida que há uma tendência dos trabalhadores brancos de se


localizarem nas zonas distantes dos empregos, e os negros de se espalharem mais pelo
território. Os trabalhadores brancos desta categoria, em Salvador, se localizam nas
AEDs Cajazeira, Palestina e Águas Claras (81) e Nova Constituinte e Parque Setúbal
(49) principalmente, enquanto que os negros estão nas AEDs de São Cristovão e
Alagados/Baixa do Petróleo; em segunda concentração, espalham-se por quase todo o
território soteropolitano. No Rio de Janeiro, os trabalhadores brancos concentram-se na
Zona Oeste, principalmente na AED Santa Cruz Guandu; Bonsucesso-Ramos e Maré-
Bonsucesso e Rocinha, enquanto os negros se distribuem mais no território e
concentram-se nas AEDs Freguesia (Zona Norte), SãoConrado/Vidigal, Ipanema-Orlas
e Cidade Nova.

Mapa 25 – Distribuição Espacial dos Trabalhadores do Serviço e Comércio Por Cor ou Raça –
Salvador – 2000

Fonte: Elaboração própria, a partir da amostra do Censo 2000 (IBGE).


171

Mapa 26 – Distribuição Espacial dos Trabalhadores do Serviço e Comércio Por Cor ou Raça – Rio
de Janeiro – 2000

Fonte: Elaboração própria, a partir da amostra do Censo 2000 (IBGE).

4.4.2 O Negro e o Serviço Militar

Historicamente, os militares constituem uma categoria muito importante para os


homens negros, principalmente, por representarem uma possibilidade de ascensão social
e política.

Desde o século XVI, no processo de conquista das terras brasileiras pelos


colonizadores, se criou um sistema de defesa contra dois inimigos: os índios e os
estrangeiros ambiciosos. Mais tarde, o primeiro governador geral, Tomé de Souza
172

(1549), organizou o serviço militar obrigatório em todo o Brasil. Desde então, a


presença dos negros foi fundamental nas lutas militares e nos episódios da história
brasileira que consolidaram a conquista portuguesa. Mesmo sem análise desse processo,
que não é nosso objetivo nesta estudo, destacamos, entre os principais acontecimentos, a
invasão holandesa, a guerra do Brasil contra o Paraguai (1864-1870), na qual se
destacaram os negros-capoeiras da Bahia e do Rio de Janeiro, organizando batalhão de
voluntários, aos quais são atribuídas muitas das vitórias, e as lutas pela Indepedência.

Para Arthur Ramos [19--], p.163): “A história militar do Brasil, desde a


colonização até agora, terá de destacar as contribuições dos homens da raça negra”. A
importância da participação dos escravos na luta pela Independência, em troca de sua
liberdade, pode ser avaliada pela Carta da Liberdade para os Combatentes da
Independência. Este processo, como uma das vias de conquista da liberdade, também
pode ser verificado no Decreto no. 3725-A, de 6 de novembro de 1866, assinado pelo
Imperador. Segundo este decreto assinado por Zacarias bde Gois e Vasconcelos: Hei
por bem que, aos escravos da nação, que estiverem nas condições de servir ao Exército,
se dê gratuitamente liberdade para se empregarem naquele serviço; e, sendo casados,
estenda-se o membro o benefício às suas mulheres. Zacarias de Gois e Vasconcelos, do
meu Conselho, senador do Império, presidente do Conselho de Ministros, etc, assim o
tenha entendido e faça executar. Palácio do Rio de Janeiro, aos seis dias de novembro
de mil oitocentos e sessenta e seis quadragésimo quinto da Independência e do Império.
Com rúbrica de Sua Majestade o Imperador’63

Nas lutas específicas, no pós-abolicionismo, podemos destacar a Revolta da


Armada, conhecida como Revolta da Chibata (1910), importante movimento político-
militar dos negros, que teve como território o Rio de Janeiro. Este movimento foi uma
revolta dos marinheiros de baixa hierarquia, que se rebelaram contra o uso da chibata a
bordo, a má alimentação e o excesso de trabalho. O líder foi o marinheiro de primeira-
classe, João Cândido, orador de todas as ocasiões, que de tal modo se sobressaiu, que a
maruja entregou ao seu comando o capitânia e toda a frota, e assim passou ele de
simples marinheiro a almirante em chefe, de nossa então poderosa força naval. Os
rebeldes ameaçaram voltar os canhões para a cidade e, aparentemente, o governo
negociou com eles e durante três dias a maruja logrou expurgar da Marinha a chibata.

Mas, logo depois o governo autorizou a Ministério da Marinha a expulsar da


63
In: Carneiro [19--, p.42.]
173

Armada os revoltosos, ao todo 3000 marinheiros. Um contragolpe logo se armou, mas


antes que conseguissem defragrá-lo, foi decretado o estado de sítio e o chefe e mais de
mil companheiros foram metidos nas masmorras da Ilha das Cobras, de onde só saíram
dois anos depois. João Cândido, que liderou mais de 3000 marinheiros, e a esquadra
com os dois couraçados mais poderosos do mundo de então, viveu de pequenos serviços
que mal davam para o sustento da família numerosa (Correio da Manhã de 23/11/1946,
apud CARNEIRO, ([19--] p.366).

No pós-abolicionsimo, até 1930, parece haver um grande hiato nas lutas negras.
Flávio Gomes (2005, p.78), que realizou um estudo sobre o negro e a política no
período de 1888-1937, conclui que: “Nos derradeiros anos do século XIX e no primeiro
quartel do século XX, em várias regiões, surgiram associações, entidades e clubs
formados por libertos e pela população negra – fossem eles de setores libertários,
operários ou recreativos em geral”.

Os militares, para efeito desta análise, são uma categoria composta por ocupações
vinculadas às Forças Armadas e às forças policiais (da Aeronáutica, do Exército, da
Marinha e ainda policiais militares e bombeiros militares). É um grupo heterogêneo, no
que se refere ao nível de competência dos seus membros, englobando diferentes esferas
de autoridade. Na Tabela 16, pode-se verificar que o Rio de Janeiro tem mais ocupados
nesta categoria que Salvador (2,5% contra 1,5%) e, em ambas, os negros predominam
com 3,2% e 1,6% contra os brancos que são 2,0% e 0,9%, respectivamente. Isso mostra
que para os negros é uma forma importante de inserção no mercado formal dos
empregos, ainda que, em geral, estejam confinados na baixa hierarquia militar,
sobretudo como soldados, com pouquíssimas exceções.

Em suma, as hierarquias ocupacionais revelam a predominância dos brancos nas


categorias mais valorizadas, como gerentes e intelectuais, sobretudo em Salvador, onde
a minoria branca domina largamente estes segmentos do mercado de trabalho, com uma
distância de mais de 10 e 14 pontos percentuais respectivamente. No Rio de Janeiro, a
maioria branca também é amplamente majoritária nestes segmentos, apenas com uma
distância um pouco menor (9,0% e 17,8%, respectivamente). A força da segregação, por
ocupação, na capital baiana é, portanto, ainda mais expressiva do que no Rio de Janeiro.
A desigualdade também se dá nas categorias médias, ainda que de forma menos
expressiva, uma vez que, nestas categorias, as duas cidades expressam distâncias
menores. Do outro lado, os negros são amplamente majoritários no proletariado do
174

serviço e comércio, como no serviço de bens e serviços para a indústria, o que reforça a
conclusão de Costa Pinto, já na década de 1950, de que a trajetória do negro chega, no
máximo, a passar “de escravo a operário”, e mesmo assim, com grandes desigualdades,
no interior da classe trabalhadora. Todo o intenso processo de urbanização e de
industrialização do século XX não esteve associado à atenuação das dissimetrias e das
hierarquias de mando, entre descendentes dos senhores e descendentes de escravos.

4.5 Categoria dos Dirigentes: Empregadores

Analisando a condição de empregador, verifica-se que a classe capitalista carioca


é maior que a baiana (3,7%, e 3,3% respectivamente), mas muito pequena em ambas,
sobretudo quando se observa a enorme concentração de capitais detida por esta classe,
social e territorialmente. Na composição racial, os dados revelam que, além de
diminuta, ela é branca. Paradoxalmente, é mais branca em Salvador do que no Rio de
Janeiro, onde há mais pessoas desta classe. Os empregadores brancos são 7,6% e 5,4%,
enquanto os negros são apenas 1,8% em Salvador e 1,1% no Rio de Janeiro.
Comparando-se a Tabela 16 e a Tabela 17, nota-se uma impressionante equivalência em
ambas as cidades.

Tabela 17 – Posição na Ocupação por Cor ou Raça

Cor ou raça Total


Branca Negra
Salvador Rio Salvador Rio Salvador Rio
Trabalhador doméstico com 1,8% 1,9% 4,8% 3,7% 4,0% 2,6%
carteira assinada
Trabalhador doméstico sem 2,6% 2,8% 6,8% 6,8% 5,7% 4,5%
carteira assinada
Empregado com carteira 48,1% 46,1% 44,6% 45,1% 45,4% 45,7%
Empregado sem carteira 19,2% 20,1% 20,8% 21,5% 20,4% 20,7%
Empregador 7,6% 5,4% 1,8% 1,1% 3,3% 3,7%
Conta-própria 19,4% 22,1% 19,5% 20,7% 19,5% 21,5%
Aprendiz ou estagiário 0,5% 0,9% 0,7% 0,5% 0,7% 0,8%
Não remunerado em ajuda a 0,7% 0,5% 0,9% 0,4% 0,8% 0,5%
membro do domicílio
Trabalhador na produção para 0,1% 0,0% 0,2% 0,1% 0,2% 0,1%
o próprio consumo
Total 100% 100% 100% 100% 100% 100%
Fonte: Elaboração própria, a partir da amostra do Censo IBGE/2000.

Geograficamente, há uma concentração da burguesia branca de Salvador


principalmente na AED 17 (Itaigara, Caminho das Árvores e Iguatemi), e a burguesia
175

negra, além desse espaço comum, ocupa ainda as AEDs 26 (Campo Grande, Canela e
Vitória) e AED 18 (Pituba e Parque Nossa Senhora da Luz).

Esta distribuição espacial nos leva a imaginar que os negros empresários são mais
expressivos que os brancos baianos. Contudo, é importante ressaltar que: 1) a baixa
representatividade estatística dos negros (7,6% contra 1,8%) distorce a mancha urbana;
2) os pouquíssimos negros empresários têm preferência de moradia mais diversificada
que os empresários brancos; 3) a categoria empregador abrange do micro ao macro, de
forma que não é possível, por esta metodologia, distinguir totalmente a localização
hierárquica no interior deste grupo social, mas sabe-se, indiretamente, que são os
melhores posicionados, por se tratar de bairros de alta concentração dos capitais,
políticos, econômicos, culturais e educacionais.

O fato do negro ser empregador, entretanto, não elimina a possibilidade de ser


vítima de racismo, de discriminação racial. É neste nível que o racismo se manifesta à
primeira vista, ou seja, quando não se conhece a pessoa, se atribui a ela, imediatamente,
uma posição baixa na hierarquia social. Um empregador negro pode ser confrontado
com perguntas como as desses dois exemplos: “você é o motorista? Cadê o dono ou
dona da casa?” Em posição de mando, residindo em bairros bem cotados, os negros
estão “fora de lugar histórico”. Isso nos remete ao que Gonzalez analisou anteriormente
(Capítulo 3, p. 79).

Mapa 27 – Empregadores Por Cor ou Raça – Salvador – 2000

Fonte: Elaboração própria, a partir da amostra do Censo 2000 (IBGE).


176

No Rio de Janeiro, como vimos, a classe capitalista é um pouco menos branca que
Salvador, espacialmente, tem similaridade com esta, já que também se concentra
principalmente nas AEDs da Barra e Ipanema Orlas, com uma distribuição variando
entre 23,86% a 29,58%. No que se refere aos empresários negros, há uma importante
diferença, uma vez que estes se concentram, principalmente, na AED Lagoa, com a
mesma variação. A observação sobre as manifestações de racismo no topo da pirâmide
social em Salvador aplica-se também a esta cidade. Positivamente, como no caso dos
gerentes, a concentração na Lagoa Rodrigo de Freitas está merecendo um estudo
qualitativo de maior profundidade.

Apesar da distância temporal do estudo de Costa Pinto, ele tem uma


impressionante atualidade, quando analisa a fração mínima da população “de cor”, no
Rio de Janeiro, que ascendeu na escala social, com ‘honrosas exceções’:
(...) como minoria ínfima que constituem, simbolizam muito mais e melhor a
envergadura e proporções das barreiras, materiais umas, subjetivas outras,
que tiveram e têm que vencer os homens de cor neste País para furarem as
linhas e, por um caminho de pedras, alcançarem o padrão social dos grupos
dirigentes. Não é por mera coincidência que tais ‘honrosas exceções,
sobreviventes bem-sucedidas da grande luta pela ascensão social, pingam
quase que à razão de uma por geração (PINTO, 1998, p. 97).
Embora este estudo tenha uma distância temporal (mais de meio século), mostra
uma realidade persistente, que os estudos atuais sobre as desigualdades raciais também
têm revelado. A cristalização dos mecanismos de produção das exceções, em quase
todos os aspectos da vida social brasileira, é a evidência de que as desigualdades não
serão superadas com a retórica da igualdade. As razões históricas já apontadas e as
discriminações contemporâneas, o desenvolvimento, tal como tem se realizado, parecem
contribuir significativamente com este quadro de poucas transformações, inclusive nas
duas cidades.
177

Mapa 28 – Empregadores Por Cor ou Raça – Rio de Janeiro - 2000

Fonte: Elaboração própria, a partir da amostra do Censo 2000 (IBGE).

4.5.1 Posição na Ocupação: Emprego Formal

No que diz respeito à condição de empregado com carteira assinada, a situação


dos da classe trabalhadora em geral é muito precária nas duas metrópoles, já que apenas
45,4% da força de trabalho de Salvador e 45,7% do Rio de Janeiro tem garantidos todos
os direitos trabalhistas assegurados pela formalização do emprego. Racialmente,
contudo, a situação de desvantagem dos trabalhadores negros se revela. Enquanto os
trabalhadores brancos com carteira assinada representam 48,1% em Salvador e 46,1%
no Rio de Janeiro, os negros são 44,6% e 45,1% respectivamente.
178

Mapa 29 – Posição na Ocupação: Emprego Formal

Fonte: Elaboração própria, a partir da amostra do Censo 2000 (IBGE).

O Mapa 29 evidencia que os trabalhadores brancos baianos de empregos formais


(maioria dos que trabalham) se espalham em quase todas as AEDs, enquanto que os
negros, que são maioria da classe trabalhadora, como visto anteriormente, são minoria
dos empregados com carteira assinada, também ocupando quase todo o território,
porém, de forma mais limitada. Do outro lado, os trabalhadores informais estão mais
presentes nas áreas do “miolo” e norte da cidade.

Mapa 30 – Posição na Ocupação: Emprego Formal


179

Fonte: Elaboração própria, a partir da amostra do Censo 2000 (IBGE).

No Rio de Janeiro, os trabalhadores brancos formais tendem a ocupar mais as


zonas Norte, Sul e menos a Zona Oeste, enquantos os trabalhadores negros, nessa
condição, se localizam também na Zona Norte, mas estão bastante presentes nas zonas
Oeste e Sul.

Já na categoria conta própria, há um equilíbrio entre brancos e negros em


Salvador (19,4% e 19,5%) e no Rio de Janeiro, com uma ligeira diferença em favor dos
brancos, que representam 22,1% enquanto os negros são 20,7%. As relações de trabalho
menos formalizadas parecem ser menos discriminantes que as situações de patrão-
empregado, mas só um estudo mais desagregado poderia mostrar os fundamentos dessa
equivalência no trabalho por conta própria.

4.6 Sub-proletariado: Trabalhador Doméstico?

A história do serviço doméstico no Brasil tem sua origem na escravidão, quando


nas casas grandes rurais e sobrados, dos senhores e senhoras de escravos e escravas nas
cidades, havia escravos domésticos, mas principalmente escravas domésticas, que no
pós-abolição passaram à condição de “trabalhadoras” ou empregadas domésticas,
adequando-se a um mercado de trabalho de pouca ou quase nenhuma garantia
trabalhista. Desse modo, a trajetória da mulher negra deu-se, em grande parte, com a
passagem da senzala para o trabalho doméstico, como o caráter diminuto e precário dos
dormitórios ou dependências de apartamentos e casas revelam de forma patente. Nesta
perspectiva, e com esta limitação, vamos analisar os dados sobre este aspecto do
180

mercado de trabalho nas duas cidades.

Costa Pinto (1998, p.118), que analisou o censo de 1940, com o recorte de gênero
e raça, constata que no Rio de Janeiro (DF), entre as mulheres, o maior número de
empregadas domésticas encontra-se entre as pretas; em cada cem mulheres pretas,
31,47% eram domésticas, na proporção de 16,44% entre as pardas e de 3,67% entre as
brancas. Se para os homens negros, a principal via de inserção no mercado de trabalho,
historicamente, esteve vinculada a funções subalternas, para as mulheres negras a
condição é mais antiga, limitada e persistente, como mostram estudos mais recentes da
questão.

O estudo sobre a PEA feminina, com o recorte de gênero, raça e mercado de


trabalho, de Denise da Silva e Márcia Lima (1992), conclui, a partir da análise dos
dados da PNAD de 1987, e tabulações especiais da PNAD de 1988 (segundo a
distribuição setorial e ocupacional, por cor), a existência de uma linha de cor no interior
da parcela feminina da força de trabalho. As autoras demonstraram que as mudanças
ocorridas no processo de redistribuição das mulheres na estrutura ocupacional, ao longo
das décadas de 1940 à de 1980, apresentam diferenças significativas, quando acrescenta
a variável cor. Elas mostram que, mesmo apresentando taxas superiores de participação
no mercado de trabalho, as mulheres negras são encontradas nos patamares inferiores da
estrutura ocupacional, que requerem menor escolaridade e garantem baixos
rendimentos. As autoras concluem:
Assim, para as mulheres negras, o processo de industrialização e urbanização
não representou possibilidade de mobilidade muito significativa, em
comparação com as brancas e amarelas. Ao saírem do setor primário, as
mulheres negras se concentraram nas ocupações mais baixas do setor terciário
(LIMA & SILVA, 1992, p.108).
De fato, o IBGE64 traçou o perfil racial e de gênero dos trabalhadores domésticos
nas seis principais regiões metropolitanas do País, e constatou a predominância de
mulheres (94,3%) e de pretos e pardos (61,8%). Ou seja, a mulher negra sofre de dupla
discriminação: como mulher e como negra. Há uma continuidade evidente entre os
serviços domésticos nas casas-grandes e a condição de empregadas domésticas nas
grandes cidades. Portanto, o patriarcalismo brasileiro, associado à segregação
cristalizaram a inserção das mulheres negras nos níveis mais baixos da hierarquia social,
sem significativas alterações.

Assim, é importante compreender que a experiência histórica da América Latina,


64
PME – Pesquisa Mensal do Emprego do IBGE/2006.
181

e particularmente brasileira, observada em múltiplas dimensões, mostra que no interior


da divisão social do trabalho se opera uma divisão racial e sexual do trabalho. Isso pode
ser constatado nas desigualdades salariais entre homens e mulheres, que marcam o
mundo do trabalho, sobretudo se tomarmos o universo das mulheres trabalhadoras
negras: elas recebem menos que os homens brancos, mulheres brancas e homens negros.
O recorte de gênero revela que são penalizadas de múltiplas formas. As mulheres negras
são a maioria, entre as trabalhadoras domésticas, possuem uma taxa de analfabetismo
três vezes maior que as mulheres brancas, e sofrem de um maior índice de desemprego
(PNAD, 1999).

Nesse contexto, podemos dizer que a mulher enfrenta a barreira de classe e de


gênero, mas a mulher negra enfrenta o problema das desigualdades sociais de forma
tripla: barreiras de classe, de gênero e de raça, como os dados estatísticos têm
demonstrado, ou seja, a desigualdade por cor é ainda mais forte que por gênero.

A análise da Tabela 17 evidencia que, atualmente, na posição de trabalhador


doméstico com carteira assinada, Salvador tem mais trabalhadores que o Rio de Janeiro
(4,0% e 2,6%). No que se refere à sua distribuição racial, os negros têm uma ligeira
vantagem, no que diz respeito aos trabalhadores formalizados (4,8% e 3,7%); os
brancos destas cidades têm, respectivamente 1,8% e 1,9%. Esta realidade surpreende, à
medida que, em geral, a informalidade atinge mais a população negra, especialmente
neste segmento do mercado de trabalho. Talvez a explicação disso esteja no fato de as
pessoas brancas fazerem desta atividade um “bico”, não desejando “sujar” a carteira de
trabalho, porque olham sobretudo como provisória esta atividade. Note-se, contudo, que
isto também pode ocorrer com as mulheres negras não conformadas com a condição
histórica que lhe foi imposta desde a Casa Grande.

As tendências expressas por estes dados sobre a inserção no mercado de trabalho


parecem indicar, mais uma vez que, na medida em que a ocupação está ligada à idéia de
superioridade de status, os negros, mas sobretudo as negras, vão se tornando minoria,
mesmo em ocupações menos valorizadas, como o emprego doméstico.

4.7 Seguridade Social: Contribuintes do INSS

Em relação aos que eram contribuintes de instituto de previdenciária oficial65,

65
Instituto Nacional de Seguridade Social, Plano de Seguro Social da União, e Institutos de Previdência
Social Estaduais ou Municipais ou das Forças Armadas e das Forças Auxiliares (IBGE/2000).
182

previdência social básica, se observa a fragilidade de Salvador, que só possui 20,1% de


sua população coberta por este regime, enquanto o Rio de Janeiro, embora numa
proporção também baixa, tenha 31,3% da população contribuinte.

Contudo, a diferença racial é mais significativa. Entre os brancos, os cariocas


estão mais cobertos por este sistema básico, com 37,7% enquanto os baianos, 35,2%.
Em sentido oposto, os negros contribuintes representam menos da metade de seus
homólogos brancos em Salvador, com 15,2%, e os cariocas, com 22,2%, o que significa
que a força de trabalho de Salvador está submetida a uma maior precariedade, sobretudo
nos segmentos negros. Não é demais ressaltar que os brancos, absoluta e relativamente
minoritários nesta cidade, estão sempre em vantagem, mesmo quando comparados aos
negros do Rio de Janeiro.

Tabela 18 – Posição na Ocupação: Contribuintes do INSS

Cor ou raça Total


Contribuinte do INSS Branca Negra
Salvador Rio
Salvador Rio Salvador Rio
Sim 35,2% 37,7% 15,2% 22,2% 20,1% 31,3%
Não 64,8% 62,3% 84,8% 77,8% 79,9% 68,7%
Total 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%
Fonte: Elaboração própria, a partir da amostra do Censo IBGE/2000

4.8 Providências para Inserção no Mercado de Trabalho

Nas duas cidades, a proporção dos que tomam alguma providência para conseguir
um trabalho é bem mais alta em Salvador do que no Rio de Janeiro (28,6% e 17,3%).
Neste aspecto, há diferenças entre os brancos, pois em Salvador eles representam 21,6%
e no Rio de Janeiro, 14,6%. Na comparação entre brancos e negros, nas duas cidades, a
proporção é bastante mais alta entre os negros que procuram trabalho, representando
30,8% e 21,2%, respectivamente. Se os índices revelam que 3/4 a 4/5 dos
desempregados estão desprovidos de meios para buscar trabalho e sustento, indicadores
alarmantes da situação a que chegou um segmento da força de trabalho urbana,
constata-se que esta passividade atinge mais os contingentes brancos do que os negros.
Como os brancos têm vantagem em, praticamente, todos os indicadores, uma possível
explicação para este fato pode ser a própria condição de vida dos brancos, que lhes
permitiria serem sustentados por outros membros da família, por maior tempo do que os
negros. Outra explicação, talvez a principal, está no desemprego, que atinge mais os
negros, sem contar que este contingente faz parte do maior percentual dos que estão no
183

subemprego. De fato, para o caso de Salvador, a PED 1998 constatou que o desemprego
na RMS era de 24,2%, mas quando desagregado, por cor ou raça, essa taxa demonstra
que apesar da elevada participação do negro no mercado de trabalho, estes estão mais
sujeitos ao desemprego. Do total de negros, 25% estão desempregados, e dos não-
negros, 17,7%. Isto significa que os negros têm uma taxa de desemprego 45% superior à
dos não-negros (DIEESE, 1998, p.44). O mesmo deve ocorrer no Rio de Janeiro, já que
a situação de desvantagem dos negros, em comparação com os brancos é geral no
Brasil, embora Salvador apresente os piores indicadores.

Tabela 19 – Mercado de Trabalho e Procura de Emprego

Cor ou raça Total


Providência para Branca Negra
Encontrar Trabalho Salvador Rio
Salvador Rio Salvador Rio
Sim 21,6% 14,6% 30,8% 21,2% 28,6% 17,3%
Não 78,4% 85,4% 69,2% 78,8% 71,4% 82,7%
Total 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%
Fonte: Elaboração própria, a partir da amostra do Censo IBGE/2000

Da análise empreendida neste capítulo, pode-se verificar como os dados de


emprego e hierarquia ocupacional são coerentes com as análises apresentadas no
capítulo 3. A distribuição espacial dos grupos por variáveis patrimoniais, reveladora de
padrões de consumo e estilos de vida, é sensivelmente próxima da distribuição dos
grupos por atividades ocupacionais. Objetivamente, pode-se constatar uma distribuição
espacial dos indivíduos, de famílias residentes, de vizinhanças, bastante homogênea, do
ponto de vista do estilo de vida que apresentam, e das ocupações e funções que
desempenham para obter o ganho necessário para seu sustento. Grupos e classes sociais
que podem ser objetivados pela distribuição das residências no espaço urbano, com
padrões de consumo altamente diferenciados, tendem a se localizar nas cidades
estudadas como grupos e classes sociais objetivados por indicadores ligados ao processo
de produção. As variações por raça e gênero são altamente significativas.

4.9 A Cor e a Distribuição Espacial da Renda Total

Como aponta Ricardo Henriques (2001, p.17-19), a riqueza nacional é branca e a


pobreza é negra. O autor mostra que os principais determinantes da pobreza estão
associados, principalmente, à desigualdade na distribuição dos recursos, e não
propriamente à escassez de recursos. Em escala nacional, Henriques (2001, p. 17)
constatou que nascer negro no Brasil está relacionado a uma maior probabilidade de
184

crescer pobre. Analisando a desigualdade racial brasileira, a evolução das condições de


vida na década de 1990, o autor demonstra o quanto a riqueza nacional é branca, ao
constatar que, por um lado, os negros representam 70% dos 10% mais pobres da
população. Por outro lado, no interior do segmento mais rico da sociedade brasileira,
comparando-se a parcela de renda apropriada pelos dois grupos raciais, no décimo mais
rico da distribuição de renda do País, os brancos representam 85% da população do
decil mais rico, e apropriam-se de 87% da renda deste decil, ou de 41% da renda total
do Brasil. Os negros, que se encontram nesse extremo mais alto da renda brasileira, por
sua vez, representam 15% da população do último decil da distribuição, e se apropriam
de 13% da renda desse mesmo decil, ou seja, 6% da renda total do País. Assim, a
sociedade brasileira é muito desigual e, se este fato não for analisado em todas as suas
principais dimensões, a manutenção do abismo racial permanecerá não estudada,
fazendo crer que a pobreza no Brasil é apenas social, ou que a situação da população
negra é resultante direta da escravidão, apesar dos 120 anos de abolição. Com este
comportamento, naturalizam-se tanto as desigualdades raciais como as sociais,
evitando-se o enfrentamento dos problemas decorrentes do racismo.

Estudos sobre desigualdades raciais, como os já citados, mostram que pretos e


pardos recebem metade do rendimento de brancos em todos os estados brasileiros,
sobretudo nas regiões metropolitanas de Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo e Curitiba.
Do total de pessoas que faziam parte do 1% mais rico da população, 88% eram de cor
branca, enquanto entre os 10% mais pobres, quase 70% se declararam de cor negra ou
parda (PNAD, 2002). Neste contexto, e na escala intra-urbana, que é o nosso recorte
territorial, vamos analisar a desigual distribuição da renda nas duas cidades, a partir de
tabelas e mapas, analisando, simultaneamente, a distribuição da renda e sua
espacialização.

Salvador, como mostra a Tabela 20, é uma cidade mais pobre e mais desigual do
que o Rio de Janeiro. De fato, só para ilustrar, ainda que os dados sejam de 2002, pode-
se verificar a grande diferença entre as duas metrópoles. Enquanto o PIB per capita66 de
Salvador era de apenas R$ 4.309,00 (quatro mil trezentos e nove reais) em 2002, o do
Rio de Janeiro era de R$ 10.537,00 (dez mil quinhentos e trinta e sete reais). Ou seja, o
PIB per capita do Rio de Janeiro é quase 2,5 vezes o de Salvador.

A distribuição da massa de rendimentos auferidos pelas pessoas com 10 anos e


66
PIB Municipal, IBGE, 2002
185

mais de idade espelha o elevado grau de concentração de renda nas duas metrópoles,
além da significativa vantagem do Rio de Janeiro em relação a Salvador, refletindo
também as desigualdades regionais. Esta metrópole pobre, da periferia do capitalismo
periférico, tem uma concentração significativa da população nas faixas de até 1 salário
mínimo e de 1 a 2 mínimos, mais de 30%, enquanto no Rio de Janeiro fica em pouco
mais de 20%. Inversamente, nas faixas de renda média e superior, elas vão sendo
reduzidas, em Salvador, em comparação com o Rio de Janeiro. Além disso, o percentual
dos sem renda é muito mais alto em Salvador do que no Rio de Janeiro (42,2% contra
35,8%).

O Rio de Janeiro também se caracteriza por uma classe média e média alta maior,
na medida em que os segmentos que compõem as faixas de 5 a 10 e de10 a 20 salários
mínimos são 10,8% contra 6,8% de Salvador e 12,5% contra 3,6%, respectivamnete. No
contingente dos mais ricos, ou seja, na faixa dos que ocupam os patamares de maior
poder aquisitivo, da faixa de mais de 20 salários mínimos, a diferença é de mais do que
o dobro, 4,3% contra apenas 2,0%. Portanto, as estatísticas mostram que o nível de
rendimento de Salvador está abaixo dos encontrados no Rio de Janeiro, confirmando
assim, uma característica que coloca a cidade como detentora dos piores resultados na
quase totalidade dos indicadores sócio-econômicos e raciais.

Na distribuição da renda por cor, nota-se mais semelhança entre os brancos, que
claramente se apropriam da maior parte da renda, nas duas cidades. Comparando-se os
negros cariocas com os negros baianos, observam-se diferenças e vantagens dos
primeiros, em duas faixas médias de renda: de 2 a 3 e de 3 a 5 salários mínimos,
chegando os cariocas negros ao dobro dos negros baianos, na faixa de 5 a 10 salários
mínimos, e na faixa de 10 a 20 salários mínimos, com diferença de sete pontos
percentuais. Isto significa que no Rio de Janeiro existe uma classe média e alta negras
maior do que em Salvador, que, como já dito, tem uma população negra absoluta e
relativa maior.

Cabe ressaltar, ainda, que para o conjunto das AEDs, na classe dos sem
rendimentos67 a situação de pobreza é muito grave, principalmente em Salvador, que
tem 42,2% de pessoas nessa condição, enquanto o Rio de Janeiro tem 35,8%. Entre os
brancos, a proporção é de 36,8% e 33,7% enquanto os negros, numa situação de
desigualdade muito mais elevada, aparecem com 43,9% e 38,9% dos que não possuem
67
O SM – Salário Mínimo valia, no ano do censo, R$ 151,00 (cento e cinquenta e um reais).
186

nenhum rendimento. Ou seja, apesar de existirem muitas pessoas sem o mínimo


necessário para sobreviver, nas duas cidades, os negros estão em piores condições, na
medida em que são maioria dos sem renda e também dos que estão na faixa de até um
salário mínimo, onde são 8,2% e 10,9%, e os brancos 5,0% e 7,0%, respectivamente.
Aqueles que são um pouco menos pobres, na faixa de 1 a 2 salários mínimos,
correspondem a 18,7% e 11,0% brancos baianos e cariocas com percentuais bem mais
altos entre os negros que representam 25,3% e 18,4%, respectivamente. Portanto, a
pobreza e a desigualdades nos grupos negros são muito mais expressivas, sobretudo em
Salvador, onde a pobreza é maior e a desigualdade racial também reflete o que ocorre
em escala nacional. Em comparação com o Rio de Janeiro, apesar de Salvador ter mais
brancos nessa faixa de renda de 1 a 2 salários mínimos (16,7% e Rio de Janeiro 11,0%),
a distância entre brancos e negros é maior em Salvador.

Tabela 20 Total de Rendimentos de Todos os Trabalhos Por Cor ou Raça

Cor ou raça Total


Total Rendimentos Branca Negra
(SM) Salvador Rio Salvador Rio Salvador Rio
Sem rendimento 36,8% 33,7% 43,9% 38,9% 42,2% 35,8%
Até 1 SM 5,0% 7,0% 8,2% 10,9% 7,5% 8,6%
De 1 a 2 SM 16,7% 11,0% 25,3% 16,4% 23,2% 13,2%
De 2 a 3 SM 7,4% 8,7% 7,4% 3,0% 7,4% 6,4%
De 3 a 5 SM 8,6% 7,3% 6,8% 10,0% 7,2% 8,4%
De 5 a 10 SM 11,5% 11,0% 5,4% 10,4% 6,8% 10,8%
De 10 a 20 SM 8,1% 14,6% 2,1% 9,4% 3,6% 12,5%
Mais de 20 SM 5,8% 6,6% 0,9% 1,0% 2,0% 4,3%
Total 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%
Fonte: Elaboração própria, a partir da amostra do Censo IBGE/2000

A distribuição espacial da pobreza negra (sem rendimento e até 1 salário mínimo)


em Salvador, como evidenciam o Mapa 31 e o Mapa 35, se concentra mais ao norte da
cidade (Cajazeiras/Palestina) Nogueira, Cajazeiras VII e Fazenda Grande III e IV, no
Subúrbio Ferroviário (Plataforma, São João, Boaiadeiro, Novos Alagados, Rio Sena e
Fazenda Coutos), seguindo-se, em menor concentração de AEDs, nas bordas da Orla
Atlântica (Itapuã e Nova Conquista), em algumas AEDs ao sul, enquanto que os
brancos pobres se localizam mais em duas AEDs da Cidade Baixa e duas no Subúrbio
Ferroviário (Fazenda Coutos e Nova Constituinte), lembrando, contudo, que nestas
áreas os negros são mais de 90%.
187

Mapa 31 – Distribuição Espacial dos Trabalhadores sem Rendimento Por Cor ou Raça – Salvador
– 2000

Fonte: Elaboração própria, a partir da amostra do Censo 2000 (IBGE).

A pobreza carioca (sem rendimento e até um salário mínimo e de 1 a 2 salários


mínimos) também se localiza mais nos subúrbios, como mostram o Mapa 32, o Mapa
34 e o Mapa 36. Contudo, existem algumas diferenciações entre brancos e negros, no
grau desta concentração. Os brancos estão mais fortemente localizados nas AEDs de
Bangu-Avenida Brasil, Santa Cruz, Cosmos, Campo Grande-8, Rio Comprido, Praça
Seca e Paquetá. Por outro lado, os negros mais numerosos nestas faixas de renda
espraiam-se mais, ocupam um território maior, e em todas as zonas da cidade, mas
sobretudo na Zona Oeste, que por sua vez concentra a maior população negra da cidade,
como vimos anteriormente. Na Zona Norte, estão presentes, de forma mais expressiva,
nas seguintes AEDs: Santa Cruz/Guandu; Santa Cruz; Guaratiba, Barra de Guaratiba, e
Pedra de Guaratiba; Santa Cruz (AED 151); Cosmos; Santa Cruz, Urucânia/Cesário
Melo; Santa Cruz-Cesário Melo; Campo Grande 3; Bangu-Avenida Brasil; Bangu-
Avenida Brasil (008); Bangu-R Prata Sul; Realengo-Borda Helena, todas na Zona Oeste
e de maioria negra. Na Zona Norte, eles se localizam nas AEDs da Pavuna (51% de
negros), Costa Barros (66% de negros), Barros Filho (50% de negros), Vicente de
Carvalho (55% negros), Tomás Coelho (53% negros),Cidade Nova e Praça da Bandeira
,onde os negros são apenas 28% da população, e Paquetá, onde os negros são também
minoria da população (39%).
188

Mapa 32 – Distribuição Espacial dos Trabalhadores sem Rendimento por Cor ou


Raça – Rio de Janeiro - 2000

Fonte: Elaboração própria, a partir da amostra do Censo 2000 (IBGE).

No Mapa 33, observa-se que os negros de Salvador, que auferem redimentos até 1
salário mínimo, residem principalmente no Subúrbio Ferroviário: Nova Constituinte e
AED 51 ou bairros de Paripe, São Tomé, Bate Coração e Tubarão; na AED 32,
composta pelos bairros de Itinga, Ceasa e Represa de Ipitanga; os brancos nessa
condição moram, principalmente, na AED 4 (Bairro da Paz), onde são apenas 13,3% da
população. Ou seja, são as áreas mais homogêneas social e racialmente (maiores
189

concentrações de negros e pobres), mas com a minoria branca que chega, no máximo, a
10%, compartilhando as condições de pobreza e de precariedade com os negros destas
áreas.
Mapa 33 – Distribuição Espacial da Renda Pessoal até 1 Salário Mínimo
Salvador – 2000

Fonte: Elaboração própria, a partir da amostra do Censo 2000 (IBGE).

Os pobres cariocas que estão na faixa de até 1 salário mínimo, e representam 7,0%
nesta faixa de renda, estão localizados, principalmente, nas AEDs 141 (Saúde, Gamboa
e Santo Cristo); 35 (Coelho Neto) e 80 (Irajá/Metrô, Automóvel Clube), conforme Mapa
34.
Mapa 34 - Distribuição Espacial da Renda Pessoal até 1 Salário Mínimo Por Cor
ou Raça – Rio de Janeiro - 2000
190

Fonte: Elaboração própria, a partir da amostra do Censo 2000 (IBGE).

Por outro lado, os negros nesta condição estão mais nas AEDs 46 (Campo Grande
1, 55% da população); AED 25 (Camorim, Vargem Pequena, Vargem Grande, 58% da
população); AED 85 (Jacaré, Rocha, Sampaio, apenas 33% da população); AED 165
(Vidigal e São Conrado apenas 32% da população), e certamente moram na favela do
Vidigal, única na Zona Sul com negros nessa condição, embora de forma mais fraca
existam na Lagoa e Leme que são bairros de alta concentração de brancos, como já dito.
Em suma, a alta proporção de negros abaixo da linha de pobreza, no total da população
nas duas cidades, revela o fosso existente entre os grupos raciais. Sua distribuição
espacial também revela o lugar de pobres e negros.

Os negros menos pobres ou menos miseráveis de Salvador estão mais


concentrados na faixa de 1 a 2 salários mínimos, com 25,3%, enquanto os brancos são
16,7%, portanto, há uma diferença de quase 10 pontos percentuais, confirmando a
desigualdade na apropriação da renda, mesmo com os negros compondo a principal
força de trabalho. As explicações para esse fato decorrem desde as características
históricas de inserção dos negros no mercado, fortemente concentradas no setor de
serviços e em ocupações pouco qualificadas e de baixa remuneração, até a trajetória
profissional destes ao longo do tempo. No Rio de Janeiro, os negros são também
maioria, nesta faixa de renda (11,0% contra 16,4%). Comparando-se o perfil dos menos
pobres das duas cidades verifica-se que as desigualdades entre negros e brancos está
bem refletida na distribuição da renda apropriada pelos últimos.
191

Geograficamente, em Salvador, os menos pobres concentram-se mais ao norte da


cidade, como os sem renda, e aqueles que se encontram na faixa de até um salário
mínimo (Mapa 35). A distribuição espacial destes grupos, em Salvador, mostra-se
também diferenciada, pois os brancos pobres estão em poucas AEDs, enquanto os
negros espraiam-se mais no território.

Mapa 35 – Distribuição Espacial da Renda Pessoal de 1 a 2 Salários Mínimos – Salvador - 2000

Fonte: Elaboração própria, a partir da amostra do Censo 2000 (IBGE).

Espacialmente, os menos pobres brancos e negros do Rio de Janeiro também se


localizam mais nas zonas Norte e Oeste, com esparsa presença na Zona Sul.

Mapa 36 – Distribuição Espacial da Renda Pessoal de 1 a 2 Salários Mínimos– Rio de Janeiro -


2000
192

Fonte: Elaboração própria, a partir da amostra do Censo 2000 (IBGE).

Nas faixas de renda de 2 a 3 salários mínimos, há um equilíbrio em Salvador em


termos raciais, menor no Rio de Janeiro à medida que brancos e negros em Salvador
representam percentuais iguais (7,4% e 7,4%), enquanto que no Rio de Janeiro há uma
discrepância de quase seis pontos percentuais favorável aos negros. Também na faixa de
3 a 5 salários mínimos, os negros cariocas têm vantagem (10,0% contra 7,3%).
Salvador, embora mais equilibrado que na faixa anterior, apresenta uma distância de
mais de um ponto percentual (8,6% e 6,8%). Na realidade, não se trata de vantagem,
considerando-se que a desigualdade, na apropriação da renda, é muito desfavorável aos
negros, concentrados nas faixas dos sem rendimento até 2 salários mínimos, enquanto
os brancos representam percentuais superiores, da faixa de 3 a 5 salários mínimos em
diante, e, inversamente, os negros vão regredindo nestas faixas. Ou seja, quanto mais
alta a faixa de renda, menor a presença dos negros.

O Mapa 37 mostra que negros e brancos baianos, nesta faixa de renda, ocupam
áreas mais do “miolo” da cidade, e em duas AEDs do Subúrbio Ferroviário; os negros,
além do Subúrbio, ocupam grande área da cidade, inclusive AEDs na orla sul e norte
(Itapuã e Nova Conquista), mas em bairros onde são maioria.
193

Mapa 37 – Distribuição Espacial da Renda Pessoal de 2 a 3 Salários Mínimos – Salvador – 2000

Fonte: Elaboração própria, a partir da amostra do Censo 2000 (IBGE).

Nas faixas de 2 a 3 salários mínimos há mais brancos cariocas que negros, que
representam, respectivamente, 8,7% e 3,0%. Espacialmente, estes brancos mais pobres
concentram-se em algumas AEDs da Zona Oeste e da Zona Norte, mas sobretudo na
primeira nas AEDs, 149 e 110 (Santa Cruz/Felipe Cardoso e Padre Miguel). O negros
concentram-se, também, nas zonas Oeste e Norte, nas AEDs de Santa Cruz/Guandu;
Campo Grande; Tanhangá; Caju; também na Gávea (Zona Sul), onde são apenas 9% da
população residente.

Mapa 38 – Distribuição Espacial da Renda Pessoal de 2 a 3 Salários Mínimos – Rio de Janeiro -


2000
194

Fonte: Elaboração própria, a partir da amostra do Censo 2000 (IBGE).

Em Salvador, na faixa de 3 a 5 salários que, como vimos, demarca


surpreendentemente a menor distância entre brancos e negros (8,6% e 6,8%) na situação
intermediária, a maior concentração espacial dos brancos está nas AEDs 84 (Cajazeira
VIII), onde os negros representam 87,2% da população residente, e na AED Engenho
Velho da Federação (Mapa 39), onde também há uma grande densidade negra (85,3%).
Ou seja, embora nestas duas áreas a situação seja de menor disparidade de renda entre
brancos e negros, a pequena classe média branca tem vantagem de 2 pontos percentuais.
Por outro lado, os negros, nesta faixa de renda, residem principalmente nas AEDs:
Ribeira e Itapagipe, bairros negros da Cidade Baixa (78,6% de negros); Cajazeira VIII
(87,2% de negros); Fazenda Grande III e IV (84,7% de negros); Flamboyants, Trobogy,
Nova Brasília e Conjunto Jaguaripe, área composta por conjuntos habitacionais dessa
pequena classe média negra, mas como AED mistura-se com o Conjunto Jaguaripe, por
exemplo, construído para moradia de desabrigados das chuvas de outono/inverno, que
provocam desabamentos de encostas em Salvador todos os anos, fazendo muitas vezes
vítimas fatais.
195

Mapa 39 – Distribuição Espacial da Renda Pessoal de 3 a 5 Salários Mínimos – Salvador – 2000

Fonte: Elaboração própria, a partir da amostra do Censo 2000 (IBGE).

Mapa 40 – Distribuição Espacial da Renda Pessoal de 3 a 5 Salários Mínimos – Rio de Janeiro -


2000
196

Fonte: Elaboração própria, a partir da amostra do Censo 2000 (IBGE).

Ao contrário de Salvador, a classe média intermediária branca carioca (3 a 5


salários mínimos) é menor do que a negra (7,3% e 10,0%). Ocupam uma área maior no
território, situadas mais ao Norte e parte do Oeste, enquanto que a negra, mesmo
estando nestas mesmas áreas, é mais esparsa e presente em três AEDs da Zona Sul
(Copacabana Eixo-1, Ipanema Orlas e Leblon). Nas faixas de 5 a 10 salários mínimos,
há um equilíbrio entre os cariocas brancos e negros (11,0% e 10, 4%), ao contrário de
Salvador, onde a distância entre os brancos e negros é bastante expressiva (11,5%
contra apenas 5,4% dos negros). Como vimos, esta é a força de trabalho principal, tanto
em termos absolutos como relativos. Isso indica uma cidade mais desigual, racialmente,
da base ao topo da pirâmide social. Os brancos cariocas que possuem renda de 5 a 10
salários mínimos ocupam um território muito mais amplo na cidade do que os negros,
mais retritos às Zonas Oeste e Norte.

Salvador, embora mais pobre que o Rio de Janeiro, tem uma concentração de
renda maior nas mãos dos brancos, uma vez que nas faixas de 10 a 20 e de mais de 20
salários mínimos estes mantêm distâncias expressivas. Enquanto os brancos baianos
representam 8,1% dos 3,6% que pertencem à camada dos que detêm 10 a 20 salários
mínimos, e os negros apenas 2,1%, os cariocas brancos representam 14,6% dos 12,5%
da riqueza da cidade, e os negros 9,4%. Ou seja, Salvador continua a apresentar
desigualdade maior entre brancos e negros. Na comparação entre os mais ricos, os
brancos voltam a se igualar, à medida que em ambas as cidades eles representam a
197

maioria das classes superiores (5,8% e 6,6%) e os negros são quase inexistentes neste
grupo (0,9% e 1,0%), em Salvador e Rio de Janeiro respectivamente.

Em Salvador, os espaços ocupados pelos que têm maior poder aquisitivo (brancos,
especialmente) se localizam na Orla Oceânica ao Sul, principalmente, e ao Norte (Stella
Maris), como mostra o Mapa 41.

Mapa 41 – Distribuição Espacial da Renda Pessoal de 5 a 10 Salários Mínimos – Salvador – 2000

Fonte: Elaboração própria, a partir da amostra do Censo 2000 (IBGE).

Mapa 42 – Distribuição Espacial da Renda Pessoal de 5 a 10 Salários Mínimos – Rio de Janeiro -


2000
198

Fonte: Elaboração própria, a partir da amostra do Censo 2000 (IBGE).

Mapa 43 – Distribuição Espacial da Renda Pessoal de 10 a 20 Salários Mínimos – Salvador – 2000

Fonte: Elaboração própria, a partir da amostra do Censo 2000 (IBGE).


199

Mapa 44 – Distribuição Espacial da Renda Pessoal de 10 a 20 Salários Mínimos – Rio de Janeiro -


2000

Fonte: Elaboração própria, a partir da amostra do Censo 2000 (IBGE).

Comparando-se, espacialmente, as duas cidades, nos segmentos mais ricos, pode-


se dizer que a divisão de classe e de raça em grande medida reproduz-se no espaço,
ainda que o padrão de segregação, nas duas metrópoles, expresse uma relativa mistura
espacial, pela presença de favelas nas zonas sul, norte e Barra da Tijuca e Recreio, no
Rio de Janeiro, assim como em Salvador, na orla sul e orla norte, em AEDs que são
predominantemente brancas e ricas. Ou seja, a hierarquia dos rendimentos mostra que
estas cidades têm uma divisão de classe e raça que vai refletir-se também no território,
200

como mostram os mapas apresentados anteriormente. Em todos os indicadores


analisados, há muitas evidências de que a estrutura urbana expressa as desigualdades
raciais de forma bastante expressiva.

Como vimos anteriormente, os brancos se apropriam de grande parcela da renda


nacional, e esse quadro se repete nas diferentes escalas que se tome para análise, como
ficou demonstrado nas cidades estudadas. Nossos dados evidenciam que, racialmente,
no que se refere à apropriação da renda, há diferenciações no espaço urbano, que não
podem ser explicadas apenas pela oposição entre favela-bairro, morro-asfalto.

A segregação sócio-racial entre moradia popular, média e alta revela que, ao


contrário da mistura social e territorial, os pobres e negros, mesmo ocupando áreas de
alto poder aquisitivo, além de serem minoria nas duas cidades, não têm relação de
vizinhança, nem fortes redes de sociabilidade que juntem uns e outros, nos mesmos
espaços. Sabemos que os moradores da Rocinha, Cruzada de São Sebastião ou Vidigal,
para ficar em alguns exemplos, não estão nas mesmas escolas, nos mesmos clubes, nas
mesmas creches, nas mesmas igrejas e nem nos mesmos espaços públicos, como as
famosas praias da Zona Sul, onde se contam a dedo, os negros que as freqüentam. No
caso destas praias, é possível vê-los como vendedores ambulantes (chá mate, mentira
carioca, cerveja, refrigerante, óculos de sol, etc), como se o serviço doméstico se
transferisse para as áreas de lazer.

Em Salvador, ao contrário do que ainda acreditam os brasileiros, em geral, e os


baianos em particular, nos aeroportos, restaurantes, bares, cinemas, clubes, hotéis,
freqüentados pela classe média alta e pela burguesia, principalmente, os negros, quando
ali aparecem, ocupam função hierarquicamente inferior (faxineiros, segurança,
lavadeiras, cozinheiras, etc), como revelam os dados até aqui apresentados. Ou seja, ter
vizinhos ricos não é garantia de contato social, muito menos racial, não é sinônimo de
democracia racial, nem política (por exemplo, as organizações de moradores de favelas
e bairros populares têm reivindicações bem distintas). Eles estão nestes espaços para
continuar a servir à elite, quase toda branca. As posições, portanto, não são superpostas,
mas hierarquizadas, subordinadas, como afirmou Henri Lefbvre.

Resumindo, a distribuição da renda nas duas cidades mostra mais disparidades


que outros indicadores, pois o Rio de Janeiro tem um número muito maior de pessoas
nas faixas de renda superiores. Salvador, todavia, é uma cidade mais desigual,
racialmente. Note-se que a distância entre os grupos raciais, em Salvador, está nas
201

faixas a partir de 5 a 10 salários mínimos. Nas faixas de renda de 5 a 10 salários


mínimos, os brancos são 11,5%, enquanto os negros são apenas 5,4%; o Rio de Janeiro
está muito mais equilibrado, já que os brancos são 11,0% e os negros 10,4% nesta faixa
de renda.

A geografia social e racial das duas metrópoles apresenta similaridades e


diferenças, na distribuição espacial dos grupos raciais de maior renda, ou seja, aqueles
que se situam entre as faixas de 5 a 10 salários mínimos em diante. Existem os núcleos
formados pelas zonas litorâneas, onde estão concentrados os segmentos superiores da
estrutura social, lugar de concentração de todos os indicadores de bem-estar social, não
compartilhados pelos de menor renda, e até mesmo pelos de renda intermediária. Note-
se, também, que áreas intermediárias entre status médio e alto, ocupadas pelas classes
de renda média e baixa, apesar de se localizarem em espaços tidos como superiores, são
mediados mais fracamente por segmentos de baixo status (favelas ou bairros populares).

Vale lembrar que, embora o Brasil não interprete as desigualdades raciais e


espaciais como segregação de negros, mas de pobres, as tabelas e os mapas de ocupação
e renda revelam que os negros desempenham, majoritariamente, tarefas mais
desvalorizadas socialmente, e auferem rendimentos muito menores. Em conseqüência,
são os que ocupam os espaços físicos mais degradados, mesmo quando se localizam em
áreas “nobres”, ou seja, continuam vivendo numa situação de inferioridade social e
espacial, sem que a proximidade física lhes proporcione o bem-estar promovido pelos
melhores equipamentos de consumo coletivos utilizados pelas classes superiores. Em
geral, a principal “vantagem” dos que moram próximos das classes média e alta é servir
a estas classes nas posições mais subalternas.

4.10 Horas Trabalhadas no Rio de Janeiro e Salvador: Preguiça Baiana?

É interessante notar os mecanismos de controle do tempo no capitalismo. O lugar


do negro na estrutura produtiva e a jornada de trabalho também revelam a estratificação
social que estamos analisando. No que se refere aos que trabalham até 20 horas
semanais, tanto em Salvador como no Rio de Janeiro, o contingente dos que dedicam
poucas horas semanais ao trabalho é relativamente reduzido, e tem igual proporção
(8,5% e 8,5%) nas duas cidades. Mas quando se comparam os grupos étnicos, a situação
revela-se diferente, uma vez que os brancos correspondem à igual proporção em ambas
as cidades (9,2% e 9,4%), enquanto os negros são 8,2% e 7,2%, respectivamente. Ou
202

seja, os brancos são maioria nesta condição, e entre os negros, os de Salvador levam
uma ligeira vantagem, em comparação com os cariocas. As pessoas que trabalham de 21
a 40 horas semanais representam, nas duas cidades, 36,5% e 44,0%, respectivamente,
ficando, com o Rio de Janeiro, a maior parcela neste grupo.

Tabela 21 – Horas Trabalhadas por Cor ou Raça – Salvador e Rio de Janeiro

Cor ou raça Total


Horas trabalhadas por semana Branca Negra
Salvador Rio
Salvador Rio Salvador Rio
Até 20 h 9,2% 9,4% 8,2% 7,2% 8,5% 8,5%
De 21 a 40 h 43,0% 45,7% 34,4% 41,4% 36,5% 44,0%
De 41 a 60 h 39,1% 37,8% 47,3% 43,6% 45,2% 40,2%
Mais de 60 h 8,8% 7,1% 10,1% 7,8% 9,8% 7,4%
Total 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%
Fonte:Elaboração própria a partir da amostra do Censo IBGE/2000

Também analisando-se racialmente, a parcela que trabalha habitualmente nessa


faixa, os brancos são maioria nas duas cidades (43,0% e 45,7%), ficando os negros
baianos bem abaixo, com 34,4% e os cariocas negros, mais próximos dos brancos, com
41,4%. Trabalha-se mais em Salvador, exatamente os grupos com maior número de
horas trabalhadas: 41 a 60 e mais de 60 horas, como evidenciam os números da Tabela
21, que mostram que Salvador tem 56% dos trabalhadores nestas faixas, enquanto o Rio
de Janeiro apresenta o percentual inferior de 47,6%. Vê-se, também, que os negros
baianos são os que mais horas trabalham (57,4% acima de 40 horas). Portanto, o mito da
“indolência racial” não tem base estatística.

A desagregação por cor ou raça também derruba o mito da indolência,


genericamente atribuído aos baianos, mas que na realidade se refere aos negros e
negras. Comparando os brancos das duas cidades, observa-se que também há diferenças,
pois os brancos baianos trabalham mais horas que os brancos cariocas (39,1% e 37,8%;
8,8% e 7,1%). Do outro lado, os negros, nas duas cidades, trabalham mais horas
semanais que os brancos nas duas faixas (47,3% e 43,6%; 10,1% e 7,8%,
respectivamente), e, na comparação, no interior do próprio grupo negro, os baianos
trabalham mais68.

68
Esta imagem, construída ao longo da história, foi também objeto de uma tese de doutorado “O Mito da
Preguiça Baiana”, de Elisete Zanlorenzi na FFLCH/ USP. De acordo com esta tese, desde o século XVI a
elite local depreciava os negros escravos, descritos como desorganizados e sujos, depois como
analfabetos e sem conhecimento, e, finalmente, como preguiçosos. O mito da indolência, do eterno lazer
construído ao longo dos séculos sobre os baianos, e, em particular, sobre os soteropolitanos, é muito bem
explorado pela indústria do turismo e do lazer, em negócios muito lucrativos. Baseando-se nos dados da
PNAD/IBGE/1990, Nádia Castro (1998, p.29-30) mostra que as taxas de atividade na Bahia e na RMS
203

A famosa Ladeira da Preguiça, em Salvador, ganhou este nome por ter sido a via
de acesso de mercadorias vindas do porto para a cidade, carregadas pelos escravos, ou
levadas em carretões puxados a boi e empurrados por estes. Do alto de seus casarões, ao
verem os escravos tomando fôlego para subir com sacos de 60 quilos nas costas, as
elites gritavam: ‘Sobe, preguiça! sobe, preguiça!’. Luiz Eduardo Dórea (1999, p.52),
que estudou a história dos nomes de ruas e bairros de Salvador, tem uma interpretação
divergente sobre a origem do nome da Ladeira. Segundo ele, o nome vem dos próprios
escravos:
Abriu-se assim uma via menos íngreme, que terminava na atual Praça Castro
Alves, e era através dessa ladeira que as mercadorias seriam exclusivamente
transportadas. Apesar disso, não era trabalho fácil fazer os carretões puxados
a boi e empurrados por escravos, que alegavam ser este um trabalho que
‘dava preguiça’. De maneira irônica foi então batizada pela população e os
feitores como Ladeira do Tira Preguiça (DOREA, 1999, p. 52).
De acordo com Mattoso (1992, p. 436), não era apenas uma ladeira. Numa cidade
que ficou por séculos a beira-mar, era junto do porto que as atividades comerciais se
exerciam, num estreito espaço, limitado por duas construções religiosas: ao sul a
belíssima basílica de Nossa Senhora da Conceição, que se ergue no bairro chamado de
‘Preguiça’, e ao norte - a menos íngreme, a ladeira que que liga as cidades Alta e Baixa
– a Igreja de Nossa Senhora do Pilar (MATTOSO, 1992, p. 436).

A despeito das diferentes interpretações sobre a questão, o fato é que o fim do


escravismo e as razões dos subsídios para a imigração de europeus forçaram
interpretações justificadoras do descarte dos trabalhadores negros e índios. Com o
processo de desenvolvimento capitalista altamente concentrado regionalmente no
Sudeste, a preguiça foi associada ao migrante nordestino que, com a construção da
rodovia Rio-Bahia, passou a integrar o cenário das grandes cidades do Sul-Sudeste do
país. Chamados, genericamente de baianos, os imigrantes eram, em sua maioria,
mestiços, afro-descendentes, oriundos de fazendas decadentes e sem qualificação
profissional. O mito da indolência baiana nos mostra que os estereótipos podem durar,
mesmo quando contrariados por qualquer observação sistemática.

4.11 Desigualdades Educacionais e Raciais na Cidade

Neste texto, que “fecha” o estudo geral sobre as duas metrópoles, procuramos

são mais altas que a média nordestina (56,7% contra 54,5%) e também mais altas do que as do Rio de
Janeiro (56,7% contra 53,9% em média); apenas São Paulo supera o desempenho da Bahia, por exemplo.
Para a autora, esta é também uma forma de manifestação do preconceito racial dos brasileiros.
204

analisar o sistema educacional, uma das principais instituições de produção e


reprodução de bens simbólicos, com estudo das evidências empíricas das desigualdades
raciais na educação, em Salvador e no Rio de Janeiro. Através dos microdados da
amostra do Censo 2000, como ocorreu com os indicadores analisados anteriormente,
examinamos a hierarquia educacional que abrangeu os seguintes aspectos: a rede de
ensino e a distribuição dos matriculados por cor, os contingentes sem instrução, os anos
de estudo e os cursos concluídos. No recorte temporal que estamos usando e na escala
intra-urbana podem ser observadas fortes desigualdades de oportunidades educacionais
entre brancos e negros, nas duas cidades.

Como todos sabem, a sociologia de Pirre Bourdieu (vide P. Bourdieu, 1974)


demonstrou que a escolaridade tornou-se uma variável distinta do capital econômico na
França, no século XIX, e é atualmente uma componente central da diferenciação das
classes dominantes das nações européias modernas, afirmação também válida para os
EUA e Japão (cf. P. Bourdieu, 1989 e 1991). Cabe indagarmos se o acesso à
escolaridade tem sido uma força de democratização da sociedade brasileira ou um fator
que reforça a concentração das riquezas materiais e do poder simbólico em mãos de
classes dirigentes extremamente restritas. O estudo de Salvador e do Rio de Janeiro
permite questionar o processo de diferenciação ou de reprodução das elites mais
tradicionais do Brasil.

4.12 Racismo e Educação: Dilemas e Desafios

A história é quase sempre contada pelos vencedores, restando fragmentos da


história dos vencidos, que pode ser recuperada pela ciência e pelos movimentos sociais.
O folheto de produção coletiva do Departamento de Trabajo Ideológico del Partido
(DTIP) da República Popular de Moçambique, em 1978, afirma:
Durante a longa noite de dominação colonial-fascista em nosso país, a
história da África, a história do nosso continente onde se encontra a
República Popular de Moçambique foi apresentada como se tivesse início
com a chegada dos europeus em terras africanas... (DTIP, 1978, p.1).
O mesmo aconteceu ao longo da nossa história, em todas as suas fases, já que não
fizemos nenhuma revolução. É relevante destacar que somente em 2003 foi aprovada lei
10639/2003, que garante o ensino da história da África nos níveis de ensino elementar e
médio, que atingem as primeiras gerações de estudantes. Muito ainda há por fazer, mas
esta lei é um passo muito importante na compreensão da real participação das pessoas
negras na construção da sociedade brasileira, a começar pelo que é ensinado nas
205

escolas. Do ponto de vista do sistema educativo, pensar negros e índios como sujeitos
na construção dos saberes de uma sociedade multicultural pode nos levar, de fato, a uma
sociedade racialmente democrática.

Em geral, os seguidores da teoria marxista compreendem que as instituições


sociais são reprodutoras dos valores dominantes, e a escola brasileira tem sido, de fato,
uma das instituições sociais das mais importantes na reprodução desses valores; não
seria diferente com a questão racial. Contudo, para Gramsci, no processo de lutas pela
hegemonia, a instituição escola pode fazer a “elevação cultural das massas”. O estudo
da interface racismo e educação oferece a possibilidade de compreender a múltipla
dimensão da questão: educação como grande reprodutora do racismo vigente, mas
também, como espaço de transformação do racismo estrutural à medida que sejam
adotadas medidas para o reconhecimento do problema e, em conseqüência, a sua
erradicação em toda a estrutura social. Nesse sentido, é importante não somente olhar,
através do retrato estatístico e cartográfico, os problemas fundamentais das
desigualdades que atingem grande parcela da população, mas também perceber, através
deles, o resultado de um processo histórico de introjeção da inferioridade que todas as
pessoas negras tiveram ao longo de suas vidas, tendo na infância o seu marco inicial e
principal.

Sabe-se que historicamente, as oportunidades nunca foram iguais. Na sociedade


patriarcal, as mulheres não tinham direito de estudar, e na sociedade escravista, os
negros tinham menos ainda, como apenas uma peça da estrutura produtiva. Resulta,
portanto, desses processos sócio-históricos, a estrutura educativa das mais desiguais que
temos, comparada, inclusive, com a da América Latina. O Estado brasileiro da pós-
abolição pouco investiu na educação do povo e, em particular, do povo negro: 120 anos
depois da abolição, os negros permanecem na base da pirâmide social em todos os
aspectos e, em particular, nas condições muito desiguais de acesso à educação, como
têm mostrado os estudos da sociologia da educação, apesar de serem poucos os que
tratam a dimensão racial. Enfrentar as faces e interfaces da discriminação racial no
território escolar e compreender a invisibilidade dos processos e práticas racistas
permitem desconstruir os fundamentos da sociedade racista que retoricamente se nega.

Para Bourdieu (1974, p. 311), a reprodução cultural e a reprodução social do


sistema de ensino dissimula melhor, e de maneira mais global do que qualquer outra, o
mecanismo de legitimação da estrutura de posições do espaço social, as hierarquias
206

socialmente estabelecidas. E pergunta: “quais seriam os efeitos sociais de uma limitação


arbitrária do público a partir de critérios étnicos ou sociais”? Sociedades que
experimentaram processos de segregação racial radical, como a África do Sul e os
Estados Unidos, conhecem bem o resultado da polarização e, recentemente (novembro
de 2005), os conflitos urbanos em Paris, que se espalharam para várias cidades
francesas, revelaram também seu conteúdo racista bastante pronunciado, já que os
jovens rebeldes são descendentes de países africanos, migrantes oriundos de ex-colônias
francesas. Ou seja, debate-se ainda hoje os efeitos de dois processos de dominação, em
vigor do século XIX até meados do século XX: colonialismo e escravismo. Nosso
sistema também é segregador, mas segue mais o modelo de dominação “sutil”, podendo
ser melhor analisado no sentido que coloca o autor:
Ao apresentar as hierarquias sociais e a reprodução destas hierarquias como
se estivessem baseadas na hierarquia de ‘dons’, méritos ou competências que
suas sanções estabelecem e consagram, ou melhor, ao converter hierarquias
sociais em hierarquias escolares, o sistema escolar cumpre uma função de
legitimação cada vez mais necessária à perpetuação da ‘ordem social”, uma
vez que a evolução das relações de força entre as classes tende a excluir de
modo mais completo a imposição de uma hierarquia fundada na afirmação
bruta e brutal das relações de força (BOURDIEU, 1974, p. 311).
Assim, reconhecer e enfrentar as barreiras cognitivas que impedem o exercício da
cidadania das classes populares, sobretudo dos segmentos negros e da classe
trabalhadora, na sua totalidade, é fundamental para enfrentar os dilemas e desafios da
ordem racista, que impõe uma sub-cidadania para os afrobrasileiros. Para romper com
as ambíguas relações raciais brasileiras, que alimentam as desigualdades raciais, e
elevar culturalmente as massas para a construção de uma nova Nação, é crucial
enfrentar o racismo em todas as suas dimensões. Por outro lado, e simultaneamente, a
classe trabalhadora precisa enfrentar os antagonismos de classe e também de raça, para
uma verdadeira transformação revolucionária da sociedade. Para isso, é necessário
enfrentar, tanto a ideologia sexista, ideologia classista, como a ideologia racial, que
fazem com que as desigualdades sejam naturalizadas. A interiorização da ideologia
dominante, inclusive a racial, pelas classes subalternas em todas as suas cores (branca,
negra, indígena e amarela), faz do Brasil uma das sociedades das mais desiguais do
planeta. Estas desigualdades, persistentes neste século, nas metrópoles de Salvador e
Rio de Janeiro, são objetivadas a seguir, através dos dados estatísticos oficiais sobre a
educação e de mapas, que permitem a análise da distribuição dos indivíduos no espaço
urbano, que revela mais uma face das desigualdades na estrutura urbana.
207

4.13 Rede de Ensino e Desigualdades Educacionais

Marcada por grandes diferenças raciais-étnicas, de classe social, regionais e


também de gênero, a educação brasileira, apesar da melhora nas últimas décadas, é
ainda muito desigual nas diferentes escalas: rural, urbana, intra-urbana, metropolitana,
regional e nacional. Portanto, nos recortes tempo-espaço, gênero e raça e geração é
possível detectar melhor tais diferenças e desigualdades. Da educação infantil ao ensino
superior, as desigualdades raciais que separam negros e brancos, nas duas metrópoles,
são muito representativas do que ocorre no Brasil em geral, combinando o binômio:
superioridade/inferioridade social e distância espacial, como formas principais de
organização do espaço na cidade, embora existam alguns espaços de mistura espacial,
mas de enorme distância social seguindo o padrão da segregação urbana brasileira. A
mistura espacial aqui é entendida como uma forma de subordinação e não de integração
entre classes e raças no espaço urbano, como já foi demonstrado e neste texto será
reiterado.

As barreiras raciais que as pessoas negras enfrentam, da creche ao ensino


superior, são os principais aspectos do sistema educacional que analisamos, trazendo
talvez como novidade a sua espacialização na escala intra-urbana. O sistema
educacional das duas cidades é composto por quatro redes de ensino: municipal,
estadual, federal e particular, que apresentam uma territorialização muito desigual em
sua composição racial. Apesar de nossas análises estatística e espacial restringirem-se
ao ano 2000 (censo IBGE), apresentamos aqui alguns dados do censo escolar do
INEP/MEC/2003 para um melhor entendimento sobre as redes de ensino.

Em relação ao número de escolas, a rede particular se destaca, para Salvador, com


65% delas (1073), contra 35% (869) pública, e no Rio de Janeiro, com 60% particular
(3199), e 40% da rede pública (2101). Este simples dado destaca como a riqueza
econômica da família de origem tem implicações crescentes nas chances escolares de
seus filhos. No mestrado, na UFBA, mapeamos a rede de ensino de Salvador (mapa
anexo), mas, infelizmente, por razões de tempo, não é possível nem atualizar este mapa,
nem confeccionar um equivalente para o Rio de Janeiro, portanto, apenas citamos os
dados do INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais.

O Rio de Janeiro se destaca pela rede de ensino federal muito maior nesse nível ,
constituída de 27 unidades, enquanto Salvador tem apenas 3 unidades (IBGE-INEP,
2003). Este fato se explica, provavelmente, pela posição que o Rio ocupou como capital
208

da Colônia, Império e República, até a transferência da capital para Brasília, em 1960.


Além disso, desde 1763, quando Salvador deixa de ser capital, há uma constante perda
de importância, não apenas da Bahia, como do Nordeste em favor do Sudeste.
Analisando por AEDs, menor nível geográfico com a variável cor, os dados revelam
que a condição educacional dos negros, nas duas metrópoles, é muito desigual
comparada à dos brancos, mesmo quando moram em bairros populares e/ou favelas.

Desta forma, verifica-se que na rede de ensino do Rio de Janeiro e de Salvador, no


que se refere a freqüência à escola ou creche, por cor, as desigualdades são bastante
acentuadas, como mostra a Tabela 22, na qual se pode observar que, embora a rede
pública represente dois terços (2/3) das matrículas, só 3/4 (três quartos) dos negros e
menos da metade dos brancos a freqüenta (43,3% e 49,0%, Salvador e Rio de Janeiro
respectivamente). A rede particular é majoritariamente branca. Sabemos que no acesso
às universidades públicas, graças às análises das características sociais dos admitidos no
vestibular, os egressos da rede particular têm sido melhor sucedidos que os da rede
pública. Os números da Tabela 22 significam, portanto, que as chances dos negros
ingressarem no ensino superior são bem inferiores às dos brancos, da mesma geração.
Portanto, a ação do Estado não permite até agora inverter esta tendência histórica.

Tabela 22 – Redes de Ensino por Cor ou Raça – Salvador e Rio de Janeiro - 2005

Cor ou raça Total


REDES DE
Branca Negra
ENSINO Salvador Rio
Salvador Rio Salvador Rio
Rede particular 56,7% 51,0% 28,3% 23,7% 34,7% 39,5%
Rede pública 43,3% 49,0% 71,7% 76,3% 65,3% 60,5%
100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%
Fonte: Elaboração própria a partir da amostra do Censo IBGE/2000

4.13.1 Educação como Mercadoria: Rede Particular de Ensino

O acesso aos bens e serviços, produzidos socialmente, e apropriados, de forma


desigual, entre as classes e raças nas duas metrópoles está evidenciado pela Tabela 22.
Ao contrário do que ocorre na rede pública, a concentração dos brancos na rede
particular, nas áreas mais valorizadas das duas cidades, reflete-se nos títulos escolares
obtidos por cada grupo racial e, portanto, na forma de acesso aos bens e serviços, que
podem ser adquiridos como mercadoria, e nas oportunidades educacionais entre brancos
e negros.

A distribuição das matrículas pelas redes particular e pública de ensino nas duas
209

cidades, conforme Tabela 22, mostra bastante semelhança, com 34,7% e 39,5% das
escolas na rede particular e 65,3% e 60,5% na rede pública, respectivamente. A análise
da distribuição das matrículas por cor ou raça, também de acordo com a Tabela 22,
mostra que os brancos concentram-se na rede particular, nas duas cidades, sendo que em
Salvador, esta concentração é ainda mais elevada. Por outro lado, os negros estão
concentrados nas escolas públicas nas duas cidades (71,7% e 76,3%, respectivamente),
sendo que no Rio de Janeiro há mais negros em escolas públicas.

Mesmo não tendo o mapa sobre o tipo de escola, e como está distribuído nas duas
cidades, sabe-se que há também uma concentração de escolas particulares e de melhor
qualidade nos espaços mais valorizados da cidade, indicando que o capital aplicado em
empreendimentos escolares rentáveis não investe da mesma forma em todos os espaços
da cidade. Além disso, quando escolas privadas se localizam em áreas de renda média e
baixa, a qualidade dos equipamentos e dos serviços é bem diferente da existente nas
escolas para as classes de maior poder aquisitivo. Espaço de formação das classes alta e
média até o nível médio, principalmente, a rede particular se organiza de acordo com os
interesses e “habitus”69 das classes ou fração das classes sociais distribuídas pelo
território urbano hierarquizado.

Esta hierarquização do espaço de formação das classes sociais de supremacia


branca está bem representado pelos mapas da rede particular de Salvador e do Rio de
Janeiro. Desse modo, algumas áreas da cidade concentram as principais e mais
tradicionais escolas públicas e privadas, em todos os níveis de ensino. Como se vê
através do Mapa 45 e do Mapa 46, com a distribuição de negros e brancos na rede, há
uma segmentação dos serviços de consumo coletivos, e uma disparidade, entre bairros
sócio-racialmente homogêneos, que se manifesta na infra-estrutura de serviços, em
especial na educação. A análise espacial permite compreender que os brancos de escolas
particulares de Salvador (56%) concentram-se em áreas tradicionais da cidade, onde
mora a maioria branca, como Graça, Chame-Chame, Jardim Apipema, Morro do Gato e
Morro do Ipiranga; Pituba; Itaigara, Caminho das Árvores e Iguatemi; Candeal; Rio
Vermelho e Parque Aguiar; Nazaré, Saúde,Tororó e Jardim Bahiano; e um bairro de
ocupação mais recente, Stella Maris, onde a concentração varia de 67,17% a 81,62%.

69
O habitus, na teoria de Bourdieu (1974), seria um conjunto de esquemas interiorizados desde a primeira
educação familiar, e constantemente reposto e reatualizado ao longo da trajetória social restante, que
demarca os limites à consciência possível de ser mobilizada pelos grupos e/ou classes, sendo assim
responsável, em última instância , pelo campo de sentido em que operam as relações de força.
210

Quanto aos negros, minoria (28,3%) na rede, e como moradores destas áreas
(chegando ao índice de apenas 30,48% na AED Itaigara, Caminho das Árvores e
Iguatemi), concentrados em áreas tradicionalmente brancas, variam de 66,54% a
80,56%, em apenas três AEDs: Armação, Costa Azul e Conjunto dos Bancários;
Candeal e Horto Florestal de Brotas e Itaigara, Caminho das Árvores e Iguatemi. Em
Salvador, entendemos que a lógica da segregação sócio-espacial é mais perversa, por ser
uma cidade de ampla maioria negra, absolutamente sub-representada nas classes alta e
média. Além disso, é importante ressaltar que nestas áreas, com alta densidade branca, a
concentração de brancos, de elevado capital escolar, só não é maior porque ali existem
bairros populares, como Polêmica, em áreas como Iguatemi, Caminho das Árvores e
São Cristóvão vizinho do Aeroporto, ou, Rocinha da Sabina, Alto da Sereia, etc.

Os grandes e tradicionais colégios de formação das classes média e alta, que


atendem, da pré-escola ao pré-vestibular, habilitam os filhos destas classes a
conquistarem não somente o capital cultural, mas o conjunto de outras formas de
capital, como o econômico, o político e o social. Nas escolas localizadas nestes espaços
há pouco contato inter-racial e em geral, seus alunos só convivem com pessoas negras
em funções subalternas. Quem visita, com um olhar mais atento sobre a questão racial,
as escolas privadas, de melhor situação até o nível médio, pode observar uma
impressionante supremacia branca; na outra ponta as pessoas negras ocupam ali funções
na baixa hierarquia social: são em geral porteiros, merendeiras, faxineiras, cozinheiras,
jardineiros, etc.

No espaço familiar, os contatos também ocorrem na forma herdada da casa-


grande, onde as mulheres negras são majoritárias nos serviços domésticos, ocupando a
mais baixa posição na estrutura social, como vimos anteriormente. Contudo, ao
contrário do que ocorria na casa-grande, as negras, atualmente servindo nas mansões ou
apartamentos das classes média e alta, têm seus filhos residindo em bairros populares
e/ou favelas, e quase não têm contato com os filhos dos patrões ou patroas. A
segregação atual, no processo de escolarização das crianças, é assim maior do que a
existente nos engenhos e fazendas tradicionais, diminuindo as chances de interação
entre as crianças brancas e as crianças negras. O Mapa 45 e o Mapa 46, da distribuição
espacial de negros e brancos em escolas particulares, mostram a existência da
segregação sócio-racial.
211

Mapa 45 - Distribuição Espacial de Brancos e Negros na Rede Particular de Ensino

Fonte: Elaboração própria, a partir da amostra do Censo 2000 (IBGE).

No Rio de Janeiro, onde os estudantes brancos da rede particular correspondem a


51%, a sua espacialização mostra semelhanças com Salvador, quanto à distribuição em
bairros de alto status social. O Mapa 46 mostra que os brancos que estudam nessa rede
estão concentrados nas AEDs da Zona Sul, da Barra, Recreio dos Bandeirantes e Jardim
Guanabara. Como em Salvador, é importante ressalvar que as favelas e/ou bairros
populares que não formam uma AED por falta de representatividade estatística, estão
computados junto com os de alta densidade branca, o que dificulta a visibilidade das
diferenças e desigualdades sócio-raciais, ainda mais pronunciadas na realidade do que
mostram nossos mapas.
212

Mapa 46 - Distribuição Espacial de Brancos e Negros na Rede Particular de Ensino – Rio de


Janeiro

Font
e: Elaboração própria, a partir da amostra do Censo 2000 (IBGE).

A condição educacional do negro na rede particular também se assemelha à de


Salvador, já que estes negros ocupam áreas mais ricas e também muito mais limitadas
espacialmente que as dos brancos. Eles se concentram, principalmente, na Barra, Gávea
e Ipanema e Jardim Guanabara, mostrando que os indivíduos cuja situação sócio-
econômica é melhor investem em educação de melhor qualidade, com colégio de
melhor nível. Esta situação, entretanto, se inverte no nível superior de ensino: as
universidades públicas federais e estaduais são ocupadas pelos descendentes das
213

famílias de maior renda, portanto, brancas, como já demonstramos.

Contudo, é importante estar atento para a complexidade da questão, na medida em


que, por exemplo, em Botafogo, onde fica o tradicional Colégio Santo Inácio, dos
jesuítas, os moradores, vizinhos, da favela Dona Marta, não têm acesso a este colégio,
onde estuda boa parcela da burguesia carioca de supremacia branca, como pode ser
constatado por vários indicadores. Assim, mesmo em vizinhanças imediatas das antigas
capitais, pode-se constatar diferenças na clientela escolar: descendentes de famílias
brancas concentrados na rede particular, e descendentes de negros concentrados na rede
pública, ou seja, proximidade espacial não se traduz, necessariamente, em integração
social pela escola. Em outros termos, mesmo quando residem proximamente, há poucas
chances de que crianças negras e brancas estudem ou brinquem juntas. Se a socialização
primária, na unidade doméstica, depende dos locais de moradia, portanto afasta as
crianças brancas das crianças negras, a socialização secundária, através da escola,
aprofunda a segregação.

A complexidade dos processos de segregação de natureza racial no espaço urbano


brasileiro exige um esforço maior de compreensão, sobretudo porque além da
proximidade territorial, a unidade de análise, que mistura espaços sociais tão díspares,
como a favela Dona Marta, na mesma AED de Botafogo ou Humaitá, induz a se
imaginar um equilíbrio sócio-racial que não existe. Mesmo nos micro-espaços urbanos
há profundas diferenças de acesso a serviços educacionais, em que a posse do capital
econômico recria diferenças sociais das gerações anteriores.

Observa-se assim, que a educação, como mercadoria, é segmentada por classes


sociais e não segue somente a lógica de classes, mas também das raças, gerando um
circuito vicioso: nas áreas superiores, que, em geral, correspondem às mais brancas, se
localizam as melhores escolas, respondendo aos interesses da formação das elites
econômicas, políticas e intelectuais. Na verdade, a crescente mercantilização da
educação só aumenta o fosso social e racial e, portanto, a educação no nosso país,
sujeita às leis de mercado, perpetua e aprofunda as desigualdades sócio-raciais. Para
inverter esta tendência, só existe um caminho: políticas públicas de promoção da
igualdade, e, portanto, faz-se necessário uma verdadeira revolução no sistema de ensino,
começando pela qualidade no ensino público, que como vimos tem como público
principal negros e pobres.
214

4.13.2 Rede Pública: Limites e Possibilidades

Na rede pública de ensino a situação se inverte. Ao contrário do que ocorre na


rede particular, os negros são ampla maioria, tanto em Salvador como no Rio de
Janeiro, como mostra a Tabela 22: os negros são 71,7% em Salvador e 76,3% no Rio de
Janeiro. De acordo com o Mapa 47 e o Mapa 48, que apresentamos abaixo, as redes
públicas municipal, estadual e federal têm uma espacialização distinta, em relação ao
número de escolas, assim como na distribuição da população estudantil, por cor.
Embora, como esperado, a rede pública tenha maior presença nos bairros populares,
sabe-se que além de insuficiente, para a demanda, oferece um ensino de baixa
qualidade, como aliás acontece com o ensino particular e comunitário nos bairros de
baixo status social. A prioridade pela escola pública de qualidade, principalmente do
ensino fundamental ao médio, poderá ser um fator de transformação social.

No caso de Salvador, a presença de brancos na rede pública, em áreas tão


densamente negras, como as AEDs de Paripe (83,42%), Cajazeiras, Boca da
Mata,/Palestina/Águas Claras (90,89%), Plataforma (80,31%), como na quase totalidade
dos bairros populares da cidade, significa que para os brancos pobres a escola pública é,
também, a única forma de acesso ao conhecimento. O fato de brancos terem uma
importante presença em escola pública, nas áreas populares, indica uma forte interação
classe-raça nesses espaços de grande homogeneidade social. Ou seja, a minoria branca
pobre, que vive em bairros populares, também tem como alternativa a escola pública. É
importante ressaltar que a maioria branca, no caso de Salvador, é de apenas 23% dos
moradores de bairros populares, índice semelhante ao dos negros em áreas de
supremacia branca.
215

Mapa 47 – Distribuição Espacial de Negros e Brancos em Escola Pública – Salvador

Fonte: Elaboração própria, a partir da amostra do Censo 2000 (IBGE).

É importante observar também, que os estudantes negros de escolas públicas


cobrem uma área muito mais ampla do território soteropolitano, inclusive áreas de
supremacia branca. Isso, entretanto, não significa que sejam negros de melhor status
social, mas sim filhos de moradores de bairros pobres, que compõem AEDs em espaços
mais ricos e brancos, já que a classe média negra é muito pequena. O Estado, ao deixar
para o mercado de escolas particulares, o ensino de melhor qualidade, até o nível médio,
recria as bases da desigualdade de renda e de riqueza. Filhos de pais mais ricos podem
perpetuar a situação de privilegiados, freqüentando escolas privadas de melhor
qualidade. Estamos diante de um círculo vicioso de concentração de riqueza material e
de capital escolar.

Em nível espacial, é possível identificar que boa parte dos brancos de escolas
públicas, no Rio de Janeiro, se encontra, principalmente, na Zona Oeste e, em segundo
grau na Zona Norte, como representado no Mapa 48, com uma espacialização muito
parecida com a dos estudantes negros. Embora isso aconteça, não se pode esquecer que
os negros estão altamente concentrados na rede pública, conforme Tabela 22, e com
maior concentração, residindo na Zona Oeste, seguida pela Zona Norte, com uma
variação percentual também alta.

A análise espacial da distribuição dos estudantes brancos e negros, no Rio de


Janeiro, revela semelhanças com Salvador, na medida em que também existem
estudantes brancos residindo em áreas distantes do centro e de baixo staus social.
216

Contudo, é importante destacar que a desigualdade racial diferencia estes grupos, pois
os negros, maioria nestas áreas, também são maioria na escola pública, ou seja, mesmo
com alguma presença de brancos, há uma sobre-representação de negros nesses espaços,
indicando um grau importante de segregação. Assim, a noção do efeito vizinhança, de
Rubén Kaztman (2001, p. 186), 70 se aplica de forma dupla: forte homogeneidade social
e forte homogeneidade racial, ou seja, existe uma segregação não só dos pobres
urbanos, mas também dos negros, na rede pública de ensino que se localiza,
principalmente, em bairros de baixo status social.

70
Seu estudo analisa os efeitos de algumas transformações na estrutura social de países latino-americanos
em desenvolvimento e os efeitos do isolamento dos pobres no espaço urbano.
217

Mapa 48 - Distribuição Espacial de Negros e Brancos em Escola Pública – Rio de Janeiro

Fonte: Elaboração própria, a partir da amostra do Censo 2000 (IBGE).

O principal meio de acesso à educação, para os negros das áreas mais pobres e
distantes é a escola pública, daí a importância do papel das políticas públicas na
superação das desigualdades sócio-raciais. Desta forma, escola pública de boa qualidade
é fundamental, para um mínimo de eqüidade entre os subalternos, abrindo novas
chances, sobretudo para os segmentos negros. Cabe ao Estado a tarefa de promover uma
educação que de fato fortaleça a cidadania e a democratização das relações sociais e
raciais. Isso significa que, para corrigir as distorções do sistema educacional, o Estado
218

precisaria cumprir a sua função promotora do bem comum, como prescrito na


Constituição brasileira. Seria difícil imaginar como o mercado de escolas privadas
poderia desempenhar tal função.

A Constituição de 1988 dispõe que educação é um direito de todos e dever do


Estado. Se o Estado brasileiro, de fato cumprisse o seu papel, os problemas de
deficiência e ineficiência da escola pública, bem conhecidos dos movimentos de
professores e de moradores, na diferenciação das escolas situadas em bairros de
diferentes status social, seriam prioridade nacional. Esta diferenciação pode ser
observada pelos diversos segmentos sociais, na medida em que o Estado brasileiro não
investe em escolas bem estruturadas, de boa qualidade, em bairros pobres, ressalvadas
as exceções de projetos pilotos de algumas administrações.

Para Kaztman (2001, p.186), qualquer que seja a forma que adquira a segregação
residencial nas cidades, suas conseqüências sobre o isolamento dos pobres urbanos
parecem ser suficientemente importantes, para que sejam tomadas medidas de
ordenamento territorial que impeçam a polarização espacial. Mas não basta evitar a
polarização. É crucial que o Estado promova a eqüidade racial no acesso aos bens e
serviços socialmente constituídos. Além disso, na sociedade do conhecimento, a
literatura tem destacado o importante papel estratégico da educação para inserção no
mercado de trabalho e na conquista de diferentes formas de capital. Para Ricardo
Henriques (2001, p .26), “os indicadores referentes aos níveis e à qualidade da
escolaridade da população brasileira são estratégicos para a compreensão dos horizontes
potenciais de redução das desigualdades social e racial e definição das bases para o
desenvolvimento sustentado do país”.

4.14 Racismo e Educação Infantil: da Infância à Vida Adulta, Marcas das


Desigualdades

Desde a educação infantil pode-se verificar as desigualdades de acesso das


crianças negras nas duas cidades além da violência simbólica, que se manifesta no
discurso sobre o outro, com a disseminação do preconceito por meio da linguagem,
reproduzida nos livros didáticos, que em geral desvalorizam a imagem das pessoas
negras, projetadas de formas estereotipadas ou subalternas. Além disso, há uma
infinidade de práticas cotidianas que têm importantes conseqüências na educação
infantil, tão fundamental para o desenvolvimento integral da criança em seus aspectos
219

físico, psicológico, intelectual e social, que se refletirão na vida adulta.

Transformar a escola que temos, numa escola de qualidade, democrática, de


massas, universal, pública e gratuita, ou seja, uma escola republicana, é o desafio da
nossa sociedade. Infelizmente, o nosso sistema de ensino, ao contrário de uma escola
libertadora, apresenta um perfil dual, reservando a brancos de família com recursos
econômicos o ensino de boa qualidade, contribuindo para fazer crer que “os mais
capazes” ou “inteligentes” provêm de um meio social e racial particular, o que recria a
base racista de naturalização da desigualdade racial, e da segregação que lhe é correlata.
O sistema escolar tem nos exames, provas e concursos o meio de promover os
estudantes “mais dotados”. Porém, a capacidade de aprendizagem não está desligada
das excelências das escolas freqüentadas. Na medida em que crianças treinadas
desigualmente enfrentam exames iguais, acreditam que são menos capazes que os
vencedores das provas. A desigualdade de oferta escolar recria as bases das “diferenças”
sociais herdadas.

A humilhação decorrente de toda forma de segregação é uma violência à


integridade subjetiva das vítimas. Estudiosos dos currículos escolares, dos conteúdos e
formas dos livros didáticos têm mostrado como operam os mecanismos de transmissão
da inferiorização da criança negra a partir dos conteúdos transmitidos. A escola, como
responsável pelo processo de socialização infantil, é um dos primeiros espaços de
vivência das tensões raciais fora do lar. É na escola, na família ou na igreja freqüentada,
que as crianças aprendem em que devem acreditar e a guardar isto como referência para
o resto da vida.

Nesse sentido, as relações raciais não podem ser harmoniosas, na medida em que
as crianças negras, o tempo todo, são obrigadas a negar suas características físicas, a
aprender os valores hegemônicos e a negarem os valores culturais mínimos que a
resistência negra, ao longo dos séculos, construiu nas senzalas, nos quilombos, nos
terreiros, nas escolas de samba, etc.

Existe no Brasil uma “esquizofrenia” coletiva, que impede a formação da


identidade racial, e, nesse sentido, a escola não promove a verdadeira diversidade
cultural, tão festejada pela indústria cultural em geral, que se apropria da cultura afro-
brasileira de forma folclorizada e muito lucrativa. Este é um aspecto fundamental de
diferenciação entre crianças brancas e negras, mesmo quando são pobres e
compartilham o mesmo espaço de aprendizagem. A criança branca tem sempre
220

retratados os símbolos positivos da ótica unicultural branca, enquanto a criança negra


tem a negação sistemática de sua cultura. O depoimento dessa negra é ilustrativo sobre
as formas de reprodução do racismo no sistema social71:
72
A sociedade valoriza um padrão branco. A rainha do milho é um trauma
para as crianças negras. O racismo é uma violência aos direitos humanos. Os
movimentos negros devem exigir do Estado políticas públicas que evitem a
exclusão social (Uma militante do movimento de bairro de Salvador, 34 anos,
Nordeste de Amaralina).
A distinção não está, portanto, apenas no plano das classes sociais, ela está na
capilaridade do sistema social que reproduz o racismo, a discriminação e o estereótipo
de formas tão diversificadas, que muitas vezes, as próprias vítimas não percebem. Além
dos aspectos fundamentais, de construção de uma cultura racista acima colocados, no
Brasil, o acesso à educação infantil é bastante limitado, em geral, mas particularmente
para as crianças negras. Das cerca de 13 milhões de crianças brasileiras na faixa etária
de 0 a 3 anos, somente 11,7% têm acesso às creches (IBGE/2003), e apenas 6%
recebem atendimento em redes públicas. Portanto, embora fundamental para a
aprendizagem e desenvolvimento infantil, como afirmam os especialistas em educação,
estes dados revelam a enorme precariedade do nosso sistema de ensino.

Na velha capital da Bahia, marcada pela desigualdade, pais e mães de baixa renda
não contam com número suficiente de creches para deixar os filhos durante a longa
jornada de trabalho. De acordo com os dados do Censo (IBGE, 2000), as crianças de 0 a
4 anos de idade correspondiam a 208.419 residentes. De acordo com os dados que
organizamos, por cor ou raça, para Salvador e Rio de Janeiro, a freqüência a creches é
muito baixa, sobretudo em Salvador, com apenas 1,5%, e o dobro no Rio (3,3%).
Analisando por cor ou raça, observa-se que no Rio de Janeiro há uma ligeira diferença
no acesso entre crianças brancas e crianças negras (3,4% e 3,1%, respectivamente).

Em Salvador, contudo, o acesso de crianças brancas é de 2,2% enquanto o das


crianças negras apenas de1,3%. Isto significa que, neste aspecto, há mais desigualdade
entre as crianças baianas. Por outro lado, na pré-escola, a desigualdade permanece nas
duas cidades, mesmo quando os percentuais apresentam melhoras importantes. Salvador
continua em desvantagem em relação a pré-escolas (8,6%), diante do Rio de Janeiro
(9,0%), e a desigualdade de acesso é de 9,9% e 8,2 entre as crianças brancas e negras

71
, GARCIA (2001) analisa Salvador como uma cidade segregada, com usos distintos do espaço por
mulheres e homens. Analisa também a importância da militância popular e seu potencial transformador.
72
No Nordeste, as festas juninas são muito importantes e no calendário escolar, a “Rainha do Milho”
também, que é sempre representada por crianças brancas, sobretudo loiras.
221

em Salvador, e, no Rio de Janeiro, de 9,9% para crianças brancas e 9,5% para crianças
negras. Ou seja, desde a educação infantil são tecidas as desigualdades raciais.

Além das desigualdades observadas acima, a carência dessa modalidade de classe


pré-escolar é, em parte, suprida pelo esforço comunitário dos movimentos sociais
urbanos, que enfrentam enormes problemas de financiamento. Decorrente disso, o
atendimento é de baixa qualidade, sem o profissionalismo necessário para uma boa
formação das crianças. É importante ressaltar também que, provavelmente, este
pequeno percentual de crianças negras não é menor graças às creches e pré-escolas
comunitárias, resultantes dos movimentos sociais de moradores, de mulheres,
feministas, principalmente, que lutaram e continuam lutando por este tipo de
equipamento, desde os anos 197073.

Em decorrência destas mobilizações, foram construídas várias creches


comunitárias, que até hoje se constituem como um símbolo da luta das mulheres das
classes populares por melhores dias para seus filhos. A educação infantil foi objeto da
Constituição de 1988, e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação: ambas asseguram
que a creche e a pré-escola são direitos da criança, das mães e dos pais trabalhadores
portanto,é um dever do Estado. Estes textos legais não foram acompanhados de
programas de criação de estabelecimentos públicos com financiamento adequado. Por
ora, a promoção da igualdade racial, por meio de igualdade de chances junto ao sistema
educacional, está apenas registrada como intenção.

4.15 Analfabetismo: Brancos e Negros na Encruzilhada das Desigualdades

O analfabetismo no Brasil, segundo o IBGE, teve o seu índice reduzido, de 25,1%


para 16,7% da população, acima de 5 anos, entre 1991 e 2000. Dos 32,7 milhões
existentes em 1991, houve uma redução para 25,6 milhões em 2000. Segundo o
Instituto, 84% da população acima dos 5 anos é alfabetizada, correspondendo a 16%,
um percentual muito alto, o que equivale dizer que, aproximadamente, 24 milhões de
brasileiros não possuem uma das condições básicas para serem cidadãos participantes
de uma sociedade letrada. A taxa chega a 30% entre os índios e 23% na população
negra. Entre os indivíduos de cor branca, 11% são analfabetos. O índice cai para 7%
entre os amarelos (IBGE, 2003). Note-se que os imigrantes de origem japonesa ou
chinesa apresentam sempre os melhores índices de aproveitamento escolar, em todos os

73
Sobre isso ver Ana Alice Costa, 1991.
222

níveis de ensino.

A situação de Salvador e do Rio de Janeiro não é diferente. A Tabela 23 mostra


que as taxas de alfabetização dos grupos raciais, em 2000, eram de 87,2% para os
brancos em Salvador e 88,0% para o Rio de Janeiro, enquanto os negros ficavam com
82,2% e 84,2%. São analfabetos, portanto, 12,8% (72.448) dos brancos em Salvador e
12,0% (407.288) no Rio de Janeiro, enquanto os negros são 17,6% (322.967), em
Salvador e 15,8% (375.076) no Rio de Janeiro. Vê-se que em Salvador a desigualdade é
maior, como verificado por outros indicadores. De alguma forma, porém, os negros têm
acompanhado a lenta elevação dos níveis educacionais da população brasileira.
Analisando os dados da PNAD 1987, véspera do centenário da Abolição,
Hasenbalg (1992, p.56) lembra que em 1950, por exemplo, as taxas de alfabetização
eram de 52,7% para os brancos e de apenas 25,7% para o conjunto de negros e pardos.
Contudo, mesmo que a progressão tenha sido rápida, entre negros e brancos e os negros
estejam na mesma encruzilhada da desigualdade social, permanece o fato de que até
hoje a taxa de analfabetismo dos negros é maior que a dos brancos.

Tabela 23 – Analfabetismo por Cor ou Raça – Salvador e Rio de Janeiro

Cor ou raça Total


ANALFABETISMO Branca Negra
Salvador Rio
Salvador Rio Salvador Rio
Sabe ler e escrever 87,2% 88,0% 82,4% 84,2% 83,5% 86,5%
Não sabe 12,8% 12,0% 17,6% 15,8% 16,5% 13,5%
Total 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%
Fonte: Elaboração própria a partir da amostra do Censo IBGE/2000

4.16 Anos de Estudo e Cor: Concentração do Capital Escolar

As análises estatísticas e espaciais mostram nítidas desigualdades educacionais na


distribuição da escolaridade, também em termos de anos de estudos completados nas
duas cidades. Ou seja, pelos critérios do IBGE, é computado o número de anos de
estudo, calculado para a pessoa recenseada em função do último curso e série
concluídos. A Tabela 24 revela que, em termos de anos de estudo, as desigualdades
também são bastante expressivas, desde os níveis mais baixos da hierarquia
educacional, tornando-se ainda mais graves quando se alçança o nível superior. Há uma
concentração de negros no ensino fundamental (64,3% e 68,0% para Salvador e Rio de
Janeiro, respectivamente), enquanto os brancos têm uma concentração bem maior na
faixa acima de 12 anos de estudo (23% em Salvador e 23,1% no Rio de Janeiro contra
223

percentuais inferiores a 7% para negros em ambas as cidades). Este quadro mostra bem
a concentração do capital escolar por brancos, e como a escola não significou, até o
momento presente, um meio de contrabalançar as desigualdades de patrimônio
econômico entre grupos raciais. Note-se ainda a forte desigualdade regional da
distribuição do capital escolar.

Tabela 24 – Anos de Estudo por Cor ou Raça – Salvador e Rio de Janeiro

Cor ou raça Total


ANOS DE
ESTUDO Branca Negra
Salvador Rio
Salvador Rio Salvador Rio
De 1 a 4 anos de
estudo 20,9% 23,5% 33,3% 34,4% 30,3% 27,8%

De 5 a 8 anos de
estudo 21,5% 23,3% 31,0% 33,6% 28,6% 27,4%

De 9 a 11 anos
de estudo 34,6% 29,2% 30,7% 25,0% 31,6% 27,5%

De 12 a 16 anos
de estudo 20,5% 21,4% 4,8% 6,5% 8,6% 15,4%

Mais de 17 anos
de estudo 2,5% 2,7% 0,3% 0,4% 0,9% 1,8%

Total 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%


Fonte: Elaboração própria a partir da amostra do Censo IBGE/2000

4.17 Ensino Fundamental: 1 a 4 Anos

Neste nível de ensino notam-se, mais uma vez, os contrastes enormes entre negros
e brancos. Como revela a Tabela 24, tanto em Salvador como no Rio de Janeiro, a
diferença desvantajosa para os negros é de cerca de 10 pontos percentuais.

No que diz respeito à distribuição espacial, conforme Mapa 49 e Mapa 50, tanto
em Salvador como no Rio de Janeiro, os de menor escolaridade moram em áreas
basicamente distantes de onde o capital global se concentra. Isto significa que os pobres,
brancos e negros das duas cidades, convivem no mesmo espaço escolar, embora a
desigualdade atinja principalmente os negros. Espacialmente, em Salvador, observa-se
que brancos e negros deste nível escolar ocupam espaços semelhantes (Mapa 49). A
falta de capital escolar tende a homogeneizar os grupos raciais distribuídos no espaço
urbano.
224

Mapa 49 – Distribuição Espacial dos Estudantes de 1 a 4 Anos de Estudo

Fonte: Elaboração própria, a partir da amostra do Censo 2000 (IBGE).

No Rio de Janeiro, entretanto, a espacialização dos que só têm de 1 a 4 anos de


estudo, conforme mostra o Mapa 50, apresenta uma concentração de brancos e negros
na Zona Oeste. Contudo, os negros são, estatística e espacialmente, mais segregados nas
Zonas Oeste e Norte.

Mapa 50 – Distribuição Espacial dos Estudantes de 1 a 4 Anos de Estudo por Cor ou Raça
225

Fonte: Elaboração própria, a partir da amostra do Censo 2000 (IBGE).

Neste caso, Salvador é diferente do Rio de Janeiro, na medida em que, apesar de


os brancos se localizarem também em áreas distantes, os negros estão muito mais
espalhados no território. Para aqueles que têm de 5 a 8 anos de estudo, a Tabela 24
mostra que Salvador tem 28,6% e o Rio de Janeiro 27,4% neste nível de escolaridade,
sendo que os negros continuam em desvantagem, com 33,3% e 34% enquanto os
brancos são 20,9 e 23,3%, respectivamente, com cerca de 10 pontos percentuais de
diferença. Ou seja, os negros, nas duas cidades, persistem sendo maioria nos níveis mais
baixos da escolaridade alcançada.

4.17.1 Ensino Médio

As desigualdades observadas nos níveis de ensino, até o fundamental, se repetem


nos que conseguiram ter de 9 a 11 anos de estudo. Mais uma vez, a desigualdade entre
brancos e negros, tanto em Salvador como no Rio de Janeiro, guardam semelhanças.
Embora neste nível o contraste seja um pouco menor, os brancos, nas duas cidades,
apresentam percentuais de 34,6 % e 29,2% e os negros, apenas 30,7% e 25%. Neste
nível de ensino, analisando a distribuição de negros e brancos no território, pode-se
observar, no Mapa 51, que em Salvador os brancos ocupam áreas de médio status
social.
226

Mapa 51 – Distribuição Espacial de Negros e Brancos com 9 a 11 Anos de Estudo – Salvador

Fonte: Elaboração própria, a partir da amostra do Censo 2000 (IBGE).

No Rio de Janeiro, o Mapa 52 mostra uma concentração mais forte dos brancos
em áreas mais distantes, como a Zona Norte, onde predominam bairros de médio e
baixo status, enquanto os negros estão fracamente representados nestas áreas, com uma
certa concentração nas AEDs das ilhas do Governador e Paquetá. Os resultados da
análise espacial revelam que os espaços carioca e soteropolitano são fortemente
estruturados segundo uma hierarquia educacional, expressando a forte relação entre
estrutura social, racial e divisão espacial.

Mapa 52 - Distribuição Espacial de Negros e Brancos com 9 a 11 Anos de Estudo – Rio de Janeiro
227

Fonte: Elaboração própria, a partir da amostra do Censo 2000 (IBGE).

4.18 O Ensino Superior e as Desigualdades Raciais

4.18.1 Acesso ao Pré-Vestibular e a Cor

As diferenças e as desigualdades educacionais são também nítidas, ao examinar a


distribuição da escolaridade em termos de anos de estudos completados no nível
superior e os tortuosos caminhos para alcançá-lo. As distorções do sistema de ensino no
Brasil criam inúmeras barreiras, entre as quais, a de acesso dos pobres (negros e
brancos), mas sobretudo dos primeiros, ao saber universitário. Entre as barreiras, quase
intransponíveis para a maioria, está uma verdadeira indústria de cursinhos pré-
vestibular, com suas altas mensalidades. Outra é a má qualidade do ensino,
principalmente da rede pública, que se reflete no momento em que os jovens, oriundos
de escolas públicas, buscam concorrer a uma vaga em universidades públicas ou mesmo
particulares.

Desses fatos decorrem muitas das dificuldades de acesso à universidade, para toda
a população, mas sobretudo para os negros e para os pobres das periferias urbanas. Tais
fatores não permitem que os que ocupam os espaços sociais inferiores possam competir,
em igualdade de condições, com os filhos da classe média e, muito menos, com os
filhos das classes altas, que freqüentam os melhores colégios e ainda fazem cursos pré-
vestibular de melhor qualidade. Tudo isso deixa claro que o filtro do vestibular torna o
recrutamento para o ensino superior ainda mais elitista.

Diante desse quadro, militantes de movimentos negros passaram a criar cursos


228

pré-vestibular comunitários para negros, assim como os movimentos sociais de bairro,


de mulheres criam pré-escolas e creches para suprir a ausência de políticas públicas. Os
cursinhos específicos e o sistema de cotas são, assim, respostas ao imenso apartheid
social e racial que afasta o negro e o pobre do ensino superior. Com o avanço dos
debates sobre políticas de reparação, promovidos sobretudo pelos movimentos negros,
muitas universidades públicas têm adotado formas diferenciadas de acesso a este nível
de ensino, além de outras medidas para, pelo menos, reduzir as distâncias entre os
grupos raciais negros, indígenas e brancos, verificáveis em outros níveis. Todavia, o que
gera mais controvérsias na sociedade e na academia, dentre as políticas de ação
afirmativa, são as cotas universitárias, tanto no sistema público como no particular.

Recentemente (2005), o MEC incluiu o quesito cor ou raça, como faz o IBGE, no
censo escolar, com o objetivo de fazer um diagnóstico do ensino para definir políticas
públicas específicas. A polêmica ganhou a mídia, colocando pais, professores e
especialistas das relações raciais em confronto. Os contrários à idéia alegavam que o
MEC estava racializando a sociedade, enquanto os favoráveis, incluindo-se aí
principalmente, os militantes de movimentos negros, argumentavam ser fundamental,
para a elaboração e execução de políticas públicas que promovam a eqüidade entre as
raças. Além disso, os opositores à inclusão do quesito cor alegam a questão do mérito,
que o sistema universal garante; conseqüentemente, o acesso por cota levaria ao
rebaixamento da qualidade do ensino. Em 2004, a demógrafa Elza Berquó, foi
entrevistada pela Folha de São Paulo (26/12/04) sobre várias questões, e entre elas, a
das cotas nas universidades, respondendo da seguinte maneira:
Sou a favor das ações afirmativas. Não sei se o caminho são exatamente as
cotas, mas tem que ter para começar. Se você deixar as coisas agirem
normalmente, você não sai do caos da desigualdade. A população negra está
na base da pirâmide social. É claro que vão encontrar obstáculos, mas é
importante porque a identidade negra está firme. Se você se identifica com a
população negra, ou afrodescendente, você vai lá disputar essas cotas.
Quando essa roda estiver girando, você não vai precisar mais disso porque
essas pessoas vão estar preparadas para enfrentar o vestibular. Tem que ter
cotas, senão não entra (Folha de São Paulo (26/12/04).
Questionada sobre a posição do reitor da USP, Adolpho José Melfi, que dissera
não ser simpático à adoção de cotas para negros, porque isso causaria mais
discriminação, respondeu:
O negro já é discriminado na sociedade, esteja na universidade ou não. Ele já
está acostumado, mas aí estará discriminado dentro da universidade. Acho
que ele está disposto a correr esse risco. Ações afirmativas são uma das
possibilidades de desconstruir o racismo no Brasil (Folha de São Paulo
(26/12/04).
229

Em posição oposta estão dois estudiosos das relações raciais, como Peter Fry e
Ivonne Maggie, que têm sido referência nos debates públicos contra a implantação das
ações afirmativas no Brasil. Eles consideram que o Estado brasileiro, ao adotar tais
políticas, está racializando a sociedade. Debatendo o artigo de Jonas Zoninsein, sobre a
questão, afirmam:
Será que o autor realmente acredita que um investimento relativamente
pequeno na diversidade racial e étnica do país poderá substituir um massivo
esforço de melhorar todo o sistema educacional do país, sobretudo nas áreas
de maior pobreza, e portanto, de maioria negra? Segundo a nossa
argumentação, o problema não está na forma de implementar a ação
afirmativa, nem tão pouco no volume de recursos humanos e financeiros a
serem investidos. Do nosso ponto de vista analítico, a crença em raças é a
condição para a existência do racismo (FRY & MAGGIE, 2004, p. 161).
Estes autores, muito experientes no que se refere às pesquisas sobre relações
raciais no Brasil, sabem que reivindicar políticas específicas, e em particular, políticas
de cotas nas universidades, não significa deixar de investir em políticas universalistas.
Eles não desconhecem o fato de que, mais de 100 anos após a abolição do trabalho
escravo, as desigualdades raciais não declinaram, ou declinaram pouco, como aliás
vimos ao longo deste trabalho. Cabe perguntar por que as formas de reparar as
profundas injustiças históricas contra os negros dividem tanto acadêmicos e políticos.
André Brandão (2000, p.156), ao analisar as experiências de pré-vestibulares
comunitários surgidos na década de 1990, na Baixada Fluminense, mostra a importância
destas iniciativas e de outras políticas, que possam derrubar as barreiras que impedem o
acesso de fato igualitário dos negros à educação, em todos os níveis, de um lado, e do
outro, o vestibular como uma das mais perversas formas de racismo encoberto pelo
abstrato conceito de igualdade:
A oportunidade e a necessidade das políticas de ação afirmativa e das
políticas de cotas para o ingresso na universidade se colocam com força se de
fato desejamos avançar na construção de um país que, ao se refletir
criticamente, ultrapassa o plano dos mitos e dos ideais por mais que estes
possam ser belos e românticos (BRANDÃO, 2000, p.156).
4.18.2 Ensino Superior: Hierarquias Raciais e Educacionais

Como dito anteriormente, muitos estudos apontam a escolaridade como um fator


que afeta o grau de participação em atividades políticas, sociais e econômicas, e,
portanto, com o aumento do número de anos de estudos cresce, gradativa e
regularmente, a proporção de pessoas que participam destas atividades. Nosso estudo
tem revelado que, quanto mais elevado o nível de ensino, e quanto mais privatizado o
sistema de ensino, menor o número de alunos negros, maior a desigualdade racial.
Vejamos, então, a situação educacional dos que chegam ao nível superior.
230

Segundo dados do Censo da Educação Superior, no início da década de 1970, a


rede pública oferecia 49,5% do total de matrículas, cerca de 210 mil; a particular já era
maioria, com 214 mil matrículas (50,5%). Essa proporção foi alterada, e, atualmente, a
rede particular oferece 70,8% do total contra 29,2%. As instituições privadas de
educação superior eram 74,7% do total há 33 anos. As instituições públicas eram 25% e,
gradualmente, foram diminuindo sua participação no total, ao longo dos anos.
Atualmente, são 11%. Nesse mesmo período, no entanto, as instituições federais de
ensino superior (IFES) quase dobraram o tamanho de sua rede, passando de 47
instituições para 83, tornando-se maioria na rede pública. Em 1970, havia 50
universidades no Brasil: 28 federais, 6 estaduais, 1 municipal e 15 privadas, segundo
dados do Censo da Educação Superior. Ao longo das três últimas décadas, constata-se
um crescimento acelerado das universidades privadas que, a partir de 1980, tornaram-se
mais numerosas que as da rede pública. Hoje, as universidades privadas somam mais
que o total das federais, estaduais e municipais juntas (INEP/MEC, 2005).

Os paradoxos do sistema de ensino brasileiro atingem todos os níveis de


escolaridade e escalas. A Síntese de Indicadores Sociais/IBGE revela que 59,9% dos
estudantes de instituições públicas de ensino superior têm renda familiar per capita que
os coloca entre os 20% mais ricos da população. No outro extremo, a participação dos
mais pobres nas universidades públicas é quase pífia. Os 20% mais pobres ocupam
apenas 3,4% do total das vagas. No que se refere à distribuição dos matriculados por
cor, os dados do Censo 2000 mostram que a universidade no Brasil não é apenas para
poucos, é também quase uma exclusividade dos brancos: da população com mais de 25
anos e nível superior, 82,8% são brancos. Isso significa que os brancos têm quatro vezes
mais acesso à universidade que pretos, pardos, amarelos e indígenas, todos somados.

Os brancos estão sempre sobre-representados, mesmo em estados onde os negros


chegam a 80% da população, como Bahia e Maranhão. Onde as universidades federais
têm mais negros, estes estão segmentados em cursos de menor prestígio social
(QUEIROZ, 2004, p.137). De fato, e apenas para citar alguns exemplos, de acordo com
o Programa Cor da Bahia, que divulgou o dados do vestibular da UFBA, em 2000: 20%
dos brancos baianos detêm 65,4% das vagas do curso de Medicina, 59,1% das de
Odontologia, 58,7% das de Ciências da Computação e 70,8% das de Química Industrial
(A Tarde, 22/09/02). Ou seja, os negros estão, na Bahia, fora dos estudos universitários,
que asseguram carreiras rentáveis e de prestígio social.
231

Ao chegar ao sonhado curso superior, os negros enfrentam todos os problemas


decorrentes de sua trajetória familiar e escolar; até do bairro de origem ou de residência
atual, situação inerente às diferentes formas de adquirir capital cultural, que geram
práticas distintas, e distintivas características das diferentes classes sociais e, para nosso
estudo, de diferentes grupos raciais, pois segundo Bourdieu (1997, p.22), os habitus são
princípios geradores de práticas distintas e distintivas. Nesse sentido, os estudantes
negros, além de enfrentarem as dificuldades de um sistema escolar que produz
diferenciação entre os que vêm de escolas públicas e os de escolas privadas, estudam
currículos que pouco se referem a seu universo de origem, da enorme contribuição do
povo negro à construção da riqueza material e cultural do país. Pior que a omissão são
as formas negativas de enfocar o lugar dos negros na vida brasileira.

As dificuldades dos negros em romper as barreiras para alcançar a condição de


classe média são apontadas por Ianni (1987, p.128-30). Quando isso acontece, essa
classe média negra também ocupa posições limitadas socialmente por critérios do
racismo bem à brasileira. O diplomata negro serve na África, o médico negro,
preferencialmente, atende a negros, mulatos ou brancos pobres; a professora negra,
dificilmente, é contratada por um estabelecimento de ensino privado que atende à classe
média ou à burguesia branca, por exemplo. Se é difícil conquistar um diploma
universitário, não menos difícil é extrair dele os benefícios equivalentes aos de seus
usuários tradicionais.

4.18.3 Desigualdades Regionais

As desigualdades regionais revelam uma outra importante dimensão do problema


educacional brasileiro. Também a análise do território é fundamental para detectar as
desigualdades espaciais em diferentes escalas (nacional, regional, metropolitana, urbana
e intra-urbana). A análise, nestas diferentes escalas, permite compreender melhor as
diferenças, as singularidades do fenômeno, a exemplo das desigualdades no número de
graduados em ensino superior nas regiões do país, como entre unidades vizinhas da
Federação.

Em nível regional, a maior discrepância ocorre no Centro-Oeste. O Distrito


Federal conta com 15,9% de universitários (a maior porcentagem do país), enquanto
Goiás tem 5%. O Sudeste também apresenta diferenças significativas: São Paulo e Rio
de Janeiro têm, respectivamente, 10,4% e 10,3%, Espírito Santo e Minas Gerais, 6,1% e
6,2%. A região mais homogênea é a Sul: os três Estados estão na casa dos 7%. As
232

regiões Nordeste e Norte apresentam as menores porcentagens de pessoas com 25 anos


ou mais formadas no ensino superior (4,2% e 4,3%, respectivamente). A média nacional
é de 7,3%. O Sudeste é o que tem o melhor desempenho: 9,2%. A baixa porcentagem no
Nordeste é puxada, principalmente, pelo Maranhão (2%), por Alagoas e Bahia (ambos
com 3,3%). Pernambuco e Paraíba destoam, com 6% e 5,9%, respectivamente. No
Norte, os piores Estados são Amapá e Tocantins (ambos com 3,3%); nenhum chega
perto da média nacional (PNAD 2002). Verifica-se, assim, que as regiões que foram
palco de políticas de imigração subsidiada de brancos europeus, no século XIX, são as
que mais oportunidades educacionais apresentam para suas populações. Por outro lado,
antigas áreas escravistas são as que menor oportunidade oferecem às novas gerações.

4.18.4 Desigualdades Intra-Urbanas

A análise do território na escala intra-urbana tem permitido compreender melhor


as diferenças, as singularidades do fenômeno e as desigualdades raciais, também na
educação superior. Pelo que vimos até aqui, a maior presença do negro em escolas
públicas vai até o segundo grau, quando a situação se inverte. Ele tem que trabalhar para
estudar, e, portanto, estudar nos cursos noturnos quase inexistentes em universidades
públicas, o que constitui uma das muitas barreiras a enfrentar. Além disso, a
concorrência é desigual para o acesso à universidade pública, já que a maioria dos
brancos freqüenta escolas particulares e pré-vestibular de melhor qualidade.

As conseqüencias desses processos em todo o sistema escolar podem ser vistas no


topo desse sistema, nas metrópoles que são objeto desse estudo. Em Salvador, entre os
que têm 12 a 16 anos de estudo, , os brancos têm ampla vantagem, com uma diferença
de quase 15 pontos percentuais em relação aos negros (20,5% e 4,8% respectivamente,
conforme Tabela 24). Analisando-se o Mapa 53, que representa a distribuição de negros
e brancos por AED, pode-se observar que se mantém a tendência dos mais escolarizados
dos dois grupos raciais em áreas mais valorizadas, porém com algumas diferenças de
territorialização. A distribuição dos negros com 12 a 16 anos de estudo em Salvador,
mostra que o pequeno grupo dos mais escolarizados compartilha com os brancos duas
AEDs de supremacia branca (Pituba e Parque Nossa Senhora da Luz e Itaigara e
Caminho das Árvores e Iguatemi). Localizam-se, também, em AEDs ao sul, como Barra
e Barra Avenida, áreas mais tradicionalmente ocupadas por brancos; Ondina, São
Lázaro, Cardeal da Silva e Vila Matos, áreas mais misturadas em termos de classes
sociais, e onde se localiza o principal campus da Universidade Federal da Bahia
233

(UFBA). Isso revela a tendência dos negros que adquirem mais capital escolar de se
localizarem nas melhores áreas da cidade, ainda que não superem o racismo que
permeia todos os espaços da sociedade e se manifesta das formas mais variadas, mesmo
para os negros que ascenderam às classes superiores.

Mapa 53 – Distribuição Espacial de Negros e Brancos com 12 a 16 Anos de Estudo – Salvador

Fonte: Elaboração própria, a partir da amostra do Censo 2000 (IBGE).

No Rio de Janeiro, a desigualdade em anos de estudo no nível superior é também


muito grande, embora seja ainda maior em Salvador. Com quase o dobro de pessoas de
nível superior (15,4% contra apenas 8,6%), a diferença racial é também muito grande:
21,4% para os brancos e apenas 6,5% para os negros. Em termos de desigualdade
territorial, há também semelhanças, como mostra o Mapa 53, embora a área ocupada
pelos negros seja ainda mais reduzida do que em Salvador. Ou seja, o pequeno grupo de
negros que chega ao nível superior se restringe a pequenos pontos de um território de
supremacia branca, como a Zona Sul. A segregação urbana, nas duas metrópoles,
portanto, pode ser caracterizada pela concentração espacial das camadas de maior
capital cultural, que por sua vez concentram outras formas de capital, favorecidos entre
outras razões pela concentração de serviços públicos e privados. Isso, contudo, não
permite afirmar que a presença de negros nestas áreas significa a superação do racismo,
pois os negros que vivem nestes espaços experimentam as formas talvez mais “sutis” de
discriminação, o que não implica que alguns deixem de crer na ideologia da democracia
racial.
234

Mapa 54 - Distribuição Espacial de Negros e Brancos com 12 a 16 Anos de Estudo – Rio de Janeiro
- 2000

Fonte: Elaboração própria, a partir da amostra do Censo 2000 (IBGE).

Como se vê, em todos os indicadores analisados no sistema de ensino, as


desvantagens dos negros são constatadas nas duas metrópoles. Isso significa que,
mesmo não tendo o Brasil a polaridade dos países de sistema de segregação racial
explícita (agora não formal), as desigualdades raciais (mais que as espaciais) têm
demonstrado que as formas implícitas ou sutis do Brasil têm sido muito eficazes em
produzir e reproduzir as desigualdades raciais em todos os espaços. Desprovidos de
capital econômico e de capital escolar, em virtude da condição histórica de seus
antepassados, os negros não têm encontrado, no crescimento das duas metrópoles
235

estudadas, novas oportunidades sociais para se dotarem de meios de participar das


atividades urbanas em igualdade de condições com o restante dos citadinos. A
desigualdade de condições entre os grupos raciais é tal que dispensa, em certo sentido, o
reforço de práticas abertamente racistas, como a segregação promovida por apartheid
ou tentativas de expulsar imigrantes originários de antigas colônias, como quer a direita
em países europeus da atualidade. Apesar disso, em relação às chamadas políticas
afirmativas, nas universidades brasileiras, o racismo dito sutil desaparece, à medida que
surgem ameaças aos que detêm historicamente o monopólio sobre o capital cultural e
econômico. Um exemplo disso é o debate público que se trava em diferentes segmentos
da sociedade brasileira sobre a política de ação afirmativa, que envolve a idéia de
corrigir a extrema defasagem educacional de acesso às universidades, entre brancos e
negros.

A análise dos dados sobre cursos concluídos mostra também que os negros
continuam em desvantagem, ao revelar que a desigualdade racial é estrutural e se
manifesta de forma perversa no sistema educacional como um todo (Tabela 25). Nas
duas metrópoles, apesar de ser baixo o número dos que concluem o curso em geral, há,
entre os brancos cariocas, uma situação semelhante, com ligeira vantagem dos baianos
(68,2% e 66,6%, respectivamente). Entretanto, em relação aos negros, as diferenças são
enormes mais uma vez. Os negros que conseguiram concluir algum curso, tanto em
Salvador como no Rio de Janeiro, chegam a apenas 48,5% e 49,2%, respectivamente.
Provavelmente, eles enfrentam as mesmas barreiras para concluírem os cursos, como as
analisadas ao longo deste estudo.
Tabela 25 – Curso Concluído por Cor ou Raça – Salvador e Rio de Janeiro
Cor ou raça Total
CURSO
Branca Negra
CONCLUÍDO Salvador Rio
Salvador Rio Salvador Rio
Sim 68,2% 66,6% 48,5% 49,2% 53,4% 59,7%
Não 31,8% 33,4% 51,5% 50,8% 46,6% 40,3%
Total 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%
Fonte: Elaboração própria a partir da amostra do Censo IBGE/2000

Examinados os dados estatísticos sobre educação e sua inserção no espaço urbano,


ao contrário dos que ainda acham que o preconceito não levaria a comportamentos
discriminatórios, a cor ou raça se revela um atributo determinante na localização das
pessoas na estratificação sócio-racial e espacial, como ficou demonstrado ao longo deste
texto. Como observa Kaztman (2001, p.186), em cidades latino-americanas, o
236

isolamento dos pobres urbanos tem conseqüências para a sociabilidade informal com
outras classes e reduz oportunidades para a acumulação de capital social individual,
capital coletivo e capital cívico também em nossas cidades.

Nesta perspectiva, Henrique Cunha (2001) analisa as definições de africanidade,


de afrodescendência, e sua relação com a educação, para fazer o questionamento dos
racismos dominantes no pensamento brasileiro e suas necessidades ideológicas de um
credo universalista que desconhece as particularidades, e aponta:
As africanidades brasileiras são um paradigma para a revisão dos conceitos e
preconceitos vigentes sobre a cultura brasileira. Têm marca de um discurso a
partir da camada ‘racisada’e escravizada da população brasileira. Devem
destruir, portanto, as idealizações da cultura do dominador. Deverão produzir
um espaço de liberdade intelectual livre dos racismos e dos conceitos
produzidos a partir dos processos da dominação historicamente vigentes da
cultura brasileira (CUNHA, 2001, p. 5-13).
Para compreender a complexidade do que analisamos sobre estas cidades,
emblemáticas para a história de opressão da sociedade brasileira desde a colonização, só
a análise dos mecanismos da discriminação racial em suas múltiplas dimensões permite
dar conta da perpetuação das diferenças entre grupos raciais, ocupando uns o topo da
hierarquia social e outros as posições subalternas. Nenhum indivíduo, nem nenhum
grupo tem o poder de controlar as práticas e representações da coletividade,
direcionando sozinho o processo histórico. O estudo das condições diferentes das
práticas dos indivíduos, das famílias, dos grupos raciais é que permite explicar como se
reproduzem as desigualdades de acesso aos bens e serviços urbanos das metrópoles
modernas. Nesse sentido, para aprofundar esta análise geral sobre o Rio de Janeiro e
Salvador, é que faremos o estudo de caso sobre Bangu e Plataforma, bairros que
igualmente expressam bem o processo de formação histórica das duas cidades,
buscando para isso o exame dos comportamentos em termos microssociais.

Desse modo, a desnaturalização desses processos discriminatórios pode contribuir


para pensar uma cidade onde os direitos a participar de seu destino sejam de fato iguais.
A desconstrução do racismo institucional é o caminho para que as políticas públicas
urbanas sejam fator de promoção de igualdade na cidade, ao contrário do que vimos ao
longo deste estudo.
237

CAPÍTULO 5 PLATAFORMA: DE SENZALA A BAIRRO OPERÁRIO-


POPULAR

5.1 Plataforma no Contexto Histórico

Neste capítulo procuramos analisar as desigualdades na escala intra-bairro, e


conforme explicitamos no capítulo 2, o estudo de caso tem dois objetivos: o primeiro é
uma análise da história social do bairro, servindo de fundamento ao estudo de sua
situação social, com os dados empíricos da AED/IBGE/2000 para o exame das
desigualdades raciais e de classe. O segundo é analisar o papel da discriminação, da
estigmatização, do isolamento étnico, na formação sócio-histórica, através da percepção
de alguns moradores.

Consideramos que as percepções dos agentes sobre o lugar, no mundo social, são
partes integrantes da construção do universo social. A análise do fenômeno do racismo
neste bairro tão singular é um desafio, sobretudo para quem ali viveu, como eu, por
vinte anos, moradora e parte desta história, e que continua acompanhando e tentando
entender os sentidos atuais das lutas de classes e de raça que têm uma longa história.

O processo de estagnação do bairro, e a emergência de conflitos, pelo uso do solo,


e os diferentes tipos de renda da terra que emergem na sociedade capitalista constituem
objetos de estudo privilegiado das condições de organização do espaço pelos diversos
agentes que produzem o espaço. No que se refere às lutas de classes, no âmbito da
moradia destacaremos, de um lado, os representantes dos moradores – a AMPLA _
Associação dos Moradores de Plataforma -, e do outro lado, os representantes dos
proprietários imobiliários: a Companhia Progresso e União Fabril da Bahia.

A divisão territorial que serve de base para a maioria dos estudos quantitativos
segue naturalmente a do IBGE. É relevante observar, pelas confusões que as diferentes
unidades territoriais podem acarretar, que Plataforma, como um subdistrito74, no censo
IBGE de 1991, tinha 58 mil habitantes, enquanto que no recorte territorial por AED,
tem apenas 21.971 habitantes. Não é fácil delimitar o bairro, sobretudo este que, como
outros mais antigos do Subúrbio, como Lobato, Periperi, Coutos e Paripe, foram

74
Em 1960, a divisão dos distritos de Salvador em zonas designa os distritos de Paripe, Periperi e
Plataforma como zona suburbana, além de Pirajá e Maré (ilha de Maré); não há referência, porém, à ilha
dos Frades, também pertencente ao Município (SOUZA, 2006).
238

referência por muito tempo de divisões territoriais e/ou administrativas oficiais. Como
subdistrito, o bairro abrangia vários outros, como São João do Cabrito, Novos
Alagados, Bariri, Ilha Amarela, Itacaranha, Alto da Terezinha, etc. Ainda que existam
bairros mais fronteiriços que, por vezes vezes, se identifiquem como Plataforma, a
verdade é que a tendência maior é de construirem identidades novas e próprias, de tal
forma que a divisão por AED, neste caso, se aproxima mais do bairro como percepção
de seus moradores. São João do Cabrito, por exemplo, que se reivindica como bairro, e
nesta divisão é uma AED, e portanto, pode ser estudado como um bairro e não como
sub-bairro. Atenta a estes aspectos, nossa análise considera o bairro nos seus limites
definidos pela divisão territorial por AED.

A breve reconstrução da história do bairro é muito limitada, diante do seu


significado para a história da classe trabalhadora baiana. “Conhecida desde 1501, a Baía
de Todos os Santos só muito mais tarde foi ocupada e povoada pelos portugueses”
(AZEVEDO, 1969, p.122). De acordo com este autor, “em 1576 havia na cidade, em
Vila Velha e no julgado de Paripe, uns 1.100 vizinhos brancos, além de muitos indios
mansos; e já se moía café em numerosos engenhos” (AZEVEDO, 1969, p.153). Vale
lembrar que os subúrbios ferroviários, na orla da baía, começaram a se desenvolver após
1850, com a implantação da ferrovia. Sua ocupação, historicamente, se deu a partir de
fazendas e engenhos, com senzalas ladeadas por aldeias e quilombos. “Em Paripe,
estavam localizadas as aldeias dos tupinambás, de Ipiru (Tubarão) e Paripe, segundo
Theodoro Sampaio” (VASCONCELOS, 2002, p. 43). No conjunto dos bairros do
Subúrbio Ferroviário, os mais antigos são: Plataforma, Lobato, Itacaranha, Escada, São
Tomé de Paripe, Paripe e Periperi. O Subúrbio Ferroviário de Salvador se caracteriza,
como vimos anteriormente, por bairros antigos e novos, de população eminentemente
negra (todos os bairros com índices acima de 80,0% de negros), predominantemente de
baixa renda.

Situado nesta região, o bairro de Plataforma foi formado a partir de três fazendas,
passando de senzala a bairro operário-popular. De acordo com Pedro Vasconcelos,
(2002, p.255) “na Plataforma, Verger registrou a existência, ainda em 1852, de um
depósito de escravos de José Roiz da Costa”. Destaca também que “em 1875 foi
inaugurada a fábrica de Tecidos São Brás” (VASCONCELOS, 2002, p.219 e 255).
Portanto, o desenvolvimento de Plataforma também se deu como nos demais bairros
antigos da região, a partir da instalação da ferrovia em 1850 que ligava a cidade a todo o
239

Recôncavo baiano. Note-se que a referência ao “depósito de escravos” deve-se a


existência da senzala nas proximidades da fábrica têxtil e de calçados.

Como ressalta Ianni (1988, p.56-56), quando analisa alguns aspectos importantes
da crise da transição do regime da trabalho escravo ao regime de trabalho livre para
compreender o caráter repressivo e violento das relações escravistas de produção é
necessário perceber o escravismo como um sistema de produção de mais-valia absoluta,
no qual a mercadoria aparece imediata e explícitamente como produto da força de
trabalho alienada. Essa alienação é dupla: “o escravo é alienado como pessoa enquanto
propriedade do senhor e em sua força de trabalho, sobre a qual não pode ter comando. O
escravo é obrigado a produzir muito além do que recebe para viver e reproduzir-
se”.Para o autor, o fundamento do sistema é de violência e represssão abertas por
exigências políticas, sociais e culturais de relações de produção para produzir a mais-
valia absoluta, ao contrário do sistema capitalista onde predomina o trabalho livre. O
desenvolvimento capitalista industrial coexistiu com as contradições políticas e
econômicas que caracterizaram a transição do regime de trabalho de mão de obra
escrava para o trabalho livre. Nesse sentido, na cidade, e em particular, no Subúrbio na
construção da ferrovia, primeiro, e da fábrica, depois, estas contradições estavam
necessariamente presentes, na medida que até a abolição houve a coexistência de
trabalhadores livres, libertos e escravos. Em 1853 (STEIN apud IANNI, 1988, p.60),
“ao afirmar que a escravidão não atrasou a industrialização, a comissão de preços
admitia que a maioria era mão de obra escrava”. Aliás, em meados do século XIX Marx
já havia assinalado o caráter ‘anômalo’ e ‘formalmente burguês’ da formação social nas
Américas e Antilhas’(IANNI, 1988):
A escravidão dos negros – uma escravidão puramente industrial – que
desaparece de um momento para o outro e é imcompatível com o
desenvolvimento da sociedade burguesa, pressupõe a existência de tal
sociedade: se junto a essa escravidão não existissem outros estados livres,
com trabalho assalariado, todas as condições sociais nos estados escravistas
assumiriam formas pré-civilizadas (MARX apud, IANNI, 1988, p.33)
Com a expansão capitalista e a subordinação do capital industrial, os
antagonismos entre produção escravista e produção capitalista são aprofundados e suas
ambigüidades são também destacadas por Engels:
E é indicativo do caráter especificamente burguês desses direitos humanos
que a Constituição americana, a primeira a reconhecer os dioreitos do
homem, da mesma forma confirma a escravatura das raças de cor existentes
na América: privilégios de classe são proscritos, privilégios de raça são
sancionados (IANNI, 1988, p.35).
240

De acordo com SUZIGAN (1986, p.122-3) “a indústria têxtil foi a mais importante do
setor de transformação no Brasil até o ano de 1939” e diversos fatores favoreceram o
seu desenvolvimento a partir de meado do século XIX: 1) por dispor do algodão,
matéria prima mais importante; 2) demanda crescente por vestuário, sacaria para o café,
o açúcar, os cereais, etc; 3) mão de obra barata e, finalmente, a produção interna de
têxteis era protegida da concorrência estrangeira” (SUZIGAN, 1986, p.122-3). Entre
1885 e 1895 foram instaladas no Rio de Janeiro 12 fábricas que instalaram
aproximadamente 4500 teares. A Progresso Industrial do Brasil (Fábrica Bangu) está
entre as que “seriam, por longo tempo, as maiores empresas produtoras de tecidos de
algodão do Brasil” (SUZIGAN, 1986, p.142). No que se refere à distribuição regional
das tecelagens de algodão, o autor informa que 13 foram instaladas no Nordeste, 14 na
província de Minas Gerais, 13 na cidade e província do Rio de Janeiro e 16 na província
de São Paulo. Afirma ainda, que esse tipo de indústria desenvolveu-se inicialmente no
Nordeste, particularmente, na Bahia. De acordo com ele:
A Bahia foi o primeiro e mais importante centro de indústria até a década de
1860. Inicialmente, duas pequenas fábricas foram instaladas na década de
1830, a Santo Antonio do Queimado (1834) e a Nossa Senhora da Conceição
(1835); uma terceira foi instalada na década de 1840, a Todos os Santos, que
durante muito tempo seria a maior tecelagem de algodão do país, com 176
teares, 4160 fusos e 200 operários.
Para mostrar a importância da Bahia neste período, o autor ainda destaca que no fim da
década de 1850 e 1860 foram instaladas seis fábricas, enquanto no Brasil existiam 10.
Estas seis fábricas operavam 59% do total de teares do no país (dez fábricas) e
empregavam 72% dos operários do total de nove fábricas (SUZIGAN, 1986, p.126-7).
Refere-se também a instalação de mais quatro fábricas na década de 1870, mas sua
gradual perda de importância, particularmente para a cidade e província do Rio de
Janeiro. Mesmo assim, em 1891, foi fundada a Empório Industrial do Norte75, por Luiz
Tarquínio, que era a maior do Norte e Nordeste e que começou a operar em 1893,
“inicialmente apenas como tecelagem, com 720 teares (470 para produtos cinzentos e
250 para produtos a cor) e 450 operários. Mas entre 1896 e 1898 a companhia instalou
maquinaria de fiação (17144 fusos) e aumentou o número de teares para 1206”
(SUZIGAN, 1986, p.141). Entre as fábricas instaladas na década de 1870 está a Fábrica

75
Objeto da dissertação de SAMPAIO, J.L, Pamponet, pela Universidade Federal da Bahia (1975).
241

São Brás de Plataforma (1875) com 5920 fusos, 151 teares e 111 operários (SUZIGAN,
1986, p.386).

O desenvolvimento capitalista industrial da Bahia, a partir do século XIX, se deu


em grande parte na Cidade Baixa e Subúrbio Ferroviário já que:
Também em 1891, começaram os agrupamentos industriais, com a
organização da Companhia Progresso Industrial da Bahia, que reunia as
fábricas do Bonfim e da Plataforma (Calmon, 1978:131-2), totalizando 400
operários, com um capital de 4.287:000$, do grupo Catharino; constituição da
Companhia União Fabril, com a fusão das fábricas (1) Nossa Sra. da
Conceição, (2) do Queimado, (3) de São Salvador, (4) Modelo, (5) N. Sra da
Penha e (6) Paraguaçu, esta última, em Itapagipe, totalizando 1.170 operários,
com um capital de 3.172:000$, nos seis estabelecimentos (C.I.B, 1986). A
Compahia União Fabril também implantou 54 pequenas casas para os
operários da fábrica São Salvador (Cardoso, 1998:157), perto da Fonte Nova
(VASCONCELOS, 2002, p. 267).
Contudo, em 1893, embora a cidade tenha sido um polo industria76l têxtil
importante não eram muitas as fábricas, pois, naquele ano:
estavam instaladas 107 fábricas em Salvador, das quais 50 eram simples
padarias. As mais importantes eram as de tecido e fiação. A União Fabril
passou a controlar cinco fábricas: São Salvador, na Fonte Nova, com 132
operários; Modelo, na rua da Vala, com 161; N. Sra. da Conceição, no alto do
antigo Engenho Conceição, com 116; N. Sra. da Penha, em Itapagipe, com
161; e a Santo Antônio do Queimado, com 110 operários (VASCONCELOS,
2002, p. 267).
As características fortemente proletárias de Plataforma pode ser analisada pelas
fábricas ali instaladas no século XIX. De acordo com Vasconcelos (2002, p.267 e 303
apud Aguiar (1979) e Vianna 1893), “a Cia. Progresso Industrial da Bahia continuava
controlando as fábricas de São Brás, em Plataforma, com 340 operários e a do Bonfim,
na Calçada, com 160 operários”. Na cidade havia duas fábricas de calçados (1893),
sendo que uma se localizava em Plataforma com 800 operários (portanto, empregava
mais que a fábrica têxtil), e era também de propriedade da Companhia União Fabril da
Bahia e a fábrica de sabão (1889), do comerciante Antonio Almeida Brandão. Já na
cidade republicana, o desenvolvimento do capitalismo industrial continuou, mas sem o
vigor do Rio de Janeiro, como já assinalado. De acordo com Vasconcelos, (2002, p.267-
68):
Em 1907, 53 fábricas funcionavam em Salvador (sem contar as padarias).
Destacavam-se as 11 indústrias têxteis com 3.530 operários, sendo cinco da
Cia União Fabril da Bahia, que agregou 1.170 operários (incluindo a de São
Carlos em Cachoeira); a Empório Industrial do Norte, que continuava a
maior, com 1600 operários; a Progresso Industrial da Bahia, com 460
empregados; a Fabril dos Fiaes, com 200 empregados; a Itapagipe (do grupo
Ítalo-baiano), com 50 operários; e a Calçada do Bonfim (de A. Malbuisson),

76
Ver também SUZIGAN, Wilson. Indústria brasileira: origem e desenvolvimento (1986).
242

com 50 operários. Havia ainda fábrica de calçados, como a Santos &


Figueira, com 240 operários e a de V. Marchesin, em Itapagipe, com 50
operários; de chapéus, como a Cia Chapelaria Norte Industrial, com 200
operários; de fumo, como a Leite & Alves, na Calçada, com 100 operários; e
de roupas, como a João Carvalho & Cia, com 94 operários (C.I.B, 1909:9-
13).
Sabe-se que no início da industrialização, nos séculos XVIII e XIX, a mão de obra
feminina e infantil foi largamente explorada. Em Salvador, a indústria têxtil era o ramo
fabril por excelência e as mulheres tinham participação fundamental na composição do
operariado industrial da cidade conforme Mário Augusto Silva:
no período de 1890-1930, o emprego da mão-de-obra feminina e infantil
passou a assumir um significado crescente, e o mais interessante é que em
1920, dentre os trabalhadores da indústria, 42% eram mulheres. Elas tinham
pequena participação em todos os ramos, mas eram maioria esmagadora no
setor de ‘vestuário e toucador’ (72%), e no têxtil com 63% (SANTOS,1992,
p.261-262).
Com estas características do operariado têxtil, e sendo Plataforma um bairro
proletário significativo desse processo industrial, são inúmeras as histórias contadas
pelas mulheres de várias gerações sobre suas experiências como operárias, como revela
esta, que trabalhou até o fechamento da fábrica na década de 1970: “Comecei a
trabalhar aos 10 anos e precisava de um banco para alcançar as máquinas. Preparava a
comida cedo e na hora do almoço saía correndo para dar almoço aos meus filhos e meu
marido e depois voltar correndo para trabalhar.Os maiores cuidavam dos menores”77.
Os estudos de Cecília Sardenberg (1997b) mostram que essa memória não se revela
uníssona e sim polifônica:
Ela se mostra diferente para as diferentes gerações de trabalhadores e, no
particular, recortada em termos de gênero, refletindo a experiência operária
distinta de homens e mulheres na fábrica, no próprio bairro e, principalmente
nos movimentos grevistas, instância em que as mulheres tiveram apenas uma
participação marginal. Assim, enquanto os homens guardam uma memória
‘heróica’ dessas lutas, a memória social das mulheres nesse tocante, revela-se
fragmentada, contraditória e, não raro, negativa ou mesmo ‘anti-heróica’.
Para elas, o que parece ter ficado registrado são imagens da violência
perpetrada contra a comunidade durante as greves, sobretudo instâncias de
vitimação de mulheres (SARDENBERG, 1997b, p.149-50).
Para a autora, isso se coaduna com as lembranças da vida da fábrica, pois as
mulheres, mais que os homens, conservam, na memória, detalhes vivos de acidentes
verificados no trabalho, as condições bastante insalubres sob as quais se viam obrigadas
a trabalhar e atos despóticos dos supervisores contra os seus subordinados.
“Surpreendentemente são as mulheres que recordam, com maior nostalgia e saudades,
não apenas a vida no bairro enquanto vila operária como também seu trabalho na

77
Cf Agenor Garcia, Antonia Garcia e Carolina Carvalho (1999).
243

fábrica, idealizando esse passado operário como a melhor época de suas


vidas”(SARDENBERG,1997b, p. 149-50).

Através de conexões possíveis entre passado e presente, passamos a analisar este


bairro e suas singularidades, centralizando a questão racial, embora não tenhamos o
recorte de gênero que é fundamental na organização espacial do bairro e,
necessariamente reaparece, como veremos pelo papel central da mulher nas lutas
urbanas.

5.2 O Retrato Racial de Plataforma no Contexto Suburbano: Composição Sócio-


Racial

Histórica e contemporaneamente, o Subúrbio Ferroviário é uma área bastante


homogênea, tanto no aspecto das classes sociais, como na sua composição racial, visto
que, do que se conhece da sua evolução urbana, não houve expressivas transformações,
diferentemente do que ocorre na maioria dos bairros da Orla Atântica. Na atual
composição racial, o Subúrbio Ferroviário tem alta densidade negra em todas as AEDs,
como vimos no Capítulo 4, características históricas que permanecem. Desse modo, é
uma área que tem as mesmas características raciais, econômicas, culturais e políticas de
grande parte da cidade, da maioria dos bairros populares de Salvador, talvez com a
diferença de uma forte identidade como Subúrbio Ferroviário. Ser suburbano em
Salvador é ser morador desta área, principalmente.

A composição racial de Plataforma, na divisão territorial por AED, mostra a


hegemonia negra, com 84% de negros e apenas 14% de brancos (Figura 3). Índios e
amarelos são categorias estatisticamente pouco expressivas. Esta hegemonia, entretanto,
não impede, como na cidade no seu conjunto, que haja hierarquias raciais, apenas um
pouco mais brandas, em alguns aspectos, que na escala mais elevada.
244

Figura 3 – População por Cor ou Raça

Amarela; 0%
Indígena; 1%
Ignorado; 1%
Branca; 14%

Negra; 84%

Fonte: Elaboração própria, a partir de dados do IBGE (2000).

Plataforma se desenvolveu como bairro eminentemente negro e operário, vivendo


até hoje os impactos negativos da decadência industrial do modelo de desenvolvimento
do século XIX. Atualmente, com o processo de decadência, tanto da fábrica que fechou
no final da década de 1960 (1969), como da ferrovia que sobrevive de forma
precaríssima embora tenha sido privatizada com a promessa de revitalização. Sofre com
a perda de outros equipamentos de consumo coletivos, como hidrovia, cinema e o
sistemático descaso das políticas urbanas.

Por ser um bairro formado à margem da Baía de Todos os Santos (Mapa 55),
havia um terminal hidroviário, que fazia a ligação à Península de Itapagipe/Ribeira,
bairro de classe média intermediária78, para onde se deslocavam os moradores em busca
de empregos domésticos e lavagem de roupa, além de escola, principalmente do 2°
grau, que custou a ser ali instalada. Como outros equipamentos que existiram no
passado, este também foi desativado, reduzindo assim ainda mais as fontes de
empregos, mesmo precárias, acesso à escola e ao lazer. O processo de decadência
atingiu também outros equipamentos de consumo coletivo, como o cine-teatro,
construído em 1940 pelo Círculo Operário, clubes sociais e a sociabilidade produzida
pela ligação do bairro com outras localidades na Baía de Todos os Santos, através da
hidrovia (foto anexa das ruínas da fábrica e casas do entorno). Note-se, contudo, que ao

78
Esta informação está defasada, já que após vinte anos a Prefeitura atendendo as históricas
reivindicações dos moradores fez recentemente a recuperação das estações ferroviária e hidroviária. O
mesmo aconteceu com o cine-teatro. Note-se contudo que a tese foi defendida em 2006 e do ponto de
vista dos empregos a situação não foi alterada substancialmente, visto que Itapagipe ainda é uma área
estagnada.
245

fechar esta tese (2006), finalmente inicia-se um processo de recuperação da estação


ferroviária e hidroviária além do cine-teatro.

Mapa 55 – Localização de Plataforma

5.3 Religião e Raça

No período colonial, a organização do território tinha como um dos seus


principais agentes a Igreja e o Estado, e isso não foi diferente em Plataforma, onde “os
jesuítas fundaram a aldeia de São João, em 1566, construindo igreja e residência. Em
1572, Lázaro Arévolo doou a capela de Nossa Sra. de Escada aos Jesuítas” (SIC
(1975:96), apud, VASCONCELOS, 2002, p. 69 ). Durante a Invasão Holandesa na
Bahia, Itapagipe, Subúrbio, e Plataforma em particular foram palco da disputa entre
portugueses e holandeses. De acordo com TAVARES, (2001, p.144), em 8 de abril de
1638, a cidade de Salvador foi atacada pelo conde Maurício de Nassau com trinta
navios, 3.600 soldaddos e mil indios e “dirigiu a expedição que comandava para a
enseada da Ribeira, um braço de mar fechado onde estabeleceu acampamento defronte
das capelas de São Brás e de Nossa Senhora de Escada”.

A igreja de São Brás está situada na praça principal do mesmo nome, e é o marco
desta igreja historicamente hegemônica, e que assim continua, embora com menos
246

poder que no período referido. Como em Salvador, a religião dominante no bairros é a


católica (46,4%), embora não tenha uma maioria tão expressiva quanto na cidade, que
chega a abrigar 62% de católicos.

Ao contrário do que se poderia imaginar, os que mais competem com a religão


católica são os sem religião, que representam 31%, e não os evangélicos, que ficam na
terceira posição (agregação de todas as correntes, como foi feito para a cidade), e
correspondem a apenas 20,9%. As religiões de origem africana, que englobam
umbanda, quimbanda, candomblé de caboclo, assim como as manifestações de múltipla
religiosidade afrobrasileira, com outras religiosidades, são pouco expressivas do ponto
de vista estatístico (Tabela 26). Contudo, no bairro existem, pelo menos, 28 terreiros e
sessões de giro das nações angola, congo, jeje e ketu79, um número um pouco acima do
Curuzu, na área da Liberdade, com 27 terreiros, considerada de maior identidade racial,
segundo os movimentos negros, e onde fica a sede de um dos mais famosos grupos de
organização étnica de Salvador: o Ilê Aiyê.

Ao contrário das outras religiões, com seus templos ligados à cultura ocidental,
para as de origem africana o parque São Bartolomeu, reserva de mata atlântica, com
belas cachoeiras (Nanã, Oxum, etc), é um santuário dos cultos afro-baianos. Este lugar,
de grande beleza e importâcia histórica, a partir dos anos 1960, sofre um processo de
degradação, tendo como conseqüências mais visíveis a expansão dos bairros da
periferia, e o surgimento de inúmeras ocupações no seu entorno. Este santuário das
religiões de matrizes africanas e de episódios importantes da história da Bahia e do
Brasil não tem sido priorizado pelo poder público, apesar dos vários projetos
apresentados, inclusive por diversos movimentos sociais, em parceria com os
representantes dos cultos afrobaianos.

A Tabela 26, portanto, não traduz a realidade dos adeptos das religiões de
matrizes africanas no bairro, da mesma forma que não revela a dinâmica das tradições
de uma rede de cultura popular. Por outro lado, os evangélicos, que têm muita
visibilidade, embora com estruturas mais simples e menos hierarquizadas que a religião
católica, ficam com 20% de adeptos e, portanto, abaixo dos sem religião (31%), como já
assinalado. O alto percentual dos “sem religião” talvez se deva ao medo da

79
Cf. Sandro dos Santos Correia (1998). Também o mapeamento de terreiros realizado pelo CEAO por
solicitação da Secretaria Municipal da Reparação (SEMUR), em 2007, mostra que Plataforma lidera o
número de terreiros na cidade.
247

discriminação dos adeptos de outros cultos afrobrasileiros na afirmação de seu


pertencimento religioso ou mesmo decepção com todas as religiões. O silêncio pode
estar relacionado a um passado de perseguições, que deixa sua marca na falta de ousadia
de muitos afrodescendentes em enfrentar e denunciar a discriminação e intolerância
religiosa.

Tabela 26– Religião por Cor ou Raça – Plataforma - Salvador

Tipos de Cor ou raça Total


Religião Branca % Negra % Total %
Católica 1.393 44,5% 8.579 46,7% 9.972 46,4%
Sem religião 879 28,1% 5.788 31,5% 6.667 31,0%
Evangélica 783 25,0% 3.708 20,2% 4.491 20,9%
Outras 22 0,7% 195 1,1% 217 1,0%
Candomblé 10 0,3% 60 0,3% 70 0,3%
Espírita 29 0,9% 34 0,2% 63 0,3%
Umbanda 12 0,4% 9 0,1% 21 0,1%
Total 3.128 100,0% 18.373 100,0% 21.501 100,0%
Fonte: Elaboração própria, a partir de dados do IBGE (2000).

5.4 Posição na Ocupação

Como vimos anteriormente, a classe trabalhadora de Plataforma tem ou teve como


principal mercado de trabalho a indústria têxtil e de calçados. A Tabela 27 mostra que,
atualmente, os principais grupos de ocupação do bairro são: serviços e comércio
(45,2%), seguidos do proletariado industrial, com 22,8,% dos ocupados; na terceira
posição, os trabalhadores de serviços administrativos (14,5%). Os trabalhadores
técnicos de nível médio compõem-se de apenas 8,3%, formando a quarta posição da
força de trabalho do bairro. A distribuição desta força de trabalho, por cor ou raça,
mostra diferenças importantes, embora o bairro seja, do ponto de vista das classes
sociais, caracterizado como um bairro proletário-popular. Desse modo, os trabalhadores
negros são maioria no serviço e no comércio, com 47,0%, e 23,8% do proletariado
industrial, enquanto os brancos são 34,4% e 16,5% nesta categoria.

Na categoria de técnico de nível médio, os negros compõem um grupo


ligeiramente maior, com 8,4%, contra os 7,9% dos brancos, enquanto entre os
profissionais das ciências e das artes os negros são minoria (1,6% contra 2,4% dos
brancos). No que se refere aos gerentes negros e brancos, a pequena vantagem é do
negro (1,3% e 1,0%, respectivamente). Embora nesta categoria a disparidade entre
brancos e negros não ocorra no grau que acontece na cidade, como é esperado, já que é
248

um bairro mais homogêneo, mesmo assim nota-se que existe alguma hierarquia
ocupacional, posto que os brancos ocupam posições mais valorizadas, a exemplo dos
profissionais das ciências e das artes, e são amplamente majoritários como trabalhadores
administrativos (33,4% contra apenas 11,3%, a maior disparidade encontrada neste
indicador).

Tabela 27 – Ocupação por Cor ou Raça - Plataforma

Cor ou raça
Ocupação Total
Branca Negra
Setor serviço e comércio 319 34,4% 2.551 47,0% 2.870 45,2%
Setor secundário 153 16,5% 1.293 23,8% 1.446 22,8%
Trabalhadores administrativos 310 33,4% 612 11,3% 922 14,5%
Técnicos de nível médio 74 7,9% 454 8,4% 527 8,3%
Trabalhadores em manutenção 20 2,2% 158 2,9% 178 2,8%
Profissionais das ciências e artes 22 2,4% 88 1,6% 110 1,7%
Militares 83 1,5% 83 1,3%
Gerentes 9 1,0% 73 1,3% 82 1,3%
Trabalhadores do setor primário 21 2,2% 53 1,0% 74 1,2%
Ocupações mal especificadas 63 1,2% 63 1,0%
Total 927 100,0% 5.428 100,0% 6.355 100,0%
Fonte: Elaboração própria, a partir de dados do IBGE (2000).

Note-se também a ausência dos brancos nas categorias militares e profissões mal
definidas. O primeiro caso revela que os brancos, de média ou alta hierarquia militar,
geralmente branca, não moram no bairro. Do outro lado, a presença de negros nas
profissões mal definidas significa maior precariedade nas relações de trabalho, uma vez
que a ocupação se refere ao trabalho principal, de acordo com o IBGE/2000, e eles são
majoritários nesta situação.

No que se refere à posição na ocupação (Tabela 28), o bairro tem como principais
situações: trabalhador com carteira assinada (49,8%), conta própria (22,3%) e
trabalhador sem carteira assinada, o que mostra que as condições atuais do mercado de
trabalho são muito precárias para a maioria dos trabalhadores, na medida em que 49,8%
dos que trabalhavam no período pesquisado pelo Censo IBGE/2000 tinham carteira de
trabalho assinada, enquanto 15,8% dos empregados não eram formalizados. Juntando-os
aos empregados domésticos, sem carteira assinada, que representam 7,9%, aos
aprendizes ou estagiários sem remuneração, com 0,6% e aos não remunerados que
ajudam membros do domicílio, temos 0,5%, perfazendo 24,7% da força de trabalho
composta por negros em condições mais precárias.

A análise desagregada por cor ou raça, contudo, mostra a discriminação racial, na


medida em que os trabalhadores negros são apenas 47% dos que têm uma situação de
249

legalidade trabalhista, enquanto os trabalhadores brancos são 63,3%. Além disso, os


trabalhadores negros são maioria entre os sem carteira assinada (16,9% e 9,5%,
respectivamente), e também maioria entre os que estão em atividades não remuneradas,
como aprendizes ou estagiários. Embora os brancos estejam ligeiramente em
desvantagem, em relação aos negros, no que se refere aos trabalhadores domésticos sem
carteira assinada (8,1% e 7,8%, respectivamente), de um lado, do outro os que estão
com carteira assinada representem 0,5% contra 2,9% dos negros, no conjunto a
desigualdade é evidenciada. Sabe-se, entretanto, que esta é a ocupação mais
desvalorizada na sociedade, e a de pior remuneração, o que pode explicar esta aparente
vantagem dos últimos.

No caso dos empregadores, ao contrário do conjunto da cidade, os negros são


maioria, em Plataforma, com o dobro de efetivos dos brancos mas, em termos relativos,
minoria (1,0% de brancos e apenas 0,3% de negros), embora seja uma categoria de
pouca expressão no bairro, onde existem estabelecimentos comerciais de pequeno e
médio portes (bares, vendas, pequenas lojas, padarias, mini-supermercado, escolas
particulares, um supermercado de uma grande rede). Excluída esta rede, cujo dono não
mora no bairro, os poucos empregadores são aqueles de pequeno e médio porte.
Provavelmente, a julgar pela estratificação racial que temos analisado para o conjunto
da cidade, os poucos empresários negros do bairro são principalmente os pequenos
comerciantes. Mas não deixa de ser uma marca de Plataforma, diferente do perfil de
Salvador, em que mesmo as categorias como empregadores e gerentes são negros.

As trajetórias e perfis dos empresários negros mereceria um estudo qualitativo,


para analisar se o fator escolaridade, como acontece no caso dos profissionais liberais, é
um critério determinante na sua ascensão social e sua relação com o bairro, pois como
vimos na escala intra-urbana, há uma tendência dos que têm maior capital social a
morar nos espaços mais valorizados da cidade, o que nos faz crer que este pequeno
grupo faça parte da baixa hierarquia do empresariado.

A proporção dos ocupados inseridos nas atividades por conta própria indica que
esta é a segunda maior categoria daqueles que moram no bairro, o que mostra que parte
significativa dos trabalhadores vivem na informalidade. Somando-se as ocupações
conta-própria (22,3%), sem carteira assinada (15,8%), trabalhador doméstico sem
carteira assinada (7,9%), aprendiz ou estagiário (0,8%), os que ajudam membros do
domicílio (0,4%) e os que fazem produção para o próprio consumo (0,2%), chega-se a
250

47,4%; verifica-se que quase metade dos trabalhadores vivem na informalidade. A


análise desagregada em termos raciais confirma a tendência intra-urbana, posto que a
inserção dos negros no mercado de trabalho ocorre em postos de trabalho mais precários
e, conseqüentemente, vai refletir-se na cobertura previdenciária (Tabela 29). Embora o
contingente de negros com carteira assinada seja mais de quatro vezes superior ao dos
brancos, em termos relativos vê-se que são eles que conhecem o maior nivel de
informalidade. Mesmo quando originários de um mesmo “bairro negro”, um trabalhador
branco tem mais chances de conseguir que sua carteira seja assinada, o que é um
siginificativo sinal de discriminação racial no mercado de trabalho com reflexo na
moradia, pois todos têm vontade de ver sua carteira assinada.

Tabela 28 – Posição na Ocupação por Cor ou Raça - Plataforma

Posição na Ocupação Cor ou raça Total


Branca Negra
Empregado com carteira de assinada 586 63,3% 2.580 47,5% 3.167 49,8%
Conta-própria 152 16,4% 1.266 23,3% 1.418 22,3%
Empregado sem carteira assinada 88 9,5% 917 16,9% 1.006 15,8%
Doméstico sem carteira assinada 75 8,1% 426 7,8% 501 7,9%
Doméstico com carteira assinada 5 0,5% 159 2,9% 163 2,6%
Aprendiz ou estagiário não-remunerado 37 0,7% 37 0,6%
Empregador 9 1,0% 19 0,3% 28 0,4%
Ajuda a membro do domicílio 25 0,5% 25 0,4%
Produção próprio consumo 12 1,3% 12 0,2%
Total 927 100,0% 5.428 100,0% 6.355 100,0%
Fonte: Elaboração própria, a partir de dados do IBGE (2000).

Comparando-se as Tabela 28 e Tabela 29, verifica-se que a ocupação relacionada


ao perfil de contribuição previdenciária da População Economicamente Ativa (PEA)
revela que há muito poucos contribuintes (11,4%), resultado, provavelmente, do quadro
anterior, de grande informalidade das ocupações. Analisando esse quadro, com o recorte
racial, percebe-se uma diferença significativa entre brancos e negros, já que 16,8% dos
brancos e apenas 10,8% dos negros são contribuintes. Desse modo, o perfil da
população ocupada reflete a conjuntura atual de flexibilidade no mercado de trabalho e
da conseqüente precarização dos direitos trabalhistas, aumento da informalidade, e,
mesmo majoritários no mercado, são os negros as maiores vítimas das transformações
capitalistas ocorridas nos últimos anos. O índice de 90% de não contribuintes para a
Previdência Social é alarmante.
251

Tabela 29 – Previdência Social por Cor ou Raça - Plataforma

Cor ou raça
INSS Branca Negra Total

Contribuinte 53 16,8% 271 10,8% 323 11,4%


Não contribuinte 262 83,2% 2.240 89,2% 2.501 88,6%
Total 314 100,0% 2.510 100,0% 2.825 100,0%
Fonte: Elaboração própria, a partir de dados do IBGE (2000).

5.5 Cor e Renda Domiciliar

O nível de renda de Plataforma é muito baixo e reflete a inserção da classe


trabalhadora no patamar inferior do mercado de trabalho, como visto anteriormente. A
distribuição da população ocupada por faixa de rendimento (Tabela 30), evidencia um
quadro de pobreza grave, tendo em vista que o bairro possui um expressivo número de
pessoas sem nenhuma renda domiciliar (1629 ou 7,6%), 13,4% e 20,1% que compõem
as faixas até um salário mínimo e de 1 a 2 salários mínimos, acumulando assim, 41,1%
dos domicílios que dispõem de renda inferior a 2 salários mínimos para satisfazer as
necessidades básicas.

Tabela 30 – Renda Domiciliar por Cor ou Raça - Plataforma

Cor ou raça
Renda Domiciliar Total
Branca Negra
Sem rendimento 303 9,7% 1.326 7,2% 1.629 7,6%
Até 1 SM 406 13,0% 2.477 13,5% 2.883 13,4%
De 1 a 2 SM 636 20,3% 3.696 20,1% 4.332 20,1%
De 2 a 3 SM 415 13,3% 3.010 16,4% 3.425 15,9%
De 3 a 5 SM 609 19,5% 3.895 21,2% 4.504 20,9%
De 5 a 10 SM 555 17,7% 2.714 14,8% 3.269 15,2%
De 10 a 20 SM 161 5,1% 1.114 6,1% 1.275 5,9%
Mais de 20 SM 44 1,4% 141 0,8% 185 0,9%
Total 3.128 100,0% 18.373 100,0% 21.501 100,0%
Fonte: Elaboração própria, a partir de dados do IBGE (2000).

Curiosamente, desagregando por cor ou raça a renda domiciliar, os brancos são


ligeiramente mais pobres que os negros, na medida em que constituem, relativamente,
9,7% dos domicílios sem rendimentos, enquanto os domicílios negros são 7,2% e,
significativamente, próximos dos negros nas faixas até dois salários mínimos. Todavia,
na faixa de 2 a 3 salários mínimos, os negros têm um contingente sete vezes superior,
mas apresentam um percentual de 16,4% contra os 13,3% dos brancos. A situação nas
demais faixas se revela bastante diferenciada e desigual nesta distribuição. A proporção
de domicílios negros nas faixas de 3 a 5 salários supera os domicílios de brancos (21,2%
252

contra 19,5%) e estes superam os de negros nas faixas mais elevadas, de 5 a 10 (17,7%
e 14,8%), e de mais de 20 (5,1% e 0,8%). Os domicílios habitados pelos negros,
entretanto, têm ligeira vantagem, de um ponto percentual, na faixa de rendimento de 10
a 20 salários mínimos. Constata-se, portanto, que os brancos de Plataforma são
socialmente, por nível de renda, bem próximos dos negros do bairro, acentuando-se a
especificidade do bairro no espaço urbano como um todo. Este fato também revela a
importância das análises micro-sociais.

Quando se considera a distribuição racial dos rendimentos, no conjunto, pode-se


observar que, apesar das pequenas variações, a desigualdade entre brancos e negros se
mantém, como em outros indicadores, pois os negros estão concentrados nas faixas de
rendimentos de 2 a 3 e de 3 a 5, e os brancos, nas faixas mais elevadas (5 a 10 e mais
de 20 salários), em situação de equivalência, nas faixas de até 1 e 1 a 2. salários
mínimos. Levando-se em consideração o critério da renda de mais 20 salários mínimos,
cerca de R$3.020,00, 0,9% da população se encaixa nesse patamar, ou seja, menos de
1% dos moradores está nesta condição. Mesmo nesse universo, os negros só atingem tal
patamar em 0,8% dos casos, enquanto os brancos, em 1,4%, numa proporção quase
dobrada. Isto nos revela também que Plataforma conhece uma população de brancos nos
extremos do espaço social. A diferença favorável aos negros na faixa de 10 a 20 é de
apenas um ponto percentual, o que mostra que a classe média branca é maior do que a
negra, embora os negros sejam 84% da população total do bairro, como visto
anteriormente.

5.6 Situação Educacional da População

A análise da situação cultural do bairro seguirá a hierarquia educacional do estudo


geral, em alguns aspectos apenas: a rede de ensino e a distribuição dos matriculados por
cor e anos de estudo. No que diz respeito aos equipamentos escolares, Plataforma está
entre os bairros do Subúrbio que sempre teve na pauta de reivindicações dos seus
moradores a educação, tanto do ponto de vista dos equipamentos, sempre insuficientes
para atender a demanda, como a qualidade de ensino. Este fato é tão importante que
originou a formação da Associação de Mulheres de Plataforma, posteriormente
transformada em Associação dos Moradores de Plataforma - AMPLA80. A AMPLA foi

80
Livreto elaborado para comemoração dos 25 anos da entidade. Sobre a história da entidade ver também
Jornal da FABS, 1985, Castagno (1990) e Mary Garcia Castro & Miriam Abramovay (1998)
253

constituída em 1977), por iniciativa de mulheres do bairro de Plataforma do Subúrbio


Ferroviário de Salvador, cujos filhos estavam ameaçados de uma tragédia porque uma
escola pública estava prestes a desabar. A partir daí tomaram várias outras iniciativas
visando organizar os moradores para reivindicar vários direitos, inclusive de construir
uma creche comunitária que funciona desde 1982 tornou-se um dos importantes
instrumentos de mobilização da comunidade que em geral é confundida com a própria
AMPLA: “vou para a creche”, “festa na creche”, a “assembléia da creche” (GARCIA,
GARCIA e CARVALHO, 2002, p. 21). Mas, como ressalta Castagno (1990, p.58),
embora os diversos problemas e carências do bairro mobilizassem mais o contingente
feminino, às mulheres interessava mobilizar o conjunto dos moradores para reivindicar
seus direitos. Em decorrência disso, em 1981 foi alterada a denominação da
representação para Associação dos Moradores de Plataforma (AMPLA).

De fato, nos anos 1970, com a emergência dos movimentos de resistência


democrática à ditadura militar, de outros sujeitos sociais e políticos na cena brasileira
questionando os limites da forma tradicional de organização dos trabalhadores resulta
na formação de diversos movimentos populares. Nesse contexto, aparecem e
reaparecem os movimentos populares, como o de mulheres, de negros, de gays, e
movimentos sociais urbanos, entre outros.

Em 2008 a Creche Comunitária de Plataforma completa 26 anos de


funcionamento, um dos maiores símbolos das lutas do bairro que, desde o fechamento
da fábrica e da creche improvisada que ela oferecia às operárias, perseguia a idéia de os
filhos das operárias terem um lugar seguro para o seu desenvolvimento.

Desse modo, a AMPLA influenciada também por um amplo movimento das


mulheres brasileiras, concretizou um sonho, refletindo o clima de mobilização popular
das conjunturas nacional e local. Posteriormente, as mulheres das associações de
moradores, filiadas à FABS, realizaram o I Encontro Municipal da Mulher, em 1983,
que reuniu mais de 200 pessoas, principalmente da periferia de Salvador. Naquele
encontro foi lançada a Campanha Unificada por Creches, coordenada pela Comissão de
Mulher da FABS e outras entidades femininas e feministas. Em decorrência deste
movimento, foram construídas várias creches comunitárias, que até hoje se constituem
como um símbolo da luta das mulheres das classes populares. De acordo com uma
pesquisa realizada pelo NEIM– Núcleo de Estudos sobre a Mulher, da Universidade
Federal da Bahia, por solicitação da FABS e do Centro da Mulher Suburbana, das 40
254

creches com data de criação identificada, 39 surgiram na década de 1980. Dentre elas,
27 foram criadas a partir de 1987, período de campanha para as eleições municipais,
época em que a FABS obteve um financiamento para a construção de creches. Destas
27,, 19 foram criadas por associações de moradores, três por clubes de mães, três por
igrejas e duas por outras entidades não especificadas (COSTA, 1991, p.53).

No que diz respeito à situação educacional contemporânea, a Tabela 31 mostra


que a população estudantil pertence, majoritariamente, à rede de ensino pública (74,9%
contra 25,1 da rede privada). A rede pública local é composta por escolas municipais ou
municipalizadas e uma escola estadual, que atende os alunos do ensino médio, enquanto
a rede privada tem algumas escolas mais estruturadas, mas todas adaptação de casas, e a
maioria formada em pequenas salas de professores, muitas vezes leigos. Analisando-se
os matriculados do ponto de vista racial, verifica-se que os negros são maioria entre os
estudantes da rede pública, com 76,4% contra 66,7% dos estudantes brancos, tendência
verificada na escala intra-urbana. Comparando-se, todavia, esta distribuição, com a rede
da cidade, nota-se um distância racial menor, com cerca de 10 pontos percentuais contra
os quase 30 da cidade (ver capítulo 5). Decorrem disso, certamente, as características
locais de um bairro muito homogêneo em termos, tanto das classes sociais, como de sua
alta densidade negra, ainda que existam estratificações entre as raças, mesmo sendo um
bairro operário-popular.

Tabela 31 – Rede de Ensino por Cor ou Raça - Plataforma

Cor ou raça
Rede de Ensino Total
Branca Negra
Rede pública 787 66,7% 4.773 76,4% 5.560 74,9%
Rede particular 393 33,3% 1.471 23,6% 1.864 25,1%
Total 1.180 100,0% 6.244 100,0% 7.424 100,0%
Fonte: Elaboração própria, a partir de IBGE (2000).

Sabe-se que, em geral, a rede particular de ensino tem como clientela principal as
classes de maior poder aquisitivo. Aqui, de alguma forma, esta lógica prevalece, no
entanto, é preciso observar as características próprias do bairro, pois muitas das escolas
privadas, sobretudo pré-escolas, são improvisações de salas em casa de professores,
geralmente leigos. Isto significa que a ausência de políticas públicas é preenchida nos
bairros populares por um mercado que oferece condições muito mais precárias do que o
próprio poder público, com conseqüências graves para a formação da população,
incluindo o aprofundamento da desigualdade racial.
255

De alguma forma, mesmo com a precariedade que se conhece, as escolas públicas


localizadas em áreas mais pobres e distantes do centro são melhores que a maioria das
escolas da rede privada, como se pode deduzir da afirmação da diretora81 da escola
municipal que, com orgulho falou das suas características:
O corpo docente da unidade escolar é constituído por graduados nas diversas
áreas e uma parcela significativa deste, tem pós-graduação em sua área de
trabalho, e 5% dos educadores exercem regência de classe, numa carga
horária de 40 horas semanais neste colégio. A maioria dos professores e da
direção da escola é composta por negro e afrodescendentes, e o número de
brancos é inferior a 3%” (Depoimento da diretora da escola Municipal, 2005).
Quanto às características do corpo discente os pais dos alunos afirma a mesma
diretora:
O corpo discente é formado por alunos de classe baixa (quase totalidade).
Muitos sobrevivem da pesca e da venda destes produtos. A ocupação dos pais
é a mesmo da maioria dos habitantes da localidade, através do mercado
informal. Muitos realizam a pesca e vendem ali mesmo a preços irrisórios.
Esta impressão decorre do fato de o bairro ser o ponto de convergência dos que
têm na pesca e na mariscagem uma das estratégias de sobrevivência na “Baía de Todos
os Pobres”, que nas marés baixas forma quase uma ponte humana entre o bairro e a
Ribeira, na península de Itapagipe, com pessoas vindas dos vários bairros do Subúrbio,
e também de fora. Embora suas estatísticas não expressem exatamente o que mostra o
censo IBGE/2000 (tabelas anteriores), é interessante observar a percepção desta pessoa,
que dirige uma das importantes instituições do bairro.

Sobre um conhecimento mais exato das características do sistema educacional


brasileiro, desse público ao qual se refere a diretora, o censo escolar 2005, realizado
pelo INEP/MEC, pela primeira vez coleta informações sobre cor/raça dos estudantes
brasileiros. Este censo, que trouxe muitas controvérsias, como já vimos anteriormente,
traça um retrato racial muito importante para subsidiar as políticas públicas, no sentido
de superar as desigualdades raciais e promover a verdadeira igualdade entre os
brasileiros em sua grande diversidade. A coleta foi por autodeclaração, e a metodologia
adotada segue os critérios do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE):
preto, pardo, branco, amarelo ou indígena. Para isso, os técnicos do INEP consultaram
os movimentos negros, e a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade
Racial (Seppir), inclusive sobre a adoção do termo “preto” em vez de “negro”, no

81
É diretora da Escola Municipal de Plataforma, cargo eleito que resultou de uma das conquistas
importantes das lutas do movimento de professores, com apoio do movimento de bairro, que livrou a
educação do extremo clientelismo que dominou as indicações políticas para diretores de escola. Trata-se
de um relatório manuscrito que a diretora ofereceu à autora, depois da entrevista em 2005.
256

questionário. O subsecretário de Políticas de Ações Afirmativas da Seppir (Governo


Federal), João Nogueira, explica a opção: “Esses princípios são adotados desde o século
XIX pelos órgãos oficiais e, se mantidos, preservam a continuidade da série histórica”
(INEP/MEC/30 de março 2005).

Com o resultado do referido censo, divulgado pelo (INEP/MEC/2006, pode-se


analisar o retrato racial dos estudantes brasileiros. Por autodeclaração, os pardos são
maioria (40,5%) nas matrículas das escolas públicas de ensino fundamental e médio.
Segundo o INEP/MEC, os dados foram obtidos mediante pergunta feita aos próprios
alunos ou a seus pais, que respondem livremente, sem a interferência de professores ou
de dirigentes escolares. Do total de 38.091.505 alunos registrados nestes dois níveis de
ensino, 12.071.698 (31,7%) se consideram brancos; 3.215.191 (8,4%), pretos; 462.275
(1,2%), amarelos; 310.219 (0,8%), indígenas; e 6.602.211 não declararam sua cor ou
raça (INEP/MEC/30 de março 2006). Por outro lado, nas escolas particulares de ensino
fundamental e médio, 51,1% (2.285.047) dos 4.474.358 estudantes matriculados se
consideram brancos. Os alunos que se autodeclararam pardos representaram 22,2%
(993.501) do total de matrículas e os pretos, 4,1% (182.144). Já os amarelos respondem
por 1,8% (78.768) das vagas ocupadas e os indígenas, por apenas 0,2% (8.546).

Tabela 32 – Anos de Estudo por Cor ou Raça - Plataforma

Cor ou raça
Total
Anos de estudo Branca Negra
De 1 a 4 anos 729 29,1% 5.199 35,5% 5.928 34,6%
De 5 a 8 anos 921 36,8% 5.135 35,1% 6.057 35,4%
De 9 a 11 anos 788 31,5% 4.169 28,5% 4.957 28,9%
De 12 a 16 anos 56 2,2% 122 0,8% 178 1,0%
17 ou mais anos 10 0,4% 10 0,1%
Total 2.504 100,0% 14.626 100,0% 17.130 100,0%
Fonte: Elaboração própria, a partir de IBGE (2000).

Embora a nossa agregação e a escala não sejam as mesmas, os dados, sobre o


sistema educaional brasileiro do INEP/MEC, confirmam a importância do recorte racial
nos estudos, em diferentes escalas, para orientar as políticas públicas de combate às
desigualdades raciais.

No nível de escolaridade por ano de estudo, o bairro se caracteriza como de baixa


escolaridade, considerando-se que 70,0% da população está nas faixas de 1 a 4 e 5 a 8
anos de estudo, e apenas 28,9% , na faixa de 9 a 11 anos de estudo, o que corresponde à
última série concluída com aprovação no nível mais elevado que a pessoa de 5 anos ou
mais de idade estava freqüentando, ou havia freqüentado, de acordo com os critérios do
257

IBGE. Ou seja, por estes critérios, aqueles que concluíram a primeira série do ensino
médio, até os que concluíram, no mínimo a terceira série, e no máximo a quarta série do
segundo grau, estão neste grupo. No nível superior, chega-se apenas a 1,0% e os que
têm pós-graduação são quase invisíveis (Tabela 32). São recorrentes as analises
acadêmicas e políticas de que a escolaridade é fundamental na sociedade do
conhecimento para o acesso a vários bens, inclusive a chegada de negros à classe média,
que é pequena, na cidade, e particularmente no bairro, como mostram os dados.

Contudo, de um lado, isso significa que os estudos, longe de mostrarem uma


mudança profunda na estrutura socioeconômica brasileira, onde cor de pele não teria
mais uma influência predominante nos mecanismos de ascensão, provam o contrário.
Por outro lado, reforçam a importância das ações afirmativas, pois a mobilidade tem na
educação um aspecto determinante, embora não seja remédio para todos os problemas
da população negra.

De acordo com Castagno (1990, p.89) a falta e precariedade dos meios de


consumo coletivo só não são maiores no bairro de Plataforma, porque a AMPLA “desde
1977 passou a organizar e liderar uma série de movimentos coletivos conseguindo
atendimento para algumas das suas demandas por parte do Estado, e em paralelo, criou
e passou a gerir determinados serviços de uso coletivo, como creche e pré-escola
comunitárias”. De fato, esta associação continua lutando em várias frentes, por um
bairro de melhor qualidade de vida.

5.7 Moradia Desigualdades Raciais e Segregação

O quadro anterior nos mostra o perfil da classe trabalhadora de Plataforma, bem


caracterizada pelo desenvolvimento capitalista selvagem, incluindo seu período
industrial passado, onde o bairro é um bom exemplo disso em todas as suas fases. Neste
contexto, vamos analisar como, historicamente, as duas classes opostas (burguesia e
proletariado), se organizaram e se confrontaram na organização do espaço da moradia.
A história das vilas operárias no Brasil desenvolveu-se, a partir da chegada das estradas
de ferro, e com a instalação das primeiras indústrias no País. As vilas, construídas no
final do século XIX e começo do século XX, caracterizam formas de controle na
transição entre a senzala e outras formas de moradia que o capitalismo industrial
implantou para manter seus empregados sob seu jugo.

Os estudos de José Sérgio Lopes (1979, p. 15) mostram que a variedade de estilos
258

das vilas operárias não altera o objetivo principal de sua existência, ou seja, a
imobilização da força de trabalho. Ele mostra que o modelo de vilas implantadas em
forma de arruado “representa o controle, a vigilância e a observação, mesmo indiretas,
que são características nesse tipo de vila”. Também representa para o gerente a
assiduidade dos operários, sua pontualidade. Em Plataforma, esta estrutura hierárquica
está bem representada, de um lado pelas casas dos gerentes transformadas, atualmente,
em escolas públicas, e pelas casas simples, no entorno da fábrica. E do outro, a estrutura
organizacional da vila que nos reporta ao modelo casa-grande e senzala, nos seus
princípios fundadores.

A primeira vila operária foi fundada em Salvador em 1891 e contava com 258
casas, com modernos equipamentos anexos (Dumêt, 1998:21 apud. VASCONCELOS,
2002, p.266), por iniciativa do de Luiz Tarquínio, filho de lavadeira descendente de
escravos, em Itapagipe, com 1.600 operários (DUMÊT, 1998:21, apud
VASCONCELOS, 2002, p.266). “Idealizou construir fábricas de tecidos com as
melhores máquinas e técnicas existentes na Europa” e construiu vilas operárias com
moradias de tijolos e telhas, área de lazer e escolas para crianças e adultos (TAVARES,
2001, p.366). Disso deduz-se que a construção da vila operária de Plataforma se fez de
uma forma mais espontânea e precária, já que a fábrica São Brás era mais antiga (1875).
A hipótese, baseada nas poucas informações históricas e memória social dos moradores,
sobre a senzala, que se situava muito próxima ao local onde foi construída a fábrica é
que tenha continuado nessa condição por muito tempo, e os libertos tenham construído
seus casebres, pois na memória dos moradores aparecem as “casinhas de palha e
sopapo”. De acordo com uma moradora do Mabaço de Baixo, que nasceu e vive no
bairro: “Tudo aqui era casa de sopapo coberta de palha. Aos poucos fomos
melhorando”. Todavia, de acordo com Rosana Castagno (1990, p. 16), que fez um
estudo de caso sobre o bairro em sua dissertação de mestrado em urbanismo na UFBA,
a Companhia Progresso e União Fabril não assumiu a construção de moradias para os
funcionários, cabendo esta atribuição aos operários. Segundo ela, a empresa limitava-se
a arrendar os seus terrenos, priorizando a ocupação das glebas que julgasse mais
convenientes, ou seja, nas proximidades da fábrica e em alguns trechos ao longo da via
férrea (atual rua dos Ferroviários). Considerando-se, contudo, que alguns moradores são
inquilinos da empresa, é provável que mesmo não sendo organizada como a vila
operária de Itapagipe, a empresa tenha construído algumas casas, ainda no período de
259

implantação da fábrica pelo industrial Almeida Brandão (primeiro proprietário), ou no


decorrer do século XX. O que se pode afirmar é que nas proximidades da fábrica foram
construídas 2 casas de boa qualidade para seus gerentes, e a partir do fechamento da
fábrica transformaram-se em escolas públicas. Atualmente apenas uma delas ainda
abriga uma escola municipal

Ao longo de parte do século XIX, no século XX, e atualmente, as transformações


do bairro de senzala em bairro operário-popular o tipo de moradia sofreu metamorfoses
observáveis na sua paisagem muito similar às favelas de todo Brasil, com lógicas de
ocupação do território e tipos sociais que se opõem.

No duplo papel de empregador e locador de casas e terrenos, no período escravista


e no pós-abolição, a empresa sempre loteava terras pelo regime de aforamento. Recibos
deste pagamento, como provam os moradores, tendo um deles apresentado, na
assembléia da AMPLA, um recibo, com data de 1890 (GARCIA, GARCIA &
CARVALHO). De acordo com Sardenberg (1997a, p. 20), mesmo figurando como a
maior e mais produtiva das fábricas da Companhia União Fabril, a São Brás resistiu só
até 1959, com a demissão de todos os empregados. No ano seguinte, foi reativada, mas
com metade de seus empregados, e fechada novamewnte em 1968, não sendo mais
reativada. Com o fechamento da fábrica, a principal atividade desta empresa passou a
ser a exploração da renda da terra, transformando assim, a luta de classes no âmbito da
fábrica, exclusivamente para o plano da moradia. A coerção da União Fabril, portanto,
continuou, mas sob outras formas.

Desse modo, a transição entre cidade escravista e cidade capitalista, e o


desenvolvimento capitalista industrial, de grande exploração dos trabalhadores e
trabalhadoras, não representou responsabilidade, com a reprodução da força de trabalho.
Como visto nos capítulos anteriores, a moradia tem sido produto da exploração da mais-
valia e em Plataforma não foi diferente. Na atualidade, a conquista da casa própria, que
representa 86,2% entre os moradores (Tabela 33), é resultado de um longo processo de
autoconstrução, e, portanto, de maior exploração capitalista, sobretudo quando se
analisa a Compahia União Fabril da Bahia, que mesmo cessando as atividades fabris,
tem outras formas de manter a exploração e a subordinação da população. Este fato
torna a luta pela moradia, nos bairros que vivem sob esta forma de uso, mais complexa e
com maiores dificuldades do que as invasões, pois a Constituição de 1988, apesar dos
avanços que representa em vários aspectos, garantiu que não cabe usucapião urbano
260

para terras onde há o reconhecimento de um dono.

Tabela 33 – Condição do Domicílio por Cor ou Raça

Cor ou raça
Total
Condição do domicílio
Branca Negra

Próprio, já pago 2.692 86,3% 15.834 86,2% 18.526 86,2%


Próprio, ainda pagando 66 2,1% 116 0,6% 182 0,8%
Outra condição 27 0,9% 172 0,9% 199 0,9%
Cedido de outra forma 43 1,4% 195 1,1% 239 1,1%
Alugado 293 9,4% 2.048 11,1% 2.340 10,9%
Total 3.120 100,0% 18.365 100,0% 21.485 100,0%
Fonte: Elaboração própria, a partir de IBGE (2000).

No binômio trabalho-moradia, que marca especialmente este bairro, ao longo da


sua história decorreram conflitos do capital-trabalho que, no encerramento das
atividades fabris, transformaram-se em conflitos da terra e da moradia, fato que várias
gerações de moradores conhecem muito de perto. A empresa, falida no seu ramo de
atividade principal (têxtil), transformou-se em empresa imobiliária, e desse modo
investe toda a sua atividade lucrativa nas terras; daí, os conflitos trabalhistas
transformaram-se em conflitos imobiliários, como visto anteriormente.

Assim, o crescimento do bairro no capitalismo industrial que caracteriza


Plataforma, tem sua estrutura fundiária de grandes glebas, retidas nas mãos da família
Luiz Martins Catharino Gordilho, sob o regime de enfiteuse ou aforamento, que
predomina nas atuais relações entre esta família e o bairro, sob novos conflitos desde o
fechamento da fábrica. Estes conflitos dos moradores com os donos da ex-fábrica não se
resolveram, nem para os ex-operários que ainda habitam as casas da fábrica, como
locatários, nem para os demais moradores, que construíram suas casas no terreno da
antiga fazenda, sob esse regime que, como vimos no capítulo 3, predominou até quase
o fim da década de 1960, em Salvador, e se mantém intacto, principalmente nas áreas
antigas, controladas por estas famílias e pela igreja católica.

Embora ainda existam ambigüidades nas relações com os ex-patrões da fábrica,


fortalecendo os sentimentos de dependência e gratidão que caracterizam o modelo de
desenvolvimento industrial que dominou a forma de organização do território, os
moradores contestam a propriedade dos terrenos através da AMPLA que, pelo menos há
20 anos, realiza diversas ações nesse sentido. Numa pesquisa realizada pela entidade em
1997, e publicada no livreto sobre seus 25 anos (já citado), que investigou a opinião dos
moradores sobre a questão, as posições são claras quanto ao não reconhecimento do
261

pagamento do foro, e grande desconfiança da forma como a empresa adquiriu tanta terra
e sua legalidade apenas em 1932. Para a pergunta espontânea e única sobre o
pagamento, obteve-se respostas como: “não provam; são ladrões; não são donos; não
fazem benefícios; já pagamos demais”. A consciência difusa dos moradores sobre a
exploração de classe e o uso social da terra tem sustentado a mobilização, por todos
estes anos, e atualmente, chegou ao Judiciário depois de inúmeras derrotas no plano
político-administrativo. Os moradores atribuem este fato ao poder da tradicional família
Catharino Gordilho, que influencia prefeitos, vereadores, deputados, etc, incluindo
principalmente o Judiciário, no qual a família tem muitos advogados, inclusive
professores da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia.

De fato, numa das tentativas de diálogo da AMPLA com a empresa, o seu


presidente, Luiz Martins Catharino Gordilho afirmou: “Até hoje nenhum político foi
contra nossa empresa, que sempre agiu dentro da lei. Além disso, eles todos nos devem,
principalmente, o ex-deputado Lourival Evangelista, que comprou o terreno onde
construiu sua boa casa e nunca pagou”.82 Apelou também para as instituições criadas no
anterior e mantidas pela empresa (igreja, clube, escola), que no processo de dominação
fabril fortaleceram a absorção dos valores burgueses e estilos de vida, como bem
estudadas por José Sérgio Lopes (1979).

Entre as muitas audiências e manifestações, esta reportagem, reproduzida no


livreto AMPLA 25 Anos de Luta pela Cidadania (GARCIA & GARCIA e
CARVALHO), traduz em parte o conflito. De acordo com a matéria:
cansados de audiências, que não resultaram em solução para os problemas da
terra, os moradores encaminharam à Câmara Municipal um abaixo-assinado,
contendo 2.760 assinaturas, pedindo CPI (Comissão Parlamentar de
Inquérito) para investigar as terras das áreas de Pirajá e Plataforma, que são
da União Fabril (Bahia Hoje, 20/04/1994).
Reagindo a mais este movimento, liderado pela FABS e pela AMPLA, o
presidente da empresa, Luiz Martins Catharino Gordilho contesta:
Não queremos nada de ninguém. A prefeita já tem em mãos toda a
documentação de mais de 11 mil terrenos ocupados indevidamente’, afirma
Luiz Catharino que acusa a AMPLA de iludir os moradores com promessas
de posse da terra que que não poderá cumprir, pois a Compahia, fundada em
1932 tem todos os registros das áreas, incluindo os que já foram doados à
Prefeitura e ao Estado (Bahia Hoje, 20/04/1994).
Na realidade, 1932 é a data em que a empresa registrou as terras, um vez que a

82
Na referida reunião ele apresentou à comissão da AMPLA o recibo do ex-deputado do MDB adesista,
um carlista. O deputado ganhou adesão dos moradores sendo reeleito para algumas legislaturas, inclusive
por ter sido um operário da fábrica São Brás.
262

fábrica é de 1875. Este registro, tanto tempo depois, é um dos pontos de contestação dos
moradores, que acreditam em grilagem, o que foi expresso na citada pesquisa de
opinião. Mas, de acordo com Sardenberg (1997, p. 20): “A documentação pertinente à
fusão dá conta de um rico patrimônio no qual se incluíam as vastas extensões de terra
pela cidade, particularmente na área conhecida hoje como Subúrbio Ferroviário, onde se
localiza Plataforma”.

Embora sem apoio jurídico gratuito (todas as tentativas foram feitas), e recursos
para pagar advogados, a entidade não desistiu de lutar, mesmo oscilando entre grandes
mobilizações e refluxos, pela própria magnitude do problema, dos dramas cotidianos
dos que sofrem maior pressão da empresa, que, é claro, também trabalha no campo da
persuasão, com todo o aparato de que dispõe, a AMPLA continua atuante.

No atual estágio da luta pela terra, a AMPLA constituiu uma ação judicial de
Usucapião Especial Coletivo de Imóvel83 assumida por um jovem e destemido
advogado, que também é professor da Faculdade Jorge Amado e tem uma parceria com
a entidade num trabalho de assistência judiciária, que faz parte de um processo de
democratização do judiciário. Numa audiência de conciliação, no Fórum Ruy Barbosa,
em 23.05.05, da qual participei juntamente com os diretores da AMPLA, as diferentes
representações se puseram com todo o ritual do poder que lhe é característico: juiz,
representante do Ministério Público, advogados da empresa de um lado e, do outro,
advogado da AMPLA e seus representantes. Durante o tempo da audiência, os
advogados da empresa desdenhavam da ação, tanto em palavras quanto no olhar que
lançavam sobre os representantes dos moradores. Não houve conciliação, como
previsto, e os advogados da empresa manifestavam bastante certeza na vitória da sua
causa. É relevante dizer que a entidade não aceita legalização das terras que signifique
qualquer indenização para a empresa, seja da parte dos moradores seja pelo poder
público, por entender que estaria, mais uma vez, garantindo mais lucros para a empresa.
No caso das terras de marinha, o governo federal está fazendo a legalização. Resta
encontrar uma solução mais ampla para que os moradores tenham assegurado o “Direito
à Cidade”.

Para os moradores, conseguir, finalmente, uma ação judicial, cuja autora é a


AMPLA e ré, a Compahia Progresso e União Fabril da Bahia, já tem sabor de vitória,
pois esta ação impede a empresa de continuar praticando as muitas arbitrariedades que
83
Tribunal de Justiça da Bahia, processo 552239-5/2004.
263

comete (ameaça de despejos, vendas arbitrárias de quintais e até mesmo casa com
morador, sem conhecimento do próprio, etc.). Além disso, os debates atuais sobre o uso
social do solo urbano desenvolvidos no âmbito da sociedade e do Ministério das
Cidades84, dão mais esperanças aos moradores.

Considerando-se a distribuição racial, quanto à propriedade da casa, não se


observam diferenças entre negros e brancos, na medida em que 86,3 % e 86,2% são
proprietários das próprias casas. A diferença vai acontecer na questão do aluguel, em
que a proporção de negros é maior que a dos brancos (11,1% e 9,4%). Comparando-se
este item com o que ocorre na cidade, verifica-se uma diferença, posto que nesta escala
os brancos são maioria. Neste caso, parece que as características particulares do bairro
exigem explicação que não se aplica à escala maior, na medida em que os dois grupos
têm a mesma condição de casa própria. Se para a cidade, a explicação provável para a
situação dos negros era que as exigências de um mercado formal de aluguéis impunham
barreiras, além de serem eles majoritários, na categoria proprietários, pode ser entendido
o fenômeno pela via da presença expressiva dos negros como operários da fábrica e
históricos moradores das casas da União Fabril (vila operária).

Para Lobato Corrêa (2000, p.16), “os proprietários de terras atuam no sentido de
obterem a maior renda fundiária de suas propriedades, interessando-se em que tenham o
uso mais remunerador possível, especialmente uso comercial ou residencial de status”.
No caso da União Fabril, como não é possível mais a valorização residencial de status,
dado que o Subúrbio Ferroviário é densamente ocupado por pessoas de baixa renda,
apesar da sua beleza natural, porque representaria uma expulsão gigantesca, talvez
intolerável num Estado de direito, usam-se outros mecanismos de coerção. Sem que o
processo urbanização da pobreza, característico do Subúrbio Feroviário, e em particular
de Plataforma, seja facilmente reversível, a empresa utiliza-se da valorização dos
bairros, com a infra-estrutura conseguida por anos e anos para obter lucros, como tem
feito. Ou seja, mesmo que os imóveis sejam populares, a empresa lucra tanto no grau de
urbanização das áreas, como no de todas as melhorias dos imóveis realizadas pelos
inquilinos e pelos que construíram suas casas nos terrenos, que os moradores preferem
dizer “que eles dizem ser deles”. Ou seja, isso significa que o interesse é no valor de

84
Após 13 anos de luta, foi aprovado o primeiro Projeto de Lei de Iniciativa popular que, com mais de
um milhão de assinaturas de apoio, tramitava no Congresso Nacional desde 1993. A Lei Federal n.º
11.124, que institui o Sistema e o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS) e seu
Conselho Gestor, foi regulamentada em 06 de junho de 2006.
264

troca e não no valor de uso (CORRÊA 2000, p.16). Note-se ainda que este processo se
repete em terras de Marinha, que têm uma faixa bastante expressiva onde, inclusive, se
localiza a antiga fábrica.

No que diz respeito aos imóveis de aluguel, em boa parte casas da fábrica, seus
moradores sofrem todo tipo de pressão por parte desta. Tal pressão vai, de ameaças
verbais, com funcionários visitando casa por casa, a aumentos extorsivos dos aluguéis, à
venda das casas, habitadas há décadas por ex-operários e operárias que, por várias
gerações ocupam as mesmas, havendo casos de ocupação por mais de um século. A
estratégia da empresa é avaliar a casa a partir de todas as melhorias feitas no imóvel, até
a valorização da rua, colocando preços que os moradores não conseguem pagar. Muitas
casas têm sido vendidas neste processo. Apenas para citar um exemplo, que consta no
livreto: uma ex-operária aposentada (não pela fábrica, que não cumpria a legislação
trabalhista, como contam ex-operários), conta que a casa ocupada pela família desde o
século XIX, onde passou sua infância teve um aumento de R$5,00 para R$70,00 reais,
quando seu salário era de R$120,00, grande parte gasta em remédios. Isto a levou ao
desespero: “Pensei em me jogar na linha do trem. Mas rezei muito a Deus que me deu
forças e resisti”. Um outro morador, também ex-operário, que construiu sua casinha e
sofre com os constantes aumentos de foro, como os demais moradores, traduziu assim o
impasse, numa das muitas assembléias na sede da AMPLA: “A casa é nossa e eles
dizem que o terreno é deles. Então eles tirem o terreno e deixe nossas casas flutuando”!

Nos anos 1980, numa reunião com o poderoso empresário Luiz Catarino, para
discutir o problema da terra, e de uma invasão em um dos seus terrenos, ele disse à
comissão de moradores: “Eu sempre fui muito bom para Plataforma, vocês é que não
reconhecem. Minha empregada é uma negra muito querida na nossa família”.

Como se vê, a relação casa-grande e senzala é recriada no imaginário e nas


práticas dos que detêm o poder. A “ousadia” dos moradores em questionar a legalidade
dos seus bens imóveis é respondida, evocando o passado de escravidão negra, sugerindo
aos moradores o seu lugar de origem, a sua subordinação absoluta, que não deve ser
rompida.

Um bairro como Plataforma, que tem sua força de trabalho, suas relações sociais
historicamente ligadas a fábrica, ou seja, já teve a maioria de seus moradores ligada em
algum momento de sua vida à experiência de fábrica, atualmente, por todas as
transformações ocorridas no capitalismo contemporâneo não tem no sindicato, a sua
265

forma principal de organização, tornando assim, a organização de moradores um espaço


importante de conquista de direitos para o bairro. Infelizmente, porém, os segmentos da
classe trabalhadora que atuam no sindicato mantêm a dicotomia trabalhador versus
morador, o que enfraquece as lutas de classe tanto no âmbito da moradia quanto em
outros aspectos da vida social dos subalternos. O mesmo ocorre com os movimentos
negros, o que como contrapartida, diminui a adesão e a cooperação nas lutas comuns de
classes e raças numa dimensão maior.

Assim, não se percebe uma solidariedade de classe e raça, mas apenas uma
solidariedade comunitária, produzida pela vida em comum e mesmo assim de forma
muito parcial. É relevante ressaltar o papel fundamental das mulheres nestas lutas, ao
contrário do que aconteceu com sua condição de operárias da fábrica têxtil, quando não
se envolveram com o movimento operário da época (SARDENBERG, 1997, p.28). Este
aparente paradoxo não é objeto de nossa análise, embora fundamental para endender o
processo histórico do bairro e dos antagonismos e conflitos sociais de base racial e de
gênero criados na sociedade capitalista.

5.8 Bens Urbanos e Desigualdades Raciais

A análise sociológica das mudanças sociais ocorridas nos últimos anos no âmbito
da massificação de consumo de bens urbanos e o que eles representam status social
como o de realização pessoal por meio destes bens considerados distintivos de
diferenciação social, além do conforto que proporcionam, é possível imaginar o estigma
daqueles que se vêm numa condição distinta desse padrão na sociedade contemporânea.
Entre os bens urbanos que indicam bem-estar social que simbolizam a modernidade
escolhemos três para verificar o grau de desigualdade racial num bairro com as
características sociais como Plataforma (telefone, máquina de lavar roupa e automóvel)
apesar de haver em outros bens quase universalizados como televisão, geladeira e até
radio diferenças raciais importantes. Portanto, não analisaremos todos os bens estudados
na escala intra-urbana, mas acreditamos que estes simbolizam bem as diferenças
escalares e permitem a comparatibilidade entre os grupos raciais.

5.8.1 Telefone

O bairro, de acordo com a Tabela 34, tem um número pequeno de domicílios com
linha telefônica instalada (36,4%). Apesar disso, a distribuição racial mostra uma
diferença percentual significativa entre brancos e negros, na medida em que os
266

domicílios brancos representam 41,4% com este bem, enquanto os dos negros
representam 35,5%.

Tabela 34 – Domicílios com Telefone por Cor ou Raça - Plataforma

Existência de linha Cor ou raça


Total
telefônica instalada Branca Negra
Sim 1.293 41,4% 6.526 35,5% 7.819 36,4%
Não 1.827 58,6% 11.839 64,5% 13.666 63,6%
Total 3.120 100,0% 18.365 100,0% 21.485 100,0%
Fonte: Elaboração própria, a partir de IBGE (2000).

5.8.2 Máquina de Lavar: Um Bem de Poucos (as)

No que diz respeito à máquina de lavar roupa, o número de domicílios com este
equipamento muito importante, sobretudo para as mulheres, considerando-se o
machismo que permeia todos os espaços da sociedade, está presente em número muito
menor de domicílios (14,3%), conforme Tabela 35. A sua distribuição com recorte
racial também revela desigualdades expressivas. Enquanto nos domicílios de brancos há
23,9% deste equipamento, nos domicílios de negros, apenas 12,6%. Comparando-se
com a situação racial da cidade, observa-se que a posse de bens urbanos é um dos
maiores indicadores de desigualdade racial, entre brancos e negros, em qualquer escala.

Tabela 35 – Máquina de Lavar por Cor ou Raça - Plataforma

Cor ou raça Total


Máquina de Lavar
Branca Negra
Sim 746 23,9% 2.317 12,6% 3.063 14,3%
Não 2.374 76,1% 16.048 87,4% 18.422 85,7%
Total 3.120 100,0% 18.365 100,0% 21.485 100,0%
Fonte: Elaboração própria, a partir de IBGE (2000).

5.8.3 Meios de Transporte: Automóvel e Desigualdade Sócio-racial

O sistema viário do Subúrbio tinha, tradicionalmente, na hidrovia e na ferrovia


seu principal suporte. A partir da década de 1960, entretanto, passa a ter na rodovia seu
acesso a outras áreas da cidade. Bordeando a Baía de Todos os Santos, uma extensa orla
que devido a sua topografia muito acidentada, proporcionam em certos trechos
belíssimas vistas desta baía. A Avenida Afrânio Peixoto, mais conhecida como Avenida
Suburbana, atualmente constitui-se a principal via de acesso dos bairros antigos e novos
que compõem o Subúrbio Ferroviário. Ela articula o subúrbio, no sentido sul, com o
centro da cidade, e ao norte, com a RMS, o CIA, a Refinaria Landulfo Alves e COPEC,
áreas de empregos industriais. Vale ressaltar como curiosidade dos processos
contraditórios da nossa história, que o homenageado, um intelectual baiano de projeção
267

nacional, o dr. Afrânio Peixoto (1876-1947), era um dos destacados representante da


elite brasileira que no pós-racismo científico defendia o branqueamento como solução
para a nação. Entre outras posições que defedeu, segundo Skidmore (1976): “Trezentos
anos, talvez, levaremos para mudar de alma e alvejar a pele, e se não-brancos, ao menos
disfarçados, perderemos o caráter mestiço”. Ainda de acordo com o autor, a lentidão do
processo de imigração européia levou o cientista, médico, pedagogo e poeta a temer a
imigração negra maciça: “É neste momento que a América pretende desembaraçar-se do
seu núcleo de 15 milhões de negros no Brasil. Quantos séculos serão precisos para
depurar-se todo esse mascavo humano? Teremos albumina bastante para refinar toda
esta escória?... Deus nos acuda, se é brasileiro!” (SKIDMORE, 1976, p.215).

Situando-se à margem desta avenida, Plataforma, que era antes um ponto de


convergência do Subúrbio, pelos empregos da indústria têxtil e um sistema viário
composto por hidrovia e ferrovia, ficou assim mais isolado, sobretudo na parte histórica.
Por estas características, os conflitos com as empresas de transporte coletivo são
constantes, á medida que existem poucas linhas e poucos ônibus, o que obriga os
moradores a longas caminhadas até a referida avenida. Dessa maneira, a posse de
automóvel é mais um estímulo, não só no aspecto do status, mas também para outras
necessidades85.

No bairro, os que têm poder aquisitivo para consumo dos bens da classe média,
são uma minoria, no sobretudo quando se faz o recorte da cor ou raça. Neste caso,
percebe-se que os negros têm uma situação bem mais desfavorável que os brancos,
como observado para a cidade, embora estejam no mesmo espaço social e físico de
grandes carências de serviços públicos, e até mesmo de privados, o que faz com que as
reivindicações de bens e serviços sejam objeto de lutas permanentes dos movimentos
sociais, sem muito sucesso.

85
Considera-se como tendo automóvel, para uso particular, o domicílio em que um de seus moradores
possua um automóvel de passeio, ou veículo utilitário, para passeio ou locomoção dos membros do
domicílio; para o trabalho, assim como o veículo utilizado para desempenho profissional de ocupações,
como: motorista de táxi, vendedor que tem necessidade de transportar amostras de sua mercadoria para
atender ou solicitar pedidos etc., desde que também utilizado para passeio ou locomoção dos membros da
família (IBGE, 2000).
268

Tabela 36 – Automóvel por Cor ou Raça

Cor ou raça Total


Automóvel
Branca Negra
Não tem 2.628 84,2% 16.950 92,3% 19.578 91,1%
1 automóvel 473 15,2% 1.313 7,1% 1.786 8,3%
2 automóveis 19 0,6% 64 0,3% 83 0,4%
3 automóveis 38 0,2% 38 0,2%
Total 3.120 100,0% 18.365 100,0% 21.485 100,0%
Fonte: Elaboração própria, a partir de IBGE (2000).

5.9 Serviços de Consumo Coletivo e Discriminação Racial

A construção da hierarquia social e racial, a partir dos dados empíricos, tem


mostrado que, mesmo no interior deste bairro, existe uma distância sócio-racial entre
negros e brancos, numa área em que, aparentemente, não existiria nem critério de
classe, e muito menos de raça, tratando-se de serviço público. Todavia, a igualdade de
acesso é mais uma das muitas retóricas que o sistema sócio-racial brasileiro utiliza para
manter o status quo.

No que se refere à distribuição dos serviços urbanos, tal como acontece na cidade,
se repetem aqui as vantagens da pequena população branca em relação à negra, como
pode ser visto nas Tabela 37, Tabela 38 e Tabela 39. Entre os vários indicadores de
bem-estar urbano, vamos analisar três, fundamentais para a saúde da população: rede de
saneamento básico, coleta de lixo e calçamento de ruas, principalmente os dois
primeiros. Começando pela rede de saneamento (Tabela 37), além de ser limitada a
apenas 65,9% do bairro, o serviço é racialmente injusto, uma vez que 68,7% dos
domicílios brancos contam com o serviço de responsabilidade pública, enquanto os
domicílios negros apenas 65,9% têm este direito.

5.9.1 Rede de Esgotamento Sanitário

Tabela 37 – Saneamento Básico por Cor ou Raça - Plataforma

Saneamento Cor ou raça Total


Branca Negra
Rede geral de esgoto 2.127 68,7% 11.762 65,4% 13.889 65,9%
Fossa séptica 319 10,3% 2.277 12,7% 2.596 12,3%
Fossa rudimentar 379 12,2% 2.333 13,0% 2.712 12,9%
Vala 151 4,9% 1.037 5,8% 1.188 5,6%
Rio, lago ou mar 9 0,3% 368 2,0% 377 1,8%
Outro escoadouro 111 3,6% 197 1,1% 307 1,5%
Total 3.097 100,0% 17.973 100,0% 21.070 100,0%
Fonte: Elaboração própria, a partir de IBGE (2000).
269

5.9.2 Coleta de Lixo

No que se refere à coleta de lixo, realizada por empresa pública e terceirizada,


conforme a Tabela 38, apenas 52,4% é feita pelo sistema geral e mais de 1/3 por
caçamba não percorrem todas as ruas, deixando muitos domicílios sem atendimento,
obrigando os moradores a percorrer alguma distância para os pontos de coleta, o que
acarrenta pior qualidade do serviço. Em decorrência dessas condições precárias de
atendimento, que chegam a apenas 87,9% dos domicílios, as outras formas de destino
do lixo chegam a 12,1%, sobretudo o que é jogado em terrenos. Neste contexto, surgem
os problemas de saúde pública, com doenças como a leptospirose, por exemplo, que
ocorre com freqüência no período de chuvas quando é maior a proliferação de ratos.

Tabela 38 – Coleta de Lixo por Cor ou Raça

Cor ou raça Total


Coleta de lixo
Branca Negra
Coletado geral 1.928 61,8% 9.337 50,8% 11.265 52,4%
Colocado em caçamba 703 22,5% 6.928 37,7% 7.630 35,5%
Enterrado 36 0,2% 36 0,2%
Jogado em terreno 480 15,4% 1.795 9,8% 2.275 10,6%
Jogado em rio, lago 10 0,3% 160 0,9% 170 0,8%
Tem outro destino 109 0,6% 109 0,5%
Total 3.120 100,0% 18.365 100,0% 21.485 100,0%
Fonte: Elaboração própria, a partir de IBGE (2000).

A análise desagregada, por cor ou raça, mostra que os domicílios de brancos são
mais atendidos pelo serviço geral (61,8% contra 50,8% dos negros), o que confirma o
racismo institucional no serviço público, como vimos na cidade.

Como aponta Mara Rosana Castangno (1990, p. 80), a preocupação da AMPLA


com a questão sanitária do bairro é antiga, pois, além de reivindicar equipamentos de
saúde, defende a tese de que as maiores dificuldades do setor de saúde no bairro
decorrem da ausência da articulação entre saneamento básico e assistência médica.

Embora não seja uma tradição do movimento de bairro tratar da questão ambiental
(pelo menos no sentido que predomina nos movimentos ambientalistas de classe média),
por força da omissão dos poderes públicos, a AMPLA procurou solução para os graves
problemas ambientais do bairro, tanto reivindicando solução junto aos órgãos públicos
municipais e estaduais, como fez e faz ao longo da sua existência, como buscando
outras alternativas. Assim é que, a partir de antiga relação com setores da UFBA, desde
a implantação da creche comunitária, buscou ajuda no Projeto Espaço Livre de
Pesquisa-Ação/Mestrado de Geografia da UFBA. Este projeto com atividades em
270

bairros da periferia da cidade, possibilitou a concretização e articulação do subprojeto


“Coleta Seletiva de Resíduos Sólidos Orgânicos/Usina de Compostagem” desde 1998,
em parceria com a ong austríaca Horizont3000. Esta organização disponibilizou um
técnico, o qual contribuiu com o desenvolvimento do projeto, que teve altos e baixos,
como relata em um artigo: “O projeto nos ensinou sobretudo que é fundamental a
inclusão das especificidades topográficas, culturais e sociais de cada bairro no
gerenciamento ambiental integrado do lixo nas regiões metropolitanas”(SPITZBART,
2001, p. 231).

Tabela 39 – Calçamento por Cor ou Raça - Plataforma

Cor ou raça
Calçamento ruas Total
Branca Negra
Total 1.674 53,5% 7.664 41,7% 9.338 43,4%
Parcial 685 21,9% 3.088 16,8% 3.773 17,5%
Não existe 695 22,2% 6.499 35,4% 7.194 33,5%
Ignorado 74 2,4% 1.122 6,1% 1.196 5,6%
Total 3.128 100,0% 18.373 100,0% 21.501 100,0%
Fonte: Elaboração própria, a partir de IBGE (2000).

Os brancos, que são apenas 14% da população, têm importantes vantagens em


relação aos negros, ou seja, os brancos, têm melhores condições de vida em geral, num
bairro eminentemente operário-popular e negro, repetindo o que acontece com a
população da cidade em geral.

Estes dados nos dão elementos para analisar até que ponto as distâncias social,
racial e espacial, entre os dois bairros, e no interior de um deles, colocados como
exemplo da organização sócio-territorial, são produzidas por mecanismos de mercado
(idéia da mão invisível de Adam Smith) e/ou mecanismos de Estado, que operam na
produção das desigualdades territoriais, como pode ser verificado nos serviços de
saneamento básico, e até mesmo no calçamento de ruas. Isto revela um padrão de
segregação espacial entre as raças, onde o negro, mesmo num bairro popular, usufrui de
serviços e equipamentos sociais em quantidade e qualidade piores que os brancos. Ou
seja, o racismo institucional naturalizado mantém as diferenças e desigualdades nas
diferentes escalas.

O processo de organização espacial deste bairro nos remete à teoria do espaço de


Henri Lefbvre (1979, p.291), quando mostra que a “dimensão territorial do conflito
social no capitalismo, e a produção de espaços hierarquizados, que representam,
espacialmente a hierarquia econômica e social, de setores dominantes e subordinados e
271

como a hegemonia da classe capitalista é renovada através da segregação espacial e


através dos efeitos da força normalizadora da intervenção estatal no espaço”. É neste
contexto que passamos a analisar a percepção dos moradores sobre o racismo, nas
diferentes escalas.

5.10 Percepções sobre Racismo em Diferentes Escalas

5.10.1 Racismo no Brasil: Uma Convergência

Em face do contexto anterior, que indica Plataforma como um bairro de


características bastante populares sem, contudo, ser favela, pelo menos no aspecto do
uso do solo, embora tenha invasões no seu interior, o que revela as dificuldades de
pensar segregação urbana a partir do uso corrente desse conceito, analisamos a
percepção dos moradores quanto à questão do preconceito e discriminação em
diferentes escalas e a segregação espacial. A análise multidimensional do fenômeno do
racismo, também no aspecto da percepção, baseia-se na reconstrução das condições
sociais e históricas do bairro, com observações diretas, documentação historiográfica, e
os dados estatísticos que deram um perfil da desigualdade no interior do bairro, como
mostramos anteriormente.

Quanto à observação direta, meu trabalho foi facilitado por ser ex-moradora (20
anos). Realizamos entrevistas com pessoas representativas de diferentes segmentos e
jovens do bairro, gravadas a partir de um roteiro, com perguntas estruturadas (em
apêndice) nas questões específicas sobre percepções e atitudes em relação a
estereótipos, discriminação e desigualdades raciais. Para a análise da percepção destes
moradores, dividimo-los em dois grupos.Um, que se constituiu de 12 pessoas-chave,
com representatividade social em diferentes áreas: educação (diretores de escolas
públicas e privadas); religião (Candomblé, Umbanda, Católica e Evangélica – uma das
correntes, uma vez que são muitas); Cultura (Clube Recreativo – único que ainda
funciona); no que diz respeito à saúde, não entrevistamos pessoas da direção, porque
não moram no bairro. Esse grupo tem idade variando de 30 a 50 anos.

No segundo grupo, entrevistamos 12 jovens de 15 a 24 anos, de diferentes


segmentos sociais. Cabe observar que a quase totalidade dos entrevistados se
autoclassificou como pretos, uma parte menor como pardos, à exceção da diretora de
uma escola pública e o diretor do clube social, que se declararam brancos, e mesmo
assim, justificaram suas autodeclarações, dizendo: “Aqui no bairro não existe branco”.
272

Nesse universo dos/as entrevistados/as, neste estudo de caso, a percepção do racismo


não se diferencia muito da cultura política de negação, na sua concretude, ou seja,
racistas e vítimas assumem, não apenas a existência do fenômeno, mas as atitudes que o
sustentam em todos os espaços, de forma muito ambígua.

A fim de explorar, sob um aspecto sociológico, as percepções dos moradores


sobre o racismo, mais relacionado aos aspectos sócio-raciais, foi necessário delimitar
nossa análise a alguns pontos investigados. Isso decorre do pouco tempo de que
dispusemos para a análise, e do roteiro longo que produziu informações muito
interessantes e detalhadas sobre o tema. Posteriormente, voltaremos ao tema, em
respeito, inclusive, aos participantes da pesquisa, que se colocaram à disposição para a
entrevista, por cerca de duas horas.

Portanto, aqui vamos priorizar a análise das questões do racismo institucional na


dimensão espacial que é nosso objeto principal de estudo. Com isso, as questões das
relações interpessoais, no plano da sociabilidade cotidiana, aparecem somente
mediatizando as percepções. Note-se também que estes moradores compõem um grupo
basicamente homogêneo, do ponto de vista racial, e até como fração de classe, por se
tratar de um bairro popular, o que não permite afirmar uma percepção generalizada da
cidade. A percepção é um dado subjetivo dos participantes e entra em jogo vários
aspectos das experiências individuais e coletivas, mas aqui apenas aferimos, a partir de
perguntas abertas e múltiplas, o aspecto racial, embora a composição do grupo guarde
muita semelhança, com a população total, ou seja, densamente negra. Assim, o
resultado das perguntas, de alguma forma, representa a visão dos moradores, também na
composição racial.

Considerando a complexidade da questão, vamos analisar os dados e depoimentos


dos moradores, na dialética objetivação-subjetivação-objetivação, na perspectiva de
Sartre (1979, p. 82), ou seja, descrever a verdadeira dialética do subjetivo e do objetivo
seria preciso mostrar a necessidade conjunta da ‘interiorização do exterior’ e da
‘exteriorização do interior’ (...). “A práxis, com efeito, é uma passagem do subjetivo ao
objetivo pela interiorização; o projeto, como superação subjetiva da objetividade em
direção à subjetividade e da objetividade”

Para todos os participantes da nossa pesquisa existe racismo no Brasil (Tabela 40),
posição semelhante à revelada pela pesquisa Datafolha, de 1995, e repetida pela
Fundação Perseu Abramo, oito anos depois.
273

Tabela 40 - Racismo no Brasil


Racismo no Brasil Freqüência % % acumulado
Sim 24 100,0 100,0
Não 0 0,0 100,0
Total 24 100,0 100,0
Fonte: Trabalho de campo.

Embora a nossa investigação não tenha representatividade estatística, e, portanto,


não haja possibilidade de comparação, apresentar estes dados numa escala mais ampla
apenas ajuda a entender, no contexto mais geral, o quanto esta é uma atitude
disseminada na sociedade brasileira. A pesquisa da Fundação Perseu Abramo revela que
o preconceito racial caiu, em relação a 1995, de 87% para 74%, em 2003. De acordo
com esta pesquisa, as mudanças de comportamento, por parte da mídia e do mercado,
sob a pressão dos movimentos sociais contra a discriminação, fizeram o país chegar a
esses índices de preconceito racial.

Para Bokany &Venturi (2005, p.17-36), é relevante saber se essa queda nos
índices reflete uma mudança real de atitude das pessoas, ou se se trata de mudança
apenas retórica, expressão de mais atenção para o discurso "politicamente correto" – ou
ainda, se o preconceito racial está mudando de feição, buscando subterfúgios mais sutis,
e a escala utilizada na pesquisa é que estaria insuficiente para captá-lo. Acreditam que,
sem descartar a terceira alternativa, que requer outros desafios metodológicos, de
desenvolver novos instrumentos, sensíveis a eventuais novas formas de pressão de
preconceito de cor, as duas primeiras hipóteses sejam mais complementares que
excludentes. Para Costa Pinto (1998, p.169), o significado de uma análise desse tipo não
está apenas no plano metodológico, mas também no fato de captar discrepâncias entre a
atitude real e a opinião confessada.

A fim de explorarmos as percepções e atitudes dos moradores sobre o racismo,


sob um aspecto sociológico, mais relacionado aos aspectos sócio-territoriais, foi
necessário delimitar nossa análise a alguns pontos investigados, abandonando outros,
mais relacionados às relações interpessoais. Esta análise toma como ponto central a
questão do racismo, enquanto agente estruturador da vida social, das relações sócio-
raciais na sua multidimensionalidade.

O processo de dominação, reproduzido na consciência coletiva que se alimenta da


ideologia racista, que predomina, de forma capilar na sociedade, pode ser visto na
atitude dos que já foram alvo de preconceito e discriminação, e que muitas vezes têm
274

vergonha de revelar. Assim é que, nas repostas sobre a questão, uma parte importante
coloca, com certo constrangimento, algumas histórias que revelam, como nas relações
interpessoais no cotidiano do bairro ou da cidade, o preconceito e a discriminação são
mais comuns do que se imagina; ou o que os defensores da “democracia racial” implícta
ou explicitamente colocam, defendendo ou não as elites brancas, ou parte delas, como
pode ser analisado pelos depoimentos dos moradores.

No que tange ao conhecimento de casos de racismo, o grupo apresenta vários


casos de preconceito e discriminação racial. Na convergência das opiniões sobre o
racismo, em nível nacional, a afirmação que se segue revela um grau importante de
consciência crítica:“Racismo no Brasil existe, veio da Europa que acha que a cor negra
é inferior e os brancos superiores e nós herdamos isso aí. Mesmo depois da abolição o
negro continuou marginalizado no mercado de trabalho”. Por que tudo isso no Brasil?”
E responde à própria pergunta: “Desde quando os portugueses invadiram o Brasil já
trouxe isso, a diferença da raça”. E esta, de uma forma bem baiana, concorda: “Oxente!
Racismo no Brasil é o que mais tem! Pela forma como é governado o preto é o mais
maltratado”. Mais coerente com a afirmação geral dos moradores sobre o racismo no
Brasil, esta entrevistada representa o sentimento de que: “É o Brasil todo que tem isso”.

Todavia, esta outra entrevista revela bem as ambigüidades de compreensão do


processo de dominação racial, quando afirma: “No Brasil tem racismo sim. Tem gente
que sai da França pra morar aqui e não tem besteira. Existe racismo no povo brasileiro.
Engraçado, não consigo entender como é que os brasileiro têm racismo... Mas vem
outras pessoas que amam os negros” .

No discurso dos moradores entrevistados, há casos concretos de discriminação


vividos e conhecidos e alguns que tornaram-se públicos por denúncia da vítima, como o
“Caso das Lojas Americanas”86, muito citado por quase todos os entrevistados, tanto
pelo inusitado da atitude, quanto por suas experiências pessoais.

Em outra fala, esta loja é novamente citada: “Uma colega na Lojas Americanas foi
barrada, mas as brancas não”. Seria um equívoco interpretar o estabelecimento como
local da maior manifestação de discriminação racial da cidade, pois ele foi apenas o que
foi flagrado numa atitude comum, de se achar que negro é sempre um suspeito em
potencial.

86
Trata-se de uma ação idenizatória, impetrada pela mãe de uma adolescente negra, que comprou um
caderno nas lojas Americanas, em Salvador e foi acusada de tê-lo roubado.
275

5.10.2 Racismo na Escola

No que se refere à educação, um dos lugares apontados como de muita


discriminação contra os negros foi a universidade (Tabela 41), com 83,3% das opiniões,
sem contar os que colocam a escola e a universidade juntas (12,5%). Os depoimentos
que se seguem dão sentido, não apenas aos dados gerais da expressiva desigualdade
racial na educação, que vimos na cidade, mas também às experiências vividas ou
observadas. Para quem está próximo destas pessoas, que conseguiram romper as várias
barreiras do ensino superior, o depoimento seguinte mostra outra face: “Na educação a
maior discriminação está na particular, porque as pessoas vêm e acham logo que têm
bolsa, porque não tem condição de tá ali”. Conheço um negro que faz medicina, e
alguém disse a ele: “Rapaz você só está aqui por causa das cotas, não por sua
capacidade.” E acrescentou: “E foi mesmo pela cota que ele conseguiu”, afirmou este
jovem.

Esta entrevistada, que trabalha numa escola particular e tentou várias vezes a
UFBA sem conseguir, afirma: “Na Faculdade, por morar em Plataforma os professores
perguntam, pela violência, pelo ladrão do bairro e se dizem surpresos porque eu
consegui chegar à faculdade”.

Tabela 41 – Racismo na Escola

Discriminação contra negro Freqüência % % acumulado


Universidade 20 83,3 83,3
Escola 1 4,2 87,5
Universidade e escola 3 12,5 100,0
Total 24 100,0
Fonte: Trabalho de campo.

Outros afirmam: “Quem consegue chegar na universidade pública é quem teve


condição de estudar em escola particular a vida toda. Não conheço ninguém de
Plataforma que estuda ou estudou na UFBA”.

Nas formas mais explicítas, mas de um racismo sempre cheio de subterfúgios,


como mostra o próprio percentual baixo dos que indicam a sua escola, este afirma:
“Colegas no colégio perturbando minha irmã chamando de beiçola”. “Na escola
neguinho começa perturbar chamando minha irmã de nega preta, beiçola.” Sendo irmão,
é possível que também tenha vivido o mesmo tipo de situação, mas a interiorização da
inferioridade negra, construída socialmente e alimentada pela “democracia racial”,
certamente o impede de falar de si mesmo como vítima. Este outro se manifesta na
276

mesma direção: “Mas meu primo foi barrado no bloco por ser mais negro”.

Esta, por sua vez, coloca-se abertamente sobre a discriminação sofrida na escola:
“Colegas de escola falavam comigo - tribufu toma banho e não passa pó - aí eu ia pra
casa chorando, mas não dizia nada pra ninguém. Você fica magoada aí chegava em casa
chorando. Hoje alguns deles quando me encontram falam pra namorar comigo aí me
lembro disso e lembro logo a eles isso. É minha vingança”. Note-se que o termo tribufu,
é na linguagem popular baiana, um indivíduo muito feio, beiçola, beiço de mula, que se
refere às características físicas das pessoas negras elevadas ao máximo de desprezo, de
inferiorização da pessoa, o que, aliás, a vítima expressou com clareza. Em outro
depoimento, pode-se avaliar também, o ambiente escolar de reprodução do racismo
naturalizado pelas crianças e adolescentes de um mesmo grupo social: “Uma prima
minha não gosta quando chamam ela nega maluca, mas na escola sempre falam isso
com ela. Não adianta ela brigar que não pára.” Note-se que os fenótipos negros, como
lábios grossos, cabelo crespo, pele mais negra, são os maiores objetos de rejeição.

Portanto, é vital romper com o silêncio a respeito do racismo e da violência,


sofridos cotidianamente pelas crianças e jovens, no sistema escolar, que os mesmos
limitados depoimentos já revelam, pois os estudos sobre as relações raciais e de gênero,
no sistema escolar mostram que não há uma consciência da importância da questão
racial para os segmentos que tem na educação talvez a única forma de ascensão social.

Para Gomes (1995, p.151-153), a entrada da mulher negra no magistério,


profissão antes ocupada pela mulher branca das camadas médias, não apresentou apenas
a democratização do campo da educação e da escola para os setores populares e
especificamente para a mulher negra. Quando esta entra nestes campos eles não são os
mesmos de outrora.

De fato, no caso desta diretora da Escola Municipal, que assume sua negritude,
não há dúvidas sobre o racismo na escola em geral, e assim fala, da escola que dirige:
“Há racismo dentro da escola sobretudo em relação às meninas negras. Elas olham para
baixo nas brincadeiras. Minha família sempre me ensinou a ter orgulho da nossa raça,
mas meu filho não quer ser negro!”. Desse modo, o olhar atento, no plano da
sociabilidade cotidiana, das relações interpessoais no interior da escola, possibilita
captar as dificuldades da criança negra, para ajudá-la na construção de sua auto-estima.
Contrariamente, se a escola não for um espaço de desconstrução do racismo, e de
preparação do indivíduo para o exercício da cidadania, ou seja, para sua participação
277

política, como propõe a Pedagogia do Oprimido ou em Pedagogia da Autonomia de


Paulo Freire, não superaremos os históricos problemas da sociedade. Para o autor,
“ensinar exige a convicção de que a mudança é possível”. Assim, para o ele:
Um dos saberes primeiros, indispensáveis a quem, chegando numa favela ou
a realidades marcadas pela traição a nosso direito de ser, pretende que sua
presença se vá tornando convivência, que seu estar no contexto vá virando
estar com ele é o saber do futuro como problema e não como inexorabilidade.
É o saber da História como possibilidade e não como determinação. O mundo
não é. O mundo está sendo. Como subjetividade curiosa, inteligente,
interferidora na objetividade com que dialeticamente me relaciono, meu papel
no mundo não é só o de quem constata o que ocorre mas também o de quem
intervém como sujeito de ocorrências. Não sou apenas objeto da História mas
seu sujeito igualmente (FREIRE, 1996, p. 75-6)
5.10.3 Racismo na Mídia

Em relação à mídia, a maioria teve posição contudente e muito relacionada às


novelas da Rede Globo, voltadas para o público jovem, a exemplo de Malhação e,
surpeeendentemente, mais citada pelos jovens do que pelas jovens, que mostraram, nas
entrevistas, maior maturidade do que os garotos da mesma faixa etária (15-24 anos).
Mesmo assim, mostram estar atentos à questão: “As novelas só mostram branco na alta
e negro na cozinha. Na Globo negro só faz papel de empregado ou de pobre e branco é
sempre o patrão. Novelas só mostram negros como inferiores. Mulheres brancas são
símbolos de beleza”. Citam novelas, nas quais acreditam que os negros sejam
protagonistas, e alguns crêem que depende do tema, como Escrava Isaura, Como uma
Onda no Mar, A Cor do Pecado e Sangue do Meu Sangue. Outros, contudo, dizem:
“Mas se olhar bem os negros são sempre empregados domésticos. A única novela que vi
assim na classe alta foi a A Próxima Vítima. Só que eles olham os negros como escravos
ou empregados. Na classe alta tem mais branco, porque o negro não tem como subir na
vida. Quer mas não acha oportunidade. O branco muitas vezes já nasceu rico de berço”.

Para uma análise melhor das novelas, por exemplo, seria necessário tê-las
acompanhado para saber até que ponto não reproduzem os estereótipos sobre o negro.
Numa entrevista à TVE, a atriz Zezé Motta, por exemplo, chamava atenção sobre isso,
inclusive para o fato de a escrava Isaura ter sido interpretada por uma branca.

Joel Zezito Araújo (2000, p.90), um pesquisador do racismo na mídia brasileira,


analisa em artigo, entre outras coisas, as novelas brasileiras e cita a pesquisa Datafolha
de 1995 sobre o assunto, e as respostas à pergunta sobre como os meios de comunicação
mostram como os negros percebem a questão: a) 33% responderam: ‘de uma maneira
verdadeira – como eles realmente são’; b) 25%: ‘de uma maneira positiva – melhores do
278

que eles realmente são’; c) 33%: ‘de uma maneira negativa – piores do que eles
realmente são’.

Para o pesquisador, este resultado, de um lado reflete o atual estágio das


ambigüidades da sociedade brasileira, demonstrando, nas avaliações sobre os meios de
comunicação, a persistência de uma forte crença na ‘democracia racial’ e do outro, uma
crescente consciência dos brasileiros da existência da discriminação racial. Nesta
perspectiva, os moradores e, principalmente, os jovens que mais citaram este meio de
comunicação compõem o segmento daqueles que percebem esta discriminação, ao
contrário do que em geral se imagina, pelo papel alienador que em geral tais programas
cumprem. Além disso, têm a mesma avaliação do autor, no que se refere à novela A
Próxima Vítima.

Mas também fazem outras referências, como: “Na reportagem onde uma banda de
negros foi mandada a entrar pelo elevador de serviço”. Como o principais meios de
acesso à informação e ao entretenimento da maioria dos brasileiros, especialmente dos
pobres, são a televisão e o rádio, as referências são todas ligadas a estes: “Os casos da
TV – o bispo da Igreja Universal chutando Nossa Senhora Aparecida”, o caso das
Americanas, por exemplo.

Para a maioria, o rádio tem menos racismo, porque a pessoa não aparece. De um
lado, isso é verdadeiro, já que o racismo brasileiro se pauta muito na aparência, por
outro lado, mostra as dificuldades de se perceber os conteúdos que este meio de
comunicação, tão popularizado, pode transmitir, e transmite, pois não é neutro como os
demais.

5.11 Racismo em Salvador

Quanto à existência do racismo na cidade, e suas muitas expressões, em forma de


discriminação institucional, a percepção dos moradores não tem a mesma convergência
que apresentou no plano mais geral, na medida em que 87,5% se colocam
afirmativamente (Tabela 42), embora o percentual ainda seja bastante elevado,
considerando-se todas as barreiras construídas pelo aparato ideológico existente. Note-
se que na pesquisa de mestrado, já citada, as lideranças do movimento de bairro,
sobretudo femininas (ampla maioria), afirmaram que Salvador é uma cidade racista. É
relevante dizer que embora o movimento de bairro ainda não tenha a questão racial
como bandeira, tem evoluído nos últimos anos, e isso certamente resulta em algum
279

impacto na visão dos moradores sobre a questão, além, é claro, de certa visibilidade dos
movimentos negros, principalmente os de natureza cultural, como Ilê Aiyê e Olodum.

A Federação das Associações de Bairros de Salvador realizou, no dia 26/05/2006,


o Seminário As Questões Raciais nos Bairros de Salvador. Esta entidade participa
também, com várias outras, das Conferências das Cidades, da popularização do Estatuto
da Cidade, onde a questão tem sido colocada. Embora insuficiente para a magnitude e a
gravidade das desigualdades raciais, na cidade, o despertar do movimento de bairro
nessa direção é fundamental para o enfrentamento da questão no âmbito da moradia e
um passo, mesmo que ainda muito tímido, para a mudança de paradigma nas políticas
urbanas.

Os aspectos ressaltados anteriormente, significam que, de fato, existe um


crescimento da consciência racial da população, o que contribui para que os moradores
do bairro aumentem sua consciência crítica, embora alguns depoimentos possam conter
preocupação com o “politicamente correto”. Nesse sentido, os relatos abaixo mostram
alguma coerência com a afirmação da maioria (87,5%).

Tabela 42 - Racismo na Cidade

Existência de racismo na cidade Freqüência % % acumulado


Sim 21 87,5 87,5
Não 1 4,2 91,7
Mais ou menos 2 8,3 100,0
Total 24 100,0
Fonte: Trabalho de campo.

O shopping, um dos símbolos da modernidade, é visto pela maioria como um dos


lugares de maior discriminação contra negros, como mostram estes depoimentos:
No mercado de trabalho o lugar pior são hotéis e shoppings, porque está
ligado intimamente com a clientela e a aparência conta. Se for a algum
shopping e ver que está bem cuidado, bem maquiado. Em supermercado
também tem. Sempre se olha para a cor, mas é pior em alguns lugares”.
No shopping, quando entra um negro de pele escura logo começa a observar,
botar segurança pra acompanhar e nem disfarça! Enquanto olha a gente
pensando que vai roubar, entra um branco e já roubou, já levou e ele nem viu.
Os relatos sobre práticas racistas, das quais foram vítimas desde a infância, estão
bem representados por esta jovem:
Quando pequena ... em primeiro lugar para os outros acharem a gente bonita a
gente tem que se achar. Então, antigamente, quando eu era criança, quando
falavam – negra do cabelo duro, eu sofria demais, chorava e conversava com
minha mãe – oh mãe estão me chamando de negra, de negra preto e não sei o
quê. Hoje em dia, graças a Deus o pessoal não diz mais isso. Ao contrário,
muitas senhoras, quando vou ao shopping, uma senhora branca mesmo
280

chegou pra mim e disse: “sabe que você é uma nega muito bonita?”
Antigamente havia mais discriminação. Os rapazes piorou ainda mais, só
elogios, mas eu não como nada disso, porque pelo fato de eu ser negra, pra
mim eu penso assim...Na minha mente só quer se aproveitar de mim porque
sou negra. A primeira coisa que vem...Estava numa loja e entrou um rapaz e
ficou me olhando assim... e pensei que só quer se aproveitar!
Este outro depoimento mostra uma das faces do racismo nas relações de trabalho,
quando são superadas as barreiras para conseguir um emprego. As relações entre mulher
negra e mulher branca ainda segue de alguma forma o padrão da “casa-grande” que
cumpre a mulher branca mesmo fora do ambiente doméstico:
Olha vou contar um caso a você. Tava trabalhando numa loja Família de
Calçados, na Avenida Sete, não sei se você conhece. A dona ... Você acredita
que eu tava trabalhando com uma colega dela de outra loja dela aí a outra me
chamou pra trabalhar. Mas aí eu soube que ela não gostava de negro de jeito
nenhum. Aí perguntei a dona porque ela queria que eu trabalhasse na sua
loja?Ela aí disse: porque você é um nega bonita e chama a atenção dos
clientes. Isso quer dizer que mesmo ela dizendo que eu sou bonita, me
discriminou. E aí eu não fui trabalhar. Disse que só me queria porque eu
chamava a atenção dos homens. Fiquei chateada.
Esta senhora, por sua vez, mostra que as relações raciais não mudaram tanto,
comparando sua situação à anterior: “As pessoas tendem a esconder e dizer que não têm
racismo, mas quando ainda jovem fui pedir emprego no gabinete de Julieta Viana
(mulher do governador) e me disseram: ‘Ninguém quer ser mais empregada doméstica”.

Por um lado, aqueles que não se sentiram discriminados, assim se expressam:


“Nunca percebi. Estava de bermuda e os policiais me trataram mal. Não foi a cor foi o
meu traje”. “Quebro tudo se isso acontecer”. “Sou amarelinha”. “Talvez porque não sou
tão negra que são eles os mais discriminados”. “Nunca me aconteceu nada”. Por outro
lado, na forma indireta, já que se autodeclaram pretos, alguns dizem: “Com um amigo
fomos num clube na cidade e os olhares manifestavam isso. Todos olhavam para ele”.
“Um amigo vendedor que foi considerado ladrão.” “Um militar que trombou com um
negro e disse: ‘infelizmente se vê que é um negro’”. “Nos ônibus eu não vejo os brancos
sendo abordados pela polícia”.

A naturalização dos atos preconceituosos e discriminatórios, no plano das relações


interpessoais, também faz parte de um número grande de depoimentos que os
moradores fizeram, e revelam um cotidiano cheio de tensões, que o não enfrentamento
responsável da questão permite sua perpetuação. Nesse sentido, relacionamos alguns
dos depoimentos que expressam bem a situação: “Ouço muito as pessoas falar de negro
chamando de beiço de mula e outras coisas.”

Neste depoimento, pode-se observar como é complexa a questão de se reconhecer


281

como vítima de racismo diante da forte cultura de negação:


Antigamente eu tinha preconceito de cor pelo fato de eles terem me insultado
muito. Eu dizia a minha mãe: mãe, eu nunca vou namorar um branco e hoje
estou namorando uma pessoa clara. Quer dizer o que é isso? É discriminar,
principalmente colega discriminava! Hoje eu dou graças a Deus que não
existe mais. Mas não vou mentir, eu odiava branco, eu tinha preconceito pelo
fato de ser muito discriminada! Porque branco sempre me dizia alguma coisa,
aí eu não gostava de branco”!
As contradições que se observam estão no fato de que as pessoas reconhecem o
racismo como um problema social disseminado, mas não querem se ver neste espelho,
talvez por medo de serem estigmatizadas como preconceituosas, como bem demonstrou
a diretora da escola, que é branca, e o diretor do clube já referidos, que sempre
procuraram justificar suas respostas.

A pergunta sobre frases racistas relativas a negros, brancos e índios são exemplos
disso. Esta reação também pode estar associada, tanto ao fato de estarem social e
fisicamente muito próximos, como talvez, principalmente, por viverem num mundo de
negros. Assumir o próprio preconceito não é nada fácil, numa sociedade onde
predomina a ideologia de democracia racial. Em conseqüência torna-se mais comum
projetar o preconceito e o racismo para um plano mais geral, para o conjunto da
sociedade.

Para estes moradores as causas e conseqüências para a existência de racismo


numa cidade tão negra quanto Salvador podem ter múltiplas razões: “Pra mim Salvador
tem racismo porque vamos a lugares que só tem brancos, como shoppings. Pessoas que
trabalham, por exemplo, a qualidade é bem pouquíssima”. “Tem lugares que eu chego
que não vejo nenhum negro. Em muitas lojas que a gente vai só tem branco. Às vezes a
gente sente até vergonha de ficar. Eu até saio. No lugar que vejo só brancos, eu saio. A
mulher do armarinho, porque entrei, vai seguindo, vai seguindo, e aí saio e não
compro”. “Acho que só valorizam o Pelô por causa do turismo”. “O caso das Lojas
Americanas”. “Nossa condição de pobreza”. “Cota na UNEB é um exemplo”. E mais:

“Meios de comunicação sempre mostram as coisas negativas dos negros” “Não


vejo oportunidade para o negro”. “No transporte vejo gente se afastando dos mais
negros”. “Os bairros ricos é de brancos, os cargos, a riqueza está nas mãos dos
brancos”. “Porque só olham para os ricos”. “Quem mora no Subúrbio são negros”.
“Sempre tem aquele preconceito”. “Há separação entre as pessoas pretas e mal
remuneradas e as brancas ricas”. “Tem preconceito sim. Os grande quer mostrar uma
coisa e é outra”. “A escravidão formada desde o descobrimento”. “Começou desde a
282

ocupação portuguesa, desde que escravizaram os índios e os negros”. “Desigualdade de


renda, concentração de renda no branco”. “Diferença social, política e regional”. Mas
quando se vai para as grandes empresas aí você vai ver o racismo”.“Dizem que
valorizam mas a valorização é indiretamente, porque sempre tem aquele preconceito,
por mais que digam que valoriza, no fundo no fundo não valorizam nada. Tem
preconceito. Quer mostrar uma coisa mas é outra, a realidade não é aquela. Não vejo
oportunidade para negro”.

Por outro lado, os que representam os 12,5%, afirmam: “Não me lembro!” “Não
devemos ter racismo porque todos somos gente. Mas não é tanto porque aqui se valoriza
o negro por causa da cultura. Tem mistura de culturas diferentes”. “Os próprios negros
se discriminam”. “Em Salvador tem racismo mas não é tanto assim, porque se valoriza o
negro por causa da cultura daqui. Eu acho que há valorização do Pelourinho com o Ilê, o
Olodum...

5.11.1 Separação Entre Bairros Ricos e Bairros Pobres

Quanto à separação bairro rico bairro pobre, não há dificuldade dos entrevistados
em apontar os problemas, porque as hierarquias entre as classes sociais e,
conseqüentemente, entre bairros, onde residem as classes média e alta, são dados como
fatos naturais. Desse modo, as pessoas afirmam: “Acho que tem diferença entre
Plataforma, a Barra e o Caminho das Árvores. Depende da situação financeira. Escolas
melhores, faculdades, serviço de transporte coletivo. Governo já coloca assim. Os
políticos principalmente só olham para o bairro rico, só vêm aqui quando querem voto!
Os bairros ricos são mais cuidados, têm mais empregados. Pela classe. Pela cor e pela
classe. Pela cor e pela classe porque a maioria é de negro. Pobre não tem condição de
morar na Barra, Pituba... Poder econômico... Por que as pessoas sem recursos moram
em bairros pobres? Por que pessoas pobres moram em bairros pobres? Sempre tem
separação pela cor e pela classe. Situação financeira e cultural. Só olham para os bairros
ricos. Subúrbio é discriminado e orla é valorizada. “No bairro rico o racismo é maior!

5.11.2 Separação Entre Bairros Brancos e Bairros Negros

Ao contrário da divisão entre bairros ricos e pobres, a pergunta direta sobre a


separação bairro negro bairro branco provocou estranheza. Depois de pensarem alguns
minutos, em geral as respostas foram positivas, já que 87,5% das pessoas acreditam que
existe esta separação. Contudo, devemos observar que, chamadas a uma reflexão maior,
283

as pessoas tendem a colocar mais dúvidas sobre o significado disso, dadas as formas de
engendrar a organização espacial da cidade, pelos mitos da baianidade, da cidade
inegalvelmente negra, da mistura das raças, do multiculturalismo, a cidade que reúne a
todos indistintamente, tão bem utilizado, intensamente, pelas elites brancas de todos os
segmentos, especialmente, as ligadas ao turismo e à política.

Apesar disso, cremos que de modo análogo à mudança de discurso, essa outra
mudança de comportamento das pessoas entrevistadas também deve ser vista
positivamente, ainda que haja um grupo que não perceba as expressivas desigualdades
raciais na cidade e no bairro, como já comprovadas. Isso só mostra que o racismo se
recicla, pois atualmente precisa ser mais camuflado do que era antes, porque a crítica
social ao preconceito e à discriminação raciais cresceram, sendo as novas formas em
que se estaria manifestando mais sutis, decorrentes da vigilância maior exercida não
apenas pelos movimentos negros, mas por outros segmentos sociais que
compreenderam a magnitude do abismo social entre brancos e negros, onde Salvador
figura entre os maiores exemplos de desigualdade racial no Brasil, como já dito
anteriormente.

Tabela 43 -Separação entre Bairros Brancos e Bairros Negros

Separação bairro negro e bairro branco Freqüência % % acumulado


Sim 21 87,5 87,5
Não 2 8,3 95,8
NR 1 4,2 100,0
Total 24 100,0
Fonte: Trabalho de campo.

No que diz respeito aos que não crêem em separação entre bairro negro e bairro
branco, o depoimento abaixo é muito representativo do significado da ideologia racial
nos segmentos sociais negros, que buscam, nos exemplos de racismos mais radicais, a
explicação para justificar a sua própria condição:
Aqui não! Em outros paises eu sei que existe negro não pode passar para o
lado do branco senão é rolo, e ainda não pode dizer nada. Se passar morre!
Mas aqui no Brasil, graças a Deus, eu não conheço ainda porque se existisse
eu sairia daqui! Não, não existe mesmo na Graça, por exemplo, que é de rico.
Então tudo bem, entre 10 famílias você pode ver um negro que tenha uma
classe mais ou menos dentro da Graça. Não é só de branco.
Note-se, neste depoimento, a veemente indignação com a idéia de segregação
racial, numa cidade de negros, de mistura de raças, de culturas, como vários moradores
afirmaram. Neste aspecto, há uma emblemática conexão entre as classes sociais quando
se observa o depoimento desta jovem negra, provando como o mito da democracia
284

racial ainda tem uma impressionante força em todas as classes sociais, frações de classe
e raças no Brasil. Refletindo os processos ambíguos do nosso racismo, esta jovem
afirma:
Não diria bairro branco versus bairro negro, mas bairro que tem mais negro,
como o Subúrbio e mais brancos, como o Caminho das Árvores, Barra... e
negro como Plataforma. Não é como a África do Sul e Estados Unidos. A
separação é por causa do nível de renda, vem da época do Brasil-Colônia.
Outros, contudo, afirmam com alguma clareza que existe segregação, ainda que o
primeiro coloque o Pelourinho, que não é mais bairro residencial, como exemplo. Isso
se deve, provavelmente, ao forte simbolismo do lugar e ao fato de ser, paradoxalmente,
o espaço das manifestações culturais e políticas dos movimentos negros, principalmente
dos culturais como Olodum, Araketu, Ilê Aiyê87: “Pelourinho é negro! Plataforma é um
bairro negro porque tem muita gente escura, e a Graça tem mais branco, porque lá é
classe média e alta”. Outros ainda afirmam:
Oxente! Amaralina, Ondina, Jardim de Alah, tudo branco. “Voltando ao
bairro branco e bairro negro. Existe uma má distribuição de renda.
Geralmente são os brancos que têm as melhores condições. Há concentração
de negros em bairro pobre.
Note-se que as metamorfoses ocorridas em Plataforma são bem diferentes das do
Pelourinho que, na sua longa trajetória, passou de lugar das elites escravistas, onde
estava presente o pelourinho, simbolizando a autoridade e a justiça régias, para a
burguesia emergente na cidade republicana, que posteriormente a abandona rumo a
áreas mais ao sul, e até hoje permanecem com seus tradicionais territórios, como Graça,
Barra, etc. Ou seja, na medida em que o lugar vai se valorizando (ou revalorizando), os
brancos vão ocupando posições hegemônicas.

A transformação do Centro Histórico de Salvador, Patrimônio da Humanidade,


para funções turísticas, e a expulsão dos antigos moradores pobres, que por décadas
ocuparam os prédios abandonados, para áreas distantes da cidade é um dos exemplos do
poder de transformação do espaço pelo capital, especialmente imobiliário que atua em
conjunto com o Estado sob hegemonia de forças conservadoras e projetam a cidade de
acordo com os interesses das classes dominantes e brancas. Este lugar, pelas mãos do
Estado, retorna às mãos das elites, sobretudo dos comerciantes, que mercantilizam a
cultura negra, e seus produtos simbólicos são consumidos pelos que têm poder
aquisitivo. O lugar do negro aí é muito mais como instrumento de atração para a

87
Jeferson Bacelar (2001, p.198) faz interessante análise sobre a induústria cultural na pós-modernidade, e
como os grupos dominantes brancos recriam formas de racismo ainda mais sutis, usando a cultura afro-
baiana.
285

indústria cultural. Contudo, não devemos esquecer o papel construtor da identidade


negra, com os blocos afro-baianos, que atuam dialeticamente neste espaço, e que tanto
podem contribuir com a alienação das massas como com a transformação da situação
dos negros a partir da constituição da identidade negra que é um passo importante na
constituição de sujeitos sociais e políticos. De acordo com João Jorge Rodrigues
representante do Olodum:
(...) Apesar da recuperação física e cultural no Pelourinho/Marciel houve uma
exclusão social gigantesca que afastou do Centro Histórico 90% dos seus
antigos moradores. Moradores estes que, durante os últimos 40 anos, foram a
principal alternativa de sobrevivência do pouco que restou da área
(RODRIGUES, 1995, p. 83)..
Para Lívio Sansone (1995, p.70), “apesar da violência simbólica e física da
deportação dos antigos moradores, o Pelourinho, pelo menos por enquanto, se mantém
importante na idéia desses novos jovens negros-mestiços, graças à intervenção de
algumas entidades”. Por sua vez, Ubiratan Castro de Araújo (1995), ex-morador do
Centro Histórico, manifesta dúvidas sobre o tempo de permanência das novas funções
do lugar, com as transformações empreendidas pelo Estado e pelo capital. Nesse
sentido, afirma:
Espero que fiquem pelo menos o Olodum e as organizações que não
permitam que ocorra um segundo processo de marginalização, de exclusão,
em um espaço central, porque, no momento em que eles saírem, aquela região
poderá se tornar novamente uma grande área onde esconder os pobres
urbanos (ARAÚjO, 1995, 79-80).
Marco Aurélio Gomes e Ana Fernandes (1995, p. 54), destacam que “Se, há 30
anos atrás se reivindicava um Pelourinho branco, paradigmatizado pela sinhazinha no
balcão do sobrado, hoje a negritude do Pelourinho é um trunfo para o sucesso
mercadológico da intervenção”.

Os antagonismos do processo levam, provavelmente, os negros da periferia


plataformense a indicarem mais similaridades do que as que existem entre estes
territórios, pois no caso de Plataforma, a trajetória é inteiramente inversa, como vimos
neste texto. Mesmo em termos de densidade populacional, na AED que compõe esta
área Centro/Centro Histórico/Politeama e Barris (39,6% brancos e 60,4% de negros) os
percentuais estão bem abaixo dos observados para as áreas suburbanas.”.

5.12 Racismo no Bairro

Observe-se que no nível mais próximo do lugar de moradia vai ocorrendo uma
diminuição no índice dos que reconhecem a existência do racismo. Saímos dos 100%,
286

em relação ao Brasil, para 87,5% na cidade, até o nível do bairro, com 70,8% (Tabela
44) dos que o percebem, no próprio bairro, com explicações para suas causas, que vão
desde as questões das classes sociais às raças, como as seguintes.

Tabela 44 – Racismo no Bairro

Racismo no bairro Freqüência % % acumulado


Sim 17 70,8 70,8
Não 7 29,2 100,0
Total 24 100,0
Fonte: Trabalho de campo.

De um lado estão os que afirmam a existência do racismo e apresentam os


casos/razões deste fato:
No bairro quando tem briga as pessoas falam...mas acho normal. Na minha
rua a vizinha que tem todos os filhos brancos e os netos aí fica xingando as
meninas que querem bincar que é tudo negra: Essas negras pobres... E mora
no bairro, imagine! Existe mesmo racismo. No bairro só lembro mesmo dessa
mulher.
Em outros depoimentos as pessoas entrevistadas mostram também os problemas
nas relações cotidianas do bairro: “Lembro quando criança que uma moça dizia: ‘se eu
gostasse de preto andava com urubu debaixo do braço. “Bairro pobre é o que tem mais
negro. É uma comunidade pobre. Essa distribuição é desde a chegada dos portugueses.
Existe pela má distribuição de renda. A midia passa visão negativa de nosso bairro. Pela
localização não tem justificativa por estar na mesma situação, escolaridade, renda.
Porque é bairro pobre. Predomina pessoas de cor. Na rua tem uma branca de olhos
verdes que sempre desprezou meus filhos quando tentavam brincar com os dela: “saia,
saia”!. Se tiver passando um jovem negro acham que é marginal. Se for branco é
diferente. Temos maioria no trabalho doméstico. E mais:

“Comigo a vizinha me chamou de sarará, amarela empapuçada, aí respondi: você


é uma despeitada. Falei na raiva depois me arrependi”; “Olhar de censura na missa
porque sou de religião africana”; “Racismo tem no branco e tem no negro. Agora vamos
admitir. Já presenciei cada negro com preconceito com sua própria cor! Eu já ouvi
neguinho falando da própria cor, se achando branco! Me dá revolta! Negro mesmo! nem
é pardo! Tem negro que só pega loira”; “Tenho um caso para contar. A cunhada da
minha amiga tem uma filha de 3 anos e é escurinha e diz que quando crescer quer casar
com homem branco. A mãe já bateu, mas ela fala isso”!

E do outro lado, os que não acreditam que o racismo possa acontecer no seu
bairro, mas permeado de ambigüidades, como mostram estes depoimentos: “Aqui é
287

lugar de negro, nem tem condição”; ”Os de pele mais clara despreza os negros”;
“Racismo aqui é a cor das pessoas que têm uma coisinha e quer humilhar”.

Portanto, no “paraíso racial”, a decantada harmonia racial não acontece nem


mesmo entre os iguais, já que o paradigma racista interfere na vida de todos, em todos
os espaços da sociedade, em todas as classes sociais.

De fato, como se vê no bairro, embora as pessoas, nas respostas diretas se


mostrem mais divididas, conforme a Tabela 44, os casos contados se referem muito ás
relações no interior do próprio bairro. Isso decorre, provavelmente, do fato de poucos
conhecerem espaços de hegemonia branca, como os bairros ricos da Orla Atântica, onde
as relações, quando ocorrem, são numa condição de subalternidade, que não é tão
generalizada a ponto de perceber, com muita nitidez, as hierarquias raciais existentes
nestes espaços. Além disso, estamos tratando da percepção das pessoas, e esta depende
da experiência individual e coletiva, no espaço em que está inserida, e,
conseqüentemente, da sua consciência, resultante das oportunidades que se colocam no
seu cotidiano. Em outras palavras, a organização capitalista das cidades, embora menos
rígida do que no sistema escravista, impõe critérios raciais que perpetuam as
desigualdades raciais observadas no conjunto da cidade e do bairro, tanto pela ação do
capital como do Estado como temos demonstrado ao longo desta tese.

5.12.1 Integração e Isolamento

Interessante é comparar as Tabela 43 e Tabela 45 sobre a segregação entre bairros


brancos e negros e a que se refere ao nível mais local. Há uma interessante coincidência,
na primeira e na segunda, pois tanto no nível intra-urbano, com no intra-bairro, 87,5%
das pessoas acham que existe separação, o que indica um grau elevado dos que
consideram que a cidade é segregada, embora este conceito produza nas pessoas uma
certa rejeição, pela comparação imediata que fazem com os odiosos sistemas racistas
dos Estados Unidos e da África do Sul que, mesmo não sendo mais formais, continuam
sendo vistos assim. Como se vê, o sistema do Apartheid na África do Sul que foi
instituído entre 1948 a 1991, envolvendo a separação entre as diferentes raças, em
relação a vários aspectos da vida social: propriedade, residência, casamento, trabalho,
educação, religião e desporto, ainda tem a força do exemplo oposto do Brasil. Apesar
daquele sistema não existir oficialmente desde 1994, quando as eleições
multipartidárias, elegeram Nelson Mandela primeiro presidente negro do país, grande
líder da resistência anti-apartheid e chefe de um governo multirracial é uma refenrência
288

comparativa em todas as camadas sociais, para explicar ou não explicar nossas


diferenças.

A comparação com o Brasil revela mais um paradoxo. Sem legislação,


estabelecendo a inferioridade dos negros, nosso país não tem em toda a sua história
nenhum candidato negro aos postos mais elevados, na hierarquia do poder,
especialmente presidência da Repúblic. Todavia, embora tenha rompido, em parte, com
o preconceito de classe, ao eleger como presidente da República, em 2002, um operário,
o atual presidente Luís Inácio Lula da Silva, reeleito em 2006 com mais de 60% dos
votos, ou seja, 58.295.042 votos válidos (TSE, 2006), romper com os paradigmas de
uma sociedade como a brasileira, onde a representação dominante é a de um país branco
e ocidental, de enormes distâncias entre as classes sociais, grande hierarquias raciais
naturalizadas, é um dos maiores desafios para militância e as ciências comprometidas
com as transformações sociais.

É relevante observar que a pergunta foi sobre separação, e não segregação, e


talvez por isso, tenha este elevado grau dos que acham que a cidade está separada, tanto
no sentido das classes sociais, quanto no sentido das raças. Isso significa também, que
apesar da ideologia racial, a vida concreta de tantas dificuldades destas pessoas, na
cidade, supera as explicações de natureza mais ideológica, como mostram vários
depoimentos. Talvez a realidade e a força das desigualdades territoriais, as diversas
formas de discriminação e estigmas impostas a um bairro operário que tem sofrido
muitas derrotas, com as perdas de equipamentos de consumo coletivos, como o cine-
teatro, clubes, ferrovia, hidrovia e empregos, etc., e que, apesar das lutas, sobretudo da
AMPLA, não recuperou de todo, expresse com percentuais tão elevados estas
percepções, que os depoimentos conferem significados.

Em suma, como observa Costa Pinto (1998), para as discrepâncias entre atitude
real e opinião confessada, na situação racial brasileira, também se observa no bairro,
dada a sua natureza sutil e subjetiva das reações que ela provoca no comportamento
individual. Assim,
Essa contradição que se revela entre valores sociais e as pautas de conduta
individual não é, por outro lado, senão o reflexo de uma contradição mais
profunda e fundamental que ocorre – em conseqüência das transformações
que se operam na sociedade brasileira – entre a estrutura social e seus
produtos ideológicos (PINTO, 1998, p.169).
289

Tabela 45 – Integração do Bairro à Cidade

O bairro é integrado à cidade Freqüência % % acumulado


Sim 2 8,3 8,3
Não 21 87,5 95,8
Mais ou menos 1 4,2 100,0
Total 24 100,0
Fonte: Trabalho de campo.

Como mostra a Tabela 45, mais de 87% das pessoas entrevistadas acham que o
bairro não está integrado à cidade por razões diversas e muito ligadas à ausência de
políticas públicas e que pode ser interpretado como uma forma de isolamento, dado o
alto percentual dos que se manifestam assim, de um lado, e o baixíssimo percentual dos
que afirmam o contrário e mesmo dos que não têm certeza. De acordo com a Tabela 45,
entre os que não acreditam que o bairro está integrado à cidade (87,5%), esta moradora
se expressa assim: “Aqui é abandonado, nossa condição de pobreza mostra isso”, e
outra acha que a razão é que o bairro “está parado no tempo, não evoluiu”.

Na mesma direção, este reforça: “Desinteresse das autoridades que não fazem
nada e desunião dos moradores”. “Dificuldades da comunidade de ter as coisas daqui
funcionando”. “Só olham para os bairros ricos”.“Faculdade, cinema tudo é nos bairros
ricos – Paralela, Orla...” Os que compartilham esta idéia, e vêm, como razão, a política,
afirmam que: ”Forma de governar, bota infra nos bairros ricos e não olham para os
pobres. Só olham para os bairros ricos. Os políticos, principalmente, só vêm aqui
quando precisa de voto. Carnaval mesmo é lá na Barra”

Entre os que afirmam positivamente, ou duvidam da integração, as afirmações


ficam mediadas pela idéia do pertencimento físico e oficial, e as dificuldades vividas
como moradores de um bairro que, de fato, tem graves problemas de infra-estrutura,
como vimos anteriormente: “Faz parte da cidade, pertence a cidade...mas é
abandonado”.

Por fim, apesar de todos os problemas apontados, a maioria das pessoas não
mudaria do bairro (58,3%), por várias razões: “Antigo, todo mundo se conhece; a praia,
a Geografia; vista da Baía de Todos os Santos; a AMPLA porque luta pelos moradores;
e pela história”. Para esta que morava em outro bairro também da periferia, o motivo é
religioso porque era católica e descobriu a umbanda, mas mantém, dupla religiosidade:
“Lugar onde descobri e desenvolvi minha religião”. Para outros, o motivo está no fato
de ser um bairro “menos violento e uma convivência melhor entre moradores, por ser
290

antigo”; “Vizinhança, vizinhos se ajudam”; “O sossego, a união dos moradores”.

A pincipal praça do bairro é muito indicada pelas pessoas jovens, mas também
adultas, enquanto a praia, e as peladas são indicadas mais pela parte jovem. A Praça São
Brás tem um significado muito importante para a população em geral e é mesmo ponto
de encontro. Na mesma pesquisa sobre os terrenos, também perguntou-se sobre os
aspectos mais importantes do bairro, e as mulheres a colocaram como o lugar mais
importante, preferido por 26% enquanto o centro de saúde, conquistado com grande
mobilização dos moradores, ficou com 25%, por exemplo. O recorte de gênero da na
referida pesquisa permitiu perceber as diferenças. Para os homens, o aspecto mais
importante é a fábrica (mesmo fechada), que sequer foi citada pelas mulheres, apesar do
histórico delas como ex-operárias, enquanto a praça foi indicada por apenas 5% dos
homens. Como ressaltou Alejandra Massolo (1991, p.13), o desenvolvimento dos
estudos sobre a mulher, sobre sua invisibilidade da mulher, a ausência delas tanto nos
marcos teóricos como em investigações sobre as estruturas urbanas, as políticas de
Estado, nos diversos problemas de consumo coletivo e movimentos sociais urbanos,
contribuem para melhor compreender sua condição na sociedade.

Não cabe aqui a análise desta questão, mas é evidente a importância de pesquisas
que contemplem estas diferenças, porque elas pesam nas formas de encaminhar as lutas
sociais, as reivindicações específicas e generalistas nas políticas urbanas, mesmo no
caso da praça, da saúde, da educação, da moradia, que aparentemente não têm
especificidades. Além disso, é importante ressaltar que na praça estão os principais
equipamentos de sociabilidade do bairro como: a creche comunitária, que como o centro
de saúde demandou grande mobilização do bairro para conquistá-los, liderada
principalmente pelas mulheres, Clube Recreativo e a igreja São Brás (do século XVII).
É também o lugar onde ocorrem as festas de largo, tão importantes na cultura
afrobaiana, de tanta importância na cultura baiana, onde se mistura sagrado e profano.

Por tudo isso, reafirmamos aqui a importância da articulação das categorias de


gênero, raça e classes sociais, nos estudos sobre a cidade, sobre as estruturas urbanas e
as organizações territoriais em diferentes dimensões.

No que se refere à idéia de mudar do bairro os que mudariam apresentam várias


justificativas sempre relacionadas à ausência de políticas públicas: descaso das
autoridades em relação a todos os serviços; desvalorização e auto-desvalorização;
drogas, traficantes; falta de bons serviços; falta de crescimento; falta de políticos sérios;
291

falta de segurança, de transporte, de banco; falta de trabalho; infra da Almeida Brandão


(a principal rua da orla, que apesar das muitas reivindicações e promessas em períodos
eleitorais, nunca foi asfaltada); juventude sem rumo, ônibus cheio; serviço de transporte
péssimo, discriminação religiosa e racial; transporte e descaso; transporte sempre cheio
e caro; transporte, falta de segurança; transporte, falta de infra-estrutura; violência,
principalmente nas festas; zoada de outras ruas por festa ou pelo costume de falar alto.

5.12.2 Razões para Mudar ou Não do Bairro

Tabela 46 – Mudar de Bairro

Mudaria do bairro Freqüência % % acumulado


Sim 7 29,2 29,2
Não 14 58,3 87,5
Dúvida 3 12,5 100,0
Total 24 100,0
Fonte: Trabalho de campo.

Na realidade, aqueles que admitem mudar para outro lugar têm posições críticas
que não os opõem, necessariamente, aos que têm posição diferente, uma vez que todos
defendem um bairro com infra-estrutura boa, com os direitos a educação, saúde,
transporte, etc. em quantidade e qualidade que estes apontam.

Tudo que a pesquisa de campo captou da percepção dos moradores só atesta a


complexidade de tratar o racismo no plano da subjetivação-objetivação, indicando, por
outro lado, a necessidade de conhecer melhor os efeitos que a ideologia racial, nos
indivíduos e nas suas ações territoriais coletivas e, conseqüentemente, suas
territorialidades sócio-raciais. Infelizmente, não vamos aqui analisar os dados sobre o
conhecimento dos moradores sobre as lutas anti-racistas desenvolvidas pelos
movimentos negros e disposição para participar delas, embora o material empírico seja
muito rico. Como destacamos anteriormente, no estudo sobre as relações de gênero,
raça e classe realizado pela autora, as lideranças do movimento de bairro de Salvador
também consideram que a cidade é racista88

A análise empreendida neste estudo de caso parece não deixar dúvidas de que o
racismo brasileiro prescinde de leis para garantir as desigualdades raciais, e a
segregação urbana, embora os moradores deste bairro não vivam o mesmo grau de
isolamento dos guetos americanos, guardam muitas semelhanças, no sentido da

88
Cf As mulheres da Cidade d’Oxum: Relações de Gênero Raça e Classe e o Movimento de Bairro de
Salvador (2006).
292

densidade negra e no grau de pobreza urbana. Portanto, não se precisa de favela nem de
leis para que as desigualdades raciais, as discriminações e todos os efeitos perversos do
racismo, do sexismo capilarizados na sociedade, e silenciados sob o manto da
democracia racial sejam tão eficientes.

Outra leitura que se pode fazer do resultado deste estudo de caso é que a
organização da cidade tem uma base racista, na sua totalidade, ao contrário dos que
pensam segregação apenas na perspectiva das classes sociais, ou mesmo os que utilizam
a variável raça, somente aplicada às favelas, portanto, “bolsões” de pobreza. Assim, a
trajetória histórica de Plataforma mostra, como bairro operário-popular sugere que os
estudos urbanos precisam aprofundar as raízes históricas das desigualdades territoriais
nas diferentes dimensões, olhando a cidade na sua totalidade, para que as políticas
urbanas contribuam para a construção da igualdade e diversidade no território.
Território aqui, no sentido utlizado por Milton Santos (1999):
Essa idéia de território usado, a meu ver, pode ser mais adequada à noção de
um território em mudança, de um território em processo. Se tomarmos a partir
do seu conteúdo, uma forma-conteúdo, o território tem que ser visto como
algo que está em processo. E ele é muito importante, ele é o quadro da vida
de todos nós, na sua dimensão nacional, nas suas dimensões intermediárias e
na sua dimensão local. Por conseguinte, é o território que constitui o traço de
união entre o passado e o futuro imediatos (SANTOS, 1999, p.19).
Por fim, embora com as ambigüidades características do nosso racismo à
brasileira, deve-se destacar que, apesar do grupo pesquisado no trabalho de campo não
ter representatividade estatística, é uma pequena amostra dos isolados suburbanos, e dos
significados que dão à injustiça sócio-racial vividas de um lado, e sua indignação, do
outro. É relevante também observar que a indignação manifesta é transformada em lutas
coletivas por sujeitos sociais diversos, mas sobretudo pelas mulheres, que estão, como
em outros movimentos urbanos, sobre-representadas por uma lamentável dicotomia, que
ainda persiste nas lutas dos oprimidos.
293

CAPÍTULO 6 BANGU: UM BAIRRO-CIDADE NEGRA

6.1 Breve Histórico

Com um nome emblemático de duas raças brasileiras oprimidas na formação do


nosso território, Bangu tem duas versões para sua origem. A primeira relaciona-se ao
termo tupi ‘bangu’ que representa ‘paredão negro ou escurecido’, numa referência à
grande sombra projetada pelo Maciço da Pedra Branca sobre o vale onde Bangu se
localiza. A segunda versão atribui à palavra ‘banguê’ (corruptela de bangu), vocábulo
africano, simbolizando uma espécie de padiola, construída de couro ou trançado de
fibras, amarrada a dois varais e conduzida por dois homens, usada para transporte de
cana-de-açúcar, tijolos e outros materiais. É possível, inclusive, que desse processo
meio desordenado de transporte tenha surgido a conhecida expressão ‘à bangu’ que é
‘fazer alguma coisa sem a menor técnica, de improviso’89.

Como Plataforma, o bairro de Bangu tem sua origem numa fazenda, onde
predominou a atividade rural até o final do século XIX (FRIDMAN, 1999, p. 154). O
bairro iniciou-se em meados do século XVII, mais exatamente em 1673, quando o nome
‘Bangu’ foi registrado em documentos oficiais de propriedade, como o da Fazenda
Bangu, grande produtora de açúcar e seus derivados. Assim, a história de seus 4.535
km² teve início em 1673, quando foi instituída a Paróquia de Nossa Senhora do Desterro
de Campo Grande, a partir de uma capela particular, construída por Manoel Barcelos
Domingues, em fazenda de sua propriedade. Foi ali que começou a primeira atividade
econômica da região, com a fundação do Engenho da Serra.

No final do século XIX (1889), com o desenvolvimento industrial têxtil em curso


em todo o país, foi constituída a Companhia Progresso Industrial do Brasil, ou seja, um
ano após a abolição do trabalho escravo que predominou por estes séculos. O local
escolhido para a instalação foi o mesmo onde se localizava a Fazenda Bangu90, que
utilizou largamente a mão-de-obra escrava, responsável pela lavoura de cana-de-açúcar,
pela produção do engenho e pelo transporte dos produtos até o Porto de Guaratiba.

89
Ver livro comemorativo do centenário da fábrica: Bangu 100 anos: a fábrica e o bairro. Rio de Janeiro,
1989, fonte principal sobre a história da fábrica e suas imbricações com o bairro e o Dicionário Aurélio
Século XXI.
90
O desenho aquarelado de Júlio Sena e a foto de João Carlos Horta mostram a Fazenda Bangu com uma
casa similar à casa grande, porém sem a senzala (livro Bangu acima referido).
294

Aquela região reunia sitiantes, posseiros, rendeiros e meeiros, homens livres, que
também produziam cana e outros gêneros alimentícios, ou criavam animais. Até então,
havia grande espaços vazios, e era baixa a ocupação territorial, sendo os limites das
propriedades estabelecidos naturalmente pelas vizinhanças. Quando a Fazenda Bangu
foi comprada pela Companhia Progresso Industrial do Brasil (mais tarde, Fábrica
Bangu), havia, em toda a região, apenas uma rua, a Estrada Real de Santa Cruz, aberta
para permitir a comunicação com o trabalho missionário dos jesuítas. Além do projeto
arquitetônico da fábrica ter sido inspirado no estilo de fábricas de Manchester, na
Inglaterra, seus equipamentos industriais também foram importados (SILVA, 1989,
p.17).

Ainda conforme a autora, com o objetivo de integrar economicamente a área rural


à fabril, a administração da fábrica decidiu transformar a lavoura de cana em plantação
de algodão. Outras lavouras surgiram, nas terras arrendadas pela Companhia e a mais
expressiva delas foi a da laranja. Os laranjais de Bangu chegaram a entrar para a
literatura, descritos por José Mauro de Vasconcelos, no romance Meu Pé de Laranja
Lima (SILVA, 1989, p.17).

Na história de Bangu ainda se destaca o futebol pelo papel que cumpriu em vários
aspectos, inclusive em transpor as barreiras locais sendo objeto de estudo de Mário
Filho (2003), que estudou o negro no futebol brasileiro. O negro é, na obra deste autor,
um personagem heróico que sofre discriminação e segregação, mas luta, resiste e
afirma-se como herói nacional, ao contrário do que a sociedade da época pensava, numa
época em que o racismo explícito não estava sob pressão dos movimentos negros91. O
Bangu Atlético Clube, que é parte importante desta história, é fundado em 1904, e é
analisado desde o primeiro capítulo numa perspectiva racial que segue em todo livro:
Sabia-se quem era preto, quem era branco, o branco e o preto não se
confundiam. O Bangu podia botar um preto num time embora fosse um time
de ingleses. Tão inglês que tinha o The, era o The Bangu Atlhetic Club. A
Compahia Progresso Industrial do Brasil, uma fábrica de tecidos, brasileira,
de capitais portugueses, mandou buscar mestres na Inglaterra. Os mestres
fundaram o The Bangu Atlhetic Club (MÁRIO FILHO, 2003, p. 29).
Em síntese, analisando a questão sob este ângulo, o autor mostra que o futebol era
de brancos e muito poucas eram as chances dos negros: “Os jogadores claros, bem
brancos, havia até louros nos times, ia-se ver: inglês e alemão. Poucos morenos. Os
91
Sua primeira edição foi em 1947 e esta é a quarta edição, o que mostra a importância da obra para a
compreensão do fenômeno do futebol e sua apropriação pelos brasileiros transformando-o em uma das
identidades culturais nacionais, tendo como ator central o negro, e, portanto, numa perspectiva racial
incomum na nossa literatura.
295

mulatos e os pretos, uma raridade, um aqui, outro ali, perdiam-se, nem chamavam a
atenção” (MÁRIO FILHO, 2003, p. 29).

6.2 Perfil Sócio-Racial do Bairro

6.3 Estrutura Sócio-Espacial do Bairro

A evolução da Zona Oeste se caracteriza por uma transição rural-urbana marcada


pelas fazendas e engenhos e suas senzalas, quilombos até o incipiente processo
industrial do século XIX, antes da Fábrica Bangu. De acordo com Fridman (1999, p.
200), em 1815, a Real Fábrica de Tecidos de Santo Agostinho foi construída pelos
índios, nos campos de Santo Agostinho,, às margens do Rio Guandu, com frente para o
Caminho Novo da Piedade. No que diz respeito à presença de quilombo, analisando o
problema dos cortiços, já existente em 1884, presente de forma crescente nas áreas
centrais e também nos subúrbios, comenta:
Mesmo que em Santa Cruz os índices não tenham se modificado
substancialmente entre 1870 e 1890, os escravos libertos e dedicados às
atividades urbanas, por falta de moradias, começaram a pagar aluguel no
valor de dois mil réis. Ainda em relação aos escravos, em Jacarepaguá foi
descoberto em 1880 um quilombo nas terras de Camorim, dos beneditinos,
(FRIDMAN,1999, p. 200),
Somente uma análise histórica mais profunda, atenta para o recorte racial, nos
permitiria afirmar que esta maioria negra na Zona Oeste resulta dos processos históricos
que analisamos ao longo desse estudo, incluindo a limpeza étnica que se processou com
a expulsão dos pobres e negros dos cortiços das áreas centrais e da Zona Sul. Sem esta
possibilidade, e como vimos anteriormente, a Zona Oeste do Rio de Janeiro e parte da
Zona Norte têm a maior densidade negra da cidade, sobretudo nas AEDs de Santa Cruz,
Bangu e Campo Grande, densamente povoadas, verdadeiras cidades negras. Estas áreas,
portanto, são as mais homogêneas, do ponto de vista da densidade negra, em oposição à
Zona Sul e parte da Zona Norte.

Bangu, entre os bairros da Zona Oeste, é área também de grande concentração de


favelas; é um bairro muito populoso, maior do que a maioria dos 92 municípios do
estado do Rio de Janeiro e da terceira maior cidade da Bahia, que tem 417 municípios,
por exemplo. De fato, com 244.518 em 2000, o bairro é quase do tamanho de Vitória da
Conquista (Bahia), com população de 285.927 e mais próximo ainda de Volta Redonda,
cuja população, em 2005, é de 255.695 habitantes (IBGE/2005).
296

Tabela 47 – Composição Racial do Bairro


Cor ou raça Abs %
Negra 132.355 54,1%
Branca 109.741 44,9%
Ignorada 1.403 0,6%
Indígena 562 0,2%
Amarela 455 0,2%
Total 244.518 100,0%
Fonte: Elaboração própria, a partir de IBGE (2000).

De acordo com a Tabela 47, o bairro tem uma maioria negra (54,1%), enquanto os
brancos representam 44,9%. Na divisão por AED, o bairro, como visto no estudo geral,
está dividido em seis AEDs, com composição racial diferenciada. Desse modo, a
hierarquização racial do bairro se configura na seguinte distribuição dos negros:
Bangu/Avenida Brasil (60%); Bangu, Avenida Brasil, Corredor (60%); Bangu, Avenida
Brasil, Marciano (62%). Atualmente, Bangu tem a maior concentração de favelas (133),
como já assinalado, ao contrário da década de 1940, que embora tenha sido grande a
expansão de favelas no Rio de Janeiro, não atingiu a zona Bangu-Anchieta, as mais
distantes dos principais locais de empregos urbanos e menor presença de favelas
(ABREU, 1997, p.106).

6.4 Rede de Ensino Pública e Particular

A história da educação em Bangu também passa pela fábrica, que inaugurou em


1901 a primeira escola, pois antes só existiam salas em casas de professores
particulares. Em 1905, a Fábrica Bangu inaugura uma escola para os filhos dos
operários, denominada Presidente Rodrigues que, em 1917, atendia à demanda do
ensino fundamental para crianças e adultos e foi repassada à Prefeitura do Rio de
Janeiro. Na década de 1930, o decreto municipal no. 4.964 desapropriava uma área de
7.500m2 na estrada Real de Santa Cruz, para a construção de uma escola modelo. Na
década de 1940, precisamente em 1942, é inaugurada a Escola do SENAI, hoje Colégio
Leopoldina da Silveira, em prédio doado pela Fábrica, na Rua da Feira. Ainda nesta
década (1945) foi construída a Escola Têxtil, conforme acordo com o SENAI, na Rua da
Feira. A educação infantil era também responsabilidade da empresa, e não do
município, pois foi construída pela fábrica (SILVA, 1989, p.88-90). Analisando-se as
fotos dos dois estabelecimentos de ensino de propriedade da fábrica, se observa que os
estudantes são brancos (foto em apêndice).

Atualmente, de acordo com a Tabela 48, a rede de ensino de Bangu é


297

majoritariamente pública, ou seja, mais de 71% dos estudantes estão nesta rede,
enquanto a rede privada absorve menos de 30% dos estudantes do bairro. Em 1994, essa
rede conta também com o CIEP Célia Martins Mena Barreto, o Centro Cultural da
Região de Bangu, com sede na Rua Silva Cardoso e o CIEP Dr. Guilherme da Silveira,
no Jardim Bangu.

Mas como em Plataforma, os negros são maioria na rede pública, opção ou


possibilidade de quase 80% dos estudantes negros, enquanto que dos estudantes brancos
vão somente 62,3%. Para a rede privada, ao contrário, vão 37,7% dos brancos e somente
20,8% dos negros. Isto significa que a maioria dos estudantes negros depende do ensino
público, enquanto que parte bem mais substancial dos estudantes brancos investe na
rede privada, como acontece no espaço urbano de toda a metrópole. Assim, o futuro de
novas gerações de descendentes negros depende, diretamente, da qualidade do ensino
assegurada pela rede pública, e, conseqüentemente, sua oportunidade de ascensão
social.

Tabela 48 - Rede de Ensino por Cor ou Raça - Bangu

Cor ou raça
Rede de ensino Total
Branca Negra
Rede particular 11.808 37,7% 8.084 20,8% 19.892 28,3%
Rede pública 19.502 62,3% 30.867 79,2% 50.369 71,7%
Total 31.310 100,0% 38.952 100,0% 70.261 100,0%
Fonte: Elaboração própria, a partir de IBGE (2000).

Como observa Kaztman (2001):


Se os ricos vão a colégios de ricos, se a classe média vai a colégios de classe
média e os pobres a colégios de pobres, parece claro que o sistema
educacional pouco pode fazer para promover a integração social e evitar a
marginalidade, em que pese seus esforços para melhorar as oportunidades
educativas dos que têm menos recursos (KAZTMAN, 2001, p.177).
Analisando a dimensão racial do problema, observamos que a situação é ainda
mais grave do que a estudada pelo autor, na medida em que o sistema educacional
brasileiro não apenas é ineficiente, para promover maior equilíbrio entre as classes
sociais, mas também contribui para perpetuar as desigualdades raciais, provavelmente
agravadas pela localização das escolas em subúrbios distantes, nas quais pouco ou nada
se investe em ensino de qualidade. A segregação raça-classe é cumulativa com a
segregação espacial, e não é apenas o sistema de ensino que permite invertê-las.

6.4.1 Anos de Estudo por Cor ou Raça

É indiscutível a importância da escolaridade na mobilidade social em todo o


298

mundo; no Brasil, foi estudada em vários aspectos por José Pastore e Nelson do Valle
Silva (2000), que afirmam:
A educação é o mais importante determinante das trajetórias sociais futuras
dos brasileiros, importância que vem crescendo ao longo do tempo. Não é
exagero dizer que a educação constitui hoje o determinante central e decisivo
do posicionamento socioeconômico das pessoas na hierarquia social. Por sua
vez, um dos principais problemas estruturais da sociedade brasileira é o baixo
nível educacional da população (PASTORE & SILVA, 2000, p.40).
De fato, no que se refere aos indicadores de escolaridade medida por anos de
estudo, observa-se que no bairro, quase 65% (Tabela 49), de sua população freqüentou
apenas o nível fundamental.

No bairro, os que atingiram de 9 a 11 anos de estudo são apenas 28,1% e o nível


superior, 5,8%. Analisando-se esta mesma tabela, com o recorte racial, verifica-se que
os negros têm menos tempo de estudo. Depreende-se desse quadro que existem
desigualdades raciais importantes, na medida em que os negros estão mais concentrados
nas faixas de menos tempo de estudo, ou seja, de 1 a 4 anos e 5 a 8 anos, que
representam quase 70% dos que só alcançaram este nível de educação. Por outro lado,
os brancos, embora também conheçam um percentual relativamente alto (61,4%), com
até 8 anos de estudo, têm uma vantagem de 9 pontos percentuais em relação aos
estudantes negros em níveis mais elevados. Os negros que estudaram, o fizeram por
menos tempo que os brancos e freqüentaram, sobretudo, o ensino público, de qualidade
em geral inferior à rede privada, como já analisado.
Tabela 49 – Anos de Estudo por Cor ou Raça - Bangu
Cor ou raça
Anos de Estudo Total
Branca Negra
De 1 a 4 anos 26.863 30,0% 37.653 34,9% 64.517 32,7%
De 5 a 8 anos 28.147 31,4% 37.472 34,7% 65.619 33,2%
De 9 a 11 anos 26.861 30,0% 28.601 26,5% 55.462 28,1%
De 12 a 16 anos 7.363 8,2% 4.061 3,8% 11.424 5,8%
17 ou mais anos 308 0,3% 139 0,1% 447 0,2%
Total 89.542 100,0% 107.927 100,0% 197.469 100,0%
Fonte: Elaboração própria, a partir de IBGE (2000).

Além disso, as desigualdades vão se aprofundando, à medida que cresce o número


de anos de estudo. Entre os que alcançaram 9 a 11 (nível médio ou segundo grau) anos
de estudos, os negros são apenas 26,5%, enquanto os brancos são 30,0%. Embora o
nível de escolaridade média seja baixo, para os dois grupos, os negros têm muito menos
acesso aos benefícios que este grau de ensino representa, e que é uma exigência do
mercado de trabalho até para funções de menor valor social, tamanha a demanda por
emprego. No nível superior, como se pode notar, os brancos também estão em
299

vantagem, como era de se esperar tendo em vista as barreiras impostas às pessoas de


bairros populares, em geral, para terem acesso a estes serviços, os quais se concentram
em áreas mais ricas, distantes de bairros proletários como este.

6.5 Perfil Socioeconômico e Desigualdade Racial

6.5.1 Mercado de Trabalho e Desigualdade Racial

A estrutura das ocupações dos moradores de Bangu se caracteriza por diferenças


raciais resultantes da alta seletividade do mercado de trabalho. No conjunto dos
ocupados (Tabela 51), predominam as ocupações no serviço e no comércio, com 39,9%,
seguido dos que estão no setor secundário, com 20,9%. Para um bairro que cresceu
junto com a fábrica têxtil e sua vila operária, não deixa de surpreender o fato das
ocupações do setor terciário serem praticamente o dobro dos empregos industriais.

Temos aqui uma imagem forte dos efeitos do declínio da indústria têxtil. Nas
ocupações administrativas e de técnicos de nível médio estão 12,0% dos primeiros e
10,3% dos últimos, perfazendo 20,3% destes segmentos. Na distribuição dessa força de
trabalho, por cor, há diferenças raciais significativas. No serviço e no comércio, os
negros são amplamente majoritários (43,0% contra 35,9% dos brancos). Também no
setor secundário, os negros são maioria, porém com uma distância menor, uma vez que
representam 22,2% dos ocupados, enquanto os trabalhadores brancos são 19,2%. Isto
quer dizer que o proletariado secundário é mais negro, mas tem um certo equilíbrio
racial, diferentemente do que acontece no sistema de ensino, por exemplo.

Por outro lado, nas funções administrativas e técnicas, os negros passam a perder
posição. Assim, entre os trabalhadores administrativos, os brancos são 13,2% enquanto
os negros, apenas 11,2%. A situação se repete entre os técnicos de nível médio, em que
os brancos são 11,7% e os negros apenas 9,2%, embora aqui também os dois
contingentes tenham tamanho equivalente.

Quanto mais a ocupação está associada à escolaridade, como nas ciências e nas
artes, mais as desigualdades vão se aprofundando. Neste segmento, que apresenta
poucos moradores nesta condição (4,7% dos ocupados), os brancos correspondem a
6,2%, enquanto os negros são apenas 3,6%, mostrando como a menor escolaridade está
associada a limites, nas carreiras profissionais. Seguindo a seletividade do mercado de
trabalho os gerentes, que são poucos (3,1%), têm maioria branca, que excede em 80% o
300

contingente de negros. Interessante ressaltar a maior presença de militares no bairro, em


comparação com Plataforma, que tem apenas 1,3% e nenhum branco, enquanto Bangu
tem 4,4,%, grupo maior que o dos gerentes e um equilíbrio racial com ligeira vantagem
para os brancos (4,7% e 4,2%). Este fato talvez se explique pela proximidade da Vila
Militar na região e outras unidades, em Deodoro e Marechal Hermes (ABREU, 1997, p.
81).

Tabela 50 – Ocupação por Cor ou Raça – Bangu

Cor ou raça
Ocupação Total
Branca Negra
Serviço/comércio 14.059 35,9% 21.385 43,0% 35.444 39,9%
Setor secundário 7.537 19,2% 11.044 22,2% 18.581 20,9%
Administrativo 5.155 13,2% 5.470 11,0% 10.626 12,0%
Técnico médio 4.584 11,7% 4.592 9,2% 9.176 10,3%
Ciências e artes 2.438 6,2% 1.767 3,6% 4.205 4,7%
Militar 1.835 4,7% 2.085 4,2% 3.920 4,4%
Gerente 1.790 4,6% 999 2,0% 2.789 3,1%
Manutenção 1.109 2,8% 1.657 3,3% 2.767 3,1%
Mal especificada 475 1,2% 608 1,2% 1.083 1,2%
Setor primário 185 0,5% 129 0,3% 314 0,4%
Total 39.168 100,0% 49.736 100,0% 88.904 100,0%
Fonte: Elaboração própria, a partir de IBGE (2000)

No que diz respeito aos trabalhadores, que estão no mercado de trabalho formal
(Tabela 51), são apenas 43,0%, ou melhor, menos de 45% considerando-se o pouco
expressivo 1,9% daqueles que estão no serviço doméstico em condição legalizada. Do
outro lado, entre os que estão na informalidade, somando 25,2% do geral, mais
domésticos, com 4,7, estagiário ou aprendiz com 0,5%, e ajuda a membro do domicílio,
perfazem 31% da força de trabalho. Além disso, os trabalhadores por conta-própria,
com participação de 21,7%, mostram que mais da metade dos ocupados não se beneficia
da legislação trabalhista e, provavelmente, são afetados pela precarização dos postos de
trabalho.

Na estratificação sociocupacional do bairro, a presença dos empregadores é


pequena, representando apenas 1,6% do total do pessoal ocupado. Embora pequena, esta
categoria é majoritariamente branca, na medida em que os brancos apresentam um
efetivo com mais que o dobro dos negros. Isso mostra que na diferenciação de classe, a
raça joga um papel fundamental, já que as posições de mando dos empregadores, como
a dos gerentes, no quadro anterior, são de forte supremacia branca, enquanto o
proletariado é sobretudo negro. Os trabalhadores domésticos negros representam mais
que o dobro do contingente branco. Não é demais lembrar que no espaço de Bangu,
301

desde o século XVII, o mando é branco, o trabalho é negro.


Tabela 51 - Posição na Ocupação por Cor ou Raça
Cor ou raça
Posição na Ocupação Total
Branca Negra
Trabalhador doméstico formal 507 1,3% 1.210 2,4% 1.717 1,9%
Trabalhador doméstico informal 1.231 3,1% 2.941 5,9% 4.172 4,7%
Empregado com carteira assinada 16.575 42,3% 21.626 43,5% 38.201 43,0%
Empregado sem carteira assinada 10.174 26,0% 12.271 24,7% 22.444 25,2%
Empregador 1.050 2,7% 348 0,7% 1.398 1,6%
Conta-própria 9.014 23,0% 10.266 20,6% 19.279 21,7%
Aprendiz ou estagiário 156 0,4% 289 0,6% 445 0,5%
Ajuda membro do domicílio 443 1,1% 764 1,5% 1.206 1,4%
Produção do próprio consumo 19 0,0% 22 0,0% 41 0,0%
Total 39.168 100,0% 49.736 100,0% 88.904 100,0%
Fonte: Elaboração própria, a partir de IBGE (2000)

Este quadro, em conseqüência, vai refletir-se nos baixos índices de contribuintes


da previdência social básica, que representam apenas 23,1% da população ocupada
(Tabela 52). A análise desagregada em termos raciais mostra que o grau de
informalidade é maior entre os negros, já que eles são apenas 20,4% nesta condição, e
os brancos, 26,3%. Se, desde o início do século XX, presidentes da república
prestigiaram a Fábrica Bangu, o sistema de previdência implantado pelo Estado, desde
os anos de 1930, deixa excluídos 3/4 dos trabalhadores ou 4/5 dos negros. Assim, a
“democratização” do Estado parece ser restrita à classe patronal.
Tabela 52 - Previdência Social por Cor ou Raça
Cor ou raça
INSS Total
Branca Negra
Contribuinte 4.667 26,3% 4.423 20,4% 9.090 23,1%
Não contribuinte 13.096 73,7% 17.227 79,6% 30.322 76,9%
Total 17.763 100,0% 21.649 100,0% 39.412 100,0%
Fonte: Elaboração própria, a partir de IBGE (2000).

6.5.2 Renda Domiciliar e Desigualdades Sócio-Raciais

No que se refere à distribuição de renda no bairro, observa-se estratificação tanto


social como racial. No conjunto dos mais pobres (de até 1 salário mínimo e 1 a 2
salários mínimos), o percentual chega a 13,3% dos domicílios. Os que não possuem
rendimento chegam a quase 7% e devem representar aqueles que vivem nas favelas
menos estruturadas. Por outro lado, a estratificação racial apresenta importantes
diferenças, ou melhor desigualdades. Entre os sem rendimentos, os negros são maioria
no bairro. Sobre-representados (6,6% contra 4,9%), estão entre os mais pobres, na
medida em que são 5,0% dos que estão na faixa de até 1 salário mínimo, assim como
302

entre os que moram em domicílios com renda de 1 a 2 salários mínimos (10,2% contra
7,4% dos brancos). Ou seja, a indigência (6,6% de negros contra 4,9% de brancos), e a
pobreza são, aqui, principalmente, negras. Também na faixa dos menos pobres (2 a 3
salários mínimos) os negros são maioria, na medida em que os domicílios brancos são
9,2% e os domicílios negros 11,3%.
Tabela 53 – Renda Domiciliar por Cor ou Raça -
Cor ou raça
Renda domiciliar Total
Branca Negra
Sem rendimento 5.432 4,9% 8.706 6,6% 14.138 5,8%
Até 1 SM 3.893 3,5% 6.650 5,0% 10.542 4,4%
De 1 a 2 SM 8.123 7,4% 13.522 10,2% 21.645 8,9%
De 2 a 3 SM 10.069 9,2% 14.926 11,3% 24.995 10,3%
De 3 a 5 SM 20.246 18,4% 26.794 20,2% 47.040 19,4%
De 5 a 10 SM 31.892 29,1% 38.278 28,9% 70.170 29,0%
De 10 a 20 SM 22.651 20,6% 19.235 14,5% 41.886 17,3%
Mais de 20 SM 7.435 6,8% 4.245 3,2% 11.680 4,8%
Total 109.741 100,0% 132.355 100,0% 242.097 100,0%
Fonte: Elaboração própria, a partir de IBGE (2000).

Na classe média baixa (3 a 5 salários mínimos), os negros também estão em


maioria, uma vez que nesta faixa representam 20,2% contra 18,4% dos domicílios
brancos. Contudo, no que se pode considerar classe média (5 a 10 salários mínimos),
existe um equilíbrio entre negros e brancos, com 29,1 e 28,9%, respectivamente, o que
mostra que para a classe média do bairro não existe diferença racial significativa nesse
indicador. Note-se, todavia, que a partir das faixas de maior renda por domicílio, a
desigualdade racial se acentua. Assim, nas faixas de 10 a 20 salários mínimos, os
brancos estão bastante sobrerepresentados, com 20,6% enquanto os negros são apenas
14,5%. Da mesma forma, os brancos que se encontram no extremo superior da faixa de
renda (os que estão na faixa de mais de 20 salários) representam 6,8% contra apenas
3,2% dos domicílios negros. A análise com o corte racial revela, portanto, que no
interior da classe trabalhadora de um bairro operário-popular, bastante diferenciado, a
divisão racial é evidenciada por estes dados, embora a ideologia racial não aponte para
sua existência. Na perspectiva de Ricardo Henriques (2001):
O reconhecimento de que a maioria dos negros pertence aos segmentos de
menor renda per capita e que os negros ricos são menos ricos que os brancos
ricos nos permite derivar uma clivagem socioeconômica que pode traduzir-se
em dois mundos: um ‘Brasil branco’ mais rico e mais desigual e um ‘Brasil
negro’ mais pobre e mais equânime. Podemos, portanto, construir dois
mundos hipotéticos – o Brasil da população branca e o Brasil da população
negra – procurando analisar as suas diferenças (HENRIQUES, 2001, p.20). .
É nesta ótica que devemos analisar as desigualdades na distribuição dos bens
urbanos, nos domicílios que compõem o grande bairro-cidade, que é Bangu. Na
303

trajetória singular de Bangu, passando de engenho, com senzala, à fábrica com vila-
operária, para chegar a subúrbio, bastante populoso e diferenciado em áreas de maioria
branca e outras de maioria negra, em territórios urbanizados e favelas, vê-se que os
contingentes de trabalhadores negros estão concentrados nas faixas mais desprovidas de
meios de organizar sua subsistência.

6.6 Bens Urbanos e Desigualdades Raciais

Nesse contexto, a análise de bens duráveis, escolhidos para avaliar o padrão de


consumo dos moradores do bairro, como máquina de lavar roupa, telefone e automóvel,
serve mesmo para o estudo daqueles segmentos da população que podem ser
caracterizados como classe média, como visto para a escala intra-urbana.

No que se refere à posse de máquina de lavar roupa, pode-se considerar que a


situação dos domicílios com este equipamento é bem razoável, pois mais da metade
deles (59%) já a possui, sobretudo se comparado à Plataforma, onde apenas 14,3%
adquiriu este tipo de equipamento. Entretanto, ao desagregarmos a posse deste bem, a
partir do recorte racial, constatamos que os domicílios negros estão em desvantagem,
pois enquanto os domicílios brancos são 64,3% dos consumidores deste produto, os
negros são apenas 54,5% (Tabela 54).
Tabela 54 – Máquina de Lavar por Cor ou Raça - Plataforma
Cor ou raça
Lavadora Branca Negra Total
Sim 68.867 64,3% 69.540 54,5% 138.407 59,0%
Não 38.162 35,7% 57.974 45,5% 96.136 41,0%
Total 107.029 100,0% 127.514 100,0% 234.543 100,0%
Fonte: Elaboração própria, a partir de IBGE (2000)

Quanto à posse de linha de telefone (Tabela 55), observa-se um percentual baixo,


considerando-se que o bairro é muito distante das áreas mais centrais, e que apenas
34,6% dos domicílios contam com este serviço, embora tenha ocorrido melhoria na
aquisição de bens duráveis, na década de 1990 (HENRIQUES, 2001, p.44). Também
surpreende, porque em comparação com Plataforma, que é um bairro mais pobre, com
uma classe média bem menor, a percentagem equivalente é de 36,4%. No que diz
respeito ao consumo, as diferenças são também expressivas. Enquanto nos domicílios
de brancos o percentual é de 40,3%, nos dos negros chegam a apenas 29,5%. Ou seja, a
distância entre negros e brancos, neste indicador, é de quase 11 pontos percentuais.
Portanto, assim como para bens de consumo duráveis, adquiridos mediante compra, o
304

acesso aos bens sob controle de empresas controladas pelo Estado, também é
nitidamente diferenciado, segundo a raça do dono do domicílio. Tanto no mercado
quanto na relação com o Estado não há igualdade de tratamento.
Tabela 55 – Domicílios com Telefone por Cor ou Raça - Bangu
Cor ou raça
Telefone Branca Negra Total
Sim 43.124 40,3% 37.658 29,5% 80.782 34,4%
Não 63.904 59,7% 89.857 70,5% 153.761 65,6%
Total 107.029 100,0% 127.514 100,0% 234.543 100,0%
Fonte: Elaboração própria, a partir de IBGE (2000).

6.6.1 Transporte Coletivo e Individual

Como Plataforma, o bairro de Bangu cresceu, a partir da instalação da ferrovia,


que por sua vez atraiu empresas, que se desenvolveram no seu entorno, numa estratégia
de acumulação, aprovada pelo Estado, para expansão urbana, em um modelo que
favoreceu os detentores do capital, em detrimento dos interesses da classe trabalhadora,
como ocorre, recorrentemente, em nossa história.

Não podemos esquecer também, a estreita vinculação entre especulação com


terras urbanas e modelo de desenvolvimento, com o Estado preparando a infra-estrutura
para os investimentos privados. De acordo com Silva (1989, p.74-76), a inauguração do
ramal ferroviário de Santa Cruz, em 2 de dezembro de 1878, constituiu-se,
naturalmente, em importante fator de progresso para a região. Aliás, a presença da
estrada de ferro no local seria uma das razões que levariam a Companhia Progresso
Industrial do Brasil a instalar sua fábrica em Bangu. E como mostra a autora citada,
outros benefícios adicionais eram diretamente associados ao poder político nacional:
“Quando, a 14 de novembro de 1910 se inaugurou a linha circular da estrada de ferro,
valorizando as terras da Companhia e tornando mais fácil o transporte da região, o
presidente Nilo Peçanha voltaria a Bangu para prestigiar a solenidade” (SILVA, p.11,
74).
305

Tabela 56 – Automóvel por Cor ou Raça

Cor ou raça
Automóvel Branca Negra Total
Não tem 65.091 60,8% 96.635 75,8% 161.727 69,0%
1 automóvel 34.766 32,5% 28.109 22,0% 62.876 26,8%
2 automóveis 6.155 5,8% 2.560 2,0% 8.715 3,7%
3 automóveis 829 0,8% 165 0,1% 994 0,4%
4 automóveis 187 0,2% 45 0,0% 232 0,1%
Total 107.029 100,0% 127.514 100,0% 234.543 100,0%
Fonte: Elaboração própria, a partir de IBGE (2000

A Estação Ferroviária de Bangu, em 1890, o ramal ferroviário de Santa Cruz, em


1892, entre outras obras, viabilizaram um progressivo processo de urbanização e de
integração, na malha urbana dos subúrbios da região. De fato, os trens foram
responsáveis pela rápida transformação das freguesias, até então rurais (ABREU, 1997,
p. 19). Em 1890, é inaugurada a Estação de Bangu, da Estrada de Ferro Central do
Brasil, ligando toda essa região que fica à margem da Estrada de Ferro Central do
Brasil, distante cerca de 1 hora do centro.

De acordo com Abreu (1997, p. 103), nos anos 1950, ocorreu a transferência de
indústrias remanescentes do centro, mas o que distingue o crescimento industrial da
cidade, nessa época, é a ocupação efetiva de um novo eixo de expansão fabril
implantado pelo Estado, que foi a construção da Avenida Brasil. Para o autor, a
inauguração desta avenida, em 1946, é o melhor exemplo da associação Estado-
Indústria no período. A referida avenida, que tem uma extensão de cerca de 58 km,
também dá acesso ao bairro de Bangu e, em situação normal de tráfego, leva-se cerca de
1:30 horas de ônibus, a partir do centro da cidade, até 3 horas nas horas de pico.

No que se refere ao transporte individual, o bairro tem 26,8% dos domicílios que
gozam deste “privilégio”, considerando-se que é um bem de consumo individual das
classes de melhor poder aquisitivo. Cabe lembrar que, mesmo assim, nas classes de
menor renda, geralmente a posse deste produto está associada ao mercado de carros
usados, que tem preços para diferentes faixas de renda, dependendo do ano e da
conservação do automóvel. Além disso, para muitos autônomos é um meio de trabalho.
De todo modo, mostra uma população de melhor poder aquisitivo que a de Plataforma,
que tem apenas 8,3% de domicílios com um carro, o que reflete as desigualdades
regionais.

Mas também em Bangu, a posse de carro mostra-se extremamente desigual, nos


domicílios negros e brancos. Entre os sem automóvel, os negros apresentam um
306

percentual de 15 pontos superior ao contingente equivalente dos brancos. Se o cavalo


marcava a hierarquia do passado rural, o carro materializa a hierarquia do mando atual,
com o mesmo grupo de negros a pé. Seria esta uma imagem forte dos obstáculos à
mobilidade?

6.7 De Senzala à Vila Operária-Bairro-Popular

Como vimos no brevíssimo histórico do bairro, a organização espacial de Bangu,


com origem em fazenda, a instalação de engenho e, provavelmente de senzala, já que
era o modelo de organização socioespacial da sociedade escravista, passando à vila
operária, simboliza bem a transição do processo de dominação escravista e burguesa.
Nos trabalhos consultados, fala-se em mão de obra escrava sem nenhuma referência ao
local de moradia, mas como é sabido, nos engenhos existiam senzalas, como modelo de
controle absoluto sobre todos os momentos da vida dos escravos.

Em Sobrados e Mocambos, onde analisa a decadência do patriarcado rural e o


desenvolvimento urbano, Gilberto Freyre (1968, p.189) apresenta a planta de uma
chácara no Rio de Janeiro, na segunda metade do século XIX, com uma senzala, o que
parece confirmar a continuidade desse costume ainda por bom tempo, depois da crise do
escravismo. Fridman (1999, p. 204) oberva que: “O Marechal Justiniano da Silva
Pimentel (1876-78), o ‘superintendente urbanista’, propôs mudanças nos transportes, na
rede viária, na distribuição da mão-de-obra e na reforma do cemitério. Naquele
momento, ainda havia 348 senzalas na fazenda”. Aliás, a transição entre o modelo de
casa grande – senzala para o sobrado e o mocambo urbano, não parece ter representado
ruptura do paradigma que norteava a elite escravista. Os burgueses emergiram da nossa
Revolução Industrial tardia, como se vê no modelo de vilas operárias, nas atuais
residências de luxo e mesmo nos prédios da classe média, com os quartinhos de
empregadas domésticas. Mesmo em nível do imaginário, do ideal, um mesmo padrão de
moradia decente para todos não chegou a predominar com a força de um paradigma que
impedisse a reprodução de formas sub-humanas de habitação.

De acordo com Lilian Vaz (2002, p. 47), o modelo de habitação higiênica para
trabalhadores foi apropriado e aprimorado pelas grandes fábricas de tecidos que se
instalaram na cidade do Rio de Janeiro no final do século XIX. Este modelo de fábricas
com vila operárias foi muito freqüente no Nordeste, como estudado por José Sérgio
Leite Lopes (1979). Mas antes da instalação das vilas operárias, eram freqüentes os
307

quartos ou ‘dormitórios de solteiros’, isto é, estalagens e casas de cômodos. Elas


predominaram em fábricas dos bairros de Laranjeiras (1880), Jardim Botânico (1886),
Vila Isabel (1887), Gávea (1889), Engenho Velho (1893), Tijuca (1904), Deodoro
(1906), Botafogo/Andaraí (1907) e Ponta do Caju, com fábrica têxtil e de velas, em
1911 (VAZ, 2002, p. 47).

No caso de Bangu (não citado pela autora), a vila foi contruída em 1886, com a
função de abrigar os trabalhadores (SILVA, 1989, p. 64-65). Segundo esta autora92, ao
mesmo tempo em que se erguia o prédio da fábrica, construía-se, com sobras (grifo
nosso) de material, uma vila residencial denominada de ‘casinhas’ pelos ingleses –
técnicos e operários, próxima ao local de trabalho. Essa vila, concluída em 1892, tinha
95 casas, distribuídas por três quadras da Rua Estêvão e da Rua Fonseca. Ainda segundo
a autora, a primeira reforma sofrida por estas casas ocorreu em 1895, quando se
introduziram sanitários no seu interior, ampliando-se a cozinha e acrescentando-se um
terceiro quarto às dependências. Nesta história oficial, obviamente não aparece o
trabalhador como agente construtor do espaço, nem no pretérito nem no presente,
reivindicando melhores condições nestas moradias, reconhecidamente precárias.
Certamente ocorreram movimentos neste sentido, visto que, desde 1907, já existia o
Sindicato dos Trabalhadores em Fábrica de Tecido, a União dos Operários em Fábricas
de Tecidos e o Sindicato dos Trabalhadores Tecelões, fundado em 1917; mesmo sem
organizações formais, existem formas diversas de reivindicar direitos.
Lamentavelmente, pela falta de tempo para trabalho de campo aprofundado, não temos
a voz da classe trabalhadora sobre esta como sobre outras questões, como as analisadas
para o caso de Plataforma.

Nesse processo de transformação do espaço e expansão do bairro, a partir desta


fábrica, novas construções ocorreram em 1896, ainda sob a responsabilidade da fábrica,
e também a ferrovia, investimentos que andaram juntos nesse tipo de industrialização.
Note-se o crescimento da demanda, antes mesmo da sua inauguração, em 1889, seguido
de involução do tipo de moradia. “Essas casas eram de três tipos: sete iguais às da vila
operária, três menores (com sala, dois quartos, banheiro e cozinha) e 40 compartimentos
de porta e janela, isto é, pequenas casas de um único cômodo” (SILVA, 1989).

O modelo de desenvolvimento do capitalismo adotado combina, tanto a


construção de vilas, cujas casas são alugadas aos operários, como o loteamento de
92
Do livro Bangu 100 Anos: a fábrica e o bairro. Sabiá Produções Artísticas, Rio de Janeiro, 1989
308

terrenos, tal como ocorreu em Plataforma. De fato, como mostra a autora supra citada,
que escreveu o livro comemorativo do centenário da fábrica, na medida em que crescia
a demanda por moradia, o capitalista foi ampliando seu capital, com a valorização
fundiária e imobiliária. Como descreve a autora:
Foi adquirida também uma residência, dando partida para outra meta, a
compra de qualquer benfeitoria na área. A partir de 1897, a Companhia
começou uma política de conservação dos imóveis, de modo a valorizá-los,
enriquecendo com isso seu patrimônio. No ano seguinte, a diretoria mandou
construir uma vala empedrada entre os quintais das casas da Rua Fonseca e
os da Rua Estêvão, cuja função era drenar o terreno, servindo igualmente para
dar pronta saída às águas pluviais, que em época de temporal causavam
grandes enchentes. Foram também realizadas compras de prédios para
acomodar famílias de funcionários. Como o número de moradias continuasse
inferior ao dos pretendentes, a Companhia resolveu em 1906 adotar a política
de concessão de terrenos para que eles construíssem suas próprias casas
(SILVA, 1989, p. 64-65).
Como em Plataforma, também foi construída uma residência dos representantes
dos patrões, ou seja, representando a hierarquia ocupacional também no território. A
hierarquia da fábrica se inscreveu no espaço urbano, como mostra a preocupação com
os “visitantes ilustres”: “(...) ainda foi construído um chalé na Rua do Engenho, cuja
finalidade era servir de residência ao administrador da fábrica e de local de recepção de
visitas ilustres” (SILVA, 1989, p. 64-65).

Na realidade, o processo descrito sobre a construção de habitações de Bangu é


parte da intervenção do Estado, para que os industriais construíssem ‘casas populares
higiênicas com fossas, dependência de cozinha e de lavanderia elevadas do solo e com
boa aeração’. Nesse sentido, foi promulgado um decreto Legislativo de 8/2/1888, que
concedeu privilégios de isenção de impostos sobre importação de materiais de
construção, e de concessão de terrenos e edifícios à firma que se propusesse a edificar
casas populares, conforme Abreu (1997, p.57). Desse modo, além desse modelo manter
a classe trabalhadora sob controle do patronato, à semelhança do modelo escravista, a
burguesia era premiada, ao não cumprir com a sua responsabilidade com a reprodução
da força de trabalho, na medida em que o Estado abria mão de recursos públicos para
garantir a lucratividade maior de empreendimentos que assegurassem normas de
higiene. Mas apesar destas vantagens, Abreu (1997 , p.57) afirma que a construção de
vilas operárias não eliminou os cortiços, que continuavam a abrigar a população pobre
da cidade, ainda concentrada no centro, que veio a abandonar no começo do século XX.

O Estado, na preparação da cidade para o desenvolvimento do capital,


empurrando os pobres dos cortiços para áreas suburbanas, tratou também de transformar
309

bairros operários da Zona Sul em bairros para a burguesia, ao impedir que fosse
instalada a ferrovia nesta região, posteriormente transformada, graças a investimentos
públicos e privados, em bairros da burguesia branca, como vimos no estudo geral sobre
a cidade. Conforme Abreu (1997, p.57), isso explica, por exemplo, porque foi frustrada
a construção da única estrada de ferro que atravessaria a zona sul da cidade. Não foi a
topografia que impediu a implantação de redes de transporte coletivo, mas a reserva de
espaços urbanos para a residência de grupos mais abastados. A diferença entre Bangu,
Gávea e Laranjeiras foi assim também fruto de suas decisões. É no século XX que a orla
oceânica da Zona Sul torna-se área privativa dos grupos privilegiados.

De acordo com Abreu (1997), o período de 1906-1930 caracterizou-se pela


expansão notável do tecido urbano do Rio de Janeiro, e efetuou-se em dois vetores de
crescimento bem distintos:
De um lado, a ocupação das zonas sul e norte pelas classes média e alta
intensificou-se e foi comandada em grande parte pelo Estado e pela
companhias concessionárias de serviços públicos. De outro, os subúrbios
cariocas e fluminenses cada vez mais se solidificaram como local de
residência do proletariado que para aí se dirigiu em números crescentes. Ao
contrário da área nobre, entretanto, a ocupação suburbana se realizou
praticamente sem qualquer apoio do Estado ou das concessionárias de
serviços públicos, resultando daí uma paisagem caracterizada principalmente
pela ausência de benefícios urbanísticos (ABREU, 1997, p.82).
Outras formas de produção do espaço dos subúrbios, em particular os da Zona
Oeste, mas sempre com a participação significativa do Estado, têm, historicamente
garantido uma mais que perfeita divisão das classes e das raças no espaço. De acordo
com Fania Fridman (1999, p.249-50), na cidade colonial a estocagem de terra, além de
uma herança feudal, fazia parte de uma estratégia de acumulação de riqueza pelas
ordens religiosas, e seus patrimônios territoriais interferiram nas formas de organização
do espaço e na expansão urbana. “Desse modo, os loteamentos, iniciados no século
XIX, consolidaram a mercantilização da terra, sob controle de empresas imobiliárias,
com fortes conexões com a ação do Estado”.

De acordo com a autora, a Zona Oeste foi a mais loteada da cidade nos últimos 50
anos, tanto para o mercado popular como para o mercado de altas rendas, com preços
distintos. Mas a Barra e adjacências, parceladas neste período, só foram ocupadas nos
anos 1970, caracterizando o hiato no tempo da constituição de estoques fundiários. A
distância entre o tempo de compra da terra e a verticalização é determinante para o
preço da moradia, e a Barra da Tijuca é um caso exemplar, afirma a autora. As
desigualdades socioespaciais e raciais não são obras do acaso, mas fruto de estratégias
310

das classes dominantes, na estruturação do espaço urbano, e todos os instrumentos que


acionam para garantir e perpetuar a subordinação da classe trabalhadora. A
marginalização de um subúrbio como Bangu não estava inscrita no crescimento
industrial do século XIX, como se pode constatar hoje, na observação de locais de
fábricas com vilas-operárias, como Gávea, Laranjeiras ou Vila Isabel.

Neste contexto, as atuais condições de moradia de bairro tão populoso como


Bangu se caracterizam por um número não muito significativo de domicílios próprios
(65,1%), se comparado com Plataforma, que tem 86,2% nessa condição e, mesmo com
a cidade do Rio de Janeiro, com 68,5%. Além disso, mostra que seus moradores
evoluíram pouco na conquista da casa própria, da década de 1940, quando 61,2% dos
domicílios já eram próprios, de acordo com Ribeiro (1997, p. 162), e como estudado
anteriormente (Tabela 47). De outro lado, os que ainda pagam seus imóveis são 17,9%,
e os domicílios alugados são 11,1% representando, com as outras formas de moradia,
mais de 1/3 do total. Comparando-se com Plataforma, aqueles que ainda estão pagando
seus imóveis, 17,9%, em Bangu, contra apenas 0,8%, vê-se uma grande diferença do
mercado de moradia entre os dois bairros, o que pode significar que em Bangu existe
mais oferta de moradia, no sistema formal, do que em Plataforma, onde apesar do
controle e muita pressão da União Fabril, invasões ocorreram e ainda ocorrem. De
forma interessante, vemos que a condição dos domicílios se distribui, de forma
sensivelmente próxima, em ambas as categorias raciais, com os dois grupos atingindo
83% de domicílios próprios.
Tabela 57 – Condição do Domicílio por Cor ou Raça
Condição do Cor ou raça
domicílio Branca Negra Total
Próprio, já pago 71.455 66,8% 81.218 63,7% 152.673 65,1%
Próprio, pagando 17.315 16,2% 24.619 19,3% 41.933 17,9%
Alugado 12.440 11,6% 13.619 10,7% 26.059 11,1%
Cedido/empregador 156 0,1% 520 0,4% 676 0,3%
Cedido/outra forma 4.298 4,0% 5.824 4,6% 10.122 4,3%
Outra condição 1.364 1,3% 1.715 1,3% 3.079 1,3%
Total 107.029 100,0% 127.514 100,0% 234.543 100,0%
Fonte: Elaboração própria, a partir de IBGE (2000).

No que se refere aos que vivem como inquilinos, os brancos aqui são ligeira
maioria (11,6% e 10,7%), o que não representa grande diferença com Plataforma, nem
com a distribuição no conjunto da cidade. Mas isto não permite concluir que a forma
específica de ocupação do solo, característica de bairros com origem nas vilas operárias,
determine as diferenças raciais. Entretanto, entre os que ainda estão pagando seus
311

imóveis, há diferenças raciais, não tão discrepantes como observadas em outros


indicadores.

Sem condições de analisar a questão da moradia pela sua qualidade, a única coisa
que pode indicar maiores diferenças são as favelas que compõem o bairro, e que na
divisão pelas seis AEDs, mostram uma hierarquização racial interna significativa:
Bangu/Santa Cruz/Rua Prata (60% de branco e 40% de negro); Bangu–Rua Prata Sul
(51% de brancos e 49% de negros); Bangu-Marciano-Santa Cruz (50% de brancos e
50% de negros); Bangu-Avenida Brasil/Marciano (38% de brancos e 62% de negros);
Bangu-Avenida Brasil/Corredor (39% de brancos e 61% de negros) e Bangu-Avenida
Brasil (40% de brancos e 60% de negros). Esta divisão corresponde a forte concentração
dos “pretos” pelos dados originais do IBGE. Ou seja, mesmo sendo um bairro de
maioria negra (54,1%), conforme Tabela 47, a população não se distribui
uniformemente no espaço, e a julgar por análises anteriores, é muito provável que esta
maioria esteja concentrada nas inúmeras favelas que hoje compõem o bairro, e,
conseqüentemente em piores condições de habitabilidade.

6.8 Serviços Públicos e Discriminação Racial

6.8.1 Saúde e Saneamento

A assistência à saúde da população também foi responsabilidade da fábrica por


um longo período. De acordo com Silva (1989, p. 91-3), a empresa, desde o início de
suas atividades, criou uma Caixa Beneficente que prestava serviços médicos e
farmacêuticos, procedia à distribuição de medicamentos, subvenção de enterros,
financiamento de casas e auxílios pecuniários, todos os benefícios através de donativos,
além de recursos aos operários. Este serviço foi instalado numa dependência da Fazenda
Bangu, e com o crescimento da demanda – cerca de 30 mil atendimentos por ano – fêz-
se necessária a construção de um prédio mais amplo, que abrigasse consultório,
ambulatório, depósito de remédio e aparelhos médicos. Ainda segundo a autora, a
contribuição da Companhia na área da saúde extrapolou o âmbito local, uma vez que a
empresa fez doações a órgãos públicos, em diversos níveis, para a construção na década
de 1940, do Centro de Saúde. e do Hospital Almeida Magalhães. Com se vê, a
subordinação burguesa, característica da organização espacial do binômio fábrica-vila,
atinge todos os aspectos da vida do lugar, como apontado por José Sérgio Leite Lopes
(1979).
312

O grau de dominação capitalista neste modelo de desenvolvimento se dá, também,


no controle dos recursos naturais, a partir do controle fundiário das fazendas, com uma
estratégia muito clara por parte dos capitalistas que ocuparam e transformaram este
espaço, como mostra Silva (1989):
O engenheiro Henrique De Morgan Snell, ao escolher as terras da Fazenda
Bangu para ali instalar a fábrica, levou em consideração dois fatores
fundamentais: a existência de mananciais de água e a vizinhança da estrada
de ferro. Eles seriam imprescindíveis para o escoamento da produção futura.
Quanto à água, sua utilização é indispensável em seis das oito etapas pelas
quais passa o processo de fabricação têxtil, da matéria-prima ao tecido
acabado (SILVA, 1989, p.78).
A dependência, não só dos trabalhadores da fábrica e da vila operária, mas de toda
a população, dos recursos naturais apropriados pela empresa, nos dá a dimensão do grau
de subordinação que o uso privado do solo impõe e, mais uma vez, Silva (1989) deixa
claro, embora sua análise tenha outra perspectiva:
Por isso, já em 1889 a Companhia dava início à canalização de água,
captando-a de duas nascentes nas serras do Guandu e de Bangu, acumulando-
a na ‘caixinha’, um depósito de cimento construída no sopé das serras (...)
Naturalmente, além do uso industrial, a água servia também para o consumo
dos trabalhadores (...) No percurso da canalização, houve a colocação de seis
torneiras que forneciam água ao povo (SILVA, 1989, p.78).
Como descreve a autora, o processo foi longo e, à medida que cresciam a
produção e o bairro, outros mananciais foram comprados, mas apenas em 1937, o
Governo Federal instalou na área a rede de fornecimento de água. Embora seja um
serviço tão fundamental, não será objeto de nossa análise, por já estar quase
universalizado. Mesmo sabendo que a universalização não significa o acesso igualitário
pelos segmentos raciais e sociais, como observado na escala intra-urbana, ou seja,
mesmo que a quase totalidade dos domícílios esteja ligada à rede geral, sua distribuição,
pelas concessionárias desse serviço, se dá de forma desigual entre bairros ricos e bairros
pobres, a exemplo da falta dágua que atinge os últimos, pois são servidos por
reservatórios menores.

Fundamentais para a saúde e o bem-estar da população, a coleta do lixo e o


esgotamento sanitário, principalmente, além do calçamento por rua, são os indicadores
que escolhemos para verificação da eqüidade ou não de acesso dos moradores do bairro
aos serviços públicos essenciais.

Nota-se que existe uma boa cobertura do serviço de coleta geral do lixo, que
chega a quase 92% (Tabela 58) dos domicílios. Entretanto, estas condições materiais de
vida ainda não são verdadeiramente universalizadas, pois há diferenças raciais, embora
313

não no mesmo grau observado para outros indicadores. Note-se que, mesmo o alto
número de lixo queimado em domicílios de brancos é superior ao dos negros, o que
pode ser interpretado como domicílios que dispõem de quintal, situação rara nas cidades
contemporâneas.

6.8.2 Coleta de Lixo

Tabela 58 – Coleta do Lixo por Cor ou Raça

Cor ou raça
Coleta de lixo Branca Negra Total
Coletado por serviço
99.239 92,7% 116.149 91,1% 215.388 91,7%
de limpeza
Colocado em caçamba
5.513 5,2% 8.276 6,5% 13.789 5,9%
de serviço de limpeza
Queimado (na
1.186 1,1% 884 0,7% 2.070 0,9%
propriedade)
Jogado em terreno
260 0,2% 601 0,5% 861 0,4%
baldio ou logradouro
Jogado em rio, lago ou
195 0,2% 405 0,3% 600 0,3%
mar
Tem outro destino 635 0,6% 1.199 0,9% 1.834 0,8%
Total 107.029 100,0% 127.514 100,0% 234.543 100%
Fonte: Elaboração própria, a partir de IBGE (2000).

6.8.3 Rede de Esgoto

O esgotamento sanitário alcança somente 60,7% dos domicílios, e no que diz


respeito à rede geral (Tabela 59), é ainda muito alto o percentual de domicílios com
fossa séptica (34,1%). Neste indicador, como no anterior, as diferenças raciais não são
expressivas e, surpreendentemente, os domicílios negros apresentam uma ligeira
vantagem (61,0% contra 60,4%), o que vai se inverter, nos demais indicadores de rede
de esgoto: fossa rudimentar, vala, rio, lagoa, etc. Apesar disso, aqui o serviço público,
ou de concessionária garantiu um certo equilíbrio racial, mostrando que as condições de
residência para brancos e não brancos tendem a se aproximar nesse ponto do espaço
urbano.
Tabela 59 – Saneamento Básico por Cor ou Raça - Bangu
Esgotamento Cor ou raça
Sanitário Branca Negra Total
Rede geral 64.574 60,4% 77.702 61,0% 142.276 60,7%
Fossa séptica 37.295 34,9% 42.593 33,4% 79.888 34,1%
Fossa rudimentar 1.631 1,5% 2.053 1,6% 3.684 1,6%
Vala 2.132 2,0% 2.366 1,9% 4.497 1,9%
Rio, lago ou mar 1.019 1,0% 1.834 1,4% 2.852 1,2%
Outro escoadouro 231 0,2% 806 0,6% 1.037 0,4%
Total 106.880 100,0% 127.354 100,0% 234.234 100,0%
Fonte: Elaboração própria, a partir de IBGE (2000).
314

6.8.4 Calçamento de Ruas

Já no tocante a calçamento de rua, que chega a apenas 84,7% do bairro, no que se


refere a ruas totalmente calçadas, a desigualdade racial é maior, na medida em que
86,0% dos brancos moram em ruas totalmente calçadas enquanto os negros, apenas
83,6%. Esta desigualdade é constante também, no que se refere às ruas parcialmente
calçadas, e sem nenhum calçamento, conforme Tabela 60. Mas, comparando-se este
serviço com o de Plataforma, a discriminação da administração pública baiana é bem
maior, embora como já dito, seja um bairro eminentemente negro.
Tabela 60 – Calçamento por Cor ou Raça
Cor ou raça
Calçamento Branca Negra Total
Total 92.336 86,0% 106.760 83,6% 199.095 84,7%
Parcial 3.605 3,4% 4.924 3,9% 8.529 3,6%
Não existe 9.199 8,6% 13.713 10,7% 22.912 9,7%
Ignorado 2.290 2,1% 2.336 1,8% 4.626 2,0%
Total 107.429 100,0% 127.733 100,0% 235.162 100,0%
Fonte: Elaboração própria, a partir de IBGE (2000).

Por fim, as fábricas têxteis que deram origem aos bairros de Plataforma e Bangu,
atualmente desativadas, foram igualmente tombadas, mas com distintas propostas de
utilização. Em Plataforma, a AMPLA (Associação dos Moradores de Plataforma), em
conjunto com outras organizações comunitárias, reivindica um centro de cultura sob
controle da comunidade93. Em Bangu, há proposta de erguer um empreendimento
empresarial que muito simboliza o capitalismo moderno. A proposta é a transformação
da antiga fábrica de tecidos em um shopping, com seis salas de cinema. Este projeto
aprovado pela SMU (Secretaria Municipal de Urbanização) com a construção de uma
passarela, integrando a estação ferroviária de Bangu ao novo shopping, está sujeita à
análise da Secretaria Municipal de Transportes (SMT), empreendimento cujo
lançamento estava previsto para agosto de 2003, mas ainda não saiu do papel.

Como casos exemplares do processo de proletarização do negro no sistema social


e espacial, Plataforma e Bangu têm muito a nos ensinar, sobre a forma de organização
das cidades sob a hegemonia capitalista em suas diferentes fases, permitindo questionar,
inclusive, o conceito de segregação limitado às favelas-invasões, e forçando a percepção
das oposições de recorte racial no interior mesmo de áreas de dominância negra. A
93
Infelizmente, ao fechar este livro, a AMPLA foi informada que um empresário francês comprou a
fábrica. Mesmo assim a comunidade tenta reverter esta tendência, cobrando do poder público uma
posição, ou seja a garantia de também destinar o local a um empreendimento público, conforme
reivindicação desde 1994.
315

menor estratificação social e racial, na escala intra-bairro, verificada nos casos de


Bangu e Plataforma, embora associada a menor segregação interna, em comparação
com a cidade, revela importantes diferenças das classes proletárias destes bairros, em
sua dimensão racial. Não há guetos periféricos homogêneos, mas há desigualdades nos
bens e serviços distribuídos pelo mercado ou pelo Estado. A inscrição destes dois
bairros, em seus tecidos urbanos respectivos, mostrou ainda que os planos de
desenvolvimento urbanístico de Salvador e do Rio de Janeiro visaram quase que
exclusivamente reservas de espaço de moradia junto à orla marítima para grupos
abastados, sem se preocupar com a integração ao moderno espaço urbano dos
contingentes negros, eternamente confinados em locais tão restritos e precários como as
primitivas senzalas. Positivamente, o desenvolvimento capitalista da metrópole
nordestina e da metrópole do centro-sul, nada teve de democrático.

Os elementos que já trabalhamos dão pistas para analisar, até que ponto as
distâncias social, racial e espacial entre os dois bairros, e no interior de cada um deles,
foram reproduzidas por mecanismos de mercado e/ou mecanismos de Estado.Tanto a
análise dos dados gerais das duas cidades, como a dos bairrros de Plataforma e Bangu,
evidenciam fortes desigualdades raciais, ainda mais acentuadas em Salvador,
considerada por esta razão a capital do racismo. Portanto, as desigualdades não são
apenas frutos da distribuição desigual dos recursos econômicos, mas também entre
brancos e negros.

Esperamos, assim, ter contribuído para demonstrar a existência de segregação que


mesmo não sendo como o das sociedades americana e sul-africana que viveram
segregação formal e sempre servem de comparação para provar que nosso modelo é
oposto, não há como negar a forte correlação entre raça-classe na composição dos
bairros mais precários nas duas cidades e as desigualdades raciais demostradas. A forte
concentração de negros em bairros de piores condições de vida mostra que não se trata
apenas de segregação na dimensão das classes sociais. Sugerimos que à luz dos autores
dos estudos sobre segregação e aqueles que tratam das relações raciais os novos estudos
urbanos busquem as imbricações raça-classe-gênero necessárias, considerem os avanços
conquistados e contribuam para sua ampliação.
316

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O desafio principal do nosso estudo foi demonstrar em que medida a segregação


urbana em Salvador e no Rio de Janeiro tem natureza racial, já que a de classe é
amplamente aceita, naturalizada, estudada e comprovada em vários estudos sobre
pobreza urbana, especialmente no tocante às favelas.

A análise sociológica da configuração total das relações sociais e raciais históricas


concretas, resultante do processo de formação do nosso território, e em particular destas
cidades exemplares, permitiu confirmar a natureza racial ou étnica do fenômeno. Os
resultados do estudo mostram que as desigualdades raciais e a segregação urbana, em
Salvador e no Rio de Janeiro, estão muito vinculadas à forma particular pela qual o
racismo se introduziu e se desenvolveu na sociedade brasileira, produzindo,
conseqüentemente, uma estrutura urbana sócio-racial singular. À luz dos conceitos de
desigualdade e segregação residencial, tomando a variável raça como central, e a partir
dos microdados do censo IBGE em 2000, examinamos a organização sócio-territorial
destas metrópoles, com uma revisão dos estudos sobre relações raciais e estudos
urbanos em diferentes abordagens, que permitiram compreender as desigualdades
raciais historicamente engendradas e inscritas no espaço das duas cidades.

A miscigenação engendrada desde o início da colonização portuguesa e as teses


de branqueamento, criadas durante o século XIX, se fortaleceram ao longo do século
XX, não deixaram de exercer seus efeitos prolongados como mostra a composição
sócio-demográfica diferenciada para as duas cidades, com o Rio de Janeiro mais branco,
reforçado pelo processo imigratório de europeus, ao contrário de Salvador, que se
manteve negra. A sociedade colonial se assentou sobre a tríade senhores de escravos
brancos, de origem européia, escravos negros, de origem africana, ameríndios,
deslocados dos seus territórios de origem ou exterminados, que na espacialidade
freyreana da Casa Grande e Senzala, Sobrados e Mucambos representa bem o modelo
recriado da subordinação no espaço brasileiro moderno, onde a transição da cidade
escravista para a cidade republicana não se traduziu em transformações fundamentais,
no sentido de uma cidade de fato democrática, sem cidadãos de segunda classe.

As transformações históricas, analisadas brevemente, sobre o papel estratégico


que Salvador e Rio de Janeiro tiveram no Brasil-Colônia e na República, focalizando a
317

habitação, mostraram uma transição sem rupturas do modelo de organização social e


espacial: da senzala ao quilombo ou mucambo, do cortiço à favela, à expansão de
periferias urbanas sob forma de loteamentos e conjuntos habitacionais precários em seu
forte contraste com as casas-grandes, os sobrados e os condomínios de prédios
representam formas segregadas e segregadoras do espaço urbano, como apontadas por
Pinto (1998).

Tudo isso não significou imobilismo em termos históricos pois, as contradições


entre senhor e escravo, casa-grande e senzala, sobrados e porões urbanos, são
substituídas por burgueses e proletários, bairros ricos e bairros pobres, favela e asfalto,
palacetes e condomínios fechados, de casas, apartamentos e conjuntos habitacionais, ou
habitações coletivas, como o cortiço, a cabeça de porco, a casa de cômodos, ou casas
populares habitadas pelo proletariado de melhores condições.

Os antagonismos da sociedade escravista, sua dinâmica no fazer e refazer da


cidade, na transição para uma cidade republicana, permanecem neste regime, com o
desenvolvimento do capitalismo recriando abismos raciais, sociais e espaciais. Ao não
romper, basicamente, com o modelo de organização do espaço nas cidades, a
segregação, a hierarquização, as desigualdades que caracterizam a sociedade anterior se
aprofundam na sociedade industrial, como fica evidenciado no processo geral das duas
cidades, e dos bairos de Bangu e Plataforma, que representam bem a transição do
trabalho escravo para o livre, da fazenda escravocrata para o bairro-fábrica, onde a
inferiorização dos negros se mantém.

A transformação de Salvador e do Rio de Janeiro em cidades brancas e


europeizadas, promovidas pelas elites locais durante os séculos XIX e XX, teve
resultados diferentes, mas um efeito perverso comum: a expulsão dos antigos moradores
de áreas de interesse das classes ou frações das classes dominantes em detrimento dos
interesses coletivos. Tal processo tem em sua origem a influência da especulação
imobiliária e a necessidade de expansão urbana, que cresceu, vertiginosamente, nos
últimos cem anos, sob o comando do capital e do Estado. Isso nos remete a Lefebvre
(1979), que mostra como “a hegemonia da classe capitalista se renova através da
segregação espacial e da intervenção estatal no espaço”.

A construção dos indicadores de ocupação, educação, renda, bens urbanos e


serviços de consumo coletivos, mostra como a metrópole moderna recria a hierarquia
racial. Examinando a distribuição espacial dos indivíduos, e a distribuição das
318

residências, para verificar como a estratificação social e racial dos indivíduos se vincula
aos locais de moradia e as oportunidades sociais a que dão acesso, evidenciou-se uma
expressiva correlação entre estratificação racial e espacial. Todos os indicadores
analisados revelaram grandes desigualdades raciais, nas duas metrópoles, sobretudo em
Salvador. A distância social entre negros e brancos, mesmo quando há proximidade
espacial, revela a singularidade da segregação urbana brasileira e seus antagonismos de
classe e de raça que a fundamentam.

A análise do conjunto das cidades, e de seus processos de estratificação sócio-


racial e segregação espacial, pode ser vista pelas desigualdades entre brancos e negros
em, praticamente, todos os indicadores: educação, ocupação, condições de moradia,
acesso aos bens de consumo duráveis, e nos bens de consumo coletivo, inclusive de
responsabilidade pública, principalmente em Salvador, que assim confirma-se como
capital do racismo.

A análise do modelo de organização e desenvolvimento do espaço das cidades do


Rio de Janeiro e de Salvador apresenta um grau expressivo de segregação sócio-racial,
na medida em que os estratos superiores e brancos destas cidades estão,
recorrentemente, sobre-representados nos territórios de concentração dos capitais
sociais, econômicos, culturais, educacionais e políticos, promovidos tanto pelos
mecanismos de mercado, como de Estado, ou seja, a segregação se traduz em
desigualdade de acesso ao mercado de trabalho, ao consumo de bens individuais e
coletivos. As duas metrópoles, tem suas singularidade demonstradas ao longo do
trabalho, contudo, existe uma homologia entre as duas cidades, que se dá na atual
composição racial dos subúrbios, com alta densidade negra, evidenciada através de
mapas temáticos, que também mostram que o proletariado mora, majoritariamente,
nestas áreas. Isto significa que não se pode analisar a segregação urbana como um
fenômeno apenas das favelas, de acordo com a definição de ilegalidade fundiária, ou
submoradia, que lhe é imputada.

Bairros como Plataforma e Bangu, aqui analisados, mostram a combinação de


distância sócio-racial e espacial, desigualdades raciais no interior destes bairros, ou seja,
existe segregação sem ilegalidade. Tanto a análise macrossocial como a microssocial
mostraram que a estrutura social, racial e espacial das duas metrópoles é fortemente
hierarquizada, o que significa que a polaridade favela-bairro, nos espaços nobres, não
revela a gravidade das desigualdades no conjunto das metrópoles baiana e carioca. Na
319

escala intrabairro, os estudos de casos de Plataforma e Bangu mostram as


mertamorfoses do espaço brasileiro, desde a colonização portuguesa até a
contemporaneidade, com permanência do modelo de organização espacial baseado na
hierarquização e segregação raciais da classe trabalhadora. O histórico confinamento
real e simbólico de negros, em áreas urbanas e, principalmente suburbanas, degradadas,
opondo-se às áreas das elites brancas da Zona Sul carioca e da “Zona Sul”
soteropolitana, com algumas exceções a oeste e ao norte dessas cidades, é uma
demonstração do quanto é conveniente para as elites brancas manter a retórica de
“democracia racial”, para manter as relações raciais estáveis, sem conflitos abertos,
sustentadas pela ideologia racial, tal como foi engendrada historicamente na sociedade.
Cabe então, uma pergunta fundamental: quem racializou a sociedade?

A análise da estrutura da cidade mostra, portanto, que os fundamentos raciais e


burgueses atuam, eficazmente, na sociedade, na produção de mecanismos de mercado e
de Estado, produzindo e reproduzindo desigualdades sociais e raciais como mostram os
indicadores econômicos e sociais, na posse individual ou coletiva dos bens, onde as
desigualdades raciais são muito expressivas. A desigual distribuição espacial dos
serviços de consumo coletivos, nas duas cidades, revelam também os efeitos da “mão
invisível” do capital e do Estado na produção das desigualdades raciais, na medida em
que, no mercado de trabalho, na posse de bens urbanos, na educação, no saneamento e
em muitos outros indicadores, a distância social e racial entre negros e brancos são
expressivas, sobretudo em Salvador, já conhecida como capital do racismo, ao invés de
“paraiso racial”, como ideologicamente ainda se acredita. Além disso, Salvador é mais
pobre que o Rio de Janeiro, e a minoria branca, de apenas 23% da população concentra
quase todos os recursos socialmente construídos pela coletividade, mas, especialmente
pela classe trabalhadora. A acumulação de capital econômico, social, político e
educacional dos brancos, das duas cidades e, conseqüentemente, a redução de
oportunidades dos segmentos negros, formando um círculo vicioso produzido pelo
modelo de desenvolvimento capitalista, historicamente engendrado pelas elites brancas,
que se beneficiam da retórica “democracia racial”

Considerado um importante fator de superação das desigualdades sociais, a


educação nas duas cidades apresentou grande desigualdade racial em todos os
indicadores organizados e analisados, o que revela que, mesmo nessa variável, que
depende de bons serviços públicos e não apenas universalizados, eles são muito
320

representativos dos mecanismos não oficiais de segregar certos segmentos da


população. Aqui cabe lembrar a dívida histórica do Estado e da sociedade brasileira para
com os povos negros e indígenas, e a sua obrigação de promover a igualdade racial,
como reivindicado pelos movimentos sociais, especialmente negros.

A posse de bens urbanos, como telefone, automóvel e microcomputador, apesar


de serem bens mais usuais entre as classes de melhor renda, revela que as desigualdades
raciais e a segregação, nas cidades, não se restrigem à comum polarização entre favela-
bairro e, portanto, ultrapassam os limites dessas áreas, sem dúvida de alto nível de
segregação, discriminação e preconceito. Ou seja, o racismo tem capilaridades
impossíveis de se captar sem um olhar específico sobre ele e sobre as modalidades de
sua recriação silenciosa na sociedade brasileira.

Os dados mostram grande distância racial nestas cidades, sobretudo em Salvador,


que é de fato um caso singular em vários aspectos, pois a ampla maioria negra é
submetida a uma minoria branca que se apropria de quase todos os beneficios
construídos socialmente, permitindo assim um paralelo com o apartheid da África do
Sul, com a diferença de que, em Salvador, a ideologia racial não permite entender o
problema como apartheid racial, e sim apartheid social, naturalizando-se assim as
desigualdades. Por conseqüência, a cidade continua a exibir os piores indicadores
raciais, como comprovados neste estudo

Do que analisamos nesta tese, no que se refere ao processo de organização


espacial nestas cidades, pode-se afirmar que existe recriação de polaridades entre
setores residenciais onde se concentram brancos e setores majoritariamente negros,
configurando algo como uma segregação racial urbana, ainda que não tenha o padrão
das cidades que viveram e vivem experiências de polarização territorial maiores do que
as brasileiras, ou de implantação de guetos raciais como na Africa do Sul (ou de guetos
de judeus no periodo de ascensão do nazismo na Europa). No Brasil, à diferença dos
casos anteriores, a segregação nao foi acompanhada de institucionalizaçao ou de
legalização, ela é mesmo negada pelo senso comum; mas a objetividade dos indicadores
sociais e geograficos demonstra que ela esta presente, ao menos no sentido que lhe
empresta Costa Pinto. Assim o tabu brasileiro quanto às discussões da dimensão racial
das desigualdades e especialmente da segregação racial permanece e desafia todos que
estudam e vivem nesta Nação.

Se de um lado não podemos afirmar que a segregação residencial nas duas cidades
321

tem uma natureza racial clara, por não ter utilizado medidas estatísticas mais rigorosas,
do outro, pode-se afirmar que a segregação brasileira não é apenas de origem sócio-
econômica, como insiste a maioria dos estudos urbanos. Ficou evidenciado que, tanto
Salvador como o Rio de Janeiro, têm uma forma peculiar de segregação, resultado da
maneira como as elites brancas econômicas e políticas forjaram o território e tiveram,
nas elites intelectuais, a legitimação, pela ciência da retórica “democracia racial”, que
impede de enfrentar os graves problemas raciais do país, e, em particular, destas cidades
singulares, que têm seus territórios marcados por uma longa história de exclusão de
negros e índios, como mostra a oposição, no plano espacial, entre bairros ricos e
brancos bem estruturados, e bairros pobres e negros sem infra-estrutura.

Plataforma e Bangu, são nesse sentido exemplares ao mostrarem o processo


histórico da segregação da classe trabalhadora, sobretudo negra, ou seja, sem o direito
pleno à cidade que constroem. Destacamos o protagonismo das lutas dos subalternos na
busca para participar da formação dos territórios onde vivem, sobretudo a importância
simbólica dos quilombos, como motor das lutas populares pelo direito à cidade, que tem
sido puatadas, sobretudo pelos movimentos negros.

Da análise do paradoxo contemporâneo brasileiro de racismo sem racistas


verificamos que a invisibilidade da questão, que lentamente vai se rompendo, favorece
os mecanismos sociais que perpetuam a desigualdade racial, e a segregação residencial
em Salvador e no Rio de Janeiro, tendo a categorização racial como princípio
hierarquizador dos relações sociais. Verificamos que o racismo à brasileira tem
contribuído para perpetuar as desigualdades raciais, naturalizadas por um racismo de
negação, racismo do silêncio, mas que nem por isso deixa de produzir as desigualdades
raciais e segregação no tecido urbano, com fortes indícios de segregação racial e grande
hierarquização do espaço sócio-racia de residência. Em oposição à sociedade segregada
em que vivemos, mas não reconhecemos como tal, o desafio é encontrar no território os
motivos de valorizar positivamente o pertencimento racial, a exemplo do que fazem,
permanentemente, os que constroem suas territorialidades nos bairros populares, nos
terreiros, nas escolas de samba, nos clubes recreativos, nas associações de moradores e
nos sindicatos. Construir o direito à cidade de todos, construir uma outra hegemonia no
sentido gramsciano é o caminho.

É relevante destacar também, que no estudo de caso de Plataforma, foi muito


interessante constatar que apesar da forte ideologia racial, a percepção das pessoas
322

entrevistadas sobre o racismo revelou um conhecimento maior do que o esperado,


mostrando a importância de pesquisas qualitativas, para melhor conhecimento deste
fenômeno, tão presente no cotidiano das pessoas, na dinâmica social, mas
convenientemente ignorado.

Portanto, as desigualdades vividas por este bairro de negros e de pobres, mostra a


necessidade de muitos estudos qualitativos, para entender a profundidade dos efeitos do
racismo na vida de cada negro e negra brasileiro/a que, tendo consciência racial ou não,
tem o direito de ser cidadão completo no país, cuja riqueza, apropriada por uma
pequeníssima parcela de brancos, impõe a maioria uma subcidadania. Isto nos remete à
necessidade de questionamento, tanto das bases racistas, nas quais foi fundada a nossa
sociedade, como das bases burguesas, como nos alerta Engels: “Com a ascensão da
burguesia, a cidade é também o espaço onde se evidencia a exploração dos
trabalhadores e onde, dialeticamente, tal exploração será superada, por meio da
revolução operária”. Sabe-se que houve grandes transformações do capitalismo, desde
esta análise, mas permanece a idéia de que os oprimidos podem modificar a sociedade.
Somente com a “classe para si”, a raça para si”e o “gênero para si” numa simbiose
cumplicidade, é possível é possível imaginar uma transformação radical da sociedade
que vivemos.

Como se assinala ao longo deste estudo, construir uma outra práxis exige da
sociedade brasileira o enfrentamento dos determinantes associados das desigualdades
sócio-raciais em suas múltiplas dimensões: gênero, raça e classe. Compreender estas
dimensões das desigualdades sociais, e enfrentar as ideologias sexual, racial e de classe,
como “fatos históricos reais, por razões de lutas políticas, para tornar os governados
intelectualmente independentes dos governantes. Destruir uma hegemonia e criar uma
outra, como momento de inversão da práxis” conforme proposta de GRAMSCI (1978,
p.269-70), é a saída para a opressão sofrida pelas maiorias. Dessa forma, devemos
compreender a atuação da ideologia racial na construção de um poderoso aparato
ideológico, que mantém a população negra em desvantagens seculares, e a necessidade
de uma ampla mobilização da população negra brasileira, e investir no seu engajamento
político para as transformações sociais mais amplas, que se fazem urgentes.

Na perspectiva Malcolm X (1925-1965)94 “Mais de 115 milhões de negros

94
Líder negro americano, contemporâneo de Martin Luther King, nas lutas por direitos civis nos anos
1950-60. Sobre isso, ver Wilson Prudente, Igualdade Jurídica e Pensamento Racial, 2002.
323

americanos, aproximadamente a população dos EUA em 1930, foram assassinados ou


escravizados durante o tráfico de escravos. As únicas pessoas que realmente mudaram a
história foram as que mudaram o pensamento dos homens a respeito de si mesmos”.
Para a sociedade brasileira construir mudanças reais é preciso fazer Educação como
Prática da Liberdade e Diversidade, conforme os ensinamentos do grande educador
Paulo Freire. Nenhuma contradição profunda pode ser omitida, se quisermos que as
novas gerações estejam livres das amarras que fundamentam a sociedade racista. Talvez
a expressão “democracia racial” possa até assumir um significado positivo se referida
ao futuro, com o fim da existência de “subcidadãos”, como ressaltou Milton Santos, e
com a promoção da igualdade de fato entre as pessoas, independentemente de sua
origem racial. Este ideal, hoje apenas uma utopia, apenas pode virar realidade se
reconhecermos que, referida ao passado, é sobretudo figura de retórica, tornando as
vitimas de injustiças multisseculares responsaveis por sua pobreza material e
desconsideração social.

Por fim, esperamos que esta modesta contribuição ao debate do dilema racial
brasileiro sirva para vencer a invisibilidade da questão nos estudos e movimentos
sociais urbanos, que buscam uma sociedade onde os valores de igualdade, fraternidade e
liberdade sejam instrumentos de transformação, e não retórica que mascara, perpetua e
naturaliza as desigualdades, sobretudo raciais, que analisamos ao longo desta tese. O
nosso desafio é construir uma nação de iguais, sem subcidadãos “Inverter a práxis”,
buscando nos exemplos de Zumbi, dos Alfaiates, dos Malês, de todos os mártires da
causa da igualdade, da liberdade e da fraternidade entre os povos, a força e a inspiração.
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341

APÊNDICES
341

APÊNDICE A - CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS

A.1 Considerações Gerais

A partir da análise da literatura sobre as relações raciais no Brasil e o fenômeno da


segregação urbana, e refletindo sobre como estes fenômenos se manifestam em
Salvador e no Rio de Janeiro, o objetivo geral deste estudo é realizar uma análise
comparativa sobre essas cidades, examinando como a estrutura das classes e a
distribuição dos grupos raciais se inscrevem no espaço urbano, conformando uma
estrutura social e racial do território de ambas as cidades. Para tanto, procedemos ao
estudo dos seguintes tópicos:
a. Análise da dimensão racial das desigualdades sociais nas cidades de Salvador e do
Rio de Janeiro e sua relação com a segmentação social e segregação espacial.
b. Estudo de caso em um bairro singular de cada cidade, para verificar a
compreensão/percepção de seus moradores sobre a problemática racial, estereótipo,
discriminação e segregação residencial no espaço urbano.
c. Análise da relação entre bens e serviços urbanos e hierarquias social, racial e
espacial, para verificar em que medida a localização do bairro favorece ou
desfavorece as condições de bem-estar de seus moradores.

Acatamos a hipótese de que a discriminação racial é específica e não se esgota na


exploração de classes, e que o racismo à brasileira tem contribuído para perpetuar as
desigualdades raciais através da retórica anti-racialista, que naturaliza tanto as
desigualdades raciais como as sociais, confinando amplos segmentos negros a posições
inferiores na hierarquia social. Nesse sentido, questionamos as perspectivas igualitárias,
pretensamente universalistas, que se limitam à retórica, buscando verificar se e como
atributos pessoais como raça, escolaridade, ocupação e setor de atividade produzem
segmentação social e segregação racial. Assim, analisamos a associação entre a
estratificação social e a estrutura urbana, focalizando a variável moradia/ habitação/
residência, para entender como a forma, o local e o tipo de residência apresentam
correlação com a estratificação sócio-econômica dos indivíduos.

Em resumo, ver como o tecido urbano fornece uma imagem poderosa da


hierarquia do espaço social, e analisar como a componente racial incide nas diversas
posições sociais e sua categorização.

A segunda hipótese é a de que a desigual distribuição espacial dos serviços de


342

consumo coletivos de ambas as cidades reflete a organização espacial da cidade,


estratificada em bairros de alto status social, de médio status social, de baixo status
social e favelas-invasões. À medida que esta estratificação tem correspondência com a
segmentação social e segregação racial, a distribuição dos serviços se dá na mesma
lógica que preside a estrutura social: hierarquização social, racial e espacial dos
indivíduos, através de sua localização no espaço físico das metrópoles.

Partindo da hipótese de que o racismo, ao hierarquizar os indivíduos segundo


atributos físicos em superiores e inferiores, é determinante na formação sócio-histórica
no Brasil, procuramos retomar um breve histórico da questão racial para analisar,
especificamente, as cidades de Salvador e Rio de Janeiro como partes importantes deste
processo, já que foram capitais na Colônia, Imperio e República, sobretudo o Rio de
Janeiro, que se manteve na condição de principal cidade por muito mais tempo.

A.2 Estudo Geral

A partir destas hipóteses, passamos a construir o estudo que retrate estatistica e


cartograficamente, a situação social dos negros com:

a. A construção de indicadores sociais e raciais que permitiram a realização de um


estudo compreensivo geral sobre o Rio de Janeiro e Salvador, com os dados da AED
(Áreas de Expansão Demográfica)95 de ambas as cidades. A escolha da unidade
espacial por AED deve-se ao fato de ser a menor unidade geográfica com a variável
raça, resultado do questionário da amostra do censo IBGE/2000.

b. A partir da variável raça como central e por unidade de análise as pessoas, optando
por construir um conjunto de indicadores sobre a desigualdade racial urbana: 1)
educação: incidência do analfabetismo, inscrição em rede de ensino, curso mais
elevado que concluiu, se o concluiu, e anos de estudo; 2) ocupação: tipo de
ocupação, condição de trabalho (formalidade e informalidade, e rendimento; 3)
tomando por unidade o domicílio, para análise da condição de moradia: densidade;

95
Define-se Área de ponderação como uma unidade geográfica, formada por um agrupamento
mutuamente exclusivo de setores censitários, para a aplicação dos procedimentos de calibração das
estimativas, com as informações conhecidas para a população como um todo. Foram definidas, para todo
o Brasil, 9.336 áreas de ponderação e, tal como nos Censos anteriores, a metodologia de expansão da
amostra foi aplicada independentemente para cada uma delas. O tamanho dessas áreas, em termos de
número de domicílios e de população, não pode ser muito reduzido, sob pena de perda de precisão de suas
estimativas (IBGE, 2000). Para o Rio de Janeiro e Salvador foram definidas 88 e 170 AEDs,
respectivamente.
343

distribuição dos domicílios particulares segundo as categorias: próprio, alugado,


ocupado ou cedido; bem-estar-urbano (saneamento, bens duráveis, etc.).

c. O lugar das pessoas na estrutura social e no território, constituindo indicadores sócio-


demográficos de bairros e/ou AEDs, para análise da segregação residencial,
diferenciando as categorias de bairro de camadas de alto status social de camadas
médias de baixo status social e de camadas de baixo status social. Essa
categorização das AEDs levou em consideração a experiência social da
pesquisadora em ambas as cidades, sobretudo em Salvador.

d. O estudo de caso em um bairro de cada cidade: Plataforma, em Salvador e Bangu, no


Rio de Janeiro, pela concentração racial de negros e por desempenharem papel de
relevo no processo de formação de ambas as cidades. E ainda, por serem antigas
sedes de fábricas têxteis, com vilas operárias96. Trabalhamos com dados
quantitativos e qualitativos, seguindo as principais variáveis utilizadas para a escala
intra-urbana, bem como na escala intra-bairro.

A.3 Estudo de Caso

Para compreender a natureza das desigualdades raciais e de classe, e como elas se


expressam no espaço físico dos bairros singulares escolhidos, ou seja, o papel da
discriminação, da estigmatização e do isolamento étnico, na formação sócio-histórica,
como parte de uma totalidade social, nossa análise dos dados priorizou o entendimento
qualitativo da realidade social, tomando como material de análise as entrevistas
individuais, os relatórios de observação e os microdados da amostra do censo
IBGE/2000.

Analisamos, então, a multidimensionalidade dos fenômenos da localização


espacial dos indivíduos pensados, principalmente através das seguintes perspectivas e
técnicas:
a. Análise sócio-histórica, cujo objetivo é reconstruir as condições sociais e
históricas, com a ajuda de arquivos, observações diretas e outras documentações
historiográficas. Para tanto, analisamos alguns aspectos básicos dos contextos
sociais, tais como: campos de interação, instituições sociais, estrutura social e

96
Para o papel das fábricas têxteis, com vilas operárias na industrialização brasileira, ver a clássica
monografia de José Sergio Lopes (1988).
344

meios técnicos de transmissão, adaptando o roteiro dos estudos de caso, em


diferentes cidades, coordenado por Ana Clara Torres Ribeiro (2000);
b. Estudo com pessoas-chave de cada bairro, para análise dos aspectos importantes
da percepção dos moradores quanto: ao isolamento e redução das oportunidades;
isolamento e sociabilidade no meio popular; aos mecanismos de produção da
fronteira social, política, econômica e cultural entre população negra e branca; em
que medida a segregação dificulta a coesão social e racial no bairro e na cidade. O
foco aqui está voltado para as representações sociais dos agentes e dos
mecanismos de desigualdades sociais e raciais existentes no bairro e na cidade.
c. Entrevista com: a) jovens de 15 a 24 anos; b) pessoas-chave do bairro, que ocupam
postos de representação social.
d. Aplicação do um roteiro inspirado nos estudos de Luiz Costa Pinto (1998, p.169),
com perguntas estruturadas nas questões específicas sobre percepções e atitudes, em
relação a estereótipos, discriminação e desigualdades raciais com pessoas-chave do
bairro, sobretudo aquelas ligadas às atividades de educação, cultura e movimentos
sociais (apêndices). A organização dos dados do estudo de caso se deu com o SPSS
- SPSS – Statiscal Package for the Social Sciences.

A.4 Organização dos Dados

Um longo caminho foi percorrido para obter e organizar os dados da amostra do


censo 2000, que viabilizou o cruzamento da variável cor ou raça com todas as variáveis
utilizadas neste estudo97. Após a compra dos microdados no IBGE, foi necessário
adquirir o software que abrisse tais dados, para só então poder organizá-lo com as
variáveis de interesse para este trabalho. Utilizamos duas unidades de análises: pessoas
e domicílio por AEDs – Área de Expansão Demográfica. A categoria é composta pela
soma dos pretos e pardos, de acordo com as categorias do IBGE (branco, preto, pardo,
amarelo e indígena). Deixamos também de focalizar os indivíduos da raça “amarela”,
em geral, descendentes de japoneses e chineses, por sua pequena representatividade
estatística, sobretudo em Salvador. Note-se que se aproximam mais das características
sociológicas das populações que se intitulam brancas, superando-as em certos
indicadores, como escolaridade.

97
Toda organização dos dados teve a fundamental contribuição de Agenor Garcia, doutorando em
Planejamento Energético/ PPE/COPPE/UFRJ.
345

Apesar dos povos indígenas terem uma história comum de opressão, como os
povos negros, não os incluímos na categoria negro, por entendermos a sua
especificidade como grupo racial e por não serem o objeto específico deste estudo. O
genocídio multissecular que quase dizimou os índios das Américas é gigantesco. Até
quase o final do século passado, a população total das Américas era de 720.647.000 e a
indígena de apenas 36.224.933, representando apenas 5,03% da população, distribuídos
desigualmente nos diferentes países que compõem as Américas.

Quando os portugueses chegaram ao Brasil, havia cerca de 3 milhões de


indígenas, que viviam ainda num processo de transição, do paleolítico para o neolítico,
dependendo da caça, da pesca ou da prática da coleta, e iniciando uma agricultura ainda
muito rudimentar. Com o processo dizimador que ocorreu, o Brasil é o país com a
menor população relativa, apenas 254.453 (0,16 %) de índios (Mar,1993, p.232). Ou
seja, no Brasil, se praticou um dos maiores genocídios contra as populações que
habitavam estas terras antes da colonização européia imposta ao Novo Mundo. As
cidades brasileiras formadas ao longo desse processo refletem-no no atual quadro
demográfico. Na cidade do Rio de Janeiro são contabilizados apenas 15.063 indígenas
(0,3%), contra 19.645 (0,8%) em Salvador, no censo IBGE/2000.

Infelizmente, o recorte espacial por AED não permite que bairros, situados na
chamada área nobre, sejam uma só unidade territorial, garantindo assim analisar o grau
de homogeneidade sócio-racial, já que existem aglomerações de pobres e negros nestas
áreas, numa condição de extrema hierarquia social, e provavelmente palco de relações
nada harmoniosas. Há dificuldades para se identificar os moradores dos micro-espaços
nestas análises, o que induz a uma visão homogeneizadora das relações sociais e raciais,
de situações sócio-espaciais opostas e desiguais, marcadas por profunda desigualdade
de indicadores. Por reivindicação dos movimentos negros e dos estudiosos das relações
raciais, o IBGE promete, no próximo censo, cor ou raça, no questionário do universo, e
não apenas na amostra, como acontece hoje, o que permitirá agregações por setores
censitários e, conseqüentemente, uma maior visibilidade do panorama das cidades. Não
é demais repetir que a categoria raça está sendo utilizada neste estudo no sentido
sociológico, que assim “tem um potencial crítico e pode desmascarar o persistente e
sub-reptício uso da noção errônea de raça biológica”(GUIMARÃES, 1999, p.68). Nosso
recorte temporal refere-se apenas ao ano do censo 2000, por força da utilização da AED
como divisão territorial, que só ficou disponível a partir do último censo do IBGE,
346

principal fonte dos dados estatísticos com que trabalhamos.

Para realização desse trabalho, além das disciplinas, seminários e oficinas no


IPPUR, fiz alguns cursos, citados abaixo, e que muito contribuíram para a organização
dos dados e as análises quantitativas e qualitativas:

a. Curso de Cartografia/UFRJ no primeiro semestre/2004 como aluna ouvinte.

b. Indicadores Sociais e Políticas Públicas, ministrado pela Escola Nacional de Ciências


Estatísticas, no período de 7 a 9 de julho de 2004, com duração de 20 horas-aula.

c. Curso Introdução ao SPRING, organizado e ministrado pelo INPE – Instituto


Nacional de Pesquisas Espaciais, no período de 21 a 25 de junho de 2004 – 40 h –
São José dos Campos – S. Paulo.

d. Curso Análise Multicritério: Conceitos e Aplicações na Tomada de Decisões em


Programas Sociais, ministrado no Rio de Janeiro, na Escola Nacional de Ciências
Estatísticas, no período de 12 a 16 de julho de 2004, com duração de 40 horas-aula.

e. Curso Desenvolvimento de Habilidades em Pesquisa (CDHP), ministrado pela Escola


Nacional de Ciências Estatíticas, que faz parte do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE). Este curso, baseado no Survey Skills Development Course do
Statatistics Canada 240h no período de 9 de agosto a 17 de setembro de 2004 - Rio
de Janeiro;

f. SPSS – Statiscal Package for the Social Sciences que nos forneceu uma ampla gama
de análises estatísticas, de modo a ser possível obter a resposta mais precisa para os
tipos de dados específicos. Com o software, organizamos o banco de dados do
trabalho de campo – estudo de caso, cujo roteiro de entrevistas está no apêndice. O
SPSS favorece o processo analítico - desde o planejamento, processamento,
tabulação dos dados para análise, até o compartilhamento dos resultados com outros
pesquisadores e/ou banco de dados. O processo analítico mostra os passos
necessários para preparar os dados para análise, analisar, fazer o relatório de dados e
compartilhar os resultados.

g. Curso do software SPRING - Banco de dados geográfico de 2º geração, para


ambientes UNIX e Windows no INPE - Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
(São José dos Campos, para análise espacial, com a elaboração de mapas.

h. EXCEL – Curso de aperfeiçoamento, já que foi o principal software na mediação e


347

sintetização das demais ferramentas computacionais.

A.5 Amostragem

O IBGE definiu como Área de Ponderação a expansão dos dados coletados pelos
questionários da amostra do Censo Demográfico de 2000, e foram calculados pesos para
cada um dos domicílios pesquisados, e estes pesos atribuídos ao próprio domicílio e a
cada um de seus moradores. As áreas de ponderação foram criadas segundo os seguintes
critérios:

1) o maior nível geográfico utilizado é o município, o que significa que uma área
de ponderação é composta por setores censitários dentro de um único município,
podendo ser o próprio município;

2) o menor tamanho de uma área de ponderação não municipal é de 400


domicílios particulares, ocupados na amostra;

3) em alguns municípios, as áreas de ponderação foram definidas considerando


suas divisões administrativas, sempre respeitando o critério de tamanho mínimo. Alguns
municípios tiveram apenas 2 áreas definidas: uma considerando todos os setores do
distrito-sede e outra considerando todos os setores dos demais distritos. Em outros
municípios, cujos distritos possuem tamanho que ferem o critério de tamanho mínimo,
também foram definidas duas áreas: uma constituída por todos os seus setores urbanos e
outra por todos os seus setores rurais, mesmo que isso significasse setores não
contíguos.

Desse modo, para cidades grandes como Salvador e Rio de Janeiro, por exemplo,
são 88 e 170 AEDs, respectivamente.

A partir dos microdados da amostra do censo IBGE/2000, se estabeleceu uma sub-


amostra (uma em cada 10 pessoas) com o software Excel, exportando os dados para o
SPSS para organização em faixas. Nesta sub-amostra, foi definido novo peso para cada
pessoa, igual a dez vezes o peso original. Todas as tabelas e mapas foram feitos
tomando-se, para cada variável ou combinação de variáveis (por exemplo, negros com
renda de 1 a 2 salários-mínimos), a soma dos pesos das pessoas incluídas. Assim, a
soma dos valores de todas as variáveis reproduz a população. A variável chave de todas
as distribuições é a “cor ou raça”, limitada às categorias branca e negra, esta englobando
as declarações de “preta” e “parda”. As demais – amarela, indígena e ignorada –, pela
348

sua baixa representatividade estatística, não foram consideradas nas distribuições. Elas
representam, no Rio de Janeiro, quase a ignorada, que tem 45.157 (0,8%). A indígena
tem apenas 15.063 (0,3%) e a amarela 14.417 (0,2%). Em Salvador, a população
indígena é de 19.645, representando 0,8%, a amarela, de 8.009 (0,3%), e a ignorada de
17.554 (0,3%).

Embora a categoria “pretos” represente, em Salvador, 20,1% e no Rio de Janeiro


9,0%, optamos por convertê-la numa única categoria: a “negros”, como somatório de
“pretos” e “pardos”. Cabe esclarecer que a opção por agrupar pretos e pardos como uma
única categoria, ou seja, como negros, não significa que desconhecemos ou ignoramos
que os processos de miscigenação produziram diferenças sociais entre pretos e pardos.
O agrupamento das categorias em negro e não-negro, branco e não-branco, ou afro-
descendente, tem sido utilizado por autores e instituições de pesquisas, a exemplo de
Hasenbalg, e Valle e Silva, Ricardo Henriques, IBGE/PNAD, DIEESE, IPEA entre
outos, sem prejuízo da compreensão deste fato social de grande relevância para a
sociedade brasileira. Como ressalta Guimarães (1999, p.65-66), os estudos sobre
desigualdades raciais, como o de Hasenbalg (1979), Hasenbalg e Silva (1992), Bairros
(1988), Castro e Guimarães (1993), Lovell (1989), Porcaro (1988), Telles (1992) têm
todos uma metodologia precisa, que consiste, em geral, na análise multivariada de dados
agregados, baseados em estatísticas oficiais, principalmente censos e pesquisas
amostrais por domicílios:
Com base nessas análises, foi possível demonstrar primeiro que
é possível e correto agregarem-se os dados de cor existentes em
dois grupos (brancos e não-brancos) pois não há diferenças
substantivas entre os grupos não-brancos entre si (pardos e
pretos), sobretudo em termos de qualquer variável importante:
renda, educação, residência, etc.; ao contrário, a grande
diferença encontrada é entre o conjunto desses grupos e o grupo
branco. Segundo, que,mesmo quando se esgotam as variáveis de
status e de classe social nos modelos explicativos (renda,
escolaridade, naturalidade, local de residência, etc), persiste
inexplicado um resíduo substantivo, que só pode ser atribuído à
própria cor ou raça dos indivíduos (GUIMARÃES,1999, p.65-
66).
Mas esta agregação também pode ser justificada apenas com os dados oficiais
utilizados por nosso estudo. De fato, segundo a tela de distribuição da população pelo
quesito cor (tabela), Salvador apresenta 54,9% de pardos, 20,14% de pretos, apenas
23,11% de brancos, amarelos (0,33%), e menos da metade dos indígenas e do item
349

residual dos ignorados (0,72%). A análise do quadro mostra que a concentração dos
pretos varia no mesmo sentido que a categoria majoritária dos pardos, e ambos em
sentido inverso da categoria dos brancos. Tal evidência fica melhor demonstrada pelos
coeficientes de correlação, pois os pardos e os brancos variam inversamente, com o
coeficiente de -0,93836, e pretos e brancos com o coeficiente de -0,81768. A variação
direta entre pretos e pardos é menos significativa, já que o coeficiente é de 0,576802.

Tabela 61 – Coeficientes de Correlação por AED entre as Categorias de Cor ou


Raça

Salvad Branca Preta Amarel Parda Indígen Ignorad


or a a a
Branca 1
Preta - 1
0,81768
Amarel 0,06539 - 1
a 5 0,06841
Parda - 0,57680 - 1
0,93836 2 0,09959
Indígen - 0,05667 0,10556 - 1
a 0,04264 2 2 0,03254
Ignorad - 0,10712 0,0104 0,13311 - 1
a 0,18575 2 0,01903
Fonte: Elaboração própria, a partir de IBGE (2000).
Rio de Janeiro Branca Preta Amarel Parda Indígen
a a
Branca 1
Preta -0,8349 1
Amarela 0,16954 - 1
5 0,12253
Parda - 0,70196 - 1
0,97572 6 0,20202
Indígena 0,01073 - 0,10533 -0,0319 1
1 0,04093 2
Fonte: Elaboração própria, a partir de IBGE (2000).

Para o Rio de Janeiro, onde os brancos são majoritários, com 58,13%, os pardos
representam 31,28%, fração acima da conhecida por Salvador, e os pretos representam
uma proporção menos da metade daquela da antiga capital do Brasil (9,31%); as
categorias de amarelos (0,25%) e indígenas (0,26%) continuam a ser inferiores, mesmo
àquele residual de ignorados (0,77%). As correlações estatísticas continuam a referendar
as tendências estudadas para Salvador. A concentração entre pardos e brancos atinge o
elevado coeficiente de -0,97572, sendo o de pretos e brancos inferior, mas também
350

significativo – 0,8349. A variação direta entre pretos e pardos é atestada pelo


coeficiente de correlação de 0,701966. Portanto, ao desagrtgar a população entre
brancos/não brancos, brancos/negros ou ainda brancos/“indivíduos de cor”, estamos
reduzindo categorias de percepção usadas corretamente, para observar, ou mesmo para
“julgar” as pessoas e distribuições de variáveis estatísticas que seguem padrões
semelhantes. O abandono das categorias residuais encontra fundamento na pouca
representatividade estatística, mas poder-se-ia notar que os imigrantes de origem
asiática, classificados pelo IBGE de amarelos, variam, no mesmo sentido que os
brancos e no sentido inverso dos pretos e pardos.

Ressaltamos também que a ausência de um cruzamento mais refinado de variáveis


a exemplo de: idade e escolaridade, renda e ocupação, renda com variáveis
habitacionais (saneamento, pavimentação de ruas) não foram realizadas, mas por
sugestão do meu orientador foram acrescentadas algumas tabelas (1 a 10)com estes
cruzamentos. Elas mostram uma coerência com os dados mais gerais, o que não
prejudica de todo a compreensão do fenômneno da segregação racial urbana na medida
que elas revelam que para além da variável classe, a raça também explica tanto a
desigualdade racial como a segregação urbana, sobretudo quando se aplica o conceito
de segregação no sentido utilizado por Costa Pinto que analisa segregação no sentido
transitivo: “segregação como processo segregador; e um sentido substantivo: a
segregação como estado segregado, dado o fato objetivo, que resulta daquele processo”
(PINTO, 1997, p. 127).

Tabela 62 – Calçamento por renda e cor ou raça – Rio de Janeiro

Calça- Pobre Remediado Rico Total


mento Branc Negra Total Branc Negra Total Branc Negra Total geral
a a a
Total 73,1 63,3 67,4 82,4 75,5 79,0 94,2 88,7 92,9 82,3
% % % % % % % % % %
Parcial 8,2% 11,5 10,1 6,0% 8,4% 7,2% 1,6% 3,7% 2,1% 5,8%
% %
Ignorad 3,6% 4,2% 3,9% 3,2% 3,5% 3,3% 2,6% 3,2% 2,7% 3,2%
o
Não 15,1 21,0 18,5 8,5% 12,6 10,5 1,6% 4,4% 2,3% 8,7%
existe % % % % %
Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
% % % % % % % % % %
Fonte: Elaboração própria, a partir de IBGE (2000).
351

Tabela 63 – Calçamento por renda e cor ou raça – Salvador

Pobre Remediado Rico


Calça- Total
mento Branc Negra Total Branc Negra Total Branc Negra Total geral
a a a
Total 56,3 48,5 49,6 72,9 60,7 62,9 91,9 84,3 87,8 65,0
% % % % % % % % % %
Parcial 18,1 19,3 19,1 11,6 18,1 16,9 3,6% 7,6% 5,8% 15,0
% % % % % % %
Ignorad 2,2% 2,1% 2,1% 2,1% 2,0% 2,0% 1,5% 1,7% 1,6% 1,9%
o
Não 23,4 30,2 29,2 13,5 19,2 18,1 3,0% 6,4% 4,8%
18,0
existe % % % % % % %
Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
% % % % % % % % % %
Fonte: Elaboração própria, a partir de IBGE (2000).

Tabela 64 – Coleta de Lixo por renda e cor ou raça – Rio de Janeiro

Pobre Remediado Rico


Total
Lixo Bran Negr Total Bran Negr Total Bran Negr Total geral
ca a ca a ca a
Coletado por
80,6 76,6 78,3 88,0 82,7 85,4 96,8 92,5 95,8 88,1
serviço de
% % % % % % % % % %
limpeza
Colocado em
caçamba de 16,5 19,6 18,3 11,0 15,6 13,2 10,6
3,0% 7,2% 4,0%
serviço de % % % % % % %
limpeza
Enterrado
(na 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0%
propriedade)
Jogado em
rio, lago ou 0,2% 0,5% 0,4% 0,1% 0,3% 0,2% 0,0% 0,0% 0,0% 0,2%
mar
Jogado em
terreno
1,0% 1,3% 1,2% 0,4% 0,6% 0,5% 0,1% 0,1% 0,1% 0,4%
baldio ou
logradouro
Queimado
(na 1,3% 1,7% 1,5% 0,4% 0,7% 0,6% 0,1% 0,2% 0,1% 0,5%
propriedade)
Tem outro
0,3% 0,3% 0,3% 0,1% 0,1% 0,1% 0,0% 0,0% 0,0% 0,1%
destino
100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
Total geral
% % % % % % % % % %
Fonte: Elaboração própria, a partir de IBGE (2000).
352

Tabela 65 – Coleta de lixo por renda e cor ou raça – Salvador

Pobre Remediado Rico


Total
Lixo Bran Negr Total Bran Negr Total Bran Negr Total geral
ca a ca a ca a
Coletado por
58,8 53,4 54,2 72,3 63,0 64,7 90,2 82,2 86,0 66,7
serviço de
% % % % % % % % % %
limpeza
Colocado em
caçamba de 31,8 33,8 33,5 24,0 30,3 29,1 15,6 12,5 26,6
9,0%
serviço de % % % % % % % % %
limpeza
Queimado
(na 0,8% 2,0% 1,8% 0,5% 1,0% 0,9% 0,2% 0,1% 0,2% 0,9%
propriedade)
Enterrado
(na 0,2% 0,1% 0,1% 0,0% 0,1% 0,1% 0,0% 0,1% 0,0% 0,1%
propriedade)
Jogado em
terreno
6,7% 8,7% 8,4% 2,9% 4,9% 4,5% 0,4% 1,7% 1,1% 4,7%
baldio ou
logradouro
Jogado em
rio, lago ou 1,4% 1,8% 1,8% 0,3% 0,6% 0,5% 0,1% 0,0% 0,1% 0,7%
mar
Tem outro
0,3% 0,2% 0,3% 0,1% 0,2% 0,2% 0,0% 0,3% 0,2% 0,2%
destino
100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
Total geral
% % % % % % % % % %
Fonte: Elaboração própria, a partir de IBGE (2000).

Tabela 66 – Tipo de Escoadouro por renda e cor ou raça – Rio de Janeiro

Pobre Remediado Rico


Total
Escoadouro Bran Negr Total Bran Negr Total Bran Negr Total geral
ca a ca a ca a
Rede geral
70,2 65,6 67,6 76,4 70,6 73,6 87,9 80,3 86,1 77,2
de esgoto ou
% % % % % % % % % %
pluvial
Fossa 18,9 20,6 19,9 17,2 20,5 18,8 10,6 16,5 12,0 16,5
séptica % % % % % % % % % %
Fossa
2,5% 3,0% 2,8% 1,5% 1,8% 1,7% 0,5% 0,7% 0,5% 1,4%
rudimentar
Vala 5,4% 6,5% 6,0% 2,9% 4,2% 3,5% 0,4% 1,4% 0,6% 2,8%
Rio, lago ou
2,5% 3,4% 3,0% 1,8% 2,4% 2,1% 0,5% 0,9% 0,6% 1,7%
mar
Outro 0,4% 1,0% 0,7% 0,3% 0,5% 0,4% 0,1% 0,3% 0,2% 0,3%
353

escoadouro
100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
Total geral
% % % % % % % % % %
Fonte: Elaboração própria, a partir de IBGE (2000).

Tabela 67 – Tipo de Escoadouro por renda e cor ou raça – Salvador

Pobre Remediado Rico Total


Escoadouro Bran Negr Total Bran Negr Total Bran Negr Total geral
ca a ca a ca a
Rede geral
70,1 66,4 66,9 80,3 75,5 76,4 89,3 85,3 87,1 76,5
de esgoto ou
% % % % % % % % % %
pluvial
Fossa 10,3 10,3
9,8% 8,2% 8,3% 8,3% 8,4% 8,9% 8,7% 8,8%
séptica % %
Fossa
8,7% 9,9% 9,7% 5,2% 7,6% 7,1% 1,6% 3,2% 2,4% 6,7%
rudimentar
Vala 5,8% 5,8% 5,8% 3,3% 4,5% 4,3% 0,5% 1,2% 0,9% 3,9%
Rio, lago ou
5,2% 5,9% 5,8% 2,5% 3,4% 3,2% 0,3% 1,1% 0,7% 3,3%
mar
Outro
0,4% 1,6% 1,4% 0,4% 0,8% 0,7% 0,0% 0,3% 0,2% 0,8%
escoadouro
Total geral 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
% % % % % % % % % %
Fonte: Elaboração própria, a partir de IBGE (2000).

Tabela 68 – Analfabetismo por renda e cor ou raça – Rio de Janeiro

Pobre Remediado Rico


Analfa- Total
betismo Branc Negr Total Branc Negr Total Branc Negr Total geral
a a a a a a
Sabe ler e 76,4 75,9 76,1 85,8 84,5 85,2 92,8 91,9 92,6 86,5
escrever % % % % % % % % % %
23,6 24,1 23,9 14,2 15,5 14,8 13,5
Não sabe 7,2% 8,1% 7,4%
% % % % % % %
100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
Total geral
% % % % % % % % % %
Fonte: Elaboração própria, a partir de IBGE (2000).

Tabela 69 – Analfabetismo por renda e cor ou raça – Salvador

Pobre Remediado Rico


Analfabe- Total
tismo Branc Negr Total Branc Negr Total Branc Negr Total geral
a a a a a a
Sabe ler e 75,4 72,9 73,2 86,1 84,5 84,8 92,5 92,5 92,5 83,5
escrever % % % % % % % % % %
Não sabe 24,6 27,1 26,8 13,9 15,5 15,2 7,5% 7,5% 7,5% 16,5
354

% % % % % % %
100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
Total geral
% % % % % % % % % %
Fonte: Elaboração própria, a partir de IBGE (2000).

Tabela 70 - Anos de estudo por renda e cor ou raça – Rio de Janeiro

Pobre Remediado Rico


Anos de Total
Estudo Branc Negra Total Branc Negra Total Branc Negra Total geral
a a a
De 1 a 4 44,2 49,5 47,2 30,6 35,3 32,9 13,5 19,8 15,0 27,8
anos % % % % % % % % % %
De 5 a 8 31,8 36,6 34,5 30,4 36,4 33,3 15,7 24,2 17,7 27,4
anos % % % % % % % % % %
De 9 a 19,1 12,7 15,4 30,7 24,8 27,8 29,8 35,6 31,1 27,5
11 anos % % % % % % % % % %
De 12 a 36,0 18,7 32,0 15,4
4,7% 1,2% 2,7% 7,9% 3,5% 5,8%
16 anos % % % %
17 ou
mais 0,3% 0,0% 0,1% 0,4% 0,1% 0,3% 5,0% 1,7% 4,2% 1,8%
anos
Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
geral % % % % % % % % % %
Fonte: Elaboração própria, a partir de IBGE (2000).

Tabela 71 – Anos de estudo por renda e cor ou raça - Salvador

Pobre Remediado Rico


Anos de Total
Estudo Branc Negra Total Branc Negra Total Branc Negra Total geral
a a a
De 1 a 4 39,6 47,8 46,6 25,8 31,8 30,7 11,3 16,8 14,2 30,3
anos % % % % % % % % % %
De 5 a 8 30,8 33,3 33,0 25,8 33,3 31,9 15,0 19,5 17,4 28,6
anos % % % % % % % % % %
De 9 a 25,0 18,2 19,2 37,9 32,2 33,3 34,4 43,8 39,4 31,6
11 anos % % % % % % % % % %
De 12 a 10,2 34,1 18,2 25,6
4,5% 0,7% 1,3% 2,6% 4,0% 8,6%
16 anos % % % %
17 ou
mais 0,1% 0,0% 0,0% 0,3% 0,1% 0,1% 5,1% 1,7% 3,3% 0,9%
anos
Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
geral % % % % % % % % % %
Fonte: Elaboração própria, a partir de IBGE (2000).

A discussao sobre qual a variável mais importante para determinar classe social
está superada, sobretudo graças ao historiador E.P Thompson e Bourdieu. Para
355

Bourdieu (2005) os individuos possuem uma infinidade de caracteristicas particulares


(sexo, idade, escolaridade, cor, rendimento, religião, origem rural ou urbana, regiao de
origem, patrimoônio econômico dos pais, local de residência, etc, etc) e a analise de
correspondência permite interrogar concretamente quais as caracteristicas que mais
aproximam os individuos e quais caracteristicas mais os diferem. Quando usado tal
método estatistico temos apenas nuvens de individuos mais proximos ou distantes,
socialmente falando. Não temos classes sociais, nem por status, nem por ocupação, nem
por raça, nem por sexo ou origem geografica, etc, etc. O que dá consistência à classe
social são as batalhas classificatorias, o trabalho de representaçao material e simbólico.
Por outras palavras, as mobilizaçoes politicas permitem tornar determinadas
caracteristicas visíveis e simbolos de fronteiras entre grupos sociais (como
trabalhadores/ não trabalhadores), diminuindo a sensibilidade a outras variáveis e
variações que continuam a existir. Assim, classe social não implica homogeneidade dos
individuos, mas a história do espaço social - como haver no passado escravidao de
africanos negros e seus descendentes - é central para a percepçao das caracteristicas
pertinentes a serem retomadas pelas ciências sociais. De acordo com Bourdieu (2005):
Em suma, o trabalho científico tem em vista estabelecer um
conhecimento adequado não só do espaço das relações objetivas
entre as diferentes posições constitutivas do campo mas também
das relações necessárias estabelecidas, pela mediação dos
habitus dos seus ocupantes, entre essas posições e as tomadas de
posição correspondentes, quer dizer, entre os pontos ocupados
neste espaço e os pontos de vista sobre este mesmo espaço, que
participam na realidade e no devir deste espaço. Por outras
palavras, a delimitação objetiva de classes sociais construídas,
quer dizer, de regiões do espaço construído das posições,
permite compreender o princípio e a eficácia das estratégias
classificatórias pela quais os agentes têm em vista conservar ou
modificar este espaço – e em cuja primeira fileira é preciso
contar a constituição de grupos organizados com o objetivo de
assegurarem a defesa dos interesses dos seus membros
(BOURDIEU, 2005, p.150).
Assim, entendemos que as limitações teóricas e metodológicas da nossa tese
devem ser superadas por trabalhos futuros já que ela não esgota a necessidade de
aprofundamento de ordem epistemológica e metodológica e a utilização de forma mais
eficaz dos instrumentos tecnológicos mais modernos que facilitam maior sofisticação
estatística, maior precisão nos resultados. Apesar das nossas limitações pode-se afirmar
a partir da análise do modelo de organização e desenvolvimento do espaço das cidades
do Rio de Janeiro e Salvador, que elas apresentam um grau importante de segregação,
356

também racial, à medida que os brancos que ocupam os estratos superiores destas
cidades estão recorrentemente sobre-representados nos territórios de concentração dos
capitais sociais, econômicos, culturais, educacionais e políticos promovidos tanto pelos
mecanismos de mercado como de Estado.

As variáveis relativas ao domicílio foram importadas para a subamostra pelo


número de controle. As selecionadas foram:

Tabela 72 – Variáveis Analisadas e Faixas Consideradas

FAIXAS
VARI
DESCRIÇÃO CATEGORIAS CONSIDERADAS
ÁVEL
(≠ IBGE)
V0300 CONTROLE
AREA ÁREA DE
P PONDERAÇÃO
Variáveis do registro de pessoas
1- Masculino
V0401 SEXO
2- Feminino
Menos de 1 ano (M)
Até 6 anos
De 7 a 10 anos
IDADE CALCUL. De 11 a 14 anos
EM ANOS De 15 a 18 anos
V4752 COMPLETOS -
A PARTIR DE 1 De 19 a 25 anos
ANO De 26 a 35 anos
De 36 a 45 anos
De 46 a 60 anos
Acima de 60 anos
1 - Branca Branca
2 - Preta Negra (Preta + Parda)
3 - Amarela Amarela (M)
V0408 COR OU RAÇA
4 - Parda Indígena (M)
5 - Indígena Ignorado (M)
9 - Ignorado
Sem Religião
Católica
CATEGORIAS NO Evangélica
CÓDIGO DA ARQUIVO “ Estrutura Espírita
V4090
RELIGIÃO de Religião - Umbanda
V4090.doc” Candomblé
Outras Afro-brasileiras
Outras
357

FAIXAS
VARI
DESCRIÇÃO CATEGORIAS CONSIDERADAS
ÁVEL
(≠ IBGE)
SEMPRE 1 - Sim
V0415 MOROU NESTE
MUNICÍPIO 2 - Não
SABE LER E 1 - Sabe ler e escrever
V0428
ESCREVER 2 - Não sabe
1 - Sim, rede particular
FREQÜENTA 2 - Sim, rede pública
V0429 ESCOLA OU
CRECHE 3 - Não, já freqüentou
4 - Nunca freqüentou
01 -Creche
02 - Pré-escola
03 - Classe de alfabetização
04 - Alfabetização de adultos
05 - Ensino fundamental ou 1º grau - regular
seriado
06 - Ensino fundamental ou 1º grau - regular não-
CURSO QUE seriado
V0430 07 – Supletivo (ensino fundamental ou 1º grau)
FREQÜENTA
08 - Ensino médio ou 2º grau - regular seriado
09 - Ensino médio ou 2º grau - regular não-seriado
10 - Supletivo (ensino médio ou 2º grau)
11 - Pré-vestibular
12 - Superior – graduação
13 - Superior – mestrado ou doutorado
Branco - para os não estudantes
1 - Alfabetização de adultos
2 - Antigo primário
CURSO MAIS 3 - Antigo ginásio
ELEVADO QUE 4 - Antigo clássico, científico, etc
FREQÜENTOU, 5 - Ensino fundamental ou 1º grau
V0432
CONCLUINDO 6 - Ensino médio ou 2º grau
PELO MENOS 7 - Superior - graduação
UMA SÉRIE
8 - Mestrado ou doutorado
9 - Nenhum
Branco - para os estudantes
CONCLUIU O 1 - Sim
CURSO NO 2 - Não
V0434
QUAL
ESTUDOU Branco - para os estudantes
358

FAIXAS
VARI
DESCRIÇÃO CATEGORIAS CONSIDERADAS
ÁVEL
(≠ IBGE)
Estudantes ou não-
estudantes que não
concluiram curso (M)
Outros cursos de
graduação
Não superior
CATEGORIAS NO Ciências agrárias
ARQUIVO “Cursos
Ciências biológicas e da
CÓDIGO DO Superiores - Estrutura
saúde
CURSO MAIS V4535.xls”
V4355 Ciências exatas e
ELEVADO
CONCLUÍDO tecnológicas
Ciências humanas e
sociais
Letras e artes
Defesa
Branco - para os
estudantes e os não Outros cursos de
estudantes que não mestrado ou doutorado
concluíram curso.
00 - Sem instrução ou
1 a 4 anos
menos de 1 ano
01 - 1 ano 5 a 8 anos
02 - 2 anos 9 a 11 anos
03 - 3 anos 12 a 16 anos
04 - 4 anos 17 anos ou mais
05 - 5 anos Sem instrução (M)
06 - 6 anos Não determinado (M)
Alfabetização de adulto
07 - 7 anos
(M)
08 - 8 anos
ANOS DE 09 - 9 anos
V4300
ESTUDO
10 - 10 anos
11 - 11 anos
12 - 12 anos
13 - 13 anos
14 - 14 anos
15 - 15 anos
16 - 16 anos
17 - 17 anos ou mais
20 - Não determinado
30 - Alfabetização de
adultos
359

FAIXAS
VARI
DESCRIÇÃO CATEGORIAS CONSIDERADAS
ÁVEL
(≠ IBGE)
VIVE EM 1 - Sim
COMPANHIA 2 - Não, mas viveu
DE CÔNJUGE 3 - Nunca viveu
V0436
OU
COMPANHEIRO Branco - para as pessoas com menos de 10 anos
(A) de idade
Menor de 10 anos ou sem
trabalho (M)
Profissões mal definidas
Gerentes
Profissionais das Ciências
e das Artes
Técnicos de nível médio
CATEGORIAS NO
ARQUIVO “Ocupação- Trabalhadores
Estrutura.doc” administrativos
Trabalhadores de serviço
CÓDIGO NOVO e comércio
V4452
DA OCUPAÇÃO Trabalhadores primários
Trabalhadores
secundários
Trabalhadores em
manutenção
Branco - para pessoa
de menos de 10 anos
de idade ou pessoa de
Militares
10 anos ou mais, que
não tinha trabalho na
semana de referência.
CÓDIGO NOVO CATEGORIAS NO Menor de 10 anos ou sem
V4462
DA ATIVIDADE ARQUIVO “CnaeDom- atividade (M)
Estrutura.xls” Atividade mal
especificada
Setor primário
Pesca
Indústria extrativista
Indústria de
transformação
Eletricidade, gás e água
Construção
Comércio e serviço
Alojamento e alimentação
360

FAIXAS
VARI
DESCRIÇÃO CATEGORIAS CONSIDERADAS
ÁVEL
(≠ IBGE)
Transporte,
armazenagem e
comunicação
Intermediação financeira
Atividades imobiliárias e
afins
Administração pública,
defesa e seguridade
Educação pública e
privada
Saúde e serviço social
Branco - para pessoa
de menos de 10 anos
de idade ou pessoa de
Serviços e comunicação
10 anos ou mais, que
social
não tinha trabalho na
semana de referência
do Censo.
1 - Trabalhador doméstico com carteira de trabalho
assinada
2 - Trabalhador doméstico sem carteira de trabalho
assinada
3 - Empregado com carteira de trabalho assinada
4 - Empregado sem carteira de trabalho assinada
5 - Empregador
NESSE
V0447 TRABALHO 6 - Conta-própria
ERA... 7 - Aprendiz ou estagiário sem remuneração
8 - Não remunerado em ajuda a membro do
domicílio
9 - Trabalhador na produção para o próprio
consumo
Branco - para as pessoas com menos de 10 anos
de idade e pessoas com 10 anos ou mais, que não
tinham trabalho na semana de referência.
361

FAIXAS
VARI
DESCRIÇÃO CATEGORIAS CONSIDERADAS
ÁVEL
(≠ IBGE)
1 - Sim
2 - Não
ERA Branco - para as pessoas com menos de 10 anos
CONTRIBUINTE de idade e pessoas com 10 anos ou mais, que não
DE INSTITUTO tinham trabalho na semana de referência do Censo
V0450
DE e as que tenham sido classificadas como
PREVIDÊNCIA aprendizes ou estagiários sem remuneração,
OFICIAL exerciam trabalho não remunerado em ajuda a
membro do domicílio, ou trabalhavam para o
próprio consumo.
Menor de 10 anos ou sem
trabalho (M)
Sem rendimento
Até 1salário-mínimo
Branco - para as
TOTAL DE pessoas com menos de De 1a 2 salários-mínimos
RENDIMENTOS 10 anos de idade e De 1a 2 salários-mínimos
NO TRABALHO pessoas com 10 anos De 2 a 3 salários-mínimos
V4514
PRINCIPAL, EM ou mais, que não De 3 a 5 salários-mínimos
SALÁRIOS tinham trabalho na
De 5 a 10 salários-
MÍNIMOS semana de referência
mínimos
do Censo.
De 10 a 20 salários-
mínimos
Mais de 20 salários-
mínimos
Menor de 10 anos ou sem
trabalho (M)
Sem rendimento
Branco - para as
pessoas com menos de Até 1salário-mínimo
TOTAL DE 10 anos de idade e De 1a 2 salários-mínimos
RENDIMENTOS pessoas com 10 anos De 1a 2 salários-mínimos
EM TODOS OS ou mais, que não De 2 a 3 salários-mínimos
V4526
TRABALHOS, tinham trabalho na De 3 a 5 salários-mínimos
EM SALÁRIOS semana de referência
De 5 a 10 salários-
MÍNIMOS do Censo.
mínimos
[O QUADRO NÃO
ACABA!] De 10 a 20 salários-
mínimos
Mais de 20 salários-
mínimos
TOTAL DE Branco - para as Menor de 10 anos ou sem
V4534
HORAS pessoas com menos de trabalho (M)
TRABALHADAS 10 anos de idade e Até 20 h
pessoas com 10 anos De 21 a 40 h
362

FAIXAS
VARI
DESCRIÇÃO CATEGORIAS CONSIDERADAS
ÁVEL
(≠ IBGE)
ou mais, que não De 41 a 60 h
tinham trabalho na
semana de referência Mais de 60 h
do Censo.
1 - Sim
PROVIDÊNCIA 2 - Não
V0455 P/ CONSEGUIR Branco – para pessoas com menos de 10 anos de
TRABALHO idade e pessoas com 10 anos ou mais, que tinham
trabalho na semana de referência do Censo.
EM JULHO DE 1 - Sim
2000, ERA 2 - Não
APOSENTADO
V0456 DE INSTITUTO
DE Branco - para as pessoas com menos de 10 anos
PREVIDÊNCIA de idade.
OFICIAL
Menor de 10 anos (M)
Até 1salário-mínimo
De 1a 2 salários-mínimos
De 1a 2 salários-mínimos
RENDIMENTO Branco - para pessoas De 2 a 3 salários-mínimos
DE com menos de 10 anos De 3 a 5 salários-mínimos
V4573
APOSENTADO de idade na data de De 5 a 10 salários-
RIA, PENSÃO referência do Censo. mínimos
De 10 a 20 salários-
mínimos
Mais de 20 salários-
mínimos
Menor de 10 anos (M)
Até 1salário-mínimo
De 1a 2 salários-mínimos
RENDIMENTO De 1a 2 salários-mínimos
DE RENDA
Branco - para pessoas De 2 a 3 salários-mínimos
MÍNIMA,
com menos de 10 anos De 3 a 5 salários-mínimos
V4603 BOLSA-
de idade na data de De 5 a 10 salários-
ESCOLA,
referência do Censo. mínimos
SEGURO-
DESEMPREGO De 10 a 20 salários-
mínimos
Mais de 20 salários-
mínimos
V4615 TOTAL DE Branco - para pessoas Menor de 10 anos (M)
RENDIMENTOS com menos de 10 anos Até 1salário-mínimo
363

FAIXAS
VARI
DESCRIÇÃO CATEGORIAS CONSIDERADAS
ÁVEL
(≠ IBGE)
, EM SALÁRIOS de idade na data de De 1a 2 salários-mínimos
MÍNIMOS referência do Censo. De 1a 2 salários-mínimos
De 2 a 3 salários-mínimos
De 3 a 5 salários-mínimos
De 5 a 10 salários-
mínimos
De 10 a 20 salários-
mínimos
Mais de 20 salários-
mínimos
Peso atribuído à
P001 PESO
pessoa
Variáveis do registro de domicílio
TOTAL DE
V0110
HOMENS
TOTAL DE
V0111
MULHERES
1 - Particular permanente
V0201 ESPÉCIE 2 - Particular improvisado
3 - Coletivo
1 - Casa
TIPO DO 2 - Apartamento
V0202
DOMICÍLIO 3 - Cômodo
Branco - Não aplicável
TOTAL DE Branco - para particular improvisado e domicílio
V0203
CÔMODOS coletivo
TOTAL DE
CÔMODOS Branco - para particular improvisado e domicílio
V0204
SERVINDO DE coletivo
DORMITÓRIO
1 - Próprio, já pago
2 - Próprio, ainda pagando
3 - Alugado
CONDIÇÃO DO 4 - Cedido por empregador
V0205
DOMICÍLIO 5 - Cedido de outra forma
6 - Outra Condição
Branco - para domicílio particular improvisado e
domicílio coletivo.
V0206 CONDIÇÃO DO 1 - Próprio
TERRENO 2 - Cedido
3 - Outra condição
364

FAIXAS
VARI
DESCRIÇÃO CATEGORIAS CONSIDERADAS
ÁVEL
(≠ IBGE)
Branco - para domicílio particular improvisado,
domicílio coletivo e domicílio particular permanente
que não é próprio (V0205 = 3 a 6) .
1 - Rede geral
FORMA DE 2 - Poço ou nascente (na propriedade)
V0207 ABASTECIMEN 3 - Outra
TO DE ÁGUA Branco - para domicílio particular improvisado e
domicílio coletivo
1 - Canalizada em pelo menos um cômodo
2 - Canalizada só na propriedade ou terreno
TIPO DE
V0208
CANALIZAÇÃO 3 - Não canalizada
Branco - para domicílio particular improvisado e
domicílio coletivo.
0 - Não tem
1 - 1 banheiro
2 - 2 banheiros
3 - 3 banheiros
4 - 4 banheiros
TOTAL DE 5 - 5 banheiros
V0209
BANHEIROS 6 - 6 banheiros
7 - 7 banheiros
8 - 8 banheiros
9 - 9 ou mais banheiros
Branco – para domicílio particular improvisado e
domicílio coletivo
1 - Sim
2 - Não
EXISTÊNCIA
V0210
DE SANITÁRIO Branco - para domicílio particular improvisado,
domicílio coletivo e domicílio particular permanente
que tinha banheiro(s).
1- Rede geral de esgoto ou pluvial
2- Fossa séptica
3- Fossa rudimentar
4- Vala
TIPO DE
V0211
ESCOADOURO 5- Rio, lago ou mar
6- Outro escoadouro
Branco - para domicílio particular improvisado,
domicílio coletivo e domicílio particular permanente
que tinha banheiro(s) ou sanitário.
V0212 COLETA DE 1- Coletado por serviço de limpeza
LIXO 2- Colocado em caçamba de serviço de limpeza
365

FAIXAS
VARI
DESCRIÇÃO CATEGORIAS CONSIDERADAS
ÁVEL
(≠ IBGE)
3- Queimado (na propriedade)
4- Enterrado (na propriedade)
5- Jogado em terreno baldio ou logradouro
6- Jogado em rio, lago ou mar
7- Tem outro destino
Branco - para domicílio particular improvisado e
domicílio coletivo.
1 - Sim
ILUMINAÇÃO 2 - Não
V0213
ELÉTRICA Branco - para domicílio particular improvisado e
domicílio coletivo.
1 - Sim
EXISTÊNCIA 2 - Não
V0214
DE RÁDIO Branco - para domicílio particular improvisado e
domicílio coletivo.
1 - Sim
EXISTÊNCIA
2 - Não
V0215 DE GELADEIRA
OU FREEZER Branco - para domicílio particular improvisado e
domicílio coletivo.
EXISTÊNCIA 1 - Sim
DE 2 - Não
V0216
VIDEOCASSET Branco - para domicílio particular improvisado e
E domicílio coletivo.
EXISTÊNCIA 1 - Sim
DE MÁQUINA 2 - Não
V0217
DE LAVAR Branco - para domicílio particular improvisado e
ROUPA domicílio coletivo.
1 - Sim
EXISTÊNCIA
2 - Não
V0218 DE FORNO DE
MICROONDAS Branco - para domicílio particular improvisado e
domicílio coletivo.
EXISTÊNCIA 1 - Sim
DE LINHA 2 - Não
V0219
TELEFÔNICA Branco - para domicílio particular improvisado e
INSTALADA domicílio coletivo.
EXISTÊNCIA 1 - Sim
DE 2 – Não
V0220
MICROCOMPU Branco - para domicílio particular improvisado e
TA-DOR domicílio coletivo.
V0221 QUANTIDADE 0 - Não tem
EXISTENTE DE 1 - 1 televisor
366

FAIXAS
VARI
DESCRIÇÃO CATEGORIAS CONSIDERADAS
ÁVEL
(≠ IBGE)
TELEVISORES 2 - 2 televisores
3 - 3 televisores
4 - 4 televisores
5 - 5 televisores
6 - 6 televisores
7 - 7 televisores
8 - 8 televisores
9 - 9 ou mais
televisores
Branco - para domicílio particular improvisado e
domicílio coletivo
0 - Não tem
1 - 1 automóvel
2 - 2 automóveis
3 - 3 automóveis
QUANTIDADE 4 - 4 automóveis
EXISTENTE DE 5 - 5 automóveis
V0222 AUTOMÓVEIS 6 - 6 automóveis
PARA USO 7 - 7 automóveis
PARTICULAR
8 - 8 automóveis
9 - 9 ou mais
automóveis
Branco - para domicílio particular improvisado e
domicílio coletivo
0 - Não tem
1 - 1 aparelho
2 - 2 aparelhos
QUANTIDADE 3 - 3 aparelhos
EXISTENTE DE 4 - 4 aparelhos
APARELHOS 5 - 5 aparelhos
V0223
DE AR 6 - 6 aparelhos
CONDICIONAD 7 - 7 aparelhos
O
8 - 8 aparelhos
9 - 9 ou mais aparelhos
Branco - para domicílio particular improvisado e
domicílio coletivo
TOTAL DE MORADORES NO
V7100
DOMICÍLIO
DENSIDADE DE Branco - para domicílio Domicílio particular
V7203 MORADORES particular improvisado e improvisado ou coletivo
POR CÔMODO domicílio coletivo (M)
367

FAIXAS
VARI
DESCRIÇÃO CATEGORIAS CONSIDERADAS
ÁVEL
(≠ IBGE)
Até 1 morador por
cômodo
De 1 a 2 moradores por
cômodo
De 2 a 3 moradores por
cômodo
De 3 a 4 moradores por
cômodo
De 4 a 5 moradores por
cômodo
Mais de 5 moradores por
cômodo
Domicílio particular
improvisado ou coletivo
(M)
Até 1 morador por
dormitório
De 1 a 2 moradores por
DENSIDADE DE
Branco - para domicílio dormitório
MORADORES
V7204 particular improvisado e De 2 a 3 moradores por
POR
domicílio coletivo dormitório
DORMITÓRIO
De 3 a 4 moradores por
dormitório
De 4 a 5 moradores por
dormitório
Mais de 5 moradores por
dormitório
Sem rendimento
Até 1salário-mínimo
De 1a 2 salários-mínimos
TOTAL DE De 1a 2 salários-mínimos
RENDIMENTOS De 2 a 3 salários-mínimos
DO DOMICÍLIO De 3 a 5 salários-mínimos
V7617
PARTICULAR, De 5 a 10 salários-
EM SALÁRIOS mínimos
MÍNIMOS
De 10 a 20 salários-
mínimos
Mais de 20 salários-
mínimos
Peso atribuído ao
P001 PESO
domicílio
V1112 EXISTÊNCIA 1 - Sim
368

FAIXAS
VARI
DESCRIÇÃO CATEGORIAS CONSIDERADAS
ÁVEL
(≠ IBGE)
DE 2 - Não
ILUMINAÇÃO 9 - Ignorado
PÚBLICA Branco - para domicílio
coletivo
1 - Total
EXISTÊNCIA 2 - Parcial
DE
3 - Não Existe
V1113 CALÇAMENTO /
PAVIMENTAÇÃ 9 - Ignorado
O Branco - para domicílio
coletivo
Fonte: Elaboração própria, baseado em IBGE (2000).

A.5 Base Territorial

Os dados estatísticos e cartográficos foram obtidos através do SPRING (Sistema


de Processamento de Informações Georeferenciadas), um banco de dados geográficos
de 2ª. Geração, para ambientes UNIX e Windows. O sistema SPRING é um produto
desenvolvido com tecnologia totalmente nacional pelo Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais – INPE, em São José dos Campos, São Paulo. Um sistema de
Geoprocessamento, o SPRING é definido como conjunto de ferramentas voltadas à
coleta e tratamento de informações espaciais, além da geração de saídas na forma de
mapas convencionais, relatórios, arquivos digitais e outros, devendo prover recursos
para armazenamento, gerenciamento, manipulação e análise de dados (INPE, 2004, p.3).

A.6 Banco de Dados Georreferenciados - SPRING

O SPRING é também um SIG – Sistema de Informação Geográfica – mas tratado,


nesse caso, como Banco de Dados Geográfico, uma vez que foi concebido com
ferramentas de um sistema de informação dentro da estrutura de banco de dados
relacionais. Cria um banco de dados com gerenciador DBaseIV e dados de projeção.
Com esta ferramenta, fez-se uma projeção para cada cidade:

a. Rio de Janeiro– projeção UTM/SAD69; Retângulo Envolvente: Zona:23 –


X1:623.523; X2:696.074 S; Y1: 7.447.343; Y 2: 7. 484.459 S

b. Salvador – projeção UTM/SAD69; Retângulo Envolvente: Zona:24 – X1:536.701;


X2:575.526 S; Y1: 8.560.935; Y 2: 8.591.345 S
369

Os dados geográficos foram importados do ESTATCART (IBGE, 2003).


A.6.1 Elaboração de Mapas
O sistema SPRING constitui-se de três aplicativos: IMPIMA (utilizado para
leitura de imagem); Spring (programa principal do sistema) e o SCART (permite a
elaboração de cartas, a partir de dados previamente tratados no programa Spring) -
SPRING => SCART IPLOT (arquivar carta) Mapa de pizza o mesmo
procedimento, mas arquiva-se em SCREENSEIZE.

A partir do processo descrito acima, também elaboramos a hierarquização,


segundo a divisão territorial GEOIDE98 e AED/IBGE definindo-as por cor ou raça para
proceder à análise espacial, base central do estudo.

A.7 Áreas de Ponderação Estudadas

A.7.1 Salvador

Tabela 73 - Hierarquização por Cor ou Raça - Salvador

GEOID AED BAIRRO PRINCIPAL BRANCA NEGRA


24 24 Graça 71,9% 28,1%
23 23 Barra e Barra Avenida 71,7% 28,3%
17 17 Itaigara/C das Árvores e Iguatemi 69,4% 30,6%
26 26 Campo Grande Canela e Vitória 68,6% 31,4%
18 18 Pituba e Pq. Nossa Senhora da Luz 67,0% 33,0%
Chame Chame/Jd. Apipema/Morro Gato e
25 25 M. Ipiranga 61,9% 38,1%
6 6 Stella Maris e Aeroporto 58,1% 41,9%
14 14 Imbuí 52,8% 47,2%
Armação/Costa Azul/Stiep e C. dos
16 16 Bancários 52,5% 47,5%
22 22 Rio Vermelho e Pq. Cruz Aguiar 48,6% 51,4%
36 36 Nazaré/Saúde/Tororó e Jardim Bahiano 46,5% 53,5%
68 69 Candeal e Horto Florestal de Brotas 45,9% 54,1%
29 29 Ondina/S. Lázaro/C da Silva e Vila Matos 43,4% 56,6%
35 35 Centro/C. Histórico/Politeama e Barris 39,6% 60,4%
Vila Laura/Luis Anselmo e Jardim Santa
63 64 Tereza 38,7% 61,3%
D. Dutra/Castro Neves/Pitangueiras/S.
62 63 Agostinho 38,2% 61,8%
2 2 Patamares/Pituaçu/Piatã 37,6% 62,4%

98
Usado para conectar o objeto à tabela de atributos e à representação gráfica no mapa cadastral
370

GEOID AED BAIRRO PRINCIPAL BRANCA NEGRA


5 5 Itapuã e Nova Conquista 37,6% 62,4%
12 12 Barbalho/ Macaúbas/Santo Antônio 36,9% 63,1%
67 68 Jd. Castro Alves/Vale Flores e C. de Brotas 36,3% 63,7%
38 38 Bonfim/Dendezeiros e Monte Serrat 34,7% 65,3%
66 67 Brotas/Acupe e Daniel Lisboa 33,9% 66,1%
88 61 Cabula/Cabula VI/Saboeiro/Doron 30,2% 69,8%
21 21 Amaralina 28,7% 71,3%
27 27 Garcia 22,2% 77,8%
65 66 Eng. Velho de Brotas e Boa Vista de Brotas 21,7% 78,3%
S. Marcos/Canabrava/V Lagos/ Paralela/ L.
78 79 Verde 21,7% 78,3%
3 3 Alto do Coqueirinho/km 17 21,5% 78,5%
15 15 Boca do Rio e Caxundé 21,5% 78,5%
1 1 Abaeté e Nova Brasília 21,5% 78,5%
39 39 Ribeira e Itapagipe 21,4% 78,6%
9 9 I. A. P. I. e Santa Mônica 20,2% 79,8%
A. Meninos/Calçada/Mares/Roma/Bx
37 37 Fiscal/Uruguai 20,2% 79,8%
74 75 Dom Avelar e Porto Seco Pirajá 20,1% 79,9%
86 87 Fazenda Grande I e Fazenda Grande II 19,8% 80,2%
47 47 Periperi/M. de Periperi e São Bartolomeu 19,3% 80,7%
Flamboyants/Trobogy/N. Brasília/C.
79 80 Jaguaripe 19,1% 80,9%
10 10 Pau Miúdo e Cidade Nova 18,9% 81,1%
Sussuarana/N. Sussuarana/Cab/ Bosque
73 74 Imperial 18,8% 81,2%
53 53 Lobato 18,8% 81,2%
Pernambués/Jardim Brasília e
61 62 Saramandaia 18,7% 81,3%
30 30 Alto do Sobradinho e Pq. São Brás 18,5% 81,5%
58 58 Engomadeira e Arraial das Barreiras 18,5% 81,5%
44 44 Itacaranha/Escada e Praia Grande 18,5% 81,5%
B. Machado/Massaranduba e Vila Rui
40 40 Barbosa 18,3% 81,7%
43 43 Plataforma 18,2% 81,8%
33 33 Mussurunga 18,2% 81,8%
7 7 Liberdade/Bairro Guarani/Sieiro 18,1% 81,9%
32 32 Itinga/Ceasa e Represa de Ipitanga 17,9% 82,1%
Calabetão/Granjas Reunidas Vargas/ S.
71 72 Inácio 17,7% 82,3%
42 42 S.João Cabrito/Inv de S. João e Boiadeiro 17,7% 82,3%
83 84 Cajazeira V/Cajazeira VI e Cajazeira VII 17,7% 82,3%
85 86 Cajazeira X e Cajazeira XI 17,2% 82,8%
371

GEOID AED BAIRRO PRINCIPAL BRANCA NEGRA


13 13 Pero Vaz 17,2% 82,8%
52 52 Boa Vista do Lobato e Alto do Cabrito 16,4% 83,6%
64 65 Cosme de Farias e Baixa do Tubo 16,2% 83,8%
11 11 Cx. D'Água/Lapinha/Soledade 16,1% 83,9%
45 45 Alto de Sta. Terezinha e Ilha Amarela 15,9% 84,1%
60 60 Arenoso 15,9% 84,1%
75 76 Castelo Branco/Cajazeira II e Cajazeira IV 15,8% 84,2%
76 77 V Canária/ 7de Abril e Jd. Nova Esperança 15,7% 84,3%
Arraial do Retiro/Barreiras e S. Gonçalo
57 57 Retiro 15,6% 84,4%
87 88 Fazenda Grande III e Fazenda Grande IV 15,3% 84,7%
46 46 Rio Sena 15,2% 84,8%
Federação/Alto Pombas/C. Santo e
28 28 Calabar 15,0% 85,0%
72 73 Mata Escura 14,8% 85,2%
31 31 Engenho Velho da Federação 14,7% 85,3%
55 55 São Caetano e Santa Luzia 14,5% 85,5%
8 8 Curuzu 14,3% 85,7%
51 51 Paripe/São Tomé/Bate Coração e Tubarão 14,2% 85,8%
82 83 Nogueira e Cajazeira III 14,0% 86,0%
69 70 Pirajá 13,9% 86,1%
54 54 Capelinha de São Caetano 13,8% 86,2%
70 71 Marechal Rondon e Campinas do Pirajá 13,7% 86,3%
4 4 Bairro da Paz 13,3% 86,7%
59 59 Tancredo Neves 13,2% 86,8%
34 34 São Cristóvão 13,1% 86,9%
84 85 Cajazeira VIII 12,8% 87,2%
F Grande/L Tanque/A. Peru/B. Juá/Retiro e
56 56 B. Reis 12,7% 87,3%
Sta Cruz/Chapada Rio Vermelho/ V.
20 20 Pedrinhas 12,4% 87,6%
77 78 Pau da Lima e Colina Azul 12,3% 87,7%
41 41 S. Alagados e Baixa do Petróleo 11,7% 88,3%
48 48 Fazenda Coutos 11,4% 88,6%
80 81 Valéria 10,0% 90,0%
19 19 Nordeste de Amaralina 9,8% 90,2%
49 49 Nova Constituinte e Parque Setúbal 9,4% 90,6%
50 50 Coutos e Vista Alegre 8,1% 91,9%
Cajazeira/B. Doce/Palestina/Boca Mata/ A.
81 82 Claras 7,7% 92,3%

A.7.2 Rio de Janeiro


372

Tabela 74 - Hierarquização por Cor ou Raça - Rio de Janeiro

GEOID AED BAIRRO PRINCIPAL BRANCA NEGRA


72 73 Humaitá 94% 6%
89 90 Lagoa 94% 6%
157 158 Tij._Bonfim_Maracanã 93% 7%
13 13 Barra da Tijuca 93% 7%
77 78 Ipanema_Orlas 93% 7%
38 39 Copa_Eixo2 93% 7%
69 70 Gávea 91% 9%
60 61 Flamengo 90% 10%
91 92 Leblon 89% 11%
20 21 Botafogo_Soro/Metro 89% 11%
88 89 Jardim Guanabara 89% 11%
90 91 Laranjeiras 89% 11%
37 38 Copa_Eixo1 88% 12%
41 42 Copa_P6 88% 12%
66 67 Grajaú 87% 13%
98 99 Maracanã 85% 15%
158 159 Tij._Final 85% 15%
40 41 Copa_P2 84% 16%
170 18 Botafogo_Fundos_Urca 84% 16%
18 19 Botafogo_Praia 84% 16%
86 87 Jardim Botânico 83% 17%
39 40 Copa_Fundos 83% 17%
156 157 Tij._Bonfim_Itapagipe 81% 19%
65 66 Glória 80% 20%
76 77 Ipanema_Eixo 80% 20%
5 5 Andaraí 78% 22%
6 6 Anil 78% 22%
106 107 Méier 78% 22%
168 169 Vila da Penha 78% 22%
115 116 Penha_1 77% 23%
160 161 Todos os Santos 77% 23%
92 93 Leme 76% 24%
100 101 Maria da Graça, Del Castilho 76% 24%
132 133 Riachuelo 76% 24%
22 23 Cachambi 75% 25%
19 20 Botafogo Soro/Humaitá 75% 25%
166 167 Vila Isabel 73% 27%
25 26 Campinho, Vila Valqueire 73% 27%
70 71 Higienópolis 72% 28%
31 32 Cidade Nova, Praça da Bandeira 72% 28%
373

GEOID AED BAIRRO PRINCIPAL BRANCA NEGRA


105 106 Moneró, Portuguesa 71% 29%
114 115 Pechincha 70% 30%
169 170 Zumbi, Pitangueiras, Praia da Bandeira 70% 30%
123 124 Ramos 69% 31%
131 132 Recreio dos Bandeirantes, Grumari 69% 31%
27 28 Catete 69% 31%
159 160 Tij_Uruguai_Alto da Boa Vista 69% 31%
1 1 Abolição 69% 31%
133 134 Ribeira, Cacuia 69% 31%
164 165 Vidigal, São Conrado 68% 32%
17 17 Bonsucesso 68% 32%
80 81 Irajá_Monsenhor Félix 68% 32%
84 85 Jacaré, Rocha, Sampaio 67% 33%
135 136 Rio Comprido 67% 33%
58 59 Engenho de Dentro 66% 34%
62 63 Freguesia (Jacarepaguá) 66% 34%
119 120 Piedade 64% 36%
30 31 Centro 64% 36%
87 88 Jardim Carioca 64% 36%
138 139 Santa Teresa, Cosme Velho 64% 36%
155 156 Tauá 63% 37%
120 121 Pilares 63% 37%
152 153 São Cristóvão 62% 38%
122 123 Quintino 62% 38%
167 168 Vila Kosmos 62% 38%
3 3 Água Santa, Encantado 62% 38%
121 122 Praça Seca 62% 38%
154 155 Taquara 62% 38%
56 57 Engenho Novo 61% 39%
85 86 Jardim América 61% 39%
73 74 Ilha de Paquetá 61% 39%
162 163 Turiaçú 61% 39%
12 12 Bangu/Sta.Cruz/RPrata 60% 40%
59 60 Estácio 60% 40%
107 108 Olaria 60% 40%
61 62 Freguesia 59% 41%
117 118 Penha_Circ._1 59% 41%
63 64 Galeão, Cidade Universitária 59% 41%
118 119 Penha_Circ._2 59% 41%
26 27 Cascadura 59% 41%
46 47 Cpo._Gde._2 58% 42%
374

GEOID AED BAIRRO PRINCIPAL BRANCA NEGRA


129 130 Realengo_Helena 58% 42%
21 22 Brás de Pina 58% 42%
78 79 Irajá_Con.Parque Irajá 57% 43%
128 129 Realengo_Cap.Teixeira 57% 43%
50 51 Cpo_Gde_6 57% 43%
74 75 Inhaúma 56% 44%
28 29 Catumbi 56% 44%
95 96 Magalhães Bastos 55% 45%
140 141 Saúde, Gamboa, Santo Cristo 55% 45%
145 146 Sepetiba 55% 45%
153 154 Tanque 55% 45%
51 52 Cpo._Gde._7 55% 45%
137 138 Rocinha 55% 45%
81 82 Itanhangá 54% 46%
33 34 Cocotá, Bancários 53% 47%
99 100 Marechal Hermes 53% 47%
112 113 Parque Anchieta 53% 47%
125 126 Realengo_Av.Sta.Cruz 53% 47%
16 16 Bento Ribeiro 53% 47%
79 80 Irajá_Metrô_Automóvel.Clube 53% 47%
29 30 Cavalcanti, Engenheiro Leal, Vaz Lobo 52% 48%
94 95 Madureira 52% 48%
108 109 Oswaldo Cruz 51% 49%
93 94 Lins de Vasconcelos 51% 49%
82 83 Jacarepaguá 51% 49%
57 58 Engenho da Rainha 51% 49%
53 54 Cpo._Gde._9 51% 49%
Deodoro, Vila Militar, Campo dos Afonsos,
55 56 Jardim Sul 51% 49%
151 152 Sta._Cruz_meio_ac._Primeira 51% 49%
104 105 Maré_Ramos 51% 49%
11 11 Bangu_R.PrataSul 51% 49%
54 55 Curicica 50% 50%
23 24 Caju 50% 50%
14 14 Barros Filho 50% 50%
48 49 Cpo._Gde._4 50% 50%
10 10 Bangu_Marciano.Sta.Cruz 50% 50%
34 35 Coelho Neto 49% 51%
116 117 Penha_2 49% 51%
139 140 Santíssimo 49% 51%
113 114 Pavuna 49% 51%
141 142 Senador._Camará_ Sta.Cruz 49% 51%
375

GEOID AED BAIRRO PRINCIPAL BRANCA NEGRA


110 111 Padre Miguel 49% 51%
127 128 Realengo_Borda Helena 49% 51%
47 48 Cpo._Gde._3 48% 52%
102 103 Maré_Bonsucesso_Ramos 48% 52%
15 15 Benfica 48% 52%
Guaratiba, Barra de Guaratiba, Pedra de
68 69 Guaratiba 48% 52%
161 162 Tomás Coelho 47% 53%
67 68 Guadalupe 47% 53%
97 98 Manguinhos 47% 53%
96 97 Mangueira, São Francisco Xavier 47% 53%
52 53 Cpo._Gde._8 47% 53%
71 72 Honório Gurgel 47% 53%
2 2 Acari, Parque Colúmbia 46% 54%
124 125 Realengo_Água Branca 46% 54%
142 143 Sen._Camará_ac Sta.Cruz 46% 54%
136 137 Rocha Miranda 46% 54%
64 65 Gardênia Azul 45% 55%
130 131 Realengo_Limites 45% 55%
144 145 Senador Vasconcelos 45% 55%
45 46 Cpo._Gde._1 45% 55%
49 50 Cpo._Gde._5 45% 55%
163 164 Vicente de Carvalho 45% 55%
42 43 Cordovil 45% 55%
111 112 Parada de Lucas 44% 56%
43 44 Cosmos 44% 56%
35 36 Colégio 43% 57%
103 104 Maré_Manguinhos 43% 57%
101 102 Maré_Bonsucesso 43% 57%
150 151 Sta._Cruz_esq._Guandu 43% 57%
36 37 Complexo do Alemão 43% 57%
4 4 Anchieta 43% 57%
83 84 Jacarezinho 42% 58%
Camorim, Vargem Pequena, Vargem
24 25 Grande 42% 58%
149 150 Sta._Cruz_esq._Felipe Cardoso 42% 58%
134 135 Ricardo de Albuquerque 41% 59%
165 166 Vigário Geral 41% 59%
126 127 Realengo_Borda 41% 59%
7 7 Bangu_Av.Brasil 40% 60%
75 76 Inhoaíba 40% 60%
146 147 Sta._Cruz_Urucânia_CesárioMelo 40% 60%
376

GEOID AED BAIRRO PRINCIPAL BRANCA NEGRA


109 110 Paciência 39% 61%
8 8 Bangu_Av.Brasil Corretor 39% 61%
143 144 Senador Camará_Favelas 38% 62%
147 148 Sta._Cruz_ac.Urucânia_Guandu 38% 62%
9 9 Bangu_Av.Brasil Marciano 38% 62%
32 33 Cidade de Deus 37% 63%
148 149 Sta._Cruz_dir._CesárioMelo 34% 66%
44 45 Costa Barros 34% 66%
Fonte: IBGE (Censo 2000).

A partir desta hierarquização, podemos dizer que Salvador, com uma população
total de 2.444.604 e de 2.399.397, excluídos os indígenas, amarelos e ignorados, tem
1.834.539 negros (76,46%) e 564.858 brancos (23,54%), racial e espacialmente
apresentando duas divisões principais: 9 áreas com supremacia branca e 81 áreas de
maioria negra, considerando-se a divisão territorial por AED. Por outro lado, o Rio de
Janeiro, com uma população total de 5.861.612 e 5.407.338 excluídos indígenas,
amarelos e ignorados, com 170 AEDs, compostas por 3.407.338 (58,88%) e 2.379.584
(41,12%), de negros, tem uma configuração espacial e racial com 111 AEDs de maioria
branca, 53 de maioria negra e 6 com composição equilibrada. Ou seja, em Salvador a
maioria branca mora na Orla Oceânica, incluindo Stella Maris ao norte e na AED
Iguatemi. Na Orla Oceânica, embora haja bairros populares de maioria negra, como
Boca do Rio, o Nordeste de Amaralina se destaca por ser o bairro com o maior
percentual de negros dessa área da cidade: 90% de seu moradores se declaram pardos-
pretos.

No Rio de Janeiro, a maior concentração de brancos é na Zona Sul, nos


bairros/AEDs: Humaitá, Lagoa, Ipanema, Copacabana, Gávea, São Conrado, Flamengo,
Leblon, Botafogo, Leme, Laranjeiras, Jardim Botânico, e Glória99; na Zona Norte
destacam-se Jardim Guanabara e Maracanã, e na Zona Oeste, Barra da Tijuca e Recreio.
Por outro lado, a Zona Oeste é a que tem os mais altos percentuais de negros, logo
seguida pela Zona Norte, observadas áreas de certo equilíbrio. Abaixo o Mapa 56 - e o
Mapa 57 das duas cidades, com identificação numérica para acompanhamento das
análises espaciais. Note-se que apesar de identificarmos as áreas como AED, a
numeração dos mapas segue as GEOIDs. O que nos levou a esta opção foi uma

99
Nessas áreas, é bom lembrar, as remoções forçadas das favelas como a do Pasmado em Copacabana,
nos anos 1960, a de Catacumba, na Lagoa Rodrigues de Freitas, nos anos 1970, reforçaram a supremacia
das populações brancas
377

dificuldade técnica, por ser mais simples e, cremos, sem prejuízo do entendimento.
Assim esclarecido, passemos aos capítulos que baseados nesta metodologia buscam
tratar das questões antes esboçadas. Esclarecemos também que a Ilha de Maré, que
pertence ao município de Salvador, foi retirada por problemas de representação
cartográfica.

Mapa 56 - – Divisão por Área de Ponderação – AED – Salvador - 2005

Fonte: IBGE, 2000. Elaboração: Antonia Garcia


378

Mapa 57 – Divisão por Área de Ponderação – AED - Rio de Janeiro - 2005

Fonte: IBGE, 2000. Elaboração: Antonia Garcia


379

APÊNDICE B AEDS RIO DE JANEIRO E SALVADOR

Rio de Janeiro Branca Preta Parda Amarela Indígena Ignorada Total


1 Abolição 67,68% 5,51% 25,21% 0,00% 0,00% 1,60% 100,00%
2 Acari, Parque Columbia 45,11% 16,39% 36,23% 0,60% 0,00% 1,67% 100,00%
3 Agua Santa, Encantado 61,61% 8,73% 28,87% 0,41% 0,00% 0,38% 100,00%
4 Anchieta 42,22% 9,34% 47,57% 0,15% 0,21% 0,51% 100,00%
5 Andaraí 77,40% 6,79% 14,45% 0,00% 0,00% 1,36% 100,00%
6 Anil 77,35% 3,69% 18,02% 0,00% 0,00% 0,94% 100,00%
7 Bangu_AvBrasil 39,85% 15,01% 43,65% 0,50% 0,43% 0,57% 100,00%
8 Bangu_AvBrasilCorretor 39,15% 13,42% 46,83% 0,00% 0,42% 0,18% 100,00%
9 Bangu_AvBrasilMarciano 37,75% 18,26% 43,55% 0,00% 0,00% 0,44% 100,00%
10 Bangu_MarcianoStaCruz 49,19% 12,51% 37,60% 0,34% 0,00% 0,36% 100,00%
11 Bangu_RPrataSul 50,08% 5,57% 43,37% 0,00% 0,61% 0,37% 100,00%
12 Bangu_StaCruzRPrata 59,45% 9,60% 30,19% 0,00% 0,21% 0,55% 100,00%
13 Barra da Tijuca 91,67% 1,09% 5,82% 0,59% 0,00% 0,83% 100,00%
14 Barros Filho 47,22% 10,88% 36,94% 0,75% 0,00% 4,21% 100,00%
15 Benfica 47,40% 9,28% 41,72% 0,49% 0,00% 1,10% 100,00%
16 Bento Ribeiro 52,84% 10,15% 36,32% 0,00% 0,00% 0,69% 100,00%
17 Bonsucesso 66,65% 2,54% 28,20% 0,62% 0,00% 1,99% 100,00%
18 Botafogo_Fundos_Urca 82,36% 3,80% 11,80% 0,00% 0,47% 1,58% 100,00%
19 Botafogo_Praia 82,77% 5,27% 10,64% 1,32% 0,00% 0,00% 100,00%
20 Botafogo_Soro/Humaita 73,48% 5,25% 19,64% 0,52% 0,56% 0,55% 100,00%
21 Botafogo_Soro/Metro 87,53% 1,20% 9,54% 1,73% 0,00% 0,00% 100,00%
22 Brás de Pina 56,80% 10,79% 31,06% 0,17% 0,51% 0,67% 100,00%
23 Cachambi 75,19% 3,51% 21,14% 0,00% 0,16% 0,00% 100,00%
24 Cajú 49,75% 8,65% 41,03% 0,00% 0,00% 0,56% 100,00%
25 Camorim, Vargem Pequena, Vargem Grande 41,52% 13,68% 43,44% 0,00% 0,59% 0,77% 100,00%
26 Campinho, Vila Valqueire 72,20% 6,42% 20,90% 0,23% 0,00% 0,26% 100,00%
27 Cascadura 57,08% 12,85% 27,33% 0,00% 0,88% 1,86% 100,00%
28 Catete 67,44% 7,49% 22,44% 0,75% 0,92% 0,96% 100,00%
29 Catumbi 54,54% 15,78% 27,37% 0,00% 0,00% 2,30% 100,00%
30 Cavalcanti, Engenheiro Leal, Vaz Lobo 51,33% 16,46% 31,60% 0,31% 0,00% 0,30% 100,00%
31 Centro 63,02% 9,16% 26,56% 0,31% 0,60% 0,37% 100,00%
380

Rio de Janeiro Branca Preta Parda Amarela Indígena Ignorada Total


32 Cidade Nova, Praça da Bandeira 69,86% 6,61% 21,01% 0,00% 0,00% 2,52% 100,00%
33 Cidade de Deus 36,44% 15,38% 46,86% 0,48% 0,00% 0,84% 100,00%
34 Cocotá, Bancários 52,42% 6,26% 39,66% 0,55% 1,12% 0,00% 100,00%
35 Coelho Neto 48,61% 12,45% 37,62% 0,00% 0,00% 1,32% 100,00%
36 Colégio 41,92% 17,50% 37,05% 0,73% 0,00% 2,79% 100,00%
37 Complexo do Alemão 42,22% 12,03% 44,16% 0,37% 0,47% 0,75% 100,00%
38 Copa_Eixo1 86,75% 1,50% 10,28% 0,38% 0,47% 0,62% 100,00%
39 Copa_Eixo2 91,46% 1,49% 5,76% 0,87% 0,42% 0,00% 100,00%
40 Copa_Fundos 81,05% 5,67% 11,45% 0,00% 0,56% 1,27% 100,00%
41 Copa_P2 80,90% 4,52% 10,65% 0,00% 1,75% 2,18% 100,00%
42 Copa_P6 86,92% 1,90% 10,17% 0,38% 0,00% 0,63% 100,00%
43 Cordovil 44,29% 15,51% 39,53% 0,00% 0,20% 0,47% 100,00%
44 Cosmos 43,18% 10,61% 45,44% 0,18% 0,16% 0,42% 100,00%
45 Costa Barros 33,11% 14,95% 49,93% 0,00% 0,74% 1,27% 100,00%
46 Cpo_Gde_1 44,76% 11,38% 43,60% 0,26% 0,00% 0,00% 100,00%
47 Cpo_Gde_2 57,15% 3,62% 37,65% 0,32% 0,53% 0,73% 100,00%
48 Cpo_Gde_3 48,44% 9,80% 41,76% 0,00% 0,00% 0,00% 100,00%
49 Cpo_Gde_4 49,25% 8,25% 41,82% 0,25% 0,22% 0,22% 100,00%
50 Cpo_Gde_5 44,27% 13,29% 41,15% 0,00% 0,79% 0,51% 100,00%
51 Cpo_Gde_6 56,21% 7,76% 35,20% 0,00% 0,00% 0,83% 100,00%
52 Cpo_Gde_7 54,63% 7,74% 37,02% 0,24% 0,20% 0,17% 100,00%
53 Cpo_Gde_8 46,70% 11,01% 42,29% 0,00% 0,00% 0,00% 100,00%
54 Cpo_Gde_9 50,69% 9,56% 39,29% 0,45% 0,00% 0,00% 100,00%
55 Curicica 50,11% 12,86% 36,28% 0,40% 0,34% 0,00% 100,00%
56 Deodoro, Vila Militar, Campo dos Afonsos, 50,49% 11,70% 37,01% 0,27% 0,00% 0,52% 100,00%
Jardim Su
57 Engenho Novo 60,79% 12,51% 26,13% 0,00% 0,20% 0,36% 100,00%
58 Engenho da Rainha 50,28% 14,02% 33,63% 0,81% 0,70% 0,57% 100,00%
59 Engenho de Dentro 66,20% 8,94% 24,49% 0,13% 0,00% 0,24% 100,00%
60 Estácio 56,53% 9,26% 28,70% 0,00% 0,00% 5,51% 100,00%
61 Flamengo 87,44% 2,27% 7,38% 2,11% 0,35% 0,45% 100,00%
62 Freguesia 58,85% 11,84% 28,63% 0,00% 0,67% 0,00% 100,00%
63 Freguesia (Jacarepaguá) 64,91% 6,75% 26,05% 1,01% 0,29% 0,99% 100,00%
64 Galeão, Cidade Universitária 58,39% 4,29% 36,32% 0,00% 1,00% 0,00% 100,00%
381

Rio de Janeiro Branca Preta Parda Amarela Indígena Ignorada Total


65 Gardênia Azul 43,98% 14,42% 38,96% 0,79% 1,36% 0,48% 100,00%
66 Glória 79,26% 3,81% 15,62% 0,00% 0,00% 1,31% 100,00%
67 Grajaú 85,38% 2,60% 10,60% 0,00% 0,00% 1,43% 100,00%
68 Guadalupe 46,56% 10,08% 42,29% 0,33% 0,45% 0,29% 100,00%
69 Guaratiba, Barra de Guaratiba, Pedra de 47,80% 10,12% 41,32% 0,09% 0,11% 0,55% 100,00%
Guaratiba
70 Gávea 90,66% 1,52% 7,44% 0,00% 0,00% 0,38% 100,00%
71 Higienópolis 71,97% 6,06% 21,97% 0,00% 0,00% 0,00% 100,00%
72 Honório Gurgel 46,43% 14,08% 39,02% 0,00% 0,00% 0,47% 100,00%
73 Humaitá 91,97% 0,00% 5,50% 0,00% 0,80% 1,73% 100,00%
74 Ilha de Paquetá 61,06% 12,45% 26,49% 0,00% 0,00% 0,00% 100,00%
75 Inhaúma 55,72% 12,30% 30,78% 0,21% 0,27% 0,73% 100,00%
76 Inhoaíba 40,43% 10,94% 48,64% 0,00% 0,00% 0,00% 100,00%
77 Ipanema_Eixo 79,08% 6,20% 13,77% 0,00% 0,00% 0,95% 100,00%
78 Ipanema_Orlas 90,90% 0,98% 6,06% 0,44% 0,43% 1,20% 100,00%
79 Irajá_ConParque Irajá 56,55% 9,88% 32,12% 0,00% 0,85% 0,60% 100,00%
80 Irajá_Metrô_AutomóvelClube 51,95% 15,25% 31,73% 0,38% 0,28% 0,41% 100,00%
81 Irajá_Monsenhor Félix 67,26% 8,55% 23,29% 0,50% 0,23% 0,18% 100,00%
82 Itanhangá 53,35% 12,02% 34,28% 0,00% 0,00% 0,36% 100,00%
83 Jacarepaguá 50,71% 9,02% 38,87% 0,10% 0,10% 1,19% 100,00%
84 Jacarezinho 42,06% 13,39% 43,76% 0,00% 0,00% 0,79% 100,00%
85 Jacaré, Rocha, Sampaio 67,06% 10,62% 22,32% 0,00% 0,00% 0,00% 100,00%
86 Jardim América 60,85% 5,35% 33,38% 0,00% 0,00% 0,42% 100,00%
87 Jardim Botânico 80,86% 1,59% 15,41% 0,00% 0,00% 2,14% 100,00%
88 Jardim Carioca 63,46% 5,94% 30,18% 0,42% 0,00% 0,00% 100,00%
89 Jardim Guanabara 88,15% 1,48% 9,40% 0,30% 0,00% 0,68% 100,00%
90 Lagoa 93,80% 1,79% 4,01% 0,00% 0,00% 0,40% 100,00%
91 Laranjeiras 85,82% 2,51% 8,51% 0,60% 0,49% 2,08% 100,00%
92 Leblon 87,69% 2,10% 8,22% 0,45% 0,57% 0,98% 100,00%
93 Leme 75,37% 11,45% 11,93% 0,61% 0,00% 0,64% 100,00%
94 Lins de Vasconcelos 50,92% 14,33% 33,69% 0,00% 0,76% 0,30% 100,00%
95 Madureira 50,87% 14,62% 33,08% 0,00% 0,64% 0,79% 100,00%
96 Magalhães Bastos 53,81% 14,37% 28,79% 0,00% 0,00% 3,02% 100,00%
97 Mangueira, São Francisco Xavier 46,24% 16,69% 35,94% 0,57% 0,14% 0,43% 100,00%
382

Rio de Janeiro Branca Preta Parda Amarela Indígena Ignorada Total


98 Manguinhos 46,20% 12,23% 39,80% 0,28% 0,32% 1,17% 100,00%
99 Maracanã 84,48% 4,29% 10,30% 0,32% 0,60% 0,00% 100,00%
100 Marechal Hermes 52,62% 10,51% 35,61% 0,50% 0,22% 0,54% 100,00%
101 Mariada Graça, Del Castilho 74,22% 4,48% 19,30% 0,47% 0,00% 1,53% 100,00%
102 Maré_Bonsucesso 41,79% 10,35% 44,71% 0,72% 0,75% 1,69% 100,00%
103 Maré_Bonsucesso_Ramos 48,05% 7,97% 43,39% 0,00% 0,00% 0,59% 100,00%
104 Maré_Manguinhos 42,74% 8,79% 46,94% 0,00% 0,81% 0,71% 100,00%
105 Maré_Ramos 49,96% 6,99% 41,77% 0,57% 0,00% 0,71% 100,00%
106 Moneró, Portuguesa 68,52% 3,47% 25,01% 0,21% 0,85% 1,94% 100,00%
107 Méier 76,59% 5,64% 16,16% 0,39% 0,33% 0,89% 100,00%
108 Olaria 58,95% 9,20% 30,81% 0,00% 0,16% 0,88% 100,00%
109 Oswaldo Cruz 51,46% 12,17% 36,36% 0,00% 0,00% 0,00% 100,00%
110 Paciência 38,84% 12,30% 47,30% 0,27% 0,45% 0,83% 100,00%
111 Padre Miguel 48,50% 12,96% 37,82% 0,14% 0,29% 0,28% 100,00%
112 Parada de Lucas 43,43% 13,30% 41,89% 0,44% 0,00% 0,94% 100,00%
113 Parque Anchieta 52,34% 10,11% 35,89% 0,00% 0,39% 1,27% 100,00%
114 Pavuna 48,24% 12,82% 37,34% 0,00% 0,21% 1,39% 100,00%
115 Pechincha 69,44% 7,72% 21,44% 0,29% 0,33% 0,78% 100,00%
116 Penha_1 77,29% 5,03% 17,67% 0,00% 0,00% 0,00% 100,00%
117 Penha_2 48,17% 17,03% 32,71% 0,00% 0,36% 1,73% 100,00%
118 Penha_Circ_1 59,14% 8,59% 32,27% 0,00% 0,00% 0,00% 100,00%
119 Penha_Circ_2 58,41% 10,85% 29,91% 0,00% 0,50% 0,33% 100,00%
120 Piedade 63,93% 7,51% 28,12% 0,00% 0,00% 0,44% 100,00%
121 Pilares 61,21% 12,40% 24,31% 0,66% 0,16% 1,25% 100,00%
122 Praça Seca 61,45% 7,59% 30,01% 0,00% 0,43% 0,52% 100,00%
123 Quintino 61,86% 9,89% 27,56% 0,00% 0,00% 0,69% 100,00%
124 Ramos 69,34% 5,83% 24,64% 0,00% 0,00% 0,18% 100,00%
125 Realengo_AguaBranca 45,23% 10,84% 42,22% 0,70% 0,00% 1,02% 100,00%
126 Realengo_AvStaCruz 53,21% 7,29% 39,50% 0,00% 0,00% 0,00% 100,00%
127 Realengo_Borda 40,49% 8,33% 50,55% 0,00% 0,00% 0,63% 100,00%
128 Realengo_BordaHelena 48,40% 12,36% 38,56% 0,00% 0,23% 0,45% 100,00%
129 Realengo_CapTeixeira 56,48% 13,34% 28,67% 0,00% 0,73% 0,79% 100,00%
130 Realengo_Helena 57,46% 7,57% 34,60% 0,00% 0,00% 0,38% 100,00%
131 Realengo_Limites 45,03% 13,22% 41,48% 0,00% 0,00% 0,27% 100,00%
383

Rio de Janeiro Branca Preta Parda Amarela Indígena Ignorada Total


132 Recreio dos Bandeirantes, Grumari 69,02% 3,89% 26,69% 0,00% 0,00% 0,40% 100,00%
133 Riachuelo 75,46% 2,04% 22,22% 0,00% 0,00% 0,28% 100,00%
134 Ribeira, Cacuia 67,47% 7,30% 23,38% 0,93% 0,92% 0,00% 100,00%
135 Ricardo de Albuquerque 40,79% 12,38% 46,41% 0,42% 0,00% 0,00% 100,00%
136 Rio Comprido 65,24% 8,23% 23,82% 0,29% 0,27% 2,15% 100,00%
137 Rocha Miranda 45,34% 14,97% 38,74% 0,24% 0,54% 0,17% 100,00%
138 Rocinha 54,39% 7,46% 37,50% 0,00% 0,00% 0,66% 100,00%
139 Santa Teresa, Cosme Velho 62,71% 8,72% 27,04% 0,34% 0,00% 1,19% 100,00%
140 Santíssimo 48,77% 9,88% 40,82% 0,21% 0,32% 0,00% 100,00%
141 Saúde, Gamboa, Santo Cristo 54,23% 11,00% 32,67% 0,93% 0,77% 0,40% 100,00%
142 Sen_Camara_abStaCruz 48,53% 9,59% 41,19% 0,00% 0,00% 0,69% 100,00%
143 Sen_Camara_acStaCruz 45,60% 13,38% 40,36% 0,27% 0,00% 0,39% 100,00%
144 Senador Camara_Favelas 37,63% 13,84% 47,21% 0,00% 0,72% 0,61% 100,00%
145 Senador Vasconcelos 44,94% 12,38% 42,35% 0,00% 0,00% 0,33% 100,00%
146 Sepetiba 54,41% 9,39% 35,05% 0,00% 0,32% 0,84% 100,00%
147 Sta_Cruz_Urucania_CesarioMelo 39,30% 11,99% 46,18% 0,00% 1,00% 1,52% 100,00%
148 Sta_Cruz_acUrucania_Guandu 38,00% 16,57% 45,17% 0,00% 0,00% 0,26% 100,00%
149 Sta_Cruz_dir_CesarioMelo 33,63% 20,31% 45,29% 0,33% 0,13% 0,30% 100,00%
150 Sta_Cruz_esq_FelipeCardoso 41,32% 8,80% 49,17% 0,28% 0,23% 0,19% 100,00%
151 Sta_Cruz_esq_Guandu 41,84% 12,48% 42,69% 0,69% 1,04% 1,26% 100,00%
152 Sta_Cruz_meio_ac_Primeira 50,19% 8,90% 39,69% 0,00% 0,00% 1,22% 100,00%
153 São Cristóvão 61,46% 8,47% 28,64% 0,26% 0,00% 1,16% 100,00%
154 Tanque 53,76% 11,05% 32,94% 1,00% 0,66% 0,60% 100,00%
155 Taquara 60,98% 10,76% 27,38% 0,10% 0,22% 0,57% 100,00%
156 Tauá 61,95% 3,56% 32,81% 0,00% 0,00% 1,68% 100,00%
157 Tij_Bonfim_Itapagipe 78,92% 3,56% 15,22% 0,67% 0,28% 1,35% 100,00%
158 Tij_Bonfim_Maracanã 90,51% 0,98% 5,79% 0,00% 0,68% 2,04% 100,00%
159 Tij_Final 83,94% 4,68% 10,68% 0,38% 0,00% 0,33% 100,00%
160 Tij_Uruguai_Alto da Boa Vista 67,65% 10,13% 20,20% 0,45% 0,22% 1,35% 100,00%
161 Todos os Santos 75,89% 2,41% 19,96% 0,00% 0,62% 1,12% 100,00%
162 Tomás Coelho 46,25% 15,72% 35,72% 0,38% 0,00% 1,93% 100,00%
163 Turiaçú 60,69% 10,83% 28,12% 0,00% 0,36% 0,00% 100,00%
164 Vicente de Carvalho 43,49% 12,89% 40,81% 0,53% 0,00% 2,28% 100,00%
165 Vidigal, São COnrado 66,49% 3,38% 27,24% 0,85% 0,47% 1,56% 100,00%
384

Rio de Janeiro Branca Preta Parda Amarela Indígena Ignorada Total


166 Vigário Geral 40,04% 14,12% 44,02% 0,00% 0,20% 1,62% 100,00%
167 Vila Isabel 72,50% 5,90% 20,54% 0,49% 0,00% 0,57% 100,00%
168 Vila Kosmos 61,70% 11,06% 26,36% 0,00% 0,00% 0,87% 100,00%
169 Vila da Penha 75,51% 4,11% 17,65% 0,46% 0,98% 1,28% 100,00%
170 Zumbi, Pitangueiras, Praia da Bandeira 69,06% 4,55% 24,81% 0,00% 1,03% 0,55% 100,00%
Total 58,13% 9,31% 31,28% 0,25% 0,26% 0,77% 100,00%
Fonte: IBGE (2000).
385

Salvador Branca Preta Amarela Parda Indígena Ignorada Total


1 Abaeté e Nova Brasília 20,94% 19,97% 0,00% 56,68% 1,39% 1,02% 100,00%
2 Patamares/Pituaçu/Piatã 37,11% 13,88% 0,29% 47,64% 1,08% 0,00% 100,00%
3 Alto do Coqueirinho/Km 17 21,08% 21,37% 0,67% 55,40% 1,21% 0,27% 100,00%
4 Bairro da Paz 13,21% 20,39% 0,29% 65,67% 0,00% 0,45% 100,00%
5 Itapuã e Nova Conquista 37,41% 19,52% 0,00% 42,59% 0,00% 0,47% 100,00%
6 Stella Maris e Aeroporto 56,76% 7,56% 1,49% 33,37% 0,82% 0,00% 100,00%
7 Liberdade/Bairro Guarani/Sieiro 17,83% 21,13% 0,00% 59,74% 0,80% 0,50% 100,00%
8 Curuzu 13,74% 29,24% 0,73% 53,35% 0,00% 2,94% 100,00%
9 I. A. P. I. e Santa Mônica 19,79% 16,01% 0,63% 62,22% 1,36% 0,00% 100,00%
10 Pau Miúdo e Cidade Nova 18,75% 23,99% 0,00% 56,30% 0,80% 0,17% 100,00%
11 Cx D'agua/Lapinha/Soledade 15,71% 18,72% 0,00% 63,23% 1,50% 0,82% 100,00%
12 Barbalho/ Macaúbas/Santo Antônio 35,01% 14,19% 0,00% 45,61% 3,38% 1,80% 100,00%
13 Pero Vaz 16,92% 25,93% 0,37% 55,80% 0,57% 0,41% 100,00%
14 Imbuí 51,59% 9,17% 0,49% 36,87% 0,30% 1,58% 100,00%
15 Boca do Rio e Caxundé 21,08% 26,42% 0,21% 50,35% 0,94% 0,99% 100,00%
16 Armação/Costa Azul/Stiep e C dos Bancários 52,51% 10,58% 0,00% 36,91% 0,00% 0,00% 100,00%
17 Itaigara/C das Árvores e Iguatemi 69,05% 4,73% 0,47% 25,75% 0,00% 0,00% 100,00%
18 Pituba e Pq Nossa Senhora da Luz 66,52% 4,84% 0,38% 27,88% 0,38% 0,00% 100,00%
19 Nordeste de Amaralina 9,55% 33,05% 0,00% 54,83% 1,49% 1,08% 100,00%
20 Sta Cruz/Chapada Rio Vermelho/ V Pedrinhas 12,13% 27,68% 0,00% 58,24% 1,37% 0,57% 100,00%
21 Amaralina 28,51% 19,01% 0,00% 51,97% 0,00% 0,52% 100,00%
22 Rio Vermelho e Pq Cruz Aguiar 47,49% 12,53% 0,00% 37,66% 1,61% 0,70% 100,00%
23 Barra e Barra Avenida 70,60% 2,70% 0,76% 25,12% 0,00% 0,83% 100,00%
24 Graça 70,70% 3,55% 0,00% 24,09% 1,65% 0,00% 100,00%
25 Chame Chame/Jd Apipema/Morro Gato e M. Ipiranga 61,01% 6,51% 0,00% 31,02% 0,00% 1,46% 100,00%
26 Campo Grande Canela e Vitória 66,11% 9,62% 1,02% 20,67% 1,47% 1,11% 100,00%
27 Garcia 21,87% 22,92% 0,00% 53,66% 1,55% 0,00% 100,00%
28 Federação/Alto Pombas/C. Santo e Calabar 14,98% 28,86% 0,00% 55,70% 0,46% 0,00% 100,00%
29 Ondina/S. Lázaro/C da Silva e Vila Matos 42,76% 14,04% 0,60% 41,72% 0,43% 0,46% 100,00%
30 Alto do Sobradinho e Pq São Brás 18,27% 27,98% 0,61% 52,26% 0,88% 0,00% 100,00%
31 Engenho Velho da Federação 14,22% 24,11% 0,83% 58,74% 0,80% 1,29% 100,00%
32 Itinga/Ceasa e Represa de Ipitanga 17,64% 22,04% 0,46% 58,95% 0,00% 0,91% 100,00%
33 Mussurunga 17,65% 22,77% 0,00% 56,57% 2,23% 0,79% 100,00%
34 São Cristóvão 12,93% 26,71% 0,49% 59,11% 0,29% 0,47% 100,00%
386

Salvador Branca Preta Amarela Parda Indígena Ignorada Total


35 Centro/C Histólrico/Politeama e Barris 38,46% 12,97% 0,92% 45,64% 1,07% 0,94% 100,00%
36 Nazeré/Saúde/Tororó e Jardim Bahiano 45,88% 15,77% 0,00% 37,07% 1,28% 0,00% 100,00%
37 A Meninos/Calçada/Mares/Roma/Bx Fiscal/Uruguai 19,96% 17,47% 0,37% 61,60% 0,30% 0,30% 100,00%
38 Bonfim/Dendezeiros e Mont Serrat 34,19% 10,02% 0,00% 54,45% 0,94% 0,39% 100,00%
39 Ribeira e Itapagipe 21,16% 19,54% 0,00% 58,14% 0,84% 0,33% 100,00%
40 B Machado/Massaranduba e Vila Rui Barbosa 18,21% 21,43% 0,28% 59,72% 0,00% 0,36% 100,00%
41 S Alagados e Baixa do Petróleo 11,49% 28,28% 0,00% 58,74% 0,71% 0,78% 100,00%
42 S.João Cabrito/Inv de S João e Boiadeiro 16,91% 20,29% 0,00% 58,13% 0,64% 4,03% 100,00%
43 Plataforma 17,87% 16,86% 0,00% 63,46% 0,74% 1,08% 100,00%
44 Itacaranha/Escada e Praia Grande 18,27% 19,40% 0,00% 61,12% 0,69% 0,52% 100,00%
45 Alto de Sta Terezinha e Ilha Amarela 15,66% 19,85% 0,75% 62,71% 0,00% 1,03% 100,00%
46 Rio Sena 14,82% 17,92% 0,63% 64,66% 0,42% 1,55% 100,00%
47 Periperi/M de Periperi e São Bartolomeu 18,65% 23,46% 0,67% 54,68% 1,51% 1,04% 100,00%
48 Fazenda Coutos 11,15% 21,67% 0,35% 65,26% 1,18% 0,39% 100,00%
49 Nova Constituinte e Parque Setúbal 9,01% 21,10% 0,00% 65,32% 0,45% 4,13% 100,00%
50 Coutos e Vista Alegre 8,01% 19,61% 0,51% 70,86% 0,77% 0,23% 100,00%
51 Paripe/São Tomé/Bate Coração e Tubarão 13,75% 18,09% 0,60% 65,33% 0,61% 1,61% 100,00%
52 Boa Vista do Lobato e Alto do Cabrito 16,08% 19,78% 0,77% 62,24% 0,65% 0,48% 100,00%
53 Lobato 18,39% 16,06% 0,00% 63,43% 0,79% 1,32% 100,00%
54 Capelinha de São Caetano 13,38% 19,02% 1,04% 64,19% 1,62% 0,76% 100,00%
55 São Caetano e Santa Luzia 14,31% 20,10% 0,19% 64,18% 0,25% 0,97% 100,00%
56 F Grande/L Tanque/A Peru/B Juá/Retiro e B Reis 12,40% 26,37% 0,45% 59,22% 1,23% 0,33% 100,00%
57 Arraial do Retiro/Barreiras e S Gonçalo Retiro 15,39% 29,25% 0,00% 53,82% 0,66% 0,89% 100,00%
58 Engomadeira e Arraial das Barreiras 18,33% 26,66% 0,00% 53,96% 1,05% 0,00% 100,00%
59 Tancredo Neves 13,09% 23,56% 0,00% 62,34% 1,01% 0,00% 100,00%
60 Arenoso 15,16% 25,37% 1,59% 54,60% 1,65% 1,64% 100,00%
61 Cabula/Cabula VI/Saboeiro/Doron 29,71% 14,48% 0,00% 54,25% 1,03% 0,53% 100,00%
62 Pernambués/Jardim Brasília e Saramandaia 18,43% 22,95% 0,11% 57,10% 0,78% 0,63% 100,00%
63 D Dutra/Castro Neves/Pitangueiras/S Agostinho 38,23% 12,73% 0,00% 49,04% 0,00% 0,00% 100,00%
64 Vila Laura/Luis Anselmo e Jardim Santa Tereza 38,45% 14,98% 0,00% 45,85% 0,34% 0,38% 100,00%
65 Cosme de Farias e Baixa do Tubo 15,87% 27,23% 0,50% 54,89% 1,14% 0,37% 100,00%
66 Eng Velho de Brotas e Boa Vista de Brotas 21,27% 28,12% 0,35% 48,52% 0,87% 0,87% 100,00%
67 Brotas/Acupe e Daniel Lisboa 33,07% 17,22% 1,00% 47,36% 0,52% 0,83% 100,00%
68 Jd Castro Alves/Vale Flores e C de Brotas 34,44% 11,49% 1,32% 48,96% 2,84% 0,96% 100,00%
387

Salvador Branca Preta Amarela Parda Indígena Ignorada Total


69 Candeal e Horto Florestal de Brotas 45,18% 15,93% 0,00% 37,23% 0,00% 1,66% 100,00%
70 Pirajá 13,85% 21,70% 0,00% 64,01% 0,00% 0,44% 100,00%
71 Marechal Rondon e Campinas do Pirajá 13,29% 24,05% 0,92% 59,65% 1,13% 0,95% 100,00%
72 Calabetão/Granjas Reunidas Vargas/ S Inácio 17,22% 22,45% 1,96% 57,35% 0,48% 0,54% 100,00%
73 Mata Escura 14,58% 29,39% 0,00% 54,50% 0,82% 0,71% 100,00%
74 Sussuarana/Nsussuarana/Cab/ Bosque Imperial 18,43% 23,20% 0,53% 56,43% 0,94% 0,47% 100,00%
75 dom Avelar e Porto Seco Pirajá 19,73% 18,74% 0,00% 59,70% 0,00% 1,83% 100,00%
76 Castelo Branco/Cajazeira II e Cajazeira IV 15,49% 25,12% 0,00% 57,38% 0,70% 1,32% 100,00%
77 V Canária/ 7de Abril e Jd Nova esperança 15,20% 27,57% 1,34% 53,76% 0,97% 1,16% 100,00%
78 Pau da Lima e Colina Azul 12,01% 17,96% 0,99% 67,87% 0,88% 0,28% 100,00%
79 S Marcos/Canabra/V Lagos/ Paralela/ L Verde 21,47% 22,42% 0,17% 55,13% 0,69% 0,12% 100,00%
80 Flamboyants/Trobogy/N Brasília/C Jaguaripe 18,52% 24,75% 0,00% 53,80% 0,77% 2,16% 100,00%
81 Valéria 9,72% 13,73% 0,00% 73,27% 1,19% 2,09% 100,00%
82 Cajazeira/B Doce/Palestina/Boca Mata/ A Claras 7,58% 19,17% 0,00% 71,73% 0,57% 0,95% 100,00%
83 Nogueira e Cajazeira III 13,99% 19,32% 0,23% 66,47% 0,00% 0,00% 100,00%
84 Cajazeira V/Cajazeira VI e Cajazeira VII 17,64% 18,17% 0,00% 63,80% 0,39% 0,00% 100,00%
85 Cajazeira VIII 12,72% 22,30% 0,00% 64,44% 0,00% 0,54% 100,00%
86 Cajazeira X e Cajajeira XI 16,76% 23,47% 0,63% 56,93% 0,00% 2,20% 100,00%
87 Fazenda Grande I e Fazenda Grande II 19,62% 20,42% 0,00% 59,06% 0,00% 0,90% 100,00%
88 Fazenda Grande III e Fazenda Grande IV 14,92% 27,93% 0,00% 54,72% 1,68% 0,76% 100,00%
Total geral 23,11% 20,14% 0,33% 54,90% 0,80% 0,72% 100,00%
Fonte: IBGE (2000).
388

APÊNDICE C SOBRADO PATRIARCAL

Fonte: Freyre (1968) – Sobrados e Mucambos – Desenho de Carlos Lélio.


389

APÊNDICE D PLANTA DE UMA CHÁCARA NO RIO DE JANEIRO COM


SENZALA

Fonte: Freyre (1968) – Sobrados e Mucambos – Desenho de Carlos Lélio


390

APÊNDICE E CIDADE ESCRAVISTA: ÁREAS DE ANTIGOS QUILOMBOS – RIO DE JANEIRO

Fonte: Antonia Garcia


391

APÊNDICE F CIDADE ESCRAVISTA: ÁREAS DE ANTIGOS QUILOMBOS – SALVADOR

Fonte: Antonia Garcia


392

APÊNDICE G CIDADE REPUBLICANA: EVOLUÇÃO URBANA - CENTRO DO RIO

Morro do Castelo Centro atual


Morro da Providência
Foto 1 Foto 2

Foto 3

Gamboa (atual)

Fonte: Favela tem Memória/Viva Rio (fotos 1, 2 e 3)


393

APÊNDICE H CIDADE REPUBLICANA - PRAIA DO PINTO – ANTES E DEPOIS

Foto 2

Fonte: Favela tem Memória/Viva Rio – fotos: 1, 2 e 3


394

APÊNDICE I EVOLUÇÃO - ZONA SUL – RIO DE JANEIRO

Dona Marta (1950)


Rocinha (2006)
Cantagalo -1950

Rocinha (atual)

Rocinha (2006)
Cantagalo –2000

Fonte:Favela tem Memória/Viva Rio Dona Marta (2006)


395

APÊNDICE J EVOLUÇÃO URBANA – RIO-FAVELAS ZONA NORTE

Mangueira

Fonte: Antonia Garcia (2006).


396

APÊNDICE K CIDADE REPUBLICANA: EVOLUÇÃO URBANA – SALVADOR

Acesso Norte
Cais do Porto (1860)
Itaigara A
c
e
s
s
o

Comércio N
o Pernambués
r
t
e

Fonte: A Casa do Peu


397

APÊNDICE L CIDADE REPUBLICANA: EVOLUÇÃO URBANA – ORLA MARÍTIMA – SALVADOR

Orla Marítima
Sto Antonio da Barra
Porto da Barra (1860)

Fonte: Casa do Peu Ondina

Fonte: Casa do Peu

Fonte:Antonia Garcia
398

APÊNDICE M CIDADE REPUBLICANA - ORLA “MARISCA”

Plataforma
Novos Alagados
Plataforma

Antonia Garcia (2004)

Invasão recente
São João
São João e Plataforma - Mariscagem

Antonia Garcia (2004) Fonte: Rogério Alves (1985)


399

APÊNDICE N CIDADE FORMAL E CIDADE INFORMAL – SALVADOR

Ondina x Alto das Pombas

Pituba

Fonte: A Tarde, 5/11/06

Fonte: Jornal A Tarde, 2006 Antonia Garcia (2006)


400

APÊNDICE O SUBÚRBIO FERROVIÁRIO DE SALVADOR

Fonte: Antonia Garcia


401

APÊNDICE P SUBÚRBIO FERROVIÁRIO CARIOCA

Bangu -2006 Bangu - 2006

Bangu - 2006

Fonte: Antonia Garcia -2006


402

APÊNDICE Q PLATAFORMA - FÁBRICA TEXTIL (1875) E VILA OPERÁRIA

27

Fonte: A Tarde e A. Garcia (2006).


403

APÊNDICE R BANGU: FAZENDA A FÁBRICA-VILA (1890)

Fonte: Bangu 100 Anos

Bangu 2006

Fonte: Antonia Garcia (2006)


Fonte: SILVA, G. A. A. Bangu 100 Anos: Sabiá, 1989.
404

APÊNDICE S HOMOLOGIAS - BAIRROS POPULARES E FAVELAS (SALVADOR E RIO)

Morro da Providência 2
Boca do Rio -1 Rocinha

Linha Amarela

Plataforma - 3 Complexo da Maré - 4

O Globo, 2005

Fonte: Antonia Garcia (2004 e 2006) – 1, 2, 3 e 4

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