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TEMAS LIVRES FREE THEMES


A eutanásia e os paradoxos da autonomia

Euthanasia and the paradoxes of autonomy

Rodrigo Siqueira-Batista 1
Fermin Roland Schramm 2

Abstract The principle of respect for autonomy Resumo O princípio de respeito à autonomia
has proved very useful for bioethical arguments in tem se mostrado muito útil para a argumenta-
favor of euthanasia. However unquestionable its ção bioética em favor da eutanásia. Sem embar-
theoretical efficacy, countless aporiae can be raised go, a despeito de sua inquestionável eficácia teó-
when conducting a detailed analysis of this con- rica, inúmeras aporias podem ser levantadas, no
cept, probably checkmating it. Based on such con- momento em que se procede a uma análise rigo-
siderations, this paper investigates the principle of rosa deste conceito, sendo possível colocá-lo em
autonomy, starting with its origins in Greek and xeque. Com base nesta ponderação, o presente
Christian traditions, and then charting some of artigo busca investigar o princípio de autono-
its developments in Western cultures through to mia, partindo de suas origens nas tradições grega
its modern formulation, a legacy of Immanuel Kant. e cristã e mapeando alguns desdobramentos na
The main paradoxes of this concept are then pre- tradição ocidental, até sua formulação na mo-
sented in the fields of philosophy, biology, psycho- dernidade, legado de Immanuel Kant. A seguir,
analysis and politics, expounding several of the são apresentados seus principais paradoxos, no
theoretical difficulties to be faced in order to make âmbito da filosofia, biologia, psicanálise e políti-
its applicability possible within the scope of deci- ca, expondo-se, assim, várias das dificuldades teó-
sions relating to the termination of life. ricas que precisam ser enfrentadas, a fim de tor-
Key words Bioethics, Euthanasia, Death, Au- nar possível sua aplicabilidade no âmbito das
tonomy decisões relativas ao fim da vida.
Palavras-chave Bioética, Eutanásia, Morte,
Autonomia

1
Núcleo de Estudos em
Filosofia e Saúde, Centro
Universitário Serra dos
Órgãos. Av. Alberto Torres
111, Alto. 25964-000
Teresópolis RJ.
anaximandro@hotmail.com
2
Departamento de Ciências
Sociais, Escola Nacional de
Saúde Pública, Fundação
Oswaldo Cruz.
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Siqueira-Batista, R. & Schramm, F. R.

Introdução mundo da vida, tal qual demonstrado por dife-


rentes autores9,11,12,13, pois vem sendo questio-
nado em diferentes ordens discursivas — filoso-
O Universo é como o fole de uma forja, fia, neurociências, genética, psicanálise e teoria
Que, embora vazio, fornece força, política, somente para mencionar algumas das
E tanto mais alimenta a chama quanto mais o mais relevantes —, colocando em xeque sua pos-
acionamos. sibilidade de fundamentar o discurso e a ação
Quanto mais falamos no Universo, moral, de forma racional.
Menos o compreendemos. Com base nestas premissas, torna-se legíti-
O melhor é auscultá-lo em silêncio. ma a indagação acerca do alcance do princípio
Tao Te Ching de autonomia da pessoa nas controvérsias mo-
rais em torno da eutanásia, em um movimento
A eutanásia é um dos temas que vem ganhan- de retomada de discussões já conduzidas outro-
do importante espaço nas discussões contemporâ- ra14. Caracterizar os elementos que entram em
neas em diferentes sociedades1,2, especialmente a jogo na formulação deste problema é, assim, o
partir da segunda metade do século XX, momen- escopo do presente artigo.
to histórico no qual “entra em cena” a bioética.
Esta disciplina, que se propõe a investigar a mo-
ralidade dos atos humanos que podem alterar, de As “origens” da autonomia
forma significativa e irreversível, os sistemas au-
topoiéticos, também irreversíveis, representados O mais arcaico emprego da palavra autonomia
pelos seres vivos3, vem se debruçando sobre toda — áĮӫIJȠȞȠµȓĮ
ç ô ï í ï ì ß á, de áçôüò
ĮӫIJȩȢ = próprio, e íȞȩµȠȢ
ü ì ï ò = leis
sorte de conflitos e dilemas que emergem no bi- — remonta à Antigüidade grega, na referência à
nômio vida/morte, mais precisamente em rela- perspectiva de autogoverno das SóOHL9 πóλει (póleis =
ção à finitude e ao significado da expressão mor- cidades-estado), surgidas por volta do século VIII
rer bem — daí o termo eutanásia. De fato, etimo- a.C.15. A despeito desta acepção política originá-
logicamente, este vocábulo diz respeito à boa mor- ria, já florescem algumas tímidas referências à
te4, podendo ser caracterizada atualmente como aplicação da autonomia à condição do homem16,
a abreviação do processo de morrer de um enfermo, especialmente manifestas nos sentidos de
por ação ou não-ação, com o objetivo último de ,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,(autarquia)
DXWȐUFİLD — a autonomia da von-
aliviar um grande e insuportável sofrimento. tade do homem virtuoso — e de ’İȜİȣșİȡȓĮ ’åëåõèåñßá (li-
O debate bioético hodierno sobre a boa mor- berdade) — domínio de si, caracteristicamente
te repousa, em grande medida, na polarização no âmbito da subserviência da animalidade à
entre os princípios do respeito à autonomia indi- razão, algo também identificável no vocábulo
vidual e da sacralidade da vida, o primeiro de ’İȖțȡȐIJȚĮ (autodomínio) —, ambos presentes na
’åãêñÜôéá
“inspiração” marcadamente iluminista e o últi- “fundação” da moral socrática17,18, centrada na
mo, de tessitura preponderantemente religiosa, idéia de alma19,20. Sem embargo, ao contrário do
especialmente judaico-cristã5. Embora pareça que uma leitura superficial - e precipitada - po-
moralmente contra-intuitivo, ao menos para os deria sugerir, a vontade não é aqui entendida no
defensores do princípio da sacralidade da vida, a sentido coevo, mas sim em concordância com
eutanásia é moralmente defensável — no con- certa ênfase dada ao horizonte do lógos:
texto das sociedades democráticas contemporâ- ’İȖțȡȐIJȚĮ é domí-
Com efeito, autodomínio (’åãêñÜôéá)
neas laicas e plurais —, na medida em que o titu- nio não da vontade, mas da razão e do conheci-
lar da existência é o mais indicado para mento sobre os impulsos sensíveis; a liberdade
(auto)determinar o curso do seu viver, aqui in- ’İȜİȣșİȡȓĮ não é o livre-arbítrio, a liberdade do
(’åëåõèåñßá)
cluído o momento e o modo no qual este se fin- querer, mas a liberdade do lógos, ou seja, a capaci-
da, ou seja, a pessoa autônoma é “em princípio a dade da razão de impor as próprias instâncias às
mais qualificada para avaliar e decidir o rumo de instâncias da animalidade humana. E a autarquia,
sua vida, desde que possa ser considerada cogni- como independência das necessidades animais, é,
tiva e moralmente competente”6. também ela, auto-suficiência do logos humano 18.
A despeito de sua relevância teórica para as Tal acento “individualista” encontra-se ainda
discussões bioéticas — tanto às relativas ao fim bastante incipiente no âmbito da cultura helêni-
da vida, quanto aos outros âmbitos deste sa- ca, na medida em que é reconhecida a prioridade
ber7,8,9,10 — o conceito de autonomia é complexo da ordem da phýsis — o cosmo — e das leis da
e é de difícil aplicação aos conflitos e dilemas do πóλις (polis) sobre a ação do homem-cidadão.
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Assim, pois, a noção de autonomia aplicada lação à identidade pessoal. O pensador escocês
ao homem poderia ser mais apropriadamente es- critica o modelo cartesiano, afirmando que não
quadrinhada em outro nicho antigo, o cristianis- é possível haver qualquer representação da men-
mo primitivo21. Já nas primeiras comunidades te de forma independente da experiência — ou
cristãs, celebrava-se a igualdade entre os homens, seja, não há como representar o pensamento puro.
na medida em que estes, por terem sido criados O “eu” passa a ser entendido como um “feixe” de
como almas individuais, à imagem e semelhança percepções, inscrito em um dado momento, que
de Deus, pertencem, em igual medida, ao plano e pelo hábito — e continuidade — adquire um sta-
à obra do Pai22. Ademais, os humanos possuem tus individual:
o livre-arbítrio para abrir-se e aderir, ou não, aos Há alguns filósofos que imaginam que estamos
ensinamentos do Cristo — como na parábola a todo momento conscientes de algo a que chama-
das boas ou más sementes, respectivamente —, mos nosso ‘eu’ (Self) e que sentimos a sua existên-
algo que é marcante no pensamento de Santo cia contínua, tendo certeza, para além de qualquer
Agostinho23, o primeiro filósofo da vontade24,25. evidência e demonstração, de sua perfeita identi-
Se a autonomia pode ser “buscada”, sob um dade e simplicidade. [...] Mas o eu ou pessoa não é
ponto de vista histórico-conceitual, entre as tra- uma impressão determinada, mas aquilo que se
dições helênica e cristã26, será com o advento da supõe que nossas várias impressões ou idéias têm
modernidade que o indivíduo, indiviso, se consti- como referência. Se alguma impressão dá origem à
tuirá como eu pessoal, capaz de conhecer o mun- idéia de eu, essa impressão deve manter-se invari-
do (sujeito epistêmico) e de agir autonomamente avelmente a mesma, durante todo o curso de nossas
no âmbito da ética (sujeito moral), erigindo os vidas, uma vez que se considera que o eu existe
valores que nortearão o julgamento e a práxis em desta maneira. Mas não há nenhuma impressão
sua vida social27. Foram as coordenadas espaço- constante e invariável. Dor e prazer, tristeza e ale-
temporais propícias — o humanismo renascen- gria, paixões e sensações sucedem-se umas às ou-
tista, a reforma protestante, a revolução científica tras, e nunca existem todas ao mesmo tempo. Não
e a redescoberta do ceticismo antigo — que per- pode ser, portanto, de nenhuma dessas impressões,
mitiram a construção do indivíduo moderno28,29. nem de nenhuma outra, que a idéia de eu é deriva-
O primeiro grande movimento neste sentido da, e conseqüentemente esta idéia simplesmente
foi realizado por René Descartes, o qual, a partir não existe33.
de uma dúvida radical sobre toda e qualquer pos- Como pode ser percebido, a refutação do eu
sibilidade de conhecimento30, chega à proposição efetuada por Hume é devastadora. Uma “respos-
de uma substância pensante — a res cogitans, em ta” possível foi apresentada por Immanuel Kant,
oposição à substância do mundo, a res extensa — ao introduzir o conceito de sujeito transcendental,
, caracterizável como uma realidade imediatamen- na Crítica da razão pura — tornando-o antes uma
te dada a um sujeito que reflete sobre si mesmo10,31. forma que estrutura as percepções do que um con-
Assim, pois: teúdo dotado de realidade própria —, obra que
De sorte que, após ter pensado bem nisso e ter expõe uma teoria do conhecimento, a qual, em
cuidadosamente examinado todas as coisas, é pre- última análise, busca uma composição dos impas-
ciso enfim concluir e ter por constante que esta pro- ses existentes entre o empirismo e o racionalismo34.
posição, Eu sou, eu existo, é necessariamente ver- A bela “saída” encontrada por Kant para a
dadeira todas as vezes que a pronuncio ou que a questão do conhecimento facultou a extensão da
concebo em meu espírito 31. centralidade do sujeito transcendental ao âmbito
A certeza procurada por Descartes é “entrin- moral, o que permitiu a concepção do sujeito éti-
cheirada” neste eu pensante — racional e dotado co, moralmente autônomo, como o discutido a
de idéias claras e distintas —, havendo a necessi- seguir.
dade de se recorrer a Deus para que tal solipsismo
radical possa ser, enfim, superado31. Neste “es-
quema trinitário” — res cogitans / Deus / res ex- Autonomia: o fundamento da moral
tensa —, o espaço para a liberdade permanece
resguardado, na medida em que o filósofo reco- A aplicação definitiva do conceito de autonomia
nhece que “a principal perfeição do homem está moral ao indivíduo — um necessário “produto”
em dispor de um livre-arbítrio” 32. da modernidade burguesa e protestante35 —, ini-
O racionalismo cartesiano foi alvo de inúme- ciada com o pensamento moderno e consolidada
ras críticas, podendo-se mencionar os questio- no projeto da Aufklärung (Iluminismo), ganha sua
namentos formulados por David Hume, em re- expressão máxima na formulação moral siste-
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mática de Kant, na Fundamentação da metafísica no século passado, no contexto das sociedades


dos costumes e na Crítica da razão prática36,37. democráticas, laicas e plurais contemporâneas39.
Para o filósofo germânico, a moralidade é a Acrescente-se a isto o fator de boa parte da
única condição capaz de tornar o homem, ser ra- reflexão moral dos últimos 38 anos — coinciden-
cional, um fim em si mesmo37. Tal é a prerrogativa te com o advento da bioética —, ter se estribado
do ser dotado de razão, constituído como sujeito em um conceito de respeito (prima facie) à auto-
moral — pessoa —, capaz de agir por dever, este nomia individual, como aquele formulado no
entendido como “a necessidade de cumprir uma âmago do principialismo7,o qual considera autô-
ação por respeito à lei”37, na medida em que esta nomo o indivíduo que “[...] age livremente de acor-
é universal — ou seja, capaz de ser erigida a nor- do com um plano escolhido por ele mesmo, da
ma geral e inequívoca38, como diz o próprio pen- mesma forma que um governo independente ad-
sador: “Procede apenas segundo aquela máxima, ministra seu território e define suas políticas” 7.
em virtude da qual podes querer ao mesmo tem- A autonomia para agir livremente de acordo
po que ela se torne em lei universal” 37. com um plano escolhido por ele mesmo deve incluir,
É preciso pontuar que a aquiescência em agir em tese, todas as decisões concernentes à existên-
por dever à lei universal é, em última análise, uma cia do indivíduo, inclusive a deliberação por en-
ação inscrita na boa vontade (das gute Wille): cerrá-la, abrindo-se assim espaço para as discus-
“É absolutamente boa a vontade que não sões em torno da moralidade da boa morte.
pode ser má, portanto aquela vontade, cuja má-
xima, quando convertida em lei universal, não
pode jamais contradizer-se a si mesma” 37. Autonomia:
Reconhecer — e aderir incondicionalmente a o esteio para a moralidade da eutanásia
— este imperativo categórico é um ato genuina-
mente moral, somente podendo ser alcançado O princípio de respeito à autonomia têm forneci-
por um ser racional e autenticamente autôno- do sustentação a cogentes argumentos bioéticos
mo, concorde com a boa vontade: em defesa da eutanásia5. Neste âmbito, é mister
A moralidade é pois a relação das ações com a que seja respeitada a liberdade de escolha do ho-
autonomia da vontade, isto é, com a legislação mem que padece, isto é, sua competência em deci-
universal possível por meio das suas máximas. A dir, autonomamente, aquilo que considera im-
ação que possa concordar com a autonomia da portante para viver sua vida, incluindo nesta vi-
vontade é permitida; a que com ela não concorde é vência o processo de morrer, de acordo com seus
proibida. A vontade, cujas máximas concordem valores e interesses legítimos. Deste modo, com
necessariamente com as leis da autonomia, é uma raízes fincadas na Antigüidade — espírito helêni-
vontade santa, absolutamente boa 37. co e cristianismo — e pleno florescimento na Au-
Torna-se diáfana a posição adotada por Kant, fklärung, o respeito à autonomia pressupõe que
entender a autonomia como o princípio supremo cada indivíduo tem o direito de dispor de sua vida
da moralidade — em contraposição à heterono- da maneira que melhor lhe aprouver, optando
mia, não advinda da vontade livre, produtora, pela eutanásia no exaurir de suas forças, quando
por contraste, de imperativos hipotéticos —, na sua própria existência se tornar subjetivamente
medida em que esta, por fim, possa ser compre- insuportável:
endida como: Em tal sentido, pode-se dizer que, em caso de
“[...] não escolher se não de modo a que as conflito de interesses e de direitos, o direito da au-
máximas da escolha estejam incluídas, simultanea- todeterminação tem uma prioridade léxica sobre
mente, no querer mesmo, como lei universal” 37. os demais direitos no contexto de decisões referentes
O universalismo categórico da filosofia mo- à vida e à morte de seu titular, quer dizer, a pessoa
ral kantiana permanece até o final do século XIX, em princípio é mais qualificada para avaliar e de-
momento no qual as mordazes censuras impos- cidir o rumo de sua vida6.
tas por Schopenhauer, Nietzsche e Freud e, pos- Neste âmbito, concebe-se uma genuína pree-
teriormente, já no século XX, a transformação minência do titular da existência para decidir (1)
da moral em ética aplicada — marcada pela tanto não permanecer em um martírio que não o
“substituição” dos deveres absolutos por deveres conduzirá a lugar algum, a não ser à própria morte,
prima facie —, colocam sua formulação original (2) quanto continuar padecendo, não por uma
em xeque. Ainda assim, a autonomia — junta- decisão tomada por outrem, mas, sim, por uma
mente com a justiça —, manteve-se como gran- opção pessoal, que pode até ser a de se submeter,
de ideário norteador da construção da cidadania por boas razões, à imposição de um outro.
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Sem embargo, a despeito de sua eficácia teó- toicismo50,51. O pensamento estóico é concebido
rica na argumentação bioética sobre o fim da de forma sistemática, em três partes, de acordo
vida, o princípio de autonomia pode ser questio- com a metáfora da árvore: a física (raiz), a lógica
nado a partir de distintas frentes, emergindo pa- (tronco) e a ética (os frutos) — sendo esta últi-
radoxos — no sentido grego de ðáñÜäïîïí,
ʌĮȡȐįȠȟȠȞ tese ma a de maior importância, mas inalcançável sem
que se opõe à opinião comum — que podem,
40
as duas anteriores50.
mesmo, inviabilizar sua aplicação. Vejam-se um Para os estóicos, o cosmo tem dois princípi-
pouco mais de perto tais aporias. os, o passivo e o ativo. O primeiro é a matéria, e
o segundo, a razão que naquela se encontra, Deus,
o logos spermatico — ou razão seminal — do
Primeiro paradoxo: acaso ou necessidade? mundo, que contém em si as razões de todas as
coisas52. Assim, Deus forma uma unidade com o
Pode-se dizer que o correspondente ético do de- cosmo. Ademais, os estóicos defendem as idéia
bate epistemológico acaso/necessidade é o par an- de eterno retorno cíclico do universo, dentro de
tagônico livre-arbítrio/determinação. Em última um esquema de determinação radical — ou seja,
análise, a compreensão da realidade enquanto todas as coisas acontecem fatalmente, a partir de
manancial sujeito à determinação é instaurada nos uma inextirpável concatenação causal, a qual
próprios primórdios do pensamento grego41. governa o mundo51. Neste horizonte, o homem
De fato, para Anaximandro, a origem e a cor- deve se resignar a aceitar a determinação do
rupção do cosmo é estabelecida segundo a necessi- mundo — nisto se funda a ética —, agindo de
dade42, ou seja, respeitando à determinação cons- acordo com preceitos morais julgados pertinen-
titutiva do próprio processo. Tal perspectiva está tes, mas reconhecendo as conseqüências de sua
inscrita no espesso tecido do espírito helênico43, ação e a inevitabilidade dos fatos. Aceitar o desti-
mormente se é reconhecido o papel do destino no deste modo incondicional é uma atitude de
(Moiras == Μοîραι)
0RîUDL nos mitos homéricos e hesió- ataraxia (imperturbabilidade), chave para o al-
dicos , na tragédia — como no caso paradigmá-
43
cance da eudaimonia (felicidade).
tico de Édipo que, ao tentar fugir de seu destino Esta perspectiva determinista ganhou mar-
parricida, acaba encontrando, justamente, o san- cante ressonância no pensamento de Baruch Spi-
gue de seu pai, Laio44 — e na medicina hipocrática noza, para o qual Deus é identificado com a pró-
— na concepção de que algumas doenças são fru- pria realidade, ou seja, Deus sive natura, em uma
’DȞȐȖȤȘ necessidade inflexível45.
tos da ananke (’αíÜã÷ç), imanência radical53. Neste âmbito, o homem é
Esta influência — baseada em uma composição livre — agindo eticamente — ao se pôr diante de
de conceitos não completamente sobreponíveis, Deus — a substância infinita —, reconhecendo
mas relacionáveis, como determinação, necessi- sua necessidade seminal, manifesta no curso ne-
dade e destino — é reconhecida por Etienne Gilson cessário das coisas54. A ação livre alicerça-se na
ao comparar as filosofias gregas e cristãs: inequívoca concordância com esta determinação
[...] influenciadas pela religião grega, as filoso- universal, sendo prerrogativa da alma humana
fias gregas são filosofias da necessidade, ao passo que atinge a serena tranqüilidade.
que as filosofias influenciadas pela religião cristã O determinismo, marca inexpugnável das
serão filosofias da liberdade25. concepções dos estóicos e de Spinoza, vai alcan-
É preciso comentar, no entanto, a exceção fei- çar seu apogeu a partir da Revolução Científica,
ta ao atomismo de Epicuro, um esforço para iniciada, antes, por Galileu Galilei e consolidada
pensar o acaso e a liberdade, o que é retomado por Sir Isaac Newton. O físico inglês propõe um
pelo filósofo latino Lucrécio46,47. Para os atomis- grande sistema de leis matemáticas para a expli-
tas em questão, o que torna possível o real (on- cação do mundo, as quais tornam factível a pre-
tologia) e a liberdade (ética) é o clinamen, o des- dição, a partir do estado de um dado sistema
vio — ou declinação — dos átomos, o qual ocorre físico — posições e velocidades, as quais caracte-
por acaso48, individualmente para cada uma das rizariam o assim chamado instante inicial —, da
partículas49, em um momento e em um tempo situação ulterior do sistema em qualquer instan-
que são impossíveis de predizer e/ou determi- te55. Assim, a partir da mecânica newtoniana, a
nar47. Tal é o fundamento do cosmo e do livre- matematização do mundo possibilita um nível
arbítrio. antes inimaginável de previsibilidade do real, a
O contraponto ao epicurismo é dado por ponto de o físico, em seus Princípios Matemáti-
uma modelar filosofia da necessidade, construí- cos de Filosofia Natural,56 pontuar que:
da pela escola de Zenão de Cicio; trata-se do es- Gostaria que pudéssemos derivar o resto dos
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fenômenos da natureza pela mesma espécie de ra- compreender o mundo ordinário de todos os
ciocínio a partir de princípios mecânicos, pois sou dias — construir prédios, enviar o homem à lua,
levado por muitas razões a suspeitar que todos eles e outros63;
podem depender de certas forças pelas quais as par- (2) A indeterminação vem sendo revista a
tículas dos corpos, por causas até aqui desconheci- partir do desenvolvimento da matemática do
das, são ou mutuamente impelidas umas para as caos, enquanto elegante tentativa para integrar
outras, e convergem em figuras regulares, ou são ordem e acaso; neste referencial, o caos é enten-
repelidas, e afastam-se umas das outras 56. dido como o “comportamento estocástico que
Não é difícil supor o quanto esta prerrogati- ocorre em um sistema determinístico”64, ou seja,
va tornou possível a concepção de que o univer- como um ruído presente em um sistema marca-
so já se encontrava praticamente desvendado, a do pela necessidade — o exemplo mais claro, e
partir do (re)conhecimento de suas leis naturais simples, é a iteração de 2x2 – 1 (Figura 1) —,
— o que, diga-se de passagem, pode ser recupe- como bem caracterizado por David Ruelle58:
rado a partir do estoicismo. O ideário determi- Fala-se também de ruído determinista quando
nista chega a alcançar um grau de pujança tão se observam oscilações irregulares de aparência ale-
sólida e inabalável, que o matemático Pierre Si- atória, mas que são produzidas por um mecanismo
mon Laplace57 chega a afirmar: determinista. Nos fenômenos caóticos, a ordem de-
Um intelecto que, em um momento dado qual- terminista cria, portanto, a desordem do acaso58.
quer, conhecesse todas as forças que animam a A aplicação do caos clássico, assim entendido,
Natureza e as posições mútuas dos seres que a com- vem sendo tentada no âmbito do mundo quânti-
põem, se esse intelecto fosse vasto o suficiente para co, fazendo com que seja possível antever a supe-
submeter seus dados a análise, seria capaz de con- ração da indeterminação do microcosmo — qui-
densar em uma única fórmula o movimento dos çá como o sonhado por Einstein. Ainda que se
maiores corpos do universo e o menor dos átomos: esteja, do ponto de vista teórico, distante de tal
para tal intelecto nada poderia ser incerto; e tanto perspectiva, tal alcance é vislumbrado pelos ma-
o futuro quanto o passado estariam presentes di- temáticos:
ante de seus olhos57. Há sempre uma possibilidade de que alguma
Com tal nível de agudeza, fica fácil compre- nova versão da mecânica quântica venha substi-
ender que o determinismo laplaciano não deixa tuir a natureza probabilística da função de onda
espaço para o acaso e, tampouco, para o livre- por algo determinístico, mas caótico64.
arbítrio58. Entretanto, alterações no panorama Neste sentido, mesmo que “Deus jogue da-
das teorias físicas e matemáticas no século XX dos”, poder-se-á chegar à resposta acerca das
acabaram por forçar a revisão deste paradigma. regras segundo as quais o Seu jogo é realizado;
O advento da mecânica quântica foi decisivo neste (3) Por fim, restará sempre a possibilidade
sentido, ao colocar em questão a causalidade e o de a indeterminação ser, em última análise, uma
determinismo na compreensão da natureza59,60, conseqüência da ignorância humana acerca das
representando um duro “golpe” em toda uma causas. Assim, pois, para Spinoza, as causas são
tradição de pesquisa que se ancorava na preten- da ordem do infinito e, por conseguinte, impers-
sa investigação das leis deterministas do mundo crutáveis pela mente humana53. É precisamente
objetivo — ou seja, referida a processos físicos neste sentido que se estabelece o determinismo
que têm lugar no espaço e no tempo —, inde- de Henri Atlan65:
pendentes de quem investiga (isolando, pois, Nossas noções de entropia e ruído são deriva-
observador e observado). das de noções estatísticas. E, portanto, mais uma
Muitos pensadores contemporâneos têm iden- vez, não contradizem a idéia do determinismo ab-
tificado a emergência da física quântica como uma soluto. Elas são medidas da nossa ignorância. Mas
demonstração cabal de que a necessidade é uma é óbvio que, embora não contradigam o determi-
simples quimera que deixou de fazer sentido, es- nismo absoluto, nada provam acerca dele. Esta é a
pecialmente após a enunciação do Princípio da clássica questão da natureza do acaso: será ele in-
Incerteza de Heisenberg61,62. Sem embargo, tal trínseco, ontológico, ou atribuível apenas à nossa
posicionamento é equívoco — ou, pelo menos, ignorância?65
insuficiente — por pelo menos três motivos: A formulação de Atlan — a qual, de certo
(1) A física quântica refere-se ao microcosmo, modo, reatualiza a polêmica epicuristas versus
o qual “escapa” à possibilidade de experiência estóicos — permanece longe de ser respondida.
corriqueira do homem, ao passo que a mecânica Nestes termos, pensar a autonomia enquanto li-
newtoniana permanece extremamente útil para vre-escolha permanece algo da ordem do possí-
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diferentes comportamentos “anti-sociais” e pa-
Figura 1. A iteração de 2x2 – 1 conduz ao caos.
tológicos, culminando na proposição, e realiza-
ção, de cirurgias mutilantes — a psicocirurgia —
em pacientes psiquiátricos (esquizofrênicos, so-
bretudo) e delinqüentes “rebeldes”.
Atualmente, as pesquisas voltam-se para a
identificação dos circuitos responsáveis pelas ati-
vidades de planejamento e tomada de decisão, os
quais são esboçados na Figura 271.
Ainda que estes trabalhos estejam em fase
vel, mas sempre com a “sombra” irremovível de bastante inicial, o que está em jogo é a discussão
uma necessidade, quase destino, que subtrai toda sobre até que ponto os eventos bioquímicos e
e qualquer possibilidade de decisão autônoma, moleculares cerebrais são responsáveis pelo —
quer sobre a vida, quer sobre a morte. ou determinantes do — julgamento de possibili-
dades e pela tomada de decisões — evidentemen-
Segundo paradoxo: o “caso” da biologia – te, desde que se aceite que a ciência é realmente
neurociências e genética capaz de descrever a realidade — tornando o li-
vre-arbítrio uma simples ilusão gerada pela ar-
A questão das neurociências e da genética reatua- quitetura cognitiva72.
liza, de um modo próprio, o debate determinis- Neste mesmo plano de confluência teórica se
mo versus liberdade66. Em verdade, o que está em inscrevem os debates sobre a determinação ge-
jogo é a limitação imposta pela própria biologia nética do ser humano e de sua vontade. Um dos
humana, na medida em que a existência material exemplos mais estarrecedores é o da doença de
— ou corpórea — marca, de modo indelével, toda Huntington, enfermidade genética autossômica
sorte de restrições, como cansaço, senescência, dominante, que ocorre por repetições do trinu-
enfermidade, sofrimento e morte, as quais têm cleotídeo CAG no gene IT15, localizado no braço
profunda influência sobre a (im)possibilidade de curto do cromossomo 473. A moléstia tem pene-
autodeterminação39. trância completa, de modo que todos aqueles que
As neurociências — conjunto de saberes, de possuem a alteração genética desenvolverão suas
matriz multi e interdisciplinar, que se dedicam ao manifestações, mais cedo ou mais tarde, na de-
estudo dos órgãos que compõem o sistema ner- pendência do número de repetições CAG exis-
voso central, em especial o cérebro —, vêm con- tentes. Por outro lado, aqueles indivíduos que
tribuindo de forma significativa, nos últimos cin- apresentem trissomia da banda cromossômica
qüenta anos, para a compreensão dos processos 21q22 exibirão necessariamente a síndrome de
mentais67,68, dentro de uma perspectiva teórica Down, enquanto uma duplicação de cromosso-
que propõe a redução destes processos à simples mos X em associação a um Y (cariótipo XXY)
atividade neuronal69,70. Um dos marcos históri- determinará a síndrome de Klinefelter.
cos nestas investigações é o famoso “caso Phine- Há uma determinação genética absoluta nes-
as Gage”, ocorrido no século XIX. Gage, um ope- tes casos? Ao que parece, sim, na medida em que
rário-padrão — dono de um comportamento as observações realizadas até o presente momen-
exemplar, como atestam diferentes fontes histó- to corroboram tais resultados, colocando em
ricas67 —, sofreu um acidente caracterizado pela questão toda a polêmica acerca do determinis-
penetração de uma barra de ferro na região in- mo genético74,75, modelo segundo o qual “os ge-
fra-ocular, a qual emergiu na parte posterior do nes possuem a explicação final para muitas ca-
osso frontal. Tendo sobrevivido ao evento, o en- racterísticas dos organismos vivos”75. Sem em-
fermo passou a apresentar um comportamento bargo, esta perspectiva reducionista — o homem
irascível, marcado por explosões de raiva e por restringido aos seus genes — é fortemente con-
profunda irreverência; ademais, perdeu a capa- testada por uma série de evidências científicas76.
cidade de articular idéias e de planejar suas ações, Assim, pois:
com profundas implicações sobre suas tomadas Os genes são certamente importantes para de-
de decisão67. A partir de então, inúmeras situa- terminar a identidade biológica do indivíduo hu-
ções semelhantes foram tornadas públicas na li- mano, mas não são tudo para determinar a identi-
teratura médica internacional, a ponto desta re- dade de um indivíduo, visto que determinam uma
gião cerebral — o setor ventromedial do córtex limitação do possível mas dificilmente determinam,
pré-frontal — passar a ser “responsabilizada” por sozinhos, um destino77.
214
Siqueira-Batista, R. & Schramm, F. R.

Figura 2. É possível propor uma “neuroanatomia” da tomada de decisão envolvendo o córtex pré-frontal?
Recentes investigações têm corroborado esta hipótese. Neste contexto, o uso da razão se iniciaria medialmente
pela atuação do córtex cingulado anterior (atenção executiva), o qual tem por função focalizar a atenção
perceptual e cognitiva, modulando a atividade das áreas correspondentes. As regiões dorsolaterais do córtex
pré-frontal seriam responsáveis pela comparação das informações, novas e as antigas. O derradeiro ajuste —
levando em consideração os objetivos dos indivíduos e os contextos sociais — seria realizado por uma área não
ilustrada, o córtex pré-frontal ventromedial. Imagem neuroanatômica preparada por Rodrigo Siqueira-Batista
(UNIFESO) e Vanderson Esperidião Antonio (UNIFESO), sob inspiração de Posner MI, Raichle ME. Images
of mind. New York: Scientific American Library; 1994.

Não é difícil compreender tal ponderação, à vre-arbítrio, como na afirmação de Erasmo G.


luz da distinção entre as duas “naturezas” huma- Mendes80:
nas: bioecológica ou “primeira natureza”, propria- [...] esses resultados [da neurofisiologia e da
mente natural; e técnico-lingüística ou “segunda genética] indicariam fortemente uma predetermi-
natureza”, engendrada no plano simbólico, as nação do comportamento humano, dificultando a
quais interagem e se condicionam fluida e mutu- aceitação de uma liberdade da vontade, nos moldes
amente78. Em última análise, não parece ser pos- em que ela é tradicionalmente aceita por muitos
sível defender que a primeira determine peremp- estudiosos80.
toriamente a segunda, na medida em que ambas
são dimensões distintas, ainda que solidárias na
constituição do Homo sapiens sapiens. Terceiro paradoxo: Schopenhauer,
Mesmo que o determinismo genético possa ser Nietzsche, Freud e o inconsciente
rechaçado, a questão da necessidade permanece em
aberto, na medida em que a combinação do patri- O grande edifício teórico proposto por Kant de-
mônio genético e das condições materiais de exis- sempenhou um papel decisivo no pensamento
tência (para lembrar Marx) de uma pessoa pode- ulterior, com inquestionável influência na filoso-
riam estipular seu desenvolvimento, de modo ir- fia dos séculos XVIII e XIX, especialmente nas
revogável79. questões epistemológicas — como no caso do
Com base nestas considerações, percebe-se construtivismo — mas, também, nas discussões
que todo este tecido, composto a partir dos dis- em âmbito moral, como anteriormente apresen-
cursos relativos à biologia [humana], parece re- tado. Sem embargo, diferentes autores questio-
meter a uma situação de impossibilidade de li- naram os pressupostos do racionalismo ético
215

Ciência & Saúde Coletiva, 13(1):95-102, 2008


kantiano, cabendo destaque a Arthur Scho- meiro ensaio, o filósofo tenta “desvendar” a gêne-
penhauer, Friedrich Nietzsche e Sigmund Freud, se das concepções éticas tradicionais, denuncian-
os quais merecerão breve comentário. do a “moral do rebanho”, fraca, impotente e res-
A principal obra de Schopenhauer, o Mundo sentida86. Na segunda obra, busca a transmuta-
como vontade e representação, alberga uma im- ção de todos os valores, demolindo, a golpes de
portante crítica ao ideário iluminista81. O filósofo martelo, o pífio maniqueísmo da cultura ociden-
mantém a distinção kantiana entre fenômeno e tal — o bem versus o mal —, como explícito no
númeno, mas caracteriza-os, respectivamente, aforismo “O que uma época percebe como mau é
como representação e vontade. O primeiro com- geralmente uma ressonância anacrônica daquilo
preende a realidade empírica, ou seja, constituída que um dia foi considerado bom — o atavismo
de “coisas” tais como são conhecidas pelos senti- de um antigo ideal”87. Contrapondo-se a isto, são
dos, as quais se originam a partir da apreensão, erigidas a vontade, a criatividade e o sentimento
pelo sujeito, do mundo em si. Este é o horizonte da estético como genuínas afirmações da vida87.
Representação (Vorstellung), a qual não existe em Ademais, Nietzsche também subverte com-
si mesma, “apresentando-se” quando recebe sua pletamente a idéia de das gute Wille — em certa
estrutura por meio das formas cognitivas intrín- medida na “esteira” de Schopenhauer —, demons-
secas àquele que conhece81. Ao contrário, o mun- trando que a ela subjaz a vontade de poder e o
do em si é constituído por uma essência intangível, ressentimento advindo de seu não alcance86,87. Mais
a Vontade (Wille), cega e irracional — e não mais uma vez, o indivíduo autônomo, capaz de enun-
das gute Wille, a boa vontade kantiana —, que só ciar — e aderir ao — imperativo categórico, é
faz desejar e querer incessantemente81,82. Tudo o colocado na berlinda. Entretanto, a ruptura não é
que se apresenta como existência singular — coi- completa: a proposta nietzschiana para sobrepor
sas e indivíduos — possui, em última análise, uma o, ou ir além do, ressentimento — a partir da
vontade subjacente — a qual permanece após a imagem do Übermensch, o sobre-Homem —,
extinção da existência individual —, matriz de um mantém (e agudiza) a perspectiva voluntarista da
anseio inextirpável e insaciável, o qual se constitui ética de Kant, ainda que atrelando o querer hu-
nos viventes como vontade de vida. Deste modo, mano à irracionalidade (como Schopenhauer).
para Schopenhauer, o elemento primário nos se- A despeito das anástrofes construídas por
res humanos é a vontade — irracional —, e não o Schopenhauer e Nietzsche, é a psicanálise de Freud
intelecto — racional —, reconhecido como se- que descentrará definitivamente, por assim di-
cundário e submetido à primeira83. Tal formula- zer, o sujeito racional kantiano de seu lugar
ção é reconhecida, por alguns autores, como um privilegiado para o julgamento/ação moral88.
gérmen da idéia freudiana de inconsciente84. O ponto de partida para a compreensão de
A subversão instituída por Schopenhauer tor- uma tal assertiva é o reconhecimento da centrali-
na-se clara, mesmo nesta sumária exposição. Na dade do inconsciente (das Unbewusste) na teoria
verdade, o indivíduo autônomo da moral kantia- psicanalítica89. A descrição do inconsciente pode
na desmorona, na medida em que (1) este é uma ser erigida a ponto de inflexão desta descentrali-
efêmera organização temporal de algo muito zação do sujeito do iluminismo, na medida em
maior, a vontade, a qual é (2) capaz de determinar que expõe, de forma virtualmente incontestável,
— ainda que não em um esquema convencional o quão limitada é a concepção que entende os
causa-efeito —, a partir de um desejo irrefreável, processos psíquicos apenas nos seus aspectos
suas escolhas pretensamente livres e racionais, conscientes90:
abrindo-se (3) a perspectiva para o reconheci- Assim, enquanto Descartes pensava o eu como
mento de uma instância para além da consciên- uma entidade original, Freud o pensa como engen-
cia, capaz de se impor a esta última. Assim, pois, drado; enquanto Descartes nos fala do sujeito da
em um trabalho posterior, Schopenhauer é cate- ciência, Freud nos fala do sujeito do desejo. Antes
górico em rejeitar que o fundamento da moral de Freud o sujeito se identificava com a consciên-
esteja no uso imparcial da razão, situando-o, ou- cia; a partir de Freud temos que nos perguntar por
trossim, no âmbito da compaixão85. esse sujeito do inconsciente e por sua articulação
Uma substantiva apreciação da ética kantiana com o sujeito consciente 90.
foi conduzida por Nietzsche, o qual, na Genealo- De fato, partindo de sua compreensão de que
gia da Moral86 e em Além do Bem e do Mal87, pro- a distinção entre consciente e inconsciente é a
cede a uma genuína desconstrução dos pressu- matriz da psicanálise94, Freud contesta a auto-
postos racionalistas de Kant9, na esteira de sua transparência da razão, explicitando que as cau-
encarniçada crítica à metafísica clássica. No pri- sas últimas dos atos humanos estão relacionadas
216
Siqueira-Batista, R. & Schramm, F. R.

à libido — determinada por Eros e Thanatos. dor na formação do psiquismo, em um movi-


Ademais, este comentário ressalta um aspecto mento de renúncia imposta pela cultura95. O que
significativo da concepção de sujeito freudiano, merece ser destacado, no contexto desta breve
que é a sua clivagem em consciente e inconscien- discussão, é o conceito de superego, herdeiro do
te; ou seja, trata-se de uma subjetividade cindida complexo de Édipo e modelo do superego dos
e instituída por duas sintaxes díspares. pais. Freud atribui-lhe uma tríplice função: (1)
Mas, qual a real dimensão do inconsciente? de auto-observação, (2) de ideal do ego e (3) de
Freud descreve-o a partir de suas investigações consciência moral96. Neste último ponto, há uma
sobre os fenômenos lacunares — o sonho, o lap- tentativa, por parte do psicanalista, de identificá-
so, o ato falho, o chiste e os sintomas90 — iden- lo com o imperativo categórico kantiano97, o que
tificando seu núcleo com “impulsos carregados de tem motivado acirradas controvérsias entre os
desejo”91,92. Características importantes do incons- comentaristas de Freud, alguns identificando
ciente incluem a ausência de temporalidade e a como errônea a aproximação do psicanalista98,
existência de uma ordenação, uma sintaxe, que outros ressaltando sua relevância para compre-
Lacan reconhece como linguagem93. Ademais, o ensão do pensamento kantiano99. Pode-se argu-
inconsciente não pode ser identificado com uma mentar que Freud “assimila” a crítica hegeliana a
região “profunda” da consciência — obscura, Kant100, no horizonte de questionamento sobre
instintiva e ilógica — e, tampouco, como uma as condições para o advento da consciência/su-
substância, ou seja, não é uma “coisa” e, também, jeito transcendental. De todo modo, o próprio
não “ocupa” um lugar. Em última análise, o in- Freud reconhece que seu tabu — o imperativo
consciente é uma forma, um modus operandi dis- categórico99 — “rejeita quaisquer motivos cons-
tinto da consciência, segundo o qual seus con- cientes”97, algo afim à “leitura” realizada por Jac-
teúdos se ordenam. Estes, por seu turno, consis- ques Lacan: A lei moral, examinada de perto, não
tem em representações (Vorstellungen), inscrições é outra coisa senão o desejo em estado puro, aquele
da pulsão nos sistemas psíquicos. mesmo que termina no sacrifício, propriamente
Tal concepção de inconsciente tem ainda falando, de tudo o que é objeto de amor em sua
como elemento fundamental a negação da pura ternura humana101.
e simples arbitrariedade dos eventos psíquicos, O panorama estabelecido a partir das críticas
afirmando, a seu modo, uma modalidade de de- formuladas por Schopenhauer, Nietzsche e Freud
terminismo com profundas implicações nas ope- alteraram, radicalmente, o ideário, até então vi-
rações conscientes: gente, de um sujeito capaz de pensar e a agir
[...] os acontecimentos psíquicos são determi- motivado por uma razão albergadora de idéias
nados. Não há nada arbitrário neles. De modo bas- claras e distintas e/ou capaz de se constituir como
tante geral, pode-se demonstrar que se um elemen- um verdadeiro tribunal, no qual são julgados, de
to é deixado indeterminado por um certo encadea- forma autônoma e imparcial, os diferentes as-
mento de pensamentos, sua determinação é imedi- pectos relativos ao conhecimento e à moral. Ser e
atamente efetuada por um outro. Por exemplo, posso pensar deixam de ser coincidentes — dimensão
tentar pensar arbitrariamente num número, mas que pode ser recuperada na própria nascente do
isso é impossível: o número que me ocorrer será pensamento ocidental, em um filósofo tão origi-
inequívoca e necessariamente determinado por nário quanto Parmênides de Eléia43 —, a ponto
pensamentos meus, embora eles possam achar-se de Lacan poder formular uma afirmação tão
afastados de minha intenção imediata94. impactante — e elucidativa — quanto “penso
Esta determinação psíquica é incompatível onde não sou, portanto sou onde não penso”93.
com a autonomia iluminista, na medida em que
o inconsciente dita as preferências e opções apa-
rentemente livres que se estabelecem como “su- Quarto paradoxo:
posto” produto da atividade consciente, a ponto indivíduo versus coletivo
de ser possível dizer que “Freud coloca por terra e as tensões entre autonomia e justiça
o livre arbítrio”11.
Mas esta não é a única determinação pro- O equilíbrio entre autonomia e justiça nas socie-
posta pela psicanálise. Um outro ponto desen- dades democráticas permanece como uma gran-
volvido na segunda tópica — na qual há um “des- de dificuldade a ser enfrentada, especialmente na
locamento” da antiga tríade consciente/inconsci- intrincada composição entre o respeito à liber-
ente/pré-consciente para uma nova, ego/Id /su- dade individual e à igualdade. O primeiro termo
perego — é a participação do processo civiliza- pressupõe, em sua essência, que a desigualdade
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Ciência & Saúde Coletiva, 13(1):95-102, 2008


porventura existente entre os sujeitos autôno- acirrando-se, especialmente, após a Revolução
mos deve não apenas ser respeitada, mas tam- Russa de 1917109. De fato, no século XX, as refle-
bém estimulada, na medida em que propicia um xões e contestações agudizaram-se em torno de
incremento enriquecedor no numero de vozes matizes predominantemente ideológicos, estabe-
nos agrupamentos humanos laicos e plurais. Esta lecidos na oposição entre coletivismo (identifica-
posição teórica tem como importantes expoen- do com o holismo) — orientação que ressalta o
tes os pensadores H. Tristam Engelhardt Jr. e Ri- cumprimento das obrigações com os demais, no
chard Nozick, os quais defendem uma ampla li- sentido de seguir as determinações do grupo de
berdade do indivíduo, com mínima interven- pertença, o qual é considerado mais importante
ção do Estado, quando muito para garantir, jus- do que a própria pessoa em si110 — e individua-
tamente, a liberdade individual102,103. Neste âm- lismo — concepção que enfatiza a individualida-
bito, cabe a interrogação sobre o grau de auto- de, tratada em termos de independência das de-
nomia efetiva de pessoas que, por conta de um mais pessoas e dos grupos, sem que haja consti-
estado de profunda desigualdade — como no tuição de um genuíno senso de pertencimento111.
caso da sociedade brasileira104,105 —, encontram- Sob este acirrado debate entre individualis-
se alijadas das mínimas condições para se man- mo e coletivismo, como compor, sem fundamen-
terem dignamente. Estas e outras indagações ga- talismos e extremismos, autonomia e justiça, de
nham contornos bastante próprios no seio das modo que os sujeitos possam desempenhar sua
democracias contemporâneas, como demarca- (possível) autodeterminação no sentido de atin-
do na notável crítica articulada por Alexis de To- gir genuínas escolhas para sua própria vida? Uma
cqueville106: vez mais, neste contexto, a autonomia aparece
O individualismo origina-se da democracia [...] como um “devaneio” inalcançável, em suas dife-
Na medida em que as condições se tornam iguais, rentes instâncias:
aumenta o número de indivíduos que, já não sen- A autonomia econômica é uma ficção, num
do ricos ou poderosos o bastante para exercer grande mundo em que as principais decisões macroeconô-
influência sobre o destino de seus semelhantes, con- micas são tomadas por bancos centrais estrangei-
servaram ou adquiriram, não obstante, instrução ros e por conselhos de administração de empresas
e bens suficientes para bastar-se a si mesmos. Nada transnacionais, em que a volatilidade dos merca-
devem a ninguém; habituam-se a considerar-se dos financeiros impede qualquer planejamento a
sempre de forma isolada e até imaginam que seu longo prazo, e em que as inovações tecnológicas
destino esteja em suas mãos. Assim, a democra- têm origem externa. A autonomia política se torna
cia não só leva cada homem a esquecer-se de seus relativa, quando se leva em conta que as decisões
antepassados, mas também lhe esconde seus des- políticas que mais diretamente afetam nossas vi-
cendentes e o separa de seus contemporâneos; sem das foram tomadas fora de nossas fronteiras [...] a
cessar, ela o traz de volta a si mesmo, ameaçando autonomia cultural é uma fraude para aqueles que
enclausurá-lo inteiramente na solidão de seu pró- ficam indefesos diante dos aparelhos ideológicos e
prio coração106. que são meros consumidores passivos de bens cul-
O excerto de Tocqueville apresenta as interfa- turais sobre cuja produção e distribuição não têm
ces da inserção dos indivíduos no ordenamento qualquer controle112.
democrático, chegando a comentar criticamente Diante de todos estes paradoxos — determi-
a existência – questionável – de um certo senso nação da realidade física/biológica, dos proces-
de empoderamento de sua própria jornada de sos psíquicos e impossibilidades conceituais para
vida. A contrapartida deste “efeito adverso” — exercício da liberdade dentro de coordenadas
individualismo — seria a ideologia coletivista, sociais — seria ainda factível pensar em autono-
segundo a qual o coletivo alcançaria uma subs- mia (mais propriamente, do indivíduo, para de-
tancialidade, capaz de justificar sua prioridade cidir sobre sua vida ou morte)?
sobre os anseios dos indivíduos tomados isola-
damente107. Este plano de discussão vem se esta-
belecendo desde o século XIX — como na distin- Controvérsias finais: enfim,
ção durkheimiana entre solidariedade mecânica e há escolha autônoma
solidariedade orgânica, respectivamente referidas em relação à eutanásia?
aos estágios iniciais (prioridade no indivíduo) e
maduros (prioridade no coletivo, em um senti- A despeito de sua importância, o conceito de au-
do orgânico, formulado em termos de uma me- tonomia tem se mostrado bastante problemáti-
táfora biológica) das organizações sociais108 —, co12, na medida em que sua formulação e aplica-
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Siqueira-Batista, R. & Schramm, F. R.

ção têm redundado na produção de uma série de existência. O que aqui entra em jogo é o senti-
aporias — em diferentes planos de discussão — mento de crença — acreditar que o “anterior” e o
, como se tentou demarcar ao longo deste ensaio. “posterior” são ligados por um “fio”, a causali-
As discussões ora entabuladas podem ser suma- dade. Tal foi a constatação que permitiu a Kant
rizadas em dois grupos principais de indagações, estabelecer que as categorias a priori — como,
a saber: (1) o determinismo absoluto e (2) a im- por exemplo, a causalidade —, eram parte do
possibilidade de resolver a tensão entre individu- “aparato cognitivo” do sujeito. Tal formulação
al e coletivo. desloca, claramente, o debate do determinismo.
A primeira questão, como visto, está na agen- Se a causalidade não está “nas coisas” — ou seja,
da da logomaquia filosófica desde a Antigüidade, não pertence ao real —, então não faz sentido se
o que demonstra as dificuldades para o seu tra- perguntar sobre o determinismo, esvaziando-se
tamento conceitual. Na verdade, o modo segun- assim a questão da existência, ou não, do livre-
do o qual a pergunta vem sendo formulada pa- arbítrio. Esta é uma “saída pela tangente”, é bem
rece tornar impossível qualquer escapatória — verdade, representando, em última análise, uma
caracterizando, assim, uma aporia genuína no alternativa para ir além de tal aporia.
âmbito do pensamento e da cultura —, uma vez O segundo problema, as relações entre indiví-
que (1) o acaso esvazia a possibilidade de funda- duo e coletividade — ou, em outros termos, entre
ção da ciência, na medida em que às leis naturais autonomia e justiça —, é mais recente — um sub-
sempre se oporá o evento fortuito, inviabilizan- produto da modernidade —, mas igualmente
do assim sua aplicação irrestrita — mesmo no complexo no seu manejo, como o esboçado no
território da mecânica quântica, há autores que “quarto paradoxo”. Entretanto, nos contextos em
questionam a indeterminação, mantendo a crença que a justiça possa ser compreendida como eqüi-
de que o avanço do conhecimento permitirá o dade — como em Aristóteles114 e Rawls115, por
ocaso desta forma de probabilismo64 — e (2) a exemplo — alternativas podem ser pensadas, com
necessidade estrita torna a ética contemporânea propostas de equilíbrio entre os extremos de in-
impensável, na medida em que extingue a possi- dividualistas/egoístas e coletivistas/totalitários.
bilidade de se agir livremente: Nesta perspectiva se incluem os trabalhos de
Mas, se por outro lado eu não tiver a crença de Amartya Sen, economista indiano que pensou
que há uma certa margem de autonomia, que me uma igualdade complexa116,117, na qual é possível
dá condições de pensar, de refletir sobre tudo (volto equacionar, de modo notável, autonomia e justi-
a citar o velho Kant, que dizia que todo homem, ça, ao se abolir a determinação heterônoma do
que quiser, tem condições de ser um legislador uni- que deve ser igualado, passando a voz de escolha
versal) — se eu não tiver essa crença, cairá por ao titular da própria existência. A despeito disto,
terra qualquer pretensão de poder realizar uma pode-se reiterar todas as interrogações acerca da
análise ética113. possibilidade de escolhas livres e genuínas e, ade-
Assim, em termos lógicos, aquiescer teorica- mais, as concepções senianas de capacidades e fun-
mente ao acaso ou ao determinismo representa- cionamentos pressupõem uma radical transfor-
ria uma adesão excludente à possibilidade de agir mação social, capaz de alcançar horizontes muito
eticamente ou de conhecer [definitivamente] a mais amplos, “quase” revolucionários, difíceis de
realidade, respectivamente. Sem embargo, pode- serem concebidos na hodierna ordem mundial.
se pensar uma via de escape para tal paradoxo, Após todas estas digressões — nas quais se
na medida em que se esvazia o núcleo do deter- procurou tensionar, virtualmente esgarçar, o con-
minismo: a causalidade. Para isto, pode se recor- ceito de autonomia, expondo suas aporias e in-
rer, uma vez mais, a David Hume: consistências — o que se pode pensar sobre a
Quando olhamos para os objetos ao nosso re- livre decisão de pleitear para si a eutanásia?
dor e consideramos as operações das causas, não Esta questão não pode ser respondida, sem
somos jamais capazes de identificar, em nenhum que isto, no entanto, seja justificativa para se
caso singular, nenhum poder ou conexão necessá- impedir a ação. Na verdade, em meio a tantas —
ria, nenhuma qualidade que ligue o efeito à causa e tamanhas — dificuldades para se sustentar a
e torne o primeiro uma conseqüência infalível da autonomia, o que se pode fazer é reconhecer ine-
segunda33. quivocamente que (1) a eutanásia poderá se tor-
A causalidade seria assim, para Hume, uma nar uma saída para aquele humano que sofre de
expressão do modo a partir do qual o ser huma- modo insuportável, e (2) que sua concretização
no articula as informações provindas do real, sem dependerá do acolhimento incondicional por
que nada possa ser afirmado em relação à sua parte de um outro — um profissional de saúde,
219

Ciência & Saúde Coletiva, 13(1):95-102, 2008


por exemplo —, capaz de reconhecer a dimensão
do martírio enquanto lídima morte em vida. E
esta acolhida, um genuíno ato de compaixão,
pode ser radical a ponto de se reconhecer que o
desejo de morrer — determinado ou não — de
um sujeito, para o qual sua condição existencial
se torna extenuante demais, é suficientemente
valioso para que não se considere gravemente a
possibilidade de concretizá-lo... mesmo que tudo
o mais — a vida, o nascer e o morrer, o pensar e
o sentir —, não passem de uma profunda e in-
cógnita ficção...

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Artigo apresentado em 23/11/2005


Aprovado em 30/06/2006
Versão final apresentada em 05/02/2007

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