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AS DOZE CHAVES DE BASÍLIO VALENTIM

(Primeira Chave)

Antes de começar gostaríamos de vos dizer que as figuras mais conhecidas


das Doze Chaves foram publicadas no livro Les Douze Clefs de la
Philosophie, Les Éditions de Minuit Paris, 1956, traduzido e comentado por
Eugène Canseliet.

Estas gravuras seriam gravadas em cobre e são mais recentes porque existem
outras muito mais antigas gravadas em madeira "woocuts" provavelmente da
edição de 1602.

Basílio Valentim tal como Filaleto, é um dos alquimistas mais controversos e


a sua obra descrita nas Doze Chaves é a mais difícil de interpretar. Tem-se
especulado muito sobre a sua interpretação não só sob o ponto de vista
alquímico operativo mas também sobre o seu significado simbólico. "Cada
cabeça sua sentença". Isto aplica-se perfeitamente à interpretação do
simbolismo alquímico.

Estudamos anos a fio estas figuras baseando-nos inclusivamente


no Dictionaire de A.J. Pernety, Arché Milano, 1980 e Théories et Symboles
des Alchimistes de Albert Poisson, Éditions Traditionnelles, Paris, 1981, bem
como os respectivos textos sem nunca conseguirmos sair do labirinto. Porquê?
Porque depois de um estudo exaustivo, verificámos que o texto das figuras, na
nossa opinião, não está em concordância com a representação pictórica.
Passaram-se os anos e por mais que tentássemos apercebermo-nos do seu
significado simbólico transpondo-o para a operativa íamos sempre a dar
sempre a um beco sem saída .

Por isso, para vos poder transmitir a nossa opinião sobre a sua interpretação
nada melhor que descrever a parte essencial do texto da Primeira Chave.
Na gravura da primeira chave vê-se um Rei e uma Rainha, de pé tendo o Rei
na mão esquerda um ceptro e a Rainha segurando também, na sua mão
esquerda um ramo com três flores.

Do lado do Rei, em baixo, está um Lobo saltando por cima de um cadinho


colocado num forno com fogo vivo. Ao lado da Rainha, vê-se Saturno
representado por um velho barbudo com perna de pau empunhando uma
gadanha. Por baixo de Saturno vê-se um forno aceso, com uma Copela e um
grande botão metálico.

O comentário à Primeira Figura feito por Eugène Canseliet é o seguinte:

«O Rei e a Rainha da Obra, isto é, o ouro e a prata filosóficos,


espagiricamente designados pelo lobo e o grande botão metálico sobre a
copela. Este e o cadinho no meio das chamas, indicam claramente a via seca,
na qual representa um grande papel o fogo secreto...»

Não nos surpreendeu o comentário do Sr. Canseliet porque nós conhecemos


bem qual foi a via que este grande Mestre e erudito da nossa Arte praticou e
descreveu no seu livro L'Alchimie Expliquem Sur Ses Textes Classiques, A
Paris Cheia Jean-Jacques Pauvert, Paris, 1972

Há uma tendência muito especial (isto é inerente ao ser humano) de um


alquimista tentar sempre adaptar a descrição de qualquer obra àquela que
conhece e praticou. Vimos a tendência do Sr. Simón H. de fazer uma
comparação da sua obra com a de Filaleto embora elas, na nossa opinião,
sejam completamente distintas. Também o Sr.Canseliet enveredou pelo
mesmo caminho e não só.

Se nós tomássemos à letra a explicação do Sr. Canseliet seguiríamos o mesmo


caminho. Mas, a realidade é bem diferente embora a representação pictórica
nos mostre, em parte, que o nosso Sujeito mineral da via seca esteja bem
presente na figura, saltando por cima dum cadinho no meio das chamas.

Aqueles que conhecem bem a via seca como nós conhecemos, poderão ver
que falta na figura o Acólito metálico que permitiria a Separação. Nem
Saturno ou a Rainha o permitiria a não ser na composição do amálgama na via
de Filaleto. Foi precisamente por esse motivo que nós rejeitámos a
interpretação pela via seca.

Albert Poisson no seu livro Teoria e Símbolos dos Alquimistas, página 87 diz:

«O ouro e a prata purificados constituem a matéria afastada da pedra. O


Enxofre é extraído do ouro, o Mercúrio da prata, sendo a matéria próxima.»
Reportando-nos, agora, ao texto da Primeira Chave nas suas partes mais
essenciais:

«Sabe meu amigo que todas as coisas imperfeitas são impróprias para a nossa
obra, porque a sua lepra não pode produzir nada de bom, ora o bom é
impedido pelo impuro.

Todas as mercadorias à venda, extraídas das minas valem cada uma o seu
preço, mas logo que sejam falsificadas tornam-se impróprias. Elas são, com
efeito, alteradas sob um falso brilho e não são mais, como anteriormente,
convenientes ao nosso trabalho.

Tal como o médico, por meio dos seus medicamentos, purga e limpa o interior
do corpo, donde tira a sujidade, da mesma maneira os nossos corpos devem
ser lavados e purgados de toda a sua impureza a fim de que, da nossa geração,
a purificação seja alcançada. Os nossos mestres procuraram um corpo puro,
sem mácula, que não fosse alterado por nenhuma mancha ou mistura. Com
efeito, a adição de coisas estranhas é a lepra dos nossos metais.

Que o diadema do Rei seja de ouro puro e que a casta noiva lhe seja unida no
matrimónio.

Assim, pois, se vais trabalhar com os nossos corpos, toma o lobo cinzento
muito ávido que, pelo exame do seu nome, está sujeito ao belicoso Marte,
mas, pela sua raça de nascença, é filho do velho Saturno, e que, nos vales e
nas montanhas do mundo, é presa da fome mais violenta. Deita-lhe o corpo do
Rei, a fim de que dele receba o seu sustento e, logo que tenha devorado o Rei,
faz um fogo forte e deita-lhe o lobo para o consumir inteiramente então, o Rei
será libertado. Quando isso se fizer três vezes, o Leão triunfará do Lobo e não
encontrará mais nada que comer nele. E, assim, o nosso corpo ficará pronto
para o começo da nossa Obra.

Sabe, ainda, que só esta via é a directa e verdadeira para purgar os nossos
corpos. Porque o Leão purifica-se pelo sangue do Lobo e a tintura do seu
sangue junta-se admiravelmente à tintura do Leão, visto que o sangue dos dois
são mutuamente unidos por uma certa afinidade de parentesco.

Mas, meu amigo, prevê diligentemente, de forma que a fonte da vida seja
encontrada pura e clara. Nenhuma água estranha deve ser misturada...

O Rei percorre seis cidades do firmamento celeste e fixa a sua residência na


sétima, porque o palácio do Rei, no seu lugar, é ornamentado de tapeçaria de
ouro.
No entanto, se percebeste o que te disse, então, por meio desta chave
franqueaste o obstáculo do ferrolho. Porque, se, verdadeiramente, não
percebeste ainda a luz das minhas palavras, não há óculos de vidro que te
adiantem, nem olhos naturais que te ajudem, para que encontres no fim o que
te faltou no princípio...»

Tendo em conta o que diz Canseliet e Albert Poisson e ainda em face das
imagens da figura, tudo nos levaria a concluir que o Rei representa o ouro que
será purificado pelo Lobo e, a Rainha, a prata, purificada por Saturno na
Copela, como se pode ver pelo botão metálico. Este processo de purificação
dos dois metais nobres era muito usual naquela época.

Esta era uma possível interpretação que, à primeira vista, nos pareceu a mais
adequada, e, durante muito tempo a aceitámos embora com reserva.

Mas se lerdes com atenção o texto da chave, vereis que o Mestre não faz
nenhuma referência à purificação da Rainha. Ele refere-se, apenas, à
purificação do Rei, e daí a nossa dúvida.

Nunca aceitámos de bom grado os comentários feitos pelo tradutor e


comentador Sr. Canseliet, autor de vários livros sobre a nossa Arte, que muito
respeitamos pela sua erudição, porque não se ajustam ao texto como já
dissemos e achámos muito estranho que ele não fizesse esse reparo.

Mais tarde, adquirimos um dos últimos livros publicados de Basílio


Valentim, Le Dernier Testament, Retz, Paris, 1977. Como o título indica,
provavelmente, este terá sido um dos últimos, senão o último livro do Mestre
e talvez por isso, um dos mais generosos e abertos.

No referido livro, confirmámos a nossa dúvida porque o Mestre descreve em


linguagem clara algumas das chaves do seu livro As Doze Chaves da
Filosofia que, no original, como vimos, estão descritas em linguagem
simbólica.

Vejamos, então, o que nos diz o Mestre no Último Testamento sobre a


Primeira Chave, na página 215:

«A Primeira Chave ensina-te a procurar, se quiseres, a tua semente num ser ou


substância metálica que é o ouro...

A purificação do ouro faz-se de forma que seja batido, bem delgado e muito
fino, depois, vazado e passado três vezes pelo antimónio, que em seguida, o
Rei passado através do antimónio, assentado e pousado no fundo, seja
refundido antes de ser soprado a fogo muito forte e, depois, purificado por
Saturno.
Então, encontrarás o ouro mais esplêndido, mais belo e mais altamente
brilhante que se possa desejar, semelhante ao claro resplendor do Sol e de
muito agradável aspecto...»

O texto é bem claro e não deixa sequer lugar a dúvidas. Só o Rei, (ouro) e
apenas o Rei, é purificado pelo antimónio ou Lobo cinzento (o lobo saltando
por cima do cadinho) e, depois, passado pela Copela por meio de Saturno (o
velho com uma perna de pau empunhando uma gadanha), tendo debaixo uma
Copela com um botão metálico de ouro purificado como mostra a figura.

Como diz o texto da chave, Saturno é a sétima cidade no firmamento celeste


(sétimo planeta alquímico). O Lobo, representa simbolicamente o antimónio e
Saturno o chumbo.

Os antigos mestres, quando se referiam ao antimónio queriam indicar o


respectivo mineral, ou seja, a estibina ou sulfureto natural de antimónio. Para
distinguirem o mineral do metal designavam este último por régulo de
antimónio.

Vejamos, agora, como era purgado o ouro pelos artistas do século XVII, tal
como está descrito no Traité De La Chymie de Christophle Glaser, boticário
ordinário do Rei de França, em 1667, página 84:

«A purificação do ouro pelo antimónio. A melhor purificação do ouro é


aquela que se faz pelo antimónio; o chumbo só destrói os metais imperfeitos e
deixa a prata com o ouro; o cimento deixa frequentemente o ouro impuro e
ainda lhe come uma pequena porção; o inquarto nem sempre é prova da
pureza do ouro...poder-se-á assegurar que o ouro que passa pelo antimónio é
perfeitamente purgado e libertado de toda a impureza, porque não há ouro que
possa resistir a este lobo devorador.

Tomai, pois, uma onça de ouro, tal como os ourives o empregam, colocai-o
num cadinho entre carvões ardentes, num fogo a vento, e, logo que fique
rubro, deitai, pouco a pouco quatro onças de bom antimónio em pó, o qual se
fundirá imediatamente e devorará ao mesmo tempo o ouro, o que, de outra
forma, é de difícil fusão, por causa da sua composição muito perfeita. Agora
que está tudo fundido como água e que a matéria deita chispas, é um sinal de
que a acção do antimónio destruiu as impurezas do ouro e, por isso, é
necessário deixá-lo ainda um pouco no fogo e, depois, vazá-lo prontamente
num corneto de aço que tenha sido previamente aquecido e untado com um
pouco de óleo.

Logo que a matéria seja vazada dentro, é preciso ao mesmo tempo bater com
uma tenaz no corneto, para fazer descer ao fundo o régulo.
Depois da matéria arrefecer, é preciso separar o régulo das escórias, pesá-lo
em seguida e colocá-lo num cadinho para fundi-lo, deitando, pouco a pouco, o
dobro do seu peso de salitre; tapar o cadinho com a tampa, de forma que o
carvão não possa entrar e, dando um fogo forte, o salitre consumirá todo o
antimónio que ainda restar.

O ouro fica fundido no fundo, muito belo e puro. Vazar-se-á num corneto ou
deixar-se-á arrefecer no cadinho, o qual será necessário partir, depois, para
separar o ouro dos sais.»

Parece-nos que não é preciso ser muito entendido em metalurgia para


compreender esta operação da purificação do Rei ou ouro pelo antimónio, e,
por isso, dispensa qualquer comentário.

Para finalizar o comentário à Primeira Chave, vamos, então, resumir: A


purificação do ouro (Rei), faz-se num cadinho de barro refractário, num forno
a gás, por meio do sulfureto de antimónio natural (estibina) em pó, que os
antigos alquimistas denominavam Lobo cinzento esfaimado (porque devora
todos os metais), fundindo-o com o ouro. Depois de fundido, vaza-se num
corneto de aço previamente untado com óleo. Separa-se o régulo solar das
escórias e deita-se, depois de triturado, num cadinho com o dobro do seu peso
de salitre. Faz-se um fogo muito forte e funde-se o régulo com o salitre, para
que este consuma o que resta do antimónio.

Por fim, purifica-se o ouro numa Copela, por meio de Saturno (chumbo).
Resta na copela um botão de ouro muito puro.

Cabe então perguntar: qual é o papel da Rainha nesta Chave se o Mestre diz
que apenas o Rei e só o Rei (ouro) é purificado pelo antimónio e depois
passado pela Copela?

Por incrível que pareça nenhum. Então porquê a sua presença na figura?

A explicação que demos do texto, foi feita deliberadamente em linguagem


clara. Em alquimia não é usual fazê-lo mas se o Mestre o fez caridosamente
no Último Testamento, por que razão não o faríamos também?

Na figura a cores da Segunda Chave, além da representação simbólica,


podereis ver a correspondência com as matérias reais. Na descrição da
Terceira Chave vos diremos porque o simbolismo das imagens não
correspondem ao texto.

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