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Desigualdades Raciais e Segregação Urbana em Antigas Capitais - Antonia Garcia
Desigualdades Raciais e Segregação Urbana em Antigas Capitais - Antonia Garcia
EM ANTIGAS CAPITAIS:
Rio de Janeiro
2006
G216d Garcia, Antonia dos Santos.
Desigualdades raciais e segregação urbana em antigas
capitais : Salvador, Cidade d’Oxum e Rio de Janeiro /
Antonia dos Santos Garcia. – 2006.
403 f. : il. color. ; 30 cm.
CDD: 305.8
Ao Adô, querido companheiro, e nossos filhos, Gabi,
Marcinho e Caiê, nosso neto Henrique, nossas noras
Carol e Paulinha, ao querido cunhado e amigo Aú e
ao povo de Salvador, cidade d’Oxum e Rio de
Janeiro, cidade de Ogum.
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao meu orientador, professor Luiz César Ribeiro, por aceitar orientar uma
tese com um tema tão controverso, especialmente na área de estudos urbanos. À
banca, constituída pelas professoras, Beatriz A. Heredia, Luciana Corrêa do Lago e
Tamara Egler e pelos professores Ubiratan Castro, Moacir Palmeira e Michel Agier e
Adauto Lúcio Cardoso que muito contribuíram com suas experiências na análise
desta tese.
No IPPUR, agradeço aos funcionários, por toda a atenção e carinho nestes 4 anos de
convivência, em especial a Josemar, Vera Cruz, João, Zuleika, Márcia, Maria José,
Alberico, Paulo César (PC), Tia Maria Ao pessoal da Biblioteca, Ana Lúcia, Maria
Luiza, Cláudia, Kátia, Paulo Sérgio bons exemplos de funcionárias públicos. Da
mesma forma, sou grata a Elizabeth Alves, a quem dei muito trabalho na
interlocução com meu orientador e que sempre foi muito gentil.
À FAPERJ e CAPES, pela bolsa concedida, viabilizando parte desta pesquisa, mas,
sobretudo à primeira que financiou por 23 meses esta tese através da bolsa nota 10.
Na FAPERJ, contei durante este período com muita atenção de Wander Siqueira, a
quem agradeço especialmente. Agradeço também ao sempre querido amigo Ângelo
Serpa, que me incentivou desde o mestrado, como orientador, a prosseguir nestes
estudos, ajudando-me com os mapas de Plataforma, onde muitas atividades
realizamos juntos, ele com o trabalho de extensão universitária e eu como moradora
e militante do movimento de bairro, através da AMPLA e da FABS e, em parte, na
extensão como participante do projeto Espaço Livre. Também agradeço a Ana Rosa,
orientanda de Ângelo Serpa, que foi muito gentil em resolver um problema do mapa
de Salvador. Ao amigo Carlos Carvalho, um entusiasta dos estudos sobre nossas
raízes negras, que me sugeriu bibliografia, inclusive me presenteando com um livro
sobre o assunto.
Ao amigo e cunhado Afrânio Raul Garcia Jr, agradecimentos especiais, por ter
contribuído decisivamente com suas reflexões, comentários, sugestões, incentivo
próprio de professor experiente e solidário, além do entusiasmo que me transmitiu
nessa dura caminhada. Igualmente à amiga e comadre Marie France Garcia, sempre
tão amiga e solidária nestes mais de 30 anos de convivência.
Mapa 1 - População por Área de Ponderação e Cor ou Raça – Salvador - 2000 ........ 116
Mapa 2 População por Área de Ponderação e Cor ou Raça - Rio de Janeiro - 2000 ... 119
Mapa 3 – Distribuição Espacial de Apartamentos por Cor ou Raça - Salvador - 2000
...................................................................................................................................... 126
Mapa 4 – Distribuição Espacial de Apartamentos por Cor ou Raça – Rio de Janeiro -
2000 .............................................................................................................................. 127
Mapa 5 – Distribuição Geográfica de Domicílios Próprios – Salvador - 2000.......... 129
Mapa 6 – Distribuição Geográfica de Domicílios Próprios – Rio de Janeiro - 2000 .. 130
Mapa 7 – Posse de Telefone por Cor ou Raça – Salvador - 2000 ............................... 135
Mapa 8 – Posse de Telefone por Cor ou Raça – Rio de Janeiro - 2000 ....................... 136
Mapa 9 – Posse de 1 Automóvel por Domicílio – Salvador - 2000 ............................. 139
Mapa 10 – Posse de 1 Automóvel por Domicílio – Rio de Janeiro - 2000 .................. 140
Mapa 11 – Posse de Microcomputador por Cor ou Raça – Salvador - 2000 ............... 142
Mapa 12 – Posse de Microcomputador por Domicílio – Rio de Janeiro - 2000 .......... 143
Mapa 13 – Domicílios na Rede Geral de Esgotamento Sanitário – Salvador - 2000... 146
Mapa 14 – Domicílios na Rede Geral de Esgotamento Sanitário – Rio de Janeiro - 2000
...................................................................................................................................... 147
Mapa 15 – Distribuição Espacial de Domicílios com Coleta Geral do Lixo – Salvador -
2000 .............................................................................................................................. 149
Mapa 16 - Distribuição Espacial de Domicílios com Coleta Geral do Lixo – Rio de
Janeiro - 2000 ............................................................................................................... 150
Mapa 17 – Distribuição Espacial de Ruas com Calçamento Total – Salvador - 2000 152
Mapa 18 – Distribuição Espacial de Ruas com Calçamento Total – Rio de Janeiro -
2000 .............................................................................................................................. 153
Mapa 19 – Distribuição Espacial de Gerentes Por Cor ou Raça – Salvador – 2000 .... 162
Mapa 20 – Distribuição Espacial de Gerentes Por Cor ou Raça – Rio de Janeiro - 2000
...................................................................................................................................... 163
Mapa 21 – Distribuição Espacial de dos Intelectuais Por Cor ou Raça – Salvador – 2000
...................................................................................................................................... 164
Mapa 22 – Distribuição Espacial de Intelectuais Por Cor ou Raça – Rio de Janeiro -
2000 .............................................................................................................................. 165
Mapa 23 – Distribuição Espacial de Trabalhadores do Setor Secundário Por Cor ou
Raça – Salvador – 2000 ................................................................................................ 168
Mapa 24 – Distribuição Espacial de Trabalhadores do Setor Secundário por Cor ou
Raça – Rio de Janeiro – 2000 ....................................................................................... 169
Mapa 25 – Distribuição Espacial dos Trabalhadores do Serviço e Comércio Por Cor ou
Raça – Salvador – 2000 ................................................................................................ 170
Mapa 26 – Distribuição Espacial dos Trabalhadores do Serviço e Comércio Por Cor ou
Raça – Rio de Janeiro – 2000 ....................................................................................... 171
Mapa 27 – Empregadores Por Cor ou Raça – Salvador – 2000 ................................... 175
Mapa 28 – Empregadores Por Cor ou Raça – Rio de Janeiro - 2000 ........................... 177
Mapa 29 – Posição na Ocupação: Emprego Formal .................................................... 178
Mapa 30 – Posição na Ocupação: Emprego Formal .................................................... 178
Mapa 31 – Distribuição Espacial dos Trabalhadores sem Rendimento Por Cor ou Raça –
Salvador – 2000 ............................................................................................................ 187
Mapa 32 – Distribuição Espacial dos Trabalhadores sem Rendimento por Cor ou Raça –
Rio de Janeiro - 2000.................................................................................................... 188
Mapa 33 – Distribuição Espacial da Renda Pessoal até 1 Salário Mínimo Salvador –
2000 .............................................................................................................................. 189
Mapa 34 - Distribuição Espacial da Renda Pessoal até 1 Salário Mínimo Por Cor ou
Raça – Rio de Janeiro - 2000........................................................................................ 189
Mapa 35 – Distribuição Espacial da Renda Pessoal de 1 a 2 Salários Mínimos –
Salvador - 2000............................................................................................................. 191
Mapa 36 – Distribuição Espacial da Renda Pessoal de 1 a 2 Salários Mínimos– Rio de
Janeiro - 2000 ............................................................................................................... 191
Mapa 37 – Distribuição Espacial da Renda Pessoal de 2 a 3 Salários Mínimos –
Salvador – 2000 ............................................................................................................ 193
Mapa 38 – Distribuição Espacial da Renda Pessoal de 2 a 3 Salários Mínimos – Rio de
Janeiro - 2000 ............................................................................................................... 193
Mapa 39 – Distribuição Espacial da Renda Pessoal de 3 a 5 Salários Mínimos –
Salvador – 2000 ............................................................................................................ 195
Mapa 40 – Distribuição Espacial da Renda Pessoal de 3 a 5 Salários Mínimos – Rio de
Janeiro - 2000 ............................................................................................................... 195
Mapa 41 – Distribuição Espacial da Renda Pessoal de 5 a 10 Salários Mínimos –
Salvador – 2000 ............................................................................................................ 197
Mapa 42 – Distribuição Espacial da Renda Pessoal de 5 a 10 Salários Mínimos – Rio
de Janeiro - 2000 .......................................................................................................... 197
Mapa 43 – Distribuição Espacial da Renda Pessoal de 10 a 20 Salários Mínimos –
Salvador – 2000 ............................................................................................................ 198
Mapa 44 – Distribuição Espacial da Renda Pessoal de 10 a 20 Salários Mínimos – Rio
de Janeiro - 2000 .......................................................................................................... 199
Mapa 45 - Distribuição Espacial de Brancos e Negros na Rede Particular de Ensino. 211
Mapa 46 - Distribuição Espacial de Brancos e Negros na Rede Particular de Ensino –
Rio de Janeiro ............................................................................................................... 212
Mapa 47 – Distribuição Espacial de Negros e Brancos em Escola Pública – Salvador215
Mapa 48 - Distribuição Espacial de Negros e Brancos em Escola Pública – Rio de
Janeiro........................................................................................................................... 217
Mapa 49 – Distribuição Espacial dos estudantes de 1 a 4 Anos de Estudo.................. 224
Mapa 50 – Distribuição Espacial dos Estudantes de 1 a 4 Anos de Estudo por Cor ou
Raça .............................................................................................................................. 224
Mapa 51 – Distribuição Espacial de Negros e Brancos com 9 a 11 Anos de Estudo –
Salvador ........................................................................................................................ 226
Mapa 52 - Distribuição Espacial de Negros e Brancos com 9 a 11 Anos de Estudo – Rio
de Janeiro...................................................................................................................... 226
Mapa 53 – Distribuição Espacial de Negros e Brancos com 12 a 16 Anos de Estudo –
Salvador ........................................................................................................................ 233
Mapa 54 - Distribuição Espacial de Negros e Brancos com 12 a 16 Anos de Estudo –
Rio de Janeiro - 2000.................................................................................................... 234
Mapa 55 – Localização de Plataforma ......................................................................... 245
Mapa 56 - – Divisão por Área de Ponderação – AED – Salvador - 2005 .................... 377
Mapa 57 – Divisão por Área de Ponderação – AED - Rio de Janeiro - 2005 ............. 378
LISTA DE TABELAS
INTRODUÇÃO 1
CAPÍTULO 1 ABORDAGENS SOBRE A QUESTÃO RACIAL E A QUESTÃO
URBANA: DEBATES CONTEMPORÂNEOS......................................................... 18
1.1 RACISMO E DOMINAÇÃO SOCIAL ..................................................................... 18
1.2 HIERARQUIAS RACIAIS E MESTIÇAGEM ........................................................... 40
1.3 A QUESTÃO URBANA E SUAS ABORDAGENS ................................................... 44
1.4 ARTICULAÇÃO DAS CATEGORIAS: RAÇA-CLASSE-GÊNERO............................. 61
CAPÍTULO 2 SEGREGAÇÃO URBANA: SALVADOR E RIO DE JANEIRO 64
2.1 DA CIDADE ESCRAVISTA À CIDADE CONTEMPORÂNEA: SALVADOR E RIO DE
JANEIRO ....................................................................................................................... 66
2.1.1 Aldeia, Senzala, Quilombo e Favela: Trajetória da Resistência ...... 73
2.2 PERFIL SÓCIO-RACIAL CONTEMPORÂNEO DO RIO DE JANEIRO E DE SALVADOR
81
2.2.1 Cidade Capitalista e a Segregação: Favelas-Invasões ....................... 87
2.3 PERFIL RELIGIOSO POR COR OU RAÇA: SALVADOR E RIO DE JANEIRO .......... 102
CAPÍTULO 3 DESIGUALDADES RACIAIS E SEGREGAÇÃO URBANA
CONTEMPORÂNEAS .............................................................................................. 109
3.1 DESIGUALDADES RACIAIS E SEGREGAÇÃO RESIDENCIAL: SALVADOR E RIO DE
JANEIRO ..................................................................................................................... 109
3.2 CONDIÇÃO DE MORADIA POR COR OU RAÇA ................................................ 125
3.2.1 Tipo de Domicílio................................................................................ 125
3.2.2 Casa Própria ....................................................................................... 127
3.2.3 Densidade por Dormitório ................................................................. 131
3.2.4 Banheiros............................................................................................. 132
3.3 ESTRUTURA URBANA E POSSE DE BENS URBANOS ........................................ 133
3.3.1 Acesso aos Bens Urbanos por Cor ou Raça...................................... 133
3.3.2 Telefone ............................................................................................... 134
3.3.3 Mobilidade Espacial Urbana: Automóvel como Prioridade .......... 136
3.3.4 Exclusão Digital: Microcomputador................................................. 141
3.4 DEMOCRACIA E DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DOS SERVIÇOS DE CONSUMO
COLETIVO .................................................................................................................. 144
3.4.1 Rede de Esgotamento Sanitário ........................................................ 144
3.4.2 Coleta de Lixo ..................................................................................... 147
3.4.3 Calçamento Total de Ruas ................................................................. 151
CAPÍTULO 4 ESTRATIFICAÇÃO SOCIAL E ESPAÇO URBANO:
OCUPAÇÃO, RENDA E EDUCAÇÃO ................................................................... 156
4.1 ESTRUTURA DAS OCUPAÇÕES E DESIGUALDADES RACIAIS ........................... 158
4.2 CATEGORIAS SÓCIO-OCUPACIONAIS POR COR OU RAÇA ............................... 160
4.2.1 Grupos Dirigentes: Gerentes ............................................................. 161
4.2.2 Categoria dos Intelectuais.................................................................. 163
4.3 CATEGORIAS MÉDIAS: ADMINISTRAÇÃO ....................................................... 166
4.4 PROLETARIADO DO SETOR SECUNDÁRIO ....................................................... 166
4.4.1 Proletariado do Setor Terciário ........................................................ 169
4.4.2 O Negro e o Serviço Militar ............................................................... 171
4.5 CATEGORIA DOS DIRIGENTES: EMPREGADORES ............................................ 174
4.5.1 Posição na Ocupação: Emprego Formal .......................................... 177
4.6 SUB-PROLETARIADO: TRABALHADOR DOMÉSTICO? ...................................... 179
4.7 SEGURIDADE SOCIAL: CONTRIBUINTES DO INSS .......................................... 181
4.8 PROVIDÊNCIAS PARA INSERÇÃO NO MERCADO DE TRABALHO ...................... 182
4.9 A COR E A DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DA RENDA TOTAL ................................ 183
4.10 HORAS TRABALHADAS NO RIO DE JANEIRO E SALVADOR: PREGUIÇA BAIANA?
201
4.11 DESIGUALDADES EDUCACIONAIS E RACIAIS NA CIDADE ............................... 203
4.12 RACISMO E EDUCAÇÃO: DILEMAS E DESAFIOS .............................................. 204
4.13 REDE DE ENSINO E DESIGUALDADES EDUCACIONAIS .................................... 207
4.13.1 Educação como Mercadoria: Rede Particular de Ensino............... 208
4.13.2 Rede Pública: Limites e Possibilidades............................................. 214
4.14 RACISMO E EDUCAÇÃO INFANTIL: DA INFÂNCIA À VIDA ADULTA, MARCAS DAS
DESIGUALDADES ....................................................................................................... 218
4.15 ANALFABETISMO: BRANCOS E NEGROS NA ENCRUZILHADA DAS
DESIGUALDADES ....................................................................................................... 221
4.16 ANOS DE ESTUDO E COR: CONCENTRAÇÃO DO CAPITAL ESCOLAR ............... 222
4.17 ENSINO FUNDAMENTAL: 1 A 4 ANOS ............................................................. 223
4.17.1 Ensino Médio ...................................................................................... 225
4.18 O ENSINO SUPERIOR E AS DESIGUALDADES RACIAIS .................................... 227
4.18.1 Acesso ao Pré-Vestibular e a Cor...................................................... 227
4.18.2 Ensino Superior: Hierarquias Raciais e Educacionais ................... 229
4.18.3 Desigualdades Regionais .................................................................... 231
4.18.4 Desigualdades Intra-Urbanas............................................................ 232
CAPÍTULO 5 PLATAFORMA: DE SENZALA A BAIRRO OPERÁRIO-
POPULAR 237
5.1 PLATAFORMA NO CONTEXTO HISTÓRICO ...................................................... 237
5.2 O RETRATO RACIAL DE PLATAFORMA NO CONTEXTO SUBURBANO:
COMPOSIÇÃO SÓCIO-RACIAL .................................................................................... 243
5.3 RELIGIÃO E RAÇA .......................................................................................... 245
5.4 POSIÇÃO NA OCUPAÇÃO ................................................................................ 247
5.5 COR E RENDA DOMICILIAR ............................................................................ 251
5.6 SITUAÇÃO EDUCACIONAL DA POPULAÇÃO .................................................... 252
5.7 MORADIA DESIGUALDADES RACIAIS E SEGREGAÇÃO ................................... 257
5.8 BENS URBANOS E DESIGUALDADES RACIAIS ................................................ 265
5.8.1 Telefone ............................................................................................... 265
5.8.2 Máquina de Lavar: Um Bem de Poucos (as).................................... 266
5.8.3 Meios de Transporte: Automóvel e Desigualdade Sócio-racial...... 266
5.9 SERVIÇOS DE CONSUMO COLETIVO E DISCRIMINAÇÃO RACIAL .................... 268
5.9.1 Rede de Esgotamento Sanitário ........................................................ 268
5.9.2 Coleta de Lixo ..................................................................................... 269
5.10 PERCEPÇÕES SOBRE RACISMO EM DIFERENTES ESCALAS .............................. 271
5.10.1 Racismo no Brasil: Uma Convergência ............................................ 271
5.10.2 Racismo na Escola .............................................................................. 275
5.10.3 Racismo na Mídia ............................................................................... 277
5.11 RACISMO EM SALVADOR ............................................................................... 278
5.11.1 Separação Entre Bairros Ricos e Bairros Pobres ............................ 282
5.11.2 Separação Entre Bairros Brancos e Bairros Negros ....................... 282
5.12 RACISMO NO BAIRRO .................................................................................... 285
5.12.1 Integração e Isolamento ..................................................................... 287
5.12.2 Razões para Mudar ou Não do Bairro ............................................. 291
CAPÍTULO 6 BANGU: UM BAIRRO-CIDADE NEGRA ................................ 293
6.1 BREVE HISTÓRICO ......................................................................................... 293
6.2 PERFIL SÓCIO-RACIAL DO BAIRRO ................................................................ 295
6.3 ESTRUTURA SÓCIO-ESPACIAL DO BAIRRO..................................................... 295
6.4 REDE DE ENSINO PÚBLICA E PARTICULAR ..................................................... 296
6.4.1 Anos de Estudo por Cor ou Raça ...................................................... 297
6.5 PERFIL SOCIOECONÔMICO E DESIGUALDADE RACIAL ................................... 299
6.5.1 Mercado de Trabalho e Desigualdade Racial .................................. 299
6.5.2 Renda Domiciliar e Desigualdades Sócio-Raciais............................ 301
6.6 BENS URBANOS E DESIGUALDADES RACIAIS ................................................ 303
6.6.1 Transporte Coletivo e Individual ...................................................... 304
6.7 DE SENZALA À VILA OPERÁRIA-BAIRRO-POPULAR ...................................... 306
6.8 SERVIÇOS PÚBLICOS E DISCRIMINAÇÃO RACIAL ........................................... 311
6.8.1 Saúde e Saneamento ........................................................................... 311
6.8.2 Coleta de Lixo ..................................................................................... 313
6.8.3 Rede de Esgoto .................................................................................... 313
6.8.4 Calçamento de Ruas ........................................................................... 314
CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................... 316
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 324
APÊNDICES 341
1
INTRODUÇÃO
1
Oxum, deusa das águas doces (rios, fontes e lagos) é um dos principais orixás do Candomblé da Bahia.
2
Na Mitologia Yoruba, é o Orixá ferreiro, Senhor dos metais, ele mesmo forjava suas ferramentas tanto
para a caça, como para a agricultura e para a guerra.
3
Sobre a historicidade do conceito ver Kabengele Munanga (2004) e Racismo e Anti-Racismo no Brasil
de Antonio Sérgio Guimarães (1999).
2
de classe média vizinho à Cruzada, por sinal localizados em terrenos ocupados até os
anos 1950 pela antiga favela da Praia do Pinto, removida à força. E este não é
seguramente um fato isolado, mas que se torna público muitas vezes por acaso ou
quando a vítima denuncia, atitude incomum na nossa sociedade, embora tenha crescido
nos últimos anos.
Como aponta a historiadora Raquel Rolnik5 (1989, p. 29) é comum nas referências
que são feitas à posição dos negros e mulatos nas cidades brasileiras, a menção sobre a
inexistência de guetos, ausência de qualquer tipo de segregação racial a partir da
imagem do gueto norte-americano. No outro pólo, “estaria o Brasil, onde negros e
brancos pobres compartilham o espaço das vilas e favelas, numa espécie de
promiscuidade racial sustentada pelo laço comum da miséria e da opressão econômica”
Para ela os mais importantes trabalhos na área de sociologia do negro não discutem
especificamente a questão urbana, e muito menos de um ponto de vista físico-territorial,
e os estudos sobre o negro na antropologia, trazem descrições e análises apenas de
instituições negras específicas como terreiros religiosos e escolas de samba. Ressalta,
ainda, que o tema empírico do negro nas cidades até agora foi pouco explorado.
5
Artigo apresentado num evento da International Sociological Association/IUPERJ, 1988.
5
Se, de um lado, as ciências sociais, biológicas, etc, avançam e permitem que este
estudo se beneficie disso, assim como o combate ao racismo, do outro, as teorias e
práticas racistas continuam ativas e, conseqüentemente, em boa medida sendo tratadas
no Brasil como não-problema, embora o nosso cotidiano seja repleto de classificações
raciais, e, em conseqüência, torna-se difícil entender as profundas diferenças e
desigualdades específicas entre negros, índios e brancos por uma visão mistificadora da
realidade racial da nossa sociedade. Nesse sentido, esta tese tenta entender a
desigualdade como histórica, estrutural e política, e, portanto, passível de transformação
6
Para a elaboração desta tese, na primeira parte fez-se uma breve revisão
bibliográfica, tanto de autores estudiosos das relações raciais no Brasil de diferentes
tendências teóricas, como de estudiosos da questão urbana, sobretudo os que se
inspiram no pensamento marxista que tentam explicar e também superar as lacunas
deixadas pelos pensadores clássicos tanto em relação à raça como ao espaço urbano. À
luz dessas contribuições foram estabelecidas hipóteses do trabalho, seus objetivos e
metodologia. A partir da análise da literatura sobre as relações raciais no Brasil e o
fenômeno da segregação urbana, e refletindo sobre como estes fenômenos se
manifestam em Salvador e no Rio de Janeiro, o objetivo geral deste estudo foi realizar
uma análise comparativa sobre essas cidades, examinando como a estrutura das classes
e a distribuição dos grupos raciais se inscrevem no espaço urbano, conformando uma
estrutura social e racial do território de ambas as cidades. Para tanto, procedemos ao
estudo dos seguintes tópicos: a) Análise da dimensão racial das desigualdades sociais
nas cidades de Salvador e do Rio de Janeiro e sua relação com a segmentação social e
segregação espacial; b) Estudo de caso em um bairro singular de cada cidade, para
verificar a compreensão/percepção de seus moradores sobre a problemática racial,
estereótipo, discriminação e segregação residencial no espaço urbano; c) Análise da
relação entre bens e serviços urbanos e hierarquias social, racial e espacial, para
7
Para estudar esses processos de forma imbricada, mas considerando que classe e
raça são variáveis independentes, organizamos os microdados do censo 2000 do IBGE –
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - cruzando as variáveis de educação,
ocupação, rendimento, entre outras, com raça, sendo uma das unidades de análise
pessoas por AEDs – Área de Expansão Demográfica e a outra por domicílios. Assim,
utilizamos os domicílios como unidade de análise sobre a posse de bens urbanos e a
distribuição espacial dos serviços de consumo coletivos em ambas as cidades, e se tal
distribuição reflete a organização espacial da cidade, estratificada em bairros de alto
status social, bairros de médio status social, bairros de baixo status social. Infelizmente,
favelas-invasões não entram nessa classificação, porque este tipo de amostra do IBGE
não permite isolá-las sem tecnologia muito sofisticada (de difícil acesso individual), o
que dificulta maior compreensão do fenômeno da separação espacial. Note-se porém
que, através de técnicas estatísticas mais complexas, Luiz Cesar Ribeiro (2006)6 Através
do Observatório das Metrópoles/IPPUR, realizou uma análise sobre a segregação na
Região Metropolitana do Rio de Janeiro separando favelas e bairros. O objetivo geral do
texto do autor é responder a seguinte questão: “em que medida as desigualdades sociais
verificadas entre os segmentos brancos e ‘negros’ no espaço metropolitano decorrem
das diferenças das condições sociais entre os “bairros” ou das desigualdades ‘raciais’ já
descritas por outros pesquisadores”.
Do outro lado, a divisão territorial por AED talvez tenha a vantagem de trabalhar
com as favelas como parte dos bairros em que se inscrevem e permitir estudar os
impactos de sua existência, das relações contraditórias resultantes do processo de
organização do espaço urbano. A análise do conjunto das cidades e seus processos de
segmentação social e segregação sócio-racial, podem ser vistos pelos dados empíricos
6
Status, Cor e Desigualdades Sócio-Espaciais na Metrópole do Rio de Janeiro Luiz César de Queiroz
Ribeiro (2006) – não publicado.
9
da nossa pesquisa. Isto significa uma análise sociológica que tenta pensar a
configuração total das relações sociais e raciais históricas concretas resultantes do
processo de formação do nosso território, e em particular das cidades exemplares como
Salvador e Rio de Janeiro. Nosso recorte temporal refere-se apenas ao ano do censo
2000, por força da utilização da AED como divisão territorial, que só ficou disponível a
partir do último censo do IBGE, principal fonte dos dados estatísticos com que
trabalhamos.
Apesar dos povos indígenas terem uma história comum de opressão, como os
povos negros, não os incluímos na categoria negro, por entendermos a sua
especificidade como grupo racial-étnico e por não serem o objeto específico deste
estudo. Sabe-se que quando os portugueses chegaram ao Brasil, havia cerca de 3
milhões de indígenas, que viviam ainda num processo de transição, do paleolítico para o
neolítico, dependendo da caça, da pesca ou da prática da coleta, e iniciando uma
agricultura ainda muito rudimentar. Com o processo dizimador que ocorreu, o Brasil é o
país com a menor população relativa, apenas 254.453 (0,16 %) de índios (MAR,1993,
p.232). Ou seja, no Brasil, se praticou um dos maiores genocídios contra as populações
7
Toda organização dos dados teve a fundamental contribuição de Agenor Garcia, doutorando em
Planejamento Energético/ PPE/COPPE/UFRJ.
10
que habitavam estas terras antes da colonização européia imposta ao Novo Mundo. As
cidades brasileiras formadas ao longo desse processo refletem-no no atual quadro
demográfico brasileiro. Na cidade do Rio de Janeiro são contabilizados apenas 15.063
indígenas (0,3%), contra 19.645 (0,8%) em Salvador, no censo IBGE/2000.
Para o Rio de Janeiro, onde os brancos são majoritários, com 58,13%, os pardos
representam 31,28%, fração acima da conhecida por Salvador, e os pretos representam
uma proporção menos da metade daquela da antiga capital do Brasil (9,31%); as
categorias de amarelos (0,25%) e indígenas (0,26%) continuam a ser inferiores, mesmo
àquele residual de ignorados (0,77%). As correlações estatísticas continuam a referendar
as tendências estudadas para Salvador. A correlação inversa entre pardos e brancos
atinge o elevado coeficiente de -0,97572, sendo o de pretos e brancos inferior, mas
também significativo – 0,8349. A variação direta entre pretos e pardos é atestada pelo
coeficiente de correlação de 0,701966. Portanto, ao desagregar a população entre
brancos/não brancos, brancos/negros ou ainda brancos e “indivíduos de cor”, estamos
reproduzindo categorias de percepção usadas correntemente, para observar, ou mesmo
para “julgar”, as pessoas e distribuições de variáveis estatísticas que seguem padrões
semelhantes. O abandono das categorias residuais, como amarelos e indígenas, encontra
fundamento na pouca representatividade estatística, mas poder-se-ia notar que os
imigrantes de origem asiática, classificados pelo IBGE de amarelos, variam no mesmo
sentido que os brancos e no sentido inverso dos pretos e pardos.
A partir desta hierarquização, podemos dizer que Salvador, com uma população
total de 2.444.604 e de 2.399.397, excluídos os indígenas, amarelos e ignorados, tem
1.834.539 negros (76,46%) e 564.858 brancos (23,54%), racial e espacialmente
apresentando duas divisões principais: 9 áreas com supremacia branca e 81 áreas de
maioria negra, considerando-se a divisão territorial por AED. Por outro lado, o Rio de
Janeiro, com uma população total de 5.861.612 e 5.407.338 excluídos indígenas,
12
amarelos e ignorados, com 170 AEDs, compostas por 3.407.338 (58,88%) de brancos e
2.379.584 (41,12%) de negros, tem uma configuração espacial e racial com 111 AEDs
de maioria branca, 53 de maioria negra e 6 com composição equilibrada. Ou seja, em
Salvador a maioria branca mora na Orla Oceânica, incluindo Stella Maris ao norte e na
AED Iguatemi. Na Orla Oceânica, embora haja bairros populares de maioria negra,
como Nordeste de Amaralina Nordeste de Amaralina e Boca do Rio, o primeiro se
destaca por ser o bairro com o maior percentual de negros dessa área da cidade: 90% de
seu moradores se auto-declaram pardos-pretos (ver tabelas e mapas no Capítulo 2)
O recorte espacial por AED, como assinalado anteriormente, não permite que
bairros situados na chamada área nobre sejam uma só unidade territorial, garantindo
assim analisar o grau de homogeneidade sócio-racial, já que existem aglomerações de
pobres e negros nestas áreas, numa condição de extrema hierarquia social, e
provavelmente palco de relações nada harmoniosas. As dificuldades para se identificar
os moradores dos micro-espaços nestas análises, não significa uma visão
homogeneizadora das relações sociais e raciais, de situações sócio-espaciais desiguais e
vivenciadas como opostas, marcadas por profunda desigualdade de indicadores, de
estilos de vida. Nesse sentido, a aplicação da metodologia de Ribeiro (2006) supera esta
dificuldade, embora dialeticamente deva-se fazer as análises dos opostos em qualquer
8
Remoções de favelas (1960-70: Praia do Pinto, Pasmado, Catacumba, reforçaram a supremacia branca.
13
divisão territorial.
Por reivindicação dos movimentos negros e dos estudiosos das relações raciais, o
IBGE promete, no próximo censo, por cor ou raça no questionário do universo, e não
apenas na amostra, como acontece hoje, o que permitirá agregações por setores
censitários e, conseqüentemente, uma maior visibilidade do panorama das cidades. Não
é demais repetir que a categoria raça está sendo utilizada neste estudo no sentido
sociológico, que assim “tem um potencial crítico (...) e pode desmascarar o persistente e
sub-reptício uso da noção errônea de raça biológica” (GUIMARÃES, 1999, p.68). Ao
retomarmos raça como categoria de análise, de modo algum desejamos tratar de grupo
social cujo fundamento seria biológico, mas de grupo social reconhecido por marcas
inscritas no corpo dos individuos (cor da pele, tipo de cabelo, estatura, forma do crânio,
etc), herdeiro de passado histórico que colocou uns no topo da hierarquia social e outros
em sua base. Racismo é aqui entendido tal como define Appiah apud Guimarães (1999,
p.32) que deriva de uma doutrina racialista e que define dois tipos de racismo: o
extrinseco e o intrínseco. O primeiro ‘traça distinções morais entre os membros de
diferentes raças porque se acredita que a essência racial implica em em certas
qualidades moralmente relevantes (...), e o segundo como ‘pessoas que fazem distinções
de natureza moral entre indivíduos de raças diferentes porque acreditam que cada raça
tem um status moral diferente independentes das características morais implicadas em
sua essência racial”. Para Guimarães essa dupla definição de racismo, “permite
considerar todas as possibilidades nas quais a idéia de ‘raça’ empresta um sentido
subjetivamente visado à ação social, cobrindo, portanto, aquele campo que podemos
definir, de modo estrito como o campo das relações raciais”. Contudo, sua posição dos
dois tipos de racismo se diferencia de Appiah, na medida em que este confunde posturas
muito diferentes em termos políticos, e permite considerar os membros dos movimentos
negros como racistas (intrínsegos), enquanto Guimarães considera que estes
movimentos seriam apenas racialistas, ou seja, acreditam em raças humanas. Além
disso, o autor alerta que o conceito ‘racialista’ é limitado para “referir-se a pessoas que
não acreditam em raças biológicas, mas reconhecem a existência de ‘raças’ sociais”.
Sugere o autor modificar a definição de Appiah em dois pontos: 1) trata-se de um
sistema de marcas físicas (percebidas como indeléveis e hereditárias), ao qual se associa
uma “essência” que consiste em valores morais, intelectuais e culturais; 2) apesar de
todo racialismo precisar de uma idéia de “sangue”, como veículo transmissor dessa
14
A discussão sobre qual a variável mais importante para determinar classe social
está superada, sobretudo graças ao historiador E. P. Thompson (1987) e ao sociólogo
Pierre Bourdieu (2005). Para Bourdieu, os indivíduos possuem uma infinidade de
caracteristicas particulares (sexo, idade, nacionalidade ou etnia, escolaridade, “cor”ou
“raça”, rendimento, profissão, religião, origem rural ou urbana, região de origem,
patrimônio econômico dos pais, local de residência, etc, etc) e a análise de
correspondência permite interrogar concretamente quais as caracteristicas que mais
aproximam os individuos e quais caracteristicas que mais os diferem. Quando usado tal
método estatístico, obtemos apenas “nuvens” de individuos mais proximos ou distantes,
socialmente falando, mas somente individuos “no papel”, ou seja, estudados por
observadores externos aos encontros e conversas entre as pessoas de carne e osso . Não
temos classes sociais, nem por status, nem por ocupação, nem por raça, nem por sexo
ou origem geográfica, etc. O que dá consistência à classe social são as batalhas
15
Assim, nosso tese examina como a metrópole moderna recria a hierarquia racial
estudando a distribuição espacial dos indivíduos (variáveis de pessoas) e a distribuição
das residências (variáveis de domicílios), nas cidades do Rio de Janeiro e Salvador. O
procedimento que adotamos para a análise concreta destas metrópoles está melhor
descrito no apêndice 1. Nele, apresentam-se as questões metodológicas, seus
pressupostos e limitações no uso da variável cor ou raça para o estudo espacial mais
aproximado da realidade urbana de cada cidade. Reconhece-se, entretanto, que as
unidades espaciais por AEDs são um avanço, esperando-se que no próximo censo do
IBGE a variável cor ou raça esteja no questionário geral e assim possibilite, pela divisão
territorial menor (setores censitários), agregar ou desagregar setores e se aproximar mais
da história de cada bairro-invasão-favela, de acordo com a visão de bairro do morador e
o interesse de cada pesquisador.
Ainda de acordo com Ianni (1988, p.24-27), Marx ressalta dois pontos em sua
análise sobre as condições que produziram a escravatura no Novo Mundo e suas
20
e quase sempre separavam as famílias – pai, mãe e filhos iam parar em lugares distantes
e nunca mais se encontravam. Além de comprar escravos nos mercados, os senhores
formavam seu próprio patrimônio, estimulando a reprodução dos casais mais saudáveis.
As crianças trabalhavam desde os 5 anos e, com 35 anos, um escravo era considerado
velho e já não servia para o serviço pesado. A violência física era parte do cotidiano dos
negros. O escravo rebelde era castigado com açoite, ficava preso e exposto no
pelourinho. Seu sofrimento devia servir para desmotivar atitudes rebeldes que foram
muitas. Assim, o tráfico de africanos escravizados que substituiu a mão-de-obra
indígena, também escravizada nos primeiros anos de colonização, enriquecia a Coroa
portuguesa e empresas particulares da metrópole.
ato formal da abolição, já havia muitos negros livres em todas as regiões do Brasil. Mas
o projeto de embranquecimento estava em curso e segundo Skidmore (1976):
Em 1886, um grupo de importantes fazendeiros de São Paulo juntou-se para
fundar a Sociedade Protetora da Imigração, organização privada, de amplos
recursos, e destinada a recrutar imigrantes européus (quese exclusivamente
na Itália), pagar passagens para São Paulo e providenciar trabalho para eles
nas plantações. A Sociedade, embora não-governamental, recebia polpudo
subsídio do tesouro da província de São Paulo (SKIDMORE, 1976, p. 156-
57).
Com a Figura 1, tenta-se ilustrar o processo analisado por Ianni (1988), em
Escravidão e Racismo, alertando, contudo, que é apenas uma forma de representar,
mesmo com o perigo de reducionismo, a preocupação em contextualizar as questões
analisadas como parte de um contexto histórico mais amplo, que vai do período
colonial-escravista ao capitalismo republicano, nas suas múltiplas formas de dominação
social e racial, recriadas na atualidade. Reconhecemos, todavia, a superficialidade do
texto que em geral, obviamente, não dá conta de um período tão longo da história e de
toda a sua complexidade. Enfim, é uma modesta tentativa de tornar um pouco mais
inteligível o texto.
Para entender melhor este processo, precisamos olhar o século XIX, por ser marco
do desenvolvimento das teorias racistas, da elaboração de um modelo planetário que
substitui a dominação baseada em status jurídico, opondo homens livres, escravos e ex-
escravos libertos pela ideologia com pretensões científicas, pelo chamado racismo
científico. Para Lilia Schwarcz (1996, p. 148-49), talvez o grande momento inaugurador
da percepção da diferença date mesmo do descobrimento do Novo Mundo, e este
produziu “espanto, curiosidade crescente e as interpretações buscavam entender o que
era essa grande flora, essa fauna tão diversa, e sobretudo o que eram essas gentes”. Mas,
segundo a autora, é no início do século XVIII que o assunto é retomado mais
sistematicamente, com a interpretação iluminista, da versão que a Revolução Francesa
nos legou de “Igualdade, Liberdade e Fraternidade”. Ou seja, o Iluminismo francês foi
quem estabeleceu e naturalizou a igualdade entre os homens (SCHWARCZ,
1996,.p.161-168). Por outro lado, como aponta, no século XIX prosperaram as teorias
evolucionistas, o determinismo geogáfico e o determinismo racial. “Nessa escola, não se
discute mais o indivíduo mas o grupo”. Segundo a autora são quatro as máximas do
determinismo racial: 1) que a raça constitui um fenômeno essencial. Dizia-se, com isso
que havia, por exemplo, entre o branco e o negro a mesma distância que existia entre o
cavalo e a mula. Alguns desses teóricos advogavam inclusive a tese de infertilidade do
mestiço, pautado nesse tipo de pressuposto; 2) estabelecia a relação entre atributos
internos e externos (a cor, o tamanho do cérebro, o tipo de cabelo – poderia chegar a
conclusões sobre aspectos morais das diferentes raças; 3) que os indivíduos não seriam
mais do que a soma de seu ‘grupo rácio-cultural’; 4) não é um pressuposto, mas uma
prática: a eugenia.
Neste contexto, e à luz dos estudos sobre as relações raciais no Brasil, vamos
tentar compreender nossos dilemas e contradições. Octávio Ianni (1987, p.344-47)
aponta três marcos históricos da formação brasileira, que têm implicações na formação
da nacionalidade e da relação entre questão racial e identidade nacional: a Declaração
da Independência, em 1822, a Abolição da Escravatura, em 1888, e a Revolução de
1930. Estas datas, todavia, como alerta o autor, marcam apenas o momento inicial em
que a sociedade se põe diante de problemas, tais como: raça, mestiçagem e população,
povo e cidadão, terras devolutas, indígenas, ocupadas, griladas, tituladas; províncias,
Estados, o Estado nacional; região e nação, etc. No final do século XIX, quando ainda
predominava o trabalho escravo, o debate era polarizado em termos de indianismo,
inicialmente, e europeísmo, depois. O abolicionismo e a política de incentivo à
imigração européia alteram o quadro inicial, com a valorização crescente do europeu.
Com a Abolição e a Proclamação da República, o poder estatal, passa para a hegemonia
da oligarquia cafeeira. Em decorrência, acontece uma alteração fundamental no enfoque
da questão racial brasileira, com a ruptura representada pela Revolução de 1930, e o
delineamento das interpretações mais importantes do problema racial brasileiro:
formula-se a tese da democracia racial; desenvolve-se o indigenismo; coloca-se o
problema racial no âmbito da reflexão da sociedade de classes.
claramente no cerne do debate, a preocupação explícita deste debate entre a elite, desde
1850, era a Abolição e as reformas institucionais que implicava.
Para João Reis (1988) somente a partir de 1888, a elite brasileira passou a se
interessa pela questão, já que antes o negro era “uma questão econômica ou uma
questão policial”. Adotando ideologias racistas da Europa, “setores importantes da
intelectualidade brasileira”, representando os interesses hegemônicos, “iniciaram a
montagem do ideário racial brasileiro. Neste ideário o negro era considerado como, “um
obstáculo a um destino nacional que se desejava em padrões europeus” (REIS, 1988,
p.88).
Este ideário apresenta vários pontos em comum com outros países, que também
viveram sob escravidão, como ocorreu em outros países da América Latina, como
aponta Hasenbalg.
Como aponta Ianni (1987, p. 344), com a Revolução de 30, a tese da democracia
racial é desenvolvida, tendo em Gilberto Freyre seu maior expoente, influenciando
muito as pesquisas e a interpretação da questão racial. Sob esta perspectiva acadêmica
as desigualdades raciais são tratadas como um não-problema e brancos, negros e
mestiços se relacionavam harmoniosamente.
11
Recentemente, um livro que reúne geneticistas, lingüistas e historiadores e conta a história do povo
brasileiro pela ótica genética, mostra que o Brasil tem a maior diversidade de DNA do mundo. Segundo
seus autores “ para a genética não há raças, e num país como o Brasil isso é mais verdade do que em
qualquer lugar. Podemos falar de cor da pele, mas ela conta pouco sobre a constituição genômica de uma
pessoa”. Nessa mesma pesquisa se ressalta a origem da humanidade, mostrando que a nossa civilização
começou na África. Note-se que a genética é um campo científico no qual o Brasil ocupa um lugar de
destaque na cena internacional. Ver sobre o assunto Sérgio Pena (2004).
30
12
Sobre a trajetória de Luiz Aguiar Costa Pinto ver Marcos Chor Maio (1998) - apresentação da 2ª.edição
do livro O Negro no Rio de Janeiro:Relações de Raça numa Sociedade em Mudanças.
32
contribuiu para o debate, diz que “o brasileiro tem preconceito de ter preconceito”.
Desse modo, estes estudos são marcos na academia brasileira, para compreender a nossa
organização social racista e as estratégias postas em prática pelas classes dominantes
que, desde o século XIX, com a promoção da imigração européia, consolidam o
branqueamento da raça e ampliam a europeização da sociedade (entre vários autores,
ver FERNANDES, 1965 e IANNI, 1988). Entre os pesquisadores que trabalharam no
‘ciclo de estudos UNESCO’, de formação durkhaniana ou marxista, Roger Bastide
(1898-1970), Florestan Fernandes, Luiz da Costa Pinto e Pierre van den Berghe
ressaltaram que “os grupos raciais tanto quanto as classes sociais, eram fenômenos de
estrutura social, ou seja, lugares definidos numa estrutura de posições” (GUIMARÃES,
1999, p.76). Entre os estudiosos desse grupo, mas com posição diferente dos marxistas,
Thales de Azevedo, em O Povoamento da Cidade do Salvador, ainda crê na democracia
racial, afirmando:
Não era o preconceito de cor que separava a população em bairros diferentes,
antes as distinções de classe que distanciavam os ricos, os nobres dos
escravos, dos plebeus, dos que comerciavam, dos que exerciam ofícios
mecânicos. Houve, naturalmente conflitos entre os tipos étnicos que aqui se
reuniram, mas, ao que parece, esses conflitos traduzem sobretudo
antagonismos econômicos. A proibição, feita aos índios, de casar com negros
escravos ou mulatos, até quarta geração, e aos casados com mulher de cor, de
exercer cargos municipais, os casos isolados de intolerância para com pardos,
pretos e caboclos eram mais medidas de segurança das classes dominantes
contra a ascensão política da plebe do que indícios de ódio de raças
(AZEVEDO, 1969, p .221-2).
Para o autor, foi graças à quase ausência de preconceito, herdada dos séculos de
convívio com mouros e pretos, que o branco português, sempre em minoria sensível na
Bahia, conseguiu absorver grande parte dos africanos que importou. Em Elites de Cor
Numa Cidade Brasileira: Um Estudo de Ascensão Social, ele se distancia dos que
defendem a ausência de preconceito de cor no Brasil, quando afirma em suas conclusões
as dificuldades dos negros ascenderem como grupo social e constata a força da
ideologia racial.
13
Estamento – forma de estratificação social situada entre o regime de casta (geralmente ligado ao
conceito de honra e o regime de classe -WEBER, 1982).
34
Clóvis Moura, com seu trabalho pioneiro sobre as rebeliões escravas, e Décio
Freitas, ambos detentores de concepção materialista da história, consideram que estas
formas de luta foram fundamentais para a destruição da ordem escravista que resultou
na abolição. O autor, que realizou estudo sobre estes movimentos desde 1959, numa
perspectiva marxista, afrma na sua conclusão que:
O quilombola era o elemento que, como sujeito do próprio regime
escravocrata, negava-o material e socialmente, solapando o tipo de trabalho
que existia e dinamizava a estratificação social existente. Ao fazer isto,
embora sem conscientização criava as premissas para a projeção de um
regime novo no qual o trabalho seria exercido pelo homem livre e que não era
mais simples mercadoria, mas vendedor de uma: sua força de trabalho. Ao
mesmo tempo que assim procedia o escravo rebelde criava novos níveis de
desajustes, novos elementos de assimetria social, pois, ao retardar o processo
de produção, fazia com que, no polo intermediário, se desenvolvessem
elementos que também impulsionaram a sociedade no seu sentido global para
novas formas de convivência (MOURA, 1988, p. 269-70).
Na sua perspectiva, o reflexo das atividades rebeldes, e outras formas de
comportamento divergente em camadas diversas levariam o escravo, ainda passivo, a se
tornar um elemento dinâmico, passando de escravo a quilombola. E ainda afirma: “Esta
interdependência só poderá ser entendida, insistimos, se tomarmos o quilombola, não
como um termo morto ou negativo, mas como termo ativo e dinâmico” (MOURA,
1988, p. 269-70). A Inconfidência Baiana, em 1798, estudada por Stván Jancsó (1975),
por exemplo, e os estudos de João Reis (1988) sobre a Revolta dos Malês, de 1835, em
Salvador, mostram um ativismo político expressivo dos escravos, que ocorreu em todo o
território nacional e corrobora com esta interpretação.
14
Ver Clóvis Moura (1988), Décio Freitas (1982), Stuart Schwart, 2001 e .João José Reis (1989 e 2003).
35
relações raciais. Mas para este autor, não há dúvidas de que existe uma dimensão
importante na questão racial que tem a ver com a sociedade como um todo.
Para Costa Pinto (1998, p.87-89), entretanto, castas e classes não são
independentes, mas antes momentos históricos distintos de um mesmo fenômeno.
“Circunstâncias históricas particulares fizeram com que estratificação de raça e
estratificação de classe não sejam duas realidades independentes, mas apenas dois
ângulos pelos quais pode ser observada a configuração única e total das relações de
classe e de raça no Brasil”.15
15
Sobre as diferenças teórico-metodológicas dos autores, ver, entre outros: GUIMARÃES, Antonio
Sérgio (1999); HASENBALG, Carlos & SILVA, Nelson (1992).
36
As mudanças nos paradigmas, ainda que lentas, têm sido importantes para o
questionamento da condição do negro brasileiro. Nelson Valle e Silva (1978) e Carlos
Hasenbalg (1979), em seus estudos pioneiros sobre as desigualdades raciais
problematizam a persistência das desigualdades, num Brasil já bem urbano e
industrializado, e mostram que “Aqui convivem, há séculos, uma sociedade pobre e
desigual e, junto com ela, uma sociedade móvel e dinâmica”. Utilizando as estatísticas
oficiais do governo brasileiro, demonstram que existem mecanismos sociais que
obstruem a mobilidade social ascendente da população parda-negra e, portanto, as
desigualdades brasileiras não se explicam apenas pelas diferenças de classes sociais.
37
2) o negro e o mulato são uma presença cotidiana, que não se pode negar. Os
cânones metodológicos do técnico ou pesquisador permitem negar a objetividade e a
verificabilidade da cor. Mas o cotidiano desse mesmo técnico, ou pesquisador, mostra a
16
A reação de alguns segmentos da sociedade, supostamente anti-racistas, contra o censo escolar proposto
pelo INEP/2004, que incluiu o quesito cor, é um exemplo de como é conveniente para alguns setores
manter silêncio sobre a situação desfavorável de índios e negros.
41
3) quem decide sobre as estatísticas a serem produzidas são os brancos (ou seus
subalternos), interessados em localizar, dramatizar ou resolver problemas. Os problemas
raciais não são problemas de fácil solução, sejam eles graves ou menores. Além do
mais, a resolução dos problemas do preconceito, discriminação e segregação social
(econômica e política) do negro e do mulato não cai no horizonte da contabilidade de
custos e lucros em que normalmente se coloca o branco das classes dominante;
4) ao branco é conveniente que o negro e o mulato não saibam quantos são, onde
se acham, como vivem e de que forma participam da renda, da cultura e das decisões.
A despeito de todas estas dificuldades em relação aos censos, a Figura 2,17 que
mostra os dados desde o primeiro censo geral em 1872, até o de 1991, revela a
existência de dois momentos distintos: de 1872 a 1950, quando os brancos passam a ser
maioria e crescem em ritmo mais acelerado que pardos e pretos, os primeiros com
situação quase estável; e de 1950 em diante, os brancos, ainda em maior número,
crescem mais rapidamente que antes, porém menos que os pardos, cujo crescimento
passa a ser bastante acelerado; o crescimento dos pretos também diminuiu, mostrando
que o ideal de branqueamento engendrado no século XIX com a crise do escravismo, a
abolição, e a intensa imigração tiveram efeitos na composição sociodemográfica,
importantes na formação do país de enormes contradições entre brancos e negros.
17
REIS, João José. Presença Negra: conflitos e encontros. In Brasil: 500 anos de povoamento. Rio de
Janeiro: IBGE, 2000. p: 94.
42
80
70
60
50
Brancos
milhões
Pretos
40 Pardos
Amarelos
Sem declaração
30
20
10
0
1870 1890 1910 1930 1950 1970 1990
Para Costa Pinto (1998, p.72), a tendência à diminuição dos grupos de cor na
massa demográfica do Brasil resulta de diversos fatores, todos atuando no mesmo
43
Mas de acordo com a demógrafa Elza Berquó (2001, p.26), mesmo considerando-
se todas as limitações que podem ser sujeitas as informações nos últimos 50 anos a
estrutura por cor da população foi se alterando significativamente. Considerando-se os
últimos dados censitários, 48% da população se considera negra, ou melhor, parda ou
preta segundo as categorias do IBGE “As populações branca e preta vão reduzindo seu
peso relativo na população total e abrindo espaço para a importância crescente dos
pardos. Essa configuração encontra suporte no crescimento muito diferenciado dos três
segmentos populacionais” (BERQUÓ, 2001, p.26-7).
18
Ver sobre o assunto ENGELS, F. Do socialismo utópico ao socialismo científico (1989), Luis
Machado Neto e Zahidé Machado Neto Sociologia Básica (1976) e Pedro Vasconcelos Dois séculos de
pensamento sobre a cidade (1999).
45
geografia física, sendo sua principal obra Cosmos. Em relação às correntes socialistas,
podem-se observar duas vertentes: 1) socialistas utópicos, que tentavam dar resposta às
dificuldades vividas pelos trabalhadores urbanos, entre os quais se destacam Robert
Owen (1777-1858), Charles Fourier (1772-1837), Victor Considerant (1808-1893) e
Etienne Cabet (1788-1858); 2) socialistas revolucionários, Marx (1818-1883) e Engels
(1820-1895), cujas obras, separadas ou conjuntas, expressam a preocupação com a
questão urbana a partir, principalmente, das condições habitacionais dos trabalhadores.
Para estes autores, a cidade ocidental moderna constitui o local da produção e
reprodução do capital, produto da sociedade capitalista e, portanto, parte integrante de
processos sociais mais amplos.
19
Sobre a ampla obra do autor, ver GUIMARÃES, Antonio, Racismo e Anti-Racismo no Brasil, 1999.
47
(1897-1952), outro autor de destaque da Escola de Chicago, fez sua tese de doutorado
sob a orientação de Burgess, mas teve posição oposta à tendência da escola. Para
Charles Wrigh Mills e Floyd Hunter, o urbano deveria ser compreendido como espaço
socialmente produzido, de acordo com os vários modos de organização socio-
econômico-política em que está inserido, e não pelos princípios ecológicos, como
defende a corrente liderada por Park. Se a cidade foi pensada academicamente, sob a
hegemonia da Escola de Chicago, sobretudo nos quadros da sociologia norte-americana,
o pensamento de Marx e Engels foi o que mais influenciou a produção crítica sobre a
cidade, principalmente nas últimas décadas do século XX. Note-se que desde os anos
1950, Costa Pinto (1998, p. 33), em seus estudos sobre os negros no Rio de Janeiro,20
fez crítica à tradição dos estudos étnicos desenvolvidos pela Escola de Chicago, por
conceber “as diferenças raciais como um processo em si mesmo, ou a partir dos efeitos
da dinâmica das interações interétnicas”.
Os conflitos sociais da esfera cotidiana foram estudados por autores como Henri
Lefebvre, Manuel Castells e Lojkine, por exemplo, que posteriormente vão debruçar-se
sobre a dimensão urbana: os movimentos sociais urbanos, os meios de consumo
coletivo, a estruturação social do território na sociedade capitalista e o papel do Estado
na urbanização, passam a ser temas de importância sociológica. Eles propõem uma
teoria sobre a sociedade contemporânea a partir da leitura sobre o processo urbano
como dimensão nova do conflito social. Analisando os fragmentos da questão urbana
nas obras de Marx e Engels, Henri Levebvre, alertou que estes textos só revelam o seu
sentido se remetidos ao movimento do seu pensamento integral:
Eles nos obrigaram a retomar este movimento, inicialmente perdido, depois
reencontrado. É impossível isolá-los! Retomá-los separadamente seria trair o
movimento que os conduzia e que eles levam avante. Assim, para
compreender o papel econômico das cidades, foi necessário relembrar toda a
teoria da mais-valia, da divisão do trabalho (LEVEBVRE, 1999, p.174).
Em A Questão Urbana, Castells (1983) faz uma revisão teórica desses debates no
20
Segundo Chor Maio, na apresentação do livro de Costa Pinto O Negro no Rio de Janeiro: Relações de
Raças numa Sociedade em Mudança 2ª. edição Editora UFRJ, 1998.
48
seio da corrente marxista, discute criticamente essa abordagema, para concluir que a
cidade não se configura como um objeto científico. Para compreender a organização
social na dimensão urbana, sua relação com a acumulação capitalista, a especificidade
desse processo, o autor busca estudar o processo de acumulação capitalista na
estruturação do espaço. É a partir daí que se pode entender qual é essa especificidade, e
ele conclui que a acumulação urbana, na fase atual, não especifica propriamente o
urbano. O estudo da localização industrial na França revela que a localização das
fábricas obedece muito mais aos requisitos que se exprimem em escala nacional, em
escala regional ou até em escala internacional, do que propriamente em escala urbana.
Isso porque a base tecnológica dessa acumulação capitalista permitia, já naquela época,
ainda quando da implantação das indústrias, uma escala que é muito mais alta do que a
escala de cada cidade separadamente, ao contrário do que ocorria à época do
capitalismo concorrencial.
Assim, a partir de 1970, a questão urbana passa a ser discutida como uma questão
social, ou seja, os problemas da sociedade relacionados com a questão urbana. A cidade
passa ser expressão da forma como o capitalismo se desenvolve no espaço urbano, e o
tema da segregação passa pela discussão das classes sociais, e, portanto, as questões de
gênero e raça, ainda não fazem parte das preocupações destes estudos.
Jean Lojkine (1981) analisa o papel dos grandes grupos industriais e financeiros e
como modelaram, em função dos seus interesses de classe, o espaço social. Estuda os
vínculos desses grupos com o Estado capitalista e a segregação social do espaço. Tem
como hipótese que a urbanização, “enquanto forma desenvolvida da divisão social do
trabalho, é um dos determinantes fundamentais do caráter do Estado”. Analisa a política
estatal como organização hegemônica de classes, entendendo o Estado como um lugar
da luta de classes. Através da análise do movimento social urbano busca definir o
Político como o lugar de decomposição do bloco hegemônico dominante, e lugar do
aparecimento de uma nova hegemonia das classes dominadas.
Para ele, não era nada secundário que a visão de Marx, de superpopulação
relativa, estava dominada pela modalidade flutuante, já que ele chegou a supor que a
maioria dos trabalhadores, em algum momento de suas vidas, teria a experiência de
fábrica que ele considerava tão crucial para organizar as solidariedades e os
antagonismos. Buscou, assim, chamar a atenção acerca dos modos como incidia a
integração do sistema capitalista, dando lugar, por exemplo, a mecanismos de
dualização e de segregação da força de trabalho, que eram muito menos sobrevivências
do passado que expressões de um presente já moderno (NUN, 2000, p.294-95).
ameaçar o capital. Ele não acredita no fim do trabalho assalariado, mas acredita que o
modo de coesão da sociedade salarial muda com a fragmentação da força de trabalho.
21
Indica que formas de marginalidade não estão em nosso passado, nem vêm sendo absorvidas
progressivamente, pela expansão do ‘livre mercado’ e braços do Estado de Bem-Estar Social.
53
Na mesma direção, Luiz Cesar Ribeiro (2000, p.65) destaca os pontos centrais do
debate acadêmico contemporâneo: 1) os analistas da global city (Sassen, 1991;
Marcuse, 1987; Van Kempen e Marcuse, 1997; Borja e Castells, 1997) postulam que
vem ocorrendo a transformação do papel das cidades, que passam a integrar redes de
economia em escala mundial, a divisão social e espacial do trabalho, ou seja, a
globalização das economias urbanas levaria a uma estrutura bimodal, tanto em termos
da estrutura socioprofissional, quanto em termos da distribuição da renda. Outros
autores que estudaram Londres e Paris (Hamnett, 1995 e Preteceille, 1993 e 1995),
respectivamente, não observam essa bipolarização das estruturas sociais e espaciais,
54
mas ao mesmo tempo que constatam o crescimento das desigualdades sociais em termos
de renda; 2) estudos sobre a reconfiguração das “classes médias” e do operariado
industrial, em razão das transformações da estrutura produtiva e dos padrões
organizacionais e tecnológicos: expansão da economia de serviços, informatização,
automação dos escritórios, privatização dos serviços sociais, etc. Essas conclusões,
divergentes ou até contraditórias, observa Ribeiro, decorrem, provavelmente, do uso de
matrizes teóricas diferentes (pós-industrialismo x pós-fordismo) e da análise de casos
diferentes de globalização (globalização financeira x globalização produtiva); 3) uma
terceira corrente privilegia os efeitos territoriais da globalização das economias urbanas.
Ainda de acordo com Ribeiro (2000, p. 68-69), não há consenso sobre as análises
de uma cidade globalmente fraturada e diferenciada em lógicas de ocupação do
território e tipos sociais que se justapõem. Valtez (1996) e Preteceille (1993) têm
observado que os espaços das cidades, que estão no centro da globalização e
reestruturação produtiva, tornam-se na verdade mais homogêneos, quando examinados
na escala macro e, simultaneamente, mais fraturados, quando se faz a observação em
escala micro. Diante desse quadro, Ribeiro (2000, p. 69) propõe uma possibilidade
teórico-metodológica que considere ambas as escalas: 1) analisar o conjunto da cidade
para avaliar os impactos das transformações econômicas sobre a sua estrutura sócio-
espacial; 2) ao mesmo tempo, avaliar as tendências à fragmentação que implica também
examinar as mudanças socioespaciais na escala micro, procurando entender o que se
passa nos pedaços da cidade como resultado dos efeitos concentrados das mudanças
globais.
enorme peso de uma população urbana com baixo nível de vida, que não poderia deixar
de aumentar com a chegada maciça de migrantes vindos do campo, acarretaram a
existência, ao lado do circuito moderno, de um circuito econômico não moderno. Santos
(1994, p.74) chama a atenção sobre o final deste século e o papel fundamental que a
ciência, a tecnologia e a informação têm na vida humana e na lógica espacial das
cidades nas sociedades contemporâneas:
Na cidade, as formas novas, criadas para responder às necessidades
renovadas, tornam-se mais exclusivas, mais rígidas materialmente e
funcionalmente, tanto do ponto de vista da sua construção quanto de sua
localização. Disso advém uma diferença essencial entre as cidades -
sobretudo as grandes cidades – da fase histórica imediatamente anterior e do
período atual. Isso também serve para distinguir, grosso modo, as metrópoles
dos países desenvolvidos e as dos países subdesenvolvidos. Nascer cidade e
tornar-se lentamente metrópole e, em seguida necrópole, segundo Lewis
Mumford, seria o destino final da evolução das grandes cidades européias e
norte-americanas. Podemos dizer que no Terceiro Mundo as cidades
destinadas a ser grandes crescem rapidamente: e rapidamente se transformam
em necrópoles, se já não nasceram assim (SANTOS, 1979, p.154).
Analisando as transformações ocorridas ao longo do século XX, Afrânio Garcia
Jr. e Moacir Palmeira (2000) confrontam a situação do mundo rural brasileiro do início
e do fim do século passado, e constatam a profundidade de certas transformações,
também associadas à recriação, em escala ampliada, da hierarquia e da desigualdade,
que caracterizam tal universo, desde o início da colonização, não sendo, porém, um
processo unilinear e mecânico, como alertam. Se em 1940, 70% da população residia no
campo, em 2000 esse contingente se restringe a 22%. O movimento contínuo de
deslocamento das residências do campo para a cidade resulta em grandes mudanças no
território:
Como resultado da industrialização acelerada entre 1930 e 1980, o centro
dinâmico da economia e os poderes social, cultural e políticos vão se localizar
nas grandes metrópoles, com a reconstrução do Estado nacional e a ampliação
de suas áreas de intervenção, com a criação de universidades e a
reorganização do sistema de ensino em bases nacionais , com o surgimento de
partidos políticos e movimentos associativos em escala especificamente
nacional (GARCIA Jr e PALMEIRA, 2001, p.41).
Cabe assinalar, por conseguinte, que as transformações que atingem o mundo
rural repercutem diretamente sobre o tipo de crescimento das cidades brasileiras, desde
os anos 1940. As relações cidade-mundo rural são tão importantes para se entender o
crescimento urbano quanto as reestruturações do mundo industrial anteriormente
estudadas. Como assinala Max Weber, as cidades constituem centros políticos,
econômicos, religiosos e culturais de espacialidades que as transcendem.
Ressalta, contudo, que se é esta a tendência geral, ela não explica por si só a
composição do espaço residencial de um aglomerado concreto e nem mesmo o que ele
possui de mais significativo, pois, por um lado, “sendo a cidade um emaranhado
histórico de várias estruturas sociais, há misturas e combinações particulares na
distribuição das atividades e dos status no espaço”. Por outro lado, toda sociedade é
contraditória, “e as leis gerais do sistema são apenas tendências, quer dizer, elas se
impõem na lógica da reprodução, se as práticas, socialmente determinadas, não vierem a
se opor a tais tendências”. Para ele, isso significa que existe, por um lado, “a interação
entre as determinações econômicas, políticas, ideológicas, na composição do espaço
residencial, e, por outro, um reforço da segregação, um transbordamento de seus limites
tendenciais ou modificação dos fatores de ocupação do solo, segundo a articulação da
luta de classes no local de residência” (CASTELLS, 1983, p.210-11).
Jean Lojkine (1981), por sua vez, analisa o processo de segregação social
produzido pela política urbana com o método do materialismo histórico, e apresenta,
como principal hipótese, que a urbanização como forma desenvolvida de divisão social
do trabalho é uma das componentes fundamentais da ação do Estado, onde o urbano é
bem mais do que campo de aplicação da política estatal, é um momento da sua análise,
um componente-chave “se a política urbana capitalista não é uma planificação – no
57
sentido de um domínio real da urbanização – nem por isso deixa de responder a uma
lógica: à da segregação social”.
Jordi Borja e Manuel Castells (1997, p.1-3) ressaltam que, nos últimos anos do
século XX, a globalização da economia e a aceleração do processo de urbanização têm
incrementado a pluralidade étnica e cultural das cidades, através do processo de
migrações nacionais e internacionais, que conduzem à interpenetração de populações e
formas de vida díspares, no espaço das principais áreas metropolitanas do mundo. “O
global se localiza de forma socialmente segmentada e espacialmente segregada”. No
artigo em que os autores analisam a cidade multicultural, afirmam que o racismo e a
segregação urbana existem em todas as sociedades, mas nem sempre seus perfis são tão
marcados, nem suas conseqüências tão violentas, como as que se dão nas cidades norte-
americanas. Entre os países latino-americanos, observam que:
(...) o Brasil é uma sociedade multicultural, em que os negros e mulatos
ocupam os níveis mais baixos da escala social. Porém, ainda que as minorias
étnicas também estejam espacialmente segregadas, tanto entre regiões do país
como no interior das regiões metropolitanas, o índice de dissimilaridade, a
que mede a segregação urbana é mais inferior aos das áreas metropolitanas
norte-americanas (BORJA e CASTELLS, 1997 p. 8).
Esta visão está de acordo com a conclusão de Edward Telles (2003), que conclui
ser a segregação mais moderada no Brasil do que nos Estados Unidos, e este fato deve-
se a mistura espacial do país e à ausência de iniciativas oficiais específicas, no sentido
de implementação de segregação, nos moldes dos Estados Unidos. Contudo, o índice de
isolamento para negros (demonstra em que medida uma pessoa negra média em áreas
urbanas tem vizinhos brancos) afirma, mostra que onde a população negra é maioria,
como em Recife, Salvador, Fortaleza e Belém, os índices de exposição que se
equiparam aos padrões dos Estados Unidos, ou seja, o contato de negros com brancos é
quase tão limitado quanto nos Estados Unidos. Em relação a Salvador o autor afirma:
(...) com o resultado de 82, a cidade apresenta o maior índice de isolamento
espacial de negros do Brasil e a probabilidade de que pretos e pardos vivam
próximos a outros negros é semelhante ao isolamento de Chicago (83), a
região metropolitana mais segregada dos Estados Unidos. No entanto, ao
passo que o restrito contato interracial nos Estados Unidos é determinado
principalmente pela discriminação imobiliária, no Brasil as situações
comparáveis, quando existem, decorrem basicamente da preponderância
numérica de negros nessas áreas urbanas (TELLES, 2003, p.172-73)
Na perspectiva de uma análise de classe Corrêa (2000, p.66), mostra que a
segregação residencial implica necessariamente separação espacial das diferentes
classes sociais fragmentadas. A separação, por sua vez, origina padrões espaciais, ou
seja, “as áreas sociais que emergem da segregação estão dispostas espacialmente,
58
segundo uma certa lógica e não de modo aleatório”. O autor analisa brevemente três
modelos formalizados por Kohl, Burggess e Hoyt,22 a partir de evidências empíricas
sobre a distribuição das classes sociais e suas frações na cidade. De acordo com esta
proposta, a segregação pode seguir três modelos:
1) A cidade era marcada pela segregação da elite junto ao centro (localização das
principais instituições urbanas – o governo através do palácio, a Igreja, as instituições
financeiras e o comércio a longa distância) -, enquanto na periferia viviam os pobres. As
evidências empíricas ficam por conta da ocorrência desse padrão, em cidades africanas
latino-americanas do período colonial, Moscou do final do século XIX, até a atualidade,
cidades do sul dos Estados Unidos, anteriormente à Guerra de Secessão, etc.
Estes três modelos, contudo, devem ser vistos como possibilidades teóricas, e não
como padrões caracterizados cada um pela exclusividade descritiva da realidade urbana,
alerta Corrêa (2000, p.73-76), que vê a coexistência dos três padrões nas cidades latino-
americanas e aponta uma interessante periodização do espaço urbano latino-americano
onde, em cada período, há um correspondente arranjo espacial, realizado por Oscar
Yujnovsky (1971). É importante observar que a referida periodização nos remete ao
processo de formação da sociedade brasileira. Além disso, as cidades objeto de nosso
estudo, Salvador e Rio de Janeiro, estão no centro desse processo como cidades capitais
em quase cinco séculos de existência do Brasil.
22
Ver análise de CORRÊA (2000) sobre o assunto.
59
Segundo ele, a cidade da América Latina passou por três períodos: o primeiro
estende-se do século XVI até por volta de 1850 – genericamente período colonial. A
configuração da cidade apresentava a elite residindo no centro, e a segregação está
fundada e legitimada pela Lei das Índias, que mostra, entre outros aspectos, como deve
ser a organização sócio-espacial da cidade. O segundo período estende-se de mais ou
menos 1850 a 1930. Com a independência, o crescimento da produção visando à
exportação de produtos tropicais, afetou as principais cidades, tanto em termos sociais
como funcionais e espaciais.
Fernandes e Marco Aurélio Gomes (1993), além é claro, dos estudos clássicos de
Donald Pierson (década de 1930) e Thales de Azevedo, que estudou a dinâmica da
ascensão social dos negros (década 1950), já citados.
Finalmente, cabe ressaltar que, apesar do nosso estudo não ter o recorte de gênero,
consideramos esta abordagem fundamental, principalmente para compreender a
condição da mulher negra que ocupa a pior posição na estrutura social, sendo vítima da
opressão social nas três principais dimensões: gênero, raça e classe. Nesse sentido,
julgo fundamental a crítica de colegas feministas, como Ana Martinez (1995, p.14), de
que muitas das ciências humanas, como a geografia, têm considerado a sociedade como
um conjunto neutro, assexuado e homogêneo, sem entender as profundas diferenças
entre homens e mulheres na utilização do espaço. Na mesma perspectiva, Alejandra
Massolo afirma que homens e mulheres percebem e usam a cidade de maneira diferente,
mesmo quando pertencem à mesma classe social, raça ou etnia, zona habitacional ou
bairro (MASSOLO, 1992, p. 13-14).
Desse modo, o nosso estudo busca uma análise dialética entre as raças e as classes
sociais na apropriação do espaço urbano, suas posições e práticas desiguais,
reconhecendo a existência de um sistema social de classificação que tem como
gradiente de diferenciação da cor da pele um dos elementos centrais à produção das
desigualdades sócio-raciais-espaciais. Portanto, nosso esttudo, à luz da revisão
bibliográfica, analisa a interação das determinações, na composição do espaço
residencial nos aspectos econômico (divisão do trabalho, classes sociais; político:
representação das classes e raças; ideológico: (instituições e associações de produção e
reprodução do racismo e da pertença de classe, escola, meios de comunicação, Estado
etc), modificação dos fatores de ocupação do espaço, segundo o movimento da luta de
classes e movimento de corte racial no local de moradia.
64
maior no que diz respeito à renda real (HAVEY apud CORRÊA, 2000, p. 65).
A “civilização do ouro” descoberto pelos índios e extraído pelos negros sob o jugo
da escravidão, com técnicas rudimentares, fez a riqueza dos que mandavam, como
mostra Bastide (1959 p. 112-13):
Depois do ciclo econômico da cana-de-açúcar, o Brasil conheceu, no
decorrer do século XVIII, um outro ciclo, o do ouro; do mesmo modo que a
cana foi o fundamento de toda uma civilização, com os engenhos, conventos,
candomblés de negros, o ouro será a base de outra, diferente da primeira, mas
como aquela, também construída com os pés e as mãos dos africanos –
civilização localizada na província central montanhosa que tomaria mais tarde
o nome de província de Minas Gerais (BASTIDE, 1959 p. 112-13).
Esgotado o ciclo da mineração do ouro em Minas Gerais, outra riqueza surgia,
provocando a emergência de uma aristocracia e promovendo o progresso do Império e
da Primeira República. Originário da Etiópia, onde já era utilizado em tempos remotos,
o café atravessou o Mediterrâneo e chegou à Europa durante a segunda metade do
século XVII. Era a época do Barroco e das monarquias absolutas, e a expansão do
comércio internacional enriquecia a burguesia. No Brasil, a partir de meados do século
XIX, o café passou a patrocinar o progresso, e ao terminar o século XIX, o Brasil
controlava o mercado cafeeiro mundial. Para transportar a preciosa mercadoria, muitas
regiões foram atravessadas por vias férreas, que criavam cidades em seu percurso até os
portos do Rio de Janeiro e de Santos.
Nosso estudo não visa tratar da história destas cidades, todavia, contextualizá-las
no processos estudados historicamente é importante, porque a cidade é um “espaço-
tempo”24, ela condensa no espaço as marcas dos eventos históricos. De acordo com
Milton Santos e Maria Laura Silveira (2001, p. 31-32), “o desenvolvimento urbano
brasileiro era uma conseqüência imediata da combinação de dois fatores principais: a
localização do poder político-administrativo e a centralização correspondente dos
agentes e das atividades econômicas” e, tanto Salvador, como o Rio de Janeiro, são
exemplos desse processo.
23
Para uma visão profunda do assunto, ver Roger Bastide (1959).
24
Cf. Milton Santos, 1993.
69
Uma viveu seu apogeu como metrópole colonial, a “civilização do açúcar”, nas
atividades dos engenhos, dominada pela casa grande, domínio do senhor patriarcal, e
suas irradiações para outras regiões do Brasil; a outra viveu seu apogeu com a
“civilização do ouro”, mas principalmente a partir da “civilização do café”, ainda que
tenha perdido gradativamente importância para São Paulo, que tem nessa “civilização”,
o marco de seu desenvolvimento, como assinala Roger Bastide (1959 p. 112-13).
Assim, o ouro, primeiramente, e, em seguida a chegada da Família Real portuguesa e o
café desenvolveram o Rio de Janeiro, enquanto no Nordeste, o declínio da “civilização
do açúcar”, e em particular da outrora dinâmica Cidade da Bahia, provocaram uma
longa estagnação.
Nesse percurso histórico, cabe lembrar que apesar das cidades coloniais brasileiras
terem sido improvisadas, o caso de Salvador foi diferente, como aponta Edison Carneiro
(1980, p.149), em sua reconstituição histórica:
(...) em muitos aspectos, a fundação da ‘Cidade da Bahia’ em 1549, para sede
do governo geral, se assemelha à Brasília. O nome da povoação Cidade do
Salvador já estava escolhido muito antes da partida de Lisboa, da expedição.
O desastre do donatário Pereira derrotado pelos tupinambás desaconselhou
uma comissão demarcadora (CARNEIRO, 1980, p.149).
Milton Santos, por sua vez, analisa o processo de urbanização brasileiro, e ressalta
a importância de Salvador como cidade estratégica da colonização. Segundo ele,
Salvador comandou a primeira rede urbana das Américas, formada, junto com a capital
baiana, por Cachoeira, Santo Amaro e Nazaré, centros de culturas comerciais
promissoras no estuário dos rios do Recôncavo. “O Recôncavo da Bahia e a Zona da
Mata do Nordeste ensaiaram, antes do restante do território, um processo então notável
de urbanização” (SANTOS, 2005, p 19).
Desde o século XVI (1549), quando Salvador foi fundada pelos colonizadores, a
25
Ver http://pt.wikipedia.org/wiki/Santa_Cruz_bairro.
71
cidade passou por diversas fases. Sua primeira ocupação foi nas áreas dos atuais bairros
da Barra e da Graça, quando foi construída a primeira capela da Graça, provavelmente
em 1534 (CALMOM, apud VASCONCELOS, 2002, p.45), e “em 1536, com a chegada
do donatário Francisco Pereira Coutinho e dos primeiros colonos, iniciou-se a formação
da Vila Velha, na Barra, com a construção de casas para 100 moradores”. A vila, em
1545, contava com cerca de 400 homens livres e 500 escravos (VARNHAGEN, 1962 e
RUY 1949 apud VASCONCELOS, 2002 p.45), “mas foi atacada pelos índios, no ano
seguinte, que queimaram dois engenhos de açúcar, destruíram todas as roças e fazendas
e mataram muitos homens” (SOUZA, apud VASCONCELOS, 2002, p .45).
26
Ver também BOXER, Charles: A idade do Ouro do Brasil: dores do crescimento de uma sociedade
colonial, 3ª, Ed, 2000.
72
Como Salvador, o Rio de Janeiro é uma cidade antiga que se desenvolveu pouco
nos três primeiros séculos. Fundada em 1565, só começa a transformar-se radicalmente
a partir do século XIX, como ressalta Maurício de Abreu (1997, p.35), que realizou um
amplo estudo sobre a evolução do espaço urbano no tempo e no espaço: “Até então, o
Rio de Janeiro era uma cidade apertada, limitada pelos morros do Castelo, de São
Bento, de Santo Antonio e da Conceição (...). Além dos morros havia apenas alguns
tentáculos, que se dirigiam aos ‘sertões’ do sul, do oeste e do norte”. Era uma cidade
que tinha a maioria da população escrava, poucos trabalhadores livres, uma elite
dirigente reduzidíssima, que convivia em espaços relativamente próximos,
principalmente pela inexistência de transporte coletivo, afirma o autor.
Na formação das duas cidades, a resistência dos índios à colonização foi muito
expressiva e pouco divulgada. Em Salvador, as primeiras tentativas de ocupação, como
aponta Edison Carneiro (1980, p.49), tiveram a resistência dos índios, que conseguiram
frustrar o empreendimento do donatário Pereira Coutinho, sendo, contudo, derrotados
pela tomada organizada da Coroa. Os tupinambás foram castigados pela guerra que
fizeram e expulsos da atual área urbana e aldeados. Segundo Vasconcelos, “os do
entorno de Salvador resistiram e sofreram guerras, primeiro em 1553, quando perderam
seus territórios até São Tomé de Paripe, ao norte (TAVARES, apud VASCONCELOS,
2002 p. 43). Em outras áreas a situação se repetiu, como”em 1555, mais de 1.000 índios
atacaram Pirajá, Bonfim, Rio Vermelho e Itapuã. A reação foi violenta por parte dos
74
27
O Quilombo de Palmares, onde nasceu o líder Zumbi, começou a ser formado no final de 1590 e
resistiu aos ataques dos holandeses, luso-brasileiros e bandeirantes paulistas até 1694, quando foi
destruído pelo bandeirante Domingos Jorge Velho. A data de Zumbi, 20 de novembro, transformou-se no
Dia da Consciência Negra “A singularidade de Palmares, entre os muitos quilombos do Brasil, está em ter
vivido 65 anos (1630-1695), não obstante as dezenas de expedições que os brancos, a partir de 1644,
enviaram para reduzi-lo” (CARNEIRO, 1980, p. 194 ).
75
GOMES, 1996, p. 11), “os quilombos têm sido revisitados, e a historiografia brasileira
mais recente reconhece que a ocupação e a formação do território brasileiro não foi tão
pacífica como se interpretava anteriormente”. O reexame de muitas destas lutas mostra
tanto a aliança entre rebeldes urbanos e rurais como entre índios e quilombolas. A
conspiração baiana de maio de 1814 está entre elas, estudada por Stuart Schwartz28
(1996).
De acordo com Edison Carneiro (19..p.193), são três as principais formas de luta
dos escravos na América Portuguesa: a) a revolta organizada pela tomada do poder, que
encontrou sua expressão nos levantes dos negros malês (mulçumanos), na Bahia, entre
1807 e 1835; b) a insurreição armada, especialmente no caso de Manuel Balaio (1839),
no Maranhão; c) a fuga para o mato, de que resultaram os quilombos tão bem
exemplificados no de Palmares.
Concordando que estas foram as três formas fundamentais, Clóvis Moura (1988,
p.104-5) ainda acrescenta: 1) as guerrilhas, extremamente móveis, pouco numerosas e
representavam sentinelas avançadas dos quilombos; 2) a participação em outros
movimentos, “que embora não sendo seus, adquirirão novo conteúdo com sua atuação”.
Com a tipologia dos quilombos brasileiros Décio Freitas (1982), contribui para a
compreensão, não apenas dos que ocorreram no mundo rural, mas também no meio
urbano: quilombos agrícolas; quilombos mineradores; quilombos extrativistas;
quilombos pastoris; quilombos mercantis; quilombos predatórios e quilombos de
serviços.
O fenômeno se manifestou em todo território nacional, e para o autor, os
quilombos de serviços se formaram na periferia dos maiores centros urbanos
coloniais e pós-coloniais, e foram numerosos e populosos no Rio de Janeiro e
em Salvador. A estratégia dos quilombolas era fazerem-se passar por libertos,
para venderem seus serviços nos centros urbanos e chegaram a representar
importante força de trabalho no Rio de Janeiro e em Salvador
(FREITAS,1982, p. 38 - 41).
Em Salvador, como no Rio de Janeiro, muitos bairros surgiram das derrotas
impostas aos índios, assim como de quilombos suburbanos ou periurbanos do período
escravista. De acordo com Vivaldo Coaracy (in Carneiro, p.195-196), desde o século
XVII, quando a escravidão de negros africanos já era numerosa, os que não queriam se
sujeitar ao cativeiro fugiam dos engenhos para regressar à vida semi-selvagem nas
matas formando quilombos. “Os quilombolas no Rio de Janeiro abandonavam as
28
In: GOMES, F e J.J, REIS (1996).
76
29
A autora alerta que, infelizmente, o que se sabe sobre os quilombos vem, em sua maior parte, dos
registros esquemáticos dos que tentavam eliminá-los e também da impossibilidade de precisar o número
de quilombos e quilombolas.
77
para ter liberdade. Nos seus achados verifica que as maiores concentrações de negros
fugidos da cidade e subúrbios ficavam nas áreas dos atuais bairros da Lagoa Rodrigo de
Freitas, Inhaúma, Irajá, Engenho Velho, Ilha do Governador, Campo Grande, Guaratiba,
Botafogo, Corte, Praia Pequena, Cosme Velho, Mata Porcos (Estácio) e São Cristóvão.
30
SCWARTTZ, 1996, p. 373-375; Clóvis Moura (1998, p. 04) e Azevedo (1969, p. 142)
78
quilombos estavam próximos da cidade e mantiveram até hoje os mesmos nomes dos
bairros: ‘Buraco do Tatu’ (1744/1765), considerado um dos mais importantes do
território baiano. Os “quilombos” de Nossa Senhora dos Mares e do Cabula, Matatu,
Itapuã, também localizados nos arredores da Cidade do Salvador. No “quilombo” do
Urubu, segundo dizem os documentos da época, formado no ano de 1826, nas matas do
Sítio Cajazeira, vizinhança da Cidade do Salvador, os quilombolas premeditavam fazer
uma revolução na Cidade com a presença de algumas mulheres, quando a polícia lhes
deu combate (PEDREIRA, 1973, p. 125-139). Atualmente, Cabula e Cajazeiras são
conjuntos habitacionais de classe média e média baixa, construídos pela URBIS –
Habitação e Urbanização da Bahia S.A e financiados pelo Sistema Financeiro de
Habitação (SFH). Além destes, outros quilombos foram recentemente mapeados: Alto
da Sereia, Calabar, Candeal e Curuzu (ANJOS, 2000, p.45).
Nos séculos XVIII e XIX (1798 e 1807-1835), portanto, Salvador foi uma cidade
palco de lutas escravas, de rebeliões. A Revolta dos Alfaiates, a Revolta dos Búzios ou
Inconfidência Baiana, uma das mais amplas, do ponto de vista político, econômico e
social ocorridas no Brasil-Colônia, foram alguns desses movimentos.31 Organizados por
escravos e seus descendentes, pretos e pardos, soldados, pequenos comerciantes,
artesãos – com um grande número de alfaiates − que aderiram ao Partido da Liberdade,
de influência da França Revolucionária, discutiam os caminhos para o Brasil livre da
tutela portuguesa, tornando-se uma república democrática, na qual a cor da pele não
fosse razão para discriminação. Uma terrível repressão tomou conta da Cidade do
Salvador, na manhã de 12 de agosto de 1798. A repressão ao movimento foi das mais
violentas, com a execução de quatro revolucionários baianos, enforcados na Praça da
Piedade32.
A Revolta dos Malês, no século XIX, foi a mais ampla de uma série de rebeliões
de escravos que vinham ocorrendo na Bahia, desde 1807, e que constituem, talvez, as
únicas insurreições urbanas de escravos nas Américas, diz João que estudou estas
31
Até o final do século XVIII, nenhum movimento político no Brasil possuíra um programa tão amplo,
com penetração tão profunda nas classes e camadas sociais, quanto este - Stván Jancsó (1975) e Tavares
(2001).
32
Todos os enforcados eram pardos, jovens, sendo dois soldados e dois alfaiates. Muitos foram
degredados para a África e Fernando de Noronha. Outros revolucionários tiveram penas de prisão e entre
eles, cinco mulheres: Luiza Francisca de Araújo, parda, 30 anos, mulher de João de Deus; Lucréia Maria
Gercent, crioula, forra; Domingas Maria do Nascimento, parda, forra; Ana Romana Lopes, parda, forra;
Vicência, crioula, forra. Houve 45 pessoas presas entre homens e mulheres, só nos três primeiros meses
de repressão policial. Ver sobre isso Luis Henrique Dias Tavares (2001).
79
33
Ver em Antroplogia do Negro Brasileiro, organizado por Edison Carneiro [s. l], [19---].
34
Sobre as terras devolutas e o latifúndio e os efeitos da Lei de Terras, de 1850, ver Lígia Osório Silva,
1996. Especificamente sobre a cidade do Rio de Janeiro, ver Fania Fridman, 1999.
80
brancos era ainda mais baixa, apenas 24,03%, devido às grandes quantidades de
escravos de cor existentes no Recôncavo e noutras áreas da província”.
Para Mattoso (1992, p.125), apesar de não haver dados precisos sobre a imigração
européia para a Bahia, na primeira metade do século XIX, pode-se concluir que ela foi
muito fraca em relação à importação de negros. Na segunda metade desse século,
ainda, segundo ela, existe uma série de cem teses de registros de estrangeiros que
entraram e saíram da Bahia entre 1855 e 1864, mas há dificuldades metodológicas para
saber, exatamente, quantos europeus chegaram e se estabeleceram na cidade. Na sua
opinião, na Bahia, o ‘branco fino’ – ou seja, o português branco – tornou-se cada vez
mais uma lembrança histórica; no imaginário, o modelo permaneceu europeu, mas a
realidade ficou marcada por uma miscigenação ainda mais forte do que a sugerida pelas
estatísticas. Esta visão, de alguma forma, é compartilhada por Thales de Azevedo (1969
p.235), quando afirma:
Quem visitava a Bahia desprevenido dos hábitos dos brancos, via tantos
pretos nas ruas que acreditaria estar numa ‘nova Guiné’, numa cidade de
negros, gente aliás de aparência melhor que a doutras províncias, muito
embora se vissem numerosos doentes de moléstias de pele, especialmente da
elefantíase dos membros inferiores (AZEVEDO, 1969, p. 235).
O Rio de Janeiro, por sua vez, como capital desde o século XVIII, foi onde se
concentrou a maior população escrava urbana das Américas, na primeira metade do
século XIX (KARASCH, 2000, p. 28). Para a autora, na verdade, no século XIX, mais
africanos foram importados para o Rio de Janeiro do que para Salvador – quase um
milhão de africanos passaram pelo porto do Rio de Janeiro: “Embora a maioria não
83
tenha permanecido na cidade, o número que ficou foi suficiente para influenciar as
origens nacionais dos escravos cariocas, e, portanto, sua cultura”. Ela mostra que na
metade do século XIX (1808 – 1850), a escravidão no Rio de Janeiro estava no seu
auge, e em termos numéricos, teve em 1849, quase 80 mil escravos vivendo e
trabalhando na cidade. Além disso, afirma: “Nenhuma cidade das Américas nem sequer
se aproxima da população escrava do Rio de Janeiro nesse mesmo ano. Nova Orleans,
por exemplo, tinha apenas 14.484 escravos em 1860”.
35
REIS, João José. Presença Negra: conflitos e encontros. In Brasil: 500 anos de povoamento (2000, p 9).
84
população negra, e é vista pelos brasileiros como território dos negros, apesar de ter
mais negros vivendo em São Paulo do que na Bahia.
como ampla maioria absoluta e relativa (76,5%) da população. O Rio de Janeiro, cujo
processo de branqueamento foi mais expressivo entre 1872 e 1950, quando os brancos
passaram de 55,21% para 69,86%, a dos pretos no mesmo período, diminuiu de 24,13%
para 12,30% e a dos pardos de 20,66% para 17,50% (PINTO, 1998, p.71-73), mas
sofrendo uma redução dos brancos, que atualmente são 58,9% (2000) contra os quase
70% em período de 1872.
No que diz respeito à origem dos habitantes destas cidades, por município,
verifica-se que atualmente, tanto em Salvador como no Rio de Janeiro, os nascidos no
próprio município formam um conjunto expressivo de 69,3% e 70,9%, respectivamente.
Os migrantes repesentam, portanto, 30% dessas metrópoles. A desagregação por cor ou
raça (Tabela 2), permite observar que os negros são majoriamente naturais em ambas as
cidades (71,9% e 72,9%).
Tabela 2 - Município de Origem por Cor ou Raça – Salvador e Rio de Janeiro - 2000
pagar aluguéis.
Sem terra, sem casa, sem trabalho, os ex-escravos urbanos ficaram sem
possibilidade de participar do mercado de moradias, só restando ocupar morros,
baixadas, alagados. Os que antes viviam nos porões dos sobrados foram para os
quilombos existentes ou formaram novos bairros ou favelas. No caso de muitas ex-
escravas, dedicadas ao trabalho doméstico, a alternativa foi continuar nesta função, até
hoje não regulada por padrões de trabalho assalariado: trabalha-se freqüentemente por
casa e comida. Note-se que desde a Colônia, as mulheres trabalham em atividades
produtivas, mas foram consideradas por muito tempo como economicamente inativas,
embora já fossem, na incipiente industrialização do século XIX, parte importante da
força de trabalho, na indústria têxtil, principalmente36. Seria interessante a linha de
pesquisa conhecer a trajetória individual, coletiva e familiar daqueles que, livres e
abandonados à própria sorte, sobreviveram na cidade republicana, com um recorte racial
a partir dos seus descendentes.
36
Ver Mário, A. da Silva Santos (1993.) sobre as novas e velhas ocupações na Salvador republicana
(1890 a 1930), e Cecília Soares (1994), sobre a mulher negra na Bahia do século XIX - Mestrado em
História/UFBA (1994).
87
centros, como de outras áreas nas cidades brasileiras, como atesta o crescente processo
de formação de favelas-invasões em todo território nacional.
Como nas cidades européias estudadas por Engels (1979, p. 21), os bairros
insalubres, tanto em Salvador como no Rio de Janeiro, produziram epidemias de todo
tipo: cólera, varíola, febre amarela, febre tifóide, com grande letalidade. Em Salvador,
por exemplo, “algumas epidemias foram recorrentes e dizimaram muitas pessoas desde
1850” (FERNANDES e GOMES, 1993, p.59).
mudar este quadro datam do final do século XIX, mas só concretizadas na primeira
década do século XX, iniciadas durante a administração Pereira Passos, indicado
prefeito pelo presidente Rodrigues Alves.
promoveu a remoção dos cortiços. Mas não foi apenas preocupada com a higiene e a
saúde da populção que se concretizou esta reforma. Como outras, foi feita também para
abrir espaço à reprodução do capital imobiliário, num momento de crescimento
econômico do país, onde o capital exigia padrões urbanos condizentes com as
pretensões de suas elites de figurarem entre as nações civilizadas e modernas.
Para o autor, o apoio do Estado foi fundamental nesse processo, que viabilizou o
deslocamento das indústrias da área central da cidade para os subúrbios,
complementados por dois outros processos, igualmente importantes: 1) a saída dos
90
Como resultado das migrações para as cidade, a década de 1940 teve a de maior
proliferação de favelas na cidade, embora existam divergências quanto aos números, o
censo de 1940 revelou um total de 138.837 habitantes nas 105 favelas existentes,
concentradas, notadamente, na área suburbana (44% das favelas e 43% dos favelados),
seguindo-se a zona sul (24% e 21%, respectivamente, e a zona Centro-Tijuca, 22% e
30%). “A zona Bangu-Anchieta, a mais distante dos principais locais de emprego, tinha
participação bem menos significativa: 11 favelas (10% ) e 6% de favelados” (ABREU,
1997, p. 106).
De acordo com Ribeiro (1997, p. 281): “Ao final dos anos 50, afirma-se
definitivamente no imaginário carioca a diferenciação social que separa ‘zona sul’ e
‘zona norte’ como dois mundos caracterizados por modos de vida diferentes, que
sustentará outros booms imobiliários na década de 70”. De fato, Gilberto Freyre assinala
em Sobrados e Mocambos (1936), que os bairros nobres na expansão das antigas
capitais tendem a se concentrar na orla marítima, produzindo os efeitos analisados por
Ribeiro.
Brasília, que entre seus objetivos tinha tanto o de marcar o futuro dinâmico desejado
pelo governo, como o de distanciar-se das pressões das massas urbanas, teve
conseqüências importantes para o Rio de Janeiro, entre elas, é claro, a perda de
hegemonia política que ostentou por tanto tempo e, progressivamente também, a
econômica que foi perdendo para São Paulo desde a expansão do café. Especificamente,
no periodo desenvolvimentista de Juscelino Kubitschek, o crescimento industrial
favoreceu bem mais São Paulo, que suplantou o Rio de Janeiro como principal pólo
industrial do país, passando este à segunda posição, na qual permanece até hoje.
Mas, apesar da transferência da capital do país para Brasília, nos anos 1960, as
administrações de Carlos Lacerda (1960-1965) e Negrão de Lima (1965-1971) foram
marcadas por um grande número de obras: construção dos Túneis Rebouças e Santa
Bárbara, que aproximaram as Zonas Norte e Sul, provocando mudanças importantes na
geografia da cidade, e o Parque do Flamengo, que se consolidou como uma das maiores
áreas de lazer da cidade. Estas obras com pesados investimentos públicos, marcaram a
opção pelo transporte automobilístico individual. Além disso, nestas administrações
foram construídos: a adutora do Guandu, ampliadas as redes de água e esgoto e
concluídos os viadutos dos Marinheiros e dos Fuzileiros, na Praça da Bandeira, e Saint-
Hilaire, na Lagoa; as pistas laterais da Avenida Brasil forma complementadas; foi
encomendado à firma grega Doxiadis and Associattes, o projeto das linhas
prolicromáticas, que inclui as Linhas Vermelha e Amarela, construídas em governos
posteriores.
transformar a cidade para suas elites. Realizou um conjunto de obras viárias, como o
alargamento das pistas da Avenida Atlântica, da Praia de Copacabana e um interceptor
oceânico de esgoto no bairro, projetados durante o governo Lacerda, e concluiu as obras
do Túnel Rebouças. A expansão da Zona Sul em direção ao Recreio dos Bandeirantes
foi concretizada com a construção da auto-estrada Lagoa-Barra, perfurando os túneis do
Joá, de São Conrado e Dois Irmãos (atual Zuzu Angel) e erguendo o Elevado do Joá.
Como em outras administrações, erradicou várias favelas, como as da Catacumba, na
Lagoa, Macedo Sobrinho, no Humaitá, e a da Praia do Pinto, no Leblon. Construiu
ainda o campus da Universidade da Guanabara (atual UERJ – Universidade do Estado
do Rio de Janeiro), no Maracanã, de onde também foi removida a favela do Esqueleto,
ali existente. Tais medidas, favorecereram a construção imobiliária e, as classes
dominantes. Para Abreu, “todo esse processo se fez numa associação Estado-capital
imobiliário privado, reeditando, assim, um comportamento antigo das classes
dominantes” (ABREU, 1997, p.135).
No segundo momento, entre 1850 e 1890, novos elementos vão somar-se àqueles
já esboçados no início do século. Período marcado por instabilidades na economia
(1842-1860), que alterna ciclos de crescimento e de grande depressão (1860-1887), mas
caracteriza-se pela multiplicidade das trocas com novos produtos na pauta de
importações e exportações da Bahia, com uma intricada rede de financiamento
internacional e com o desenvolvimento de um setor industrial urbano, que, apesar das
oscilações, contribui para aumentar as rendas públicas e a própria acumulação privada.
tem sido a forma que a população pobre vem encontrando para resolver os seus
problemas de moradia, cujo marco ocorreu com a invasão do Corta Braço, na década de
1940 (atualmente integra a grande área do bairro da Liberdade), quando a cidade tinha
290.443 habitantes. Mas, até quase o fim da década de 1950, Salvador quase não teve
alteração na sua infra-estrutura, e seu regime fundiário, baseado na enfiteuse, se
manteve até quase o fim da década de 1960. A partir desse período, o crescimento
econômico da Bahia, principalmente durante o Regime Militar, alterou vários aspectos
da vida da Bahia e de Salvador, que iniciou a década de 1960 com uma população de
pouco mais de 400 mil habitantes. Nos últimos 50 anos, contudo, teve grande
crescimento populacional, elevando-se nos últimos anos a terceira metrópole brasileira
com mais de 2,6 milhões em 2005. De um lado, no período de 1964-1980, são
construídos 37 conjuntos habitacionais, relativamente populares, pela URBIS,
favorecendo a expansão urbana do mercado formal (MENDONÇA, 1989, p. 61); e do
outro, os trabalhadores de renda mais baixa e da informalidade, não tendo alternativa,
intensificam a luta pela terra e pela sobrevivência e reprodução de sua própria força de
trabalho, que na década de 1980 supera todos os demais períodos, como mostram estes
números.
Entre 1950 e 1968, ocorreram 79 invasões (18,4%); de 1969 a 1979, 109 (25,4%);
e no período de 1980 a 1989 chegaram a 250 - 56,1% do total (Movimento a Cidade é
Nossa, 1991:10). De acordo com SOUZA (2000, p.54), de 1981 a 1991, a área ocupada
por invasão representou quase 40% (575,95ha) do total de ocupação até então registrada
para esse tipo de moradia, desde a primeira ocorrência, em 1946, que corresponde a
1.473,06 ha. Como no Rio de Janeiro, a remoção de invasões foi também uma estratégia
das elites para liberar terrenos valorizados, mas em geral a população resistiu e
consolidou seus territórios, duramente conquistados. No período de seu maior
crescimento, que coincide com o avanço das lutas democráticas, houve uma efetiva
participação das associações de moradores e de sua Federação das Associações de
Bairros de Salvador (FABS)38, fundada em 1979, além de outros movimentos nesse
processo, que ampliavam a noção do direito à cidade, como ocorreu em todo Brasil,
com o crescimento dos movimentos sociais urbanos.
38
Ver GARCIA. Movimentos Sociais da Cidade d’Oxum. In: Paulo Costa Lima {et al}.Quem Faz
Salvador? UFBA, Salvador, 2002.
95
1985), que em geral priorizaram o crescimento econômico da cidade, com grandes obras
de embelezamento e favorecimento do capital em todas as suas formas (industrial,
financeiro, comercial e imobiliário), principalmente o último. As reformas urbanas
impostas pelas elites locais produziram, recorrentemente, efeitos perversos para a parte
mais pobre. Como prefeito indicado pelos militares, Antonio Carlos Magalhães
promoveu uma reforma urbana que visou a privatização das terras públicas, onde
“vastas extensões de terras de propriedade da Prefeitura são passadas para o domínio
privado. Já nos anos 1970, então sob a administração estadual deste mesmo ex-prefeito,
agora governador nomeado, constrói-se a Avenida Paralela e, às margens, o Centro
Administrativo da Bahia” (PINHO,1993, p.78).
Paulo Fábio Dantas Neto (1993, p.122), faz uma análise da instabilidade dos
processos político-administrativos da cidade e aponta o que representou a gestão
municipal de 1947-1988. Seu estudo mostra que, no período, do total de 17 prefeitos, 12
39
Ver Tribunal Superior Eleitoral (TSE), eleições 2006.
96
40
Em Salvador, a população utiliza este termo para caracterizar sua forma de se apropriar do espaço
inicialmente chamado de invasão e, posteriormente, bairro popular, e nesse sentido vamos utilizá-lo.
97
No que se refere aos estudos sobre este fenômeno, em geral a definição de favela
ou invasão é referida apenas quanto à ilegalidade da ocupação do solo, como um
componente sempre presente, revelando visão etnocêntrica e a-histórica. Luciana Lago
(2003, p. 2) tem uma visão muito interessante sobre a questão, quando propõe uma re-
conceitualização dos termos da ilegalidade e segregação, para a superação das diversas
dicotomias (formal-informal, integrado-excluído, favela-bairro, centro-periferia – que
têm em comum a ilegalidade da ocupação do terreno da moradia), nas análises
acadêmicas e aponta duas limitações principais neste debate: 1) reducionismo do
próprio universo em questão, tendo em vista a relação, quase inexorável, da ilegalidade
com a pobreza urbana; a ilegalidade das ocupações de terrenos de moradia pelas
camadas médias e altas não tem sido problematizada pelas forças progressistas que,
desde a Constituinte, vêm atuando no campo das políticas públicas42; 2) o próprio
41
Aglomerados subnormais é a definição do IBGE para favelas com pelo menos 50 habitantes.
42
Uma simples visita a áreas de antigas remoções de favelas no Rio de Janeiro pode revelar que prédios
de apartamentos, ou casas luxuosas se instalaram em áreas que haviam sido consideradas essenciais para
preservação das encostas. As áreas em torno da Lagoa Rodrigo de Freitas são exemplos nítidos tanto
99
processo de limpeza étnica (94% de brancos) como de ilegalidades na ocupação praticadas pelas elites e
não questionadas. As novas escrituras teriam sido legalizadas? Por que meios jurídicos?
100
creche e cursos. Além disso, o conjunto tem hoje pelo menos 300 moradores de nível
superior, entre médicos, advogados, professores e psicólogos:
Segundo ele (o padre), toda vez que acontece um crime no bairro a polícia e a
imprensa voltam logo suas atenções para a Cruzada. No outro dia disseram
que o assaltante responsável pela morte de uma ciclista era da Cruzada. Fui
verificar na delegacia e não era. É claro que enfrentamos os mesmos
problemas de outros locais, como desemprego e drogas — conta o padre.
Primeira suspeita da polícia em todos os crimes que ocorrem no bairro, a
Cruzada responde por 20% dos casos, segundo levantamento do comissário
Orlando Arruda, da 14 DP (Leblon). A delegacia tem um álbum de
fotografias intitulado “Cruzada”, com 91 imagens de moradores com ficha
policial no bairro, alguns deles condenados e presos. Na maior parte dos
casos, são ladrões de bicicleta, assaltantes de transeuntes e residências. Mas
também há traficantes (O Globo, 13/02/05).
Como se vê, muitas vezes os estigmas sociais favorecem justificativas e
simplificações dos complexos problemas sociais. No Rio de Janeiro, ainda que
persistam algumas favelas na Zona Sul, elas são alvo de todo tipo de estigma, como se
pode acompanhar pela mídia, por exemplo, como justificativa da violência promovida
contra o narcotráfico e incursões da polícia, que produzem cenas de guerra civil.
A variável raça não é socialmente neutra e sem conseqüências, diz Hasenbalg, que
recomenda “interromper a longa tradição de pesquisa (...) em favelas ou em Salvador
sem levar em conta este critério de diferenciação social” (HASENGALG, 1992, p. 15).
Para ele, tais pesquisas deveriam transformar-se em curiosidade do passado.
Acrescentaria que não apenas nas favelas, mas nas cidades, de um modo geral, deve-se
colocar a variável raça como central nos estudos sociológicos, já que as desigualdades
raciais se inscrevem no espaço urbano de forma mais ampla. Deve-se atentar ainda, para
a visão e prática dos subalternos, dos que percebem a cidade de um outro ponto de vista,
possuindo representações bem diferentes das classes e grupos raciais que ocupam as
posições dominantes do espaço social.
101
A antiga invasão do Pela Porco é um exemplo disso. Mesmo sendo uma das mais
pobres, sem infra-estrutura, à medida que se organizaram politicamente, os moradores
trataram de trocar seu nome para Alto da Esperança. A ação coletiva dos moradores tem
efeitos também sobre a valorização simbólica dos espaços de moradia. A melhoria das
condições de vida implica ainda se livrar de todos os estigmas, num processo longo e
sofrido.
43
Depoimento de uma militante da Federação de Bairros de Salvador (FABS).
102
Favelas do Rio de Janeiro e criadas no bojo das lutas dos anos 1960 e 1970 e mais
recentemente, a Central Única de Favelas (CUFA). Esta última entidade, ao contrário do
que em geral ocorre com os movimentos sociais urbanos, inclusive de moradores, trata
explicitamente da questão racial, buscando a constituição de identidades negras,
tematizando a existência de territórios étnicos, provavelmente resultado da maior
problematização e publicização das questões raciais na sociedade brasileira.
religiões feitas por nós, a partir dos dados do IBGE/ISER - Instituto Superior das
Religiões. Assim, agrupamos todas as religiões: católicas em todas as suas variações
(7), evangélicas (31), espiritualistas (2). Em outras, estão: budismo, judaismo,
hinduísmo; novas religiões orientais (6);outras orientais (5); islamismo (2); tradições
esotéricas; tradições indígenas (6); e cristã sem vínculo. Para as religiões de origem
africana utilizaremos o conceito de afrodescendente, “que engloba todas as
manifestações de religiosidade com presença de elementos culturais identificados com a
experiência africana: umbanda, quimbanda, candomblé de caboclo, assim como as
manifestações religiosas das chamadas ‘nações’ africanas: nagô, jejê e bantu”
(XAVIER, 2005, p.112).
Salvador já foi considerada a cidade das 365 igrejas, símbolo do poder católico,
bem representado pela suntuosidade dos templos, que contrastam com a simplicidade
dos Candomblés ou Terreiros de Umbanda, mesmo os mais famosos. Pensando na força
simbólica que as religiões afrobrasileiras têm na cultura popular, impressiona a baixa
representatividade estatística da adesão explicitada pelos baianos e cariocas em relação
a estes cultos, como mostra a Tabela 4. Nos bairros populares, a difusão de terreiros é
bem representativa dessa força subterrânea, que alimenta por séculos uma das religiões
de matriz africana, perseguida formalmente até a década de 1970, como era em
Salvador, onde os Candomblés tinham que pedir autorização da polícia para realizar seu
culto aos orixás.
45
Na histórica cidade de Cachoeira, no Recôncavo baiano, continua preservada a Irmandade Nossa
Senhora da Boa Morte.
105
significativos:19,3% e 16,3%.
Louvado’ pela assistência contrita46. Esta é uma prática que não se alterou. Ao
participar do Congresso Mundial Contra o Racismo, realizado em Salvador, em 1999,
assisti, no seu encerramento, as mães-de-santo da Irmandade Nossa Senhora da Boa
Morte rezarem a Ave-Maria e o Padre-Nosso.
48
Rio de Janeiro em Prosa & Verso, comemora o IV Centenário da Cidade (1565-1965).
109
Pela mesma razão anterior, nos bens de consumo coletivo, optamos pelos três que
melhor revelam as desigualdades raciais na sua distribuição espacial: rede de esgoto,
coleta de lixo e calçamento total de ruas. Bens muito importantes, como água e energia
elétrica não serão objetos de nossa análise, embora seja evidente que estes serviços não
funcionam com a mesma regularidade e qualidade em bairros ricos e pobres. Tal opção
se explica no fato de que estes serviços serem quase universalizados e a análise destes
aspectos exigirem outro nível de dados e análises. Apesar disso, podemos destacar que o
fornecimento de água, por exemplo, figura entre as maiores reclamações da população
pobre (situação bem conhecida do movimento de bairro); a falta d’água é um dos
maiores problemas por ela enfrentados: a distribuição não é diária e parte dos domicílios
110
não tem reservatórios e, quando tem, eles são insuficientes para reservar a água que
sempre falta nos bairros populares, mesmo quando vizinhos dos reservatórios das
companhias de água. Enquanto na Zona Sul do Rio de Janeiro, por exemplo, se
“varrem” calçadas com água, em outras áreas falta água para o consumo essencial.
Nesta fase do estudo vamos analisar a atual composição racial da velha Salvador
de 457 anos, a terceira mais populosa capital, com 2.399.397 de habitantes, dos quais
76,5% são negros (Tabela 1). Essa metrópole tem uma distribuição da população por
cor ou raça, de acordo com o Mapa 1, que indica a existência de algumas ilhas, onde
moram os 23,5% de brancos, que se concentram, principalmente, nos bairros da elite
tradicional de classes alta e média alta, como pode ser observado pelas AEDs: Graça
(71,9%); Barrra e Barra Avenida (71,7%); Campo Grande, Canela e Corredor da Vitória
(68,5%); Pituba e Parque Nossa Senhora da Luz (67,0%); Chame-Chame, Canela,
Morro do Gato e Morro do Ipiranga (61,9%); e áreas mais modernas, como: Itaigara,
Caminho das Árvores e Iguatemi (69,4%); Stela Maris e Aeroporto (58,1%); Imbuí
(52,8%) e Armação, Costa Azul e Conjunto dos Bancários (52,5%), que correspondem a
apenas nove das oitenta e oito AEDs com maioria branca. Os bairros em que
predominam os brancos são fortemente concentrados no espaço, permitindo que se
confronte a sua maior dotação de serviços com a do resto do espaço urbano.
Observa-se que muito próximo a esta área existe a AED Santa Cruz, composta pelos
bairros da Chapada do Rio Vermelho e Vale das Pedrinhas, bairros populares, cuja
população negra chega a 87,6%, portanto, uma minoria branca pouco expressiva
compõe esta área.
De fato, como lembra Ermínia Maricato (1996, p.92), “na história da política
habitacional, a má localização dos conjuntos habitacionais tem sido regra esmagadora e
não exceção: (...) o ambiente construído não pode ser dissociado da sociedade desigual e
discriminatória. Discriminação social e segregação ambiental andam juntas”.
49
Excluída a Ilha de Maré, que também pertence ao município de Salvador e foi retirada por razão de
problemas cartográficos.
50
Ironia dos movimentos de moradores do Subúrbio Ferroviário, contrapondo a riqueza da Orla Marítima
à miséria da outra orla, que sobrevive pela mariscagem, denunciando o abandono da região (FABS,
1994). A grande multidão, que aflui para o bairro de Plataforma, constitui uma ponte humana entre este
bairro e o da Ribeira, localizado do outro lado da Baía de Todos os Santos e... todos os Orixás!
51
Estudo organizado por Guaraci Adeodato de Souza e Vilmar Faria (1980), que analisa a pobreza da
cidade.
113
longo do século XX, à classe trabalhadora restou buscar seus empregos no Centro
Industrial de Aratu (CIA), instalado nas suas proximidades, na década de 1960, cujo
acesso foi facilitado pela construção da Avenida Afrânio Peixoto, conhecida por
Avenida Suburbana, na década de 1970, que tem seu traçado paralelo à ferrovia e à Baía
de Todos os Santos. É uma área de grande patrimônio histórico e natural, onde se
destacam o Parque São Bartolomeu, situado na área onde ocorreram importantes
acontecimentos para a história da Bahia e do Brasil. No século XVII, foi cenário das
lutas de resistência à invasão holandesa, enquanto, no século XIX, aí se travaram as
lutas que levaram à consolidação da Independência do Brasil. O outro é a ilha de Aratu,
onde ainda se encontra a maior quantidade de área verde. Além disso, nesta área
existiram e resistiram aldeias indígenas, senzalas, engenhos e quilombos. O parque São
Bartolomeu é também um santuário dos cultos afro-baianos.
Vale lembrar que, embora a Independência tenha sido em grande parte resultado
da recomposição das monarquias européias após o Congresso de Viena, da crise do
regime escravista e de um novo pacto das classes dominantes, sendo que na Bahia
houve uma luta sangrenta para expulsar os portugueses que representavam os interesses
da Coroa. Assim, a Independência do Brasil, na verdade, foi consolidada na Bahia,
destacando-se a Batalha de Pirajá, ocorrida em 8 de novembro de 1822, como um dos
conflitos mais importantes da guerra de independência contra os portugueses.
52
Baía Azul – nome de um programa governamental de despoluição da Baía de Todos os Santos
116
O (Mapa 1), mostra que, de um lado, Salvador tem sua composição racial bastante
homogênea, em bairros de baixo status, na quase totalidade das AEDs onde mora a
população negra, com uma disparidade social e racial entre bairros de alto e médio
status. De outro lado, os brancos, que constituem apenas 23,5% da população, se
concentram majoritariamente em poucas AEDs, da Orla Oceânica ao Sul e ao Norte e
nas AEDs do Iguatemi, onde se localizam centros comerciais modernos, implantados a
partir dos anos 1970. Em suma, geograficamente, os negros concentram-se
principalmente em bairros de baixo status, com alguma representatividade em bairros de
status médio.
Por outro lado, o Rio de Janeiro, cidade também antiga (441 anos), com uma
população total de 5.786.921 habitantes, apenas 41,0% de negros, tem em termos
absolutos mais negros que Salvador, (2.379.584, Tabela 3). Estes se distribuem de
forma bastante desigual no território (Mapa 2), com alta densidade de brancos na Zona
Sul, composta pelas AEDs Glória (80,0%); Flamengo (90,0%); Botafogo-Praia (84,0%);
Botafogo-Soro-Humaitá (75,0%); Botafogo-Soro-Metrô (89,0%); Botafogo-Fundos-
Urca (84,0%); Humaitá (94,0%); Copacabana-Eixo1 (88,0%); Copacabana-Eixo2
(93,0%); Copacabana-Fundos (83,0%); Copacabana-P2 (84,0%); Copacabana-P6
(88%); Ipanema-Eixo (80,0%); Ipanema-Orlas (93,0%); Leblon (89,0%); Leme
(76,0%); Lagoa (94,0%); Jardim Botânico (83,0%); Laranjeiras (89,0%); Gávea
(91,0%) e São Conrado/Vidigal com 68,0% (este menor percentual deve-se certamente
à presença da favela do Vidigal). Algumas áreas da zonas Oeste e Norte, principalmente
117
nas AEDs da Barra da Tijuca com 93,0% e Recreio dos Bandeirantes-Grumari com
69,0%, têm um dos percentuais mais baixos de grande concentração de brancos,
certamente pela agregação de favelas na mesma AED. Na Zona Norte, as mais altas
concentrações estão nas AEDs Jardim Guanabara (89,0%); Maracanã (85,0%); Grajaú
(87,0%); Irajá-Monsenhor Félix (68,0%); Meier (78,0%); Maria da Graça-Del Castilho
(76,0%); Maneró-Portuguesa (71,0%); Vila Isabel (73,0%).
A Rocinha, também localizada nesta região, por ser a mais populosa com 42.892
em 1991 e 56.296 moradores em 2000, tanto forma uma RA como uma AED. Por esta
razão, é a única favela com unidade territorial por AED, e, conseqüentemente,
composição racial passível de análise por este recorte espacial. Para nossa surpresa, aqui
a maioria não é negra, o que mostra a existência de hierarquias nas regiões faveladas, se
atentarmos para a variável racial. Em números absolutos, dos 56.296 moradores, os
brancos são 30.822 e os negros 25.473 (55% e 45%, respectivamente). Embora a
diferença não seja tão grande, a explicação pode estar no mesmo fenômeno que mostra
a concentração da população negra na periferia da cidade, ou seja, os brancos pobres,
mesmo residindo em favela, têm, provavelmente, mais chances sociais que os negros.
No que diz respeito à distribuição espacial das raças e classes sociais no território,
Rio de Janeiro e Salvador também apresentam homologias, e um padrão comum de
segregação inscrito no espaço, apesar da alta densidade relativa dos negros em Salvador,
que é quase metade da população do Rio de Janeiro, como vimos anteriormente.
Ressalve-se, entretanto, que nenhum bairro de maioria branca desta cidade consegue os
índices do Rio de Janeiro. Lá as AEDs com maior densidade branca, como Graça e
Barra /Barra Avenida chegam a 71,9% e 71,7%, respectivamente, enquanto no Rio de
Janeiro as AEDs mais brancas ultrapassam a barreira dos 90%, como Lagoa (94%),
Humaitá (94,0%), Ipanema Orlas (93,0%), Gávea (91,0%) e Flamengo (90,0%).
118
Inversamente, em Salvador, estes índices são alcançados pelos negros de áreas bem
distantes do centro antigo e algumas áreas da Orla Marítima.
Por fim, Copacabana, o bairro mais populoso da região, com 147.021 residentes,
composto, em termos de RA, por ele próprio e o Leme, tem quatro favelas, onde moram
7.472 pessoas. Entre estas estão as mais populosas e conhecidas, como a do Pavão-
Pavãozinho, com 3.026, e outra menos populosa, mas também conhecida, como a do
Chapéu Mangueira, com apenas 837 moradores.
53
Instituto Pereira Passos, 1999.
119
Mapa 2 População por Área de Ponderação e Cor ou Raça - Rio de Janeiro - 2000
Como dito anteriormente, em geral os estudos sobre favelas ou invasões não têm
recorte racial, entretanto, segundo Telles (2003, p.183), em estudo realizado por ele e
por Luiz Cesar, baseado no censo de 1991, 70% dos residentes em favelas do Rio de
Janeiro eram pardos ou pretos. Este é o mesmo índice encontrado por Luiz Costa Pinto
(1998, p.137), que na década de 1940 aferiu que, de cada cem habitantes da cidade,
aproximadamente 7 vivem nas favelas, e de cada cem habitantes das favelas,
aproximadamente 71 são “de cor”. Isto significa, em outros termos, que a representação
120
dos grupos de cor na população das favelas é muitas vezes maior, quase o tríplo, da
proporção deles na população total. Para este último autor, não há dúvidas de que a
segregação, no Rio de Janeiro, é altamente expressiva na década de 1940. Ou seja, o
fenômeno continua quase inalterado mais de seis décadas depois, pelo menos no que diz
respeito à composição racial.
Outra área fora da Zona Sul que se destaca no aspecto racial é a RA XX – Ilha do
Governador, com 22 favelas e uma ilha branca: o Jardim Guanabara. Dos seus 29.886
habitantes, 89% são brancos (Mapa 2). Ou seja, nesta AED, o nível de concentração de
brancos, no mesmo território, é igual ao da Zona Sul. A explicação disso talvez esteja
no fato de ali morarem militares, da média e alta hierarquias da corporação.
Quando o recorte espacial é por AED, o Caju, que tem uma população total de
17.769, apresenta uma composição racial equilibrada (brancos e negros são 50% da
população cada). Não é possível, entretanto, saber, em termos espaciais, se existe o
mesmo equilíbrio entre o bairro e a favela. A julgar pelas desigualdades raciais
observadas neste estudo é provável que não. A análise por AED dos bairros da Gamboa,
Saúde e Santo Cristo, com 22.036 habitantes, revela que, ao contrário do esperado, os
brancos são maioria da população, ainda que não tão expressiva (55% de brancos e 45%
de negros).
54
Educação Multirio, abril de 2005
122
Na Zona Sul foram excluídos das regiões industriais os bairros de tradição fabril
como Gávea, Jardim Botânico e Laranjeiras, onde fábricas têxteis com vilas operárias
estavam instaladas até os anos de 1930, engendrando, assim, transformações
importantes na forma e no conteúdo espaciais. A configuração atual destas áreas,
analisando-se por áreas de ponderação (Mapa 2), revela que na Zona Norte e
principalmente na Zona Oeste concentram-se os negros que certamente compõem a
classe trabalhadora ativa ou inativa. A visão dicotômica das relações espaciais, centrada
na oposição de apenas favela e bairro, simplifica abusivamente as oposições sociais do
tecido urbano. A objetivação do conjunto do território das duas metrópoles, através de
mapas e quadros estatísticos, constitui um poderoso instrumento de ruptura com a visão
etnocêntrica, que reduz a polaridade das cidades brasileiras ao binômio favela-bairro.
Como em Salvador, no Rio de Janeiro, a maior concentração dos negros está nos
subúrbios ou áreas geografica e socialmente distantes das áreas ricas. Esta concentração
corresponde a cerca de 54 das 170 AEDs:
Coelho Neto (51%); Penha 2 (51% ) Santíssimo (51%); Pavuna (51%), Senador
Camará/SantaCruz (51% ); Padre Miguel (51%); Realengo/Borda Helena (51%);
Campo Grande 3 ( 52%); Maré/Bonsucesso/Ramos (52%); Benfica (52%); Guaratiba,
Barra de Guaratiba, Pedra de Guaratiba (52%); Tomás Coelho (53%); Guadalupe
(53%); Manguinhos (53%); Mangueira, São Francisco Xavier (53%); Campo Grande 8
(53%); Honório Gurgel (53%); Acari, Parque Colúmbia (54%); Realengo/Água Branca
(54%); Senador Camará/SantaCruz (54%); Rocha Miranda (54%); Gardênia Azul
(55%); Realengo/Limites (55%); Senador Vasconcelos (55%); Campo Grande1(55%);
Campo Grande5 (55%); Vicente de Carvalho (55%); Cordovil (55%); Parada de Lucas
(56%); Cosmos (56%); Colégio (57%); Maré/Manguinhos (57%); Maré/Bonsucesso
(57%); Santa Cruz/Guandu (57%); Complexo do Alemão (57%); Anchieta (57%);
124
Pelos dados analisados, não deve ser por acaso que as favelas cariocas estão
concentradas principalmente nas zonas Oeste e Norte, sobretudo nas AEDs de Santa
Cruz, Bangu e Campo Grande, densamente povoadas, e com os mais altos índices de
negros, tendo assim certa homologia com Salvador, quando os índices de mais de 90%
de negros são dos subúrbios. Os dados do IBGE/2000, também confirmam que o
número maior de favelas está nas zonas Oeste e Norte: Jacarepaguá (68); Bangu (21
favelas) e Realengo (14). Itanhangá, Recreio, Anchieta, Complexo do Alemão
concentram 11 delas cada uma. Entretanto, na divisão por RA, Bangu concentra o maior
número: 133. Estas áreas, portanto, são as mais homogêneas do ponto de vista da
densidade negra, em oposição à Zona Sul e parte da zona norte e oeste, em comparação
com os brancos.
Tabela 5 – Tipo de Domicílio por Cor ou Raça – Rio de Janeiro e Salvador - 2000
55
Segundo a definição do IBGE, domicílio particular localizado em edifício de um ou mais pavimentos,
com mais de um domicílio, servidos por espaços comuns (hall de entrada, escadas, corredores, portaria ou
outras dependências) e, ainda, o domicílio que se localiza em prédio de dois ou mais andares em que as
demais unidades são não-residenciais e, também, aqueles localizados em edifícios de dois ou mais
pavimentos com entradas independentes para os andares (IBGE, 2000, p.60).
126
De fato, os 47,4% dos brancos que vivem em apartamento (Mapa 3), em Salvador,
estão em áreas majoritariamente mais ricas e brancas, enquanto que os negros (22,4% -
menos da metade dos brancos), se localizam também nestas áreas, mas de forma mais
restrita. Trata-se, provavelmente, da pequena classe média negra, que adquiriu os
capitais sociais que permitem o acesso ao mercado formal de moradia. Contudo, desse
percentual, parte dos negros mora nos distantes conjuntos habitacionais de médio e
baixo status, pois as AEDs que formam estes conjuntos têm alta densidade demográfica
negra (ver relação das AEDs).
Mapa 4 – Distribuição Espacial de Apartamentos por Cor ou Raça – Rio de Janeiro - 2000
Esta tendência foi também verificada por Ribeiro (1997, p. 162), que mostra,
como nos últimos 40 anos, o fenômeno da difusão da casa própria nas grandes cidades
brasileiras, foi significativo. Em 1940, os domicílios próprios eram 26,4% e em 1980 já
eram 54,5%; isto ocorreu, predominantemente, em áreas de camadas de menor renda.
Especificamente, no Rio de Janeiro, como mostra o autor, que se baseia no censo
Predial do IBGE de 1980, 61,2% dos domicílios de Bangu eram próprios, enquanto em
Copacabana este percentual era de 53,9%.
Tabela 6 – Condição do Domicílio por Cor ou Raça – Rio de Janeiro e Salvador - 2000
Não é fácil dar uma interpretação aos dados. A explicação desse paradoxo talvez
esteja no fato de que os negros, embora mais fora do mercado formal de habitações,
sejam proprietários em maior número , como mostra a Tabela 6, ainda que em
condições muito mais precárias, como pode ser observado nas paisagens urbanas
reveladoras da precariedade das favelas e mesmo nos bairros populares. Resulta, desse
fato, provavelmente, a menor presença do negro no mercado imobiliário formal.
exigidas pelo mercado que a maioria não possui, por isso a solução para muitos é
construir um barraco e melhorá-lo ao longo dos anos. A realidade empírica,
demonstrada pela paisagem urbana dos bairros populares de moradias inacabadas,
revela a desigualdade urbana nas cidades.
Neste mapa pode-se observar dois pontos comuns para negros e brancos, de
concentração mais fraca entre os que têm casa própria. Trata-se das AEDs 87 e 88,
conjuntos habitacionais Fazenda Grande I e Fazenda Grande II; Fazenda Grande III e
Fazenda Grande IV. Por se tratar de conjuntos habitacionais, e portanto, de um mercado
formal, provavelmente ainda existem muitos moradores ainda pagando seu imóvel. Esta
é a situação dos negros que moram em AED 82 (Cajazeira, B. Doce, Palestina, Boca da
Mata e Águas Claras).
56
O número de dormitórios corresponde ao total de cômodos integrantes do domicílio, que estavam
servindo, em caráter permanente, de dormitório para os moradores, nele incluídos aqueles que assim são
utilizados em função de não haver acomodação adequada para esta finalidade (IBGE, 2000, p. 78).
132
inversamente, são 31,3% e 29,6% neste grupo, são mais representativos nos outros
grupos: de 2 a 3, de 3 a 4 e de 4 a 5 pessoas por dormitório, ou seja, os negros, em
ambas as cidades, vivem em domicílios de maior densidade, e, portanto, em piores
condições de habitabilidade.
3.2.4 Banheiros
Tabela 8 - Número de Banheiro por Cor ou Raça – Rio de Janeiro e Salvador - 2000
Entre os bens duráveis, que indicam bem-estar social, a máquina de lavar roupa é
um dos que têm maior poder de diferenciar estilos de vida, até mais que o uso do fogão,
à medida que, na divisão de tarefas domésticas, ele não é um equipamento de uso geral
no domicílio, apesar dos grandes avanços que as lutas femininas e feministas têm
alcançado nas últimas décadas. Também a posse desse equipamento revela um padrão
racial de consumo desigual, em Salvador e no Rio de Janeiro.
ainda: nos domicílios dos negros, apenas 21,0% contra os 47,8% dos brancos. Ou seja,
em Salvador, em mais da metade dos domicílios dos brancos há máquinas de lavar
roupa, assim como no Rio de Janeiro, onde a diferença é de mais de 20 pontos
percentuais.
3.3.2 Telefone
uso desses meios de locomoção era uma das marcas no processo de urbanização e
segregação urbana. Ao contrário dos bondes, que ficaram nas áreas mais antigas, tanto
em Salvador como no Rio de Janeiro, os trens marcam a expansão da cidade rumo aos
subúrbios que cresceram ao longo da linha férrea, desde 1850, em ambas as cidades.
Trem e subúrbio, no Brasil, sempre foram sinônimos de pobre, de trabalhador e morador
de baixa renda, e a estruturação do espaço das cidades pelas classes dominantes não
deixa dúvidas sobre esta direção. Um exemplo inconteste deste processo está na posição
das classes dirigentes cariocas, ao impedir a instalação de ferrovia na Zona Sul, embora
ali ainda existissem bairros operários (ABREU, 1997, p. 57). Isso não foi diferente em
Salvador, cuja formação social histórica se dá pela mesma lógica capitalista e racial
como se observa na formação do subúrbio ferroviário.
O Estado tem um papel fundamental nas políticas urbanas, ainda que venha
reduzindo sua ação com a hegemonia dos liberais que controlam os aparelhos estatais. A
política de transporte, adotada por sucessivas administrações, de privilegiar o
automóvel, em detrimento do transporte coletivo, tem resultado em grandes problemas
para a classe trabalhadora e conflitos, como os já citados.
A frota de carros varia de cidade para cidade, de acordo com seus habitantes e sua
riqueza. Enquanto a frota de ônibus é hoje, de 10.930 e a de micro-ônibus, de 11.315,
em 2004, no Rio de Janeiro, a de automóveis era de 1.282.583. Em Salvador, a frota de
ônibus é de 5.393 e a de micro-ônibus, de 2.828, enquanto a frota de automóveis é de
316.396 (IBGE/2004).
É relevante destacar que Salvador, apesar de ser a terceira cidade mais populosa
do Brasil, a ausência de política de transporte de massa, faz que transporte coletivo seja
dos mais precários. A implantação do metrô se arrasta ao longo de mais de uma década
e sofre grandes críticas da população e dos especialistas. Tem sido tão lento este
processo, que já existe uma aglomeração urbana denominada Via Vila do Metrô. Vale
observar ainda, os moradores do local não chamaram de invasão, e isso pode significar
uma mudança nas estratégias populares. Além disso, a fala de uma moradora mostra a
enorme precariedade do bairro, ainda com barracos de papelão e madeirite, à margem
de um rio de esgoto, e o direito que deveriam ter à igualdade de tratamento pelo Estado,
quando afirma: “Somos seres humanos também, o sangue que corre em nossas veias é
igual ao sangue de quem mora na Pituba e na Barra” (A Tarde, 26/03/06). Na matéria, o
jornal faz uma análise da “Anatomia de um Apartheid Social”. Mas sabemos que este
apartheid é também racial, como mostram as próprias fotos da reportagem.
Também no que se refere à proporção dos domicílios com automóvel, por cor ou
raça, observam-se grandes desigualdades entre brancos e negros. A maioria da
população em ambas as cidades não tem carro: 76,5% e 60,4% (são os milhões de
usuários dos serviços de transporte coletivo). De fato o recorte racial mostra que a
imensa maioria dos domicílios dos negros não dispõe deste bem. Estar “a pé” ou de
automóvel é, seguramente, uma das marcas mais fortes das desigualdades entre brancos
139
e negros, talvez só comparável a andar a cavalo ou “a pé” no tempo das casas grandes e
senzalas57. Esta constatação não deve nos conduzir à idéia de incentivo ao aumento do
transporte individual. Ao contrário, uma vida mais saudável nas cidades está
diretamente ligada ao uso do transporte coletivo que precisa ter quantidade e qualidade
que garanta acesso a todos os moradores para seus deslocamentos cotidianos.
Mais uma vez este item, que exige algum grau de renda para de quem quer ter
acesso a ele, mostra como as classes e raças se distribuem no espaço urbano
desigualmente. O Mapa 9 mostra apenas os que possuem um automóvel por domicílio.
Mesmo assim, pode-se observar que os domicílios brancos, nesta condição, estão
localizados nas áreas mais bem servidas, com exceção de Castelo Branco, bairro de
classe média baixa. No caso dos domicílios negros há uma distribuição mais limitada
espacialmente, mas evidencia-se aí a presença de uma classe média negra que
corresponde, estatisticamente, a 14,1% dos domicílios (Tabela 11).
57
O geógrafo Manuel Correia de Andrade ressaltava, em seu célebre livro Terra e Homem no Nordeste,
que a afirmação da superioridade dos senhores brancos sobre os escravos negros e seus empregados,
pretos ou pardos, fazia claro uso do falar do alto para baixo: “Para marcar sua posição de superioridade,
os senhores construíam suas casas em um platô elevado, de onde falavam com seus escravos e
empregados, com os camponeses que lhes eram sujeitos. E davam ordens do alto de seus cavalos” (in
Manoel Correa de Andrade, 1964, p. 74).
140
este equipamento se localizam nas mesmas áreas brancas e ricas, apresentando uma
classe média negra limitada espacialmente, como em Salvador.
58
Quando a canalização das águas servidas e dos dejetos, provenientes do banheiro ou sanitário, é
ligada a um sistema de coleta que conduza a um desaguadouro geral da área, região ou município,
mesmo que o sistema não disponha de estação de tratamento da matéria esgotada, IBGE/2000.
145
Janeiro, estão em condições bem melhores, com uma cobertura de 82,7% e 81,1%,
enquanto os dos negros, ligados à rede geral, têm uma diferença desfavorável de quase
10 pontos percentuais (74,5% e 71,6%, respectivamente).
No Rio de Janeiro, os domicílios ligados à rede geral também estão nas áreas onde
se concentram os melhores indicadores, principalmente na Zona Sul, e em parte da Zona
Norte, tanto para os brancos como para os negros. Uma parte da Zona Oeste também
dispõe deste serviço, mas parece tratar-se apenas da Barra. Nota-se, todavia, que nas
áreas de maior concentração de negros, que abrangem as AEDs de Bangu e Santa Cruz,
por exemplo, com alta densidade populacional, como já assinalado, brancos e negros
não têm acesso à rede. Esta “igualdade” racial se explica, provavelmente, pela própria
natureza do serviço, mas é importante notar que esta é uma região de ocupação antiga, o
que indica a ausência de prioridade das políticas públicas em áreas de maior densidade
da população negra e pobre.
Ainda se pode observar, através do Mapa 14 dos negros, outra exceção, na AED
155 (Tauá) onde os brancos são maioria, mas a minoria negra tem situação mais
precária nesse tipo de serviço.
147
No que diz respeito à coleta geral do lixo, realizada por serviço de empresa
pública ou privada, verifica-se que o Rio de Janeiro tem uma cobertura maior que
Salvador (88,1% e 66,7%, respectivamente). Analisando-se o serviço, por cor ou raça,
observa-se que em ambas as cidades existe diferença quanto aos domicílios de brancos e
negros. A coleta, nos domicílios dos brancos, é de 78,0% em Salvador e 91,4% no Rio
de Janeiro, enquanto que nos de negros, atinge apenas 63,2% e 83,5%, respectivamente.
Além disso, nas modalidades mais precárias deste serviço, tão essencial (caçamba,
148
Mapa 15 – Distribuição Espacial de Domicílios com Coleta Geral do Lixo – Salvador - 2000
Mapa 16 - Distribuição Espacial de Domicílios com Coleta Geral do Lixo – Rio de Janeiro - 2000
a proximidade física não necessariamente contribui para que os bairros mais pobres se
beneficiem dos melhores serviços prestados às áreas mais ricas.
Neste item, o Rio de Janeiro tem mais ruas calçadas (82,3%) do que Salvador,
(65,0%). Entretanto, a discriminação racial é semelhante. Com ruas totalmente calçadas,
os brancos são 78,5% em Salvador, e no Rio de Janeiro, 86,9%, enquanto que nos
bairros onde moram os negros são somente 60,8% e 75,8%, que contam com este tipo
de serviço (Mapa 17 e Mapa 18).
Tabela 15 – Distribuição Espacial dos Domicílios com Calçamento de Ruas – Salvador e Rio de
Janeiro - 2000
Em Salvador (Mapa 17), existem três áreas com condições piores em relação à
situação de calçamento de ruas: Bairro da Paz (AED 4 - 86,7% negros); Cajazeiras,
Bairro Doce, Palestina, Boca da Mata e Águas Claras (AED 82), com 92,3% de negros;
Nova Constituinte e Parque Setúbal (AED 49), 90,6% de negros. Nestas áreas há uma
“democracia racial” dos subalternos, ou seja, brancos e negros vivem com poucas ruas
calçadas. Contudo, no Mapa 17 (dos negros) há duas situações singulares: Ondina, São
Lázaro, Cardeal da Silva e Vila Matos (AED 29), e 56,6% de negros; e Rio Sena (AED
46 e 84,8% de negros). Os negros que moram nesta área não têm, ou só têm,
parcialmente, calçamento nas suas ruas.
152
Na Zona Norte, a maioria dos brancos vive em ruas com calçamento total, com
exceção da Favela da Maré, que tem um equilíbrio racial com leve maioria branca (51%
e 49% respectivamente), dependendo da AED. Ou seja, como a referida favela faz
fronteira com diferentes bairros, o equilíbrio na composição racial depende da parte da
favela em que se fez a divisão territorial por AED. Desse modo, os negros são maioria
em, praticamente, toda a favela: Maré-Ramos (51% e 49%); Maré-Bonsucesso, Ramos
(52%); Maré-Manguinhos (57%); o mesmo percentual para Maré-Bonsucesso.
Mapa 18 – Distribuição Espacial de Ruas com Calçamento Total – Rio de Janeiro - 2000
Em suma, de um lado, a Zona Oeste e parte da Zona Norte, no Rio de Janeiro, são
as AEDs de maior segregação da cidade, na medida em que têm a maior presença de
negros e concentram os piores indicadores sociais, e, do outro, a Zona Sul, com alta
concentração de brancos e ricos vivendo em seus “guetos”.
Após a análise da distribuição dos serviços urbanos e sua relação com as várias
classes sociais e grupos raciais, empreendida nos capítulos anteriores, vamos analisar a
relação entre raça, classe e estrutura urbana, a partir da ocupação, da renda e da
educação. Veremos, assim, os fatores responsáveis pelo poder de compra dos indivíduos
e pela capacidade de apropriação dos serviços urbanos. É central, em nossa
metodologia, entender os fatores condicionantes da situação social dos grupos étnicos
que coexistem em Salvador e no Rio de Janeiro, bem como as relações que mantêm
entre si através da estratificação social inscrita no espaço urbano. As circunstâncias
históricas particulares que as engendraram fazem com que “não sejam duas realidades
independentes, mas apenas dois ângulos pelos quais pode ser observada a configuração
única e total das relações de classe e raça no Brasil” (PINTO, 1998, p. 88). Na mesma
perspectiva, classe é aqui entendida como:
um conjunto de relações sociais que define uma posição objetiva na
sociedade; aquelas relações e essas posições não são fixas e imutáveis, pois
mudam com a transformação histórica da organização social da produção”; e
estratificação social remete ao sistema de posições sociais que resulta da
existência, e de diferenças múltiplas entre as classes de indivíduos com estilos
de vida diferenciados no interior de uma sociedade (PINTO, 1998, p. 90).
Desse modo, buscamos compreender o desenvolvimento capitalista tardio e
dependente da nossa sociedade e suas contradições. O desenvolvimento diferenciado e
desigual, resultante da Revolução Industrial, a partir da segunda metade do século
XVIII, significou importantes transformações no mundo: na sociedade, na economia, na
política, com o surgimento de novos grupos sociais, a burguesia e o proletariado, ou o
conjunto dos assalariados. Embora não haja determinação simples ou mecânica, as
diferenças de inserção dos indivíduos na organização da produção de bens tendem a ter
correspondência nas diferenças de estilo de vida.
59
Cf. Friedrich Engels, 1975 e Karl Marx, 1859.
157
Estas imagens, contudo, como ressalta o próprio autor, “são válidas para
entender o retardo da incorporação do negro ao núcleo central do desenvolvimento
capitalista do Sudeste-Sul, mas não dão conta das formas de inserção da classe
trabalhadora negra nas regiões menos desenvolvidas, fora do eixo Sudeste-Sul”. A
história do negro como trabalhador no pós-abolição é bastante parcial; contudo, nos
últimos anos, as lacunas vêm sendo preenchidas, ainda que lentamente, à medida que a
classe trabalhadora no seu conjunto toma consciência de que esta divisão da classe
trabalhadora limita as conquistas, principalmente dos negros, e, atualmente, a
preservação de direitos conquistados, já que a globalização e as políticas neoliberais têm
imposto muitos retrocessos às garantias trabalhistas, duramente conquistadas. Um
exemplo nessa direção é o estudo, de 1999, sobre os negros no mercado de trabalho nas
regiões metropolitanas, realizado pelo DIEESE – Departamento Intersindical de
Estatística e Estudos Socioeconômicos, por decisão do INSPIR – Instituto Sindical
Interamericano pela Igualdade Racial – formado pelas centrais sindicais de diferentes
matrizes ideológicas: CUT – Central Única dos Trabalhadores, CGT – Central Geral
dos Trabalohadores, FS – Força Sindical, AFL-CIO – Centro de Solidariedade e ORIT –
Organização Interamericana de Trabalhadores. Além disso, as PNADs, com recorte
racial, têm permitido estudos sobre a questão no meio acadêmico, mas em escalas
maiores que chegam no nível metropolitano.
Salvador, que quase não sofreu influência da imigração estrangeira, como visto
anteriormente, desde sua formação manteve maioria negra expressiva e, em 1890, tinha
uma população total de 174.412, enquanto o Rio de Janeiro, como cidade mais
populosa, contava com 193.381 negros e pardos. Assim, Salvador era a cidade que mais
se aproximava do Rio de Janeiro, seguida de Recife (111.556), pois São Paulo, como a
quarta cidade mais populosa à época, tinha apenas 64.934 habitantes.
Mas, ao contrário de São Paulo, que teve um fluxo imigratório acelerado no pós-
abolição, o Rio de Janeiro sofreu um refluxo imigratório de estrangeiros, com a
diminuição proporcional da população total, passando de 30% em 1890, 26% em 1900 e
21% em 1920. Desse modo, o Rio de Janeiro (DF), além de maior cidade brasileira à
época, concentrava a maior população negra urbana do Brasil (HASENBALG, 1992, p.
105). Resultam disso, provavelmente, as diferenças na estrutura produtiva das duas
metrópoles, com seus reflexos na forma de inserção da população no mercado de
trabalho, inclusive em termos raciais.
Estas característcas se refletem na estrutura das ocupações, nas duas cidades, que
apresentam diferenças em quase todas estas ocupações, sobretudo quando se compara
racialmente a distribuição das categorias sócio-ocupacionais. Analisemos agora a
composição racial do mercado de trabalho nas duas cidades, a partir da hierarquia
ocupacional, expressa em tabelas e mapas.
60
O Censo Demográfico 2000 adere à padronização nacional e internacional de classificação de
ocupações, uma vez que a Classificação Brasileira de Ocupação – CBO – tem como referência a
Classificação Internacional Uniforme de Ocupação – CIUO 88, adaptada para as pesquisas domiciliares.
(IBGE, 2000, p. 252, 2000).
61
Cf. Afranio Garcia, Vassili. Rivron et Patrick. Bouvier (2000); Hasenbalg (1992) e Pinto; Pinto (1998).
160
62
Segundo o IBGE (2000), entende-se por ocupação, a função, cargo, profissão ou ofício, desempenhado
por uma pessoa numa atividade econômica, no trabalho principal, remunerado ou não-remunerado.
161
estão mais concentrados nas AEDs 2 (Patamares, Pituaçu e Piatã), 14 (Imbuí), 23 (Barra
e Barra Avenida), 69 (Candeal e Horto Florestal de Brotas), e os negros nas AEDs 25
(Chame-Chame, Apipema, Morro do Gato) e na AED 6 (Stella Maris e Aeroporto).
Aparentemente, os negros gerentes tendem a residir em áreas de status médio e
superior. Mas como vimos, é grande a desigualdade entre brancos e negros nesta
ocupação, e além disso, por esta metodologia, só indiretamente podemos saber se eles
pertencem à categoria de gerentes das categorias superiores, já que nestas AEDs
existem bairros na categoria operário-popular. De qualquer forma, mesmo quando em
grupos sociais superiores do espaço social, os negros tendem a residir, majoritariamente,
nas áreas limites, ocupadas por brancos do mesmo estrato social (Mapa 19).
Mapa 20 – Distribuição Espacial de Gerentes Por Cor ou Raça – Rio de Janeiro - 2000
Mapa 21 – Distribuição Espacial de dos Intelectuais Por Cor ou Raça – Salvador – 2000
Mapa 22 – Distribuição Espacial de Intelectuais Por Cor ou Raça – Rio de Janeiro - 2000
No que se refere aos técnicos de nível médio, a situação das cidades é igual.
Entretanto, na sua distribuição racial, há ligeira vantagem para Salvador, entre os
brancos, 14,2% contra os 13,4% do Rio de Janeiro. Na comparação brancos e negros,
em Salvador, a diferença é de mais de 4 pontos percentuais de desvantagem para os
negros e de quase 4 pontos no Rio de Janeiro, portanto, a desigualdades entre os grupos
em ambas as cidades é basicamente igual. É notável que cidades de tamanho absoluto
diferente, de morfologia social industrial contrastante, apresentem perfis relativos de tal
proximidade.
metade), tenha o dobro de negros nesta ocupação. Situação, aliás, que se repete com os
brancos (0,9% e 2,0%).
É provável que, também no Rio de Janeiro, seja esta a situação dos trabalhadores
negros, uma vez que também moram em áreas distantes da cidade e de maioria negra,
como a Zona Oeste e parte da Zona Norte, áreas majoritariamente proletárias.
169
Mapa 24 – Distribuição Espacial de Trabalhadores do Setor Secundário por Cor ou Raça – Rio de
Janeiro – 2000
Mapa 25 – Distribuição Espacial dos Trabalhadores do Serviço e Comércio Por Cor ou Raça –
Salvador – 2000
Mapa 26 – Distribuição Espacial dos Trabalhadores do Serviço e Comércio Por Cor ou Raça – Rio
de Janeiro – 2000
No pós-abolicionsimo, até 1930, parece haver um grande hiato nas lutas negras.
Flávio Gomes (2005, p.78), que realizou um estudo sobre o negro e a política no
período de 1888-1937, conclui que: “Nos derradeiros anos do século XIX e no primeiro
quartel do século XX, em várias regiões, surgiram associações, entidades e clubs
formados por libertos e pela população negra – fossem eles de setores libertários,
operários ou recreativos em geral”.
Os militares, para efeito desta análise, são uma categoria composta por ocupações
vinculadas às Forças Armadas e às forças policiais (da Aeronáutica, do Exército, da
Marinha e ainda policiais militares e bombeiros militares). É um grupo heterogêneo, no
que se refere ao nível de competência dos seus membros, englobando diferentes esferas
de autoridade. Na Tabela 16, pode-se verificar que o Rio de Janeiro tem mais ocupados
nesta categoria que Salvador (2,5% contra 1,5%) e, em ambas, os negros predominam
com 3,2% e 1,6% contra os brancos que são 2,0% e 0,9%, respectivamente. Isso mostra
que para os negros é uma forma importante de inserção no mercado formal dos
empregos, ainda que, em geral, estejam confinados na baixa hierarquia militar,
sobretudo como soldados, com pouquíssimas exceções.
serviço e comércio, como no serviço de bens e serviços para a indústria, o que reforça a
conclusão de Costa Pinto, já na década de 1950, de que a trajetória do negro chega, no
máximo, a passar “de escravo a operário”, e mesmo assim, com grandes desigualdades,
no interior da classe trabalhadora. Todo o intenso processo de urbanização e de
industrialização do século XX não esteve associado à atenuação das dissimetrias e das
hierarquias de mando, entre descendentes dos senhores e descendentes de escravos.
negra, além desse espaço comum, ocupa ainda as AEDs 26 (Campo Grande, Canela e
Vitória) e AED 18 (Pituba e Parque Nossa Senhora da Luz).
Esta distribuição espacial nos leva a imaginar que os negros empresários são mais
expressivos que os brancos baianos. Contudo, é importante ressaltar que: 1) a baixa
representatividade estatística dos negros (7,6% contra 1,8%) distorce a mancha urbana;
2) os pouquíssimos negros empresários têm preferência de moradia mais diversificada
que os empresários brancos; 3) a categoria empregador abrange do micro ao macro, de
forma que não é possível, por esta metodologia, distinguir totalmente a localização
hierárquica no interior deste grupo social, mas sabe-se, indiretamente, que são os
melhores posicionados, por se tratar de bairros de alta concentração dos capitais,
políticos, econômicos, culturais e educacionais.
No Rio de Janeiro, como vimos, a classe capitalista é um pouco menos branca que
Salvador, espacialmente, tem similaridade com esta, já que também se concentra
principalmente nas AEDs da Barra e Ipanema Orlas, com uma distribuição variando
entre 23,86% a 29,58%. No que se refere aos empresários negros, há uma importante
diferença, uma vez que estes se concentram, principalmente, na AED Lagoa, com a
mesma variação. A observação sobre as manifestações de racismo no topo da pirâmide
social em Salvador aplica-se também a esta cidade. Positivamente, como no caso dos
gerentes, a concentração na Lagoa Rodrigo de Freitas está merecendo um estudo
qualitativo de maior profundidade.
Costa Pinto (1998, p.118), que analisou o censo de 1940, com o recorte de gênero
e raça, constata que no Rio de Janeiro (DF), entre as mulheres, o maior número de
empregadas domésticas encontra-se entre as pretas; em cada cem mulheres pretas,
31,47% eram domésticas, na proporção de 16,44% entre as pardas e de 3,67% entre as
brancas. Se para os homens negros, a principal via de inserção no mercado de trabalho,
historicamente, esteve vinculada a funções subalternas, para as mulheres negras a
condição é mais antiga, limitada e persistente, como mostram estudos mais recentes da
questão.
65
Instituto Nacional de Seguridade Social, Plano de Seguro Social da União, e Institutos de Previdência
Social Estaduais ou Municipais ou das Forças Armadas e das Forças Auxiliares (IBGE/2000).
182
Nas duas cidades, a proporção dos que tomam alguma providência para conseguir
um trabalho é bem mais alta em Salvador do que no Rio de Janeiro (28,6% e 17,3%).
Neste aspecto, há diferenças entre os brancos, pois em Salvador eles representam 21,6%
e no Rio de Janeiro, 14,6%. Na comparação entre brancos e negros, nas duas cidades, a
proporção é bastante mais alta entre os negros que procuram trabalho, representando
30,8% e 21,2%, respectivamente. Se os índices revelam que 3/4 a 4/5 dos
desempregados estão desprovidos de meios para buscar trabalho e sustento, indicadores
alarmantes da situação a que chegou um segmento da força de trabalho urbana,
constata-se que esta passividade atinge mais os contingentes brancos do que os negros.
Como os brancos têm vantagem em, praticamente, todos os indicadores, uma possível
explicação para este fato pode ser a própria condição de vida dos brancos, que lhes
permitiria serem sustentados por outros membros da família, por maior tempo do que os
negros. Outra explicação, talvez a principal, está no desemprego, que atinge mais os
negros, sem contar que este contingente faz parte do maior percentual dos que estão no
183
subemprego. De fato, para o caso de Salvador, a PED 1998 constatou que o desemprego
na RMS era de 24,2%, mas quando desagregado, por cor ou raça, essa taxa demonstra
que apesar da elevada participação do negro no mercado de trabalho, estes estão mais
sujeitos ao desemprego. Do total de negros, 25% estão desempregados, e dos não-
negros, 17,7%. Isto significa que os negros têm uma taxa de desemprego 45% superior à
dos não-negros (DIEESE, 1998, p.44). O mesmo deve ocorrer no Rio de Janeiro, já que
a situação de desvantagem dos negros, em comparação com os brancos é geral no
Brasil, embora Salvador apresente os piores indicadores.
Salvador, como mostra a Tabela 20, é uma cidade mais pobre e mais desigual do
que o Rio de Janeiro. De fato, só para ilustrar, ainda que os dados sejam de 2002, pode-
se verificar a grande diferença entre as duas metrópoles. Enquanto o PIB per capita66 de
Salvador era de apenas R$ 4.309,00 (quatro mil trezentos e nove reais) em 2002, o do
Rio de Janeiro era de R$ 10.537,00 (dez mil quinhentos e trinta e sete reais). Ou seja, o
PIB per capita do Rio de Janeiro é quase 2,5 vezes o de Salvador.
mais de idade espelha o elevado grau de concentração de renda nas duas metrópoles,
além da significativa vantagem do Rio de Janeiro em relação a Salvador, refletindo
também as desigualdades regionais. Esta metrópole pobre, da periferia do capitalismo
periférico, tem uma concentração significativa da população nas faixas de até 1 salário
mínimo e de 1 a 2 mínimos, mais de 30%, enquanto no Rio de Janeiro fica em pouco
mais de 20%. Inversamente, nas faixas de renda média e superior, elas vão sendo
reduzidas, em Salvador, em comparação com o Rio de Janeiro. Além disso, o percentual
dos sem renda é muito mais alto em Salvador do que no Rio de Janeiro (42,2% contra
35,8%).
O Rio de Janeiro também se caracteriza por uma classe média e média alta maior,
na medida em que os segmentos que compõem as faixas de 5 a 10 e de10 a 20 salários
mínimos são 10,8% contra 6,8% de Salvador e 12,5% contra 3,6%, respectivamnete. No
contingente dos mais ricos, ou seja, na faixa dos que ocupam os patamares de maior
poder aquisitivo, da faixa de mais de 20 salários mínimos, a diferença é de mais do que
o dobro, 4,3% contra apenas 2,0%. Portanto, as estatísticas mostram que o nível de
rendimento de Salvador está abaixo dos encontrados no Rio de Janeiro, confirmando
assim, uma característica que coloca a cidade como detentora dos piores resultados na
quase totalidade dos indicadores sócio-econômicos e raciais.
Na distribuição da renda por cor, nota-se mais semelhança entre os brancos, que
claramente se apropriam da maior parte da renda, nas duas cidades. Comparando-se os
negros cariocas com os negros baianos, observam-se diferenças e vantagens dos
primeiros, em duas faixas médias de renda: de 2 a 3 e de 3 a 5 salários mínimos,
chegando os cariocas negros ao dobro dos negros baianos, na faixa de 5 a 10 salários
mínimos, e na faixa de 10 a 20 salários mínimos, com diferença de sete pontos
percentuais. Isto significa que no Rio de Janeiro existe uma classe média e alta negras
maior do que em Salvador, que, como já dito, tem uma população negra absoluta e
relativa maior.
Cabe ressaltar, ainda, que para o conjunto das AEDs, na classe dos sem
rendimentos67 a situação de pobreza é muito grave, principalmente em Salvador, que
tem 42,2% de pessoas nessa condição, enquanto o Rio de Janeiro tem 35,8%. Entre os
brancos, a proporção é de 36,8% e 33,7% enquanto os negros, numa situação de
desigualdade muito mais elevada, aparecem com 43,9% e 38,9% dos que não possuem
67
O SM – Salário Mínimo valia, no ano do censo, R$ 151,00 (cento e cinquenta e um reais).
186
Mapa 31 – Distribuição Espacial dos Trabalhadores sem Rendimento Por Cor ou Raça – Salvador
– 2000
No Mapa 33, observa-se que os negros de Salvador, que auferem redimentos até 1
salário mínimo, residem principalmente no Subúrbio Ferroviário: Nova Constituinte e
AED 51 ou bairros de Paripe, São Tomé, Bate Coração e Tubarão; na AED 32,
composta pelos bairros de Itinga, Ceasa e Represa de Ipitanga; os brancos nessa
condição moram, principalmente, na AED 4 (Bairro da Paz), onde são apenas 13,3% da
população. Ou seja, são as áreas mais homogêneas social e racialmente (maiores
189
concentrações de negros e pobres), mas com a minoria branca que chega, no máximo, a
10%, compartilhando as condições de pobreza e de precariedade com os negros destas
áreas.
Mapa 33 – Distribuição Espacial da Renda Pessoal até 1 Salário Mínimo
Salvador – 2000
Os pobres cariocas que estão na faixa de até 1 salário mínimo, e representam 7,0%
nesta faixa de renda, estão localizados, principalmente, nas AEDs 141 (Saúde, Gamboa
e Santo Cristo); 35 (Coelho Neto) e 80 (Irajá/Metrô, Automóvel Clube), conforme Mapa
34.
Mapa 34 - Distribuição Espacial da Renda Pessoal até 1 Salário Mínimo Por Cor
ou Raça – Rio de Janeiro - 2000
190
Por outro lado, os negros nesta condição estão mais nas AEDs 46 (Campo Grande
1, 55% da população); AED 25 (Camorim, Vargem Pequena, Vargem Grande, 58% da
população); AED 85 (Jacaré, Rocha, Sampaio, apenas 33% da população); AED 165
(Vidigal e São Conrado apenas 32% da população), e certamente moram na favela do
Vidigal, única na Zona Sul com negros nessa condição, embora de forma mais fraca
existam na Lagoa e Leme que são bairros de alta concentração de brancos, como já dito.
Em suma, a alta proporção de negros abaixo da linha de pobreza, no total da população
nas duas cidades, revela o fosso existente entre os grupos raciais. Sua distribuição
espacial também revela o lugar de pobres e negros.
O Mapa 37 mostra que negros e brancos baianos, nesta faixa de renda, ocupam
áreas mais do “miolo” da cidade, e em duas AEDs do Subúrbio Ferroviário; os negros,
além do Subúrbio, ocupam grande área da cidade, inclusive AEDs na orla sul e norte
(Itapuã e Nova Conquista), mas em bairros onde são maioria.
193
Nas faixas de 2 a 3 salários mínimos há mais brancos cariocas que negros, que
representam, respectivamente, 8,7% e 3,0%. Espacialmente, estes brancos mais pobres
concentram-se em algumas AEDs da Zona Oeste e da Zona Norte, mas sobretudo na
primeira nas AEDs, 149 e 110 (Santa Cruz/Felipe Cardoso e Padre Miguel). O negros
concentram-se, também, nas zonas Oeste e Norte, nas AEDs de Santa Cruz/Guandu;
Campo Grande; Tanhangá; Caju; também na Gávea (Zona Sul), onde são apenas 9% da
população residente.
Salvador, embora mais pobre que o Rio de Janeiro, tem uma concentração de
renda maior nas mãos dos brancos, uma vez que nas faixas de 10 a 20 e de mais de 20
salários mínimos estes mantêm distâncias expressivas. Enquanto os brancos baianos
representam 8,1% dos 3,6% que pertencem à camada dos que detêm 10 a 20 salários
mínimos, e os negros apenas 2,1%, os cariocas brancos representam 14,6% dos 12,5%
da riqueza da cidade, e os negros 9,4%. Ou seja, Salvador continua a apresentar
desigualdade maior entre brancos e negros. Na comparação entre os mais ricos, os
brancos voltam a se igualar, à medida que em ambas as cidades eles representam a
197
maioria das classes superiores (5,8% e 6,6%) e os negros são quase inexistentes neste
grupo (0,9% e 1,0%), em Salvador e Rio de Janeiro respectivamente.
Em Salvador, os espaços ocupados pelos que têm maior poder aquisitivo (brancos,
especialmente) se localizam na Orla Oceânica ao Sul, principalmente, e ao Norte (Stella
Maris), como mostra o Mapa 41.
seja, os brancos são maioria nesta condição, e entre os negros, os de Salvador levam
uma ligeira vantagem, em comparação com os cariocas. As pessoas que trabalham de 21
a 40 horas semanais representam, nas duas cidades, 36,5% e 44,0%, respectivamente,
ficando, com o Rio de Janeiro, a maior parcela neste grupo.
68
Esta imagem, construída ao longo da história, foi também objeto de uma tese de doutorado “O Mito da
Preguiça Baiana”, de Elisete Zanlorenzi na FFLCH/ USP. De acordo com esta tese, desde o século XVI a
elite local depreciava os negros escravos, descritos como desorganizados e sujos, depois como
analfabetos e sem conhecimento, e, finalmente, como preguiçosos. O mito da indolência, do eterno lazer
construído ao longo dos séculos sobre os baianos, e, em particular, sobre os soteropolitanos, é muito bem
explorado pela indústria do turismo e do lazer, em negócios muito lucrativos. Baseando-se nos dados da
PNAD/IBGE/1990, Nádia Castro (1998, p.29-30) mostra que as taxas de atividade na Bahia e na RMS
203
A famosa Ladeira da Preguiça, em Salvador, ganhou este nome por ter sido a via
de acesso de mercadorias vindas do porto para a cidade, carregadas pelos escravos, ou
levadas em carretões puxados a boi e empurrados por estes. Do alto de seus casarões, ao
verem os escravos tomando fôlego para subir com sacos de 60 quilos nas costas, as
elites gritavam: ‘Sobe, preguiça! sobe, preguiça!’. Luiz Eduardo Dórea (1999, p.52),
que estudou a história dos nomes de ruas e bairros de Salvador, tem uma interpretação
divergente sobre a origem do nome da Ladeira. Segundo ele, o nome vem dos próprios
escravos:
Abriu-se assim uma via menos íngreme, que terminava na atual Praça Castro
Alves, e era através dessa ladeira que as mercadorias seriam exclusivamente
transportadas. Apesar disso, não era trabalho fácil fazer os carretões puxados
a boi e empurrados por escravos, que alegavam ser este um trabalho que
‘dava preguiça’. De maneira irônica foi então batizada pela população e os
feitores como Ladeira do Tira Preguiça (DOREA, 1999, p. 52).
De acordo com Mattoso (1992, p. 436), não era apenas uma ladeira. Numa cidade
que ficou por séculos a beira-mar, era junto do porto que as atividades comerciais se
exerciam, num estreito espaço, limitado por duas construções religiosas: ao sul a
belíssima basílica de Nossa Senhora da Conceição, que se ergue no bairro chamado de
‘Preguiça’, e ao norte - a menos íngreme, a ladeira que que liga as cidades Alta e Baixa
– a Igreja de Nossa Senhora do Pilar (MATTOSO, 1992, p. 436).
Neste texto, que “fecha” o estudo geral sobre as duas metrópoles, procuramos
são mais altas que a média nordestina (56,7% contra 54,5%) e também mais altas do que as do Rio de
Janeiro (56,7% contra 53,9% em média); apenas São Paulo supera o desempenho da Bahia, por exemplo.
Para a autora, esta é também uma forma de manifestação do preconceito racial dos brasileiros.
204
escolas. Do ponto de vista do sistema educativo, pensar negros e índios como sujeitos
na construção dos saberes de uma sociedade multicultural pode nos levar, de fato, a uma
sociedade racialmente democrática.
O Rio de Janeiro se destaca pela rede de ensino federal muito maior nesse nível ,
constituída de 27 unidades, enquanto Salvador tem apenas 3 unidades (IBGE-INEP,
2003). Este fato se explica, provavelmente, pela posição que o Rio ocupou como capital
208
Tabela 22 – Redes de Ensino por Cor ou Raça – Salvador e Rio de Janeiro - 2005
A distribuição das matrículas pelas redes particular e pública de ensino nas duas
209
cidades, conforme Tabela 22, mostra bastante semelhança, com 34,7% e 39,5% das
escolas na rede particular e 65,3% e 60,5% na rede pública, respectivamente. A análise
da distribuição das matrículas por cor ou raça, também de acordo com a Tabela 22,
mostra que os brancos concentram-se na rede particular, nas duas cidades, sendo que em
Salvador, esta concentração é ainda mais elevada. Por outro lado, os negros estão
concentrados nas escolas públicas nas duas cidades (71,7% e 76,3%, respectivamente),
sendo que no Rio de Janeiro há mais negros em escolas públicas.
Mesmo não tendo o mapa sobre o tipo de escola, e como está distribuído nas duas
cidades, sabe-se que há também uma concentração de escolas particulares e de melhor
qualidade nos espaços mais valorizados da cidade, indicando que o capital aplicado em
empreendimentos escolares rentáveis não investe da mesma forma em todos os espaços
da cidade. Além disso, quando escolas privadas se localizam em áreas de renda média e
baixa, a qualidade dos equipamentos e dos serviços é bem diferente da existente nas
escolas para as classes de maior poder aquisitivo. Espaço de formação das classes alta e
média até o nível médio, principalmente, a rede particular se organiza de acordo com os
interesses e “habitus”69 das classes ou fração das classes sociais distribuídas pelo
território urbano hierarquizado.
69
O habitus, na teoria de Bourdieu (1974), seria um conjunto de esquemas interiorizados desde a primeira
educação familiar, e constantemente reposto e reatualizado ao longo da trajetória social restante, que
demarca os limites à consciência possível de ser mobilizada pelos grupos e/ou classes, sendo assim
responsável, em última instância , pelo campo de sentido em que operam as relações de força.
210
Quanto aos negros, minoria (28,3%) na rede, e como moradores destas áreas
(chegando ao índice de apenas 30,48% na AED Itaigara, Caminho das Árvores e
Iguatemi), concentrados em áreas tradicionalmente brancas, variam de 66,54% a
80,56%, em apenas três AEDs: Armação, Costa Azul e Conjunto dos Bancários;
Candeal e Horto Florestal de Brotas e Itaigara, Caminho das Árvores e Iguatemi. Em
Salvador, entendemos que a lógica da segregação sócio-espacial é mais perversa, por ser
uma cidade de ampla maioria negra, absolutamente sub-representada nas classes alta e
média. Além disso, é importante ressaltar que nestas áreas, com alta densidade branca, a
concentração de brancos, de elevado capital escolar, só não é maior porque ali existem
bairros populares, como Polêmica, em áreas como Iguatemi, Caminho das Árvores e
São Cristóvão vizinho do Aeroporto, ou, Rocinha da Sabina, Alto da Sereia, etc.
Font
e: Elaboração própria, a partir da amostra do Censo 2000 (IBGE).
Em nível espacial, é possível identificar que boa parte dos brancos de escolas
públicas, no Rio de Janeiro, se encontra, principalmente, na Zona Oeste e, em segundo
grau na Zona Norte, como representado no Mapa 48, com uma espacialização muito
parecida com a dos estudantes negros. Embora isso aconteça, não se pode esquecer que
os negros estão altamente concentrados na rede pública, conforme Tabela 22, e com
maior concentração, residindo na Zona Oeste, seguida pela Zona Norte, com uma
variação percentual também alta.
Contudo, é importante destacar que a desigualdade racial diferencia estes grupos, pois
os negros, maioria nestas áreas, também são maioria na escola pública, ou seja, mesmo
com alguma presença de brancos, há uma sobre-representação de negros nesses espaços,
indicando um grau importante de segregação. Assim, a noção do efeito vizinhança, de
Rubén Kaztman (2001, p. 186), 70 se aplica de forma dupla: forte homogeneidade social
e forte homogeneidade racial, ou seja, existe uma segregação não só dos pobres
urbanos, mas também dos negros, na rede pública de ensino que se localiza,
principalmente, em bairros de baixo status social.
70
Seu estudo analisa os efeitos de algumas transformações na estrutura social de países latino-americanos
em desenvolvimento e os efeitos do isolamento dos pobres no espaço urbano.
217
O principal meio de acesso à educação, para os negros das áreas mais pobres e
distantes é a escola pública, daí a importância do papel das políticas públicas na
superação das desigualdades sócio-raciais. Desta forma, escola pública de boa qualidade
é fundamental, para um mínimo de eqüidade entre os subalternos, abrindo novas
chances, sobretudo para os segmentos negros. Cabe ao Estado a tarefa de promover uma
educação que de fato fortaleça a cidadania e a democratização das relações sociais e
raciais. Isso significa que, para corrigir as distorções do sistema educacional, o Estado
218
Para Kaztman (2001, p.186), qualquer que seja a forma que adquira a segregação
residencial nas cidades, suas conseqüências sobre o isolamento dos pobres urbanos
parecem ser suficientemente importantes, para que sejam tomadas medidas de
ordenamento territorial que impeçam a polarização espacial. Mas não basta evitar a
polarização. É crucial que o Estado promova a eqüidade racial no acesso aos bens e
serviços socialmente constituídos. Além disso, na sociedade do conhecimento, a
literatura tem destacado o importante papel estratégico da educação para inserção no
mercado de trabalho e na conquista de diferentes formas de capital. Para Ricardo
Henriques (2001, p .26), “os indicadores referentes aos níveis e à qualidade da
escolaridade da população brasileira são estratégicos para a compreensão dos horizontes
potenciais de redução das desigualdades social e racial e definição das bases para o
desenvolvimento sustentado do país”.
Nesse sentido, as relações raciais não podem ser harmoniosas, na medida em que
as crianças negras, o tempo todo, são obrigadas a negar suas características físicas, a
aprender os valores hegemônicos e a negarem os valores culturais mínimos que a
resistência negra, ao longo dos séculos, construiu nas senzalas, nos quilombos, nos
terreiros, nas escolas de samba, etc.
Na velha capital da Bahia, marcada pela desigualdade, pais e mães de baixa renda
não contam com número suficiente de creches para deixar os filhos durante a longa
jornada de trabalho. De acordo com os dados do Censo (IBGE, 2000), as crianças de 0 a
4 anos de idade correspondiam a 208.419 residentes. De acordo com os dados que
organizamos, por cor ou raça, para Salvador e Rio de Janeiro, a freqüência a creches é
muito baixa, sobretudo em Salvador, com apenas 1,5%, e o dobro no Rio (3,3%).
Analisando por cor ou raça, observa-se que no Rio de Janeiro há uma ligeira diferença
no acesso entre crianças brancas e crianças negras (3,4% e 3,1%, respectivamente).
71
, GARCIA (2001) analisa Salvador como uma cidade segregada, com usos distintos do espaço por
mulheres e homens. Analisa também a importância da militância popular e seu potencial transformador.
72
No Nordeste, as festas juninas são muito importantes e no calendário escolar, a “Rainha do Milho”
também, que é sempre representada por crianças brancas, sobretudo loiras.
221
em Salvador, e, no Rio de Janeiro, de 9,9% para crianças brancas e 9,5% para crianças
negras. Ou seja, desde a educação infantil são tecidas as desigualdades raciais.
73
Sobre isso ver Ana Alice Costa, 1991.
222
níveis de ensino.
percentuais inferiores a 7% para negros em ambas as cidades). Este quadro mostra bem
a concentração do capital escolar por brancos, e como a escola não significou, até o
momento presente, um meio de contrabalançar as desigualdades de patrimônio
econômico entre grupos raciais. Note-se ainda a forte desigualdade regional da
distribuição do capital escolar.
De 5 a 8 anos de
estudo 21,5% 23,3% 31,0% 33,6% 28,6% 27,4%
De 9 a 11 anos
de estudo 34,6% 29,2% 30,7% 25,0% 31,6% 27,5%
De 12 a 16 anos
de estudo 20,5% 21,4% 4,8% 6,5% 8,6% 15,4%
Mais de 17 anos
de estudo 2,5% 2,7% 0,3% 0,4% 0,9% 1,8%
Neste nível de ensino notam-se, mais uma vez, os contrastes enormes entre negros
e brancos. Como revela a Tabela 24, tanto em Salvador como no Rio de Janeiro, a
diferença desvantajosa para os negros é de cerca de 10 pontos percentuais.
No que diz respeito à distribuição espacial, conforme Mapa 49 e Mapa 50, tanto
em Salvador como no Rio de Janeiro, os de menor escolaridade moram em áreas
basicamente distantes de onde o capital global se concentra. Isto significa que os pobres,
brancos e negros das duas cidades, convivem no mesmo espaço escolar, embora a
desigualdade atinja principalmente os negros. Espacialmente, em Salvador, observa-se
que brancos e negros deste nível escolar ocupam espaços semelhantes (Mapa 49). A
falta de capital escolar tende a homogeneizar os grupos raciais distribuídos no espaço
urbano.
224
Mapa 50 – Distribuição Espacial dos Estudantes de 1 a 4 Anos de Estudo por Cor ou Raça
225
No Rio de Janeiro, o Mapa 52 mostra uma concentração mais forte dos brancos
em áreas mais distantes, como a Zona Norte, onde predominam bairros de médio e
baixo status, enquanto os negros estão fracamente representados nestas áreas, com uma
certa concentração nas AEDs das ilhas do Governador e Paquetá. Os resultados da
análise espacial revelam que os espaços carioca e soteropolitano são fortemente
estruturados segundo uma hierarquia educacional, expressando a forte relação entre
estrutura social, racial e divisão espacial.
Mapa 52 - Distribuição Espacial de Negros e Brancos com 9 a 11 Anos de Estudo – Rio de Janeiro
227
Desses fatos decorrem muitas das dificuldades de acesso à universidade, para toda
a população, mas sobretudo para os negros e para os pobres das periferias urbanas. Tais
fatores não permitem que os que ocupam os espaços sociais inferiores possam competir,
em igualdade de condições, com os filhos da classe média e, muito menos, com os
filhos das classes altas, que freqüentam os melhores colégios e ainda fazem cursos pré-
vestibular de melhor qualidade. Tudo isso deixa claro que o filtro do vestibular torna o
recrutamento para o ensino superior ainda mais elitista.
Recentemente (2005), o MEC incluiu o quesito cor ou raça, como faz o IBGE, no
censo escolar, com o objetivo de fazer um diagnóstico do ensino para definir políticas
públicas específicas. A polêmica ganhou a mídia, colocando pais, professores e
especialistas das relações raciais em confronto. Os contrários à idéia alegavam que o
MEC estava racializando a sociedade, enquanto os favoráveis, incluindo-se aí
principalmente, os militantes de movimentos negros, argumentavam ser fundamental,
para a elaboração e execução de políticas públicas que promovam a eqüidade entre as
raças. Além disso, os opositores à inclusão do quesito cor alegam a questão do mérito,
que o sistema universal garante; conseqüentemente, o acesso por cota levaria ao
rebaixamento da qualidade do ensino. Em 2004, a demógrafa Elza Berquó, foi
entrevistada pela Folha de São Paulo (26/12/04) sobre várias questões, e entre elas, a
das cotas nas universidades, respondendo da seguinte maneira:
Sou a favor das ações afirmativas. Não sei se o caminho são exatamente as
cotas, mas tem que ter para começar. Se você deixar as coisas agirem
normalmente, você não sai do caos da desigualdade. A população negra está
na base da pirâmide social. É claro que vão encontrar obstáculos, mas é
importante porque a identidade negra está firme. Se você se identifica com a
população negra, ou afrodescendente, você vai lá disputar essas cotas.
Quando essa roda estiver girando, você não vai precisar mais disso porque
essas pessoas vão estar preparadas para enfrentar o vestibular. Tem que ter
cotas, senão não entra (Folha de São Paulo (26/12/04).
Questionada sobre a posição do reitor da USP, Adolpho José Melfi, que dissera
não ser simpático à adoção de cotas para negros, porque isso causaria mais
discriminação, respondeu:
O negro já é discriminado na sociedade, esteja na universidade ou não. Ele já
está acostumado, mas aí estará discriminado dentro da universidade. Acho
que ele está disposto a correr esse risco. Ações afirmativas são uma das
possibilidades de desconstruir o racismo no Brasil (Folha de São Paulo
(26/12/04).
229
Em posição oposta estão dois estudiosos das relações raciais, como Peter Fry e
Ivonne Maggie, que têm sido referência nos debates públicos contra a implantação das
ações afirmativas no Brasil. Eles consideram que o Estado brasileiro, ao adotar tais
políticas, está racializando a sociedade. Debatendo o artigo de Jonas Zoninsein, sobre a
questão, afirmam:
Será que o autor realmente acredita que um investimento relativamente
pequeno na diversidade racial e étnica do país poderá substituir um massivo
esforço de melhorar todo o sistema educacional do país, sobretudo nas áreas
de maior pobreza, e portanto, de maioria negra? Segundo a nossa
argumentação, o problema não está na forma de implementar a ação
afirmativa, nem tão pouco no volume de recursos humanos e financeiros a
serem investidos. Do nosso ponto de vista analítico, a crença em raças é a
condição para a existência do racismo (FRY & MAGGIE, 2004, p. 161).
Estes autores, muito experientes no que se refere às pesquisas sobre relações
raciais no Brasil, sabem que reivindicar políticas específicas, e em particular, políticas
de cotas nas universidades, não significa deixar de investir em políticas universalistas.
Eles não desconhecem o fato de que, mais de 100 anos após a abolição do trabalho
escravo, as desigualdades raciais não declinaram, ou declinaram pouco, como aliás
vimos ao longo deste trabalho. Cabe perguntar por que as formas de reparar as
profundas injustiças históricas contra os negros dividem tanto acadêmicos e políticos.
André Brandão (2000, p.156), ao analisar as experiências de pré-vestibulares
comunitários surgidos na década de 1990, na Baixada Fluminense, mostra a importância
destas iniciativas e de outras políticas, que possam derrubar as barreiras que impedem o
acesso de fato igualitário dos negros à educação, em todos os níveis, de um lado, e do
outro, o vestibular como uma das mais perversas formas de racismo encoberto pelo
abstrato conceito de igualdade:
A oportunidade e a necessidade das políticas de ação afirmativa e das
políticas de cotas para o ingresso na universidade se colocam com força se de
fato desejamos avançar na construção de um país que, ao se refletir
criticamente, ultrapassa o plano dos mitos e dos ideais por mais que estes
possam ser belos e românticos (BRANDÃO, 2000, p.156).
4.18.2 Ensino Superior: Hierarquias Raciais e Educacionais
(UFBA). Isso revela a tendência dos negros que adquirem mais capital escolar de se
localizarem nas melhores áreas da cidade, ainda que não superem o racismo que
permeia todos os espaços da sociedade e se manifesta das formas mais variadas, mesmo
para os negros que ascenderam às classes superiores.
Mapa 54 - Distribuição Espacial de Negros e Brancos com 12 a 16 Anos de Estudo – Rio de Janeiro
- 2000
A análise dos dados sobre cursos concluídos mostra também que os negros
continuam em desvantagem, ao revelar que a desigualdade racial é estrutural e se
manifesta de forma perversa no sistema educacional como um todo (Tabela 25). Nas
duas metrópoles, apesar de ser baixo o número dos que concluem o curso em geral, há,
entre os brancos cariocas, uma situação semelhante, com ligeira vantagem dos baianos
(68,2% e 66,6%, respectivamente). Entretanto, em relação aos negros, as diferenças são
enormes mais uma vez. Os negros que conseguiram concluir algum curso, tanto em
Salvador como no Rio de Janeiro, chegam a apenas 48,5% e 49,2%, respectivamente.
Provavelmente, eles enfrentam as mesmas barreiras para concluírem os cursos, como as
analisadas ao longo deste estudo.
Tabela 25 – Curso Concluído por Cor ou Raça – Salvador e Rio de Janeiro
Cor ou raça Total
CURSO
Branca Negra
CONCLUÍDO Salvador Rio
Salvador Rio Salvador Rio
Sim 68,2% 66,6% 48,5% 49,2% 53,4% 59,7%
Não 31,8% 33,4% 51,5% 50,8% 46,6% 40,3%
Total 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%
Fonte: Elaboração própria a partir da amostra do Censo IBGE/2000
isolamento dos pobres urbanos tem conseqüências para a sociabilidade informal com
outras classes e reduz oportunidades para a acumulação de capital social individual,
capital coletivo e capital cívico também em nossas cidades.
Consideramos que as percepções dos agentes sobre o lugar, no mundo social, são
partes integrantes da construção do universo social. A análise do fenômeno do racismo
neste bairro tão singular é um desafio, sobretudo para quem ali viveu, como eu, por
vinte anos, moradora e parte desta história, e que continua acompanhando e tentando
entender os sentidos atuais das lutas de classes e de raça que têm uma longa história.
A divisão territorial que serve de base para a maioria dos estudos quantitativos
segue naturalmente a do IBGE. É relevante observar, pelas confusões que as diferentes
unidades territoriais podem acarretar, que Plataforma, como um subdistrito74, no censo
IBGE de 1991, tinha 58 mil habitantes, enquanto que no recorte territorial por AED,
tem apenas 21.971 habitantes. Não é fácil delimitar o bairro, sobretudo este que, como
outros mais antigos do Subúrbio, como Lobato, Periperi, Coutos e Paripe, foram
74
Em 1960, a divisão dos distritos de Salvador em zonas designa os distritos de Paripe, Periperi e
Plataforma como zona suburbana, além de Pirajá e Maré (ilha de Maré); não há referência, porém, à ilha
dos Frades, também pertencente ao Município (SOUZA, 2006).
238
referência por muito tempo de divisões territoriais e/ou administrativas oficiais. Como
subdistrito, o bairro abrangia vários outros, como São João do Cabrito, Novos
Alagados, Bariri, Ilha Amarela, Itacaranha, Alto da Terezinha, etc. Ainda que existam
bairros mais fronteiriços que, por vezes vezes, se identifiquem como Plataforma, a
verdade é que a tendência maior é de construirem identidades novas e próprias, de tal
forma que a divisão por AED, neste caso, se aproxima mais do bairro como percepção
de seus moradores. São João do Cabrito, por exemplo, que se reivindica como bairro, e
nesta divisão é uma AED, e portanto, pode ser estudado como um bairro e não como
sub-bairro. Atenta a estes aspectos, nossa análise considera o bairro nos seus limites
definidos pela divisão territorial por AED.
Situado nesta região, o bairro de Plataforma foi formado a partir de três fazendas,
passando de senzala a bairro operário-popular. De acordo com Pedro Vasconcelos,
(2002, p.255) “na Plataforma, Verger registrou a existência, ainda em 1852, de um
depósito de escravos de José Roiz da Costa”. Destaca também que “em 1875 foi
inaugurada a fábrica de Tecidos São Brás” (VASCONCELOS, 2002, p.219 e 255).
Portanto, o desenvolvimento de Plataforma também se deu como nos demais bairros
antigos da região, a partir da instalação da ferrovia em 1850 que ligava a cidade a todo o
239
Como ressalta Ianni (1988, p.56-56), quando analisa alguns aspectos importantes
da crise da transição do regime da trabalho escravo ao regime de trabalho livre para
compreender o caráter repressivo e violento das relações escravistas de produção é
necessário perceber o escravismo como um sistema de produção de mais-valia absoluta,
no qual a mercadoria aparece imediata e explícitamente como produto da força de
trabalho alienada. Essa alienação é dupla: “o escravo é alienado como pessoa enquanto
propriedade do senhor e em sua força de trabalho, sobre a qual não pode ter comando. O
escravo é obrigado a produzir muito além do que recebe para viver e reproduzir-
se”.Para o autor, o fundamento do sistema é de violência e represssão abertas por
exigências políticas, sociais e culturais de relações de produção para produzir a mais-
valia absoluta, ao contrário do sistema capitalista onde predomina o trabalho livre. O
desenvolvimento capitalista industrial coexistiu com as contradições políticas e
econômicas que caracterizaram a transição do regime de trabalho de mão de obra
escrava para o trabalho livre. Nesse sentido, na cidade, e em particular, no Subúrbio na
construção da ferrovia, primeiro, e da fábrica, depois, estas contradições estavam
necessariamente presentes, na medida que até a abolição houve a coexistência de
trabalhadores livres, libertos e escravos. Em 1853 (STEIN apud IANNI, 1988, p.60),
“ao afirmar que a escravidão não atrasou a industrialização, a comissão de preços
admitia que a maioria era mão de obra escrava”. Aliás, em meados do século XIX Marx
já havia assinalado o caráter ‘anômalo’ e ‘formalmente burguês’ da formação social nas
Américas e Antilhas’(IANNI, 1988):
A escravidão dos negros – uma escravidão puramente industrial – que
desaparece de um momento para o outro e é imcompatível com o
desenvolvimento da sociedade burguesa, pressupõe a existência de tal
sociedade: se junto a essa escravidão não existissem outros estados livres,
com trabalho assalariado, todas as condições sociais nos estados escravistas
assumiriam formas pré-civilizadas (MARX apud, IANNI, 1988, p.33)
Com a expansão capitalista e a subordinação do capital industrial, os
antagonismos entre produção escravista e produção capitalista são aprofundados e suas
ambigüidades são também destacadas por Engels:
E é indicativo do caráter especificamente burguês desses direitos humanos
que a Constituição americana, a primeira a reconhecer os dioreitos do
homem, da mesma forma confirma a escravatura das raças de cor existentes
na América: privilégios de classe são proscritos, privilégios de raça são
sancionados (IANNI, 1988, p.35).
240
De acordo com SUZIGAN (1986, p.122-3) “a indústria têxtil foi a mais importante do
setor de transformação no Brasil até o ano de 1939” e diversos fatores favoreceram o
seu desenvolvimento a partir de meado do século XIX: 1) por dispor do algodão,
matéria prima mais importante; 2) demanda crescente por vestuário, sacaria para o café,
o açúcar, os cereais, etc; 3) mão de obra barata e, finalmente, a produção interna de
têxteis era protegida da concorrência estrangeira” (SUZIGAN, 1986, p.122-3). Entre
1885 e 1895 foram instaladas no Rio de Janeiro 12 fábricas que instalaram
aproximadamente 4500 teares. A Progresso Industrial do Brasil (Fábrica Bangu) está
entre as que “seriam, por longo tempo, as maiores empresas produtoras de tecidos de
algodão do Brasil” (SUZIGAN, 1986, p.142). No que se refere à distribuição regional
das tecelagens de algodão, o autor informa que 13 foram instaladas no Nordeste, 14 na
província de Minas Gerais, 13 na cidade e província do Rio de Janeiro e 16 na província
de São Paulo. Afirma ainda, que esse tipo de indústria desenvolveu-se inicialmente no
Nordeste, particularmente, na Bahia. De acordo com ele:
A Bahia foi o primeiro e mais importante centro de indústria até a década de
1860. Inicialmente, duas pequenas fábricas foram instaladas na década de
1830, a Santo Antonio do Queimado (1834) e a Nossa Senhora da Conceição
(1835); uma terceira foi instalada na década de 1840, a Todos os Santos, que
durante muito tempo seria a maior tecelagem de algodão do país, com 176
teares, 4160 fusos e 200 operários.
Para mostrar a importância da Bahia neste período, o autor ainda destaca que no fim da
década de 1850 e 1860 foram instaladas seis fábricas, enquanto no Brasil existiam 10.
Estas seis fábricas operavam 59% do total de teares do no país (dez fábricas) e
empregavam 72% dos operários do total de nove fábricas (SUZIGAN, 1986, p.126-7).
Refere-se também a instalação de mais quatro fábricas na década de 1870, mas sua
gradual perda de importância, particularmente para a cidade e província do Rio de
Janeiro. Mesmo assim, em 1891, foi fundada a Empório Industrial do Norte75, por Luiz
Tarquínio, que era a maior do Norte e Nordeste e que começou a operar em 1893,
“inicialmente apenas como tecelagem, com 720 teares (470 para produtos cinzentos e
250 para produtos a cor) e 450 operários. Mas entre 1896 e 1898 a companhia instalou
maquinaria de fiação (17144 fusos) e aumentou o número de teares para 1206”
(SUZIGAN, 1986, p.141). Entre as fábricas instaladas na década de 1870 está a Fábrica
75
Objeto da dissertação de SAMPAIO, J.L, Pamponet, pela Universidade Federal da Bahia (1975).
241
São Brás de Plataforma (1875) com 5920 fusos, 151 teares e 111 operários (SUZIGAN,
1986, p.386).
76
Ver também SUZIGAN, Wilson. Indústria brasileira: origem e desenvolvimento (1986).
242
77
Cf Agenor Garcia, Antonia Garcia e Carolina Carvalho (1999).
243
Amarela; 0%
Indígena; 1%
Ignorado; 1%
Branca; 14%
Negra; 84%
Por ser um bairro formado à margem da Baía de Todos os Santos (Mapa 55),
havia um terminal hidroviário, que fazia a ligação à Península de Itapagipe/Ribeira,
bairro de classe média intermediária78, para onde se deslocavam os moradores em busca
de empregos domésticos e lavagem de roupa, além de escola, principalmente do 2°
grau, que custou a ser ali instalada. Como outros equipamentos que existiram no
passado, este também foi desativado, reduzindo assim ainda mais as fontes de
empregos, mesmo precárias, acesso à escola e ao lazer. O processo de decadência
atingiu também outros equipamentos de consumo coletivo, como o cine-teatro,
construído em 1940 pelo Círculo Operário, clubes sociais e a sociabilidade produzida
pela ligação do bairro com outras localidades na Baía de Todos os Santos, através da
hidrovia (foto anexa das ruínas da fábrica e casas do entorno). Note-se, contudo, que ao
78
Esta informação está defasada, já que após vinte anos a Prefeitura atendendo as históricas
reivindicações dos moradores fez recentemente a recuperação das estações ferroviária e hidroviária. O
mesmo aconteceu com o cine-teatro. Note-se contudo que a tese foi defendida em 2006 e do ponto de
vista dos empregos a situação não foi alterada substancialmente, visto que Itapagipe ainda é uma área
estagnada.
245
A igreja de São Brás está situada na praça principal do mesmo nome, e é o marco
desta igreja historicamente hegemônica, e que assim continua, embora com menos
246
Ao contrário das outras religiões, com seus templos ligados à cultura ocidental,
para as de origem africana o parque São Bartolomeu, reserva de mata atlântica, com
belas cachoeiras (Nanã, Oxum, etc), é um santuário dos cultos afro-baianos. Este lugar,
de grande beleza e importâcia histórica, a partir dos anos 1960, sofre um processo de
degradação, tendo como conseqüências mais visíveis a expansão dos bairros da
periferia, e o surgimento de inúmeras ocupações no seu entorno. Este santuário das
religiões de matrizes africanas e de episódios importantes da história da Bahia e do
Brasil não tem sido priorizado pelo poder público, apesar dos vários projetos
apresentados, inclusive por diversos movimentos sociais, em parceria com os
representantes dos cultos afrobaianos.
A Tabela 26, portanto, não traduz a realidade dos adeptos das religiões de
matrizes africanas no bairro, da mesma forma que não revela a dinâmica das tradições
de uma rede de cultura popular. Por outro lado, os evangélicos, que têm muita
visibilidade, embora com estruturas mais simples e menos hierarquizadas que a religião
católica, ficam com 20% de adeptos e, portanto, abaixo dos sem religião (31%), como já
assinalado. O alto percentual dos “sem religião” talvez se deva ao medo da
79
Cf. Sandro dos Santos Correia (1998). Também o mapeamento de terreiros realizado pelo CEAO por
solicitação da Secretaria Municipal da Reparação (SEMUR), em 2007, mostra que Plataforma lidera o
número de terreiros na cidade.
247
um bairro mais homogêneo, mesmo assim nota-se que existe alguma hierarquia
ocupacional, posto que os brancos ocupam posições mais valorizadas, a exemplo dos
profissionais das ciências e das artes, e são amplamente majoritários como trabalhadores
administrativos (33,4% contra apenas 11,3%, a maior disparidade encontrada neste
indicador).
Cor ou raça
Ocupação Total
Branca Negra
Setor serviço e comércio 319 34,4% 2.551 47,0% 2.870 45,2%
Setor secundário 153 16,5% 1.293 23,8% 1.446 22,8%
Trabalhadores administrativos 310 33,4% 612 11,3% 922 14,5%
Técnicos de nível médio 74 7,9% 454 8,4% 527 8,3%
Trabalhadores em manutenção 20 2,2% 158 2,9% 178 2,8%
Profissionais das ciências e artes 22 2,4% 88 1,6% 110 1,7%
Militares 83 1,5% 83 1,3%
Gerentes 9 1,0% 73 1,3% 82 1,3%
Trabalhadores do setor primário 21 2,2% 53 1,0% 74 1,2%
Ocupações mal especificadas 63 1,2% 63 1,0%
Total 927 100,0% 5.428 100,0% 6.355 100,0%
Fonte: Elaboração própria, a partir de dados do IBGE (2000).
Note-se também a ausência dos brancos nas categorias militares e profissões mal
definidas. O primeiro caso revela que os brancos, de média ou alta hierarquia militar,
geralmente branca, não moram no bairro. Do outro lado, a presença de negros nas
profissões mal definidas significa maior precariedade nas relações de trabalho, uma vez
que a ocupação se refere ao trabalho principal, de acordo com o IBGE/2000, e eles são
majoritários nesta situação.
No que se refere à posição na ocupação (Tabela 28), o bairro tem como principais
situações: trabalhador com carteira assinada (49,8%), conta própria (22,3%) e
trabalhador sem carteira assinada, o que mostra que as condições atuais do mercado de
trabalho são muito precárias para a maioria dos trabalhadores, na medida em que 49,8%
dos que trabalhavam no período pesquisado pelo Censo IBGE/2000 tinham carteira de
trabalho assinada, enquanto 15,8% dos empregados não eram formalizados. Juntando-os
aos empregados domésticos, sem carteira assinada, que representam 7,9%, aos
aprendizes ou estagiários sem remuneração, com 0,6% e aos não remunerados que
ajudam membros do domicílio, temos 0,5%, perfazendo 24,7% da força de trabalho
composta por negros em condições mais precárias.
A proporção dos ocupados inseridos nas atividades por conta própria indica que
esta é a segunda maior categoria daqueles que moram no bairro, o que mostra que parte
significativa dos trabalhadores vivem na informalidade. Somando-se as ocupações
conta-própria (22,3%), sem carteira assinada (15,8%), trabalhador doméstico sem
carteira assinada (7,9%), aprendiz ou estagiário (0,8%), os que ajudam membros do
domicílio (0,4%) e os que fazem produção para o próprio consumo (0,2%), chega-se a
250
Cor ou raça
INSS Branca Negra Total
Cor ou raça
Renda Domiciliar Total
Branca Negra
Sem rendimento 303 9,7% 1.326 7,2% 1.629 7,6%
Até 1 SM 406 13,0% 2.477 13,5% 2.883 13,4%
De 1 a 2 SM 636 20,3% 3.696 20,1% 4.332 20,1%
De 2 a 3 SM 415 13,3% 3.010 16,4% 3.425 15,9%
De 3 a 5 SM 609 19,5% 3.895 21,2% 4.504 20,9%
De 5 a 10 SM 555 17,7% 2.714 14,8% 3.269 15,2%
De 10 a 20 SM 161 5,1% 1.114 6,1% 1.275 5,9%
Mais de 20 SM 44 1,4% 141 0,8% 185 0,9%
Total 3.128 100,0% 18.373 100,0% 21.501 100,0%
Fonte: Elaboração própria, a partir de dados do IBGE (2000).
contra 19,5%) e estes superam os de negros nas faixas mais elevadas, de 5 a 10 (17,7%
e 14,8%), e de mais de 20 (5,1% e 0,8%). Os domicílios habitados pelos negros,
entretanto, têm ligeira vantagem, de um ponto percentual, na faixa de rendimento de 10
a 20 salários mínimos. Constata-se, portanto, que os brancos de Plataforma são
socialmente, por nível de renda, bem próximos dos negros do bairro, acentuando-se a
especificidade do bairro no espaço urbano como um todo. Este fato também revela a
importância das análises micro-sociais.
80
Livreto elaborado para comemoração dos 25 anos da entidade. Sobre a história da entidade ver também
Jornal da FABS, 1985, Castagno (1990) e Mary Garcia Castro & Miriam Abramovay (1998)
253
creches com data de criação identificada, 39 surgiram na década de 1980. Dentre elas,
27 foram criadas a partir de 1987, período de campanha para as eleições municipais,
época em que a FABS obteve um financiamento para a construção de creches. Destas
27,, 19 foram criadas por associações de moradores, três por clubes de mães, três por
igrejas e duas por outras entidades não especificadas (COSTA, 1991, p.53).
Cor ou raça
Rede de Ensino Total
Branca Negra
Rede pública 787 66,7% 4.773 76,4% 5.560 74,9%
Rede particular 393 33,3% 1.471 23,6% 1.864 25,1%
Total 1.180 100,0% 6.244 100,0% 7.424 100,0%
Fonte: Elaboração própria, a partir de IBGE (2000).
Sabe-se que, em geral, a rede particular de ensino tem como clientela principal as
classes de maior poder aquisitivo. Aqui, de alguma forma, esta lógica prevalece, no
entanto, é preciso observar as características próprias do bairro, pois muitas das escolas
privadas, sobretudo pré-escolas, são improvisações de salas em casa de professores,
geralmente leigos. Isto significa que a ausência de políticas públicas é preenchida nos
bairros populares por um mercado que oferece condições muito mais precárias do que o
próprio poder público, com conseqüências graves para a formação da população,
incluindo o aprofundamento da desigualdade racial.
255
81
É diretora da Escola Municipal de Plataforma, cargo eleito que resultou de uma das conquistas
importantes das lutas do movimento de professores, com apoio do movimento de bairro, que livrou a
educação do extremo clientelismo que dominou as indicações políticas para diretores de escola. Trata-se
de um relatório manuscrito que a diretora ofereceu à autora, depois da entrevista em 2005.
256
Cor ou raça
Total
Anos de estudo Branca Negra
De 1 a 4 anos 729 29,1% 5.199 35,5% 5.928 34,6%
De 5 a 8 anos 921 36,8% 5.135 35,1% 6.057 35,4%
De 9 a 11 anos 788 31,5% 4.169 28,5% 4.957 28,9%
De 12 a 16 anos 56 2,2% 122 0,8% 178 1,0%
17 ou mais anos 10 0,4% 10 0,1%
Total 2.504 100,0% 14.626 100,0% 17.130 100,0%
Fonte: Elaboração própria, a partir de IBGE (2000).
IBGE. Ou seja, por estes critérios, aqueles que concluíram a primeira série do ensino
médio, até os que concluíram, no mínimo a terceira série, e no máximo a quarta série do
segundo grau, estão neste grupo. No nível superior, chega-se apenas a 1,0% e os que
têm pós-graduação são quase invisíveis (Tabela 32). São recorrentes as analises
acadêmicas e políticas de que a escolaridade é fundamental na sociedade do
conhecimento para o acesso a vários bens, inclusive a chegada de negros à classe média,
que é pequena, na cidade, e particularmente no bairro, como mostram os dados.
Os estudos de José Sérgio Lopes (1979, p. 15) mostram que a variedade de estilos
258
das vilas operárias não altera o objetivo principal de sua existência, ou seja, a
imobilização da força de trabalho. Ele mostra que o modelo de vilas implantadas em
forma de arruado “representa o controle, a vigilância e a observação, mesmo indiretas,
que são características nesse tipo de vila”. Também representa para o gerente a
assiduidade dos operários, sua pontualidade. Em Plataforma, esta estrutura hierárquica
está bem representada, de um lado pelas casas dos gerentes transformadas, atualmente,
em escolas públicas, e pelas casas simples, no entorno da fábrica. E do outro, a estrutura
organizacional da vila que nos reporta ao modelo casa-grande e senzala, nos seus
princípios fundadores.
A primeira vila operária foi fundada em Salvador em 1891 e contava com 258
casas, com modernos equipamentos anexos (Dumêt, 1998:21 apud. VASCONCELOS,
2002, p.266), por iniciativa do de Luiz Tarquínio, filho de lavadeira descendente de
escravos, em Itapagipe, com 1.600 operários (DUMÊT, 1998:21, apud
VASCONCELOS, 2002, p.266). “Idealizou construir fábricas de tecidos com as
melhores máquinas e técnicas existentes na Europa” e construiu vilas operárias com
moradias de tijolos e telhas, área de lazer e escolas para crianças e adultos (TAVARES,
2001, p.366). Disso deduz-se que a construção da vila operária de Plataforma se fez de
uma forma mais espontânea e precária, já que a fábrica São Brás era mais antiga (1875).
A hipótese, baseada nas poucas informações históricas e memória social dos moradores,
sobre a senzala, que se situava muito próxima ao local onde foi construída a fábrica é
que tenha continuado nessa condição por muito tempo, e os libertos tenham construído
seus casebres, pois na memória dos moradores aparecem as “casinhas de palha e
sopapo”. De acordo com uma moradora do Mabaço de Baixo, que nasceu e vive no
bairro: “Tudo aqui era casa de sopapo coberta de palha. Aos poucos fomos
melhorando”. Todavia, de acordo com Rosana Castagno (1990, p. 16), que fez um
estudo de caso sobre o bairro em sua dissertação de mestrado em urbanismo na UFBA,
a Companhia Progresso e União Fabril não assumiu a construção de moradias para os
funcionários, cabendo esta atribuição aos operários. Segundo ela, a empresa limitava-se
a arrendar os seus terrenos, priorizando a ocupação das glebas que julgasse mais
convenientes, ou seja, nas proximidades da fábrica e em alguns trechos ao longo da via
férrea (atual rua dos Ferroviários). Considerando-se, contudo, que alguns moradores são
inquilinos da empresa, é provável que mesmo não sendo organizada como a vila
operária de Itapagipe, a empresa tenha construído algumas casas, ainda no período de
259
Cor ou raça
Total
Condição do domicílio
Branca Negra
pagamento do foro, e grande desconfiança da forma como a empresa adquiriu tanta terra
e sua legalidade apenas em 1932. Para a pergunta espontânea e única sobre o
pagamento, obteve-se respostas como: “não provam; são ladrões; não são donos; não
fazem benefícios; já pagamos demais”. A consciência difusa dos moradores sobre a
exploração de classe e o uso social da terra tem sustentado a mobilização, por todos
estes anos, e atualmente, chegou ao Judiciário depois de inúmeras derrotas no plano
político-administrativo. Os moradores atribuem este fato ao poder da tradicional família
Catharino Gordilho, que influencia prefeitos, vereadores, deputados, etc, incluindo
principalmente o Judiciário, no qual a família tem muitos advogados, inclusive
professores da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia.
82
Na referida reunião ele apresentou à comissão da AMPLA o recibo do ex-deputado do MDB adesista,
um carlista. O deputado ganhou adesão dos moradores sendo reeleito para algumas legislaturas, inclusive
por ter sido um operário da fábrica São Brás.
262
fábrica é de 1875. Este registro, tanto tempo depois, é um dos pontos de contestação dos
moradores, que acreditam em grilagem, o que foi expresso na citada pesquisa de
opinião. Mas, de acordo com Sardenberg (1997, p. 20): “A documentação pertinente à
fusão dá conta de um rico patrimônio no qual se incluíam as vastas extensões de terra
pela cidade, particularmente na área conhecida hoje como Subúrbio Ferroviário, onde se
localiza Plataforma”.
Embora sem apoio jurídico gratuito (todas as tentativas foram feitas), e recursos
para pagar advogados, a entidade não desistiu de lutar, mesmo oscilando entre grandes
mobilizações e refluxos, pela própria magnitude do problema, dos dramas cotidianos
dos que sofrem maior pressão da empresa, que, é claro, também trabalha no campo da
persuasão, com todo o aparato de que dispõe, a AMPLA continua atuante.
No atual estágio da luta pela terra, a AMPLA constituiu uma ação judicial de
Usucapião Especial Coletivo de Imóvel83 assumida por um jovem e destemido
advogado, que também é professor da Faculdade Jorge Amado e tem uma parceria com
a entidade num trabalho de assistência judiciária, que faz parte de um processo de
democratização do judiciário. Numa audiência de conciliação, no Fórum Ruy Barbosa,
em 23.05.05, da qual participei juntamente com os diretores da AMPLA, as diferentes
representações se puseram com todo o ritual do poder que lhe é característico: juiz,
representante do Ministério Público, advogados da empresa de um lado e, do outro,
advogado da AMPLA e seus representantes. Durante o tempo da audiência, os
advogados da empresa desdenhavam da ação, tanto em palavras quanto no olhar que
lançavam sobre os representantes dos moradores. Não houve conciliação, como
previsto, e os advogados da empresa manifestavam bastante certeza na vitória da sua
causa. É relevante dizer que a entidade não aceita legalização das terras que signifique
qualquer indenização para a empresa, seja da parte dos moradores seja pelo poder
público, por entender que estaria, mais uma vez, garantindo mais lucros para a empresa.
No caso das terras de marinha, o governo federal está fazendo a legalização. Resta
encontrar uma solução mais ampla para que os moradores tenham assegurado o “Direito
à Cidade”.
comete (ameaça de despejos, vendas arbitrárias de quintais e até mesmo casa com
morador, sem conhecimento do próprio, etc.). Além disso, os debates atuais sobre o uso
social do solo urbano desenvolvidos no âmbito da sociedade e do Ministério das
Cidades84, dão mais esperanças aos moradores.
Para Lobato Corrêa (2000, p.16), “os proprietários de terras atuam no sentido de
obterem a maior renda fundiária de suas propriedades, interessando-se em que tenham o
uso mais remunerador possível, especialmente uso comercial ou residencial de status”.
No caso da União Fabril, como não é possível mais a valorização residencial de status,
dado que o Subúrbio Ferroviário é densamente ocupado por pessoas de baixa renda,
apesar da sua beleza natural, porque representaria uma expulsão gigantesca, talvez
intolerável num Estado de direito, usam-se outros mecanismos de coerção. Sem que o
processo urbanização da pobreza, característico do Subúrbio Feroviário, e em particular
de Plataforma, seja facilmente reversível, a empresa utiliza-se da valorização dos
bairros, com a infra-estrutura conseguida por anos e anos para obter lucros, como tem
feito. Ou seja, mesmo que os imóveis sejam populares, a empresa lucra tanto no grau de
urbanização das áreas, como no de todas as melhorias dos imóveis realizadas pelos
inquilinos e pelos que construíram suas casas nos terrenos, que os moradores preferem
dizer “que eles dizem ser deles”. Ou seja, isso significa que o interesse é no valor de
84
Após 13 anos de luta, foi aprovado o primeiro Projeto de Lei de Iniciativa popular que, com mais de
um milhão de assinaturas de apoio, tramitava no Congresso Nacional desde 1993. A Lei Federal n.º
11.124, que institui o Sistema e o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS) e seu
Conselho Gestor, foi regulamentada em 06 de junho de 2006.
264
troca e não no valor de uso (CORRÊA 2000, p.16). Note-se ainda que este processo se
repete em terras de Marinha, que têm uma faixa bastante expressiva onde, inclusive, se
localiza a antiga fábrica.
No que diz respeito aos imóveis de aluguel, em boa parte casas da fábrica, seus
moradores sofrem todo tipo de pressão por parte desta. Tal pressão vai, de ameaças
verbais, com funcionários visitando casa por casa, a aumentos extorsivos dos aluguéis, à
venda das casas, habitadas há décadas por ex-operários e operárias que, por várias
gerações ocupam as mesmas, havendo casos de ocupação por mais de um século. A
estratégia da empresa é avaliar a casa a partir de todas as melhorias feitas no imóvel, até
a valorização da rua, colocando preços que os moradores não conseguem pagar. Muitas
casas têm sido vendidas neste processo. Apenas para citar um exemplo, que consta no
livreto: uma ex-operária aposentada (não pela fábrica, que não cumpria a legislação
trabalhista, como contam ex-operários), conta que a casa ocupada pela família desde o
século XIX, onde passou sua infância teve um aumento de R$5,00 para R$70,00 reais,
quando seu salário era de R$120,00, grande parte gasta em remédios. Isto a levou ao
desespero: “Pensei em me jogar na linha do trem. Mas rezei muito a Deus que me deu
forças e resisti”. Um outro morador, também ex-operário, que construiu sua casinha e
sofre com os constantes aumentos de foro, como os demais moradores, traduziu assim o
impasse, numa das muitas assembléias na sede da AMPLA: “A casa é nossa e eles
dizem que o terreno é deles. Então eles tirem o terreno e deixe nossas casas flutuando”!
Nos anos 1980, numa reunião com o poderoso empresário Luiz Catarino, para
discutir o problema da terra, e de uma invasão em um dos seus terrenos, ele disse à
comissão de moradores: “Eu sempre fui muito bom para Plataforma, vocês é que não
reconhecem. Minha empregada é uma negra muito querida na nossa família”.
Um bairro como Plataforma, que tem sua força de trabalho, suas relações sociais
historicamente ligadas a fábrica, ou seja, já teve a maioria de seus moradores ligada em
algum momento de sua vida à experiência de fábrica, atualmente, por todas as
transformações ocorridas no capitalismo contemporâneo não tem no sindicato, a sua
265
Assim, não se percebe uma solidariedade de classe e raça, mas apenas uma
solidariedade comunitária, produzida pela vida em comum e mesmo assim de forma
muito parcial. É relevante ressaltar o papel fundamental das mulheres nestas lutas, ao
contrário do que aconteceu com sua condição de operárias da fábrica têxtil, quando não
se envolveram com o movimento operário da época (SARDENBERG, 1997, p.28). Este
aparente paradoxo não é objeto de nossa análise, embora fundamental para endender o
processo histórico do bairro e dos antagonismos e conflitos sociais de base racial e de
gênero criados na sociedade capitalista.
A análise sociológica das mudanças sociais ocorridas nos últimos anos no âmbito
da massificação de consumo de bens urbanos e o que eles representam status social
como o de realização pessoal por meio destes bens considerados distintivos de
diferenciação social, além do conforto que proporcionam, é possível imaginar o estigma
daqueles que se vêm numa condição distinta desse padrão na sociedade contemporânea.
Entre os bens urbanos que indicam bem-estar social que simbolizam a modernidade
escolhemos três para verificar o grau de desigualdade racial num bairro com as
características sociais como Plataforma (telefone, máquina de lavar roupa e automóvel)
apesar de haver em outros bens quase universalizados como televisão, geladeira e até
radio diferenças raciais importantes. Portanto, não analisaremos todos os bens estudados
na escala intra-urbana, mas acreditamos que estes simbolizam bem as diferenças
escalares e permitem a comparatibilidade entre os grupos raciais.
5.8.1 Telefone
O bairro, de acordo com a Tabela 34, tem um número pequeno de domicílios com
linha telefônica instalada (36,4%). Apesar disso, a distribuição racial mostra uma
diferença percentual significativa entre brancos e negros, na medida em que os
266
domicílios brancos representam 41,4% com este bem, enquanto os dos negros
representam 35,5%.
No que diz respeito à máquina de lavar roupa, o número de domicílios com este
equipamento muito importante, sobretudo para as mulheres, considerando-se o
machismo que permeia todos os espaços da sociedade, está presente em número muito
menor de domicílios (14,3%), conforme Tabela 35. A sua distribuição com recorte
racial também revela desigualdades expressivas. Enquanto nos domicílios de brancos há
23,9% deste equipamento, nos domicílios de negros, apenas 12,6%. Comparando-se
com a situação racial da cidade, observa-se que a posse de bens urbanos é um dos
maiores indicadores de desigualdade racial, entre brancos e negros, em qualquer escala.
No bairro, os que têm poder aquisitivo para consumo dos bens da classe média,
são uma minoria, no sobretudo quando se faz o recorte da cor ou raça. Neste caso,
percebe-se que os negros têm uma situação bem mais desfavorável que os brancos,
como observado para a cidade, embora estejam no mesmo espaço social e físico de
grandes carências de serviços públicos, e até mesmo de privados, o que faz com que as
reivindicações de bens e serviços sejam objeto de lutas permanentes dos movimentos
sociais, sem muito sucesso.
85
Considera-se como tendo automóvel, para uso particular, o domicílio em que um de seus moradores
possua um automóvel de passeio, ou veículo utilitário, para passeio ou locomoção dos membros do
domicílio; para o trabalho, assim como o veículo utilizado para desempenho profissional de ocupações,
como: motorista de táxi, vendedor que tem necessidade de transportar amostras de sua mercadoria para
atender ou solicitar pedidos etc., desde que também utilizado para passeio ou locomoção dos membros da
família (IBGE, 2000).
268
No que se refere à distribuição dos serviços urbanos, tal como acontece na cidade,
se repetem aqui as vantagens da pequena população branca em relação à negra, como
pode ser visto nas Tabela 37, Tabela 38 e Tabela 39. Entre os vários indicadores de
bem-estar urbano, vamos analisar três, fundamentais para a saúde da população: rede de
saneamento básico, coleta de lixo e calçamento de ruas, principalmente os dois
primeiros. Começando pela rede de saneamento (Tabela 37), além de ser limitada a
apenas 65,9% do bairro, o serviço é racialmente injusto, uma vez que 68,7% dos
domicílios brancos contam com o serviço de responsabilidade pública, enquanto os
domicílios negros apenas 65,9% têm este direito.
A análise desagregada, por cor ou raça, mostra que os domicílios de brancos são
mais atendidos pelo serviço geral (61,8% contra 50,8% dos negros), o que confirma o
racismo institucional no serviço público, como vimos na cidade.
Embora não seja uma tradição do movimento de bairro tratar da questão ambiental
(pelo menos no sentido que predomina nos movimentos ambientalistas de classe média),
por força da omissão dos poderes públicos, a AMPLA procurou solução para os graves
problemas ambientais do bairro, tanto reivindicando solução junto aos órgãos públicos
municipais e estaduais, como fez e faz ao longo da sua existência, como buscando
outras alternativas. Assim é que, a partir de antiga relação com setores da UFBA, desde
a implantação da creche comunitária, buscou ajuda no Projeto Espaço Livre de
Pesquisa-Ação/Mestrado de Geografia da UFBA. Este projeto com atividades em
270
Cor ou raça
Calçamento ruas Total
Branca Negra
Total 1.674 53,5% 7.664 41,7% 9.338 43,4%
Parcial 685 21,9% 3.088 16,8% 3.773 17,5%
Não existe 695 22,2% 6.499 35,4% 7.194 33,5%
Ignorado 74 2,4% 1.122 6,1% 1.196 5,6%
Total 3.128 100,0% 18.373 100,0% 21.501 100,0%
Fonte: Elaboração própria, a partir de IBGE (2000).
Estes dados nos dão elementos para analisar até que ponto as distâncias social,
racial e espacial, entre os dois bairros, e no interior de um deles, colocados como
exemplo da organização sócio-territorial, são produzidas por mecanismos de mercado
(idéia da mão invisível de Adam Smith) e/ou mecanismos de Estado, que operam na
produção das desigualdades territoriais, como pode ser verificado nos serviços de
saneamento básico, e até mesmo no calçamento de ruas. Isto revela um padrão de
segregação espacial entre as raças, onde o negro, mesmo num bairro popular, usufrui de
serviços e equipamentos sociais em quantidade e qualidade piores que os brancos. Ou
seja, o racismo institucional naturalizado mantém as diferenças e desigualdades nas
diferentes escalas.
Quanto à observação direta, meu trabalho foi facilitado por ser ex-moradora (20
anos). Realizamos entrevistas com pessoas representativas de diferentes segmentos e
jovens do bairro, gravadas a partir de um roteiro, com perguntas estruturadas (em
apêndice) nas questões específicas sobre percepções e atitudes em relação a
estereótipos, discriminação e desigualdades raciais. Para a análise da percepção destes
moradores, dividimo-los em dois grupos.Um, que se constituiu de 12 pessoas-chave,
com representatividade social em diferentes áreas: educação (diretores de escolas
públicas e privadas); religião (Candomblé, Umbanda, Católica e Evangélica – uma das
correntes, uma vez que são muitas); Cultura (Clube Recreativo – único que ainda
funciona); no que diz respeito à saúde, não entrevistamos pessoas da direção, porque
não moram no bairro. Esse grupo tem idade variando de 30 a 50 anos.
Para todos os participantes da nossa pesquisa existe racismo no Brasil (Tabela 40),
posição semelhante à revelada pela pesquisa Datafolha, de 1995, e repetida pela
Fundação Perseu Abramo, oito anos depois.
273
Para Bokany &Venturi (2005, p.17-36), é relevante saber se essa queda nos
índices reflete uma mudança real de atitude das pessoas, ou se se trata de mudança
apenas retórica, expressão de mais atenção para o discurso "politicamente correto" – ou
ainda, se o preconceito racial está mudando de feição, buscando subterfúgios mais sutis,
e a escala utilizada na pesquisa é que estaria insuficiente para captá-lo. Acreditam que,
sem descartar a terceira alternativa, que requer outros desafios metodológicos, de
desenvolver novos instrumentos, sensíveis a eventuais novas formas de pressão de
preconceito de cor, as duas primeiras hipóteses sejam mais complementares que
excludentes. Para Costa Pinto (1998, p.169), o significado de uma análise desse tipo não
está apenas no plano metodológico, mas também no fato de captar discrepâncias entre a
atitude real e a opinião confessada.
vergonha de revelar. Assim é que, nas repostas sobre a questão, uma parte importante
coloca, com certo constrangimento, algumas histórias que revelam, como nas relações
interpessoais no cotidiano do bairro ou da cidade, o preconceito e a discriminação são
mais comuns do que se imagina; ou o que os defensores da “democracia racial” implícta
ou explicitamente colocam, defendendo ou não as elites brancas, ou parte delas, como
pode ser analisado pelos depoimentos dos moradores.
Em outra fala, esta loja é novamente citada: “Uma colega na Lojas Americanas foi
barrada, mas as brancas não”. Seria um equívoco interpretar o estabelecimento como
local da maior manifestação de discriminação racial da cidade, pois ele foi apenas o que
foi flagrado numa atitude comum, de se achar que negro é sempre um suspeito em
potencial.
86
Trata-se de uma ação idenizatória, impetrada pela mãe de uma adolescente negra, que comprou um
caderno nas lojas Americanas, em Salvador e foi acusada de tê-lo roubado.
275
Esta entrevistada, que trabalha numa escola particular e tentou várias vezes a
UFBA sem conseguir, afirma: “Na Faculdade, por morar em Plataforma os professores
perguntam, pela violência, pelo ladrão do bairro e se dizem surpresos porque eu
consegui chegar à faculdade”.
mesma direção: “Mas meu primo foi barrado no bloco por ser mais negro”.
Esta, por sua vez, coloca-se abertamente sobre a discriminação sofrida na escola:
“Colegas de escola falavam comigo - tribufu toma banho e não passa pó - aí eu ia pra
casa chorando, mas não dizia nada pra ninguém. Você fica magoada aí chegava em casa
chorando. Hoje alguns deles quando me encontram falam pra namorar comigo aí me
lembro disso e lembro logo a eles isso. É minha vingança”. Note-se que o termo tribufu,
é na linguagem popular baiana, um indivíduo muito feio, beiçola, beiço de mula, que se
refere às características físicas das pessoas negras elevadas ao máximo de desprezo, de
inferiorização da pessoa, o que, aliás, a vítima expressou com clareza. Em outro
depoimento, pode-se avaliar também, o ambiente escolar de reprodução do racismo
naturalizado pelas crianças e adolescentes de um mesmo grupo social: “Uma prima
minha não gosta quando chamam ela nega maluca, mas na escola sempre falam isso
com ela. Não adianta ela brigar que não pára.” Note-se que os fenótipos negros, como
lábios grossos, cabelo crespo, pele mais negra, são os maiores objetos de rejeição.
De fato, no caso desta diretora da Escola Municipal, que assume sua negritude,
não há dúvidas sobre o racismo na escola em geral, e assim fala, da escola que dirige:
“Há racismo dentro da escola sobretudo em relação às meninas negras. Elas olham para
baixo nas brincadeiras. Minha família sempre me ensinou a ter orgulho da nossa raça,
mas meu filho não quer ser negro!”. Desse modo, o olhar atento, no plano da
sociabilidade cotidiana, das relações interpessoais no interior da escola, possibilita
captar as dificuldades da criança negra, para ajudá-la na construção de sua auto-estima.
Contrariamente, se a escola não for um espaço de desconstrução do racismo, e de
preparação do indivíduo para o exercício da cidadania, ou seja, para sua participação
277
Para uma análise melhor das novelas, por exemplo, seria necessário tê-las
acompanhado para saber até que ponto não reproduzem os estereótipos sobre o negro.
Numa entrevista à TVE, a atriz Zezé Motta, por exemplo, chamava atenção sobre isso,
inclusive para o fato de a escrava Isaura ter sido interpretada por uma branca.
que eles realmente são’; c) 33%: ‘de uma maneira negativa – piores do que eles
realmente são’.
Mas também fazem outras referências, como: “Na reportagem onde uma banda de
negros foi mandada a entrar pelo elevador de serviço”. Como o principais meios de
acesso à informação e ao entretenimento da maioria dos brasileiros, especialmente dos
pobres, são a televisão e o rádio, as referências são todas ligadas a estes: “Os casos da
TV – o bispo da Igreja Universal chutando Nossa Senhora Aparecida”, o caso das
Americanas, por exemplo.
Para a maioria, o rádio tem menos racismo, porque a pessoa não aparece. De um
lado, isso é verdadeiro, já que o racismo brasileiro se pauta muito na aparência, por
outro lado, mostra as dificuldades de se perceber os conteúdos que este meio de
comunicação, tão popularizado, pode transmitir, e transmite, pois não é neutro como os
demais.
impacto na visão dos moradores sobre a questão, além, é claro, de certa visibilidade dos
movimentos negros, principalmente os de natureza cultural, como Ilê Aiyê e Olodum.
chegou pra mim e disse: “sabe que você é uma nega muito bonita?”
Antigamente havia mais discriminação. Os rapazes piorou ainda mais, só
elogios, mas eu não como nada disso, porque pelo fato de eu ser negra, pra
mim eu penso assim...Na minha mente só quer se aproveitar de mim porque
sou negra. A primeira coisa que vem...Estava numa loja e entrou um rapaz e
ficou me olhando assim... e pensei que só quer se aproveitar!
Este outro depoimento mostra uma das faces do racismo nas relações de trabalho,
quando são superadas as barreiras para conseguir um emprego. As relações entre mulher
negra e mulher branca ainda segue de alguma forma o padrão da “casa-grande” que
cumpre a mulher branca mesmo fora do ambiente doméstico:
Olha vou contar um caso a você. Tava trabalhando numa loja Família de
Calçados, na Avenida Sete, não sei se você conhece. A dona ... Você acredita
que eu tava trabalhando com uma colega dela de outra loja dela aí a outra me
chamou pra trabalhar. Mas aí eu soube que ela não gostava de negro de jeito
nenhum. Aí perguntei a dona porque ela queria que eu trabalhasse na sua
loja?Ela aí disse: porque você é um nega bonita e chama a atenção dos
clientes. Isso quer dizer que mesmo ela dizendo que eu sou bonita, me
discriminou. E aí eu não fui trabalhar. Disse que só me queria porque eu
chamava a atenção dos homens. Fiquei chateada.
Esta senhora, por sua vez, mostra que as relações raciais não mudaram tanto,
comparando sua situação à anterior: “As pessoas tendem a esconder e dizer que não têm
racismo, mas quando ainda jovem fui pedir emprego no gabinete de Julieta Viana
(mulher do governador) e me disseram: ‘Ninguém quer ser mais empregada doméstica”.
A pergunta sobre frases racistas relativas a negros, brancos e índios são exemplos
disso. Esta reação também pode estar associada, tanto ao fato de estarem social e
fisicamente muito próximos, como talvez, principalmente, por viverem num mundo de
negros. Assumir o próprio preconceito não é nada fácil, numa sociedade onde
predomina a ideologia de democracia racial. Em conseqüência torna-se mais comum
projetar o preconceito e o racismo para um plano mais geral, para o conjunto da
sociedade.
Por outro lado, os que representam os 12,5%, afirmam: “Não me lembro!” “Não
devemos ter racismo porque todos somos gente. Mas não é tanto porque aqui se valoriza
o negro por causa da cultura. Tem mistura de culturas diferentes”. “Os próprios negros
se discriminam”. “Em Salvador tem racismo mas não é tanto assim, porque se valoriza o
negro por causa da cultura daqui. Eu acho que há valorização do Pelourinho com o Ilê, o
Olodum...
Quanto à separação bairro rico bairro pobre, não há dificuldade dos entrevistados
em apontar os problemas, porque as hierarquias entre as classes sociais e,
conseqüentemente, entre bairros, onde residem as classes média e alta, são dados como
fatos naturais. Desse modo, as pessoas afirmam: “Acho que tem diferença entre
Plataforma, a Barra e o Caminho das Árvores. Depende da situação financeira. Escolas
melhores, faculdades, serviço de transporte coletivo. Governo já coloca assim. Os
políticos principalmente só olham para o bairro rico, só vêm aqui quando querem voto!
Os bairros ricos são mais cuidados, têm mais empregados. Pela classe. Pela cor e pela
classe. Pela cor e pela classe porque a maioria é de negro. Pobre não tem condição de
morar na Barra, Pituba... Poder econômico... Por que as pessoas sem recursos moram
em bairros pobres? Por que pessoas pobres moram em bairros pobres? Sempre tem
separação pela cor e pela classe. Situação financeira e cultural. Só olham para os bairros
ricos. Subúrbio é discriminado e orla é valorizada. “No bairro rico o racismo é maior!
as pessoas tendem a colocar mais dúvidas sobre o significado disso, dadas as formas de
engendrar a organização espacial da cidade, pelos mitos da baianidade, da cidade
inegalvelmente negra, da mistura das raças, do multiculturalismo, a cidade que reúne a
todos indistintamente, tão bem utilizado, intensamente, pelas elites brancas de todos os
segmentos, especialmente, as ligadas ao turismo e à política.
Apesar disso, cremos que de modo análogo à mudança de discurso, essa outra
mudança de comportamento das pessoas entrevistadas também deve ser vista
positivamente, ainda que haja um grupo que não perceba as expressivas desigualdades
raciais na cidade e no bairro, como já comprovadas. Isso só mostra que o racismo se
recicla, pois atualmente precisa ser mais camuflado do que era antes, porque a crítica
social ao preconceito e à discriminação raciais cresceram, sendo as novas formas em
que se estaria manifestando mais sutis, decorrentes da vigilância maior exercida não
apenas pelos movimentos negros, mas por outros segmentos sociais que
compreenderam a magnitude do abismo social entre brancos e negros, onde Salvador
figura entre os maiores exemplos de desigualdade racial no Brasil, como já dito
anteriormente.
No que diz respeito aos que não crêem em separação entre bairro negro e bairro
branco, o depoimento abaixo é muito representativo do significado da ideologia racial
nos segmentos sociais negros, que buscam, nos exemplos de racismos mais radicais, a
explicação para justificar a sua própria condição:
Aqui não! Em outros paises eu sei que existe negro não pode passar para o
lado do branco senão é rolo, e ainda não pode dizer nada. Se passar morre!
Mas aqui no Brasil, graças a Deus, eu não conheço ainda porque se existisse
eu sairia daqui! Não, não existe mesmo na Graça, por exemplo, que é de rico.
Então tudo bem, entre 10 famílias você pode ver um negro que tenha uma
classe mais ou menos dentro da Graça. Não é só de branco.
Note-se, neste depoimento, a veemente indignação com a idéia de segregação
racial, numa cidade de negros, de mistura de raças, de culturas, como vários moradores
afirmaram. Neste aspecto, há uma emblemática conexão entre as classes sociais quando
se observa o depoimento desta jovem negra, provando como o mito da democracia
284
racial ainda tem uma impressionante força em todas as classes sociais, frações de classe
e raças no Brasil. Refletindo os processos ambíguos do nosso racismo, esta jovem
afirma:
Não diria bairro branco versus bairro negro, mas bairro que tem mais negro,
como o Subúrbio e mais brancos, como o Caminho das Árvores, Barra... e
negro como Plataforma. Não é como a África do Sul e Estados Unidos. A
separação é por causa do nível de renda, vem da época do Brasil-Colônia.
Outros, contudo, afirmam com alguma clareza que existe segregação, ainda que o
primeiro coloque o Pelourinho, que não é mais bairro residencial, como exemplo. Isso
se deve, provavelmente, ao forte simbolismo do lugar e ao fato de ser, paradoxalmente,
o espaço das manifestações culturais e políticas dos movimentos negros, principalmente
dos culturais como Olodum, Araketu, Ilê Aiyê87: “Pelourinho é negro! Plataforma é um
bairro negro porque tem muita gente escura, e a Graça tem mais branco, porque lá é
classe média e alta”. Outros ainda afirmam:
Oxente! Amaralina, Ondina, Jardim de Alah, tudo branco. “Voltando ao
bairro branco e bairro negro. Existe uma má distribuição de renda.
Geralmente são os brancos que têm as melhores condições. Há concentração
de negros em bairro pobre.
Note-se que as metamorfoses ocorridas em Plataforma são bem diferentes das do
Pelourinho que, na sua longa trajetória, passou de lugar das elites escravistas, onde
estava presente o pelourinho, simbolizando a autoridade e a justiça régias, para a
burguesia emergente na cidade republicana, que posteriormente a abandona rumo a
áreas mais ao sul, e até hoje permanecem com seus tradicionais territórios, como Graça,
Barra, etc. Ou seja, na medida em que o lugar vai se valorizando (ou revalorizando), os
brancos vão ocupando posições hegemônicas.
87
Jeferson Bacelar (2001, p.198) faz interessante análise sobre a induústria cultural na pós-modernidade, e
como os grupos dominantes brancos recriam formas de racismo ainda mais sutis, usando a cultura afro-
baiana.
285
Observe-se que no nível mais próximo do lugar de moradia vai ocorrendo uma
diminuição no índice dos que reconhecem a existência do racismo. Saímos dos 100%,
286
em relação ao Brasil, para 87,5% na cidade, até o nível do bairro, com 70,8% (Tabela
44) dos que o percebem, no próprio bairro, com explicações para suas causas, que vão
desde as questões das classes sociais às raças, como as seguintes.
E do outro lado, os que não acreditam que o racismo possa acontecer no seu
bairro, mas permeado de ambigüidades, como mostram estes depoimentos: “Aqui é
287
lugar de negro, nem tem condição”; ”Os de pele mais clara despreza os negros”;
“Racismo aqui é a cor das pessoas que têm uma coisinha e quer humilhar”.
Em suma, como observa Costa Pinto (1998), para as discrepâncias entre atitude
real e opinião confessada, na situação racial brasileira, também se observa no bairro,
dada a sua natureza sutil e subjetiva das reações que ela provoca no comportamento
individual. Assim,
Essa contradição que se revela entre valores sociais e as pautas de conduta
individual não é, por outro lado, senão o reflexo de uma contradição mais
profunda e fundamental que ocorre – em conseqüência das transformações
que se operam na sociedade brasileira – entre a estrutura social e seus
produtos ideológicos (PINTO, 1998, p.169).
289
Como mostra a Tabela 45, mais de 87% das pessoas entrevistadas acham que o
bairro não está integrado à cidade por razões diversas e muito ligadas à ausência de
políticas públicas e que pode ser interpretado como uma forma de isolamento, dado o
alto percentual dos que se manifestam assim, de um lado, e o baixíssimo percentual dos
que afirmam o contrário e mesmo dos que não têm certeza. De acordo com a Tabela 45,
entre os que não acreditam que o bairro está integrado à cidade (87,5%), esta moradora
se expressa assim: “Aqui é abandonado, nossa condição de pobreza mostra isso”, e
outra acha que a razão é que o bairro “está parado no tempo, não evoluiu”.
Na mesma direção, este reforça: “Desinteresse das autoridades que não fazem
nada e desunião dos moradores”. “Dificuldades da comunidade de ter as coisas daqui
funcionando”. “Só olham para os bairros ricos”.“Faculdade, cinema tudo é nos bairros
ricos – Paralela, Orla...” Os que compartilham esta idéia, e vêm, como razão, a política,
afirmam que: ”Forma de governar, bota infra nos bairros ricos e não olham para os
pobres. Só olham para os bairros ricos. Os políticos, principalmente, só vêm aqui
quando precisa de voto. Carnaval mesmo é lá na Barra”
Por fim, apesar de todos os problemas apontados, a maioria das pessoas não
mudaria do bairro (58,3%), por várias razões: “Antigo, todo mundo se conhece; a praia,
a Geografia; vista da Baía de Todos os Santos; a AMPLA porque luta pelos moradores;
e pela história”. Para esta que morava em outro bairro também da periferia, o motivo é
religioso porque era católica e descobriu a umbanda, mas mantém, dupla religiosidade:
“Lugar onde descobri e desenvolvi minha religião”. Para outros, o motivo está no fato
de ser um bairro “menos violento e uma convivência melhor entre moradores, por ser
290
A pincipal praça do bairro é muito indicada pelas pessoas jovens, mas também
adultas, enquanto a praia, e as peladas são indicadas mais pela parte jovem. A Praça São
Brás tem um significado muito importante para a população em geral e é mesmo ponto
de encontro. Na mesma pesquisa sobre os terrenos, também perguntou-se sobre os
aspectos mais importantes do bairro, e as mulheres a colocaram como o lugar mais
importante, preferido por 26% enquanto o centro de saúde, conquistado com grande
mobilização dos moradores, ficou com 25%, por exemplo. O recorte de gênero da na
referida pesquisa permitiu perceber as diferenças. Para os homens, o aspecto mais
importante é a fábrica (mesmo fechada), que sequer foi citada pelas mulheres, apesar do
histórico delas como ex-operárias, enquanto a praça foi indicada por apenas 5% dos
homens. Como ressaltou Alejandra Massolo (1991, p.13), o desenvolvimento dos
estudos sobre a mulher, sobre sua invisibilidade da mulher, a ausência delas tanto nos
marcos teóricos como em investigações sobre as estruturas urbanas, as políticas de
Estado, nos diversos problemas de consumo coletivo e movimentos sociais urbanos,
contribuem para melhor compreender sua condição na sociedade.
Não cabe aqui a análise desta questão, mas é evidente a importância de pesquisas
que contemplem estas diferenças, porque elas pesam nas formas de encaminhar as lutas
sociais, as reivindicações específicas e generalistas nas políticas urbanas, mesmo no
caso da praça, da saúde, da educação, da moradia, que aparentemente não têm
especificidades. Além disso, é importante ressaltar que na praça estão os principais
equipamentos de sociabilidade do bairro como: a creche comunitária, que como o centro
de saúde demandou grande mobilização do bairro para conquistá-los, liderada
principalmente pelas mulheres, Clube Recreativo e a igreja São Brás (do século XVII).
É também o lugar onde ocorrem as festas de largo, tão importantes na cultura
afrobaiana, de tanta importância na cultura baiana, onde se mistura sagrado e profano.
Na realidade, aqueles que admitem mudar para outro lugar têm posições críticas
que não os opõem, necessariamente, aos que têm posição diferente, uma vez que todos
defendem um bairro com infra-estrutura boa, com os direitos a educação, saúde,
transporte, etc. em quantidade e qualidade que estes apontam.
A análise empreendida neste estudo de caso parece não deixar dúvidas de que o
racismo brasileiro prescinde de leis para garantir as desigualdades raciais, e a
segregação urbana, embora os moradores deste bairro não vivam o mesmo grau de
isolamento dos guetos americanos, guardam muitas semelhanças, no sentido da
88
Cf As mulheres da Cidade d’Oxum: Relações de Gênero Raça e Classe e o Movimento de Bairro de
Salvador (2006).
292
densidade negra e no grau de pobreza urbana. Portanto, não se precisa de favela nem de
leis para que as desigualdades raciais, as discriminações e todos os efeitos perversos do
racismo, do sexismo capilarizados na sociedade, e silenciados sob o manto da
democracia racial sejam tão eficientes.
Outra leitura que se pode fazer do resultado deste estudo de caso é que a
organização da cidade tem uma base racista, na sua totalidade, ao contrário dos que
pensam segregação apenas na perspectiva das classes sociais, ou mesmo os que utilizam
a variável raça, somente aplicada às favelas, portanto, “bolsões” de pobreza. Assim, a
trajetória histórica de Plataforma mostra, como bairro operário-popular sugere que os
estudos urbanos precisam aprofundar as raízes históricas das desigualdades territoriais
nas diferentes dimensões, olhando a cidade na sua totalidade, para que as políticas
urbanas contribuam para a construção da igualdade e diversidade no território.
Território aqui, no sentido utlizado por Milton Santos (1999):
Essa idéia de território usado, a meu ver, pode ser mais adequada à noção de
um território em mudança, de um território em processo. Se tomarmos a partir
do seu conteúdo, uma forma-conteúdo, o território tem que ser visto como
algo que está em processo. E ele é muito importante, ele é o quadro da vida
de todos nós, na sua dimensão nacional, nas suas dimensões intermediárias e
na sua dimensão local. Por conseguinte, é o território que constitui o traço de
união entre o passado e o futuro imediatos (SANTOS, 1999, p.19).
Por fim, embora com as ambigüidades características do nosso racismo à
brasileira, deve-se destacar que, apesar do grupo pesquisado no trabalho de campo não
ter representatividade estatística, é uma pequena amostra dos isolados suburbanos, e dos
significados que dão à injustiça sócio-racial vividas de um lado, e sua indignação, do
outro. É relevante também observar que a indignação manifesta é transformada em lutas
coletivas por sujeitos sociais diversos, mas sobretudo pelas mulheres, que estão, como
em outros movimentos urbanos, sobre-representadas por uma lamentável dicotomia, que
ainda persiste nas lutas dos oprimidos.
293
Como Plataforma, o bairro de Bangu tem sua origem numa fazenda, onde
predominou a atividade rural até o final do século XIX (FRIDMAN, 1999, p. 154). O
bairro iniciou-se em meados do século XVII, mais exatamente em 1673, quando o nome
‘Bangu’ foi registrado em documentos oficiais de propriedade, como o da Fazenda
Bangu, grande produtora de açúcar e seus derivados. Assim, a história de seus 4.535
km² teve início em 1673, quando foi instituída a Paróquia de Nossa Senhora do Desterro
de Campo Grande, a partir de uma capela particular, construída por Manoel Barcelos
Domingues, em fazenda de sua propriedade. Foi ali que começou a primeira atividade
econômica da região, com a fundação do Engenho da Serra.
89
Ver livro comemorativo do centenário da fábrica: Bangu 100 anos: a fábrica e o bairro. Rio de Janeiro,
1989, fonte principal sobre a história da fábrica e suas imbricações com o bairro e o Dicionário Aurélio
Século XXI.
90
O desenho aquarelado de Júlio Sena e a foto de João Carlos Horta mostram a Fazenda Bangu com uma
casa similar à casa grande, porém sem a senzala (livro Bangu acima referido).
294
Aquela região reunia sitiantes, posseiros, rendeiros e meeiros, homens livres, que
também produziam cana e outros gêneros alimentícios, ou criavam animais. Até então,
havia grande espaços vazios, e era baixa a ocupação territorial, sendo os limites das
propriedades estabelecidos naturalmente pelas vizinhanças. Quando a Fazenda Bangu
foi comprada pela Companhia Progresso Industrial do Brasil (mais tarde, Fábrica
Bangu), havia, em toda a região, apenas uma rua, a Estrada Real de Santa Cruz, aberta
para permitir a comunicação com o trabalho missionário dos jesuítas. Além do projeto
arquitetônico da fábrica ter sido inspirado no estilo de fábricas de Manchester, na
Inglaterra, seus equipamentos industriais também foram importados (SILVA, 1989,
p.17).
Na história de Bangu ainda se destaca o futebol pelo papel que cumpriu em vários
aspectos, inclusive em transpor as barreiras locais sendo objeto de estudo de Mário
Filho (2003), que estudou o negro no futebol brasileiro. O negro é, na obra deste autor,
um personagem heróico que sofre discriminação e segregação, mas luta, resiste e
afirma-se como herói nacional, ao contrário do que a sociedade da época pensava, numa
época em que o racismo explícito não estava sob pressão dos movimentos negros91. O
Bangu Atlético Clube, que é parte importante desta história, é fundado em 1904, e é
analisado desde o primeiro capítulo numa perspectiva racial que segue em todo livro:
Sabia-se quem era preto, quem era branco, o branco e o preto não se
confundiam. O Bangu podia botar um preto num time embora fosse um time
de ingleses. Tão inglês que tinha o The, era o The Bangu Atlhetic Club. A
Compahia Progresso Industrial do Brasil, uma fábrica de tecidos, brasileira,
de capitais portugueses, mandou buscar mestres na Inglaterra. Os mestres
fundaram o The Bangu Atlhetic Club (MÁRIO FILHO, 2003, p. 29).
Em síntese, analisando a questão sob este ângulo, o autor mostra que o futebol era
de brancos e muito poucas eram as chances dos negros: “Os jogadores claros, bem
brancos, havia até louros nos times, ia-se ver: inglês e alemão. Poucos morenos. Os
91
Sua primeira edição foi em 1947 e esta é a quarta edição, o que mostra a importância da obra para a
compreensão do fenômeno do futebol e sua apropriação pelos brasileiros transformando-o em uma das
identidades culturais nacionais, tendo como ator central o negro, e, portanto, numa perspectiva racial
incomum na nossa literatura.
295
mulatos e os pretos, uma raridade, um aqui, outro ali, perdiam-se, nem chamavam a
atenção” (MÁRIO FILHO, 2003, p. 29).
De acordo com a Tabela 47, o bairro tem uma maioria negra (54,1%), enquanto os
brancos representam 44,9%. Na divisão por AED, o bairro, como visto no estudo geral,
está dividido em seis AEDs, com composição racial diferenciada. Desse modo, a
hierarquização racial do bairro se configura na seguinte distribuição dos negros:
Bangu/Avenida Brasil (60%); Bangu, Avenida Brasil, Corredor (60%); Bangu, Avenida
Brasil, Marciano (62%). Atualmente, Bangu tem a maior concentração de favelas (133),
como já assinalado, ao contrário da década de 1940, que embora tenha sido grande a
expansão de favelas no Rio de Janeiro, não atingiu a zona Bangu-Anchieta, as mais
distantes dos principais locais de empregos urbanos e menor presença de favelas
(ABREU, 1997, p.106).
majoritariamente pública, ou seja, mais de 71% dos estudantes estão nesta rede,
enquanto a rede privada absorve menos de 30% dos estudantes do bairro. Em 1994, essa
rede conta também com o CIEP Célia Martins Mena Barreto, o Centro Cultural da
Região de Bangu, com sede na Rua Silva Cardoso e o CIEP Dr. Guilherme da Silveira,
no Jardim Bangu.
Cor ou raça
Rede de ensino Total
Branca Negra
Rede particular 11.808 37,7% 8.084 20,8% 19.892 28,3%
Rede pública 19.502 62,3% 30.867 79,2% 50.369 71,7%
Total 31.310 100,0% 38.952 100,0% 70.261 100,0%
Fonte: Elaboração própria, a partir de IBGE (2000).
mundo; no Brasil, foi estudada em vários aspectos por José Pastore e Nelson do Valle
Silva (2000), que afirmam:
A educação é o mais importante determinante das trajetórias sociais futuras
dos brasileiros, importância que vem crescendo ao longo do tempo. Não é
exagero dizer que a educação constitui hoje o determinante central e decisivo
do posicionamento socioeconômico das pessoas na hierarquia social. Por sua
vez, um dos principais problemas estruturais da sociedade brasileira é o baixo
nível educacional da população (PASTORE & SILVA, 2000, p.40).
De fato, no que se refere aos indicadores de escolaridade medida por anos de
estudo, observa-se que no bairro, quase 65% (Tabela 49), de sua população freqüentou
apenas o nível fundamental.
Temos aqui uma imagem forte dos efeitos do declínio da indústria têxtil. Nas
ocupações administrativas e de técnicos de nível médio estão 12,0% dos primeiros e
10,3% dos últimos, perfazendo 20,3% destes segmentos. Na distribuição dessa força de
trabalho, por cor, há diferenças raciais significativas. No serviço e no comércio, os
negros são amplamente majoritários (43,0% contra 35,9% dos brancos). Também no
setor secundário, os negros são maioria, porém com uma distância menor, uma vez que
representam 22,2% dos ocupados, enquanto os trabalhadores brancos são 19,2%. Isto
quer dizer que o proletariado secundário é mais negro, mas tem um certo equilíbrio
racial, diferentemente do que acontece no sistema de ensino, por exemplo.
Por outro lado, nas funções administrativas e técnicas, os negros passam a perder
posição. Assim, entre os trabalhadores administrativos, os brancos são 13,2% enquanto
os negros, apenas 11,2%. A situação se repete entre os técnicos de nível médio, em que
os brancos são 11,7% e os negros apenas 9,2%, embora aqui também os dois
contingentes tenham tamanho equivalente.
Quanto mais a ocupação está associada à escolaridade, como nas ciências e nas
artes, mais as desigualdades vão se aprofundando. Neste segmento, que apresenta
poucos moradores nesta condição (4,7% dos ocupados), os brancos correspondem a
6,2%, enquanto os negros são apenas 3,6%, mostrando como a menor escolaridade está
associada a limites, nas carreiras profissionais. Seguindo a seletividade do mercado de
trabalho os gerentes, que são poucos (3,1%), têm maioria branca, que excede em 80% o
300
Cor ou raça
Ocupação Total
Branca Negra
Serviço/comércio 14.059 35,9% 21.385 43,0% 35.444 39,9%
Setor secundário 7.537 19,2% 11.044 22,2% 18.581 20,9%
Administrativo 5.155 13,2% 5.470 11,0% 10.626 12,0%
Técnico médio 4.584 11,7% 4.592 9,2% 9.176 10,3%
Ciências e artes 2.438 6,2% 1.767 3,6% 4.205 4,7%
Militar 1.835 4,7% 2.085 4,2% 3.920 4,4%
Gerente 1.790 4,6% 999 2,0% 2.789 3,1%
Manutenção 1.109 2,8% 1.657 3,3% 2.767 3,1%
Mal especificada 475 1,2% 608 1,2% 1.083 1,2%
Setor primário 185 0,5% 129 0,3% 314 0,4%
Total 39.168 100,0% 49.736 100,0% 88.904 100,0%
Fonte: Elaboração própria, a partir de IBGE (2000)
No que diz respeito aos trabalhadores, que estão no mercado de trabalho formal
(Tabela 51), são apenas 43,0%, ou melhor, menos de 45% considerando-se o pouco
expressivo 1,9% daqueles que estão no serviço doméstico em condição legalizada. Do
outro lado, entre os que estão na informalidade, somando 25,2% do geral, mais
domésticos, com 4,7, estagiário ou aprendiz com 0,5%, e ajuda a membro do domicílio,
perfazem 31% da força de trabalho. Além disso, os trabalhadores por conta-própria,
com participação de 21,7%, mostram que mais da metade dos ocupados não se beneficia
da legislação trabalhista e, provavelmente, são afetados pela precarização dos postos de
trabalho.
entre os que moram em domicílios com renda de 1 a 2 salários mínimos (10,2% contra
7,4% dos brancos). Ou seja, a indigência (6,6% de negros contra 4,9% de brancos), e a
pobreza são, aqui, principalmente, negras. Também na faixa dos menos pobres (2 a 3
salários mínimos) os negros são maioria, na medida em que os domicílios brancos são
9,2% e os domicílios negros 11,3%.
Tabela 53 – Renda Domiciliar por Cor ou Raça -
Cor ou raça
Renda domiciliar Total
Branca Negra
Sem rendimento 5.432 4,9% 8.706 6,6% 14.138 5,8%
Até 1 SM 3.893 3,5% 6.650 5,0% 10.542 4,4%
De 1 a 2 SM 8.123 7,4% 13.522 10,2% 21.645 8,9%
De 2 a 3 SM 10.069 9,2% 14.926 11,3% 24.995 10,3%
De 3 a 5 SM 20.246 18,4% 26.794 20,2% 47.040 19,4%
De 5 a 10 SM 31.892 29,1% 38.278 28,9% 70.170 29,0%
De 10 a 20 SM 22.651 20,6% 19.235 14,5% 41.886 17,3%
Mais de 20 SM 7.435 6,8% 4.245 3,2% 11.680 4,8%
Total 109.741 100,0% 132.355 100,0% 242.097 100,0%
Fonte: Elaboração própria, a partir de IBGE (2000).
trajetória singular de Bangu, passando de engenho, com senzala, à fábrica com vila-
operária, para chegar a subúrbio, bastante populoso e diferenciado em áreas de maioria
branca e outras de maioria negra, em territórios urbanizados e favelas, vê-se que os
contingentes de trabalhadores negros estão concentrados nas faixas mais desprovidas de
meios de organizar sua subsistência.
acesso aos bens sob controle de empresas controladas pelo Estado, também é
nitidamente diferenciado, segundo a raça do dono do domicílio. Tanto no mercado
quanto na relação com o Estado não há igualdade de tratamento.
Tabela 55 – Domicílios com Telefone por Cor ou Raça - Bangu
Cor ou raça
Telefone Branca Negra Total
Sim 43.124 40,3% 37.658 29,5% 80.782 34,4%
Não 63.904 59,7% 89.857 70,5% 153.761 65,6%
Total 107.029 100,0% 127.514 100,0% 234.543 100,0%
Fonte: Elaboração própria, a partir de IBGE (2000).
Cor ou raça
Automóvel Branca Negra Total
Não tem 65.091 60,8% 96.635 75,8% 161.727 69,0%
1 automóvel 34.766 32,5% 28.109 22,0% 62.876 26,8%
2 automóveis 6.155 5,8% 2.560 2,0% 8.715 3,7%
3 automóveis 829 0,8% 165 0,1% 994 0,4%
4 automóveis 187 0,2% 45 0,0% 232 0,1%
Total 107.029 100,0% 127.514 100,0% 234.543 100,0%
Fonte: Elaboração própria, a partir de IBGE (2000
De acordo com Abreu (1997, p. 103), nos anos 1950, ocorreu a transferência de
indústrias remanescentes do centro, mas o que distingue o crescimento industrial da
cidade, nessa época, é a ocupação efetiva de um novo eixo de expansão fabril
implantado pelo Estado, que foi a construção da Avenida Brasil. Para o autor, a
inauguração desta avenida, em 1946, é o melhor exemplo da associação Estado-
Indústria no período. A referida avenida, que tem uma extensão de cerca de 58 km,
também dá acesso ao bairro de Bangu e, em situação normal de tráfego, leva-se cerca de
1:30 horas de ônibus, a partir do centro da cidade, até 3 horas nas horas de pico.
No que se refere ao transporte individual, o bairro tem 26,8% dos domicílios que
gozam deste “privilégio”, considerando-se que é um bem de consumo individual das
classes de melhor poder aquisitivo. Cabe lembrar que, mesmo assim, nas classes de
menor renda, geralmente a posse deste produto está associada ao mercado de carros
usados, que tem preços para diferentes faixas de renda, dependendo do ano e da
conservação do automóvel. Além disso, para muitos autônomos é um meio de trabalho.
De todo modo, mostra uma população de melhor poder aquisitivo que a de Plataforma,
que tem apenas 8,3% de domicílios com um carro, o que reflete as desigualdades
regionais.
De acordo com Lilian Vaz (2002, p. 47), o modelo de habitação higiênica para
trabalhadores foi apropriado e aprimorado pelas grandes fábricas de tecidos que se
instalaram na cidade do Rio de Janeiro no final do século XIX. Este modelo de fábricas
com vila operárias foi muito freqüente no Nordeste, como estudado por José Sérgio
Leite Lopes (1979). Mas antes da instalação das vilas operárias, eram freqüentes os
307
No caso de Bangu (não citado pela autora), a vila foi contruída em 1886, com a
função de abrigar os trabalhadores (SILVA, 1989, p. 64-65). Segundo esta autora92, ao
mesmo tempo em que se erguia o prédio da fábrica, construía-se, com sobras (grifo
nosso) de material, uma vila residencial denominada de ‘casinhas’ pelos ingleses –
técnicos e operários, próxima ao local de trabalho. Essa vila, concluída em 1892, tinha
95 casas, distribuídas por três quadras da Rua Estêvão e da Rua Fonseca. Ainda segundo
a autora, a primeira reforma sofrida por estas casas ocorreu em 1895, quando se
introduziram sanitários no seu interior, ampliando-se a cozinha e acrescentando-se um
terceiro quarto às dependências. Nesta história oficial, obviamente não aparece o
trabalhador como agente construtor do espaço, nem no pretérito nem no presente,
reivindicando melhores condições nestas moradias, reconhecidamente precárias.
Certamente ocorreram movimentos neste sentido, visto que, desde 1907, já existia o
Sindicato dos Trabalhadores em Fábrica de Tecido, a União dos Operários em Fábricas
de Tecidos e o Sindicato dos Trabalhadores Tecelões, fundado em 1917; mesmo sem
organizações formais, existem formas diversas de reivindicar direitos.
Lamentavelmente, pela falta de tempo para trabalho de campo aprofundado, não temos
a voz da classe trabalhadora sobre esta como sobre outras questões, como as analisadas
para o caso de Plataforma.
terrenos, tal como ocorreu em Plataforma. De fato, como mostra a autora supra citada,
que escreveu o livro comemorativo do centenário da fábrica, na medida em que crescia
a demanda por moradia, o capitalista foi ampliando seu capital, com a valorização
fundiária e imobiliária. Como descreve a autora:
Foi adquirida também uma residência, dando partida para outra meta, a
compra de qualquer benfeitoria na área. A partir de 1897, a Companhia
começou uma política de conservação dos imóveis, de modo a valorizá-los,
enriquecendo com isso seu patrimônio. No ano seguinte, a diretoria mandou
construir uma vala empedrada entre os quintais das casas da Rua Fonseca e
os da Rua Estêvão, cuja função era drenar o terreno, servindo igualmente para
dar pronta saída às águas pluviais, que em época de temporal causavam
grandes enchentes. Foram também realizadas compras de prédios para
acomodar famílias de funcionários. Como o número de moradias continuasse
inferior ao dos pretendentes, a Companhia resolveu em 1906 adotar a política
de concessão de terrenos para que eles construíssem suas próprias casas
(SILVA, 1989, p. 64-65).
Como em Plataforma, também foi construída uma residência dos representantes
dos patrões, ou seja, representando a hierarquia ocupacional também no território. A
hierarquia da fábrica se inscreveu no espaço urbano, como mostra a preocupação com
os “visitantes ilustres”: “(...) ainda foi construído um chalé na Rua do Engenho, cuja
finalidade era servir de residência ao administrador da fábrica e de local de recepção de
visitas ilustres” (SILVA, 1989, p. 64-65).
bairros operários da Zona Sul em bairros para a burguesia, ao impedir que fosse
instalada a ferrovia nesta região, posteriormente transformada, graças a investimentos
públicos e privados, em bairros da burguesia branca, como vimos no estudo geral sobre
a cidade. Conforme Abreu (1997, p.57), isso explica, por exemplo, porque foi frustrada
a construção da única estrada de ferro que atravessaria a zona sul da cidade. Não foi a
topografia que impediu a implantação de redes de transporte coletivo, mas a reserva de
espaços urbanos para a residência de grupos mais abastados. A diferença entre Bangu,
Gávea e Laranjeiras foi assim também fruto de suas decisões. É no século XX que a orla
oceânica da Zona Sul torna-se área privativa dos grupos privilegiados.
De acordo com a autora, a Zona Oeste foi a mais loteada da cidade nos últimos 50
anos, tanto para o mercado popular como para o mercado de altas rendas, com preços
distintos. Mas a Barra e adjacências, parceladas neste período, só foram ocupadas nos
anos 1970, caracterizando o hiato no tempo da constituição de estoques fundiários. A
distância entre o tempo de compra da terra e a verticalização é determinante para o
preço da moradia, e a Barra da Tijuca é um caso exemplar, afirma a autora. As
desigualdades socioespaciais e raciais não são obras do acaso, mas fruto de estratégias
310
No que se refere aos que vivem como inquilinos, os brancos aqui são ligeira
maioria (11,6% e 10,7%), o que não representa grande diferença com Plataforma, nem
com a distribuição no conjunto da cidade. Mas isto não permite concluir que a forma
específica de ocupação do solo, característica de bairros com origem nas vilas operárias,
determine as diferenças raciais. Entretanto, entre os que ainda estão pagando seus
311
Sem condições de analisar a questão da moradia pela sua qualidade, a única coisa
que pode indicar maiores diferenças são as favelas que compõem o bairro, e que na
divisão pelas seis AEDs, mostram uma hierarquização racial interna significativa:
Bangu/Santa Cruz/Rua Prata (60% de branco e 40% de negro); Bangu–Rua Prata Sul
(51% de brancos e 49% de negros); Bangu-Marciano-Santa Cruz (50% de brancos e
50% de negros); Bangu-Avenida Brasil/Marciano (38% de brancos e 62% de negros);
Bangu-Avenida Brasil/Corredor (39% de brancos e 61% de negros) e Bangu-Avenida
Brasil (40% de brancos e 60% de negros). Esta divisão corresponde a forte concentração
dos “pretos” pelos dados originais do IBGE. Ou seja, mesmo sendo um bairro de
maioria negra (54,1%), conforme Tabela 47, a população não se distribui
uniformemente no espaço, e a julgar por análises anteriores, é muito provável que esta
maioria esteja concentrada nas inúmeras favelas que hoje compõem o bairro, e,
conseqüentemente em piores condições de habitabilidade.
Nota-se que existe uma boa cobertura do serviço de coleta geral do lixo, que
chega a quase 92% (Tabela 58) dos domicílios. Entretanto, estas condições materiais de
vida ainda não são verdadeiramente universalizadas, pois há diferenças raciais, embora
313
não no mesmo grau observado para outros indicadores. Note-se que, mesmo o alto
número de lixo queimado em domicílios de brancos é superior ao dos negros, o que
pode ser interpretado como domicílios que dispõem de quintal, situação rara nas cidades
contemporâneas.
Cor ou raça
Coleta de lixo Branca Negra Total
Coletado por serviço
99.239 92,7% 116.149 91,1% 215.388 91,7%
de limpeza
Colocado em caçamba
5.513 5,2% 8.276 6,5% 13.789 5,9%
de serviço de limpeza
Queimado (na
1.186 1,1% 884 0,7% 2.070 0,9%
propriedade)
Jogado em terreno
260 0,2% 601 0,5% 861 0,4%
baldio ou logradouro
Jogado em rio, lago ou
195 0,2% 405 0,3% 600 0,3%
mar
Tem outro destino 635 0,6% 1.199 0,9% 1.834 0,8%
Total 107.029 100,0% 127.514 100,0% 234.543 100%
Fonte: Elaboração própria, a partir de IBGE (2000).
Por fim, as fábricas têxteis que deram origem aos bairros de Plataforma e Bangu,
atualmente desativadas, foram igualmente tombadas, mas com distintas propostas de
utilização. Em Plataforma, a AMPLA (Associação dos Moradores de Plataforma), em
conjunto com outras organizações comunitárias, reivindica um centro de cultura sob
controle da comunidade93. Em Bangu, há proposta de erguer um empreendimento
empresarial que muito simboliza o capitalismo moderno. A proposta é a transformação
da antiga fábrica de tecidos em um shopping, com seis salas de cinema. Este projeto
aprovado pela SMU (Secretaria Municipal de Urbanização) com a construção de uma
passarela, integrando a estação ferroviária de Bangu ao novo shopping, está sujeita à
análise da Secretaria Municipal de Transportes (SMT), empreendimento cujo
lançamento estava previsto para agosto de 2003, mas ainda não saiu do papel.
Os elementos que já trabalhamos dão pistas para analisar, até que ponto as
distâncias social, racial e espacial entre os dois bairros, e no interior de cada um deles,
foram reproduzidas por mecanismos de mercado e/ou mecanismos de Estado.Tanto a
análise dos dados gerais das duas cidades, como a dos bairrros de Plataforma e Bangu,
evidenciam fortes desigualdades raciais, ainda mais acentuadas em Salvador,
considerada por esta razão a capital do racismo. Portanto, as desigualdades não são
apenas frutos da distribuição desigual dos recursos econômicos, mas também entre
brancos e negros.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
residências, para verificar como a estratificação social e racial dos indivíduos se vincula
aos locais de moradia e as oportunidades sociais a que dão acesso, evidenciou-se uma
expressiva correlação entre estratificação racial e espacial. Todos os indicadores
analisados revelaram grandes desigualdades raciais, nas duas metrópoles, sobretudo em
Salvador. A distância social entre negros e brancos, mesmo quando há proximidade
espacial, revela a singularidade da segregação urbana brasileira e seus antagonismos de
classe e de raça que a fundamentam.
Se de um lado não podemos afirmar que a segregação residencial nas duas cidades
321
tem uma natureza racial clara, por não ter utilizado medidas estatísticas mais rigorosas,
do outro, pode-se afirmar que a segregação brasileira não é apenas de origem sócio-
econômica, como insiste a maioria dos estudos urbanos. Ficou evidenciado que, tanto
Salvador como o Rio de Janeiro, têm uma forma peculiar de segregação, resultado da
maneira como as elites brancas econômicas e políticas forjaram o território e tiveram,
nas elites intelectuais, a legitimação, pela ciência da retórica “democracia racial”, que
impede de enfrentar os graves problemas raciais do país, e, em particular, destas cidades
singulares, que têm seus territórios marcados por uma longa história de exclusão de
negros e índios, como mostra a oposição, no plano espacial, entre bairros ricos e
brancos bem estruturados, e bairros pobres e negros sem infra-estrutura.
Como se assinala ao longo deste estudo, construir uma outra práxis exige da
sociedade brasileira o enfrentamento dos determinantes associados das desigualdades
sócio-raciais em suas múltiplas dimensões: gênero, raça e classe. Compreender estas
dimensões das desigualdades sociais, e enfrentar as ideologias sexual, racial e de classe,
como “fatos históricos reais, por razões de lutas políticas, para tornar os governados
intelectualmente independentes dos governantes. Destruir uma hegemonia e criar uma
outra, como momento de inversão da práxis” conforme proposta de GRAMSCI (1978,
p.269-70), é a saída para a opressão sofrida pelas maiorias. Dessa forma, devemos
compreender a atuação da ideologia racial na construção de um poderoso aparato
ideológico, que mantém a população negra em desvantagens seculares, e a necessidade
de uma ampla mobilização da população negra brasileira, e investir no seu engajamento
político para as transformações sociais mais amplas, que se fazem urgentes.
94
Líder negro americano, contemporâneo de Martin Luther King, nas lutas por direitos civis nos anos
1950-60. Sobre isso, ver Wilson Prudente, Igualdade Jurídica e Pensamento Racial, 2002.
323
Por fim, esperamos que esta modesta contribuição ao debate do dilema racial
brasileiro sirva para vencer a invisibilidade da questão nos estudos e movimentos
sociais urbanos, que buscam uma sociedade onde os valores de igualdade, fraternidade e
liberdade sejam instrumentos de transformação, e não retórica que mascara, perpetua e
naturaliza as desigualdades, sobretudo raciais, que analisamos ao longo desta tese. O
nosso desafio é construir uma nação de iguais, sem subcidadãos “Inverter a práxis”,
buscando nos exemplos de Zumbi, dos Alfaiates, dos Malês, de todos os mártires da
causa da igualdade, da liberdade e da fraternidade entre os povos, a força e a inspiração.
324
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APÊNDICES
341
b. A partir da variável raça como central e por unidade de análise as pessoas, optando
por construir um conjunto de indicadores sobre a desigualdade racial urbana: 1)
educação: incidência do analfabetismo, inscrição em rede de ensino, curso mais
elevado que concluiu, se o concluiu, e anos de estudo; 2) ocupação: tipo de
ocupação, condição de trabalho (formalidade e informalidade, e rendimento; 3)
tomando por unidade o domicílio, para análise da condição de moradia: densidade;
95
Define-se Área de ponderação como uma unidade geográfica, formada por um agrupamento
mutuamente exclusivo de setores censitários, para a aplicação dos procedimentos de calibração das
estimativas, com as informações conhecidas para a população como um todo. Foram definidas, para todo
o Brasil, 9.336 áreas de ponderação e, tal como nos Censos anteriores, a metodologia de expansão da
amostra foi aplicada independentemente para cada uma delas. O tamanho dessas áreas, em termos de
número de domicílios e de população, não pode ser muito reduzido, sob pena de perda de precisão de suas
estimativas (IBGE, 2000). Para o Rio de Janeiro e Salvador foram definidas 88 e 170 AEDs,
respectivamente.
343
96
Para o papel das fábricas têxteis, com vilas operárias na industrialização brasileira, ver a clássica
monografia de José Sergio Lopes (1988).
344
97
Toda organização dos dados teve a fundamental contribuição de Agenor Garcia, doutorando em
Planejamento Energético/ PPE/COPPE/UFRJ.
345
Apesar dos povos indígenas terem uma história comum de opressão, como os
povos negros, não os incluímos na categoria negro, por entendermos a sua
especificidade como grupo racial e por não serem o objeto específico deste estudo. O
genocídio multissecular que quase dizimou os índios das Américas é gigantesco. Até
quase o final do século passado, a população total das Américas era de 720.647.000 e a
indígena de apenas 36.224.933, representando apenas 5,03% da população, distribuídos
desigualmente nos diferentes países que compõem as Américas.
Infelizmente, o recorte espacial por AED não permite que bairros, situados na
chamada área nobre, sejam uma só unidade territorial, garantindo assim analisar o grau
de homogeneidade sócio-racial, já que existem aglomerações de pobres e negros nestas
áreas, numa condição de extrema hierarquia social, e provavelmente palco de relações
nada harmoniosas. Há dificuldades para se identificar os moradores dos micro-espaços
nestas análises, o que induz a uma visão homogeneizadora das relações sociais e raciais,
de situações sócio-espaciais opostas e desiguais, marcadas por profunda desigualdade
de indicadores. Por reivindicação dos movimentos negros e dos estudiosos das relações
raciais, o IBGE promete, no próximo censo, cor ou raça, no questionário do universo, e
não apenas na amostra, como acontece hoje, o que permitirá agregações por setores
censitários e, conseqüentemente, uma maior visibilidade do panorama das cidades. Não
é demais repetir que a categoria raça está sendo utilizada neste estudo no sentido
sociológico, que assim “tem um potencial crítico e pode desmascarar o persistente e
sub-reptício uso da noção errônea de raça biológica”(GUIMARÃES, 1999, p.68). Nosso
recorte temporal refere-se apenas ao ano do censo 2000, por força da utilização da AED
como divisão territorial, que só ficou disponível a partir do último censo do IBGE,
346
f. SPSS – Statiscal Package for the Social Sciences que nos forneceu uma ampla gama
de análises estatísticas, de modo a ser possível obter a resposta mais precisa para os
tipos de dados específicos. Com o software, organizamos o banco de dados do
trabalho de campo – estudo de caso, cujo roteiro de entrevistas está no apêndice. O
SPSS favorece o processo analítico - desde o planejamento, processamento,
tabulação dos dados para análise, até o compartilhamento dos resultados com outros
pesquisadores e/ou banco de dados. O processo analítico mostra os passos
necessários para preparar os dados para análise, analisar, fazer o relatório de dados e
compartilhar os resultados.
A.5 Amostragem
O IBGE definiu como Área de Ponderação a expansão dos dados coletados pelos
questionários da amostra do Censo Demográfico de 2000, e foram calculados pesos para
cada um dos domicílios pesquisados, e estes pesos atribuídos ao próprio domicílio e a
cada um de seus moradores. As áreas de ponderação foram criadas segundo os seguintes
critérios:
1) o maior nível geográfico utilizado é o município, o que significa que uma área
de ponderação é composta por setores censitários dentro de um único município,
podendo ser o próprio município;
Desse modo, para cidades grandes como Salvador e Rio de Janeiro, por exemplo,
são 88 e 170 AEDs, respectivamente.
sua baixa representatividade estatística, não foram consideradas nas distribuições. Elas
representam, no Rio de Janeiro, quase a ignorada, que tem 45.157 (0,8%). A indígena
tem apenas 15.063 (0,3%) e a amarela 14.417 (0,2%). Em Salvador, a população
indígena é de 19.645, representando 0,8%, a amarela, de 8.009 (0,3%), e a ignorada de
17.554 (0,3%).
residual dos ignorados (0,72%). A análise do quadro mostra que a concentração dos
pretos varia no mesmo sentido que a categoria majoritária dos pardos, e ambos em
sentido inverso da categoria dos brancos. Tal evidência fica melhor demonstrada pelos
coeficientes de correlação, pois os pardos e os brancos variam inversamente, com o
coeficiente de -0,93836, e pretos e brancos com o coeficiente de -0,81768. A variação
direta entre pretos e pardos é menos significativa, já que o coeficiente é de 0,576802.
Para o Rio de Janeiro, onde os brancos são majoritários, com 58,13%, os pardos
representam 31,28%, fração acima da conhecida por Salvador, e os pretos representam
uma proporção menos da metade daquela da antiga capital do Brasil (9,31%); as
categorias de amarelos (0,25%) e indígenas (0,26%) continuam a ser inferiores, mesmo
àquele residual de ignorados (0,77%). As correlações estatísticas continuam a referendar
as tendências estudadas para Salvador. A concentração entre pardos e brancos atinge o
elevado coeficiente de -0,97572, sendo o de pretos e brancos inferior, mas também
350
escoadouro
100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
Total geral
% % % % % % % % % %
Fonte: Elaboração própria, a partir de IBGE (2000).
% % % % % % %
100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
Total geral
% % % % % % % % % %
Fonte: Elaboração própria, a partir de IBGE (2000).
A discussao sobre qual a variável mais importante para determinar classe social
está superada, sobretudo graças ao historiador E.P Thompson e Bourdieu. Para
355
também racial, à medida que os brancos que ocupam os estratos superiores destas
cidades estão recorrentemente sobre-representados nos territórios de concentração dos
capitais sociais, econômicos, culturais, educacionais e políticos promovidos tanto pelos
mecanismos de mercado como de Estado.
FAIXAS
VARI
DESCRIÇÃO CATEGORIAS CONSIDERADAS
ÁVEL
(≠ IBGE)
V0300 CONTROLE
AREA ÁREA DE
P PONDERAÇÃO
Variáveis do registro de pessoas
1- Masculino
V0401 SEXO
2- Feminino
Menos de 1 ano (M)
Até 6 anos
De 7 a 10 anos
IDADE CALCUL. De 11 a 14 anos
EM ANOS De 15 a 18 anos
V4752 COMPLETOS -
A PARTIR DE 1 De 19 a 25 anos
ANO De 26 a 35 anos
De 36 a 45 anos
De 46 a 60 anos
Acima de 60 anos
1 - Branca Branca
2 - Preta Negra (Preta + Parda)
3 - Amarela Amarela (M)
V0408 COR OU RAÇA
4 - Parda Indígena (M)
5 - Indígena Ignorado (M)
9 - Ignorado
Sem Religião
Católica
CATEGORIAS NO Evangélica
CÓDIGO DA ARQUIVO “ Estrutura Espírita
V4090
RELIGIÃO de Religião - Umbanda
V4090.doc” Candomblé
Outras Afro-brasileiras
Outras
357
FAIXAS
VARI
DESCRIÇÃO CATEGORIAS CONSIDERADAS
ÁVEL
(≠ IBGE)
SEMPRE 1 - Sim
V0415 MOROU NESTE
MUNICÍPIO 2 - Não
SABE LER E 1 - Sabe ler e escrever
V0428
ESCREVER 2 - Não sabe
1 - Sim, rede particular
FREQÜENTA 2 - Sim, rede pública
V0429 ESCOLA OU
CRECHE 3 - Não, já freqüentou
4 - Nunca freqüentou
01 -Creche
02 - Pré-escola
03 - Classe de alfabetização
04 - Alfabetização de adultos
05 - Ensino fundamental ou 1º grau - regular
seriado
06 - Ensino fundamental ou 1º grau - regular não-
CURSO QUE seriado
V0430 07 – Supletivo (ensino fundamental ou 1º grau)
FREQÜENTA
08 - Ensino médio ou 2º grau - regular seriado
09 - Ensino médio ou 2º grau - regular não-seriado
10 - Supletivo (ensino médio ou 2º grau)
11 - Pré-vestibular
12 - Superior – graduação
13 - Superior – mestrado ou doutorado
Branco - para os não estudantes
1 - Alfabetização de adultos
2 - Antigo primário
CURSO MAIS 3 - Antigo ginásio
ELEVADO QUE 4 - Antigo clássico, científico, etc
FREQÜENTOU, 5 - Ensino fundamental ou 1º grau
V0432
CONCLUINDO 6 - Ensino médio ou 2º grau
PELO MENOS 7 - Superior - graduação
UMA SÉRIE
8 - Mestrado ou doutorado
9 - Nenhum
Branco - para os estudantes
CONCLUIU O 1 - Sim
CURSO NO 2 - Não
V0434
QUAL
ESTUDOU Branco - para os estudantes
358
FAIXAS
VARI
DESCRIÇÃO CATEGORIAS CONSIDERADAS
ÁVEL
(≠ IBGE)
Estudantes ou não-
estudantes que não
concluiram curso (M)
Outros cursos de
graduação
Não superior
CATEGORIAS NO Ciências agrárias
ARQUIVO “Cursos
Ciências biológicas e da
CÓDIGO DO Superiores - Estrutura
saúde
CURSO MAIS V4535.xls”
V4355 Ciências exatas e
ELEVADO
CONCLUÍDO tecnológicas
Ciências humanas e
sociais
Letras e artes
Defesa
Branco - para os
estudantes e os não Outros cursos de
estudantes que não mestrado ou doutorado
concluíram curso.
00 - Sem instrução ou
1 a 4 anos
menos de 1 ano
01 - 1 ano 5 a 8 anos
02 - 2 anos 9 a 11 anos
03 - 3 anos 12 a 16 anos
04 - 4 anos 17 anos ou mais
05 - 5 anos Sem instrução (M)
06 - 6 anos Não determinado (M)
Alfabetização de adulto
07 - 7 anos
(M)
08 - 8 anos
ANOS DE 09 - 9 anos
V4300
ESTUDO
10 - 10 anos
11 - 11 anos
12 - 12 anos
13 - 13 anos
14 - 14 anos
15 - 15 anos
16 - 16 anos
17 - 17 anos ou mais
20 - Não determinado
30 - Alfabetização de
adultos
359
FAIXAS
VARI
DESCRIÇÃO CATEGORIAS CONSIDERADAS
ÁVEL
(≠ IBGE)
VIVE EM 1 - Sim
COMPANHIA 2 - Não, mas viveu
DE CÔNJUGE 3 - Nunca viveu
V0436
OU
COMPANHEIRO Branco - para as pessoas com menos de 10 anos
(A) de idade
Menor de 10 anos ou sem
trabalho (M)
Profissões mal definidas
Gerentes
Profissionais das Ciências
e das Artes
Técnicos de nível médio
CATEGORIAS NO
ARQUIVO “Ocupação- Trabalhadores
Estrutura.doc” administrativos
Trabalhadores de serviço
CÓDIGO NOVO e comércio
V4452
DA OCUPAÇÃO Trabalhadores primários
Trabalhadores
secundários
Trabalhadores em
manutenção
Branco - para pessoa
de menos de 10 anos
de idade ou pessoa de
Militares
10 anos ou mais, que
não tinha trabalho na
semana de referência.
CÓDIGO NOVO CATEGORIAS NO Menor de 10 anos ou sem
V4462
DA ATIVIDADE ARQUIVO “CnaeDom- atividade (M)
Estrutura.xls” Atividade mal
especificada
Setor primário
Pesca
Indústria extrativista
Indústria de
transformação
Eletricidade, gás e água
Construção
Comércio e serviço
Alojamento e alimentação
360
FAIXAS
VARI
DESCRIÇÃO CATEGORIAS CONSIDERADAS
ÁVEL
(≠ IBGE)
Transporte,
armazenagem e
comunicação
Intermediação financeira
Atividades imobiliárias e
afins
Administração pública,
defesa e seguridade
Educação pública e
privada
Saúde e serviço social
Branco - para pessoa
de menos de 10 anos
de idade ou pessoa de
Serviços e comunicação
10 anos ou mais, que
social
não tinha trabalho na
semana de referência
do Censo.
1 - Trabalhador doméstico com carteira de trabalho
assinada
2 - Trabalhador doméstico sem carteira de trabalho
assinada
3 - Empregado com carteira de trabalho assinada
4 - Empregado sem carteira de trabalho assinada
5 - Empregador
NESSE
V0447 TRABALHO 6 - Conta-própria
ERA... 7 - Aprendiz ou estagiário sem remuneração
8 - Não remunerado em ajuda a membro do
domicílio
9 - Trabalhador na produção para o próprio
consumo
Branco - para as pessoas com menos de 10 anos
de idade e pessoas com 10 anos ou mais, que não
tinham trabalho na semana de referência.
361
FAIXAS
VARI
DESCRIÇÃO CATEGORIAS CONSIDERADAS
ÁVEL
(≠ IBGE)
1 - Sim
2 - Não
ERA Branco - para as pessoas com menos de 10 anos
CONTRIBUINTE de idade e pessoas com 10 anos ou mais, que não
DE INSTITUTO tinham trabalho na semana de referência do Censo
V0450
DE e as que tenham sido classificadas como
PREVIDÊNCIA aprendizes ou estagiários sem remuneração,
OFICIAL exerciam trabalho não remunerado em ajuda a
membro do domicílio, ou trabalhavam para o
próprio consumo.
Menor de 10 anos ou sem
trabalho (M)
Sem rendimento
Até 1salário-mínimo
Branco - para as
TOTAL DE pessoas com menos de De 1a 2 salários-mínimos
RENDIMENTOS 10 anos de idade e De 1a 2 salários-mínimos
NO TRABALHO pessoas com 10 anos De 2 a 3 salários-mínimos
V4514
PRINCIPAL, EM ou mais, que não De 3 a 5 salários-mínimos
SALÁRIOS tinham trabalho na
De 5 a 10 salários-
MÍNIMOS semana de referência
mínimos
do Censo.
De 10 a 20 salários-
mínimos
Mais de 20 salários-
mínimos
Menor de 10 anos ou sem
trabalho (M)
Sem rendimento
Branco - para as
pessoas com menos de Até 1salário-mínimo
TOTAL DE 10 anos de idade e De 1a 2 salários-mínimos
RENDIMENTOS pessoas com 10 anos De 1a 2 salários-mínimos
EM TODOS OS ou mais, que não De 2 a 3 salários-mínimos
V4526
TRABALHOS, tinham trabalho na De 3 a 5 salários-mínimos
EM SALÁRIOS semana de referência
De 5 a 10 salários-
MÍNIMOS do Censo.
mínimos
[O QUADRO NÃO
ACABA!] De 10 a 20 salários-
mínimos
Mais de 20 salários-
mínimos
TOTAL DE Branco - para as Menor de 10 anos ou sem
V4534
HORAS pessoas com menos de trabalho (M)
TRABALHADAS 10 anos de idade e Até 20 h
pessoas com 10 anos De 21 a 40 h
362
FAIXAS
VARI
DESCRIÇÃO CATEGORIAS CONSIDERADAS
ÁVEL
(≠ IBGE)
ou mais, que não De 41 a 60 h
tinham trabalho na
semana de referência Mais de 60 h
do Censo.
1 - Sim
PROVIDÊNCIA 2 - Não
V0455 P/ CONSEGUIR Branco – para pessoas com menos de 10 anos de
TRABALHO idade e pessoas com 10 anos ou mais, que tinham
trabalho na semana de referência do Censo.
EM JULHO DE 1 - Sim
2000, ERA 2 - Não
APOSENTADO
V0456 DE INSTITUTO
DE Branco - para as pessoas com menos de 10 anos
PREVIDÊNCIA de idade.
OFICIAL
Menor de 10 anos (M)
Até 1salário-mínimo
De 1a 2 salários-mínimos
De 1a 2 salários-mínimos
RENDIMENTO Branco - para pessoas De 2 a 3 salários-mínimos
DE com menos de 10 anos De 3 a 5 salários-mínimos
V4573
APOSENTADO de idade na data de De 5 a 10 salários-
RIA, PENSÃO referência do Censo. mínimos
De 10 a 20 salários-
mínimos
Mais de 20 salários-
mínimos
Menor de 10 anos (M)
Até 1salário-mínimo
De 1a 2 salários-mínimos
RENDIMENTO De 1a 2 salários-mínimos
DE RENDA
Branco - para pessoas De 2 a 3 salários-mínimos
MÍNIMA,
com menos de 10 anos De 3 a 5 salários-mínimos
V4603 BOLSA-
de idade na data de De 5 a 10 salários-
ESCOLA,
referência do Censo. mínimos
SEGURO-
DESEMPREGO De 10 a 20 salários-
mínimos
Mais de 20 salários-
mínimos
V4615 TOTAL DE Branco - para pessoas Menor de 10 anos (M)
RENDIMENTOS com menos de 10 anos Até 1salário-mínimo
363
FAIXAS
VARI
DESCRIÇÃO CATEGORIAS CONSIDERADAS
ÁVEL
(≠ IBGE)
, EM SALÁRIOS de idade na data de De 1a 2 salários-mínimos
MÍNIMOS referência do Censo. De 1a 2 salários-mínimos
De 2 a 3 salários-mínimos
De 3 a 5 salários-mínimos
De 5 a 10 salários-
mínimos
De 10 a 20 salários-
mínimos
Mais de 20 salários-
mínimos
Peso atribuído à
P001 PESO
pessoa
Variáveis do registro de domicílio
TOTAL DE
V0110
HOMENS
TOTAL DE
V0111
MULHERES
1 - Particular permanente
V0201 ESPÉCIE 2 - Particular improvisado
3 - Coletivo
1 - Casa
TIPO DO 2 - Apartamento
V0202
DOMICÍLIO 3 - Cômodo
Branco - Não aplicável
TOTAL DE Branco - para particular improvisado e domicílio
V0203
CÔMODOS coletivo
TOTAL DE
CÔMODOS Branco - para particular improvisado e domicílio
V0204
SERVINDO DE coletivo
DORMITÓRIO
1 - Próprio, já pago
2 - Próprio, ainda pagando
3 - Alugado
CONDIÇÃO DO 4 - Cedido por empregador
V0205
DOMICÍLIO 5 - Cedido de outra forma
6 - Outra Condição
Branco - para domicílio particular improvisado e
domicílio coletivo.
V0206 CONDIÇÃO DO 1 - Próprio
TERRENO 2 - Cedido
3 - Outra condição
364
FAIXAS
VARI
DESCRIÇÃO CATEGORIAS CONSIDERADAS
ÁVEL
(≠ IBGE)
Branco - para domicílio particular improvisado,
domicílio coletivo e domicílio particular permanente
que não é próprio (V0205 = 3 a 6) .
1 - Rede geral
FORMA DE 2 - Poço ou nascente (na propriedade)
V0207 ABASTECIMEN 3 - Outra
TO DE ÁGUA Branco - para domicílio particular improvisado e
domicílio coletivo
1 - Canalizada em pelo menos um cômodo
2 - Canalizada só na propriedade ou terreno
TIPO DE
V0208
CANALIZAÇÃO 3 - Não canalizada
Branco - para domicílio particular improvisado e
domicílio coletivo.
0 - Não tem
1 - 1 banheiro
2 - 2 banheiros
3 - 3 banheiros
4 - 4 banheiros
TOTAL DE 5 - 5 banheiros
V0209
BANHEIROS 6 - 6 banheiros
7 - 7 banheiros
8 - 8 banheiros
9 - 9 ou mais banheiros
Branco – para domicílio particular improvisado e
domicílio coletivo
1 - Sim
2 - Não
EXISTÊNCIA
V0210
DE SANITÁRIO Branco - para domicílio particular improvisado,
domicílio coletivo e domicílio particular permanente
que tinha banheiro(s).
1- Rede geral de esgoto ou pluvial
2- Fossa séptica
3- Fossa rudimentar
4- Vala
TIPO DE
V0211
ESCOADOURO 5- Rio, lago ou mar
6- Outro escoadouro
Branco - para domicílio particular improvisado,
domicílio coletivo e domicílio particular permanente
que tinha banheiro(s) ou sanitário.
V0212 COLETA DE 1- Coletado por serviço de limpeza
LIXO 2- Colocado em caçamba de serviço de limpeza
365
FAIXAS
VARI
DESCRIÇÃO CATEGORIAS CONSIDERADAS
ÁVEL
(≠ IBGE)
3- Queimado (na propriedade)
4- Enterrado (na propriedade)
5- Jogado em terreno baldio ou logradouro
6- Jogado em rio, lago ou mar
7- Tem outro destino
Branco - para domicílio particular improvisado e
domicílio coletivo.
1 - Sim
ILUMINAÇÃO 2 - Não
V0213
ELÉTRICA Branco - para domicílio particular improvisado e
domicílio coletivo.
1 - Sim
EXISTÊNCIA 2 - Não
V0214
DE RÁDIO Branco - para domicílio particular improvisado e
domicílio coletivo.
1 - Sim
EXISTÊNCIA
2 - Não
V0215 DE GELADEIRA
OU FREEZER Branco - para domicílio particular improvisado e
domicílio coletivo.
EXISTÊNCIA 1 - Sim
DE 2 - Não
V0216
VIDEOCASSET Branco - para domicílio particular improvisado e
E domicílio coletivo.
EXISTÊNCIA 1 - Sim
DE MÁQUINA 2 - Não
V0217
DE LAVAR Branco - para domicílio particular improvisado e
ROUPA domicílio coletivo.
1 - Sim
EXISTÊNCIA
2 - Não
V0218 DE FORNO DE
MICROONDAS Branco - para domicílio particular improvisado e
domicílio coletivo.
EXISTÊNCIA 1 - Sim
DE LINHA 2 - Não
V0219
TELEFÔNICA Branco - para domicílio particular improvisado e
INSTALADA domicílio coletivo.
EXISTÊNCIA 1 - Sim
DE 2 – Não
V0220
MICROCOMPU Branco - para domicílio particular improvisado e
TA-DOR domicílio coletivo.
V0221 QUANTIDADE 0 - Não tem
EXISTENTE DE 1 - 1 televisor
366
FAIXAS
VARI
DESCRIÇÃO CATEGORIAS CONSIDERADAS
ÁVEL
(≠ IBGE)
TELEVISORES 2 - 2 televisores
3 - 3 televisores
4 - 4 televisores
5 - 5 televisores
6 - 6 televisores
7 - 7 televisores
8 - 8 televisores
9 - 9 ou mais
televisores
Branco - para domicílio particular improvisado e
domicílio coletivo
0 - Não tem
1 - 1 automóvel
2 - 2 automóveis
3 - 3 automóveis
QUANTIDADE 4 - 4 automóveis
EXISTENTE DE 5 - 5 automóveis
V0222 AUTOMÓVEIS 6 - 6 automóveis
PARA USO 7 - 7 automóveis
PARTICULAR
8 - 8 automóveis
9 - 9 ou mais
automóveis
Branco - para domicílio particular improvisado e
domicílio coletivo
0 - Não tem
1 - 1 aparelho
2 - 2 aparelhos
QUANTIDADE 3 - 3 aparelhos
EXISTENTE DE 4 - 4 aparelhos
APARELHOS 5 - 5 aparelhos
V0223
DE AR 6 - 6 aparelhos
CONDICIONAD 7 - 7 aparelhos
O
8 - 8 aparelhos
9 - 9 ou mais aparelhos
Branco - para domicílio particular improvisado e
domicílio coletivo
TOTAL DE MORADORES NO
V7100
DOMICÍLIO
DENSIDADE DE Branco - para domicílio Domicílio particular
V7203 MORADORES particular improvisado e improvisado ou coletivo
POR CÔMODO domicílio coletivo (M)
367
FAIXAS
VARI
DESCRIÇÃO CATEGORIAS CONSIDERADAS
ÁVEL
(≠ IBGE)
Até 1 morador por
cômodo
De 1 a 2 moradores por
cômodo
De 2 a 3 moradores por
cômodo
De 3 a 4 moradores por
cômodo
De 4 a 5 moradores por
cômodo
Mais de 5 moradores por
cômodo
Domicílio particular
improvisado ou coletivo
(M)
Até 1 morador por
dormitório
De 1 a 2 moradores por
DENSIDADE DE
Branco - para domicílio dormitório
MORADORES
V7204 particular improvisado e De 2 a 3 moradores por
POR
domicílio coletivo dormitório
DORMITÓRIO
De 3 a 4 moradores por
dormitório
De 4 a 5 moradores por
dormitório
Mais de 5 moradores por
dormitório
Sem rendimento
Até 1salário-mínimo
De 1a 2 salários-mínimos
TOTAL DE De 1a 2 salários-mínimos
RENDIMENTOS De 2 a 3 salários-mínimos
DO DOMICÍLIO De 3 a 5 salários-mínimos
V7617
PARTICULAR, De 5 a 10 salários-
EM SALÁRIOS mínimos
MÍNIMOS
De 10 a 20 salários-
mínimos
Mais de 20 salários-
mínimos
Peso atribuído ao
P001 PESO
domicílio
V1112 EXISTÊNCIA 1 - Sim
368
FAIXAS
VARI
DESCRIÇÃO CATEGORIAS CONSIDERADAS
ÁVEL
(≠ IBGE)
DE 2 - Não
ILUMINAÇÃO 9 - Ignorado
PÚBLICA Branco - para domicílio
coletivo
1 - Total
EXISTÊNCIA 2 - Parcial
DE
3 - Não Existe
V1113 CALÇAMENTO /
PAVIMENTAÇÃ 9 - Ignorado
O Branco - para domicílio
coletivo
Fonte: Elaboração própria, baseado em IBGE (2000).
A.7.1 Salvador
98
Usado para conectar o objeto à tabela de atributos e à representação gráfica no mapa cadastral
370
A partir desta hierarquização, podemos dizer que Salvador, com uma população
total de 2.444.604 e de 2.399.397, excluídos os indígenas, amarelos e ignorados, tem
1.834.539 negros (76,46%) e 564.858 brancos (23,54%), racial e espacialmente
apresentando duas divisões principais: 9 áreas com supremacia branca e 81 áreas de
maioria negra, considerando-se a divisão territorial por AED. Por outro lado, o Rio de
Janeiro, com uma população total de 5.861.612 e 5.407.338 excluídos indígenas,
amarelos e ignorados, com 170 AEDs, compostas por 3.407.338 (58,88%) e 2.379.584
(41,12%), de negros, tem uma configuração espacial e racial com 111 AEDs de maioria
branca, 53 de maioria negra e 6 com composição equilibrada. Ou seja, em Salvador a
maioria branca mora na Orla Oceânica, incluindo Stella Maris ao norte e na AED
Iguatemi. Na Orla Oceânica, embora haja bairros populares de maioria negra, como
Boca do Rio, o Nordeste de Amaralina se destaca por ser o bairro com o maior
percentual de negros dessa área da cidade: 90% de seu moradores se declaram pardos-
pretos.
99
Nessas áreas, é bom lembrar, as remoções forçadas das favelas como a do Pasmado em Copacabana,
nos anos 1960, a de Catacumba, na Lagoa Rodrigues de Freitas, nos anos 1970, reforçaram a supremacia
das populações brancas
377
dificuldade técnica, por ser mais simples e, cremos, sem prejuízo do entendimento.
Assim esclarecido, passemos aos capítulos que baseados nesta metodologia buscam
tratar das questões antes esboçadas. Esclarecemos também que a Ilha de Maré, que
pertence ao município de Salvador, foi retirada por problemas de representação
cartográfica.
Foto 3
Gamboa (atual)
Foto 2
Rocinha (atual)
Rocinha (2006)
Cantagalo –2000
Mangueira
Acesso Norte
Cais do Porto (1860)
Itaigara A
c
e
s
s
o
Comércio N
o Pernambués
r
t
e
Orla Marítima
Sto Antonio da Barra
Porto da Barra (1860)
Fonte:Antonia Garcia
398
Plataforma
Novos Alagados
Plataforma
Invasão recente
São João
São João e Plataforma - Mariscagem
Pituba
Bangu - 2006
27
Bangu 2006
Morro da Providência 2
Boca do Rio -1 Rocinha
Linha Amarela
O Globo, 2005