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1. INTRODUÇÃO
[...] propõe-se aos pais e professores uma maior seleção das músicas
que são trabalhadas na escola e na sala de aula, não proibindo
simplesmente o uso dessa ou daquela música, para desenvolver nos
alunos uma apreciação musical consciente e crítica, formando assim,
não mais um ouvinte passivo, mas um indivíduo que possa fazer uma
reflexão crítica de todo material que lê, ouve ou assiste no seu dia a dia
(SÁ e LEÃO, 2013, p. 172).
Acredita-se, que a educação musical deve oferecer e proporcionar aos alunos, uma
maior interação com diferentes contextos musicais e culturais, ampliando assim suas
dimensões de mundo. Supõe-se que uma pessoa que não encontra a oportunidade de
vivenciar processos de sensibilização musical se encontra à mercê do que lhe é fornecido
pelos meios de comunicação de massa. Assim, vale ressaltar as idéias de Queiroz (2004) e
Swanwick (2003), que apregoam que um dos pilares da educação musical deve ser o de
conduzir os alunos à novas experiências musicais, compartilhando e considerando os seus
próprios discursos musicais.
Para Fernandes (2013), o educador musical deve considerar os conflitos que
o adolescente vivencia, quando na condução de sua prática docente. Esta consideração
pode tornar a educação musical proposta compatível com o processo de desenvolvimento
cognitivo e psicológico de cada educando. Para o autor, a prática musical deve estar ligada
ao cotidiano do adolescente.
Em se tratando do ensino coletivo de violão, faz-se necessário que o
professor, tenha uma postura crítica na análise e na elaboração do currículo, como também
na escolha do repertório a ser utilizado no sistema pedagógico. O mesmo conceito foi
apresentado por Pies (2011), que enfatiza que o professor poderá elaborar uma
metodologia de ensino baseada em um repertório que "...respeite as diferenças e construa
aprendizagens sólidas e críticas entre todos (PIES, 2011, p. 60)”.
Quanto ao respeito à repertório, às diferenças de preferências por temas e/ou
conteúdos musicais para montar o currículo, tem-se que falar sobre o multiculturalismo,
que permeia a profusão de interesses e costumes do aluno brasileiro. Para Silva e Brandim
(2008) o multiculturalismo é um movimento teórico que iniciou-se nos Estados Unidos em
meados do século XX, na tentativa de combater as discriminações e os preconceitos,
decorrentes da dificuldades de se conviver com as diferenças da pluralidade cultural.
Alguns brasileiros tratam do tema, entre eles, Penna (2006).
Para Maura Penna (ibid., 2006):
O projeto de ensino coletivo de violão nasceu com a intenção de levar aos alunos da
rede pública, matriculados em escolas de ensino regular, a oportunidade de aprendizado
musical. Tendo em vista que a escola em questão contava somente com um professor de
violão contratado, optou-se pelo ensino coletivo para atender à alta demanda.
No ano de 2005, as aulas coletivas de violão foram iniciadas em apenas uma escola
da periferia da cidade. No início do projeto, constatou-se que a maioria dos alunos
conheciam pouco sobre os gêneros musicais que fazem parte da cultura da música
brasileira, e davam preferência a apenas um estilo musical.
Por esse motivo, buscou-se trabalhar um repertório musical amplo, que além de
considerar o gosto musical dos alunos, lhe oferecessem a oportunidade de entrar em
contato com outros gêneros, contribuindo assim para uma ampliação do conhecimento da
cultura musical do nosso país.
A proposta do projeto foi desenvolver uma vivência musical partindo da prática,
onde as nomenclaturas e as teorias poderiam ser inseridas gradativamente. Não foram
aplicados testes de seleção para novos alunos, pois se acreditava que todos poderiam
aprender, bastando para isso disciplina e estudo. As turmas foram divididas em período
matutino e vespertino, com duração de cinquenta (50) minutos, uma (01) aula por semana.
Cada turma possuía de três (03) a oito (08) alunos.
No ano de 2008, o projeto de Ensino Coletivo de Violão, foi estendido à outra
escola da rede pública da mesma cidade, agora na região central, devido à divulgação dos
bons resultados obtidos na primeira experiência.
No decorrer dos anos, o tempo de duração das aulas foi ampliado para uma hora e
trinta minutos. Verificou-se que o desempenho e/ou a aprendizagem dos alunos melhorou
consideravelmente. No ano de 2009 e 2010, algumas turmas tiveram duas (02) aulas por
semana, com duração de uma hora e trinta minutos; sendo que outras turmas continuaram
tendo apenas uma (01) aula por semana. Constatou-se que o desempenho e/ou a
aprendizagem dos alunos que tiveram duas aulas semanais foi superior ao dos que tiveram
apenas uma aula por semana. Tal constatação confirma a experiência de professores, tais
como relatado por Cruvinel (2005), que considera ideal destinar duas aulas por semana
para o ensino coletivo.
O material didático utilizado no projeto foi uma Apostila de Violão (SÁ, 2004).
Esta foi criada em 2004 e foi escrita inicialmente para o ensino individual. Este material
privilegiava, no início, tão somente o sistema de músicas cifradas e a nomenclatura dos
ritmos na pauta, buscando assim um conhecimento amplo dos ritmos trabalhados pela mão
direita no violão popular. A partir do momento em que a apostila passou a ser utilizada no
projeto de ensino coletivo de violão, fez-se necessário, no decorrer dos anos, uma
constante atualização. Atualizada, ela já contempla, além da proposta inicial, a leitura e a
escrita musical de partitura, com arranjos instrumentais a duas (02), a três (03) e a quatro
(04) vozes, de canções populares brasileiras.
Nas aulas, pode-se trabalhar tanto a leitura de cifra com acompanhamento rítmico
para mão direita, como a leitura de melodias e arranjos instrumentais de duas (02) a quatro
(04) vozes na pauta.
Penna (1994) apud Loureiro (2003), alerta que não se dê demasiada ênfase sobre a
técnica, com exercícios centrados no virtuosismo, em detrimento ao "fazer sonoro"; pois
isso pode gerar no aluno uma perda do prazer de tocar e, conseqüentemente, provocar
evasão. Assim, só se utilizou exercícios técnicos condizentes com o fazer musical,
buscando favorecer o desenvolvimento do aluno na execução do repertório trabalhado,
nunca dedicando um tempo excessivo para esses exercícios.
Nas primeiras aulas dividiu-se a turma em dois (02) grupos, para possibilitar a
aprendizagem das primeiras músicas, com apenas dois (02) acordes, com o
acompanhamento harmônico. Enquanto um grupo em ritmo de Marcha, executava o
primeiro acorde, o segundo seguia cantando a melodia; até que chegava a hora da mudança
de posição. Nesse momento, o primeiro grupo passava a cantar e o segundo passava a tocar
o segundo acorde. Com essa técnica, a música não parava e se conseguia, na primeira aula,
a execução de uma canção sem interrupção rítmica; o que motivava os alunos, pois eles
percebiam logo que conseguiam fazer música de uma forma simples.
No aprendizado dos primeiros solos eram utilizadas melodias fáceis e conhecidas,
aprendidas de ouvido, pelas quais os alunos conheciam as notas na primeira região do
braço do violão. A partir do momento que os alunos demonstravam segurança no
conhecimento dessas notas, iniciava-se o processo da leitura musical de forma paulatina,
sendo que as terminologias musicais iam sendo inseridas aos poucos, quando já faziam
sentido na prática musical.
Para que iniciassem o processo de leitura na pauta, foram escritos pequenos
arranjos de, no máximo, oito (08) compassos, à quatro (04) vozes; sendo que, nos
primeiros arranjos, todas as vozes utilizavam cordas soltas no violão. Nesta fase foi
acrescido um violão ao grupo, que possibilitou o acompanhamento rítmico, com acordes
para que o arranjo simples pudesse soar mais harmônico, com mais riqueza tímbrica.
Destaca-se que esses exercícios de leitura na pauta já eram trabalhados e vivenciados “de
ouvido” anteriormente; o que possibilitou uma execução fácil e desmistificou que a leitura
de partitura é algo complicado ou impossível.
Com esses exercícios iniciais de leitura na pauta, os alunos passaram a desenvolver,
além da leitura e execução de notas na pauta, o ouvido melódico e harmônico; bem como o
senso de pulsação rítmica, pois eles tinham a oportunidade de sentir como parte de uma
orquestra ou de um grupo de câmera. A partir dessa fase, ficou fácil dar prosseguimento ao
desenvolvimento metodológico, uma vez que se despertou o interesse do aluno.
Para Pinto (2005), um sistema de ensino deve ser fundamentado em um método,
onde as peças escolhidas tenham uma sequência lógica, pois "...gradativamente irão
sedimentar uma estrutura para uma ascensão organizada (PINTO, 2005: p. 3-4)”.
O repertório escolhido para as aulas levou em conta o desenvolvimento técnico
progressivo, em que se devia começar com canções que possuíam poucos acordes, com a
leitura de notas longas e com ritmos simples; sempre que possível utilizando arranjos ou
simplificando harmonias de canções populares que faziam parte do gosto dos alunos, com
o objetivo de atender ao nível técnico em que se encontrava a turma.
Com freqüência, realizava-se adaptações de músicas populares, subdividindo o arranjo
original para várias vozes, onde cada grupo assumia a função de um instrumento da
gravação original.
Dessa forma, conseguiu-se a participação de todos os alunos do projeto em uma
apresentação pública. Cada voz teve uma dificuldade técnica diferente; e, até mesmo,
aqueles alunos que tiveram apenas poucas aulas puderam participar. Tal formação de
grupo, com todas as especificidades metodológicas e de escolha de repertório, levados em
conta os aspectos multiculturais, estimulou os alunos. Aquela primeira experiência com o
palco tornou-se prazerosa; e, assim, a primeira barreira foi quebrada quanto à motivação e
ao estímulo de superaram as primeiras dificuldades de performance coletiva de violão; fato
que possibilitará, com grandes chances, a aprendizagem dos arranjos mais complexos que
virão ao longo do desenvolvimento cognitivo musical dos alunos.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com dez anos de vivência com o ensino coletivo de violão, constata-se que essa
metodologia de ensino se revela uma possibilidade concreta de ensino para as escolas
públicas de ensino regular. Nesses anos, percebeu-se que o repertório é um dos fatores que
favorecem ou não a permanência dos alunos no projeto, como também o nível de interesse
e dedicação ao estudo do instrumento. A mesma constatação obteve Tourinho (2002),
como relatado em seu trabalho de ensino coletivo.
Mesmo o aluno encontrando um universo musical mais amplo e diversificado, também
lida com um repertório que faz parte da sua experiência de vida e isso faz com que não crie
resistência para aprender o novo. Pensa-se, a partir desta experiência, que esta forma de
organização da metodologia de ensino possa contribuir para quebrar a barreira entre o
popular e o erudito. Isso pode ocorrer pois, desde o início dos estudos, o aluno aprende o
sistema de cifra predominante na música popular, bem como a leitura de partitura. E em
conjunto, podem assumir uma qualidade harmônica distinta, que leva à melhor apreciação
musical e à aprendizagem dos elementos que compõem a música.
A pesquisa de mestrado hora em desenvolvimento resulta dessa experiência narrada
neste texto, e tem por finalidade sistematizar a metodologia de ensino vivenciada para
consolidar a proposta como tal, bem como visa a reflexão e a busca por teóricos que
discutam a educação musical a partir do ensino coletivo.
Referências
FERNANDES, José Nunes. Educação Musical: temas selecionados. Curitiba: CRV, 2013.
MORAES, Abel. Ensino Instrumental em grupo: uma introdução. Música hoje, Belo
Horizonte: v. 4, p. 70-78, 1997.
PIES, Neri Gervasio. Capital Cultural e Educação em Bourdieu. Passo Fundo, 2011. [69
f.]. Dissertação (Mestrado em Educação). Faculdade de Educação, Universidade de Passo
Fundo, Passo Fundo, 2011.
PINTO, Henrique. Violão: um olhar pedagógico. São Paulo: Ricordi Brasileira S/A, 2005.
SÁ, Fábio Amaral da Silva. O melhor do violão popular. Goiânia, 2004, 104 p. Apostila
do Projeto: O Ensino Coletivo do Violão Popular - Colégio Estadual João Bênnio.
SILVA, Maria José Albuquerque da; BRANDIM, Maria Rejane Lima. Multiculturalismo e
educação: em defesa da diversidade cultural. Revista Diversa, Parnaíba, v. 1, p. 51-66,
2008.