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Psicose e Folie A Deux Uma Trajetoria Psicanalitica A Luz Da Teoria Lacaniana
Psicose e Folie A Deux Uma Trajetoria Psicanalitica A Luz Da Teoria Lacaniana
SÃO PAULO
2011
MARCOS DANIEL DA SILVA
SÃO PAULO
2011
MARCOS DANIEL DA SILVA
Aprovado em _____/_____/_____
Banca Examinadora
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SÃO PAULO
2011
“Mas a mente talvez não me atenda
Se eu quiser novamente retornar
Para o mundo de leis me obrigar
A lutar pelo erro do engano
Eu prefiro um galope soberano
À loucura do mundo me entregar”
Amós 3:3
AGRADECIMENTOS
Não tem como não agradecer a Deus primeiramente pela realização deste trabalho,
por me capacitar para realizar tal empreendimento e possibilitar que meu caminho
gratificantes.
À minha mãe, Vera Aparecida, por ter me ensinado o correto a se fazer nas
término deste trabalho que vocês lerão. A isto, fica minha imensa gratidão, no que
fez algo difícil se tornar uma breve explanação sobre um assunto que interessa duas
À minha orientadora, Maria Madalena de Freitas Lopes, pois com ela aprendi o
mistérios a serem desvelados. Neste caminho, aprendi que o silêncio produz uma
resposta, porque é nele que o sujeito tem o espaço para existir e se construir, é com
isto que busco encontrar o novo, o não descoberto, questionar onde me sinto
questionado.
Enfim, dedico também a todos aqueles que estiveram presentes comigo nesta
trabalho. Cinco anos de caminhada, com suas dificuldades, mas, sobretudo com
RESUMO...................................................................................................................07
1. INTRODUÇÃO.....................................................................................................08
2. CAP. I - FORACLUSÃO.....................................................................................11
2.6
Aforismo.........................................................................................................25
3. CAP. II - PSICOSE...............................................................................................28
3.2 Delírio.............................................................................................................34
5. OBJETIVOS..........................................................................................................65
6. MÉTODO..............................................................................................................66
7. DISCUSSÃO..........................................................................................................67
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................75
9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................77
SILVA, M.D. Psicose e Folie a Deux: Uma Trajetória Psicanalítica à luz da Teoria
Lacaniana; Trabalho de Conclusão de Curso - UNICASTELO, 2011.
RESUMO
1. INTRODUÇÃO
este trabalho. A muito que o ideário popular perscrutina variadas possibilidades para
explicar a loucura, sendo a maioria do senso comum, pincelando várias faces num
conglomerado confuso e tão fora do sentido quanto o próprio louco que, aliás, possui
seja, o mesmo não é capaz de produzir laços sociais com o outro por estar fora do
pacto com a realidade que exige de cada um de nós um preço a ser pago. Esta dívida
arcabouço psíquico para enfrentar as vicissitudes da vida, tanto que para aqueles que
A foraclusão é um termo proposto por Lacan para “nomear uma grave falha
p. 10). O mecanismo funciona gerando uma defesa para impedir que o sujeito se
mas anunciando possíveis sintomas psicóticos posteriormente, pois, tal como Lacan
postulou, existe uma tendência em tudo aquilo que foi abolido do simbólico regressar
psicose.
caso é o mais famoso caso de psicose na literatura, sua análise proveu embasamento
para a teoria psicanalítica, estando em voga até hoje seus conceitos. Lacan (1956-57)
analisa o caso, incluindo novos elementos para estudá-lo, e é a partir das descobertas
de Freud, juntamente com a revisão de Lacan que revemos o que é postulado sobre a
psicose.
com as atribuições valorativas que Lacan postula de que somos formados numa
significante para outro significante, respondendo a uma rede que evoca a linguagem
deux, descrito no caso das irmãs Papin, constitui uma nova forma de psicopatologia
passivo, geralmente possui laços sanguíneos com o psicótico ou conviveu por muitos
na França em 1933, mobilizou a população pela barbárie cometida pelas irmãs, num
crime de assassinato contra as patroas de uma família burguesa, no caso, mãe e filha.
casos e, por conseguinte, definir ao final desta trajetória, o significado das psicoses.
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2. CAPÍTULO I
FORACLUSÃO
outros locais, enquanto que a meta de limpeza social, segurança dos cidadãos e a
Uma pólis não consegue lidar com aquilo que para eles parece incompreensível. O
parte para uma douta ignorância sobre a temática, trata-se de visualizar a loucura a
partir de uma experiência cósmica, uma viagem que tem que estar no concreto (nau
dos loucos), como uma forma de isolar os componentes que fogem de uma
compreensão empírica. Gera também uma experiência crítica (ligação que o homem
homem com sua essência. No século XVI, a consciência crítica domina a visão
cósmica, que persiste nos modelos religiosos, o que não anulou o misticismo.
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Para Foucault (1997), foi a partir do classicismo que a loucura foi entendida em
tomando como pressuposto de que a loucura só pode ser entendida como contraparte
da razão. É a partir deste contexto, que a segregação dos loucos praticada no século
Foucault (1997) afirma que o classicismo inventou o internamento, e que tal não
miséria, desemprego, ócio, ou seja, uma cidade onde a obrigação moral se uniria à lei
Assim como na idade média com os leprosos, os loucos ocuparam estes espaços de
inconsciente.
mecanismos que nos orientamos para entender o que é loucura, a se dizer psicose
como oposição a neurose e como tal com características próprias, tanto na sua
origem, como na forma que ela se articulará ou não com o social, a ser explicitado
posteriormente.
14
aspectos sobre a produção psíquica dos indivíduos. Tema central das produções
atuação.
Segundo Nasio (1987), Freud cunha três mecanismos de defesa do eu para que um
tornando-a assim banal. Como este afeto insuportável não pode coabitar no eu, na
consciente, ou seja, uma ideia fixa que tampona o trauma e faz com que o eu
outra operação realizada para dar conta das representações do inconsciente, sendo a
mais brutal de todas elas. É sobre esta, que dedicaremos este capítulo e suas nuances.
afirmando que ele deve designar de forma geral todas as técnicas de que o ego se
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serve nos seus conflitos, que podem levar eventualmente à neurose” (Freud [1926],
Vol. XX; 1977 p. 163). Para Freud, os mecanismos de defesa são operações em que
por Freud desde o inicio, que destaca que tais defesas se encontram nos fenômenos
mas é uma operação dinâmica porque busca conciliar a força do desejo inconsciente
O recalque não incide sobre a pulsão, pois esta é correlacionada com funções
Processo dinâmico que consiste numa pressão ou força (carga energética, fator de
motricidade) que faz o organismo tender para um objetivo. Segundo Freud, uma
pulsão tem a sua fonte numa excitação corporal (estado de tensão). O seu objetivo
ou meta é suprimir o estado de tensão que reina na fonte pulsional; é no objeto ou
graças a ele que a pulsão pode atingir sua meta. (Laplanche e Pontalis, 2001 p. 394).
Nas respostas aos traumas infantis, o recalque faz a mágica do esquecimento, não
sem o seu preço imputado ao eu, que significa que o eu usa defesas contra. Esta
têm de enfrentar para conseguir operar realizações simbólicas e habitar sem grandes
Nesta superação traumática que imputa uma provação a esta criança, pode ocorrer
a rejeição psicótica falada por Freud e melhor definida pelo termo foraclusão. Esta
“denominar uma falha psíquica na origem dos estados psicóticos” sendo esta falha “a
Para Nasio (1987), o futuro psicótico opõe ao choque traumático uma rejeição
foraclusivo, afirma:
Penso naquele jovem, atualmente psicótico, que sendo uma criança sadia e muito
apegada ao pai, recebeu a noticia da morte acidental deste com total indiferença. Ele
ficou brincando e rindo no meio da família enlutada como se nada estivesse
acontecido (Nasio 1987, p. 83).
O autor nomeia isto de “anestesia das sensações”, que também pode se estender a
consciência, perceber algo sem saber que percebeu, este é o paradoxo do foracluído.
Devemos entender este processo como uma forma de recusa, porém esta recusa se dá
representação dolorosa do simbólico sem que algo venha substituir como é o caso de
outras defesas.
Quando uma criança foraclui um trauma ela produz um buraco, “onde algo existia,
não mais está”, isto produz uma perturbação no sistema psíquico e anuncia a
Em suma, estamos falando que “uma defesa contra o mal é mais nociva que o mal
segundo Nasio. Este autor, criador de uma teoria sobre “foraclusão”, diz que pode
haver uma “foraclusão local”, esta sua postulação a respeito deste termo advém de
sua visão de sujeito e nos levanta alguns questionamentos sobre como podemos
coexistindo nele. Acreditamos que somos um, quando, na verdade, somos vários”
A partir disto, este autor cunha o termo “foraclusão local” para nos definir como
nada nos garante que uma dessas folhas possa ser tóxica ao eu, sem que, no entanto,
nos recorramos a ela sempre; somente em alguns episódios ela pode atuar e produzir
para amortecê-la é o mesmo que afirmar que “a origem da psicose não é o trauma em
Este mesmo autor defende o ponto de vista de Freud que qualificou a psicose de
cegueira psíquica diante de um trauma, defesa esta que atuará no real em alguma
fantasia do indivíduo. “Logo, o que é estar louco? É ter a certeza visceral, irracional
da verdade do que se pensa e do que se faz” (Nasio 1987, p. 85), mas também pode
ser não ouvir mais nada além do que se quer ouvir, do que sobrou fora do trauma e
das anestesias.
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processo de não vir à luz do simbólico uma afirmação primordial, isto pode ser
Nesse aspecto podemos dizer que a foraclusão seria uma ausência da inscrição
simbolicamente.
compreensão.
A teoria freudiana prezou por construir uma visão dinâmica de sujeito, ou seja, a
sendo a principal a edípica, têm o papel de forjar um sujeito através do caos, pois é
nessa desordem entre o trauma e a sua superação que nasce a dor. A sublimação aí
um ser inserido nessa ordem é um ser que passou pela provação do desejo,
identificações.
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ao indivíduo, ou seja, uma noção de sentido a uma ação feita, sendo a figura paterna
a maior responsável por esta transposição. No caso de uma criança foracluída, ela
Para a criança, o nome-do-pai não é um ser, mas uma função, que tem a missão de
que o indivíduo está inserido numa rede simbólica, algo sempre aparece para
significar uma fala, então algo ou outro significante sempre vem preencher o
metáfora paterna, fazendo assim com que o indivíduo sempre esteja na cadeia
simbólica, em plena coesão, portanto, não se pode enganar pensando que o nome-do-
pai é algo fixo e imutável, ele é e sempre será a cadeia simbólica a se mostrar a partir
postulações e cabe aqui uma rememoração sobre seus principais aspectos e influência
O mito, à medida que é cultural, é estrutural, o que pertence a todos define esse
forma de replicação, em que os interlocutores são os pais. Freud diz que os mitos são
produzidos pela repetição dos sonhos típicos, pois antes de serem mitos eram sonhos,
insolúvel contradição”, mostrando que existe uma estrutura latente do mito onde o
indagações infantis.
ímpeto sexual e tornando-a desejante, que traz a problemática da histeria pelo trauma
ela. O terceiro momento, podendo ser comparado com a solução edípica, que é a
“criança ser como o pai para ter a mãe, ou ser como a mãe para ficar com o pai”, um
do complexo de Édipo.
Freud, em seu texto “Organização genital infantil da libido” constata que para
órgão genital, o masculino, para ambos os sexos” é a isso que Freud irá chamar de
relação de absoluta dependência. O pai fecundador não tem espaço algum aqui,
existe uma onipotência em ação completamente exclusiva ante a sua figura. O pai
não precisa ter nenhuma relação direta com a gênese do bebê, porque o pai opera no
simbólico; neste aspecto, somente a mãe pode mostrar para a criança a importância
simbólico, pois é ele que faz a criança dar conta das rivalidades imaginárias que no
texto “Totem e Tabu” (1913) é a exemplificação do filho matando o pai para ocupar
seu lugar.
Nessa ocasião, o nome-do-pai é aquele que a mãe faz referência em seu discurso,
outro.
O que nos importa deste traçado edípico para complementar as colocações sobre a
foraclusão é justamente essa noção de simbólico recém vista, pois o simbólico não é
conseguinte, uma falta de laço com o social por não advir um significante que dê
conta das relações com o outro, estando este indivíduo preso nas fantasias
Imaginário Simbólico
Grafo copiado de CABAS, Antônio Godino. Curso e discurso da obra de Jacques Lacan, 1982 Pg. 41.
Segundo Freud (1913), as fantasias são universais, para isto, ele leva em
A cena original diz respeito à realização do coito entre (papai e mamãe) que
exclui a criança e pode ser visto como um ato de agressão/submissão por parte dela
que basicamente explicaria muitos sistemas perversos em adultos, porém temos que
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indagação da origem, pois o coito é excludente à medida que quem participa dele é
somente o pai e a mãe. A criança sabe que ambos têm um papel preponderante sobre
sua concepção, o papel do pai é mais misterioso para ele, mas ainda sim tem que
conceber que ele tem alguma participação em sua origem, começa daí um jogo de
identificações que envolvem ora a mãe, ora o pai, como forma de satisfação mais
agradável para exercitar a libido, então “uma identificação sempre tem a ver com a
acumuladas)” (CABAS, 1982 pg. 43). A partir disto, entendemos que uma libido sem
um modelo para se efetivar é inconcebível, por isto ela se cola aos modelos homo ou
O primeiro objeto elencado pela criança no Édipo é a mãe, e neste aspecto tanto o
menino como a menina sofrem a mesma sedução, é no curso do Édipo que a criança
se vê obrigada a deslocar seus afetos para o pai. O jogo neste primeiro momento
cedida pela mãe através dos cuidados maternos, este móbil de desejo faz com que
sexos é porque papai interveio amputando o pênis a certos indivíduos que são as
mulheres” (CABAS, 1982 pg. 40), logo é reconhecido o papel do pai que interdita e
que impõem na mente desta criança fantasisticamente escolhas para sua subsistência,
desejo é sempre de algo que esteve e já não está” (1982 pg. 48), pensando por este
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produzir história através das fantasias. Esta seria a primeira tentativa de se ver na
formação do inconsciente que é por excelência universal por ser forjado através de
atos míticos.
nomeiam para ela como sendo uma cadeira, ela apreende o signo a partir do
com uma outra cadeira, a criança tem que renunciar a primeira cadeira para permitir
abstração.
O código depende da língua, ao mesmo tempo em que esta língua é estruturada por
outros, outro este que tem a função de esclarecer o que não é sabido por outrem, o
Apreendemos com Lacan (1966) que uma palavra tem a dimensão de ser símbolo
e estar estruturada pelo outro, dando a noção de que um sujeito somente se constitui
contato, da imediatez; caso isto não ocorra, têm se o risco desta criança ficar “fixada”
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que sem a possibilidade de ser efetivado a partir do outro será satisfeito no plano da
indivíduo acaba por não conseguir simbolizá-la, fazendo seu regresso então as etapas
mais forças do que tem um indivíduo que se empenha em simbolizar suas relações.
2.6 Aforismo
no sujeito foracluído.
Falar deste aforismo é por excelência falar sobre foraclusão e suas consequências
imputadas ao eu. Rememorando este conceito, Freud (1924) fala novamente sobre a
neles é extremamente viva, faz com que ele sempre tenha o ímpeto de transgredir o
forma contundente essa representação, rejeita também querer saber sobre sexo e a
punição da castração.
um pedaço que, uma vez rejeitado, é uma coisa totalmente diferente de sentido e
representação” (Nasio 1987, p. 90). Como nenhum significante vem dar conta do
Para Nasio o preço da foraclusão é uma lesão local, e seu correlato é a alucinação,
“uma coisa do eu dói, este a arranca sem discriminação, rejeita-a para fora e
1987, p. 90).
foraclusão, somente a foraclusão não consegue dar conta do fenômeno “psicose”, que
generalizações, a foraclusão não pode ser tida como um sinônimo da psicose, ela tem
foraclusão tem a meta, segundo Nasio, de dar luz ao cerne dos estados psicóticos e
como estrutura; como estado traumático que coloca em jogo forças antagonistas, a
foraclusão local vem para preencher muitas lacunas de concepções sobre a psicose
que ainda podem advir ao indivíduo, mas ainda é uma folha da vida do sujeito e,
neste aspecto, julgar uma fantasia tóxica como psicose é precipitado, um vir à ser, é a
verificar como se manifestam estas folhas e como isto está recaindo em seu eu.
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3. CAPÍTULO II
PSICOSE
O que será o início de uma psicose? Uma psicose tem, como uma neurose,
uma pré-história? Haverá, ou não, uma psicose infantil? Eu não digo que
responderemos a essa questão, mas ao menos a colocaremos.
Tudo parece mostrar que a psicose não tem pré-história. Mas acontece
apenas que, quando, em condições especiais que deverão ser precisadas,
alguma coisa aparece no mundo exterior que não foi primitivamente
simbolizado, o sujeito se acha absolutamente desarmado, incapaz de fazer
dar certo a Verneinung com relação ao acontecimento. O que se produz
então tem o caráter de ser absolutamente excluído do compromisso
simbolizante da neurose, e se traduz em outro registro, por uma verdadeira
reação em cadeia ao nível do imaginário, seja na contradiagonal de nosso
quadradinho mágico.
O sujeito, por não poder reestabelecer de maneira alguma o pacto do sujeito
com o outro, por não poder fazer uma mediação simbólica qualquer entre o
que é o novo e ele próprio, entra em outro modo de mediação,
completamente diferente do primeiro, substituindo a mediação simbólica por
um formigamento, por uma proliferação imaginária, nas quais se introduz, de
maneira deformada, e profundamente a-simbólica, o sinal de uma mediação
possível. (LACAN, J. [1955-56] 1985 p. 104).
construção de uma clínica sobre a psicose e a abertura da possibilidade de dar luz aos
Freud nunca se encontrou com Daniel Paul Schreber e este é um fato curioso, mas
Memórias de um doente dos nervos, sobre sua história, seus períodos de internação e
mental e sua entrada no delírio parcial como diagnosticou Lacan, a ser explicado
posteriormente.
também para construir uma teorização sobre a psicose, fato que, até aquele momento,
não havia uma definição palpável de psicose em sua obra, apenas fragmentos que
deveriam ser reorganizados. Com isto, o corpo teórico psicanalítico ganha um grande
reforço para as bases que conhecemos hoje da paranoia, alucinação, delírio e seus
cernes estruturais.
Neste caso, Freud, ao descrever a formação do delírio através da projeção, diz não
ser certo pensar que o pensamento recalcado no psicótico tenha sido projetado para
fora, e sim o que foi abolido do interior do sujeito volta a aparecer do lado de fora.
O que nos interessa deste processo de retorno no real da coisa abolida é que este
fragmento da realidade rejeitada retorna sem parar, e que este retorno faz um
elementos primitivos do Édipo pode ser o caminho para lidar com a dialética deste
indivíduo.
correlatos teóricos sobre sua história e permitir maior aprofundamento nos modelos
paranoicos da psicose:
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Schreber (1842-1911) era de uma família protestante burguesa, seu pai fora
anos. Sua irmã mais nova, Sidonie, morreu doente mental. Daniel Paul Schreber era
Foi hospitalizado pela primeira vez aos 42 anos, devido a uma crise de
hipocondria que durou vários meses, sendo tratado pela primeira vez pelo doutor
Flechsig. Nesta crise ele já era casado e após sua recuperação viveu oito anos com
sua mulher, qualificado por ele como “muito felizes”, apenas com desapontamento
Em 1893, foi nomeado presidente da Corte de Apelação, estava com 51 anos neste
momento, e antes de assumir a função, sonhou muitas vezes que estava novamente
ideia de que “seria muito bom ser uma mulher submetendo-se ao coito”. Esta ideia
iminente, assim como sensibilidade a luz e barulho. Algum tempo depois destes
sintomas, começou ter alucinações visuais e auditivas, que o fez mergulhar num
numa relação direta com Deus e aparições milagrosas. (Nasio, 2000 p).
psicose, pois nos fornece os dados de sua psicose por si mesmo e não por um
observador, pelo lado do delirante. Apesar das contradições de seu relato, notadas
por ele mesmo, não deixava de engendrar aquilo que falava com comentários
p. 46).
sem conseguir dar conta deste significante que remete a sua sexualidade e a forma
que a resolveu, ele encontra um modo de elaborar esta questão em forma de delírio,
simbólico, mas retorna ao real na forma delirante de procriação, de modo que a partir
de seus nervos uma nova raça de homens poderia ser criada, onde Deus gozaria de
Schreber sofre, neste percurso delirante, o que Lacan nomeou como “eviração”,
divina, no sentido explicitado por Clérambaut: “O Outro me ama”, sendo este Outro
A primeira fase do delírio de Schreber, descrita por ele como “tempo sagrado” é
uma morte em vida, segundo Quinet. Seu mundo não possuía consistência, e quando
isto ocorre o sujeito espelha a própria morte, demonstrado no seu estado catatônico
em sua nova noção de que as pessoas que o circundavam eram a “imagem de homens
feitos às pressas”.
qualquer ligação entre suas partes, todas destrutivas, que o empurravam para a
questão homossexual. Por não poder dar conta da sua sexualidade e dos levantes
homossexuais, em sua eviração, Schreber cria delírios em que passa a culpar o doutor
absoluto para Schreber, porém não supre a carência do Nome-do-Pai e não gera
Na segunda fase do delírio ocorre uma revolução nos céus, Deus retoma o poder
objetivo deste ato é a criação de uma nova raça de homens. “A metáfora delirante
parágrafo deste capítulo, é aqui que a psiquiatria define como entrada em delírio
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parcial, um delírio localizado, como uma foraclusão local em uma das folhas tóxicas
expostas por Nasio (ver o conceito no capítulo I). As relações com seus semelhantes
próprio advogado, escreve suas memórias, faz um apelo a Corte Suprema e em 1903
3.2 Delírio
peça que se cola aí onde houve uma falha na relação do sujeito com o mundo da
realidade, mundo que, como se sabe, é para o homem estruturado pelo simbólico”.
(Quinet, 2011 pg. 25). Percebe-se a função do delírio como tentativa de cura, que
libidinal progressivo.
permitindo que o sujeito tenha acesso a uma significação que não passa pela ordem
Schreber não podia ser o falo que falta à mãe, portanto, em sua incapacidade de
significar o Édipo, encontrou a solução sendo a mulher que falta aos homens. Sua
força o impulsiona em ser o falo, por isto ele é levado a se transformar em mulher,
pois sua equivalência simbólica é de que ser mulher é igual a ter o falo. “Por não ter
acesso ao significante que lhe permitiria situar-se como homem na repartição dos
sexos e por dever ser falo, o psicótico é levado a situar-se do lado da mulher.”
(Quinet, 2011 p. 27). A isto Lacan denominou como “efeito empuxo-à-mulher”, ele
Tem-se que levar em consideração para pensar o caso do Schreber assim como as
demais psicoses, que nelas inexiste o Édipo, pois não foi significado pelo Nome-do-
Pai. Existe uma carência do significante paterno, em que nenhum outro significante
para reforçar esta posição, significante é aquilo que torna o infans em sujeito,
com a internalização destes elementos, quando isto não ocorre, o que foi abolido no
simbólico retornará no real em forma de delírio porque não tem nenhum significante
criança passa por intermédio dos signos, que são dotados de significado. Estes signos
produzem imagens acústicas para o outro que podemos chamar de significante. Este
psicanálise foi invertida por Lacan, para ele o significante antecede o signo. Este
registro, logo o sujeito tenta dar cabo de sua história, dos significantes internos se
que a comunicação do sujeito com o significante seja delimitada como uma barreira
Para Lacan, falar é antes de qualquer coisa falar a outros, o que leva a
problemática da estrutura da fala. Para explicar este conceito o autor nos leva a
funda um lugar, localiza e define a posição dos dois sujeitos. Seu contraponto é o
fingimento, o signo pelo qual se reconhece a relação de sujeito para sujeito ao invés
de uma relação sujeito a objeto, com esta dialética pode existir o fingimento a partir
do qual existe outra faceta sobre a comunicação direcionada ao sujeito. Freud conta a
história da mulher judia que diz: Eu vou a Cracóvia. E o outro responde: Por que
você me diz que vai a Cracóvia? Você me diz isso para me fazer crer que você vai
fingimento possível, aonde ele me remete e onde eu recebo a mensagem sob uma
Sobre estes aspectos, tomamos a fala nas suas duas vertentes, ser fundadora de
diálogo e ser mentirosa enquanto tal porque está sempre respondendo ao Outro, a
este Outro Lacan toma a liberdade de explicitá-lo sempre com a letra A maiúscula. É
a alguém “Você é minha mulher, você lhe diz implicitamente Eu sou seu homem,
mas você lhe diz em primeiro lugar Você é minha mulher, isto é, você a institui na
posição de ser reconhecida por você, mediante o que ela poderá reconhecer você”
Um jogo é instituído a partir da palavra. O sujeito não diz a verdade, sempre diz
meia-verdade ou simplesmente mente, fazendo com que a verdade que se há dito seja
impossibilidade de não mentir, “a verdade não pode se dizer toda”. De modo que a
verdade para ser escutada paga o preço de deixar de sê-la. Complementando, o fides
seria aquilo que nos impulsiona a comunicar algo que traz a carga interna e o
sob outras formas, por vezes invertida ante a ordem do desejo para que o outro não
apreenda aquilo que diz respeito ao objeto causa do desejo representado pela letra a
minúscula (a).
Esta construção da gênese da fala nos importa a medida que nos indagamos se o
psicótico realmente fala algo que deve ser apreendido ou assimilado integralmente.
Quando um indivíduo fala ele responde a algo, o mesmo encontra-se num jogo
simbólico envolto com os signos, suas ações subsequentes poderiam ser recusar,
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renegar, confirmar, refutar o que lhe foi apresentado e tantas outras cabíveis.
Poderíamos pensar esta situação como um sujeito num jogo de cartas, os símbolos
mediante as regras para obter êxito. Creio que expondo desta forma já se pode ver a
que ocorre com o psicótico é de natureza outra, que não pode responder ao apelo do
simbólico e de evocar um significante que dê conta das regras, isto já foi dito outrora,
mas, não se pode perder o foco de que isto estrutura a busca por uma
falência dos significantes e daquilo que lhe impõe como trauma não resolvido, no
isto que não pôde vir por algum motivo que é passível de muitas hipóteses, é que se
instala o delírio como única ordem de conseguir construir o Outro absoluto e reparar
o significante foracluído.
Schreber ficou as voltas com seu sistema delirante, cada vez mais com a
necessidade de criar um sistema coeso para conseguir coabitar com seus delírios, e
não lidar com o significante primário que lhe remeteria ao sistema fálico; percebe-se
sempre a tentativa de fazer a simbolização materna que não pôde ser finalizada no
Édipo; quando Schreber elenca o Outro absoluto na figura de poder que pode salvá-
lo ou ser o algoz que lhe gera toda sua problemática, os dois Outro absoluto em seus
delírios foram à figura do doutor Flechsig, que outrora havia ajudado na internação
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devido à crise hipocondríaca e que sempre o auxiliou nas outras internações, mas que
Deus que agora tem planos maiores para Schreber, um Deus que quer refazer a
humanidade a partir dele, que embora queira seu corpo, o quer para finalidades
maiores, e não para ser mulher dos homens, enfim, isto faz Schreber aceitar seu fardo
que a resistência trazia para perturbar sua mente. Sua saída foi abraçar a metáfora
delirante, que por mais claudicante que se apresentou forneceu o tripé necessário
para o psiquismo de Schreber e isto faz com que sua produção linguística possa se
equivaler ao socialmente aceito, ou seja, uma nova incursão no mundo dos homens.
bezerro e assim sucessivamente com tudo que é passível de estar numa cadeia.
colocando isto em ordem cronológica, antes do surto, o indivíduo está sustentado por
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uma bengala imaginária, quando o surto se dá, é porque ocorreu uma situação
iminente que toma conta do sujeito, que não encontra algo que contrabalanceie tal
perda de orientação; sobra para o sujeito recriar tais bengalas a partir do delírio que
vem tamponar o buraco. Schreber fica catatônico, sem mundo quando se depara com
Recomendamos que, sobre isto, os leitores possam assistir ao filme “Um Novo
Despertar” (The Beaver, 2011), que se trata da história de um homem casado, com
dois filhos, que desde que assumiu o controle de uma empresa de brinquedos que era
do seu falecido pai está manifestando sintomas depressivos, inabilidade em lidar com
de casa após três anos de quadros depressivos, e estando sozinho tenta cometer
lixo, a partir desta situação ele pode recriar um eu potente, que reage ante as
vicissitudes da vida e toma este fantoche como locutor de sua vida, ao ponto disto
torna-se mais expansiva, ambos estão em simbiose, não se sabe quem fala. Pode-se
dizer que o fantoche se torna o ideal-de-eu do protagonista e por isso ele consegue
significante que sustenta sua atuação no social, dando-lhe um Outro absoluto em que
pode se apoiar.
A situação somente poderia ter êxito caso a fusão fosse permanente, o choque
real, e é com isso que se dá a falência deste Outro da metáfora delirante que não
com sua própria fala ou com a fala do outro alucinado. O problema da sua própria
sustentar ou se deparar com tudo que já viveu, que sempre encarou com muito pesar,
cindido entre ser o doente e o fantoche ser o potente. A saída do protagonista para
acabar com o delírio é brutal, aquela personalidade alucinada que já estava colada em
seu eu precisou ser amputada, então, no filme, o mesmo decepa o seu braço e descola
Em outros termos, quando um fantoche fala, não é ele que fala, é alguém que está
atrás. A questão é saber qual é a função da personagem que se encontra nessa
circunstância. O que podemos dizer é que, para o sujeito, é manifestamente alguma
coisa de real que fala... ela recebe dele sua própria fala, mas não invertida, sua
própria fala está no outro que é ela mesma (Lacan, 1985 p. 63).
duvidar da existência das coisas, com isso só pode confiar em uma coisa: seu pensar.
Husserl estende isto para todos nossos atos de pensamento, só quando eu duvido de
algo é que posso ter a certeza de que eu penso, assim, se eu duvidar daquilo que vejo
certamente ele existe, pois existe no plano do pensamento. E que outra coisa faz o
psicótico senão isto? Acreditar com fé cega naquilo que seu próprio eu cindido o
comunica como sendo verdade, duvidará do que se apresenta? Certamente que não, o
jogo do imaginário ganha força sobre o símbolo que se retirou e começa uma lógica
significante.
Para Freud, a criança chega ao mundo como objeto, antes de ser o sujeito do
na psicose. “Em suma a criança, na sua relação dual com a mãe, torna-lhe
produz barreira, submetendo-o a um gozo infinito, sendo ele próprio o objeto de gozo
NEUROSE PSICOSE
Sujeito do Significante Sujeito correlacionado ao gozo
Discurso Fora-do-discurso
Édipo Não existe Édipo
Recalque Foraclusão
Formações do inconsciente Inconsciente a céu aberto
Habita a linguagem Habitado pela linguagem
Outro inconsciente Outro desvelado
Grafo sintetizado de (Quinet, 2011 pg. 111).
psicótico, não existe produção significante que o permita produzir um laço social,
pois esse laço é da ordem da alienação, do pacto que produz a subtração do gozo.
para o sujeito. Quando a criança é castrada, esse Outro silencia internamente, torna-
se mudo, vai reger o sujeito a partir de outra ordem, do barrado. Para o psicótico, não
45
existe a castração do Outro, pois não existe Édipo, ele não foi capaz de suplantar as
provações edípicas e, por conseguinte, este Outro ainda fala, fica do lado de fora, já
que não está simbolizado internamente, e com isto o Outro se presentifica nas
alucinações.
Este Outro ser silencioso na neurose não significa que ele deixou de existir,
histeria, entre outras incidências. Na psicose este Outro grita para anunciar a falha,
respectivas distorções dos campos sensoriais que é antes de tudo uma distorção
mental antes de ser biológica, quiçá foi algum dia, salvo surtos psicóticos por
utilização de entorpecentes.
Para Nasio (2000), partindo dos pressupostos de Freud, diz que a paranoia é a
expressão de uma fixação narcísica e também da luta contra essa fixação. Para Freud
A partir destes aspectos, o que determinaria para Freud a paranoia é que a escolha
heterossexual. Ocorre que o sujeito toma a si mesmo como objeto amoroso, para a
Para explicar este modo de defesa do paranoico, Freud propôs uma gramática da
“Eu não o amo” é uma expressão de recusa, “eu o odeio” é uma inversão no
contrário pelo mecanismo projetivo, que gera uma explicação, “porque ele me
persegue”.
2. “Não é a ele que amo, é a ela”, neste caso é o objeto da proposição que é
3. “Não sou eu que amo o homem, é ela que o ama”. O que se contradiz aqui é
possível ver a metáfora delirante num funcionamento em rede que necessita de uma
Como visto nas quatro formas assumidas pelo delírio na paranoia, Freud utiliza o
termo, pois as suas muitas variáveis formas pouco tem a ver com o que Freud queria
exprimir:
importante mecanismo utilizado pelos neuróticos dos quais todos não psicóticos se
enquadram. Este mecanismo permeia ambas as estruturas, e ficar com a noção que o
psíquica deste indivíduo. Porém, elucida o funcionamento do delírio que pode ser
uma via régia para entender as formas de comunicação do psicótico, mesmo que
distorcidas.
paralelo do que ocorreria com o recalcamento nestes casos. Nasio (2000, p. 58)
parcial ou geral. A libido anteriormente ligada a objetos externos volta-se para o eu...
O que caracterizaria a paranoia não seria a retirada da libido, mas o retorno dessa
Para Lacan (1966), a paranoia trata-se de um Outro que não é barrado pelo
significante da castração e que invoca o gozo, “há uma atribuição subjetiva a esse
Outro, o sujeito designando o Outro que goza dele, como Schreber que diz “Deus
exige de mim um estado constante de gozo, então é meu dever oferecer-lhe este
No neurótico o Outro falta por ser barrado, no psicótico ele é consistente, “ele é
fulano de tal” (ibidem), portanto jamais falta. Isto anuncia a ocorrência de delírios
Sobre a paranoia, a revista Época, relatou um caso em que uma dona de casa
“ESTUPRO por pensamento.” Esse foi o crime do qual uma dona de casa de 39
anos, do bairro Rio Pequeno, em São Paulo, disse ter sido vítima. Ela procurou a
polícia para denunciar ter sido violentada de forma imaginária por dois homens. A
queixa foi registrada com frases como: “Declara que (o acusado) mentaliza e possui
o poder de lhe forçar o ato sexual por pensamento, sem lhe tocar”. O registro
mobilizou policiais da Delegacia de Defesa da Mulher, que pediram um exame
psicológico da dona de casa. Como a autora da denúncia desapareceu, o inquérito foi
arquivado. (Época, 26 de setembro de 2011. Ed.697 p.13).
imaginário e indo para o real na forma de uma aguda agressão sentida com extrema
violência.
49
Freud não se interessa muito pelos fenômenos da esquizofrenia, mas fez uma
Lacan considera que existe um gozo primeiro, anterior a todos os outros, trata-se
do gozo do corpo, que é autoerótico à medida que o corpo tem sua finalidade inicial
imagem, isto é o que ocorre com Schreber quando se vê na frente do espelho e sente
seu corpo se modificar, seus seios aumentarem quando Deus deseja gozar de seu
gozo não está ligado à falta, deixando-o fora do sexual por anular o falo. (ibidem).
fala, emitindo significantes que não podem se sustentar num significante fálico que
calaria estas vozes, pois quando um significante de ordem fálica entra em ação, não
por ser tomado sem o socorro de nenhum discurso estabelecido. Ele está fora do
discurso” (ibidem).
50
pensamento não consegue ser contínuo, e com isto, o Outro não consegue ser
subjetivado. Acaba por acontecer das vozes invadir o sujeito e isto não poder ser
esquizofrênico que podemos detectar aquilo que Lacan fala de forma geral para o
psicótico: que ele é mais habitado do que habita propriamente a linguagem.” (Lacan,
1985 p. 284).
sujeito, este corpo é cortado pelas pulsões que o invadem, tal como ocorreu com
Schreber no início dos seus sintomas. Lacan, ao criar o estádio do espelho afirma que
“é através da imagem do outro que esse corpo despedaçado toma uma forma uma a
que Lacan chama de forma ortopédica” (Quinet 2011, p. 117). Para o autor, isto dá
partir da imagem do outro, desenvolvemos com este, uma relação conflitiva e que
uma estrutura paranoica por nunca estar sozinho, ele sempre está acompanhado do
outro de um eu-ideal.
sujeito distinto da mãe a partir da aquisição de sua imagem, que gera uma castração e
narcisismo) como constituinte de uma matriz simbólica, porém, não é essa provação
da criança que a faz incluir no mundo simbólico, é preciso que haja o significante
51
fundamental para que a operação da metáfora paterna seja realizada, sem isto, os
2011, p. 117).
em atuação, ou seja, só a imagem não basta para isso, ela não sustenta o edifício,
dependemos da palavra para reger a imagem que sozinha tem o poder de paralisar,
Podemos dizer que a paranoia situa-se ao lado do estádio do espelho, enquanto que
Pode ocorrer o que Freud nomeou como demência paranoide, rótulo dado para
4. CAPÍTULO III
FOLIE A DEUX
No dia 02 de fevereiro de 1933 ocorreu um terrível crime cometido por duas irmãs
contra suas patroas, mãe e filha. Este crime chocou a França e reverberou em todas
as mídias com análises dos mais variados espectros. Lacan que defendeu sua tese de
doutorado no ano anterior também se interessou pelo ocorrido, para ele o crime
Irmãs Papin não constituem propriamente um caso teórico, pois assim como as
ninguém que discorreu sobre elas. O interesse vem dos móbeis suscitados pelas irmãs
e a impossibilidade de não analisar tais variáveis, foi com isto que grandes autores
Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir tornaram a história das irmãs Papin em luta
peças teatrais e versões para o cinema renderam e fazem com que a história não
como Lacan e outros, que se debruçaram sobre a teoria para entender as reais
motivações uma vez que este caso explana - como caso clínico - uma análise tão
Christine e Léa Papin, irmãs, uma de vinte oito anos e outra de vinte um, ambas
Pode-se dizer que era uma família com um modelo rígido, e tinham sérias reservas
resposta a uma não resposta. Foi no fatídico dia 02 de fevereiro que o grande ato
ocorreu, a patroa e a filha chegavam da rua após saírem para realizar compras
súbito conheceram o furor desmedido de duas irmãs; sabemos que Christine que
iniciou o rompante e Léa a imitava. Cada uma delas subjugou uma adversária e em
vida os olhos delas foram retirados da órbita, foram espancadas com diversos
Após o ato atroz, as duas lavam os instrumentos utilizados para cometer o crime,
cama conclamando: “Agora está tudo limpo!”, que no sentido original do francês
remete ao sentido de se livrar de algo sujo, indecente, imoral “c’est du propre”, com
isto ficam na cama esvaziadas de qualquer emoção, como quem espera para ser
Este ato criminoso que foi narrado, pode ter ocorrido somente devido a um curto
circuito ocasionado por um ferro de passar roupa que queimou, deixando a casa na
Sabemos que apesar de Clémence, mãe de Christine e Léa ser uma figura ausente,
Christine com vinte oito dias de idade foi dada por Clémence para morar com
Isabelle, uma cunhada solteira. Com Isabelle, Christine viveu sete anos felizes e de
paz até que Clémence interrompeu para retomá-la e interná-la no instituto Bom
Pastor; neste local já se encontrava Emília, irmã mais velha de Christine, Clémence
teve três filhas ao todo. Foi sobre o olhar cuidadoso de Emília que Christine ficou
por oito anos no instituto, lá aprendeu a obedecer e servir, até que a irmã vestiu o
hábito.
apressada, pois Christine desejava seguir o mesmo caminho que Emília e também
Clémence não aceitaria perder a segunda filha e por isso tratou de agir antes que não
de casa em casa. Com Léa, ocorreu quase o mesmo procedimento, com um mês de
vida foi entregue para uma tia que a criou até determinada idade, quando fora
55
retomada e internada no orfanato Saint-Charles, de onde foi retirada aos treze anos
Clémence colocou Christine para trabalhar na casa dos Lancelin quando ela estava
com vinte e dois anos. Desde a separação de Emília do Bom Pastor, Christine sentia
muita saudade da irmã e, por conseguinte, acabou se afeiçoando bastante à Léa, que
estava com dezesseis anos neste momento. Christine passou a querer que Léa
estivesse sempre do seu lado, chegando o momento em que pediu para a senhora
Lancelin que também contratasse Léa para auxiliá-la nas tarefas domésticas. A
senhora Lancelin aceitou prontamente e foi delimitado que Christine seria cozinheira
As regras da casa era que somente a patroa dava as ordens e que os serviços de
Léa seriam instruídos por Christine, pois a senhora não queria familiaridades entre a
classe dos patrões com os serviçais, o que foi muito bem aceito pelas duas que
No tempo em que ficaram na casa, elas tinham um quarto só para elas, que
domingo, porém em toda esta estadia na casa, que foram seis anos de trabalho para
os Lancelin, neste período, não se encontraram com nenhum rapaz, com nenhuma
empregada doméstica das casas vizinhas, nunca foram ao cinema, ao ponto que
ninguém conseguia arrancar delas mais do que dez palavras. Contudo, eram
invejavam.
56
no seu quarto, bordando enxovais, dos mais nobres tecidos, ao ponto que poucas
moças teriam condições de ter um material similar, o que era algo paradoxal, pois
Outro traço estranho das irmãs era que elas não suportavam “receber ordens”.
observações, nem mesmo de sua mãe que a enchia de críticas, tampouco de patroa
alguma. Houve um episódio em que Léa deixou cair um pedaço de papel e a senhora
Lancelin segurando a manga de sua blusa com dois dedos fez Léa se ajoelhar e pegar
uma pesada chapa de ferro do fogão no chão: “Ela que não comece nunca mais,
senão...”. Ambas ficavam extremamente ariscas sob o sinal de repreensão, era algo
intolerável para elas, “uma ferida narcísica vivida como persecutória, que
dedicação de suas empregadas não acha justo que o salário delas ficasse
integralmente com Clémence, e dali por diante decidiu intervir para que as duas
A partir deste momento, a senhora Lancelin começou a ser vista por Christine e
Léa com mais afeição, deixava de ser a patroa para se tornar uma pessoa que se
57
importava com o bem-estar delas. Um gesto que sem duvida poderia ser traduzido
O segundo episódio foi consolidar este rompimento de Léa e Christine com a mãe,
quiseram mais ver Clémence, a partir daí, a senhora Lancelin ocupou o lugar materno
de férias, ambas foram até a prefeitura e apresentaram seu pedido ao prefeito, de que
Léa fosse emancipada, porém de que e de quem elas não sabiam dizer. “Diante do
vigorosamente, seu desejo de continuarem juntas na casa dos Lancelin, onde estavam
com o senhor Lancelin e o instruiu a demiti-las dizendo: “Se eu fosse o senhor, não
ficaria com essas moças: elas são verdadeiras perseguidas.” Porém, como René
Lancelin não permitia que ninguém se intrometesse em sua vida, não deu ouvido ao
aviso do comissário e esqueceu este comentário até que houve um ferro quebrado
que causou um curto circuito que causou uma orgia sangrenta no fatídico 02 de
Algo crucial na história das Papin é observar a importância que tem as ações de
Clémence. Ela “coloca e retira”, “toma e retoma” suas filhas puramente como se
fossem objetos, aliás, esta é sua real relação com as filhas, uma relação de escambo
que a favorece em determinadas situações, neste jogo ela já havia perdido Emília e
não suportaria perder mais nenhum objeto, falando que era seu direito “vigiá-las” e
março de 1931, dois anos antes do ocorrido. Nessa carta é possível visualizar o
mecanismo delirante de Clémence, que fala sobre a inveja que um outro abstrato
sentia delas: “Têm inveja de vocês e de mim”, em outro trecho fica claro o
sentimento de perseguição: “Eles vão derrubar vocês pra ser dono de vocês, vão
Este “eles” da carta de Clémence é algo impessoal, pode-se dizer que é a crença
exteriorizados e repassados a Christine que captura tudo que vem desta mãe, e
replica com o mesmo ímpeto tais crenças. Sabemos que Christine possuía a estrutura
psicótica, a sua paranoia conduziu Léa em todos os atos e podemos, por ora, pensar a
Em outro trecho de suas cartas Clémence diz: “A gente pensa que tem amigos e
outro enigmático a grande culpa de algo que não sabemos dizer, e que pode suscitar a
59
questão: este “a gente” inclui Christine e Léa? Ou seria apenas uma repreensão sobre
sempre vago por se tratar de uma construção, quanto mais encurralado e menor o
conhecimento do delirante, mais claudicante torna-se sua construção, elas não são tão
com sua loucura. Neste aspecto, a inveja levanta mais móbeis, do que qualquer
situação da realidade, esta é a força motriz que impulsiona Clémence a agir sobre o
“dar e retomar”.
Fato importante para nos atentarmos para a natureza do crime é que quando
Clémence controla, faz um delírio de ciúme, é o “olhar” dela que paira sobre as
irmãs, é este “olhar” controlador que critica e diz que ambas estão sob sua tutela.
Este relacionamento perdurou até o crime romper o jogo do “olhar”, que levou a
passagem ao ato.
da patroa, ou seja, o olhar dela sustentava a cena das duas irmãs, no que a
com elas - e Christine não suportaria tal fato, sob a ameaça de se tal acontecer, a
mesma se encontraria num abismo sem referências de qual o significante não pode
reportar.
60
paranoicas para o crime estão neste jogo especular em que o autor tenta remontar:
Se eu o amo, digo que é ele que me ama, e se o odeio, penso que é ele que me odeia.
São processos ilustrados pelas palavras de Christine ao comissário: “Olhe”, disse
ela depois do crime, “preferi acabar com a raça das minhas patroas a serem elas a
acabar com a minha e a da minha irmã.” Ou então: “Ela me deu um pontapé, e eu
a cortei em pedaços para me vingar do chute que ela me deu, no mesmo lugar em
que fui atingida.” Mas acrescentou: “Nunca tive nenhum motivo para querer mal a
minhas patroas.” (Nasio, 2001 p. 210).
a patroa podiam paralisá-las, matar com o “olhar”, então Christine simplesmente age
Christine enquanto estava na prisão pedia incessantemente para ver Léa. Para
alcançar este objetivo fez greve de fome, de sono e deixou de responder qualquer
pergunta dirigida a ela. Depois de alguns meses tem uma alucinação em que Léa
estava em uma árvore com as pernas cortadas e a partir deste momento se desliga da
realidade. Tenta furar seus próprios olhos em um ataque e declara que as senhoras
Lancelin não haviam morrido, pede para ver o senhor Lancelin e seu filho, atira-se
contra as paredes e a porta. Uma alucinação que desencadeou a loucura. (Nasio, 2001
p. 211).
representação psíquica que irrompe do lado de fora e se impõe como uma percepção”
61
(p. 212). Para Lacan este é o aforismo de que a alucinação é o aparecimento no real
daquilo que não pode advir no simbólico, que não pode ser escrito de alguma forma.
Esta não inscrição, que gera a falta, pode ser nomeada como castração. Christine
estava sofrendo com a castração de Léa, uma figura que promovia um sustentáculo,
um suporte para as ideações. Agora a ausência era sentida como uma mutilação, um
Sobre o surto psicótico de Christine na cadeia, Nasio (2001 p. 213) relata que da
mesma forma que no momento do ataque as patroas, Christine age fazendo uma
passagem ao ato como sendo o único recurso convocado pelo principio de prazer,
“um prazer que não residia no arrancamento dos olhos, mas na redução de uma
tensão insustentável.”
Após se encontrar novamente com Léa, Christine nunca mais proferiu seu nome
ou pediu sua presença. O vínculo entre as duas já não era o mesmo e Léa não era
passiva e submissa em relação a Christine como era outrora. Após este encontro,
beijando o chão e fazendo o sinal da cruz com a sua língua. Colocou seu destino nas
mãos de Deus.
Nasio (2001) considera o apelo de Christine para Deus como salvador como sendo
Pai na religião, na forma de um delírio místico. No que Nasio (2001 p.213) afirma:
62
Na falta da castração simbólica, foi o corpo inteiro que ela abandonou à morte.
Como ponto de ancoragem da identidade, restava apenas esse real de um corpo
reduzido ao simples real da carne. Assim, Christine deslizou progressivamente para
a esquizofrenia, ou, como chegaram a dizer alguns, para o autismo.
Houve muitos termos comparativos sobre o vínculo das irmãs Papin, chamavam-
crime. O vínculo entre Christine e Léa sempre fora assimétrico, ou seja, Christine era
mas também, possuíam um vínculo que poderíamos denominar de mãe e filha, era
Christine que ansiava em proteger Léa das mazelas do mundo e ela se deixava amar.
“Não estamos diante de dois seres idênticos, mas antes, da roupa e seu forro, do
original e sua cópia, da voz e seu eco”. (Nasio, 2001. Pg. 200).
Para Nasio (2001) as condições necessárias para que ocorra o folie a deux
- É necessário que haja dois sujeitos: um ativo que imponha o delírio a outro
sujeito que ele exerce uma influência segura. Este tem a personalidade mais dócil e
- Na maioria das vezes, são pessoas da mesma família, com laços sanguíneos –
irmão e irmã, mãe e filha, ou no nosso caso, irmã e irmã. Pode ocorrer também entre
marido e mulher.
- Para que o delírio se torne comum a ambos é necessário que esses dois
indivíduos convivam num mesmo meio por muito tempo e cultivem os mesmos
- Quanto menos brutal for o delírio, ou seja, mais calcado na realidade, portanto,
outro das suas ideias, mesmo que este seja mais frágil e comprometido.
Isto vai de encontro com o que os criadores do termo folie a deux propuseram.
A descoberta principal dos dois autores foi colocar o folie a deux na ordem de
passivo para eles dependeria que este tivesse uma “inteligência fraca, mais disposta à
docilidade passiva do que à emancipação” (Pereira, M.E.C ano IX, n.4 dez/2006 pp.
709-713). A segunda distinção que viriam a fazer é que somente o sujeito ativo da
Outro termo muito utilizado para também falar de folie a deux é o termo folie
induites (loucura induzida). Termo cunhado por Eugen Bleuler (1967) que destaca
legitimidade dos seus delírios para o outro sujeito envolvido, para ele, o indutor tem
parceiro traços leves dos fenômenos psicóticos, tais como desconfiança e ideias
O autor ressalta que uma família pode manifestar relações paranoicas, sem, no
oferecem uma última tentativa de solidariedade, “que não poderia ser obtida de outra
contrários aos deles, os sistemas familiares, as filosofias de vida alheia e, com isto,
tudo que não pode ser suportado por eles é simplesmente projetado no outro. Com
65
isto, criam para si a ficção que se dão bem juntos, projetando sempre os problemas
teoria sobre folie a deux de Lasègue e Falret, pois o mesmo comprova que, nos
fanático; “uma vez que assume a posição paranoica, seu parceiro, ou os demais
grandes confusões aos membros mais frágeis, que acabam cedendo a este membro
por medo de represálias, adotando uma postura servil e que anula qualquer crítica
breve explanação familiar, alguns dos dilemas enfrentados pelas irmãs Papin, em que
Léa sucumbiu ao sistema delirante de Christine, mas que tudo estava em perspectiva
5. OBJETIVOS
em ambos os casos.
discursivo coerente.
6. MÉTODO
67
temática na obra freudiana e lacaniana, por meio do estudo massivo sobre aqueles
que consideravam como objetivo central a temática aqui exposta e, como bibliografia
sobre o tema.
7. DISCUSSÃO
68
Lacan, ao escrever o seminário III: “as psicoses”, não havia introduzido a noção de
que a psicose ocorra. Lacan se interessa pela função da lei à medida que ela se
O que autoriza o texto da Lei basta por estar ele mesmo no nível do significante.
Trata-se do que chamo o Nome-do-Pai, isto é, o pai simbólico. Esse é um termo que
subsiste no nível do significante e que no Outro como da Lei. Esse é o Outro no
Outro. (Lacan, 1957-58, 1999, p. 152).
não basta somente a presença do significante, mas deve estar presente o texto da lei,
diferenças entre neurose e psicose, pois, por existirem em ambas, é uma diferença
Miller (1999) relata que na neurose, existe uma desarticulação momentânea entre
significante e significado e que quando isto ocorre é seguida por uma sensação de
surpresa, abrindo espaço para uma nova significação para o que ocorreu. Na psicose,
esta mesma desarticulação, produz um enigma, seguido por extrema certeza; e sobre
isto afirma que quanto mais o significante não é passível de decifração, maior será
real. Os significantes não são dialetizáveis, pois carregam consigo uma rigidez do
enigma e que, por conseguinte, não interage com outros significantes a fim de
introjeção da lei e superação do trauma. Nem sempre isto ocorre cedo, tanto que a
acima.
Uma das possibilidades levantadas neste trabalho foi a de uma loucura parcial, se
pode ser chamada assim. Nasio (1987) trabalhou em uma tese sobre a foraclusão em
que, para ele, todos teríamos condições foraclusivas em nosso psiquismo. Esta visão
surtos momentâneos, mas saem dele após algum tempo. Mexer em aspectos
delicados da vida, como sexualidade, morte, figuras parentais sempre causam abalos,
na dependência do modo em que estas foram concebidas como estruturais para este
sujeito.
O que Nasio propõe é que somos superpostos por fantasias e desejos e que entrar
em contato com estas fantasias pode ser extremamente tóxico ao sujeito, anunciando
estados psicóticos, que para o autor seria uma reação ruim do eu contra o trauma.
71
Édipo, período identificatório com os pais, variam entre meninos e meninas, e disto
incutir um sistema simbólico, pode ocorrer uma falta de vínculos com o social e
deixar o sujeito a deriva de suas fantasias, não advindo nenhum significante que dê
É este mesmo social que estrutura a relação com o outro, à medida que a
O Édipo é o termômetro da psicose. O profissional que erege sua prática sobre tais
embasamentos, tem a seu favor uma consonância de fatos ocorrendo com a criança,
psicose é o caso Schreber, justamente por abarcar a maior parte dos conceitos
percorrer este caminho novamente para embasar os conceitos lacanianos que, por sua
real na forma de procriação. Schreber cria o delírio para tentar tamponar a falta do
Deus. O delírio acaba servindo como tentativa de cura, e em certos aspectos Schreber
obtém êxito por algum tempo, porém não conseguiu sustentar indefinidamente,
próximo da esquizofrenia.
Nome-do-Pai. Como o psicótico está fora desta ordem, seu discurso se torna vazio e
inconsistente, não produzindo uma rede significante com suas possíveis articulações
e respostas apropriadas.
chamou de erotização das palavras, que ganham força para o sujeito e que o faz
penetrar numa lógica de discurso própria a ele, um discurso comum; nota-se que é
um discurso que não é desconexo para ele, pois foi ele que delimitou a produção de
o paranoico teria uma incapacidade em lidar com tais investimentos no social, de tal
realizado pelo mecanismo projetivo traçado por Freud, em que o paranoico projetaria
as representações intoleráveis, mas que elas voltariam para ele do exterior como
A psicose paranoica é central no caso das irmãs Papin. Lacan as estudou como
embasamento de seu doutorado escrito em 1932. Alguns móbeis mais evidentes neste
caso já foram discutidos, mas ressaltamos em favor da paranoia das irmãs algumas
de ciúmes dela, imputando ao outro a culpa de algo virtual. Logo, seus delírios de
Para Nasio (2001) a psicose é um jogo de espelhos, em que o outro sou eu e eu sou
o outro, daí a importância da reação exacerbada para aniquilar aquilo que pode
aniquilá-la, pois se eu penso mal de outro, por projeção o outro pensa o mesmo, e por
defesa não é mais o sujeito que pensa mal e sim o outro, ocasionando motivos para
retaliação.
Porém, o caso das irmãs Papin vai além da psicose paranoica, ela é o motor
devido a presença de um terceiro elemento, a irmã mais nova, que ao atacar a patroa
Para ocorrer o folie a deux é necessário que um sujeito psicótico de postura ativa
imponha o delírio a uma pessoa que ele exerça influência, geralmente mais passivo e
atos, e no extremo cometer assassinato juntamente com o psicótico, tal como foi o
Richter (1996) crêem que o folie a deux seja comum em famílias paranoicas, pois
atacam aqueles que são contrários as seu sistema, mantendo-se alheios da sociedade,
Estas famílias acabam por ter um membro centralizador, que boicotará qualquer
levante dos membros impondo medo e praticando represálias ante qualquer ato que
Creio que as condições do folie a deux apareça em maior número que o previsto,
para as famílias que necessitam de seus serviços, pois a família como uma unidade
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste trabalho, a intenção foi apresentar a psicose como uma segunda via possível
de constituição estrutural básica, e quanto a estes caminhos, se restringem a apenas
dois: neurose ou psicose. O ser humano não escapa destes dois possíveis destinos,
porém a psicose pode ser contornada por uma série de motivos, assim como a
neurose como condição essencial, não se apresenta em sua totalidade como
patológica.
Entender como a psicose funciona desde seu gênese é primordial para não
descartar o sujeito que está sofrendo ante uma impossibilidade de se desvencilhar dos
traumas que não podem ser superados facilmente, pelo menos não sem o auxílio de
uma reparação destes significantes foracluidos; tanto que este poderia se tornar o
ponto de partida daqueles que desejam se dedicar a análise e cuidados de sujeitos
psicóticos.
Não trilhamos o caminho interventivo neste trabalho por considerar que o saber é
promotor da ação factual, preparando o olhar para as pequenas nuances, as repetições
do paciente, sobre o que elas tentam falar, quais são os significantes em ação, as
buscas e motivações de cada delírio, relação de parentescos e como lidam com eles.
Acreditamos que tudo isto são dados interpretativos, que quando realizados com
dedicação, e tendo em vista uma potencial reabilitação do paciente, a linha de
investigação se torna deveras recomendada.
De forma que cada um de nós, mesmo que não tenhamos estrutura psicótica,
podemos em algum momento de nossas vidas sermos psicóticos, por algo atingir
violentamente fantasias e desejos que operem em um plano sensível, promovendo
um surto sob aquelas condições. Pensar assim é não desconsiderar o poder do
77
inconsciente, pois ele rege as fantasias ao seu bel prazer, atravessando-nos a todo
instante, pois até o sonho está sob seu total controle e nos dá uma cota diária de uma
psicose permitida e que quiçá esgota toda catexia acumulada em algum aspecto que
não se lida de maneira efetiva.
78
9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CABAS, Antônio Godino. Curso e discurso da obra de Jacques Lacan. São Paulo:
Moraes, 1982.
SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de lingüística geral. 30ª Edição. São Paulo:
Cultrix, 2002.
SCHREBER, Daniel Paul. Memória de um doente dos nervos. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1995.